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Construção de Pensamento

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Filosofia

Olá, estudante!

Muita gente pensa que o filósofo é um intelectual que se ocupa apenas de questões
abstratas, e que a Filosofia, por consequência, não passa de um conjunto de teorias
sem qualquer relação com a vida prática. Mas a Filosofia, na verdade, nasce da não
acomodação do homem no mundo e da tentativa de entender o porquê das coisas.
Filosofar é refletir sobre tudo que nos cerca.

A filosofia nos tira da zona de conforto, pois questiona o modo de ser das pessoas e
das coisas. Ela debate as práticas política, científica, técnica, ética, econômica,
cultural e artística.

Todos nós, portanto, podemos e devemos exercitar a reflexão filosófica, se quisermos


ir além das opiniões simplistas que nos são transmitidas a todo tempo. A Filosofia é
uma atividade crítica e questionadora que procura compreender a realidade de forma
abrangente, a fim de possibilitar a autonomia do homem, fazendo-o desenvolver sua
capacidade de pensar os problemas do cotidiano, sem se deixar levar como massa de
manobra.

Filosofar é, em última análise, dar ao homem as condições teóricas e práticas


imprescindíveis à elaboração de sua própria história. Esperamos, por isso, que nossa
Disciplina possa despertar em você o real interesse pelo pensar filosófico.
Objetivos

Ao final desta disciplina, você deverá ser capaz de:

• Identificar as características básicas que tornam o homem um


ser de cultura.
• Distinguir os elementos da constituição lógica do raciocínio.
• Descrever os sistemas clássicos da filosofia e sua relação com
o mundo concreto.
• E laborar uma reflexão crítica acerca do conhecimento, da ética
e das novas tecnologias que se interpenetram e interagem no
mundo globalizado.

Conteúdo Programático

Esta disciplina está organizada de acordo com as seguintes


unidades:

• Unidade 1 – Unidade 1 – Condição Humana


• Unidade 2 – A Propedêutica Filosófica
• Unidade 3 – Elaboração do Pensamento Filosófico
• Unidade 4 – Filosofia, Ciência e Questões Epistemológicas

Autoria

Professora Regina Yara Martinelli

Doutorado, Mestrado e Graduação (Bacharelado e Licenciatura) em Filosofia (UERJ).


Lato sensu em Literatura Brasileira (UERJ). Bacharelado em Comunicação Social –
Jornalismo (FACHA).

Revisão e atualização

Ronaldo da Costa Formiga

Doutorado em Comunicação, Cultura e Sistemas de Pensamento (UFRJ). Mestrado


em Antropologia (UFRJ). Graduação em Ciências Sociais (PUC/RJ).
A condição humana

A reflexão sobre a própria existência desperta no homem uma consciência crítica a


respeito de si mesmo, do outro e do mundo. Por isso, nesta unidade, vamos
apresentar uma síntese da constituição das sociedades humanas, destacando
aspectos antropológicos e filosóficos de especial relevância no percurso que segue da
pré-história até os dias de hoje.

Objetivo
Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:

• Identificar as características básicas que tornam o homem um


ser de cultura.

Conteúdo Programático
Esta unidade está organizada de acordo com os seguintes temas:

• Tema 1 - Natureza e Cultura


• Tema 2 - Relações entre técnica e sociedade
• Tema 3 - O homem: uma perspectiva filosófica

O início do processo de humanização


A Antiguidade Clássica e os primeiros pensadores

A Época Medieval e o poder da fé

A Idade Moderna: o novo conhecimento e as Grandes Navegações


A Contemporaneidade

Já é possível imaginar nosso limite?


Tema 1
Natureza e Cultura

Por que se considera que o homem é um ser cultural?

Uma das maiores questões que


afligem a humanidade é a busca de
sua origem, dos princípios
fundadores da concepção
propriamente humana. Por mais que
se investigue, as dúvidas sempre
surgem nesse âmbito, e as
discussões resvalam em problemas
filosóficos, religiosos e científicos.

Assim, a questão “O que é o homem?” perpassa a história do conhecimento, da


Antiguidade aos dias atuais. E muitos, a sua maneira, procuram desenvolver ideias
capazes de justificar a complexidade da existência e dos procedimentos humanos.

Além disso, inúmeras diferenças entre os seres vivos podem ser percebidas,
especialmente entre homens e animais. Por exemplo, a adaptação do homem ao
espaço físico e temporal difere bastante da adequação dos animais à natureza, e nem
sempre o comportamento humano pode ser comparado às ações dos animais, até
pela previsibilidade comportamental característica das espécies comumente
chamadas irracionais.

