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Liderando o Futuro - Martha Gabriel

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“O futuro NÃO ESPERA
e NEM PERDOA
a FALTA de PREPARO”.
Martha Gabriel
SOBRE A AUTORA
Martha Gabriel é considerada uma das principais
pensadoras digitais do Brasil, autora de best-sellers como
Marketing na Era Digital, Você, Eu e os Robôs e
Inteligência Artificial: do zero ao metaverso. É
também premiada palestrante keynote internacional,
tendo realizado mais de 90 palestras no exterior, além de
8 TEDx, e milhares de palestras keynote no Brasil em
eventos como Gartner IT/Xpo Simposyium, RD Summit
(Brasil, Bogotá e Mexico City), Ambev, Bradesco, Think
Summit IBM, Meta, TIM, Vivo, Oi, Gartner DA (São Paulo e
Mexico City), Informa Markets, Abbott, SAP, Cisco,
Google, Lumen, entre outros. É curadora (e palestrante)
do Café Filosófico CPFL/TV Cultura “Futuros Humanos
& Humanos Futuros” e palestrante na Temporada 2022
do Fronteiras do Pensamento.
Professora da pós-graduação na PUC-SP, no TIDD
(Tecnologias da Inteligência e Design Digital) e na PUC-
RS (MBAs online), atua, também, como professora
convidada em diversas business schools no Brasil,
como Insper e Fundação Dom Cabral. Primeira brasileira
a fazer parte do faculty internacional da CrossKnowledge,
empresa líder em capacitação corporativa on-line do
mundo.
Embaixadora global da Geek Girls Latin America no
Brasil, entidade de fomento à educação STEM para
garotas, visando aumento de equidade.
Executiva e consultora nas áreas de business,
inovação, futurismo e educação, utiliza tecnologia como
instrumento de Transformação Positiva de vidas desde o
início de sua carreira, tendo auxiliado grandes
corporações em suas jornadas de desenvolvimento.
Futurista pelo IFTF (Institute For The Future, USA);
engenheira (Unicamp); pós-graduada em Marketing
(ESPM-SP) e em Design (Belas Artes SP); mestre e PhD
em Artes (ECA/USP); Educação Executiva (MIT, USA);
Conselheira pelo IBGC (Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa).
Eterna curiosa, eterna aprendiz ;-)

MARTHA GABRIEL
martha.com.br

MarthaGabriel
INTRODUÇÃO

E xistem basicamente três tipos de indivíduos no


mundo: os igno­rantes, os desesperados e os
preparados. Os primeiros não fazem ideia do que está
acontecendo; os segundos percebem o que acontece,
mas não sabem como enfrentar; enquanto os últimos
aproveitam as oportunidades. Esses grupos trocam de
lugar de acordo com o contexto em que se encontram,
sendo que uma pessoa ignorante ou desesperada em
uma situação pode estar preparada para outra, e vice-
versa.
Considerando o cenário atual de transformações
tecnológicas aceleradas, é um desafio estar e se manter
no grupo dos preparados, pois nós, humanos, não fomos
biologicamente configurados para enxergar e lidar com
um futuro que não fosse uma continuação linear do
passado. Ao contrário, a nossa evolução natural acontece
em ritmo lento e não está equipada para mudanças
drásticas e aceleradas. Para conseguir evoluir
rapidamente neste cenário, nossas estratégias precisam
incluir novos instrumentos que expandam a nossa
capacidade biológica natural – devemos ampliar nossas
competências hackeando a nossa configuração básica
orgânica para, assim, conseguirmos enfrentar o ritmo
que se impõe ao nosso redor.
Para tanto, precisamos de novos métodos, habilidades
e tecnologia na nossa caixa de ferramentas para nos
transformar em preparados para o futuro, aproveitando
as oportunidades na jornada. No entanto, esta, como
qualquer outra transformação, requer esforço,
demandando disciplina para conseguirmos superar as
nossas limitações naturais.
Esse livro é sobre isso – nos transformar em preparados
para liderar o futuro, de forma estratégica, atuando em
três dimensões complementares: a) ampliação da visão;
b) aquisição de conhecimentos e metodologias que nos
permitam desenvolver estratégias para traçar e
pavimentar esse caminho; e c) desenvolvimento das
competências e habilidades necessárias.
Assim, dividimos os capítulos em três partes: a primeira
foca a visão, a segunda a estratégia, e a terceira as
habilidades para o futuro.
No entanto, na Parte III, apesar de apresentarmos e
discutirmos todas as habilidades essenciais, optamos por
nos aprofundar apenas em duas delas — o pensamento
crítico e a resiliência —, pois, além de serem bases
estruturais para todas as outras, são também as que
mais carecem de literatura aplicada na prática em
negócios. Dedicamos, portanto, um capítulo para cada
uma delas. Devido à grande complexidade e
multiplicidade do cenário tecnológico atual, seria
impossível tratar devidamente a habilidade de destreza
tecnológica em apenas um capítulo – portanto, escrevi
dois outros livros para o letramento em tecnologias
emergentes, que complementam e completam a
discussão estratégica que trazemos aqui: os best-sellers
Você, Eu e os Robôs e Inteligência Artificial: do
zero ao metaverso.
Finalmente, em sintonia com o zeitgeist da nossa era,
objetividade e velocidade são atributos cada vez mais
valorizados nas nossas vidas. Por isso, procuro oferecer
nos meus livros o menor número de páginas e na
linguagem mais simples e objetiva possível. Assim,
desejo a você uma boa leitura, e espero que ela te ajude
a liderar o seu futuro.

Martha Gabriel
SUMÁRIO
SOBRE A AUTORA

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1
VENCENDO AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS

CAPÍTULO 2
LIDERANDO O FUTURO

PARTE I :: VISÃO DE FUTUROS E DE PRESENTE

CAPÍTULO 3
PARADIGMAS FLUIDOS

CAPÍTULO 4
FUTURISMO

PARTE II :: ESTRATÉGIA

CAPÍTULO 5
ESTRATÉGIAS: DAS GUERRAS À INOVAÇÃO

CAPÍTULO 6
INOVAÇÃO EM AÇÃO

PARTE III :: HABILIDADES PARA O FUTURO

CAPÍTULO 7
FUTURE READY SKILLS
CAPÍTULO 8
PENSAM ENTO CRÍTICO

CAPÍTULO 9
PENSANDO CRITICAMENTE

CAPÍTULO 10
FUTURE READY INDEX
VENCENDO AS
CAPÍTULO 1
REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS

S e existe algo inequívoco que a história nos ensinou


sobre revoluções tecnológicas é que elas sempre
trazem consigo, simultaneamente, bênçãos e maldições.
Como consequência, esses períodos geram um aumento
de complexidade que tende a nos cegar e paralisar em
seus meandros causando um fenômeno social de
desorientação – o deslocamento cognitivo decorrente
do redemoinho de transformações que se apresentam
ora como ameaças, ora como oportunidades, dificulta
que se consiga extrair sentido e direcionamento para agir
e dar o próximo passo para o futuro.
Nesses contextos, a dissonância cognitiva que
experimentamos entre aquilo que se sabe e aquilo
que é preciso saber, entre o conhecido e o estranho,
entre a clareza e a confusão, com frequência provoca
uma sensação de despreparo, impotência e,
consequentemente, paralização. Esse processo tende a
tornar aqueles que o experimentam ainda mais
vulneráveis aos impactos das transformações,
aumentando, portanto, o desafio de viver e prosperar no
ritmo da mudança imposta.
Nesse sentido, o cenário torna-se extremamente
favorável para aqueles que, apesar das dificuldades,
não se perdem, mas ao contrário conseguem
compreender o novo paradigma que se estabelece,
se habilitando, assim, tanto para aproveitar as
oportunidades quanto para se defender das ameaças que
se apresentam. Emergem, assim, os preparados,
verdadeiros vencedores das revoluções tecnológicas
– aqueles que as entendem e conseguem enxergar como
extrair valor das mudanças de paradigma. Note-se que
estes não são necessariamente os indivíduos e as
organizações que as criam ou fomentam, mas aqueles
que evoluem com elas.

APRENDENDO AS REGRAS DO JOGO


Fica claro, portanto, que o primeiro passo para se
conseguir navegar qualquer revolução tecnológica é
entender as mudanças de paradigmas causadas
pelos seus impactos e transformações. Em outras
palavras, para podermos jogar o jogo do novo
paradigma, é necessário antes aprender as novas
regras para, aí sim, podermos atuar com sucesso.
Para ilustrar a importância de se conhecer as regras do
jogo, imagine que você coloque uma banana e um monte
de dinheiro na frente de um macaco – ele,
provavelmente, escolherá sempre a banana em vez do
dinheiro, pois ele não conhece as regras do jogo do
paradigma monetário, que permitem que o dinheiro
compre um monte de bananas. Assim, aqueles que não
conhecem as regras do jogo não conseguem
enxergar onde estão as verdadeiras riquezas e
oportunidades.
Outro problema ainda mais grave decorrente de não se
conhecer as regras do jogo é não conseguir enxergar
perigos, o que nos torna mais vulneráveis a golpes e
ameaças. Um caso verídico sobre como as pessoas
ficam mais suscetíveis a tomar decisões prejudiciais, em
períodos de grandes transformações, por não
entenderem o que está acontecendo, é o Golpe de
Poyais1, reportado no episódio “Get Rich” (Enriqueça) –
figura 1.1 – da série documental Money, Explained
(Explicando… Dinheiro), da Netflix. No início do século
XIX, a Inglaterra vivia um período de bonança econômica
após as Guerras Napoleônicas, mas os investimentos
tradicionais britânicos estavam com retornos baixos. A
atenção dos investidores se voltou, então, para a
América do Sul (que significava toda a América Latina de
hoje), onde vários países ganhavam independência da
Europa e os novos governos ofereciam títulos com
retornos altos. Isso deu origem a uma bolha de
investimentos nesses países na década de 1820, e
investidores que não sabiam nada sobre o
funcionamento dos novos países na América começaram
uma corrida de investimentos, criando um intenso
mercado de compra e revenda de títulos. Nesse
contexto, em 1823, o vigarista Gregor McGregor, que já
havia viajado para a região, inventou um país – o
Território de Poyais –, supostamente um paraíso na
América Central, onde ele teria adquirido títulos e terras,
que passou a vender na Europa. Centenas de britânicos
caíram no golpe trocando suas economias de toda a vida
por terras e dinheiro poyasiano e embarcaram em
navegações para a América Central, para se depararem
na chegada com bambus e terras de outros proprietários
em outros países.

Figura 1.1 – Imagem do episódio “Enriqueça"


da série Netflix Explicando... Dinheiro,
disponível pelo QRcode acima ou em
https://www.netflix.com/title/81345769.

Por mais triste que seja esse tipo de história, infelizmente


ela inevitavelmente se repete a cada mudança de
paradigma. Primeiro surge o hype sobre alguma
novidade fantástica. Como consequência, as manchetes
se voltam para aquilo, o interesse se intensifica, a mídia
é inundada por notícias de pessoas e empresas de
sucesso que conseguiram lucros extraordinários em
pouco tempo. Na sequência acontece a bolha decorrente
da corrida de investimentos naquilo, até o momento em
que golpes e/ou investimentos equivocados começam a
repercutir, causando o estouro da bolha.
Esse processo soa familiar em diversos momentos na
nossa história recente, certo? Alguns exemplos de bolhas
que vimos surgir nesse século apenas: internet,
Second Life, criptomoedas, start-ups, metaverso,
NFT e, mais recentemente, inteligência artificial.
Bolhas causam prejuízos, no entanto causam também a
depuração e o amadurecimento de uma nova
tendência. Por isso, bolhas são fenômenos importantes,
pois, por pior que possam parecer, na realidade, elas são
um processo natural de evolução de tendências. No caso
de Poyais, apesar do golpe, a tendência da ascensão da
América era real e gerou oportunidades extraordinárias
para aqueles que navegaram o hype enxergando o seu
verdadeiro potencial. O mesmo aconteceu (e continua
acontecendo) com as demais bolhas mais recentes –
internet, metaverso, NFTs, criptomoedas etc.
representam tendências importantes, que estão
reestruturando a sociedade e que geram oportunidades
para os que as entendem e se tornam ameaças para os
que não.
Assim, podemos apontar algumas características comuns
nesses períodos de mudanças de paradigmas:

Hypes – o hype é um sinal de que uma


transformação significativa está acontecendo ou por
acontecer. Mesmo repletos de limitações, com
informações difusas e confusão, hypes funcionam
como a fumaça indicando que em algum lugar tem
fogo. Assim, os hypes devem ser tratados como
sinais de alerta, e não verdades absolutas.
Desinformação e confusão – o hype gera grande
repercussão, inundando a comunicação com notícias
e opiniões que, muitas vezes, são enviesadas ou
equivocadas. Esse ruído causa dificuldade de separar
as informações corretas das especulações e opiniões,
demandando um esforço maior para entender o que
acontece.
Ascensão de golpes e falsos gurus – o hype combinado
com a confusão informacional traz ansiedade,
fazendo com que as pessoas tendam a buscar
soluções rápidas e fáceis para aliviá-la. Isso as torna
mais suscetíveis a acreditarem em ofertas e
informações reconfortantes – em outras palavras,
passam a preferir mentiras confortáveis a verdades
inconvenientes. Isso abre espaço para golpistas bem-
informados que se aproveitam dessa vulnerabilidade.

NOVOS PARADIGMAS, NOVAS ESTRATÉGIAS


Enfrentar hypes, bolhas, desconforto, ameaças e buscar
novas oportunidades fazem parte de qualquer revolução
tecnológica, sendo sempre um processo desafiador, pois
demanda um grande esforço não apenas de
compreensão, mas também, e talvez principalmente,
de transformação para adaptação às novas regras que
se estabelecem.
No entanto, se isso já era difícil nas revoluções
anteriores, agora o desafio é muito maior, pois vivemos a
mais acelerada revolução tecnológica da nossa
evolução2 – se antes enfrentávamos no máximo uma
revolução tecnológica ao longo da nossa vida, hoje
precisamos vencer várias, e provavelmente serão cada
vez mais complexas.
A velocidade de evolução tecnológica atual é tão alta que
a mudança das regras do jogo tende a acontecer de
forma frequente e acelerada, transformando os
paradigmas em um fluxo contínuo de mudanças de
regras. Esses paradigmas fluidos precisam ser
analisados, compreendidos e considerados
estrategicamente para que consigamos enfrentar e
vencer a revolução tecnológica atual e todas as outras
que ainda estão por vir.
Para tanto, discutiremos no próximo capítulo os impactos
decorrentes desse fluxo contínuo de mudanças e como
isso transforma as estratégias que precisamos
desenvolver para liderar o nosso caminho para o futuro.
LIDERANDO O FUTURO
CAPÍTULO 2

Q uando a sigla VUCA foi cunhada no final do século


XX, talvez a maior contribuição estratégica que ela
tenha trazido para os negócios seja a certeza da
incerteza. Em outras palavras, a percepção de que o
mundo estava mais volátil, incerto, complexo e ambíguo
disseminou a consciência sobre a imprevisibilidade que
se instaurava.
De lá para cá, a aceleração tecnológica vem
gradativamente agravando a situação, contribuindo para
o aumento contínuo e considerável do grau de
incerteza e, consequentemente, a opacidade do
futuro, como discutido nos capítulos anteriores. Esse
processo vem colocando em xeque diversos
aprendizados e práticas tradicionais de gestão
estratégica de negócios, especialmente o planejamento.
Vejamos.

PREVISIBILIDADE & PLANEJAMENTO


Planejar é o processo de definir metas para o futuro,
determinando os recursos necessários para alcançá-las.
Assim, o planejamento é um exercício de previsão para
antecipar ações. Nesse sentido, quanto menor o ritmo
de mudança de um ambiente, menor tende a ser o seu
grau de incerteza, aumentando, portanto, a sua
previsibilidade e facilitando o planejamento. Esse foi o
contexto em que as principais teorias e estratégias de
planejamento e gestão de negócios surgiram – mudança
lenta, alto grau de previsibilidade para planejar. Portanto,
o planejamento tradicional se estabeleceu como uma
forma estratégica de navegar o futuro que funciona
quando o futuro acontece como previsto, ou, em outras
palavras, em ambientes com baixo grau de incerteza
sobre o futuro. Por isso, nesses contextos, o
planejamento tradicional tende a ser uma estratégia
eficiente.
Assim, quanto mais e melhor se consegue “prever” o
futuro, mais fácil se torna planejar e maiores são as
chances de um planejamento tradicional ser bem-
sucedido.
Um exemplo desse tipo de contexto são viagens, pois,
normalmente, viajar nos permite controlar a maior parte
das suas variáveis futuras — datas de saída e chegada,
meio de transporte, compra antecipada de tickets,
reserva de hotéis, que tipos de atividades vamos fazer,
nossos companheiros de jornada etc. A incerteza
normalmente é pequena e fica por conta do clima e
eventuais inconvenientes, que tendem a afetar pouco os
planos. Por isso, planejar da forma tradicional é uma
estratégia que frequentemente funciona bem para
viagens.

IMPREVISIBILIDADE & PREPARO –


ESTRATÉGIAS DA INCERTEZA
Por outro lado, em ambientes com alto grau de
incerteza, o planejamento tradicional tende a não
funcionar, pois nesses contextos o futuro torna-se
imprevisível, impossibilitando, assim, a antecipação de
ações certeiras. Esse é o caso, por exemplo, dos
ambientes de esportes: as variáveis são tantas e
incertas, que nem mesmo o melhor jogador ou atleta do
mundo consegue prever ou controlar o que vai acontecer
– condições climáticas, estado emocional,
vulnerabilidades físicas, condições da quadra/pistas,
estado do(s) adversário(s), e muitas outras mais,
dependendo da modalidade do esporte/jogo. Nesse tipo
de contexto, é impossível antecipar o futuro, e, portanto,
a melhor forma de atuar não é o planejamento
tradicional, mas com estratégias que considerem o a
incerteza. Assim, ao invés de tentar prever o futuro, os
esportistas avaliam os cenários possíveis e mais
prováveis de acontecerem, e se preparam para eles.
Isso é o que todo atleta de alta performance faz —
analisa cenários para cada jogo ou competição futura e
treina para estar preparado e tomar decisões em tempo
real para enfrentar os desafios e vencer.
Portanto, quando o grau de incerteza é alto, conseguir
enxergar cenários e se preparar para tomar as
melhores decisões em tempo real quando eles
acontecem passam a ser os principais diferenciais
estratégicos. Nesse contexto, a certeza dá lugar aos
cenários; o controle de eventos dá lugar ao preparo; e
a previsão, portanto, dá lugar às estratégias da
incerteza.
DE VIAGEM PARA JOGO
Nesse sentido, considerando o aumento do grau de
incerteza no mundo nas últimas décadas, podemos
dizer que, a partir do “momento VUCA”, os ambientes de
negócios foram gradativamente deixando de ser viagem
e tornando-se esporte/jogo.
Desde essa “virada”, o planejamento tradicional, que era
a espinha dorsal estratégica do sucesso, passa a
funcionar cada vez menos, dando espaço para o
surgimento e ascensão de novas formas estratégicas
para navegar a incerteza. Não é por acaso que as
metodologias ágeis começaram a se popularizar na
área de desenvolvimento de software em 2001,
migrando em seguida para outros setores e campos
estratégicos, como manufatura, gestão, marketing etc.
Logicamente, em um primeiro momento, a agilidade foi
o caminho natural para enfrentar a incerteza – uma
associação da diminuição dos períodos de planejamento
(para encurtar a imprevisibilidade do futuro) e a
incorporação de metodologias que flexibilizassem
rapidamente a estratégia e a execução. Assim, o
planejamento foi se tornando ágil para dar conta do
aumento da imprevisibilidade do ambiente de cada setor.
Nesse sentido, o foco do planejamento foi passando do
detalhe para a agilidade – pois não adianta planejar
detalhes do que provavelmente não acontecerá, tendo a
consciência de que as coisas mudarão cada vez mais
rapidamente e teremos cada vez menos tempo para
reagir às mudanças.
No entanto, apesar de o planejamento ágil ser
fundamental para o sucesso dos negócios em
ambientes incertos, ele não é suficiente: é
necessário também a habilidade de traçar cenários
futuros, ou seja, visão e preparo adequado para enfrentar
futuros incertos. Agilidade sem visão tende a nos levar
mais rapidamente para caminhos errados e/ou
desperdiça recursos por falta de alinhamento de ações;
agilidade sem preparo não consegue realizar a ação
necessária ou não desempenha a melhor performance.
Nesse sentido, além de agilidade, o planejamento em
ambientes com grau crescente de incerteza precisa de
estratégias que aliem visão e preparo, cada vez mais
parecidas com as usadas em esportes – as estratégias
da incerteza.

ESTRATÉGIAS DA INCERTEZA
Portanto, para vencer a incerteza, é necessário:
1) Visão de Futuros – para conseguir enxergar os
possíveis cenários futuros, de forma a nortear o
desenvolvimento das melhores estratégias de atuação
no presente.
2) Preparo no Presente – para avaliar cada situação no
presente e agir rapidamente em cada momento na
direção estratégica estabelecida pela visão de futuros.
Para tanto, é necessário treinar, e muito, para
desenvolver as habilidades necessárias para agir em
cada cenário possível traçado estrategicamente. Além
disso, o preparo deve ser ajustado para cada “jogo”,
pois além de cada “jogo” ser diferente, o
“atleta/jogador” também se transforma ao longo do
tempo, de um jogo para outro. Portanto, o preparo de
ontem pode não ser suficiente para o “jogo” de
amanhã, ou, em outras palavras, o preparo nunca tem
fim!
Note-se que apesar de visão e preparo serem
fundamentais, eles precisam ser orquestrados
adequadamente para resultar em uma estratégia de
liderança em ambientes de incerteza. A visão coloca o
foco no futuro, enquanto a execução foca o presente.
Isso gera demandas distintas, e muitas vezes
conflitantes, que competem por recursos. Muito foco no
futuro e pouco no presente pode gerar muito sonho, mas
poucos resultados; muito foco no presente e pouco no
futuro pode gerar muito movimento, mas, também,
poucos resultados. Portanto, da capacidade de
orquestração dessas demandas criadas simultaneamente
pela visão e pelo preparo, resultam diferentes estratégias
de atuação e performance.

VISÃO, EXECUÇÃO & ESTRATÉGIAS


Mapeando as possíveis relações entre as capacidades de
visão e execução (preparo) de um indivíduo ou
organização, a metodologia do Quadrante Mágico do
Gartner3 determina quatro posicionamentos estratégicos
principais: os players de nicho, os desafiadores, os
visionários e os líderes (figura 2.1).
Figura 2.1 – Imagem representativa da
metodologia do Quadrante Mágico do
Gartner, que mapeia o cruzamento das
competências de uma organização para
conciliar a capacidade de visão (eixo
horizontal) com a de execução (eixo vertical).
Fonte: imagem adaptada pela autora com os
eixos de foco.

Players de nicho (visão limitada/habilidade limitada


de execução) – são aqueles que focam com sucesso
em apenas um pequeno segmento ou não têm foco e
não conseguem competir.
Desafiadores (visão limitada/habilidade ampla de
execução) – executam bem hoje ou podem até
dominar um segmento grande, mas não
compreendem ainda a direção do mercado.
Visionários (visão ampla/habilidade limitada de
execução) – compreendem para onde o mercado está
indo ou têm uma visão para mudar as regras do
mercado, mas não conseguem ainda executar bem.
Líderes (visão ampla/habilidade ampla de execução)
– executam bem hoje e estão bem posicionados para
o futuro.

Portanto, para liderar, é necessário se posicionar no


quadrante superior direito, conseguindo desenvolver
uma alta competência tanto de visão quanto de
execução, para orquestrá-las de forma a executar a
estratégia de hoje simultaneamente com o
desenvolvimento da estratégia do amanhã. Essa
competência de orquestração entre futuro e presente é
denominada ambidestria estratégica4.
Nesse sentido, quanto maiores forem as capacidades de
visão e execução de um indivíduo ou organização,
melhor estará posicionado para liderar. Quanto maior
for a sua ambidestria, maior será o seu potencial de
liderar mais longe no futuro.

LIDERANDO O FUTURO
Assim, para liderar o futuro, é preciso desenvolver as
competências necessárias e adquirir instrumentos que
permitam ampliar a visão, as habilidades de execução e
a capacidade de ambidestria para traçar estratégias –
estes são os pilares fundamentais para nos tornar
preparados para futuro, e as organizações ou indivíduos
que conseguem se habilitar dessa forma são conhecidos
como Future Ready ou Future Proof. Apesar de esses
termos serem frequentemente usados como sinônimos,
optamos aqui por “future ready” (pronto para o futuro),
pois acreditamos que seja mais indicativo de um estado
ativo, enquanto “future proof” (à prova de futuro) esteja
mais associado a um estado defensivo. Adotaremos,
portanto, “future ready”.

FUTURE READY INDEX (FRI)


Para facilitar a mensuração do estado de preparo para o
futuro, criamos um índice para avaliar o impacto da
combinação da visão, execução e ambidestria no estado
de Future Ready: o Future Ready Index (FRI).
De uma forma geral, o FRI é um indicador do quanto um
indivíduo ou organização está posicionado para o futuro
em função das suas competências de visão, execução e
ambidestria. Considerando que o preparo para qualquer
coisa pode variar de zero (sem preparo) a 100%
(preparado máximo possível), podemos definir o FRI
como:

Future Ready index (FRI %) = [ambidestria (visão + execução)/2] x


100

Onde: 0 <
ambidestria
>1
0 < visão >
1
0 <
execução >
1
Note-se que, por maior que seja a visão e a execução, se
ambidestria for zero (capacidade nula), resulta em FRI
zero. Por outro lado, por maior que seja a ambidestria,
basta que uma das outras capacidades – visão ou
execução – seja baixa para resultar em um FRI baixo. A
figura 2.2 ilustra graficamente como a ambidestria afeta
o FRI, ampliando ou reduzindo o potencial (representado
pelos quadrados) de combinação entre visão e execução.
Portanto, para um indivíduo ou organização atuar no
presente se posicionando adequadamente para o futuro,
é necessário adquirir competência nas três variáveis, e
quanto maiores forem essas competências, maior tende
a ser o FRI, e, consequentemente, mais bem posicionado
estará para o futuro.

Figura 2.2 – Imagem representativa da


metodologia do Quadrante Mágico do
Gartner, que mapeia o cruzamento das
competências de uma organização para
conciliar a capacidade de visão (eixo
horizontal) com a de execução (eixo vertical).
Fonte: imagem adaptada pela autora com os
eixos de foco.
TORNANDO-SE FUTURE READY
A mudança de mindset de planejamento tradicional para
future ready não é um processo fácil ou simples para
nós, humanos – muito pelo contrário. Apesar de a
mentalidade de “estar preparado para a incerteza,
desenvolver as habilidades necessárias para lidar com
isso e agir de forma ágil” se fazer cada vez mais
necessária, isso requer esforço contínuo e mudança de
cultura. Fomos educados para reagir ao invés de
antecipar, repetir ao invés de criar, e responder ao
invés de perguntar.
Assim, para desenvolver as habilidades que nos tornem
future ready, precisamos nos transformar e realizar o
esforço para desenvolver o mais rapidamente possível as
competências estratégicas necessárias – visão, execução
e ambidestria – deixando de reagir, repetir e responder, e
aprendendo a antecipar, criar e perguntar. É uma
mudança e tanto, e representa um dos maiores desafios
atuais para organizações e indivíduos.
Como o futuro não espera e nem perdoa a falta de
preparo, dedicaremos os demais capítulos deste livro
para as disciplinas e habilidades fundamentais que
precisamos desenvolver para nos tornarmos future
ready:

Visão – para ampliar nossa visão estratégica,


precisamos enxergar tanto o presente quanto os
cenários futuros. Para isso, lançamos mão de
disciplinas como futurismo e estudos de tendências,
e instrumentos de análise para conseguirmos
enxergar mudanças de paradigmas. A Parte I deste
livro, a seguir, é dedicada para isso.
Estratégia – para conseguirmos desenvolver planos
com ambidestria, conciliando estrategicamente as
visões de presente e futuros, precisamos dominar a
arte da estratégia, assunto que será abordado na
Parte II.
Habilidades para o Futuro – inúmeras disciplinas e
habilidades são necessárias para se conseguir agir
com sucesso no presente e estar, ao mesmo tempo,
preparado para o futuro. A Parte III deste livro se
ocupará de discutir essas habilidades essenciais,
conhecidas como Future Ready Skills.

CALCULANDO O SEU FRI


Para obter o seu FRI – indivíduo ou organização –, é
necessário que você se autoavalie para determinar cada
variável que o compõe o índice: visão, execução e
ambidestria. Para tanto, podemos calcular essas
variáveis assim:

Visão = (F + P)/2 , sendo F a competência na


habilidade de enxergar e traçar cenários futuros (0 a
1), e P, a competência na habilidade de enxergar as
mudanças de paradigmas e regras do jogo no
presente (0 a 1). Veremos F e P na Parte I, a seguir.
Ambidestria = competência na habilidade de traçar
estratégias de inovação (assunto da Parte II).
Execução = soma das competências em cada uma
das habilidades discutidas na Parte III, dividida pelo
número de habilidades5. Cada competência varia de
0 a 1, de forma que a execução resultará também em
um valor entre 0 e 1.

Logicamente, para realizar o cálculo, você deverá


estimar o quanto está preparado em cada competência.
O ideal é isso seja feito tanto antes quanto depois da
leitura de cada capítulo, permitindo uma análise
comparativa da sua transformação ao longo do livro.
Você perceberá que as suas estimativas de competência
realizadas antes de cada capítulo provavelmente não
consideraram inúmeros aspectos que você terá
percebido somente após a leitura, e ainda outros mais
após ler outros capítulos. Por isso, o exercício de avaliar
as competências antes e depois de cada capítulo é um
exercício contínuo de autoconhecimento, que é uma
competência valiosa para direcionar os esforços de
aprendizagem na direção das melhorias necessárias para
o futuro.
Finalmente, é importante ressaltar que o FRI funciona
mais como um guia de autoavaliação para orientar o
aprendizado contínuo visando alcançar o melhor
posicionamento possível em Future Ready, do que um
indicador de performance.
O presente e o futuro formam um continuum
simbiótico que se desenvolve entre a visão e a
ação, em uma dança acelerada em que se afetam e
transformam mutuamente, evoluindo constantemente.
Nesse processo, é bastante óbvio perceber que o
presente cria o futuro, pois as ações no presente
determinam os acontecimentos do amanhã. No entanto,
enxergar que o futuro também cria o presente requer
um pouco mais de atenção: as visões que temos sobre o
futuro influenciam a tomada de decisão e, portanto,
as ações no presente, que por sua vez criam o futuro
(figura I-1).

Figura I.1 – Imagem do continuum presente-


futuro.

Por exemplo, um livro que eu escolho para ler hoje tende


a influenciar minhas ações que criarão o meu futuro. No
entanto, a minha visão sobre aquilo que desejo alcançar
no futuro – por exemplo, me tornar uma engenheira, uma
enóloga ou uma professora – também influencia os livros
que vou escolher para ler no presente e que, por sua vez,
criarão o futuro. Assim, presente e futuro criar um ciclo
de retroalimentação mútua.
É importante observar, portanto, que, de forma
consciente ou não, essa dança entre a nossa visão e a
nossa ação cria não apenas o nosso futuro, mas também
o nosso legado – aquilo que transmitimos a quem vem a
seguir. Nesse sentido, o continuum entre presentes e
futuros gera impactos nas vidas de outras pessoas,
fazendo com que as questões de futuros sejam também
questões de sustentabilidade e, consequentemente,
responsabilidade.
O nosso legado sempre existirá, e para gerarmos, ao
mesmo tempo, um futuro positivo para nós e um legado
positivo à frente, precisamos de visão que seja, ao
mesmo tempo, ousada e sustentável, e de ação que
seja estratégica e, simultaneamente, responsável.
Assim, o futuro depende tanto da competência de
enxergar cenários quanto da decisão de escolher a
visão de futuro que desejamos realizar.
Nesta Parte I do livro, vamos discutir como ampliar a
nossa visão para, posteriormente, podermos focar em
estratégias e habilidades para execução. Como o futuro
começa no presente, consequentemente, a visão de
futuros também precisa começar no agora. Portanto, esta
parte está dividida em dois capítulos, iniciando com foco
no presente, passando para a visão de futuros:
CAPÍTULO 3 – Paradigmas Fluidos (visão do presente)
CAPÍTULO 4 – Futurismo (visão de futuros)
Vamos a eles.
PARADIGMAS FLUIDOS
CAPÍTULO 3
“Futuros acelerados, paradigmas fluidos.“
MARTHA GABRIEL

N o primeiro capítulo, discutimos a importância de


enxergar a mudança do jogo e aprender as novas
regras – essa capacidade se traduz como a habilidade de
identificar os paradigmas que nos regem e as suas
transformações ao longo do tempo.
Para tanto, precisamos conhecer a anatomia de um
paradigma para, então, compreender o seu processo de
mudança.

PARADIGMAS
Paradigmas são um conjunto de regras que nos
possibilitam experimentar o mundo e estão em tudo ao
nosso redor. Uma analogia didática para compreender
paradigmas é imaginar o uso de uns óculos com lentes
coloridas: dependendo da cor das lentes, tudo o que
você vê estará pintado daquela cor. Um paradigma
funciona da mesma forma: ele é um modo particular de
olhar e compreender algo.
As regras que estabelecem um paradigma são regidas
por modelos, crenças e padrões. Os modelos são
estruturas que fornecem ao paradigma a base para se
entender algo, por exemplo, a armação e a forma física
dos óculos que seguram as lentes – eles determinam a
estrutura ou modelo de visão. As crenças são conceitos
estabelecidos pelo paradigma, como assumir que tudo
no mundo é azul quando os óculos possuem lentes azuis.
Os padrões são comportamentos sociais ou culturais
decorrentes do paradigma – no exemplo dos óculos,
conforme mais pessoas começam a usar lentes
vermelhas, elas passam a ver e fazer as coisas de formas
similares. Assim, todo paradigma a) é baseado em
modelos ou estruturas; b) traz o próprio conjunto de
crenças ou suposições sobre o mundo; e c) estabelece
padrões ao longo do tempo.
Outros exemplos de paradigmas que nos regem:

Nossa audição – a nossa estrutura biológica


estabelece o que conseguimos ouvir (modelo), como
reconhecemos um determinado som como sendo
chuva ou tempestade (crenças), e gerando padrões
de comportamento em função de como ouvimos o
mundo (se proteger ou dançar na chuva). Os animais
possuem paradigmas de audição diferentes do nosso
e, consequentemente, percebem e reagem ao
ambiente de modos diferentes.
Dispositivos computacionais – o nosso acesso,
visualização e registro do mundo dependem cada vez
mais do modelo (software e hardware – estrutura)
dos dispositivos que usamos. Quanto mais
capacidade computacional, mais enxergamos
(zoom), mais visualizamos (fotos, vídeos etc.), mais
registramos (arquivos). Frequentemente,
experimentamos o ambiente ao redor tanto pelo
smartphone quanto por nossos sentidos biológicos.
Cultura e religião – aquilo em que acreditamos
influencia profundamente a forma como percebemos
e agimos. Cultura e religião estabelecem um sistema
de crenças e valores compartilhados por um grupo
de indivíduos. Crenças distintas levam a
comportamentos totalmente distintos para a mesma
situação. Por exemplo, em algumas culturas e
religiões, a morte de uma pessoa é celebrada com
festa ao invés de luto, como em Bali, onde eles
acreditam que o corpo não tem importância, exceto
para prover uma casca temporária para a alma, que,
após a morte, retorna para Deus.

Assim, enxergamos o mundo com as cores e formas que


os nossos paradigmas nos permitem. Por isso eles são
tão importantes – pois não apenas moldam a nossa visão
da realidade como também influenciam a forma como
agimos. Portanto, reconhecer e compreender os
paradigmas que nos regem pode nos ajudar a a)
enxergar para além das limitações que eles impõem,
ampliando a nossa visão; e b) atuar de forma a tomar
melhores decisões.

MUDANÇAS DE PARADIGMAS
No entanto, ao longo do tempo, os paradigmas se
transformam em função do surgimento de elementos que
desafiam o seu funcionamento ou causam colapso no
modelo vigente, a saber:

Novas descobertas ou evidências – exemplo: a


descoberta da estrutura do DNA revolucionou os
paradigmas da biologia, mostrando especificamente
como a informação genética é armazenada e
transmitida, invalidando os modelos que utilizavam
suposições errôneas.
Insuficiência do paradigma atual – exemplo: as
limitações da física clássica para explicar certos
fenômenos levaram ao desenvolvimento de um novo
paradigma, a física quântica, no início do século XX.
Inovações tecnológicas – exemplo: a invenção da
prensa de tipos móveis por Gutenberg no século XV
transformou o paradigma da disseminação do
conhecimento. Antes os livros eram copiados
manualmente e, portanto, escassos; com a prensa,
tornou-se possível a produção em massa de livros,
democratizando o acesso ao conhecimento.
Pressão social ou cultural – exemplo: o movimento
pelo direito ao voto para as mulheres no século XX
deu origem a protestos, campanhas e ativismo,
causando grande pressão que resultou, em vários
países, na revisão dos paradigmas sobre direitos
civis, concedendo eventualmente o voto às
mulheres.
Integração interdisciplinar – exemplo: a
bioinformática, disciplina que combina biologia e
ciências computacionais, transformou paradigmas
em pesquisa genética permitindo o processamento e
análise de grandes conjuntos de dados biológicos.
Agentes de mudança – exemplo: Martin Luther King Jr.
desafiou o paradigma da segregação racial nos
Estados Unidos por meio de sua liderança no
movimento pelos direitos civis, promovendo a ideia
de igualdade e justiça para todos.

Conseguir detectar esses elementos que desestabilizam


os paradigmas é importante para auxiliar a navegar a
mudança:
1) O conhecimento adquirido sobre um paradigma tende a
não ter mais valor no novo paradigma – quando a
locomotiva surgiu, aqueles que eram especialistas em
cavalos possuíam um conhecimento que passou a não
ser mais necessário. Assim, a mudança de paradigma
zera o jogo e normalmente beneficia os novos
entrantes, que estão mais abertos a aprender as
novas regras, enquanto os especialistas do paradigma
anterior tendem a ter mais dificuldade, devido ao seu
apego ao conhecimento anterior. Portanto, mudanças
de paradigmas tendem a requerer novas
competências.
2) Aquilo que é difícil (ou mesmo impossível) de
solucionar em um paradigma pode ser fácil de se
resolver em outro – por exemplo, o processo de se
conservar alimentos dependia de técnicas especiais e
adição de outros produtos, como o sal, óleo ou açúcar.
No entanto, a invenção da eletricidade/refrigeração
tornou o processo simples e acessível, possibilitando a
criação e comercialização de inúmeros produtos,
como a carne congelada, que não existiam antes
devido às limitações de conservação. Assim, novos
paradigmas podem eliminar dificuldades,
desbloqueando novas oportunidades e modelos de
negócios, que tendem a beneficiar aqueles que têm
visão e conseguem enxergar como suas as novas
regras impactam o funcionamento do mundo.
3) Efeito paradigma – paradigmas que são aceitos
coletivamente como verdades absolutas tendem a nos
escravizar em suas regras e a nos cegar para a
existência de outros paradigmas, que podem,
eventualmente, ampliar o nosso mundo. Esse é o
fenômeno que acontece na alegoria da caverna de
Platão6 – aqueles que viviam na caverna, e conheciam
o mundo regidos apenas pelas regras das sombras,
acreditavam que essa era uma verdade absoluta e
não conseguiam aceitar a existência de uma realidade
além disso.

PARADIGMAS FLUIDOS
A evolução humana é marcada por inúmeras mudanças
de paradigmas que temos experimentado
recorrentemente ao longo da nossa história. No entanto,
até recentemente, essas mudanças demoravam para
acontecer, porque os elementos desafiadores que
transformam paradigmas demoravam para aparecer e/ou
se estabelecer. Agora, mais particularmente a partir do
início do século XXI, as inovações tecnológicas digitais
deram origem a um processo que acelerou o surgimento
de todos esses elementos, causando desestabilizações
frequentes e contínuas nos paradigmas que nos regem.
O aumento da conexão e da velocidade de comunicação,
proporcionado pela evolução das tecnologias digitais,
permite que mais pessoas troquem informações,
catalisando a inovação tecnológica em todas as áreas
do conhecimento, fomentando a integração
multidisciplinar. Isso gera uma cascata contínua de
novas descobertas e evidências que colapsam
continuamente os paradigmas anteriores. Além disso, a
ascensão das plataformas digitais cria a infraestrutura
que amplia a influência de qualquer indivíduo,
potencializando o surgimento constante de novos
agentes de mudança.
Portanto, a primeira grande mudança de paradigma da
era atual é a aceleração da velocidade de mudança
dos paradigmas, levando-os de uma estrutura definida
e duradoura para um estado fluido, em constante
transformação: os paradigmas fluidos.
Como consequência dessa fluidez, modelos, crenças e
padrões mudam o tempo todo, demandando que as
estratégias também se modifiquem de forma dinâmica.
Assim, futuros acelerados geram paradigmas
fluidos, que por sua vez demandam estratégias
dinâmicas.
Estratégias dinâmicas demandam uma velocidade de
análise e compreensão que só é possível por meio da
utilização das mesmas tecnologias computacionais
que causam a aceleração da mudança. Por exemplo, não
conseguimos desenvolver estratégias eficientes em
mídias sociais sem usar tecnologias de mídias sociais
associadas com tecnologias de análises de dados para
analisar padrões e comportamentos.
Assim, a tecnologia é um recurso fundamental para
navegarmos paradigmas fluidos – tanto no auxílio
para enxergar as mudanças contínuas de modelos,
crenças e padrões, quanto para traçar estratégias de
ação a cada momento.

