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Pitano (2017) Freire e o Sujeito Social

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DOI 10.5216/ia.v42i1.

43774

A educao problematizadora de Paulo


Freire,
uma pedagogia do sujeito social

Sandro de Castro Pitano


Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul,
Brasil

Resumo: O artigo apresenta os resultados de uma investigao


bibliogrfica sobre o pensamento de Paulo Freire, assumindo que
o mesmo considera o sujeito social como horizonte formativo. Visa
identificar e definir, a partir dos escritos freireanos, um conceito de
sujeito social afinado com os princpios polticos e pedaggicos
da educao popular. A anlise bibliogrfica enfatizou as obras:
Pedagogia do Oprimido, Conscientizao, Pedagogia: Dilogo e
Conflito, Poltica e Educao, Pedagogia da Esperana e Pedagogia
da Indignao. Aprofundando o estudo de categorias centrais como
conscientizao e dilogo, foi possvel identificar e caracterizar um
conceito de sujeito social na pedagogia freireana, configurando um
horizonte formativo em consonncia com os fundamentos e ideais
da educao popular.
Palavras-Chave: Paulo Freire. Educao Problematizadora. Educao
Popular. Sujeito Social.

1. Introduo
O texto desenvolve uma anlise do pensamento de Paulo Freire,
considerando a tese de que o mesmo, assim como a educao popular, tem
o sujeito social como horizonte formativo. Almeja definir, a partir da obra
freireana, um conceito de sujeito social afinado com princpios polticos e
pedaggicos da educao popular, contribuindo para o seu vigor como

Inter-Ao, Goinia, v. 42, n. 1, p. 87-104, jan./abr. 2017. Disponvel em: <http://dx.doi.org/10.5216/ia.v42i1.43774>.


PITANO, S. de C.

movimento social libertador. Aponta para uma condio humana em


construo, emergente da inconclusividade no devir histrico, na qual os
sujeitos sejam capazes de assumirem-se como fatores determinantes da
existncia individual e social
Embora a anlise bibliogrfica tenha englobado todos os escritos
freireanos (livros) acessveis pesquisa, dedicou-se maior ateno s obras:
Pedagogia do Oprimido, Conscientizao, Pedagogia: Dilogo e Conflito,
Poltica e Educao, Pedagogia da Esperana e Pedagogia da Indignao. A
escolha resultou da pesquisa exploratria, que permitiu destac-las em razo
de seu potencial sobre a temtica do sujeito. Alm disso, considerando a
amplitude da obra de Freire, seria quase impossvel desenvolver o estudo com a
profundidade devida sem estabelecer prioridades. E ao estabelec-las, buscou-
se selecionar escritos representativos de todos os perodos e caractersticas do
seu pensamento, razo pela qual a obra dialogada se faz presente.
Como categorias de anlise centrais foram assumidas conscientizao,
incluindo o desdobramento dos diferentes nveis de conscincia especificados
por Paulo Freire, e o dilogo. O significado de ambas foi evidenciado,
buscando demonstrar os nexos estabelecidos ao longo do processo
dialtico de sistematizao do seu pensamento pedaggico e poltico. A
concepo epistemolgica afirmada pelo autor o elemento articulador dos
tensionamentos provocados em relao realidade social, como condio de
possibilidade sem a qual o dialtico-dialgico resta sem sentido.
O sujeito social fruto de um caminho de aprendizagem e superao
de estgios de conscincia. Um caminho jamais linear e, menos ainda,
predeterminado. movimento humano na histria de suas relaes cada
vez mais conscientes com os outros e com o que ocorre no mundo. Embora
no seja encontrado, na obra de Freire, o termo sujeito social, o uso de outras
expresses com afinidade semntica, tais como sujeito histrico, sujeito da
deciso, sujeito cognoscente, sujeito da transformao e sujeito poltico, revelam-
no presente, ainda que de maneira implcita.
Considerando apenas as seis obras destacadas nesse estudo, percebe-
se que Freire utiliza o termo sujeito 217 vezes, com diferentes formulaes:
Conscientizao (31) sujeito da histria, sujeito do processo, sujeito
conhecedor, ser sujeito; Pedagogia do Oprimido (102) sujeito dialgico,
sujeito da educao, sujeito da transformao, sujeito da histria; Pedagogia:
dilogo e conflito (03) sujeito inteligente; Poltica e educao (29) sujeito da
histria, sujeito consciente, sujeito da transformao; Pedagogia da esperana
(25) sujeito histrico, sujeito poltico, sujeito crtico; Pedagogia da indignao
(27) sujeito tico, sujeito da histria, sujeito crtico e sujeito cognoscente.

Inter-Ao, Goinia, v. 42, n. 1, p. 87-104, jan./abr. 2017. Disponvel em: <http://dx.doi.org/10.5216/ia.v42i1.43774>.


