A Arte de Educar em Paulo Freire
A Arte de Educar em Paulo Freire
A Arte de Educar em Paulo Freire
Resumo
O presente estudo investiga a arte de educar em Paulo Freire a partir das suas
publicações Educação como prática da liberdade, Pedagogia do Oprimido e
Conscientização: Teoria e prática da libertação, alicerces de seu pensamento, tendo em
conta igualmente estudos sobre a sua obra e outros escritos seus. O analfabetismo
desafia-o a buscar de uma nova pedagogia, em meio a receituários tradicionais. Abre
caminhos para a educação ora como prática da liberdade, ora como ação libertadora.
Eixo central de suas concepções, a conscientização apresenta-se, por sua vez, como
práxis, processo de ação e reflexão da mulher e do homem na história, no despertar de
sua consciência crítica, na afirmação como sujeitos comprometidos com a
transformação desta mesma história.
Palavras-chave: Paulo Freire, educação, liberdade, libertação, conscientização.
Nosso intuito é captar a arte de educar nos primeiros passos da obra de Paulo Freire.
São fundamentais as publicações Educação como prática da liberdade (FREIRE, 2014¹),
Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2014²) e Conscientização: Teoria e prática da
libertação (2008). Concomitantemente, cotejamos estudos diversos que fazem
referência a esta etapa. Neste caminho, identificamos a elaboração progressiva de seu
pensamento e o alvorecer de uma nova pedagogia da educação em meio a receituários
tradicionais. Neste contexto, firma-se o processo de conscientização como o eixo central
da obra de Paulo Freire. Sua contribuição à educação vem marcada por uma lucidez,
cujo manancial nos faz evocar uma obra extensa sobre a arte de educar, mesmo que aqui
seja estudada a partir de publicações de seu período inicial.
A escolha das três publicações, como textos básicos para este estudo, deve-se à
sua representatividade no contexto desta fase inicial, na qual são lançados os
fundamentos de sua obra. Segundo afirma Freire, o livro Educação como prática da
liberdade é representativo “da história, dos fundamentos e dos resultados do empenho
no Brasil” (FREIRE, 2014¹, p. 53), na época que antecede seu afastamento das
atividades universitárias, sua prisão e seu exílio, em 1964. Pedagogia do Oprimido, no
dizer de Ana Maria Araújo Freire, “é, sem dúvida, sua obra mais importante”
(GADOTTI, 1996, p. 27). Freire enfatiza que seu propósito, neste livro, foi de
“aprofundar alguns pontos discutidos no trabalho anterior, Educação como prática da
liberdade”, dada a “dramaticidade da hora atual” (FREIRE, 2014², p. 39).
Conscientização: Teoria e prática da libertação foi uma publicação preparada pelo
INODEP (Institut Oecuménique au Service du Développement des Peuples), de Paris,
com o objetivo de apresentar o projeto educativo de Paulo Freire enquanto projeto
libertador, tendo a conscientização como eixo central.
Uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao
povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades,
sobre seu papel no novo clima cultural da época de transição. Uma educação
que lhe proporcionasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que
tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse
poder, na explicitação de suas potencialidades, de que decorreria sua capacidade
de opção. Educação que levasse em consideração os vários graus de poder de
captação do homem brasileiro da mais alta importância no sentido de sua
humanização (FREIRE, 2014¹, p. 80-81).
Para os governos populistas dos inícios dos anos 60 do século XX, nos níveis
estadual e federal, a metodologia de alfabetização-conscientização de Paulo Freire era
um instrumento muito oportuno para aumentar, em curto espaço de tempo, o eleitorado
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No pensamento de Paulo Freire, identificamos a influência do francês Jacques Maritain que coloca em
relevo a primazia do homem em sua relação com os outros seres vivos que compõem a natureza, seja
porque ele é dotado da razão, seja porque ele se refere a características culturais derivadas de sua natureza
histórica (cf. MARITAIN, 1936; MARITAIN, 1956, p. 10-15). Quando o pedagogo brasileiro fala de
pluralidade e transcendência, aproxima-se do pensamento de Emmanuel Mounier (MOUNIER, 1948;
MOUNIER, s.d.).
