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Paulo Freire

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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 1022, 10 de Agosto | 2015

Realismo | Reportagens

Paulo Freire
O mentor da Educação para a consciência
NOVA ESCOLA

Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação
e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de
alfabetização de adultos (veja mais no quadro abaixo) que leva seu nome, ele
desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para
Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em
relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua
situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro
de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele
contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.

Três etapas rumo à conscientização

Embora o trabalho de alfabetização de adultos desenvolvido por Paulo Freire


tenha passado para a história como um método, a palavra não é a mais
adequada para definir o trabalho do educador, cuja obra se caracteriza mais
por uma reflexão sobre o significado da Educação. Toda a obra de Paulo
Freire é uma concepção de Educação embutida numa concepção de mundo,
diz José Eustáquio Romão. Mesmo assim, distinguem-se na teoria do
educador pernambucano três momentos claros de aprendizagem. O primeiro
é aquele em que o educador se inteira daquilo que o aluno conhece não
apenas para poder avançar no ensino de conteúdos, mas principalmente
para trazer a cultura do educando para dentro da sala de aula. O segundo
momento é o de exploração das questões relativas aos temas em discussão -
o que permite que o aluno construa o caminho do senso comum para uma
visão crítica da realidade. Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto,
na chamada etapa de problematização: o conteúdo em questão apresenta-se
dissecado, oque deve sugerir ações para superar impasses. Para Paulo Freire,
esse procedimento serve ao objetivo final do ensino, que é a conscientização
do aluno.

Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade


dos alunos, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das
escolas (isto é, as escolas burguesas), que ele qualificou de Educação
bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita
conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber
é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para
Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que
ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos (veja mais no
quadro abaixo). Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos
educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade, escreveu o
educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura acomodar
os alunos ao mundo existente, a Educação que defendia tinha a intenção de
inquietá-los.

Tempos de mobilização e conflito

O ambiente político-cultural em que Paulo Freire elaborou suas ideias e


começou a experimentá-las na prática foi o mesmo que formou outros
intelectuais de primeira linha, como o economista Celso Furtado e o
antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997). Todos eles despertaram
intelectualmente para o Brasil no período iniciado pela revolução de 1930 e
terminado com o golpe militar de 1964. A primeira data marca a retirada de
cena da oligarquia cafeeira, e a segunda, uma reação de força às contradições
criadas por conflitos de interesses entre grandes grupos da sociedade.
Durante esse intervalo de três décadas, ocorreu uma mobilização inédita dos
chamados setores populares, com o apoio engajado da maior parte da
intelectualidade brasileira. Especialmente importante nesse processo foi a
ação de grupos da Igreja Católica, uma inspiração que já marcara Freire desde
a sua casa (por influência da mãe). O Plano Nacional de Alfabetização do
governo João Goulart, assumido pelo educador, se inseria no projeto
populista do presidente e encontrava no Nordeste - onde metade da
população de 30 milhões era analfabeta - um cenário de organização social
crescente, exemplificado pela atuação das Ligas Camponesas em favor da
reforma agrária. No exílio e, depois, de volta ao Brasil, Freire faria uma
reflexão crítica sobreo período, tentando incorporá-la a sua teoria
pedagógica.

Aprendizado conjunto
Freire criticava a ideia de que ensinar é transmitir saber porque para ele a
missão do professor era possibilitar a criação e a produção de
conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno
precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o
autoaprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e
informativo - portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade.
Segundo o pensador pernambucano, o profissional de Educação deve levar
os alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire
dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não
aprendem sozinhas. Os homens se educam entre si mediados pelo mundo,
escreveu. Isso implica um princípio fundamental para Freire: o de que o
aluno, alfabetizado ou não, chega à escola levando uma cultura que não é
melhor nem pior do que a do professor. Em sala de aula, os dois lados
aprenderão juntos, um com o outro e para isso é necessário que as relações
sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a possibilidade de se
expressar. Uma das grandes inovações da pedagogia freireana é considerar
que o sujeito da criação cultural não é individual, mas coletivo, diz José
Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo.
A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de
conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método
de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos.
Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-
chave do vocabulário dos alunos - as chamadas palavras geradoras. Elas
devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes
da comunidade em que se atua, como tijolo para os operários da construção
civil.
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a
representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de
linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das
palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as
diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações
que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. Isso faz com que a pessoa
incorpore as estruturas linguísticas do idioma materno, diz Romão. Embora a
técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras
geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de
alfabetização em diversos países do mundo.