VISÃO DO PRESENTE
Compreendendo a anatomia fluida dos paradigmas
atuais, conseguimos perceber transformações profundas
que estão colapsando alguns dos mais importantes
paradigmas que têm regido a humanidade:

Segurança: de certeza da certeza para certeza da


incerteza;
Percepção: de realidade limitada para realidade
ampliada;
Tomada de decisão: de ação por repetição para
decisão por ­antecipação;
Evolução: de seleção natural para seleção artificial;
Produção: de sistemas produtivos biológicos para
sistemas ­produtivos híbridos.

Vamos a eles, então.


SEGURANÇA: CERTEZA DA INCERTEZA
A evolução humana aconteceu em um contexto de
mudança tão lenta, que os seus impactos eram mínimos
ou inexistentes durante a duração da vida de um
indivíduo. A era da caça e coleta durou milhões de
anos; a era agrícola, milênios; e a era industrial,
alguns séculos, portanto, muito mais do que o tempo
médio de vida de uma pessoa. Assim, a partir da
perspectiva da existência humana, o futuro era apenas
uma repetição do passado. O paradigma vigente era
de alto grau de certeza de que o futuro seria uma
continuação linear do passado.
Apenas muito recentemente, mais especificamente a
partir do século XX, essa lógica se inverte, quando as
transformações na era da informação passam a
acontecer em décadas, e mais drasticamente agora, no
século XXI, em que a era cognitiva impõe ciclos de
mudanças cada vez mais rápidos, menores até do que
períodos anuais. Portanto, nos últimos 100 anos, o ciclo
de vida humana foi se tornando, de forma inédita, maior
do que o ciclo de vida das mudanças no mundo. Esse
processo, sob a ótica humana, faz com que um indivíduo
passe a enfrentar cada vez mais mudanças durante
o período da sua vida e que o futuro tenda a ser cada
vez mais rapidamente diferente do passado,
aumentando, portanto, gradativamente, a sua
incerteza.
Por exemplo, uma pessoa hoje com mais de 80 anos de
idade já experimentado (e se adaptado) pelo menos as
transformações listadas na figura 3.1.

TRANSFORMAÇÕES SIGNIFICATIVAS NOS


ÚLTIMOS 80 ANOS (1940 A 2020)

COMUNICAÇÕES e COMPUTAÇÃO
Máquinas de escrever se transformando em processadores
de texto e depois em computadores pessoais.
O nascimento e a popularização da internet.
O desenvolvimento e a proliferação de telefones celulares,
começando com modelos grandes e pesados, transformando-se
em smartphones multifuncionais.
A invenção e popularização do e-mail, redes sociais e
mensagens instantâneas.
Desenvolvimento da computação em nuvem e
armazenamento de dados online.

ENTRETENIMENTO
A transição de rádios de válvulas para transístores, e depois
digitais.
A popularização da televisão em preto e branco para
colorida, e posteriormente para as de alta definição.
O surgimento e a evolução dos videogames.
A transição de vinil para cassete, CD, DVD, Blu-ray, e a
popularização da música e vídeo em streaming.

TRANSPORTE
O boom da aviação comercial.
Desenvolvimentos em automóveis, incluindo melhor eficiência
de combustível, carros elétricos e recursos de automação.
Surgimento e evolução da exploração espacial, desde o
primeiro homem no espaço até as recentes missões de
empresas privadas.

MEDICINA E SAÚDE
A invenção e disseminação de equipamentos de imagem
médica, como a ressonância magnética e o ultrassom.
Avanços em cirurgias e técnicas minimamente invasivas.
O desenvolvimento de vacinas e tratamentos para várias
doenças.

CIÊNCIA E ENGENHARIA
A revolução da biotecnologia e a descoberta da estrutura do
DNA.
O desenvolvimento da energia nuclear.
Avanços significativos em materiais, como plásticos,
semicondutores e materiais compósitos.

VIDA DIÁRIA
A proliferação de eletrodomésticos, tornando as tarefas do dia
a dia mais fáceis.
A transição de câmeras de filme para câmeras digitais.
O surgimento e a popularização dos cartões de crédito e
pagamentos digitais.

Figura 3.1 – Lista de transformações significativas que uma pessoa com


mais de 80 anos teria experimentado ao longo da vida.

A figura 3.2 ilustra a velocidade do crescimento


tecnológico ao longo do tempo – note-se como o ritmo
acelera drasticamente desde o final do século passado, e
mais acentuadamente a partir de 2010.

Figura 3.2 – Imagem esquematizada da aceleração tecnológica nas últimas


décadas.
Com essa aceleração, passamos a enfrentar mudanças
que chegam cada vez mais rápido. Consequentemente, o
paradigma vigente de segurança não apenas se
modificou, mas se inverteu: da certeza da certeza para a
certeza da incerteza.

PERCEPÇÃO: REALIDADE AMPLIADA


Além do aumento da incerteza, a nossa percepção da
realidade também tem sido transformada pela
aceleração tecnológica. A evolução dos instrumentos
disponíveis para acumular e transmitir informações ao
longo da história, foi permitindo, gradativamente, a
ampliação do volume e alcance do conhecimento
disponível tanto para indivíduos (durante a sua vida)
quanto ao longo da evolução da humanidade.
Inicialmente, antes da invenção da escrita, os
instrumentos de registro eram orais, portanto, bastante
limitados e imprecisos, restringindo a realidade que uma
pessoa conseguia acessar. Gradativamente, após a
escrita, foram surgindo tecnologias de informação e
comunicação melhores, que passaram a permitir o
acúmulo e transmissão de conhecimentos ao longo
do tempo de forma mais precisa, além de possibilitar a
conexão e troca entre diferentes culturas. Isso causa
uma ampliação considerável da realidade da
humanidade, pois passa a construir uma visão maior de
mundo tanto no tempo quanto no espaço.
Esse fenômeno da expansão de realidade foi
extraordinário para o progresso da humanidade, no
entanto, no nível do indivíduo, o impacto tendia a ser
pequeno na sua realidade e visão de mundo, pois essas
transformações aconteciam em ciclos longos, maiores do
que a sua existência.
Somente após a aceleração tecnológica no século XX, e
mais particularmente a disseminação das tecnologias
digitais no século XXI, é que vemos uma explosão de
capacidade e alcance nos instrumentos de registro e
transmissão do conhecimento e de conexão e troca
em todo o planeta. Por um lado, isso nos traz um
potencial espetacular para evolução, entretanto, por
outro, representa também uma sobrecarga
informacional inédita para o nosso sistema cognitivo
biológico – o cérebro humano não foi biologicamente
preparado para processar e conseguir dar significado a
esse tsunami complexo de informação a que somos
submetidos continuamente hoje.
Para efeito de comparação, até meados do século XX, as
informações que um ser humano conseguia acessar eram
bastante limitadas, predominantemente determinadas
pela geografia e filtradas por veículos analógicos de
comunicação, que além de lentos, eram influenciados
pela cultura local. Nesse contexto, o esforço cognitivo
para se entender o mundo era pequeno e compartilhado
com membros da comunidade. Por exemplo, a notícia de
um acontecimento de grande impacto no mundo, como a
Revolução Francesa, em 1789, provavelmente
demorou semanas para chegar a regiões da França mais
distantes de Paris, pois precisava ser transmitida por
mensageiros a cavalo. No século XX, durante a Segunda
Guerra Mundial, a velocidade e o acesso à informação
ainda eram bastante precários, se comparados com os
dias atuais, apenas algumas décadas depois. Uma das
principais formas que o público recebia notícias sobre os
evolução e desdobramentos dos acontecimentos da
guerra era por meio de cinejornais – filmes curtos de
notícias – exibidos durante as sessões de cinema, uma
vez que a televisão ainda não era um meio de
comunicação de massa e o rádio não podia transmitir
imagens. Mesmo em um período de extremo perigo,
como uma guerra global, as notícias demoravam de dias
a semanas para aparecerem nesses noticiários nas
sessões de cinema – o processo de produção e
distribuição dos filmes de notícias dependia de a)
importância do evento (situações de grande impacto
tinham prioridade de notícia); b) localização do evento
(acontecimentos em locais remotos demoravam mais
para serem noticiados devido às dificuldades logísticas);
c) filmagem (depois de filmado o evento, o filme tinha
que ser processado, editado e copiado); d) transporte (as
cópias precisavam ser transportadas fisicamente para os
centros de notícias); e) edição e produção (os filmes
eram editados localmente para apresentação nos
cinemas); f) distribuição (as cópias da versão editada
localmente eram transportadas para o cinemas para
apresentação). Por isso, um grande evento ocorrendo na
Europa poderia ser noticiado em uma semana nos
cinemas dos EUA ou Reino Unido, enquanto eventos
locais mais remotos podiam demorar semanas para
serem noticiados.
Em contraste, no início do século XXI, em fevereiro de
2014, em uma viagem pela América Central, meu marido
e eu acordamos no meio da noite, em El Salvador, devido
a um tremor sísmico. Acessei imediatamente o Twitter
para verificar se alguém estava postando alguma
informação sobre o terremoto e descobri, quase que em
tempo real, o epicentro, que era na Nicarágua, e onde
aconteciam as zonas de propagação.
Obter informações relevantes em tempo real é um
poder espetacular que adquirimos com as tecnologias
digitais – isso, definitivamente, nos ajuda a lidar melhor
com a realidade. No entanto, por outro lado, além das
informações relevantes, recebemos também uma
infinidade de irrelevantes, descontextualizadas, falsas,
tendenciosas, o que dificulta a avaliação e separação
daquilo que realmente importa para podermos lidar com
a realidade. O paradigma de acesso à realidade mudou.
No passado, a informação era mais limitada em
volume, mas muitas vezes mais focada (pois as pessoas
tinham acesso a menos fontes de informação e
passavam mais tempo com cada uma delas) e filtradas
(pela geografia e pelos meios de comunicação, “pré-
digeridas” pela cultura local) – isso demandava um
menor esforço cognitivo para ser compreendida.
Hoje, a quantidade de informação disponível e acessível
para um indivíduo comum é gigantesca, dispersa,
proveniente de todos os lugares e tempos imagináveis,
predominantemente sem filtros culturais, validações ou
contexto, requerendo, assim, um esforço cognitivo
infinitamente maior para serem analisadas. Por isso, a
profundidade com que cada peça de informação é
consumida atualmente tende a ser menor, enquanto a
dificuldade de compreensão se torna maior, dando
origem a fenômenos como desinformação, fake news,
pós-verdade, bolhas, polarizações etc.
Some-se a isso a recente disseminação dos sistemas de
IA generativa, que se popularizam a partir do início de
2023, desencadeando uma proliferação ainda mais
acelerada de conteúdos artificiais cada vez mais
verossímeis, em todas as modalidades (texto, imagem,
vídeo, sons, músicas, vozes etc.), indistinguíveis, a olho
nu, dos criados por humanos. Nesse contexto, os nossos
instrumentos naturais para medir e validar a realidade
passam a não mais funcionar – não é mais possível
confiar apenas nos nossos sentidos biológicos,
precisamos de novos instrumentos, novas réguas
para medir a realidade, que não apenas se ampliou,
mas se tornou, também, muito mais complexa.

TOMADA DE DECISÃO: POR ANTECIPAÇÃO


Ao contrário dos nossos antepassados, não apenas
percebemos e sentimos a mudança, mas também a sua
aceleração contínua e o aumento da incerteza. Esse
fenômeno traz consigo o que talvez seja um dos maiores
desafios para a nossa evolução – uma adaptação da
adaptabilidade biológica natural para se tornar mais ágil
e conseguir acompanhar o ritmo mudança acelerado da
tecnologia. A sustentabilidade futura da humanidade
depende intrinsecamente disso.
Logicamente, o ser humano é adaptável por natureza –
chegamos até aqui porque, até o momento, temos
conseguido nos adaptar às mudanças do ambiente. No
entanto, a velocidade e o modo como aprendemos a
evoluir podem não ser mais suficientes para
enfrentarmos o futuro. O ritmo lento que se nos impôs
durante quase toda a nossa evolução nos conferiu
habilidades para reagir ao ambiente utilizando soluções
aprendidas do passado, pois como a mudança acontecia
tão sutilmente ao longo de gerações, a probabilidade de
a repetição funcionar era altíssima – assim, não
desenvolvemos, habilidades para antecipar mudanças
rápidas e constantes ao longo de nossas vidas. No
entanto, elas se tornaram vitais no cenário atual.
Enfrentar o futuro utilizando estratégias reativas
aprendidas no passado só é eficiente quando o ritmo de
mudança é lento e o futuro tende a ser igual ao passado.
Quando a mudança passa a ser acelerada e o futuro se
torna cada vez mais rapidamente diferente do passado,
estratégias repetidas do passado passam a não mais
funcionar – nesse cenário, precisamos de outro tipo de
estratégias, que funcionem em ambientes com alto grau
de incerteza, e de habilidades humanas que nos confiram
visão de longo de prazo e capacidade de nos adaptar
com agilidade.
Como a nossa evolução biológica de adaptação não
consegue dar saltos, é lenta, a única forma que temos
para acelerar a nossa adaptação é hackeando a nossa
própria evolução para ampliar a nossa visão no futuro e
nos conferir habilidades para agir mais agilmente. Para
tanto, precisamos utilizar novos instrumentos e
desenvolver novas competências – visão, estratégias e
habilidades – que nos tornem mais ágeis e habilitados
para a velocidade, complexidade e incerteza.

EVOLUÇÃO: SELEÇÃO ARTIFICIAL


Charles Darwin nos ensinou que a seleção natural,
dirigida pela adaptabilidade, tem sido o vetor de
evolução das espécies. Nesse sentido, a conclusão lógica
é que, para evoluirmos, precisamos nos adaptar à
tecnologia que avança, e é assim que tem sido até
agora.
No entanto, a aceleração vertiginosa no ritmo de
evolução tecnológica favorece uma assimetria
acentuada de poder que pode se tornar crítica para a
humanidade, pois aqueles que conseguem dominar as
tecnologias mais avançadas tendem a se tornar mais
rapidamente muitas vezes mais poderosos do que
aqueles que não as conhecem ou não têm acesso a elas.
Um exemplo que revelou recentemente como essa
assimetria acontece foi a desvantagem sofrida por
daqueles em situações mais precárias de acesso
tecnológico durante a pandemia Covid-19.
Indo além, a tecnologia tem se tornado cada vez mais
sofisticada, permitindo não apenas que seja utilizada,
mas que também, literalmente, possa ser incorporada
para ampliar funcionalidades do corpo humano.
Considerando-se a combinação possível entre a miríade
de avanços tecnológicos7, como CRISPR, IA, robótica e
nanotecnologia, tem se tornado cada vez mais possível
se modificar a configuração biológica de indivíduos para
acelerar a evolução. Esta é uma situação inédita na
humanidade: o poder individual de hackear a
própria evolução genética. Isso se constitui em mais
um recurso tecnológico de assimetria, pois enquanto
alguns se equipam e transformam para ganhar vantagem
competitiva rapidamente, outros estarão sujeitos
“apenas” à evolução biológica natural, mais lenta. Além
do potencial para gerar conflitos e questionamentos
éticos, esse processo, ao longo do tempo, pode causar o
surgimento de raças humanas distintas coexistentes –
algumas mais avançadas do que outras – eventualmente
nos conduzindo a um cenário de disputa de recursos.
Apesar de parecer enredo distópico de ficção científica,
presente em tantas séries e filmes8, essa é uma
possibilidade cada vez mais real, e é a essência do
transumanismo9, movimento cujos conceitos
remontam à Antiguidade. É também tema de discussão
científica, como no livro de 2001 O Sol, o Genoma e a
Internet, do físico britânico Freeman Dyson.
Apesar de a humanidade ter evoluído simbioticamente
com a tecnologia desde as suas origens, a tecnologia foi
ampliando a sua participação no nosso funcionamento –
primeiro, físico, com as ferramentas e instrumentos
mecânicos; avançando para processos mentais, com os
computadores e sistemas computacionais; mais
recentemente, os cognitivos, com a IA; e os biológicos,
com CRISPR e o auxílio da IA, nanotecnologia, impressão
3D, robótica, computação quântica etc. Nesse processo,
a nossa dependência tecnológica vem aumentando a
cada ciclo de evolução.
Dessa forma, a tecnologia está se tornando cada vez
mais parte de nós, e, consequentemente, para
evoluirmos, precisamos dela. Em outras palavras, a
nossa evolução passa a depender cada vez mais da
tecnologia para conseguirmos nos adaptar rapidamente
ao ritmo que ela impõe. Portanto, o mesmo agente (a
tecnologia) que causa a transformação acelerada do
nosso ambiente deve ser utilizado como recurso para
conseguirmos vencê-la. Nesse sentido, o vetor
determinante da nossa evolução está passando
gradativamente da seleção natural para a seleção
artificial, tecnológica.
Esse processo traz consequências estratégias
importantes a se considerar:
1) Data-driven everything – a vantagem competitiva que
as tecnologias digitais oferecem para captura e
análise de dados faz com que estratégias que não as
utilizem não consigam competir com as que são data-
driven e smart-enabled, ou, em outras palavras,
baseadas em dados e que utilizam inteligência
artificial.
2) Mindset Antifrágil – as tecnologias digitais
emergentes têm possibilitado cada vez mais a)
predição, permitindo antecipação de ameaças e
oportunidades; e b) agilidade, permitindo rapidez na
adaptabilidade. Isso tem o potencial não apenas de
nos tornar mais resilientes – o que é fundamental para
nossa sustentabilidade –, mas também, e
principalmente, antifrágeis10. Enquanto a resiliência
se ocupa em resistir a ameaças do ambiente, a
antifragilidade busca aproveitar ameaças, tornando-as
em oportunidades, permitindo, assim, crescer,
melhorar com elas. Quanto melhor forem as
capacidades de: a) predição para permitir antecipar
ameaças futuras; b) análise e processamento para
traçar estratégias que possam transformar ameaças
em oportunidades; e c) se adaptar rapidamente para
aplicar essas estratégias –, maior a competência de
antifragilidade. Como as habilidades biológicas
naturais humanas são limitadas tanto para predição
quanto para processamento de grandes volumes de
possibilidades e de adaptabilidade rápida, a utilização
de tecnologias que nos ampliem nesses quesitos
tende a aumentar a nossa antifragilidade. Portanto,
aqueles que dominam essas tecnologias não apenas
tendem a se tornar mais resilientes, mas antifrágeis.

PRODUÇÃO: SISTEMAS PRODUTIVOS


HÍBRIDOS
Podemos dizer que, antes do desencadeamento das
revoluções industriais, o ser humano era a única força
mental dos sistemas produtivos, e o cavalo, a principal
força mecânica. Portanto, os paradigmas produtivos da
humanidade – tanto mental, quanto físico – eram, até
recentemente na nossa história, baseados
predominantemente em sistemas biológicos.
Como exemplo, há apenas 100 anos, a nossa locomoção
cotidiana ainda dependia prioritariamente de sistemas
biológicos: pernas humanas e de animais, principalmente
o cavalo, que, além de transporte, foi também, por
séculos, o “motor” de funcionamento de guerras, campos
de cultivo de alimentos, recreação etc.
No entanto, a partir do início do século XX, o paradigma
produtivo mecânico passa a ser profundamente
reconfigurado com a introdução das novas tecnologias
eletromecânicas, tanto que resultou no desaparecimento
do principal sistema biológico da cena produtiva
mecânica – o cavalo. As máquinas passaram não apenas
a fazer melhor aquilo que os cavalos faziam, como
também, e principalmente, a realizar o que seria
impossível para eles. No novo paradigma, o aumento na
quantidade ou qualidade dos cavalos não contribuía mais
para um retorno positivo no processo produtivo
mecânico, que passa a ser baseado em sistemas
artificiais: máquinas.
Nesse contexto, apesar da grande transformação que
aconteceu no paradigma mecânico de produção, o corpo
humano continuava relevante no sistema, tornando-se,
inclusive, cada vez mais ampliado pelas máquinas, que
iam gradativamente aumentando as nossas capacidades
físicas com mais força, mais velocidade, nos permitiam
voar, ampliar o alcance da nossa voz etc. Os nossos
corpos biológicos, portanto, eram necessários para
realizar a grande maioria das tarefas do sistema
produtivo mecânico, como dirigir, pilotar, escrever,
calcular, cozinhar, carregar, se reunir com outras
pessoas, entre inúmeras outras tarefas, inclusive
controlar e operar as máquinas que se disseminavam no
cotidiano – eletrodomésticos, telefones, carros etc.
Provavelmente, o tabu do envelhecimento tem raízes na
dependência dos sistemas produtivos mecânicos em
relação aos nossos corpos biológicos: durante todos os
paradigmas produtivos que regeram a humanidade, o
corpo humano foi o recurso mais relevante e necessário.
Envelhecer, portanto, significava, a perda da capacidade
do corpo, limitando ou inviabilizando a sua contribuição.
Assim, nos paradigmas produtivos, tanto mentais como
mecânicos, o humano era a força primordial. No entanto,
a partir do final do século passado, as novas tecnologias
– nesse caso, os sistemas computacionais e tecnologias
de informação, conexão e comunicação – passam a
causar, mais uma vez, alterações significativas no
sistema produtivo:

1. Os computadores começam a realizar tarefas que


eram antes exclusivamente do domínio do cérebro
humano – isso afeta o sistema produtivo mental,
causado uma diminuição gradativa da necessidade e
da relevância da participação do cérebro humano em
diversas atividades cognitivas.
2. As tecnologias digitais de comunicação e conexão
passaram a permitir que o trabalho seja realizado de
forma remota – isso impacta o sistema produtivo
mecânico, causando a diminuição gradativa da
necessidade da presença física do corpo humano na
realização do trabalho.

Assim, ao longo da nossa evolução, conforme as


tecnologias avançaram, fomos gradativamente incluindo
as máquinas nos paradigmas produtivos – primeiro, o
sistema produtivo mecânico e, agora, o mental. Dessa
forma, os paradigmas produtivos foram se transformando
em híbridos de sistemas biológicos e artificiais.
Vivemos, portanto, a maior e mais drástica mudança de
paradigmas produtivos da nossa história, que demanda
uma transformação profunda e urgente nas
competências do sistema biológico humano, para que
nos mantenhamos relevantes no sistema produtivo que
se impõe, para não corrermos o risco de sermos
eliminados e sairmos de cena, como aconteceu com o
cavalo.
Nesse novo paradigma produtivo, conforme as máquinas
se tornam mais inteligentes e eficientes, para nos
mantermos relevantes, precisamos fazer aquilo que as
máquinas não fazem. Por isso, as habilidades humanas
que têm ganhado mais relevância para um futuro cada
vez mais tecnológico são aquelas que 1) sabem usar a
tecnologia para ampliar as capacidades humanas; e 2)
que nos diferenciam das máquinas: as soft skills.

CONSEQUÊNCIAS ESTRATÉGICAS
As novas regras que essas mudanças de paradigmas
estabelecem impactam não apenas as estratégias que
precisamos desenvolver para vencer no jogo da vida,
mas também as novas habilidades que precisamos
desenvolver para poder jogar. Para tanto, discutiremos as
mudanças estratégias na Parte II deste livro e,
posteriormente, as habilidades para o futuro, na Parte III.
FUTURISMO
CAPÍTULO 4
“Enquanto futuro acontece para alguns,
ele é determinado por outros.“
Martha Gabriel

V imos que até recentemente o jogo da vida era lento,


com regras fixas, e hoje a situação é oposta – o jogo
se tornou tão dinâmico e acelerado que suas regras
mudam constante e rapidamente. Tanto que o cérebro
humano não consegue mais acompanhá-las sem usar
algum tipo de auxílio para ampliar a sua capacidade e
velocidade biológica natural de compreensão e
aprendizado. O aumento da complexidade nas últimas
décadas torna impossível analisar causalidades
presentes e traçar estratégias futuras sem utilizar
metodologias e tecnologias para ajudarem no processo.
Nesse contexto, uma das metodologias mais eficientes
para auxiliar a enxergar as regras do jogo e suas
mudanças dinâmicas no futuro, favorecendo a nossa
tomada de decisões e ações, é o futurismo – nosso foco
aqui.

FUTUROS: PREVISÃO, VISÃO & AÇÃO


Se, por um lado, não é possível prever o futuro, por
outro, podemos, sim, escolher as melhores opções de
caminhos para criá-lo. Enquanto o futuro acontece
para alguns, ele é determinado por outros – a
diferença entre ser vítima ou estrategista do tempo
reside na habilidade de conseguir enxergar as sementes
e seus desdobramentos em possíveis cenários
emergentes e de imaginar aqueles que desejamos criar.
O domínio dessa competência nos permite agir para
evitar futuros indesejados (por exemplo, uma catástrofe
climática) e/ou favorecer a criação dos futuros que
mais nos beneficiariam (como um mundo human-centric
super smart da Sociedade 5.011).

O PRESENTE CRIANDO O FUTURO


O futuro é, portanto, uma dimensão aberta, que se cria
no presente, a partir das suas sementes que já estão
entre nós. Como dizia Alvin Toffler12, em Power Shift, “a
mudança é o futuro invadindo as nossas vidas”. Ao longo
da nossa história, chamamos de visionários aqueles que
conseguiram enxergar as sementes da mudança – foram
eles que direcionaram o futuro de toda a humanidade.
No entanto, o aumento gradativo da velocidade de
mudança e da complexidade vai tornando cada vez mais
difícil conseguir enxergar essas sementes e suas
causalidades futuras sem o auxílio de métodos mais
sofisticados – a capacidade natural humana dos
visionários do passado passa a não ser mais suficiente.
Além disso, a aceleração da incerteza tem ampliado cada
vez mais a quantidade de desdobramentos possíveis que
uma semente pode desenvolver em contextos distintos –
para dar conta desse crescimento na multiplicidade de
cenários, passa a ser necessário sistematizar o processo
para que mais indivíduos pudessem adquirir a
capacidade de ser “visionários”. Por isso, no início do
século passado, vimos surgir uma nova disciplina para
auxiliar a enxergar as sementes do futuro no presente, e
escolher quais cultivar, ou não, para criar os futuros
desejados – o futurismo (ou estudos do futuro, em inglês:
futures studies, foresight ou futures researches).
Assim, se no passado os visionários eram equipados com
as melhores ferramentas biológicas intuitivas, os
visionários atuais são aqueles que se instrumentalizam
com o futurismo.

O FUTURO CRIANDO O PRESENTE


É importante observar, entretanto, que não é apenas o
presente que cria futuros, mas que o futuro também cria
o presente13. Quando imaginamos futuros desejados,
modificamos nossas ações no presente para tentar
alcançá-los, impactando, assim, a criação de futuros. Por
exemplo, quando planejamos as nossas próximas férias,
temos em mente vários parâmetros de presente: budget,
tempo disponível, preferências de destinos e
companhias. Em função disso passamos a escolher
destinos (futuros) possíveis. No entanto, a partir do
momento em que decidimos viajar para uma estação de
esqui em vez de um resort de praia, mudamos todas as
ações que faremos no presente para que esse futuro
aconteça – preparo de malas, reserva de passagens,
hotéis etc.
Conforme tomamos decisões de longo prazo, como
metas de vida ou de negócio, o impacto do futuro
imaginado em nossas decisões presentes torna-se maior.
Uma pessoa que se imagina como um futuro
empreendedor traçará um caminho de ações
completamente distinto de alguém que se imagina
trabalhando em uma organização. Por isso, a declaração
de “visão desejada”, junto com a missão e valores,
tornou-se mantra corporativo nas últimas décadas.
Assim, conhecer e declarar “propósito” tem sido cada vez
mais uma dimensão fundamental de qualquer negócio ou
indivíduo para influenciar suas ações no presente na
direção do futuro que se deseja.
Um exemplo de como a visão desejada de futuro pode
transformar a realidade é Dubai. O emirado possui
recursos naturais limitados, inclusive de petróleo, cuja
grande concentração de reservas dos EAU encontra-se
em Abu Dhabi14. Até o final do domínio britânico na
região, na década de 1970, Dubai era apenas uma
pequena vila de pescadores que comercializava peixes e
pérolas. No entanto, Dubai encontra-se em uma
localização geográfica privilegiada para rotas no planeta:
central tanto entre Ocidente e Oriente, quanto entre
Norte e Sul. Com isso em mente, Dubai estabeleceu a
visão de se tornar o centro das rotas aéreas do mundo
para atrair negócios e diversificar a sua economia com as
indústrias de finanças, transporte, turismo, trade e
tecnologia. Essa visão deu origem a estratégias que, em
algumas décadas apenas, tornaram Dubai um dos
principais hubs aéreos15 e destinos do planeta.
FUTURISMO
Futurismo é, portanto, uma disciplina que combina
ciência e imaginação para traçar cenários futuros para
auxiliar a tomada de decisão no presente.
Assim, independentemente da direção (futuro/presente
ou presente/futuro), para estudar e criar futuros,
contamos com inúmeras metodologias que configuram o
campo de estudo do futurismo. Apesar de existir
formalmente e ser praticado com sucesso desde meados
do século passado, apenas recentemente vimos um
aumento significativo no interesse pelo tema, quando os
futuros passaram a não ser mais como eram
antigamente.
Uma heurística bastante utilizada para visualizar como as
versões de futuros se desenvolvem com o tempo é o
Cone de Futuros Plausíveis (Cone of Plausibility),
desenvolvido por Charles Taylor em 1988 e que
posteriormente foi adaptado por diversos futuristas,
como na versão de Joseph Voros, na figura 4.1.

Figura 4.1 – Imagem do Cone de Futuros


adaptado de Voros, disponível em:
https://thevoroscope.com/2017/02/24/the-
futures-cone-use-and-history/.

Note-se que quanto mais se avança no tempo,


distanciando-se do presente, maiores se tornam as áreas
das sessões do cone, ampliando a quantidade de versões
de futuros, tornando-os, portanto, mais incertos. Assim,
quanto maior o ritmo de mudança, mais aberto se torna
o cone, e mais diversos os cenários tendem a ser – nesse
contexto, o maior perigo é traçar estratégias levando em
conta apenas os cenários visíveis no presente (curto
prazo) sem considerar também os cenários futuros (longo
prazo), que podem mudar completamente os paradigmas
nos que nos regem.
Outra observação importante é que os futuros plausíveis
incluem tanto cenários bons quanto ruins, e as
metodologias de futurismo sempre buscam detectar
ambos para balizar a tomada de decisão e garantir que
não seja enviesada. Um dos grandes problemas da
atualidade é justamente o pensamento enviesado, sem
análise crítica, que está na raiz de fenômenos como
polarizações, alienação, negacionismo, pós-verdade,
entre outros, que têm ganhado corpo nos últimos anos.
Portanto, o futurismo ajuda a combater dois dos
principais perigos estratégicos da atualidade: o
enviesamento e a mentalidade de “curtoprazismo” na
tomada de decisão de longo prazo.
Pensando nas diferentes formas para ampliação da visão
estratégica, devemos expandir o nosso olhar para
abraçar o passado, o presente, os futuros. As
metodologias de pesquisa de mercado se ocupam do
passado e do presente, enquanto as pesquisas de
tendências focam o futuro próximo (de 1 a 5 anos) e as
pesquisas de futuros normalmente trabalham com
períodos de 10 anos à frente (Figura 4.2).
Figura 4.2 – Imagem do Cone de Futuros de
Voros, mostrando a evolução de futuros ao
longo do tempo.

ENXERGANDO MAIS LONGE


Além do passado da humanidade e dos cenários de
futuros próximos, para garantir a nossa
sustentabilidade, torna-se cada vez mais importante
considerar domínios de tempos maiores. Um exemplo
dessa abordagem mais ampla no passado são os estudos
de Big History16, que analisam bilhões de anos, desde o
Big Bang até o presente, focando em como a
humanidade se encaixa no Universo. Uma iniciativa na
direção de expandir a nossa visão no futuro é a Long
Now Foundation17, que olha para daqui a 10 mil anos,
com o objetivo de oferecer um contraponto à
mentalidade dominante de “mais rápido e barato” para
uma mentalidade que promova um pensamento “mais
lento e melhor”.
A história nos ensinou que para nos libertarmos do
passado, precisamos estudá-lo para não repetir erros.
Agora, ela está nos ensinando que se quisermos liderar o
futuro, garantindo a sustentabilidade humana,
precisamos estudá-lo também.
Assim, além do letramento em passado que todos nós
provavelmente tivemos durante a nossa educação com a
disciplina de história, deveríamos incluir também o
letramento em futuros. Nesse sentido, design de
futuros deveria ser disciplina obrigatória desde a pré-
escola, para nos capacitar estrategicamente para
criarmos futuros melhores, minimizando os impactos do
acaso em nossas vidas.

A ASCENSÃO DO FUTURISMO
O futurismo tem origens no início do século passado com
H. G. Wells, que é considerado o fundador dos estudos
de futuros – a sua publicação, em 1901, “Antecipações da
reação do progresso mecânico e científico na vida
humana e no pensamento”, propõe cenários para o ano
2000. No entanto, como disciplina de estudo,
propriamente dita, o futurismo emerge na década de
1960, com o crescimento do interesse de acadêmicos,
filósofos, escritores, artistas e cientistas explorando
cenários futuros e estabelecendo as bases para um
diálogo comum.
A primeira geração de futuristas inclui estrategistas de
guerra, como Hernan Kahn, economistas, como
Bertrand de Jouvenel (que fundou a Futuribles
International em 1960), cientistas, como Dennis Gabor,
sociólogos, como Fred L. Polak, pesquisadores, como
Marshall McLuhan e suas reflexões sobre a Aldeia Global,
inventores, como Buckminster Fuller, um dos primeiros
indivíduos a perceber e calcular a aceleração da
mudança, e Arthur C. Clarke, que entre as inúmeras
contribuições que trouxe para o pensamento sobre o
futuro estão duas frases que se tornaram mantras
futuristas: “Toda tecnologia suficientemente avançada é
indistinguível de mágica” (sua 3a lei da robótica) e
“Quando um cientista consagrado idoso declara que algo
é possível, ele quase sempre está certo. Quando ele
declara que algo é impossível, ele provavelmente está
errado”.
Em 1968, surge o IFTF (Institute For The Future), um
think tank considerado o primeiro instituto de futurismo
do mundo, inicialmente focado em estudos de futuro com
interesses governamentais. Gradativamente seus
estudos passaram a incluir assuntos de negócios e
sociais. A partir dos anos 1970, os estudos do futuro se
ampliaram de forma geral, emergindo diversos outros
institutos de futurismo no mundo (como, por exemplo, o
IFR - Institute For Futures Research, em 1974 na África do
Sul), abraçando uma gama ampla de interesses, como a
tecnologia, questões sociais e outras preocupações,
como a interseção do crescimento populacional,
disponibilidade e uso de recursos, crescimento
econômico, qualidade de vida e sustentabilidade
ambiental. Nesse contexto, é publicado o best-seller
Future Shift de Alvin Toffler, explorando os cenários
futuros em termos da sobrecarga informacional. No final
do século XX, John Naisbitt e Faith Popcorn se destacam
com os seus estudos de futuros, resultando em
publicações que se tornaram best-sellers, como
Megatrends (Naisbitt, 1982), High Tech, High Touch
(Naisbitt, 1983) e O Relatório Popcorn (1991).
De lá para cá, nas décadas seguintes, a aceleração das
transformações foi gradativamente favorecendo o
florescimento e disseminação do futurismo, de forma que
hoje contamos não apenas com vários respeitados
institutos de futurismo no mundo, mas também com
sólidos programas acadêmicos em universidades, think
tanks, consultorias especializadas, pesquisadores
independentes (foresight practioners ou futuristas, em
português), além de departamentos de futurismo dentro
de grandes corporações, ONGs e governos.

CRIANDO FUTUROS ESTRATEGICAMENTE


Da mesma forma que qualquer outra área do
conhecimento, em futurismo existem diversas linhas de
pesquisa e metodologias, como protocolos de
pensamento antecipatório, backcasting, workshops de
futuros, simulação e modelagem, visioning, role-playing
adaptativo, entre outros. Normalmente uma pesquisa de
estudos de futuros envolve vários métodos combinados
de forma a atender às especificidades do tema em
questão, que pode variar desde uma área com
abrangência genérica e ampla, como, por exemplo, o
futuro do clima (ou filantropia, educação, dinheiro etc.),
até tópicos mais específicos, como o futuro da educação
em determinada região.
Além da condução por profissionais capacitados em
futurismo (foresight practioners, ou futuristas), que
saberão escolher e utilizar os métodos mais adequados
para cada caso, outro pilar importante de um estudo de
futuros é a seleção dos participantes do estudo. Ninguém
cria sozinho o futuro – ele é o resultado das ações de
todos nós. Assim, os estudos de futuros devem sempre
envolver os membros representativos de todas as áreas
de interesse (stakeholders) relacionados com o
ecossistema do tema em análise, para garantir que o
máximo de visões sejam consideradas. Quanto mais
multidisciplinar for o grupo de indivíduos participantes,
menores serão as chances de enviesamento do processo.
Com isso, conseguimos traçar cenários de futuros nas
suas mais diversas, amplas e possíveis versões, trazendo
um leque que inclua tanto cenários positivos quanto
negativos. Essa multiplicidade de perspectivas é o
antídoto contra vieses individuais e setoriais que,
frequentemente, contaminam e embaçam a visão de
futuros, resultando em fracassos.

LETRAMENTO EM FUTUROS
Os estudos de futuros requerem profissionais
especializados, letrados em futuros e capacitados a
utilizar as metodologias adequadas para sua realização.
No entanto, enquanto as grandes organizações
contratam futuristas e/ou institutos de futuros para
estudar tendências e cenários, isso tende a ser
inacessível para pequenas e médias empresas, e está
fora do alcance para aplicação cotidiana na vida de
indivíduos.
No entanto, é possível para qualquer pessoa ou
organização desenvolver o mindset de futurismo, sem
precisar ser um futurista ou contratar estudos
especializados. Isso requer, entretanto, a aquisição de
algumas competências:

1. Compreender futurismo e o que são tendências e


cenários, e como são traçados.
Provavelmente, a essas alturas, isso já deve ter sido
alcançado, principalmente a consciência de que
futurismo não é adivinhação, palpite, intuição ou
achismo, mas pesquisa fundamentada em metodologias
científicas combinadas com a arte da imaginação.

2. Capacidade de enxergar sinais de mudanças e imaginar


decorrentes cenários futuros e suas consequências.
Vimos que as sementes do futuro se encontram no
presente. Em futurismo, essas sementes são
denominadas de sinais de mudanças18.
Sinais de mudança são indicadores sutis do início de
mudanças ou fenômenos emergentes que têm o
potencial de serem significantes no futuro. Sinais
desafiam as crenças existentes e fornecem um vislumbre
dos possíveis cenários futuros. No entanto, por serem
sutis, frequentemente, passam despercebidos. Eles são
como os sintomas quase imperceptíveis que antecedem
um terremoto ou um tsunami.
Os sinais de mudança introduzem pontos de atenção por
meio de desenvolvimentos inesperados, que nos ajudam
a identificar e questionar crenças sobre o futuro – tanto
as nossas quanto as dos outros –, nos encorajando a
pensar diferente. Prestar atenção aos sinais de mudança
nos torna conscientes do potencial de disrupções e
oportunidades que podemos encontrar pela frente.
Portanto, sinais de mudança são importantes porque nos
permitem antecipar mudanças emergentes, nos adaptar
e usá-las como vantagem.
No entanto, para conseguirmos identificar sinais de
mudança, precisamos treinar o nosso olhar. Eles
normalmente são desenvolvimentos inesperados – algo
estranho ou que parece impossível – e estão
intimamente relacionados com os elementos que
desestabilizam paradigmas, vistos no capítulo anterior.
Ou seja, sinais de mudanças envolvem fatos ou
acontecimentos relacionados a: a) novas descobertas ou
evidências; b) insuficiência do paradigma atual; c)
inovações tecnológicas; d) pressão social ou cultural, e)
integração multidisciplinar; e f) agentes de mudança.
Por exemplo, o fato de as empresas precisarem usar cada
vez mais tecnologia não é um sinal de mudança, mas
uma tendência seguindo o seu curso. Um sinal de
mudança seria algo inesperado, como uma empresa
desenvolver uma solução tecnológica que permite
realizar aquilo que parecia impossível, como a cura do
câncer, ou criar alguma coisa que cause estranhamento,
como a notícia, em 2018, de que uma pessoa no Japão
havia se casado com um holograma de inteligência
artificial desenvolvido por uma empresa19.
Além de a sutileza dos sinais dificultar a sua percepção,
outros fatores também contribuem para que falhemos
em identificá-los:

A complexidade crescente no mundo aumenta a


dificuldade em perceber a correlação de causalidade
entre os sinais sutis e grandes transformações que
eles indicam.
Desdobramentos inesperados – característica de um
sinal de mudança – muito frequentemente resultam
em medo, negação ou repulsão, tendendo, assim, a
serem evitados.

