Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Ribeirão Preto
2015
ISABELA CALIJURI HAMRA
Ribeirão Preto
2015
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Aos meus pais, Samir e Maria Célia, e meus irmãos, Samir e José
Eduardo por me apoiarem e, principalmente, por me ensinarem a
sempre questionar.
Ao orientador Professor Doutor Sebastião Sérgio da Silveira pela
disponibilidade, compreensão e auxílio sempre que solicitado.
Aos meus amigos de infância e aos de graduação, pelo apoio, amizade
e convivência com a diversidade.
RESUMO
O presente estudo visa abordar o tema das prisões preventivas e os assuntos aos quais se
entrelaça, principalmente as consequências práticas na vida dos que a ela são submetidos, seus
pressupostos de decretação e o prazo limite de duração de tal medida. Tanto os requisitos que
devem ser preenchidos para a aplicação da preventiva, que estão taxados no art. 312 do
Código de Processo Penal, tendo por base conjuntamente o disposto no art. 282 do mesmo
diploma legal sobre as medidas cautelares em geral, quanto os limites de duração desta
medida, são elementos que dão margem a interpretações diversas, ou seja, tem um viés
subjetivo. Assim, esta análise visa abordar essa subjetividade existente na decretação e
limitação de um instituto tão rigoroso e cerceante dos direito individuais, como a prisão, que
teoricamente só deve ser utilizada como ultima ratio e obedecendo a critérios objetivos, a
discricionariedade do juiz nessas decisões ganha destaque no que é aqui suscitado. Bem
como, os parâmetros indefinidos, subjetivos e extremamente flexíveis do prazo em que pode
se estender a medida, ficando o preso provisório submetido à vontade do Estado e do
julgador, o que por vezes acaba desencadeando a antecipação da pena ao acusado. Princípios
constitucionais também são aqui elencados e nota-se como são conflitantes em alguns casos,
principalmente com relação à presunção de inocência. Por fim, analisa-se a jurisprudência
pátria almejando verificação prática da utilização dessa medida constritiva de liberdade, bem
como as consequências de sua aplicação de forma excessiva, tanto em quantidade, quanto em
período de duração. Finaliza-se com uma tentativa de se exprimir o que se nota como
tendências para um futuro próximo, tendo em vista que a situação atual é insustentável e um
barril de pólvoras prestes a estourar, considerando-se o sistema carcerário brasileiro e o
aumento crescente da violência nos centros urbanos.
This article addresses the issue of pre-trial detention (remand) and related topics, focusing on
its practical consequences on the lives of those subjected to it, on its legal premises, and on
the time limits to its duration. The requirements that make defendants eligible to pre-trial
detention – described on article 132 of the Code of Criminal Procedure, based on article 282
of the same Code, on general precautionary measures – as well as the limits to the duration of
such detentions allow for differing interpretations, which makes them vulnerable to subjective
application. We will analyze the subjectivity and the discretionary power of judges in the
application and duration of pre-trial detention, taking into account that it is highly restrictive
of individual rights and should in theory only be used as ultima ratio, following strict
objective criteria. The lack of clearly defined parameters and the flexibility of possible
duration of this measure make those on pre-trial detention vulnerable to the will of the State
and the judge’s, which sometimes means an anticipation of the defendant’s sentence. We also
assess constitutional principles associated with pre-trial detention and find that they are often
in conflict, especially the presumption of innocence. We then analyze Brazilian jurisprudence
to assess the practical implications of this restrictive measure, as well as the consequences of
its excessive use both in quantity and in duration. We conclude by identifying some trends for
the near future, taking into account the gravity of the situation in the Brazilian prison system
and the increase in urban violence.
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 22
5. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 57
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
1. INTRODUÇÃO
1
DRUMMOND, João da Costa Lima. Noções de Direito Criminal. 2. ed. Rio de Janeiro. 1919. p. 29 -
30.
2
BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000. p. 160.
3
MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Preventiva (crítica e dogmática). São Paulo: Acadêmica,
1993. p. 32.
11
As medidas cautelares penais são consideradas pessoais e, por isso, são mais
delicadas do que aquelas previstas no Direito Civil, recebendo atenção diferenciada. Regra
geral no âmbito cível é que elas propiciam uma antecipação da tutela pretendida na ação, ou
seja, busca antecipar os efeitos finais da ação. Ocorre que, no caso da prisão cautelar do
processo penal, ela tem como objetivo assegurar a ocorrência da investigação ou instrução
criminal tranquilas, eficientes, produtivas e sem interferências externas – ela é um meio para
se atingir determinado fim. Na esfera civil fala-se em ação cautelar, enquanto não existe ação
cautelar penal, apenas medida cautelar que é de natureza instrumental em relação ao processo
de conhecimento. A diferença para a prisão-pena é que a pena ocorre posteriormente à
condenação, trata-se da finalidade, é uma efetiva sanção penal.4 Desta forma, as cautelares
visam garantir o desenvolvimento do devido processo legal, sem que haja prejuízo às
testemunhas envolvidas no caso, às provas do processo ou qualquer outro ponto relevante que
poderia ser afetado. Além desses apresentados, podem ser citados exemplos, como casos em
que busca-se evitar que o acusado fuja do país, ou ainda nos casos da Lei Maria da Penha, que
não se aproxime das vítimas e cometa novas agressões, dentre outras funções que podem ser
abrangidas.
