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Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

ISABELA CALIJURI HAMRA

O excesso de prazo na prisão preventiva e a antecipação indevida do


cumprimento da pena

Orientador: Prof. Dr. Sebastião Sérgio da Silveira

Ribeirão Preto
2015
ISABELA CALIJURI HAMRA

O EXCESSO DE PRAZO NA PRISÃO PREVENTIVA E A ANTECIPAÇÃO


INDEVIDA DO CUMPRIMENTO DA PENA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo como cumprimento de requisito
parcial para obtenção de grau em bacharel
em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Sebastião Sérgio da Silveira

Ribeirão Preto
2015
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

HAMRA, Isabela Calijuri

O excesso de prazo na prisão preventiva e a antecipação indevida


do cumprimento de pena. Ribeirão Preto, 2015.
66 p. ; 30 cm

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de Direito


de Ribeirão Preto/USP.

Orientador: SILVEIRA, Sebastião Sérgio da.

1. Prisão preventiva 1. 2. Antecipação da pena 2. 3. Excesso de prazo


da prisão preventiva 3. I. Título.
HAMRA, Isabela Calijuri. Excesso de prazo na prisão preventiva e antecipação
indevida do cumprimento da pena. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo como
requisito parcial para obtenção de grau em bacharel em Direito.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ___________________ Instituição: ____________________________


Julgamento:_________________ Assinatura____________________________

Prof. Dr. ____________________ Instituição: ____________________________


Julgamento:__________________ Assinatura____________________________

Prof. Dr. ____________________ Instituição: ____________________________


Julgamento:__________________ Assinatura____________________________
À minha família, em especial aos meus pais, Samir e Maria Célia, com todo amor e gratidão.
Agradecimentos:

Aos meus pais, Samir e Maria Célia, e meus irmãos, Samir e José
Eduardo por me apoiarem e, principalmente, por me ensinarem a
sempre questionar.
Ao orientador Professor Doutor Sebastião Sérgio da Silveira pela
disponibilidade, compreensão e auxílio sempre que solicitado.
Aos meus amigos de infância e aos de graduação, pelo apoio, amizade
e convivência com a diversidade.
RESUMO

O presente estudo visa abordar o tema das prisões preventivas e os assuntos aos quais se
entrelaça, principalmente as consequências práticas na vida dos que a ela são submetidos, seus
pressupostos de decretação e o prazo limite de duração de tal medida. Tanto os requisitos que
devem ser preenchidos para a aplicação da preventiva, que estão taxados no art. 312 do
Código de Processo Penal, tendo por base conjuntamente o disposto no art. 282 do mesmo
diploma legal sobre as medidas cautelares em geral, quanto os limites de duração desta
medida, são elementos que dão margem a interpretações diversas, ou seja, tem um viés
subjetivo. Assim, esta análise visa abordar essa subjetividade existente na decretação e
limitação de um instituto tão rigoroso e cerceante dos direito individuais, como a prisão, que
teoricamente só deve ser utilizada como ultima ratio e obedecendo a critérios objetivos, a
discricionariedade do juiz nessas decisões ganha destaque no que é aqui suscitado. Bem
como, os parâmetros indefinidos, subjetivos e extremamente flexíveis do prazo em que pode
se estender a medida, ficando o preso provisório submetido à vontade do Estado e do
julgador, o que por vezes acaba desencadeando a antecipação da pena ao acusado. Princípios
constitucionais também são aqui elencados e nota-se como são conflitantes em alguns casos,
principalmente com relação à presunção de inocência. Por fim, analisa-se a jurisprudência
pátria almejando verificação prática da utilização dessa medida constritiva de liberdade, bem
como as consequências de sua aplicação de forma excessiva, tanto em quantidade, quanto em
período de duração. Finaliza-se com uma tentativa de se exprimir o que se nota como
tendências para um futuro próximo, tendo em vista que a situação atual é insustentável e um
barril de pólvoras prestes a estourar, considerando-se o sistema carcerário brasileiro e o
aumento crescente da violência nos centros urbanos.

Palavras-chave: prisão preventiva; sistema carcerário; antecipação da pena; excesso de prazo


da prisão preventiva; uso abusivo da prisão preventiva; tendências para o futuro da prisão
preventiva.
ABSTRACT

This article addresses the issue of pre-trial detention (remand) and related topics, focusing on
its practical consequences on the lives of those subjected to it, on its legal premises, and on
the time limits to its duration. The requirements that make defendants eligible to pre-trial
detention – described on article 132 of the Code of Criminal Procedure, based on article 282
of the same Code, on general precautionary measures – as well as the limits to the duration of
such detentions allow for differing interpretations, which makes them vulnerable to subjective
application. We will analyze the subjectivity and the discretionary power of judges in the
application and duration of pre-trial detention, taking into account that it is highly restrictive
of individual rights and should in theory only be used as ultima ratio, following strict
objective criteria. The lack of clearly defined parameters and the flexibility of possible
duration of this measure make those on pre-trial detention vulnerable to the will of the State
and the judge’s, which sometimes means an anticipation of the defendant’s sentence. We also
assess constitutional principles associated with pre-trial detention and find that they are often
in conflict, especially the presumption of innocence. We then analyze Brazilian jurisprudence
to assess the practical implications of this restrictive measure, as well as the consequences of
its excessive use both in quantity and in duration. We conclude by identifying some trends for
the near future, taking into account the gravity of the situation in the Brazilian prison system
and the increase in urban violence.

Keywords: pre-trialdetention; remand; prisonsistem; anticipation of the defendant’s sentence;


excessive remand; abuse of preventive detention (remand); remand trends for the future.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 22

2. CONTEXTO GERAL: PRISÃO PREVENTIVA E DEMAIS MEDIDAS


CAUTELARES. ......................................................................................................... 10
2.1. Princípios constitucionais. .......................................................................... 12
2.2. Últimas alterações legislativas .................................................................... 19

3. PRISÃO PREVENTIVA E SEUS DESDOBRAMENTOS PRÁTICOS. ......... 24


3.1. Critérios que ensejam a decretação da preventiva........................................... 27
3.2. Prazo razoável de duração da prisão preventiva ............................................. 34
3.3. Prisão preventiva: antecipação da pena e demais consequências práticas ..... 41

4.POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS E O FUTURO DO INSTITUTO DA


PRISÃO PREVENTIVA. .......................................................................................... 45
4.1. Jurisprudência dos Tribunais ........................................................................... 45
4.2. O futuro da prisão preventiva: consequências da aprovação do Projeto de
Novo Código Penal .................................................................................................. 50

5. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 57

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
1. INTRODUÇÃO

O presente estudo visa se debruçar sobre assunto de extrema importância no


contexto brasileiro atual, as prisões tornam-se locais cada vez mais violadores de direitos,
desumanizadores e são por si só verdadeira agressão à dignidade das pessoas. Iremos nos
concentrar na análise da prisão preventiva, considerando seus quesitos ensejadores, as
legislações que a legitimam, seus desdobramentos na vida dos que a ela são submetidos, suas
possíveis consequências sociais, assim como o modo como os julgadores vêm a aplicando e,
sobretudo, os excessos verificados tanto na aplicação, quanto na duração desta medida.

Primeiramente, observaremos aspectos amplos, como a fundamentação


constitucional desta medida cautelar e suas possíveis contradições, assim como as legislações
infraconstitucionais que vêm se atualizando visando suprir as demandas sociais.
Posteriormente, veremos, sob o espectro da lei, os pressupostos que ensejam a decretação da
preventiva, os requisitos que devem ser preenchidos e os parâmetros para sua decretação,
sendo que ambos possibilitam interpretações diversas e dão margem à debates polêmicos,
bem como, o tema central desta análise que é o prazo razoável de duração da preventiva. Por
fim, importante a observação da prática jurídica e aplicabilidade do instituto por meio das
jurisprudências, assim será possível notar o que decidem os Tribunais e busca-se, de forma
mais livre, tentar depreender as tendências para o futuro desse âmbito do direito penal.

Toda a análise foi baseada no método dedutivo e na pesquisa de análise


legislativa, doutrinária e jurisprudencial. Sendo todos esses meios de estudo importantes em
igual medida, busca-se amplificar as óticas sob as quais veremos o tema, buscando uma
abordagem rica e diversa, expondo com maior ênfase os pontos que foram considerados de
maior relevância.
10

2. CONTEXTO GERAL: PRISÃO PREVENTIVA E DEMAIS


MEDIDAS CAUTELARES

A origem da prisão preventiva, como a principal e mais antiga medida cautelar do


processo penal, foi anterior até mesmo à prisão-pena, ela era utilizada para evitar que os
acusados fugissem antes de julgados e condenados às penas da época, como a morte, as
mutilações, o arrastamento e etc.1 A penitência em geral foi originada no direito eclesiástico
no final do século XVI, mas somente nos fins do século XVIII é que foi sistematizada como
uma punição judiciária, até esta instituição da prisão-pena se consolidar, ela era meramente
cautelar. Os povos da Babilônia, Grécia, Egito e Roma não conheciam a prisão como um
castigo, eles apenas colocavam nos calabouços os acusados e lá os trancafiavam até que fosse
decretada uma sentença.2 No Brasil, a preventiva foi implantada legalmente em 1822, com a
Proclamação da Independência, a Constituição Imperial de 1824 previa no art. 179, §8° a
custódia preventiva, nos casos taxados em lei, através de ordem judicial – o Código de
Processo Criminal do Império de 1832 trouxe ainda a prisão preventiva para os crimes
inafiançáveis. 3 Em 1941, com o Código de Processo Penal vigente atualmente, a prisão
preventiva teve seus traços definidos com dogmática rigorosa, tomando corpo basicamente da
forma como é conhecida hoje. Ocorre que, quando de sua entrada em vigor, previa-se a
preventiva obrigatória e a facultativa, para os crimes com pena de reclusão máxima igual ou
superior a 10 anos, a prisão preventiva era obrigatória – em 1967 apenas é que foi excluída
essa modalidade, a qual tirava completamente a faculdade do juiz em aplicar ou não tal
medida preventiva, tendo por base apenas o quantum da pena a que possivelmente seria
submetido o réu. Outras adaptações foram sendo realizadas em nosso Código, como a de 1994
que incluiu o critério de “garantia da ordem econômica” para decretação da preventiva, e
singularizou a expressão de “indícios suficientes de autoria”, tais alterações é que foram
aperfeiçoando a lei e atendendo cada vez mais às necessidades sociais, se desvinculando do
caráter imperial e monárquico no qual foram originadas.

1
DRUMMOND, João da Costa Lima. Noções de Direito Criminal. 2. ed. Rio de Janeiro. 1919. p. 29 -
30.
2
BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000. p. 160.
3
MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Preventiva (crítica e dogmática). São Paulo: Acadêmica,
1993. p. 32.
11

As medidas cautelares penais são consideradas pessoais e, por isso, são mais
delicadas do que aquelas previstas no Direito Civil, recebendo atenção diferenciada. Regra
geral no âmbito cível é que elas propiciam uma antecipação da tutela pretendida na ação, ou
seja, busca antecipar os efeitos finais da ação. Ocorre que, no caso da prisão cautelar do
processo penal, ela tem como objetivo assegurar a ocorrência da investigação ou instrução
criminal tranquilas, eficientes, produtivas e sem interferências externas – ela é um meio para
se atingir determinado fim. Na esfera civil fala-se em ação cautelar, enquanto não existe ação
cautelar penal, apenas medida cautelar que é de natureza instrumental em relação ao processo
de conhecimento. A diferença para a prisão-pena é que a pena ocorre posteriormente à
condenação, trata-se da finalidade, é uma efetiva sanção penal.4 Desta forma, as cautelares
visam garantir o desenvolvimento do devido processo legal, sem que haja prejuízo às
testemunhas envolvidas no caso, às provas do processo ou qualquer outro ponto relevante que
poderia ser afetado. Além desses apresentados, podem ser citados exemplos, como casos em
que busca-se evitar que o acusado fuja do país, ou ainda nos casos da Lei Maria da Penha, que
não se aproxime das vítimas e cometa novas agressões, dentre outras funções que podem ser
abrangidas.

O embasamento para tais medidas é acima de tudo a Constituição Federal que


assegura os princípios do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, da
razoabilidade da duração do processo, do contraditório e ampla defesa, ou seja, uma gama de
princípios que sustentam esses institutos e sua correta aplicação. A alteração legislativa mais
recente feita pela Lei 12.403/11 incluiu medidas cautelares alternativas, que até então não
eram previstas no sistema penal brasileiro de forma específica. Tal modificação é de grande
importância ao nosso ordenamento e um ganho, sem dúvidas, a toda a sociedade – que pode
contar com medidas mais eficientes aos casos em que se aplicam.

Em um contexto geral, as cautelares tendem a ganhar importância no ordenamento


jurídico brasileiro, principalmente as alternativas, diversas da prisão. A aplicabilidade deve
aumentar e a legislação se aprimorar, assim como vem ocorrendo, as legislações específicas
vão se adaptando e trazendo as alterações legislativas necessárias, enquanto o cerne do direito
encontra-se na Constituição Federal.

4
NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade: de acordo com a Lei 12.403/11. 3. ed. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.31.
12

2.1.Princípios constitucionais

A Constituição Federal traz princípios que devem ser observados em todas as


áreas do Direito, normalmente de forma implícita, no entanto, sempre regendo moralmente a
prática jurídica. Dentre aqueles que se relacionam mais especificamente ao uso de medidas
cautelares no processo penal podemos citar o direito de liberdade do indivíduo, de segurança
pública, de dignidade da pessoa humana, de presunção de inocência, do devido processo legal,
da fundamentação das decisões e da proporcionalidade. No art. 5° da Carta Maior brasileira
estão dispostos os direitos fundamentais do indivíduo, dentre eles podem ser citados os
incisos LV, LVII, LXI, LXV, LXVI, LXXV que guardam relação com o tema aqui
abordado.5Estas previsões legislativas são os principais pontos de sustentação dos institutos
da prisão preventiva no nosso texto legal máximo, nas legislações infraconstitucionais outros
elementos são abordados e dão suporte ainda maior e mais específicos a tais medidas
incidentais. A contribuição mais considerável da Constituição de 1988 se deu com relação à
prisão preventiva, uma vez que esta traz de forma cristalina o uso desta medida como ultima
ratio, ou seja, ela deve ser a última medida adotado pelo aplicador do direito. A prisão
preventiva é uma exceção, é medida excepcional, não pode ser considerada a regra - este é o
avanço formidável que foi trazido para esta área pela Constituição de 88.

