SOUTHEY, Robert. História Do Brasil Vol. 2
SOUTHEY, Robert. História Do Brasil Vol. 2
SOUTHEY, Robert. História Do Brasil Vol. 2
BRAZIL
^OTA BENE
ROBERTO SOLTHEY
PELO
CONEGO Dr J . C. FERNANDES P I N H E I R O
TOMO SEGUNDO
RIO DE JANEIRO
LIVRARIA DE B. L. GARNIER
RUA DO O U V I D O B , 60
1862
Todos direitos de propriedade reservados.
HISTORIA DO BRAZIL
CAPITULO XII
1
O primeiro Inglez que se menciona como tendo commerciado
..'este paiz, é Master William Hawkins, de Plymouth, pae desir.John
Hawkins, « homem mui estimado do rei Henrique VIII, como prin-
cipal capitão de mar. Armou um navio seu de duzentas e cincoenta
toneladas, chamado o Paul ofPlimouth, en que fez duas viagens ao
Brazil, uma en 1550 e outra cm 1552 ; da primeira das quaes trouxe
um rei brazileiro, como o chamarão, para o apresentar a Henri-
que VIU nos seus tiajos selvagens, á vista do que não ficarão pouco
maravilhados o rei e toda a nobreza, e razão tinhão para isso. » Em
reféns tinha ficado um certo Martim Cockeram, de Plymouth. Quasi
um anno ficou o cacique na Inglaterra, e morreu na viagem para a
pátria, o que se receou redundasse em damno da vida de Martim
Cockeram. Os selvagens porem, plenamente convencidos da lizura do
procedimento que com o seu príncipe se tivera, restituirão illeso o
refém. Hakhtyt, tomo 5, p. 700. Purchas, 1. 6, c. 4, p. 1179.
Pelo anno de 1540 entregavão-se ao lucrativo e commodo trafico
do Brazil vários mercadores ricos e abastados de Southampton. Um certo
Pudsey, da mesma cidade, diz-se que fizera em 1542 uma viagem á
Bahia construindo não longe dVJi um forte. Ilakluyt, t. 5, p. 701.
8 HISTORIA DO BRAZIL.
relações regulares entre a Inglaterra c estas colônias
portuguezas. Um Inglez, por nome John Wlntliall,
casou-se e domiciliou-se em Santos, e tendo optido,
por influencia do sogro, licença para vir um navio
inglez com mercadorias, escreveu aos seus amigos,
mandou-lhes uma lista de artigos, que vendidos de-
vião dar três por um, e promelteu de carregar o
barco de fino assucar secco para a volta. Despachou-
se de Londres o llinion para tentar a aventura. Os
mercadores forão bem recebidos e de parle a parte
1reinou a maior confiança. Correu que quatro navios
francezes, expulsos do Rio de Janeiro, vinhão atacar
Sanctos, e os Inglezes emprestarão para a defeza
peças e munições. Nem o fanatismo religioso pre-
judicou esta boa intelligencia; enterrou-se um In-
glez na egreja, e quando deS. Sebastião vierão ordens
para que se não deixassem entrar nos templos os
Inglezes, por serem hereges, manifestou o clero de
Sanctos, intimando esta prohibição, o pezar que lhe
causavasimilhante decreto, e a causad'elle, pedindo
aos extrangeiros que por tal o não tivessem em má
conta. Mas tiverão máo fim tão bons principios; ef-
fectuou-sepor estes tempos a usurpação dePhilippe,
nem tardou que o Brazil tivesse o seu quinhão nas
calamidades 1 , que a Inglaterra, entregando-se ao
1
Na viagem de Sarmiento (p. 571-5) se diz que em 1579 apare-
lhou algum grão senhor na Inglaterra uma expedição de dez naus,
que passou o estreito, e depois retrocedeu, tencionando estabelecer-se
HISTORIA DO BRAZIL. 9
pcor espirito de guerra predatória, começara a in- 1583-
fugir á America do Sul.
Demandou a costa do Brazil uma expedição desti- Expedição
do Fenton.
nada ás índias Orientaes e á China, debaixo das or-
dens de Eduardo Fenton. Carecia a armada de
refrescar, e tendo sabido d'um navio hespanhol,
tomado e outra vez salto á foz do Prata, que provi-
sões ainda se poderião obter n'aquelle rio, mas vi-
nho não, singrou para S. Vicente sem intenções
hostis, Giuseppe Doria, o sogro de Whilhall, veio
a bordo com dous dos principaes habitantes, e depois
d'esta visita amigável foi Fenton a terra a ver um
logar, onde o ferreiro podesse erguer uma forja, e
se collocassem os fornos portáteis para cozer o bis-
couto. No dia seguinte veio Whilhall a bordo dizer,
que os Portuguezes tinhão mandado para fora as mu-
lheres esíortificado a villa, pelo que aconselhava que
possem os navios immediatamente ancorar deante
d'ella. Logo atraz d'elle vierão Doria e um Porluguez,
na costa do Brazil, onde lhe apparecesse situação favorável. A' capitania
derão-se novecentas toneladas, e, alem da tripolação, quatrocentos
soldados e cem menesteiraes. A esquadra dispersou-se á vista da costa, .
e este navio naufragou, salvando-se apenas alguns homens na lancha,
a maior parte dos quaes forão mortos e o resto feitos prizioneiros
pelos Portuguezes. Um dos últimos, grande mathematico, disse que
tinhão derribado um pillar com as armas de Portugal, e posto em
seu logar outro com as da Inglaterra, para tomar posse do paiz entre
o Paraguay e a costa.
Não encontro nenhuma relação de viagem ingleza que corresponda
a esta narrativa. Tem ella porem todas as apparências de verídica.
10 HISTORIA DO BRAZIL
1583. c o m a noticia, de que dentro em poucos dias fallaria
o governador a Fenton, podendo os Inglezes enlre-
lanto proseguir nos seus trabalhos de forrar de
cobre, carpinteirar, pescar e mais operações neces-
sárias, mas que não erigissem forja nem fornos
antes de terem visto o governador. Convidou Fenton
estes hospedes para o jantar, e deixando-os na câ-
mara, subiu á tolda, para consultar com os seus
officiaes sobre se os reteria prizioneiros. O vice-almi-
rante Ward representou que as suas inslrucções lhes
prohibião empregar a violência, excepto em defeza
própria ; o Mininn, ponderou elle, linha aberto aqui
um commercio, que similliante procedimento des-
truiria, tornando odiosos os Inglezes, quando havia
mais que ganhar com bons modos do que recorrendo
á força. Prevaleceu esta opinião, e offereceu-se um
presente, previamente preparado; consistiu em
panno preto fino para Doria e os dous primeiros vi-
sitantes, três jardas a cada um para um gibão, e
egual quantidade para o governador, porem escarlate
e rosicler.
Principio Mas o mal que Ward receava d'um procedimento
hostilidades, hostil, ja Drake o havia causado; os Inglezes erão
odiados e todos os Hespanhoes na America os olliavão
Argentina, como piratas. O navio que Fellon havia tomado e
l 1
24. *
outra vez largado, encontrou-se com Flores, a quem
deu noticia de que andavão inimigos n'aquelles ma-
res. Poz-se este a cruzar em busca d'elles, mas sem
HISTORIA DO BBAZIL. 11
resultado; Ires dos seus navios porem entrarão em 1583-
Saneia Catharina e alli liverão novas de S. Vicente.
Dizia-se que os Inglezes queriào estabelecer-se e for-
tificar-se n'aquella costa; que Whilhall a isto os
chamara; que elles andavão propalando que D. Phi-
lippe era morto e D. Antônio de posse de Portugal;
e que em nome da sua rainha fazião grandes pro- "'li^n.'
messas, com que induzir o povo a acolhel-os. Parle
d'esta historia podia ser verdadeira e o resto seria
inventado pelos inimigos de Whilhall; mas a recor-
dação ainda fresca das façanhas de Drake tudo tor-
nava crivei, pelo que facilmente também se acreditou
tudo isto. Duas horas depois de ter Doria deixado o
navio de Fenton, appareceua esquadra hespanhola,
atravessou na barra, e preparou-se para o ataque.
Não erão mais que dous os navios inglezes, porem
melhores. Rompeu a acção ao cahir da tarde, e durou
em quanto deu luz a lua; um dos navios hespanhoes
foi a pique *, e no decurso do dia seguinte ganharão
os Inglezes o vento e íizerão-se ao mar.
1
« Pela razão, diz Lopez Vaz, que estes três navios vinhão enfraque-
cidos e trabalhados de antigas tormentas, e tripolados com o refugo
de toda a armada hespanhola (achando-se n'elles embarcados os doen-
tes e as mulheres), facilmente levarão os Inglezes a melhor, mettérão
um no fundo, e terião feito a mesmo a outro, se o houvessem que-
rido; mas elles não desejavão a perda de ninguém; e o maior valor
que os homens podem mostrar, é por sem duvida deixarem de fazer
o mal que podem. » Esta parte do Discurso foi previamente trans-
cripta por Hakluyt, que provavelmente ao imprimir o extracto, não
tinha intenção de inserir depois o texto na sua integra. Como o ori-
12 HISTORIA DO BRAZIL.
1583. Foi este o primeiro acto de hostilidade commet-
g l S tido no Brazil pelos Inglezes, que ainda assim não
forão os aggressores; mas o Brazil era agora colônia
hespanhola, e como tal exposto ás depredações de
todo o ílibusteiro. Três annos depois da volta de Fen-
ton destinou-se para o mar do Sul oulra expedição,
cujas instrucções não erão egualmenle pacificas. Car-
regou o conde de Cumberland com as despezas da
aventura, de que foi commandanle Roberto Witli-
rington. A elle se reunirão outros dous corsários,
d'um dos quaes era Raleigh o armador. Withrington
capturou á embocadura do Prata dous chavecos por-
tuguezes, que seguião para Saneia Fé *; as informa-
son em
jado o patrimônio da sua casa, pensou este aventu- í ^ t i " :
reiro refazer ao corso a destroçada fortuna; e numa
primeira viagem que fizera á volta do mundo, taes
bavião sido as atrocidades commeltidas que por
muito tempo deixarão nodoa no caracter da nação
ingleza. Os despojos que então trouxera havião-no
tentado a emprehender segunda expedição, mas de
tal forma os tinha elle dissipado ja, que teve de sahir
sem provisões bastantes, pelo que mandou adeante
dous navios da sua esquadra, a tomar a cidade de
1
0 titulo de marquez das Minas veio a verificar-se na pessoa d'um
neto de D. Francisco de Souza, Visconde do Prado. F. P.
16 HISTORIA DO BRAZIL.
1583
' Sanctos, para que todos se abastecessem. Foi a popu-
16 de drz. ' l i
lação sorprebendida á missa : um so homem tentou
Tomadn resistir, e foi morto, o resto ficou relido prezo na
tTnció. egreja todo aquelle dia. Mas em logar de barganhar
um supprimento de viveres como resgate, so cuidou
Cocke o vice almirante, de regalar-se ebanquelrar-
se com o que achou. Aproveitarão os moradores o
tempo não so para fugirem, mas também para leva-
rem tudo o que era portátil, de modo que quando oito
ou dez dias mais tarde chegou Cavendish, achou uma
praça sem habitantes nem mantimenlo. Muitos índios
vierão offerecer-lhe a sua alliança, se quizesse exter-
minar os Portuguezes, e guardar para si as terras; não
era isto porem partido para um flibusleiro, eos nalu-
raes não querião expor-se á vingança de seus antigo
oppressores, procurando caplivar as boas graças d'um
povo, do qual bem vião que era inútil esperar pro-
tecção. Debalde se lenlou chamar os colonos outra
vez á cidade, convidando-os em nome de D. Antônio:
este grito de guerra era demasiado velho, e desespe-
rada de mais a causa. Mas com uma imprevidencia
que bem merecia a sorte que lhe acarretou, deixou-
se a esquadra aqui ficar algumas semanas 1 , partindo
a final menos provida de tudo do que viera.
4
Havia uma imagem de burro de Sancta Catlmrina, que Luiz, ir-
mão do donatário Pedro de Góes, junetamente com sua mulher tinhão
dado á villa de Sanctos; estava n'uma capellinha nas fraldao d'um ou-
teiro chamado do nome da saneia. Os Inglezes alirárão a ima»em ao
HISTORIA DO BRAZIL. 17
De caminho queimarão os Inglezes S. Vicente, se- 1S9'2
guirão para o estreito, não o poderão passar, e forão Cavcndish
queima
S. Vicente.
dispersos por um temporal. Cavendish voltou so á
costa do Brazil, e a cerca de três legoas de Sanctos
mandou a terra vinte e cinco homens, que se apode-
rassem o mais depressa possível das provisões que
achassem, trazendo-as a bordo para soccorro de seus
camaradas doentes e esfomeados. D'esta partida, com-
posta dos principaes do navio, nem um so homem
voltou. Reunindo-se, atacárão-nos os índios, ao pre-
pararem-se elles para reembarcar, e matárão-nos
todos, poupando apenas dous, que levarão prizio-
neiros a Sanctos, entrando na cidade cm triumpho
com as cabeças dos mortos. Pouco depois fez Caven-
dish juncção com o Roebuck, um dos navios da sua
desgraçada esquadra, e continuando a costear forão
todos assolando casas e plantações, até que um Por-
luguez se encarregou de metter os dous barcos den-
tro da barra do Espirito Sancto, logar a que espe-
cialmente desejavão chegar, pela abundância de todas
as couzas que alli pensavão achar. Não julgando pru-
dente confiar implicitamente no dizer do seu prizio-
mar. Muitos annos depois tornou ella a sahir inteira n'uma tarrafa :
erigiu-se-lhe nova capella, e em memória do longo tempo que jazera no
fundo do oceano, deixárão-lhe as cascas de ostras, que d'ella se Lm—
vião pegado. Alli se venera ainda hoje cm dia, e os que mostrão a
imagem, observão que o maior milagre foi não a terem os icono-
clastas inglezes despedaçado antes de arremessarem ás ondas. Fr.
Gaspar da Madre de Deus, 1, § 71.
ii. 2
18 HISTORIA DO BRAZIL.
592
' neiro, lançou ferro o commandante e mandou um
escaler a sondar a barra. 0 fundo que se achou não
pareceu sufíiciente; de balde o Porlugucz protestou
que não tendo jamais sondado o canal, havia mettido
dentro navios de cem toneladas; merecia a forca,
quer dos Inglezes, por querer fazei os naufragar,
quer dos seus próprios conterrâneos por encarregar-
se de pilotar os inimigos, e Cavendish sem mais ce-
remonia nem exame o pendurou da verga.
Tentativa Os botes entrarão a barra e descobrirão Ires navios
conlia
G E P ito
s an cto ancorados perto da villa. Sem perda de tempo queria
o commandante mandar picar-lhes as amarras, mas
approximava-se a noute, e a gente recusou ir antes
que amanhecesse. Toda a demora era perigosa; o
canal era péssimo, «jamais navios o navegarão peor,»
diz Cavendish; passar a barra era impossível, e todo
á volta estava o paiz em fogo. Comludo nenhum re-
médio havia contra a desobediência, e irritado como
estava, teve o commandante de aguardar o bel prazer
da sua gente. Ao raiar o dia offereceu-se esta para ir,
e logo largarão os escaleres com oitenta homens ás
ordens do capitão Morgan. Levava elle instrucções
para não saltar em terra, sob pena de morte, por
melhor que se lhe offerecesse o ensejo; pouco perigo
se receava da parte dos navios1, mas se algum visse,
1
« Sabia eu, diz Cavendish, que dos navios que frequentão o
Brazil nenhum era capaz de defender-se d'uma canoa, quanto mais
HISTORIA DO BRAZIL. 19
devia retirar-se; e se por outro lado descobrisse bom 159'2-
e fácil desembarque perto da villa, mesmo então devia
voltar, para que o commandante em pessoa tentasse a
empreza, com quanta gente podessem levar os boles.
Com estas ordens partiu Morgan. Durante a noute
linhão os Portuguezes rebocado os navios "para de-
fronte da villa, onde a largura do rio não excedia um
tiro de besta de caça; meia legoa abaixo havião er-
guido duas trincheiras pequenas, ambas dominadas
por florestas e rochas sobranceiras. A do lado do
poente fez fogo, e segundo as instrucções que levava,
queria Morgan retroceder. Alguns dos marinheiros
jurarão que sempre por covarde o havião tido, e
agora bem o provava elle próprio: moveu-o isto a
grande cólera e declarou que desse por onde desse,
havia de saltar em terra.
Avançarão pois: o fortim do lado do oriente, que cavendish
. , . i • • . c j> rechaçado
ainda ninguém havia visto, rompeu o togo, e d um ucmorrepGzsr.
CAPITULO XIII
Expedições partidas do Maranhão. — Os Tapuyas. — Vantagens obtidas
pelos Jesuítas e diminuição dos indígenas. — Pacificação dos Aymo-
r 6s. — Estabelecimento no Ceará. — Expedição dos Francezes á ilha
do Maranhão. — Expulsa-os Jcronymo de Albuquerque. — Fundação da
capitania do Tara, e cidade de Belém. — Destruição dos estabelecimen-
tos hollandezes na foz do Amazonas.
1
Diogo de Campos o chama Otuimiri, nome evidentemente mais
Kipinambá que francez, e provavelmente posto a este homem pelos
índios. Accrescenta Diogo que Pero Coelho nada fazia sem que o con-
sultasse. Jornada do Maranhão, p. 2.
38 HISTORIA DO BRAZIL.
595
> - com clamorosa maldade : os Tapuyas, quehavia apri-
zionado na guerra, vendeu-os como escravos, e junc-
tando á injustiça a ingratidão, exerceu a mesma
tyrannia sobre os que lealmente o tinhão servido
como alliados. Ia este proceder de encontro ás leis
postas. As relativas á escravidão havião sido mitiga-
das, em conseqüência dos excessos commettidos de-
baixo da capa da sentença geral contra os Cahetés,
decretando-se, que nenhum índio seria reduzido á
escravidão que não fosse aprizionado em guerra le-
gitima, c que os que fossem resgatados aos inimigos
recoperarião a liberdade no lim d'um prazo de ser-
viços equivalente ao preço do resgate. Fáceis erão de
illudir similhantes disposições : a caça de gente
tomava o nome de guerra legitima, e instigavão-se
hordas a reciprocas hostilidades, para fazerem pri-
zioneiros que podessem vender, e se o resgatado
caplivo não morria acabrunhado de. trabalho antes
de expirar o termo da sua servidão, como obteria o
beneficio da lei, ignorando-o e achando-se á mercê
do seu senhor? Informado de todas estas tricas, re-
vogou Philippe II todas as leis anteriores sobre esta
maleria, decretando que se não reduzissem á escra-
vidão senão os índios tomados em guerra legitima,
e que por tal se teria somente a que fosse ordenada
l - c- pela Soroa com a assignatura real1i
sc c
1
Diogo de Campos, p. 3. Allude á historia do naufrágio de Se-
pulveda, uma das tragédias de mais enternecer que recorda a his-
toria.
40 HISTORIA DO BRAZIL.
1595
- em certos logares, cobrem-se de verdura em outros as
suas vertentes. Subil-as é trabalho afanoso para qua-
tro horas, em que, alem dos pés, ha muitas vezes que
ajudar-se de mãos e joelhos; ganho porem o viso,
encontra-se o viajante n'uma região em que bellezas
de todo o gênero como que porfião em enlear-lhe os
olhos: avista rochas, cabeços, outeiros, valles, e vastas
savanas, nuvens a seus pés penduradas sobre as pla-
nícies, e na orla do horizonte o oceano. Curtos são
alli os dias, sempre nevoadas as manhãs, e apres-
sadas as tardes com os montes que se levantão ao
poente, a cavalleiro dos outros. São frias as noutes,
nem no inverno se supporlarião sem fogo. Notável é
haver alli pouca água, mas essa pouca é excellente.
A esta circumslancia attribuiãó' os Tapuyas e Taba- *
jaras a escassez de toda a espécie de caça, não atlen-
dião porem que a não mudarem freqüentemente de
pouso, devem as tribus caçadoras ver escassear-lhes
depressa o alimento.
os Tapuyas. Raça a mais antiga do Brazil, tinhão os Tapuyas1
senhoreado toda a costa do Amazonas ao Prata, até
• que forão rechaçados pelos Tupis em epocha que não
podia ser muito remota, pois que vivia ainda em
memória de selvagens. Suppunha-se que no serião se
extendião ainda por toda a linha d u m rio ao outro,
e que erão mais numerosos do que nenhuma outra
.^
HISTORIA DO BBAZIL. 57
Jesuítas da mesma forma de penetrar mui terra 1602.
adentro em procura de catechumenos.
N'uma d'estas jornadas, não pouco se maravilhou
um padre de ver que o cacique d'uma horda orga-
nizara para si um systema dechrislianismo, fundado
nas idéias que índios fugidos da costa lhe podião ha-
ver ministrado. Baplizara todos os varões Jcsuzes, e
as íemeas Marias, e compozera uma espécie de litur-
gia, de que o mais que os Jesuitas poderão perceber,
foi a invocação de Maria, mulher de Deus. Tinha
instituído uma ordem de sacerdotes, obrigados a
guardar castidade sob pena de degradação do officio:
a cruz estava em uso, posto que em pouca veneração,
mas a única imagem que se encontrou, foi uma de
rapoza feita de cera. Ao instituidor faltou poder ou
arte para propagar o systema que inventara, e esta
mythologia morreu provavelmente com o seu anetor. Rr-l."YdA n i l .
No governo de Botelho fizerão os Hollandezes uma
tentativa contra San Salvador. Ainda que sede da
administração, nem eslava bem fortificada nem bem
provida de artilharia esta cidade. Mas os moradores
portárão-se valentemente, e ou por que fizessem dos
meios de que dispunhão, uma ostentação de impor
ou um bom uso, lograrão aterrar ou repellir os in-
vasores. Comtudo despachou-se para Hespanha Diogo
de Campos Moreno, homem de grandes talentos c não
vulgar experiência, a representar sobre a pouca se-
gurança de tão importante cidade, e solicitar promp-
58 HISTORIA DO DRAZIL.
1<i02
- tas medidas tanto para fortifical-a como para erguer
um forte no Recife. Cinco annos leve Botelho as re-
Dio deas do governo na mão, sendo então substituído
i e i J o r por D. Diogo de Menezes, que dirigiu as suas vistas
° 1608. ' i
para o Amazonas.
Era então esta parte da costa freqüentada por.
Francezes e Hollandezes, não sendo precizo grande
previdência para conhecer que se Portugal se não
desse pressa em apossar-se d'aquellas regiões, que
como suas reclamava em virtude da linha de demar-
cação, outros o farião por conta própria.'As infor-
mações que acerca d'um desígnio d'esla natureza
por parte dos Francezes houve o governador d'um
corsário d'aquella nação, de tal importância forão
que elle enviou a Madrid um memorial instante. A
resposta que obteve auclorizou-o a seguir os seus
próprios planos preventivos, mas nenhum outro
acoroçoamenlo lhe dava. Com pouco resultado tinha
Diogo de Campos procurado fazer valer na corte de
Hespanha o projecto de colonizar o Maranhão, pois
que apezar das representações d'este homem hábil
entendeu-se alli que o plano visava mais á satisfacção
de particulares interesses, do que ao bem do publico
serviço. O proceder de Pero Coelho algum funda-
mento havia dado a esta suspeita; e agora que era
certo ter a França olhos fitos no Maranhão, a corte
hespanhola, sempre tardia e remissa nas suas reso-
luções, apenas se deixou possuir do sentimento do
HISTORIA DO RRAZIL. 59
perigo a ponto de permittir que o governador seguisse 1608.
1
A narrativa de Berredo diflere tanto d'esta, que diz elle, que os
Uollandezes tomarão os índios por Portuguezes, tão bem os havi
Martim Soares disfarçado e disciplinado. Na escolha entre as duas ex-
posições não havia que hesitar, ainda quando Diego de Campos não
fosse melhor auetoridade a respeito d'um parente seu, do que Berredo,
que viveu quasi século e meio mais tarde : por quanto -se era fácil
dar Soares á sua pelle a còr da d'um índio, não havia meios de dar á
cFesle a apparencia da d'um Portuguez.
HISTORIA DO RRAZIL, 01
1611
dado mais andamento aos seus planos de colonização
do Maranhão, quando tornarão a apparecer os Fran- de campos.
cezes desejosos de no Brazil tenlarem fortuna. 109-119'
Alguns annos mais atraz tinha um aventureiro
francez, por nomeRifaull, pirateado n'esta cosia, e Expedição
1 L
' franceza ao
5Iaranha0
tão arteiramente sabido ganhar as boas graças dos -
naturaesque Ovyrapive, um de seus mais poderosos
regulos, o aconselhou a tentar descobertas c estabe-
lecer-se no paiz, empreza em que seoffercceu a acom-
panhal-o e ajudal-o. Com avidez abraçou Rifault a
idéia; foi a França, e alli com o produeto dos seus
despojos e a ajuda de oulros, que fáceis se deixarão
persuadir a tomar parte na aventura, apparelhou três
navios, com que em 1594 voltou ao Brazil. Foi re-
fractaria a sua gente, os temporaes o perseguirâo, e,
perdido o melhor navio, viu-se obrigado a aferrar á
ilha do Maranhão. Corre esta sete legoas de nordeste
a sudoeste, e quatro de noroeste a sudeste 1 . Vasta
bahia a separa de ambos os lados do continente, de
que fica a duas legoas no rumo do oriente, e três no
do poente. Pelo sul está insulada pelo Rio dos Mos-
quitos, que não mede um tiro de mosquete, de orla
a orla. A entrada oriental pela Boca do Piriá, tem
uma barra perigosa, posto que freqüentemente pas-
sada por navios; do lado do occidenle nenhum risco
se corre, por quanto embora haja falta de água na
1
Outros a fazem muito maior, mas Berredo escreve indubitavel-
mente de sticr.cia própria, como governador, que foi, do Maranhão.
02 HISTORIA DO BRAZIL.
leu- vasante, na enchente entrão com segurança embarca-
Rcrredo. „ , ,
20-22. çoes do maior lote.
Aqui foi Rifault bem recebido dos habitantes, que
* erãoTupinambás; passado algum tempo voltou elle
* á Europa, deixando parte da sua gente sob o com-
mando de Carlos des Vaux. O que de Rifault foi feito
não é liquido 1 ; Des Vaux porem ganhou as afíeições
d'estes insulares, que soube persuadir a submetterem-
se aos Francezes, promettendo-lhes protecção, e ins-
trucção na verdadeira religião e nos costumes da
Europa. Preparado assim o terreno para firmar pé na
ilha, foi a França communicar a Henrique IV-o seu
projecto. Escutou o grande Henrique as lindas cou-
zas que se lhe dizião : não querendo porem confiar
implicitamente nas informações d'um aventureiro,
mandou Daniel de Ia Touche, senhor de Ia Ravar-
dière, com Des Vaux, a averiguar a verdade do caso,
promettendo a este que, se tudo fosse como elle pin-
tava, fundaria alli uma boa colônia. Chegados ao Ma-
ranhão, demorárão-se seis mezes : era exactissimo
quanto Des Vaux havia contado, e voltarão a França.
Entretanto linha Henrique sido assassinado, e de-
masiado oecupada com negócios que mais de perto
a interessavão, não tinha a rainha tempo para atten-
der aos dous. Ravardière comtudo sempre obteve
» Crê o P. José de Moraes (Hist. da Comp. de Jesus nas Provín-
cias de Maranhão e Pará), que morrera no mar, victima das suas
piratarias. F. P.
HISTORIA DO RRAZIL. 05
1C11
licença de organizar uma companhia para colonizar -
a ilha. Nicolao de Harlai, senhor de Sancy e barão
de Molle e Gros-Bois, e Francisco, senhor deRasilly
e Aumelles, com elle se associarão. A rainha os no-
meou .por cartas patentes tenentes generaes em nome
d'el-rei christianissimo nas Índias oceidentaes e ter-
ritórios do Brazil. Deu-lhes uma bandeira esplendida
com as armas da França em fundo de azul celeste;
por divisa um navio com ella mesma ao leme, e o
filho á proa, empunhando um ramo de oliveira,
que da n r o d'ella recebera, e por mote Tanli dux
ftnnina facti. E a pedido de Rasilly, que mais por
motivos de piedade do que de ambição tomara parte
na empreza, ordenou ella ao Provincial dePariz que
designasse quatro capuchinhos para irem como mis-
sionários. Como chefe da missão foi Cláudio d'Ab-
beville, que escreveu a historia d'esta jornada.
Ravardière era huguenote e da mesma confissão
muitos dos seus sequazes, não parece porem que
esta differença de religião oceasionasse a menor des- Bci.reil0.
% 111-113,
intelligencia. 1-2012,
Em Cancale na Bretanha, aonde o bispo de San 1312.
Maio foi lançar-lhe a sua benção, se apparelhou a
expedição. A 25 de janeiro de 1612 consagrou o
prelado quatro cruzes, das quaes entregou uma a cada
missionário, benzendo depois as bandeiras e por fim
as armas de Rasilly. Sua principal intenção fora
benzer os navios, mas receou-se que isto apurasse
04 HISTORIA DO BRAZIL.
'«12. demais a paciência aos huguenotcs, c o máo tempo
oflereceu desculpa para deixar aos capuchinhos o
cuidado da ceremonia. Antes de dar á vela fizerão
• todos os aventureiros aos seus officiaes promessa
solemne de obediência, escripla e assignada por cada
um. De tres navios se compunha a esquadra : La Re-
gente, em que ião os dous tenentes generaes Rasilly
e Ravàrdière; La Charlotle, ao commando do barão
de Sancy, filho, ou irmão do terceiro associado; e a
Saiulc Aune, de que era capitão um irmão de Ra-
silly. Não chegava bem a quinhentos homens a força
toda. A 19 de março sahiti a frota; mal deixarão
porto quando cahiu um temporal que dispersando-a
atirou com um navio a Falmouth, com outro a Ply-
mouth, e com o terceiro a Dartmouth. Cada um deu
por perdidos os companheiros; não tardou porem a
saber-se o contrario, e os outros dous barcos vierào
reunir-se á almirante em Plymouth, onde o gover-
nador lhes prestou lão bons officios, que em poucos
B
i26r-ei33. dias poderão proseguir na derrota.
„, . Ao sul da linha encontrarão tres galeões portugue-
Chegao os o i o
F 1 e a
Marântóo° zes que vinhão da índia; nenhuma das frotas, depois
de se terem olhado, julgou prudente vir ás mãos, e
seguiu cada uma o seu rumo. Poucos dias ancorarão
os Francezes na ilha de Fernâo de Noronha, onde
acharão um Portuguez com uns poucos de Tapuyas
de ambos os sexos. Segundo estes mesmos dizião,
tinhão sido para alli desterrados de Pernambuco,
HISTORIA DO BRAZIL. 65
mais parecião porem fugitivos ; os frades facilmente 1612
1
1
Do Tractado do Successo do Galeão Sanctiago se veque em 1602,
dez annos antes dVsla jornada, residia n'esta ilha um Portuguez como
feitor com treze ou quatorze escravos negros. Havia alli gado bravo, e
grande numero de ratos (como os chamão) de pernas tão curtas, que
se movião aos saltos. Serião jerboas ? Cap. 10. Historia tragico-
maritima, t. 2.