4
NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade: de acordo com a Lei 12.403/11. 3. ed. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.31.
12
2.1.Princípios constitucionais
Ressalta-se que os princípios supracitados, vez ou outra são contrários entre si, o
que nos traz a reflexão de qual deve preponderar, qual princípio deve se sobressair com
relação ao outro quando estes forem contraditórios? Esta questão não é de fácil resolução. O
mais conhecido caso de conflito de princípios é o da segurança pública versus o princípio de
liberdade do indivíduo – até que ponto podemos restringir a liberdade do cidadão em razão da
5
Constituição Federal. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVII - ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LXI - ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXV - a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXXV - o Estado
indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na
sentença.
13
segurança pública? Esta é uma questão que deve ser solucionada tendo por base o princípio da
presunção de inocência e, principalmente, o da proporcionalidade. Está positivado que
nenhum indivíduo deve ser considerado culpado até que se prove o contrário, no entanto, na
prática, não é exatamente assim que as ações ocorrem e o indivíduo acaba sendo “condenado”
antes mesmo de seu julgamento – é exatamente isso que deve ser combatido. A
proporcionalidade se desdobra em três subprincípios, segundo o entendimento da doutrina
alemã, dentro desse princípio geral estão três secundários que seriam: a necessidade, a
adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. Melhor especificando cada um deles, a
adequação trata da idoneidade da medida com relação ao fim por ela pretendido, deve ser
analisada a gravidade do delito em abstrato e a cautelar que será aplicada naquela situação –
se mais brando o crime, mais branda também deve ser a medida. Com relação à necessidade,
entende-se que a medida deve ser aplicada visando-se atingir o fim pretendido pela ação, ou
seja, impede que o acusado se esquive do sistema penal, caso venha a ser condenado por
determinado crime deve ser possível executar esta sanção. O embasamento na necessidade é
cabível principalmente nos casos em que houver temor de fuga do acusado, quando este
contaminar as provas do processo ou ainda ameaçar testemunhas, ou seja, casos em que a
investigação ou instrução podem não obter sucesso com o sujeito em liberdade. Por fim, a
proporcionalidade em sentido estrito deve ser averiguada posteriormente à constatação da
adequação e necessidade, questionando se o resultado proveniente da aplicação de uma
possível pena é proporcional à coação da medida cautelar imposta. Trata-se de verdadeiro
sopesamento de interesses, busca-se uma justa medida em que as vantagens finais sejam
equilibradas às desvantagens meio para se obter determinado fim, estando constantemente em
conflito os desejos do indivíduo e do Estado. Ainda que a medida seja adequada e necessária,
caso o esforço meio seja excessivo em relação ao fim pretendido, não deve haver aplicação.6
Quanto aos incisos supracitados, o que trata do contraditório deve ser respeitado
também com relação às cautelares, pois consta no art. 282, §3° do Código de Processo Penal
que “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber
o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de
cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. Assim,
assegurado o princípio do contraditório e da ampla defesa, exceto em casos de urgência – a
6
AMARAL, Claudio do Prado; SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. Prisão, liberdade e medidas
cautelares no processo penal: as reformas introduzidas pela Lei nº 12.403/11 comentadas artigo por
artigo. 3 ed. São Paulo: Ed. J.H. Mizuno, 2012. p. 36 – 40.
14
Quanto às hipóteses de prisões, temos no art. 5°, inciso LXI que não se aceitará
prisão senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, excetuando os casos de transgressão militar ou de crime propriamente militar. A
prisão preventiva então deve ser devidamente justificada pela autoridade que a decretar,
seguindo o que se preceitua pelo art. 315 do Código de Processo Penal, segundo o qual a
decisão que decretar, substituir ou denegar a preventiva deve ser sempre motivada. Os
motivos ensejadores desta medida estão dispostos no art. 312 do CPP,9 que serão explanados
7
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 47.
8
Pesquisa realizada pelo Governo Federal em parceria com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento. BRASIL, Presidência da República. Secretaria Geral. Mapa do Encarceramento:
os jovens do Brasil. Brasil: Presidência da República, 2015. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/arquivos/encarceramento_WEB.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2015.
9
Código de Processo Penal.Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação
da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo
único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
15
mais adiante. Tem-se ainda que a motivação deve ser sucinta e objetiva, o que não significa
que o texto deva ser generalista ou incompleto. O que ocorre na realidade é que as autoridades
competentes não justificam devidamente a decisão, acabam por se basear em requisitos muito
amplos e apresentam considerações meramente teóricas, esquecendo-se da adequação ao caso
em que se aplicará. Conforme afirma Nucci, os juízes se esquecem do princípio da motivação
e proferem decisões generalistas, justificando apenas com base na garantia da ordem pública,
por exemplo, não especificando as necessidades concretas que deve atender.10 Desta forma, é
fundamental que tal justificativa venha assegurada em nossa Carta Maior, principalmente por
ser a preventiva medida de ultima ratio e devendo a autoridade competente explicar as razões
pelas quais o cerceamento da liberdade se faz imprescindível naquelas circunstâncias.
Uma situação mais rara, mas que pode ocorrer é o caso em que a prisão em
flagrante é constatada como sendo ilegal, após já ter havido sua conversão em preventiva,
assim, não necessariamente a preventiva será revogada, o que pode ocorrer é a
responsabilização da autoridade que efetuou o flagrante de forma indevida, no entanto, se
10
NUCCI, 2013, p. 101 - 102.