Ressalta-se que os princípios supracitados, vez ou outra são contrários entre si, o
que nos traz a reflexão de qual deve preponderar, qual princípio deve se sobressair com
relação ao outro quando estes forem contraditórios? Esta questão não é de fácil resolução. O
mais conhecido caso de conflito de princípios é o da segurança pública versus o princípio de
liberdade do indivíduo – até que ponto podemos restringir a liberdade do cidadão em razão da

5
Constituição Federal. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVII - ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LXI - ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXV - a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXXV - o Estado
indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na
sentença.
13

segurança pública? Esta é uma questão que deve ser solucionada tendo por base o princípio da
presunção de inocência e, principalmente, o da proporcionalidade. Está positivado que
nenhum indivíduo deve ser considerado culpado até que se prove o contrário, no entanto, na
prática, não é exatamente assim que as ações ocorrem e o indivíduo acaba sendo “condenado”
antes mesmo de seu julgamento – é exatamente isso que deve ser combatido. A
proporcionalidade se desdobra em três subprincípios, segundo o entendimento da doutrina
alemã, dentro desse princípio geral estão três secundários que seriam: a necessidade, a
adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. Melhor especificando cada um deles, a
adequação trata da idoneidade da medida com relação ao fim por ela pretendido, deve ser
analisada a gravidade do delito em abstrato e a cautelar que será aplicada naquela situação –
se mais brando o crime, mais branda também deve ser a medida. Com relação à necessidade,
entende-se que a medida deve ser aplicada visando-se atingir o fim pretendido pela ação, ou
seja, impede que o acusado se esquive do sistema penal, caso venha a ser condenado por
determinado crime deve ser possível executar esta sanção. O embasamento na necessidade é
cabível principalmente nos casos em que houver temor de fuga do acusado, quando este
contaminar as provas do processo ou ainda ameaçar testemunhas, ou seja, casos em que a
investigação ou instrução podem não obter sucesso com o sujeito em liberdade. Por fim, a
proporcionalidade em sentido estrito deve ser averiguada posteriormente à constatação da
adequação e necessidade, questionando se o resultado proveniente da aplicação de uma
possível pena é proporcional à coação da medida cautelar imposta. Trata-se de verdadeiro
sopesamento de interesses, busca-se uma justa medida em que as vantagens finais sejam
equilibradas às desvantagens meio para se obter determinado fim, estando constantemente em
conflito os desejos do indivíduo e do Estado. Ainda que a medida seja adequada e necessária,
caso o esforço meio seja excessivo em relação ao fim pretendido, não deve haver aplicação.6

Quanto aos incisos supracitados, o que trata do contraditório deve ser respeitado
também com relação às cautelares, pois consta no art. 282, §3° do Código de Processo Penal
que “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber
o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de
cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. Assim,
assegurado o princípio do contraditório e da ampla defesa, exceto em casos de urgência – a

6
AMARAL, Claudio do Prado; SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. Prisão, liberdade e medidas
cautelares no processo penal: as reformas introduzidas pela Lei nº 12.403/11 comentadas artigo por
artigo. 3 ed. São Paulo: Ed. J.H. Mizuno, 2012. p. 36 – 40.
14

exemplo da fuga iminente do país. Possibilita-se ao acusado o seu direito de defesa e de


arguição quanto a decretação de determinada medida, sendo possível também que esta seja
mais propícia à ocasião, atendendo as necessidades do acusado e do direito assegurado. Por
fim, este diploma legal não diz qual o procedimento que deva ser adotada para a oitiva da
parte contrária, assim, sugere-se que seja realizada, como em outros países, uma audiência
para oitiva do indiciado ou acusado.7 Na prática, não é comum que se verifique a ocorrência
de contraditório e ampla defesa para medidas cautelares no processo penal, sendo mais
frequente nesses casos o uso de habeas corpus depois de efetivada a medida.

Ainda sobre os princípios constitucionais, a presunção de inocência é crucial em


nosso ordenamento, ninguém pode ser considerado culpado até que se prove o contrário. Seria
este princípio o maior embate à prisão preventiva, pois não se justifica o cerceamento da
liberdade do indivíduo, além de todos os ônus a que se submeteria no sistema carcerário sendo
que nem mesmo foi julgado, é inocente para todos os fins. Assim, uma problemática se
estabelece, observando-se o aumento de 113% no número de presos provisórios no período de
2005 a 2012 em todo o Brasil depreende-se que tal prática vem sendo largamente utilizada –
no mesmo período a população carcerária como um todo cresceu 74%.8 Desta forma, o seu
uso vêm se expandindo ao passo que tais princípios assegurados pela Constituição são cada
vez menos respeitados pelos aplicadores do Direito.

Quanto às hipóteses de prisões, temos no art. 5°, inciso LXI que não se aceitará
prisão senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, excetuando os casos de transgressão militar ou de crime propriamente militar. A
prisão preventiva então deve ser devidamente justificada pela autoridade que a decretar,
seguindo o que se preceitua pelo art. 315 do Código de Processo Penal, segundo o qual a
decisão que decretar, substituir ou denegar a preventiva deve ser sempre motivada. Os
motivos ensejadores desta medida estão dispostos no art. 312 do CPP,9 que serão explanados

7
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 47.
8
Pesquisa realizada pelo Governo Federal em parceria com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento. BRASIL, Presidência da República. Secretaria Geral. Mapa do Encarceramento:
os jovens do Brasil. Brasil: Presidência da República, 2015. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/arquivos/encarceramento_WEB.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2015.
9
Código de Processo Penal.Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação
da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo
único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
15

mais adiante. Tem-se ainda que a motivação deve ser sucinta e objetiva, o que não significa
que o texto deva ser generalista ou incompleto. O que ocorre na realidade é que as autoridades
competentes não justificam devidamente a decisão, acabam por se basear em requisitos muito
amplos e apresentam considerações meramente teóricas, esquecendo-se da adequação ao caso
em que se aplicará. Conforme afirma Nucci, os juízes se esquecem do princípio da motivação
e proferem decisões generalistas, justificando apenas com base na garantia da ordem pública,
por exemplo, não especificando as necessidades concretas que deve atender.10 Desta forma, é
fundamental que tal justificativa venha assegurada em nossa Carta Maior, principalmente por
ser a preventiva medida de ultima ratio e devendo a autoridade competente explicar as razões
pelas quais o cerceamento da liberdade se faz imprescindível naquelas circunstâncias.

Assegurado também o relaxamento da prisão pelo art. 5° da Constituição Federal,


em caso de ilegalidade da prisão. Como consta no art. 310 do Código de Processo Penal, o
magistrado tem 3 opções ao receber o auto de prisão em flagrante, que constam nos incisos do
referido artigo. A primeira delas é justamente a que vem assegurada em nossa Carta Magna
devendo ser a prisão ilegal imediatamente relaxada, de forma que haja fundamentos para tal
decisão, conforme inseriu a Lei 12.403/11.11 No próximo inciso está prevista a hipótese de
conversão em preventiva, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, que serão
aprofundados mais adiante. Por fim, no último inciso constam as possibilidades de concessão
de liberdade provisória, com ou sem fiança. Ressalta-se que todas estas decisões devem ser
devidamente motivadas levando-se em consideração o contexto em que se inserem os fatos. A
lei maior do Estado brasileiro garante o relaxamento da prisão, pois mantê-la em desacordo
com a lei caracteriza constrangimento ilegal e a autoridade que a mantiver desta forma deve
então ser responsabilizada por tais atos, então, além de positivada em legislação
infraconstitucional, também recebe atenção especial da Constituição. A prisão em flagrante
delito se mantém apenas por 24 horas, após este período alguma destas opções tem que ser
adotadas pelo magistrado, seja o relaxamento, a prisão preventiva ou a liberdade provisória.

Uma situação mais rara, mas que pode ocorrer é o caso em que a prisão em
flagrante é constatada como sendo ilegal, após já ter havido sua conversão em preventiva,
assim, não necessariamente a preventiva será revogada, o que pode ocorrer é a
responsabilização da autoridade que efetuou o flagrante de forma indevida, no entanto, se

10
NUCCI, 2013, p. 101 - 102.
11
Ibidem, p. 79.
16

presentes os requisitos para a preventiva, essa se manterá.12Trata-se de situação atípica, mas


necessário registrar que não se contaminará obrigatoriamente a prisão preventiva, pois o que
determina sua aplicação é a presença dos pressupostos e não os fatos anteriores.

Na própria Constituição de 1988 temos já a ideia que foi reforçada pela reforma
de 2011, segundo a qual a prisão preventiva é a última opção, ou seja, todas as formas
alternativas devem ser descartadas antes de sua decretação. Existe, inclusive, uma proposta de
parte da doutrina de que todas as opções de medidas cautelares diversas sejam motivadamente
rejeitadas antes da aplicação da preventiva, no entanto, não se efetivou na prática e
dificilmente ocorrerá por encontrar grande resistência dos magistrados. A necessidade da
privação de liberdade deve ser extrema para que a prisão seja adotada, isto é o que preceitua a
teoria, no entanto, na jurisprudência e análise de casos práticos nem sempre é o que se
verifica. O inciso LXVI do artigo que dispõe sobre a garantia dos direitos fundamentais traz
que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”, desta forma, se admitido que a pessoa responda o processo ou
aguarde a investigação criminal em liberdade, assim deve ser feito. Quanto ao uso da fiança
atrelada à liberdade provisória, esta poderá ser arbitrada pela autoridade policial em crimes
cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos, se ultrapassar este limite
só poderá ser arbitrada pelo magistrado.13 A concessão de fiança fica a cargo da autoridade
que deve levar em consideração a natureza da infração, as condições econômicas do acusado,
sua vida pregressa, o provável valor das custas do processo e a periculosidade do agente, com
base nestes critérios determinará se há ou não fiança acompanhando a liberdade provisória e
qual o seu valor. Há também a possibilidade de conceder a liberdade acompanhada de medida
cautelar alternativa diversa da fiança, por exemplo com a proibição de frequentar
determinados locais ou a restrição para ausentar-se da comarca, apenas com autorização
judicial. A decretação de liberdade provisória pode ocorrer acompanhada de 1 ou 2 cautelares
alternativas desde que sejam compatíveis, inclusive a fiança.

Ponto fundamental desta análise sob a ótica da Constituição Federal é verificar


como podem ser ressarcidos os danos sofridos por alguém que sofreu prisão cautelar injusta,
fruto de erro judiciário, ou quem ficou preso por tempo superior ao da sentença. Entendemos
que qualquer que seja a reparação – a previsão é de que seja pecuniária – não há reparação

12
Ibidem, p. 81.
13
Ibidem, p.133.
17

integral dos prejuízos sofridos, tanto físicos, quanto profissionais, familiares, psicológicos e
todos os outros abrangidos nesta situação. Enfim, ainda com base no art. 5° da Constituição
Federal, verifica-se em seu inciso LXXV a previsão de que o Estado deve indenizar aquela
pessoa condenada por erro judiciário, bem como o indivíduo que ficar preso por tempo
excessivo àquele fixado em sentença – o entendimento se estende aos que sofrerem prisão
preventiva de forma ilegal ou aos que passarem mais tempo em preventiva do que ao que
forem condenados ao final da ação e, evidentemente, caso sejam absolvidos. Conforme se
extrai da obra de Tucci, o direito à tal indenização decorre da injustiça existente na errônea
prisão prévia, assim, se não houvesse tal previsão legal, estaria sendo admitida a legitimidade
de uma medida aplicada com base em um perigo que não existe, ou seja, estaria havendo uma
concordância com a ilegalidade. 14 Considerando que a reparação não poderá ocorrer pela
óptica mais humanista da questão, vale citar o que preceitua Antônio Magalhães Gomes
Filho15 sobre o referido inciso LXXV e a indenização pecuniária:

Principalmente se interpretado em conjunto com a disposição do art. 5°, LVII,


parece estar fora de dúvida que o tempo de prisão sofrido a título cautelar deve ser
objeto de reparação pecuniária em todas as hipóteses de absolvição; e mesmo no
caso de condenação, quando, eventualmente, o prazo fixado na sentença for inferior
àquele já descontado previamente.

Neste sentido, ainda que não haja a absolvição, mas a condenação seja de um
período inferior ou desproporcional ao que o réu já aguardou preso deverá haver a
indenização. Qualquer excesso de prisão é abrangido pela disposição do inciso LXXV, “nada
importando, para sua incidência, o caráter da respectiva formalização”.16

Importante ressaltar que tal indenização prevista é em dinheiro, se tratando de


mero apaziguador da situação, se considerados aspectos mais amplos. Os danos sofridos por
alguém que teve durante um período sua liberdade cerceada, submetido a condições
desumanas, sofrendo violências físicas e mentais, perdendo sua dignidade, não tendo contato
familiar, interrompendo sua profissão, deixando de ser o provedor familiar – como ocorre na
maioria dos casos de homens que sustentam sua prole, tanto que temos hoje o instituto do
auxílio reclusão – e, tudo isso, sem sequer ter sido condenado, sem haver provas de que foi o

14
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p.463.
15
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 75-76.
16
TUCCI, op. cit., p. 464.
18

autor do crime, trata-se de situação de extrema dificuldade de reparação. Sob a ótica da


psicologia, o ressarcimento devido pelo Estado a tal indivíduo deveria ser duradouro, com a
necessidade de tratamentos psicológicos, ajuda de assistentes sociais, reinserção desta pessoa
na sociedade e, principalmente, no âmbito profissional, o simples pagamento de quantia em
dinheiro não seria o suficiente, mas evidente que auxiliaria de alguma forma. No entanto, se o
recebimento desta indenização já é de raríssima verificação só ocorrendo em casos extremos,
pelo fato de o Estado se esquivar de tal responsabilidade e tentar por muitos meios justificar
que sua atitude era correta e necessária, não há esperanças de uma indenização humanitária. A
ocorrência de tais barbáries é diária e pouco se faz nesse sentido, muitas pessoas passam mais
tempo do que deveriam atrás das grades e outras tantas poderiam ter penas diversas da prisão,
no entanto, é exatamente a pena mais gravosa que lhes é aplicada pelos magistrados que
seguem a lógica do crescente encarceramento. Isso se verifica na recente pesquisa feita pelo
governo federal em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
segundo a qual 18,7% dos presos no ano de 2012 poderiam estar cumprindo penas
alternativas, ou seja, não precisariam estar presos. 17 Infelizmente, o que se verifica na
atualidade é o crescente uso do encarceramento como medida de condenação ou mesmo como
medida provisória, sendo que é notável sua ineficiência e seus milhares de defeitos que fazem
dela uma pena a ser evitada e não largamente utilizada. Temos diversos demonstrativos neste
sentido, como afirma Cláudio do Prado Amaral18:

A política criminal consistente em prender-se por delitos leves é hedionda,


conhecida como “tolerância zero” e representa verdadeira regressão
democrática, concebida para mascarar déficits de sociabilidade e estruturas
de mercado do Estado. É um fator preocupante, na medida em que
aumenta a população carcerária, e também contraproducente para a
prevenção da criminalidade, além de banalizar a prisão cautelar.