Saiba Mais

A sociabilidade como tal não é característica exclusiva do homem, nem


seu único privilégio. [...] Mas no caso do homem encontramos não apenas,
como entre animais, uma sociedade de ação, mas também uma sociedade
de pensamento e sentimento. [...] Como os animais, o homem se submete
às regras da sociedade, mas, além disso, participa ativamente da
produção e da mudança das formas da vida social. Nos estágios
rudimentares da sociedade humana, essa atividade é ainda escassamente
perceptível, parecendo reduzida ao mínimo. Mas quanto mais nos
adiantamos, tanto mais explícita e significativa se torna esta característica.
Este lento desenvolvimento pode ser acompanhado em quase todas as
formas da cultura humana.

(CASSIRER, 1977, p. 349)


Os atos dos animais são instintivos e determinados biologicamente; assim, eles
possuem características rígidas, próprias de cada espécie, e não costumam sofrer
mudanças significativas, visto que são geneticamente programados para seguir as leis
naturais, integrando-se harmonicamente a seu espaço físico. Já o homem, desde os
primeiros momentos de vida, transforma e adapta a natureza de acordo com suas
necessidades.

Saiba Mais

Enquanto se opõe à natura (natureza), a cultura possui um duplo sentido


antropológico: a) é o conjunto das representações e dos comportamentos
adquiridos pelo homem enquanto ser social. [...] b) é o processo dinâmico
de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se
impõem, em determinada sociedade [...]. Nesse sentido, a cultura
praticamente se identifica com o modo de vida de uma população
determinada, vale dizer, com todo esse conjunto de regras e
comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para
os agentes sociais e através dos quais elas encarnam em condutas mais
ou menos codificadas.

(JAPIASSÚ & MARCONDES, 1991, p. 63)

A espécie humana, não sendo, portanto, biologicamente determinada para agir no


mundo, conta com a linguagem simbólica para a produção de cultura, transcendendo,
assim, o estado de natureza. Através do símbolo, o homem cria a realidade em vez de
apenas adaptar-se a ela.

Observamos, então, que somente o homem é


capaz de agir e modificar conscientemente a
realidade, pois seu contato com o mundo está
vinculado à cultura, a qual resulta especificamente
das transformações realizadas por sua capacidade
de criar e tornar comuns as coisas a seu redor.

Por exemplo: cansado, um homem primitivo senta-


se em uma pedra; mesmo sem sofrer
transformação em sua forma, aquela pedra, ao lhe
servir de descanso, adquire um sentido utilitário e
passa a ser um objeto cultural.

Por outro lado, a expressão “o homem é um ser cultural”, constantemente utilizada,


confunde mais do que explica, pois não é raro que se vincule o conceito de cultura à
instrução, à formação intelectual, à erudição, privilégios de poucos. Porém, quando
tratamos do termo em seu sentido antropológico, vemos que cultura é toda
transformação exercida pelo homem sobre a natureza.
Verificamos assim que, independentemente
do espaço geográfico em que está inserido,
todo homem é um ser cultural – o que
significa que não existe uma cultura
superior e outra inferior, mas culturas
diversificadas, e devemos entender que ser
diferente não é ser melhor nem pior, é
simplesmente ser diferente.

Ou seja, a cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros de


um grupo social. Nesse sentido, o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização
tecnicamente evoluída [...] quanto às formas de vida social mais rústicas [...]. Todas as
sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada
cultura tem seus próprios valores e sua própria verdade. Podemos acrescentar, por
fim, e numa abordagem mais filosófica, que cultura é a resposta oferecida pelos
grupos humanos ao desafio da existência. (COTRIM, 1999, p. 15)

Estamos, portanto, combatendo a perspectiva etnocêntrica que afirma que um


determinado grupo é o centro do universo.

Ao se instalar no mundo, o homem consegue


agir e modificar conscientemente a realidade que
o cerca, vinculando esses procedimentos ao
desenvolvimento de seu psiquismo, a sua
capacidade de abstração. A necessidade de
viver em contato com seus semelhantes,
interagindo com eles, possibilita a criação de
símbolos, de palavras, da linguagem, enfim,
permite o afastamento do concreto e o “domínio”
do tempo (lembrar-se do passado, pensar o presente, projetar o futuro).

A linguagem é um sistema simbólico e caracteriza o universo humano por sua


capacidade de distanciar-se do “real vivido” e produzir abstrações.

Quer dizer, o homem representa, por meio de palavras, ideias e objetos ausentes. Por
exemplo, podemos falar de um elefante sem que ele esteja presente, pois todos os
membros de um grupo já sabem a que se refere a palavra elefante.