11
Ibidem, p. 79.
16
Na própria Constituição de 1988 temos já a ideia que foi reforçada pela reforma
de 2011, segundo a qual a prisão preventiva é a última opção, ou seja, todas as formas
alternativas devem ser descartadas antes de sua decretação. Existe, inclusive, uma proposta de
parte da doutrina de que todas as opções de medidas cautelares diversas sejam motivadamente
rejeitadas antes da aplicação da preventiva, no entanto, não se efetivou na prática e
dificilmente ocorrerá por encontrar grande resistência dos magistrados. A necessidade da
privação de liberdade deve ser extrema para que a prisão seja adotada, isto é o que preceitua a
teoria, no entanto, na jurisprudência e análise de casos práticos nem sempre é o que se
verifica. O inciso LXVI do artigo que dispõe sobre a garantia dos direitos fundamentais traz
que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”, desta forma, se admitido que a pessoa responda o processo ou
aguarde a investigação criminal em liberdade, assim deve ser feito. Quanto ao uso da fiança
atrelada à liberdade provisória, esta poderá ser arbitrada pela autoridade policial em crimes
cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos, se ultrapassar este limite
só poderá ser arbitrada pelo magistrado.13 A concessão de fiança fica a cargo da autoridade
que deve levar em consideração a natureza da infração, as condições econômicas do acusado,
sua vida pregressa, o provável valor das custas do processo e a periculosidade do agente, com
base nestes critérios determinará se há ou não fiança acompanhando a liberdade provisória e
qual o seu valor. Há também a possibilidade de conceder a liberdade acompanhada de medida
cautelar alternativa diversa da fiança, por exemplo com a proibição de frequentar
determinados locais ou a restrição para ausentar-se da comarca, apenas com autorização
judicial. A decretação de liberdade provisória pode ocorrer acompanhada de 1 ou 2 cautelares
alternativas desde que sejam compatíveis, inclusive a fiança.
12
Ibidem, p. 81.
13
Ibidem, p.133.
17
integral dos prejuízos sofridos, tanto físicos, quanto profissionais, familiares, psicológicos e
todos os outros abrangidos nesta situação. Enfim, ainda com base no art. 5° da Constituição
Federal, verifica-se em seu inciso LXXV a previsão de que o Estado deve indenizar aquela
pessoa condenada por erro judiciário, bem como o indivíduo que ficar preso por tempo
excessivo àquele fixado em sentença – o entendimento se estende aos que sofrerem prisão
preventiva de forma ilegal ou aos que passarem mais tempo em preventiva do que ao que
forem condenados ao final da ação e, evidentemente, caso sejam absolvidos. Conforme se
extrai da obra de Tucci, o direito à tal indenização decorre da injustiça existente na errônea
prisão prévia, assim, se não houvesse tal previsão legal, estaria sendo admitida a legitimidade
de uma medida aplicada com base em um perigo que não existe, ou seja, estaria havendo uma
concordância com a ilegalidade. 14 Considerando que a reparação não poderá ocorrer pela
óptica mais humanista da questão, vale citar o que preceitua Antônio Magalhães Gomes
Filho15 sobre o referido inciso LXXV e a indenização pecuniária:
Neste sentido, ainda que não haja a absolvição, mas a condenação seja de um
período inferior ou desproporcional ao que o réu já aguardou preso deverá haver a
indenização. Qualquer excesso de prisão é abrangido pela disposição do inciso LXXV, “nada
importando, para sua incidência, o caráter da respectiva formalização”.16
14
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p.463.
15
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 75-76.
16
TUCCI, op. cit., p. 464.
18
17
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
18
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 23.
19
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
19
Ainda que os dados estatísticos revelem um Brasil que encarcera cada dia
mais, vemos tentativas do poder legislativo de alteração desse quadro e renovação das
leis que versam sobre direito penal, mais especificamente sobre os temas envolvendo
prisão. Algumas modificações legislativas foram feitas, mas a mais relevante neste
estudo é a Lei 12.403/2011 que, abordando os casos de prisão e liberdade no processo
penal brasileiro, trouxe diversas inovações de textos de lei, dentre estas um amplo rol
de medidas cautelares alternativas da prisão – o que reforça a tendência de que a
prisão deve ser considerada medida excepcional em nosso ordenamento. Observa-se
que esta nova lei busca pôr fim à prisão “compulsória” e estimula que os casos sejam
analisados individualmente conforme suas especificidades, trazendo em seu bojo bons
fundamentos e instrumentos que possibilitem tal aplicação, sendo necessário agora a
boa vontade do magistrado em aplicá-la.20 Frisa-se: a mudança legislativa não acarreta
necessariamente alteração na prática, é preciso que haja sua efetivação por parte dos
operadores da lei – o grande desafio atual.
20
NUCCI, 2013, p. 26.
21
CPP. Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no
prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso
ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III -
proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato,
deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca
quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V -
recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado
tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de
infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça,quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26
do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para
20
23
NUCCI, 2013, p. 34 – 35.