A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 89
2. A educao problematizadora e seu horizonte formativo
Desde Educao e Atualidade Brasileira Freire (2002b) problematiza
as condies histricas de opresso e desigualdade social que, fruto das
relaes colonialistas iniciadas no sculo XVI, caracterizam o Brasil. Um
processo de opresso que, negando a homens e mulheres as condies
para assumirem-se como sujeitos de seu prprio mundo, configura
uma manifestao de violncia. Violncia dos opressores, que impede a
humanizao dos oprimidos. Porm, nessa lgica, os opressores tambm
se desumanizam: assim como aqueles, so homens e mulheres inconclusos,
aviltados na busca pelo ser mais.
A capacidade de dimensionar o tempo, recordar o passado,
compreender o presente e planejar o futuro so atributos que o ser humano,
inconcluso, foi desenvolvendo. O inacabamento lhe caracterstico, porque
assim se reconhece atravs da conscincia. E como o ser humano, a realidade
que o condiciona tambm inacabada. Como processo histrico, ambos
se modificam dialeticamente. Em consequncia, a realidade muda quando
o humano inconcluso a altera por meio da ao, modificando a si mesmo
paralelamente. E se para escrever a histria o ser humano necessita da
conscincia de si, a educao se revela fundamental. Por meio dela possvel
viabilizar a superao de posturas deterministas (mecnica) e/ou voluntaristas
(idealista) diante da realidade:

Na compreenso da histria como possibilidade, o amanh problemtico.


Para que ele venha preciso que o construamos mediante a transformao
do hoje. H possibilidades para diferentes amanhs. A luta j no se reduz
a retardar o que vir ou a assegurar sua chegada; preciso reinventar o
mundo. A educao indispensvel nessa reinveno. Assumirmo-nos como
sujeitos e objetos da histria nos torna seres da deciso, da ruptura. Seres
ticos (FREIRE, 2000a, p. 40).

Freire acredita na capacidade que homens e mulheres possuem de


superar as suas situaes limite, principalmente a explorao historicamente
imposta. Transformar a realidade libertando oprimidos e opressores a
preocupao responsvel por engendrar a Pedagogia do Oprimido, como
pedagogia humanista e libertadora. Ao sistematizar toda a sua obra em
prol da luta constante contra qualquer forma de discriminao, a favor do
humanismo, da tica, da bondade, ele se posiciona, claramente, contra a
ordem capitalista vigente que inventou esta aberrao: a misria na fartura
(FREIRE, 1996, p. 115). Comprometendo-se com a transformao da realidade
social, desenvolveu a Educao Problematizadora como princpio formativo.

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PITANO, S. de C.

Segundo Freire (2002b), a alienao resulta da dominao, fazendo


do oprimido um ser dual que deseja, no raro, transformar-se em opressor.
A alienao representa uma caracterstica histrica da sociedade brasileira,
refletindo-se na autodiminuio face s outras pessoas, culturas ou
sociedades. O indivduo alienado vive como um ser-para-outro e no como
um ser-para-si. Geralmente, considera a cultura estrangeira melhor, tambm
a moda, a eficincia, mesmo que isto ocorra somente em seu pensamento.
Da que o melhor seja, para os alienados, imitar os valores dos opressores,
assumindo-os:

Quando o ser humano pretende imitar a outrem, j no ele mesmo. Assim


tambm a imitao servil de outras culturas produz uma sociedade alienada
ou sociedade-objeto. Quanto mais algum quer ser outro, tanto menos ele
ele mesmo (FREIRE, 2002d, p. 35).

Se o quadro de alienao constatado atrela-se a um problema


eminentemente poltico, cabe contorn-lo pela mesma via. Portanto, poltica
e educao se interligam para atingir um fim comum a todos, o ser mais.
Pela intencionalidade atribuda ao processo educativo, Freire almeja uma
educao politicamente definida a favor de um ideal, de um projeto humano
sempre em vias de, possibilista diante das contradies sociais impostas e no
deterministicamente dadas. Analisando seus escritos e sua trajetria, percebe-
se um defensor ferrenho da justia social, estimulador da mudana radical,
idealista convicto e apaixonado pela liberdade. Entenda-se que a liberdade,
para o autor, um processo (FREIRE, 2002g, p. 94), destino por que temos
de brigar incessantemente.
Sobre a organizao da sociedade Freire aposta na radicalizao da
democracia, compreendida para alm de uma organizao poltica. Para ele,
democracia um modo de vida, prtica constante e construda na relao
dialgica com os semelhantes, que passa a ser interiorizada. As pessoas devem
envolver-se nos processos formadores da prpria histria, construindo-a com
as prprias mos. educao libertadora, o autor adverte que calar diante da
explorao que desumaniza assumir como falso tudo o que foi dito como
prprio dos seres humanos frente ao seu contexto; concordar com os sculos
de colonialismo explcito, apoiado na inculcao ideolgica de inverdades
unilaterais que acabam sedimentadas. E para Freire, as relaes dominantes
em uma sociedade de classes s podem ser de explorao, dominao e
alienao e se h algo intrinsecamente mau, que deve ser radicalmente
transformado e no simplesmente reformado, o sistema capitalista (FREIRE,
2002a, p. 69). Por isso, o enfrentamento poltico e social buscando universalizar
o vir-a-ser o fim maior da sua Educao Problematizadora.