Verifica-se então, pelo acima exposto, que na prática as medidas aplicadas


no processo penal brasileiro são exatamente opostas àquelas sustentadas pela doutrina
atual, assim como é tendência mundial o movimento de desprisionalização. O Brasil
vêm agindo no sentido do encarceramento, como se observa no “Mapa do
Encarceramento”19, seja por uma mentalidade que prevalece em nosso país facilmente
demonstrada pela frase “bandido bom, é bandido morto”, seja por uma dificuldade de
mudança na magistratura que majoritariamente tende a proferir decisões mais

17
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
18
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 23.
19
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
19

rigorosas. Certo é que tanto a Constituição Federal quanto as legislações


infraconstitucionais vêm positivando no sentido de que a prisão provisória e a prisão
pena devem ser consideradas medidas de ultima ratio, demonstrando então uma visão
mais humanista do Direito, pois foi verificado na prática que a lógica encarceradora
não surte bons resultados.

2.2.Últimas alterações legislativas

Ainda que os dados estatísticos revelem um Brasil que encarcera cada dia
mais, vemos tentativas do poder legislativo de alteração desse quadro e renovação das
leis que versam sobre direito penal, mais especificamente sobre os temas envolvendo
prisão. Algumas modificações legislativas foram feitas, mas a mais relevante neste
estudo é a Lei 12.403/2011 que, abordando os casos de prisão e liberdade no processo
penal brasileiro, trouxe diversas inovações de textos de lei, dentre estas um amplo rol
de medidas cautelares alternativas da prisão – o que reforça a tendência de que a
prisão deve ser considerada medida excepcional em nosso ordenamento. Observa-se
que esta nova lei busca pôr fim à prisão “compulsória” e estimula que os casos sejam
analisados individualmente conforme suas especificidades, trazendo em seu bojo bons
fundamentos e instrumentos que possibilitem tal aplicação, sendo necessário agora a
boa vontade do magistrado em aplicá-la.20 Frisa-se: a mudança legislativa não acarreta
necessariamente alteração na prática, é preciso que haja sua efetivação por parte dos
operadores da lei – o grande desafio atual.

Dentre as novas redações de variados artigos do Código de Processo Penal


nota-se que foi introduzido no art. 319 do CPP21 o rol taxativo das medidas cautelares

20
NUCCI, 2013, p. 26.
21
CPP. Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no
prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso
ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III -
proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato,
deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca
quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V -
recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado
tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de
infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça,quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26
do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para
20

alternativas, diversas da prisão, considerado um grande avanço. Essas medidas


representam um meio termo do sistema penal, não sendo o extremo da prisão e nem o
da liberdade, não são aplicadas obrigatoriamente de forma gradual, nem hierárquica a
sua principal função é a adequação ao caso concreto, é servir às demandas da situação
fática. Existe uma diversidade dessas cautelares alternativas, no sentido de que cada
uma tem um perfil que se adequa a determinada exigência do caso. Por exemplo,
algumas servem para averiguar a vida do réu e se este continua disponível e
acompanhando o processo, se ainda colabora com a justiça, outras tem caráter mais
impeditivos, como o de evitar determinada situação (impedir a ida a bares e casas
noturnas) sendo que tais proibições podem ser gradativas – não pode nunca frequentar
o local ou pode frequentar, mas em períodos restritos. Ainda exemplificando algumas
situações, o impedimento de manter contato com determinada pessoa decorre
diretamente da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que busca não permitir que o
agressor entre em contato com a agredida, o que evidencia como esta nova redação da
lei busca atender às especificidades concretas. Neste cenário, as medidas taxadas no
referido artigo são progressistas pro nosso ordenamento e podem resolver inúmeras
situações sem o uso da prisão ou de outras medidas incoerentes com o caso. Ocorre
que, são criticadas sob a ótica da não fiscalização real de seu cumprimento, ou seja, há
um déficit de inspeção da ocorrência dessas determinações judiciais, o que acaba
colocando em questionamento a sua utilização e sua eficácia. As mais impeditivas,
como as que proíbem que o indivíduo frequente determinado lugar são consideradas
extremamente ineficientes, no entanto, são largamente aplicadas.22

Ressalta-se que todas as medidas cautelares são instrumentos que


restringem a liberdade do indivíduo buscando seu acompanhamento e controle,
portanto devem ser utilizadas somente se necessárias e adequadas ao caso concreto,
não é por serem mais brandas do que a prisão que podem ser aplicadas sem critérios
rigorosos. Via de regra o acusado deve aguardar a investigação ou instrução criminal
em liberdade, mas se for imprescindível ao desenrolar do processo fundamenta-se sua
utilização.

assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de


resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica. § 1o (Revogado). § 2o
(Revogado). § 3o (Revogado). § 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo
VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.
22
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 127.
21

Dentre os critérios que ensejam a decretação de medidas cautelares aquele


que mais demonstra sintonia entre os princípios constitucionais e processuais penais é
o da adequabilidade. Este, nada mais é, do que a proporcionalidade entre a medida
decretada e a situação fática, isto é, a pertinência da cautelar para o delito praticado, o
contexto e os fins que pretende assegurar. 23 Evidentemente que a aplicação das
medidas ocorre sob a luz de outros princípios, já citados aqui, no entanto, a adequação
da cautelar ao caso é o que fundamenta a diversidade destas e sua maior eficácia. Os
comentários acerca dos requisitos para decretação das cautelares serão explanados
mais adiante.

As modificações legislativas aqui apresentadas buscaram se alinhar ao que


vêm ocorrendo no mundo, principalmente em países mais próximos culturalmente do
Brasil, como a Itália e Portugal. Busca-se enfatizar especificamente a Lei 12.403/11
que alterou o processo penal cautelar, criando novas possibilidades e viabilizando que
a prisão seja realmente tida em nosso sistema penal como ultima ratio. Ela trouxe
uma atualização da lei que há muito vinha sendo requerida, era extremamente
necessário que nossa legislação penal não ficasse em descompasso com os valores
trazidos pela Constituição de 88. A nova redação da lei infraconstitucional tende a
resguardar prioritariamente o direito à dignidade da pessoa humana, assim como está
inteiramente baseada no princípio de que ninguém deve ser considerado culpado até
que haja sentença condenatória transitada em julgado.

A harmonização das normas penais com as constitucionais é de extrema


importância, a lei aqui comentada não foi a única alteração ocorrida, podendo ser
citadas outras como a própria Lei Maria da Penha de 2006 e a Lei de Drogas, também
deste ano. Mais modificações estão ocorrendo e pode-se dizer que o período
empreendido entre 2005 até os dias atuais é de transição, entra-se em uma nova fase
de se repensar o direito e a quem ele deve servir. A nossa legislação penal data dos
anos 40, em que estava na presidência Getúlio Vargas, na época vivia-se uma ditadura
no Brasil, é possível observar reflexos deste cenário em nosso Código – ou seja, a lei
vigente era absolutamente incondizente com os princípios trazidos pela Constituição

23
NUCCI, 2013, p. 34 – 35.
22

cidadã pós ditadura militar. O que se pretendia, de fato, era a formulação de um novo
código penal e de um novo código de processo penal, tendo em vista seu período em
vigor e o contexto social que diferia imensamente do qual tais normas foram
elaboradas. No entanto, tal reforma completa não se concretizou e optou-se então por
pequenas reformas, que acabaram por modificar bastante as linhas gerais de
entendimento jurídico, formou-se uma colcha de retalhos, de certa forma, mas
preferível isso ao total descompasso. As novas redações foram bastante relevantes,
revogaram alguns institutos, alteraram a utilização de outros já existentes e,
principalmente, implantaram novos, buscando a “humanização” do direito penal.

Interessante notar tal esforço do legislativo e sobretudo dos doutrinadores


em inserir novos olhares sob este campo do direito, especialmente por ganhar cada
vez mais atenção da mídia e de setores da sociedade que antes não se importavam
tanto com tais assuntos. Ocorre que, a questão da segurança pública, intrinsicamente
ligada ao direito penal, é hoje – se não o maior – um dos maiores desafios do Estado
brasileiro, camadas sociais crescem seus anseios nesta área e buscam uma sociedade
mais pacífica. A mentalidade de grande parte da elite do país ainda é de que o método
de punição severa, de penas rigorosas e de rigidez legislativa ainda é o mais eficiente,
entretanto, foi bem sucedida essa alteração da lei deixando-a mais progressista e
alinhada ao que se verifica em estudos de todo o mundo.

Mais uma vez contraditório o nosso país, aquele que faz reformas visando
uma lei penal mais cidadã e flexível – já que constatado que a rigorosidade de
punições não é eficiente – é o mesmo que aprovou maciçamente a lei de crimes
hediondos e que ainda glorificou uma lei de drogas absolutamente severa. Ora, nota-
se um viés ainda bastante retrógrado, no sentido de enrijecimento de leis e punições
abusivas, no entanto, as reformas ocorridas com a Lei 12.304/11 também são aceitas
nesse mesmo cenário social. De rigor que a renovação de normas continue ocorrendo
e ganhando forças em movimentos que reflitam sobre e busquem melhorias para a
realidade do Brasil, adequados às demandas sociais e, essencialmente, educando as
pessoas, esclarecendo pontos talvez controversos na mente de muitos brasileiros.
Evite-se o pensamento de massa desinformado ou as manobras políticas hoje
observadas, é imperioso que todos tenham conhecimento de assuntos que interessam à
23

população em geral e possam ter opiniões sólidas formadas sobre tais, desta forma, é
possível construir um país melhor para todos.

Nesta primeira parte do trabalho então, buscou-se abordar matérias mais


genéricas, numa visão macro, e mostrar as bases das medidas cautelares,
principalmente a prisão preventiva, que tem como pilar maior a Constituição Federal.
Dentre desse mesmo diploma, encontra-se os princípios fundamentais do cidadão, que
quando analisados sob a ótica da preventiva, se chocam em diversos momentos:
segurança pública versus liberdade individual, por exemplo, ou mesmo o devido
processo legal versus dignidade da pessoa humana. Em que medida é válido assegurar
o devido processo legal, em detrimento da liberdade do indivíduo ou como lidar com
a situação do policiamento em nosso país e o ritmo crescente em que ocorrem as
prisões preventivas, são temas em que há muito a se debater. Enfim, o quadro geral
das cautelares é o acima exposto e mais adiante abordaremos áreas mais específicas,
visando setorizar o debate aqui travado.
24

3. PRISÃO PREVENTIVA E SEUS DESDOBRAMENTOS


PRÁTICOS

Atualmente, o que se nota, são críticas ao movimento encarcerador, o Brasil


viveu um período em que muito se prendia, tanto que chegamos a 3ª população
carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China – ultrapassamos a
Rússia recentemente e em 2014 somávamos 711.463 detentos. 24 Tal modelo de
aprisionamento não obteve o resultado esperado, pelo contrário, o crime organizado
tem um poder crescente, a violência social aumenta em ritmo exponencial e os índices
de reincidência continuam altos. Consequência dessa mentalidade, os presídios estão
superlotados funcionando com capacidade muito acima do que poderiam atender e a
situação parece um barril de pólvoras prestes a estourar, medidas alternativas à prisão
vêm se difundindo no país visando salvar este cenário insustentável. A prisão
preventiva, há anos atrás, era regra nos processos criminais, tanto que se fazia
obrigatória em alguns casos, recentemente a legislação foi modificada e enfatizou
firmemente que se trata de medida de ultima ratio, no entanto, na prática essa
alteração pouco se verifica. Conforme se extrai da obra Prisão, Liberdade e Medidas
Cautelares no Processo Penal, as reformas introduzidas pela Lei n° 12.403/11
comentadas artigo por artigo25:

Restou evidente a preocupação da lei nova com as lamentáveis condições


de encarceramento no Brasil e sua banalização. Não só são lastimáveis –
para dizer o mínimo – as condições concretas em que alguém aguarda
preso o seu julgamento no Brasil, como também prende-se “por pouco” e
em ritmo acelerado, sem precedentes na história do Brasil (e do mundo).
Por isso, como dizia Alessandro Baratta, tornou-se imperioso pensar em
dispositivos penais desencarceradores como forma de implementar uma
política criminal radicalmente alternativa, minimizando a clássica
incidência penal trágica sobre a classe social marginal seletivamente
alcançada na esmagadora maioria dos casos de encarceramento.

Sabe-se que penas mais rigorosas não significam um sistema penal melhor,
mais eficiente, em que os réus dificilmente voltem a cometer novos delitos, para os
leigos tal raciocínio faz sentido, no entanto, não é o que se verifica e nem o que
defendem os estudiosos deste assunto. A dureza das penas não significa uma melhoria
no sistema criminal e nem reflete em bons resultados para a sociedade, ao invés disso,

24
Pesquisa do CNJ divulgada em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61762-cnj-divulga-dados-sobre-
nova-populacao-carceraria-brasileira> . Acesso em: 20 ago. 2015.
25
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 22.
25

as penas mais brandas e melhor aplicadas têm se demonstrado mais eficazes e


adequadas para a recuperação de um indivíduo que se encontra no “mundo do crime”.
De rigor, que a prisão preventiva se consolide como cautelar excepcional do sistema,
como último instrumento a ser utilizado contra o acusado, que deve antes
experimentar as demais medidas alternativas à detenção, incluídas pela Lei 12.403/11.
Assim, se popularizariam as medidas diversas que são ajustáveis proporcionando
maior adequabilidade ao caso, surtindo muitas vezes efeitos mais céleres e menos
gravosos ao indivíduo e ao seu núcleo familiar. Em 2012, 38% dos presos estavam
aguardando julgamento, ou seja, eram provisórios, o que se questiona é se todo este
montante realmente precisaria estar atrás das grades e se obedecem aos requisitos do
art. 282 do CPP. Frequente notar casos em que a pessoa já está “condenada” antes
mesmo de seu julgamento, não condenada judicialmente, mas pelas mentes daqueles
que operam o direito. Os que sentenciam são aqueles que definem como se aplicará o
texto da lei, assim, deveria ser quem coloca em prática as mudanças mais
progressistas, e que modificam gradualmente o cenário social e de violência que não é
dos melhores. A alteração legislativa pura, sem que haja concretização prática da nova
ordem, de nada serve, pois um texto legal excelente não traz melhorias sociais,
necessário que os julgadores apliquem essas inovações que vieram para o bem.

