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Antropologia e Educação

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Professor Antônio Eugênio Cunha

Antropologia e educação:
Algumas considerações iniciais

A Antropologia (do grego ánthropos, "homem", logos, "razão“ /


“pensamento") preocupa-se em estudar o homem e a humanidade de maneira
totalizante, abrangendo todas as suas características. Diante disso, haverá sempre “um
outro” como objeto de estudo. Ao longo da história, o homem sempre procurou
compreender seu semelhante, sua cultura, costumes etc. Todavia, isso era a feito a
partir dos próprios valores e conceitos, o etnocentrismo (considera as categorias,
normas e valores da própria sociedade ou cultura como parâmetro aplicável a todas as
demais). Assim, surgiu o determinismo biológico, que atribui capacidades específicas e
inatas a “raças” ou a grupos humanos. Desta forma, na Alemanha nazista, por
exemplo, achava-se que o povo germânico era superior a qualquer outro, devido a sua
etnia. Outro conceito etnocêntrico é o determinismo geográfico, pois considera que
as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural.
Magnoli (2009) afirma que o evolucionismo de Darwin indicou aos cientistas
aquilo que eles deveriam procurar, a fim de oferecer provas incontestáveis sobre a
hierarquia de raças: a ontogenia recapitula a filogenia1. Isto é, postulava-se que
existiam indivíduos superiores e inferiores em razão das suas origens. O “racismo
científico” atestava que pessoas inferiores percorreram incompletamente a evolução
da espécie.
Esses preconceitos, apesar de terem surgido há muito tempo, ainda estorvam
um olhar verdadeiramente antropológico. Por isso, devemos entender o homem
contemporâneo na sua diversidade, pois na ciência e na educação é preciso ter uma
compreensão densa do real, que mesmo influenciada pela sensibilidade do
pesquisador ou educador, não compromete a sua interpretação, que não se distancia
da realidade, ao contrário, busca aproximar-se dela.
O objeto de estudo da Antropologia é o ser humano, procurando
compreender sistematicamente todo o processo que nos fez ser o que somos.
Podemos dividi-la em três campos de atuação:

Antropologia Cultural: Estuda aspectos sociais do homem, enfatizando traços


arqueológicos, etnológicos e linguísticos. O antropólogo cultural estuda as diferentes
culturas e as analisa a fim de saber como foi que as pessoas chegaram a fazer que
fazem e de tantas maneiras diferentes.

1
Ontogenia: o desenvolvimento de um indivíduo desde a concepção até a idade adulta; ontogênese.
Filogenia: história evolutiva de uma espécie ou qualquer outro grupo taxonômico; filogênese.
2

Antropologia Física: Estuda os aspectos biológicos do homem, como a sua


natureza animal e a sua evolução. Investiga a origem e a evolução dos traços físicos do
homem e sua diversidade.
Antropologia Filosófica: Responder questões a respeito do homem, suas
diferenças das demais espécies são temas que envolvem a Antropologia Filosófica. Ela
engloba a busca pelo sentido da existência humana, estudando os aspectos das
distintas personalidades culturais do homem na sociedade.

Criacionismo, Evolucionismo e Interacionismo

Durante os anos, estudos a respeito da natureza do homem apoiaram-se em


três correntes principais: o Criacionismo, vigente até o século XVIII; o Evolucionismo,
baseado nas idéias de Charles Darwin, em razão da publicação em 1859 da obra “A
origem das espécies”; e o Interacionismo, proposto pelo padre, teólogo, filósofo e
paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), como uma justaposição
entre os elementos da concepção criacionista e da evolucionista. Segundo Chardin, o
homem seria fruto de uma evolução adaptativa, assim como os outros animais,
vegetais e minerais do planeta, todavia, possuidor de um “germe”, um “sopro” de
racionalidade. Haveria, portanto, uma dimensão divina que lentamente foi se
afirmando, evolutivamente, até o grau de homem.
Indícios proporcionados pelos estudos da Biologia e da Antropologia
apresentam o homem com um diferencial: ele domina, não por meio de sua força
física, mas por meio de sua racionalidade. Segundo os interacionistas, isso é suficiente
para se afirmar que há no homem algo de divino, de transcendente.