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 91
3. Dilogo e conscientizao, alicerces do sujeito social
Como processo contnuo de desenvolvimento do ser humano,
a educao necessria em sociedade. Possibilita elaborar e modificar
comportamentos, podendo ser considerada como fator de mudana. Frente
a uma situao social como a brasileira, em que se vive sombra de um
passado autoritrio, sem relaes dialgicas, embora no podendo tudo, mas
podendo alguma coisa (FREIRE, 2002f, p.92), a educao possui fundamental
importncia. uma forma de, lentamente, modificar a herana opressiva,
que no s os pobres e miserveis carregam introjetados. Diante disso, a
educao que, de acordo com Freire, no neutra, precisa posicionar-se
entre dois caminhos antagnicos: uma educao para a domesticao, para a
alienao, e uma educao para a liberdade. Educao para o homem-objeto
ou educao para o homem-sujeito (FREIRE, 2002c, p.44).
Convicto de seu posicionamento poltico e social, insatisfeito com
o mundo de injustias que est a (FREIRE, 2002f, p. 91), o autor opta pelo
homem sujeito, horizonte formativo da educao para a liberdade. Uma
educao respeitadora do homem como pessoa (FREIRE, 2002c, p. 45),
nica opo a ser seguida por educadores que acreditam no futuro como
possibilidade e no determinismo (FREIRE, 2002f, p. 92). Se o amanh fosse
um porvir preconcebido, caberia to somente s pessoas se prepararem para
a adaptao. Porm, historicamente, o ser humano no evoluiu ao sabor das
circunstncias, acomodando-se aos reveses da natureza. A acomodao,
passiva por sua essncia, no a caracterstica determinante, e sim o oposto,
a superao. Superao que se manifesta atravs da transformao constante
e contnua que o ser humano, capaz de produzir, acumular e reproduzir
conhecimentos impe ao espao.
Essa a concepo freireana de homem/mulher sujeito, constituindo-
se historicamente. Porm, como um processo dialtico, tambm possvel
perceber a sua negao como objetos. A educao para a liberdade busca
recuperar a noo de sujeito que, indo alm da adaptao, se integra ao
contexto. Freire explica que a integrao resultado do ajustamento das
pessoas realidade, acrescida da capacidade de transform-la, o que a
torna mais completa (e mais humana), diferente da simples acomodao/
ajustamento. Da que, sendo o futuro um tempo a ser construdo, exista a
necessidade da educao, da formao conjunta das mos encarregadas de
lhe dar forma:

Quanto mais as pessoas participarem do processo de sua prpria educao,


maior ser sua participao no processo de definir que tipo de produo

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PITANO, S. de C.

produzir, e para que e por que, e maior ser tambm sua participao no
seu prprio desenvolvimento. Quanto mais as pessoas se tornarem elas
mesmas, melhor ser a democracia. Quanto menos perguntarmos s pessoas
o que desejam e a respeito de suas expectativas, menor ser a democracia
(HORTON; FREIRE, 2003, p. 149).

Formar essas mos significa possibilitar-lhes a construo das


condies fsicas e intelectuais para que ajam em seu prprio nome. Para um
futuro definido previamente no haveria necessidade de educao, apenas
de um processo instrutivo semelhante ao adestramento.
Elemento fundamental da pedagogia freireana o dilogo, sem o qual
no h comunicao. Considerando que o dilogo deve ser desencadeado de
modo a se fazer entender por todos os que dialogam, a comunicao se efetua
tomando como mediao os problemas locais. Todos precisam se fazer entender
por seus pares, para que o coletivo funcione como sociedade. Entretanto, o
dilogo somente se constitui quando as pessoas reconhecem o direito que os
outros possuem de expor suas ideias e expressar sua opinio. Entre opressor e
oprimido no existe dilogo, apenas aquele que comunica ao outro, em uma
relao vertical. O processo de comunicao enraizado, estabelecido de cima
para baixo, possui existncia histrica reconhecida. Portanto, instaurar o dilogo
o ponto de partida para qualquer educao com o povo.
a partir da ressignificao de sentidos que a ao consciente ganha
fora a autorreflexo sobre as contradies do contexto vivencial. Por isso, o
conhecimento, em Freire, supera a subjetividade solipsista, j que transcende
o paradigma da subjetividade moderna rumo aos sujeitos dialgicos em
relao ao objeto do conhecimento. Da a crtica legtima prtica bancria
que, transferidora de saber, incapaz de promover a conscientizao por no
problematizar o mundo imediato.
O conhecimento no pode resultar de um ato passivo. O ser humano
busca conhecer a partir de suas inquietaes, das dvidas em relao aos
problemas que vo surgindo em seu contexto. O conhecimento entendido
pela Educao Problematizadora como um recriar constante, jamais esttico
(a ideia de que ensinar transmitir conhecimentos radicalmente refutada);
resultado da busca determinada, da aplicao da curiosidade sobre o
objeto, adquirindo um valor social. Deve pertencer aos homens e s mulheres
em geral, servindo para promover o bem comum. Todo conhecimento
traz consigo uma mudana na realidade, pois leva os homens a conhecer
que sabem pouco de si mesmos, possibilitando que ponham a si e seus
conhecimentos como problema (FREIRE, 2001b, p. 95). Problematizando a
si e ao mundo possvel haver mudana.