A violência urbana é hoje um dos maiores problemas brasileiros e a análise do


sistema carcerário tem íntima relação com essa realidade. O encarceramento está
intrinsicamente ligado a inúmeros fatores, primeiramente propõe-se que se invista em
métodos profiláticos principalmente com adolescentes evitando-se que se iniciem na
prática de delitos e que aprendam como funciona a “empresa” do crime – por
exemplo, investir em escolas e oportunidades para aqueles que se encontram em
situação de vulnerabilidade ao cometimento de delitos. Além disso, deve-se optar por
formas diversas da prisão no período de medidas cautelares e mesmo na fase de
execução, formas alternativas devem ser priorizadas por se mostrarem mais efetivas
se aplicadas corretamente. Após a condenação, a reinserção do ex-detento na
sociedade também é outro problema, pois deixa o caminho livre para que seja
reincidente, tendo em vista que muitas vezes não consegue se inserir no mercado de
trabalho e acaba perdendo a trama social da qual fazia parte. Vê-se, então, que esta
problemática não trata de um ponto específico e, sim, de todo um sistema que é falho
no que se refere à educação, segurança pública e aos demais elementos que poderiam
26

evitar que um indivíduo cometesse delitos – somando-se a isso a forma como se lida
com os presos e como são tratados pela sociedade após cumprirem penas. Uma teia de
relações público-privadas sustentam essa realidade, sendo o grande entrave a falta de
interesse tanto do Estado quanto da sociedade para efetuar melhorias nessa área
social.

A crescente prática de linchamentos verificada nos anos de 2014 e 2015


evidencia uma população absolutamente insatisfeita com o sistema judiciário penal
brasileiro e, principalmente, com seus métodos de punição. O Brasil é conhecido por
muitos como a país da impunidade, em que a justiça não funciona, esquece-se que
para as camadas mais baixas da sociedade esse sistema funciona sim, quem passa
impune, na grande maioria das vezes, são aqueles que praticam os chamados crimes
“do colarinho branco”. Para os mais pobres, a regra é o medo da polícia militar, o
temor em ser confundido com alguém que cometeu um crime, sendo que agora a
“punição” pode vir tanto do Estado (que deveria deter esse monopólio da força e da
aplicação da pena ao indivíduo) quanto da sociedade que se acha empoderada no
direito de punir alguém que suspostamente cometeu um crime – caindo por terra todos
os princípios constitucionalmente assegurados ao cidadão. Ora, a discussão aqui não
tem interesse em se aprofundar nesse mérito, o exemplo foi trazido à baila apenas
para mostrar como a sociedade está descrente do sistema criminal e como isso afeta as
formas de penalização que são impostas aos indivíduos.

Dificultoso à sociedade compreender que, para que as taxas de violência


comecem a declinar e o Estado passe a punir devidamente aqueles que cometeram
atos infracionais, pondo fim a esta ideia de impunidade, mudanças profundas no
pensamento dos cidadãos devem ser realizadas. Querer se livrar do problema
colocando os indivíduos que cometeram crimes em um local fechado, privando sua
liberdade e obrigando que vivam em condições sub-humanas, não está solucionando
qualquer tensão social, no entanto, é mais cômodo coloca-los em um lugar em que
fiquem presos, sem ninguém vê-los, do que tentar dar um tratamento digno a essas
pessoas. O caminho para esta mudança não é realmente fácil, é complexo e de longo
prazo, desta forma, não desperta interesse do Estado, pois não angaria votos, não são
obras bonitas como estádios e nem são medidas populares – pois a sociedade em geral
ainda quer ver os presos apodrecendo nas cadeias, dar um tratamento humano a eles é
27

considerado um absurdo para alguns. Assim, tendo em vista esse contexto social que
encontramos no Brasil e sabendo que irá demorar para que as penas privativas de
liberdade sejam minoria e efetuadas de forma digna, respeitando aqueles indivíduos,
analisaremos como são aplicadas as medidas cautelares privativas de liberdade, quais
critérios a ensejam e se haveriam alternativas. Se após a condenação estar na cadeia já
é uma situação horrorosa, tendo em vista o contexto a que são submetidos, viver nela
antes do julgamento é uma realidade que merece atenção, questionamentos e
evidentemente sempre almejando melhorias. Não se trata exatamente do mesmo lugar,
pois é obrigado por lei que aquele que espera sentença esteja preso em local diferente
do que já cumpre execução26, no entanto, na prática as condições são extremamente
ruins em ambos os casos. Essa normativa se instaurou após a alteração de 2011, antes
dela essa separação entre os presos só era realizada quando fosse possível, agora é
obrigatória e essencial, pois não é aceitável que alguém que nem mesmo recebeu uma
sentença judicial esteja exatamente nas mesmas condições daqueles que já cumprem
penas. Tanto nos centros de detenção provisória, quando nas penitenciárias o quadro
geral fere a dignidade humana, no entanto, nos primeiros há um caráter de
transitoriedade que acaba não permitindo que as facções se consolidem com tanta
força e também são menores, as condições são críticas, porém menos do que nas
penitenciárias. A obrigatoriedade na separação desses presos foi um avanço
considerável trazido pela alteração legislativa de 2011.

3.1. Critérios que ensejam a decretação da preventiva

A decretação de medidas cautelares obedece a alguns pressupostos básicos que


são comuns a toda e qualquer espécie destas, seja a prisão preventiva, a temporária, as
formas alternativas da prisão implantadas pela Lei 12.304/11 ou mesmo a liberdade
provisória. Iniciando esta análise parte-se dos conceitos de fumus comissi delicti e
periculum libertatis: o primeiro consiste na probabilidade de que o acusado seja o
autor do delito, após apurado por inquérito policial ou instrução criminal que
evidenciem indícios suficientemente razoáveis, também sendo necessária a prova de

26
Art. 300, CPP: As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem
definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal. Parágrafo único. O militar preso
em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição
a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes.
28

que o crime realmente aconteceu, ou seja, a materialidade do delito – ambos os


princípios não são citados especificamente no art. 282 do CPP, no entanto, são
rigorosamente necessários para a decretação de qualquer medida cautelar. Quanto ao
periculum libertatis, refere-se aos indícios de que o acusado, se em liberdade,
colocaria em risco o devido andamento do inquérito, do processo criminal ou mesmo
afetaria a paz social em geral – abrange nesta análise a gravidade do crime, as
circunstâncias do fato e as condições pessoais do réu. 27 Ocorre que, a prisão
preventiva deve obedecer a alguns requisitos específicos, por se tratar de medida
extrema na fase do processo de conhecimento, assim está presente no art. 312 do CPP
o rol taxativo dos pressupostos para que seja decretada. Neste rol consta a garantia da
ordem social, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, isso quando houverem provas da existência do
crime e indícios suficientes de autoria – sendo estes últimos incluídos no fumus
comissi delicti já abordado. A problemática se estabelece quando se questiona o que é
exatamente garantir a ordem social, como pode-se buscar por critérios menos
subjetivos, levando então à grande discussão desse trabalho.

Para que se aplique a preventiva são necessários ao menos 3 fatores


concomitantes: a prova da existência do crime (materialidade), o indício suficiente de
autoria e, por fim, a garantia da ordem pública ou garantia da ordem econômica ou
por conveniência da instrução criminal ou, ainda, para garantir a aplicação da lei
penal. Assim, os últimos fatores citados do referido artigo são alternativos, mas
devem necessariamente estar unidos aos outros 2 primeiramente mencionados. Por
ordem pública tem se entendido como a segurança pública, que envolve critérios
básicos como a gravidade concreta do crime, a repercussão geral de tal fato, a forma
como foi executado, as condições pessoais do autor e o envolvimento de mais pessoas
como quadrilhas ou organizações criminosas, sendo que tais elementos não são
cumulativos. A repercussão social aqui abordada não se refere unicamente ao clamor
midiático, mas também ao que o agente tramou, a premeditação do crime, assim como
a verificação de requintes de crueldade que acabam por gerar uma repulsa social. As
ditas condições pessoais negativas seriam a personalidade do réu, os antecedentes
criminais e a conduta social habitual do indivíduo que podem revelar sua

27
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 41-42.
29

periculosidade. Ainda que o acusado seja primário, de bons antecedentes, com


emprego registrado em carteira de trabalho e tenha residência fixa, não está imune à
prisão preventiva, se constatados os requisitos específicos para sua decretação – mas o
simples fato de não ter emprego registrado e nem residência fixa não podem embasar
a preventiva. Nucci acredita que o artigo é repetitivo quando cita a ordem social e a
econômica, pois entende que afetar a ordem econômica consequentemente se reflete
na esfera social.28

Grande relativização pode ser observada quando se refere ao requisito de


garantia da ordem social, pois de difícil definição o que se entende por este conceito,
podendo estar nele inseridas situações bastante diversas. Tal termo é uma expressão
genérica, sendo que para o entendimento de grande parte dos doutrinadores a
decretação de uma medida entendida como ultima ratio no sistema penal não poderia
estar baseada em conceito tão amplo e vago. Verifica-se rotineiramente que os
operadores da lei acabam por justificar suas decisões neste requisito, sendo que pouco
se importam em defini-lo de forma mais restrita e buscando alcançar sua
adequabilidade ao caso, em que medida naquele contexto específico se busca garantir
a paz na sociedade – o porquê aquele cidadão em liberdade poderia afetar a ordem
social. A discussão em torno do que seria “garantir a ordem social e econômica” é
longa e ainda nos dias atuais causa bastante polêmica. A flexibilização do conceito de
ordem social e econômica incomoda alguns juristas, inclusive levando alguns mais
rigorosos a não aceitar tal motivação se realizada de forma genérica.

A ordem pública consiste na soma da gravidade do delito com o abalo social


por ele ocasionada, para Nucci 29 , mas característica geral a todas as tentativas de
elaboração do que seria este conceito, é o elemento da possibilidade de reiteração
criminosa, confundindo-se este com a própria ordem pública. O que costuma ser
considerado de forma relevante é a folha de antecedentes do acusado, ocorrendo de
forma recorrente uma pena infinita ao réu, que ainda que já tenha respondido e

28
NUCCI, 2013, p. 94-95.
29
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2009. p. 626-267.
30

cumprido a pena, sob seu espectro será observado para o resto da vida. Expôs
Carneluti30, com brilhantismo, a infelicidade do estigma acompanhar o acusado:

A crueldade está em pensar que, tal como foi, deve continuar sendo. A
sociedade crava em cada um o seu passado. (...) as pessoas creem que o
processo penal termina com a condenação, e não é verdade; as pessoas
creem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as
pessoas creem que o ergástulo é a única pena perpétua e não é verdade. A
pena, se não propriamente sempre, em nove de cada dez casos não termina
nunca. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.

Acredita-se que a preventiva seja mais um elemento dos tempos modernos, em


que impera a velocidade, o imediatismo e a transitoriedade, ocorre que esta cautelar,
ainda que transitória pode vir a ser devastadora na vida de uma pessoa. Baldez Kato31
afirma que, o princípio da legalidade é agredido quando se aceita a prisão com base na
garantia de ordem pública, pois este conceito é subjetivo, indefinido e amplo demais.
Nestas situações se verificam prisões arbitrárias, desrespeitando os direitos
fundamentais do cidadão e dando legitimidade à decisões ilegais e injustas – ainda
que o senso de justiça das pessoas seja variável.

A situação é agravada quando envolvido o clamor público e a repercussão


midiática do crime, o ser humano tem a extrema necessidade de encontrar um culpado
para os atos que o afetam de alguma forma. O sensacionalismo da mídia ou até
mesmo a distorção dos fatos constitutivos do delito são comuns de acontecer,
inclusive causando a sensação de serem cada vez mais frequentes e receberem maior
atenção do público. A fundamentação de uma prisão na ordem social está diretamente
relacionada a este fenômeno, pois o povo quer uma punição imediata ao acusado,
havendo uma necessidade instantânea e midiática de segurança social. Visa-se
assegurar à sociedade que as instituições são realmente comprometidas a reprimir
delitos e que estas efetivamente funcionam de forma eficiente e célere.

O critério referente à conveniência da instrução criminal é restrito, pois só tem


razão de ser se o réu houver efetivamente influenciado ou tentado influenciar na
produção de provas, ou seja, se ele atrapalhar ou impedir a colheita de provas no
regular trâmite processual. Já a garantia da aplicação da lei penal tem relação com a

30
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Pillares, 2009. p. 113 - 117
31
BALDEZ KATO, Maria Ignez Lanzellotti. A (des)razão da prisão provisória. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p.117.
31

possibilidade de fuga do réu, não se concretizando então a sanção penal, caso seja
considerado culpado – erroneamente é muitas vezes baseado em mera presunção,
sendo que são necessários dados reais que o embasassem. O STJ entende que o fato
de ser foragido já é suficiente para ensejar a decretação da preventiva.32 Por fim, o
parágrafo único do art. 312 do CPP prevê que seja decretada a preventiva caso haja
descumprimento das cautelares alternativas, desempenhando nesse caso um caráter
intimidativo e visando que se cumpram as demais medidas.

Ainda versando sobre o conceito de ordem social, Tourinho Filho acredita que
este se confunde com a paz social e por ser vago, dá ao juiz um poder imenso,
possibilitando que a decisão seja baseada nas convicções pessoais do julgador. Alerta
também que ter a mídia como um regulador daquilo que afeta ou não a ordem pública,
ou seja, pautar-se nela para reconhecer a repercussão e necessidade de sanção
imediata é um absurdo, pois esta forma de prisão ficaria a critério dos veículos de
comunicação, o que é repudiável de acordo com o bom Direito. 33 A corrente que
buscamos expor até aqui entende ser o fundamento da ordem pública inconstitucional,
pois considerando-se a amplitude dessa expressão, na realidade o magistrado pode
decretar a prisão preventiva sempre que desejar, ficando a cargo da subjetividade do
aplicador do Direito.

A prisão preventiva, segundo o art. 313 do CPP, só é cabível para crimes


dolosos com pena privativa de liberdade máxima cominada superior a 4 anos ou
quando o acusado é reincidente em crime doloso - isso se a primeira condenação em
crime doloso já houver transitado em julgado e ressalvado o art. 64, inciso I do CP,
segundo o qual há caducidade em 5 anos da ação transitada em julgado para definição
de reincidência. Caso a recidiva se dê em crimes culposos ou caso o primeiro crime
seja culposo e o segundo doloso ou vice-versa, não se aplica a decretação da
preventiva com este embasamento. O inciso III foi introduzido pela Lei Maria da
Penha e é aplicável a crimes cometidos contra a criança, adolescente, idoso, enfermo
ou pessoa com deficiência visando neste caso assegurar a execução das medidas
protetivas de urgência. Nesta situação, a preventiva só tem fundamento enquanto

32
NUCCI, 2009, p. 94.
33
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
32

houver a medida protetiva, ela não tem duração indefinida e nem é necessário que
perdure todo o desenrolar da instrução criminal, cessada a protetiva, cessa a
preventiva. Já o parágrafo único tem outra função, refere-se à situação em que ocorre
dúvida quanto a identidade civil do acusado ou caso este não forneça elementos
suficientes para que este procedimento se realize. Serve como uma forma de
pressionar o indivíduo a colaborar com sua identificação, assim que esclarecida a
situação o réu deverá ser colocado em liberdade, exceto se presentes os requisitos do
art. 312 do CPP – caso o réu não colabore para sua identificação, Nucci entende que
pode ser responsabilizado pelo crime de desobediência.34

A prisão preventiva ainda pode ser aplicada se houver descumprimento de


medida cautelar alternativa, como previsto no art. 282, §4° do CPP35, esse ponto, no
entanto, é controverso. Isto porque, existem 2 posicionamentos: i) a prisão preventiva
só pode ser decretada para crimes dolosos, com pena superior a 4 anos, reincidentes
em crimes dolosos ou violência doméstica e familiar, em qualquer situação esses
critérios devem ser obedecidos; ii) a prisão preventiva pode ser decretada para todos
os tipos de delitos, tanto os taxados em lei, quanto àqueles em que houver
descumprimento de obrigação imposta pela cautelar alternativa. Para Guilherme de
Souza Nucci, a segunda opção é mais coerente, pois assim dá-se maior credibilidade
às cautelares alternativas, viabilizando a aplicação da preventiva para qualquer delito
– por exemplo, delitos em que de primeiro momento a preventiva não se aplicaria, no
entanto, se descumprida medida alternativa, a prisão poderá ser decretada. Esta
questão é muito relevante, a visão de Nucci expande significativamente os casos em
que se aplicaria a preventiva, mas a fundamentação no aumento da credibilidade das
cautelares alternativas é muito importante. As medidas cautelares diversas da prisão
ainda são vistas como brandas demais e por não haver a devida fiscalização são
corriqueiramente descumpridas, utilizar o temor de ser encarcerado para que sejam
vistas com maior seriedade é uma forma interessante de se fazer cumpri-las, tendo em
vista que a fiscalização não está em vias de ser eficiente.

