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A Constituição de Uma Concepção de Educação Libertadora em Paulo Freire

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

A CONSTITUIÇÃO DE UMA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO


LIBERTADORA EM PAULO FREIRE
Antonio Oziêlton de Brito Sousa
Universidade Estadual do Ceará - UECE
Paulo Martins Pio
Universidade Estadual do Ceará - UECE

RESUMO: As discussões e pesquisas realizadas no âmbito da Pós-Graduação


proporcionaram diversas oportunidades para discutirmos os marcos fundamentais do
pensamento educacional historicamente produzido. Revisitando as grandes correntes
filosóficas e os principais teóricos da educação, nos aprofundamos, de maneira
particular, nos estudos sobre Paulo Freire, passamos a dar ênfase em aspectos de sua
produção concernentes às principais categorias teóricas, particularizando sua
compreensão acerca da essência humana e da relação indivíduo-sociedade; relação
teoria/prática e do papel do professor no processo educativo. Diante disso, o presente
trabalho insere-se na área da educação e tem como objetivo investigar os principais
pressupostos da pedagogia e da concepção educacional de Paulo Freire, compreendendo
a constituição da percepção educacional libertadora defendida por ele. Ao problematizar
sobre essa possibilidade de educação, realizamos um estudo de cunho bibliográfico,
refletindo qualitativamente acerca das principais categorias estudadas (FREIRE, 1997;
1996; 1999). Por fim, construímos o entendimento de que a proposta da pedagogia
freiriana situa-se no campo da tendência libertadora e, como tal, apresenta um
direcionamento para as transformações sociais, dando novos significados para as
práticas e sujeitos envolvidos no ato de ensinar e aprender, ficando claro que o modelo
de educação proposto por Paulo Freire se diferencia da educação tradicional, entre
outras coisas, pela rejeição a elementos como a dependência dominadora. A educação
libertadora é, sobretudo, uma educação conscientizadora, na medida em que além de
conhecer a realidade, busca transformá-la, ou seja, tanto educador quanto educando
aprofundam seus conhecimentos em torno do objeto para poder intervir sobre ele.

PALAVRAS CHAVES: Educação. Libertação. Paulo Freire.

INTRODUÇÃO
Este estudo é resultado das reflexões e pesquisas realizadas no âmbito da Pós-
Graduação e traz como objetivo a investigação dos principais pressupostos da
pedagogia e das concepções educacionais de Paulo Freire. A pesquisa é de natureza
bibliográfica e busca estabelecer um diálogo com o autor acerca de suas formulações
sobre as ideias pedagógicas libertadoras e do seu lugar no quadro das tendências da
educação.
Expomos a base teórica utilizada por Paulo Freire com intuito de mostrar os
pressupostos fundamentais para a constituição de uma educação libertadora, o que nos
permite compreender a possibilidade de uma educação inserida em uma história dentro

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de uma sociedade produzida pelo ser humano emancipado da lógica exploradora e


opressora.

1. EDUCAÇÃO COMO ATO POLÍTICO: A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO


Em Educação como Prática da Liberdade, Freire (1999) afirma que o contexto é
o processo de desenvolvimento econômico e o movimento de superação da cultura
colonial nas sociedades em trânsito. Nas sociedades em trânsito, o autor procura mostrar
o papel político que a educação engendra de forma que pode vir a desempenhar a
possibilidade real, concreta, objetiva de outra sociedade, a sociedade aberta.
Na Pedagogia do Oprimido, direciona a sua opção político-pedagógica “aos
esfarrapados do mundo, e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE, 1997, p. 05). Nesse livro advoga
uma pedagogia revolucionária, que tenha por objetivo, ação consciente e criativa a
reflexão das massas oprimidas sobre sua libertação. O papel central no processo de
libertação seria dos oprimidos e não mais, como explicitou em Educação como Prática
da Liberdade, das elites comprometidas em diálogo com o povo.
No que diz respeito à relação entre educação e política, confirma a tese de que a
mudança social deveria partir das massas e não de indivíduos isolados. Dessa forma,
afirmou que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão” (op. Cit., p.71). Com isso, Freire (1997) apresenta alguns
aspectos do que para ele constitui o que vem chamando de pedagogia do oprimido:

[...] é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens
ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia
que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de
que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, e esta
pedagogia se fará e refará. (op. cit., p.43).

A essência da sua pedagogia é a libertação. A libertação tem como caminho a


práxis de sua busca. A práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para
transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimido.
Freire apresenta o grande problema de como poderão os oprimidos, que hospedam o
opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia
de sua libertação:

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Somente na medida em que se descobrem hospedeiros do opressor


poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora.
Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com
o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode
ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta
descoberta crítica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores
pelos oprimidos, como manifestações de desumanização. (FREIRE, 1997,
p. 43).