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 93
A concepo problematizadora da educao respeita a natureza do ser
humano, percebendo-o como o ser (unicamente) capaz de objetivar o espao
atravs da prxis unio entre a teoria (pensar) e a prtica (agir), construindo sua
prpria compreenso da realidade. Essa compreenso em permanente processo
constitui a conscincia, que pode ser tal como a realidade apresentada.
Diante disso, a conscientizao representa um aprofundamento da conscincia
atravs de um novo processo de apreenso da realidade, em sua relao com
o estar sendo daquele que a observa o sujeito. Isso pode permitir superar o
espontanesmo (passivo) diante dos fatos, contando que so muitos os meios
dispostos a traz-los para todos, atravs de uma ao mediadora.
Como conhecimento interno, a conscientizao possui dois
focos de ao: um em relao a si prprio e outro em relao aos outros,
considerando todos em seu meio de vida (meio geogrfico). A primeira
dimenso compreende o sujeito histrico, o eu no mundo, capaz de trazer
a realidade percebida para dentro de si e refleti-la. Por estar voltada para
si, nesta dimenso, a conscientizao autoconhecimento. Porm, ele
tambm ocorre na esfera dos outros, do eu em relao, entendendo-os
como semelhantes em sentimentos, necessidades, direitos e deveres na
sociedade: o reconhecimento. Completando o ato de conhecer e reconhecer,
a conscientizao encontra seu pice na ao transformadora da realidade.
Concordando com Marx e Engels (2005, p.66), que consideram
homens e circunstncias em movimento permanente e recproco de
construo, evidenciada a base dialtica do processo de libertao.
Subjetividade e objetividade passam a ser relacionadas historicamente.
Afinal, foram (e continuam sendo) os seres humanos concretos que
engendraram a forma histrica de seu prprio mundo, humanizando-o na
expresso material e simblica. O entendimento dessa circunstncia fator
de ruptura, motivando o agir consciente, orientado para a assuno do papel
de sujeito. Sujeito que, constitudo dialogicamente e em contnuo processo
de conscientizao, identifica-se pelo princpio invariante de que somos
todos humanos. Sejamos ns professores, estudantes, pedreiros, pintores,
advogados ou desempregados.
O sujeito social, uma vez conceituado, poder sintetizar com
fidelidade e rigor terico a totalidade dos termos esparsos, porm confluentes,
identificados na obra de Freire. Compreender o seu horizonte formativo
fundamental diante de uma realidade injusta, na qual a desigualdade social
se reproduz e tende a se perpetuar. Permite problematizar o paradigma
cidado, majoritrio no contexto educativo, ao mesmo tempo que robustece
a atualidade e a relevncia do pensamento de Paulo Freire. em busca dessa
definio que o texto avana.

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4. O conceito de sujeito social em paulo freire


Ao longo das pginas anteriores, discorreu-se sobre a concepo
pedaggica libertadora de Paulo Freire, assentada nos pilares do dilogo e
da conscientizao. Ensaiou-se uma aproximao ao sujeito social, inerente
s formulaes freireanas sobre a existncia humana. Agora a anlise ser
aprofundada em direo ao horizonte formativo da educao popular,
estabelecendo a pertinncia do referido conceito no e a partir do pensamento
de Freire. Entende-se fundamental a superao do modelo cidado, moldado
pela democracia capitalista e assumido pela educao em geral, e mesmo
com ressalvas, pela educao popular. o que mostram estudos como o
de Pitano (2016) amparado em anlise documental e em clssicos sobre a
cidadania como Cortina (1997) e Marshall (1967).
As categorias conscientizao e dilogo continuaro tendo papel
fundamental nessa reflexo, cujo intuito demonstrar que o sujeito social
corresponde ao construto-horizonte do pensamento de Freire, em afinidade
com o projeto poltico da educao popular. O vigor terico e prtico de
ambas no pensamento freireano e seu possvel impacto na educao popular
justifica que lhes seja dedicada especial nfase.
Na tentativa de caracterizar e conceituar o sujeito social no
pensamento de Freire, o ponto de partida a sua viso de mundo como
processo. O nascimento representa a gnese de uma unicidade histrica que
encarna, concomitantemente, a singularidade em formao e a socializao
do indivduo, ambas relacionadas no interior do processo vivencial. Desde
ento, tem lugar a insero em um complexo sistema de objetos existentes
e organizados, relaes e contradies com as quais o indivduo vai se
familiarizando. O adentramento dinmico vai construindo, atravs das
mediaes, a individualidade, que engendra, nesse movimento, concepes
de mundo. Tais concepes sofrem influncias diversas e decorrem de vrios
fatores. Porm, a determinao maior se deve interao entre conscincia e
mundo, quando subjetividade e objetividade interagem com os elementos
materiais e simblicos disponveis em determinado espao e tempo.
A conscincia ganha espao na anlise da existncia humana
como uma atividade individual, mediada pela realidade, que opera uma
compreenso do que se passa ao redor. Em um primeiro momento, o eu
pode ser apontado como centralidade diante do real objetivado, configurando
algo como um discurso interior (BAKHTIN, 2006, p. 118). Porm, mesmo
construda na interioridade individual, a conscincia como discurso interior
jamais seria vivel sem condies advindas do exterior. O processo de sua