34
NUCCI, 2009, p. 98.
35
PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. O Supremo Tribunal Federal e o prazo
razoável da prisão preventiva. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=7810&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 30 jul.
2015.
33

Existem casos em que ocorre a vedação à preventiva, quando presentes as


excludentes de ilicitudes, por exemplo, o estado de necessidade, a legítima defesa, o
exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal. Assim sendo,
considerando o contexto em que ocorre a ação, pode estar presente uma excludente de
ilicitude que impeça a aplicação da prisão cautelar, considerando que os elementos
que estariam sob análise não são ilícitos por seguirem regras próprias.

Não mais sobre as possibilidades de cabimento da preventiva, mas sobre as


formalidades no momento de sua decretação, é válido ressaltar o princípio da
motivação das decisões, que tem valor especial para esta cautelar. O art. 315 do CPP é
claro ao positivar que a decisão que decretar, denegar ou substituir a prisão preventiva
deverá ser sempre motivada, no entanto, pouco se observa essa determinação em
prática. Ocorre com frequênciaa indiferença de certos juízes ao referido princípio,
proferindo decisões sem quaisquer justificativas ou com fundamentos extremamente
genéricos que se aplicariam a situações totalmente distintas. Para Nucci, a motivação
deve ser sucinta e objetiva, o que não pode se confundir com deixar de fazê-la, nem
tampouco justifica-la simplesmente com um requisito qualquer do art. 312 do CPP,
como a garantia da ordem pública – conceito bastante amplo e que traz forte carga
subjetiva, como já supracitado – o ideal é que hajam pressupostos fáticos na
fundamentação da decisão. 36 Neste artigo, em conjunto com o §5° do art. 282 do
mesmo diploma legal, se observa a provisoriedade das cautelares, podendo o juiz
decretá-la, revoga-la ou substitui-la, se o suporte fático que ensejou sua decretação se
alterar ou deixar de existir, não há razão em sua manutenção, tem então caráter
provisório e segue o que ocorrer no desenrolar do processo, por isso extremamente
atrelado aos acontecimentos individuais de cada caso. Ambos os pontos aqui
abordados reforçam a necessidade de se aplicar as medidas ao caso de acordo com
suas peculiaridades, tanto a motivação deve ser extremamente única àquele contexto,
quanto à decisão de manutenção ou não da medida devem acompanhar de perto os
fatos que ocorrem no desenrolar do procedimento.

Por fim, mas fundamental é especificar quem, presentes os


requisitosanalisados, pode decretar a prisão preventiva. Baseando-se no art. 311 do

36
NUCCI, 2009, p.103.
34

CPP vê-se que a decretação das medidas cautelares pode ocorrer em qualquer fase da
investigação policial ou do processo penal, sendo decretada pelo juiz, de ofício -
quando no curso da ação penal - ou a requerimento do Ministério Público, do
querelante ou do assistente, ou ainda por representação da autoridade policial.
Esclarece-se que na fase de investigação criminal o juiz não pode decretar a cautelar
de ofício, apenas quando provocado pelas partes acima mencionadas, no entanto, pode
agir de ofício nessa situação para revogar a cautelar. 37 Guilherme de Souza Nucci
sustenta o entendimento de que “essa restrição merece aplauso; quanto menos o juiz
atuar, de ofício, na fase policial, mais adequado para manter sua imparcialidade”.38
Importante lembrar que por restringirem a liberdade do indivíduo as medidas
cautelares não podem ser aplicadas à delitos que não tenham como pena em abstrato a
pena privativa de liberdade, portanto, não se aplicam às contravenções penais e nem
aos crimes em que a pena seja unicamente a restritiva de direitos.

O cabimento da prisão preventiva depende da verificação de fatores


específicos, presentes no rol taxativo do art. 312 do CPP em conjunto com o que
dispõe o art. 313 do mesmo diploma legal. No art. 282 do CPP, encontram-se os
pressupostos para a decretação das cautelares, em geral, enquanto o artigo que trata
unicamente da preventiva caracteriza seu uso como ultima ratio. A problemática
levantada se refere aos termos generalistas usados para definir os requisitos para
cabimento da preventiva, como a “garantia da ordem social”. Ora, não se sabe a
definição exata desse termo, nem o que pode ser entendido como tal, trata-se de
requisito extremamente relativo. Acredita-se que a interpretação extensiva desses
termos pode viabilizar a preventiva em casos que não haveria razão em utiliza-la,
deixando de ter seu caráter de medida absolutamente extrema e viabilizando seu uso
em larga escala, como se verifica atualmente. A motivação da decisão não poderia ser
apenas o termo genérico, deveriam ser expostos elementos que se adequem
verdadeiramente ao caso, especificidades casuísticas que ensejam a decretação da
medida.

3.2. Prazo razoável de duração da prisão preventiva

37
Ibidem, p. 39.
38
Ibidem, p. 36.
35

A prisão cautelar não tem prazo definido em lei, exceto a temporária, o que faz
com que se estenda durante todo o decorrer do processo penal. Sabemos que a justiça
brasileira anda a passos lentos e é inaceitável que alguém se encontre preso a mercê
do demorado desenrolar do rito processual. É necessário que o ritmo do judiciário seja
célere, evitando-se o cumprimento de pena antecipado, situação que não é rara – o
limite entre a cautelar e a antecipação da pena é bastante tênue. A duração excessiva
da medida afronta princípios constitucionais, como o da presunção de inocência,
antecipando-se a pena daquele que ainda nem mesmo foi julgado. Alguns critérios são
utilizados para se estabelecer o prazo da prisão cautelar: a razoabilidade e a
proporcionalidade. 39 A primeira considera o rito processual, a eficiência da vara
perante a qual corre a ação, como o juiz atua (se tem o costuma de procrastinar o
andamento do processo, por exemplo) e a avaliação do número de réus e seus
defensores, sendo este um fator que contribui consideravelmente para a lentidão
processual. O segundo, consiste na análise da gravidade concreta do crime, das penas
cominadas e das condições pessoais do réu. Considera-se também se a pena que seria
aplicada ao caso é grande, tendo em vista que o excesso de prazo de duração da
preventiva só pode ser considerado se houver um parâmetro ao qual se compare. É
relativo a um montante total, por exemplo, se a pena final seria de 30 anos a prisão
cautelar de 6 meses não é abusiva, mas se a pena final for de 1 ano, 6 meses é
abusivo. Importante ressaltar nesta análise a seguinte jurisprudência do STJ:

Prisão cautelar. Excesso de prazo. Pronúncia. Súmula 21/STJ. A


jurisprudência deste Sodalício tem abrandado a orientação da Súmula
21/STJ, pois a manutenção prolongada da prisão provisória, sem
justificativas fáticas e processuais idôneas, retira-lhe o caráter transitório e
lança a medida cautelar à borda da definitividade, em franca violação ao
princípio da presunção de inocência.40

O julgado então evidencia que caso a prisão cautelar se estenda por período
entendido como excessivo, em relação à pena final possivelmente aplicada ao delito,
caracteriza-se a situação de constrangimento ilegal, ferindo-se os direitos do cidadão
garantidos na Constituição Federal.

39
NUCCI, 2009, p. 105
40
Julgado do STJ.HC 228.226-SP, 6ª T., v.u., rel. Min. Vasco Della Giustina. Data julgamento:
17.04.2012.
36

Para evitar a ocorrência dessa duração abusiva da medida cautelar restritiva de


liberdade do indivíduo, havia um §7° no projeto da nova redação do art. 282 do CPP
que previa que a medida constritiva deveria ser reavaliada pelo magistrado a cada 60
dias, visava-se com isso evitar que o processo do acusado ficasse “esquecido nas
prateleiras dos cartórios”41 – acontece que tal dispositivo não foi aprovado na Câmara
dos Deputados. Hoje, cabe ao bom senso do magistrado, fazer com que o processo de
conhecimento em que haja réu preso se resolva de forma mais célere. Cláudio do
Prado Amaral traz entendimento neste mesmo sentido, de que se evitem excessos para
que não haja consequências prejudiciais ao réu que responde o processo encarcerado.
Segundo ele, o sistema penal reativo deve basear-se na racionalidade, não excedendo
os limites do que for necessário e adequado para que aquela ação receba a justa
resposta, sendo esta suficiente e adequada. 42 O mesmo autor expõe narrativa a
respeito do princípio da proporcionalidade, que é conhecido como o “princípio dos
princípios”, pois este desenvolve papel fundamental no equilíbrio entre os direitos
individuais e o direito de punir do Estado. 43 Assim, a proporcionalidade é o ponto
essencial para que não ocorram exageros e, ao mesmo tempo, garante o direito do
Estado em agir constringindo a liberdade do acusado. O mesmo que legitima o
Estado, defende o cidadão, sendo um princípio então de dupla face, que é
responsabilizado por esse ponto de equilíbrio bastante difícil de ser encontrado, em
alguns casos. Inclusive, consta na obra Prisão, Liberdade e Medidas Cautelares no
Processo Penal o seguinte dizer: “O quase insustentável equilíbrio entre os direitos
individuais e o direito de punir do Estado terá no princípio da proporcionalidade pilar
fundamental”.44

Há, então, uma “brecha” na legislação pátria que não estabelece um limite à
duração da prisão preventiva. A jurisprudência brasileira, visando solucionar esta
questão, estabeleceu o prazo limite de 81 dias para a conclusão da instrução criminal e
com o mesmo objetivo algumas súmulas foram elaboradas para consolidar esse
entendimento. Súmula n°21 do STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do
constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”, no entanto o
mesmo órgão colegiado disciplinou que “não constitui constrangimento ilegal o

41
NUCCI, 2009, p. 40.
42
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit., p. 34.
43
Ibidem.
44
Ibidem.
37

excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa” – ou seja, se a duração do


processo não for rápida em razão da atuação da defesa, não pode ser alegado
constrangimento ilegal, tendo em vista que a mesma parte constrangida é a que está
dificultando o andamento processual. Já a Súmula n° 52 do STJ traz que “encerrada a
instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de
prazo”, assim havendo uma sentença criminal, não mais pode ser alegado o
constrangimento ilegal, em caso de condenação já é iniciado o cumprimento da pena.
Ainda que houvesse grande discussão a respeito do excesso de prazo da prisão
preventiva e mesmo as súmulas do Superior Tribunal de Justiça tentando pacificar o
entendimento, a jurisprudência já adotava o prazo de 81 dias levando em consideração
os aspectos acima mencionados – não havia norma legal prevendo esse prazo exato.
Ocorre que, com a reforma processual de 2008, os procedimentos do processo penal
tiveram seus prazos alterados e então perdeu o sentido o antigo prazo estipulado.
Desta forma, foi reaberta a discussão a respeito do prazo excessivo da prisão cautelar,
inexistindo hoje um regramento ou entendimento jurisprudencial que determine
quantitativamente o que caracterizaria tal excesso.45

O Supremo Tribunal Federal atribuiu ao princípio da razoabilidade o papel


fundamental de definir se há ou não o constrangimento ilegal no caso dessas medidas
cautelares, isto porque como guardião maior da Constituição, também é o responsável
por assegurar os princípios essenciais nela contidos. Ainda após a reforma de 2008,
realizada pelas Leis 11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08, persistiu a lacuna referente ao
prazo de duração da preventiva e, como essas normas trouxeram novos procedimentos
e novos prazos, o período de 81 dias consolidado pelo STJ perdeu a razão de ser. As
alterações legais foram realizadas a fim de aumentar a eficiência e velocidade do
processo criminal, em consequência perdeu-se esse parâmetro quantitativo e o que
temos por base hoje é um princípio bastante relativizado. Absolutamente necessário
que seja aprovado um novo código penal brasileiro, tendo em vista que o agora
vigente é datado dos anos 40 e desde então muitas mudanças ocorreram no nosso país.
Em razão de ser uma norma antiga, acabou sofrendo muitas alterações e hoje trata-se
de verdadeira colcha de retalhos, em que aos poucos foram ocorrendo ajustes, quando
na verdade o necessário seria uma reformulação total. Assim, neste projeto deveria se

45
PEREIRA; MEZZALIRA, op. cit.
38

incluir uma limitação mais objetiva à duração da prisão cautelar preventiva, tendo em
vista os excessos facilmente verificáveis na prática, tal discussão será aprofundada
mais adiante.

Complicado se auferir quando uma prisão provisória está sendo excessiva,


muitos sustentam que o prazo limite da medida cautelar que restringe a liberdade do
indivíduo deva ser a somatória de todos os prazos de procedimentos previstos no
processo penal. No entanto, com os novos procedimentos previstos e a possibilidade
de uma gama de recursos, difícil determinar quantitativamente este período. Assim, o
que tem sido utilizado são realmente os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, mas são estes extremamente subjetivos. O que pode ser razoável
para uma pessoa, para outra não é, evidentemente que situações extremas são de
entendimento quase que unânime, no entanto, o que mais ocorre no dia-a-dia são
contextos em que a linha é tênue e a arbitrariedade do juiz é fundamental para a
definição do caso. A questão consiste em saber se é cabível depositar em um elemento
tão subjetivo o direito do indivíduo de estar ou não em liberdade, colocar alguém
encarcerado no sistema criminal brasileiro hoje, é uma medida que pode arruinar para
sempre a vida de uma pessoa.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, este instituto aqui empregado visa


proibir que a violência exercida como medida de coerção seja maior que aquela que
poderá eventualmente ser exercida com a aplicação da pena, caso haja condenação.
Por isso que, no art. 313 do CPP temos que a preventiva só poderá ser decretada nos
crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos, se
tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitado em julgado
(excepcionando o disposto no inc. I, do caput do art. 64 do CP) ou ainda se o crime
envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso,
enfermo ou pessoa com deficiência visando garantir a execução das medidas
protetivas de urgência. Basicamente, temos estas condições para a aplicação da prisão
cautelar, pois devido à proporcionalidade, ela não poderia ser aplicada à crime com
pena branda, sendo que não seria proporcional o réu responder preso, sendo que após
condenação somente haverá restritiva de direitos, por exemplo. Foi trazido ao Direito
Penal explicitamente o princípio da proporcionalidade para fundamentar a decretação
de toda e qualquer medida cautelar, então, o sistema penal reativo deve basear-se na
39

racionalidade, de forma a não exceder os limites do que for estritamente necessário e


adequado para que determinada ação receba a justa resposta, sendo assim suficiente
para suprir as demandas do caso.