Cultura

Uma das ideias de cultura nos diz que ela é um conjunto de criações oriundas
de uma comunidade, expressas por um grupo ou por indivíduos. Trata-se de um
movimento de difícil definição que ocorre nas sociedades humanas, mas que podemos
tentar explicitar na ilustração de Eagleton2: o homem produz cultura que transforma o
homem. Nadar é uma imagem apropriada dessa interação: enquanto o nadador
golpeia as ondas que criam ativamente a corrente que o impulsiona, as ondas lhe
golpeiam o dorso para a sua sustentação. Assim, enquanto o homem faz a cultura, a
cultura faz o homem. Nela estão imbricados alguns elementos, tais como a tradição
oral, a linguagem, a comunicação, os costumes, os usos etc.
Ela pode ser compreendida nas seguintes dimensões:

Subjetiva: valores, modelos de comportamentos, modos de pensar.


Objetiva: hereditariedade social, memória coletiva, tradição.
Descritiva e cognitiva: as crenças e as representações sociais.
Prescritivas: conjuntos de valores que indicam objetivos ideais, formalidades
comportamentais que apontam como as pessoas devem agir.

2
EAGLETON, Terry. A idéia de Cultura. São Paulo: UNESP, 2005
3

Principais Teorias Antropológicas

Evolucionismo: Defendia a superioridade de determinados povos e culturas


sobre outros. Como mencionamos anteriormente, o Evolucionismo Cultural postulava
que existiam indivíduos superiores e inferiores em razão das suas origens. Assim, o
europeu branco era superior ao negro e ao amarelo.

Difusionismo: defendia que o desenvolvimento cultural ocorria por meio do


processo de difusão de elementos culturais de uma cultura para outra, mediante o
contato entre os povos. Acreditava-se que tanto as diferenças quanto as semelhanças
culturais eram consequência da tendência humana para imitar e absorver traços
culturais.

Funcionalismo: procura explicar aspectos da sociedade em termos de funções


para com o todo. A função sustentaria a estrutura social, permitindo a coesão,
elemento fundamental dentro de um sistema de relações sociais. Assim, as partes não
podem ser compreendidas isoladamente, pois são interdependentes. DaMatta (1987)
explica que se carruagens foram usadas antigamente e são usadas hoje em dia, isso
não ocorre porque elas são traços que sobraram dos bons tempos antigos, mas um
modo moderno de recriar hoje esse passado. Elas têm um papel a cumprir: lembrar ou
sinalizar para o passado.

Estruturalismo: nasce na década de 40 do século 20, tendo como grande


teórico o belga Claude Lévi-Strauss. Para ele, existem regras estruturantes das culturas
na mente humana. Toda a sociedade/cultura se estrutura por meio de um sistema,
que, no entanto, pode sofrer transformações. De acordo com Barros Junior et al.
(2011), cinco componentes são essenciais no processo de categorização das
estruturas: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos. Cada um desses
elementos constitui um bloco próprio de experiências, tanto do indivíduo como de sua
coletividade, que marcam o que representa a cultura de um grupo e, de certo modo,
determinam como esse grupo deve operar dentro de seu universo cultural, gerando
padrões culturais, traços culturais e expressões.