É necessário, portanto, desenvolver a habilidade para


detectar esse tipo de sinal, por mais sutil, complexo ou
indesejado que seja.
Um exemplo de sinal importante, há quase 60 anos, que
apontava para a explosão da inteligência artificial que
estamos vivendo hoje foi o lançamento do primeiro
chatbot em 1966, ELIZA20 (figura 4.4), algo inesperado
naquela época, que passou despercebido pela maioria
das pessoas, mas provavelmente causou um
estranhamento enorme naqueles que tiveram contato
com a notícia.
Figura 4.4 – Imagem da reconstrução do
chatbot ELIZA, de 1966, por Norbert
Landsteiner em 2005. Disponível em:
https://www.researchgate.net/figure/Example-
of-ELIZA-ELIZA-a-chatbot-was-designed-by-
Joseph-Weizenbaum-to-imitate-
a_fig1_348306833.

Analisando esse sinal, seria possível, na época em que


surgiu, imaginar inúmeras evoluções de cenários futuros
na relação entre humanos e computadores: conversas
comandadas por humanos, conversas comandadas por
computares, manipulação de humanos por
computadores, controle total de computadores por
humanos, evolução dos computadores para conviverem
em igualdade com humanos, computadores evoluindo
para se tornarem mais inteligentes do que humanos,
computadores auxiliando humanos a viverem melhor,
humanos se hibridizando com computadores,
computadores ameaçando a humanidade, conversas por
meio de voz, entre muitos outros.
Alguns desses cenários são mais prováveis do que
outros, no entanto o exercício de considerar os vários
desdobramentos possíveis e imagináveis – de utópicos a
distópicos – nos torna menos ingênuos e nos dá mais
insumos estratégicos para lidar com o futuro. Além disso,
se não conseguirmos enxergar mais do que um único
cenário futuro, certamente estaremos com uma visão
enviesada. Considerar pelo menos um cenário positivo e
um negativo já melhora o enviesamento, no entanto
consiste, ainda, em uma visão muito estreita. Assim, é
saudável desenvolver pelo menos três cenários tendendo
para cada lado, para nos oferecer uma visão menos
ingênua, menos enviesada e mais ampla.
Ainda em relação aos enviesamentos, é importante
lembrar que nós, humanos, temos um viés cognitivo que
nos faz sentir mais dor pela perda do que prazer pelo
ganho – o viés de loss avertion21, tendendo a enviesar a
nossa visão de futuro. Como ele é incerto, traz risco de
perda, e assim tendemos a imaginar o futuro com medo,
por meio de cenários distópicos – por isso, eles são tão
comuns nas obras de ficção científica. Assim, além da
imaginação, para traçar cenários a partir de sinais de
mudança, é importante desenvolver também o
pensamento crítico para conseguir detectar e combater
os nossos enviesamentos naturais humanos nas análises.

3. Capacidade de buscar e analisar estudos de tendências e

futuros

Muitos estudos de tendências e cenários futuros são


publicados regularmente e tornam-se amplamente
disponíveis, por exemplo, o Hype Cycle do Gartner22, que
avalia anualmente as principais tendências tecnológicas
em várias áreas de negócios. Portanto, é importante
conhecer e acompanhar os think tanks, institutos e
instituições que frequentemente trazem estudos de
tendências e futuros23.
No entanto, antes de usar qualquer estudo, é preciso
saber escolhê-los e avaliá-los – normalmente, os estudos
publicados possuem um escopo mais amplo, global, que
precisa ser considerado antes de se tornar um guia
balizador válido para outro contexto. Para tanto, é
necessário a) pontuar as suas necessidades estratégicas
em cada contexto – por exemplo, áreas de interesse
(tecnologia, comportamento, clima, alimento, energia
etc.) e localização (global, Brasil, um determinado estado
ou região etc.); b) fazer uma análise crítica para validar
criteriosamente as fontes de informação; e c) ter
disciplina para estudar e analisar pontos de vistas
conflitantes.
V imos na Parte I as disciplinas que nos permitem
ampliar nossa visão. No entanto, nenhuma visão se
realiza sem estratégia para transformá-la em ação.
Portanto, nesta Parte II, abordaremos a estratégia por
meio de dois capítulos:
CAPÍTULO 5: Estratégias: das guerras à inovação –
para discutir os principais elementos que estruturam
uma estratégia e adequá-los para o contexto atual.
CAPÍTULO 6: Inovação em ação – para colocar em
prática a principal estratégia para liderar o futuro.
ESTRATÉGIAS: DAS
CAPÍTULO 5
GUERRAS À INOVAÇÃO

“Se você conhece o seu inimigo e conhece a si mesmo, você não precisa
temer o resultado de cem batalhas.
Se você conhece a si mesmo, mas não o inimigo, para cada vitória
ganha você sofrerá também uma derrota.
Se você não conhece nem o inimigo e nem a si mesmo, você sucumbirá
em todas as batalhas.”
SUN TZU, A Arte da Guerra

E stratégia é um termo de origem militar, que


remonta à Antiguidade, intimamente associado a
vencer em ambientes de incerteza: as guerras.
Comandantes que conseguiam encontrar melhores
formas de articular os seus recursos, conquistavam o
oponente – e isso era, literalmente, uma questão de vida
ou morte, que não se limitava apenas aos indivíduos nos
campos de batalha, mas que se estendia posteriormente
também para os territórios dos vencidos. Assim,
estratégia vem conferindo poder e moldando a história
desde os mais remotos tempos, como na China, onde
encontramos um dos mais antigos e famosos tratados
estratégicos militares já criados: A Arte da Guerra24,
escrito por Sun Tzu no século V a.C., cujos conceitos são
usados e referenciado com frequência até os dias atuais.
Na Grécia Antiga, a soberania militar proporcionada pelas
estratégias espartanas, como as falanges (Phalanx25),
possibilitou a expansão de territórios para formar um dos
principais impérios da Antiguidade. O conceito da
estratégia do Cavalo de Troia26, descrita na Odisseia de
Homero no século VIII a.C., encontra-se presente na era
digital em um dos mais frequentes tipos de vírus
cibernéticos, batizado com o mesmo nome.
Com o passar do tempo, o interesse pelo conceito de
estratégia e sua utilização para auxiliar a alcançar
objetivos migraram para muito além do âmbito militar,
popularizando-se, no último século, nas áreas de
negócios.

ESTRATÉGIA
Etimologicamente, “estratégia” (strategia) vem da união
de duas palavras gregas – “stratos” (exército) e “agem”
(conduzir ou comandar), significando a arte de comandar
um exército para vencer o inimigo ou, pelo menos,
tentar. Portanto, podemos dizer que estratégia é um
plano de ação elaborado por um comandante (líder)
para orquestrar os recursos disponíveis (pessoas,
tempo, materiais) a fim de alcançar com o máximo de
eficiência um objetivo futuro (normalmente,
conquistar um resultado melhor do que o oponente).
Assim, os componentes estruturais fundamentais para se
desenvolver uma estratégia:
1) Objetivo – aquilo que se deseja alcançar no futuro.
2) Recursos – pessoas, tecnologia, tempo, dinheiro etc.
3) Plano de ação – avaliação, aquisição, alocação e
orquestração de recursos ao longo do tempo, para se
atingir o objetivo.
4) Liderança – capacidade de articular a melhor
combinação entre objetivos, recursos e plano de ação
para se obter o melhor resultado.
Assim, desenvolver uma estratégia consiste na
capacidade de comandar (liderança) para determinar o
melhor objetivo, otimizando recursos e traçando
planos de ação. Independentemente do contexto, esses
são os pilares que sustentam uma estratégia, e não
mudam. O objetivo é a razão de ser de uma estratégia;
os recursos a viabilizam; o plano de ação lhe dá forma; e
a liderança lhe dá direção.
Quanto melhor for a capacidade de uma liderança para
estruturar esses elementos, melhor tende a ser a
estratégia e, consequentemente, a probabilidade de
sucesso.

DA GUERRA PARA O DIA A DIA


Enquanto no contexto militar, o objetivo é vencer um
oponente, aqui, o inimigo não é o outro: a luta, agora, é
contra o risco de se tornar irrelevante no futuro. As
mudanças de paradigmas que discutimos nos capítulos
anteriores – especialmente a velocidade e o aumento da
incerteza – passaram a demandar que todos nós
consigamos desenvolver estratégias para conseguir
vencer simultaneamente no presente e no futuro. Como
os paradigmas são fluidos, as estratégias precisam ser
dinâmicas, ou seja, ajustadas no dia a dia,
especificamente para cada um de nós.
Assim, precisamos desenvolver a capacidade de liderar a
nós mesmos – e/ou nossos negócios – para estruturar e
orquestrar os pilares estratégicos, adequando-os para o
fim específico de liderar o (nosso) futuro. Vamos a eles.

OBJETIVO ESTRATÉGICO
Talvez uma das frases que mais transmitam a
importância de se ter um objetivo venha da ficção,
escrita por Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas,
quando o Gato disse à Alice: “Se você não sabe para
onde ir, qualquer caminho serve”. Traçar ou escolher um
caminho só faz sentido quanto sabemos aonde queremos
chegar – essa é a pedra angular sobre a qual se constrói
qualquer estratégia.
O objetivo é a razão pela qual uma estratégia existe, e a
sua escolha determina como a estratégia se
desenvolverá. Um exemplo disso é como Abraham
Lincoln, após a Guerra Civil Americana, estipulou o seu
objetivo para um país dividido. Como presidente, ele
estava tentando ajudar as regiões derrotadas a se
reestruturarem, quando uma senhora o repreendeu
dizendo que eles eram inimigos. Ele então respondeu:
“Eles devem ser destruídos, madame, e como eu consigo
destruir melhor os meus inimigos do que os tornando
meus amigos?”. Ou seja, a escolha do objetivo
determinou como os recursos foram utilizados na
estratégia – em reconstrução, não opressão.
Assim, a primeira e mais importante parte de uma
estratégia é determinar o seu objetivo, pois é dele
que depende todo o resto. Sem objetivos claros e bem
definidos, ficamos perdidos sem saber para onde
direcionar esforços, tendendo a piorar a situação, pois
isso causa desperdício de recursos e/ou perda de
posição. Se a direção estiver errada, não adianta ter
todos os recursos do mundo e traçar um plano
espetacular, pois isso apenas nos levará mais
eficientemente para o caminho errado.
Muitas vezes, o erro não é de direção, mas de timing –
determinar um objetivo que está muito adiantado em
relação à maturidade do mercado ou, eventualmente, ter
perdido o momento adequado para introduzir diferencial
competitivo. Assim, uma estratégia com um objetivo
brilhante para um determinado momento pode significar
fracasso total se for aplicada no timing errado.
Além de direção e timing, é importante também
estipular, com clareza, o quão longe se quer chegar, ou,
em outras palavras, quantificar o objetivo no tempo e
espaço. Uma coisa é mirar para vencer uma batalha na
próxima semana. Outra, bem diferente, é vencer uma
guerra de anos. Se somos pouco ousados, estaremos
subutilizando nosso potencial. Por outro lado, se formos
ousados demais, além do limite dos nossos recursos ao
longo do tempo, nossas probabilidades de sucesso
diminuem. Impérios surgiram e caíram em função de
saber, ou não, determinar objetivos. O império mongol,
que se estabeleceu conquistando objetivos
espetaculares, como a China e Coreia, começou a
sucumbir a partir da tentativa da conquista do Japão27,
por definir um objetivo para o qual ainda não estava
preparado e que resultou no fracasso que marca o início
da sua queda.
Portanto, enxergar e determinar o objetivo estratégico
nem sempre é uma tarefa fácil, mesmo para quem está
acostumado a vencer. Ao contrário, tende a ser bastante
desafiador, pois é uma arte de equilíbrio entre
ousadia e realidade ao longo do tempo, envolvendo
um encadeamento de ações e consequências entre a
situação presente e a futura que desejamos alcançar. Por
isso, a liderança é fundamental para se conseguir
equacionar o processo – quanto mais ousado o objetivo,
maior a importância da liderança.
Para alcançar esse equilíbrio, a liderança precisa de
informação da melhor qualidade possível para avaliar
possibilidades e riscos para embasar a tomada de
decisão. Isso se torna ainda mais crítico quando a
velocidade e o grau de incerteza aumentam, como
acontece no cenário atual. Inúmeros estudos ao longo
dos anos têm mostrado que “o desenvolvimento de
soluções não necessárias28 (no market need)” é um dos
principais motivos pelos quais as startups fracassam –
ou, em outras palavras, a escolha de um objetivo errado.
Algumas das habilidades humanas que mais contribuem
para a ampliação da visão e avaliação de possibilidades
para se escolher os melhores objetivos para o futuro são
o pensamento crítico e o pensamento analítico, por isso
não é à toa que têm sido rankeados29 há anos entre as
principais habilidades para o futuro.
No entanto, como vimos em paradigmas fluidos, as
habilidades humanas, sozinhas, não são mais suficientes
para conseguirmos enxergar cenários futuros e avaliar a
complexidade. Assim, para nos auxiliar estrategicamente
a determinar melhores objetivos, inúmeros instrumentos
têm sido desenvolvidos ao longo do tempo, como:
ferramentas para estudo de mercado, tendências,
paradigmas, benchmarks, business intelligence,
futurismo, entre outros.
Várias dessas ferramentas têm sido usadas há bastante
tempo para determinar objetivos estratégicos de curto
prazo, enquanto os estudos de futuros e tendências
emergem nos últimos anos como instrumentos cada vez
mais valiosos tanto para ampliar quanto clarear a nossa
visão sobre possibilidades. Por isso, dedicamos a Parte I
deste livro a eles e às mudanças de paradigmas que os
afetam.

RECURSOS ESTRATÉGICOS
Já sabemos que o presente determina o futuro, e que a
nossa visão do futuro também determina o presente30.
Nesse sentido, a visão está no futuro, sempre, já que o
que desejamos alcançar ainda não aconteceu. Os
recursos, no entanto, não estão apenas no presente, mas
podem estar distribuídos ao longo do tempo entre
presente e futuro, podendo ser obtidos e utilizados no
caminho para alcançar o objetivo. Isso é muito
importante, porque recursos são limitados, o que
impacta o desenvolvimento da estratégia e,
eventualmente, o objetivo estabelecido.
Nesse sentido, tempo e finanças são alguns dos recursos
mais valiosos e limitantes que existem, por isso, muitas
vezes, influenciam diretamente a escolha e/ou o
refinamento do objetivo a ser alcançado. Por exemplo, se
eu quiser diminuir o tempo de construção de uma casa,
vou precisar alocar mais recursos – contratar mais
pessoas e equipamentos para fazer mais rapidamente.
Nesse caso, o tempo se torna valioso, pois quanto menos
tempo, mais sofisticados e caros tendem a ser os
recursos para alcançar o objetivo. No entanto, por mais
dinheiro ou pessoas que eu tente alocar em uma
construção, pode ser impossível construir uma casa em
três dias com uma estratégia que utilize recursos
tradicionais – nesse caso, o tempo é limitante e
influencia o tipo de recurso que precisarei obter. Talvez
isso se torne possível por meio de utilização de
tecnologias de impressão 3D. Eventualmente, ainda
assim, pode não ser possível construir a casa desejada
em três dias, mesmo usando todas as tecnologias mais
avançadas ou todos os recursos do mundo, ou, ainda, o
custo pode ser tornar proibitivo para o recurso financeiro
que disponho. Nesse caso, é necessário rever o objetivo
estratégico e, em vez de construir, talvez comprar ou
alugar uma casa seja um objetivo melhor.
Existe, portanto, uma interdependência entre recursos e
objetivos – os recursos necessários são determinados
pelo objetivo, mas, por outro lado, os recursos
disponíveis (e possíveis de se obter) também
determinam o objetivo. Essa é a arte de equilíbrio entre
objetivo e realidade – mencionada anteriormente –, que o
líder precisa dominar para criar o plano de ação,
otimizando os recursos para alcançar o melhor resultado
possível.
Quanto menos recursos se tem para traçar a
estratégia, mais criativos e engenhosos os líderes
precisam ser para conseguir alcançar o objetivo. Quanto
mais recursos disponíveis, menos necessidade de
otimização, e a estratégia tende a se tornar menos
eficiente. Por isso, a falta de recursos tornou-se um
exercício bastante utilizado para desenvolver a
criatividade estratégica, comumente aplicado em
contextos de startups, permitindo lapidar a eficiência de
modelos de negócio.

PLANO DE AÇÃO
O plano de ação se encarrega da orquestração entre o
objetivo desejado e os recursos necessários/disponíveis,
no intervalo entre presente e futuro, buscando o melhor
equilíbrio para obter sucesso. Portanto, ele é a parte da
estratégia que otimiza a relação entre recursos e
objetivos – o sucesso depende dele, e ele depende de
liderança. Assim, a liderança exerce um papel crucial na
estratégia, tanto para desenvolver o planejamento
quanto para colocá-lo em ação ao longo do tempo.
A interdependência entre objetivos e recursos se estende
também ao plano de ação, que não apenas é
determinado por eles, mas pode também determiná-los
ou alterá-los. Eventualmente, o melhor plano de ação é
uma mudança de objetivo. Uma das frases mais famosas
de A Arte da Guerra ensina que “O sábio guerreiro evita a
batalha”, ou, em outras palavras, eventualmente, o
melhor plano de ação para otimizar recursos e obter
sucesso é mudar ou transformar o objetivo, como fez
Abraham Lincoln após a Guerra Civil Americana.
Portanto, por mais claro que seja o objetivo e por maiores
e melhores que sejam os recursos disponíveis, o principal
fator para determinar o sucesso é o plano de ação,
resultado do planejamento desenvolvido pela liderança.
No passado, o planejamento era determinado apenas
pelas capacidades de alguns indivíduos que possuíam
grande de visão e competência para alocação de
recursos e execução – líderes. Conforme a complexidade
de possibilidades e o grau de incerteza foram
aumentando no mundo, gradativamente foi se tornando
cada vez mais difícil para um líder desenvolver um
planejamento estratégico de sucesso sem a utilização de
metodologias e tecnologias mais sofisticadas para
auxiliar no processo.
Vimos anteriormente31 que o planejamento foi evoluindo
das metodologias tradicionais para as metodologias
ágeis, que embora necessárias, não são mais suficientes
e passam a requerer também alinhamento com visão de
cenários futuros e ambidestria da liderança entre visão e
execução, para se conseguir estar bem posicionado para
o futuro.
LIDERANÇA
Liderança faz parte daquele grupo de palavras que é
mais fácil reconhecer quanto acontece do que definir,
como é o caso de amor ou inteligência. É uma habilidade
complexa que envolve o desenvolvimento de inúmeras
outras, como comunicação, negociação, gestão,
storytelling etc.
Uma forma ampla de definir liderança é como a
habilidade de um indivíduo, grupo ou organização de
liderar, influenciar ou guiar outros indivíduos, times ou
uma organização inteira. Quanto melhores os resultados
de uma liderança, melhor é o líder.
A visão da liderança para determinar objetivos
estratégicos pode transformar a realidade,
desbloqueando recursos inexistentes no presente. Um
exemplo disso é Dubai, cuja riqueza foi criada em função
da visão de futuro que seus líderes lançaram,
transformando uma vila de pescadores em um emirado
próspero, como descrito anteriormente no capítulo sobre
futurismo. Outros exemplos que podemos citar são
Gramado, São Paulo e Singapura, por exemplo. Gramado,
apesar das inúmeras belezas naturais, tornou-se um dos
destinos mais procurados do Brasil32 devido à visão
estratégica da região em tornar a cidade atrativa com o
desenvolvimento de inúmeras iniciativas, como o Natal
Luz, Parque de Esqui, Fábrica de Chocolate, centro de
convenções etc. Da mesma forma, por meio de visão
estratégica, a cidade de São Paulo tornou-se o principal
destino de entretenimento cultural da América Latina;
Singapura, em poucas décadas após se separar da
Malásia, transformou-se de um país pobre em uma das
nações mais desenvolvidas do planeta por meio da visão
de inovação e atração de negócios e talentos e, como
Dubai, tirou proveito da sua localização estratégica para
rotas, só que no Sudeste Asiático. Note-se que esses
exemplos são inspiradores porque criaram riquezas onde
elas não existiam, deixando um legado positivo
transformando o destino de milhões de pessoas.
Portanto, um líder com visão e competência de
planejamento pode mudar a realidade. Isso é um poder
enorme, pois se você não está feliz com a sua realidade,
lidere o seu futuro por meio da escolha de uma visão que
transforme a sua vida e/ou o seu negócio naquilo que
você deseja, e desenvolva um planejamento que
encadeie as iniciativas necessárias para chegar lá.
Para o escopo deste livro, mais específico para o
contexto de traçar estratégias para tornar um indivíduo
ou organização Future Ready, podemos definir a
liderança como: a habilidade (de um indivíduo, grupo ou
organização) de liderar, influenciar ou guiar outros
indivíduos, times ou organizações para desenvolver
estratégias de sucesso no presente, que conduzam, ao
mesmo tempo, a uma condição de bom posicionamento
no futuro.
Nesse sentido, além das habilidades tradicionais de
liderança, torna-se necessário desenvolver também a
ambidestria estratégia, que envolve agilidade,
pensamento analítico, pensamento crítico, pensamento
criativo, entre várias outras, que discutiremos na Parte
III: as habilidades para o futuro, ou Future Ready Skills.

ESTRATÉGIAS PARA O FUTURO


Analisando os impactos que os paradigmas fluidos33
causam nas estratégias Future Ready, verificamos que:

Futuros incertos – requerem estratégias em que os


objetivos consigam enxergar cenários (futurismo,
tendências) e criem soluções inéditas (inovação)
rapidamente (agilidade).
Realidade ampliada – requer estratégias que consigam
acessar e compreender gigantescos volumes de
dados para extrair significado (tecnologias digitais
data driven e smart enabled) para guiar a tomada de
decisão em um novo contexto, mais amplo
(inovação).
Decisão por antecipação – requer estratégias cujos
objetivos consigam enxergar cenários (futurismo,
tendências, predições facilitadas por tecnologias
digitais data driven e smart enabled), criem soluções
inéditas (inovação) rapidamente (agilidade).
Seleção artificial – requer estratégias de
reconfiguração rápida (agilidade e tecnologias
digitais), para negócios e indivíduos se manterem
relevantes nos novos contextos tecnológicos
(inovação).
Sistemas produtivos híbridos – requerem estratégias
de reconfiguração rápida (agilidade e tecnologias
digitais), para negócios e indivíduos se manterem
relevantes nos novos contextos tecnológicos
(inovação).

Assim, na raiz dessas demandas está a capacidade de


enxergar o presente (paradigmas) e cenários
(futurismo e tendências), se adaptando rapidamente
por meio de novas soluções (inovação ágil),
possibilitadas pelas tecnologias digitais (transformação
digital).
Futurismo, tendências e paradigmas já foram tratados na
Parte I, e inovação é o assunto do próximo capítulo.
Quanto à transformação digital, é importante observar
que a tecnologia tem se tornado, cada vez mais, um
game-changer importante para toda e qualquer
estratégia, pois ela funciona tanto como agente causador
das mudanças de paradigmas quanto como recurso
indispensável para se conseguir navegá-las. Como
consequência, as estratégias tendem a não apenas se
beneficiar, como também, e principalmente, requerer um
nível cada vez mais elevado e sofisticado de utilização
tecnológica. Por isso, a transformação digital
configura-se como o principal vetor habilitador da
inovação e da evolução por seleção artificial, seja de
indivíduos ou de negócios. Nesse sentido, o
conhecimento e o domínio do uso da tecnologia tornam-
se habilidades obrigatórias para qualquer indivíduo que
deseje liderar o futuro. Por isso, discutiremos a relação
de transformação digital e inovação no próximo capítulo.
Posteriormente, na Parte III, veremos que o domínio da
tecnologia está entre as habilidades humanas
necessárias para o liderar futuro.
INOVAÇÃO EM AÇÃO
CAPÍTULO 6
“A inovação distingue um líder de um seguidor.”
STEVE JOBS

Recapitulando o desencadeamento de ideias que nos


trouxe até aqui, podemos dizer que, em função dos
novos paradigmas que têm nos regido, passa a ser
impossível nos tornarmos Future Ready sem inovar com
agilidade. Portanto, este capítulo discute como colocar a
inovação em ação, de forma ágil.

INOVAÇÃO ÁGIL
De modo geral, podemos definir inovação como o
processo de desenvolvimento de novas soluções que
gerem valor perceptível para alguém. Em outras
palavras, o resultado de um processo de inovação é o
valor gerado com o objetivo de melhorar ou solucionar
algo para um determinado indivíduo ou grupo de
indivíduos. Esse valor pode ser um novo produto, serviço,
processo (forma de fazer) ou modelo de negócio (forma
de criar valor) que traz benefícios para essa pessoa ou
grupo. Por exemplo, um novo serviço de internet com
velocidade mais rápida de acesso pode gerar benefícios
de produtividade para inúmeros indivíduos que
valorizarão a solução. Nesse caso, o novo serviço é uma
inovação. No entanto, se a solução criada não gerar valor
percebido, por mais impressionante que possa parecer,
ela não é uma inovação. No exemplo anterior, imagine
que o indivíduo ou grupo de indivíduos em questão sejam
massagistas que realizem o seu trabalho quase que
exclusivamente offline – para eles, um aumento na
velocidade da internet não agrega valor em suas
atividades, portanto, para esse grupo, o novo serviço é
apenas algo novo, uma novidade, não uma inovação.
Portanto, o que determina a inovação é o novo valor que
ela gera, e não a novidade que ela incorpora. Por isso,
nem toda nova solução é uma inovação, mas toda
inovação é uma nova solução – que agrega valor para
alguém. Essa distinção é bastante importante para
direcionar os esforços de inovação – ela sempre começa
e termina com pessoas. Começa com problemas de
pessoas e termina gerando valor para pessoas.
Neste livro, o foco da inovação somos nós, e o problema
a resolver é conseguir encontrar novas soluções que
agreguem o valor de nos ajudar a manter um bom
posicionamento de relevância para o futuro. Por outro
lado, como vivemos em um contexto de aceleração de
mudança, esse problema é constante, pois nos
deparamos continuamente com situações inéditas que
requerem novas soluções – consequentemente,
precisamos não apenas de inovação, mas também de
agilidade para conseguir inovar rápida, contínua e
constantemente. Inovação ágil, portanto.
No entanto, inovação é uma área complexa e extensa,
que se relaciona com inúmeras outras áreas do
conhecimento e, consequentemente, não cabe em um
único capítulo. Portanto, não temos, nem poderíamos ter
aqui, a pretensão de esgotar todas as suas dimensões.
Ao contrário, focaremos apenas os elementos mínimos
necessários para permitir o desenvolvimento de
estratégias com o objetivo específico deste livro – liderar
o futuro. Porém, esperamos que os conceitos e
instrumentos que trazemos aqui sirvam como inspiração
para a ampliação do seu estudo por meio da vasta
literatura e cursos especializados disponíveis no
mercado34.

INOVAÇÃO – LIDERANÇA E MÉTODO


Inovação, como qualquer outro tipo de estratégia,
precisa de objetivos, recursos, planos de ação e,
principalmente, liderança para orquestrá-los – como
vimos no capítulo anterior. Portanto, inovação é
liderança com visão inovadora para determinar os
melhores objetivos e métodos para auxiliar a avaliar e
selecionar objetivos e orquestrar recursos e planos de
ação para alcançá-los. Em outras palavras, a liderança é
força motriz da inovação, que precisa de métodos para
conseguir realizá-la.
Assim, inovação não é tecnologia, inovação não é
invenção, inovação não é produto, inovação não é
criatividade. Inovação é liderança e método.
A liderança estabelece a direção da inovação e o método
oferece uma estrutura de planejamento para chegar lá.
Em suma, a liderança determina “para onde ir” e o
método revela o “como”.
Independentemente do contexto em que você deseje
inovar – seja na sua vida pessoal ou profissional, ou para
uma organização –, você precisa de liderança e
método. O que varia entre um caso e o outro é a
complexidade do processo. Na primeira situação – inovar
na sua vida –, você é o líder que deve desenvolver as
habilidades mínimas necessárias para conseguir
orquestrar objetivos, recursos e planos de ação,
utilizando os métodos que melhor se aplicam a você para
liderar o seu futuro. No caso de uma organização, você
provavelmente compartilhará a liderança com outros
indivíduos e precisará utilizar diversos métodos, tanto
para determinar os melhores objetivos quanto para
orquestrar recursos e planos de ação. Enquanto no
primeiro caso você precisa influenciar a si mesmo e se
desenvolver para adquirir as habilidades necessárias
para inovar, no segundo, você precisa também
influenciar pessoas e se relacionar em um sistema mais
amplo, requerendo competências adicionais, como se
comunicar, negociar, conhecer métodos específicos para
articular times etc.
Portanto, em organizações, diferentemente das nossas
vidas individuais, para que a inovação se torne sistêmica,
contagiando todas as iniciativas para criar colaboração e
sinergia para liderar o futuro, a liderança precisa
desenvolver e fomentar uma cultura que favoreça a
inovação, guiada por valores e comportamentos
necessários para que a inovação aconteça. No entanto,
não é uma tarefa fácil, por isso transformar a cultura
corporativa para abraçar a inovação tem sido o maior
desafio das organizações no contexto atual, em que é
necessário não apenas inovar, mas inovar de forma ágil e
constante.

CULTURA DA INOVAÇÃO
A cultura determina comportamentos35, que por sua
vez determinam resultados – portanto, a cultura é
importante porque ela determina resultados. Por isso,
por melhor que seja uma estratégia, se os
comportamentos e valores que ela requer não estiverem
alinhados com os valores e comportamentos da cultura,
ela não conseguirá ser implementada. Nenhuma
estratégia consegue gerar resultados sem o apoio da
cultura. Portanto, para obtermos resultados de inovação,
precisamos de uma cultura de inovação.
Nesse sentido, muitas vezes, é necessário realizar uma
profunda transformação na cultura para que ela se torne
uma cultura de inovação. No entanto, transformação de
cultura é um assunto amplo que demanda estudo à
parte. Portanto focaremos aqui os valores e
comportamentos que fomentem a inovação ágil,
elementos que uma cultura de inovação precisa
incorporar e estimular.
Assim, para a cultura de um indivíduo, liderança ou
organização se caracterizar como cultura de inovação,
ela deve estar alicerçada nos seguintes valores e
comportamentos:
Aprendizagem contínua – quando se enfrenta o novo, é
necessário aprender com os feedbacks das nossas
ações (erros e acertos) para conseguirmos nos
adaptar e dar o próximo passo nos conduzindo para
mais próximo do objetivo desejado. Quando a
mudança é constante e contínua, esse processo não
para, e assim precisamos estar dispostos a aprender
o tempo todo.
Desapego dos resultados, foco na jornada – erros e
acertos não devem ser encarados como fracassos ou
sucesso, e sim como etapas de aprendizado para
ajustar o melhor caminho para o novo.
Apetite ao risco – fazer algo novo envolve riscos, que
são, portanto, inerentes ao processo de inovação. No
entanto, apesar de o risco ser inevitável, ele pode, e
deve, ser quantificado e controlado.
Agilidade – quando a mudança acontece em ritmo
acelerado, não basta apenas se adaptar, é
necessário conseguir se adaptar rapidamente. Ser
adaptável significa ter a capacidade de mudar; ser
ágil significa ter a capacidade de mudar
rapidamente.
Experimentação – enfrentar o novo implica não
conhecer soluções que se apliquem a ele. Portanto é
necessária a disposição para experimentação
visando testar iniciativas para gerar erros e acertos
que ofereçam feedback para aprender e conseguir se
adaptar.
Foco em problemas, não em soluções – problemas são
sintomas de necessidade de mudança, portanto, é
neles que devemos colocar os nossos esforços de
inovação. As soluções existentes são instrumentos do
passado, que tendem a perder relevância com a
mudança. Um dos maiores erros estratégicos em
inovação é se concentrar apenas em melhorar as
soluções existentes sem considerar os novos
problemas. Essa miopia leva a fracassos e
desperdícios de recursos, como mencionado na
discussão sobre determinação de objetivos
estratégicos, no capítulo anterior36.
Criatividade – inovação está intimamente relacionada
com descobrir novas soluções, necessitando,
portanto, de criatividade.
Diversidade – uma das melhores estratégias para
fomentar a criatividade é aumentar a diversidade.
Pessoas diferentes têm visões e repertórios
diferentes, contribuindo para a riqueza de variações
que favorecem o pensamento criativo. Por isso,
diversos estudos comprovam que o aumento da
diversidade estimula a inovação37.
Responsabilidade ética – a inovação cria novas
soluções, que por sua vez geram novos impactos.
Esse processo requer responsabilidade, tanto para
transformar esses impactos (erros e acertos) em
feedback para aprendizagem quanto para gerir as
suas consequências no mundo. Por exemplo, erros
que não são reportados ou analisados não podem ser
corrigidos e deixam de ser instrumentos de
aprendizado para a inovação, e, ao contrário,
continuam se repetindo, tornam-se prejuízos
recorrentes. Por outro lado, soluções que
eventualmente possam nos trazer impactos positivos
podem causar danos para os outros, tornando-se
eticamente inaceitáveis. Portanto, para obtermos
inovação sustentável, a responsabilidade ética é
fundamental.

Esses comportamentos são favorecidos, ou não, pelas


estruturas informacionais e de comunicação a que a
cultura está sujeita. Matt Ridley mostra em seu TED
“Quando as ideias fazem sexo”38 (figura 6.1), de 2010,
que ao longo da história o motor do progresso humano
tem sido o encontro de ideias para criar novas ideias –
esse motor foi acelerando a inovação devido à melhoria
das tecnologias de transporte, informação e
comunicação, que foi gradativamente ampliando a
estrutura de comunicação e informação no planeta,
possibilitando que cada vez mais pessoas se
encontrassem e comunicassem, favorecendo a trocas de
ideias.
Figura 6.1 – Imagem TED Talk “Quando as
ideias fazem sexo”, mostrando um
instrumento da Idade da Pedra (um machado)
e um mouse de computador, para analisar o
processo de inovação entre um e outro.
Disponível no QR code ao lado da imagem ou
em
https://www.ted.com/talks/matt_ridley_when_i
deas_have_sex?subtitle=pt-br.

Steven Johnson também traz à tona essa discussão no


TED Talk “De onde vêm as boas ideias”39 (figura 6.2),
analisando o impacto do surgimento das cafeterias de
Londres no nascimento do Iluminismo – antes das
cafeterias, as pessoas ingeriam bebidas alcoólicas ao
longo dia porque esta era uma opção saudável, já que a
água não era confiável na época. A partir das cafeterias,
as pessoas começam a tomar café e chá, introduzindo na
cultura uma bebida estimulante para as ideias,
alavancando maior qualidade de trocas. Portanto, a
mudança na infraestrutura causou uma mudança de
cultura que fomentou o sistema de geração e troca de
ideias. Nota-se, nesse caso, que pequenos detalhes na
estrutura física, como apenas a mudança de uma bebida,
podem impactar o processo de trocas de ideias.
Figura 6.2 – Imagem do TED Talk “De onde
vêm as boas ideias”, mostrando a primeira
cafeteria aberta na Inglaterra, em 1650.
Disponível no QR code ao lado da imagem ou
em
https://www.ted.com/talks/steven_johnson_wh
ere_good_ideas_come_from?language=pt-br.

A figura 6.3 – a Pirâmide de Inovação Social da


organização canadense Center For Social Innovation –
esquematiza visualmente esse processo em que o
espaço é a base estrutural que permite a formação de
comunidades, onde ocorrem as trocas de ideias gerando
inovação. Alterações no espaço causam alterações nas
possibilidades de conexão entre pessoas, impactando os
fluxos de trocas e criações de ideias que fomentam a
inovação. No entanto, a partir do século XX, as
tecnologias de comunicação e informação passam a criar
espaços virtuais, que permitem encontros além dos
físicos e de forma assíncrona, em um processo de
colapso do tempo e espaço, que amplia
consideravelmente o potencial de formação de
comunidades. Telégrafo, telefone, fax, por exemplo,
permitiram a conexão de espaços físicos globais, e
posteriormente, as tecnologias digitais – e-mail, sites,
redes sociais, games etc. – expandiram
espetacularmente todas as dimensões dos encontros:
quantidade de pessoas, modalidade da informação
(texto, imagem, vídeo, áudio etc.), volume de
informação, alcance etc., provocando uma aceleração
sensível da inovação social no planeta, que, por sua vez,
contribuiu para as mudanças dos paradigmas atuais que
temos discutido aqui.

Figura 6.3 – Imagem da Pirâmide de Inovação


Social. Fonte: Center For Social Innovation,
adaptada por Martha Gabriel, disponível em
https://socialinnovation.org/about/our-story-
and-impact/.

Portanto, na base da pirâmide, temos cada vez mais um


espaço híbrido entre on e off, cuja configuração,
organização e estruturação afetam a forma como os
fluxos de informação acontecem, e, consequentemente,
como favorecem a cultura de inovação. Por isso, a busca
da melhor configuração possível das estruturas em que
trabalhamos tem sido um tópico importante,
especialmente nas últimas décadas, devido às novas
possibilidades introduzidas pelas tecnologias digitais.
Divisórias, posições de mesas, utilização de aplicativos,
reuniões virtuais, refeitórios, horários de trabalho, happy
hours, eventos, enfim, todas as dimensões possíveis de
configuração de infraestrutura têm sido tema de estudos
e experimentos nas organizações para otimizar a
conexão e formação de comunidades.
Uma situação que demonstrou como a alteração da
configuração da infraestrutura do espaço on/off impacta
as possibilidades de encontros e trocas foi o isolamento
físico decorrente da pandemia Covid-19. Por um lado, o
aumento da adoção do digital favoreceu alguns aspectos
das trocas, como a diminuição no tempo de
deslocamento para trabalhar e entre reuniões,
possibilitando, assim, um aumento do tempo de contato
entre as pessoas. Por outro lado, a mudança no modo de
interação passou a provocar também desgastes que não
ocorriam no presencial: reuniões digitais demandam
esforço cognitivo diferente das físicas, ausência da
mudança de contexto entre uma reunião e outra,
diminuição do intervalo entre reuniões, por exemplo.
Além disso, as dinâmicas de interação e trocas nos
espaços digitais eliminaram os encontros eventuais não
planejados, que costumam acontecer nos espaços físicos
em corredores, almoços, cafés etc., e oferecem
oportunidades importantes de trocas inusitadas de
ideias.
Portanto, uma reflexão que precisa ser feita antes de
continuarmos é: como está configurada a sua
infraestrutura de trabalho? O seu espaço físico, as
tecnologias e sistemas digitais disponíveis e utilizados
(internet, celulares, computadores, tablets, e-readers,
aplicativos, redes sociais etc.), a integração entre eles –
isso fomenta ou inibe a sua cultura de inovação (ou da
sua organização)? O que pode, ou deve, ser melhorado?
Essa avaliação precisa ser feita e revisitada com
regularidade, pois as tecnologias mudam rapidamente
trazendo sempre novas possibilidades para contribuírem
para uma configuração melhor. Por exemplo, a
popularização da IA generativa a partir do início de 2023
passa a permitir troca de ideias com sistemas
inteligentes artificiais. Se nas últimas décadas a
disseminação das tecnologias digitais ampliou
sensivelmente o tempo e o espaço, impulsionando os
encontros de pessoas e elevando o ritmo de inovação
para um patamar extraordinário, agora, some-se a isso a
IA generativa, que funciona como um “café turbinado”,
oferecendo recursos espetaculares para ampliar a
geração de ideias. Isso tem um potencial tamanho que
pode desencadear o surgimento de um novo Iluminismo
na humanidade.
Assim, as tecnologias digitais tornaram-se o principal
instrumento da inovação, pois elas são a força motriz que
habilita e impulsiona a cultura da inovação. Por isso, o
processo de transformação digital contínua é a base para
se construir a jornada de sucesso para o futuro: a
transformação digital impulsiona a inovação, que por sua
vez utiliza as tecnologias para direcionar a transformação
digital, em um ciclo virtuoso que se retroalimenta (figura
6.4).
Figura 6.4 – Imagem representativa da
transformação digital estabelecendo a
infraestrutura para impulsionar a inovação,
que, por sua vez, direciona o uso e a
aplicação de tecnologias.