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“Em dois anos, o programa da alfabetização-conscientização atraiu a atenção da UNESCO que,
reconhecendo o valor do “Método Paulo Freire”, cita o Chile como exemplo: é uma das cinco nações que,
no após-guerra, reduziu melhor o analfabetismo” (HUMBERT, 1976, p. 19).
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Paulo Freire deu sua contribuição ao esforço de alfabetização empreendido pelo governo de Guiné -
Bissau como membro do IDAC de Genebra. Em setembro de 1975, ele e toda a equipe do IDAC foram
implantar o trabalho de alfabetização naquele país africano (cf. FREIRE, 1984).
Paulo Freire, nesta fase, foi leitor das obras de Georg Wilhelm Friedrich Hegel,
Karl Marx, Friederich Engels, Gyögy Lukács, Erich Fromm, Herbert Marcuse, entre
outros. Estávamos na segunda metade da década de 60, entrando para a de 70 do século
XX. O contato com o marxismo propiciou-lhe o estudo da teoria materialista, para a
qual “os homens são produto das circunstâncias e da educação” (FREIRE, 2014², p. 55),
ressalvando, porém, que esta teoria esquece que “as circunstâncias se deixam
transformar precisamente pelos homens e que o próprio processo educador necessita ser
educado” (FREIRE, 2014², p. 55). Como nenhuma realidade transforma a si mesma,
faz-se necessário “uma inserção crítica das massas na sua realidade através da práxis”,
base de uma “pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua libertação”
(FREIRE, 2014², p. 55).
Até o momento em que os oprimidos não tomam consciência das razões de seu
estado de opressão, „aceitam‟ fatalisticamente a sua exploração... O
convencimento dos oprimidos de que devem lutar por sua libertação não é
doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado de sua
conscientização... (A própria liderança) chegou a este saber... por um ato total
de reflexão e ação. Foi a sua inserção lúcida na realidade, na situação histórica,
que a levou à crítica desta mesma situação e ao ímpeto de transformá-la. Assim
também é necessário que os oprimidos... se insiram criticamente na situação em
que se encontram e de que se acham marcados (FREIRE, 2014², p. 71, 74,
75).
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O Movimento de Educação de Base e o Movimento de Natal eram ligados à Igreja Católica e estão entre
os precursores da perspectiva conscientizadora de trabalho e, fundados em documentos datáveis, constam
como os primeiros a utilizar o vocábulo conscientização.
O acento está na práxis humana; esta se realiza como ação e reflexão sobre o
mundo, no despertar de uma condição ingênua para uma posição crítica ante a realidade.
Supõe a superação do fatalismo, em que as coisas ou os acontecimentos parecem ser
fruto do acaso, para conquistar o desenvolvimento crítico de uma tomada de consciência
(FREIRE, 2008, p. 30; cf. HUMBERT, 1976). A apreensão da realidade deixa de ser
feita na esfera espontânea para galgar uma esfera crítica, na qual a realidade se dá no ato
de ação-reflexão, ou seja, na práxis. Não estamos apenas diante da realidade, qual
aproximação espontânea ou primária. Nós a analisamos, a penetramos na sua essência
fenomênica, qual objeto cognoscível captado pela via epistemológica. Este é o início da
conscientização, segundo a qual o ser humano desdobra um modo de ser que revela toda
sua capacidade de transformar o mundo. Criam-se novas atitudes, novas práticas,
superando uma postura puramente individual para abraçar a vida em comunidade, numa
organização solidária.
Palavras conclusivas
Referências bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Origen de la palabra. In: Conscientizar para liberar (Nociones sobre la
palabra concientización). Contacto, México, vol. VII, n. 1, p. 43-51, 1971.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 36ª edição. Rio de Janeiro; São
Paulo: Paz e Terra, 2014¹.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 57ª edição. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e
Terra, 2014².
FREIRE, Paulo; FREIRE, Ana Maria Araújo (Org.). Pedagogia dos sonhos possíveis.
São Paulo: UNESP, 2001.
GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez,
Instituto Paulo Freire; Brasília: UNESCO, 1996.
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STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZIRKOSKI, Jaime José (Orgs.). Dicionário
Paulo Freire. 2ª edição revista e ampliada, 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica,
2010.