Diversidade Cultural

Perguntar quem somos só faz sentido se acreditamos que podemos ser outra
coisa além de nós mesmos; se temos uma escolha. Percebemos, então, que o
pertencimento e a identidade não possuem a solidez de uma rocha, mas são
negociáveis e revogáveis, em razão das decisões que o indivíduo toma e os caminhos
que percorre. Decerto, a opção de pertença reforça o caráter da identidade estabelece
que ela não se constituirá enquanto for oriunda de uma condição sem alternativa. Por
isso, a identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto,
proveniente de um esforço e de um objetivo e opção. Destarte, a fragilidade e a
condição eternamente provisória da identidade não podem mais ficar ocultas. Essas
são algumas das ideias apoiadas em Zygmunt Bauman (2001), que trazemos para
4

nossa conversa. Observe o texto abaixo e reflita se ele pode ser uma representação do
mundo atual:

“Meu carro é alemão,


minha língua é portuguesa,
meu esporte é inglês,
meu Deus é judeu,
minha roupa é americana,
minha comida é italiana,
minha música é brasileira,
meu perfume é francês,
minha TV é coreana,
meu DVD é japonês
e meu PC é chinês,
Só eu sou 100% nacional…
Sou?”

Na Escola, como resposta a diversidade discente, estabelece-se o caráter da


coletividade do ensino, quando a educação descortina para o aprendente seu tempo,
sua cultura e sua história, por meio de práticas pedagógicas mais diversificadas e
colaborativas, atendendo ao educando, em lugar de esperar que o educando atenda a
elas. “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares
fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” Diz
Paulo Freire.
Para terminar nossa conversa, Imaginemos uma orquestra na execução de
uma obra musical. Quando a ouvimos de longe, sentimos sua sincronia, mas alguns
sons não são tão perceptíveis. Aos poucos, quando nos aproximamos, conseguimos
ouvir com maior precisão e clareza a harmonia dos acordes. Todavia, se detalharmos
nosso olhar e nossos ouvidos em cada movimento particular dos instrumentos
perceberemos que cada um parece seguir caminhos dissimilares, compondo uma
música própria, mas estritamente dentro do tom, do compasso, da métrica, da
essência afetiva da partitura. Os percursos melódicos e fugidios do violino seguem os
recursos de sua peculiaridade, distanciando-se e opondo-se ao som circunspecto,
suplicante, quase oracular, do violoncelo. Os metais - trompete, trombone, trompa e
tuba - parecem querer dominar com alarido e clangor os espaços, mas são contidos
pela manifestação pontual e criativa do tímpano, da caixa, do bumbo e dos pratos que
enriquecem e dinamizam o compasso da música, que expressa a condição de que
ninguém detém em si mesmo o domínio desse saber, mas todos o compartilham,
fazendo parte do processo criativo da execução; interagindo-se, comunicando-se.
Se por analogia podemos compreender como ocorrem os processos sociais e
afetivos da aprendizagem, onde estaria, em uma orquestra, a figura do professor? A
julgar pelos ensinos de Montessori, que outorgam ao aluno a condição de autor do seu
aprendizado, e pelas palavras de Freire – nas quais, o professor não ocupa
isoladamente o centro da educação, pois educar não é um ato solitário - a figura
docente jamais estaria na pessoa do maestro. E onde estaria? Creio que na pulsação da
música... Talvez no bumbo, que faz pungir o tema, que permite a dinâmica, que
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mantém o ritmo, o tempo, no qual cada um expressa com segurança e independência


a sua individualidade e percepção. Mas que figura representaria, então, o maestro?
Decerto, o sonho e o desejo de cada um. É para eles que todos olham.

Referências:
BARROS JUNIOR, Antonio Walter Ribeiro de [et al.] Antropologia: uma reflexão sobre
o homem. Bauru, SP: Edusc. 2011.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CUNHA, Eugênio. Autismo e Inclusão: psicopedagogia e práticas educativas na escola e
na família. 2ed. Rio de Janeiro: WAK, 2010.
DaMATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Rio de
Janeiro: Rocco, 1987.
EAGLETON, Terry. A idéia de Cultura. São Paulo: UNESP, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de sangue: história do pensamento racial. São Paulo:
Contexto, 2009.

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