22
cidadã pós ditadura militar. O que se pretendia, de fato, era a formulação de um novo
código penal e de um novo código de processo penal, tendo em vista seu período em
vigor e o contexto social que diferia imensamente do qual tais normas foram
elaboradas. No entanto, tal reforma completa não se concretizou e optou-se então por
pequenas reformas, que acabaram por modificar bastante as linhas gerais de
entendimento jurídico, formou-se uma colcha de retalhos, de certa forma, mas
preferível isso ao total descompasso. As novas redações foram bastante relevantes,
revogaram alguns institutos, alteraram a utilização de outros já existentes e,
principalmente, implantaram novos, buscando a “humanização” do direito penal.
Mais uma vez contraditório o nosso país, aquele que faz reformas visando
uma lei penal mais cidadã e flexível – já que constatado que a rigorosidade de
punições não é eficiente – é o mesmo que aprovou maciçamente a lei de crimes
hediondos e que ainda glorificou uma lei de drogas absolutamente severa. Ora, nota-
se um viés ainda bastante retrógrado, no sentido de enrijecimento de leis e punições
abusivas, no entanto, as reformas ocorridas com a Lei 12.304/11 também são aceitas
nesse mesmo cenário social. De rigor que a renovação de normas continue ocorrendo
e ganhando forças em movimentos que reflitam sobre e busquem melhorias para a
realidade do Brasil, adequados às demandas sociais e, essencialmente, educando as
pessoas, esclarecendo pontos talvez controversos na mente de muitos brasileiros.
Evite-se o pensamento de massa desinformado ou as manobras políticas hoje
observadas, é imperioso que todos tenham conhecimento de assuntos que interessam à
23
população em geral e possam ter opiniões sólidas formadas sobre tais, desta forma, é
possível construir um país melhor para todos.
Sabe-se que penas mais rigorosas não significam um sistema penal melhor,
mais eficiente, em que os réus dificilmente voltem a cometer novos delitos, para os
leigos tal raciocínio faz sentido, no entanto, não é o que se verifica e nem o que
defendem os estudiosos deste assunto. A dureza das penas não significa uma melhoria
no sistema criminal e nem reflete em bons resultados para a sociedade, ao invés disso,
24
Pesquisa do CNJ divulgada em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61762-cnj-divulga-dados-sobre-
nova-populacao-carceraria-brasileira> . Acesso em: 20 ago. 2015.
25
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 22.
25
evitar que um indivíduo cometesse delitos – somando-se a isso a forma como se lida
com os presos e como são tratados pela sociedade após cumprirem penas. Uma teia de
relações público-privadas sustentam essa realidade, sendo o grande entrave a falta de
interesse tanto do Estado quanto da sociedade para efetuar melhorias nessa área
social.
considerado um absurdo para alguns. Assim, tendo em vista esse contexto social que
encontramos no Brasil e sabendo que irá demorar para que as penas privativas de
liberdade sejam minoria e efetuadas de forma digna, respeitando aqueles indivíduos,
analisaremos como são aplicadas as medidas cautelares privativas de liberdade, quais
critérios a ensejam e se haveriam alternativas. Se após a condenação estar na cadeia já
é uma situação horrorosa, tendo em vista o contexto a que são submetidos, viver nela
antes do julgamento é uma realidade que merece atenção, questionamentos e
evidentemente sempre almejando melhorias. Não se trata exatamente do mesmo lugar,
pois é obrigado por lei que aquele que espera sentença esteja preso em local diferente
do que já cumpre execução26, no entanto, na prática as condições são extremamente
ruins em ambos os casos. Essa normativa se instaurou após a alteração de 2011, antes
dela essa separação entre os presos só era realizada quando fosse possível, agora é
obrigatória e essencial, pois não é aceitável que alguém que nem mesmo recebeu uma
sentença judicial esteja exatamente nas mesmas condições daqueles que já cumprem
penas. Tanto nos centros de detenção provisória, quando nas penitenciárias o quadro
geral fere a dignidade humana, no entanto, nos primeiros há um caráter de
transitoriedade que acaba não permitindo que as facções se consolidem com tanta
força e também são menores, as condições são críticas, porém menos do que nas
penitenciárias. A obrigatoriedade na separação desses presos foi um avanço
considerável trazido pela alteração legislativa de 2011.
26
Art. 300, CPP: As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem
definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal. Parágrafo único. O militar preso
em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição
a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes.
28
27
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 41-42.
29
28
NUCCI, 2013, p. 94-95.
29
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2009. p. 626-267.
30
cumprido a pena, sob seu espectro será observado para o resto da vida. Expôs
Carneluti30, com brilhantismo, a infelicidade do estigma acompanhar o acusado:
A crueldade está em pensar que, tal como foi, deve continuar sendo. A
sociedade crava em cada um o seu passado. (...) as pessoas creem que o
processo penal termina com a condenação, e não é verdade; as pessoas
creem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as
pessoas creem que o ergástulo é a única pena perpétua e não é verdade. A
pena, se não propriamente sempre, em nove de cada dez casos não termina
nunca. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.
30
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Pillares, 2009. p. 113 - 117
31
BALDEZ KATO, Maria Ignez Lanzellotti. A (des)razão da prisão provisória. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p.117.
31
possibilidade de fuga do réu, não se concretizando então a sanção penal, caso seja
considerado culpado – erroneamente é muitas vezes baseado em mera presunção,
sendo que são necessários dados reais que o embasassem. O STJ entende que o fato
de ser foragido já é suficiente para ensejar a decretação da preventiva.32 Por fim, o
parágrafo único do art. 312 do CPP prevê que seja decretada a preventiva caso haja
descumprimento das cautelares alternativas, desempenhando nesse caso um caráter
intimidativo e visando que se cumpram as demais medidas.