É preciso que o povo tome consciência da realidade em que vive, objetive-a,


submetendo-a a sua reflexão para perceber os condicionantes que ela criou e o
envolvem. Daí, que a necessidade que se impõe para superar a situação opressora
implica o reconhecimento crítico, a razão desta situação, para que, através de uma ação
transformadora instaure-se outra, que possibilite aquela busca do ser mais.
Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente, servir à libertação do
oprimido. Nas sociedades governadas pelos interesses de grupos, classes e nações
dominantes, a educação como prática da liberdade postula, necessariamente, uma
pedagogia do oprimido. A educação libertadora é incompatível com uma pedagogia
que, de maneira consciente ou mistificada, tem sido prática de dominação.
A educação cumpre um papel nesse processo de conscientização e de
movimento de massas. Pelo conceito de consciência transitiva crítica, entende-se como
a consciência é articulada com a práxis. Para se chegar a essa consciência, que ao
mesmo tempo é desafiadora e transformadora, são imprescindíveis o diálogo crítico, a
fala e a vivência. O diálogo proposto pelas elites é vertical, rígido, impeditivo do
educando-massa dizer a sua palavra. Na pedagogia dominante, ao educando cabe apenas
escutar, obedecer, e um dos elementos básicos na mediação opressor-oprimidos é a
prescrição, a qual se configura como a imposição da opção de uma consciência a outra.
Na concepção de Paulo Freire, o dialogo é uma relação horizontal, nutrindo-se
de amor, humildade, esperança, fé e confiança. Nesta relação dialógico-libertadora,
parte-se dos conhecimentos e da experiência dos educandos para construir um
conhecimento novo, uma cultura vinculada aos seus interesses e não à cultura das elites.
É fundante que o educador revolucionário não se utilize dos mesmos métodos
antidialógicos de que se servem os opressores. Trata-se de buscar a coerência entre a
teoria e a prática. A coerência que ele defende como primeira virtude do educador
revolucionário parece ser sua virtude principal, mas nos adverte com frequência que a

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coerência absoluta é burrice, pois torna as pessoas incapazes de mudar. E, para mudar, é
preciso desrespeitar as verdades já adquiridas, os próprios preconceitos.

2. PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS EM FREIRE E O PAPEL DO PROFESSOR


A obra de Freire apresenta uma evolução que reflete o desenvolvimento de seus
referenciais teóricos. Segundo Gadotti (1996), há três filosofias que marcaram a teoria
freiriana: o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo. Freire nos fala em
oprimido-opressor, nas obras dos anos 1950-1960, em opressão de classe nos anos
1960-1970 e opressão de gênero e raça nos anos 1980-1990.
Dado o teor do presente artigo, focaremos apenas nos primeiros escritos, pois
neles, percebemos a influência marcante do existencialismo culturalista, através das
referências a autores como Jaspers, Tonybee, Sartre, Max Weber. Por outro lado, a
filosofia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), também se faz visível na
sua obra por meio de elaborações de Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto e Roland
Corbisier. É o nacional desenvolvimentismo isebiano que se traduz em Freire a partir
das temáticas de libertação do colonizado, da educação libertadora. Ainda nas primeiras
obras, podemos criticar Freire por não referir-se às classes sociais e ao modo de
produção que as determina. No entanto, percebe-se que na Pedagogia do Oprimido ele
já se situa com categorias marxistas e leninistas, portanto dialéticas, tais como classe
social, revolucionários, embora a dialética hegeliana entre o Senhor e o Escravo esteja
presente em toda a sua obra.
Diante desse processo dialético, Freire faz suas autocríticas. Conforme Gadotti
(1996) cometeu algumas ingenuidades nos anos que precederam 1964, em função de um
contexto de intensa presença popular. Ele percebeu que não é pela força da palavra, do
discurso que se fará a superação da opressão, mas da inserção na realidade concreta e a
correspondente transformação econômica, político-ideológica. Assim, a educação não é
a alavanca da transformação social, mas sem ela essa transformação não se dá.
Em consonância com o pensamento de Freire (1996), o professor favorece a
construção do conhecimento e da formação do aluno e o aluno também possibilita ao
professor uma aprendizagem. O docente deve perceber as experiências e saberes do
aluno e o que ele traz consigo e partir daí ensinar. Partindo do conhecimento de mundo
a curiosidade ingênua, poderá ser transformada em curiosidade epistemológica.

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Docentes e alunos poderão ter uma boa relação, construída no respeito e no


diálogo. Para Freire, o professor deve ter rigor nos trabalhos, nas atividades e outras
ações próprias da sua profissão. O importante é não confundir autoridade com
autoritarismo. Não se pode exercer a docência o professor que se acha o detentor do
conhecimento e com isso, impor comportamentos aos alunos através do medo, da
ameaça. Isso seria autoritarismo. Também não se pode deixar o aluno fazer o que bem
entende, sem cobranças ou responsabilidades, isso seria licenciosidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra de Freire possibilita uma análise sobre a educação brasileira e o processo
de aprendizagem. Aborda questões que agregam à educação um complexo que envolve
os elementos básicos de nossa realidade, por isso, as suas afirmações permanecem como
válidas na atualidade. O seu discurso e a experiência de sua vida possibilitaram uma
compreensão da educação global, em que o professor e o aluno, ensino e aprendizagem,
tem correspondência, se completam dialogicamente e respeitosamente.
Assim, podemos afirmar que a proposta da pedagogia freiriana situa-se no
campo da tendência libertadora e, como tal, apresenta um direcionamento para as
transformações sociais. O modelo de educação proposto por Paulo Freire se diferencia
da educação tradicional, entre outras coisas, pela rejeição a elementos como a
dependência dominadora. A educação libertadora é, sobretudo, uma educação
conscientizadora, na medida em que além de conhecer a realidade, busca transformá-la,
ou seja, tanto educador quanto educando aprofundam seus conhecimentos em torno do
objeto para poder intervir sobre ele.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro, Paz e
Terra. 1999.

____________. Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática


Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

___________. Pedagogia do Oprimido. 54ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1997.

GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo. Cortez. Instituto Paulo
Freire. Brasília, DF. UNESCO, 1996.

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