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 95
formao inerente s relaes entre subjetividade e objetividade. E a
formao depende das influncias diretas da situao social no contexto
imediato existncia individual. Em um movimento complexo, o indivduo,
encharcado de experincias histricas, efetua um trabalho de apreenso do
contexto. Traduz e reconstri, atravs de sua estrutura biolgica e cognitiva,
os estmulos recebidos do exterior, como um processo de construo do
conhecimento. De fato, possvel compreender a conscincia como um
conhecimento dos fatos, das coisas, complementado pela capacidade
reflexiva, o reconhecimento.
Reconhecer as condies da existncia exige o desenvolvimento
de atividades analticas e sintticas, como uma traduo imediata que se
aprofunda. Reside no simblico a possibilidade do sujeito, compreendendo
as relaes que o circundam, efetuar essa reconstruo compreensiva, de
maneira mais ou menos fiel ao fenmeno analisado. Segundo Bakhtin (2006,
p. 32), um signo no existe apenas como parte de uma realidade, pois ele
tambm pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreend-la de um
ponto de vista especfico. A conscincia somente se constitui pela assimilao
e tratamento do contedo que lhe apresentado em forma de signos. na
interao social que a conscincia, impregnando-se de contedos simblicos,
constitui-se na interioridade do eu.
A conscincia individual no s nada pode explicar, mas, do
contrrio, deve ela prpria ser explicada a partir do meio ideolgico e social.
A conscincia individual um fato socioideolgico (BAKHTIN, 2006, p. 35).
A elaborao de si e do mundo na interioridade da conscincia, no discurso
interior, demonstra o nexo com a afirmao do eu como sujeito, inseparvel
da afirmao em ato com o mundo. quando tem lugar a conscientizao,
exigncia efetiva do movimento de libertao e de construo do sujeito
social em Freire.
Na vida cotidiana, o poder ideolgico se consolida discursivamente
com facilidade, graas ao espontanesmo com o qual se movem os
sujeitos. Heller (2004, p. 17) salienta que a vida cotidiana a vida de todo
homem, todos vivenciam o seu dia a dia ingnuo, o seu cotidiano. Porm,
embora assimile a todos, nenhum indivduo vive to somente absorto na
cotidianidade. A questo basilar que, mesmo no homogeneizando a
insero no cotidiano, trata-se de um fato inconteste a pertena a ele desde
os primrdios da existncia individual: o fato de se nascer j lanado na
cotidianidade continua significando que os homens assumem como dadas
as funes da vida cotidiana (HELLER, 2004, p.17). Assim, seria possvel
conceber uma unidade imediata de pensamento e ao, negando a prxis
como afastamento crtico entre conscincia e mundo.

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Para Freire (1980, p. 26), a conscientizao implica que os homens


assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem as condies de sua
existncia. Ela compartilha algumas caractersticas do sujeito, ambos so
processos, inacabados, histricos e expostos s contingncias. As contradies
se abrigam na barreira constituda de situaes limites, compostas por uma
esfera concreta e outra imaginria, em permanente contato. A concreta
corresponde ao fenmeno em curso, por exemplo, a fome. Trata-se de um
obstculo a ser vencido e todos so sabedores disso. Solucionar o problema
da fome parece ser uma tarefa simples em um mundo que produz alimento
para ser transformado em combustvel. Porm, talvez implicasse em uma
ruptura profunda demais no sistema de produo e consumo dominante e
acaba se perpetuando.
As situaes limite, de acordo com Freire (1980, p. 30), implicam
na existncia de pessoas que so servidas direta ou indiretamente por
estas situaes, e outras para as quais elas possuem um carter negativo e
domesticado. No exemplo da fome, a parcela das pessoas domesticadas no
corresponde apenas s que sofrem na pele a sua crueldade, mas, tambm,
quelas que restam chocadas com o sofrimento das vtimas. Como se
trata de um fenmeno de grande proporo, sua existncia depende do
convencimento de uma ampla parte da sociedade mundial, perfazendo
a dimenso necessria para erguer a barreira correspondente. Portanto,
o processo de enfrentamento a ser empreendido, precisa focar, alm do
problema concreto, a maneira como ele percebido, ou seja, a dimenso
imaginria.
Freire entende que o mundo uma construo histrica do trabalho
humano linguisticamente constitudo, desde a compreenso necessria entre
os interlocutores at a internalizao da exterioridade em construo. Tudo
isso se desdobra em novas aes externas, atravs da atividade constituidora
de sentidos. Buscando promover uma apreenso menos espontnea do
mundo, aponta o caminho da compreenso simblica, possibilitada pelo
afastamento da realidade e pelo incentivo atividade crtica da conscincia
em relao a ela:

Sem dvida, quando os homens percebem a realidade como densa, impe-


netrvel e envolvente, indispensvel proceder a esta procura por meio
da abstrao. Este mtodo no implica que se deva reduzir o concreto ao
abstrato (o que significaria que o mtodo no do tipo dialtico), mas que
se mantenham os dois elementos, como contrrios, em inter-relao dialtica
no ato de reflexo (FREIRE, 1980, p. 30-31).