1
Teve lugar este successo no dia 24 de jull o, seguinte, o testimi:-
nho do referido P. José de Meran. F. P.
ii. 5
66 HISTORIA DO BRAZIL.
1612
- na maior, e sendo recebido com toda a alegria e cor-
dialidade que podia desejar, voltou á esquadra com
novas de que era a sua vinda anciosamenle aguar-
dada.
Entretanto tinhfio Rasilly e os frades feito uma
cruz grande, que este commandante com os princi-
paes da armada levarão ás costas por quasi uma
milha até uma ligeira eminência em Sancta Anna,
onde, benzida, a erguerão, e depois benzida também
a ilha, a dedicarão á Virgem Maria. Bem conhecião
os capuchinhos quanto lhes convinha infundir nos
naturaes respeito ao seu caracter, pelo que alli se
deixarão ficar emquanto Rasilly e Des Vaux prose-
guião com a maior parte da gente para o Maranhão,
e declaravão aos Tupinambás que os padres vindos
de França a instruil-os na verdadeira religião, não
desembarcarião entre elles sem serem certos de que
os receberião com a veneração profunda que lhes
era devida. Em resposta a isto, Japy-Wasu, cacique
principal da ilha l de cerca de cem annos de idade,
mas ainda em" todo o vigor de suas forças, agradeceu
a Rasilly o haver trazido os pagés francezes; por
quanto, dizia elle, quando os maldictos Peros tantas
crueldades contra nós commettéião so nos accusavão
de não adorarmos Deus, mas como o adoraríamos, se
1
Nào sei se será este o nome tupi, ou a sua traducção, ou, o que
é mais provável, uma alcunha posta pelos Portuguezes*.
1
Também chamado de S. José. F. P.
HISTORIA DO BRAZIL. ' H3
1614
Maranhão, affectou-se indignado de que com elles se
tivesse feito mesmo um traclado, posto que por este
se entregasse de facto a colônia nas mãos dos Portu-
guezes, nem mais nem menos que se a houvessem
conquistado em boa guerra aberta. Não se perdeu
tempo. Deixando a Maranhão em janeiro, chegara
Diogo em março a Lisboa. Com o sobrinho Martim
Soares e soccorros adequados voltou a Pernambuco,
onde achou o governador Gaspar de Souza, activando
egualmente os seus aprestos, em conseqüência dos
avizos que de Guaxenduba havia recebido. Montava
toda a força a novecentos homens em sele galeões e
duas caravelas. A Alexandre de Moura, antigo capitão
mór de Pernambuco, se deu o commando das forças
de terra 1 ; Diogo de Campos era o almirante, e a 5 de
outubro entrarão n'esse mesmo porto da ilha do
Periá, onde os Francezes havião fundado á sua pri-
meira chegada, mas que por desmazelo e para sua
própria ruina, assim havião deixado duas vezes
aberto ao inimigo. Albuquerque foi a bordo; viu que
Moura viera com poderes supremos como general,
trazendo ordem expressa para quebrar as estipula-
ções que vigoravão, e completar sem demora a con-
quista.
Sem murmurar submetteu-se Albuquerque a este Entre<ra
impolitico cerceio da sua auctoridade, passando a ^ O j I . *
1
Com o titulo de governador geral d'armada e conquista. F. P.
114 ' HISTORIA DO BRAZIL.
10,4 - cumprir as ordens do governador com a mesma
complacência, como se ellas nenhuma quebra impli-
cassem da sua própria palavra e honra. Investiu o
forte de S. Luiz, aonde todos os Francezes se havião
acolhido. Ravardière, agora no habito de sujeitar-se
a quanto lhe impunhão, consentiu em render-se
immediatamente e sem condições. Foi pois entregue
o forte. Deu-se o commando a Campos e o general
francez com mais de quatrocentos de seus conterrâ-
neos, Ia forão velejando no rumo da França. Alguns
poucos, ligados por casamentos com os naturaes,
ficarão na ilha. Assim se perdeu para a França o
Maranhão por culpa de Ravardière : contentasse-se
elle ao principio com interceptar aos Portuguezes os
supprimentos, o que a sua superioridade por mar
muito bem lhe permitlia fazer, que estes terião, ou
procurado retirar-se por terra, caso em que muitos
338-I0Õ' havião de perecer, ou capitulado sem um tiro.
Do convento dos capuchinos tomarão posse os fra-
l
Expedição
d ra u e s
ao°pari. ^'^ acompanhavão a expedição. Moura, em vir-
tude da auctoridade de que vinha revestido, nomeou
Jeronymo de Albuquerque capilão-mór da conquista
do Maranhão, e Caldeira também capilão-mór da
descoberta e conquista do Grão Pará, nome meio
portuguez, meio tupi, com que se designava o rio
das Amazonas. Tinhão se apanhado todas as infor-
mações que Ravardière colligira sobre esta desco-
Berredo. berta, e ainda antes do fim do mez, encetou Caldeira
401-3. ' '
HISTORIA DO BRAZIL. 115
a sua jornada com duzentos homens em tres navios. 1614.
Entrou a frota na perigosa barra de Seperará, hoje J»™J»0o
a da cidade de Belcm, e depois de ter desembarcado
em muitos logares mao grado dos índios, escolheu
Caldeira posição para o seu novo estabelecimento,
dando a estas conquistas o nome de Grâo-Pará, por
se reputar sobre as margens do immenso rio; enga-
nava-se porem, pois que se achava n'uma vasta bahia
formada pelas fozes do Maju, Acará e Guamá. Aqui
desembarcou a 5 de dezembro, dia de S. Francisco
Xavier, e alçando a imagem d'este saneto, principiou
a ediíicar uma cidade com o nome e invocação de
N. S. de Belém. Mal escolhido fora o local: sete ou
oito legoas atraz deixara Caldeira uma ilha chamada
do Sol, que Berredo diz ser em todas aquellas para-
gens a melhor situação para uma colônia. Belém
porem fica entre pantanaes, e em logar tão indefen-
sável que, segundo a mesma competente auetoridade,
apezar de todas as^suas obras exteriores e fortifica-
ções, é na difticuldade da barra, a seis legoas da
cidade, que consiste a sua maior segurança. Depressa
venceu Caldeira a tal ou qual defeza que oppozerão os
naluraes, e tão habilmente os soube pôr de feição,
que elles próprios o ajudarão a erguer a fortaleza.
As novas da sua fortuna resolveu mandal-as por
terra, e foi o alferes Pedro Teixeira enviado ao Mara-
nhão n'esta difficil mas importante commissão. Ten-
tarão os naturaes de Cayté exterminal-o a elle e a sua
116 HISTORIA DO RRAZ1L.
leu; genie, mas Teixeira os reduziu á obediência, tomando
posse'd'aquelledistrictoque, mais tarde se tornou
uma das capitanias dependentes do Pará. Em S. Luiz
(pois assim devemos chamar aquelle logar agora que
se tornou portuguez) foi recebido com tanto pasmo
quanta alegria, como a primeira pessoa que fizera
esta jornada; e de lá voltou por mar, levando arti-
lharia e
ÍOMIIIV munições e paga para a tropa.
Nos seus despachos para Lisboa ponderava Caldeira
a grande importância de suas descobertas, e a neces-
sidade de assegural-as contra outras nações europeas.
Nas ilhas sem conta erão os índios numerosos e pací-
ficos, e a terra, pelo contrario de outras partes
d'aquelle estado, excellente para o plantio de canna
de assucar e estabelecimento de engenhos. Actual-
mente produzia abundância de algodão, pita, tabaco
e uma linla escarlate extrahida de certas fructas;
erão estes os gêneros de que os estrangeiros vinhão
á procura. Também havia pérolas, dizia elle, e mui-
tos indícios de minas de prata e outras riquezas.
Sadio era o paiz, excellentes os ares, e nada em
summa o resto do Brazil comparado com estas novas
descobertas. Outras nações porem cobiçavão a posse
d'esle paraizo. Os índios o havião informado de que
uma colônia de Inglezes com mulheres e filhos se
estabelecera rio acima, cento e vinte legoas alem da
sua fortaleza; c que os Hollandezes, plantado um
forte na margem do norte, alli tinhão fundado en-
HISTORIA DO BRAZIL. 117
ml
genhos. Demais, entre os índios que elle persuadira -
a virem estabelecer-se á roda de Belém, encontrara
um Francez e um Hollandez, que dous annos antes
linhão sido deixados entre os indígenas, para lhes
aprenderem a lingua; e ambos havião declarado que
em maio ultimo esperavâo da Hollanda uma expe^-
dição de quinze navios, mandada a fundar no rio um
estabelecimento permanente. Em conseqüência des-
tes despachos recebeu o governador Luiz da Silva carta do
1
. Arcebispo de
instrucçõês de Lisboa para reforçar ímmediatamente ^f^";!
Caldeira e ir-lhe preparando mais soecorros. *6?6.dMs'.
Entretanto não ficara Caldeira ocioso. Tendo sabido Teixeira
Queima
um
navio
que u m alteroso navio hollandez estava ancorado n a boPandez.
costa, a quarenta legoas de Belém, despachou
Teixeira com vinte homens em duas canoas a abor-
dal-o. Defenderão-se os Hollandezes como quem sabia
que pouca clemência tinha q u e esperar, n e m os
Portuguezes tiverão outro meio de vencer, senão
pondo fogo ao navio, em quanto estavão a bordo, e
retirando-se depois nas canoas. So u m Hollandez
escapou. Foi o casco a pique e m pouco fundo, e
apenas curadas as feridas que n a acção recebera,
voltou Teixeira e tirou do m a r as peças, reforço que
não parecerá sem importância para a nova colônia,
se nos lembrarmos de quão mal provido de artilharia
havia ido Albuquerque. Grande revés foi este para os
Hollandezes, que, se traficavão com proveito n o rio,
tendo feitorias estabelecidas e m muitas das ilhas d a
118 HISTORIA DO BRAZIL.
mL
sua embocadura, com nenhum perigo havião contado
da parte dos Portuguezes, nem de fôrma nenhuma
estavão preparados para alli competir com elles.
insurreição Guarnecidos todos os fortes da ilha do Maranhão e
dos
1
Tão illegivelmente está escripta no despacho original a remune-
ração, que se lhes concedia, que não, pude descobrir, nem mesmo
conjecturar, que somma os algarismos querião exprimir.
122 HISTORIA DO RRAZIL.
1G14
- sistisse no seu intento, em todas as egrejas e por
todo o Brazil seria proclamado traidor, e o medo
d'esta infâmia pôde sobre elle mais que todos os ou-
tros motivos. Yirão-se agora sem um so guia os In-
glezes, cujos navios estavão ja de verga d'alto; a sua
melhor esperança era perdida, e Gondomar, con-
cluindo que a empreza por força seria abandonada
(como parece que succedeu), congratulou a corte por
não haver outros subditos hespanhoes envolvidos em
D
Ag!delèíl.' similhantes desígnios.
Ai.ieias Dor mais desarrazoado que seja o governo hespa-
pira defeza nhol na sua política e remisso nas surfs medidas,
da costa. . .
jamais adormeceu na sua vigilância. Em conseqüên-
cia talvez d'este frustrado plano procurárão-se agora
meios de evitar que inimigos, como indiscrimina-
damente se chamavão todos os estrangeiros, desem-
barcassem no Brazil, cortassem pau do mesmo nome,
e se fixassem no paiz. Recommendou-se ao governa-
dor que estabelecesse de cem a duzentos índios n'uma
aldeia, sobre o rio Magnahé, de fronte da ilha de
Sancta Anna, onde soião desembarcar os interlopos,
c que fundasse um estabelecimento similhante sobre
o Pernipe, onde os inimigos cortavão as madeiras
colorantes, principal mercadoria que a este vedado
paiz vinhão buscar. Um índio, chamado Manoel de
Souza, que pelos seus grandes serviços era muito es-
limado, devia commandar um dos novos aldeamen-
tos: era elle então principal da aldeia de S. Lourenço
HISTORIA DO BRAZIL. 123
CAPITULO XIV
1
Compunha-se este exercito irregular de moradores ás pressas ar-
madas e sem practica alguma d'arte da guerra; não passando de 80
homens a tropa de linha, segundo o testimunho de Brito Freire. F. P.
150 HISTORIA DO BRAZIL.
1623
- inquisição de Lisboa, com o credito que podião dar
laes officios. Beinava entre elle e o governador al-
guma má vontade, c talvez isto motivasse divergência
de opinião na actual conjunctura. Terião combatido
os que do Beconcavo havião sido chamados para
defeza da cidade, se o inimigo se houvera mostrado,
quando elles esperavão; poucos dias bastarão para
arrefecer-lhes o ardor, e sentindo os males de sua
ausência de casa e dos negócios, perdida a paciência
persuadirão-se a si e aos outros que os Hollandezes
so havião vindo como de costume a piratear navios.
O bispo injustificavelmente lhes augmentou o descon-
tentamento, dizendo publicamente que não cria no
perigo, e que maior mal se faria a estes indivíduos
detendo-os, do que poderião compensar os serviços
« que auferisse o estado; e não contente ainda com
usar de tão damninha linguagem na conversação, no
Tamaio de mesmo sentido pregava do púlpito. O resultado foi
r r
Vargas. 35. - ° .
B"to Freire, que as forças ruraes, animadas com o exemplo de
insubordinação da parte de quem por primeiro dever
tinha inculcar a obediência, amotinadas desertarão
da cidade. Não tardou o prelado a ter razão de arre-
pender-se do seu próprio feito; e querendo reparal-o
quando avizos repetidos não deixarão mais duvida
sobre a força e designios dos Hollandezes, offereceu
ao governador seus próprios serviços pessoaes, com
os da sua casa e do seu clero, para defeza da cidade;
pois, dizia, embora lhe incumbisse pelejar mais com
HISTORIA DO BRAZIL. 151
1623.
orações do q u e com a r m a s , confiava q u e o S e n h o r ,
o r d e n a n d o - l h e que arriscasse a vida pela salvação d e
suas ovelhas, lhe daria forças para sacrifical-a se
fosse mister, e o ajudaria contra u m i n i m i g o rebelde
não so ao r e i , mas lambem a Deus. E r a notório
quanta a sua pobreza, não tendo elle n u n c a recebido o
q u e estado lhe devia para sua sustentação, mas ainda
lhe restava a l g u m a baixela, e se a quizessem para
m a n t e n ç a dos soldados, serviço de S. M. ou b e m da
cidade, p r o m p t a estava : finalmente, pedia ao gover-
nador q u e , esquecido q u a l q u e r desagrado, lhe m a r -
casse u m logar onde melhor aproveitasse. Forão pois
elle e os seus criados e o seu corpo de clérigos
postados na sé, onde desde logo p r i n c i p i a r ã o a m o n -
tar g u a r d a . Pela sua parte não ficou o governador
atraz em generosidade : offereceu sustento a q u e m •
d'elle carecesse, para que n i n g u é m sob pretexto de
fome abandonasse a* cidade. Mas demasiado tempo
se havia perdido na inacção : taes, como Willekens os
esperava, forão os effeitos da longa indecizão, e
q u a n d o , reunida outra vez a sua frota, e içado o san-
guineo pavilhão com u m braço e m p u n h a n d o espada
nua, se apresentou deante de S. Salvador, poucos
preparativos achou, e poucos meios de defeza. Aidenburgh.
1
Este feito d'armas é assumpto d'uma gravura n'um livro hollan-
dez popular : As vidas dos Almirantes.
- Frederico Rutter e Rodrigo Petrin os chama Tamaio de Vargas,
mas seus nomes erão Dirck de Ruyter e Dirck Pieterszoon Colser. E
este um exemplo das metamcrphoses por que passão no portuguez e
154 HISTORIA DO RRAZIL.
1625. que tinhão sido prizioneiros na Bahia, e, conhe-
cendo bem a localidade, servião ora de guias aos
seus; estreita era a passagem, e um punhado de ho-
mens resolutos podia ter causado grande damno aos
invasores, que desassombrados marcharão até aos
subúrbios. Alli lhes fez frente o filho do governador,
e com bravura tal que os Hollandezes perderão al-
guma gente, chegando, segundo a sua própria con-
fissão, a ver-se em risco de serem baralhados, a não
terem sido os esforços pessoaes de Schoulen. A posi-
ção que lão tardios havião escolhido os Portuguezes,
era insustentável, e o inimigo alojou-se nos arrebal-
des, á espera da manhã. Entretanto guarnição e
moradores, dando tudo por perdido, evacuarão a
praça. Foi o bispo o primeiro a retirar-se, levando
seiscenlos homens. Tomou elle o único partido ra-
zoável ; debaixo do domínio do terror pânico, nada
havia que fazer, e ainda que a coragem dos Portu-
guezes se não desmentisse faltara totalmente quem a
dirigisse.
Ao romper o dia trouxerão os Hollandezes duas
poças de campanha, fazendo-as jugar contra as por-
tas da cidade; sobre as muralhas porem se mostrou
um Portuguez com uma bandeira branca, dizendo-
lhe que podião entrar seguros que estava deserta a
praça. Nem acreditar querião elles ao principio em
hespanhol os nomes hollandezes. A cidade de Zutphen (conhecida como
o logar onde Sidney foi ferido de morte), Vargas a chama Izutifel!
HISTORIA DO BRAZIL. 155
tanta fortuna, e ao abrir-se a porta entrarão em or- i623-
dem de batalha, e com a maior cautela. O governador
com seu filho, e alguns homens de sua casa, tentou de-
fender o seu paço, como se esta vã ostentação de valor
pessoal podesse excusar-lhe ou altenuar-lhe á inércia
do anterior procedimento1. Os Hollandezes porem
não quizerão malal-o 2 , e assim sem combate, nem
sequer demonstração de defeza, lhes cahia nas mãos
a capital do Brazil. Nem aqui parou a sua boa for-
tuna, e doze navios entrarão no porto antes que po-
desse saber-se da conquista. Forão enormes os despo-
jos. Um que n'elles teve seu quinhão, diz que os F. Giuseppe.
soldados medião ouro e prata aos chapeos cheios, e cespedes.
que muitos paravão Irezentos ou quatrocentos florins
n'um lance de dados. Era que o governador a todos AWenimrgh.
os moradores prohibira sob pena de morte tirar da
cidade couza alguma de seus haveres, julgando assim
impedil-os de abandonar a praça. Achárão-se muitas
imagens de prata, entre as quaes treze de tamanho e
valor maiores, representando a Virgem Maria e os
Tamaio de
d o z e apOStoloS. Vargas. 40.
1
Fr. Giuseppe de S. Teresa diz, que elle não quiz render-se em
quanto não lhe promettérão a liberdade, mas que apezar d'esto Wille-
kens, com brutal infidelidade, o retivera prizioneiro. Esta accusação
<om a própria absurdidade se refuta.
'- Não se pode attribuir a van ostentação de valor pessoal a he-
róica resistência do governador Mendouça; nem tão pouco deve ser
tachado d'inerte o seu procedimento ulterior, achando-se, como o con-
fessa Southey, baldo de recursos para oppòr-se á invasão hollandeza.
F. P.
156 HISTORIA DO RRAZIL.
1623
- Assumiu Vandort o commando, conforme suas ins-
s
Sntee°s a trucções, e principiou a fortificar a praça ; tinha em
Cidade
' Flandres aprendido a arte da guerra e era soldado de
grande credito. Deparou as fortificações antigas, e
accrescentou-lhes outras novas, no que se emprega-
rão dous hábeis engenheiros. Até se quiz abrir um
corte através da lingua de terra em que estava assen-
tada a cidade, insulando-a assim, mas achou-se de-
masiada a distancia. Espalhárão-se proclamaçòes,
offerecendo liberdade, gozo pleno de seus bens, e
livre exercício de sua religião a todos que se submet-
lessem; attrahiu isto muitos negros, muitos indíge-
nas e obra de duzentos christãos novos, que traba-
lharão por persuadir outros a seguirem-lhes o exem-
plo. Expostos como anda vão aos insultos d'um povo-
supersticioso e beguino, e sempre.com o medo da
inquisição deante dos olhos, nada lhes podia ser mais
bem vindo do que esta mudança de senhores.
Tinhão os Portuguezes supposto ao principio que
esta expediçãp hollandeza tinha por único fim o
saque, não a conquista, e por isto fora talvez que tão
fraca resistência havião opposto. Mas agora que se
Itefazem-se
os
Portuguezes
acharão nos malagaes sem casa nem abrigo, e com
mulheres e filhos á roda de si, salteou-os a vergonha;
e quando virão que o inimigo em logar de carregar
navios e embarcar com o roubo, andava fortificando
os muros e preparando-se para assenlar-se como
senhor nó Brazil, renascerão-lhes os brios nacionaes
HISTORIA DO BRAZIL. 157
e principiarão a ver como recuperar a honra própria 16'2"
e a do seu paiz. Beunirão-se o bispo e os principaes
funccionarios civis e militares no Espirito Saneio,
uma das aldeias de índios no Beconcavo, onde tinhão
os Jesuítas uma residência; e considerando Mendouça
morto para todos os fins do estado, abrirão as vias
de suecessão, que havião tido a precaução de levar
na fuga. Era Mathias de Albuquerque, então gover
nador de Pernambuco, a pessoa n'ellas nomeada.
Mandou-se-lhe recado da sua nomeação, e passou-se
a eleger quem commandasse até que elle chegasse.
Antão de Mesquita de Oliveira, o ouvidor geral, foi
o primeiro escolhido; a sua avançada edade lhe não
deixava forças para tamanho cargo. Nomeárão-se
então os dous coronéis1 Lourenço Cavalcante d'Albu.-
querque e João de Barros Cardozo; dous chefes não
fazião liga. Posta pois de parte esta eleição, não tar-
dou a conferir-se o commando ao bispo D. Marcos Cb?Ioes'
l
m . . R. Pitta.
leixeira. 4, g3s.
Não passou este prelado ex abrupto do seu caracter 0 bispo
episcopal para o militar. Vestiu primeiro o habito .mamS"
de penitente, fez preces publicas, e depois tomou
armas, trazendo uma roupeta por sobre o arnez e
uma cruz ao peito; para mais distineção usava de
chapeo verde, talvez porque era esta entre os Portu-
1
Nessa epocha não se conhecia na Hespanha e Portugal a patente de
coronel, empregando-se em seu lugar a de mestre de campo. F. P.
158 HISTORIA DO RRAZIL.
1625. gUeZes a còr da esperança1, e por estandarte alçou
o crucifixo. A sua primeira medida foi prohibir a
cultura do assucar e do tabaco, cm que os Hollan-
nezes começarão a traficar, ainda anles de finda a
primeira semana. Compunha-se a sua força de mil e
quatrocentos Portuguezes e duzentos e cincoenta
índios 2 . Foi postar-se sobre o Rio Vermelho acerca
d'uma legoa da cidade, fortificando o seu campo com
a artilharia d'um navio que havia escapado, niel-
tehdo-sepor um rio do Recôncavo. 0 seu povo ganhara
animo, e forão a seu favor os primeiros recontros.
Vandort sahiu com uma partida a reconhecer terreno
e cahiu n'uma cilada : um chuveiro de seitas lhe
matou o cavallo, ferindo a elle próprio, e depois o
acabou'Francisco de Padilha. Activo e valoroso em
extremo, não era este um inimigo generoso : deixou
que os índios mutilassem o cadáver do capitão hol-
landez, e como prova do seu feito levou, sem nariz
nem orelhas, a cabeça ao bispo! Fora Vandort trintaa
annos soldado, e os próprios Portuguezes lhe gaba-
vão o honroso proceder e rigorosa disciplina que
mantinha. Melhor fortuna não teve Allert Schoutens,
que succedendo no commando nf.o tardou a ser
1
Sempre foi distinctivo dos bispos o chapeo preto com borlas
verdes. F. P.
2
Cespedes diz, obra de 1,200 ao todo, mas a estatisca supra
acha-se na Jornada Bahia, e funda-se na auctoridade dos despachos
do próprio bispo. Tamaio de Vargas diz 400 Portuguezes.
HISTORIA DO BRAZIL. 159
morto por uma bala de mosquete. O irmão Willem, ,C23*
a quem se devolveu o mando, era muito inferior á
sua posição, e cada dia ia crescendo a fama das armas
portuguezas e diminuindo a das hollandezas. Com
característica barbaridade' se fazião de parte a parle
as hostilidades. Dos Portuguezes se disse que matarão
um official, que mandavão para Pernambuco, por-
que tendo chiguas nos pés, não podia marchar tão
depressa como querião os conductores, e os Hollan- Jornada
dezes em represálias fizerão sahir os seus prizionei- c-23-
ros, e amarrados uns aos Outros, os arcabuzárão. 0
bispo não desprezava meio espiritual ou temporal
que podesse estimular o animo do seu povo, e em
virtude do seu cargo de commandante em chefe ar-
mou cavalleiros Padilha e outros tres officiaes que se
havião assignalado.
Comtudo apezar d'estes revezes que lhes deverião jornada de
Hsvn
contra
ter resfriado a confiança, tinhão-se os Hollandezes a
Angola.
1
Rogamos encarecidamente aos lectores que não se esqueçam que
o auctor é protestante, e que por isso não perde occasião ^achinca-
lhar a nossa sancta crença. F. P.
- Com o simple titulo de capitão-mór do Recôncavo. F. P.
ii. H
162 HISTORIA DO BRAZIL.
1624
mente com vinte mil, o de Caminha com dezaseis
mil e quinhentas. Os nobres vendo, que pela pri-
meira vez se mostrava zelosa do bem de Portugal a
corte de Madrid, e lisongeados por ter-lhes el-rei
escripto de seu próprio punho, requerendo-lhes seus
serviços, offerecérão com promptidão sem exemplo
as pessoas e a fazenda. Em verdade Philippe se diri-
gira a elles por um modo que lhes açulava todo o
orgulho do patriotismo. Não duvido, dizia elle, que
taes vassallos em tal occasião por me servirem se
sacrifiquem, e que mais necessidade haverá decon-
tel-os que não embarquem, do que de incital-os a
fazerem-no. Pois, por minha fé, tanto os amo e es-
timo que me alegrara de arriscar na jornada minha
própria pessoa, provando-lhes o meu desejo não so
de conservar essa coroa, mas de augmental-a e en-
grandecel-a, como taes vassallos merecem. Animados
com taes exhortações, embarcarão como voluntários
homens que tinhão exercido os mais altos cargos,
entre outros Affonso de Noronha, que ja fora viso-
rei da índia. Não houve família nobre em Portugal
que para este armamento não desse um de seus
filhos, decidindo a sorte muitas vezes entre irmãos
qual d'elles havia de ser o aventureiro, mui ambi-
ciosos todos, para que de molu próprio renunciasse
algum os seus direitos a ser da partida.
Reinava em Lisboa a maior azafama : dia e noute
Jornada
da^ia. se trabalhava nos aprestos, revezando-se a gente.
HISTORIA DO BRAZIL. 165
1624.
Concedeu-se um jubileo a quantos embarcassem
n'esta importanlejornada contra um inimigo herege,
e para corroborar-lhes o zelo catholico, derão-se-lhes
bandeiras, cm uma das quaes se via a representação
da milagrosa Conceição, e cm outra a imagem de
sancta Thereza. A D. Manoel de Menezes se deu o
commando da força portugueza, composta de 4,000
homens em 26 navios1, que devião fazer juncção
com os Hespanhoes em Cabo Verde. Pela primeira
vez tomava Olivares a peito-o interesse de ambos os
paizes, e quando um astrologo, famoso n'aquelles
tempos, lhe disseque receava que a lua de janeiro
encontrasse a armada fora do porto, respondeu o
favorito que mais temia que ella a achesse dentro \
1
F. Bertolameu Guerreiro da-nos uma resenha das provisões que
levou este armamento : 7,500 quintaes debiscouto, 884 pipas de vi-
nho, 1,518 dietas de água, 4,190 arrobas de carne, 5,739 de peixe,
1,782 de arroz, 122 quartos de azeite, 95 pipas de vinagre. Queijos,
passas, figos, legumes, amêndoas, ameixas seccas, assucar, doces, es-
peciaria e sal em abundância; 22 caixões de medicamentos, 2 phy-
sicos, um cirurgião quasi que por navio, 200 camas para os doentes, e
copia de meias, sapatos ecamizas; 510 peças de artilharia, 2,504
balas redondas e de cadeia, 2,710 mosquetes e arcabuzes, 209 quin-
taes de chumbo embalas, 1,555 piques e meios piques, 202 quintaes
de mechas, 500 de pólvora e mas 500, que a armada espanhola devia
trazer de Cadiz e Sevilha. O dinheiro que se levava para os casos for-
tuitos erão 20,000 cruzados em reales. Jornada da Bahia, c. 17.
Também Tamaio de Vargas faz alarde dar provisões de boca e de
guerra e dos instrumentos que ião na armada. O carvão de pedra
figura na sua lista e carvão doce, que não sei o que seja, para refinar
a pólvora. P. 6 1 .
2
Comtudo foi Olivares depois da sua queda aceusado perante a
164 HISTORIA DO RBAZ1L.
162i
- Deu elle pressa á expedição, que, apezar d'isso, se
esquipou mais vagarosa que a portugueza, tendo esta
de esperal-a quasi nove semanas no fatal clima de
Cabo Verde, com grande dispendio de vidas. Levavão
os Hespanhoes quarenta velas e oito mil soldados ao
commando de D. Fadrique de Toledo. Tão poderosa
i625- armada jamais cruzara até então a linha.
Entretanto recebera Mathias de Albuquerque no-
x
Morte do *
Justinus
l \ T. Pompeii Ilistor. lib. XIX
\h 1'IHLIPPO, cujus Hostes,
i
HISTORIA DO BRAZIL. 179
\0-í\
Inglezes accommettel-o em viagem, e em virtude
d'csta mal fundada denuncia, singrou para leste em
latitude 35°, pensando evitar inimigos com quem
não estava em estado de bater-se. Foi-lhe o resultado
mais desastroso ainda, do que se houvera cabido em
cheio no meio d'elles. Tempestades dispersarão a
armada; tres navios hespanhoes e nove portuguezes
forão a pique, escapando apenas uma pessoa, um
frade Trinilario, apanhado depois de ter boiado dous
dias agarrado a uma prancha. A almirante aferrou
a ilha de S. Jorge, alagando-se, apenas a deixou a
tripolaçào, que das fadigas do mar e falta de alimento
tanto havia soffrido que bem poucos se restabelece-
rão. Outros dous navios da armada forão capturados
por uma esquadra hollandeza. 0 Almirante de
Quatro Villas com D. Juan de Orellana a bordo teve
ainda mais desgraçada sorte. De conserva com outro
dera este galeão combate a uma rica nau hollandeza
que vinha da costa da África e capturou-a; a preza
incendiou-se1, e o Almirante ardeu com ella, pere-
1
Tamaio de Vargas diz, « era costume desesperado d'estes he-
reges, antes do que cahirem nas mãos dos catholicos, porem termo a
suas vidas por meio do fogo, dando assim principio ao seu eterno cas-
tigo no mesmo elemento. Sepultão até certo ponto a razão e o senti-
mento em copia de vinho e de pólvora, e mettendo-se no porão, man-
dão algum moço ignorante chegar fogo aos barris, e Ia. vão voando
para o inferno, a soffrer o castigo devido a seus erros. » P. 162. Que
humana linguagem esta do chronista real! Mas é caracleristica do seu
século, paiz e religião.