Para um indivíduo, transformação digital se traduz em


conhecimento e destreza na utilização do digital, ou na
habilidade de realizar um processo de simbiose com a
tecnologia, que discutiremos no capítulo de Future Ready
Skills, na Parte III.
No caso de uma organização, o processo de
transformação digital é mais complexo, pois envolve
todos os seus indivíduos e órgãos, requerendo tanto a
adoção de metodologias e estratégias específicas de
transformação digital do negócio, quanto a
transformação digital das pessoas para adquirirem a
capacidade de realizar simbiose tecnológica. Nesse
sentido, por ser um processo complexo, a transformação
digital de organizações não cabe em uma única
metodologia, sendo necessários diversos métodos para
realizá-la. Existem, inclusive, inúmeros frameworks
desenvolvidos por consultorias e think tanks, que podem
ser utilizados tanto para avaliar o grau de maturidade
digital de uma organização, quanto para guiar a sua
transformação digital, por exemplo, os da Gartner40,
Capgemini41, McKinsey42, Accenture43, Deloitte44, BCG45,
Bain Company46, KPMG47, entre outros.
Sumarizando, portanto, a relação entre liderança,
cultura de inovação e transformação digital: a
cultura da inovação é estabelecida pela liderança, que
além de praticar e estimular os valores e
comportamentos que fomentem a inovação, é
responsável também por configurar a infraestrutura
tecno-físico-social que a favoreça, além de estabelecer
os elementos estruturais estratégicos para que a
inovação aconteça na direção certa (visão), orquestrando
recursos e traçando planos de ação com ambidestria
entre futuro e presente. Essas responsabilidades não são
pouca coisa e requerem habilidades distintas, que
raramente conseguem ser encontradas em um único
indivíduo. Por isso, cada vez mais, especialmente em
organizações, a liderança tem se tornado um grupo de
pessoas que exercem uma liderança compartilhada
colaborativa. Esse conceito, conhecido como liderança
distribuída, apesar de ter sido desenvolvido com foco em
ambientes corporativos, pode, e deve, ser utilizado
também por indivíduos em suas estratégias pessoais de
futuros – em meio a tantos saberes necessários, buscar a
colaboração de outras pessoas que tenham visões e
habilidades distintas das nossas pode contribuir
consideravelmente para a qualidade da nossa tomada de
decisão. A habilidade humana que nos auxilia a
compreender quando e como buscar esse tipo de recurso
é o pensamento crítico, que veremos mais à frente, em
capítulo separado.
Assim, se por um lado a liderança orquestra a dança da
inovação, por outro, ela precisa de instrumentos
adicionais para isso: métodos.

MÉTODOS
Em qualquer área do conhecimento que envolva
ambientes com alto grau de incerteza – como pesquisa,
futuros, inovação, negócios, carreira, transformação
digital etc. –, para irmos de uma situação A para uma
situação B, precisamos tomar decisões, que
normalmente demandam a exploração de possibilidades
em busca do melhor caminho. Essa jornada pode ser
otimizada com a utilização de métodos, pois eles
funcionam como mapas, que oferecem diretrizes.
Portanto, como um mapa, uma metodologia apresenta as
etapas necessárias para se alcançar um determinado
objetivo (por exemplo, inovar), trazendo inúmeros
benefícios, como:

Consistência – permite fazer sempre da mesma


forma, tornando o processo replicável para que
outras pessoas em outros contextos também possam
usá-lo. Por exemplo, o mesmo mapa pode ser usado
por duas pessoas distintas em diferentes situações,
horários, épocas etc.
Eficiência – economiza tempo evitando erros e
permitindo encontrar a melhor maneira de fazer algo,
da mesma forma que em um mapa você pode
visualizar diversas possibilidades de caminhos entre
dois pontos e escolher a que melhor se adapta para o
contexto.
Treinamento – acelera a curva de aprendizagem para
novos membros do time da mesma forma que um
mapa possibilita acelerar a aprendizagem de um
caminho.
Melhoria – uma vez que exista um método, ele pode
ser melhorado continuamente, da mesma forma que
podemos descobrir novos caminhos em um mapa.
Tomada de decisão – métodos melhoram a jornada de
tomada de decisão porque, como um mapa,
apresentam caminhos claros previamente
desbravados e avaliados.
Gestão de riscos – métodos ajudam a identificar
riscos e como lidar com eles, como nos trechos de
um mapa que apresenta curvas acentuadas, nos
quais diminuímos a velocidade, ou para áreas
sujeitas a nevascas, para as quais nos preparamos
com antecedência, colocando correntes nas rodas ou
mudando de rotas.
Mensuração e avaliação – métodos oferecem uma
forma de medir resultados e enxergar onde podem
ser feitas melhorias, do mesmo modo que um mapa
permite medir distâncias, tempos e condições da
rota, por exemplo, para que possamos escolher a
melhor modalidade para percorrê-la: a pé, de
bicicleta, de carro, de avião etc.

Assim, métodos tornam o processo replicável e


administrável, portanto mais seguro, suave e efetivo.
MÉTODOS DE INOVAÇÃO
Inovação consiste em encontrar uma nova solução para
melhorar uma determinada situação, gerando
valor para alguém.
Para desenvolver uma estratégia de inovação, o desafio
da liderança é conseguir traduzir essa demanda
estruturando-a nos pilares estratégicos – determinando
os objetivos, recursos e planos de ação – para alcançar a
inovação desejada. Nesse sentido, a determinação de
cada pilar estratégico possui suas especificidades,
requerendo métodos distintos – da mesma forma que
cidades diferentes possuem mapas diferentes. O uso dos
mapas é similar, mas os caminhos não.
Portanto, existem inúmeros métodos de inovação, que
ajudam a descobrir caminhos em etapas diferentes da
estratégia de inovação. Por exemplo, design thinking é
uma das metodologias mais populares e eficientes para
se descobrir aquilo que é valor para alguém e traduzir
em objetivos estratégicos de inovação. Metodologias
ágeis, por sua vez, auxiliam na alocação e gestão de
recursos para alcançar os objetivos oferecendo
adaptação rápida, ou seja, ágil. As metodologias lean
(ou, enxutas, em português) também ajudam na
alocação e gestão de recursos, mas em vez de agilidade,
elas se concentram em otimizar os processos de
produção por meio de redução de desperdício de
recursos – tempo e materiais. Assim, apesar de as três
metodologias serem usadas em inovação, elas resolvem
questões distintas, oferecendo mapas distintos (figura
6.5).

Figura 6.5 – Imagem comparativa entre os


focos das metodologias de inovação.

O esquema da figura 6.6 mostra como as metodologias


interagem entre si em um fluxo de inovação.

Figura 6.6 – Esquema ilustrativo dos


processos de interação entre as metodologias
design thinking, lean e agile em um projeto
de inovação. Imagem: traduzida e adaptada
pela autora, original disponível em:
https://anarsolutions.com/design-thinking-
agile-lean/.

Essas metodologias são bastante utilizadas atualmente


porque foram desenvolvidas para solucionar problemas
decorrentes de contextos acelerados, situação que vem
se acentuando nas últimas décadas. No entanto, elas são
apenas algumas das diversas metodologias utilizadas em
inovação, sendo que várias delas se relacionam com os
estudos de futuros e análise de tendências para auxiliar
no direcionamento da inovação, como a matriz de
priorização48, matriz esforço-impacto49, curva de difusão
de inovação50, o framework "a segunda curva51" etc.
Apesar da importância de todas as metodologias, o
domínio de utilização de cada uma delas e da integração
da relação entre elas normalmente requer lideranças que
contem com times multidisciplinares – isso,
normalmente, é possível apenas em grandes
organizações. Assim, visando facilitar para líderes de
pequenas empresas ou para qualquer indivíduo traçar
estratégias de inovação no seu dia a dia, podemos
simplificar o “mapa” da inovação para permitir enxergar
e implementar estratégias cotidianas, oferecendo um
instrumento mais simples, não simplório, para guiá-los.
Essa simplificação na metodologia de inovação pode ser
comparada com a simplificação de metodologia que é
utilizada entre um piloto de Fórmula 1 e um indivíduo
qualquer para dirigir um carro. Mesmo que ambos
tenham como objetivo realizar o mesmo percurso, o
piloto profissional utiliza um método que controla
inúmeras dimensões adicionais do processo de dirigir
porque precisa focar em pequenos detalhes, afinal, para
vencer, ele precisa realizar o ajuste fino do processo, já
que está em uma competição. Já as pessoas em geral
não precisam desse grau de precisão e detalhamento,
porque no seu contexto não faz diferença chegar um
minuto antes ou depois; assim, não vale a pena gastar
energia com detalhes, porque o contexto é outro.
Portanto, o melhor método aqui é o simplificado.
Assim, faz todo o sentido para organizações e líderes que
estão no mercado competitivo utilizarem todos os
métodos possíveis para ajustar e afinar em detalhes as
suas estratégias de inovação. No entanto, para aqueles
cujo contexto não é de competição, mas de melhoria
para avançar construindo um estado contínuo de Future
Ready, um método mais simples facilita o processo de
colocar a “inovação em ação” (figura 6.7).

Figura 6.7 – Método Inovação em Ação.


Explicação disponível em vídeo do TEDx Talk
“A Lagarta e a Borboleta – da criatividade à
inovação”, que pode ser acessado via QRcode
acima ou em
https://www.youtube.com/watch?
v=d9oAIsEBclI&t=604s.

O método consiste, portanto, em duas etapas principais –


a primeira se concentra em entender o problema para
gerar ideias (pesquisa e criatividade), enquanto a
segunda, em implementar e testar a ideia para validar ou
não (implementação / teste / validação).
Independentemente de passar ou não no teste de
relevância, o processo deve gerar feedback para gerar
aprendizados para o próximo ciclo de melhorias.
Detalhando cada etapa, usando como exemplo ilustrativo
o objetivo de inovar na minha carreira profissional,
temos:

Observação – esta etapa se ocupa de transformar o


objetivo da estratégia de inovação em metas
específicas mensuráveis, que possam ser
realizadas. Para isso, é necessário observar o
problema que se deseja resolver (objetivo),
conciliando-o com as visões de futuros, tendências e
mudanças de paradigmas previamente analisados (e
que devem estar sempre no background para se
traçar qualquer estratégia). O processo busca obter
informações que possam nos ajudar a direcionar o
nosso caminho na escolha de metas. [No exemplo,
isso consistiria em avaliar as competências que já
possuo, comparar com as necessárias para se tornar
ou se manter relevante para o futuro – por meio de
estudos, pesquisas, tendências, cenários futuros etc.
– e relacionar as que preciso desenvolver.]
Interação – com as informações obtidas na etapa
anterior – observação –, devemos aqui identificar
como os elementos observados funcionam: as suas
formas de interação (tanto entre si quanto com os
demais elementos do contexto), disponibilidade,
possibilidades, restrições e qualquer outra
característica que possa ser significante para
entender o problema. [No exemplo, isso significaria a
análise de como as competências podem ser
adquiridas (cursos, palestras, eventos, livros etc.),
suas dinâmicas (modalidades – online, offline, híbrido
etc.), duração, interdependências, pré-requisitos etc.]
Ideia – a pesquisa realizada nas etapas anteriores –
observação e interação – fornecem as informações
que devem ser usadas para criarmos uma solução.
Portanto, esta etapa tem o objetivo de avaliar, entre
todas as possibilidades e restrições levantadas, qual
combinação provavelmente resolve melhor o
problema, agregando valor para o objetivo a
alcançar. Em outras palavras, as etapas anteriores
geraram o combustível para o processo criativo
desenvolver ideias a fim de estabelecer metas
específicas mensuráveis para solucionar o problema
(objetivo). Aqui entra a criatividade no processo de
inovação – ela é fundamental para gerar as ideias
que possibilitam uma solução nova que gere valor
para algum objetivo a ser alcançado. No entanto,
normalmente, um processo criativo gera várias
ideias, e precisamos de critérios para escolher a que
tem maior potencial para solucionar o problema.
Assim, nesta etapa, além da criatividade, outros
instrumentos podem ser utilizados para ajudar na
seleção da ideia, como as metodologias de matriz de
priorização ou matriz esforço-impacto, entre outras,
citadas anteriormente. [No meu exemplo,
combinando as opções disponíveis com as
competências que preciso desenvolver e as minhas
características de aprendizagem, tempo e orçamento
disponíveis, localização geográfica etc., começam a
surgir ideias sobre caminhos possíveis, tais como:
qual competência é mais rápida e será mais útil para
eu dar o próximo passo? Quais competências, apesar
de requerem uma formação mais robusta, como um
MBA, podem agregar um valor excepcional na minha
formação? Quais competências consigo desenvolver
online, conciliando com o meu orçamento e tempo
disponível? Consigo arrumar mais recursos, se for
necessário? E assim por diante. Imagine que as
opções de cursos que preciso existem apenas na
modalidade presencial e em outro país – nesse caso,
posso explorar a possibilidade de conseguir tempo e
recursos para realizá-los ou devo encontrar outras
formas para me capacitar. Assim, o processo
continua até que eu encontre a opção de maior
potencial e consiga estabelecer uma meta a ser
testada. Imagine que, nesse caso, a ideia vencedora
tenha sido fazer um curso de extensão em
computação quântica, com 120 horas de duração,
híbrido, com aulas distribuídas entre online e
presenciais ao longo de um ano, e que isso
consumiria 10% dos meus rendimentos mensais no
período.]
Patrocínio – após a seleção da ideia, para que ela
ganhe corpo, precisamos de recursos para poder
desenvolvê-la: tempo, materiais, finanças,
tecnologia, parcerias etc. Assim, esta etapa é a
responsável por elencar e avaliar os recursos
mínimos necessários e as possibilidades para
consegui-los, visando desenvolver a ideia ou um
protótipo dela, que, em outras palavras, funciona
como um mínimo produto viável (MVP52) para
solucionar o problema. Quando a ideia requer poucos
recursos e a sua implementação é rápida e fácil,
damos sequência para a próxima etapa. Para ideias
que demandam mais recursos, nos concentramos
inicialmente em desenvolver um protótipo (MVP)
para testar a relevância da ideia antes de
comprometermos mais esforços – isso garante a
agilidade e otimização de recursos em direção da
melhor solução de inovação. Eventualmente,
dependendo da ideia, nesta etapa podemos
descobrir que, em função dos recursos necessários,
ela deixa de ser interessante para o processo, como
quando necessitamos de algum recurso que
demanda tempo demasiado para obtenção ou o
custo é proibitivo para a situação atual. Nesse caso,
ao invés de darmos sequência para a próxima etapa,
voltamos para etapa inicial (observação) ou para a
etapa anterior a fim de reavaliar o processo,
utilizando essas informações como feedback de
aprendizagem no caminho de encontrar a melhor
solução para o nosso objetivo. Uma vez definido o
MVP, passamos para a próxima etapa. [No meu
exemplo, imagine que a ideia de fazer um curso de
120 horas demande muitos recursos – custo alto e
dedicação de muito tempo de estudo, além do curso
em si. Nesse caso, antes de investir na solução, o
ideal é desenvolver um protótipo para validar se
realmente o curso vai agregar valor ou não na minha
formação. Assim, o protótipo pode ser a leitura de
um livro sobre o assunto, algo que requer pouco
recurso e pode ser realizado rápida e facilmente para
validar a ideia. Este será o protótipo que vou
desenvolver, então, para minimizar o meu risco no
processo, ao mesmo tempo em que estou agilizando
a busca pela melhor solução para alcançar o meu
objetivo.]
Formatação – com a definição do protótipo e dos
recursos necessários, realizada anteriormente, nesta
etapa, o foco está na sua formatação e no
desenvolvimento para permitir o seu uso. [No
exemplo, isso significaria escolher um livro de
computação quântica, pesquisar onde e como pode
ser adquirido, e encontrar tempo e/ou dinheiro para
comprar, pedir emprestado etc.]
Relevância – com o protótipo disponível, nesta
etapa nos ocupamos em verificar se o valor que ele
gera tem ou não relevância para contribuir com a
solução idealizada. Se sim, damos sequência para a
próxima etapa. Se não, voltamos para etapa inicial,
levando o feedback sobre o teste de relevância como
informação adicional para ajudar a direcionar a
próxima ideia. É importante observar que os critérios
de avaliação do resultado do teste devem incluir não
apenas o impacto dos resultados no objetivo
desejado, mas também, e principalmente, as suas
implicações éticas. Portanto, para conduzir a decisão
entre continuar ou reiniciar o processo, é
fundamental que se estabeleçam claramente os
critérios de avaliação do resultado do teste. Nesse
sentido, corremos sempre o risco de nos perdermos
nesta etapa, pois é muito fácil permitir que fatores
não relevantes ao objetivo afetem o processo, por
exemplo, tecnologias da moda e vieses pessoais,
como paixão por soluções ou tecnologias pelas quais
temos preferência etc. Assim, é necessário que se
mantenha sempre em mente o objetivo que se
deseja alcançar para balizar a avaliação. [No meu
exemplo, o teste de relevância seria a leitura do livro
sobre computação quântica obtido na etapa anterior
e a avaliação se o assunto realmente gera valor na
minha carreira (objetivo) – quanto esse tópico me
permitirá melhorar as habilidades que preciso
desenvolver? Esse assunto me auxiliará como eu
imaginava? Será que ele é técnico demais? Será que
existe alguma outra opção mais direcionada a
negócios? Será que devo buscar outro livro sobre o
assunto ou conversar com alguém que o domine
para poder avaliar melhor? Entre os critérios éticos
que precisam ser considerados, pode estar a
avaliação se todos os recursos necessários para fazer
o curso podem ser obtidos de forma ética. Fatores
que não deveriam afetar e ou me desviar dos
critérios de escolha são, por exemplo, modismos
sobre modalidades ou instituições que oferecem o
curso. Em outras palavras, o teste de relevância
precisa concluir se a ideia escolhida entrega o valor
que buscamos no objetivo inicial, e se vale a pena
investir e continuar nesse caminho. Se sim, avanço
para a próxima etapa com a ideia validada: essa é a
meta específica que preciso desenvolver para
alcançar o objetivo de inovação. Se não, começo
novamente descartando, neste momento, a ideia de
fazer o curso. Isso me permite mais rapidamente
eliminar soluções ruins e direcionar o processo para
escolher uma solução melhor para a inovar na minha
carreira. Imaginemos que concluo, pela leitura do
livro, que o assunto é bastante relevante para inovar
na minha carreira – portanto, a minha ideia de
realizar um curso híbrido de computação quântica,
com 120 horas de duração em um ano, é a meta que
devo implementar.]
Aprofundamento – aqui já sabemos que a ideia
passou no teste de relevância, e que vale a pena
aprofundar a solução nesse caminho, portanto, esta
é a meta que devemos aprofundar e desenvolver.
Assim, nesta etapa avançamos para a aplicação da
ideia, gerando o resultado do processo de inovação.
No entanto, em ambientes incertos, que mudam
constantemente, a solução nunca é final – ela é
sempre um passo que nos coloca mais próximos do
futuro trilhando um caminho relevante. Portanto,
após a implementação, utilizando como feedback as
informações sobre os impactos positivos e negativos
que a solução trouxe, iniciamos novamente o
processo de inovação, para darmos os próximos
passos da nossa jornada para liderar o futuro. Se, por
um lado, esse método fornece um mapa simples e
ágil para inovar, por outro, é da sua repetição que
depende a inovação contínua, necessária para nos
mantermos em um estado Future Ready. [No
exemplo, isso consistiria em eu realizar o curso, e
após a sua conclusão, com os conhecimentos
adquiridos nesse processo e o valor que ele gerou,
volto à etapa inicial – observação –, munida dessas
novas informações, para recomeçar o processo para
determinar o próximo passo na minha jornada de
inovar na minha carreira.]

TAKEAWAY: 10 PRINCÍPIOS DO MINDSET DE


INOVAÇÃO
Como inovação é um assunto importante, mas complexo,
antes de encerrar o capítulo, destacamos dez princípios
que norteiam o mindset de inovação. Uma vez
internalizados e incorporados ao DNA do nosso modo de
pensar, esses princípios nos conduzirão de forma cada
vez mais natural a buscar e realizar inovação contínua.
1) Foco no humano – todo problema de inovação é, em
última instância, um problema humano. Portanto, toda
estratégia de inovação deve ser, em sua essência,
human centric, ou centrada no humano – não na
tecnologia, não nas soluções já existentes, não na
criatividade, não em qualquer outra coisa. Um
processo de inovação que não seja direcionado por
questões humanas torna-se míope e com poucas
chances de liderar um futuro humano.
2) Riscos não podem ser evitados, mas podem ser

controlados – estratégias de inovação são importantes


e necessárias devido à mudança, que por sua vez
aumenta a incerteza e o risco. Se não houvesse
incerteza, não existiria risco de errar, e poderíamos,
assim, continuar utilizando as soluções que
funcionavam no passado. Portanto, o risco é inerente
ao processo de inovação. No entanto, nem todo risco
é aceitável, e apesar de riscos não poderem ser
evitados, eles podem ser controlados e minimizados
por meio da utilização de metodologias – elas
permitem avaliar e calcular de antemão os impactos
dos erros e seus riscos, para auxiliar a tomada de
decisão.
3) O método é o maestro que conduz a criatividade e a

tecnologia – o que torna a inovação ágil e replicável é


o método, não a criatividade ou a tecnologia. No
entanto, é comum ver pessoas confundindo
criatividade ou tecnologia com inovação. Apesar de
serem fundamentais, elas são instrumentos que
precisam ser regidos por um método para revelar a
sinfonia da inovação.
4) Não existe inovação de graça – toda e qualquer ideia
demanda recursos para se tornar realidade e passar a
gerar valor. Portanto, precisamos nos preparar e estar
dispostos a investir (tempo, esforço, dinheiro etc.) se
desejamos realmente inovar.
5) Nem toda novidade é inovação – o que define uma
inovação é o valor que ela gera para alguém, e não o
seu grau de novidade. O fato de algo ser novo não
significa que gere valor, muito pelo contrário, muitas
vezes resulta em situações piores ou inúteis. Um
exemplo disso são os inúmeros produtos
“interessantes” que nos encantam por serem
novidades, mas que, depois de comprados, acabamos
não utilizando, porque não melhoram a forma como
fazemos as coisas.
6) A cópia é a forma mais subutilizada de inovação – como
vimos no método Inovação em Ação, as etapas iniciais
são de pesquisa. Muitas vezes, durante o processo
investigativo, descobrimos soluções para o nosso
problema que já existem em outros contextos: outros
lugares, épocas, organizações, utilizadas por pessoas
etc. Nesse sentido, desde que respeitemos as
questões éticas e direitos autorais e de propriedade,
podemos nos inspirar e copiar, em algum grau, essas
soluções que já funcionam em outro contexto (figura
6.8). Esta pode ser a forma mais eficiente e rápida de
inovar, pois o conceito já foi provado em algum
contexto, podendo se tornar o ponto de partida para o
nosso processo de inovação, precisando apenas das
adaptações para se adequar à nossa situação. Em
outras palavras, em vez de inventar a roda a partir do
zero, podemos avançar várias etapas aprendendo com
quem já inovou e adaptar para resolver o nosso
problema específico. A inovação se torna justamente
esse processo de adaptação, gerando uma solução
para o nosso contexto. Portanto, inovação não precisa
ser uma solução inédita, ou uma invenção. Precisa ser
apenas uma nova solução, que agregue valor inédito
no contexto em que será introduzida.

Figura 6.8 – Método Inovação em Ação.


Explicação disponível em vídeo do TEDx Talk
“A Lagarta e a Borboleta – da criatividade à
inovação” que pode ser acessado via QRcode
acima ou em:
https://www.youtube.com/watch?
v=d9oAIsEBclI&t=604s.

7) Inovação depende de contexto – voltando ao exemplo da


internet mais rápida, do início deste capítulo, vimos
que aquilo que é valor para uma pessoa pode não ser
para outra. Imagine agora uma mesma pessoa, um
massagista, em contextos diferentes: no trabalho e
em casa. Aquilo que não agrega valor para o seu
trabalho pode ser bastante valioso para melhorar a
sua qualidade de vida em casa – uma internet mais
rápida melhora o seu acesso a notícias,
entretenimento, educação etc. Quando muda o
contexto, mudam os problemas, mudando também
aquilo que gera valor em nossas vidas. Portanto, a
inovação depende do contexto – prestar atenção nas
mudanças de contexto é fundamental para inovar,
pois o valor segue os problemas. Um exemplo real
e drástico disso foi a pandemia Covid-19: de um dia
para o outro, o contexto mudou, e,
consequentemente, os nossos problemas,
transformando instantaneamente aquilo que passou a
ter valor.
8) Inovação, para ser sistêmica, precisa de liderança e
método – muitas vezes, a inovação acontece como um

evento isolado, ou por acidente, como temos visto


recorrentemente ao longo da história, em casos como
a penicilina, o post-it, o velcro, entre inúmeros outros.
Inclusive, as estatísticas demonstram que 50% das
invenções acontecem por acidente53. No entanto,
contar com acidentes ou o acaso para inovar não é
uma boa estratégia, especialmente quando o ritmo de
mudança é acelerado e a inovação se torna
necessária com frequência. Por isso, se conseguir
controlar o processo de inovação e garantir que ela
aconteça continuamente e de forma replicável, ela
precisa de liderança (para direcioná-la e orquestrá-la)
e método para conduzi-la. Quando isso acontece e a
metodologia se incorpora no nosso modo de pensar e
agir, passamos a contaminar tudo ao nosso redor
fomentando naturalmente o processo de inovação e
criando, assim, maiores probabilidades de que
inovação acidental também aconteça. Se analisarmos
as inovações acidentais, provavelmente, a grande
maioria aconteceu dentro de um contexto de inovação
sistêmica, em que pesquisadores e cientistas estavam
inovando em uma direção quando, acidentalmente,
descobrem outro valor, como são os casos da
penicilina e post-it, por exemplo.
9) Inovação é mais do que invenção – o conceito de
inovação se popularizou intimamente associado a
invenções, porque, no passado, a inovação surgia
predominantemente do contexto dos laboratórios de
P&D (pesquisa e desenvolvimento) das organizações.
No entanto, na realidade, invenção é apenas uma das
inúmeras formas de inovação, que acontece quando o
resultado alcançado é algo inédito. Quando a inovação
gera pequenas melhorias naquilo que já existe, ela vai
agregando valor de modo incremental e é tão
importante quanto a invenção, e muito mais
abrangente do que ela. Um exemplo disso é o
telefone, que inicialmente foi uma invenção, inédito
para a humanidade, mas que precisou de inúmeras
inovações incrementais para se transformar no
poderoso smartphone que usamos hoje. Portanto,
como temos mencionado recorrentemente, o que
importa na inovação é o valor que ela gera, não o seu
ineditismo ou o grau de novidade que apresenta.
Assim, a inovação incremental, ao contrário da
invenção, pode (e deve) estar presente no nosso
cotidiano, em todas as áreas de nossas vidas,
podendo ser praticada por qualquer indivíduo, não
requerendo laboratórios ou instrumentos especiais,
apenas liderança e método.
10) Foco na inovação, não na disrupção – apesar de o
termo disrupção ter se tornado popular nas conversas
de negócios na última década, ele frequentemente é
usado, equivocadamente, como sinônimo de inovação
ou invenção. Isso causa uma confusão no foco da
inovação, que deve ser sempre em gerar valor,
independentemente de causar, ou não, disrupção54.
Portanto, disrupção é um fenômeno que acontece no
mercado devido ao impacto de uma inovação, que
pode ser tanto incremental quanto uma invenção.
Assim, o que determina a disrupção é o grau de
impacto do valor gerado pela inovação no
mercado – quanto maior o impacto nas suas
estruturas de funcionamento, maior a disrupção. Um
exemplo disso são os aplicativos como Waze, que
muito rapidamente transformaram as dinâmicas de
navegação, causando profunda ruptura na indústria
de aparelhos de GPS. Note-se que o Waze pode ser
considerado uma inovação incremental pequena sobre
a solução já existente do Google Maps na época, mas
o valor que adicionou facilitando a navegação,
especialmente nas grandes cidades, foi tão grande,
que mudou as regras do jogo, introduzindo um novo
paradigma de navegação urbana. Por outro lado, a
grande maioria das inovações, incluindo as invenções,
não se tornam disruptivas – elas geram valor,
transformam as vidas das pessoas, mas não causam
rupturas no mercado. Por isso, se o foco da inovação
for apenas causar disrupção, ele está embaçado, e
provavelmente conduzirá a estratégias com menores
chances de sucesso em nos conduzir pela melhor rota
para o futuro. Portanto, o nosso dever é inovar
continuamente, independentemente do tipo de
inovação que estamos realizando, focando apenas o
impacto que o valor que geramos tem para conseguir
realizar as melhorias contínuas de que precisamos,
por menores que sejam, e criando um fluxo positivo
de transformação, todos os dias e em todas as
dimensões das nossas vidas. Se fizermos isso, essas
ondinhas acumuladas de inovação têm o potencial de,
eventualmente, gerar um tsunami, que pode resultar
em uma invenção ou em uma disrupção.
Com esses princípios em mente e instrumentalizados
pelo método estratégico da nossa preferência, vamos
para a terceira parte deste livro: desenvolver as
habilidades humanas necessárias para liderar e
orquestrar a inovação na nossa jornada para o futuro.
V imos como ampliar a nossa visão na Parte I e como
alavancar a ambidestria para criar estratégias ágeis
de inovação na Parte II. Agora, na Parte III, discutiremos
as habilidades necessárias para colocá-las em ação.
No entanto, o campo de estudo e desenvolvimento de
habilidades e competências humanas é extenso,
multidisciplinar e complexo, abrangendo diversas áreas
do conhecimento interrelacionadas entre si. Por exemplo,
todas as habilidades que abordaremos aqui relacionam-
se entre si, dependem do desenvolvimento de outras
habilidades, competências e atitudes, e estão presentes
em todas as metodologias e estratégias discutidas até o
momento.
Portanto, apesar de o nosso objetivo aqui ser a discussão
dessas habilidades para o futuro, não temos a pretensão,
nem poderíamos ter, de esgotar o assunto. Nesse
sentido, optamos por alinhar a abordagem da discussão
das habilidades com o escopo deste livro, que é
estratégico. Dessa forma, você encontrará no próximo
capítulo uma análise estratégica da contribuição de cada
habilidade relevante para criar um estado de future
ready, e não uma fórmula de como desenvolvê-las.
Portanto, esta parte do livro funciona mais como um
mapa estratégico de habilidades do que um guia
para o desenvolvimento de cada uma. Esse mapa tem
como objetivo ajudar a encontrar o caminho, orientando
a direção da jornada de desenvolvimento, apontando
para as habilidades que devem ser estudadas,
desenvolvidas e praticadas para um bom posicionamento
para o futuro.
No processo, no entanto, optamos por abrir exceção na
discussão de apenas uma habilidade, o pensamento
crítico, ampliando a discussão para além das suas
funções estratégicas e abordando também o seu
desenvolvimento. Essa decisão busca oferecer uma
estrutura de apoio para facilitar a capacitação nessa
competência, que, apesar de vital, infelizmente conta
com menos literatura e conteúdos disponíveis aplicados
na prática de negócios. Por isso, dedicamos dois
capítulos exclusivos para o pensamento crítico.
Dessa forma, a Parte III se divide nos seguintes capítulos:
CAPÍTULO 7: Future Ready Skills – discussão
estratégica das habilidades para o futuro.
CAPÍTULO 8: Pensamento Crítico – fundamentação.
CAPÍTULO 9: Pensando Criticamente –
desenvolvimento do pensamento crítico.
FUTURE READY SKILLS
CAPÍTULO 7
“Mude antes que seja preciso.”
JACK WELCH

A o longo do nosso desenvolvimento profissional, todos


nós enfrentamos desafios e medos saudáveis, que
podem ser usados como excelentes indicadores para o
nosso aprimoramento. Quando ocorrem profundas
transformações no mundo, que reconfiguram as
estruturas do trabalho (como as revoluções
tecnológicas), os medos e desafios se ampliam e
generalizam, indicando que todo o mercado precisa se
aprimorar e evoluir. Prestando atenção às perguntas mais
frequentes no cenário profissional e educacional da
atualidade, podemos destacar a predominância da
preocupação com o futuro: “Quais são as habilidades
humanas necessárias para o futuro?”, “O que precisamos
saber e fazer hoje para termos sucesso amanhã?”,
“Seremos substituídos por robôs e inteligência
artificial?”, “Qual o papel dos humanos no futuro do
trabalho?”, e assim por diante. Essas perguntas revelam
uma das principais dores (e desafios) existenciais da
humanidade na atualidade: superar a aceleração da
obsolescência de habilidades.
Provavelmente, a inquietação geral sobre o prazo de
validade de habilidades e de educação é inédita na
história humana, pois mesmo com uma velocidade maior
de mudança no século XX, o conhecimento durava
algumas décadas, tempo suficiente para um indivíduo
construir a sua carreira profissional e a vida antes de se
aposentar. Assim, sabíamos a fórmula para “dominar” o
futuro: fazer os cursos mais adequados para os nossos
objetivos profissionais, e pronto, estávamos capacitados.
O desafio era apenas escolher entre os inúmeros cursos
disponíveis para qualquer tipo de demanda de formação.
No processo, confiávamos em especialistas em
educação, que criavam a nossa jornada de sucesso –
cursos superiores, MBAs e de especializações específicas
–, caminho certeiro para o “passaporte” vitalício de
profissional qualificado. Era possível planejar uma
formação que durava o suficiente para nos garantir até a
aposentadoria. Isso funcionou bem até o final do século
passado, quando as tecnologias digitais entram em cena,
causando um aumento significativo na aceleração da
mudança e, consequentemente, da obsolescência do
conhecimento adquirido no início da carreira profissional

OBSOLESCÊNCIA DO CONHECIMENTO
Conforme a tecnologia avança, a situação vai se
agravando, pois os prazos de validade do conhecimento
tornam-se cada vez menores, enquanto o volume de
conhecimento criado no mundo passa a ser cada vez
maior. Assim, a complexidade para conseguir
acompanhar o avanço do conhecimento aumenta,
enquanto o valor do conhecimento adquirido diminui. A
figura 7.1 mostra o ritmo de obsolescência de cada tipo
de conhecimento ao longo do tempo: quanto mais
técnico, mais rapidamente perde valor.

Figura 7.1 – Gráfico representando o ritmo de


obsolescência do conhecimento em 1996.
Adaptado do original disponível em
https://www.researchgate.net/figure/Half-life-
time-of-knowledge-based-on-Schueppel-
1997_fig1_312225405

Apesar de impactante, a figura 7.1 apresenta dados já


antigos, do final do século passado – 199655. De lá para
cá, a velocidade da obsolescência tem se intensificado,
justificando a preocupação cada vez maior sobre a
formação, a educação e o desenvolvimento de
habilidades profissionais e humanas para o futuro. Até
mesmo a vida útil de segredos e assuntos confidenciais
tem encolhido56 em função dos avanços tecnológicos: no
passado, um segredo governamental durava mais de 25
anos; hoje, em função de hackings e vazamentos
informacionais, esse tempo tem diminuído
consideravelmente.
Começamos a perceber, portanto, que nossa formação
passada não funciona mais como rocha segura e estável
sob os nossos pés, mas, ao contrário, passa a se
comportar de forma instável e traiçoeira como areia
movediça. Os nossos conhecimentos, formações e
conquistas de ontem não conseguem mais garantir os
nossos sucessos do amanhã, por isso o nosso apego a
eles pode ser perigoso.

A DEMANDA POR NOVAS HABILIDADES


PROFISSIONAIS
Da obsolescência do conhecimento associada ao
aumento da dificuldade de se capacitar devido ao
aumento do volume e complexidade de informações,
emerge uma escassez de capital humano qualificado no
mercado, gerando um fenômeno conhecido como
“apagão de talentos”57, que tem aumentado ano a ano
(figura 7.2).

Figura 7.2 – Gráfico da evolução da escassez


global de talentos entre 2013 e 2023. Fonte:
ManpowerGroup. Adaptado do original
disponível em:
https://go.manpowergroup.com/hubfs/MPG_TS
_2023_Infographic_FINAL.pdf.

Esses números apenas reforçam que existe um


descompasso evidente entre as capacitações e
habilidades profissionais presentes no mercado e as
atividades demandadas pelo trabalho emergente. Por um
lado, existe uma escassez sensível de cursos adequados
e profissionais preparados para atuar no cenário que
emerge, cada vez mais complexo e acelerado; por outro
lado, conforme a transformação avança na sociedade e
nas empresas, a demanda por profissionais qualificados
aumenta. A equação não fecha.
Portanto, este contexto cria dois desafios principais de
qualificação profissional:

1. Para o indivíduo: a dificuldade de entender o que


está acontecendo, manter o foco58 e conseguir traçar
um plano de atualização.
2. Para o mercado: contratar profissionais capacitados
para lidar com as transformações aceleradas e o
desafio de conseguir desenvolver novos cursos para
uma quantidade crescente de capacitações inéditas
necessárias, mas que mudam constantemente. As
formações existentes – sejam de graduação, pós,
extensão, curta duração ou qualquer outro tipo de
curso – também sofrem para conseguir se atualizar
na velocidade demandada.

Sabemos, portanto, que algo não está mais funcionando,


e isso é um começo. No entanto, para resolver o
problema, não é suficiente saber apenas o “que” não
funciona – precisamos também entender o “porquê”
(causas estruturais que mudaram o funcionamento), para
então conseguirmos descobrir o “como” para solucioná-lo
(estratégia para funcionar novamente).
O PROFISSIONAL EXPONENCIAL
O nosso cérebro biológico evolui lenta e linearmente e
não consegue, assim, acelerar abruptamente o seu
desempenho para absorver e processar o volume de
conhecimentos que é gerado em um ritmo exponencial e
que se transforma vertiginosamente. Já atingimos o
ponto de retorno decrescente desse tipo de estratégia:
estudamos cada vez mais59, mas estamos cada vez
menos aptos para atuar nesse cenário (vide apagão de
talentos, mencionado anteriormente). Esse ritmo tem nos
conduzido a um colapso cognitivo biológico – o tempo de
validade, a eficiência e produtividade do que sabemos
são cada vez menores, enquanto o esforço e a
velocidade necessária para a aprendizagem são cada vez
maiores.
Isso nos torna impotentes perante o futuro que se
apresenta porque temos tentado absorver a explosão
tecnológica exponencial com instrumentos de
capacitação lineares.
Imagine um peixe que vive em um rio de águas
tranquilas, com poucas variações de temperatura,
velocidade do leito e composição. Então, a partir de um
determinado momento, o fluxo da água começa a
acelerar e a se tornar mais forte gradativamente devido
a alguma transformação climática ou geológica, se
intensificando ao longo dos anos. Nessa mudança
gradativa de contexto, para sobreviver, o peixe vai
aprendendo a nadar de outra forma, desenvolvendo
habilidades para enfrentar águas mais rápidas e a
sobreviver com outros tipos de elementos que são
transportados pelo rio – surgem novas plantas, pedras e
animais, mas desaparecem também outros com as quais
estava acostumado. Nesse contexto, imagine agora que,
repentinamente, aconteça um terremoto que cause
mudanças abruptas no curso no rio lançando o peixe no
mar. Nessa mudança drástica de ambiente, a evolução
biológica natural do peixe não consegue mais
acompanhar o ritmo necessário para ele conseguir
repentinamente viver em águas salgadas e enfrentar
ondas. Aqui, ele precisaria de um salto evolutivo ou de
alguma solução externa à sua biologia que o auxiliasse
para continuar existindo no ambiente que se instaura. No
entanto, por mais difícil que seja enfrentar o desafio, se
ele conseguir, não apenas sobreviverá, como o seu
mundo terá se expandido espetacularmente, pois em vez
das limitações do fluxo de um rio, agora ele tem um
oceano inteiro para viver. Infelizmente, nenhuma
natureza evolutiva tende a dar saltos, e peixes não
conseguem desenvolvem soluções estratégicas; mas
nós, humanos, sim.
Como o peixe, as águas do nosso rio vêm acelerando
gradativamente nos últimos séculos e se transformando
devido à tecnologia – nesse processo, fomos evoluindo
nos capacitando com novas habilidades para nadar e nos
adaptando biologicamente às mudanças nos elementos
que surgiam e desapareciam das nossas águas. No
entanto, agora, a aceleração das águas tecnológicas se
tornou tão grande, que fomos arremessados ao mar
salinizados com tecnologias espetaculares como a IA,
que, combinada com demais, pode oferecer um oceano
de oportunidades para alavancar um Iluminismo Digital
para a humanidade, como pode também abrir uma caixa
de Pandora, caso não consigamos evoluir e nos adaptar.
Os paradigmas mudaram60, portanto as regras mudaram
– profissionais lineares não conseguem ter sucesso no
ambiente tecnológico exponencial. Precisamos
abandonar a mentalidade linear (que foca o acúmulo de
conhecimento) e desenvolver a mentalidade exponencial
que busca as habilidades que transformem os nossos
esforços em resultados exponenciais, articulando o
conhecimento disponível em cada instante e se
apropriando das capacidades e velocidade tecnológicas
existentes. Para nos tornarmos esse profissional
exponencial, precisamos das habilidades que nos
capacitem para isso. Vamos a elas.

