Boletim N° 074
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Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado n° 074 – Novembro 2019
SUMÁRIO
SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
Aviso ...................................................................................................................................................... 3
ESTUDOS DO CAOCRIM--------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1-Tema: Enunciados CAO CRIM- Lei de Abuso de autoridade - (LEI 13.869/2019) ................................ 3
DIREITO PENAL------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 12
1-Tema: STJ repudia tese de legítima defesa da honra em caso de feminicídio .................................. 12
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Boletim Criminal Comentado n° 074 – Novembro 2019
AVISO
ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Enunciados CAO CRIM- Lei de Abuso de autoridade - (LEI 13.869/2019)
O Grupo de Trabalho instituído pelo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, por meio do
ato normativo 77/2019 concluiu a elaboração dos enunciados acerca da lei de abuso de
autoridade, aprovada neste ano pelo Legislativo Federal. O documento traz uma série de
orientações para a atuação dos promotores e procuradores de Justiça.
A numeração obedece a ordem cronológica dos enunciados que constam na página eletrônica
do CAO CRIM.
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Os crimes da Lei de Abuso de Autoridade são perseguidos mediante ação penal pública
incondicionada. A queixa subsidiária pressupõe comprovada inércia do Ministério Público,
caracterizada pela inexistência de qualquer manifestação ministerial.
O requerimento do ofendido para a reparação dos danos causados pela infração penal dispensa
qualquer rigor formal.
O sujeito ativo do art. 9º., “caput”, da Lei de Abuso de Autoridade, diferentemente do parágrafo
único, não alcança somente autoridade judiciária. O verbo nuclear “decretar” tem o sentido de
determinar, decidir e ordenar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade
com as hipóteses legais.
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Com o fim de preservar a sua identidade, imagem e dados pessoais, é possível, nas exceções
legais, que da nota de culpa não conste o nome do condutor, das testemunhas e das vítimas.
Constranger o preso ou o detento, mediante violência ou grave ameaça, a produzir prova contra
si mesmo ou contra terceiro pode configurar delito de abuso de autoridade (Lei 13.869/19) ou
crime de tortura (Lei 9.455/97), a depender das circunstâncias do caso concreto.
Para efeitos do artigo 18 da Lei de Abuso de Autoridade, compreende-se por repouso noturno o
período de 21h00 a 5h00, nos termos do artigo 22, § 1°, III, da mesma Lei.
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A elementar “imóvel” do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade deve ser conceituada nos
termos do artigo 79 do Código Civil.
O mandado de busca e apreensão deverá ser cumprido durante o dia (art. 5º., XI, CF/88). Mesmo
havendo luz solar, veda-se seu cumprimento entre 21h00 e 5h00, sob pena de caracterizar abuso
de autoridade (art. 22, §1º., inc. III).
O uso da prova derivada da ilícita está abrangido pelo tipo penal incriminador do art. 25 da Lei
de Abuso de Autoridade, devendo o agente ter conhecimento inequívoco da sua origem.
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O crime do art. 28 da Lei de Abuso de Autoridade (Divulgar gravação ou trecho de gravação sem
relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo
a honra ou a imagem do investigado ou acusado) pressupõe interceptação legal (legítima e lícita),
ocorrendo abuso no manuseio do conteúdo obtido com a medida.
Quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir
de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido pratica abuso de autoridade
(art. 33, parágrafo único) se o comportamento não estiver atrelado à finalidade de
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contraprestação do agente ou autoridade. Caso contrário, outro será o crime, como corrupção
passiva (art. 317 do CP).
Os crimes de abuso de autoridade com pena máxima superior a dois anos, salvo no caso de foro
por prerrogativa de função, são processados pelo rito dos crimes funcionais, observando-se a
defesa preliminar do art. 514 do CPP.
Por ser privativa do servidor público, o particular concorrente no crime de abuso de autoridade
não faz jus à preliminar contestação prevista no art. 514 do CPP.
A inobservância do disposto no artigo 514 do CPP é causa de nulidade relativa, devendo ser
alegada no tempo oportuno, comprovando-se o prejuízo, sob pena de preclusão.