Acredita-se geralmente que aguardente e pólvora torna a carne
ISO HISTORIA DO BRAZIL
1 Ü25 cendo a maior parle da tripolação. Menezes, que
sahira do Tejo com vinte e seis navios, voltou com o
único em que ia. O rei de llespanha, reconhecendo
o zelo com que o havião servido Portuguezes nVsta
jornada, concedeu a todos os fidalgos por mais uma
vida as pensões e logares que tinhão de sua coroa, o
que, como requeria a justiça, não se extendeu me-
ramente aos que voltarão, mas a quantos tinhão em-
barcado. 0 historiador hespanhol, Ccspedes, observa
que esla doaçlo excedeu cm generosidade quantas
jamais havião feito os anteriores reis de Portugal.
Eiveeyra admitte a grandeza e liberalidade das con-
cessões, mas accrescenla que era'como se Philippe
anlevisse ja a próxima emancipação de Portugal e
qui/.osse ser tão generoso á custa alheia.
ifeitosd.s Tinhão-se os prizioneiros hollandezes apartado da
.a "ifoíiando. armada ainda a tempo de escaparem aos desastres.
Na Hollanda imputárão-lhes maisá própria relaxação
e desobediência do que á superioridade dos llespa-
nhoes a perda da cidade 1 , pelo que todos os olha vão
1
HISTORIA DO BBAZIL. 181
1625
• , i i i • -
1
(àirnelisCornelisz Jol, hoineiii de grande nomeada no seu tempo. O
Portuguezes escrevem-lhe i> mune .lolo, c eostuiiião chamai-o l'é d<
l'au, da sua perna de madeira, liadu/indo asMin a alcunha que o
Hollandezes lhe da vão de HoaW-beeii.
H I S T O R I A DO B R A Z I L / 185
ml
zíl, apoderou-se da ilha de Fernão Noronha, forlifi- -
cou-a e principiou a colonizal-a; esta medida, se
houvesse sido efficazmente executada, poderia ter
sido fatal aos Portuguezes, elles porem ainda com
tempo o perceberão, e immedialamente fez o gover-
nador sahir uma expedição de força sufficiente que
aprizionou os colonos, queimou-lhes as casas, e des- .
31
truiu-lhes as plantações. °-
0 5
Com Francisco Coelho viera um reforço de missiona- , ^s "» .
•* do .Maranhão.
rios capuchinhos debaixo da obediência de Fr.Chris-
tovão de Lisboa, que n'estas conquistas occupava o
cargo de custodio da sua ordem, equivalente ao de
provincial. Em quanto o governador se demorava em
Olinda, Fr. Christovão, julgando em S. Luiz mais
necessária a sua presença, para alli seguiu com os
seus irmãos. Levou comsigo um decreto que privava
os colonos de seus direitos sobre os índios alliados1,
osquaes, tendo de livres o nome, tinhão de escravos
a realidade; e os colonos submelterão-se, quiçá com
medo dos poderes ecclesiaslicos de quem vinha como Berredo.
519-522.
visitador e commissario da Inquisição. Feito isto,
seguiu para Belém, onde tentou pôr em execução o
mesmo decreto. Mas alli ainda o povo estava mais
1
Removia todas as mercês das administrações das aldeias dos
Índios. Estas administrações devião ser equivalentes ás que os Hes-
panhoes chamão encomiendas. Não se davâo os índios como escravos
a estes concessionários, mas davão-se os serviços d'elles : era mais
uma servidão do que uma escravidão, com a differença que se fazião
trabalhar os servos como escravos.
ISO HISTORIA DO BRAZIL.
1627. disposto do que no Maranhão a oppòr-se ao que lhe
contrariava os interesses do momento, e o senado da
câmara inventou um pretexto para suspender o ediclo
real : dirigia-se, dizião os vereadores, ao governador
do Estado, pelo que, sem que este chegasse, nada se
podia fazer para dal-o á execução. Fr. Cbristovào
teve por prudente sujeitar-se a esta demora, empre-
hendendo entretanto uma expedição missionária para
explorar o rio Tocantins. De volta resolveu tenlar se
pelo terror poderia levar os colonos a obedecerem e
achando-se a ponto de sahir de Belém, publicou uma
pastoral em que excommungava todos os que conti-
nuassem a conservar as suas administrações, como
estas concessões se chamavão. A câmara renovou o
seu requerimento th; adiamento, observando que elle
próprio reconhecera a validade do fundamenlo alle-
gado, aguardando com paciência selemczes; aceres-
centou também, que especificando a carta regia uni-
camente as administrações de S. Luiz, não seincluião
necessariamente as do Grão Pará; que ainda que
assim fosse, o senado appellava para o rei contra o
decreto, e que se elle custodio persistia na sua excom-
niunhão, também d'ella appellava, pois que os co-
lonos por si mesmos havião conquistado o paiz, nem
podião conserval-o sem fazerem trabalhar para si os
naluraes. Fr. Chrislovão era franciscano, ordem
então infensa aos Índios, por que Las Casas, que pri-
meiro se levantara como defensor d'aqnella raça op-
HISTORIA DO BRAZIL. 187
primida, fora dominicano : talvez isto explique a 1627-
facilidade com que elle cedeu, retirando a sua de-
nunciação, acto que por muito tempo lhe tornou
popular a memória entre os Portuguezes do Pará.
Logo depois da sua partida, requererão os Jesuítas
licença á câmara para fundarem um convento em
Belém, e o procurador por parte do povo recusou-a,
allegando que ja havia na cidade dous mosteiros, e
que estando dado todo o terreno, faltava logar para
terceiro. A verdadeira causa da recusa foi medo do
systema que os Jesuítas seguião a favor dos indígenas;
o erro politico de estabelecer instituições monasticas
n'uma colônia nova não entrou em linha de conta.
Restaurada S. Salvador, e sendo ja excusados os commetti-
T, mentos dos
seus serviços n aquellas paragens, passou t rancisco Hoiiandezss.
Coelho a tomar posse do seu novo governo; acompa-
nhou-o a S. Luiz o novo capitão-mór do Grão Pará,
Manoel de Souza d'Eça. Exemptas do seu quinhão no
perigo geral não tinhão ficado estas províncias do
norte. Duas vezes havião os Hollandezes acommeltido
o forte do Ceará, e ambas Marlim Soares os repellira
com grande perda. De novo entrou no Curupá uma
partida de duzentos Hollandezes; Teixeira os desba-
ratou, perseguiu-os até ao rio de Philippe, destruiu
alli duas feilorias fortificadas, e, não deixando pedra
sobre pedra, arrazou terceira, a que os fugitivos se
havião acolhido. Entretanto fizera-se Maciel mereci-
damente impopular com o seu gênio tyrannico; mas
IKK HISTORIA DO RRAZIL.
todas as vezes q u e o povo se d i s p u n h a a levantar-se
em tumulto declarado tinha elle arte de dar-lhe ás
idéias differenle direcção, armando sempre alguma
expedição nova contra os míseros índios que elle ia
exterminando com desapiedada e ineançavcl barba-
ridade. Succedeti que reunida n'uma de suas grandes
lestas de embriaguez unia partida de Tupinambás,
rolando a conversa sobre valcntias, e de quão facil-
mente darião cabo dos Portuguezes, se qui/.essem,
apontarão alguns com bazofia o meio por que isto se
consiguiria. Não passava isto do tagarelar de ebrios,
vã bravata do que poderia fazer-se, não' revelação
involuntária do que se meditava; mas bastou para
que o feroz Maciel, lançando a mão a vinte e quatro
caciques, 11'esse mesmo dia os fizesse literalmente
despedaçar por alguns de seus inveterados inimigos,
os Tapuyas. Bárbaro como era o povo de Belém, esta
atrocidade o encheu de horror; e se não fosse o espe-
rar-se todos os dias o novo governador, nem lodo o
talento e ousadia d'estc desalmado o lerião preservado
muito tempo dos justos effeilos da indignação po-
pular.
dl.,,.-,*>-,.. Ja Manoel de Souza tinha servido com distineção
J
<'JU'iTiil;tprlo-
1
'-""'"' n'estas conquistas, pelo que foi alli recebido com
universal alegria. Também elle, como todos os seus
predecessores, era de opinião que não podia a colônia
subsistir sem escravos; porem menos sanguinário
que Maciel, preferia ás da violência aberta as vias do
HISTORIA DO BRAZIL. 189
trafico. Offerecia este systema melhor pé de defeza in-n.
aos amigos da escravidão em Portugal, mas em ver-
dade era ainda mais perverso e detestável, junetando
a traição ao crime de injusta guerra. Foi Teixeira o
escolhido para estas expedições commerciaes, acom-
panhado do capuchinho Fr. Christovão de S.José.
Subirão os dous o Amazonas até uma aldeia dos Ta-
puyusus, e sabendo d'elles que traíicavão com uma .
populosa nação do rio Tapajós, que do nome d'este
se chamava, metterão-se por elle, e encontrarão esla
nova Iribu dos Tapuyas n'uma situação a que não
faltava encanto de bosque ou água para tornai a deli-
ciosa. Eslava este povo mais adeantado do que os seus
visinhos; do que viu e d'elles pôde tirar inferiu
Teixeira que estes selvagens devião as suas maiores
luzes ao commercio com os territórios hespanhoes, o
que porem não era possível. Esta descoberta foi o
único resultado da viagem; o mais que o agente pôde
trazer forão algumas redes primorosamente traba-
lhadas, e mais algumas bagatelas, mas escravos pre-
zavão-nos muito alli para que houvessem de vendei-
os. De fado o prizioneiro que não é immolado passa
a ser olhado como um dos da Iribu, e a mera inferio-
ridade de condição depressa se esquece onde não ha
outra desegualdade real ou imaginaria.
Fez-se esta expedição sem que se praclicassem
excessos, mas as iniquidades que de ordinário se
perpetra vão, vierão a ser tão clamorosas que o gover-
190 HISTORIA DO BRAZIL.
1627
nador do Maranhão prohibiu absolutamente taes
excursões, prohibição para a qual a obstinação do
povo e a avareza dos da governança souberão obter
taes modificações que depressa a tornarão phantas-
tica. Depois d*isto foi Teixeira empregado em destruir
1629. um estabelecimento novo formado na ilha dosTacu-
jos pelos interlopos; a que nação estes pertencião
ninguém nol-o diz, sabendo-se apenas que o com-
mandante era um írlandez por nome James Purcel'.
Apozlonga e poríiada defeza capitularão, sendo extra-
ordinariamente favoráveis as condições que obtiverão,
pois que permittindo-se-lhes levar todos os seus ha-
veres, prometteu-se-lhes passagem livre para Por-
tugal. Fm despeito de todos estes esforços para ex-
tirpai-os, teimavão os Inglezes e Hollandezes em
mandar navios a estas paragens, e formar estabele-
cimentos para cultura do tabaco, concorrência que
'ssZt&i. sensivelmente prejudicava o commercio do Pará.
iV,1Mr-i)(> Entretanto preparava a Companhia das índias oc-
uma'ZCí cidentaes novas investidas contra o Brazil. Não era
evnedir.lo . , , r> i • J
1
Diz-se (Castr. Lus., 1, § 28) que também aqui forão os Judeos, ou
Christãos novos que convidarão os Hollandezes. É isto tão pouco pro-
vável, depois do que succedera na Bahia, que com segurança poderia
olhar-se como accusação falsa, se Fr. Manoel do Salvador nos não as-
sinasse razão sufficiente e justificação plena do comportamento d1 esta
gente, dizendo que ella soubera que ia estabelecer-se a Inquisição em
Pernambuco. Valeroso Lucideno, p. 10.
192 HISTORIA DO BRAZIL.
um
- cia, e á secreta persuasão em que estava de que,
G.Giuseppc. vindo os Hollandezes, não havia em Olinda quem
P. 89.
'"^V:"5' podesse resistir-lhes.
„ , Eslava Mathias de Albuquerque por este tempo em
Matluas de .
Al q
ma nTàre Madrid; a capitania de Pernambuco era do irmão
para o lirazil. ,, ,, . • «• • • ,
1
O prosador Fr. Antônio llosado custava di1 tri<<-:i>lilljns; suas pala-
vras crào : .Soa mais díffercnça do que a de uma so letra, está
Olinda clamando por Olumla ; e por Olunda ha de ser (thrazadti
Olinda, que onde falta lauta a justiça da terra, não tardara
muito a do ceo. li. Freire, Sj ."7 .
- K Minimamente injusta similhanto aceusarão, por quanto Mal lua-
dWlbuquerque empri.^ou convonicntemrnte os fraco* 1.1 ur-os do «pio
di-punha pira a dolrza da capitania. V. I'.
HISTORIA DO BRAZIL. 195
162
reunir-se, dera a vela para o Brazil. A própria im- °-
minencia do perigo offerecia um argumento para
duvidar d'elle: se os Hollandezes demandassem Per-
nambuco, dizia-se, deverião necessariamente ter
chegado antes do avizo, que dera á vela depois
d'elles. Continuarão pois valentemente as festas, gas-
tando-se de má vontade um pouco de trabalho com
1
Cast. Lus.
2
as obras de defeza. > I 6-
De mais de cincoenla velas se compunha a armada chegada d..
1
armada
hollandez;l
hollandeza, ás ordens de Henderick Loucq, que vinha
como general em chefe; Pieter Adriaenszoon era al-
mirante, e o coronel Diderich van Wardenburch
commandava as tropas. Tinha velejado da Hollanda
em divisões pequenas; oito navios com o general a
bordo forão esbarrar na altura de Tcneriffe com a
armada hespanhola composta de quarenta velas, mas
pelejando com denodo, e manobrando com destreza,
escaparão os Hollandezes, c a Deus renderão a gloria
d'uma salvação, que nenhuma razão tinhão para es-
perar. Chegarão a Cabo Verde en septembro, mas so
em fins do mez seguinte sahirâo o Texel as forças de
Wardenburch. Contava a expedição toda cerca de
7,000 homens, metade dos quaes erão soldados.
Effectuada a juneção, suspendeu-se o ferro a 26 de
dezembro, e a 15 de fevereiro de 1630 appareceu
a armada á vista de Olinda, oito dias depois do
avizo.
Entretanlo tinha-se discutido se conviria remover
196 HISTORIA DO BRAZIL.
sl9 parte dos moradores e da propriedade; aconselhava»»
alguns esta precaução, dizendo que os homens com-
bateriâo mais desassombrados, sabendo cm segu-
rança as famílias, e nada receando porellas. Preva-
leceu porem a opinião de que onde mais havia que
perder maior esforço se fazia para a defeza, e publi-
cou-se um bando, prohibindo que ninguém se reti-
rasse da cidade, nem d'clla removesse couza alguma.
Não podemos porem levar a mal a desobediência
áquelles que apezar d'esla ordenança vião a pardo
perigo a pouca esperança de se oppòr uma resistên-
Cast. Lns.
cia efficaz : as principaes riquezas forão pois secre-
J. de Lael. .
15, c. 2G. lamente tiradas da cidade.
Apenas do cabo de Saneio Agostinho se avistou a
armada hollandeza, mandou-se recado a Olinda, onde
ao apparecer o inimigo estava em armas Ioda a força
tal qual era. A' inlimação que Loucq mandou fazer,
respondeu-se com uma descarga de mos<|uclaria con-
tra o escaler, c de parle a parte rompeu a canhonada.
Achavão-se os Hollandezes perto bastante para que a
sua artilharia sorlisse effeito, mas o mar ia tão ca-
vado que era impossivel fazer certeira a mira. .Não
poderão entrar no porto, por que na barra se havião
afundido barcos que vedassem a passagem. Km-
quanlo continuava a canhonada, deixou Warder-
burch a armada divertir o inimigo, e seguindo com
dezaseis navios par a Pau Amarello, obra de trez a
quatro legoas ao norle da cidade, alli poz em terra
HISTORIA DO BRAZIL. 197
com Ioda a segurança quanta gente pôde desembar- 1629.
car antes de fechara noute. Dormirão na praia, pondo
guardas do lado das malas, e na manhã seguinte sal-
tou o resto das tropas.
A primeira medida do commandante foi despedir
os navios, para que n'elles não pozessem os soldados
os olhos como meios de retirada, ficando apenas
algumas canhoneiras armadas de onze bocas de fogo
ao lodo. Dividiu depois as suas tropas em tres divi-
sões, cuja artilharia consistia em sos quatro peças
de campanha. Pouco depois das ave-marias chegou a
Olinda a noticia d'estc desembarque. Muitos, que por
obediência ao edicto não se tinhão ainda retirado da
cidade, não poderão agora resistir ao terror pânico
que se apoderou d'elles; as mulheres e crianças fugi-
rão para o campo; os maridos seguirão as esposas e
os filhos ião atraz para prolcgercm os pães; os
objectos mais porlateis e preciosos erão apanhados
á pressa, e muitas couzas cahião com a precipitação
da fuga. Alguns alirárão-se a roubar as mulheres c
as crianças, chegando-se a dizer que os Portuguezes
soffrérão mais da sua própria canalha do que do
inimigo. Muitos escravos aproveitarão o ensejo de se
emanciparem, oestes como fossem homens ou bru-
lacs por natureza, ou sedentos de vingança pelos
mãos Iractos recebidos, dobravão a confusão, sa-
queando as casas e deilando-lhes fogo.
IN"a manhã seguinte poz-sc Wardenburch em mar-
198 HISTORIA DO RRAZIL.
"'^ cha, acompanhando-o as canhoneiras ao correr da
a<
ic"de fev. cosia. Um punhado de homens acobertados com o
de 1630
1
Acha-se hoje exuberantemente provado que nem-uma parte to-
mou João Fcrnandez Vieira na defeza do forte S. Jorge nem a ella se
adiou ptvsonte. F. P.
201 HISTORIA DO RRAZIL.
103:.. SOCt . 01TO ro forle : a sua genle havia perdido o animo,
empalhou até que a maré, crescendo, tornou diflicil
de nadear a Beberibe, e depois fez dYsla difliculdade
pretexto para retirar-se sem nada haver tentado.
<-. G uso|i['i
1'. tC». Rendeu-se pois a praça com condições honrosas, e
Brito Fieii
§ :> 31
£, fL
f.aít. Ia -'oão Fernandes Vievra salvou a bandeira, passando-a
CgVlit.' . , ,
2, S-M--.N. a volta do corpo .
Em seguida foi intimado o forte de S. Francisco.
Fm tenente oppoz-se á pusillanimc inclinação do ca-
pilão, dizendo que com a espada na mão sempre se
oblinhão melhores condições do que com ella na
bainha; mas prevalecerão conselhos mais baixos, e
1
Os Hollandezes c\ijjii-".o dYsles bravos um juramento de não
pecarem em arma- por seis me/cs contra os invasores, mas elles, qur
não se tinhão rendalo min siniilhante condição, também a cila se nãn
iiuizorão sujeitar ajíora, pelo que forão pre/.os, porem soltos passadas
I oucos dias. Tal é a versío portuiíiioza ; a hollandeza é outra. Si-pimdn
islã eompunlia-sc a guarnição de SI) ;i |)|) lioiuens; não se llic pci -
inittiu sahir da praia com honras militares, e depois recusará» qua-
renta prestar o juramento a que se havião oln i^ado i\os termos da
capitulação. Por conseguinte forão desarmados e reu.ellidos prezos
para Olinda, onde no nulro dia derão o juramento, e furão postos cm
liberdade. (./. de Laet, lN'.i-)!M).)
fionlradirtorias como são estas duas versões , parece-me qr.e em
nenliuiiia ha falsidade direela ou intencional. Os lermos forão prova-
velmente os ipie dizem os Hollandezes. mas é natural que metade dos
l'ortugUeZe> naili soubessem da condição, c no estado de exallaeào c
ctuiiplet.i indisciplina, se recusassem ao juramento. A prizão tTuiua
noule podia induzd-os a snjeitai-su a cm compromisso coiiiplllsoi .o,
ijiie elle- cm taes ciicuinslancias pouco escrupulfi lerião em qiieljiar,
ou rntfo o comn.amianto l.ollandez (que pai ei e ler qm i ido lazer a
iMieira com coi\czia c u m p r a , e conciliar se o | ovo) pol-os-ii em li-
lurdade [ara l m a r - s o do cuidado do iMia:dul-os.
H I S T O R I A DO B R A Z I L . 20o
,U3Ü
o mais que pedirão os si liados foi licença para man-
darem recado a Mathias d'Albuqtierque e tçes dias
de tregoas, findos os quaes se renderião, se não fos-
sem soecorridos. Nem Ires horas foi a resposta, a que
se acerescentou a ameaça de não dar quartel, se a
praça fosse levada de assalto : á vista d'isto entregou-
se o capitão e a armada hollandeza entrou no porto
em triumpho. Nove dias depois chegarão reforços.da
Hollanda'.
Contava Olinda ao caíiir nas mãos dos Hollandezes
'2,000 moradores, afora cerca de 130 religiosos. Pos-
suía um collegio de Jesuítas, um convento Benedic-
lino, outro Carmelita 2 e outro Franciscano; um
1
A curta narração que Ericeyra nos faz da perda de Olinda está
recheada de inexactidòes. Diz elle que Albuquerque antes de partir de
Portugal, protestara contra a mesquinhez das forças que lhe davão ;
(pie nenhum tempo perdeu em pôr ludo no melhor estado de defeza
possível; e que por muito tempo defendeu valentemente a passagem
do rio Doce contra numero superior. Com a costumada malícia atira o
Carmelita * toda a culpa sobre Olivares, mas sempre confessa que o
povo de Olinda não acreditava no perigo. Raphael de Jesuz e Rocha
Pitta estão de accordo em censurar Albuquerque : o primeiro exprime
a opinião de João Fernandes Vieyra, juiz inquestionavelmente compe-
tente, o segundo pinta provavelmente o comportamento do general
segundo os sentimentos com que era recordado no Brazil.
2
J. de Laet erra chamando-o Dominicano; os frades d'esta ordem
jamais fundarão casa no Brazil —não sei porque feliz sorte para o paiz,
— e o convento Carmelita está marcado na vista que elle deu da ci-
CAPITULO XV
1
Stedman marchou descalço durante a sua terrível campanha no
•212 HISTORIA DO BRAZIL.
IO:J0
- cortado de rios e lagoas, que havia muito ja que
n.Freire, cessara a necessidade, e ainda durava o habito. Na
estação chuvosa inulilizavão-se tão freqüentemente
as mechas que Wardenburch achou necessário ar-
J. .le Laet. , . . . .
1
Joannes de Laet nos conta um caso, que caracteriza o deshu-
mano svstema de guerra que então se seguia. Tinhão-se capturado e
levado para o Recife muitos navios de escravos vindos de Angola. Aos
negros varões pouco importava servir senhores hollandezes ou portu-
guezes, ou pegar em armas d'um ou outro lado; mas as mulheres e
crianças consumião mais mantimento do que convinha no estado em
que se achavão as provisões; por isto e pela vida que os soldados fa-
zião com estas Mulheres (chamavão-se a religião e a moral em apoio
d'uma medida que tinha por único fim economizar viveres), forão
expulsas do Recife as negras e o seus filhos, e conjunctamente os Por-
tuguezes aprizionados nos navios negreiros. Serião ao todo cento e
vinte pessoas. Não se tinhão ellas ainda afastado muito das trincheiras,
quando uma partida de índios ao serviço dos Portuguezes fez fogo
sobre ellas, matando sete ou oito; fugirão as pobres mulheres para
traz com as crianças nos braços em direcção á cidade, mas ao ap-
proximarem-se da emboscada hollandeza, também d'alli lhes fizerão
fogo. D'ambas as partes fora isto engano fatal, não crueldade dehbe-
21 i H I S T O R I A DO BRAZIL.
1030. ] J U S C ; 1 u e mantimento ou fruclas, cabiào nas ciladas
dos emboscados. Quanto aos Portuguezes faltavào-
lhes munições, c tinhão de derreter os seus utensí-
lios de eslanho, e o chumbo das suas redes de pes-
caria, com que fazer balas; mas as certeiras armas
dos índios nãofalhavào, nem era pequena a perda que
os Hollandezes soffriào com este vexatório e acabru-
nhador systema de guerra, linhão de haver-se com
um inimigo exasperado e implacável que os odiava
dobradamenle como hereges c como invasores. Os
Hollandezes affirmão que Albuquerque não consentiu
em mitigação alguma dos horrores da guerra, que
queria ver feita com lodo o rigor, não dando, nem
pedindo quartel, e recusando até resgatar o seu pró-
prio confessor, um pobre Franciscaiio, que cahira
nas mãos do inimigo. Também accusào os Portugue-
zes de terem envenenado os poços donde hebiao os
J ''o l a e t . , . .
104. Hollandezes .
i.iciinào-bc Tinha Albuquerque oulros inimigos alem dos Ilol-
aljruns
colonos a
submette-
rem-se. rada, antes tiverão os llollanile/es a humanidade de deixar voltar os
sobreviventes. Jaerlisrk Yerhael, I'.• 8. «
1
Jol sahiu com os baleis para o que J. de Laet (bania ilha de An-
tônio Vaz a fazer acuada nos cacimbas, ou poros abertos na areia : a
sua vista fugirão alguns Portupne/es, que eslavão envenenando a
água. Iioiis soldados morrerão de repente depois de lerem bebido
d'ella, os oulros restabelecerão-se com soecorros médicos, \s--iin narra
Laet o caso a p. l ü i . I'uz cm e.rifo a palavra de repente, que elle
emprega, porque faz duvidar da accusai ão : uma tai raiada impru-
dente de a".ua fria pôde mais facilmente causar morte repentina, do
que qualquer veneno, que iVcsla fôrma se adminístias-e.
HISTORIA DO BRAZIL. 213
làndezes. Habitantes havia que, comtanlo que ven- J63°-
dessem os seus produetos, pouco lhes importava
quem era o comprador; destituidos de lodo o senti-
mento de patriotismo,*so suspiravão por traficar com B-Jfâre'
os conquistadores. Tres indivíduos que se aventura-
rão a iniciar este commercio, forão descobertos e
enforcados. Havia porem muilos cujos desejos erão
os mesmos, en'uma noute lançou-se fogo á casa em
que o general dormia, tendo elle por mais prudente
atlribuir a culpa ao acaso do que procurar e punir o
culpado. De facto, o jugo dos Hollandezes poderia
ter sido voluntariamente recebido, a não ter sido a
differença da religião. Esse mal que sobre todos
(orna um povo descontente, a falta de justiça, era
severamente sentida em Olinda; commettião os po-
derosos as maiores iniquidades, e não havia alcançar
reparação d'ellas. Pouco antes de chegarem os Hol-
landezes, clamou um dos moradores voz em grita na
praça do mercado : « Onde estão os irmãos da Mise-
ricórdia? A justiça é morta aqui em Pernambuco,
por que não vêem elles a enlerral-a? » Esta perver-
são da lei, e geral corrupção dos costumes na infeliz
Ccapitania, é reconhecida dos Portuguezes. A Bahia era
melhor governada como sede da administração, e
ninguém, á excepçào dos christãos novos, queria alli
bem aos invasores.
Tractando sempre de augmenlar o numero dos Expe( ,j c5o
<e,,s contra a ilha
parciaes, expunhão-se os Hollandezes o menos """"'ddoe "
maraca.
llamai
216 HISTORIA DO BRAZIL.
1630 q u e p0diào á insidiosa e mortífera guerra em que
erão tão mestres os seus inimigos. Fortificavão os
pontos mais seguros nas visinhanças do Becife, e
preparavão-se a extender por mar as suas conquistas,
dirigindo contra a ilha de Itamaraca, oito legoas ao
norte de Olinda, a primeira expedição. Era-lhes de
summa importância a posse d'es(e logar, onde se po-
dião haver provisões c madeira não menos indispen-
sável. Melhor cultivada do que povoada eslava a ilha,
que media cerca de dez legoas de circumferencia;
contava vinte e tres engenhos, mas o principal esta-
belecimento, chamado villa da Conceição, compunha-
se de cento e trinta moradores apenas, alem d'uma
guarnição de sessenta homens, commandados por
Salvador Pinheiro, o governador. Insignificante como
era esta força, não foi aos Hollandezes fácil a con-
quista, c em logar de persistirem na tentativa, plan-
tarão um forte a tiro de mosquele da fronteira terra
firme, dominando a entrada d'um porlo em que acha-
vão fundo navios de trezentas toneladas. N'esle re-
dueto, que chamarão Forle Orange, deixarão oitenta
homens com doze peças de artilharia, e voltarão ao
Becife. Quasi defronte do novo forte ficava a antiga
villa de Iguarassu, que os Portuguezes mandarão
l
t. i'iT' immediatamenle reforçar, para que o inimigo não
t. Freire. * 1 i
jsic, passasse a outra banda.
xjue.* Entretanto não tinha a perda do Becife causado
n M-Xiii. pequena inquietação e perplexidade na corte de Ma-
HISTORIA DO BRAZJL. 217
drid. Conscios da miserável fraqueza a que estava ™30.
reduzida a sua grande monarchia, redigirão os esta-
distas hespanhoes um melancholico memorial de
suas atribulações e perigos, para ser presente a Oli-
vares e ao próprio rei. Se se fazia sahir uma armada
a restaurar Pernambuco, devia dar á vela em agosto
por causa da monção, mas não era possível aprestal-o
no correr do anno. Assim, quando ella chegasse, ja
os Hollandezes estarião vinte mezes de posse da sua
conquista, nem havia que duvidar que empregarião
elles este tempo em fortificarem-se e segurarem-se.
Na costa de Pernambuco não havia outro porto alem
da Parahyba, agora que o Becife era perdido, nem
aquelle admitlia navios de grande porte. Onde pois
acharia abrigo a armada, ou onde desembarcaria
tropas e artilharia n'uma costa em que até uma
ligeira briza podia sossobrar embarcações? Perto do
inimigo nenhuma esperança de effectuar um desem-
barque, experimentado como elle era na guerra, e
preparado como devia estar, e ao longe o paiz coberto
de matagaes e paues, desfiladeiros perigosos que
passar, e rios que atravessar, e tudo isto com con-
trários, que de toda a vantagem sabião tirar partido.
Mas dado que todas estas difficuldades se vencião,
que se punhão as tropas em terra, e se assentava
cerca ao Becife, devia este sitio ser negocio de tempo,
e durante elle que havia de ser da armada?Cruzando
n'uma costa aberta e exposta, so por milagre esca-
-218 H I S T O R I A DO B R A Z I L .
paria a algum desastre grande. Se entrasse a oiaoào
chuvosa antes de rendida a praça, serião as tropas
dizimadas pela doença, nem sem infinito perigo e
grande perda se deixaria effectuar o reembarque.