HABILIDADES PARA O FUTURO


Vimos anteriormente que, das mudanças de paradigmas
abordadas no Capítulo 3 – certeza da incerteza,
ampliação da realidade, decisão por antecipação, seleção
artificial e sistemas produtivos híbridos – emergem três
vetores principais para conduzir a nossa transformação:
precisamos de novas capacidades de visão, estratégia e
execução. Esses vetores, por sua vez, se estruturam
basicamente em dois componentes principais –
habilidades humanas e tecnologia, que se misturam
simbioticamente na construção de cada um deles.
É dessa relação simbiótica que emerge o estado de
Future Ready.
Na realidade, esse processo de evolução simbiótica entre
humanos e tecnologia não é novo: temos criado
diferentes simbioses mecânicas com as tecnologias
durante toda a nossa evolução: por exemplo, em vez de
nos esforçarmos para desenvolver pernas biológicas cada
vez mais rápidas, aprendemos a “pilotar” pernas
tecnológicas mais eficientes, como bicicletas e carros
(desenvolvendo sistemas simbióticos híbridos homem-
tecnologia). Mesmo não possuindo asas, passamos a
“voar” simbioticamente com o avião. Para conseguir
“enxergar mais” e “mais longe”, aprendemos a ver com
as lentes dos microscópios e telescópicos,
respectivamente. Agora, o que muda é que precisamos
aprender a desenvolver também simbioses cognitivas
com as tecnologias digitais, ”pilotando” uma tecnologia
exponencial, acelerada, em um processo colaborativo, de
forma que cada parte possa contribuir com o seu melhor,
gerando um resultado sustentável maior, sinergético.
A simbiose/destreza tecnológica é essa habilidade
que combina o potencial das capacidades humanas com
o poder da tecnologia. Com a aceleração do ritmo de
mudança e o aumento da complexidade tecnológica, a
simbiose/destreza tecnológica passa a ser uma das
habilidades fundamentais para nos tornar aptos a
navegar as transformações, permitindo que nos
ampliemos para além das nas nossas limitações
biológicas naturais, incorporando o ritmo acelerado da
tecnologia, por mais rápido que ele seja.
Enquanto a simbiose/destreza tecnológica refere-se à
capacidade de incorporar e utilizar a tecnologia, as
demais habilidades de que necessitamos são
competências que não dependem intrinsecamente da
tecnologia, mas se beneficiam da sua contribuição61.
Inúmeros estudos são realizados todos os anos para
determinar quais competências são mais relevantes para
o futuro. Por exemplo, o Fórum Econômico Mundial
publica regularmente estudos sobre o futuro do
trabalho62 com a lista das habilidades em ascensão de
relevância. Consultorias, universidades, publicações
especializadas e institutos de pesquisa também realizam
estudos regulares sobre o assunto, por exemplo: IFTF63,
HBR64 McKinsey65, Gartner66, Accenture67, Deloitte68,
entre muitos outros. No entanto, as abordagens de cada
estudo são diferentes, e como discutimos no capítulo de
futurismo, é preciso conciliar perspectivas distintas para
adequar os estudos para o nosso objetivo em questão.
Nesse sentido, o nosso interesse neste livro é o
desenvolvimento de competências e habilidades
estratégicas, que por sua vez abrangem inúmeras
competências e habilidades táticas, que não fazem parte
do nosso escopo aqui. Por exemplo, saber utilizar o
ChatGPT é uma habilidade tática que está dentro da
competência estratégica de simbiose/destreza
tecnológica. Portanto, analisando esses estudos e
combinando-os com o nosso objetivo, elencamos sete
habilidades estratégicas fundamentais para
desenvolvermos um estado contínuo de Future Ready.
São elas: pensamento crítico, criatividade,
adaptabilidade ágil, colaboração, resiliência,
simbiodestreza tecnológica e humanidade. Vamos a elas.

PENSAMENTO CRÍTICO
“Pensar é o trabalho mais difícil que existe.
Talvez, por isso, tão poucos se dediquem a ele.”
HENRY FORD

Pensamento crítico é a habilidade de se obter e filtrar


informações para selecionar as relevantes, com o
objetivo de compreender, da melhor forma possível, a
realidade e direcionar, assim, a tomada de decisões.
É o pensamento crítico que nos auxilia a enxergar os
paradigmas que nos regem, identificar os sutis sinais de
mudança, avaliar as informações que fluem entre as
etapas de qualquer metodologia, vencer vieses e balizar
tudo isso com valores humanos, para direcionar
estratégias e ações. Portanto, é por meio do pensamento
crítico que avaliamos e interpretamos o mundo para
decidir e agir e, consequentemente, quanto melhor for o
nosso pensamento crítico, melhor tende a ser o resultado
de como pensamos e agimos.
Por outro lado, a ausência de pensamento crítico tende a
nos conduzir a decisões ruins, que, na melhor das
hipóteses, apenas não oferecem o melhor caminho
possível, mas que, na pior, podem resultar em fracassos,
soluções antiéticas, não sustentáveis, prejuízos e, até
mesmo, catástrofes.
Portanto, estrategicamente, o pensamento crítico é uma
habilidade estrutural essencial para fundamentar todas
as nossas decisões, além de direcionar todas as demais
habilidades. No entanto, ele é uma habilidade que
precisa ser educada, mas infelizmente tem sido
negligenciado na educação tradicional do último século.
Assim, devido à sua importância gigantesca no cenário
atual, e como mencionado anteriormente, dedicaremos o
próximo capítulo ao pensamento crítico.

CRIATIVIDADE
“A imaginação é mais importante do que o conhecimento.”
ALBERT EINSTEIN

Criatividade é a habilidade que nos permite criar. Ela é a


arte de imaginar para conceber. Ela é a mãe do novo –
sem ela, não existiria nem arte nem inovação. Sem ela,
nós, humanos ainda estaríamos vivendo em cavernas. A
criatividade é, portanto, o motor que faz girar a roda da
evolução.
Mantendo nosso foco na análise da sua função
estratégica, a criatividade é uma habilidade-chave, tanto
por estar por detrás de visões e estratégias, como
também por se relacionar intrinsecamente com outras
habilidades, afetando os seus desempenhos. Assim,
avaliando a participação da criatividade na composição
do estado Future Ready, temos:

Criatividade e o futurismo – estudos de futuros são


uma combinação de ciência com imaginação, assim,
o desdobramento de cenários e as visões de futuros
dependem intrinsecamente da criatividade.
Criatividade e a inovação – em todo e qualquer
método de inovação, é necessário ter ideias sobre
possíveis soluções a serem validadas, testadas e
implementadas. Ideias dependem de criatividade
para que possam ser criadas. Portanto, estratégias
de inovação seriam impossíveis sem criatividade.
Criatividade e o pensamento crítico – veremos mais à
frente, no capítulo de pensamento crítico, que saber
perguntar é uma das principais habilidades para se
obter e analisar informações durante o processo de
pensar. Para saber perguntar, é preciso saber
imaginar – o pensamento depende tanto da
informação disponível quanto da habilidade criativa
de imaginar como conectá-la para extrair sentido,
retroalimentando o processo de gerar novas
perguntas em busca de informações adicionais.
Portanto, a criatividade é a força motriz das
perguntas que estruturam o pensamento crítico.
Criatividade híbrida: a humana e a artificial – apesar de
a criatividade não ser uma habilidade presente
apenas em humanos, antes de os sistemas
computacionais surgirem, ela certamente era
atribuída exclusivamente a seres vivos69. No entanto,
a partir da introdução gradativa dos computadores
nas nossas vidas, as máquinas passaram a nos
auxiliar nos nossos processos criativos por meio do
processamento de grandes volumes de dados em
alta velocidade, nos permitindo encontrar padrões
que o nosso cérebro é incapaz de perceber. Agora,
com a ascensão das inteligências artificiais
generativas, as máquinas vão além e adquirem
também a capacidade de gerar ideias – assim, a
criatividade se torna também uma habilidade
artificial. Se você já pediu para alguma IA criar um
poema sobre um determinado tópico, obtendo um
resultado inédito, você experimentou um pouquinho
da criatividade das máquinas. E isso é apenas a
ponta do iceberg das possibilidades criativas que
vêm por aí. No entanto, é importante observar que a
natureza da criatividade artificial, das máquinas, é
diferente da natureza da criatividade natural,
humana. Enquanto no primeiro caso a criatividade é
baseada na capacidade de processar rapidamente
grandes volumes de informações, no segundo, ela
tem um DNA conceitual que envolve diversas
habilidades humanas, como compreensão de
contexto, ambiguidades, alinhamento com valores,
sustentabilidade etc. Assim, as criatividades humana
e de máquina têm características distintas e
complementares, e, nesse sentido, da união de
ambas, surge um novo tipo de criatividade, híbrida
entre quantidade e qualidade, muito mais poderosa
do que as suas formadoras isoladamente. Portanto, a
utilização de tecnologias digitais nos processos
criativos é um game changer para estratégias que
dependam de criatividade.
Criatividade e simbiose tecnológica – vimos no capítulo
sobre paradigmas que, conforme os computadores
entram em cena, eles se integram gradativamente
ao sistema produtivo mental no mundo. Essa
integração vai automatizando a produção cognitiva,
da mesma forma que a introdução das máquinas no
século XX passou a automatizar e reconfigurar
completamente a produção mecânica. Nesse
processo de automatização – seja ele mecânico ou
cognitivo –, o polo de valor do paradigma produtivo
vai se deslocando do produto final para o seu sistema
de criação. Antes da automação industrial e da
produção em massa, a produção era limitada pela
capacidade de trabalho dos indivíduos, mas o
produto era único, pois incorporava a criatividade e o
modo de produção do seu criador, um artesão.
Conforme as máquinas passam a automatizar a
produção mecânica, torna-se muito fácil obter uma
grande quantidade de produtos, mas todos iguais. No
processo de automatização, o valor da diferenciação,
qualidade e características essenciais do produto se
deslocam do produto em si para o processo da sua
criação, que alimenta o sistema de produção. Um
artesão não consegue produzir para competir em
volume com as máquinas, mas ele passa a ser
necessário para criar os conceitos que serão usados
no processo de produção. Quanto melhor o artesão
na origem do processo, melhor a produção. Ou seja,
conforme a automação avança em um sistema
produtivo, o polo de valor desse sistema vai se
deslocando da ponta (produto final) para a origem
(processo criativo). Portanto, quanto mais máquinas
e computadores em um sistema, maior a produção
em escala, mas o diferencial passa a ser o processo
de criação – a melhor ideia, o melhor conceito, a
melhor concepção, a melhor integração, em suma, o
valor passa para a criatividade na origem do sistema.
Apesar de isso já estar acontecendo nos sistemas de
produção mecânicos há quase um século, esse
deslocamento de valor é um processo novo nos
sistemas produtivos mentais, pois passa a acontecer
de forma perceptível somente após a popularização
do ChatGPT, que inaugura, em 2023, a
democratização da automação da produção
cognitiva. Isso coloca em xeque o sistema de valor
da produção intelectual em vigência, que residia no
produto final da criação cognitiva (a obra, produção
musical, textual, visual etc.) e vai passando
gradativamente para a origem do sistema de criação
– ou seja, a intenção criativa. Por isso,
provavelmente, em vez de registrar obras
intelectuais, possivelmente passaremos a registrar
prompts, da mesma forma que no sistema mecânico,
em vez de assinar unidades produzidas, passou-se a
se registrar patentes. Portanto, no novo paradigma
de produção híbrido, na simbiose humano-
tecnológica o valor da produção cognitiva passa a ser
cada vez mais determinado pela criatividade da
intenção: o prompt. Assim, a simbiodestreza
tecnológica está cada vez mais intimamente
conectada com a criatividade, mas aplicada em
outras dimensões do processo produtivo mental,
cognitivo.
ADAPTABILIDADE ÁGIL
“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas aquele que
melhor se adapta às mudanças.”
LEON C. MEGGINSON70

Adaptabilidade e agilidade são competências cruciais


para a inovação e a evolução, tornando-se
particularmente mais críticas em cenários de mudança
acelerada e incerteza crescente, como o atual.
No entanto, enquanto a adaptabilidade refere-se à
capacidade de um indivíduo, grupo ou organização de
ajustar-se a mudanças ou novidades no ambiente, a
agilidade, por outro lado, refere-se à capacidade de se
adaptar rapidamente.
Graças à adaptabilidade humana, conseguimos evoluir –
nosso cérebro se transforma com a neuroplasticidade,
nosso corpo se transforma com o uso, nossas ideias,
cultura, percepções se transformam com a educação.
Tem sido assim desde as nossas origens e tem
funcionado até aqui, mas lentamente. Agora, não mais.
Para continuar funcionando, a adaptabilidade precisa
adquirir também rapidez, pois a fórmula da mudança
hoje tem um componente adicional: a velocidade.
Portanto, a adaptabilidade precisa se tornar ágil.
Mas tanto a adaptabilidade quanto a agilidade são
competências formadas por inúmeras outras habilidades
e atitudes.
Por exemplo, a adaptabilidade depende de competências
e atitudes como: flexibilidade para ajustar
pensamentos, comportamentos e ações; resiliência
para se recuperar de adversidades; aprendizado
contínuo (disposição para aprender e se atualizar);
proatividade para se antecipar às mudanças;
tolerância à incerteza para conseguir funcionar
efetivamente mesmo quando não se tem todas as
informações; mente aberta (disposição para aceitar
novas ideias).
A agilidade, por sua vez, envolve: flexibilidade para
ajustar pensamentos, comportamentos e ações; entrega
incremental de valor para permitir feedback rápido e
aumentar a velocidade; colaboração para permitir
compartilhar conhecimento para acelerar o processo de
adaptação; simplicidade para focar a mudança daquilo
que realmente agrega valor ao processo e evita
desperdícios; melhoria contínua para aprimorar
processos e práticas.
Assim, adaptabilidade e agilidade são inter-relacionadas
e compartilharem alguns elementos similares – como a
reação à mudança e a valorização do aprendizado
contínuo. No entanto, apesar disso, elas são conceitos
distintos, com focos e escopos complementares entre si.
A adaptabilidade tem um foco amplo, relacionado com a
capacidade de lidar com qualquer tipo de mudança, seja
ela prevista ou não. Já a agilidade tem foco na entrega
rápida e interativa de valor, com ênfase em ciclos curtos
e feedback constante. Portanto, a adaptabilidade ágil
combina a adaptação à mudança de longo prazo com
ciclos curtos para garantir rapidez e eficiência no
processo.
A adaptação à mudança, por sua vez, pode ser
necessária devido a inúmeros tipos de gatilhos. Pensando
no nível do indivíduo, John C Maxwell, autor do livro
Failing Foward: turning mistakes into stepstones for
success, elenca quatro razões pelas quais as pessoas
mudam:

“As pessoas mudam quando sofrem o suficiente e precisam mudar;


quando aprendem o suficiente e querem mudar;
quando veem o suficiente e se inspiram para mudar;
quando ganham o suficiente para que possam mudar.”
– John C Maxwell71

Já no caso de sistemas ou organizações, os gatilhos de


mudança são mais diversos e complexos, pois envolvem
grupos de indivíduos e demandas organizacionais.
Porém, tanto em um caso quanto no outro,
frequentemente, um dos maiores obstáculos que
enfrentamos não é o desenvolvimento de novas
habilidades, mas o apego por aquelas que já dominamos
ou possuímos. Assim, desapego é um dos principais
catalisadores estratégicos para a adaptabilidade ágil.
Buda nos ensina que “o apego é a raiz de toda mágoa”.
Podemos dizer aqui, que ele é também o maior inimigo
para nos desenvolvermos. A adaptabilidade ágil não se
importa com aquilo que somos, e sim, com aquilo que
necessitamos mudar para nos transformarmos
rapidamente naquilo que precisamos ser.

COLABORAÇÃO
Vimos nos capítulos anteriores que um dos efeitos da
aceleração da mudança é o crescimento no volume de
informação, conhecimentos, tecnologias, que
consequentemente aumentam a complexidade no
mundo. Nesse tipo de contexto, soluções baseadas em
hierarquias de comando tendem a não funcionar mais,
requerendo colaboração e distribuição de poder para
darem resultados.
Uma analogia que nos ajuda a enxergar esse fenômeno é
a comparação do funcionamento entre a aranha e estrela
do mar, descrita no livro The Starfish and the Spider, de
Ori Brafman e Rod Backstrom. A aranha é um animal com
estrutura hierárquica de funcionamento, em que a
cabeça comanda o corpo. Se você corta a cabeça, a
aranha morre. Entretanto, a estrela-do-mar é um animal
com estrutura de comando complexa, distribuída ao
longo do corpo. Se você a cortar ao meio, ela não apenas
não morre como se regenera e nascem duas. Assim, ao
tentar vencer problemas complexos com estratégias
tradicionais, não apenas não conseguimos solucioná-los
como, principalmente, tendemos a piorá-los.
Um exemplo real72 para ilustrar a diferença entre
organizações hierárquicas centralizadas (aranhas) e
descentralizadas complexas (estrelas-do-mar) foi a
conquista espanhola das Américas. Os europeus,
liderados por Hernán Cortés, conseguiram derrotar
rapidamente o império asteca ao capturar o seu líder,
Moctezuma – como eles eram centralizados, a sua
estrutura organizacional entrou em colapso. Em
contraste, quando os europeus tentaram subjugar os
índios Pueblo, que possuíam estrutura social
descentralizada, a resistência continuou, mesmo depois
de muitos líderes terem sido capturados ou mortos. Sem
um líder central ou estrutura, a organização
descentralizada pode continuar a operar e se adaptar,
tornando-a mais resistente a ataques externos.
Uma situação mais recente que demonstra a ineficiência
de estratégias hierárquicas perante ambientes
complexos é o surgimento da indústria digital de música.
Até o início do século XXI, a indústria de música foi
dominada por grandes gravadoras que controlavam a
produção, distribuição e venda de música (aranhas). No
entanto, com a ascensão das tecnologias digitais e
plataformas de compartilhamento de arquivos, como o
Napster, um modelo descentralizado (estrela-do-mar)
emergiu. Essas plataformas permitiam que os usuários
compartilhassem músicas entre si, contornando as
estruturas tradicionais das gravadoras. A indústria tentou
combatê-las por meio de estratégias tradicionais de
processos legais, que não apenas não solucionaram o
problema como o agravaram, pois, cada vez que um
serviço de compartilhamento era fechado, um novo,
ainda melhor, surgia no lugar. Nessa guerra, quem saiu
vencedora foi uma empresa fora da indústria de música,
que viu uma oportunidade emergindo dessa
transformação: a Apple. Em vez de brigar com a
complexidade do sistema descentralizado, ela introduziu
o iPod e o iTunes, criando assim, estrategicamente, uma
plataforma que oferecia recursos para extrair valor da
descentralização e da complexidade por meio da
participação de todos.
Em ambientes complexos, portanto, as estratégias
vencedoras emergem da colaboração, e não do controle
hierárquico. Por isso, quanto mais complexo o mundo se
torna, mais relevante passa a ser a habilidade de saber
colaborar. Vejamos.
De forma geral, complexidade é o estado de possuir
muitas partes interrelacionadas, o que dificulta a sua
compreensão ou solução. Nesse sentido, a colaboração é
uma das habilidades que mais nos favorece, pois ela
promove a troca de informações e conhecimentos entre
indivíduos, grupos ou organizações, que possuem visões
e expertises distintas, possibilitando melhorar a
compreensão das partes para solucionar o todo. Esse
processo é favorecido pela diversidade entre os
colaboradores, pois quanto mais diversos forem os perfis
colaborando, mais perspectivas distintas são adicionadas
para contribuir na compreensão e resolução. Isso não
apenas ajuda a vencer a complexidade, como as
soluções geradas por meio de colaboração tendem a ser
melhores, por considerarem múltiplos pontos de vista,
enriquecendo a obtenção de informações para a tomada
de decisão.
A colaboração refere-se ao ato de trabalhar
conjuntamente com outros para alcançar um objetivo
comum e, para tanto, envolve a partilha de
conhecimentos, recursos e responsabilidades para
realizar tarefas e solucionar problemas. Para tanto, a
colaboração depende de inúmeras outras habilidades e
atitudes, como:

Comunicação – capacidade de expressar ideias


claramente e de ouvir atentamente, tanto na
modalidade verbal quanto na escrita.
Escuta ativa – capacidade não apenas de ouvir, mas
de compreender e interpretar a mensagem do
interlocutor, fazendo perguntas quando necessário e
demonstrando empatia.
Empatia – capacidade de entender e considerar as
perspectivas, sentimentos e necessidades dos
outros.
Flexibilidade – abertura a novas ideias e disposição
para adaptar-se à medida que as circunstâncias
mudam.
Gestão de conflitos – habilidade de reconhecer,
abordar e resolver disputas de maneira construtiva.
Trabalho em equipe – capacidade de compreender o
valor de cada membro da equipe e saber como
contribuir de forma produtiva para o grupo.
Responsabilidade pessoal – capacidade de assumir
responsabilidade pelas próprias ações e pelo sucesso
ou fracasso da colaboração.
Tomada de decisão conjunta – capacidade de trabalhar
com outros para chegar a conclusões ou decisões
compartilhadas.
Habilidades interpessoais – capacidade de construir
relacionamentos positivos, respeitar os outro e
trabalhar bem em um ambiente de equipe.
Organização e planejamento – capacidade de
coordenar esforços, definir metas claras e planejar
como alcançá-las.
Habilidades de feedback – capacidade de dar e receber
feedback de maneira construtiva visando a melhoria
contínua e a resolução de problemas.
Conhecimento específico – conhecimento necessário
para contribuir no processo de colaboração.
Respeito e valorização da diversidade – capacidade de
respeitar e valorizar diferentes culturas, pontos de
vista e experiências.
Negociação – habilidade necessária para encontrar
um meio-termo ou compromisso para avançar.
Pensamento crítico – capacidade para avaliar
informações, reconhecer premissas e usar a lógica
para tomar decisões em conjunto.

Portanto, a colaboração tem o seu desenvolvimento


integrado com inúmeras outras habilidades e
conhecimentos e requer esforço atento ao contexto e
contínuo para que se realize.

RESILIÊNCIA
“Não é sobre esperar a tempestade passar,
mas aprender a dançar na chuva.” 73

A palavra resiliência vem do termo latino “resilire”, que


significa “voltar atrás” ou “reverter”. Originalmente, no
contexto da física, o termo refere-se à capacidade de um
material retornar à sua forma original após ser submetido
a algum tipo de deformação quando o agente
transformador é removido. Um material resiliente,
portanto, é aquele que pode sofrer uma deformação e,
depois, voltar ao estado original sem qualquer dano
permanente, como as molas.
Na psicologia e nas ciências sociais, o conceito de
resiliência foi adaptado para descrever a capacidade
humana de enfrentar, superar e emergir fortalecido de
adversidades ou traumas. Assim, uma pessoa resiliente é
alguém que, diante de dificuldades, consegue se
recuperar e, muitas vezes, crescer pessoal e
emocionalmente com a experiência. Daí o uso frequente
da frase “O que não me mata me fortalece”74, para
expressar a ideia de que as adversidades e desafios
enfrentados podem servir para fortalecer a resiliência e o
caráter de uma pessoa.
A resiliência torna-se assim uma habilidade essencial em
períodos de grandes transformações, pois capacita os
indivíduos a se adaptarem melhor às mudanças e
desafios. Além disso, ela traz benefícios pessoais75 que
vão além da sobrevivência à mudança, contribuindo
também para a saúde mental, o crescimento pessoal,
relações saudáveis e recuperação de adversidades76.
No âmbito corporativo, a resiliência refere-se à
capacidade de uma organização ou negócio de antecipar,
preparar-se, responder e se adaptar a mudanças
abruptas, adversidades ou crises, mantendo suas
funções essenciais e se recuperando de forma eficaz.
Isso inclui a habilidade de enfrentar e se adaptar a
interrupções econômicas, desastres naturais, mudanças
no mercado, crises tecnológicas, entre outras.
Considerando o contexto atual, altamente desafiador,
criado pelas transformações contínuas que a velocidade
acelerada de mudança impõe, a resiliência – tanto
individual quanto corporativa – é uma habilidade
estratégica cada vez mais relevante para conseguirmos
avançar, funcionando como a base sólida sobre a qual
todas as outras habilidades são construídas.
No entanto, o processo para desenvolver ou fortalecer a
resiliência é desafiador, pois ela é determinada por
inúmeros fatores estruturais que constituem um
indivíduo ou organização, requerendo esforço consciente
e constante para mudá-los. No contexto individual, esses
desafios incluem: experiência de vida77, fatores
biológicos78, ambiente e suporte social79, habilidades de
enfrentamento80, crenças e atitudes81, traumas e saúde
mental82, educação e conhecimento83, estilo de vida e
hábitos84, flexibilidade cognitiva85, expectativas
irrealistas86 etc. No corporativo, podemos citar como
elementos desafiadores: as mudanças rápidas no
mercado, gestão de riscos inadequada87, deficiências na
comunicação interna e externa88, falta de flexibilidade e
agilidade89, liderança e cultura organizacional90, recursos
financeiros limitados91, tecnologia e infraestrutura92,
gestão de talentos93, pressões externas94, planejamento
de sucessão e continuidade de negócios95, gestão da
cadeia de suprimentos96, responsabilidade social
corporativa97 etc. Para superar esses desafios, as
empresas podem se beneficiar de uma abordagem
estratégica, adaptável e proativa para desenvolver a
resiliência, focando áreas como gestão de riscos,
planejamento de contingência, comunicação eficaz,
desenvolvimento de liderança, cultura organizacional e
inovação contínua.
No nível individual, apesar dos desafios, a resiliência é
uma habilidade que pode ser aprendida, desenvolvida e
fortalecida ao longo do tempo com prática e apoio, por
meio de estratégias como:

Relações sociais: participar de ambientes em que a


cultura é resiliente favorece o desenvolvimento da
resiliência, como é o caso dos contextos de prática
de esportes e exercícios. Cultivar relações com
amigos e familiares que fornecem suporte emocional
e prático também favorece a resiliência, pois eles
podem funcionar como um amortecedor contra o
estresse.
Autocuidado: praticar autocuidado, incluindo
atividades físicas regulares, alimentação saudável,
sono adequado e práticas de relaxamento como
meditação ou ioga melhoram as capacidades de
saúde para suportar desafios, atributo fundamental
para aumentar a resiliência.
Resolução de problemas: desenvolver habilidades de
resolução de problemas e tomar decisões de forma
ativa, em vez de evitá-los, permite uma melhor
performance no enfrentamento de adversidades,
portanto, nos tornando mais resilientes.
Autoconhecimento: conhecer os nossos pontos fortes
e fraquezas, e entender como reagir ao estresse
aprendendo estratégias para lidar com ele, permitem
calibrar expectativas e melhorar o desempenho no
que for necessário para lidar com situações
desafiadoras, contribuindo, dessa forma, para o
aumento da resiliência.
Aprendizado contínuo: a aprendizagem contínua nos
torna aptos a lidar com as transformações e
mudanças, favorecendo, assim, a resiliência. Nesse
sentido, a simbiodestria é um dos aprendizados mais
significativos, pois a tecnologia pode oferecer
recursos valiosos para o aumento da resiliência
individual – ela pode contribuir para melhorarmos
todas as estratégias para fortalecer a resiliência: as
relações sociais (ex: sistemas de redes sociais,
networking etc.), autocuidado (ex: aplicativos de
monitoramento do sono, exercícios, alimentação,
meditação etc.), resolução de problemas (ex: cursos
online, networking etc.), autoconhecimento (ex:
sistemas inteligentes de autoavaliação, meditação,
acompanhamento terapêutico etc.) e aprendizagem
contínua (ex: cursos online, aplicativos de educação,
redes de apoio etc.).

Apesar de a resiliência ser indubitavelmente útil e um


traço altamente adaptativo, por outro lado, o excesso de
resiliência pode ser problemático98 pois pode tornar as
pessoas excessivamente tolerantes à adversidade. Isso
pode levar os indivíduos a suportar situações de trabalho
tediosas ou desmoralizantes por mais tempo do que
necessário. Além disso, o excesso de resiliência pode
afetar a efetividade da liderança e, consequentemente,
de times e, eventualmente, da organização – múltiplos
estudos sugerem que líderes ousados demais são
inconscientes de suas limitações e superestimam suas
capacidades correntes de liderança e performance,
tornando-se rigidamente ou delirantemente resilientes e
fechados para informações que poderiam ser imperativas
para solucionar, ou ao menos melhorar, a sua fraqueza
comportamental.
Assim, “resiliência excessiva” refere-se a essas
situações em que a pessoa ou organização se esforça
tanto para ser resiliente que acaba negligenciando
outras necessidades importantes, como bem-estar
emocional, descanso ou adaptação estratégica. Em
algumas situações, a tentativa de se manter sempre
forte ou constantemente se adaptar a situações adversas
sem descanso adequado pode levar a exaustão, estresse
crônico ou resistência a mudanças necessárias. Nesse
sentido, algumas estratégias podem ser utilizadas para
mitigar os efeitos negativos do excesso de resiliência. No
caso de indivíduos, essas iniciativas incluem: consciência
dos limites da resiliência99, equilíbrio entre trabalho e
lazer100, descanso adequado101, pedir ajuda102 e
reavaliação de expectativas103. Para organizações,
podemos citar: cultura de bem-estar104, reconhecimento
de sinais de esgotamento105, flexibilidade106, feedback e
comunicação107, priorização estratégica108.
Portanto, resiliência não deve ser sobre negar
vulnerabilidades ou ignorar necessidades emocionais e
físicas, mas, sim, sobre equilibrar força e adaptabilidade
com autocuidado e apoio.

SIMBIODESTREZA TECNOLÓGICA
“Tecnologia é como honestidade, quem não tem não sabe o que é.”
MARTHA GABRIEL

A função da tecnologia, desde o início da nossa história,


é ampliar as capacidades humanas. Ela é o conjunto de
técnicas, ferramentas e métodos usados para resolver
problemas tornando as tarefas mais fáceis, rápidas ou
eficientes. Por exemplo, a roda acelera as pernas, a lança
estende os braços, o telescópio amplia a visão.
A razão de existir da tecnologia, portanto, é, e sempre
foi, nos permitir realizar tarefas e conquistar desafios que
vão além das nossas competências biológicas naturais.
Nesse processo, o avanço da tecnologia ao longo da
nossa evolução foi gradativamente nos oferecendo mais
poder e controle sobre o mundo ao nosso redor: acesso à
informação, comunicação, educação, simulação e
treinamento, aumento de produtividade, velocidade,
acessibilidade, solução de problemas complexos etc.
Nesse sentido, todas as habilidades humanas podem se
beneficiar da tecnologia, desde que saibamos usá-la ou
incorporá-la. Ela tanto pode ser utilizada (como um
teclado) ou vestível (wearable, como os óculos de
realidade virtual ou mista), quanto, literalmente,
incorporada, como implantes em um ciborgue. A
habilidade de destreza tecnológica nos permite utilizar a
tecnologia, enquanto a capacidade de simbiose
tecnológica possibilita nos misturarmos com ela, vestindo
ou incorporando, quando possível e necessário.
No entanto, para desenvolvermos essa jornada de
simbiodestreza tecnológica, é necessário, antes,
conhecer e compreender a tecnologia conforme ela
avança. E esta não é uma tarefa fácil. A aceleração da
mudança, que traz dois desafios principais: 1) rápida
transformação tecnológica; e 2) multiplicidade e
crescimento tecnológico (quanto mais a tecnologia
acelera, maior o volume e a variedade de tecnologias
que se interrelacionam). Isso demanda um esforço
contínuo para acompanhar as mudanças tecnológicas.
Assim, dentre todas as habilidades, a simbiodestreza
tecnológica é uma das mais desafiadoras, pois precisa
se transformar continuamente para conseguir
acompanhar o ritmo alucinante da evolução tecnológica.
Nesse sentido, visando complementar a discussão
estratégica que trazemos aqui, recomendo a leitura de
dois livros que oferecem o letramento nas principais
tecnologias emergentes: os best-sellers Você, Eu e os
Robôs e Inteligência Artificial: do zero ao
metaverso.

HUMANIDADE
“Uma sociedade é apenas tão avançada quanto o seu tratamento dos mais
fracos e incapacitados.”
– NASSIM TALEB

Logicamente, ser “humano” não deveria ser uma


habilidade, e sim uma configuração natural humana. No
entanto, se observarmos atentamente, aquilo que nos
caracteriza como humanos tem variado ao longo da
nossa história.
Houve uma época em que inúmeras características e
funcionalidades nos diferenciavam das máquinas. Entre
elas, apenas os humanos falavam, escutavam,
enxergavam, calculavam, jogavam, tocavam, dançavam,
tinham criatividade, escreviam, desenvolviam tecnologia,
programavam, trabalhavam, se reproduziam etc. Com a
nossa evolução, fomos gradativamente compartilhando
alguns elementos da nossa “humanidade” com a
tecnologia, e hoje as máquinas também falam, escutam,
enxergam, calculam, jogam, escrevem, criam, dançam,
trabalham, se reproduzem, entre inúmeras outras
funcionalidades.
Assim, as máquinas estão realizando cada vez mais
atividades que eram tidas como características humanas.
Nesse sentido, aquilo que define a nossa humanidade
deve ser algo além daquilo que conseguimos realizar,
algo que esteja incorporado na intenção da ação e não
na capacidade de agir. Conseguir realizar é uma coisa,
realizar com humanidade é outra.
Portanto, para definir qualquer coisa como “humana”, a
sua intenção e realização deve incorporar valores
humanos. É isso que define a humanidade, e é isso que
precisamos garantir em qualquer intenção, projeto,
tecnologia, atos e realizações – sejam eles realizados por
humanos ou máquinas.
Valores humanos referem-se a qualidades, princípios e
padrões éticos que são considerados desejáveis e
benéficos para a coletividade e para o indivíduo. Eles
servem como guias para o comportamento e tomada de
decisão, influenciando as nossas ações, atitudes e
relações com os outros. Alguns exemplos de valores
humanos incluem honestidade, respeito, compaixão,
justiça, amor, integridade, igualdade, responsabilidade,
além de muitos outros.
A promoção e a disseminação de valores humanos são
essenciais para a criação de sociedades justas,
harmoniosas, progressistas. Por isso, a habilidade
“humanidade” aqui refere-se à incorporação de valores
humanos não apenas em indivíduos e organizações
humanas, mas, também, nas máquinas – isso é o
princípio fundamental para garantir a nossa
sustentabilidade futura.

MODELO DE DESENVOLVIMENTO: BATMAN VS


SUPER-HOMEM
Conhecer as habilidades Future Ready é importante para
direcionar o processo de aprendizado e desenvolvimento.
No entanto, isso é somente o primeiro passo na jornada
para liderar o futuro – entre o “saber” e o “ser” existe um
movimento de transformação que requer planejamento,
dedicação e prática contínua.
Assim, por um lado, é necessário investir disciplina e
esforço para que esse processo efetivamente se realize.
Por outro, no entanto, o retorno tende a ser muito maior
do que o empenho investido. Conforme vamos
adquirindo mais capacidades, as habilidades se somam e
complementam simbioticamente, em uma dinâmica
sinergética, que, combinada com o uso de tecnologias
sofisticadas, nos torna cada vez mais poderosos. Esse
modelo de desenvolvimento, direcionado, passo a passo,
gradativo, simbiótico, sinergético, se apropriando da
melhor tecnologia disponível em cada momento, tem o
potencial de transformar um ser humano comum em um
indivíduo superpoderoso. Não é sobre saltos, mas
constância; não é acaso, mas direção, estudo, análise;
não é de graça, mas conquistado.
Para efeito ilustrativo, gosto de comparar esse método
de desenvolvimento humano com o processo utilizado
pelo Batman109 para se tornar super. Enquanto o Super-
Homem já nasceu com superpoderes, o Batman, por
outro lado, teve que conquistá-los: ele é um humano, que
possui apenas habilidades humanas comuns, como
qualquer outra pessoa. No entanto, por meio da
combinação do desenvolvimento de habilidades e
tecnologia, ele vai adquirindo poderes. Por exemplo,
desde o início da sua história, ele a) usa telas na
batcaverna para obter informações e embasar a sua
tomada de decisões (o pensamento crítico se
beneficiando da tecnologia); b) conta com um time
confiável, dedicado e multidisciplinar (comissário, o
mordomo “nerd” amigo, entre outros) para auxiliá-lo nos
seus objetivos (colaboração); c) usa um cinto de
utilidades (simbiodestreza tecnológica) para conseguir
escalar, voar, abrir caminhos etc. (criatividade,
adaptabilidade ágil); d) desenvolveu uma capa que
evoluiu ao longo do tempo para melhorar sua
aerodinâmica e resistência, facilitando cada vez mais o
seu poder de voar (simbiodestreza, resiliência); e) sua
vestimenta110 é uma armadura tecnológica fabricada
com kevlar e funciona como um exoesqueleto smart que
o protege (à prova de balas), amplia as suas capacidades
físicas, é acionado por comando de voz, inteligência
artificial e possui características de camuflagem que o
tornam invisível (resiliência, adaptabilidade ágil,
criatividade, simbiodestreza tecnológica) etc.
Note-se que, ao longo das suas mais de oito décadas de
existência, isso foi um processo contínuo gradativo
evolutivo – o personagem foi incorporando as tecnologias
que surgiam e, simultaneamente, adaptando e
aprimorando as suas habilidades humanas, tanto para
usar e incorporar melhor a tecnologia quanto para
enfrentar as mudanças no mundo.
Somos humanos, repletos de potencialidades que podem
superar as nossas limitações e se transformarem em
superpoderes, desde que estejamos dispostos a
desenvolver as habilidades necessárias para isso – um
pouquinho por dia, dia a dia, todo dia.
PENSAM ENTO CRÍTICO
CAPÍTULO 8
“A vida não examinada não vale a pena ser vivida.”
SÓCRATES

Apologia de Sócrates é uma obra escrita por Platão


expondo a narrativa do discurso de Sócrates durante a
sua autodefesa no julgamento em que era acusado de
negar a existência dos deuses e, assim, corromper os
jovens. Nesse contexto, o filósofo profere uma das suas
mais famosas frases: “A vida não examinada não vale a
pena ser vivida”. Essa citação destaca a profunda crença
de Sócrates na importância da busca pelo
conhecimento, compreensão e virtude. Para ele, a
vida não examinada se refere a uma vida vivida sem
questionamento, reflexão e autocompreensão. Sem
a busca contínua por conhecimento e entendimento
sobre o que é verdadeiro e justo, uma vida seria
desperdiçada. Sócrates foi condenado por defender esse
posicionamento até o fim, por isso a sua morte é
frequentemente lembrada como um martírio pela
liberdade de expressão e o direito de buscar a
verdade, independentemente das convenções sociais,
tornando-se um símbolo de integridade e
compromisso com a verdade.
Nada ao longo da história poderia expressar melhor a
essência do pensamento crítico do que a filosofia de
vida que Sócrates defendeu há quase 2500 anos, e pela
qual morreu em 399 a.C. No entanto, de lá para cá, além
de desperdício, viver uma vida sem pensamento crítico
passou gradativamente a ser também perigoso, e cada
vez mais impossível.
Sabemos que para nos tornarmos Future Ready,
precisamos desenvolver inúmeras habilidades e nos
transformarmos continuamente. No entanto, para
começar esse processo, é necessário compreender e
avaliar inúmeros parâmetros, que direcionarão as
melhores escolhas, e para isso precisamos fazer várias
perguntas, por exemplo: Por onde começar? Devo optar
por alguma habilidade primeiro ou evoluir
simultaneamente com todas? Qual a habilidade que me
trará mais benefícios no meu contexto atual? O que
preciso aprender em cada habilidade, por exemplo, quais
tecnologias melhorariam a minha simbiose tecnológica
para me alavancar? E assim por diante. Portanto, antes
de desenvolver qualquer outra habilidade, seja ela qual
for, precisamos ter a competência de buscar
compreensão, conhecimento e virtude, por meio de
questionamento, reflexão e autocompreensão. De buscar
a verdade, independentemente das convenções sociais.
Em outras palavras, a primeira habilidade que
precisamos desenvolver para, aí sim, conseguirmos
tomar decisões para encontrar o melhor caminho para
desenvolver as outras é o pensamento crítico. É ele que
nos ajudará a direcionar as demais habilidades, como as
discutidas no capítulo anterior:

Criatividade – a criatividade é a mãe da arte e da


expressão da humanidade. Ela é a força motriz do
novo. Ela nos permite enxergar o que não existe,
imaginar o que poderia ser, expandindo
ilimitadamente o nosso ser. No entanto, sem
pensamento crítico, a criatividade não tem
direcionamento para solucionar problemas. Além
disso, há tempos que a criatividade não é mais uma
habilidade exclusiva de seres vivos, com as máquinas
se tornando gradativamente mais criativas e, em
alguns casos, vencendo a criatividade humana111.
Por isso, nós, humanos, precisamos do pensamento
crítico também para conseguir combinar a nossa
criatividade atuando em conjunto com elas112.
Pensar criticamente, portanto, é parte fundamental
da criatividade no processo de geração de ideias
direcionadas à solução de problemas; avaliação e
combinação de ideias; avaliação da qualidade e
fontes de informações para enriquecer o processo
criativo, e assim por diante.
Simbiodestreza tecnológica – como podemos abraçar a
tecnologia, nos misturarmos com ela, criando um
processo simbiótico, incorporando suas habilidades
para nos ampliar, sem pensar criticamente? Não é
possível. Precisamos do pensamento crítico para
ajudar na detecção e avaliação das tecnologias
emergentes; análise e combinação de tecnologias
para ampliação dos nossos resultados; comparação
entre tecnologias e seus impactos etc.
Adaptabilidade ágil – aqui o pensamento crítico é
indispensável para a detecção e análise de agentes
de transformação; avaliação de paradigmas e suas
mudanças, direcionando a adaptabilidade; análise da
matriz de priorização de demandas de adaptação
etc.
Colaboração – no processo colaborativo, pensar
criticamente é a base para a avaliação das
possibilidades de colaboração; busca por caminhos
de soluções colaborativas; análise do impacto das
possíveis colaborações no resultado etc.
Humanidade – para garantir a humanidade em cada
atitude, ação ou decisão que tomamos, precisamos
avaliar a sua conformidade com os valores humanos
e analisar os seus impactos éticos e morais. Essas
avaliações de conformidade e impactos dependem
intrinsecamente do pensamento crítico. Por exemplo,
existem “3 Es”113 que são características humanas
fundamentais: emoção, empatia e ética. Entretanto,
sem pensamento crítico para direcioná-las, elas
podem causar mais mal do que bem, tanto para o
próprio indivíduo quanto para os outros. Por exemplo,
se sinto empatia em relação ao outro, mas não
consigo pensar criticamente para encontrar
caminhos para expressar esse sentimento e ajudá-lo,
essa empatia não apenas pode não lhe ser útil, como
pode eventualmente piorar a situação. O mesmo
acontece com emoção e ética – elas são valiosas,
mas complexas, e se não contam com a ajuda do
pensamento podem resultar em soluções
equivocadas.
Resiliência – para se tornar resiliente, é necessário
saber avaliar impactos, ameaças e incidentes que
possam prejudicar a sustentabilidade ou integridade
individual, social, organizacional; analisar e tomar
decisões para escolher ações que contribuam para o
aumento da resiliência etc. O pensamento crítico
fundamenta essas análises, e quanto melhor ele for
nesse processo, maior tende a ser a resiliência
alcançada.