Ainda versando sobre o conceito de ordem social, Tourinho Filho acredita que
este se confunde com a paz social e por ser vago, dá ao juiz um poder imenso,
possibilitando que a decisão seja baseada nas convicções pessoais do julgador. Alerta
também que ter a mídia como um regulador daquilo que afeta ou não a ordem pública,
ou seja, pautar-se nela para reconhecer a repercussão e necessidade de sanção
imediata é um absurdo, pois esta forma de prisão ficaria a critério dos veículos de
comunicação, o que é repudiável de acordo com o bom Direito. 33 A corrente que
buscamos expor até aqui entende ser o fundamento da ordem pública inconstitucional,
pois considerando-se a amplitude dessa expressão, na realidade o magistrado pode
decretar a prisão preventiva sempre que desejar, ficando a cargo da subjetividade do
aplicador do Direito.
32
NUCCI, 2009, p. 94.
33
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
32
houver a medida protetiva, ela não tem duração indefinida e nem é necessário que
perdure todo o desenrolar da instrução criminal, cessada a protetiva, cessa a
preventiva. Já o parágrafo único tem outra função, refere-se à situação em que ocorre
dúvida quanto a identidade civil do acusado ou caso este não forneça elementos
suficientes para que este procedimento se realize. Serve como uma forma de
pressionar o indivíduo a colaborar com sua identificação, assim que esclarecida a
situação o réu deverá ser colocado em liberdade, exceto se presentes os requisitos do
art. 312 do CPP – caso o réu não colabore para sua identificação, Nucci entende que
pode ser responsabilizado pelo crime de desobediência.34
34
NUCCI, 2009, p. 98.
35
PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. O Supremo Tribunal Federal e o prazo
razoável da prisão preventiva. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=7810&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 30 jul.
2015.
33
36
NUCCI, 2009, p.103.
34
CPP vê-se que a decretação das medidas cautelares pode ocorrer em qualquer fase da
investigação policial ou do processo penal, sendo decretada pelo juiz, de ofício -
quando no curso da ação penal - ou a requerimento do Ministério Público, do
querelante ou do assistente, ou ainda por representação da autoridade policial.
Esclarece-se que na fase de investigação criminal o juiz não pode decretar a cautelar
de ofício, apenas quando provocado pelas partes acima mencionadas, no entanto, pode
agir de ofício nessa situação para revogar a cautelar. 37 Guilherme de Souza Nucci
sustenta o entendimento de que “essa restrição merece aplauso; quanto menos o juiz
atuar, de ofício, na fase policial, mais adequado para manter sua imparcialidade”.38
Importante lembrar que por restringirem a liberdade do indivíduo as medidas
cautelares não podem ser aplicadas à delitos que não tenham como pena em abstrato a
pena privativa de liberdade, portanto, não se aplicam às contravenções penais e nem
aos crimes em que a pena seja unicamente a restritiva de direitos.
37
Ibidem, p. 39.
38
Ibidem, p. 36.
35
A prisão cautelar não tem prazo definido em lei, exceto a temporária, o que faz
com que se estenda durante todo o decorrer do processo penal. Sabemos que a justiça
brasileira anda a passos lentos e é inaceitável que alguém se encontre preso a mercê
do demorado desenrolar do rito processual. É necessário que o ritmo do judiciário seja
célere, evitando-se o cumprimento de pena antecipado, situação que não é rara – o
limite entre a cautelar e a antecipação da pena é bastante tênue. A duração excessiva
da medida afronta princípios constitucionais, como o da presunção de inocência,
antecipando-se a pena daquele que ainda nem mesmo foi julgado. Alguns critérios são
utilizados para se estabelecer o prazo da prisão cautelar: a razoabilidade e a
proporcionalidade. 39 A primeira considera o rito processual, a eficiência da vara
perante a qual corre a ação, como o juiz atua (se tem o costuma de procrastinar o
andamento do processo, por exemplo) e a avaliação do número de réus e seus
defensores, sendo este um fator que contribui consideravelmente para a lentidão
processual. O segundo, consiste na análise da gravidade concreta do crime, das penas
cominadas e das condições pessoais do réu. Considera-se também se a pena que seria
aplicada ao caso é grande, tendo em vista que o excesso de prazo de duração da
preventiva só pode ser considerado se houver um parâmetro ao qual se compare. É
relativo a um montante total, por exemplo, se a pena final seria de 30 anos a prisão
cautelar de 6 meses não é abusiva, mas se a pena final for de 1 ano, 6 meses é
abusivo. Importante ressaltar nesta análise a seguinte jurisprudência do STJ:
O julgado então evidencia que caso a prisão cautelar se estenda por período
entendido como excessivo, em relação à pena final possivelmente aplicada ao delito,
caracteriza-se a situação de constrangimento ilegal, ferindo-se os direitos do cidadão
garantidos na Constituição Federal.
39
NUCCI, 2009, p. 105
40
Julgado do STJ.HC 228.226-SP, 6ª T., v.u., rel. Min. Vasco Della Giustina. Data julgamento:
17.04.2012.