A linguagem se manifesta, assim, como fenômeno coletivo, capaz de expressar tudo


aquilo que diz respeito à civilização, dando ao homem a possibilidade de expor
discursivamente seu pensamento, de ordenar, refletir, divulgar e transmitir os
costumes e tradições da sociedade em que vive. A linguagem é, portanto, a
capacidade que permite ao homem a comunicação por meio de um código, o qual é
reflexo de seu modo de ser e de agir e, consequentemente, de sua própria
humanização.

Como ser de cultura, o homem cria formas de


representação que se disseminam através do
tempo e do espaço, levando ao
desenvolvimento dinâmico e contínuo de seu
modo de “estar no mundo”. Para isso, a plena
adaptação ao mundo humano requer o
entendimento dos símbolos linguísticos.

O homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu
ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador [emissor], que são encontrados em
todas as espécies animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos
descrever como sistema simbólico. Essa nova aquisição transforma o conjunto da vida
humana. Comparado aos outros animais, o homem não vive apenas em uma realidade
mais ampla; vive, pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade.

Esta ação do homem sobre a natureza, modificando o ambiente, seu espaço físico,
por interesses próprios, é denominada trabalho, conjunto de atos humanos realizados
de modo consciente e intencional. Nesse sentido, o trabalho é considerado de modo
positivo, visto que, ao modificar a natureza, o ser humano trabalha e se realiza, e essa
atividade implica a satisfação de suas necessidades primeiras: alimentação, moradia,
defesa, entre outras.

Quando pensamos sobre o papel do trabalho em seu aspecto individual, verificamos


que ele permite ao homem expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e
realizar suas potencialidades. Pelo trabalho, o homem é capaz de moldar a natureza
e, ao mesmo tempo, alterar a si próprio. Ou seja, trabalhando, o homem pode
modificar o mundo e a si mesmo, produzir cultura e se autoproduzir. Em seu aspecto
social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho
tem como objetivo último a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade.
(COTRIM, 1999, p. 28)

O animal é movido por instintos enquanto o homem, por não possuir um número de
instintos fixos e inatos suficiente para garantir sua sobrevivência, depende da cultura
para sobreviver.

Os homens, de fato, começaram a produzir


cultura quando fizeram, da pedra bruta, facas e
pontas de lança para cortar, ferir e matar; quando
fabricaram utensílios de uso cotidiano a partir do
barro; quando aprenderam a usar como
vestimenta as peles dos animais abatidos;
quando começaram a plantar, a colher e a
armazenar mantimentos; quando, mais tarde,
descobriram os métodos necessários à
construção de casas sólidas e confortáveis; e
assim por diante.

Vemos, pois, que existe na concepção do existir humano uma relação profunda e
indissociável entre cultura, linguagem e trabalho, já que estes elementos fundamentais
moldam a vida do homem desde o nascimento. Ao contrário dos animais, que se
adaptam perfeitamente à natureza, nós – não só pela necessidade de sobrevivência,
mas também pelo desejo de conforto – somos capazes de transformar o meio em que
vivemos, a partir de nosso próprio esforço e ousadia.

A modificação da natureza por seu agir leva o homem a desenvolver técnicas e


instrumentos, transmitidos e aperfeiçoados de geração em geração, possibilitando,
sempre, a instauração de novas tecnologias.
Tema 2
Relações entre técnica e sociedade

De que modo as transformações da técnica contribuem


para o desenvolvimento humano?

Assim, a questão “O que é o homem?” perpassa a história do conhecimento, da


Antiguidade aos dias atuais. E muitos, a sua maneira, procuram desenvolver ideias
capazes de justificar a complexidade da existência e dos procedimentos humanos.

No alvorecer da humanidade, o trabalho era


coletivo, e todos participavam dos mesmos
afazeres; porém, as mudanças resultantes do
desenvolvimento das sociedades alteraram
esta visão positiva, de participação solidária,
desvirtuando sua função inicial.

Para as classes dominantes daquele tempo,


tudo que se relacionasse com a realidade
prática seria indigno de seus interesses, devendo ser executado por aqueles
desprovidos de habilidades intelectuais. Assim, enquanto a elite se dedicava a
questões mais “nobres” – tais como política, filosofia, ciência –, o fazer técnico
(a techné) vinculava-se a classes sociais menos favorecidas.

Na Grécia Clássica, por exemplo, os


cidadãos participavam ativamente da
vida pública, das guerras e das
decisões do governo, mas, de modo
geral, desconsideravam o trabalho
manual ou material dos artesãos,
marceneiros e outros. Numa
sociedade como a grega, não caberia
aos atenienses – aqueles que tinham
direito à cidadania – o
desenvolvimento de técnicas
“braçais”, visto que apenas o trabalho intelectual daria plenitude à vida humana.
Esta visão preconceituosa leva o homem a “separar” o pensamento da ação,
valorizando a intelectualidade em detrimento do trabalho braçal; isto é, o trabalho
intelectual, ou mental, seria superior ao trabalho manual, ou material – como se fosse
possível essa distinção entre o pensar e o agir.