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 97
Essa compreenso conduz ao processo de codificao e decodificao
da situao existencial enfocada como problema, situao limite cuja
superao depende da prxis humana. Codificar uma dada situao
corresponde maneira pela qual possvel efetuar o distanciamento crtico
da vida cotidiana em seu conjunto de contradies. Partindo da codificao,
o processo impulsiona o exerccio da conscincia com relao exterioridade,
por meio da significao. Freire utiliza a fotografia, o desenho e o slide como
instrumentos de expresso da realidade codificada. Diante deles, os sujeitos
admiram o prprio contexto, tornando-se, neste ato, ativos observadores da
situao em que vivem, objetivando-a. A meta permitir que a realidade seja
percebida como um desafio a ser enfrentado e superado, e no mais uma
barreira intransponvel.
A decodificao busca possibilitar que uma postura crtica seja
assumida sobre o contexto imediato. Viabilizando, por meio da relao dialtica
entre realidade objetiva e subjetividade reflexiva, novas formas de ao que
ponham em curso o processo de libertao. Sem refletir criticamente o ser
humano no chega a ser sujeito. Em Freire, vir a ser sujeito parte do processo
educacional, tal como uma aprendizagem permanente. A atuao em nveis
mais crticos sobre a realidade no provoca apenas a mudana das relaes
objetivas, mas, tambm, do indivduo atuante. A identificao das situaes
limite, por meio da decodificao, atividade primordial para o engajamento
concreto pela transformao, pois no possvel combater o indiscernvel.
Transformar as relaes sociais opressoras fundamento e horizonte
do processo de libertao. A transformao, do latim transformatio-onis
(CUNHA, 2007, p. 782), diferentemente da reforma, contempla uma mudana
profunda que envolve forma e contedo. Transformar criar o novo, atitude
de quem nega o que est sendo e assume a utopia possvel, por exemplo, um
mundo sem fome. Seu enfoque a materialidade necessria, ao abordar a
dureza da desigualdade e da opresso negadoras da vida, cuja soluo revela-
se impossvel por dentro da lgica vigente. dessa percepo que se nutre
a transformao anunciadora da utopia: viver sob uma legalidade ilegtima,
romper um contrato em que os oprimidos ficam apartados no momento de
serem compostas as clusulas. O legtimo o que est por vir, promovendo
a identificao com o legal (legitimidade = legalidade).
Sem transformao, as estruturas continuam idnticas e o mximo
alcanado poder ser uma inverso de papis entre opressores e oprimidos.
A meta superar, completamente, a contradio opressor-oprimido j que,
ao mant-la, existiro emancipaes localizadas, nunca a libertao, que
consiste no surgimento do homem novo:

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PITANO, S. de C.

pois essencial que os oprimidos levem a termo um combate que resolva a


contradio em que esto presos, e a contradio no ser resolvida seno
pela apario de um homem novo: nem opressor, nem oprimido, mas um
homem em fase de libertao. Se a finalidade dos oprimidos chegar a ser
plenamente humanos, no a alcanaro contentando-se em inverter os
termos da contradio, mudando somente os polos (FREIRE, 1980, p. 59).

Nessa trajetria paralela entre mudana dos seres humanos e


mudana do mundo, Freire enfatiza a existncia de nveis de conscincia
que podem e devem ser superados no curso de uma educao libertadora.
No primeiro nvel est a conscincia semi-intransitiva, caracterizada
pela imerso quase total na realidade. A percepo sobre os desafios
deturpada, completamente determinada pela manipulao ideolgica. A
vida cotidiana envolve a capacidade de compreenso dos problemas, pois
no consegue transbordar os limites da prpria experincia. Como explica
Freire (1980, p. 67), os indivduos cuja conscincia est situada nesse nvel,
carecem do que chamamos percepo estrutural, a qual se faz e se refaz a
partir da realidade concreta, na apreenso da problemtica. No conseguem
provocar mudanas significativas em sua condio vivencial, em razo de no
a refletirem criticamente, no a reelaborarem. At a problematizam, porm,
limitados pela imerso em que se encontram, acabam, com frequncia,
atribuindo a causa das contradies a foras superiores (Deus), ou mesmo a
si prprios.
A ampliao da capacidade de dilogo com os outros e com o mundo,
acompanhada de uma maior captao da esfera existencial, abre espao para
a transitivao da conscincia. A dialogicidade o resultado permanente do
processo de troca recproca, intersubjetiva, em um movimento de sair-de-
si em direo a si mesmo, ao outro e ao mundo. No um movimento de
disputa argumentativa, cujo convencimento a meta, e sim uma contribuio
ao crescimento coletivo que caracteriza a essncia, nunca uma estratgia de
convivncia. por isso que, em meio a sociedade opressora, o dilogo tende a
ser atrofiado e at impossibilitado, pois os princpios da igualdade e ausncia
de domnio que o caracterizam em relao recproca dos participantes
inexistem. H sempre a dependncia, o domnio, o jogo de interesses e
necessidades que o impedem de efetivar-se.
Como expresso comunicativa entre os sujeitos, o dilogo representa
a essncia da interlocuo entre homens e mulheres diferentes, respeitosa
da abertura para o mundo. Comprometido com a libertao, o dilogo
compreende a crtica da negatividade material roubada (DUSSEL, 2000,
p. 427), almejando atingir, coletivamente, no a conscincia da opresso,