Em suma, o pensamento crítico é a pedra angular, a


fundação, o principal instrumento não apenas para
desenvolver qualquer habilidade, mas, também, para
direcionar e ajudar a extrair sentido da complexidade. Ele
é a nossa bússola, a nossa carta de navegação e
descobertas deste mundo incerto, ambíguo, complexo e
acelerado. Além disso, até que as máquinas atinjam o
nível humano de inteligência114 (AGI – artificial general
intelligence), o pensamento crítico é uma das principais
habilidades que nos distingue delas e, particularmente,
aquela que tende a determinar o nosso futuro, pois é por
meio dele que tomaremos as nossas decisões para nos
desenvolvermos e convivermos com elas.
Sabendo, portanto, que o pensamento crítico é um
recurso cada vez mais valioso e essencial para um
profissional Future Ready, temos nos deparado com um
desafio fenomenal: no contexto atual, paradoxalmente,
conforme precisamos cada vez mais de pensamento
crítico, ele tem se tornado cada vez mais escasso.
Vejamos.
A ERA DA ESTUPIDEZ – INTELIGÊNCIA &
PENSAMENTO CRÍTICO
A maior vantagem competitiva da humanidade ao longo
da história tem sido o aumento da sua inteligência – não
somos os mais rápidos, nem os mais fortes ou os mais
antigos habitantes do planeta, mas, graças à
inteligência, conseguimos nos adaptar mais
rapidamente, além de transformar o ambiente ao nosso
redor e vencer leis naturais que nos regem. Por exemplo,
voamos sem termos asas; enxergamos galáxias, mesmo
sem termos olhos capazes de fazê-lo; viajamos nas
profundezas dos oceanos sem possuir guelras ou
nadadeiras; isso, dentre as infindáveis conquistas que
temos alcançado ao longo do tempo. Assim, conforme
evoluíamos, mais inteligentes e poderosos fomos nos
tornando... século a século, década a década, ano a
ano... até que não mais. Na segunda metade do século
XX, a situação muda – desde então, a inteligência geral
do ser humano parece estar diminuindo.
Desde a sua criação, em 1905, o teste de QI115 tem sido
o instrumento mais utilizado para medir a inteligência
humana. Sabemos que a inteligência não é algo simples
de mensurar e quantificar, pois se apresenta de múltiplas
formas116 e utiliza diversos tipos de recursos para se
manifestar. Assim, fica claro que o QI não indica as várias
dimensões da inteligência ou o valor de um indivíduo,
nem é capaz de determinar o seu sucesso na vida. No
entanto, apesar das críticas e limitações que apresenta,
ele consegue medir a cognição básica do ser humano: a
sua capacidade de executar as funções mentais
elementares que formam a fundação para todas as
outras. Portanto, ele funciona como um mínimo
denominador comum da inteligência e, por isso, pode
ajudar a enxergar a evolução (ou involução) da
inteligência117.

Figura 8.1 – Gráfico representando a queda


do QI mundial desde 1950, baseado em
estudo da Universidade de Hartford,
disponível em
https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/articl
e-2730791/Are-STUPID-Britons-people-IQ-
decline.html.

Durante o século XX, estudos apontam que o QI


aumentou consistentemente no mundo todo118, em
média três pontos por década – fenômeno conhecido
como “Efeito Flynn”. No entanto, evidências na
mensuração do QI em pessoas no Reino Unido,
Dinamarca e Austrália mostram declínios na última
década, indicando uma reversão do processo, batizada
de “Efeito Flynn Reverso”. A situação se agrava em um
estudo119 realizado pela Universidade de Hartford, na
Austrália, que aponta que o QI já vem diminuindo há
muito mais tempo120 (figura 8.1).
Existem diversas explicações tanto para o crescimento
do QI até meados do século XX quanto para a sua queda
desde então. Inúmeros fatores contribuíram para o Efeito
Flynn, especialmente as melhorias nas condições
ambientais – nutrição, saneamento, saúde, educação etc.
– contribuindo para o nosso desenvolvimento geral,
inclusive a inteligência. Por outro lado, os pesquisadores
da Universidade de Hatford argumentam que fatores
ambientais são forças externas que mascararam os
índices do declínio biológico interno humano, que
teria atingido o seu máximo potencial de inteligência em
1950, e vem caindo a partir de então. Além disso, eles
defendem também que quanto maior se tornar a
população global, menos inteligente seremos, prevendo
uma queda aproximada de 8 pontos nos próximos cem
anos (figura 8.1) – isso se deve à tendência de que
pessoas mais inteligentes têm tido menos filhos, diluindo
a taxa de propagação genética dos QIs mais altos.
Outra justificativa para a queda do QI está relacionada
com a evolução da tecnologia: com o avanço
tecnossocial, a vida tem se tornado mais fácil e
segura, não requerendo melhorias de inteligência para
garantir a sobrevivência. Por exemplo, um erro de análise
durante a caça de animais para alimentação na pré-
história poderia significar a morte; hoje, um equívoco
durante uma compra no supermercado tende a ser
insignificante em nossas vidas. Algumas linhas mais
radicais acreditam que o auge da capacidade cognitiva
pura do ser humano (analisar, enfrentar e superar um
problema desconhecido) já aconteceu muito antes da
revolução digital – como defende o pesquisador Michael
Woodley e o biólogo Gerald Crabtree121. Isso faz sentido,
se considerarmos que o avanço tecnológico
gradativamente simplifica e facilita a nossa vida, ao
mesmo tempo em que, paradoxalmente, por outro lado,
também causa um aumento de complexidade no mundo
– o resultado é que o indivíduo passa a ter cada vez mais
dificuldade para conseguir compreender e dominar
sozinho os processos ao seu redor, criando segmentação
e especialização, diminuindo, consequentemente, a sua
visão holística e capacidade de solucionar problemas
inéditos.

Figura 8.2 – Gráfico representando o nível de


vocabulário e gramática (eixo vertical) dos
discursos dos presidentes americanos (eixo
horizontal), segundo estudo realizado pela
Universidade Carnegie Mellon, nos USA,
disponível em
https://www.cmu.edu/news/stories/archives/2
016/march/speechifying.html

Some-se a isso tudo a fragmentação, onipresença e


avalanche informacional a que estamos submetidos no
século XXI, dissipando e sobrecarregando a nossa
atenção122. A informação flui em pedaços cada vez
menores e fragmentados, que nos distraem
constantemente. Como consequência, a nossa atenção
diminui, e para conseguir nos seduzir, a produção de
conteúdo informacional tem buscado ser cada vez mais
simples e fácil de entender – como resultado, pensamos
cada vez menos123. Não é à toa que a música tem se
tornado mais homogênea e menos complexa124 e que o
vocabulário e a gramática dos discursos políticos têm se
nivelado com os das conversas de crianças125, como
mostrado na figura 8.2.
Some-se a isso que a sobrecarga informacional disparada
pela era digital foi sabotando também, de forma invisível,
a nossa tomada de decisão126. A multiplicação
exponencial de possibilidades (variedade) e quantidade
(volume) das opções que se apresentam em cada
instante impacta consideravelmente a capacidade que
temos disponível a cada momento para fazer análises e
tomar decisões. Paradoxalmente, o aumento de
possibilidades de escolha não melhora a nossa decisão,
ao contrário, piora, pois sobrecarrega a nossa capacidade
cognitiva de decidir127.
Ao contrário do que se imagina, a capacidade de decisão
humana não é um fator constante no nosso organismo,
mas uma habilidade que diminui conforme a vamos
utilizando – efeito denominado “Fadiga de Decisão”.
Quanto mais decisões somos obrigados a tomar ao longo
do dia, mais debilitados vamos ficando para tomar novas
decisões, pois cada uma delas consome um pouco da
nossa força de vontade disponível, diminuindo (e,
eventualmente, esgotando) o seu estoque para ser usado
nas próximas. Esse processo prejudica a nossa habilidade
de julgamento e ação ou, em outras palavras,
compromete o pensamento crítico.
Assim, uma série de evidências parece suportar a
polêmica constatação de Umberto Eco em 2015, de que
“as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”128,
apontando para algo que provavelmente está na raiz de
inúmeros problemas atuais: em média, estamos
regredindo intelectualmente. Vivemos a era dos
distraídos, a era da polarização, a era da estupidez. No
entanto, na era das máquinas, da incerteza e da
aceleração da mudança, para sobreviver e sermos
sustentáveis e relevantes, precisamos, cada vez mais, de
foco, união e pensamento crítico. Vamos a ele, então.

PENSAMENTO CRÍTICO
Apesar de estarem intimamente relacionados,
pensamento crítico não é sinônimo de inteligência –
enquanto a inteligência fornece um conjunto de
habilidades cognitivas que permitem pensar
racionalmente para alcançar uma meta, o pensamento
crítico é a disposição e a capacidade de usar essas
habilidades cognitivas. Por serem recursos
extremamente valiosos para o sucesso de um indivíduo,
a busca por melhorias nos níveis de inteligência e
pensamento crítico é o santo graal para o futuro.
Sabemos que existem formas para se ampliar tanto um
quanto o outro, e que a tecnologia pode ser um deles. No
entanto, melhorar a inteligência natural é mais difícil,
pois ela tem raízes fortes na genética129. O pensamento
crítico, por outro lado, pode ser mais facilmente
ampliado, pois pode ser ensinado e praticado, já que
suas raízes estão na educação e cultura.
Assim, o pensamento crítico é a disciplina no uso das
habilidades cognitivas da inteligência focada em metas
específicas – consiste em metodologia para capturar
dados (observação, experiência, expressão verbal ou
escrita, argumentos) com a melhor qualidade possível,
para formar julgamento (análise) e gerar ação
(mudança para alcançar a meta). Em outras palavras, o
pensamento crítico utiliza as capacidades da inteligência
para funcionar, mas utiliza muitos elementos adicionais
além dela.
Por isso o pensamento crítico é tão importante: como ele
é o processo de obter, selecionar e analisar dados, ele
afeta a forma como enxergamos e julgamos
qualquer coisa para fundamentar a tomar decisão.
Assim, quanto melhor for o pensamento crítico, melhores
tendem a ser também as decisões tomadas.
Para ilustrar a relação entre pensamento crítico e tomada
de decisão, podemos usar uma analogia culinária, em
que o pensamento crítico funcionaria como a criação de
uma receita e a tomada de decisão seria a preparação do
prato. Para criar a receita, o chef analisa os ingredientes,
avaliando cada opção, ponderando sobre as suas
propriedades, combinações e técnicas, sempre buscando
os melhores resultados e sendo aberto a aprender com
experiências. Ele pondera sobre os elementos
nutricionais, estéticos e gustativos de cada ingrediente,
equilibrando-os para criar uma experiência culinária que
seja ao mesmo tempo saborosa e atraente. Ele pesquisa,
experimenta, prova e ajusta, mantendo um ciclo de
aprendizagem constante para desenvolver a receita
perfeita (pensamento crítico). A tomada de decisão é
simbolizada pelo momento em que a receita é colocada
em prática na preparação do prato, quando o chef decide
sobre os detalhes práticos do processo. Ele escolhe entre
os ingredientes disponíveis, ajusta o tempo e a
temperatura de cozimento conforme necessário e resolve
imprevistos que surgem durante o processo de
preparação do prato. Essas decisões são guiadas pela
receita (que foi criada com pensamento crítico) e
moldadas pela habilidade, experiência e intuição do chef
durante o processo de execução. Portanto, a preparação
do prato (tomada de decisão) utiliza as análises feitas na
criação da receita (pensamento crítico) para permitir a
escolha dos melhores ingredientes e métodos, colocando
em prática a sua execução de forma estratégica e
ponderada para produzir um prato que seja tanto uma
experiência sensorial quanto uma expressão de escolhas
bem ponderadas e executadas. Assim, o pensamento
crítico orienta e informa a tomada de decisão para obter
os melhores resultados possíveis na execução.
Como o pensamento crítico afeta, direta e indiretamente,
todas as nossas escolhas durante a vida, pensar
criticamente ajuda não apenas a desenvolver habilidades
e se preparar para o futuro, mas pode favorecer também
o bem-estar e longevidade130 dos seus praticantes.
Como exemplo, compilamos na figura 8.3 alguns dos
benefícios da aplicação do pensamento crítico em várias
dimensões da vida.

ÁREA PENSAMENTO CRÍTICO APLICADO


ÁREA PENSAMENTO CRÍTICO APLICADO
Decisões de saúde: avaliar
informações e fazer escolhas
Estilo de vida saudável: avaliar
1. SAÚDE
práticas de vida
Prevenção de doenças: avaliar
práticas preventivas e conscientes
Resolução de problemas: resolver
para reduzir estresse
Controle emocional: encontrar
2. GESTÃO DE ESTRESSE
soluções racionais
Autoconsciência: entender e gerir
melhor o próprio estresse
Comunicação: melhorar para relações
saudáveis
3. RELAÇÕES SOCIAIS Empatia: melhorar interações
Conflito: resolver conflitos de maneira
justa e equilibrada
Investimentos: tomar decisões
financeiras críticas
Planejamento financeiro: pensar e
4. SEGURANÇA FINANCEIRA
planejar a longo prazo
Orçamento: criar e gerir um orçamento
eficaz
Carreira: tomar decisões para
desenvolvimento
5. DESENVOLVIMENTO Aprendizado contínuo: associar a
PESSOAL E PROFISSIONAL desenvolvimento
Habilidades: identificar e desenvolver
habilidades pertinentes
Avaliação de riscos: avaliar e tomar
medidas
6. PREVENÇÃO E GESTÃO DE Adaptabillidade: Permitir adaptação
RISCOS fluida
Preparação: preparar-se
adequadamente para eventualidades

Figura 8.3 – Tabela que ilustra alguns dos benefícios do Pensamento crítico
em várias dimensões das nossas vidas, favorecendo o desenvolvimento
pessoal e profissional.
ÁREA PENSAMENTO CRÍTICO APLICADO
Conscientização: envolver-se de
maneira crítica
Contribuição social: contribuir
7. PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
positivamente
Advocacia: defender causas de maneira
informada e eficaz
Consciência ambiental: avaliar e
adotar práticas
8. CUIDADO COM O Escolhas sustentáveis: tomar
AMBIENTE decisões conservacionistas
Advocacia ambiental: promover
causas ambientais
Bem-estar mental: refletir para
estratégias mentais
Escolhas de vida: fazer escolhas
9. AUTOCUIDADO
promovendo bem-estar
Gestão de tempo: gerir o tempo de
maneira eficiente

Figura 8.3 – Tabela que ilustra alguns dos benefícios do Pensamento crítico
em várias dimensões das nossas vidas, favorecendo o desenvolvimento
pessoal e profissional.

DESENVOLVENDO O PENSAMENTO CRÍTICO


Inúmeras disciplinas e técnicas estão envolvidas no
desenvolvimento e aprimoramento do pensamento
crítico, no entanto podemos estruturá-las em cinco
pilares: questionamento, superação de vieses
cognitivos, persuasão racional, repertório e
valores. No próximo capítulo, discutiremos como
desenvolver cada um desses pilares para melhorar o
pensamento crítico.
PENSANDO CRITICAMENTE
CAPÍTULO 9
“Pensar é o trabalho mais difícil que existe.
Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele.”
HENRY FORD

C onsiderando os cinco pilares do pensamento crítico


apresentados no capítulo anterior – questionamento,
superação de vieses cognitivos, persuasão racional,
repertório e valores –, podemos dizer, em uma analogia
ilustrativa, que o motor do pensamento crítico é a persuasão
racional, que funciona alimentada pelo combustível do
questionamento e do repertório, balizados pela superação de
vieses cognitivos e pelos valores do indivíduo (figura 9.1).

Figura 9.1 – Imagem representativa do


funcionamento dos pilares do pensamento crítico.

QUESTIONAMENTO
O questionamento, juntamente com o repertório, é o alimento
do pensamento crítico. Por um lado, o repertório funciona como
um depósito interno disponível, por outro, o questionamento
atua como uma fonte de obtenção e descobrimento de novos
ingredientes e possibilidades de nutrientes. O repertório se
forma pelo acúmulo de conhecimentos, experiências,
informações que vamos adquirindo ao longo da vida, ao passo
que o questionamento precisa ser acionado para funcionar. Isso
acontece por meio de duas chaves que atuam em direções
opostas e complementares: o ceticismo e a curiosidade.
Enquanto a curiosidade refere-se à inquietação de querer ir
além do conhecimento existente, arriscando em direção ao
desconhecido, explorando e descobrindo o novo, o ceticismo,
por sua vez, se concentra em desafiar todo e qualquer
conhecimento — adquirido ou já estabelecido –, refinando-o, e
eventualmente, nessa exploração de depuração do
descobrimento, também descobre o novo. Em outras palavras, a
curiosidade motiva o questionamento para nos oferecer novas
perspectivas para saber mais, enquanto o ceticismo nos
instiga a refinar estas e todas as demais perspectivas para
saber melhor.
O ceticismo é uma postura filosófica que envolve uma atitude
de dúvida ou descrença em relação ao conhecimento,
informações ou afirmações que são geralmente aceitas. Essa
visão não se restringe a uma dúvida geral, mas, sim, a uma
abordagem crítica e questionadora sobre a possibilidade de
conhecimento genuíno ou absoluto em diferentes contextos.
Algumas características centrais do ceticismo são:
questionamento constante131, investigação132,
fundamentação133, verificação134 e suspensão do juízo135.
Assim, o ceticismo não é a atitude de não se acreditar em nada,
e sim o questionamento para validar (ou não) pensamentos,
fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Nesse sentido, o
ceticismo demanda evidências que suportem as crenças,
evitando tentativas falaciosas de persuasão. O ceticismo,
portanto, para filtrar informações para o pensamento crítico,
depende, fundamentalmente, da capacidade de perguntar.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a pergunta nos
permite praticar o ceticismo para filtrar, ela é também o
instrumento fundamental da curiosidade. É por meio da
pergunta que a curiosidade se manifesta. Portanto, a pergunta é
tanto as asas que nos permitem voar em direção ao risco do
desconhecido, quanto os pés que nos mantêm no chão,
trilhando no solo seguro da realidade.
Perguntar, portanto, é o primeiro passo tanto para ampliarmos
quanto validarmos o nosso mundo. A pergunta desafia o
conhecido, o familiar, o consenso, buscando ir além, explorar
novas possibilidades, desafiar e descobrir novas verdades que
possam melhorar a nossa existência. No entanto, por meio das
perguntas, aprimoramos não apenas a aquisição de
conhecimentos e verificação de fatos, mas também: a
comunicação (iniciar um diálogo e manter uma conversa), a
reflexão (desafiar alguém ou a si mesmo a pensar mais
profundamente sobre algo), o ensino e a aprendizagem
(perguntas podem ser usadas para avaliar o conhecimento do
outro ou serem usadas como guia de aprendizado ajudando a
focar em pontos-chave), a negociação (além de formular
propostas, as perguntas permitem entender necessidades,
desejos e limitações de todas as partes envolvidas), a
performance (perguntas sobre desempenho e resultados
podem estimular feedbacks para ajustes e melhorias), o
autoconhecimento (perguntas autorreflexivas podem ajudar a
explorar os próprios pensamentos e sentimentos) e os
relacionamentos (perguntas podem: a) expressar interesse,
mostrando consideração pelos pensamentos, sentimentos e
experiências do outro; b) ser uma ferramenta para entender
melhor os sentimentos e perspectivas do outro, construindo
empatia; c) permitir que mais vozes sejam ouvidas, favorecendo
a inclusão; e d) incentivar as pessoas a participarem ativamente
de uma conversa, favorecendo o engajamento).
Portanto, desenvolver a habilidade de perguntar promove
ampliação e validação da realidade, aprendizado mais profundo
e relações interpessoais mais ricas e significativas, pois as
perguntas não apenas enriquecem o indivíduo como criam
também uma atmosfera de abertura e explorativa em
ambientes socais e profissionais. Assim, a arte de perguntar,
além de ser o combustível que alimenta o motor do
pensamento, tem também o poder de mudar as nossas vidas.
Nesse sentido, uma pergunta bem estruturada pode ajudar a
criar um questionamento mais eficaz. Para tanto, existem três
momentos importantes em uma pergunta: antes de perguntar,
formulação da pergunta (durante) e depois de perguntado.
Antes de formular uma pergunta, é necessário identificar o
seu objetivo (por que estou fazendo essa pergunta), a
informação que preciso obter (isso ajuda a decidir se a
pergunta deve ser aberta ou fechada) e formular a pergunta.
Por exemplo, meu objetivo é escolher um livro para estudar
inteligência artificial; a informação que eu preciso é qual o
melhor livro considerando o meu contexto atual de
conhecimento e necessidades para eu conseguir alcançar a
proficiência desejada (que poderia ser apenas me familiarizar
com o assunto ou me aprofundar em um conhecimento prévio
já adquirido). A pergunta ou a sequência de questionamento
deve alcançar esse objetivo, embasada em informações que
suportem a conclusão.
Depois da pergunta, é necessário estar disposto a receber
abertamente a resposta e organizá-la de forma a refletir,
validar, verificar se a informação obtida soluciona o objetivo
proposto etc., se traz novas possibilidades de soluções requer
uma mudança de abordagem, gerando uma nova pergunta.
Entre o antes e o depois, está o coração de uma pergunta: a sua
formulação. Nesse sentido, para ser eficiente, a pergunta
precisa ser estruturada, levando em consideração o objetivo e
as informações que busca (determinados anteriormente) e
contemplando as seguintes características:

Clareza – simplicidade136 e precisão.137


Relevância – pertinência138 e foco.139
Objetividade – direcionamento140 e intenção clara.141
Neutralidade – imparcialidade142 e abertura.143
Estrutura – pergunta aberta vs. fechada144, ordem
lógica.145
Respeito – sensibilidade146 e privacidade.147

Aqui, na estruturação da pergunta em busca de evidências para


fundamentar o pensamento, é importante ressaltar que a
prática do ceticismo deve ser amável, buscando um conflito
construtivo de ideias, perspectivas, fatos, informações para
revelar caminhos, e não confrontos. O uso de agressão,
violência ou polarizações, além de ineficiente, é também
contraprodutivo. Nesse sentido, o respeito é elemento
fundamental para não apenas para elaborar uma pergunta
humana, como também para a sua eficiência.
Para ilustrar como a formatação de uma pergunta impacta a sua
qualidade, exploramos na figura 9.2 alguns exemplos
comparativos de estruturação levando em conta esses
elementos. Considerando-se que uma “boa” estruturação de
uma pergunta depende de contexto, de objetivo, sequência de
questionamentos etc., estes exemplos descontextualizados têm
a finalidade apenas de ser um exercício de reflexão sobre a
estruturação da pergunta, e não um guia de aplicação.

JUSTIFICATIVA JUSTIFICATIVA
PERGUNTA PERGUNTA
EXEMPLOS POR QUE É POR QUE É
"BOA" "RUIM"
BOA RUIM
JUSTIFICATIVA JUSTIFICATIVA
PERGUNTA PERGUNTA
EXEMPLOS POR QUE É POR QUE É
"BOA" "RUIM"
BOA RUIM
Quais são as Fomenta a
atividades ou exploração de Você sabe Direta demais,
Explorar situações que paixões e qual é o pode intimidar,
PROPÓSITO DE você percebe propósitos por seu não incentiva
VIDA que lhe trazem meio de de propósito exploração
maior satisfação experiências de vida? profunda.
e por quê? pessoais
Quais
habilidades
você gostaria de
Motiva e Vaga e não
desenvolver
direciona para a focada em
para alcançar
ação e reflexão sobre
Desenvolvimento seus objetivos Você é bom
planejamento aprimoramento
de HABILIDADES profissionais e no que faz?
para ou
que ações
desenvolvimento desenvolvimento
práticas você
de habilidades. futuro.
pode realizar
para aprimorá-
las?
Promove
Como você acha
reflexão sobre o Pode intimidar,
que suas ações
impacto do induzir estado
e comunicação
comportamento Você acha de defesa, e não
afetam seus
e comunicação que é uma abre espaço
Melhorar relacionamentos
nas relações e pessoa fácil para explorar
e você vê áreas
encoraja de lidar? vulnerabilidades
em que poderia
pensamento ou áreas de
melhorar essas
sobre melhoria.
interações?
aprimoramento.
Como os meus
hábitos diários Binária e
Inpira avaliação
estão alinhados simplista, não
dos hábitos Você acha
com meus provoca uma
Melhorar diários e que seus
objetivos de reflexão
HÁBITOS reflexão sobre hábitos
longo prazo e o profunda ou
DIÁRIOS sua consistência diários são
que eu poderia consideração
(autorreflexiva) em relação aos bons ou
ajustar para me das implicações
objetivos de ruins?
aproximar mais de longo prazo
longo prazo.
desses dos hábitos.
objetivos?

Figura 9.2 – Tabela que ilustra alguns exemplos comparativos na forma de estruturar a
formulação de perguntas.
JUSTIFICATIVA JUSTIFICATIVA
PERGUNTA PERGUNTA
EXEMPLOS POR QUE É POR QUE É
"BOA" "RUIM"
BOA RUIM
Estimula pensar
Considerando de maneira
os meus prática e
É muito geral e
objetivos estratégica
não incentiva a
futuros, quais sobre o
Você está reflexão ou
são as desenvolvimento
PREPARAÇÃO se planejamento
competências e de competências
PARA O FUTURO preparando detalhado sobre
os recursos que e recursos para
(autorreflexiva) para o como a
preciso o futuro,
futuro? preparação para
desenvolver ou também
o futuro pode
adquirir, e como encoraja a
ser realizada.
posso fazer formulação de
isso? um plano de
ação.

Figura 9.2 – Tabela que ilustra alguns exemplos comparativos na forma de estruturar a
formulação de perguntas.

Note-se que, para se conseguir estruturar uma boa pergunta,


todos os demais pilares do pensamento crítico são
fundamentais. Por exemplo, na formatação da pergunta, os
pilares “busca pela superação de vieses cognitivos” e
“valores humanos” impactam os elementos neutralidade e
respeito. Os pilares “repertório” e “persuasão racional”
determinam a qualidade dos elementos clareza, relevância,
objetividade e estrutura. Por outro lado, perceba-se que o pilar
“questionamento” também é crucial para os demais pilares,
pois é por meio de perguntas que buscamos superar vieses
cognitivos, entender os valores humanos, ampliar o repertório e
a persuasão racional. Assim, todos os pilares do pensamento
crítico são intrinsecamente relacionados e interdependentes e
atuam, sempre, concomitantemente.
Nesse sentido, a pergunta é, paradoxalmente, tanto a origem
para o processo de pensamento crítico quanto dependente dele.
É necessário pensar criticamente para perguntar bem e, ao
mesmo tempo, é necessário perguntar bem para pensar
criticamente. Nesse ciclo “ovo-galinha”148, felizmente o que
importa não é quem vem primeiro – pensamento crítico ou
questionamento –, mas como um aprimora o outro. É por meio
do uso, da prática contínua entre perguntar e pensar
criticamente, que ambas as habilidades melhoram,
simultaneamente.
Nesse sentido, as tecnologias inteligentes podem auxiliar muito.
Logicamente, precisamos saber perguntar para utilizar uma IA
generativa, como o ChatGPT. No entanto, inúmeras ferramentas
de autopilotos inteligentes não apenas conduzem a
ramificações de possibilidades para ajudar a estruturar a
sequência de perguntas no sentido relevante para o objetivo a
alcançar, como também ajudam a pesquisar em bases de dados
e referências, aprimorando, assim, amplitude e meios de
validação das informações149. Esse processo muitas vezes
oferece rapidamente novos caminhos que não imaginaríamos
sozinhos, da mesma forma que um aplicativo de mapas sugere
rotas que não conhecíamos ou um buscador oferece respostas
adicionais que não imaginávamos. Desde que saibamos
perguntar e pensar criticamente, esses sistemas podem ser
instrumentos valiosos não apenas para melhorar o ciclo de
questionamento, como também para acelerá-lo, ampliando o
nosso potencial crítico. Isso ilustra como outras habilidades –
nesse caso, simbiodestreza tecnológica – beneficiam o
pensamento crítico.
Portanto, todas as outras habilidades também podem contribuir
para o questionamento, por exemplo, a criatividade (para gerar
ideias para opções de perguntas, combinações entre
possibilidades de caminhos durante o processo etc.),
adaptabilidade ágil (para ajustar rotas rapidamente durante o
questionamento e reflexões), colaboração (para conseguir obter
informações mais ricas e precisas, de perspectivas distintas),
resiliência (para conseguir permanecer nos trilhos durante os
vários impactos de análises e informações distintas no trem do
pensamento), humanidade (para garantir valores humanos e
sustentabilidade no processo), e assim por diante.
Utilizando-se de todos esses recursos – estruturação das
perguntas, habilidades, tecnologias etc. –, o ciclo de
questionamento alimenta um processo paradoxal de pensar –
ele permite, simultaneamente, convergir e divergir
criticamente o pensamento. Por um lado, ele nos conduz a um
aprofundamento no caminho específico para alcançar um
objetivo, enquanto, por outro, abre novas possibilidades de
caminhos. Por isso, para não nos perdermos no processo,
novamente precisamos dos demais pilares do pensamento
crítico: superação dos vieses cognitivos, persuasão racional,
repertório e valores humanos – que veremos na sequência.

REPERTÓRIO
Juntamente com o questionamento, o repertório é o combustível
que alimenta o pensamento crítico. No entanto, enquanto o
questionamento é um processo para aquisição e filtro de
conhecimento, o repertório, por sua vez, é o acúmulo de todas
as informações, experiências, conhecimentos, habilidades
e perspectivas que uma pessoa adquire ao longo da vida.
Quanto maior esse acúmulo, maior o repertório.
Sem um repertório rico e diversificado, o pensamento crítico se
torna limitado e superficial, pois o tamanho e a qualidade do
repertório funcionam como uma base sólida sobre a qual o
pensamento crítico é construído. Por mais que os demais
pilares funcionem perfeitamente – questionamento, persuasão
racional, superação de vieses cognitivos e valores humanos –,
se não tivermos repertório não temos como aplicá-los. O
repertório informa o pensamento crítico em vários níveis, e
quanto maior ele for, mais amplo se torna esse pensamento.
Assim, o repertório é o ingrediente secreto fundamental para a
melhoria do pensamento crítico.
Nesse sentido, a contribuição do repertório para pensar
criticamente acontece de várias formas:

1. Base para análise e reflexão: o repertório oferece um ponto


de referência para analisar novas informações ou
experiências. Pode-se comparar novas informações com o
que já se sabe, identificando semelhanças, diferenças,
inconsistências e padrões.
2. Diversidade de perspectivas: quanto mais amplo e
diversificado for o repertório, mais ele oferece múltiplas
perspectivas sobre um tópico ou questão. Isso é crucial para
avaliar situações de maneira abrangente e não unilateral.
3. Fomento a conexões: repertórios com conhecimentos em
diversas áreas favorecem a conexões entre ideias e
conceitos aparentemente não relacionados, levando a
insights e soluções inovadoras.
4. Ferramentas analíticas: quanto mais vasto o repertório, mais
ferramentas analíticas (como métodos de raciocínio,
técnicas de argumentação e modelos mentais) uma pessoa
tem à disposição para avaliar informações e argumentos.
5. Defesa contra manipulação: quanto mais amplo o repertório
de alguém, mais difícil se torna enganá-lo ou manipulá-lo
por argumentos falaciosos ou informações distorcidas. O
repertório atua como uma espécie de “filtro” interno para
discernir a qualidade e a veracidade das informações.
6. Estímulo à curiosidade: quanto mais se sabe, mais se
percebe o quanto ainda há para aprender. Quanto mais luz,
mais longe conseguimos enxergar a existência de
possibilidades a alcançar. Assim, um repertório diversificado
pode instigar a curiosidade, o que por sua vez leva a um
aprofundamento e expansão contínuos desse repertório.
7. Melhor compreensão de contexto: um repertório diversificado
e vasto ajuda a entender o contexto mais amplo de uma
determinada situação ou informação, e isso é crucial para
um pensamento crítico eficaz. Compreender o contexto
permite avaliar a relevância, aplicabilidade e implicações de
uma informação.

Além de embasar o pensamento crítico, o repertório também


influencia o modo como sentimos e mensuramos o mundo, pois
nas palavras de Anais Nin, “As coisas não são como elas são,
mas como nós somos”. Assim, o repertório estabelece as bases
daquilo “que somos”, para medirmos todo o resto, afetando a
nossa visão de mundo. Além disso, o repertório oferece também
os recursos que temos disponíveis parar atuar no mundo,
impactando a nossa performance.
Por isso, é essencial cultivar e expandir constantemente o
repertório. Nesse sentido, o questionamento, discutido
anteriormente, é uma das formas para adquirirmos, ampliarmos
e refinarmos o repertório, no entanto ele não é a única. O
estudo, a experiência e a convivência com pessoas
diferentes também são estratégias valiosas para criar e
enriquecer o repertório de um indivíduo ou grupo, podendo
abranger uma gama extensa de atividades:

Estudo – leitura diversificada (artigos, livros, jornais e


revistas de diferentes gêneros, autores e perspectivas),
cursos, educação continuada (oficinas, eventos educativos
etc.), documentários (questões históricas, sociais, culturais,
tecnológicas etc.), museus, música etc.
Experiência – viagens diversificadas (quanto mais diferente,
mais amplia as nossas perspectivas do mundo), hobbies,
instrumentos musicais, eventos culturais, filmes, séries,
cinemas, experimentar novos alimentos, novas
comunidades, novas tecnologias, novos contextos, novas
sensações, combinações, esportes, auto desafios,
entretenimento, museus, música, shows, espetáculos
variados etc.
Interação com a diversidade – por mais que questionemos,
estudemos e experimentemos tudo o que pudermos, o
nosso repertório, ainda assim, se torna limitado e
enviesado, pois a sua construção é determinada apenas
pelas nossas capacidades, experiências e vieses. No
entanto, quanto estabelecemos relações com pessoas de
diferentes culturas, origens, idades e perspectivas,
conseguimos ampliar o nosso repertório para experiências,
conhecimentos e percepções muito além dos nossos, sendo
essa, portanto, uma das melhores formas de enriquecer o
repertório. Isso contribui não apenas para o pensamento
crítico, mas também para ampliação do respeito humano,
criatividade e inovação. A interação com a diversidade pode
ser feita tanto por meio de estudos, experiências que
envolvam e abracem esse aspecto.

Portanto, ampliar e enriquecer o repertório é uma jornada


contínua de aprendizado e descoberta. Expandir o repertório é
um investimento contínuo em si mesmo. Com um esforço
consciente e a atitude certa, é possível melhorar
constantemente o repertório e, consequentemente, a
capacidade de compreensão e pensamento crítico.

PERSUASÃO RACIONAL
Enquanto o questionamento e o repertório estabelecem os
recursos para “capturar, perceber e experimentar” o mundo, a
persuasão racional, por sua vez, fornece o mecanismo de
processamento do pensamento para “examinar a vida” na
busca de conhecimento e compreensão, para alcançar a
verdade. Esse processo depende intrinsecamente de três
disciplinas intimamente relacionadas: a lógica, a argumentação
e a retórica. Elas trabalham juntas na estruturação e
apresentação de ideias, processos fundamentais para pensar
criticamente.
A argumentação combina a lógica rigorosa (para garantir
que os argumentos sejam válidos e sólidos) com a retórica
eficaz (para apresentar esses argumentos de maneira
convincente ao público-alvo). Assim, a lógica pode ser vista
como a espinha dorsal do argumento, enquanto a retórica é a
pele que o reveste, tornando-o atraente. Sem a lógica, o
argumento não faz sentido e se torna fraco; sem retórica, o
argumento não se revela e se torna inútil.
Juntas, a lógica, a argumentação e a retórica são os
instrumentos para desenvolver e apresentar argumentos
persuasivos e bem fundamentados. Vamos a elas, então.

ARGUMENTAÇÃO
A argumentação é alma do pensamento crítico. Ela se
alimenta pelo questionamento e repertório, se estrutura por
meio da lógica e se apresenta através da retórica. É por meio
dela que ocorre o processo de embate e refinamento de
ideias e posições que possibilitam a melhoria do pensar.
Argumentar é a arte de influenciar ou convencer combinada
com a ciência de persuadir alguém em direção a uma
determinada posição ou ponto de vista, por meio de razões ou
evidências. Para isso, a argumentação se concentra tanto na
validade lógica dos argumentos quanto em como eles
podem influenciar ou convencer outras pessoas. Nesse
sentido, qualquer área que envolva discussão de ideias se
beneficia do domínio da argumentação, como retórica, direito,
comunicação, política e filosofia.
Para dominar a argumentação, é necessário entender os
elementos que a fundamentam e saber aplicá-los de forma
eficaz. Esses elementos dialogam tanto com a lógica quanto
com a retórica, portanto, para construir uma boa argumentação,
é preciso dominar tanto uma, quanto a outra. São eles:

1. Tese ou afirmação: trata-se do ponto central ou da ideia


principal que se deseja defender ou contra a qual se deseja
argumentar. (Exemplo: “A adoção de IA em empresas é
essencial para melhorar a eficiência e manter a
competitividade no mercado atual.”)
2. Evidências ou dados: são fatos, estatísticas, exemplos ou
testemunhos que sustentam a tese. Eles fornecem a base
para a argumentação e devem ser relevantes e confiáveis.
(Exemplo: “De acordo com o Instituto de Pesquisa em
Tecnologia, empresas que implementaram IA viram um
aumento de 10% na produtividade e uma redução de 15%
nos custos operacionais.”)
3. Raciocínio ou lógica (retórica – logos150): é a conexão
estabelecida entre a tese e as evidências. Uma
argumentação eficaz deve seguir uma lógica coerente, sem
incorrer em falácias ou erros de raciocínio. (Exemplo: ”Se a
IA pode aumentar a produtividade e reduzir custos,
empresas que a adotam estarão em uma posição mais forte
para competir e prosperar no mercado.”)
4. Contra-argumentos: São as objeções ou pontos levantados
por opositores ou críticos da tese. Reconhecer e refutar
contra-argumentos fortalece a argumentação. (Exemplo:
“Muitos alegam que a IA pode resultar em perda de
empregos. No entanto, a história mostra que a tecnologia
frequentemente transforma empregos em vez de eliminá-
los, criando novas oportunidades no processo.”)
5. Credibilidade (retórica – ethos): refere-se à confiabilidade e
autoridade do argumentador (orador, escritor etc.).
Estabelecer credibilidade é fundamental para persuadir o
outro. (Exemplo: “Trabalhando como cientista de dados por
mais de uma década, observei a transição de empresas
manualmente intensivas para operações otimizadas por
IA.”)
6. Apelo emocional (retórica – pathos): embora a lógica seja
central para a argumentação, apelos emocionais também
podem ser eficazes, especialmente quando se busca
persuadir o outro. Histórias pessoais, exemplos tocantes e
linguagem emotiva são formas de apelo emocional.
(Exemplo: “Imagine um mundo onde tarefas repetitivas são
automatizadas, permitindo que os funcionários se
concentrem em tarefas mais significativas e criativas,
elevando o potencial humano a novos patamares.”)
7. Conclusão: é o fechamento da argumentação, quando o
argumentador reafirma sua tese, resume seus principais
pontos e, por vezes, faz um apelo à ação. (Exemplo:
“Considerando os claros benefícios em eficiência e os novos
horizontes que a IA abre para os trabalhadores, é
imperativo para as empresas adotarem essa tecnologia.”)
8. Claridade e estrutura: a clareza na apresentação dos
argumentos e uma estrutura lógica são essenciais para que
o público compreenda e seja persuadido. Isso envolve uma
organização cuidadosa das ideias, uso de transições claras e
linguagem compreensível. (Exemplo: “Para compreender o
impacto da IA nas empresas, vamos examinar primeiro os
benefícios em termos de produtividade, em seguida, os
aspectos econômicos, e finalmente discutir as implicações
para a força de trabalho.”)
9. Reconhecimento das limitações: em uma argumentação
honesta e robusta, é importante reconhecer as limitações
do próprio argumento ou as áreas em que há incerteza.
(Exemplo: “É válido reconhecer que a implementação inicial
da IA pode ser dispendiosa e que existe uma curva de
aprendizado para os funcionários. Entretanto, o retorno
sobre o investimento no longo prazo e a adaptabilidade do
mercado de trabalho são evidentes.”)
10. Evitar falácias: como visto anteriormente, as falácias são
erros ou enganos no raciocínio que podem enfraquecer a
argumentação. Exemplos incluem generalizações
apressadas, ataques pessoais (ad hominem) e apelos à
popularidade. (Exemplo de falácia (para ilustrar o que
evitar): “Todas as grandes empresas estão adotando IA,
então se você não adotar, sua empresa ficará obsoleta.”
Exemplo de correção da falácia: “Muitas empresas líderes
estão adotando IA devido aos benefícios tangíveis que ela
oferece em eficiência e inovação.”)