Debate-se então, qual seria a duração necessária da prisão preventiva, pois o


legislador não se manifestou sobre esse tema nas emendas recentes que fez na
legislação. O julgador é que tem a função de definir esses limites, como já exposto, de
acordo com seu entendimento de periculum libertatis. Parte da doutrina sustenta que o
ideal seria definir numericamente esse limite temporal, a fim de que se evitem
excessos, no entanto, quantificar comumente leva a erros quando se visa atender às
necessidades específicas. A posição predominante então é de que a prisão cautelar
deve durar o tempo rigorosamente necessário e indispensável para que se concretize o
fim ao qual serve a privação da liberdade do indivíduo, isto é o que entende a maioria,
não se definindo critérios objetivos – na visão de Cláudio do Prado Amaral, essa
afirmação da doutrina majoritária deixa a desejar, por não definir elementos
específicos.46

Deve-se considerar que se na esfera da persecutio criminis os interesses penais


e investigativos do Estado se alinham, não se pode valoriza-los em detrimento dos
interesses daqueles que sofrem as consequências das medidas restritivas. É
essencialmente do sopesamento desses valores que se chega à medida mais adequada
e necessária ao caso. O princípio da razoabilidade é também conhecido como o
princípio da proibição do excesso, isso porque com base nele que é possível conter os
excessos do poder público sendo um obstáculo aos atos irrazoáveis. Por ser a medida
coercitiva pessoal a mais rigorosa intervenção estatal que o indivíduo pode sofrer, não
pode de forma alguma ser imoderada, irresponsável ou ilimitada, desvirtuando-sedos
fins maiores que deveriam ser atingidos pelas funções públicas.47

Após o supra mencionado, pode-se concluir que a caracterização do excesso é


relativa, no entanto, acredita-se que seja verificado com frequência no sistema
criminal brasileiro. O prazo quantitativo anteriormente estabelecido perdeu a razão de

46
AMARAL; DA SILVEIRA, op. cit. p. 55.
47
GOMES, Luiz Flávio. Critérios para aferição da razoabilidade da prisão preventiva. JusNavegandi,
2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7769/criterios-para-a-afericao-da-razoabilidade-da-
prisao-preventiva> Acesso em: 29 jul. 2015.
40

ser e atualmente o que delimita a duração dessa medida cautelar é o princípio da


razoabilidade e da necessidade. Já foi questionada a legalidade desse aspecto
absolutamente subjetivo, dando-se grande poder discricionário ao magistrado. Cabe
ao acusado esperar bom senso de seu julgador, mas considerando a situação dos
centros de detenções provisórias no Brasil e as consequências de ficar internado
naquele local, não é correto simplesmente aguardar que o operador do Direito aja de
acordo com o esperado, sendo necessário uma definição legal objetiva. Evidentemente
que cada caso tem suas especificidades e é inclusive bastante benéfico que as medidas
a ele aplicadas sejam cada vez mais amoldadas e propícias, atendendo às demandas
únicas daquele contexto, no entanto, não é o que se verifica comumente na prática.
Alegar que há excesso de duração de uma prisão preventiva é uma tarefa complicada,
pois por ser pautada em princípios passíveis de serem relativizados, alguns casos
ficam em situações aceitáveis, só chamando a atenção popular quando são absurdos, e
então retoma-se a discussão acerca do assunto.

De rigor trazer a baila a hipótese prevista em nossa legislação pátria, no art.


5°, inciso LXXV da Constituição Federal Brasileira, segundo o qual o Estado deve
indenizar o condenado por erro judiciário, assim como aquele que ficar preso por
tempo superior ao da sentença. Evidente que tal medida é importante e correta de ser
aplicada, no entanto, suscita discussões por não ser apropriada para alguns casos, por
ser insuficiente e mesmo por ser de difícil aplicação prática. Ficar em prisão
provisória e posteriormente ser absolvido, por exemplo, é passível de indenização
estatal, no entanto, não seria plenamente satisfatório considerando as inúmeras
consequências psicológicas, profissionais e sociais ao acusado. Um exemplo que
corrobora com essa reflexão é o do caso Heberson, um rapaz que ficou preso em
Manaus por 3 anos acusado de estupro, nunca foi julgado pela justiça local, cumpriu
então uma medida cautelar por ter sido considerado o agente de um estupro a uma
menina de 9 anos, ficou em uma cela especial destinada a homens que cometeram
crimes sexuais. Lá ficou de 2003 a 2006, foi estuprado por seus companheiros de cela
e contraiu o vírus HIV, agora a defensoria pública local move ação requerendo uma
indenização de R$170 mil ao ex-pedreiro, no entanto, o Estado ainda não pagou, pois
41

alega que o valor é muito alto. 48 Tarefa complicada mensurar em valores o dano
sofrido por esse rapaz, como quantificar monetariamente 3 anos em situações
desumanas, sofrendo estupros e ainda contrair uma doença como a AIDS? O trabalho
não tem a intenção de se aprofundar nessa discussão a respeito da indenização estatal,
mas simplesmente destacar que os danos a que uma pessoa está sujeita atrás das
grades são incomensuráveis e, por vezes, irreparáveis. Assim, ainda que ocorram
excessos e que estes sejam indenizáveis, até que ponto este valor pago pelo Estado
pode reparar os acontecimentos anteriores, erros judiciários e abuso dos operadores da
lei, cabe a cada um ponderar.

3.3. Prisão preventiva: antecipação da pena e demais consequências práticas

Sabe-se que a prisão preventiva como vem sendo utilizada hoje causa danos
irreparáveis na vida dos cidadãos que passam por ela sem necessidade de
cumprimento de pena privativa de liberdade posterior, o descuido com os critérios
para sua decretação e a popularização desse uso aleatório de se prender cautelarmente
tem consequências, por vezes, devastadoras na vida dos presos provisórios. Por
exemplo, o caso Heberson citado no tópico anterior, adquirir doenças permanentes ou
traumas que levam anos para serem reparados não é uma anormalidade na realidade
desses indivíduos, isto quando não são mortos. O direito penal tem uma peculiaridade
intrigante, sua teoria contrasta com a verificação prática, enquanto a nova reforma traz
a prisão preventiva rigorosamente como ultima ratio, na prática ela é largamente
utilizada, como mostram os dados do Mapa do Encarceramento, segundo o qual no
ano de 2012, 38% dos presos aguardavam julgamento, ou seja, cumpriam prisões
cautelares.49

O risco de ocorrer a antecipação da pena é considerável, no entanto, o limite


entre a cautelar e a pena nesses casos é de difícil definição, pois não se sabe até que
ponto é considerado uma mera medida provisória ou quando o indivíduo está sendo
realmente lesado. A corrente garantista, que analisa o art. 312 do CPP sob a luz da
Constituição Federal, visa assegurar os princípios nesta elencados impedindo que o

48
Notícia disponível em: <http://noticias.r7.com/cidades/homem-preso-injustamente-luta-por-
indenizacao-apos-contrair-hiv-em-estupro-no-presidio-10012014>. Acesso em: 20 ago. 2015.
49
BRASIL. Presidência da República, op. cit.
42

cidadão tenha suas garantias fundamentais lesadas.50 Neste entendimento, não seria
possível de forma alguma promover a prisão anterior ao trânsito em julgadosob o
risco de se ferirem os princípios da presunção de inocência, da necessidade e da
fundamentação das decisões judiciais, o que coaduna de certa forma com as alterações
recentes, por exemplo, a inclusão de diversas alternativas à prisão para se assegurar a
cautelar, no entanto, evitando-se a medida mais extrema de privação da liberdade do
indivíduo. Assim, preleciona Gustavo Badaró:

A expressão “ordem pública” é vaga, de conteúdo indeterminado. A


ausência de um referencial semântico seguro para a “garantia da ordem
pública” coloca em risco a liberdade individual. (...) Quando se prende
para “garantir a ordem pública” não se está buscando a conservação de
uma situação de fato necessária para assegurar a utilidade e a eficácia de
um futuro provimento condenatório. Ao contrário, o que se está
pretendendo é a antecipação de alguns efeitos práticas da condenação
penal.51

Desta forma, para o autor, o argumento da ordem pública está intimamente


relacionado à antecipação da pena, pois por ser este argumento vago, pode-se nele
incluir hipóteses em que o indivíduo de fato inicie sua pena antes mesmo da
condenação, sendo que na teoria tal instrumento judicial só deveria ser utilizado
quando estritamente necessário. Assim, quanto mais amplo o argumento que
fundamente a decisão do magistrado, mais facilmente podem ocorrer erros ou
medidas que firam as garantias básicas do indivíduo de forma irreversível.

Uma consequência apontada como resultado dessas prisões provisórias que é


considerada grave é o uso destas para segregar classes ou indivíduos indesejados na
sociedade, ou seja, pessoas pobres, da periferia, normalmente negros que
“provavelmente” cometeram algum delito. O julgamento passa a ser então social, não
utilizando da técnica processual penal, como deveria ser. Prender um indivíduo por
clamor público, por exemplo, é privar a liberdade de alguém, em razão de
determinado setor da sociedade condenar aquela conduta que lhe é acusada. A grande
questão é que, infelizmente, os criminosos em nosso país tem traços semelhantes, no

50
CAZABONNET, Bruna Laporte. Prisão Preventiva: uma releitura da ordem pública sob a ótica da
Constituição Federal de 1988. PUC Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em:
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/brunna_cazabo
nnet.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2015.
51
BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. t II,
p. 193-194
43

entanto, nem todas as pessoas com aqueles traços são necessariamente autores de
delitos, cai-se em erro decorrente do quadro social encontrado no Brasil, resultando
em graves injustiças. É evidente o racismo existente em nosso país, assim o
tratamento dado a pessoas brancas e negras que se encontram exatamente no mesmo
contexto é completamente diferente, a consequência então é que pode-se acabar por
prejudicar ainda mais as pessoas negras, pobres, moradores das periferias, pelo uso
inadequado das prisões preventivas. De acordo com a 8ª edição do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em
novembro de 2014, 93,9% dos presos eram homens, 61,7% negros e 54,8% em idade
jovem. Além disso, constatou-se que a cada 10 minutos, 1 pessoa é assassinada no
Brasil, deste montante 30,5% são negros, etnia que é mais encarcerada que as demais,
numa proporção de 18,4% maior. 52 Os dados são importantes, pois a partir deles
pode-se notar de forma cristalina algumas características do sistema que se expressam
de forma majoritária, por exemplo, o número de negros e a idade média dos presos,
evidente que tais pessoas vivem em sua maioria nas camadas mais baixas da
sociedade e tendem a cometer mais crimes - essencialmente patrimoniais - no entanto,
em decorrência disso, sofrem também com um julgamento social realizado pelos
operadores do direito, por vezes de forma inconsciente. Assim, com a amostra de
percentuais estatísticos pode-se perceber que nem só de julgamentos técnicos e
imparciais é realizado o direito, mas também de critérios subjetivos intrínsecos aos
julgadores e aos responsáveis pelas decisões de nosso sistema, como a de decretação
da medida cautelar.

Retomando o elemento da antecipação da pena em conjunto com o clamor


popular de uma classe social, temos que o anseio do povo por justiça, por vingança,
por ver aquele indivíduo que é acusado de ter cometido um delito pagar pelo que
supostamente fez, é o que acaba por justificar o uso da prisão preventiva em alguns
casos. No entanto, seria essa característica exatamente a antecipação da pena ao
cidadão que sequer foi julgado, não há muitas vezes nem indícios contundentes que
justifiquem a aplicação de tal medida. Mostra-se com isso que as instituições que
reprimem a violência e os crimes são eficazes, agem corretamente e atendam às

52
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública
2014. Disponível em:
<http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2015.
44

demandas populares de repressão das condutas delitivas. Por vezes, o resultado final
pouco importa, mas reprimir a conduta imediatamente é o que satisfaz a ânsia da
população, a geração da instantaneidade quer soluções rápidas, ainda que firam os
direitos do cidadão, não se considerando o resultado final que é o que realmente
importa ao processo penal, pois os meios cautelares são utilizados para se garantir a
aplicação da lei penal na conclusão do processo de conhecimento.

O uso da prisão preventiva como ocorre no Brasil atualmente é preocupante,


grande parte dos presos do nosso sistema carcerário ainda aguarda o julgamento e
alguns magistrados vêm fazendo uso desta medida cautelar de forma indevida, é
preciso que cesse essa utilização desenfreada e sem atender aos requisitos específicos
previstos na legislação. Evidente que a norma legal também traz confusão aos
operadores da lei, principalmente quando fala-se dos requisitos de garantia da ordem
pública e econômica, tão polêmicos para os doutrinadores e julgadores que os
analisam. Pacífico é, no entanto, que o uso incorreto ou abusivo dessa prisão cautelar
pode trazer graves danos à vida das pessoas e de seus familiares. Importante salientar
ao fim deste capítulo que a prisão preventiva é necessária em alguns casos e deve ser
realizada se presentes os elementos do art. 312 do CPP, o que se critica é seu uso
abusivo, seu tempo de duração por vezes desproporcional ao delito, os errosquanto à
pessoa acusada ou ainda por não haver real necessidade de sua aplicação.
45

4. POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS E O FUTURO DO


INSTITUTO DA PRISÃO PREVENTIVA

Baseando-se na análise realizada neste trabalho, nota-se que a prisão


preventiva como utilizada atualmente está em colapso, certo que gradualmente
ocorrem mudanças no entendimento dos tribunais sobre tal tema, assim como a
legislação busca se atualizar. As leis recentes que foram introduzidas no sistema penal
foram de grande avanço e trouxeram novas disciplinas para institutos antigos, porém
que não cabiam mais naqueles moldes na sociedade moderna, não supriam mais as
demandas sociais. O que se espera é que os instrumentos do processo penal sejam
cada vez mais adequados à realidade e que sejam moldados para serem utilizados da
melhor forma possível. Evidentemente que o Direito acompanha a vida real, no
entanto, por vezes o Direito é lento para se atualizar criando situações de
descompasso entre os fatos e a lei penal, influenciando o processo de subsunção da
norma ao fato. O que se sabe é que o direito criminal deve se atualizar
constantemente, assim como as demais áreas do direito, e tende a seguir modelos de
outros países, não deixando de considerar o contexto bastante peculiar de nosso país.
Assim, há projeto de novo código penal tramitando no Congresso Nacional, que visa
adequar as leis aos casos concretos, no entanto, a movimentação desse projeto não é
célere e acredita-se que não entrará em vigor com brevidade.