Seres inacabados
O método Paulo Freire não visa apenas tornar mais rápido e acessível o
aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a ler o mundo, na expressão
famosa do educador. Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para
em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la), dizia Freire. A
alfabetização é, para o educador, um modo de os desfavorecidos romperem
o que chamou de cultura do silêncio e transformar a realidade como sujeitos
da própria história.
No conjunto do pensamento de Paulo Freire, encontra-se a ideia de que tudo
está em permanente transformação e interação. Por isso, não há futuro a
priori, como ele gostava de repetir no fim da vida, como crítica aos
intelectuais de esquerda que consideravam a emancipação das classes
desfavorecidas como uma inevitabilidade histórica. Esse ponto de vista
implica a concepção do ser humano como histórico e inacabado e
consequentemente sempre pronto a aprender. No caso particular dos
professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e
permanente. Freire dizia, numa frase famosa, que o mundo não é, o mundo
está sendo.

Biografia

Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife, numa família de classe média. Com o
agravamento da crise econômica mundial iniciada em 1929 e a morte de seu
pai, quando tinha 13 anos, Freire passou a enfrentar dificuldades econômicas.
Formou-se em direito, mas não seguiu carreira, encaminhando a vida
profissional para o magistério. Suas ideias pedagógicas se formaram da
observação da cultura dos alunos - em particular o uso da linguagem - e do
papel elitista da escola. Em 1963, em Angicos (RN), chefiou um programa que
alfabetizou 300 pessoas em um mês. No ano seguinte, o golpe militar o
surpreendeu em Brasília, onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetização
do presidente João Goulart. Freire passou 70 dias na prisão antes de se exilar.
Em 1968, no Chile, escreveu seu livro mais conhecido, Pedagogia do
Oprimido. Também deu aulas nos Estados Unidos e na Suíça e organizou
planos de alfabetização em países africanos. Com a anistia, em 1979, voltou
ao Brasil, integrando-se à vida universitária. Filiou-se ao Partido dos
Trabalhadores e, entre 1989 e 1991, foi secretário municipal de Educação de
São Paulo. Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos. Foi nomeado
doutor honoris causa de 28 universidades em vários países e teve obras
traduzidas em mais de 20 idiomas. Morreu em 1997, de enfarte.

Para pensar

Um conceito a que Paulo Freire deu a máxima importância, e que nem


sempre é abordado pelos teóricos, é o de coerência. Para ele, não é possível
adotar diretrizes pedagógicas de modo consequente sem que elas orientem a
prática, até em seus aspectos mais corriqueiros. As qualidades e virtudes são
construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância
entre o que dizemos e fazemos, escreveu o educador. Como, na verdade,
posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo,
se o discrimino, se o inibo com minha arrogância? Você, professor, tem a
preocupação de agir na escola de acordo com os princípios em que acredita?
E costuma analisar as próprias atitudes sob esse ponto de vista?

Para saber +

Convite à Leitura de Paulo Freire, Moacir Gadotti, 176 págs., Ed. Scipione, tel.
4003-3061 (edição esgotada)
Pedagogia da Esperança - Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido,
Paulo Freire, 248 págs., Ed. Paz e Terra, tel. (11) 3337-8399, 40,50 reais
Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire, 218 págs., Ed. Paz e Terra, 39,90 reais
No site www.paulofreire.org, você encontra informações sobre Paulo Freire e
escritos de e sobre o educador, além de notícias de eventos e atividades
relacionadas a ele

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