Tão pouco, estaria a armada cm estado de volver á
Europa, e onde se aprovisionarião e darião ciena os
navios?
Ainda isto não era tudo. 0 primeiro custo do ar-
mamento, a parte com que a llespanha devia carre-
gar, serião dous milhões: restava ainda a despeza dos
reforços e fornecimentos, e vinte navios havião de
ser também esquipados para a costa da llespanha.
Por quanto, achando-se no Brazil a armada, ficava
desguarnecido o litoral do reino, e, allento o estado
das giiarnições, não era impossível que em qualquer
ponlo fizesse algum inimigo conquistas que pozessem
em sobresalto a monarchia inteira. Também lirarião
expostas as índias. A França tinha então oitenla ou
cem navios prompb s para serviço, c poderia sttppòr-
se que em quanto as forças da llespanha se empre-
gavão em Flandres, na Itália ou no Brazil, não per-
cebesse ella quão fácil seria atacar as índias? Havana
era o único logar capaz de resistir, c esse mesmo,
não sendo soecorrido, podia cahir; e perdido clicou
Carthagena, ou Porto Bello, acabavão as remessas de
dinheiro, que ale um bloqueio d'aquelles portos
podia demorar por annos. Considerando pois todas
estas difficuldades e inmensura\<;is males, e a perita
HISTORIA DO BRAZIL. 219
lotai do Brazil, que era segura se se mallograsse o fim 163°-
da expedição, o único expediente seguro, e que pro-
mettia alguma esperança, seria mandara Albuquer-
que dous mil homens de tropas escolhidas com um pol^cr0ece'Ms.
chefe resoluto que o ajudassem a elle e ao povo do de'0PiSo.
paiz a continuar com as hostilidades, cujo um seria
cançar os Hollandezes, desenganal-os dos esperados
lucros, e afinal induzil-os, segundo todas as probabi-
lidades, a abandonarem o paiz1.
Adoptou-se o parecer. Despachárão-se com diffe-
rentes intervallos nove caravelas, com gente de
guerra que desembarcando onde podesse, fosse en-
corporar-se á gente do acampamento do Bom Jesus.
Algumas d'eslas embarcações forão aprezadas pelo
cruzeiro inimigo, e dos soldados que chegarão a saltar
em terra poucos alcançarão o logar; do seu destino.
Não sefizerãomaiores esforços, por que a corte pre-
feria deixar os Pernambucanos libertarem-se por § sss, ÕSS.
si mesmos como podessem, e esperava que a vexatória
guerra que elles fazião, frustrando o principal fim
dos Hollandezes, os induziria por fim a desistirem
da empreza. Também se dizia que os Albuquerques
confirmavão a corte e os governadores de Portugal
n esta opinião, esperando rehaver com o tempo o que
havião perdido, e receando que, se a corte enviasse
1
0 curiosissimo documento que deixo aqui extractado foi trans-
cnpto do original, em poder do marquez de Gouvea, herdeiro do conde
de Portalegre, D. João da Silva.
2'2o HISTORIA DO BRAZIL.
1630. grandes forças a reconquistar a capitania, não lhes
seria esta restituida, com o fundamento de ter sido
perdida nos azares da guerra 1 . Mudou-se porem de
política apenas se soube em Madrid que os Hollan-
dezes apparelbavão para Pernambuco uma poderosa
armada ás ordens de Adriaen Jansz Paler, general de
grande credito, c de Martin Tbiisz como almirante;
consistia esla força em 0,500 praças, e ião tam-
bém como colonos muitas famílias hollandezas, e
judeos ricos q ue querião erguer suas tendas n'anuella
L 1
(.lllK'|iJiO. ° - e 1
i'.u-2. t e r r a 0 c c jd e f l | a i
promissão. Também se suppoz
ua
que a frota cruzaria cm busca dos galeões do México,
na esperança de segunda preza como a de Heyn.
Sabido islo, esquipou-se cm Lisboa uma armada;
erão castelhanos a maior parte dos navios, mas a
despeza so Portugal carregou com ella. Teve D. An-
tônio de Oquendoo commando, e a armada dirigia se
á America hespanhola, mas devia primeiro lançar
soecorros no Brazil. Dez caravelas com mil homens,
Portuguezes, Hespanhoes e Napolitanos e doze ca-
nhões de bronze, erão destinadas a Pernambuco;
n'ellas ia Duarte de Albuquerque, o senhor da capi-
tania. Devia a armada demandar primeiro a Bahia,
mal pensadas instrucçõês, salvo se se queria evitar o
1
A maneira por que Brito Freire refere este boato, mostra quão
geralmente era acreditado. Diz elle : Creio, que so da malícia nasceu
esta murmuração, mas t orna foi Ião publica, os reneraveis respei-
tos da historia me obriijárS,, n escreeel-a. querendo omilill-a,
§ 402.
HISTORIA DO BRAZIL. 221
,63
inimigo, pois' que derão ao almirante hollandez °
tempo de a ferrar o Becife, desembarcar as suas tro-
pas e munições, preparar tudo para a batalha, e
sahir a dal-a com dezaseisbons navios. §403-9.
Ac,1 nava
A armada de Oquendo compunha-se de vinte ga- ° '-
leões de guerra, das doze caravelas com tropas para
Pernambuco e Parahyba, e vinte e quatro vasos mer-
cantes carregados de assucar da Bahia, que ião de-
baixo do seu comboio. Ao apparecerem as velas ini-
migas, aconselhárão-no que tiradas dos transportes
as tropas, as distribuísse pelos navios de guerra e
pelas embarcações mercantes maiores, mas elle,
julgando-se ja assaz forte, mandou-as descahir a so-
tavento. Travada a acção, ganhou elle o vento ao
navio de Pater, e harpoou-o, seguindo-se um con-
flicto desesperado: bem querião os Hollandezes safar-
se, mas Juan Coslelho, um dos capitães hespanhoes,
saltando a bordo do inimigo, passou um cabo á volta
do mastro do traquete, serviço que lhe custou a vida.
Orçou segundo navio a accommetter Oquendo pelo
outro bordo. Cosme do Conto Barbosa, vendo-o, met-
teu entre os dous o seu barquinho, que foi imme-
diatamente ao fundo, sendo elle próprio apanhado
do mar e feito prizioneiro; mas parece que esta atre-
vida manobra salvou o general hespanhol. Egual-
mente bem secundado não foi o commandante hol-
landez pelos seus capitães, a alguns dos quaes faltou
o animo n'este dia. Não tardou a pegar fogo o navio
•222 H I S T O R I A DO R R A Z I L
1050
de Palcr, e os Hespanhoes tantas balas sobre elle
faziáo chover, que não havia esperança de atalhar as
chammas 1 . Oquendo cortou agora o cabo que o
prendia ao navio inimigo, e cuja destruição era in-
evitável, mas o seu próprio vaso eslava tão comple-
tamente desmantelado, que sem auxilio não poderia
evitar a mesma sorle. Juan de Prado veio dar-lhe
reboque. Salvar o navio hollandez era impossível,
mas Paler, como muitos oulros, poderia ter prova-
velmente escapado á morte, nadando para os Hes-
panhoes, que apanhavào a gente que vião no mar;
cm logar porem de tental-o, tomou a bandeira, en-
rolou-a á volla da armadura, e precipitou-se nas
ondas de cabeça para baixo4. Entretanto atracou o
almirante hespauhol o hollandez, e foi a pique.
Acção sanguinosa foi esta, bravamente pelejada de
parte a parte : os Iles-panhoes tinhão a vantagem do
» Fr. Manoel Salvador diz (Vai. lueideno, p. lõ) que para o in-
cendiarem, envolverão os lantiiLMiozes uma bala em panno embreado,
e atirárão-na ao casco do navio hollandez.
s
Concordãu os Pu;tu.Sfiic/e* referindo isto em honrado seu ininnuo,
nem amisão os Hollandezes de se haverem portado mal na acção. J. d''
Laet porem aflirma que dos capitães hollandezes poucos li/erão o si u
dever: não imputa culpa a Palcr, mas também nada quer saki: d«
ter-se este sacrificado com a bandeira, antes diz que d. pois de se trv
sostido duma corda ao costado do navio em quanto pode, na espe-
rança de que viria algum bote salvar-lhe a. vida, cahiu 0 comniaiidaii.c
a final exhausto de forças *.
' Continua .Vtscher [les llollaitdais au lirésil) a versou de I.aet e püc
em duvida as palavra* aUribuidas ao almirante hollainle/., cujo verdadeiro
nome era Adriaan Janszoon Paler. V. I'.
HISTORIA DO BRAZIL. 225
numero, os Hollandezes a da grandeza dos navios e 103°-
do pezo do metal : egual foi a perda d'ambos os lados,
ao todo uns tres mil homens. Ao cahir da noute
ainda as duas armadas estavão á vista. Ao conde de
Bagnuolo (Giovanni VincenzoSan Felice), que tinha
o commando dos reforços destinados a Pernambuco,
ordenou Oquendo que, seguindo a costa, entrasse
no primeiro porto que podesse; mas primeiro julgou
necessário dos mil homens tomar trezentos, para
supprir em parte a perda soffrida. Ao amanhecer não
se avistava o inimigo, e Oquendo, cingindo-se ás
suas instrucçõês, proejou á Hespanha a comboiar os
galeões, mas é de crer que não fosse tão prompto em G Gill,eiip,
obedecer ás ordens que trazia, se desejasse renovar B.Freire.
1 J
§ 407-23.
a acção.
Entretanto acostou-se Bagnuolo á terra, ganhando HoUa0„jezCí
queim;n
o porto da Barra Grande, a trinta legoas do acampa- Olinda.
mento do Bom Jesus. Uma caravela, commandada
por Antônio de Figueiredo, separou-se da frota, e
acossada do inimigo correu ao norte, até que entrou
no rio Potengi1. Nenhuma tentativa se fez de al-
cançar a Parahyba, prova de que erão os Hollande-
zes os senhores do mar. Desembarcarão comtudo as
tropas a salvamento, fazendo juncção com Mathias
d'Alhuquerque apoz difficil e penosa marcha. Sa-
1
Nome indígena do que vulgarmente se chama Rio Grande, e pre-
ferivel por que o portuguez serve conjunctamentepara designar o rio,
a província e a capital, sobre haverem outros muitos Rios Grandes.
221 H I S T O R I A DO R R A Z I L .
16:,
°- bendo que os Portuguezes linhão recebido reforços,
não sabião os Hollandezes quão insignificantes estes
erão. A chegada de Bagnuolo os inquietou; eslavão
as suas próprias forças consideravelmente desfalca-
das, e acharão que os Portuguezes, lendo ja mani-
festado tão firme propósito de resistência, agora
engrossados com esles soecorros mais audazes se
tornarião. Toda a força activa que havia em Olinda,
noBecifee fortes adjacentes, não chegava a 1,000 ho-
mens 1 . Julgarão pois agora os Hollandezes necessá-
rio concentrarem-se no Becife, antes que alli fossem
atacados, e resolverão abandonar Olinda, resolução
lanto mais de boa mente adoptada, quanto maior
era o perigo de passar d'um logar para o oulro. As-
sentado isto, mandarão perguntar a Mathias dWlbu-
querque se queria resgatar a sua cidade, alias seria
queimada. Bespondeu este : « Queimae-a, se a nào
podeis guardar, que nós saberemos edificar outra
melhor. » Tirarão pois os Hollandezes o sino, c os
maleriacs das casas que podião servir-lhes para suas
edificações e obras no Becife, e depois entregando o
logar ás chammas, toda esta florescente cidade foi
1
Com muito bons fundamentos contesta Netscher esta asserção de
Southey. F. P.
2
Não nos consta que Iguarassú fosse queimada ; e ignoramos as
provas em que se firma o auctor para escrever similhante coisa. F. P.
236 HISTORIA DO RRAZIL.
1C32
- onde saquearão e queimarão outro estabelecimento;
depois levou-os ao Bio Formoso, sorprehcndendo
cinco navios ja quasi abarrotados. Advertidos por
este desastre, edificação os Portuguezes alli um forte,
montando-o com duas peças e guarnecendo-o com
vinte homens ao commando de Pedro d'Albuquerque,
mesquinha defeza contra similhante inimigo. Caiabar
voltou e investiu o forlim, mas jamais cumprirão
soldados mais resolutamente o seu dever do que
este punhado de Portuguezes. Aguentárão-se até
cahirem mortos dezanove; o vigésimo, posto que
ferido em tres partes, atravessou o rio a nado, e o
commandante acliárão-no estirado por terra, com um
tiro de mosquete nos peitos. Forão os Ilollandezt >s
assaz generosos para testimunharem a sua estima a
tão valente capitão, e tendo-o traclado com especial
cuidado, depois de restabelecido o pozerão em terra
na America hespanhola, donde voltou á metrópole,
B
§ «££" que o galardoou com o governo do Maranhão.
Embaraço e Não forão estes os únicos serviços que Caiabar
in e
Ba gnuVe prestou aos Hollandezes; ensinou-lhes o systema de
guerrear, com que tanto havião soffrido, e mostrou-
lhes como oppòr emboscada a emboscada, de modo
que na primeira tentativa de sorprehenderem o ini-
migo cahirão os próprios Portuguezes n'uma cilada.
Confundido por estas repelidas perdas, ja Bagnuolo
não sabia que fazer, nem de que lado apereober-.se
para a defeza; sempre os seus destacamentos chegi-
HISTORIA DO BRAZIL. 257
103
vão tarde de mais, e exactamenle a tempo de pre- -
senciarem os estragos que ião a evitar. Assim alena-
zado e perplexo, deixou-se elle ficar por algum
tempo n'um estado de continuo sobresalto, mas de
inacção : envergonhado preparou-se para assaltar o
forte Orange, mas com tão pouca precaução o fez,
que sabida a sua intenção, foi soccorrida a fortaleza.
Tentou comtudo a empreza, despiu o mais próximo
estabelecimento portuguez da sua artilharia para
guarnecer as próprias baterias, e desenganado a final
de que nada faria contra tão sólidas obras, retirou-
se, deixando estas peças ao inimigo. Não admira
que os Brazileiros o suspeitassem de traição: ha um
certo grau de imbecilidade que com ella facilmente
se confunde, pois que produz os mesmos effeitos1.
Entretanto mandou a companhia das índias Occi- os
Hollandezes
envi
dentaes ao Brazil dous directores, Matlhiis Yan Ceu- ?°
commissa-
rios.
len e Jchan Gijsselingh, como commissarios, inves-
tindo-os de plenos poderes, tanto para evacuarem o
paiz, caso não vissem esperança de melhor futuro,
como para proseguirem na conquista com vigor
novo. Trouxerão consigo tres mil homens com pro-
visões e munições em abundância. Menos satisfeito
com este reforço do que offendido por lhe cercearem
a auetoridade, resignou Wardenberg o commando e
1
Summamente injusto é similhanle juízo de Southey acerca do
conde de Bagnuolo, a cuja perícia deveu-se a retirada para Sergype e
a defeza da Bahia contra Napan. F. P.
238 HISTORIA DO BRAZIL.
1632
- embarcou-se para a Hollanda, sendo substituído por
Laurens de Bimbach, velho e experimentado soldado
que de boa mente acceitou o supremo commando
militar sujeito á direcção dos commissarios. Depressa
tomarão estes a sua resolução : os azares da guerra
erão agora a seu favor, e persistindo, havia esperança
de conquistar todo o paiz. Principiarão pois por fazer
aos Portuguezes uma proclamação, em que depois
de offerecerem protecção a todos, que se submellcs-
sem, proleslavão com singular descaro que os Hol-
landezes erão innocentes deante de Deus edo inundo
de quaesquer desgraças e estragos que resultassem
da prolongação das hostilidades jaecrescentando que,
se o povo persistisse na sua opinião, devia preparar-
se para todas as extremidades d'uma guerra justa da
parte d'un inimigo, cuja paciência e clemência li-
V>'; 2981' nn
^ ° s ' u 0 P o s l a s á m £ u S u u r a prova.
Tiverão os commissarios a fortuna de descobrir as
relações secretas que com os Portuguezes tinha um
certo Leonardt Van Lom, funecionario civil no Becife.
Este miserável aventureiro viera da Hollanda a per-
suasões d'alguns Portuguezes de Amsterdâo para
servir de espia, com promessa de que receberia cin-
coenta mil ducados, se em conseqüência das suas
revelações se restaurasse a cidade. Todos os que to-
marão parte n'esle Compromisso jurarão solemnc-
mente que, se um fosse descoberto, não denunciaria
os outros, e sobre isto ouvirão missa e partirão uma
HISTORIA DO BRAZIL. 239
hóstia. Van Lom comtudo tornou-se suspeito, e sendo 1632-
descoberto, confessou tudo. Cortárâo-lhe dous dedos
da mão direita, e foi depois decapitado e esquarte-
jado; quanto ao mulato, que servira de mensageiro
na correspondência com os Portuguezes, foi estran-
gulado e decapitado.
Havia sobre o rio dos Afogados um posto deconsi- victorias
. . . dos
1
Rifle barrelled guns.
HISTORIA DO BRAZIL. 247
lü53
gnados por Mathias d'Albuquerque e Bagnuolo d'um -
lado, e por Van Ceulen e Sijsselingh do outro. ' 351.°c'
Debalde recorrião os Brazileiros ao seu governo Emprehen-
dem os
em busca de auxilio efficaz; persuadida, ou affec- afJ™S0 m]
Philippe Camarão (ou Palig, como lhe chamavam os seus) era nioçaíarn
dos Carijos, e não dos Pilaguares. V. P.
" Inexactos nos parecem todos estes cálculos e erradas as posições lopo-
graphicas. F. P.
c
HISTORIA DO BRAZIL. 289
IO.JÍ
aconselhasse que, abandonado aquelle posto, se eon-
centrasse toda a força n'esle, onde tinha aberto o
mar e podia ser soccorrida. Mas o arraial tinha
ja crescido, tornando as proporções de villa, nem
a Mathias d'Albuquerque lhe soffria o coração des-
truir o que elle mesmo erguera, defendendo-o por
tanto tempo contra um inimigo muito superior em
forças. Nazareth era o posto mais importante, e por
tanto alli ficou com o irmão e Bagnuolo, deixando
Andrés Marim a defender o acampamento com cin-
coenta homens, não contada a milícia da terra. Am-
bos os logares forão accommettidos ao mesmo tempo,
commandando Schuppe em pessoa a divisão que
avançava contra Nazareth e marchando a outra ás
ordens de Àrtizcnsky. Muitos combates se pelejarão
deante do campo, em quanto fazião os seus aproches ,
os sitiantes. N'um d'elies encontrou um mosqueteiro
portuguez o commandante dos Hollandezes : este,
vendo o arcabuz apontado á testa, enlregou-se. To-
mou-lhe o aprezador as rédeas do cavallo e assim o
ia levando; esquecera porem, provavelmente por
mal entendida confiança na honra do seu prizioneiro,
de exigir d'este uma bengala grossa e comprida, que
tanto lhe servia de arma como de bastão de com-
mando, lendo por castão um martello çom uma
ponta afiada. 0 Polaco, aproveitando .o ensejo, des- c»si. i.u*
carregou um golpe no seu aprezador, e cravando ao 3, § 89.
mesmo tempo as esporas no cavallo, escapuliu-se.
n. 10
290 HISTORIA RO BRAZIL.
1634. D'elle contâo os Hollandezes outro facto, que lhe faz
mais honra. Um tiro recebido n'um braço o pren-
dia á cama'n'uma occasião em que os sitiados fize-
rão uma sorlida vigorosa e bem succcdida. Desper-
tado ao estampido do fogo, ergueu-se da cama,
montou meio vestido como estava o cavallo de Sta-
chouwer, que por acaso estava aparelhado e enfrcado
á porta, e correndo ao theatro da acção, com a sua
presença e exemplo animou os Hollandezes de modo
que os Portuguezes forão rechaçados d'um reduclo
'-ít;i" que ja havião tomado.
, ..piiuia o De dia e de noute mantinhão os sitiantes um fogo
incessante contra o acampamento. Chovião sobre elle
bombas e granadas, algumas das quaes quasi enve-
nenaváo os Portuguezes com o seu nocivo fumo. A
mesma impossibilidade de escapar a estes terríveis
projectis, ensinou aos sitiados como tornal-os menos
destruidores; apenas cahião deitavão-lhes por cima
couros molhados, que ou apagavão a media, ou que-
bravão a força da explosão. Também abrirão cavas,
em que punhão os feridos, e depositavào em segu-
rança a pólvora, servindo a terra (Festas excavaçòes
para levantar novas obras ao passo que ião sendo
demolidas as antigas. A final principiarão a faltar
munições e mantimenlo; do apuro em que se viáo,
mandarão recado a Mathias d'Albuqucrque, que não
sabia como valer-lhes, em poder do inimigo o ter-
reno entre Nazareth o o arraial, e elle sem tropas
HISTORIA DO BBAZIL. 291
bastantes com que forçar a passagem. Forão convi- *654-
dados para este serviço os moradores mais próximos,
nem deixou de haver alguns que o emprehendossem,
perigoso como era. Não havia outro meio senão con-
duzir as provisões ás costas de negros, e os Hollan-
dezes tinhão comminado pena de morte contra quem
tentasse abastecer o acampamento, e promettido a
liberdade a todo o escravo que denunciasse simi-
lhante propósito. Ja havião suppliciado um Portu-
guez por assim ter cumprido o seu dever para com a
pátria. Marim alguma vingança tirou d'este assassi-
nato, executando tres pessoas convictas de darem
avizo ao inimigo. Em taes circumstancias impossível
era aguantar por muito tempo, e apoz tres mezes de
cerco entregou-se o arraial do Bom Jesus, com con-
dição de que a guarnição sahiria com as honras mi-
litares, e teria passagem livre para as índias hespa-
nholas.
Exigirão-se condições honrosas para a milícia da Nefariu
terra. Schuppe, que viera assistir á capitulação, ne- ^ ^ t o s '
nhumas quiz conceder, dizendo que erão desneces-
sárias, tornando-se os habitantes subditos da Hol-
landa, cujo dever e interesse era protegel-os e
concilial-os por todos os meios possíveis. Apezar
d'isto commettérão os conquistadores as mais atrozes
crueldades contra esta brava genle, sendo os que
linhão alguma couza de seu, martyrizados até paga-
rem integralmente a somma que se lhes marcou,
292 HISTORIA DO BRAZIL.
1031 e m resgate de suas vidas, a que não sei porque ar-
gúcia de lógica marcial, se dizia haverem perdido o
direito como traidores ao principe dOrange. D'esta
forma * levantarão os Hollandezes a melhor de vinte
e oito mil coroas, e foi assim que no oriente c ocei-
dente tornarão tão infame a sua historia, e detestá-
veis os seus nomes, como na própria pátria forão
gloriosos os seus feitos, e dignos de serem recorda-
§ ooo-'-! dos pela mais remota posteridade 2 . Forão arrazadas
l l
:ast. Lus.
">, § 80-92. as fortificaçòes do acampamento do Bom Jesus.
Tentativas Entretanto estava a outra divisão do exercito hol-
le «oceorer
CAPITULO XVI
1
Julgamos conveniente prevenir o leitor contra esta historieta con-
tada pelo próprio confessor, Fr. Manoel de Salvador, que soh o pseu-
donymo de Fr. Manoel Callado foi o auetor do citado Valeroso Luci-
deno. F. P.
504 HISTORIA DO RRAZIL.
655
> - lente do mulato exasperou o general, que se abaixou
então a recorrer a meios indignos e detestáveis de
tirar vingança, servindo-se de Antônio Fernandez,
primo de Caiabar, que, como levado pelo exemplo
d'este, devia passar-se para os Hollandezes, e alli es-
preitar occasião de assassinal-o. Em conseqüência
d'isto Fernandez, encontrando Caiabar n'uma de
suasalgaras, ou fossados, o convidou com a voz e com
os gestos a que se detivesse, recebendo-o em sua
companhia, e correu pelo valle abaixo a dar com elle
no villáo intento que trazia. Enredou-sc-lhe o cinctu-
rão como corriaca,- sahiu-lhe da bainha a espada, e
escorregando-lhe um pé ao mesmo tempo, cahiu com
o peito sobre a ponta da arma, morrendo instantanea-
mente. Acreditou-se então que Caiabar assim fora
b
é 666^7? preservado para ser o ílagello de Pernambuco, al-
f,, §102.' cançando-o o castigo, apenas concluída a obra l .
Arrazadas as íbrlificações de Porto Calvo, enter-
Betira-sc •« '
1
"buquerque " rou Mathias d'Albuquerquc na floresta as peças que
iiãgoas. alli tomara. Depois proseguiu na marcha para as
Alagoas, onde se dispersarão os emigrados, tomando
cada um para onde melhor lhe parecia, uns para o
Bio de Janeiro, o maior numero para a Bahia. De-
pressa correu Schuppe a soccorrer o posto tão ines-
peradamente investido. A perda alli soffrida c a vista
1
Diz-se de Caiabar que erão taes a sua forca muscular e agili-
dade, que tomado pelas pontas um touro, o derribava e subjugava.
; . de Laet, 478.
/
HISTORIA DO BRAZIL. 305
da cabeça e quartos de Caiabar empalados na palis- 1635-
sada, o exasperarão. Mandou encerrar estes restos
n'um caixão, enterral-os na egreja com honras mili-
tares e vingar-lhes a morte, passando á espada quanto
Portuguez se encontrasse nas matas. Becorrérão os
aterrados moradores a Fr. Manoel que intercedesse
por elles, o que mais fácil se lhe tornava, por fallar
Artiszensky, como Polaco que era, mui corrente-
mente o latim. Pela sua intercessão foi com effeito
revogada a ordem, e o povo voltou a suas casas, sub- Valeroio ,
mettendo-se aos conquistadores. De quatrocentos sol- l'l"ࣙ'
dados afora índios se compunhão agora os destroços
das forças portuguezas reunidas nas Alagoas, e com
elles se resolveu fortificar o estabelecimento do sul
como o que por natureza era mais defensável, aguar-
dando alli reforços. Quinze dias não erão ainda de-
corridos quando veio Artiszensky com um grosso
destacamento a tomar posse de Peripueira, logar
alto sobre a costa. Alli plantou um reducto no viso
da eminência e outro sobre a praia, pensando cortar
assim as communieações entre o general portuguez
e o povo dos campos, mas o único resultado foi abrir-
se um caminho pelo sertão.
Entretanto tal uso faziâo do Becife os Hollande- «eceios
zes, que chegarão a sobresaltar a corte de Madrid hespanhofa.
apezar da sua apalhia. Alli "linhão creado arsenaes
navaes de tal magnitude, que ja não era de mister
;ipparelhar na Hollanda essas armadas destinadas a
n. 20
300 HISTORIA DO BRAZIL.
1635. interceptarem os galeões da índia; alli se podião
construir e esquipar. Cornelis ,Iol, que ja adquirira
grande nomeada com os muitos cruzeiros leliz.es que
emprehendera, sahindo da Hollanda n'um so navio,
tornou no Becife o commando de quatorze, abaste-
cidos para sele mezes. Com esla força de novo se
' apoderou da ilha de Fernào de Noronha, lendo a
pequena guarnição, alli posta pelos Portuguezes,
0
"' ['.'íw.' ' sustentado um cerco de doze dias. Não era sem im-
portância esta ilha como logar para refrescar, sendo
escassa no Becife a água doce. Feito isto, velejou a
interceptar a frota do México, que encontrou no
canal deBahama : alguns de seus capitães, que não
gostavão de servir debaixo d'elle, cumprirão mal o
seu dever, pelo que forão despedidos cinco o decla-
rados infames. Graças ao mao comportamento dos
seus subalternos, levou Jol a peor, mas o risco im-
minenle em que se havião visto estes navios carre-
gados de ihesouros, fez sentir a sua imprudência á
corte de Madrid, de modo que o próprio rei ordenou
aos seus ministros que da restauração de Pernam-
buco fizessem seu particular cuidado. A primeira
pessoa de quem esles naturalmente se lembrar,»»,
foi de D. Fadrique de Toledo, que ja restaurara
S. Salvador, e convidárão-no a tomar o commando.
Tinha D. Fadrique alguma reputação que perder,
seguira attento o curso da guerra, e conhecendo o
estado do paiz e a força do inimigo, respondeu que
HISTORIA DO BRAZIL. 307
com doze mil homens bem providos de tudo se en- 1633-
carregava da empreza, mas não com menos. Irritado
com o reparo que esta resposta encerrava, o mandou
Olivares metter na cadeia1 onde faleceu. Becorreu-
sc em seguida a D. Philipe de Silva, que respondeu,
que absolutamente ignorante das couzas do mar,
era impróprio para o commando; e esta excusa se
lhe acceitou, embora devesse parecer que com a no-
meação d'um bom almirante ficava sanado este único
defeito. Deu-se o commando a final a Antônio de.
Ávila y Toledo, marquez de Vaiada, e em quanto
maiores forças se apercebião, mandou-se D. Luiz de
Boxas y Borja adeante como mestre de campo gene-
ral com mil e selecentos homens, a render Mathias
d'Albuquerque. § 670-5!*
Foi u m poderoso armamento este, composto de Che ali0Eíli
trinta velas ás ordens de D. Lopo de Hozes e D. Bo- „«££,.
drigo Lobo, que em S. Salvador havião de desembar-
car Pedro da Sylva, novo governador general, e
receber a bordo o seu predecessor Oliveira, devendo
este assumir então o commando e expellir de Curaçoa
os Hollandezes. Assim tivessem estes commandantes
possuído talentos sufiicienlesou mesmo zelo bastante,
que grave damno poderião haver causado aos Hollan-
dezes, infligindo-lhes talvez até um golpe mortal!
Nove navios carregados de productos do Brazil aca-
1
Ha equivocaçào do auctor quanto ao lugar da prisão de D. Fadri-
que, que foi encerrado n/um torre e não na cadeia. F. P.
308 HISTORIA DO RRAZIL.
1635. R av5o d e U ar á vela para a Hollanda; estes bem
os podião elles ter capturado, mas por que o piloto
obstinada e falsamente lhes dizia que os seus pró-
prios vasos demandavão águas mais fundas, desisti-
rão da caça, fazendo-se na volta do mar, quando a
terem inlrepidamente desembarcado e investido o
Becife, tel-o-ião necessariamente tomado, achando-se
então como se achava a força do inimigo derramada
por cem legoas de costa, de Peripueira até ao Potengi.
So duzentos homens tinha Schuppe comsigo na ca-
pital d'estas conquistas, e ao ver acercar-se a armada
hespanhola logo se deu por perdido. Os moradores
portuguezes, contando ja ao apparecer tão grande
frota ver desembarcar os seus conterrâneos, estavão
promptos a levantar-se contra os conquistadores,
chegando alguns a tomar armas. Mas os generaes,
nem sequer aguardando informações, governarão
para o cabo de Saneto Agostinho, onde receberão as
primeiras novas de terra, levadas por um homem
que se aventurou a sahir ao mar n'uma jangada.