Enquanto não há um Novo Código Penal, a jurisprudência se encarrega de


atualizar o entendimento pátrio sobre determinados temas que são por vezes
controversos, tentando pacificar alguns assuntos e traçar diretrizes nacionais. Isso
ocorre enquanto as normas não são atualizadas devido à burocracia que lhes são
exigidas para entrar em vigor, bem como todo o processo de aprovação, sanção,
revisão e emendas a que são submetidas, nesse decorrer os tribunais vêm firmando
posicionamento que posteriormente será sedimentado legislativamente.

4.1. Jurisprudência dos Tribunais

Tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o Supremo Tribunal Federal, já


firmaram entendimentos sobre temas relacionados à prisão preventiva, principalmente
quanto ao excesso de prazo de sua duração posteriormente passível de indenização,
46

assim como julgados relacionados aos critérios para decretação dessa medida, a
exemplo do requisito de garantia da ordem pública. Ambos os Tribunais concordam
que a prisão preventiva, medida extrema do processo penal, não pode ser baseada em
circunstância genéricas e imparciais, desta forma buscam restringir a interpretação de
conceitos abstratos. Por exemplo, com relação à ordem pública, os ministros deixaram
de entender a gravidade abstrata do delito, a afirmação abstrata de periculosidade do
acusado, o clamor público, assim como a credibilidade das instituições, como
enquadrados no elemento da ordem pública e, portanto, não são ensejadores da prisão
cautelar. No entanto, um argumento que não vem expresso em nossa legislação e é
amplamente aceito, é o risco da reiteração delitiva do réu, sendo este baseado em sua
alta periculosidade, reincidência ou participação em associação criminosa.53 Assim,
busca-se explanar que os tribunais superiores tem papel fundamental no estreitamento
da interpretação de conceitos amplos e formam opinião que tende a ser normatizada.

Ademais, quanto à jurisprudência a respeito do cárcere como pena e do


excesso de prazo, que é o foco desta análise, tem-se que apesar da distinção teórica
entre prisão pena e prisão processual, na prática ambas são consideradas punitivas
devido às condições físicas e psicológicas a que são submetidas aquelas pessoas.
Imprescindível expor julgado recente do STF, datado de 10.06.2014, relator Ministro
Luiz Fux, com relação ao seguinte caso: o acusado de delito de homicídio qualificado
e quadrilha (arts. 121, §2º, incisos I e IV, e 288 do CP), foi preso preventiva em
outubro de 2007 e sua pronúncia se deu em dezembro de 2008, não tendo sido julgado
até a data em que esse habeas corpus foi apreciado, ou seja, o réu ficou 7 anos em
prisão preventiva, que por fim foi revogado pelo STF.54 Este é apenas um caso que foi
usado para exemplificar as situações absurdas que ocorrem em nosso país,
provavelmente se não fosse tal HC, o réu permaneceria por mais tempo ainda
aguardando ser julgado. Vale trazer a baila mais exemplos, como o do HC
119.365/PE, julgado em 29.04.2014 pelo STF, como relator o ministro Dias Toffoli,
em que o paciente permaneceu preso por mais de 6 anos sem ter o recurso contra a

53
Precedentes STF: HC 121.006/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 21/10/2014; HC
115.613/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 13/8/2014; Precedentes STJ: RHC
55.825/RJ, Rel. Min.Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 19/3/2015;RHC 44.824/MG, Rel.
Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe de 12/2/2015.
54
HC 120.178/AL, Supremo Tribunal Federal. Data de julgamento: 10/06/2014. Relator: Min. Luiz
Fux. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=627>.
acesso em: 10 ago. 2015.
47

decisão de pronuncia analisado, o STF também revogou sua prisão, era acusado de
homicídio qualificado 55 . Ora, não pode ser aceito em nosso sistema esse tipo de
situação, é absolutamente reprovável que alguém fique no cárcere por 6 ou 7 anos
sem condenação, sem direito a qualquer benefício, evidente que houve excesso de
prazo dessa medida cautelar, levando à antecipação da pena do acusado. Por essa
razão que se reitera o que foi anteriormente citado, é de extrema necessidade que haja
uma limitação à duração da prisão preventiva, pois sem parâmetros objetivos excessos
ocorrem e continuam prejudicando indivíduos que tem direitos fundamentais
assegurados na Constituição, porém pouco respeitados na prática. Baseando-se nestes
casos expostos julgados pelo STF se questiona se o juiz avaliou razoável o prazo
dessa cautelar, ou ainda se entendeu tal medida adequada e necessária ao caso, se
houve essa preocupação do magistrado ou simplesmente se manteve a preventiva por
prazo indeterminado até o julgamento, sendo certo que esta deve perdurar apenas
enquanto necessário, findado o motivo que a ensejou, deve ser revogada. Supõe-se
que o que ocorreu na realidade é que esses processos ficaram esquecidos nas
prateleiras dos cartórios, como dito no item 2.2, esquecendo-se que não se trata de
mera papelada, mas da vida de indivíduos que estão submetidos a situações
desumanas, indignas e sofrendo injustiças diárias. Tais julgados foram importantes
para ilustrar situações em que de fato esses abusos ocorrem e, principalmente, que não
são casos raros, ocorrem com frequência em nosso sistema, no entanto, a sociedade
está de certa forma acomodada, notadamente se tratam de irregularidades, no entanto,
tomam poucas medidas ou nenhuma para solucioná-las.

Importante salientar nesta análise jurisprudencial e considerando o contexto


atual,as decisões recentes da Operação Lava Jato, que têm sido questionadas por
especialistas, isto porque alega-se que estão sendo influenciadas pelo clamor popular.
Ocorreram diversas decretações de prisões preventivas no decorrer das investigações,
que certamente deveriamobedecer todos os requisitos legalmente instituídos para o
cabimento destas, no entanto, dizem que o que se verificou foram decisões tomadas
com base na opinião popular. O anseio do povo em ver ser feita a justiça e a sensação
de impunidade que perdura por muitos anos em nosso país levam as pessoas à querer

55
HC 119.365/PE, Supremo Tribunal Federal. Data de julgamento: 29/04/2014. Relator: Min. Dias
Toffoli. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6017134>. Acesso em: 10
ago. 2015.
48

ter seus desejos de justiça atendidos instantaneamente, o judiciário precisa estar de


prontidão e dar respostas rápidas, de acordo com o sentimento popular. Além disso, as
prisões cautelares têm sido instrumento de se obter a delação premiada do acusado ou
fundamentada em se obter mais depoimento e mais informações sobre o caso dos
acusados que se encontra sob a custódia do Estado. Aury Lopes Junior afirmou que se
trata de mais um exemplo da “degeneração das prisões cautelares” 56, segundo ele o
instrumento processual tem sido utilizado de forma errônea, pois não deveria ser
aplicado como um mecanismo de “constrangimento situacional para obtenção de
confissões”57, por mais que a população anseie por resultados rápidos querendo ver os
acusados envolvidos nesta operação atrás das grades, não é aceitável a violação de
princípios constitucionais. Miguel Reale Junior também se posiciona no sentido de
que decretar a preventiva com este embasamento é violador de direito básicos, não
está correto, assim como Geraldo Prado teme que esta fundamentação do Ministério
Público Federal para requisição das preventivas comprometa toda a investigação,
contaminando as provas processuais que teriam sido obtidas por instrumento ilegal.58
Em sentido contrário, Manoel Pastana defendeu o uso de tais cautelares, por entender
que a preventiva corrobora a delação premiada, acredita que “a segregação pode
influenciá-lo para colaborar na apuração de responsabilidade”, defendendo então o
argumento da conveniência da instrução criminal. 59 Assim, muitos fatores são
considerados na decretação das prisões preventivas e alguns deles, como aqui
expostos, são de legalidade questionável, cabendo a exposição do caso da Lava Jato
por estar in voga e suscitar discussão polêmica, ainda não pacificada. Trata-se de
apenas mais um aspecto que alimenta debates em torno da prisão preventiva, desde
sua decretação, até sua duração e o momento em que é cessada. Vale citar ainda no
contexto da Lava Jato, a decretação de prisão preventiva à José Dirceu enquanto ele
cumpria prisão domiciliar60, trata-se de verdade anomalia jurídica que não deve ser
aceita pelos operadores do Direito deste país, por mais que como cidadãos queiramos
a aplicação de penas aos indivíduos possivelmente envolvidos nesses escândalos de
corrupção.

56
CANÁRIO, Pedro. Professores criticam parecer sobre prisões preventivas na ‘lava jato’. Consultor
Jurídico, 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-
prisao-preventiva-lava-jato>. Acesso em: 05 set. 2015.
57
Ibidem.
58
Ibidem.
59
Ibidem.
60
Ibidem.
49

Sob a ótica do prazo da preventiva, Zaffaroni61 leciona que a demora de uma


decisão judicial, ou seja, a não celeridade em se prolatar uma sentença condenatória
definitiva, enquanto o réu está sendo previamente punido por encontrar-se
encarcerado, faz com que a medida cautelar adquira nuances de prisão pena, o que
deve ser fortemente combatido pelos operadores da lei. Ainda observa-se que não é a
privação da liberdade em si que dá esse caráter de antecipação da pena, mas sim o
tempo que perdura a prisão preventiva, sendo a morosidade processual e a desatenção
de alguns julgadores o principal violador dos direitos dos cidadãos – a duração por
tempo indeterminado que caracteriza o desrespeito aos direitos fundamentais, não a
privação da liberdade em si. A preventiva priva o indivíduo de certos momentos de
sua vida pessoal que são, por vezes, irrecuperáveis, por exemplo, o nascimento de um
filho ou um período em que se dedicaria a sua formação profissional, tais eventos
fazem da prisão cautelar uma verdadeira pena à pessoa que a ela está submetida.62
Além das penalidades mencionadas que ferem a esfera mais íntima do cidadão, pode
ser citado ainda o estigma social que acaba se evidenciando também com relação à
prisão preventiva, ainda que não haja julgamento daquele cidadão, a estigmatizaçãoda
pessoa que já esteve no sistema prisional acaba prevalecendo na sociedade, assim
como muitos creem que se a pessoa esteve presa, algum motivo contundente para isso
ocorreu, mas nem sempre esta afirmação é verídica. Esse elemento é o que mais fere a
presunção de inocência do cidadão, pois ainda que saia do cárcere continua
carregando consigo um “rótulo”, uma marca que não é facilmente apagável de sua
história. Tal estigma se evidencia principalmente quando o homem recém-saído do
sistema prisional tenta se reinserir na sociedade, procurando por emprego, tentando
reconstruir sua vida, é mais um obstáculo que deve tentar superar, isso se tratando de
um homem que nem mesmo foi julgado ou ainda que foi absolvido pelo judiciário,
mas que carrega marcas do cárcere e sofre preconceitos por isso. Ademais, a
autoimagem do preso preventivo é fortemente abalada devido à passagem pelo
cárcere, a autoestima também sofre consequências devastadoras, assim como a
liberdade pós-cárcere, para muitos, trata-se de momento de isolamento social, por não
conseguir se reinserir nos círculos sociais aos quais pertencia, todas essas

61
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema
penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 27-28.
62
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1974. p. 25.
50

consequências são resumidas para Zaffaroni no processo de prisionização63, que se


trata do efeito deteriorante do cárcere na vida dos cidadãos. A preventiva ainda pode
surtir resultados inversos ao que pretende cumprir, o estigma social pode levar o preso
a cometer novos delitos, por não conseguir se reinserir na sociedade, por não
encontrar seu espaço na rede social, pode acabar optando pelo caminho mais fácil,
mais instantâneo que, por vezes, é o do cometimento de delitos.

Assim, com a explicitação de tais julgados dos Tribunais Superiores e a


análise posterior, evidenciou-se que tanto a jurisprudência, quanto a doutrina, acredita
ser reprovável o excesso de prazo da prisão preventiva, que ocorre em decorrência da
inexistência de um limite objetivo a essa duração. Muitos criticam a forma que ocorre
hoje, que pauta-se em critérios absolutamente subjetivos, no entanto, pouco se tem de
propostas concretas de mudanças e alterações legislativas. A forma atual é muito
vulnerável a abusos, necessário que haja uma modificação para limites mais rígidos,
mas como se fazer isso ainda não se sabe ao certo.

4.2. O futuro da prisão preventiva: consequências da aprovação do Projeto de


Novo Código Penal

A legislação penal vigente datada do início da década de 40 já passou por


diversas alterações que buscavam adequá-la às demandas sociais atuais, inclusive
alguns se referem a ela como uma verdadeira colcha de retalhos, por esta razão,
entende-se que é necessário um novo Código, atualizado e uníssono, um corpo de leis
uniforme e voltado à sociedade. O Código Penal brasileiro foi elaborado em uma
época em que a sociedade era em sua maioria agrária, pouco industrializada, sem
grande importância na esfera internacional, eram aceitáveis discriminações entre
gêneros e entre etnias diferentes, hoje somos democráticos, há uma nova ordem
social, e é evidente o descompasso entre a lei e o contexto social. Em 1940 havia 42
milhões de habitantes no Brasil, hoje há 200 milhões, é um período de novos desafios,
mudança de pensamentos, uma transição de um Brasil que passa por transformações
econômicas e sociais. A legislação penal está defasada com relação à Constituição de
1988, que é conhecida como cidadã, humanitária, progressista e garantidora de
direitos fundamentais e individuais, imprescindível que a lei penal siga os mesmos
63
ZAFFARONI, op. cit., p. 135.
51

valores e princípios desta que é a norma matriz de nosso ordenamento jurídico. Está
em tramitação no Congresso Nacional um Anteprojeto de Código Penal, o Projeto de
Lei n° 236 de 2012, realizado por uma comissão especializada e a elaboração do
texto, segundo o Senado Federal, foi acompanhada por organizações sociais e por
entidades da sociedade civil, fazendo uso até mesmo de mecanismos de comunicação
direta com o cidadão brasileiro. Ressalta-se que é apenas um Projeto de Novo Código
Penal, ainda é necessário aprovação no Congresso Nacional, assim como do
Presidente da República, ou seja, o texto ainda está sujeito a alterações, o que será
tomado por base neste tópico será a ideia geral do conjunto da lei.64

Alguns traços já podem ser observados no projeto dessa nova lei, há


tendências de linhas gerais como, por exemplo, a inclusão de mais crimes no rol de
crimes hediondos (por exemplo, a corrupção), a maior rigorosidade na punição de
crimes contra a vida, assim como foram criadas regras mais severas para a progressão
da pena. O Brasil vai em sentido contrário do que está ocorrendo no mundo, há uma
corrente mundial que prende cada vez menos, que acredita que a prisão deve ser
utilizada em casos de necessidade extrema e que as regras que regem o cárcere devem
ser mais flexíveis, enquanto isso neste país, elaborou-se um anteprojeto de código que
deixa as leis mais severas, prevê mais anos de prisão e enrijece as possibilidades do
processo criminal. Evidente que se aprovado, tal Código afetaria diretamente o
instituto da prisão preventiva, no entanto, o texto atual tem sido fortemente criticado
por especialistas, como pelo ex-Ministro Miguel Reali Jr., que afirmou em uma
entrevista que “o novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto”65. A crítica foi
dura, mas não isolada, é realmente isso o que pensam alguns teóricos, pois o texto não
segue o que tem sido entendido como a postura correta atualmente, consequências
negativas podem resultar da aplicação dessa lei, como o aumento do número de
pessoas encarceradas, sendo que a realidade brasileira já é crítica, com penitenciárias
superlotadas e condições indignas ao ser humano.