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 99
mas a sua ilegtima razo de ser. um encontro simtrico e intencional, no
importando se entre indivduos iguais ou desiguais socialmente, que ensina, na
prtica, serem as desigualdades inconcebveis, em virtude da condio humana
que nos assemelha e identifica como diferentes. Mais que emancipar, pela
superao e melhora qualitativa de estgios cognitivos, o dilogo freireano
libertador, gerando uma sabedoria revolucionria capaz de fundar um novo
sujeito.
Freire se refere ao espao urbano para evidenciar o primeiro nvel
da conscincia transitiva, a transitivo-ingnua. Embora mais aberta diante
do mundo do que a conscincia intransitiva, essa ainda se caracteriza,
entre outros aspectos, pela simplicidade na interpretao dos problemas
(FREIRE, 2002c, p. 68). O indivduo ainda no efetua um afastamento suficiente
em relao ao contexto, para que possa refletir, criticamente, sobre os
condicionantes impostos. Continua dominado pela ideologia opressora e a
transitividade se resume a acompanhar as mudanas operadas pelo prprio
sistema poltico e econmico.
Todo esse processo seria impensvel sem a ao educativa, cuja
tarefa se constituir em vetor de formas mais radicais de participao terica
e prtica, almejando um nvel mais profundo de percepo dos fatos. A
alfabetizao, por exemplo, pode assumir diferentes perspectivas de ao,
dependendo da viso de mundo daqueles que a coordenam. Na perspectiva
conservadora, os analfabetos so indivduos marginalizados e inferiores que
precisam ser includos no estilo de vida dominante. Os educadores so agentes
de incluso, imbudos de emancipar os marginalizados de sua condio,
excessivamente, inferior uma espcie de salvao dos excludos, para que
possam participar (passivamente) da dinmica social que se moderniza a
cada dia. Programas de alfabetizao com tais caractersticas nunca almejam
a libertao, somente a emancipao, pois nunca colocaro em questo a
prpria realidade em suas contradies insolveis (Freire, 1980, p. 75). A
contradio opressor-oprimido no pode ser superada nesse panorama, no
qual os oprimidos so mantidos como seres para o outro. Portanto, a forma
conservadora de alfabetizar visa incluir e emancipar (no sentido de elevar de
posio dentro do sistema) e o processo de alfabetizao tende a reforar o
carter fechado do contexto vital.
J na perspectiva libertadora, em que os analfabetos so considerados
como oprimidos pelo sistema, a educao assume a tarefa de constituir
sujeitos sociais. Suas caractersticas, em conexo com a viso de mundo
que sustenta, assim a revelam. A no neutralidade de uma educao
comprometida com a prxis libertadora funda-se no entendimento de que
no h conciliao possvel entre a libertao e a lgica das relaes oriundas

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PITANO, S. de C.

do sistema capitalista. nesse sentido que a libertao se consolida na obra


freireana como vocao e horizonte na busca pelo ser mais.
Antagnicas aos interesses opressores, Educao Problematizadora
e educao popular se caracterizam como questionadoras, dialgicas,
libertadoras e, consequentemente, revolucionrias. Fundamentadas no
dilogo como forma de comunicao, almejam atingir o terceiro nvel da
conscincia, a transitivo-crtica ou conscincia crtica. A explicao de Freire
(2002c, p. 69) contundente:
A transitividade crtica, por outro lado, a que chegaramos com uma
educao dialogal e ativa voltada para a responsabilidade social e poltica,
se caracteriza pela profundidade na interpretao dos problemas [...] pela
recusa a posies quietistas [...] pela prtica do dilogo [...] por se inclinar
sempre a arguies.
Se a elevao da conscincia intransitiva ao nvel da transitividade
ingnua corresponde ao acompanhamento e adeso s mudanas de teor
econmico no contexto, o mesmo no ocorre com a sua superao pela
conscincia crtica. Ela comea a ser alcanada apenas quando a percepo
dos fatos aprofundada atravs da reflexo crtica. As relaes causais
transcendem explicaes superficiais que levam ao imobilismo, por serem
consideradas inerentes, naturais ou fruto da vontade divina. Ao e reflexo
se unem na prxis, uma vez que, em uma reflexo crtica, tende a suceder uma
ao igualmente crtica, isto , uma ao que corresponda condio dos
oprimidos no mais como seres para o outro, e sim como seres com o outro
e para si, sujeitos sociais. A ultrapassagem do estado de objetos para o de
sujeitos, afirma Freire (2002e, p. 127), no pode prescindir nem da ao das
massas, nem de sua reflexo, autntica prxis libertadora.
Avanar sozinho buscar apenas a emancipao, assumindo o
individualismo sistmico. A plenitude da existncia, embora sempre se
fazendo, consiste em poder pronunciar o mundo, atitude do sujeito que
transforma o meio em que vive. Por isso, a dimenso coletiva se revela um
imperativo, uma vez que dizer a palavra no privilgio de alguns homens,
mas direito de todos (FREIRE, 2002e, p. 78). impossvel pronunciar o mundo
sozinho, da mesma forma que tornar-se sujeito quando apartado dos outros,
pois como salienta Geraldi (2006, p. 19), a lngua e os sujeitos se constituem
nos processos interativos. O sujeito, assim, se constitui pela interao com
os demais e com a sua conscincia. A horizontalidade do dilogo estabelece
relaes de confiana e reconhecimento, verdadeira comunho no processo
esperanoso de vir a ser mais. Por isso, o dilogo compe um dos princpios
basilares do processo de constituio do sujeito social.

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 101
A relao dialgica permite romper a tradio autoritria, pois
problematiza razes de ser e as desvela, evidenciando bases de sustentao
em sua fragilidade diante do conhecimento crtico. Ao mostrar a legitimidade
de outra maneira de se relacionar com os outros, o dilogo provoca o
tensionamento das relaes de opresso, impulsionando o sujeito a realizar
sua vocao de ser mais.