Tolheu-lhes alli o tempo o desembarque, e IIozcs não
quiz pôr as tropas em terra no rio Serinhaem, em-
bora os seus próprios officiaes o conjurassem a fazel-o,
e lh'o aconselhassem Mathias d'Albuqucrque c Ba-
gnuolo, que mandarão a bordo Martim Soares Mo-
reno a reforçar o que por escripto diziao. Obstinado
na sua opinião, seguiu Iíozcs para a barra das Ala-
goas, e alli na Ponta de Jaraguá desembarcou Boxas
HISTORIA DO BRAZIL. 309
§Tã7-i4. torças.
occupãoo- Avançou Bagnuolo para Porto Calvo, onde reuniu
Portuguezes
i'o°rtòracIiío e 01,ocentos
homens, c d'alli poz-se a talar as
terras possuídas pelos Hollandezes. Deplorável era
na verdade a condição dos habitantes (Festas pro-
víncias conquistadas. Parece ler sido desejo dosllol-
HISTORIA DO BRAZIL. 321
1
Os Sr;. Warnhagen e Netscher affirmam que fora o cerco de
treze dias. F. P.
8
Arcem Povacaona.n a chama Barlaeus, parecendo ter tomado
palavra povonção pelo nome do logar.
332 HISTORIA DO RRAZIL.
1630 p Ê ç a d'artilharia; os soldados com suas mochilas, os
officiaes com suas bagagens; também se lhes devia
proporcionar passagem para as índias, trocando-se
os prizioneiros de parle a parte. Concluido isto, en-
trou Nassau na fortaleza, onde assentou Giberton e
os demais officiaes á sua própria meza, traclando (no
dizer de Brito Freire, o melhor e mais imparcial
historiador desta guerra) os vencidos a todos os
respeitos como a si próprio se quereria ver tractado
se tivesse sido sua a sorte de cahir prizioneiro. Karcl
Nassau, sobrinho do conde 1 , e homem de mereci-
mento real e grandes esperanças, fora morto durante
o assedio. Cerca d'um mez antes de investida a praça
linhão os ossos de Boxas sido desenterrados pelo seu
sobrinho, e depositados com honras militares na
egreja, pendurado na parede ao lado um escudo com
as armas do fallecido. Este escudo arrancárão-no os
soldados hollandezes e apresentárão-no ao seu ge-
neral, que o mandou para o Becife, onde fosse collo-
cado no seu próprio palácio em memória honrosa
d'um soldado valente.
Abandona Alem dos índios restava ainda a Bagnuolo uma
as
Aw!gôas. força de mil e duzentos homens. De fácil defeza e
bem situada para ser soecorrida da Bahia e da Eu-
ropa era a villa de Madantlla* nas Alagoas, mas
1
Diz Xetscher que Carlos de .Nassau era primo de Maurirui. F. I'.
s
É esta uma expressão vulgar, usada nas províncias do Norte, (pie
corresponde á palavra Magdalena. F. P.
HISTORIA DO BRAZIL. "33
1636.
perdida tinha o general toda a confiança nos seus
soldados, que pela sua parle com melhor funda-
mento nenhuma punhão n'elle l . Quasi que nem
aguardando que o perseguissem, abandonou esta
posição, retirando se para a villa de S.Francisco a
oito legoas da foz do grande rio do mesme nome, a
cuja margem eslava assentada5. Aqui linha também
abertas as communicações por água; entre elle e os
perseguidoresficavao rio Piagui, que não sendo va-
deavel offerecia o melhor posto do mundo para for-
midável resistência. Apenas porem lhe constou que
o vinhão os Hollandezes perseguindo, renovou Ba-
gnuolo a fuga, e atravessando o S. Francisco foi reti- B. Freire
rando sempre, até chegar á cidade de Sergipe. § 775-8.
1
I)"onde Barlajus fabricou a palavra latina Openada l
HISTORIA J)0 BRAZIL. ">7
l636
caria que elle dirigiu ao seu parente o príncipe
(FOrange, pedindo-lhe que instasse com a Compa-
nhia para que remettessea este delicioso paiz quantos
colonos allemães podesse achar, e se estes não fosse
possível havei os, que se despejassem as cadeias e as
galés, transportando os criminosos para aqui, onde
com útil e virtuoso trabalho se purgassem de seus
delidos '. Pedia mais soldados, achando-se enfra-
quecido o exercito com piquetes deslacados, guarni-
ções deixadas, e pela morte. De armas também care-
cia, mechas, tambores e trombetas, legumes e
conservas; viveres frescos não faltavão, mas não erão
dos que servião para prover uma frota. Bandeiras
egualmenle lhe havião de remetler e faxas côr de
laranja para os soldados, afim de distinguil-os e
alental-os : se fossem desattendidos estes pedidos,
tudo perigaria, dizia elle, pois so o respeito que lhe
tributavão, mantinha em ordem as tropas. Bem foi a
Portugal que rasteiros ciúmes e baixas considerações
neutralizassem a influencia d'esle grande homem;
que, se lhe tivessem seguido os planos, seria hoje o
Brazil uma colônia hollandeza s . So a falta das neces-
sárias provisões lhe tolheu que tirando vantagem do
terror do inimigo e da confiança das suas próprias B. Freire.
tropas, marchasse direito sobre a Bahia. Raria-.us.' u.
1
Triste e pernicioso systema de colonisação, de que tantos males
tem resultado. F. P.
s
Ter-se-hia, pelo contrario, acelerado a no*sa independência. F. P.
11 oo
358 HISTORIA DO RRAZIL.
*657. Com não menos zelo do que talento regularão
R
w l ° ° entretanto os officiaes civis no Becife os negócios
internos da conquista. Todas as pessoas estabelecidas
n'esta cidade e na de Olinda para fins commerciaes
forão arrigimentadas por companhias, cada uma das
quaes tinha seus officiaes e bandeira, assegurados
assim os serviços d'aquelles cuja lealdade era sus-
peita. As leis da Hollanda relativas ao matrimônio
forão coercitivamente postas em execução, quando
se tornou necessário um freio. Conciliáráo-se os ju-
deos, permittindo-se-lhes a guarda do seu sabbado,
e os christãos tiverão ordem de sanclificar o septimo
dia desde lanto profanado; lomárão-se medidas para
conversão dos alliados indígenas, abrirão-se escholas
para os seus filhos, e fizerão-se catechismos para
elles. Querendo-se reedificar Olinda, peiinittirão-sc
alli todas as construcçòcs, prohibindo-se a lirada de
materiaes das ruinas para outras parles. Mandárão-
se dous (lepulados.ao serião' á cata de minas, acom-
panhados de guias portuguezes e naluraes : effecli-
vamenteappareceu prata, mas a veia, que á primeira
vista se figurava rica, enganou as esperanças que
fizera conceber. Dizia-se que os Albuquerques linhão
extraindo muito ouro de certas minas em Pernam-
buco, e para achal-as se fizerão pesquizas, porem
mudadas. Egualmente em não se procurarão as mi-
1
Fodinx Capaovaenses.
340 HISTORIA DO BRAZIL.
«37. de provocar uma sedição, poz Nassau cobro a este
abuso^ fixando a ração que a cada soldado havia de
dar-se. Também a receita publica passou por salu-
tares reformas, e dos dízimos do assucar c farinha,
das pescarias, barcas de passagem, e t c , se apurava
considerável somma. Grandes fraudes se havião com-
metlido sob a capa da confusão em que andavão os
pezos e medidas, o que porem de prompto se proveu
de remédio, reduzindo todos ao padrão d'Amslerdáo.
Apoz isto cuidou Nassau em reparar quanto pos-
r
Sabias
,n d dc s y e
\a's saU i l o s estragos da guerra, para o que muito con-
correu a confiança posta nos seus talentos e proba-
bilidade de que o seu nascimento e influencia lhe
tornariâo permanente a aucloridade. \enderão-se
como propriedade publica os engenhos de assucar
abandonados, e pela somma enorma que produzirão
em tempos de tão pouca segurança, se pôde julgar
do seu numero e importância. Dcrão de vinte a cem
mil florins cada um, recebendo a Companhia das
índias Occidentaes ao lodo dous milhões. Procurou-
se induzir os Portuguezes a voltarem ás suas terras,
estabelecendo-se debaixo do domínio hollandez; cada
colono era olhado por Nassau como amigo, pois que
contribuía para augmentar a producçáo de que ca-
reciâo os conquistadores, e era interessada na defeza
dos seus campos; cada fugitivo pelo contrario lhe era
uni inimigo, e da mais formidável espécie, pois que
a necessidade o obrigava a saquear, e o conhecimento
HISTORIA DO BRAZIL. 341
1637
dopaiz'lh'o permittia fazer com vantagem. Forão
estes os termos offerecidos aos Portuguezes : inteira
e plena liberdade de consciência; conservação das
suas egrejas á custa do Estado; não havião porem de
receber visitador da Bahia, nem se admittirião novos
frades em quanto houvesse bastantes para celebração
das ceremonias da religião. Ficarião sujeitos ás leis
hollandezas, pagando os mesmos impostos que os
outros subditos do Estado, e o Concelho Supremo
marcaria dous dias para dispensar-lhes justiça. Tor-
narião a entrar no gozo dos seus bens, e quaesquer
escravos que lhes fugissem depois de prestado pelo
senhor o juramento de fidelidade, lhes serião resti-
tuidos; observava-se porem que entregar os que an-
tecipadamente havião fugido para os Hollandezes e
os tinhão servido, seria vil e abominável, nem se devia
pensar em tal. Permiltir-se-lhes-ia trazer espada
para defeza própria contra os negros dos Palmares.
Estas concessões e a generosidade com que Nassau
tractara os prizioneiros, diminuirão a aversão que os
Portuguezes votavão aos seus conquistadores. Tam-
bém para com os indigenas adoptou elle um systema
de beneficência, bem que nào faltassem homens po-
derosos, que com toda a seccura nacional do caracter
hollandez quererião ver tractar como brutos estes
desgraçados, impondo-lhes jugo ainda mais cruel
do que o dos antigos déspotas nos peores dias de sua
tyrannia.
512 HISTORIA DO RRAZIL.
11 : 7
'- Ventilava-se por este tempo a questão de saber se
Deliberações . *n i T. * *1 J
sobre a sede sc removeria para a ilha de Itamaracá a sede do go-
do povcrno.
verno. Beunia este logar as duas grandes venlagens
de madeira e água : a islo respondia-se que com o
trabalho dos escravos se obtinha madeira, posto que
mais cara, e água do Beberibe, a meia hora de dis-
tancia, bastando em caso de necessidade, para o
consumo indispensável, a quedavão as fontes. Uma e
outra posição erão egualmenle salubres; o Becife
tinha um bom porto, o que não succcdia na ilha, e
alem cFisso era ja cdiíicado e povoado, em quanlo
que no outro local tudo eslava por fazer. Prevalece-
rão considerações apresentadas por Nassau c polo
Concelho a favor da actual residência. A' vantagem
capital de Itamaracá, a de ser uma ilha, parece não
se ter attendido : erão então os Hollandezes por de-
Nieuiioff. mais poderosos para que houvessem de temer um
Barlwus. 52. COrCO.
A capitania Entretanto chegara Bagnuolo a Sergipe, d'EI-Bci,
si-ípe. cidade primeiramente chamada de S. Christovão l e
depois assim do nome do rio que ao pé lhe corria.
Sila a quatro legoas do mar continha cerca de cem
casas, com quatrocentos currais para o gado, uma
1
A cidade de S. Cliristovam que deve seu ir une a tlhrislovaill de
Barra, jjowrnador interino da Bahia, em Cujo tempo começou a con-
quista e civilisaeão d"anti»a capitania, nunca trocou o seu nome pelo
de Serj-ipe : deixou porem modernamente de ser a capital da província,
que agora é Aracaju. F. {'.
HISTORIA DO BRAZIL. 543
egreja malriz, uma Misericórdia e dous conventos. 1€3L
So a embarcações pequenas dava entrada a barra. A %
capitania, de que era esta a capital, exlendia-se qua-
renta e cinco legoas, separando-a da Bahia que lhe
demorava ao sul, o rioTapicuru, e de Pernambuco
ao norte o S. Francisco. Havia sido doada a Christo-
vão de Barros, em galardão dos seus serviços na re-
ducção dos selvagens. Oito engenhos havia dentro do
seu distrito, onde erão da melhor qualidade o tabaco
e sem numero os rebanhos.
D'aqui mandou Bagnuolo avizo á Hespanha; tam- Apela Souto
bem escreveu para S. Salvador ao governador Pedro conquíItadL
da Sylva, offerecendo-se a ir com as suas tropas em
soccorro d'aquella cidade, certo de que Nassau, com
a confiança do triumpho e da força, passaria a in-
vestil-a. Desdenhosa foi a resposta, que melhor seria
ficar onde estava, do que acarretar sobre a Bahia a
má sina de Pernambuco. Apoz isto nenhuma alter-
nativa lhe restava, e estabelecendo o seu quartel
general em Sergipe, d'alli renovou esse systema de
guerra de depredação com que tão bem se havia
dado. No forte Mauricio tractavâo os Hollandezes de
tirar d'esta capitania o gado, na vã esperança de
cortar os supprimentos á Bahia, e sem cessar se suc-
cedião as refregas. Entretanto cruzava Souto tres
vezes o S. Francisco em jangadas, o que os Hollan-
dezes havião reputado impossivel, largo como é
aqucllc rio, e cahindo sobre elles quando menos o
314 HISTORIA DO RRAZIL.
,057
- pensavão, outras tantas vezes levava a destruição e a
ruina até quasi ás portas do próprio Becife. \exado
por taes incursões, e vendo que o S. Francisco lhe
não era fronteira segura, fez Nassau, a quem tres
mezes de febre impedido de ir em pessoa, marchar
Gijsseliiigh, membro do Grão-Concellio, com dous
mil homens, a fazer juneção com Schuppe, e ambos
e
§'-87-9i." cxpellirem de Sergipe o inimigo.
nacnuoio Sabia Bagnuolo que novas forças tinhão chegado
a
sergipe. ao forte Maurício, mas importava-lhe também saber
o seu numero. Com Ires camaradas passou Souto o
rio a nado, entrou n'uma casa, e apoderando-se
d'um o fli ciai hollandez, trouxe-o para o acampa-
mento. Reuniu-se então uni concelho. Alguns espí-
ritos mais bravos forão de opinião que mais se care-
cia de reputação com que resistir ao inimigo, do
que de gente, e que convinba fazer frente; alias que
fazer, se abandonavão Sergipe, e a Bahia os não
queria receber? A isto retrucou-se que a Bahia agora
acceitaria goslosa os soecorros que antes rejeitara
desdenhosa, por quanto não se podia arrancar das
espadas em Sergipe, sem que de S. Salvador se lhes
visse o fuzilar. Demais era alli o verdadeiro logar de
provar brios, que guardando a cabeça do Estado se
defendia o lodo. A estes argumentos se rendeu Ba-
gnuolo, e mandando unia partida a assolar a fogo o
paiz que deixava atraz, de novo se poz em retirada
com os mi^eros emigrados das conquistadas proviu-
HISTORIA DO BRAZIL. 315
cias. Mais uma vez tiverão estes desgraçados de pas- 1637
sar pelos horrores d'uma fuga. Os Pitagoares como
mastins os forão acossando por todo o caminho; e
os tristes que rendidos de fadiga ou por qualquer
accidente ficavão atraz, erão sem dó despedaçados
por estes selvagens. Outros mais felizes cahiâo nas
mãos dos Hollandezes; muitos perecerão nas malas
mordidos das cobras1. Exhauslos de soffrimentos
muitos houve, que resolverão submetler-se ao ini-
migo, de quem obtiverão passaportes para regressar
ás abandonadas habitações. Os próprios chefes a
quem se communicava esla resolução, a animavão;
melhor era, dizião, este alvitre para o serviço do rei;
lá a todo o lempo cstarião promplos a ajudar os seus
conterrâneos aberta ou secretamente, valendo mais
que fossem para onde poderião coadjuvar os solda-
dos, do que seguir o exercito e carecer do auxilio
d'ellcs. Ainda assim não pôde o maior numero dos
Pernambucanos soffrer a idéia da submissão, edeses-
peradamenle forão por deante, sem saberem onde
nem quando teria fim a fuga. § m,e'mi
Na Torro de Garcia d'Ávila'achou Bagnuolo um
o Isetira-se
mensageiro com ordem do governador general para para8anBahia.
1
Em (pianto a partida fazia alto foi uma mulher lavar roupa num
regato, e depoz o filho n'uma mouta; logo depois ouvindo-o gritar,
voltou-se e viu uma onça a devoral-o. Perdidos á esta vista- os senti-
dos, caliiu na água com o rosto para baixo, afogando-se n'um arroio,
que mal lhe dava pelo tornozelo, li. Freire.
346 HISTORIA DO BRAZIL.
16n?
fazer alto alli, até que se resolvesse onde se aquarle-
larião as tropas. Respondeu que depressa iria a con-
sultar com elle a este respeito. Sahiu-lhc porem .
Pedro da Sylva ao encontro, recebendo-o com honras
que devião fazel-o esquecer o duro da primeira men-
sagem. Discutiu-se a questão; queriáo uns que as
tropas fossem immediatamente postadas em Villa
Velha, a meia legoa da cidade, que se levantassem
fortiticações e se pozesse tudo em estado de defeza.
Era esta a opinião de Bagnuolo e dos seus officiaes.
Oulros, que não podião crer que tivesse Nassau forças
com que pensar em similhante empreza, enlendião
que os soldados so servirião de estorvo, e que com re-
pararem-se as forlificações nada mais era precizo.
Prevaleceu este parecer.
Entretanto entravào Schuppe e Gijssclingh em
Sergipe, queimavão casas e engenhos, deslruião todas
as arvores fruetiferas e plantações, e feito isto vollavào
ao forle Maurício. Assim em logar de tomarem de-
baixo da sua protecção os abandonados moradores,
procurando concilial-os com bom Iraclamento, enxo-
tárão-nos para a Bahia, auginentando as forças da
capital com um bando de homens que o desespero c
a memória de soffridas injustiças tornavão formidá-
veis. Em toda esta campanha fez-se na capitania de
Sergipe horrendo estrago entre o gado. Diz-se que
Bagnuolo afugentara oito mil cabeças e inalara cinco,
para não deixal-as ao inimigo, e que os Hollandezes
HISTORIA DO BRAZIL. 347
destruirão tres, afora o grande numero, que, atra- 1657-
vessando o rio, levarão para as suas"proprias pro- "ggoTJ»?'
Barteus. 63.
VinCiaS. .\ieuhoff. 7.
348 HISTORIA DO BRAZIL.
1ÜÕ7.
CAPITULO XVII
1
Lastima Netscher que o conde de Nassau, cedendo ás importu-
nações dos ministros protestantes, revogasse os edictos que em porol
da liberdade de consciência, e tolerância religiosa, tão sabiamente pro-
mulgara. F. P.
554 HISTORIA DO BRAZIL.
1638. honra de sua própria irmã, e o de Ceulen, que o
tomara, ao do Bio Grande. Aqui lhe enviarão os Ta-
puyas presentes, recebendo oulros em troca, como
penhores de amizade e alliança. Succedeu ser captu-
rado um navio de Lisboa com muitas cartas a bordo.
N'eslas se dizia que se ficava apparelbando poderosa
armada para o Brazil; dos que as escrevião uns repu-
tavão isto mero pretexto para levantar dinheiro,
andando a corte de Madrid tão occupada com couzas
que mais de perto a tocavão, e especialmente com os
tumultos de Évora, que mal poderia attender aos seus
remotos dominios; outros pelo contrario affirmavào
que o levante estava abafado, que Oquendo havia ja
sido nomeado para o commando da expedição, e que
esta sem duvida alguma daria á vela. Nenhum cui-
dado deu isto a Nassau; durante o inverno não podia
vir a armada, alem de que inclinava-se elle mais a
dar credito a outras cartas, que pinlavão o rei dlles-
panba como por demais entregue aos seus diverti-
mentos, para que houvesse de dar um so pensamento
ao Brazil. Em todo o caso escreveu á Companhia das
índiasOccidentaes que era indispensável mandar-lhe
reforços com que podesse resistir aos Hespanhoes, se
viessem, ou tirar partido do seu descuido, se ficas-
sem ; e pediu navios que servissem para o duplo fim
u e ;irros
^09*^' lar a frota inimiga elevar para casa assucar.
Na sua volta da Parahyba achou Nassau une linhão
Preparativos •' 1
aTailia. chegado provisões de boca e de guerra, porem so-
HISTORIA DO BRAZIL. 555
163».
mente duzentos soldados. A estação das operações
militares iâ correndo, e apezar da decepção que tão
parco reforço lhe causou, resolveu elle atacarS. Sal-
vador sem mais perda de tempo. A sua gente, que
as passadas victorias havião tornado confiada, o insti-
gava a fazel-o, e até traidores houve na capital do
Brazil que o convidarão a commetter aempreza, assc-
verando-lhe que por falta de soldo estavão promptas
a amotinar-se as tropas; que Bagnuolo e o governa-
dor andavão desavindos; e que o povo se inclinava a
favor dos Hollandezes pela generosidade com que
tinhão sido tractados os que se havião submettido.
Era na verdade um inimigo generoso o conde Mau-
rício. Bagnuolo escreveu-lhe, pedindo a entrega d'al-
gumas mulheres e crianças, cujos, maridos e pães
andavão no exercito portuguez, offerecendo por ellas
considerável resgate; a resposta foi que antes queria
que lhe agradecessem do que lhe pagassem o bene-
ficio, e aprestou üm navio de propósito para levar
esta genle á Bahia. 0 povo, cuja primeira explosão
de sentimentos é sempre justa até certo ponlo, sejão
quaes forem as suas opiniões, applaudiu altamente
esta acção; algumas cabeças mais atiladas, como as
chamào, rebaixárão-lhe o merecimento, observando
que o navio vinha a espionar o estado da cidade. É
certo que os marinheiros hollandezes havião de tomar
nota do que podessem, mas culpa era dos Portugue-
zes se aquelles alguma couza vião em detrimento
356 HISTORIA DO BRAZIL.
1638. d'estes. A Nassau não lhe fallavão inlelligencias tanto
no Recôncavo como na cidade1, e dYsses que em toda
a acção generosa suspeitão sempre um motivo baixo,
é que mais devemos desconfiar.
Marclia Na mais descuidada segurança vivia o povo da
""to"? Bahia em geral. Longa e desastrosa experiência pelo
S. Salvador. . ° ° m i n
contrario tornara Bagnuolo cauteloso, lambem elle
tinha suas espias: estas o informarão de que os úl-
timos despachos d'Amsterdáo representavão a llespa-
nha occupada demais para pensar no Brazil, e que
Nassau reunia no Becife toda a sua força naval.
D'aqui inferiu Bagnuolo immcdiatamente que a
Bahia ia ser investida, e partindo sem demora da
Torre de Garcia, foi postar-se cm Villa Velha, ás
portas da cidade. Isto o fiz sem consultar o governa-
dor, e até contra os desejos d'elle e dos cidadãos,
mas tão convencido estava da exaclidão das suas no-
ticias que nada pôde dissuadil-o. Collocárào-se postos
avançados, e concordou-se em que'um dia seria Ba-
gnuolo e oulro o governador, que havia de dar as
ordens, conchavo, de que nenhum mal podia provir
B
§s,iíiT' em quanto estava longe o perigo 2 .
1
Se dermos credito ao que nus refere llarleo (lies, gest. sub
comitê )lauritw in Brasília, p. 164), o denodado guerrilheiro D. An-
tônio Philippe Camarão entrou em negociações com .Nassau para aban-
donar a causa portii^ueza. I". P.
1
Lemo> nos melhores chronislas e historiadores que o governador
«reral do Brazil Pedro da Nelwi, que se mostrara a principio hostil ao
conde de Bagnuolo, levara depois o seu e. ivalheirisino em renunciar cm
suas mãos toda a auetoridade militar. F. P.
HISTORIA DO BRAZIL. 357
Entretanto mandou-se Souto com João de Maga- 1638
lhães e sessenta tiomens a Pernambuco, d'onde desouti
trouxesse noticias mais certas. Ao chegarem ao San
Francisco, atravessou-o Magalhães acima do forte
Maurício com quarenta e cinco dos da parlida, tendo
Souto marcado tempo e logar para todos se encon-
trarem nas Alagoas. Este seguiu com os restantes
quinze homens pela ribeira até á barra, onde se
dispoz a atravessar o rio em jangadas. Estava alli por
acaso fundeada uma pinaça hollandeza, cuja tripo-
lação composta de dez pessoas veio a terra. Cahiu-lhe
Souto em cima, matou seis, mandou Ires dos seus
com os outros quatro prizioneiros para a Bahia, e
passou o rio na embarcação assim aprezada. Um
colono da margem opposta, a quem se dirigiu para
obter informações, lhe disse que dous navios do
Recife acabavão de chegar a Cururuipe, dez legoas
d'alli, onde os Hollandezes tinhão levantado trin-
cheiras á volta d'uma egreja abandonada, perto da
praia, guarnecendo-as com vinte e cinco homens.
Souto tinha apenas doze; sem embargo arremetteu
contra estas trincheiras ao romper do dia, matou
dezoito Hollandezes, e fez um prizioneiro, fugindo-
lhe os outros seis. Na ignorância do que havia suc-
cedido desembarcarão os capitães dos dous navios
antes do meio dia e forão mortos ambos, encontrando-
se na algibeira d'um uma carta, com a noticia de
ter Nassau communicado ao Concelho a sua intenção
358 HISTORIA DO RRAZIL.
1658
de atacar S. Salvador, desígnio que foi approvado.
Eutrão os Chegada á capital esta nova, não pode mais o povo
Ilollandeze:
lollandezes o i
i
dê-Todísos
Sanctos.
fechar os olhos ao perigo. Jamais se achou cidade
menos preparada. Com uma indolência que mal se
pode crer, linha elle visto anno apoz anno os pro-
gressos do inimigo sem cuidar na própria defeza.
Não se crigião obras novas nos logarcs onde erão evi-
dentemente necessário, e sem reparos se deixavào
as antigas. Desmontada a artilharia, nem as carretas
estavão promptas nem as balas á mão : havia por
acaso alguma farinha nos armazéns, mas tudo o mais
faltava. Tal era o eslado de S. Salvador, quando cinco
dias apenas depois que se começou a acreditar na
sua vinda, apparccérão os Hollandezes á vista. Extra-
11 .1'aljl.
1l3X. ordinariamente rápida havia sido a viagem do Becife,
tendo durado seis dias n'uma estação cm que se
costumavão gastar quatro a seis semanas Segundo os
Portuguezes traziào elles 7,SOO homens, contando
marinheiros e índios, em quarenta navios'. Simu-
larão um desembarque cm Tapoão, a unia legoa da
entrada da babia, mas logo a entrarão, deitando ferro
em Tapagipe, defronte das capellas de Nossa Senhora
da Escada e de San Braz. Impossível fora guardar
todos os ponlos da costa e este havia sido um dos que
por necessidade se deixarão abertos. Aqui saltou o
1
Segundo o calculo de \elsclier levara omisigo T>, SOO soldados C
marinheiros; alem de 1,(!()() indígenas. F. P.
HISTORIA DO RRAZIL. 559
I638
inimigo em terra de tarde, avançando na manhã se- -
. . B. Freite.
guinte para os muros. § 855 6.
Mil e quinhentos homens contava a guarnição de Tumultos
n â CHIí)fl^
1
Com estas nobres expiessões repara Southej as injustiças que por
mas d'uma vez irrogáiVao distinrtu "eneral italiano, conde de Üa-
"IIUIIJ. K. P.
HISTORIA DO RRAZIL. - 363
prizioneiros, que os Portuguezes linhão em seu po- 165f?
der, erão apenas dezoito, e com uma cortezia, que os
acontecimentos posteriores provarão ter sido effeito
do medo, não da generosidade, forão vestidos e pos-
tos em liberdade 1 .
0 fim principal por que duas vezes se mandara consternaço
um mensageiro com recados de Ião pequena monta, Ja cidad*,
era provavelmente observar o estado das trincheiras.
Bagnuolo lhe mandara vendar os olhos antes de ad-
millil-o á sua presença, mas era evidente que as
obras não estavão Completas, pois que n'ellas se tra-
balhava ainda, c Nassau mandou J ,500 homens a 21 a>br.
1608.
1
Porque desvirtua Soulliey esta tão louvável e cavalheiresca acção
do general italiano? F. P.
564 H I S T O R I A DO RRAZIL.
1o:,s
melhores sentimentos. Um official, que com entra-
nbavel magoa vira a facilidade, com que havião sido
tomados os fortes, e a pusillanimidade do povo, foi _
um dia ao paiol antes de amanhecer para distribuir
pólvora e achou debaixo da poria uma mecha acceza;
o horror e a indignação ao descobrir assim que havia
traidores dentro dos muros, forão taes, que perdidos
"§ 851-5!' logo os sentidos, morreu doudo furioso.
Aba^ec- Nem tinha Nassau um exercito sufficiente com que
,i™c?da°ic. cercar a cidade, nem conhecia assaz o paiz para
occupar os postos mais importantes. Dos seus erros
tiravão partido os Portuguezes, que sempre alerta
lhe picavão os quartéis, abastecendo de continuo a
cidade. Neste serviço se dislinguirão particularmente
Souto e Bebello, mettendo o segundo na praça, de
duas expedições, mais de mil rezes bovinas e um re-
banho de carneiros. Até o mar era mal guardado dos
Hollandezes, e emquanto no campo dos sitiantes se
sentia escassez, recebião os sitiados provisões em
abundância.
,\br,,no- Completas estavão agora as obras em Saneto An-
u
«11 1
llollaiiilcz *
as sua>
leltcna* tonio, e Bagnuolo, cuja presença se não fazia mais
preciza, recolheu-se á cidade, dirigindo logo para
outro logar a sua atlenção. Os prizioneiros o infor-
marão de que Nassau meditava occupar outra posição
mais próxima, donde com mais vantagem batesse a
cidade. Sabido isto, julgou o commandante portu-
guez necessário segurar as Palmas, posto d'onde
HISTORIA DO RRAZIL. 365
D. Fadrique de Toledo muito vexara os Hollandezes i(338.
quando estes erão senhores da Bahia. Assim prevenido
aos seus desígnios, abriu o inimigo as suas baterias
no Io de maio. Hoje em dia, em que a obra da des-
truição se faz em tão tremenda escala, similhanles
baterias quasi excitão o riso; na maior, que ficava
fronteira a Saneto Antônio do lado do mar, não se
montarão mais de seis peças de vinte e quatro; e nas
outras do lado de lerra duas de egual calibre. Jamais
talvez se fizesse guerra con meios tão desproporcio-
nados ao intento : duas nações se disputavão um
império não menor em extensão do que a Europa ci-
vilizada, e nunca d'ambos os lados chegarão as forças
a quinze mil homens.