36
Há, então, uma “brecha” na legislação pátria que não estabelece um limite à
duração da prisão preventiva. A jurisprudência brasileira, visando solucionar esta
questão, estabeleceu o prazo limite de 81 dias para a conclusão da instrução criminal e
com o mesmo objetivo algumas súmulas foram elaboradas para consolidar esse
entendimento. Súmula n°21 do STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do
constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”, no entanto o
mesmo órgão colegiado disciplinou que “não constitui constrangimento ilegal o
41
NUCCI, 2009, p. 40.
42
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 34.
43
Ibidem.
44
Ibidem.
37
45
PEREIRA; MEZZALIRA, op. cit.
38
incluir uma limitação mais objetiva à duração da prisão cautelar preventiva, tendo em
vista os excessos facilmente verificáveis na prática, tal discussão será aprofundada
mais adiante.
46
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit. p. 55.
47
GOMES, Luiz Flávio. Critérios para aferição da razoabilidade da prisão preventiva. JusNavegandi,
2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7769/criterios-para-a-afericao-da-razoabilidade-da-
prisao-preventiva> Acesso em: 29 jul. 2015.
40
alega que o valor é muito alto. 48 Tarefa complicada mensurar em valores o dano
sofrido por esse rapaz, como quantificar monetariamente 3 anos em situações
desumanas, sofrendo estupros e ainda contrair uma doença como a AIDS? O trabalho
não tem a intenção de se aprofundar nessa discussão a respeito da indenização estatal,
mas simplesmente destacar que os danos a que uma pessoa está sujeita atrás das
grades são incomensuráveis e, por vezes, irreparáveis. Assim, ainda que ocorram
excessos e que estes sejam indenizáveis, até que ponto este valor pago pelo Estado
pode reparar os acontecimentos anteriores, erros judiciários e abuso dos operadores da
lei, cabe a cada um ponderar.
Sabe-se que a prisão preventiva como vem sendo utilizada hoje causa danos
irreparáveis na vida dos cidadãos que passam por ela sem necessidade de
cumprimento de pena privativa de liberdade posterior, o descuido com os critérios
para sua decretação e a popularização desse uso aleatório de se prender cautelarmente
tem consequências, por vezes, devastadoras na vida dos presos provisórios. Por
exemplo, o caso Heberson citado no tópico anterior, adquirir doenças permanentes ou
traumas que levam anos para serem reparados não é uma anormalidade na realidade
desses indivíduos, isto quando não são mortos. O direito penal tem uma peculiaridade
intrigante, sua teoria contrasta com a verificação prática, enquanto a nova reforma traz
a prisão preventiva rigorosamente como ultima ratio, na prática ela é largamente
utilizada, como mostram os dados do Mapa do Encarceramento, segundo o qual no
ano de 2012, 38% dos presos aguardavam julgamento, ou seja, cumpriam prisões
cautelares.49
48
Notícia disponível em: <http://noticias.r7.com/cidades/homem-preso-injustamente-luta-por-
indenizacao-apos-contrair-hiv-em-estupro-no-presidio-10012014>. Acesso em: 20 ago. 2015.
49
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
42
cidadão tenha suas garantias fundamentais lesadas.50 Neste entendimento, não seria
possível de forma alguma promover a prisão anterior ao trânsito em julgadosob o
risco de se ferirem os princípios da presunção de inocência, da necessidade e da
fundamentação das decisões judiciais, o que coaduna de certa forma com as alterações
recentes, por exemplo, a inclusão de diversas alternativas à prisão para se assegurar a
cautelar, no entanto, evitando-se a medida mais extrema de privação da liberdade do
indivíduo. Assim, preleciona Gustavo Badaró:
50
CAZABONNET, Bruna Laporte. Prisão Preventiva: uma releitura da ordem pública sob a ótica da
Constituição Federal de 1988. PUC Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em:
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/brunna_cazabo
nnet.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2015.
51
BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. t II,
p. 193-194
43
entanto, nem todas as pessoas com aqueles traços são necessariamente autores de
delitos, cai-se em erro decorrente do quadro social encontrado no Brasil, resultando
em graves injustiças. É evidente o racismo existente em nosso país, assim o
tratamento dado a pessoas brancas e negras que se encontram exatamente no mesmo
contexto é completamente diferente, a consequência então é que pode-se acabar por
prejudicar ainda mais as pessoas negras, pobres, moradores das periferias, pelo uso
inadequado das prisões preventivas. De acordo com a 8ª edição do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em
novembro de 2014, 93,9% dos presos eram homens, 61,7% negros e 54,8% em idade
jovem. Além disso, constatou-se que a cada 10 minutos, 1 pessoa é assassinada no
Brasil, deste montante 30,5% são negros, etnia que é mais encarcerada que as demais,
numa proporção de 18,4% maior. 52 Os dados são importantes, pois a partir deles
pode-se notar de forma cristalina algumas características do sistema que se expressam
de forma majoritária, por exemplo, o número de negros e a idade média dos presos,
evidente que tais pessoas vivem em sua maioria nas camadas mais baixas da
sociedade e tendem a cometer mais crimes - essencialmente patrimoniais - no entanto,
em decorrência disso, sofrem também com um julgamento social realizado pelos
operadores do direito, por vezes de forma inconsciente. Assim, com a amostra de
percentuais estatísticos pode-se perceber que nem só de julgamentos técnicos e
imparciais é realizado o direito, mas também de critérios subjetivos intrínsecos aos
julgadores e aos responsáveis pelas decisões de nosso sistema, como a de decretação
da medida cautelar.