A construção de uma boa argumentação, portanto, requer a


estruturação lógica, persuasiva e atraente, que depende da
coordenação desses vários elementos. Para facilitar esse
processo, existem modelos que auxiliam na estruturação dos
elementos, como os apresentados nas figuras 9.3 e 9.4.
Figura 9.3 – Modelo para a construção de uma
argumentação, estruturando os seus elementos.
Fonte: adaptado pela autora combinando vários
modelos existentes.

Figura 9.4 – Modelo para a construção de uma


argumentação, estruturando os seus elementos em
camadas. Fonte:
https://www.slideshare.net/idefeo/writing-building-
anargument2013
Note-se que a argumentação é um processo vivo, que se
transforma conforme novas evidências se apresentam. Portanto,
a melhor forma de dominar a arte da argumentação é por meio
da prática e reflexão contínua, com uma mentalidade aberta
para receber feedbacks e disposição para ajustar e aprimorar os
argumentos conforme necessário.

LÓGICA
A lógica é o estudo dos princípios de validade do raciocínio com
o objetivo de garantir que, a partir de certas premissas ou
observações, as conclusões sejam corretamente deduzidas ou
inferidas. Nesse sentido, a função da lógica é promover a
clareza, a consistência e a validade no pensamento e no
raciocínio. Para tanto, ela fornece métodos para: avaliar
argumentos, resolver problemas de forma sistemática,
identificar falácias151, comunicar efetivamente e evitar
contradições. Dessa forma, ela nos ajuda a pensar de maneira
ordenada e racional, estruturando o pensamento.
A lógica formal se fundamenta em três conceitos básicos
principais: premissas, conclusão e verdade. As premissas
são as afirmações ou declarações iniciais em um argumento.
Elas são usadas como evidência para apoiar a conclusão. Por
exemplo, em um argumento como ”Todos os seres humanos são
mortais, Sócrates é um ser humano, portanto, Sócrates é
mortal”, as duas primeiras partes (”Todos os seres humanos são
mortais” e ”Sócrates é um ser humano”) são as premissas. A
conclusão é a afirmação que se segue logicamente das
premissas em um argumento. É a ideia que você está tentando
estabelecer com base nas premissas. No exemplo, “Sócrates é
mortal” é a conclusão. Já a verdade diz respeito à realidade das
afirmações individuais, ou seja, se as premissas e a conclusão
são factualmente verdadeiras. Em um argumento válido, se
todas as premissas são verdadeiras, então a conclusão também
é verdadeira, por exemplo em: “Todos os pássaros têm asas. O
pardal é um pássaro. Portanto, o pardal tem asas”. No entanto,
quando uma ou mais premissas forem falsas, a conclusão pode
não ser verdadeira, como em: “Todas as aves voam. A avestruz
é uma ave. Portanto, a avestruz voa” – nesse caso, a premissa
falsa que levou a uma conclusão não verdadeira é a de que
“Todas as aves voam”.
Esses conceitos básicos são regidos pelas leis da lógica,
princípios fundamentais que governam o raciocínio válido.
Algumas leis importantes incluem a Lei do Terceiro Excluído
(algo é verdadeiro ou falso, sem meio-termo), o Princípio da
Identidade (uma coisa é igual a si mesma), o Princípio da
Não Contradição (uma proposição não pode ser verdadeira e
falsa ao mesmo tempo) e a Lei da Dupla Negação (negar
duas vezes é o mesmo que afirmar). A tabela da figura 9.5
apresenta alguns exemplos de aplicação dessas leis.

LEI DA LÓGICA EXEMPLOS


“Este objeto é um carro ou não é um carro.”
Lei do Terceiro
“O evento ocorrerá amanhã ou não ocorrerá amanhã.”
Excluído
“A afirmação é verdadeira ou falsa, não há meio-termo.”

“Este é o mesmo livro que eu li ontem.”


Princípio da “João é João, e Maria é Maria.”
Identidade “Um círculo é um círculo; ele não se transforma em um
triângulo.”

“Este objeto não pode ser redondo e quadrado ao mesmo


tempo.”
Princípio da Não
“Uma afirmação não pode ser verdadeira e falsa ao
Contradição
mesmo tempo em relação ao mesmo fato.”
“Um número não pode ser ímpar e par ao mesmo tempo.”
Negar que “não está chovendo é o mesmo que dizer “está
Lei da Dupla
chovendo”.
Negação
Não querer “não comer” é o mesmo que “querer comer”.

Figura 9.5 – Tabela que apresenta leis da lógica com exemplos.


Para se fundamentar, a lógica conta com vários métodos, sendo
os mais comuns: a dedução (processo que parte de premissas
gerais para chegar a conclusões específicas), a indução (parte
de observações ou casos específicos para inferir uma regra ou
princípio geral), a extrapolação (estimativa de um valor ou
conclusão baseada em informações conhecidas, estendendo a
tendência observada), abdução (infere a explicação mais
provável ou mais simples para um conjunto de observações ou
fatos) e analogia (raciocínio que infere que, se duas coisas são
semelhantes em um aspecto, elas provavelmente são
semelhantes em outros). A tabela da figura 9.6 traz exemplos
de cada um desses métodos e os contextos em que são úteis.

Método Observação / Conclusão Aplicação


premissas
DEDUÇÃO 1. Todos os O cachorro tem É o pilar da lógica formal e
mamíferos têm espinha dorsal. é amplamente utilizado em
espinha dorsal. matemática e filosofia.
2. O cachorro é
um mamífero.

Figura 9.6 – Tabela que apresenta alguns dos métodos lógicos mais comuns.
Método Observação / Conclusão Aplicação
premissas
INDUÇÃO152 Exemplo 1: Todos os Utilizado em ciências
Pássaros pássaros sabem empíricas para generalizar
observados voar a partir de observações
1. Pássaro A (generalização). particulares.
sabe voar.
2. Pássaro B O sol sempre
sabe voar. nasce no leste
3. Pássaro C (generalização).
sabe voar.

Exemplo 2:
Nascimento do
sol
1. O sol nasceu
no leste todos os
dias de minha
vida.
2. O sol nasceu
no leste para
todos os dias
registrados na
história.
EXTRAPOLAÇÃO Nos últimos 5 Se essa Amplamente utilizada em
anos, as vendas tendência previsões com base em
de um produto continuar, as tendências observadas.
aumentaram vendas
10% a cada ano. aumentarão
10% no próximo
ano.
ABDUÇÃO Há migalhas de Alguém comeu Útil em contextos de
biscoito na sala e biscoitos formulação de hipóteses e
a lata de recentemente. diagnósticos em ciências e
biscoitos está medicina.
aberta.
ANALOGIA 1. Os humanos Cães e gatos Usada em argumentos e
precisam de também hipóteses, mas também é
água para viver. precisam de um elemento central em
2. Cães e gatos água para viver. áreas como retórica e
são psicologia cognitiva.
biologicamente
semelhantes aos
humanos.

Figura 9.6 – Tabela que apresenta alguns dos métodos lógicos mais comuns.

A fundamentação lógica ajuda a entender como os argumentos


são estruturados, avaliados e analisados de forma a fazer
sentido. Por isso, a lógica pode ser usada em qualquer campo
da vida humana, desde a matemática, linguística e ciências
computacionais até as brincadeiras de criança – um quebra-
cabeças é montado por meio da conexão lógica entre seus
elementos, um jogo só pode ser jogado a partir da lógica das
suas regras, e assim por diante.
No entanto, apesar da sua importância e vasto campo de
aplicação, o domínio da lógica pode ser desafiador. As principais
razões para isso são: sua natureza abstrata153, uso de símbolos
e notações154, contraintuitividade155, complexidade
crescente156, pensamento rígido157, vieses cognitivos158,
diferentes sistemas lógicos159, aplicações na vida real160 etc.
Embora desafiadora, a lógica oferece ferramentas poderosas
para a análise e compreensão de argumentos, decisões e
sistemas complexos. E, como qualquer habilidade, a proficiência
em lógica pode ser desenvolvida com estudo, prática e
persistência. Nesse sentido, existem inúmeros testes de lógica
online, como os que podem ser acessados pelos QRcodes da
figura 9.7.

Figura 9.7 – QRcodes de acesso a testes de lógica


online, disponíveis respectivamente em:
https://www.todamateria.com.br/raciocinio-logico-
exercicios/ ,
https://www.todacarreira.com/questoes-raciocinio-
logico/ e https://www.todamateria.com.br/teste-de-
raciocinio-logico/

RETÓRICA
A retórica161 juntamente com a gramática e a lógica compõem
as três artes antigas do discurso que se complementam para
estruturar a linguagem: a lógica se ocupa da validade dos
argumentos; a gramática diz respeito às regras e estruturas que
governam a língua; e a retórica se concentra em como as
palavras e os argumentos são usados para influenciar, cativar
e convencer um determinado público. A retórica, portanto, é
conhecida também como a arte da persuasão.
Para ser bem-sucedida, a persuasão retórica precisa se
fundamentar com argumentos lógicos e evidências
convincentes. Portanto, argumentação e retórica estão
interligadas para alcançar uma comunicação persuasiva eficaz,
desempenhando papéis importantes em várias áreas do
conhecimento, incluindo filosofia, matemática, comunicação,
direito, política e muitos outros.
A relação simbiótica entre retórica e a argumentação
funciona como uma fogueira, de forma que a argumentação é
o fogo, e a retórica é a lenha que faz o fogo aparecer. A
argumentação não consegue se revelar sem a retórica, da
mesma forma que o fogo não se manifesta sem a lenha. A
retórica, por sua vez, como a lenha que sem o fogo não gera
fogueira, se torna vazia162, manipulativa163 ou exclusivamente
estilística164 sem a argumentação.
Para ilustrar a interdependência entre retórica e argumentação,
apresentamos na tabela da figura 9.8 três exemplos de
variações de combinações entre retórica e argumentação para
uma mesma afirmação.
Afirmação: “Todos deveriam adotar um estilo de vida mais
sustentável.”

VARIAÇÃO RETÓRICA ARGUMENTAÇÃO

Figura 9.8 – Exemplos de possíveis variações de retórica e argumentação para uma


mesma afirmação.
VARIAÇÃO RETÓRICA ARGUMENTAÇÃO
1 “Para garantir um futuro brilhante para nossos Estilos de vida
filhos e netos, todos nós devemos adotar um estilo insustentáveis
de vida mais sustentável. O planeta é nossa casa, levam à
e é nosso dever protegê-lo.” degradação
ambiental.

Mudança climática
é causada pela
atividade humana.

Práticas
sustentáveis
reduzem nossa
pegada ecológica.
2 “Nossa Terra é um presente precioso que nos foi Recursos naturais
dado. Se quisermos que as gerações futuras são finitos.
desfrutem de suas maravilhas, todos nós
precisamos adotar um estilo de vida mais Perda de
sustentável agora.” biodiversidade
ameaça
ecossistemas.

Investir em
energia renovável
cria empregos.
3 “Imagine um mundo onde o ar é puro, os oceanos Poluição do ar
estão limpos e a natureza floresce em harmonia. relacionada a
Esse sonho pode se tornar realidade se todos nós problemas de
adotarmos um estilo de vida mais sustentável.” saúde.

Oceanos estão se
tornando mais
ácidos.

Comunidades
sustentáveis são
mais resilientes.

Figura 9.8 – Exemplos de possíveis variações de retórica e argumentação para uma


mesma afirmação.

Aristóteles, filósofo grego e um dos retóricos mais influentes da


antiguidade, classificou os recursos retóricos em três categorias
principais, conhecidas como os “modos de persuasão”. São
eles: ethos, pathos e logos (figura 9.9).
Figura 9.9 – Modos de persuasão da retórica.

Ethos (caráter) refere-se à credibilidade ou caráter do orador.


Aristóteles acreditava que a confiança do público no orador é
crucial para a persuasão. Ethos é estabelecido mostrando
conhecimento, experiência, honestidade e boa intenção. Um
orador com forte ethos é visto como confiável e respeitável, o
que torna sua argumentação mais persuasiva.
Pathos (emoção) envolve apelar para as emoções do público.
Aristóteles entendia que as emoções têm um papel significativo
na tomada de decisões. Ao despertar sentimentos como
compaixão, medo, raiva, ou alegria, o orador pode influenciar as
atitudes e ações do público. Pathos é frequentemente alcançado
por meio do uso de histórias, metáforas, linguagem emotiva e
exemplos vívidos.
Logos (lógica) refere-se ao uso da lógica e da razão para
persuadir. Isso inclui a apresentação de fatos, estatísticas,
argumentos lógicos e evidências para apoiar o ponto de vista do
orador. Uma argumentação bem fundamentada e lógica pode
convencer o público da validade das afirmações do orador.
Além desses três modos principais de persuasão, Aristóteles
também enfatizava a importância da kairos, que é o timing e a
oportunidade. Isso envolve escolher o momento certo para fazer
um argumento e adaptar a mensagem às circunstâncias
específicas.
A tabela da figura 9.10 apresenta exemplos ilustrativos de uso
dos recursos retóricos ethos, pathos e logos.

MODO DE
SITUAÇÃO EXEMPLO
PERSUASÃO
“Como médica com mais de 20 anos de experiência
Uma médica
no campo da imunologia, e tendo trabalhado
falando sobre
diretamente com a formulação de vacinas, posso
ETHOS a importância
assegurar-lhes que a vacinação é um método seguro
(caráter) da vacinação
e eficaz para prevenir doenças graves. Minha
em uma
dedicação à saúde pública tem sido a força motriz do
conferência.
meu trabalho.”
“Imagine o mundo que estamos deixando para nossos
Um ativista
filhos se não agirmos agora. Um mundo onde as
ambiental
praias que amamos desaparecem, onde incêndios
discursando
PATHOS florestais consomem casas e sonhos, e onde as
em um
(emoção) espécies que encantam nossos corações se
evento sobre
extinguem para sempre. Podemos sentir a dor dessas
as mudanças
perdas e devemos canalizar essa emoção para ação
climáticas.
imediata.”
“De acordo com a análise de dados dos últimos dez
Um anos, há uma correlação direta entre o investimento
economista em educação e o crescimento econômico. Países que
LOGOS apresentando aumentaram os gastos em educação em 5% viram
(lógica) um novo um crescimento do PIB de pelo menos 2% no ano
plano seguinte. Portanto, nosso plano propõe aumentar o
econômico. orçamento da educação como um investimento
estratégico para estimular a economia.”

Figura 9.10 – Exemplos de uso dos modos de persuasão da retórica: ethos, páthos e
logos. Fonte: elaborada pela autora

Esses recursos retóricos fornecidos por Aristóteles são


essenciais na arte da persuasão e continuam sendo
amplamente estudados e aplicados na retórica contemporânea.
Eles fazem parte dos cinco elementos estruturais165 que
fundamentam o discurso, conhecidos como os cinco cânones da
retórica: invenção (inventio), arranjo (dispositio), estilo
(elocutio), memória (memoria) e entrega (pronuntiatio ou actio).
Invenção (ethos, pathos e logos) é o processo de
desenvolver argumentos. Envolve a seleção e organização
de ideias, fatos e argumentos para persuadir o público.
Aqui, o orador ou escritor decide sobre o que falar, coleta
informações e exemplos relevantes e estabelece os
principais pontos a serem discutidos.
Arranjo refere-se à organização e estruturação do discurso
ou texto. Isso inclui a decisão sobre como apresentar a
argumentação, a ordem dos pontos a serem discutidos e a
divisão em introdução, corpo e conclusão. Uma boa
disposição ajuda a garantir que a mensagem seja
transmitida de forma clara e lógica.
Estilo é a escolha de palavras, estilo e ornamentos retóricos
(como metáforas, analogias, alusões etc.) para tornar o
discurso ou texto mais persuasivo, atraente e memorável. A
elocução envolve o uso eficaz da linguagem para impactar o
público emocional e intelectualmente.
Memória tradicionalmente referia-se à memorização do
discurso. No contexto moderno, pode ser interpretado como
a familiarização profunda com o conteúdo, de modo que o
orador ou escritor possa apresentá-lo com confiança e sem
depender inteiramente de notas ou roteiros.
Entrega refere-se à entrega do discurso. Inclui aspectos
como tom de voz, entonação, ritmo, linguagem corporal,
contato visual e uso de gestos. Uma boa pronúncia ajuda a
transmitir emoção, ênfase e convicção.

A estrutura linguística do discurso é definida pela invenção,


arranjo e estilo, enquanto a expressão oral do discurso é
trabalhada na memória e entrega.
Para ser eficiente, os modos de persuasão e os elementos
estruturais da retórica devem levar em consideração as
características do público, do contexto e do meio de
comunicação usado na mensagem. Para exemplificar como
esses elementos podem ser estruturados em função do público,
apresentamos na tabela da figura 9.11 exemplos de variações
retóricas para o tema “preservação ambiental”, considerando a
mensagem para crianças ou adultos.
Aqui está a tabela textual com os exemplos de variação de
meios de persuasão e estruturação dos cinco cânones da
retórica para o tema “Preservação Ambiental”, adaptados para
crianças e adultos:

CÂNONE PARA CRIANÇAS PARA ADULTOS>


DA
RETÓRICA
INVENÇÃO Ethos: “Sou o Guardião da Floresta Ethos: “Como cientista ambiental
e estou aqui para compartilhar com anos de experiência, estou
histórias sobre como cuidar do aqui para discutir soluções
nosso planeta. práticas para a preservação
ambiental.”
Pathos: “Vocês sabem como os
animais ficam tristes quando suas Pathos: “Pensem nas futuras
casas nas florestas são destruídas? gerações; que tipo de planeta
Vamos ajudá-los a sorrir queremos deixar para nossos
novamente!” filhos?”

Logos: “Quando jogamos lixo no Logos: “Estudos mostram que a


chão, ele pode ir parar nos rios e redução de emissões de carbono
fazer mal aos peixes. Jogar o lixo na pode diminuir significativamente
lixeira ajuda a manter os peixes o impacto das mudanças
felizes e saudáveis.” climáticas.”
ARRANJO Introdução: conto interativo sobre Introdução: apresentação de
uma floresta encantada. dados sobre a atual crise
ambiental.
Argumento: uso de exemplos
simples e visuais, como a Argumento: discussão detalhada
importância de reciclar e plantar sobre práticas sustentáveis e
árvores. políticas ambientais.

Conclusão: apelo emocional para Conclusão: chamada à ação


cuidar da natureza, com a promessa baseada em responsabilidade e
de um futuro mais verde. urgência.

Figura 9.11 – Exemplos de uso dos cânones da retórica para o tema “Preservação
Ambiental”, considerando dois tipos distintos de públicos: crianças e adultos.
CÂNONE PARA CRIANÇAS PARA ADULTOS>
DA
RETÓRICA
ESTILO Linguagem simples e envolvente. Linguagem formal e informativa.
Uso de rimas, repetições e Uso de dados, gráficos e
analogias fáceis de entender. estatísticas para reforçar
Ilustrações coloridas e personagens argumentos. Citações de
animados. especialistas e estudos
relevantes.
MEMÓRIA Canções sobre a natureza e jogos Fornecimento de folhetos
interativos para reforçar as informativos ou links para
mensagens. Uso de mascotes ou recursos online. Repetição de
personagens para criar associações mensagens-chave e conclusões
memoráveis. de estudos.
ENTREGA Tom de voz animado e expressões Tom de voz sério e profissional.
faciais exageradas. Uso de gestos Uso de apresentações de slides e
dramáticos e recursos visuais como talvez um vídeo impactante.
fantoches ou slides coloridos. Postura confiante e contato visual
com o público.

Figura 9.11 – Exemplos de uso dos cânones da retórica para o tema “Preservação
Ambiental”, considerando dois tipos distintos de públicos: crianças e adultos.

Juntos, portanto, esses elementos formam a base sobre a qual a


retórica eficaz é construída, permitindo que oradores e
escritores comuniquem suas ideias de maneira persuasiva e
impactante.
Em suma, lógica, argumentação e retórica são fundamentos
indispensáveis para a persuasão racional que dá vida ao
pensamento crítico. A educação, treinamento e prática contínua
são as melhores formas de aprimorá-las para pensarmos
melhor.

SUPERAÇÃO DE VIESES COGNITIVOS


Entre os principais desafios para se conseguir pensar
criticamente estão os vieses cognitivos166, que são desvios
sistemáticos de racionalidade e lógica que acontecem no
sistema cognitivo durante o processamento e interpretação de
informações. Eles podem ser particularmente perigosos porque,
muitas vezes, não percebemos que existem, e, assim, atuam
como um inimigo invisível e poderoso dentro de nós,
contaminando e enviesando a nossa percepção e julgamento,
prejudicando, consequentemente, o pensamento crítico.
Tomando consciência do processo de enviesamento e seu
funcionamento, podemos dizer que um viés cognitivo atua
como um “atalho” que a nossa mente usa para tomar decisões
ou formar julgamentos de maneira mais rápida. Esses atalhos
normalmente são utilizados porque o nosso cérebro está
tentando simplificar as informações processadas, economizar
energia cognitiva ou se adaptar a mudanças no ambiente. No
entanto, apesar de buscarem facilitar a tomada de decisão e a
navegação em um mundo complexo, nesse processamento, os
vieses cognitivos podem nos levar a conclusões imprecisas
ou irracionais, nos desviando do pensamento lógico e racional,
resultando em erros. O equilíbrio, portanto, está em
reconhecer e gerenciar esses vieses, aplicando a
objetividade quando possível e permitindo o fluxo natural do
viés quando apropriado e benéfico para o contexto em questão.
Por isso, um dos pilares do pensamento crítico é a busca
constante em tentar superar os vieses cognitivos – tanto os
conscientes quanto os inconscientes – que prejudicam a
neutralidade, o respeito e a persuasão racional baseada em
fatos e evidências, não permitindo distorções enviesadas. No
entanto, combater ou mitigar os vieses cognitivos é uma tarefa
desafiadora devido à sua natureza intrínseca e automática da
cognição humana. Como todos nós somos naturalmente
enviesados, precisamos encontrar métodos que vão além da
nossa própria cognição para conseguirmos combater esses
vieses. Esses métodos incluem:

Consciência dos vieses – conhecer os vieses cognitivos e


como as suas manifestações afetam o pensamento e a
tomada de decisão é o primeiro passo para combatê-los.
Prática de pensamento crítico – a superação dos vieses
cognitivos, da mesma forma que os demais pilares do
pensamento crítico, o impactam e são impactados por ele.
Portanto, a prática do pensamento crítico combate os vieses
cognitivos, cuja superação depende do pensamento crítico.
Exposição à diversidade – quanto maior a diversidade de um
grupo de pessoas, maior a quantidade de pontos de vistas
distintos, fontes de informações diversas e experiências
variadas compartilhadas e confrontadas, criando um
ambiente que, além de favorecer a identificação de vieses,
desafia também a conformidade de pensamentos. Isso
tende a beneficiar o pensamento crítico e,
consequentemente, a performance em times diversos . 167

Estudos apontam que organizações com diversidade têm


fluxos financeiros duas vezes e meia mais altos por
colaborador e times inclusivos são mais produtivos em mais
de 35%168.
Feedback e escuta ativa – buscar genuinamente o feedback,
abrir-se a críticas construtivas e disposição para ajustar
crenças e decisões com base em novas informações ajudam
a identificar e combater vieses.
Desaceleração do pensamento – evitar tomar decisões
apressadas e impulsivas, pois os vieses cognitivos muitas
vezes se manifestam devido à aceleração do processo do
pensamento. Por isso, uma das formas de combatê-los é
tomar mais tempo para refletir antes de tomar decisões.
Verificação de fatos – a postura cética de verificação da
validade, adequação e precisão das informações, cruzando-
as utilizando várias fontes confiáveis, está na raiz do
pensamento crítico e é uma das principais formas de buscar
a superação dos vieses cognitivos em qualquer contexto.
Repertório – a ampliação do conhecimento é um dos
métodos naturais de se verificar fatos e informações, pois
quanto maior o repertório adquirido, mais facilmente
conseguimos detectar discrepâncias e desvios de
pensamento. O repertório se expande e enriquece também
pela contribuição da diversidade.
Mente Aberta – o esforço cético para não se apegar
rigidamente a crenças e estar aberto a novas ideias e
evidências também está na base do pensamento crítico,
favorecendo o combate a vieses.
Desenvolvimento de Habilidades Socioemocionais – quando
desenvolvidas e aplicadas de maneira eficaz, as habilidades
socioemocionais servem como ferramentas valiosas para
reduzir o impacto dos vieses cognitivos, pois elas promovem
uma integração equilibrada entre emoção e razão,
permitindo uma tomada de decisão mais ponderada,
inclusiva e objetiva.

Existem mais de 180 vieses cognitivos169 identificados, que


afetam a maneira como percebemos e interpretamos o mundo
ao nosso redor. Eles podem estar associados a tentativas de
simplificar ou acelerar o processamento cognitivo em diversas
necessidades, como: memória (o que devo lembrar), obtenção
de informação (o que devo processar), significado (como extrair
sentido), velocidade (como agir rápido), como ilustrado na
figura 9.12.
Figura 9.12 – Mapa classificatório dos vieses
cognitivos, adaptado e traduzido livremente do
original, criado por John Manoogian III, disponível
em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?
curid=69756809

Apesar de todos os vieses cognitivos terem potencial para


afetar o pensamento crítico, eles não são todos iguais em
termos do risco que oferecem; o impacto específico e a
magnitude desse impacto podem variar dependendo da
situação. Por isso, o contexto é crucial, pois um viés que é
particularmente prejudicial em um cenário pode ser menos
relevante, ou até mesmo útil, em outro. Nesse sentido, devido à
subjetividade na análise desses impactos e à sua dependência
de contexto, é importante que cada situação seja analisada
criteriosamente para verificar como os vieses cognitivos podem
afetá-la, quais tendem a ser mais prejudiciais, e como mitigar
os seus efeitos.
Para ilustrar como alguns vieses cognitivos impactam mais do
que outros em determinadas situações do pensamento crítico,
apresentamos na figura 9.13 alguns exemplos de contextos e
vieses relacionados, cujos impactos podem ser significativos.
SITUAÇÃO DE VIESES COGNITIVOS
IMPACTO
Viés da confirmação: tendência a buscar e interpretar
preferencialmente informações que confirmem as crenças ou
hipóteses que já possuímos, enquanto ignora dados contrários
JULGAMENTO E
DECISÃO
Viés da disponibilidade: a tendência de supervalorizar e
tomar decisões com base em informações mais recentes ou
memoráveis, mesmo que não sejam as mais relevantes.
Viés da afinidade: a predisposição para favorecer e concordar
com pessoas que percebemos como semelhantes a nós, seja em
RELAÇÕES E aparência, crenças ou comportamentos.
INTERAÇÕES
SOCIAIS Viés do grupo: a tendência de seguir a opinião ou
comportamento da maioria de um grupo, muitas vezes
suprimindo a própria perspectiva em favor da conformidade.
Efeito Dunning-Kruger: fenômeno em que indivíduos com
habilidades limitadas em um domínio superestimam
significativamente sua competência, enquanto aqueles
PERCEPÇÃO DE
altamente qualificados tendem a subestimar sua proficiência.
CAPACIDADE E
HABILIDADE
Viés de autoeficácia: a crença, muitas vezes irracional, na
própria habilidade de concluir tarefas ou enfrentar desafios,
independentemente da habilidade real.
Viés da ancoragem: a tendência de confiar fortemente na
primeira peça de informação encontrada (a "âncora") ao tomar
decisões, mesmo quando dados susequentes sugerem outra
AVALIAÇÃO DE ação.
INFORMAÇÕES
Viés do status quo: a resistência a mudanças, preferindo
manter as coisas como estão, muitas vezes porque a mudança é
percebida como mais arriscada do que a continuação.
Viés do otimismo: a predisposição para acreditar que somos
mais propensos a experienciar eventos positivos e menos
propensos a experienciar eventos negativos do que nossos
AVALIAÇÃO DE pares.
RISCOS
Viés do pessimismo: a inclinação para esperar o pior,
acreditando que coisas ruins são mais prováveis de acontecer
do que realmente são.

Figura 9.13 – Tabela de exemplos de alguns impactos dos vieses cognitivos em


situações que afetam o pensamento crítico.
SITUAÇÃO DE VIESES COGNITIVOS
IMPACTO
Viés da retrospectiva: a tendência em acreditar
erroneamente que, após um evento ter ocorrido, teríamos
MEMÓRIA E previsto ou esperado o resultado, mesmo que não fosse
RECUPERAÇÃO possível.
DE
INFORMAÇÕES Viés da consistência: a tendência em acreditar que somos
mais consistentes em nossas atitudes, crenças, opiniões e afins
do que realmente somos.
Efeito halo: quando uma característica positiva de uma pessoa
afeta nossa avaliação global dela, levando-nos a vê-la de forma
AVALIAÇÃO DE mais positiva em geral.
DESEMPENHO E
HABILIDADES Efeito chifre: o oposto do viés do halo, onde uma característica
negativa de uma pessoa afeta negativamente nossa avaliação
global dela.
Viés da projeção: a tendência de acreditar que o futuro seja
PERCEPÇÃO DO constituído das mesmas condições que o presente.
FUTURO E DO
PASSADO Viés do presentismo: a prática de julgar eventos ou pessoas
do passado com base nos padrões éticos e morais do presente.
Viés da sobrevivência: a tendência de focar os
"sobreviventes" de uma situação, ignorando aqueles que não se
saíram bem, o que pode levar a uma compreensão distorcida
das causas do problema.
QUANTIFICAÇÃO
E AVALIAÇÃO DE
Viés da seleção: a tendência de dar atenção ou prioridade a
DADOS
um conjunto específico de dados enquanto negligencia outros
que podem ser igualmente ou mais relevantes, mas que
eventualmente não estejam disponíveis ou sejam mais difíceis
de acessar.
Viés do custo afundado: a tendência de tomar decisões
baseando-se nas perdas ocorridas previamente, em vez de
ABERTURA A avaliar a situação atual.
NOVAS
EXPERIÊNCIAS Viés da novidade: a predisposição em acreditar que novidades
ou mudanças são melhores, negligenciando a análise de opções
preexistentes que possam ser igualmente boas ou melhores.

Figura 9.13 – Tabela de exemplos de alguns impactos dos vieses cognitivos em


situações que afetam o pensamento crítico.

Assim, para buscarmos a superação dos vieses cognitivos,


precisamos, antes, conhecê-los, entender como funcionam os
riscos potenciais em cada contexto e compreender também
como mudam ao longo do tempo. Vejamos.
Os vieses cognitivos se desenvolveram em nossos
antepassados para permitir decisões rápidas em ambientes
incertos ou perigosos. Assim, eles não devem ser vistos apenas
como “erros” de pensamento, mas entendidos também como
resquícios evolutivos da nossa cognição. Em sua maioria,
os vieses cognitivos são padrões automáticos de pensamento
que se desenvolveram ao longo de milhares de anos de
evolução humana, se enraizando nas estruturas e funções
cerebrais. Por isso, os vieses preexistentes tendem a persistir,
mesmo nos contextos em que, eventualmente, não sejam mais
necessários. No entanto, enquanto essa mudança no nível
evolutivo é lenta, a mudança cultural ou tecnológica pode ser
rápida.
À medida que os ambientes mudam (como urbanização,
mudanças globais, novos tipos de trabalho), os vieses que eram
adaptativos em um ambiente anterior podem se tornar mal-
adaptativos em outro. Por exemplo, o viés da disponibilidade
(que nos faz dar mais peso a informações recentes ou
memoráveis) pode ter sido útil em um ambiente selvagem,
onde era crucial se lembrar rapidamente de perigos recentes,
mas esse viés torna-se prejudicial em ambientes que não
apresentam esse tipo de perigo, como os atuais.
De modo geral, os vieses cognitivos evoluem de acordo com as
pressões evolutivas, influências culturais, avanços na
compreensão e desenvolvimento humano170 e mudanças
no ambiente. No entanto, por trás desses fatores existe um
elemento predominante: a tecnologia. Ela tem gerado
pressões evolutivas, influências culturais, impactado a
compreensão e desenvolvimento humano, além de ser o
principal vetor de aceleração das mudanças no ambiente.
Portanto, a tecnologia tem papel significativo na transformação
de vieses. Nesse sentido, ela pode ser um elemento que tanto
1) causa o surgimento de novos vieses cognitivos; ou 2)
intensifica vieses preexistentes; ou 3) ajuda a mitigar vieses
preexistentes.
O viés da confirmação171, por exemplo, tende a ser
intensificado pelas tecnologias digitais de informação, pois
apesar da provável existência de uma infinidade de
“informações” online contrárias a uma determinada crença,
existe também uma vastidão de “informações” que a
confirmam. O grande volume de “evidências” a favor de uma
crença pode ampliar a ilusão equivocada de uma ampla
fundamentação para decisão, quando na realidade foi
negligenciada uma enorme quantidade de evidências contra
ela. O autodiagnóstico de saúde é um desses contextos
impactados pela intensificação do viés da confirmação – as
pessoas leem sobre uma doença na internet e passam a
acreditar que possuem todos os sintomas. Mesmo que médicos
constatem que a pessoa não está doente, ela continua
pesquisando online e dando mais crédito a fontes que
confirmem o seu autodiagnóstico, enquanto desconsidera
informações médicas profissionais que o contradizem.
O “Google Effect”172 é um exemplo recente de como a
tecnologia pode gerar novos vieses cognitivos. Identificado
em 2011, após o surgimento das ferramentas de busca na
internet, esse viés de memória se refere à tendência de as
pessoas esquecerem informações que acreditam poder
encontrar facilmente online, usando buscadores como o Google.
A ideia é que o nosso cérebro usa a internet como uma forma
de “memória externa”, sabendo que podemos usar a tecnologia
para acessar informações a qualquer momento, e por isso não
precisamos lembrar detalhes específicos, mas apenas onde
encontrar a informação. Isso é uma demonstração interessante
de como a nossa memória se adapta à tecnologia que emerge,
não significando em si algo necessariamente negativo ou
prejudicial. No entanto, esse viés pode afetar o pensamento
crítico de inúmeras formas, por exemplo, a confiança excessiva
na tecnologia resultando em tomada de decisão baseada em
informações incorretas ou não verificadas.
Outro viés que vale a pena discutir aqui é o Dunning-
Kruger173, não só pelo fato de ele também se intensificar com
a ascensão das tecnologias digitais, mas também, e
principalmente, devido ao grande impacto que os seus efeitos
combinados com os decorrentes do viés da confirmação e do
Google Effect, têm causado, de forma prejudicial, no
pensamento crítico geral da sociedade174.
O efeito Dunning-Kruger refere-se à tendência de indivíduos a
julgar mal o seu conhecimento e habilidades, de modo que
pessoas com baixo conhecimento ou habilidade em um
determinado assunto tendem a superestimarem a própria
competência, enquanto, paradoxalmente, pessoas com alta
competência tendem a subestimar a sua capacidade ou
expertise (figura 9.14).

Figura 9.14 – Representação gráfica do efeito


Dunning-Kruger. Fonte: imagem adaptada pela
autora a partir das imagens originais em
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Dunning%E2%80
%93Kruger_Effect_01.svg e
https://medium.com/geekculture/dunning-kruger-
effect-and-journey-of-a-software-engineer-
a35f2ff18f1a
Imagine alguém aprendendo a tocar violão. Nos primeiros dias,
depois de aprender alguns acordes simples, a pessoa pode
pensar: “Isso não é tão difícil, eu sou boa nisso!”. Essa é a fase
inicial, em que a confiança é alta, mas a habilidade real é baixa
(indivíduo ignorante, no pico da estupidez – ver figura 8.8).
No entanto, conforme essa pessoa avança nos estudos e
começa a perceber a profundidade e complexidade da música
(descida do aprendizado), ela tende a se sentir menos
confiante, mesmo tendo melhorado significativamente suas
habilidades. Isso acontece porque ela agora tem mais
consciência de que existe muito que ela não sabe (indivíduo
educado, vale da desilusão). Com a prática contínua ao
longo do tempo, a pessoa vai ganhando expertise e ampliando
consciente e gradativamente conhecimento na área (escalada
da iluminação), para eventualmente atingir o platô da
sabedoria, tornando-se uma violonista expert.
No processo, quanto mais a pessoa avança em conhecimento,
mais descobre ramificações e possibilidades que ela não
conhece, ampliando a consciência sobre o que ela sabe que
sabe, sobre aquilo que ela sabe que não sabe, além,
principalmente, da existência de uma infinidade de coisas que
ela provavelmente não sabe que não sabe. Na tabela da
figura 9.15, fazemos uma análise da relação entre a consciência
do conhecimento (ou habilidade) e a sua existência.

CONHECIMENTO /
CONHECIMENTO / HABILIDADE que
HABILIDADE que EU
EU NÃO POSSUO
POSSUO
EU SEI que Conhecimento Conhecimento mapeado –
existe disponível – pronto consciência daquilo que posso
(consciente) para uso aprender
EU NÃO SEI que Conhecimento Conhecimento desconhecido –
existe inconsciente – desconhecimento daquilo que posso
(ignorante) potencial oculto aprender

Figura 9.15 – Tabela da consciência de competências, analisando a relação entre a


consciência do conhecimento ou habilidade e a sua existência.
A consciência sobre a ignorância perante aquilo que “não
sabemos que não sabemos” tende a diminuir a nossa
autoconfiança, mesmo quando se sabe muito sobre o assunto.
Daí o paradoxo do efeito Dunning-Kruger, em que pessoas com
alta competência tendem a subestimar a suas capacidades ou
expertises. Nesse sentido, apesar de ter sido oficialmente
reconhecido como um viés recentemente, em 1999175, o
fenômeno cognitivo Dunning-Kruger já havia sido identificado
na Antiguidade, por Sócrates, dando origem à sua célebre frase:
“Só sei que nada sei”176.
Um aspecto importante do efeito Dunning-Kruger é que ele
oferece riscos e impactos diferentes dependendo do contexto.
Por exemplo, não ter consciência da falta de habilidade para
cantar, performando mal em um karaokê, pode não causar
grandes danos. Entretanto, em outros tipos de ambientes, o
impacto de julgar erroneamente as próprias habilidades pode
trazer riscos significativos em nossas vidas e nas dos outros. O
viés Dunning-Kruger se torna especialmente prejudicial em
cenários mais complexos, pois, nesse tipo de ambiente, não
conseguimos facilmente identificar relações de causalidade
entre elementos. Isso pode fazer com que negligenciemos fatos
aparentemente irrelevantes ou de pequena importância, mas
que podem desencadear acontecimentos e consequências que
causem um grande impacto177. Portanto, superestimar
competências e habilidades nessas situações oferece riscos
consideráveis de fracasso. Um exemplo ilustrativo disso é a área
de criptomoedas – por ser um assunto complexo (envolvendo
finanças, investimentos, tecnologia etc.), deveria ser estudado,
avaliado e aprofundado antes de qualquer investimento. No
entanto, influenciadas apenas pelo hype na mídia, muitas
pessoas passam a acreditar que já sabem muito sobre o
assunto e investem em novas criptomoedas. As flutuações
recorrentes e quedas abruptas no mercado de criptomoedas
revelam a confiança excessiva em fontes não verificadas, que
muitas das informações eram especulativas ou distorcidas por
interesses alheios, resultando em perdas financeiras relevantes.
Portanto, quanto mais complexos forem os contextos (como
investimentos financeiros, política, guerras, geopolítica etc.) ou
áreas do conhecimento, mais necessários se tornam a
humildade, o ceticismo e a decorrente pesquisa
fundamentada para combater o efeito Dunning-Kruger. No
entanto, infelizmente, com a disseminação das tecnologias
digitais, a vastidão de conteúdos disponíveis na internet e as
suas dinâmicas de propagação tendem a alimentar a falsa
ilusão do conhecimento, intensificando não só o Dunning-
Kruger, como também inúmeros outros vieses que prejudicam o
pensamento crítico.
Um desses vieses é o efeito halo178, que ocorre quando a
impressão geral que temos sobre uma pessoa influencia como a
percebemos em outras dimensões específicas. Em outras
palavras, quando alguém é bom em uma área ou tem uma
característica particularmente atraente, muitas vezes
assumimos automaticamente que essa pessoa é competente ou
possui qualidades positivas em outras áreas também. Esse
efeito é particularmente acentuado com inundação de
influenciadores digitais que temos experimentado nos últimos
anos: vemos pessoas que eventualmente são boas apenas em
influenciar sendo percebidas como experts em tudo devido ao
efeito halo. Isso tem resultado em um fenômeno perigoso de
generalização de ilusão de conhecimento, que alimenta o efeito
Dunning-Kruger, ampliando a impacto prejudicial que ambos
têm causado no pensamento crítico.
Some-se a isso a mídia e os algoritmos de redes sociais,
que além de apresentar informações de forma fragmentada,
dificultando a sua análise, também tendem a reforçar opiniões
existentes focando em aumentar o engajamento179, não o
pensamento crítico. Com isso, ao invés de humildade, ceticismo
e pesquisa fundamentada, temos testemunhado o aumento de
comportamentos opostos: arrogância, ignorância e
achismos. Isso tem contribuído para o crescimento de alguns
fenômenos sociais perigosos, como polarizações de opiniões180,
teorias da conspiração, fake news, negacionismo, pós-verdade,
em todas as dimensões da vida – política, religião, saúde,
educação etc.
No entanto, se, por um lado, vimos que a tecnologia pode
intensificar ou causar o surgimento de novos vieses cognitivos,
por outro, ela pode também ajudar a combatê-los e, nesse
processo, corrigir injustiças e salvar vidas. Esse é o caso da
identificação visual por testemunhas – pesquisas indicam que
essa é, provavelmente, a forma mais persuasiva de evidências
apresentadas em julgamentos, mas que também, muitas vezes,
tem acurácia duvidosa181. A memória é suscetível a vieses
cognitivos e erros, como esquecimento, mistura de detalhes e
até a criação de falsas memórias. Um desses vieses é o efeito
de desinformações: as pessoas acreditam que a sua memória
é como uma fotografia registrada no cérebro, no entanto, cada
vez que lembramos um episódio, na realidade estamos
reconstruindo esse episódio na nossa memória e, nesse
processo, somos sugestionados por outros e passamos a
coletivamente criar memórias falsas. Após o surgimento dos
testes de DNA, foi conduzido um estudo nos Estados Unidos
para verificação de casos julgados anteriormente, que
pudessem ser beneficiados pelo seu uso para validação dos
vereditos. Testemunhos falsos de identificação visual estavam
envolvidos em pelo menos 75% dos casos que foram
exonerados.182
Portanto, os vieses cognitivos são muitos, evoluem ao longo
tempo, tendo na tecnologia um elemento que funciona tanto
como criador e intensificador quanto mitigador. Nesse sentido,
quanto mais tomarmos consciência da existência desses vieses,
dos seus tipos e funcionamentos, maior a probabilidade de
conseguirmos superá-los em contextos que são prejudiciais ao
pensamento crítico. Assim, apesar de o estudo completo de
todos vises ir além do escopo deste livro, sugerimos que ele
seja realizado de forma complementar por meio de fontes
adicionais.