Taes quaes erão fazião similhantes baterias effeito Cartas
contra similhantes muros : á noule tinhão demolido tadas.
os lanços contra que jogavão, na manhã seguinte
novas obras apparecião da parte de dentro. Da Egreja
Nova vexavão os sitiados com considerável effeito os
de fora; levantarão mais obras exteriores, e para
supprir a conseqüente reducção da guarnição, man-
darão buscar cento e cincoenta homens de duzentos
que estavão constantemente de serviço no Morro de
S. Paulo. Por este tempo forão parar ás mãos de
Nassau algumas cartas aprehendidas n'um navio de
Lisboa; os que as escreviâo desesperavão da sorte do
Brazil; quanto a mandarem-se forças para restaurar
Pernambuco, isso, dizião, era impossível; todas erão
366 HISTORIA DO RRAZIL.
1638. poucas para defender a llespanha, nem o thesouro
tinha com que supprir as despezas. Estas cartas man-
dou-as elle a Bagnuolo, pensando que nada o desa-
coroçoaria tanto. Pouco depois forão descobertos e
enforcados Ires espiões dos Hollandezes.
Outra vez poz a própria precipitação e insubordi-
nação em perigo os Portuguezes. Constrangidos tive-
rão os commandantes de prometter que fariáo uma
sortida a atacar o inimigo nas suas trincheiras. Bem
• sabíão elles que seria isto ruína certa, mas oulro
meio não tinhão de evitar uma calaslrophe immi-
nente, sendo precizo inculcar assentimento, e fixar
hora para a empreza : pouco antes de raiar o dia, que
era o momento designado, mandarão secretamente
dar um rebate falso, e o povo, persuadido que os
vieyra Hollandezes havião descoberto o desígnio, deu-se per
Sermõeí.
s. ne satisfeito.
Batalha nas Alguns prizioneiros trazidos por Souto á cidade,
declararão todos que reinava no acampamento a
escassez, couza tão pouco provável, que não querião
acredital-a os sitiados, embora estes homens cada
um separadamente a aflirmassem. Não contara Nas-
sau com a resistência que encontrava, e pensou que
as poucas provisões que levava chegarião até se tomar
a cidade; enganou-se e os seus forrageadores, pouco
practicos do paiz, mal podião compelir com homens
como Souto, Camarão e Henrique Dias. A final re-
solveu sal tear as trincheiras de Saneio Antônio e pio-
HISTORIA DO BRAZIL. 367
1638
vocar o desfecho do cerco. A's sele horas da tarde do '
T i c • • •f i -li ~ 18 de maio
dia to principiarão o assalto tres mil homens. Ca- •
nhárão o fosso e alli se entrincheirarão, depois arre-
mettérão ás portas. Aqui se tornou sanguinolento o
combate. Era tão estreito o logar, que nenhum tiro
se perdia; as balas ardentes e granadas dos assal-
tantes produzião inteiro effeito, e as traves e pedras
dos sitiados cahião sobre as cabeças dos de fora. Por
extranha imprevidencia deixarão os Hollandezes de
dar rebate em outros postos, pelo que poderão os
Portuguezes concentrar aqui todas as suas forças.
Uns atacavão no fosso os assaltantes, outros os recha-
çavão das portas. Todas as tropas das obras exteriores
acudirão á acção; Nassau levou o resto das suas forças
ao assalto e este tornou-se batalha general, de que
devia depender a sorte do assedio. Os Hollandezes
cederão, pois pelejavão com desvantagem. Maurício
deu ordem de matar quem fugisse, e desesperados
voltarão elles á carga, mas nada lhes valeu. Os Portu-
guezes, conhecendo o terreno que pizavão, linhão na
escuridão uma confiança que os seus contrários não
podião sentir; tinhão também para a defeza um
estimulo que lhes dobrava o esforço, e repellirão o B. Freire.
§ 870-9.
inimigo.
De manhã propoz Nassau uma tregoa, que foi ac- Morte
ceita, para enterrar os mortos. Os Hollandezes tinhão
deixado cerca de quinhentos no campo, e cincoenta
prizioneiros, os Portuguezes perdido uns duzentos
368 HISTORIA DO RRAZIL.
1638
entre mortos e feridos1; mas tão pouco peritos erão
os cirurgiães d'estes, e tão falhos estavão das couzas
mais necessárias, que matarão mais gente do que
immolara o inimigo. Mais do que um bravo cahiu
n'aquella noute; e aqui concluiu a sua carreira Se-
bastião de Souto, cujos inexhauriveis recursos, incan-
çavel actividade e impávida coragem nos fazem
lastimar a maneira traiçoeira por que principiou a
servir o seu paiz, e a brutal rapacidade com que in-
discriminadamente roubava nas suas correrias amigo
e inimigo. Custou-lhe a vida uma bravata no ardor
da peleja. Cães, bradou aos Hollandezes, a todos vos
heide arrancar as almas, que sou eu o capitão Souto,
deante de quem tantas vezes fugistes em Pernam-
buco! Logo uma fila inteira do inimigo o tomou por
Vai. Luc.
Pi5
- alvo.
crueldade C° m vergonhosa crueldade se vingarão da sua
Hollandezes. derrota os Hollandezes. Nas suas ligeiras embarca-
ções explorarão o Beconcavo, e onde quer que desco-
brião uma casa desguardada passavão tudo á espada.
Uma das victimas d'estc baixo resentiinento foi João
de Matos Cardoso, o mesmo que tão brilhantemente
defendera o forte do Cabedello na Parahyba; agora
com mais de oitenta annos de edade foi assassinado
1
Achamos mais razoável o calculo de P. Varnagcn que orça a
perda dos Hollandezes em trezentos e vinte septe mortos e cincoenla e
dois prisioneiros: e da nossa parte em cento c tantos mortos e fe-
ridos. F. P.
HISTORIA DO RRAZIL. 369
no seu retiro. Mais uma semana continuarão os si-
tiantes a fazer fogo contra a cidade, onde pouco
damno e. nenhum receio causavão, sendo pelo con-
trario elles próprios que soffriâo muito, pois com
extranha imprudência fora Nassau assentar o seu
campo a tiro de canhão da praça, e n'uma posição
onde pântanos impossíveis de se passarem o impedião
de ir atacar as baterias que o incommodavão. Dia e
noute mantinhão os Portuguezes a sua canhonada,
pensando que a chuva reteria nos quartéis os solda-
dos ; muitos buscarão nos bosques abrigo a este risco,
e o resultado foi principiar a doença a devorar tanta
gente como a guerra 1 . No fim d'oilo dias d'esta louca
perseverança renunciarão á empreza, abandonando
parte das suas provisões e quatro peças de bronze,
afora quanto havif.o tomado nos fortes. Quarenta dias 20 de maio.
durou o cerco, sendo a perda do inimigo avaliada cm
dous mil pelos Portuguezes2. Belirárão-se os Hollan-
dezes ainda em boa occasião, quando ja se havião
disposto as couzas para atacal-os pela retaguarda,
principiando-se a fazer movimentos que bem podião
obrigal-os a renderem-se. Effectuado o embarque, ' e0vac"l:'^<'
mandou Nassau todos os prizioneiros para terra,
pedindo em Iroca os que lhe havião feito : recusou-se.
1
Piso descreve este contagio. L. 1, c. 15. De fluxii a!vi l.epa-
tico.
8
Segundo o testemunho de Netscher perderam os Hollandezes mil e
cem homens neste commettiinento. F. P.
ir. 24
5T0 HISTORIA DO RRAZIL.
1638. Os estragos commettidos no Bcconcavo servirão de
razão á recusa, mas como Bagnuolo, accedendo a
proposla análoga, soltara prizioneiros no principio
do assedio, vestindo-os de mais a mais, inipulou-se
B. Freire, a medo a acquiescencia d'então, a arrogância a excusa
§888-92." ,,
Barlrcus. 84. d a g o r a .
O grande erro de Nassau nas suas operações contra
a Bahia, foi expellir de Sergipe os restos do exercito
pernambucano, reforçando assim a guarnição com
mil e duzentos soldados veteranos, que, na phrase de
Vieyra, erão os ossos da guerra, e pelo seu valor e
sormões. experiência dignos de serem venerados como reli-
1 * 8( p. 108. *
quias. Nas circumstancias do cerco acharão os mora-
dores curiosos motivos de practicas devotas. Eslava
o mar aberto ao inimigo e durante todos os quarenta
dias que os Hollandezes ficarão deante da cidade
jamais se tinhão fechado as portas nem de noute nem
de dia. L< nibrárão-se pois de que com razão se cha-
mara de cidade do Salvador aquella povoação, pois
que ninguém sen.V» o Senhor seu salvador e patrono,
podia ter fechado ao inimigo todas as entradas,
w. i'. nu. o s i a n d 0 abertos o maré a terra. Os sitiantes tinhão
assentado os seus quarleis e plantado suas baterias
defronte da egreja de Saneto Antônio, e fora no dia
d'este saneto que havião levantado o cerco com desba-
rato, perda e vergonha. E aqui estava outra prova
da intervenção divina a favor dos Portuguezes. Dis.se-
se-lhes n'um sermão de graças que da cadeira de
HISTORIA DO BRAZIL. 371
1658
S. Pedro fora saneto Antônio chamado a arca do Tes- -
tamento, por que no seu espirito se coníinhao os
mais profundos mysterios da divindade. A própria
infallibiüdade havia declarado que este saneto era a
Arca : que typo mais verdadeiro se poderia imaginar
dos Hollandezes do que esse ídolo dos Philisteos meio
homem meio peixe?... e vede, Dagão cahiu de rosto Sermões.
112, 117.
para o chão deante da Arca!
Ingrato ás tropas pernambucanas não foi o povo
de S. Salvador; reconhecendo que a ellas se devia
a salvação, presenteou-as o senado da câmara da
cidade com um donativo de mil e seiscentos cruzados.
Da Hespanha vierão honras e recompensas para mui-
tos que durante o assedio se havião distinguido. Ba-
gnuolo obteve segundo titulo italiano4 e Pedro da
Sylva foi feito conde de San Lourenço. Os militares
lhe aferirão o proceder por um falso padrão de honra,
por demais geralmente reconhecido, e, mofando
d'elle, dizião que tanta humildade melhor assentava
n'um frade da Arrabida do que n'um commandante.
A corte pelo contrario o applaudiu, decbrando que
pozera elle um exemplo digno de imitar-se. Alta-
mente louvável foi em verdade este comportamento;
so um sábio assim podia pensar, so um valente assim
proceder.
Com a lembrança de que o conhecimento que
1
Uni principado no reino de Nápoles, sugeito nessa epocha a Hes-
panha, e encorporado hoje na monarchia italiana. F. P.
372 HISTORIA DO RRxZIL.
I638
- d'esta fôrma obtivera da cidade, lhe permittiria con-
quistal-a, mal podesse dispor de forças adequadas,
se consolou Nassau do seu mallogro. O panegyrisla,
seu historiador, observa que esta jornada pouco custou
Barteus
á Companhia, dando quasi que para as despezas os
P. 85.
despojos, entre os quaes quatrocentos negros. Bem
sabia Barlaeus a quem escrevia, nem a outrem que
não a similhante corporação offereceria tal consolo,
ou fallaria de ganhos e perdas n'uma occasião em que
as armas hollandezes tinhão sido não so rebatidas,
mas até cobertas de infâmia '. San Salvador teria ne-
cessariamente cabido se maiores que os desatinos
dos sitiados não tivessem sido os dos sitiantes. Isto o
confessarão os Portuguezes, altribuindo a sua salva-
ção, abaixo de Deus, á ausência de Schuppe e Arti-
szensky, homens que pela sua experiência erão mais
para lenier-se do que o próprio Nassau.
ileinescnla- Nas suas cartas á Companhia, Nassau clamava alto
çõe- de
>as^.iu á por soccorros. Guerra, dizia, enfermidade e traba-
Companhia
lhosas marchas n'um paiz como o Brazil dia por dia
lhe ião consumindo o exercito; grilavào os soldados
que os rendessem em tão duro e improficuo serviço,
e toda a sua arte tanto de conciliação como de seve-
ridade, era pouca para mantel-os na ordem, (juatro
mil homens erão necessários para as differentes guar-
nições; e se toda a sua força nem a isto chegava,
1
Onde está a infâmia no mallogro d'um feito (Turmas? I •'. P.
HISTORIA DO BRAZIL. 375
como havia de avançar para o inimigo? Como resistir- 1638-
lhe se este avançasse sobre elle? Como guardar o paiz
contra incursões1? Pedia e requeria pois 3,600 ho-
mens; ficaria então com sete mil, e assim não so
esperava, mas sabia de positivo que alguma couza
se faria digna da Companhia. Tinha esta commettido
emprezas que fazião honra ao século e á nação hol-
landeza, cumpria poisleval-asa cabo; o dado estava
lançado, e passado, não o Bubicão, mas o Oceano;
agora ou se havião de pôr os meios para se conse-
guirem os fins, ou iria tudo pela água abaixo. Des-
cendo depois ao tom mercantil, disse que o assucar
d'aquelle anno, não falhando a colheita, devia render
á Companhia 600,000 florins. Mas faltavão mari-
nheiros, tanto assim qiie oitocentos soldados tinhão
de servir a bordo dos' navios. Que mandassem pois
uma armada a fazer face ao inimigo, se este se mos-
Irasse^e a levar para a pátria os produetos.
Agitou-se por este tempo na Hollanda entre a A rompanhia
Companhia das índias Occidentaes a questão de saber íme 0 com-
1 x
mircio do
lirazil
se lhe conviria continuar com o seu monopólio ou -
franquear o commercio do Brazil. Contra a proposta
innovação dizia-se que a Companhia perderia os seus
grandes lucros actuaes, abarrotar-se-ia o mercado,
depreciando-se consequentemente os gêneros euro-
1
Eis o verdadeiro motivo do mão êxito da expedição á Bahia, e não
á falta de talentos militares, que mais do que Schkoppe e Artischofsky
possuia Mauricio de Nassau. F. P.
374 HISTORIA DO BRAZIL.
163?. peos, e que aquella deliciosa região affluirião colo-
nos que, augmenlando e multipHcando-se alli, e
tornando-se a final mais fortes do que a mãe pátria,
sacudiriáo a dependência. Quiz-se sobre isto ouvir
Nassau. Bcspondeu este que o que havião sido ja não
erão os lucros da Companhia. A principio fazião ludo
os dircctores, agora concedião-se contraclos : a prin-
cipio regorgilavão de assucar os armazéns dos Por-
tuguezes, c cscasseando os gêneros europcos pedidos
em escambo, vendião-se com enorme proveito, an-
ciosos os da terra por se verem livres de produclos
constantemente em risco de serem preza do inimigo.
Mais seguro agora o paiz, crescera a propriedade
hollandeza. Melhor era, declarando livre o comnier-
cio, eximir-se á carga do monopólio. Não podia a
Companhia comprar gêneros bastantes com que
abastecer o mercado, a tanto lhe não alcançavào os
fundos; e que faria das mercadorias particulares que
houvessem deixado entrar no paiz? Não podia com-
pral-as sem prejuízo d'ella, comprando-as pelo
preço que alias obterião dos donos, querendo
tomal-as por menos. E n'este ultimo caso conlraban-
dearião os particulares a sua fazenda.
Depois, fallando como estadista, ponderou a neces-
sidade de colonizar o Brazil; assim, disse, se roluis-
teceria o paiz, podendo-se diminuir as guarnições,
sem que o Estado deixasse de sentir-se sejMirn. W»ra
so pelo medo se conlinhão os Portuguezes; tira-se-
HISTORIA DO BRAZIL. 375
se-lhes porem a esperança de verem restabelecido o 1638.
seu próprio governo, e tornar-se-ão bons subditos.
Mas não atravessarião colonos os mares para mor-
rerem de fome em paiz extrànho, e em quanto man-
tivesse a Companhia o seu monopólio, cortaria todas
essas espectativas de fortuna que sos podião attrahir
aventureiros. Ja os Brazileiros se queixavão das res-
tricções que lhes impunhão; com representações diá-
rias o acabrunhavão, dizendo, que cornos Hollande-
zes havião tractado viverem debaixo do governo d'ellcs
como debaixo do portuguez, podendo vender o pro-
duclo de seus moinhos a seu próprio gosto, e não á
vontade de oulros; se lhes tiravão esta liberdade,
preferirião antes passar;se a outra parte, e correr os
azares da fortuna, do que soffrer similhante escra-
vidão. Soltae vossos enxames, disse elle, sobre estes
novos paizes e dae terras aos soldados licenciados;
sejão colônias vossos postos avançados e guarnições,
que foi assim que Boma subjugou o mundo '. Adop-
tado este parecer, declarou-se livre o commercio,
reservando-se a Companhia o trafico d'escravos, ar-
tigos de guerra e pau brazil. Mas a todos os altos
funcionários seprohibiu absolutamente o commercio
para que pelo amor do ganho não abusassem do
Barlseus.
poder. 8"-90.
Segurados todos os postos que lhe parecerão em reedição
de Joí.
1
Honra ao illustre varão que no decimo-septimo século sustentava
lacs princípios! F. P.
376 HISTORIA DO BRAZIL.
ica«. risco de serem accommettidos, preparava Nassau uma
expedição que fosse queimar no Bcconcavo os enge-
nhos de assucar, quando chegou Jol com poderosa
armada. Com inveja recordava ainda a Companhia a
rica victoria deHeyne, e na esperança de encher os
seus cofres com despojos eguaes, despachara este
velho e excellente marinheiro. A força que elle levou
do Becife, suspendeu os projectos de Maurício. Cheio
de esperanças em proveitosos triumphos, deu Jol á
vela e encontrou effectivamenle a armada mexicana
nas alturas de Cuba : mas os seus capitães o aban-
donarão. Quatro vezes travou o velho marujo reso-
lutamente a acção, e outras tantas se deixarão estes
traidores ficar cobardemente aó largo, ou virárão de
bordo no momento do perigo, ale que a final escapa-
rão os Hespanhoes. Em altos brados clamou Jol por
vingança em nome da pátria e no seu próprio. Os
culpados forão remetlidos para a Hollanda, mas ha-
vendo em todos os paizes meios de illudir em casos
taes a justiça, com tanto que os delinqüentes tenhão
amigos poderosos que os protejão, ficarão impunes.
Lison^eira perspectiva se offercccu a Nassau agora.
< amarão com Mensageiros de Camarão vierão dizer-lhe que offen-
iiaiuiLve.. ( JJ ( J 0 p 0 r J5 a g n u 0 ] 0 desejava aquelle cacique assentar
pazes com os Hollandezes, e volver ás suas próprias
terras. Com prazer comprarião estes a amizade de
tão audaz e terrivel inimigo, e assim com presentes
e favorável resposta despedirão os emissários: mas
HISTORIA DO BRAZIL. 577
Camarão tinha-se aferrado d'alma e coração a uma 1638-
causa, que desde tanto e tão bravamente servia, e
antes da volta d'elles ja^o resentimento se lhe desva-
necera '. Oitocentos Tapuyas, resentindo-se egual-
mente do Iractamento recebido do general, deixarão
a Bahia. Mas de balde se offereceu o ensejo, e debalde
clamava Nassau, enviando carta apoz carta, que não
era o ceo nem os fados que lhe invejavão a victoria,
mas os seus próprios conterrâneos. Promessas lhe
chegarão que fartavão, e promessas foi o mais que
veio. Falho de meios com que proseguir nos seus Bwzõesdas
cipitanias
houand
planos de conquista, divertia-se com dar armas ezas.
heráldicas ás províncias hollandezes ; a Pernambuco
uma donzella, n'uma mão uma canna de assucar e
na outra um espelho em que se mira de si satisfeita;
a Itamaracá um cacho d'uvas, que a visinha ilha
produzia melhores que nenhuma outra parte do
Brazil; tres pães de assucar á Parahyba, e uma ema
ao Bio Grande, onde abundavão estas aves. Todos
estes emblemas forão esquartelados no sello grande
do senado, sobre o qual se via a figura da justiça,
sem que por isso se notasse a essência nas medidas.
Pouco depois da mallograda expedição de Jol forão
prezos muitos dos mais abastados Portuguezes por
1
Ha equivocação manifesta na data d'este feito a que já alludimos.
Quando se deram as desintelligencias de Camarão com Bagnuolo, estava
este acampado no sitio denominado Torre de Garcia a"1 Ávila, ante-
riormente ao ataque da Bahia por Nassau. F. P.
378 HISTORIA DO RRAZIL.
38
6 suspeitas de conspiração. Averiguado o caso, uns
forão encarcerados, outros deportados para a Bahia,
e ainda outros sentenciados, a mais longínquo de-
gredo. Mais minuciosas investigações nenhuma prova
offerccérào da supposla conjuração, comtudo, cor-
rendo o boato de esperar-se uma armada hespanhola,
nem se absolverão nem condemnárão os prczos, mas
deixárào-nos ficar na cadeia.
voiu Logo em princípios do anno seguinte voltou Ar-
aoBrazii, tiszenskv ao Brazil com um retorço pequeno, c m-
J
masdesgos-
tosovac-sf struecões para vigiar em segredo o proceder de .\as-
outra vez " I ~ o i
.embora. ^.^ ^J^r^ v m q,,0 c o m pouCO tillO SC llOUVe.
Lavrava-lhe no coração inveterado ódio, quiçá pro-
1039. vocado pela nomeação do conde Maurício para o
governo, cargo a que elle próprio se julgava com
direito; e tão arrogante se lhe foi tornando a lin-
guagem, que não tardou que a não podesse tolerar o
governador general. Depressa proporcionou o pró-
prio Artiszensky famoso ensejo para decidir de qual
dos dous devia predominar a auetoridade : dirigiu
aos direclores da Companhia na Hollanda uma carta
de queixumes c deixou-a ler publicamente antes de
enviada. Nawiu appellou para o Senado, respon-
dendo cheio de indignação, mas satisfactorianienle
á^ aceusações que lhe faziào, e que por frivolas, não
merecem aqui menção, referindo-se quasi todas a
pontos de ceienionial e etiqueta militares, despreza-
dos pela fona da necessidade. Todo o Senado lhe deu
HISTORIA DO BBAZIL. 379
1639
razão, pelo que se fez o accusador de vela para a Hol-
landa, e deixando desgostoso o seu serviço (posto que
recebesse uma medalha em prêmio dos seus feitos)
, • Barlaeus.
entrou para o da sua própria patna. 103-7.
Voltando á Hollanda pouco mais ou menos pelo Estado .ia
, ~ Companhia
mesmo tempo, apresentou um dos senadores a Com- hoiiandeza.
panhia das índias Occidcntaes minucioso relatório
sobre o estado das suas conquistas. Possuía ella agora
seis províncias de Sergipe ao Ceará. A primeira d'cstas
linha sido transformada n'um deserto por Gijsselingh
e Schuppe ao conquistarem-na; na ultima havia
apenas um forte guarnccido por quarenta homens,
mas fornecia ás vezes alliados aos Hollandezes, sup-
prindo-os dos artigos que os naturaes junctavào para
trafico. Pernambuco, a mais importante d'estas capi-
tanias, contava cinco villas, Garassú ou Iguaraçú,
Olinda, Becife, Bella Pojuca l e Serinhaem afora,
differcntcs aldeias em tamanho eguaes a villas pe-
quenas. Havia alli antes da invasão hollandeza cento
e vinte um engenhos, cada um dos quaes uma aldeia,
mas trinta e quatro d'enlre estes estavão abandonados.
Em Itamaracá trabalhavão ainda quatorze, de vinte
e Ires que florescião anles da conquista. A Parahyba
s :ffrera menos : dezoito engenhos estavão alli em
ser, tendo apenas dous sido destruídos. Ao Bio Grande
que possuirá originariamente dous, restava um. Con-
1
Escreve-sc mais commummcnte Ipojuca. F. P.
380 HISTORIA DO RRAZIL.
H'Ct». tavão pois as capitanias hollandezas todas junctas
cento c vinte engenhos a trabalhar e quarenta e seis
extinclos. Os dízimos do seu producto andavão arren-
dados assim : os de Pernambuco por J iS,500 florins;
(s de Itamaracá e Goyana por 19,000; os da Para-
hyba por ò4,000. Um imposto chamado a Pensão
sobre os engenhos de Pernambuco arrematara-o por
'20,000 florins João Eernandez Vieira, cujo nome j
appareceu, nem tardará a tornar-se conspicuo na
historia do Brazil. Os pequenos dízimos, como os
rariius.101. chamavão, fazião monlar o total a "280,900 florins.
Muito havia soffrido o paiz com a invasão liollan-
l
lalla
1
Ilascum transferri non posse omnium esset opinio, sciteef-
fossas, petorilis, trium quatuorve miliarium spalio, vectari et
pontonibus transfluvios deportari in insulam jussit. Translalas,
non labore sotum, sed et ingenio, excepit amica tellus, eaque fce-
cunditateprxter omnium spcm implevit annosas arbores, ut primo
ab insitione anno, mira nascendi aviditate, fructus dederint co-
piosissimos. Jam septuagenária et oclogenarix erant, veterique
provérbio fidem imminuere, arbores annosas non esse transferen-
das. Barlaeus, p. 144.
* VRIJBURG (Sem-cuidados) chamava-se este palácio, ou antes al-
caçar. F. P.
ii. i5
386 HISTORIA DO RRAZIL.
1639. donar Olinda c edificar aqui : acabou-se agora de
deslruir aquella cidade, deinolindo-se os edifícios
que restavão ainda, e empregando-se os maleriaes
na nova, a que em honra do fundador se deu o nome
de Mauricia. Bestava ainda unil-a por uma ponte ao
Becife, e por 210,000 florins se contraclou a obra.
Foi o architeclo construindo pillares de pedra ate
chegar ao ponto mas fundo, que era de onze pés
geométricos, e desesperado abandonou a empreza.
Cem mil fiorins estavão ja gastos. Muita genle houve
que exultou com o mallogro d'uma obra que lhe ia
prejudicar os seus mesquinhos interesses particula-
res, e levantou-se um clamor contra Maurício, o auc-
lord'um projecto impracticavel. Encarregou-se então
elle mesmo da execução : o que não de pedra, podia
fazer-se de madeira, e no Brazil a havia, que cm
dureza e duração pouco cedia ao granito. Concluída
em dous nozes, abriu-se a ponte : obra ja digna de
virM.i memória por si, e muito mais por ser a primeira
Sfimnrb
T p'"ü-k d'esta natureza na America porlugueza. O senado,
que havia feito coro com a multidão, motejando da
empreza em quanto incerta, reconheceu agora o seu
merecimento, e pagou a obra por conta da Com-
panhia, certo de breve reembolso pelo produeto da
laxa da passagem.
Lançou então Nassau outra ponte sobre o Capiva-
ribi, abrindo assim communicação entre o Becife e
o lado opposto do paiz através Mauricia. Perto dYsla
HISTORIA DO BRAZIL. 387
ponte edificou na ilha para si outra casa, que, como 1630
Friburgo, servisse não menos de recreio que de de-
feza, e a que derão os Portuguezes o nome de Boa
Vista1. A todos os respeitos erão úteis estas obras,
mas sobre tudo por que mostrando a resolução em
que estavão os Hollandezes de manter suas conquis-
tas, e a fé que tinhão nos meios de o poderem fazer,
tiravão a esperança aos Portuguezes, concorrendo
para que resignados soffressem um jugo que tão
pouca probabilidade tinhão de jamais sacudir. Con-
ferindo-lhe o titulo honorário depatronus, mostrou
o senado quando reconhecia o mérito do conde, e
approvava as suas medidas.
Entretanto se preparavão poderosos esforços para clieoa
expellir do Brazil estes conquistadores. Não lhe sof- ° Torre.*1
frendo mais a paciência ver como erão tractadas de 1659.
resto e quasi que abandonadas ao inimigo estas im-
portantes colônias, obteve um dos ministros portu-
guezes audiência d'el-rei, e tão energicamente lhe
representou as fataes conseqüências de similhante
systema, que Olivares viu que para manter-se*nas
boas graças do monarcha era precizo um grande es-
forço. Esquipou-se armada mais poderosa do que ja-
mais dera outra vez á vela para a America, confiando-
se o commando ao conde da Torre, D. Fernando Mas-
carenhas, conjunclamente nomeado governadorgene-
1
Schoonzigl em hollandez. F. P.
388 HISTORIA DO RRAZIL.
IG39
- ral do Brazil. Nunca se viu deitar mais miseravel-
mente a perder armamento tão vasto. A sua primeira
e fatal desgraça veio-lhe de Miguel de Vaseoneollos,
esse ministro portuguez, em quem um povo ultrajado
devia brevemente tomar vingança exemplar pelos
crimes commetlidos contra a pátria. Este homem,
querendo fazer-se na còrle um merecimento do seu
zelo e actividade, insistiu em que a esquadra portu-
gueza não aguardasse no porto os Hespanhoes, mas,
para mostrar quão ligeira se apromptara, seguisse
L.2, p. si., até Cabo Verde, onde leria logar a juneção. Mais fácil
é perverter nos animaes o instineto do que vencer a
obstinação cm homens da governança. Tinha este
sido sempre o costumado logar de reunião, e porque
assim fora, devião as armadas continuar a ir para
alli, embora tivesse o clima de decimar, e por ven-
tura de reduzir á metade as tripulações. Tremenda
mortandade foi o resultado, perecendo mais d'um
terço da gente, tanto marinheiros como soldados'; e
ao chegar a armada a Pernambuco, onde, para to-
mar o Becife, bastaria bloqueal-o por pouco tempo,
havia tantos doentes a bordo, que o commandanie
teve de demandar a Bahia como hospital. Alli re-
:ia
càftULuVJ crutou gente, mas um anno inteiro "se passou antes
3, § 1«.
1
Piso, no seu capitulo de Morbis contagiosis (L. I, r. 18), falia
disto com a maior siiirridade. Anno lfi?i!l, MIGNO NOMIIIIM *i CUM-
MODO, juxta Sinum omnium Sancionem, terliu pars elttssis Hispâ-
nicas maligna et contagiosa febre c.riineta.
HISTORIA DO BRAZIL. 589
que a expedição podesse tornar a sahir ao mar'. 1639
Alguns dias antes de dar outra vez á vela, fez o Quatroacçõet
novo governador sahir André Vidal de Negreiros a navaes'
assolar as províncias do inimigo á frente das tropas
que melhor conhecião o paiz. Devião dividir-se em
partidas pequenas de modo que melhor se sustentas-
sem e illudissem o inimigo, fazendo ao mesmo tempo
maiores depredações, e*em tempo ajustado devião
reunir-se á vista do mar, e fazer juncção com as for-
ças de desembarque. Pontuaes seguirão estes homens
as suas instrucçõês, pondo a ferro e fogo ludo por
onde passavão, e no momento convencionado acha-
vão-se no seu posto : appareceu effectivamente a ar-
mada á vista, e elles incendiarão as plantações e
engenhos nos arredores do Becife, com o que distra-
hissem a attenção do inimigo. Mas a longa demora
dera a Nassau tempo de preparar se contra o perigo, .
e Vidal passou pelo desgosto de ver em logar d'um
desembarque uma acção naval. Deu-se o primeiro
combate a 12 de janeiro de 1640 entre Itamaracá e 1640
Goyana. Foi morto o almirante hollandez, e de parte
1
I)u Tertre refere um boato, a que dá credito, de que n'este anno
se fizera enlre os reis da llespanha e da Inglaterra um tractado
pelo qual se obrigara este a mandar dezoito navios tripolados por Ir-
andezes para ajudarem a expellir do Brazil os Hollandezes, sob con-
dição de que, feito isto, ajudariào também os Hespanhoes a deitar os
Francezes fora de S. Kitts, e estabelecer alli em logar d'elle€ estes
mesmos Irlandezes. A historia parece ter também achado credito entre
os Francezes. Hist. des Antilles, 1, p. 155.