A formalidade do art. 514 do CPP é dispensável quando a denúncia envolver, além do crime
funcional, delito de outra natureza, ambos em concurso.
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ENUNCIADO 70 (ANPP)
Crimes de abuso de autoridade, cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, presentes
os pressupostos do art. 18 da Res. 181/17 do CNMP, admitirão o acordo de não persecução
penal, salvo se a sua celebração não atender ao que seja necessário e suficiente para a
reprovação e prevenção do crime.
A representação indevida por abuso de autoridade contra juiz, promotor de Justiça, delegados
ou agentes públicos em geral, não enseja a suspeição ante a aplicação da regra de que ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza, nos termos do que disposto, inclusive, no art. 256 do CPP.
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Conflito negativo de jurisdição. Procedimento criminal que visa a apurar eventual prática do
crime de descumprimento de medidas protetivas aplicadas com fundamento no art. 24-A da Lei
nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Feito que tramitava perante a Vara Criminal da Comarca
de Franco da Rocha. Determinação de remessa dos autos ao Juizado Especial Cível e Criminal da
mesma Comarca, ao fundamento de que o delito praticado é de menor potencial ofensivo.
Impossibilidade. Atos imputados praticados após a publicação da Lei nº 13.641/2018, que
alterou a Lei nº 11.340/2006, para incluir o crime de descumprimento de medidas protetivas de
urgência. Crime, portanto, objeto de tipificação expressa na norma criada para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher (artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006). Fatos descritos,
ademais, que decorrem do gênero e violam os direitos da mulher, ensejando a proteção especial.
Impossibilidade de se considerar crime de menor potencial ofensivo e cuja prática ofende apenas
a Administração Pública. Competência da Vara Criminal. Conflito procedente. Competência do
juízo suscitado (Vara Criminal da Comarca de Franco da Rocha).
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha (aliás, crime próprio, pois só pode ser
cometido por quem deve observância às medidas protetivas decretadas), tem pena de detenção
que varia entre três meses a dois anos. Logo surgiu corrente sustentando a possibilidade de
aplicação das medidas despenalizadoras previstas na Lei dos Juizados Criminais (Lei n.
9.099/1995), em virtude da pena objetivamente cominada ao crime. É que o art. 61, da Lei dos
Juizados Criminais, considera infração penal de menor potencial ofensivo, o crime cuja comine
pena máxima não superior a dois anos. Demais disso, não se trataria, especificamente, de crime
praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas sim de crime contra a
Administração Pública, de forma que a vedação do art. 41 da lei em análise, que impede a
aplicação da Lei 9.099/1995, não incidiria neste caso. Não seria possível, assim, se estender a
interpretação do art. 41 para abranger infrações penais que em nada se relacionam com a
definição de violência doméstica de que trata o art. 5º da mesma lei.
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O CAO vem sustentando tese diversa. Temos como inaplicáveis as disposições da Lei dos Juizados
Criminais à conduta em exame. Importaria em verdadeiro contrassenso que uma inovação que
tenha vindo – se imagina – em proteção à vítima de violência doméstica, pudesse admitir a
imposição de medidas despenalizadoras, reservadas a condutas menos graves, de menor
potencial ofensivo.
De resto, o art. 41 é expresso ao proibir a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos crimes perpetrados
no âmbito da violência doméstica. A nosso ver, a disposição que veda a concessão de fiança pela
autoridade policial, após a prisão em flagrante do agente (§ 2º), revela a intenção do legislador
de, efetivamente, retirar o crime do art. 24-A da esfera das infrações de menor potencial
ofensivo, tal como ocorre com as demais infrações penais envolvendo violência doméstica e
familiar contra a mulher. Ora, se a Lei n. 9.099/1995, no parágrafo único, de seu art. 69, proíbe
a prisão em flagrante desde que o autor do fato assuma o compromisso de comparecer em Juízo
e, ao revés, o § 2º acima prevê a prisão em flagrante (ao aludir à fiança), conclui-se, sem maior
esforço, pela incompatibilidade dos favores da Lei dos Juizados Criminais com os delitos
perpetrados sob o timbre da violência doméstica.