VALORES
Valores são princípios ou padrões de comportamento que são
considerados importantes ou desejáveis por um indivíduo,
grupo ou sociedade. Eles atuam como bússolas morais e
éticas, guiando as escolhas, ações e julgamentos das pessoas.
Os valores podem incluir conceitos como honestidade, respeito,
responsabilidade, justiça e compaixão, entre outros.
No contexto do pensamento crítico, os valores desempenham
um papel crucial por várias razões:

Fundamentação ética – os valores fornecem uma base ética


para o pensamento crítico, ajudando a determinar não
apenas o que é logicamente correto, mas também o que é
ética e moralmente aceitável. (Exemplo: um médico está
decidindo entre dois tratamentos para um paciente. Um
tratamento é mais barato, mas menos eficaz. O outro é
caro, mas tem maior chance de sucesso. O médico usa o
valor da “preservação da vida” como fundamento ético para
escolher o tratamento mais eficaz, mesmo que seja mais
caro.)
Direcionamento de argumentos – ao avaliar argumentos e
evidências, é importante considerar os valores subjacentes.
Isso ajuda a identificar possíveis preconceitos e a entender
melhor as perspectivas dos outros. (Exemplo: durante um
debate sobre políticas ambientais, um participante
argumenta fortemente contra a regulamentação da
poluição, valorizando a “liberdade econômica”. Outro
participante argumenta a favor da regulamentação,
priorizando o valor da “sustentabilidade ambiental”.
Reconhecer esses valores subjacentes ajuda a entender as
motivações de cada argumento.)
Promoção do diálogo construtivo – o reconhecimento de
valores compartilhados pode facilitar o diálogo e a
compreensão mútua, especialmente em debates sobre
questões polêmicas. (Exemplo: em uma discussão sobre
reforma educacional, educadores de diferentes perspectivas
encontram um terreno comum no valor da “igualdade de
oportunidades”. Esse valor compartilhado ajuda a facilitar
um diálogo construtivo e colaborativo, apesar de outras
diferenças.)
Desenvolvimento de empatia - ao reconhecer e respeitar os
valores dos outros, o pensamento crítico pode ser mais
empático e inclusivo. (Exemplo: um jornalista está
reportando sobre um conflito em outra cultura. Ao
reconhecer e respeitar os valores dessa cultura, como a
“importância da comunidade” e “tradições locais”, ele é
capaz de apresentar uma reportagem mais equilibrada e
empática.)

Portanto, os valores são fundamentais no pensamento crítico,


pois fornecem uma dimensão ética e humana essencial à
análise racional e à tomada de decisões. Eles ajudam a garantir
que o pensamento crítico seja não apenas lógico, mas também
ético e socialmente responsável.
Devido à sua importância no direcionamento do pensamento
crítico, os valores precisam ser cuidadosamente
selecionados e pensados para que se tornem faróis de
direcionamento e não prisões limitantes, como os vieses
cognitivos. Quanto mais amplo e aberto for o nosso conjunto de
valores e atitudes, maior o alcance do pensamento crítico.
Assim, questionar e revisitar valores e atitudes para revalidá-los
ou descartá-los são características importantes do pensamento
crítico.
Pense, criticamente, logo exista, melhor, hoje e
futuramente.
FUTURE READY INDEX
CAPÍTULO 10
“O futuro já chegou. Só não está igualmente distribuído”.
WILLIAM GIBSON

E ste livro termina aqui, no primeiro dia do resto da sua


vida. Espero que as discussões e reflexões que ele
trouxe auxiliem a sua jornada para que você possa
conquistar e conservar o seu estado Future Ready.
Após a leitura de cada página, avaliando a evolução do
seu Future Ready Index ao longo dos capítulos, desejo
que você tenha ampliado a sua visão, configurado e
sintonizado os seus motores estratégicos com inovação e
agilidade, e desenvolvido as habilidades que lhe
permitirão construir o seu futuro com ambidestria e
sustentabilidade.
Eu te desejo, assim, um Future Ready Index que seja
cada vez mais próximo de 100%, para que, dessa forma,
liderando o futuro, ele não simplesmente te aconteça,
mas te favoreça.
Live long and prosper.183
CONTEÚDO EXTRA
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autora.
NOTAS
1. https://thehustle.co/the-con-artist-who-sold-rich-investors-a-fake-
country/ ↵
2. Revolução cognitiva, caracterizada pela ascenção das tecnologias
inteligentes, a partir de 2010, como continuidade da revolução digital
que se iniciou no final do século passado. ↵
3. Ver detalhes sobre a metodologia em:
https://www.gartner.com/en/research/methodologies/magic-quadrants-
research ↵
4. O termo "ambidestria corporativa" surgiu em 2004, dividido em dois
tipos: estrutural e contextual. Aqui, usamos o termos ambidestria
estratégica para se referir à ambidestria contextual, em que os
indivíduos realizam escolhas entre ações de alinhamento com o futuro
ou de adaptação ao presente, no contexto do seu dia a dia. Para mais
detalhes, ver: https://sloanreview.mit.edu/article/building-
ambidexterity-into-an-organization/ ↵
5. Estamos considerando aqui que todas as habilidades possuem peso
igual. No entanto, na realidade, algumas competências são
dependentes de outras, como é o caso da criatividade, resiliência,
agilidade etc., que devem ser orientadas pelo pensamento crítico.
Assim, eu sugeriria que o pensamento crítico tivesse peso maior nas
avaliações. ↵
6. A alegoria da caverna é uma história contada por Platão em seu livro A
República. A história descreve pessoas que viveram suas vidas inteiras
acorrentadas dentro de uma caverna, olhando apenas para a parede,
onde veem sombras projetadas por objetos que passam por trás delas,
iluminados por uma fogueira. Para essas pessoas, as sombras são a
única realidade que conhecem. Um dia, um dos prisioneiros é libertado
e descobre a verdadeira origem das sombras. Ele percebe que a
realidade é muito mais rica e complexa do que as sombras que viu a
vida toda. O libertado sai da caverna e vê o mundo exterior, sendo
iluminado pelo sol. Ao retornar para a caverna, ele tenta convencer os
outros sobre o mundo real, mas eles resistem e se recusam a
acreditar. Mais informações em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna ↵
7. Para compreender as tecnologias emergentes e os seus impactos na
humanidade, leia Você, Eu e os Robôs, disponível em
https://amzn.to/3mPf8Al ↵
8. Ver GATTACA, Star Trek Voyager, Altered Carbon, Ghost in the Shell e
Elysium, por exemplo. ↵
9. https://pt.wikipedia.org/wiki/Transumanismo ↵
10. Para saber mais sobre antifragilidade, recomendo a leitura do livro
Antifrágil, de Nassim Taleb, do qual o termo e o conceito se originam.

11. https://www8.cao.go.jp/cstp/english/society5_0/index.html ↵
12. Livro Power Shift – https://amzn.to/3iPybcU ↵
13. Ver também o livro Lead From The Future: How to Turn Visionary
Thinking Into Breakthrough Growth, de Mark Johnson e Josh Suskewicz
– https://amzn.to/3uXQ7aa ↵
14. https://www.statista.com/statistics/1141229/uae-estimated-petroleum-
oil-reserves-by-emirate/ ↵
15. https://airwaysmag.com/connected-airports-in-the-world/ ↵
16. Big History Project: https://bhp-public.oerproject.com/ ↵
17. Long Now Foundation: https://longnow.org/ ↵
18. Em inglês, são conhecidos como weak signals. ↵
19. https://edition.cnn.com/2018/12/28/health/rise-of-digisexuals-
intl/index.html ↵
20. https://www.researchgate.net/figure/Example-of-ELIZA-ELIZA-a-
chatbot-was-designed-by-Joseph-Weizenbaum-to-imitate-
a_fig1_348306833 ↵
21. https://en.wikipedia.org/wiki/Loss_aversion ↵
22. Hype Cycle é uma metodologia do Gartner que avalia anualmente o
grau de hype e de maturidade de determinadas tecnologias (como
inteligênciia artificial e áreas de negócios (como marketing digital).
Saiba mais em: https://www.gartner.co.uk/en/methodologies/gartner-
hype-cycle ↵
23. Como universidades (MIT, Harvard, USP etc.), institutos de futurismo
(IFTF, Millenium, Copenhagen Institute fot Futures Studies, entre
outros), empresas de consultoria e pesquisa (Gartner, McKinsey, BCG,
Accenture, Deloitte etc.), futuristas (por exemplo, publico radares de
tendências frequentemente no meu perfil do LinkedIn e Instagram),
além de outras instituições, como o Fórum Econômico Mundial, que
também divulga pesquisas de tendências. ↵
24. https://en.wikipedia.org/wiki/The_Art_of_War ↵
25. Falanges é uma estratégia de guerra desenvolvida na Grécia Antiga
em que os soldados eram bem treinados, organizados e fortemente
armados, lutando em um grupo retangular em que se cobriam com
escudos para proteção. Além disso, eram imbuídos da crença de que
morrer na guerra era uma grande glória. Mais informações em:
https://www.worldhistory.org/Greek_Warfare/ ↵
26. https://en.wikipedia.org/wiki/Trojan_Horse ↵
27. https://pt.wikipedia.org/wiki/Invas%C3%A3o_Mongol_no_Jap%C3%A3o

28. Esses fatores têm sido recorrentes nas pesquisas sobre causas de
fracasso em startups no mundo todo e continuam sendo, como
apresentado em: https://www.resolvefinancial.co.uk/startup-failure-
statistics/ ↵
29. 2020 - https://www.weforum.org/agenda/2020/10/top-10-work-skills-of-
tomorrow-how-long-it-takes-to-learn-them/
2023 - https://www.weforum.org/agenda/2023/05/future-of-jobs-2023-
skills/ ↵
30. Ver capítulo anterior sobre futurismo. ↵
31. Ver capítulo "Liderando o Futuro". ↵
32. https://casavogue.globo.com/lazer-e-
cultura/viagem/noticia/2023/06/gramado-e-o-destino-mais-procurado-
em-pesquisa-para-ferias-de-julho-veja-top-10.ghtml ↵
33. Ver "Paradigmas fluidos", discutidos na Parte I deste livro. ↵
34. Os meus cursos estão disponíveis em: martha.com.br/cursos ↵
35. No livro Geography of Thought, o autor, Richard Nisbett demonstra
que as pessoas veem o mundo e pensam diferente por causa das
diferenças em suas ecologias, estruturas sociais, filosofias, sistemas
educacionais, assumindo que o comportamento humano é uma função
da cultura. Ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Geography_of_Thought ↵
36. O desenvolvimento de soluções não necessárias (no market need) tem
sido, recorrentemente, uma das principais causas de fracasso de
startups, como apresentado em:
https://www.resolvefinancial.co.uk/startup-failure-statistics/ ↵
37. Veja, por exemplo, esse estudo da Harvard Business Review:
https://hbr.org/2013/12/how-diversity-can-drive-innovation ↵
38. TED “Quando as ideias fazem sexo”, disponível em:
https://www.ted.com/talks/matt_ridley_when_ideas_have_sex?
subtitle=pt-br ↵
39. TED “De onde vêm as boas ideias”disponível em:
https://www.ted.com/talks/steven_johnson_where_good_ideas_come_fr
om?language=pt-br ↵
40. https://www.gartner.com/en/information-technology/topics/digital-
transformation ↵
41. https://dma.feedback.capgemini.com/#dma-landing-lead ↵
42. Ver: https://www.mckinsey.com/featured-insights/mckinsey-
explainers/what-is-digital-transformation e
https://www.mckinsey.com/industries/financial-services/our-insights/a-
roadmap-for-a-digital-transformation ↵
43. https://www.accenture.com/us-en/insights/digital-transformation-index

44. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/topics/digital-
transformation.html ↵
45. https://www.bcg.com/capabilities/digital-technology-data/digital-
strategy-roadmap ↵
46. https://www.bain.com/insights/topics/digital-transformation/ ↵
47. https://kpmg.com/xx/en/home/insights/2020/04/digital-adoption-and-
transformation.html ↵
48. Ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Priority_Matrix ↵
49. Ver: https://cio-wiki.org/wiki/Action_Priority_Matrix_%28APM%29 ↵
50. Ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Diffusion_of_innovations ↵
51. Ver: https://www.amazon.com/Second-Curve-Ian-
Morrison/dp/0345405412 ↵
52. O termo MVP – mínimo produto viável – foi cunhado e definido em
2001, por Frank Robinson, e popularizado por Steve Blank e Eric Ries.
Mais informações em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Minimum_viable_product ↵
53. Ver: https://www.sciencealert.com/the-statistics-say-half-of-all-
inventions-happen-by-accident ↵
54. O termo "inovação disruptiva" foi cunhado por Clayton Christensen no
final do século XX para descrever o processo pelo qual um produto ou
serviço surge a partir de simples aplicações marginais – normalmente
mais baratas e acessíveis –, que avançam rapidamente no mercado,
dominando-o e causando uma ruptura na dinâmica de funcionamento
anteriormente estabelecida. Esse processo é denominado disrupção de
mercado. Mais informações:
https://en.wikipedia.org/wiki/Disruptive_innovation ↵
55. Ver: https://www.researchgate.net/figure/Half-life-time-of-knowledge-
based-on-Schueppel-1997_fig1_312225405 e
https://www.cbsnews.com/philadelphia/news/americans-use-just-37-
percent-of-information-learned-in-school-survey-finds/ ↵
56. https://www.justsecurity.org/24823/half-life-secrets/ ↵
57. https://go.manpowergroup.com/talent-shortage ↵
58. Ler: https://www.linkedin.com/pulse/dire%C3%A7%C3%A3o-vs-
velocidade-como-encontrar-equil%C3%ADbrio-entre-gabriel-phd/ ↵
59. https://ourworldindata.org/global-education ↵
60. Ver capítulo sobre paradigmas fluidos, na Parte I deste livro. ↵
61. Por exemplo, o pensamento crítico é uma habilidade humana que pode
se beneficiar da análise de dados realizada por tecnologia. Portanto, a
habilidade de simbiose/destreza tecnológica pode favorecer o
pensamento crítico. ↵
62. Exemplos de publicações do Fórum Econômico Mundial sobre Futuro
do Trabalho – em 2016 https://www.weforum.org/agenda/2016/03/21st-
century-skills-future-jobs-students/], em 2020
[https://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdf], em
2023 [https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-
2023/]. ↵
63. https://legacy.iftf.org/realizing2030-futureofwork/ ↵
64. https://hbr.org/2023/09/3-ways-to-prepare-for-the-future-of-work ↵
65. https://www.mckinsey.com/featured-insights/mckinsey-
explainers/what-is-the-future-of-work ↵
66. https://www.gartner.com/en/insights/future-of-work ↵
67. https://www.accenture.com/us-en/insightsnew/future-workforce-index

68. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/ca/Documents/consult
ing/ca-future-ready-workforce-en-aoda.pdf ↵
69. Apesar das plantas não possuírem habilidades cognitivas tipicamente
associadas com a criatividade em animais, pois não possuem um
sistema nervoso central ou cérebro (necessário para gerar ideias
criativas), elas demonstram comportamentos complexos e adaptativos
que podem ser interpretados como uma forma de criatividade no
contexto da sua sobrevivência e reprodução. ↵
70. Essa frase foi proferida por Leon C. Megginson, professor da Louisiana
State University, em seu discurso em 1963, em que apresenta a sua
interpretação da ideia central de A Origem das Espécies de Charles
Darwin. ↵
71. A frase original de Maxwell não inclui o “enxergam o suficiente”, que
ele acrescenta posteriormente no vídeo disponível em:
https://www.instagram.com/reel/Cmg4I02Dn6G/?
igshid=MDJmNzVkMjY= ↵
72. Citado no livro “The Starfish and the Spider, de Ori Brafman e Rod
Backstrom. ↵
73. Essa citação é frequentemente atribuída a diversos autores,
dificultando identificar a origem. ↵
74. Frase de Nietzsche, em sua obra Crepúsculo dos Ídolos. ↵
75. Ver https://www.gse.harvard.edu/ideas/usable-
knowledge/15/03/science-resilience ↵
76. https://uprisehealth.com/resources/the-relationship-between-
resilience-and-mental-health/ ↵
77. Algumas pessoas enfrentaram adversidades significativas desde cedo
na vida, o que pode tornar mais difícil para elas desenvolverem uma
mentalidade resiliente. Elas podem ter aprendido a reagir às situações
com medo, ansiedade ou desesperança, em vez de com resistência e
otimismo. ↵
78. Algumas pessoas podem ser geneticamente predispostas a reagir mais
fortemente ao estresse ou a ter dificuldade em se recuperar de
experiências negativas. ↵
79. Um ambiente de apoio pode ajudar na construção da resiliência, mas
nem todos têm acesso a um sistema de apoio sólido. Isso pode incluir
família, amigos, comunidade ou serviços de saúde mental. ↵
80. A resiliência muitas vezes envolve habilidades de enfrentamento
eficazes. Se alguém não teve a oportunidade de aprender ou praticar
essas habilidades, pode achar mais difícil lidar com o estresse e os
desafios. ↵
81. A maneira como uma pessoa vê o mundo e a si mesma pode impactar
sua resiliência. Crenças limitantes, pessimismo e uma mentalidade
fixa podem impedir alguém de ser resiliente. ↵
82. Experiências traumáticas e questões de saúde mental podem afetar a
capacidade de uma pessoa de ser resiliente. Traumas não resolvidos,
depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental podem
tornar mais difícil enfrentar e se recuperar de adversidades. ↵
83. Algumas pessoas podem simplesmente não ter sido ensinadas ou
expostas a conceitos de resiliência. A falta de educação sobre como
desenvolver resiliência pode ser um obstáculo. ↵
84. Fatores como falta de sono, má alimentação, falta de exercício e uso
de substâncias podem impactar negativamente a resiliência. ↵
85. A capacidade de adaptar o pensamento e as perspectivas a novas
informações ou situações é crucial para a resiliência. Pessoas com
menor flexibilidade cognitiva podem ter mais dificuldade em se
adaptar a mudanças e desafios. ↵
86. Ter expectativas irrealistas sobre a vida ou a si mesmo pode levar à
decepção e à dificuldade em se recuperar de contratempos. ↵
87. Avaliar e gerenciar riscos de forma eficaz é fundamental para a
resiliência. Algumas empresas podem ter dificuldade em identificar
riscos potenciais ou em implementar planos de contingência
adequados. ↵
88. A falta de comunicação clara e eficaz dentro da empresa e com as
partes externas pode levar a mal-entendidos, problemas de
alinhamento e resposta lenta a crises. ↵
89. Organizações muito rígidas em suas operações e estratégias podem
ter dificuldade em se adaptar a mudanças repentinas ou inesperadas.

90. Uma liderança ou uma cultura organizacional que não valoriza a
aprendizagem, a inovação e a adaptação pode impedir o
desenvolvimento da resiliência. A liderança precisa modelar e
incentivar a resiliência. ↵
91. A falta de recursos financeiros pode dificultar a capacidade da
empresa de se adaptar ou se recuperar de contratempos. ↵
92. Dependência excessiva de sistemas de tecnologia sem planos de
backup adequados pode ser um grande risco. Interrupções
tecnológicas podem ter impactos significativos na operação. ↵
93. Falta de investimento no desenvolvimento de talentos e na construção
de equipes resilientes pode afetar a capacidade da empresa de lidar
com desafios. ↵
94. Fatores como regulamentações governamentais, concorrência intensa
e mudanças climáticas podem adicionar camadas de complexidade e
incerteza. ↵
95. Falta de planejamento de sucessão e planos de continuidade de
negócios pode deixar a empresa vulnerável a interrupções
inesperadas. ↵
96. Desafios na cadeia de suprimentos, especialmente em um contexto
global, podem ter impactos significativos na operação e lucratividade
da empresa. ↵
97. As organizações também enfrentam a pressão de manter práticas
sustentáveis e socialmente responsáveis, o que pode ser um desafio
adicional. ↵
98. Ver https://hbr.org/2017/08/the-dark-side-of-resilience ↵
99. Reconhecer que ser resiliente não significa ser invulnerável,
entendendo e aceitando os próprios limites. ↵
100. Priorizar um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal inclui
tempo para relaxamento, hobbies e conexões sociais. ↵
101. Garantir descanso e recuperação adequados, pois são essenciais para
manter a saúde mental e física, além da própria resiliência. ↵
102. Não hesitar em buscar apoio de amigos, familiares ou profissionais
quando necessário. ↵
103. Ajustar expectativas e reconhecer que nem todas as situações exigem
uma resposta resiliente, pois alguns cenários podem requerer
mudanças ou até a aceitação de que certos aspectos estão fora do
controle. ↵
104. Fomentar uma cultura organizacional que valorize o bem-estar dos
funcionários tanto quanto a produtividade e a resiliência. ↵
105. Atenção aos sinais de esgotamento entre os colaboradores e tomar
medidas para abordá-los, como oferecer folgas ou apoio em saúde
mental.
106. Permitir flexibilidade no trabalho, considerando que diferentes
funcionários podem ter diferentes limites e necessidades. ↵
107. Encorajar uma comunicação aberta e honesta sobre as dificuldades
enfrentadas pelos funcionários e responder adequadamente a esses
feedbacks. ↵
108. Avaliar constantemente objetivos e estratégias para garantir que a
organização não esteja apenas resistindo, mas também fazendo
escolhas estratégicas efetivas. ↵
109. A primeira aparição do Batman foi em história em quadrinhos da DC
Comics em 1939. Mais informações em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Batman ↵
110. https://dc.fandom.com/wiki/Hellbat#cite_note-BaR35-2 ↵
111. Ver, por exemplo:
https://www.washingtonpost.com/news/innovations/wp/2016/03/15/wh
at-alphagos-sly-move-says-about-machine-creativity/ ↵
112. Ver: https://www.linkedin.com/pulse/como-n%C3%A3o-ser-
substitu%C3%ADdo-por-um-rob%C3%B4-martha-gabriel-phd/ ↵
113. Informações mais detalhadas disponíveis no livro Você, Eu e os Robôs.

114. O letramento em inteligência artificial e discussão sobre os níveis de
inteligência de máquina podem ser estudados no livro Inteligência
Artificial: do zero ao metaverso. ↵
115. Para saber mais sobre o QI, ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/Intelligence_quotient ↵
116. https://pt.wikipedia.org/wiki/Howard_Gardner#Teoria_das_Intelig%C3%
AAncias_M%C3%BAltiplas ↵
117. https://super.abril.com.br/especiais/a-era-da-burrice/ ↵
118. Ver TED Talk “Porque nossos níveis de QI são mais elevados que dos
nossos avós”, por James Flunn, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=9vpqilhW9uI ↵
119. Ver https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2730791/Are-
STUPID-Britons-people-IQ-decline.html ↵
120. Ver
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0160289613000
470, https://www.huffpost.com/entry/people-getting-dumber-human-
intelligence-victoria-era_n_3293846,
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0160289607000
463 ↵
121. https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2730791/Are-STUPID-
Britons-people-IQ-decline.html ↵
122. https://www.amazon.com/Attention-Economy-Understanding-Currency-
Business/dp/1578518717 ↵
123. https://www.linkedin.com/pulse/por-que-voc%C3%AA-faz-o-martha-
gabriel-phd/ ↵
124. https://www.nature.com/articles/srep00521 ↵
125. https://www.cmu.edu/news/stories/archives/2016/march/speechifying.h
tml ↵
126. https://www.linkedin.com/pulse/voc%C3%AA-sofre-de-decision-fatigue-
martha-gabriel-phd/ ↵
127. Esse processo foi batizado de Paradoxo da Escolha e passou a se
manifestar conforme a abundância de opções foi se manifestando nas
sociedades, especialmente a partir do final do século XX. No entanto,
ele avalia o processo de decisão puramente utilizando a capacidade
natural humana. Hoje, com o uso de tecnologias digitais, é possível
combater esse fenômeno, pois o uso adequado de ferramentas
tecnológicas pode solucionar a sobrecarga cognitiva humana.
Portanto, com a tecnologia, o aumento de volume e de variedade de
informações pode, sim, efetivamente, melhorar a tomada de decisão.
No entanto, para isso, é necessário saber combinar as capacidades
humanas com as das máquinas. Daí a importância da habilidade de
simbiodestreza tecnológica. ↵
128. https://en.wikipedia.org/wiki/Umberto_Eco e
https://comipi.wordpress.com/2015/06/18/the-invasion-of-the-idiots-
and-modern-churnalism/ ↵
129. https://www.scientificamerican.com/article/why-do-smart-people-do-
foolish-things/ ↵
130. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8416899/,
https://www.scientificamerican.com/article/why-do-smart-people-do-
foolish-things/,
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0732118X2200
0587 ↵
131. Os céticos frequentemente questionam e duvidam das afirmações e
suposições predominantes. ↵
132. O ceticismo encoraja a exploração e investigação em vez de aceitar
prontamente as coisas como verdadeiras. ↵
133. Céticos muitas vezes exigem evidências sólidas e fundamentação para
aceitar uma afirmação como verdadeira. ↵
134. Eles tendem a verificar e reexaminar as evidências e argumentos que
sustentam uma determinada afirmação. ↵
135. Céticos evitam fazer afirmações absolutas de conhecimento devido à
falta de evidências incontestáveis e tendem a optar por permanecer
neutros em questões das quais não possuem evidências claras ou
conclusivas. ↵
136. Simplicidade – use palavras simples, evitando jargões, a menos que se
tenha certeza de que o interlocutor está familiarizado com eles. ↵
137. Precisão – seja específico sobre o que você está perguntando para
evitar ambiguidade. ↵
138. Pertinência – a pergunta deve estar relacionada ao tópico em
discussão ou ao problema que está tentando resolver. ↵
139. Foco – mantenha a atenção na informação ou resposta que você busca
obter. ↵
140. Direcionamento – a pergunta deve conduzir a conversa ou
investigação em uma direção que seja produtiva e informativa. ↵
141. Intenção clara – a razão para a pergunta deve ser evidente e
construtiva. ↵
142. Imparcialidade – evite carregar a pergunta com suas próprias opiniões
ou expectativas. ↵
143. Abertura – esteja aberto para qualquer resposta, mesmo que não
alinhe com suas premissas ou crenças. ↵
144. Pergunta aberta vs. fechada – uma pergunta fechada tipicamente
exige uma resposta curta ou de “sim/não”, enquanto uma pergunta
aberta encoraja uma resposta mais desenvolvida e detalhada. A
pergunta aberta é mais exploratória, usada quando desejamos obter
insights, percepções, perspectivas mais amplas, enquanto uma
pergunta fechada é usada quando precisamos de informações
específicas, diretas e frequentemente quantificáveis. ↵
145. Ordem lógica – se estiver fazendo várias perguntas, organize-as de
uma maneira que faça sentido e flua naturalmente na conversa. ↵
146. Sensibilidade - evite perguntas que possam ser muito invasivas ou
insensíveis a possíveis questões emocionais ou traumáticas. ↵
147. Privacidade – respeite os limites do que a outra pessoa pode estar
disposta ou autorizada a compartilhar. ↵
148. O paradoxo do ovo e da galinha é uma questão filosófica e científica
que pergunta: “O que veio primeiro: o ovo ou a galinha?”. A indagação
explora um ciclo causal, em que cada opção parece depender da outra
para existir, criando um dilema sem resposta aparentemente lógica.
Se considerarmos que a galinha veio primeiro, de onde ela veio se não
de um ovo? Mas, se o ovo veio primeiro, quem o pôs se não foi uma
galinha? Este paradoxo, além de incitar reflexões sobre causalidade e
origens, pode ser explorado de diversas maneiras em diferentes
campos, como na biologia, teologia e filosofia, proporcionando
variadas interpretações e respostas. ↵
149. Esse tipo de navegação na informação é denominado RAG, ou
Retrieval Augmented Generation – mais informações em:
https://www.promptingguide.ai/techniques/rag ↵
150. A argumentação e a retórica são interdependentes – vemos aqui, nos
elementos que fundamentam a argumentação, a presença dos
recursos da retórica: logos, páthos e ethos. Aristóteles classificou os
recursos retóricos em três categorias principais, conhecidas como os
“modos de persuasão”. Estes são: 1) Ethos (caráter): a credibilidade
ou caráter do orador; 2) Pathos (emoção): o apelo para as emoções do
público; e 3) Logos (lógica): o uso da lógica e da razão para persuadir.
Esses recursos retóricos fornecidos por Aristóteles continuam a ser
fundamentais na arte da persuasão e são amplamente estudados e
aplicados na retórica contemporânea. Aprofundaremos os recursos
persuasivos mais à frente, na discussão sobre a retórica. ↵
151. Falácias são erros de raciocínio que podem levar a conclusões
incorretas. ↵
152. A indução resulta em uma generalização que é aceita como verdadeira
com base em observação. Contudo, é essencial entender que a
indução, por sua própria natureza, não garante conclusões verdadeiras
com 100% de certeza. Em vez disso, ela fornece uma razão forte para
acreditar que a generalização é verdadeira com base nas evidências
apresentadas. No caso de o sol nascer no leste, a evidência é
esmagadoramente consistente e não temos razão para acreditar no
contrário com base no nosso conhecimento atual. No caso dos
pássaros, apesar de a conclusão não ser 100% verdadeira ela traz
uma generalização que é verdadeira na maioria das vezes. ↵
153. A lógica trata de abstrações, e não de coisas tangíveis que podemos
ver ou tocar. Lidar com conceitos abstratos pode ser desafiador para
muitas pessoas, especialmente aquelas que estão mais acostumadas
a pensar de forma concreta. ↵
154. A lógica formal usa uma variedade de símbolos e notações que podem
parecer estranhos e intimidadores para os iniciantes. Assim como
aprender uma nova linguagem, requer prática para se tornar fluente.

155. Algumas conclusões lógicas podem parecer contraintuitivas à primeira
vista. Por exemplo, na lógica clássica, uma implicação (se... então...) é
considerada verdadeira mesmo quando a premissa é falsa,
independentemente da verdade da conclusão. Isso pode ser confuso
para quem está começando. ↵
156. Enquanto os princípios básicos da lógica podem ser simples, os
problemas e teoremas podem se tornar extremamente complexos à
medida que se avança no estudo. A prova de alguns teoremas pode
exigir um alto nível de habilidade e compreensão. ↵
157. A lógica exige um pensamento rigoroso e preciso. Pequenos erros em
um argumento ou prova podem invalidar toda a conclusão. Essa
precisão pode ser exaustiva. ↵
158. Os seres humanos são suscetíveis a vários vieses cognitivos que
podem interferir no pensamento lógico. Por exemplo, pode haver uma
tendência a acreditar em algo porque é confortável ou familiar, em vez
de porque é logicamente válido. Discutiremos a superação dos vieses
cognitivos a seguir, como um dos pilares do pensamento crítico. ↵
159. Existem vários sistemas lógicos (lógica clássica, lógica intuicionista,
lógica modal, entre outros), cada um com suas próprias regras e
axiomas. Dominar um não garante automaticamente a proficiência nos
outros. ↵
160. Muitas vezes, as situações do mundo real são mais matizadas e
complexas do que os cenários idealizados discutidos nos estudos
lógicos. Isso pode fazer com que a lógica pareça desconectada da
realidade ou menos útil do que realmente é. ↵
161. As três artes antigas do discurso – retórica, gramática e lógica –,
denominadas trivium, são um subconjunto das Sete Artes Liberais da
Antiguidade, que compreendiam também as quatro artes do
quadrivium (astronomia, aritmética, geometria e música). Mais
informações em https://en.wikipedia.org/wiki/Rhetoric ↵
162. Estratégias de persuasão vazias (discursos que se concentram apenas
na retórica superficial, como o uso de figuras de linguagem, sem
fornecer um argumento substancial para apoiar sua posição) ou
discurso vazio de conteúdo (caso de discursos eloquentes, mas que
carecem de conteúdo substancial ou argumentação sólida. Isso é
muitas vezes chamado de “retórica vazia” ou “retórica oca”). ↵
163. Manipulação emocional é o uso das técnicas retóricas para apelar às
emoções do público sem apresentar argumentos racionais sólidos. Isso
é comum em discursos políticos ou publicitários que buscam criar uma
conexão emocional com o público, sem apresentar argumentos ou
fundamentações. ↵
164. Oratória exclusivamente estilística é quando a retórica pode ser usada
principalmente para criar um efeito estilístico ou artístico, sem
necessariamente apresentar argumentos robustos, por exemplo em
certos contextos como cerimônias formais ou entretenimento. ↵
165. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica ↵
166. Os vieses cognitivos foram inicialmente identificados e explorados
pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky nas décadas de
1960 e 1970. Por meio de sua pesquisa, eles descobriram que os seres
humanos frequentemente tomam decisões e julgamentos que desviam
das previsões da teoria econômica clássica e da lógica estatística.
Kahneman e Tversky, junto com outros pesquisadores que seguiram
seus passos, identificaram vários vieses cognitivos que afetam a
maneira como tomamos decisões e percebemos o mundo ao nosso
redor. Esses insights não apenas desafiaram as noções existentes
sobre racionalidade humana na economia e em outras disciplinas, mas
também abriram novos caminhos em áreas como a economia
comportamental, a psicologia cognitiva e as ciências da decisão.
Daniel Kahneman foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em
2002 por seu trabalho pioneiro nesta área. ↵
167. Ver https://www.mckinsey.com/featured-insights/diversity-and-
inclusion/diversity-wins-how-inclusion-matters ↵
168. Estudo disponível em: https://www.globenewswire.com/news-
release/2022/08/09/2494604/0/en/Diversity-and-Inclusion-D-I-Global-
Market-Report-2022-Diverse-Companies-Earn-2-5-Times-Higher-Cash-
Flow-Per-Employee-and-Inclusive-Teams-Are-More-Productive-by-Over-
35.html ↵
169. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_cognitive_biases ↵
170. Ao longo do tempo, os fatores “influências culturais” e “avanços na
compreensão e desenvolvimento humano” se impactam mutuamente
na relação “Indivíduos vs. Sociedade” — enquanto indivíduos
podem trabalhar para superar os seus vieses, as estruturas da
sociedade podem reforçá-los, como é o caso de culturas que valorizam
determinados comportamentos ou crenças, reforçando, assim, os
vieses associados a eles, mesmo que os indivíduos estejam tentando
combatê-los. Por outro lado, quando uma cultura se transforma na
direção de um trabalho conjunto para superar um determinado viés,
ela se torna um vetor de mudança influenciando os indivíduos para se
transformarem também. Um exemplo de cultura que reforça vieses
é a cultura do patriarcado em muitas sociedades ao redor do mundo,
distorcida com a crença de que homens são naturalmente mais
adequados para cargos de liderança e que certas profissões são mais
masculinas ou femininas. Nesse caso, mesmo que indivíduos
reconheçam e desafiem esses vieses de gênero, o ambiente cultural
dominante pode tornar difícil a superação completa dessas noções
preconcebidas. No caso de a cultura favorecer o combate a
vieses, podemos citar a cultura escandinava, que tem feito esforços
significativos para combater vieses, por meio de enfatizar a igualdade
de gênero em várias esferas, desde políticas de licença parental até
iniciativas educacionais. Nesse tipo de cultura, os indivíduos
enviesados são influenciados para combater esses vieses. ↵
171. Tendência do nosso cérebro em dar mais atenção às informações que
confirmam as nossas crenças existentes, enquanto ignora dados que
as contrariam. Dessa forma, apesar de as evidências contrárias
estarem disponíveis, elas não são consideradas no processo de
pensamento, desviando-o do caminho racional e lógico que deveria
tomar. ↵
172. Esse viés foi descrito num estudo publicado por Betsy Sparrow, Jenny
Liu e Daniel M. Wegner. ↵
173. https://en.wikipedia.org/wiki/Dunning%E2%80%93Kruger_effect ↵
174. https://medium.com/discourse/the-dunning-kruger-effect-explains-why-
society-is-so-screwed-up-1432aca90aa8 ↵
175. https://en.wikipedia.org/wiki/Dunning%E2%80%93Kruger_effect ↵
176. A história dessa frase também está relacionada a uma passagem da
obra Apologia de Sócrates de Platão, citada anteriormente. De acordo
com a narrativa, o Oráculo de Delfos havia proclamado que ninguém
era mais sábio do que Sócrates, que ficou perplexo com isso, pois ele
próprio não acreditava ser particularmente sábio. Ele então começou a
conversar com várias pessoas consideradas sábias em Atenas e
descobriu que muitas delas acreditavam saber mais do que realmente
sabiam. Por meio do seu método de questionamento, ele verificou a
ignorância dessas pessoas e concluiu que, se ele era considerado
sábio, era apenas porque ele reconhecia a própria ignorância,
enquanto outros não. É nesse contexto que a frase “Só sei que nada
sei” é frequentemente citada. ↵
177. Esse fenômeno em ambientes complexos é conhecido como Efeito
Borboleta. Mais informações em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Butterfly_effect ↵
178. https://en.wikipedia.org/wiki/Halo_effect ↵
179. Os documentários A Era dos Dados, Coded Bias e O Dilema das Redes
são excelentes fontes sobre o processo de enviesamento dos
algoritmos. ↵
180. A polarização de opiniões é um fenômeno em que as pessoas em um
grupo ou sociedade tendem a se agrupar em torno de pontos de vista
extremos, distanciando-se das posições moderadas ou centrais. Ela
pode ser problemática porque tende a impedir discussões produtivas,
dificultar o consenso e aumentar a hostilidade entre grupos diferentes.

181. https://nobaproject.com/modules/eyewitness-testimony-and-memory-
biases ↵
182. Garrett, B. L. (2011). Convicting the innocent. Cambridge, MA: Harvard
University Press. ↵
183. https://en.wikipedia.org/wiki/Vulcan_salute ↵
LIDERANDO O FUTURO
Visão, estratégia e habilidades
DVS Editora Ltda. 2024 – Todos os direitos para a língua portuguesa
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Gabriel, Martha
Liderando o futuro : visão, estratégia e
habilidades / Martha Gabriel . -- São Paulo : DVS
Editora, 2024.

Bibliografia
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1. Futuro - Perspectivas 2. Gestão de


negócios 3. Habilidades - Desenvolvimento 4.
Inovação tecnológica 5. Liderança 6.
Pensamento crítico I. Título.

23-179751 CDD-650.13

Índices para catálogo sistemático:


1. Liderança : Desenvolvimento pessoal :
Administração 650. 13

Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415


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