390 HISTORIA DO BRAZIL.
1Gi0
a parte nem se ganhou grande ventagem, nem se
soffreu grande perda. Seguiu-se nova acção no oulro
dia entre Goyana eCabo Branco; terceira no dia im-
mediato ao mar da Parahyba, e quarta á foz do Po-
tengi no dia 17, arrastando ventos e correntes os
Portuguezes assim cada vez para mais longe do seu
destino 1 . Assim pôde uma força muito inferior evitar
que uma armada de oitenta e sete velas e duas mil e
quatrocentos peças de artilharia fizesse couza alguma:
levou esta em todas as acções a melhor pelo (pie toca
á mera peleja, mas vencida pelo inimigo quanto á
manobra 8 , viu mallograr-se-llie completamente o
1
Ficou a ahniranta com o damnodas quatro refrezas e Saneia Bar-
bara com a honra. «Ponde vos,» diz Yirvrano seu sermão dYsta saneia,
o no galcam S. Domingos, capitania real de nessa armada nas quatro
batalhas navaes de Pernambuco, sustentando a balaria de trinta e
cinco nãos olandezas; c que lie o que se via dentro e fora em toda
aquella formosa e temerosa fortaleza nos quatro dias dYsles conflitos.'
' Jogava o galeam sessenla ineyos canhões de bronze cm duas cubertas;
tinha guarnecidos por buin e oulro bordo o convez, os caslellos de popa
e proa, as duas varandas e as gáveas com seiscentos mosqueteiros. K
sendo um Ethna, que lentamente se movia vomitando labaredas e
rayos de ferro e chumbo por tantas bocas maiores o menores; dando
todos c recebendo pólvora, carregando e descarregando pólvora, o
tendo nas mesmas mãos os murrões com duas médias acesas, ou cs
botafogos fincados junto aos cartuchos; e que bastando qualquer faísca
para excitar um total incêndio, e voar em liuni momento toda aquella
maquina; que entre tanta confusam, e wsiiihanea do pólvora e lupi,
estivesse o galeam trcmolaiido as suas bandeiras Iam seguro <; senhor
•do campo, como huina roca batida so das ondas, <• nani das balas;
•luriii negará que supria alli a vigilância e patrocínio de saneia liar-
liara, »> que nenhuma providencia humana poderá evitar? n Tom. 7,
i». 501.
- Mão o adniittc comtudo Yieyra, nam provavelmente a suspeitou
HISTORIA DO BRAZIL. 591
intento. Tornou-se o tempo agora tal, que renun- 1040.
sequer. Refere elle o successo com essa valentia sua particular e ani-
mação, que lhe caracterizão a inimitável linguagem : « Oh, juízos e
conselhos oceultos da Providencia, oh, ira divina ! Vitoriosas sempre
sem controvérsia as duas armadas em quatro combates suecesivos na
parte superior das ondas; furtadas porem as mesmas ondas pela parte
inferior, e como minadas as nãos pelo fundo, e pelas quilhas, de tal
sorte as arrancou do sitio ja ganhado a fúria das correntes, que por
mais que forcejaram pelo recobrar, nunca lhe foi possível. Assim ven-
cido da sua própria vitoria aquelle grande poder, e fugindo seu fugir
(por que fugia o mar, em que navegava), podendo mais a desgraça
que o valor, a natureza que arte, e o forçado destino que o dos braços,
perderam os derrotados e tristes conquistadores o mar, perderam a
terra, perderam a empresa, per leram a esperança; e nós que n'elles
a tínhamos fundada, também a perdemos. » Sermões, t. 5, p. 4'22.
3!>'2 H I S T O R I A DO R R A Z I L .
íüio liào, onde jazeu sem processo, posto que não sem
pena, até que a acclamação de D. João IV lhe deu
Ci. (ou- ppe.
21 j . occasião de servir o seu paiz e libertar-se a si.
Abatimcnlo
Não tinhão vencido os Hollandezes, mas logrando
Portuguezes. com o favor do tempo afastar das suas costas forças
muito superiores, linhão colhido Iodas as vantagens
da victoria. Instituiu Nassau regosijos por um suc-
cesso que poderá ser mais glorioso, mais proveitoso
não. e mettendo alguns dos seus capilães em processo
por máo comportamento, castigou vários e suppli-
ciou um 1 . Tão ruinoso e inesperado mallogro abateu
os espíritos aos Portuguezes mais do que as múlti-
plas derrotas e perdas até então soffridas. Principia-
rão a comparar com a do inimigo a própria condição
e recursos. Fallavão desanimados da quantidade da
anilharia do Hollandez, tanto de bronze como de
ferro; das suas fortalezas tão bem guardadas; dos
seus navios tão numerosos, tão abundantemente pro-
vidos, tão perfeitamente esquipados; das armas dos
seus soldados tão limpas, tão polidas, tão brilhantes,
que mais parecião prata do que ferro ao lado das dos
Portuguezes. Até os ânimos mais fortes reconhecerão
o desesperado da situação. Do púlpito lhes diziào que
dispersas e arrebatadas ninguém sabia para onde as
armas reaes c as armadas, so nas armas e exércitos
1
I Jnt o foião degradados, passando-se-llies unia espada por cima da
cabeça. Espalhou-se lóra do paiz um boato exagerado de lerem os
Hespanhoes perdido sessenta navios. Du Tertee, I, p. 15ti.
HISTORIA DO RRAZIL. 593
1C4(K
do ceo devião pôr toda a sua esperança, e na prolec-
ção e poder da sanctissima Virgem. « Tornemos
todos! » dizia o pregador, devotamente o seu rosário
nas mãos, « demos volta a esta funda todos os dias
ires vezes, e todas tres ao redor da cabeça, não so
rezando, mas meditando seus sagrados mysterios; na
primeira volta os gozosos do primeiro terço, na se-
gunda os dolorosos do segundo, na terceira os glo-
riosos do ultimo. E se assim ofizermosIodos com a
união, continuação e perseverança (que é a que dá
força e efficacia ás orações humanas), eu prometto á
Bahia, em nome da mesma Senhora do Bosario, que
não so se conservará livre e segura de todo o poder
dos inimigos que por mar a infeslão e por terra a
ameação; mas que este será um certo e presentissimo
soccorrer, ainda que faltem todos os oulros, para
que todo o Brazil fazendo o mesmo se recupere e j ^
T 5 m
restaure. » - '
*
Bazão tinha o pregador, que havia o Brazil de Retirada
dever a sua restauração aos indomáveis brios do seu Barbaiho.
povo, sustentados e exasperados pela crença reli-
giosa. Do que podem homens assim determinados viu
então o mundo um exemplo. A Vidal, que ao longo
da costa acompanhara a armada, até ver o desespe-
rado rumo que levava, nenhum alvitre restava na
escolha das suas medidas; que fazer, senão tornar a
dividir as tropas, e seguir regressando o mesmo
curso de devastações? Não tardou Barbalbo a vir
ôíH HISTORIA DO BBAZ1L.
1640. encorporar-se a estes homens, e abi foi o exercito
assolador, levando a destruição aonde chegava, fi-
zerão prizioneiro o governador áo Bio Grande, pas-
sarão á espada toda a guarnição da Goyana, eao sahir
do Becife uma força grande contra elles, embrenhá-
rão-se no serião, que muito melhor conheciào do que
o inimigo. Muitos Pernambucanos, cançados (Punia
sujeição que armava contra elles os seus próprios
conterrâneos, sem que deixassem de ser suspeitados
e opprimidos pelos Hollandezes aproveitarão o ensejo
de sahir do paiz. Muitos padecimenlos os aguardavào
na marcha; o* alforges, que alguns dos que licavão
atraz, arroja vão de si, quando perseguidos, aehavào-
se cheios de assucar por falta de outro alimento.
Barballio porem chegou a salvo á Bahia com pouca
perda alem da oceasionada pelas fadigas e trabalhos
do caminho'.
.•vssoiaçãodo -'as antes disso ja Nassau começara a sanguinosa
obra das represálias. Dous mil Tapuyas tinhão ulti-
mamenle descido do interior ao Bio Grande o offere-
cido alliança aos Hollandezes; mal esla havia sido
acceila, quando elles, como amostra do que da sua
fidelidade se devia esperar, cahirão sobre doze po-
bres colonos portuguezes, trucidando-os Iodos. As
1
Barheus (p. lS.7.) diz que eil<- inalava o, seus próprios dm-iilcs,
o que é tão falso quão incrível, embora o Hollandez des- ulpo o caso
dura necessitutis ac mililitc. lege. D que é verdade c que (piem cabia
abi iicava, e se o inimigo o encontrava, não lhe dava quartel.
HISTORIA DO BRAZIL. 393
164
mulheres e crianças d'estes selvagens forão por pre- °-
caução política aquarteladas como reféns na ilha de
Itamaracá, em quanto se soltavão os homens contra
a Bahia. A seguinte medida de Nassau foi expulsar
das províncias conquistadas todos os religiosos, e
depois despachou Jol a pôr o Beconcavo a ferro e
fogo, emquanlo, ausente o grosso da força, nenhuma
resistência se podia alli oppôr. Cumprirão-se á risca
as instrucçõês, e n'aquella vasta bahia, então a mais
prospera de toda a America, não escapou um so en-
genho. Com isto esperava elle pôr em apuros de
renda e mantimento a cidade, aplanando o caminho
para a futura conquista.
N'esle misero estado veio o marquez de Monte Chega
1
o marquez de
Alvão, D. Jorge Mascarenhas, achar o Beconcavo, ao MonteAMo
chegar ao Brazil com o titulo de viso-rei. 0 desgra- ™°-rei-
çado desgoverno, que tantas calamidades acarretara
sobre o paiz, pintou-lhe Vieyra n'um memorável
sermão, pregado á sua chegada, com a força e intre-
pidez que caracterizâo os discursos d'este eloqüentís-
simo orador e homem extraordinário. « Muitas occa-
siòes ha tido o Brazil de se restaurar, disse elle,
muitas vezes tivemos o remédio quasi entre as mãos,
mas nunca o alcançamos, porque chegamos sempre
um dia depois. Como havia de aproveitar a occasião
a quem a tomou pela calva sempre? E como estamos
tão lastimados das tardanças, o primeiro bom an-
nuncio que temos, senhor, é sabermos que nos vem
0't' HISTORIA DO B R A Z I L .
Í040.
a saúde nas azas, e que voando mais que correndo,
partiu Vossa Excellencia a restaurar este Estado sem
reparar nos novos inconvenientes que da ultima for-
tuna sobrevierão, nem em quão descabido está o
Brazil das forças, e do poder com que Vossa Excel-
lencia acceilou a restauração d'elle. Aconteceu-lhc a
Nossa Excellencia com o Brazil o que a Chrislo com
Lázaro. Chamárão-no para curar um enfermo : Ecce
i/nem amas infirmalur, e quando chegou foi-lhe ne-
cessário resuscitar um morto. Morlo está o Brazil, e
ainda mal por que tão morto e sepultado, fumegando
estão ainda e coberlas de cinzas essas campanhas. É
verdade que nunca se viu esta província tão auclori-
zada como agora, mas podem-lhe servir os títulos de
opilaphios, que poisa vemos levantada a vice-reino
entre as mortalhas, bem se pode dizer por ella lam-
bem : Que depois de morta foi rainha. »
Passou a expor como quatro geiieraes1 havião eom-
mandado em chefe desde que o inimigo invadira
Pernambuco, entregando cada um ao seu suecessor
a guina em peor estado do que a recebera, e propoz-
se explicar a condição do Brazil e as causas da sua
enfermidade, que Iodas achou simbolizadas no seu
texto. Era este, segundo o costume da Egreja catho-
hca, tirado do evangelho do dia, nem na apparencia
podia haver nada menos applicavel ao proposto as-
« Grande conjectura de ser a enleni.í 'a.l.. i,:„rlal, mudarmos lantn
v(•/<•« de cabeceira.
HISTORIA DO RRAZIL. 397
sumpto do seu discurso : Ut fada est vox salulationis 1610.
CAPITULO XVIII
1
Tucujúse não Tocujos. F. 1'.
HISTORIA DO BRAZIL. 419
ávidas aproveitarão o ensejo da revolta, nem havia 1630.
ja que duvidar que as que ainda se conserva vão
obedientes principiavão a vacillar. Coelho, o gover-
nador general d'este novo Estado, não perdeu tempo
em fazer sahir contra estes competidores uma força
considerável commandada por Jacome Baimundo de
Noronha, ultimamente nomeado capitão do Pará. O
commandante inglez era um tal Thomas, soldado
velho, que servira com gloria nos Paizes Baixos;
aqui porem teve de suecumbir, tentou fugir de noute
n'uma lancha, e foi agarrado e feito em postas, se- .
gundo a habitual barbaridade com que todas as na-
ções egualmente se faziâo a guerra no novo mundo.
Entregou-se então o forte, que os vencedores arrazá- „
o ' i Berredo.
rãosem deixar pedra sobre pedra. §t98-6os.
A seguinte tentativa dos Inglezes ainda teve logar
entre os Tocujos. Foi n'ella por capitão Boger Fray'.
Mandou o governador seu próprio filho Feliciano
Coelho contra este aventureiro, que também foi ven-
cido e morto, deslruindo-se egualmente o forte
Cumaú2, ediíicado pelo Inglez. Não tardou que che-
gasse de Londres um navio com quinhentos emi-
grantes para esta infeliz colônia, que elles provavel-
mente teriâo salvado, se mais cedo chegassem. Quatro
1
Frycr talvez, ou Frerc, ou qualquer outro nome similhante.
Quem o historiador portuguez quiz indicar pelo titulo de conde de
Brcchier, não tive a felicidade de adivinhar.
* Camaú escrevem Baena e Accioli. F. P.
420 HISTORIA DO BRAZIL.
1030.
d'estes homens forãoaprizionados ao desembarcarem
e remetlidos para a cidade de S. Luiz. O que d'elles
se pôde tirar foi que havia a colônia sido fundada á
custa de Thomas, conde de Rrcchier, e que em Flu-
shing ficava o navios com forças hollandezas e inglezas
a bordo para a conquista do Amazonas. Talvez esta
gente tivesse lambem ella sido enganada com simi-
lhante noticia. Inquietou-se Coelho, e tomou as pre-
cauções que pôde contra o esperado ataque. Especial-
mente tinha elle a peito removera capital do Pará,
para logar mais commodo e sobre tudo mais defen-
sável, que não era Belém tão grande, que tornasse
mui difficil a medida para a qual obteve a final
auctorizaçào de Madrid. Taes estorvos porem lhe
pozerão por deante homens cgoislas e interessados,
que, frustrado o plano, ainda hoje se vè a cidade no
mesmo mal escolhido sitio. Mesquinhas disputas en-
tre o povo do Pará co seu capitão Luiz do Bego, e
uma tentativa de Coelho, para constituir ao filho uma
capitania, primeiro no Curtipy, que lhe foi tirada e
dada a Álvaro de Souza, e depois em Camula 1 , con-
sumirão o resto da vida d'cste governador. Perdido
o arrimo, abandonou o filho o paiz, voltando a Por-
Ürrrctl.i
s (i-io-üií!. tugal.
1C30. Anmorte de Coelho deixou vago o g o v e r n o . Segundo
A
Morte
de Coelho o curso regular das couzas, não apparecendo cartas
1
Não foi de Belém e sim "de Cametá que partiu a expedição de
Pedro Teixeira. F. P.
HISTORIA DO BBAZIL. 425
toda a influencia, toda a arte de Teixeira foi preciza 1037
para impedir que o resto os seguisse. O estratagema
que melhor effeito surtia, era asseverar-lhes que
estavão a chegar ao termo da viagem, e mandou
Bento Rodrigues de Oliveira com oito canoas adeante,
como para preparar quartéis. Era este Brazileiro de
nascimento, costumado a similhanle modo de viajar,
e senhor da lingua tupi, que fallava como a ma-
terna; criara-se entre os naturaes, e, homem de
grande penetração, entendia-lhes a natureza e os
olhares como a linguagem, de sorte que muito o
respeitavão os índios, crendo d'elle que lhes sabia ler
no pensamento. Foi elle reconhecendo o caminho e
deixando signaes e instrucçõês em todos os pontos e
estâncias do rio, o que aos outros servia de não pe-
quena excitação para que proseguissem a ver dia por
dia as novas que n'estas estações encontravão; e
Teixeira sempre a levantar-lhes os espíritos abatidos
com protestações de que mais um bocado de perseve-
rança chegaria- ao termo da viagem. Assim forão
avançando até que a 3 de julho do anno seguinte che-
garão ao logar onde Palácios tinha sido morto, e
aqui, tendo por necessário assegurar-se a retirada,
postou o commandante a maior parte do seu pequeno
exercito sobre as margens de formoso rio, onde cahia
na grande corrente, e o commando deu-o a Pedro
da Costa Favella e Pedro Bayão de Abreu. Com o t^ag.
resto seguiu para Payamino, primeiro estabeleci-
426 HISTORIA DO BRAZIL.
1058. 'jnenlo dos Castelhanos n'esta direcção1, e que fica
na província de Quixos,'a cerca de oitenta legoas de
Quito. Aqui deixara Bento Bodrigues suas canoas e
recado que partia por terra para Quito. Seguiu-o
Teixeira por paiz montanhoso e agreste até alcançar
Baeza, logar então chamado cidade, mas hoje um
deserto. Ja então se sabia da sua vinda, e ordens erão
dados para suppril-o de todo o necessário a elle e á
sua gente. Ao approximar-se de Quito, o clero, a
câmara, eos moradores lhe sahirão ao encontro em
procissão; corridas de touros se derão em memória
Acuiia.
Acima. i • ,
ci5-i7. da sua viagem, e em quanto com as honras que me-
W. Itoilr. . . . . .
L 2, c. 6. recia o festeiavão, rcmettião ao viso-rei do Pcrú o
Berredo. » '
§ 679 8-. ujarj0 e niappa do rio por elle preparados.
Manda o Ao conde de Chinchon, enlão viso-rei, de tão grande
viso-rei do
1
Os Ahigiras, Jurussunez, Zapatás, e Vguitas.
HISTORIA DO RRAZIL. 451
humano. O craneo por conseguinte desenvolve-se I6'í)
para os lados, similbando mais uma malfeita mitra
do que cabeça humana. Actualmenteteem cahido em
desuso estas taboas de compressão, contentando-se
aquelles selvagens com moldar "a cabeça á força de
expremel-a entre as mãos1. D'esta practica se cha- Rihe>r°-5'5-
mão elles a si próprios Umanas, que quer dizer ca-
beças chatas, palavra que os Hespanhoes escreverão
Omaguas, e pela mesma razão os Portuguezes os
chamarão Cambebas na lingua tupi. Ainda mais sin-
gular se tornava esta moda por trazerem as mulheres Acufia
tanto cabello, que lhes occultava a deformidade. Com
razão se poderia suppôr que praclica tão desnatural
os tornaria estúpidos; tão longe porem estavão de ter
com esta distorção soffrido desarranjo algum inlel-
lectual, que tanto as relações mais antigas como as
mais modernas concordão em represental-os a tribu
mais civilizada, racional e dócil de toda a margem
do rio. Não muitos annos depois da viagem do Orel-
lana, alguns d'estes índios, que transplantados para
1
Os May.pcV.Htça).a dos antigos passão por terem propagado este
achatamento artificial. (Hippocrates, citado por sir T. Browne, nos
Erros vulgares, B. 6, c. 10.) É isto porem errôneo segundo todas
as probabilidades, pois que de certo não o propagão os Omaguas. Hip-
pocrates parece ter fallado theoricamente, que era por demais remoto
ofacto, para lhe ter chegado ao conhecimento. Berredo (§ 719) men-
ciona a opinião de que os Omaguas adoptárão esta moda, como irrecu-
sável distinctivo das outras nações, para que jamais fossem escravizados
sobre pretexto de serem anthropophagos. Mas o costume ja entre
elles prevalecia antes que nenhum caçador d'escravos tivesse alcan-
çado esta parte do sertão.
432 HISTORIA DO RRAZIL.
1639. a província de Quixos debaixo do domínio hespanhol,
fugirão nesta direcção por acharem intolerável o
jugo, havião achado aqui o grosso da sua nação, e
communicado-lhe as artes aprendidas de seus antigos
senhores. Cultivão e preparão o algodr.o, de que te-
cem panno de tão variegadas cores, que outras tribus
cobiçando-o pela sua bellcza, se cntregão a activo
trafico com elles para obtel-o. Andão ambos os
sexos decentemente vestidos; rude mas não incon-
venientemente feitas são suas vestes um sacco com
aberturas para os braços. Armas lhes são a seita e o
pau de arremesso. Matão o mais valente dos seus
prizioneiros, não para devoral-o, mas para se livra-
rem d'um inimigo perigoso; os cadáveres atirão-nos
aos rios guardando por trophcos as cabeças. Aos ou-
tros, quepoupão, tomão extraordinário affecto, e se
alguém lhes propõe vender um captivo, offende-os a
proposta como couza monstruosa que não podem ou-
M. liodriffuez. • i . i • 1 r>, ~ . . . .
1
Servem-lhes talvez estas garrafas para ostentar dextreza no beber,
esguichando o licor para dentro da boca, como os Tupinambás atirão
a farinha de mandioca. Também os Hespanhoes das classes baixas usão
muito erguer a borracha, ou garrafa de couro acima da cabeça, e
deixar sahir d'ella um jorro ao bebercm.
11. 28
434 HISTORIA DO BRAZIL.
'639. aos seus erros supersticiosos. Aldearão os Portugue-
zes alguns d'estcs índios, porem jamais foi possível
fazel-os renunciar á crença na divinidade d'estas
hediondas figuras. Quasi todas as tribus que povoão
este rio, usf.o d'um signal dislinctivo: o dos Tucunas
é uma linha preta estreita traçada das orelhas ao na-
riz. Os homens cingem os rins com um tecido da
casca d'uma arvore, que chamão Aichama; as mu-
lheres andão nuas. São insignes na arte de empalhar
aves, que malão com o sarbacan ou canna de soprar;
mui tos d'estcsbellissimos pássaros, cxlorquidosd'elles
como tributo, são remettidos para a Europa. Os Uri-
nas, de quem faz menção Acuna, são chamados
1
Ribeiro. Ms. ' ,
immas Mayurunas pelos Portuguezes, e habitão sobre o no
Yanari ou Javari. Trazem calva a coroa da cabeça,
o resto coberto de cabello, e as faces c nariz com
muitos buracos, por onde passão espinhos; lambem
usão de pennas de arara nos cantos da boca, e fios
de conchas pendentes das orelhas, ventas e lábio in-
ferior. Tão bárbaros como a presença são os seus cos-
tumes ; devorão os inimigos e os seus próprios.doen-
tes e inválidos compartem a mesma sorte, sem que,
segundo se diz, o filho poupe o pae, nem o pae o
Kibjiro. Ms. filho.
Tres dias se detiverão os aventureiros n'uma ilha,
que ficava no meio do paiz dos Omaguas, e aqui,
apezar de acharem-se a 5" de lat. sul, acharão o
tempo Ião frio, que tiverão de vestir mais roupa,
HISTORIA DO RRAZIL. 435
1059
sendo esta, segundo lhes disserão, a temperatura or-
dinaria nos mezes de junho a agosto, em que o vento
dominante passa por sobre a serra do sul coberta de
neve. O importante rio Pulumayo cahe no Amazonas
do lado do norte dezaseis legoas abaixo d'esta esta-
ção. Tendo as cabeceiras entre as montanhas, que
ficão perto da cidade do Pasto, vem durante todo o
seu extenso curso recebendo as águas de não menos
de trinta rios consideráveis, entre os quaes se conta
um braço do Jupurá, que assim liga as duas grandes
correntes do Popayan. Annos antes da viagem de
Teixeira tinhão alguns Hespanhoes tentado descel-o,
partindo d;aquella província, engodados por historias
de ouro achado n'elle : mas acharão as ribeiras ha-
bitadas de numerosas e guerreiras tribus', que com
alguma perda os obrigarão a retroceder. Nas rique-
zas do rio ainda se continua a fallar, mas a ferocidade
d'estas nações intimidou de tal forma os aventureiros
que nenhum tentou mais ja não a conquista, mas
nem mesmo a descoberta. Cincoenla legoas mais
abaixo e do lado do sul fica a foz do Yetan ou Yutan,
que vindo das bandas de Cuzco, segundo as informa-
ções que poderão obter os missiqnarios, atravessa a
1
Erão os Yurunas (de quem ja se fallou), os Guataycus, os Yaca-
liguaras, os Parianas, os Zigús, os Aucais, os Cimas, e outros mais
para cima, cujos nomes Acuha não ouviu, chegando so a saber que
erão muitas hordas d'um povo, que os Omaguas insulanos chamavão
Omaguas-yete, isto éos verdadeiros, os originaes Omaguas.
436 H I S T O R I A DO RRAZIL.
1039. parte menos conhecida da America do Sul, embora
passe por ser de fácil navegação, correndo mansa-
mente e com bastante fundo '. Situada a quatorze
legoas abaixo do Yelan, era grande e forte a ultima
aldeia dos Omaguas, como logar fronteiro. Erão estes
selvagens os senhores do rio, e tal a sua superiori-
dade, que por uma extensão de cincoenla legoas
nenhum estabelecimento d'outra nação se assentava á
vista das duas margens. Os Curis e Guayrabas ao norte
c os Cachiguaras e Tucuris ao sul tinhào no interior
suas aldeias, descendo pelos braços menores ou ca-
naes marginaes do rio, quando sobre este tinhão de
aventurar-se. Nenhum d'estes aldeamentos se avistou
em quanto Teixeira não chegou ao Yurua 2 , a vinte e
1
Os nomes dos I abitantes são, como os re'ere Acuiia, Tepunas,
Guanurus, Ozuanas, Mornas, Naunas, Conomonus, Marianas, e
mais perto do Peru, uma nação i'Omaguas que nas orelhas e nariz
trazião ornalos de ouro. Suppôe Acuiia a infeliz expedição de Orsua
emprehendida em busca.do paiz d'estes últimos índios, que não
achou, por ter tomado o braço oriental em legar do occidental, en-
trando assim pelo Yurua no Amazonas. Também Ribeiro o faz descer
o Yurua. Xisto porem certamente se illudem. Nenhuma duvida pode
haver sobre ter Orsua vindo pelos Guallaga e Ucayali abaixo, como se
ve da obra de Pedro Simoii, que segundo todas as probabilidades tinha
á vista o diário a que allude Acosta.
iVeste logar da narrativa de Acuiia interpola Fr. Manoel Rodri^uez
uma opinião sua de serem as tribus de Yetan descendentes d'esses
Pertivianos fugidos com o ultimo Inca, e dignas de que os missionários
saião a buscal-as.
- Acuiia bem quizera que a este rio se pozesse o nome de rio dei
Cuzco, por ter visto uma carta ou roteiro de Orellana, que o fazia
correr ao norte e ao sul d'aquella cidade.
Sobre o Yurua teve Ribeiro noticia do duas tribus extraordinárias
HISTORIA DO R R A Z I L . 457
10
quatro legoas da ilha fronteira dos Omaguas, e trinta "°
e oito do Yetan. Segundo o que Acuna ouviu aos In-
M.Rodriçuoz.
dios, vinhão estes dous rios d'uma so nascente, for- °m.
1 1 1 . ,. Berredo.
72 3
mando um delta com o Amazonas, em que se perdião. § --
Vinte legoas mais abaixo principiava o território o-
Ciirieirari>,
dos Curiciraris na ribeira do sul en'um paiz mon-
tanhoso : extendia-se por oitenta legoas. Era uma
tribu populosa esta, cujas aldeias quando muito
nunca distavão mais de quatro horas de viagem entre
si, succedendo ás vezes marchar-se meio dia a sahir
d'uma e entrar em outra contiguamente. Poucos
moradores se deixavão ver; quasi todos linhão fugido
para as serras por haver-se espalhado o falso boato
de que vinhão os Portuguezes matando e escravi-
zando por onde passavão. Era a raça mais tímida de
todo o rio, mas também a mais adeanlada em artes,
embora andasse inteiramente nua. Tinhão bem pro-
vidas as casas e erão excellentes oleiros estes índios,
excedendo n'isto os próprios Tupinambás, pois que
em cuja existência ainda em 1774 se acreditava... erão os Carcanas,
raça de anões, cuja estatura não passava de cinco palmos, e os Ugi-
nas, que tinhão caudas de tres ou quatro palmos de comprimento, ap-
pendice que explica a sua origem, pois também os chamão Coalata-
puya, filhos de macacos. Ribeiro (homem de letras e pouco crédulo)
nenhuma opinião emitte sobre os Pigmeos, mas-a respeito dos filhos
de macacos tinha visto um depoimento jurado em 1768 pelo Carme-
lita Fr. José de S. Thereza Ribeiro, vigário de Castro d1 Avelãs, que
elle conheceu. N'este depoimento declarava o bom do Carmelita haver
visto um índio d'esta nação despir-se para metter-se na água,
tinha um rabinho macio da grossura do dedo pollegar, e de meio
palmo de comprimento.
438 HISTORIA 1)0 RRAZIL.
1030
não so fazião pucaros, pralos e outros utensílios para
usos similhantes, mas até fornos e frigideiras, e de
todas eslas couzas tinhão sorlimenlo para o trafico
com outras tribus. Quando Teixeira subia o rio pro-
curou na primeira aldeia d'esle povo uns ornalos de
ouro, que se trazião nas orelhas enariz; não tardarão
os selvagens a perceber com quanta soffreguidão erão
buscados estes dixes, e como nunca mais appareces-
sem com elles, suppoz que os teriào prudentemente
escondido. Ensaiado o ouro em Quito, achou-se ser
de vinte e um quilates. Não pôde então Teixeira por
falta de interpretes saber d'onde viera este melai;
provido porem d'elles na volta, aprendeu esla histo-
ria : Um pouco mais acima, do lado do norte, ficava
a foz do Yurupau; tomava-se por este rio, c depois
pela terra dentro, jornada de tres dias, até ao Jupurá,
e deste passava-se ao rio do Ouro, chamado Yquiari,
e alli nas fraldas d'uma serra, se achava o ouro em
grãos, que balidos lomavão a forma que se lhes
queria dar. Os que os apanhavão chamavão-se yuma-
guaris, apanhadores de melai, que a palavra yuma
seapplicava indiscriminadamente ao ouro e ao ferro
dos exlrangeiros. A nação que fornecia este ouro era
a dos Amanagus. Foi consignada em mappas esta
informação, para ser causa de muita mallograda
expedição emprehendida pelos Portuguezes.