5. Consideraes finais
Como visto, em Freire, a prtica de uma educao crtica e dialgica
viabiliza um processo de conscientizao social e poltica capaz de conduzir os
sujeitos prxis libertadora. Essas caractersticas ratificam, ao mesmo tempo,
a pertinncia do pensamento freireano s condies de vida em sociedades
oprimidas e a atualidade de sua pedagogia. Nessas circunstncias marcadas
pela cultura do silncio, condio de mutismo das gentes que condiciona o
estar sendo pelo antidilogo, a instaurao do processo de conscientizao
imperativo existencial. Consequentemente, constituir o sujeito social implica
na gnese conflituosa, em meio luta em torno da transformao material
das relaes sociais. , ao mesmo tempo, uma luta pedaggica e poltica.
Somente por meio da transformao podem ser gestadas aes que
materializem as condies possveis, nas quais os seres humanos possam se
constituir como sujeitos sociais. Sujeitos emergentes da inconclusividade no
devir histrico, capazes de assumirem-se fatores determinantes da existncia
individual e social; sujeitos que participam e interferem, efetiva e criticamente
nos acontecimentos do contexto, com os outros sujeitos, reconhecidos na
figura do ns. Afinal, como atesta Freire (In: TORRES, 2001, p. 52), no o
eu, no o eu existo, eu penso, que explica o eu existo. o ns pensamos
que explica o eu penso. No o eu sei que explica o ns sabemos. o ns
sabemos que explica o eu sei.
Ao radicalizar os atributos do cidado, negando a reforma e
afirmando a transformao do sistema capitalista, o sujeito social corresponde
ao conceito efetivamente afinado com os princpios e horizontes da educao
popular. Enquanto ao cidado cabe respeitar as leis do estado democrtico,
criadas e aprovadas por seus representantes, o sujeito social, imbudo de uma
concepo bem mais ampla de participao poltica, no se contenta em ser
agente passivo na sociedade.
O sujeito social concebido pela Educao Problematizadora, coerente
com os fundamentos e objetivos da educao popular, assume o destino de
criar e transformar o mundo, sendo sujeito de sua ao (FREIRE, 2002d, p.
38). Segundo Freire (2001c, p. 94) o ser humano se autentica como sujeito,

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PITANO, S. de C.

singularmente diferente em relao aos demais, porm igual no princpio


determinante de ser ativo e capaz de conquistar a transformao poltica
e social. E o sujeito dessa conquista o sujeito social, o homem novo, cuja
postura ativa e dialgica revela suas origens enraizadas no processo de
libertao. Que encontra fundamento e autenticidade no movimento de vir a
ser, marca da incompletude de quem se constri com os outros, no movimento
histrico de busca pela humanizao solidria de todos.

Artigo recebido em: 19/10/2016


Aprovado para publicao em: 13/12/2016

THE PROBLEMATIZING EDUCATION OF PAULO FREIRE,A PEDAGOGY OF THE SOCIAL


SUBJECT
Abstract: The article presents the results of a bibliographical study on the thought
of Paulo Freire, based on the assumption that he considers the social subject as
an educational/formative horizon. It aims at identifying and defining, from Freires
writings, a concept of social subject in tune with the political and pedagogical
principles of popular education. The bibliographical analysis emphasized the
following works: Pedagogy of the Oppressed, Conscientization, Education: Dialogue
and Conflict, Politics and Education, Pedagogy of Hope and Pedagogy of Indignation.
By deepening the study of core categories such as awareness and dialogue, it was
possible to identify and characterize a concept of social subject in Freires pedagogy,
setting an educational/ formative horizon in line with the foundations and ideals of
popular education.
Keywords: Paulo Freire. Problem-posing Education. Popular Education. Social Subject.

LA EDUCACIN PROBLEMATIZADORA DE PAULO FREIRE, UNA PEDAGOGA DEL


SUJETO SOCIAL
Resumen: El artculo presenta los resultados de una investigacin bibliogrfica sobre el
pensamiento de Paulo Freire, asumiendo que considera al sujeto social como siendo
um horizonte formativo. Su objetivo es identificar y definir, a partir de los escritos
de Freire, un concepto de sujeto social en sintona con los principios polticos y
pedaggicos de la educacin popular. En la revisin de la literatura se enfatizaron
las obras: Pedagoga del Oprimido, Concienciacin, Pedagoga: Dilogo y Conflicto,
Poltica y Educacin, Pedagoga de la Esperanza y Pedagoga de la Indignacin. Con
la profundizacin del estudio de las categoras centrales, tales como concienciacin

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A educao problematizadora de Paulo Freire, uma pedagogia do sujeito social Dossi 103
y dilogo, fue posible identificar y caracterizar un concepto de sujeto social en la
pedagoga de Freire, estableciendo un horizonte formativo en sintona con los
fundamentos e ideales de la educacin popular.
Palabras clave: Paulo Freire. Educacin Problematizadora. Educacin Popular. Sujeto
Social.

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Sandro de Castro Pitano: Doutor em Educao pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, ps-doutorado pelo Programa de Ps-
-Graduao em Educao da UNISINOS. Professor do Instituto de
Cincias Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
E-mail: scpitano@gmail.com

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