52
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública
2014. Disponível em:
<http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2015.
44
demandas populares de repressão das condutas delitivas. Por vezes, o resultado final
pouco importa, mas reprimir a conduta imediatamente é o que satisfaz a ânsia da
população, a geração da instantaneidade quer soluções rápidas, ainda que firam os
direitos do cidadão, não se considerando o resultado final que é o que realmente
importa ao processo penal, pois os meios cautelares são utilizados para se garantir a
aplicação da lei penal na conclusão do processo de conhecimento.
assim como julgados relacionados aos critérios para decretação dessa medida, a
exemplo do requisito de garantia da ordem pública. Ambos os Tribunais concordam
que a prisão preventiva, medida extrema do processo penal, não pode ser baseada em
circunstância genéricas e imparciais, desta forma buscam restringir a interpretação de
conceitos abstratos. Por exemplo, com relação à ordem pública, os ministros deixaram
de entender a gravidade abstrata do delito, a afirmação abstrata de periculosidade do
acusado, o clamor público, assim como a credibilidade das instituições, como
enquadrados no elemento da ordem pública e, portanto, não são ensejadores da prisão
cautelar. No entanto, um argumento que não vem expresso em nossa legislação e é
amplamente aceito, é o risco da reiteração delitiva do réu, sendo este baseado em sua
alta periculosidade, reincidência ou participação em associação criminosa.53 Assim,
busca-se explanar que os tribunais superiores tem papel fundamental no estreitamento
da interpretação de conceitos amplos e formam opinião que tende a ser normatizada.
53
Precedentes STF: HC 121.006/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 21/10/2014; HC
115.613/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 13/8/2014; Precedentes STJ: RHC
55.825/RJ, Rel. Min.Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 19/3/2015;RHC 44.824/MG, Rel.
Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe de 12/2/2015.
54
HC 120.178/AL, Supremo Tribunal Federal. Data de julgamento: 10/06/2014. Relator: Min. Luiz
Fux. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=627>.
acesso em: 10 ago. 2015.
47
decisão de pronuncia analisado, o STF também revogou sua prisão, era acusado de
homicídio qualificado 55 . Ora, não pode ser aceito em nosso sistema esse tipo de
situação, é absolutamente reprovável que alguém fique no cárcere por 6 ou 7 anos
sem condenação, sem direito a qualquer benefício, evidente que houve excesso de
prazo dessa medida cautelar, levando à antecipação da pena do acusado. Por essa
razão que se reitera o que foi anteriormente citado, é de extrema necessidade que haja
uma limitação à duração da prisão preventiva, pois sem parâmetros objetivos excessos
ocorrem e continuam prejudicando indivíduos que tem direitos fundamentais
assegurados na Constituição, porém pouco respeitados na prática. Baseando-se nestes
casos expostos julgados pelo STF se questiona se o juiz avaliou razoável o prazo
dessa cautelar, ou ainda se entendeu tal medida adequada e necessária ao caso, se
houve essa preocupação do magistrado ou simplesmente se manteve a preventiva por
prazo indeterminado até o julgamento, sendo certo que esta deve perdurar apenas
enquanto necessário, findado o motivo que a ensejou, deve ser revogada. Supõe-se
que o que ocorreu na realidade é que esses processos ficaram esquecidos nas
prateleiras dos cartórios, como dito no item 2.2, esquecendo-se que não se trata de
mera papelada, mas da vida de indivíduos que estão submetidos a situações
desumanas, indignas e sofrendo injustiças diárias. Tais julgados foram importantes
para ilustrar situações em que de fato esses abusos ocorrem e, principalmente, que não
são casos raros, ocorrem com frequência em nosso sistema, no entanto, a sociedade
está de certa forma acomodada, notadamente se tratam de irregularidades, no entanto,
tomam poucas medidas ou nenhuma para solucioná-las.
55
HC 119.365/PE, Supremo Tribunal Federal. Data de julgamento: 29/04/2014. Relator: Min. Dias
Toffoli. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6017134>. Acesso em: 10
ago. 2015.
48
56
CANÁRIO, Pedro. Professores criticam parecer sobre prisões preventivas na ‘lava jato’. Consultor
Jurídico, 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-
prisao-preventiva-lava-jato>. Acesso em: 05 set. 2015.
57
Ibidem.
58
Ibidem.
59
Ibidem.
60
Ibidem.
49
61
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema
penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 27-28.
62
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1974. p. 25.
50
valores e princípios desta que é a norma matriz de nosso ordenamento jurídico. Está
em tramitação no Congresso Nacional um Anteprojeto de Código Penal, o Projeto de
Lei n° 236 de 2012, realizado por uma comissão especializada e a elaboração do
texto, segundo o Senado Federal, foi acompanhada por organizações sociais e por
entidades da sociedade civil, fazendo uso até mesmo de mecanismos de comunicação
direta com o cidadão brasileiro. Ressalta-se que é apenas um Projeto de Novo Código
Penal, ainda é necessário aprovação no Congresso Nacional, assim como do
Presidente da República, ou seja, o texto ainda está sujeito a alterações, o que será
tomado por base neste tópico será a ideia geral do conjunto da lei.64
64
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=111516&tp=1>. Acesso em: 28 ago.
2015.
65
CANÁRIO, Pedro; VASCONCELLOS, Marcos de. “Novo Código Penal é obscenidade, não tem
conserto”. Consultor Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-
02/entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp>. Acesso em: 28 ago. 2015.