Quatorze legoas mais abaixo chegou Teixeira á foz
(Peste rio, a que nos mappas hespanhoes se dá o nome
HISTORIA DO RRAZIL. 439
165
de Grão Caqueta, mas que os Portuguezes chamão °-
Jupurá ou Yupurá, como Acuiia o, ouviu denominar
no próprio logar. Vem-lhe este nome da tribu yu-
purá, que a seu turno o toma d'uma fructa de que
faz um pastel prelo e mal cheiroso que lhe serve de
alimento. E este o rio que no Popayan passa por ser
a fonte principal do Amazonas; afora o rio Negro é
o maior confluente, e a não lhe quebrarem nume-
rosas ilhas o immenso volume das águas, seria abso-
lutamente innavegavel. O seu curso, como os do rio
Negro e Amazonas, vem de leste para o oeste, to-
mando para o sul na latitude de 5o e alguns minutos,
antes de perder-se n'este ultimo. A um mez de viagem
ac/hia da foz ha corredeiras e cachoeiras. Entre a
embocadura e estas cataraclas, recebe em si diffe-
rentes rios consideráveis; pelo sul, ou margem es-
querda, o Acunani, Manarapi, Yuamiani, Auame-
merim e o Purui densamente povoado; e os Cunacua
e Arapi, dos quaes por um curto sangradouro se passa
para o Iça. Acima das cachoeiras, até onde os Portu-
guezes o teem navegado, encontrão-se do mesmo lado
o Caninari e o Meta, que pelo Perida communica com
o Iça. Pela margem direita recebe o riacho Maraá1,
o lago Cumapi, outro riacho chamado Menáa, que
por um sangradouro entre as cabeceiras communica
com o Urubaxi, e por meio d'este com o Negro, o
1
Erroneamente chamado um lago por Condamine, que torna a
errar quando diz que elle communica com o Urubaxi. Ribeiro, Ms.
410 HISTORIA DO RRAZIL.
mm Uacapu-paraná1, oYacarapi e o Apuaperi, que ébein
povoado, e por meio do Uaopes tem communicaçào
com o Negro. Acima das cachoeiras ficão o Muruti-
paraná, o Uania, Ira-paraná, e o Yari, alem do qual í
nenhum explorador passou.
Diz Condamine que o Jupurá deságua no Amazo-
nas por oito bocas, e assim se traçou no mappa; mas
Ribeiro, que em 1775 visitou officialmente os esta-
belecimentos portuguezes n'aquellas partes, verifi-
cou não ter elle mais do que uma. Os Ires canaes
mais acima são outros tantos braços, que correm do
Amazonas para o Jupurá, chamados o Auate-paraná,
ou rio do Milho, o Manhama, que communica com
elle, e o Uaranapú. Estes canaes, que misturando-se
com ellas lurvão as águas puras do Jupurá, facililão
grandemente a navegação; não ha aqui nem perigo
nem difíiculdade; em perfeita segurança vão as ca-
noas deslizando-se ao som da corrente, ou vencem-na
ao menor impulso do remo. Em mil voltas vão eslas
águas serpejando por entre bosques cheios de aves,
e veigas cobertas d'innumeraveis ovos dê tartaruga.
As quatro correntes mais abaixo3 vêem dos lagos
Amana eCudayas.
1
Mostrão estes paraníts que anda por aqui a raça tupi, salvo se
orão esles nomes, o que não é tão provável, impostos pelos índios
dos Portuguezes, ou pelos próprios 1'ortuguezes na lingua tupi.
- Teem sido os caçadores de escravos, que tão longe hão explorado
este rio.
5
Duas d'ellas chama-as Acuiia braços do rio Araganatuba. São ha-
HISTORIA DO BRAZIL. 441
1039
'QuaJ.ro legoas abaixo do Jupurá entra do lado sul -
o Tefé1, que os Paguanas senhoreião mais acima,
num paiz accidentado, em que abundão os pastos.
Vinte legoas ainda mais abaixo fica o Acaricoara2, Acitt ii oura.
1
O Cuchiguara de Acuiia, indubitavelmente a "mesma palavra que
Cochinvara, que ainda hoje designa um dos seus canaes. làa este o
nome d'uma das suas tribus; as outras erão as dos Cumavaris, üuaquia-
ris, Cuyaciyayanes, Curucuruz, Qualansis, Mnluanis e Curigueres, que
são os lilhos de Anak, de quem falia o lexto.
HISTORIA DO RRAZIL. 445
rf o-se a servir de guias aos Portuguezes para aquelle 1(j3°-
paiz, dizendo, como que para tentai-os, que trazião
esles gigantes nus nas orelhas e nariz pcnduricalhos
de ouro de tamanho, devemos presumil-o, convinha-
vel a taes orelhas e taes narizes. Tornão-se notáveis
os Perus, que derâo nome ao rio, pelos seus obslina- 0sPerus
dos jejuns expiatórios, durante os quaes nenhum
estado de doença ou fraqueza vale como excusa para
quebral-os, morrendo effeclivãmente muitos de absti-
nencias. Os que teem sido aldeados pelos Portuguezes
é precizo á força obrigal-cs a comer por cslas occa-
siões, que não poderão ainda os missionários tirar-
lhes o costume. De todos os affluenles do Amazonas
é esleo que mais cacao produz, salsaparrilha e óleo
de copaiba, mas ja não é populoso, que lhe teem
rareado as tribus as continuas incursões dos Muras,
selvagens que são o flagello d'este rio, e provavel-
mente os mesmos que os Aymorés, dos quaes tanto
em outros tempos havião soffrido as capitanias do sul
do Brazil.
Abaixo da foz d'este rio era a margem austral ha- o» caripunas
e Znrini:s.
bitada pelos Caripunas e Zurinas, tribus que prima-
vào na arte de entalhar. Erão suas cadeiras ordiná-
rias cortadas da forma de qualquer animal, não
admirando os Portuguezes menos o engenho e a bel-
lezacom que erão talhados, do que o commodo do
assento que offerecião. Tão naturalmente feitos são
seus Ídolos, diz Acuiia, que muilos lerião ainda que
44i HISTORIA DO BRAZIL.
1639 aprender os nossos esculplores, se quizessem imital-
os; verdade é que so fallava elle d'esses esculptores,
cujo officio era fazer sanctos e crucifixos, mas isto
mesmo implica um grau de habilidade, raras vezes
encontrado entre selvagens. Servia-lhes de arma o
pau de arremesso, com tanto primor fabricado, que
de todas as tribus era mui anciosamcnte procurado.
d rio Neia-o. Sessenta legoas abaixo do Perus, deságua do norte
o rio Negro. Adeante, quando tractarmos dos esta-
belecimentos portuguezes n'aquellas partes, descre-
veremos o curso d'eslerio, o maior affluenle do Ama-
zonas, e a immensa região que elle abre. Acuna
calcula-lhe legoa emeia de largura na sua foz, erro
extraordinário, pois que não mede ella mais do que
uma milha, embora em outras parles se espraie a
corrente pela prodigiosa largura desele e oito legoas.
É Guiari o nome indigena d'esle rio, e mais acima
Ueneya. Chamão-no Negro1 os Portuguezes, da cor
de suas águas, que pela sua profundidade e clareza
parecem pretas ao misturarem-se com as do turbido
Amazonas. Tremendo é o conflicto d'estas duas pode-
rosas torrentes. Arremessa-se o Negro através da cor-
rente do outro, e por muitas legoas se lhe distinguem
ainda as límpidas águas.
Por este rio acima e por oulro que n'ellc vem mor-
1
C.nrana, como segundo Acuha o chamavão alguns indianas, si-
gnifica o mesmo. Outro nome, por que, diz elle, o conhecido era
Guaranaquazanas.
HISTORIA DO BRAZIL. 445
1639
rer, chamado Paraná-meri, ou o rio pequeno, ouviu -
Acuna dizer que havia muitas nações1, das quaes a om
£di™íd0
o Amazonas
e
mais remota trajava vestidos e chapeos, do que con- ° orinoco.
cluiu que teria esta aprendido esta moda d'alguma
cidade hespanhola, que devia ficar perto. Um dos
braços do.rio Negro, lhe disserão, communicava com
oulro rio immenso, que desaguava no Atlântico, e
sobre o qual estavão estabelecidos os Hollandezes: este
concluiu elle que devia ser o rio de Philippe, cuja
foz se chamava o Mar d'Agua Doce, sendo a primeira
corrente d'alguma magnitude perto do Cabo do Norte,
e pela qual, segundo elle também, sahira Aguirre ao
Oceano. N'esta opinião de que não podia haver com-
municação entre o Amazonas e o Orinoco, persistirão
por muito tempo pertinazmente os geographos; mas
sobre o facto ja não resta duvida, sendo mais uma
prova das relações extraordinárias que entre si man-
tinhão estas tribus, e do alcance dos seus conheci-
mentos geographicos, o tel-o Acuna sabido da boca
d'ellas a tão grande distancia d'este ultimo rio 2 . A'
1
Os Caniciures, Aguayras, Yacuncaraes, Cahuayapiris, Manacurus,
Jammas, Guanamas, Curapanagris, Guarianas, Caguas, Acerabaris e
Curupatabas. Sobre o Rio Branco apenas refere os Guaranaqua-
zanas.
2
Queixa-se Gumilla (c. 24) de que tivessem os Portuguezes do Ma -
ranhão em 1737 achados caminho para o Orinoco, d'onde pnncipia-
vão a levar os moradores, para reduzil-os á escravidão. D'uma carta
de P. Bento da Fonseca (então Procurador Geral do Maranhão) e que
anda juncta aos Annaes de Berredo, se ve que os missionários desco-
brirão esta communicação dous annos mais tarde.
416 HISTORIA DO B R A Z I L .
1639
barra do rio Negro notou elle algumas boas posições,
onde se podião plantar fortes, não faltando para isso
pedras á mão : mas recommendou que antes se for-
tificasse a embocadura do Branco, com o que lhe
parecia que se fecharia aos Hollandezes este canal,
fruslrando-se-lhes n'esta direcçro efficazmçnle os de-
sígnios de engrandecimento 1 .
n d'out. Aqui se considerarão os Portuguezes quasi em casa,
1039.
prova de que as suas excursões se extendiao as vezes
até tão longe. E com que se havião de recolher agora
apoz tantos Irabalhos? Dous annos havião gasto ja
n'esla jornada, e nenhum ouro linhão encontrado,
nenhuma conquista feito; e quanto ao mérito da des-
coberta, queixavão-se não sem razão, que era couza
de pouca valia na corte de Madrid, tendo muilos
corrido eguaes perigos, c prodigalizado o seu sangue
para alargar os domínios da llespanha, morrido
1
>io memorial que dirigiu á coroa, recommendou elle que das
bandas de Quito se formassem estabelecimentos sobre os rios, que
mais prompta communicação offcrecem com a corrente grande, lista
medida, dizia elle, evitaria que os Hespanhoes do Peru mandassem
por contrabando as suas riquezas para casa, aproveitando esta via, o
que alias farião indubitavelmente, não so para fugir aos direitos de
Cartagena, mas também por minorarem o risco dos piratas. Esperava
porem que se tomassem medidas taes, que se tornasse esta a estrada
ordinária. Outra razão, que allegava, era que estes postos avançados frus-
trarião quaesquer planos de conquista que podessem forjar os Hollan-
ezes contra o Peru, de accordo com os Portuguezes, que havião fal-
tado á lealdade para com S. M. A" margem do exemplar que tenho
á vista, se lê a resposta que ao texto deu algum Portuguez : Mente o
Padre.
HISTORIA DO BRAZIL. \\1
n'uma csterqueira, sem acharem quem lhes valesse. 1659-
Com eslas queixas se dirigirão a Teixeira, pedindo-
lhe, que pois era propicio o vento, os deixasse entrar
no rio Negro, onde tomassem escravos com que pa-
gar-se dos seus trabalhos. Vendo a sua gente prestes
a levantar-se, se recusasse, permilliu-o Teixeira. Mas
intervierão os dous Jesuítas, como lhes cumpria. Ce-
lebrarão primeiro missa e depois protestarão contra
tão flagrante injustiça. O commandante, que so com
receio de que não podesse evital-o, annuira ao que
desapprovava, folgou com ver a sua inclinação apoiada
pela áucloridade d'estes padres, cuja influencia era
grande tanto pela hierarchia como pelo caracter. Man-
dou proclamar pela esquadrilha o protesto, ordenando
conjunctamente aos que ja tinhão entrado no rio
Negro, que retrocedessem, ordem a que, posto que c.rAcuna.
e£"67
67.
m tuirz.
de má vontade, obedecerão. -
0 rio immediato, vindo do sul, chamavão-no o™
n 1 rr • • 11 Madeira.
1
Acuiia diz que se chamavão elles collectivamente Carabuyanas,
posto que divididos em dezaseis tribus, a saber : Caraguanas, Po-
toanas, Urayaris, Masaearuanas, Quererus, Cotocarianas, Moaearanas,
Oiorupianas, Quinarapianas, Tuynamalnas, Araguanaynas, Marigiuna-
uas, Yaribarus, Varucaguacus, Cumaruruayanas, e Ycuruanaris.
- Tinhão-se elles por este tempo, segundo Acuiia, apoderado da fez
dalgum rio Dulce, que chamavão, diz elle, Philip-IIodias. iXão sei (|ue
rio seja. Berredo entende que erão os Hollandezes do Surinam. § 730.
HISTORIA DO BRAZIL. «9
Vinte c oito legoas abaixo da foz do Madeira fica 1639'
uma ilha grande, que pelos aventureiros foi compu- TuPinaSmbá5
1 1 ' d o
Amazonas
tada em sessenta legoas : era possuída dos Tupinam-
bás, de cujo nome se chamava. Fallava este povo 1
uma língua familiar a todos os Brazileiros portugue-
zes; pelo que vierão immediatamente d'elles as in-
formações que se colherão, não podendo nenhuma
má comprehensão, nem má reproducção da parte
d'um interprete allerar a substancia d'ellas. Seus
avós, disserão, tinhão emigrado de Pernambuco e
cercanias a fugir dos Portuguezes. Formarão e leva-
rão avante esta resolução os habitantes de oitenta e
quatro aldeias. Seguirão as fraldas d'uma grande
cordilheira, que lhes ficava á esquerda, atravessando
nas cabeceiras os rios que vão morrer no mar do
Norte. Não podia pela difíiculdade da alimentação
conservar-se unida tão grande multidão; forão estes
ficando n'um logar, aquelles em outro, e os pães dos
da ilha seguirão sempre avante até chegarem aos
Hespanhoes do Peru, nas vertentes do Madeira (deve
ser o Beni, ou antes talvez o Mamoré), onde perma-
necerão por algum tempo. Succedeu porem que um
dos seus fosse açoutado por um Hespanhol por haver
1
Zomba Berredo da simplicidade de Acuiia, que foi acreditar no
que ouviu, e nega que podessem estes índios ser Tupinambás, que ein
parte nenhuma, diz elle, existiâo então encorpora los, senão sobre o
Tocantins e pelos arredores do Pará. Parece esquecer que com o Jesuíta
vinha Teixeira, que devia saber se erão Tupinambás ou não.
23
450 HISTORIA DO BRAZIL.
1639. m o r l o u m a vacea, e indignados por tal affronta, ou-
tra vez levantarão campo, c descendo o Amazonas,
alli vierão estabelecer-se. Posto que em numero infe-
riores a qualquer outra tribu do rio, tão insigncs
frecheiros erão, que ja havião exterminado umas,
posto em fuga outras, e submettido nas suas visi-
nhanças quantas a sujeição não preferirão as fadigas
e os perigos da emigração.
Fabubs Entre os seus visinhos do sul, contarão elles, havia
contadas por .-, »
<*<
'* duas raças notáveis : os Guayacis, que erao pygmeos
s
Tupinambás. ,
do tamanho de criancinhas, e os Mulayces, cujos pes
estavão voltados para traz, de modo que quem, igno-
rando esta particularidade, lhes seguisse o rasto, cada
vez mais se afastaria d'elles. Ha não sei que encanto
em acreditar couzas extraordinárias, e se os Tupi-
nambás tivessem ouvido fallar d'estes povos, nada
mais natural do que referirem as maravilhas que se
lhes figuravão faclos; mas devião saber que estavão
contando falsidades, pois que accrescentavão que es-
tas nações lhes erão tributarias, pagando o seu tri-
buto em machados de pedra, que faziâo com muila
arte, sendo este o seu único emprego. Sobre a ribeira
do norte, disserâo mais, havia sete províncias bem
povoadas, cujos moradores, sustentando-se de fructos
e animaes bravios, erão tão pusillanimcs, que jamais
se fazião entre si a guerra, nem lh'a fazião as outras
tribus de tanto que os desprezavão. É isto uma fábula
como a dos homens que tinhão os calcanhares para
HISTORIA DO BRAZIL. 451
1639
deante; jamais será populosa a tribu que confia do -
acaso a sua subsistência, nem houve nunca selvagens
que existissem sem guerra. Nenhuma nação d'ella
tem vivido exempta. Uma única communidade de
christãos ha no mundo, e essa infelizmente das mais
pequenas, assaz simples para tomar no seu sentido
obvio, literal e claro a prohibição que nos fez da
guerra o nosso divino Salvador, e assaz conscienciosa
para observal-a á risca, vencendo os próprios estí-
mulos da natureza. Havia outra tribu, da qual, quando
estavão em paz, obtinhâo sal, vindo de outras, que
ficavão alem. Esta noticia de tão necessário artigo de
consumo pareceu a Acuna de grande importância
para a conquista e colonização do rio; mas se por
esta via se não podesse obter sal, poderia achar-se,
disse elle, em grande abundância sobre um dos af-
fluentes na direcção do Peru, onde dous aventureiros
tinhão descoberto ultimamente uma pedreira inteira
de sal de rocha, com o que entretinhão os naturaes
um prospero trafico.
As historias dos Tupinambás ainda vierão confir- As Amazonas.
mar Acuna mais na crença, e m que estava, á cerca
da existência das Amazonas; ja a esle respeito havião
sido inqueridos em Quito certos índios, que outr'ora
tinhão habitado sobre o grande rio, e eguaes infor-
mações se havião tirado na cidade de Pasto no Po-
payan, especialmente d'uma índia, que dizia ter
estado nopaiz d'aquellas mulheres. Durante toda a
452 HISTORIA DO BRAZIL.
1639. viagem veio Acuna repelindo as suas perguntas:
ninguém ignorava a existência de similhanle nação
e todos erão accordcs nas noticias que delia da vão.
Não é crivei, diz elle, que a mesma mentira, tão pa-
recida com a verdade, se espalhasse entre tantas tri-
bus, fallando tão diversas línguas, e derramadas por
tão grande extensão de paiz. Foi aqui que elle obteve
a final as mais plenas e satisfactorias individuações.
Trinta e seis legoas abaixo da ultima aldeia dos Tupi-
nambás, e pelo lado do norte, fica a boca do Cunuris,
assim chamado da primeira tribu que sobre as suas
margens se encontra. Alem delia moravào os Apan-
tos, depois os Taguans, e depois os Guacarasj.era
este ultimo o povo com que trafica vão as Amazonas,
enlretendo essas relações sem as quaes se extinguiria
depressa esla nação feminina. Iào os Guacaras uma
vez por anno ao paiz d'ellas, que era cheio de mon-
tanhas, por sobre as quaes se erguia um cabeço calvo
chamado Yacamiaba. Apenas os vião subir o rio
sahiào-ihes as Amazonas ao encontro, empunhando
as armas, mas apenas se desenganavão que erão os
seus amigos, mettião se-lhes nas canoas, e tomando
cada uma a primeira rede que encontrava, levava-a
para casa, onde a armava, e o Guacara, a quem ella
pertencia, era seu companheiro durante a estação.
Um índio, que dizia ler na sua infância acompanhado
o pae n'uma d'estas excursões, affirmou que na volta
trazião os homens todos os rapazinhos do anno ante-
HISTORIA DO BBAZIL. 453
rior, mas geralmenle asseverava-se que erão mortos 1639>
logo ao nascer. Era isto o que Acuna acreditava, e se
em toda a historia ha alguma verdade, é esta ultima
versão a mais crivei, alias não tardaria a dar-se in-
conveniente desproporção entre machos e fêmeas na
tribu paterna.
0 testimunho de Orellana e do seu dominicano Testimunhos
sobre
acerca das Amazonas pode ser suspeito, mas nenhuma de^ucmulheres.
te nc a
mif n a^0
razão ha para duvidar da veracidade de Acunha :
o que refere por certo o ouviu narrar. É curioso o
assumpto e bem digno de todas as investigações pos-
síveis na historia d'este paiz. Ao descer orioem 1743
não perdeu Condamine occasião de liral-o a limpo.
De todas as differentes tribus que lhe povoão as mar-
gens, ouviu elle a mesma historia, concordando todas
em terem-se estas mulheres retirado terra adentro
pelo rio Negro ou algum dos outros que correm na
mesma direcção. Um índio de S. Joaquim dos Oma-
guas disse-lhe que talvez em Coari encontrasse um
velho que havia visto as Amazonas. N'este logar soube
que era morto o velho, mas viu o filho Punilha, de
setenta annos de edade, que era o capitão dos índios
d'aquella reducção. 0 avô, contou este, achava-se no
aldeamento de Cochinvara, uma das fozes do Perus,
quando passarão as Amazonas, vindas doCaiami, que
deságua entre o Tefé e o Coari: fallara com quatro
d'ellas, uma das quaes trazia uma criança ao peito,
e de todas recordava os nomes. Atravessarão o grande
454 HISTORIA DO BRAZIL.
1639. r j 0 e tomarão na direcção do Negro. Condamine
Condamine. . . , . , , • 1 1
p.ioo. omitle muitas particularidades por julgal-as pouco
prováveis. Fora para desejar que elle as tivesse repe-
tido : nem sempre o improvável é falso, e muitas
vezes a ficção nos dá a chave da verdade, sobre serem
curiosas na Europa ainda as mesmas fábulas inven-
tadas pelos índios no coração da America do Sul.
Ribeiro perguntou por Pumilha ' em 1774, mas,
como era de esperar, tinha morrido; descobriu po-
rem um homem de setenta annos, que se lembrava
bem do fallecido, de cuja boca ouvira muitas vezes a
mesma historia contada a Condamine; e esta narra-
tiva ainda o velho a corroborava, sendo elle natural
de Cochinvara, onde affirmava ser tradição corrente
haverem na indicada epocha passado por alli as Ama-
zonas a caminho para o norte pelo rio Negro2.
Um índio de Morligura, perto de Belém, offcreceu
a Condamine mostrar-lhe um rio que levava ao paiz
das Amazonas : era o Irijó, por cuja foz passou de-
pois o viajante francez entre Macapá e o cabo do
Norte. No dizer d'aquelle indígena devia navegar-se
o rio até certas cachoeiras, depois do que restava
uma jornada de alguns dias pelas matas da margem
• Diz Ribeiro que o nome d'este índio era José da Costa Punilha e
que tinha o posto de sargento-mór da ordenança.
2
Depois da leitura da luminosa Memória do Sr. Dr. A. Gonsalves
Dias, inserta no tomo 18 da Rev. trim. do Inst. Hist. e Geogr. Br.,
não é mais licito crer na existência das Amazonas. F. P.
HISTORIA DO BRAZIL. 455
lG39
occidenlal, e uma serrania que era mister atravessar. -
Entre os Topayos i achou Condamine umas pedras
verdes, cortadas todas e algumas imitando figuras de
animaes, embora fosse inexplicável de que meio se
poderião ter servido os índios para conseguil-o, pois
que ellas resistião á lima. Grandes virtudes imagi-
nárias se teem altribuido a estas pedras2, pelo que
erão mui prezadas dos insulanos de Caribs, alem de
terem muitas d'ellas até chegado á Europa. Dizião
os Topayos que lhes vinhão ellas de seus pães, tendo-
as estes obtido das Cougnantainsecouina, as mulhe-
res sem marido. Um soldado velho contou em Cayena
1
M. Rodriguez omittiu esta historia, provavelmente por alheia do
seu principal assumpto. Berredo passou-a por alto por outro motivo :
julgava necessários os escravos, e sem se embaraçar com o modo por
qua erão obtidos, esforçava-se sempre por arredar da vista as atroci-
dades do trafico. Por conseguinte todas as vezes que falia na opposição
forte d^aquelle gentilismo, jamais faz a menor allusão á vilania com
que se provocava tal resistência.
462 HISTORIA DO BBAZIL.
1639. Quarenta legoas abaixo do rio dos Tapajós entra
cJuplba. no Amazonas pela margem opposta o Curupatuba1,
onde tinhão os Portuguezes um aldeamento de índios
mansos, chamados do nome do rio. Tinha esta cor-
rente, comparativamente pequena, fama de riquís-
sima. A seis dias de viagem por ella acima, dizião os
índios, achava se grande copia de ouro á orla d'um
riacho, que passava pelas fraldas d'uma serra dieta
de Yaguaracuru. N'um logar não mui distante, que
chamavão Picuru, cavara-se um metal branco, mais
duro que o ouro, e de que antigamente se tinhão feito
facas e machados; mas tão depressa se tornavão
rombos estes instrumentos, que por inútil se despre-
zara a matéria prima. Também havia n'aquellas
partes dous serros, dos quaes um continha enxofre,
e o outro, por nomeParaguaxo, brilhava, dizião ainda
elles, ao sol, e quando era clara a lua, como crave-
jado de jóias. E muitas vezes no seu cimo se ouvião
explosões, signal de que havia alli pedras preciosas2.
1
Yriquiriqui o chamão os naturaes.
2 Refere Vasconcellos que subia uma serra com o seu companheiro,
quando do interior d'ella ouviu um ruido extraordinário. Era como a
• descarga de muitas peças de artilharia ao mesmo tempo, tornando os
penedos e cavernas da montanha ainda mais horrendo o som. Pergun-
tando-se um ao outro os dous o que seria, nenhum soube a que attri-
buir couza tão descommunal, até que, inqueridos os índios, disserão
estes na sua lingua llá ae cera, parece explosão de pedra. E assim
era, por que passados dias se achou o logar onde rebentara uma ro-
cha, que das suas entranhas, com a explosão que ouvirainos, quaes
gemidos de parturiente, dera á luz um lhezourinlio. Era uma pinha do
HISTORIA DO BRAZIL. 465
1639
Effectivamente encontrão-se n'aquelles logares bellos *
crystaes, octogonos e triangulares. N'esfct direcção se
:
Criadillas de tkrra.
HISTORIA DO BBAZ1L. 469
da barriga, perto das espaduas, onde e mais grosso
o corpo, começando a adelgaçar-se gradualmente
dous pés mais para traz, até terminar na cauda, que
é chata. As telas da fêmea ficão debaixo d'estas bar-
batanas. Um pello curto, como cerdas brandas, nasce *
da pelle grossa e rija, de que os naturaes fazem es-
cudos, difficeis de furar com uma bala de mosquele.
Ha outra espécie aqui chamada boi de azeite, por
ser quasi todo gordura, chegando um so a dar perto
de cem canadas de azeite. O alimento favorito do
peixe boi n'este rio é a canna brava, planta que
fluetua sobre a água, balouçando-se em compridas
e pczadas raizes e erguendo-se cerca de seis palmos
acima da tona : em alguns dos canaes do Amazonas
cresce basta a ponto de obstruir completamente a
navegação. Também nas ribeiras pasta este animal,
lirando para isso a cabeça fora da água. Posto que
incapaz de mover-se em terra ve-se elle obrigado a
vir freqüentemente acima para respirar como se
fora amphibio, o que é causa da sua morte, sendo
então que os índios, postos á espreita, lhe lanção o
harpeo. Seccavão-lhe estes a carne, não tendo outro
meio de preserval-a na falta de sal, que substituião
pela cinza d'uma espécie de palmeira, boa para dar
gosto á comida, mas incapaz de cural-a.
Tinhão comtudo os naturaes um meio fácil de con-
servar provisões frescas para o inverno. Quando as
tartarugas vinhão a terra pôr seus ovos, ião elles
470 HISTORIA DO BRAZIL.
I6 9
° apanhal-as, e virando-asde costas, seguravão quanlas
querião. Depois, perfurando a concha, é passando-Ihe
uma corda, amarradas umas ás outras em molhos as
lançavão ao rio, prezas a uma canoa. Preparava-se
uma espécie de repreza ou tanque com espeques Ião
bem revestidos de terra ou barro da parte de denlro,
que como n'uma cisternaficavaretida a água da chuva.
Aqui se soltavão as tartarugas, sustentadas, diz Acuna,
§ioT. com ramos de arvore.
O modo usual de matar o peixe era com seitas ou
paus de arremesso, servindo a seita de boia depois de
ferido o alvo. Quando estavão baixas as águas, c seccas
as communicaçôes entre o rio e as suas lagoas, trilu-
ravão os índios uma de suas plantas rasteiras, c lan-
çando-a n'estes lagos logo viào vir o peixe á lona
rapidamente envenenado. Yeslas paragens se encon-
tra o peixe electrico, que os naturaes chamão pn-
ruquv.
Era freqüente a anta e o moschus moschiferus',
nem faltava a paca, espécie de lhama mais pequena.
Menciona Acuna o veado, e o yguanha, yagoli, e o
cocia como bom alimento. Perdizes erão numero-
síssimas. As aves domesticas linhão vindo do Peru,
passando de tribu em tribu por todo o curso do rio,
tão depressa se propaga, mesmo entre selvagens, todo
o beneficio grande e obvio. Aves aquáticas abunda vão
1
Espécie de cal ra monteza, de que se tira o aliniscai.
HISTORIA DO BRAZIL. *7l
1637.
alem de toda a expressão. Se Orellana careceu de
mantimenlo na sua viagem, foi somente por faltarem-
lhe os meios de obtel-o. Teixeira, que não tinha ini-
migos que recear, nem outra couza que fazer, senão
explorar com vagar o rio, todas as tardes dava fundo,
indo dormir em terra: o primeiro cuidado era le-
vantar cabanas de ramos entrançados, para o que
servião muitas vezes os da arvore do cacao, tão basta
crescia ella. Depois partião os índios da armada, uns
com cães para as florestas, outros com arcos e settas .
para o rio, nem tardava que voltassem carregados
de pesca e caça em profusão tal que Acuna diz que
lhe irazia isto á memória os pães e peixes milagrosos.
Deliciosa foi na verdade a viagem de Acuiia, pre- rng^d.
viamente conciliados os indígenas por todo o cami-
nho, e sufficiente a força que o acompanhava para
tirar todo o receio. Se um batelão soffria avaria
ou se virava, não faltarão outros que lhe des-
sem soccorro. Também navegava ao som d'agua.
Se escrevera a viagem rio acima, teria tido de
fallar de labyrinthos de canaes, correntes violen-
tas, e d'uma praga de insectos, que não dão tregoas
nem de noute nem de dia \ D'entrc estes é o
{<•' "•' t
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