64
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=111516&tp=1>. Acesso em: 28 ago.
2015.
65
CANÁRIO, Pedro; VASCONCELLOS, Marcos de. “Novo Código Penal é obscenidade, não tem
conserto”. Consultor Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-
02/entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp>. Acesso em: 28 ago. 2015.
52

Acredita-se que a inclusão de novos tipos penais classificados como hediondos


faz com que o uso da preventiva seja mais recorrente, isto porque, há grande polêmica
sobre o assunto da possibilidade ou não de concessão da liberdade provisória aos
acusados de crimes hediondos. A nova Lei 11.464/07 prevê que é possível a liberdade
provisória nestes casos, no entanto, mantém dispositivo que afirma que se trata de
delito inafiançável, ora, há uma contradição: é possível a liberdade provisória, no
entanto, não é possível a fiança, seria então benéfico ao réu, pois não poderia ser
arbitrado fiança quando acusado de crime hediondo. Trata-se de impasse que não cabe
aprofundamento nesta análise, no entanto, o certo é que se entendido que não cabe a
liberdade provisória, a preventiva deveria se manter apenas baseando-se no tipo penal
cometido, sendo que é pacífico entendimento de que a mera gravidade do delito não
pode ensejar a aplicação desta cautelar, devem ser atendidos todos os quesitos
obrigatórios. 66 Esclarece-se que se mais crimes forem considerados hediondos e se
houver posicionamento de que não é cabível a liberdade, ou então que a gravidade do
delito deve ser avaliada para a decretação da preventiva, como não é raro verificar em
nosso ordenamento, mais medidas cautelares restritivas de liberdade podem ser
decretadas com a entrada em vigor da nova lei. Não é o correto, mas alguns
magistrados ainda consideram que a gravidade do crime, se for hediondo, por
exemplo, diz de forma indireta as características pessoais do acusado, pode ser
entendido que ele é uma ameaça à ordem pública – elemento de interpretação ampla.
Percebe-se então que o texto da nova lei abre margem para que seja possível a
decretação de prisão preventiva em maior abundância, disseminando a prática do
encarceramento cautelar e não restringindo-o, como é tendência mundial com base em
estudos e nos direitos humanos assegurados globalmente.

Outro ponto que não está diretamente relacionado aos desdobramentos que
poderiam ocorrer com relação a prisão preventiva, mas que obviamente tem
relevância considerável é que neste Anteprojeto a progressão no regime de penas foi
bastante dificultado, assim como a pena prevista para alguns delito também foi
elevada, consequentemente, mais pessoas por mais tempo na prisão. Há dispositivo
legal que diz ser obrigatória a divisão entre presos provisórios e os já sentenciados, no

66
HC 35090/RS, Superior Tribunal de Justiça.Data de julgamento: 19.10.2004. Relator: Ministro Paulo
Gallotti. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4398182/habeas-corpus-hc-35090-
rs-2004-0058240-7>. Acesso em: 02 set. 2015.
53

entanto, sabe-se que isto nem sempre se verifica na prática, ocorre por vezes de ambos
ocuparem as mesmas celas, principalmente em locais com menor estrutura
penitenciária. Se mais pessoas tiverem que ocupar o mesmo espaço, que já tem uma
realidade bastante crítica caracterizada pela superlotação, teremos prisões em
condições ainda piores, aumentando seus índices de lotação e submetendo as pessoas
à situações cada vez menos humanas, é absurdo que os presos preventivos estejam em
contexto cada vez mais degradante, desumanizador, que fere a dignidade humana e
tantos outros princípios garantidos constitucionalmente. A relação então não é direta
neste caso, quanto à decretação ou não da prisão provisória, no entanto, na prática,
pode ter consequências reais, sérias, que devem ser fortemente repudiadas pelos
estudiosos e operadores do Direito.67 O contexto carcerário brasileiro já é crítico o
suficiente para que se aprove uma legislação que irá superlotá-lo ainda mais, com
mais pessoas presas por mais tempo, as penitenciárias serão um real barril de pólvoras
prestes a explodir, pois a situação atual já é bastante tensa, se o quadro se agravar
pode-se imaginar uma verdadeira crise do sistema. Isso mostra que devemos nos
reinventar, repensar nossos métodos punitivos, os que utilizamos atualmente
claramente não nos traz os resultados almejados, pelo contrário, cada vez mais entra-
se num caos que dificulta vermos uma saída viável.

O Anteprojeto do novo Código Penal é duramente criticado por muitos


especialistas, acredita-se que pode prejudicar muito o quadro carcerário brasileiro
atual, assim como tem disposições pouco humanitárias, punições extremamente
severas e algumas discrepâncias – como punir mais rigorosamente quem comete
maus-tratos aos animais, do que quem deixa de prestar socorro à criança machucada.
O texto legislativo é visto como o mais reacionário que já existiu em nosso país,
acredita-se que serão perdidas diversas garantias do cidadão, os traços de direitos
humanos que foram implementados pelas pequenas reformas que foram ocorrendo ao
longo dos anos visando atualizar o Código de 1940 seriam deixados para traz,
representando um verdadeiro retrocesso de nossa lei criminal. O projeto de lei é de
2012 e ainda está em trâmite no Congresso Nacional, devido às críticas dos
especialistas dificilmente será implementado, no entanto, se aprovado pode ter
67
ALMEIDA, Felipe Lima de. A execução da pena no anteprojeto do Código Penal: uma análise
crítica. Revista Liberdades, n. 13, maio/ago. 2013. Disponível em: <
http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/168-ARTIGO>. Acesso em:
02 set. 2015.
54

consequências desastrosas à sociedade e, principalmente, aos que estão sob a óptica


do direito penal.

Os desdobramentos da aplicação desse Anteprojeto aos presos provisórios foi


abordado sob a luz de alguns elementos específicos, em linhas gerais o que se vê
como tendência desse projeto de lei é que haja cada vez mais presos provisórios,
assim como estes fiquem em condições cada vez piores devido ao aumento do número
de encarcerados. Em linhas gerais, o mundo segue hoje o movimento do
desencarceramento e mesmo no Brasil recentemente foram observados traços neste
sentido, principalmente aos presos ainda sem julgamento, exemplo disso foi a
implementação das audiências de custódia, em que o preso deve ser apresentado ao
juízo assim que ocorre o flagrante (pode ocorrer dias ou até meses após o flagrante,
mas o ideal é que seja num prazo 24 horas).68Segundo Ricardo Lewandowski, essas
audiências podem reduzir à metade o número de presos provisórios, aplicando
medidas cautelares alternativas aos não violentos e efetivando a política
desencarceradora, sendo a preventiva realmente a ultima ratio, devendo ser
considerada sua necessidade e adequação.69Acredita-se que com esta audiência seriam
assegurados os princípios da presunção de inocência e do contraditório, assim como o
Estado economizaria capital, tendo em vista que hoje um preso custa cerca de R$ 3
mil aos cofres públicos.70Ora, a audiência de custódia é um progresso tão importante,
é fundamental que o magistrado não veja o preso como um mero papel em que se
converterá a prisão em flagrante em preventiva, mas como um ser humano, que
dialogue com este buscando não só ter por base as alegações policias, mas também da
parte acusada, não seria aceitável, então, que um país que está aderindo à medidas
progressistas como tais, sancionasse um Código Penal como o proposto neste
Anteprojeto. O país e o mundo caminham no sentido de gradualmente se assegurar os
direitos humanos garantidos aos cidadãos, este texto legal proposto para ser o novo

68
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia>. Acesso em: 05
set. 2015.
69
NICOLETTI, Janara. Ministro Ricardo Lewandowski lança projeto 'Audiência de Custódia' em SC.
G1 Santa Catarina, 24 ago. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sc/santa-
catarina/noticia/2015/08/ministro-ricardo-lewandowski-lanca-projeto-audiencia-de-custodia-em-
sc.html>. Acesso em: 05 set. 2015.
70
Ibidem.
55

código penal seria um enorme retrocesso ao que acredita-se ser hoje o pilar
fundamental de uma nação democrática como a nossa.

Além disso, deve ser ressalvado, como afirma Julita Lemgruber, 71 que o
sistema prisional hoje é a expressão de uma “guerra contra a pobreza”, ela afirma que
“quem acaba sendo penalizado com a pena de prisão, com raríssimas exceções, são os
pobres, os negros, aqueles que moram nas periferias, enfim, quem não tem voz nem
poder nessa sociedade.”72O enrijecimento da legislação penal seria mais desfavorável
a esses cidadãos, que são antes de qualquer análise, já condenados pelo sistema, a
especialista ainda diz que em uma abordagem mais ampla, o própria sistema
legislativo criminal já é criado com a intenção de se punir apenas aquelas condutas
que se quer punir, ele não objetiva tratar todos igualmente e sim, discriminá-los, não
se pode esquecer que quem faz as leis são as camadas mais altas da sociedade.
Evidentemente que não se deve radicalizar, existem muitas garantias asseguradas aos
indivíduos em geral na legislação, mas também existem brechas que permitem ao
magistrado julgar da maneira que achar mais conveniente. Aumentar a
discricionariedade do juiz, aumenta o julgamento subjetivo e, consequentemente, as
possibilidades daqueles que são marginalizados na sociedade sofrerem ainda mais
injustiças, ao contrário, o ideal seria uma maior flexibilização emelhor adequação ao
caso concreto específico, porém, não é o que se averigua na prática.

A prisão preventiva deve seguir as alterações positivadas pela Lei 12.403/11,


segundo a qual só deve ser aplicada se extremamente necessária e deve ser moldada
ao caso para se adequar da melhor forma possível, devendo ser priorizadas as medidas
cautelares alternativas, evitando-se privar a liberdade do indivíduo. Assim, o Brasil
têm obtido avanços consideráveis e deve ser repensado com cautela a aplicação de
leis penais rigorosas como as propostas no Anteprojeto de Novo Código Penal, que
podem resultar em consequências desastrosas para uma sociedade com tantas tensões
sociais como a que vivemos. Baseando-se no que demonstram os estudos e na
tendência mundial, prevê-se que no futuro a preventiva só seja aplicada quando

71
CHAVES, Leslei. Prisões do Brasil. Um pacote de equívocos que gera e mantém o caos. Revista do
Instituto Humanitas Unisinos, a. XV, n. 471, 2015. Disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6093&secao=4
71>. Acesso em: 05 set. 2015.
72
Ibidem.
56

absolutamente necessária, o índice de encarceramento cautelar caia vertiginosamente


e que cada vez mais se apliquem as cautelares alternativas, que são mais maleáveis
para se adaptar ao caso concreto, buscando sempre suprir as necessidades existentes
para que a lei penal se concretize, resguardando-se o princípio da presunção de
inocência.
57

5. CONCLUSÃO

Este estudo visou, principalmente, dar maior atenção às problemáticas do


cárcere e não só àqueles que cumprem penas privativas de liberdade, mas também as
que aguardam presos o dia de seu julgamento, questão tão relevante na nossa
sociedade atual, em que este número não para de crescer. Primeiramente analisamos
os fundamentos legais da prisão preventiva e não só na esfera macro, em que se
enquadram os princípios garantidos na Constituição, assim como as leis mais
específicas e as alterações recentes que vêm modelando este instituto jurídico ao
longo dos anos para que atenda ás demandas sociais modernas. Nesta análise percebe-
se que embora haja fundamentação constitucional deste tipo de prisão, há também
princípios que entram em conflito e alguns desses são exatamente contrários à
preventiva, a exemplo da presunção de inocência, ou seja, existem pontos
controvertidos. Em um segundo momento, observou-se a legislação específica,
observando os motivos ensejadores, e principalmente, o objetivo maior desse trabalho
que é o prazo razoável de duração desta medida, concluiu-se que existem polêmicos
quanto aos requisitos para sua decretação, no entanto, que ocorrem excessos no prazo
das preventivas em todo o Brasil é facilmente verificável e amplamente aceito, o
maior problema é que alguns excessos são mais extremos, enquanto outras acabam
passando despercebidos, por serem mais tênues, menos gritantes à sociedade. A
necessidade de uma limitação objetiva à duração da preventiva se faz mais do que
necessária e urgente, como pode-se concluir, visando que abusos continuem se
concretizando sem parâmetros que os caracterizem como tal, assim como a
antecipação da pena é uma consequência que deve ser veementemente combatida. Por
fim, decorrente da análise de jurisprudências e do que nota-se como tendência para o
futuro da preventiva, os Tribunais têm reconhecido excessos no uso desse mecanismo
processual e, sobretudo, discussões vêm surgindo gerando maior polêmica quanto à
aplicação desses, espera-se que os legisladores sejam sensatos e limitem o uso da
prisão preventiva, assim como estabeleçam parâmetros objetivos que a restrinjam e
façam dela um instituto que seja usado com seriedade e cautela.

As prisões cautelares precisam ser utilizadas com a devida cautela e atenção,


pois podem deixam marcas permanentes na vida do indivíduo que a ela foi submetido,
o seu efeito pode ser exatamente oposto ao que se deseja, enquanto busca-se afastar
58

alguém do mundo do crime, pode-se estar inserindo mais um ator neste contexto
social tão complexo. As pessoas, independente de suas classes sociais, devem ter seus
direitos fundamentais preservados, sobretudo quando se priva a liberdade de alguém,
para tamanha intervenção estatal na vida do particular devem haver motivos concretos
e suficientes ensejadores de tal medida. O Brasil precisa despertar para esse cenário
que estamos caminhando, o número de presos se multiplica e o de provisórios, em
maior escala, a prática de se prender por pouco não deve prosperar.
59

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