52
Outro ponto que não está diretamente relacionado aos desdobramentos que
poderiam ocorrer com relação a prisão preventiva, mas que obviamente tem
relevância considerável é que neste Anteprojeto a progressão no regime de penas foi
bastante dificultado, assim como a pena prevista para alguns delito também foi
elevada, consequentemente, mais pessoas por mais tempo na prisão. Há dispositivo
legal que diz ser obrigatória a divisão entre presos provisórios e os já sentenciados, no
66
HC 35090/RS, Superior Tribunal de Justiça.Data de julgamento: 19.10.2004. Relator: Ministro Paulo
Gallotti. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4398182/habeas-corpus-hc-35090-
rs-2004-0058240-7>. Acesso em: 02 set. 2015.
53
entanto, sabe-se que isto nem sempre se verifica na prática, ocorre por vezes de ambos
ocuparem as mesmas celas, principalmente em locais com menor estrutura
penitenciária. Se mais pessoas tiverem que ocupar o mesmo espaço, que já tem uma
realidade bastante crítica caracterizada pela superlotação, teremos prisões em
condições ainda piores, aumentando seus índices de lotação e submetendo as pessoas
à situações cada vez menos humanas, é absurdo que os presos preventivos estejam em
contexto cada vez mais degradante, desumanizador, que fere a dignidade humana e
tantos outros princípios garantidos constitucionalmente. A relação então não é direta
neste caso, quanto à decretação ou não da prisão provisória, no entanto, na prática,
pode ter consequências reais, sérias, que devem ser fortemente repudiadas pelos
estudiosos e operadores do Direito.67 O contexto carcerário brasileiro já é crítico o
suficiente para que se aprove uma legislação que irá superlotá-lo ainda mais, com
mais pessoas presas por mais tempo, as penitenciárias serão um real barril de pólvoras
prestes a explodir, pois a situação atual já é bastante tensa, se o quadro se agravar
pode-se imaginar uma verdadeira crise do sistema. Isso mostra que devemos nos
reinventar, repensar nossos métodos punitivos, os que utilizamos atualmente
claramente não nos traz os resultados almejados, pelo contrário, cada vez mais entra-
se num caos que dificulta vermos uma saída viável.
68
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia>. Acesso em: 05
set. 2015.
69
NICOLETTI, Janara. Ministro Ricardo Lewandowski lança projeto 'Audiência de Custódia' em SC.
G1 Santa Catarina, 24 ago. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sc/santa-
catarina/noticia/2015/08/ministro-ricardo-lewandowski-lanca-projeto-audiencia-de-custodia-em-
sc.html>. Acesso em: 05 set. 2015.
70
Ibidem.
55
código penal seria um enorme retrocesso ao que acredita-se ser hoje o pilar
fundamental de uma nação democrática como a nossa.
Além disso, deve ser ressalvado, como afirma Julita Lemgruber, 71 que o
sistema prisional hoje é a expressão de uma “guerra contra a pobreza”, ela afirma que
“quem acaba sendo penalizado com a pena de prisão, com raríssimas exceções, são os
pobres, os negros, aqueles que moram nas periferias, enfim, quem não tem voz nem
poder nessa sociedade.”72O enrijecimento da legislação penal seria mais desfavorável
a esses cidadãos, que são antes de qualquer análise, já condenados pelo sistema, a
especialista ainda diz que em uma abordagem mais ampla, o própria sistema
legislativo criminal já é criado com a intenção de se punir apenas aquelas condutas
que se quer punir, ele não objetiva tratar todos igualmente e sim, discriminá-los, não
se pode esquecer que quem faz as leis são as camadas mais altas da sociedade.
Evidentemente que não se deve radicalizar, existem muitas garantias asseguradas aos
indivíduos em geral na legislação, mas também existem brechas que permitem ao
magistrado julgar da maneira que achar mais conveniente. Aumentar a
discricionariedade do juiz, aumenta o julgamento subjetivo e, consequentemente, as
possibilidades daqueles que são marginalizados na sociedade sofrerem ainda mais
injustiças, ao contrário, o ideal seria uma maior flexibilização emelhor adequação ao
caso concreto específico, porém, não é o que se averigua na prática.
71
CHAVES, Leslei. Prisões do Brasil. Um pacote de equívocos que gera e mantém o caos. Revista do
Instituto Humanitas Unisinos, a. XV, n. 471, 2015. Disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6093&secao=4
71>. Acesso em: 05 set. 2015.
72
Ibidem.
56
5. CONCLUSÃO
alguém do mundo do crime, pode-se estar inserindo mais um ator neste contexto
social tão complexo. As pessoas, independente de suas classes sociais, devem ter seus
direitos fundamentais preservados, sobretudo quando se priva a liberdade de alguém,
para tamanha intervenção estatal na vida do particular devem haver motivos concretos
e suficientes ensejadores de tal medida. O Brasil precisa despertar para esse cenário
que estamos caminhando, o número de presos se multiplica e o de provisórios, em
maior escala, a prática de se prender por pouco não deve prosperar.
59
REFERÊNCIAS
BALDEZ KATO, Maria Ignez Lanzellotti. A (des) razão da prisão provisória. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
______. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=111516&tp=1>. Acesso
em: 28 ago. 2015.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 12. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009.