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DIREITO PENAL:
1-Tema: STJ repudia tese de legítima defesa da honra em caso de feminicídio
Ao rejeitar o recurso especial de um homem denunciado por matar a esposa estrangulada após
uma festa, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz repudiou o
argumento da defesa segundo o qual a vítima teria adotado "atitudes repulsivas" e provocativas
contra o marido, o que justificaria o reconhecimento de legítima defesa da honra e a absolvição
sumária do réu.
"Embora seja livre a tribuna e desimpedido o uso de argumentos defensivos, surpreende saber
que ainda se postula, em pleno ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da
companheira por, supostamente, ter sua honra ferida pelo comportamento da vítima. Em um
país que registrou, em 2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de feminicídio, soa no
mínimo anacrônico alguém ainda sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em nome
da honra do seu consorte", afirmou o ministro.
De acordo com o processo, durante uma festa, a vítima teria dançado e conversado com outro
rapaz, o que gerou a ira e despertou os ciúmes do marido, que estaria alcoolizado. Ela também
teria dito que queria romper o relacionamento. Em casa, o homem pegou uma corda e laçou o
pescoço da mulher, matando-a por asfixia.
Atos primitivos
Após a instrução processual, o magistrado proferiu decisão determinando que o réu seja julgado
no tribunal do júri pela prática de homicídio qualificado (motivo fútil, asfixia, recurso que
dificultou a defesa da vítima e feminicídio). A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, que rejeitou o pedido de absolvição sumária com base em legítima defesa da
honra.
No recurso dirigido ao STJ, a defesa alegou que as atitudes da vítima ao longo de muitos anos
causaram danos graves à honra do marido, deixando-o abalado psicologicamente e fazendo
despertar a impulsividade e a violenta emoção que levaram à prática de "atos primitivos".
Ainda segundo a defesa, muito embora a materialidade do crime e a autoria sejam indiscutíveis,
haveria uma causa excludente de ilicitude, na modalidade legítima defesa da honra. Por isso,
pediu o reconhecimento dessa excludente e, consequentemente, a reforma da decisão que
mandou o réu ao júri.
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Subsidiariamente, a defesa pleiteou que, antes do julgamento popular, o TJSC pudesse analisar
seus pedidos de afastamento das qualificadoras do crime de homicídio e de diminuição de pena
com base no artigo 121, §1º., do Código Penal.
Tese esdrúxula
O ministro Rogerio Schietti disse que razões processuais impedem o conhecimento do recurso
(Súmula 182 do STJ). Ainda assim, ele lembrou que, pelo menos desde 1991, o tribunal refuta
com veemência a tese de legítima defesa da honra como fundamento para a absolvição em casos
de homicídio cometido pelo marido contra a esposa.
"Não vivemos mais períodos de triste memória, em que réus eram absolvidos em plenários do
tribunal do júri com esse tipo de argumentação", afirmou Schietti, dizendo-se surpreso em ver
que esse tipo de fundamento ainda é sustentado pela defesa técnica em uma corte superior,
como se a decisão judicial que afastou a "esdrúxula" tese fosse contrária à lei penal.
Leia a decisão.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem, justifica a sua conduta pela legítima defesa, segundo
preceitua o artigo 25 do Código Penal.
“A legítima defesa tem dois ângulos distintos, mas que trabalham conjuntamente:
a) no prisma jurídico individual, é o direito que todo homem possui de defender seus bens
juridicamente tutelados. Deve ser exercida no contexto individual, não sendo cabível invocá-la
para a defesa de interesses coletivos, como a ordem pública ou o ordenamento jurídico;
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se extrai o princípio de que a legítima defesa merece ser exercida da forma menos lesiva
possível” (1).
Por óbvio, como bem asseverou o Ministro Relator, incabível a legítima defesa da honra nos
crimes contra a vida, pois manifesta a desproporção entre os bens em conflito.
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