Contudo, devemos enfatizar que é o processo


de aprimoramento das técnicas na criação de
ferramentas de trabalho que vai possibilitar a
intervenção na natureza, quando o homem
sentir a necessidade de modificar o meio
ambiente. Assim, em vez de usar as mãos, o
ser humano recorre a instrumentos por ele
criados e que facilitem sua tarefa de agir
sobre o mundo. Estes instrumentos, cada vez
mais aperfeiçoados, serão transmitidos de geração em geração, proporcionando a
criação de novas fontes de desenvolvimento.

Considerando as transformações
históricas, podemos observar que, ao
fim da época medieval, a relação
entre trabalho e técnica há de se
modificar, e as mudanças daí
decorrentes, como a ascensão da
classe burguesa, vão determinar
novos rumos para a vida em
sociedade. A partir de então, aliada
às ciências emergentes, a técnica
passa a ser valorizada e incorporada
ao progresso.

Cabe destacar que a utilização da técnica no início dos tempos modernos (a partir do
século XVII), também alterou a concepção de ciência.

Entretanto, as grandes transformações ocasionadas pela união da ciência com a


técnica passam a assumir contornos dúbios, já que, ao mesmo tempo em que se
desenvolve, a ciência, quando mal aplicada, pode provocar sérios danos aos recursos
naturais e ao próprio homem, causando um desequilíbrio ecológico, que pode
significar o fim da própria civilização.

Outro ponto de considerável relevância, além do domínio da natureza (para o bem ou


para o mal), é a ascendência que poucos homens passam a exercer sobre muitos. O
filósofo Jean-Jacques Rousseau já denunciava, no século XVIII, os problemas
resultantes do avanço técnico, o qual, segundo ele, aumentaria a desigualdade entre
as classes.

Rousseau, apesar de filósofo iluminista, critica a noção de progresso como potencial


instrumento de degeneração da natureza humana, mostrando-se preocupado com a
vida moral na sociedade.
A partir do desenvolvimento e da consolidação das indústrias da Modernidade, a
condição de vida dos trabalhadores foi visivelmente alterada. Enquanto os artesãos,
por exemplo, antes dominavam todas as etapas de seu trabalho, posteriormente, com
o advento das máquinas, este mesmo artesão não tinha como competir com os
produtos industrializados, transformando-se, então, em operário da fábrica, sem
condições de domínio sobre seu fazer, realizando mecanicamente suas funções, de
modo alienado.

O processo de alienação afeta milhões de


trabalhadores nas sociedades capitalistas
modernas, onde a produção econômica
transformou-se no objetivo do homem, em vez
de o homem ser objetivo da produção. Esse
processo iniciou-se no século XIX, quando o
trabalho na maioria das indústrias começou a
tornar-se cada vez mais rotineiro,
automatizado e especializado ao ser dividido
em múltiplas operações. Visava-se com isso
economizar tempo e aumentar a
produtividade. [...] tudo transcorre sem que o
operário tenha controle sobre o produto final do seu trabalho, nem governo sobre a
finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o
trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas
necessidades. (COTRIM, 1999, p. 30)

O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é um exemplo clássico da


crítica à condição do operário no início da mecanização industrial, com o
advento da linha de montagem.

Com efeito, o processo de alienação provoca uma ruptura entre o trabalhador e o bem
produzido, separando homem e objeto; porque, na maioria das vezes, o operário
perde sua autonomia e não tem condições de adquirir aquilo que ele próprio produz.

O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) criticava as condições alienantes em que


viviam os operários. Por não poder usufruir daquilo que produzem, estes trabalhadores
são “despossuídos” do fruto de seu próprio trabalho. Marx associa a alienação a uma
“despossessão”, sustentando a inexistência de acesso do operário ao bem produzido.

Em nossos dias, o conceito de alienação aplica-se a vários aspectos da realidade,


interferindo tanto na política quanto na vida social, o que leva o homem a perder sua
autonomia e a consciência crítica de seu fazer. Podemos também perceber a
alienação quando o indivíduo é compelido a adquirir produtos que, muitas vezes, não
passam da mera criação de “necessidades” inúteis por parte das grandes corporações
que alicerçam o capitalismo.
A falta de acesso aos bens produzidos, a precariedade dos serviços públicos e a
dificuldade de emprego provocam o surgimento de um número cada vez maior de
excluídos, incapazes de aproveitar os benefícios da cidadania. Estes fatores
perpetuam as diferenças entre as classes, descambando para o etnocentrismo (a
sociedade dominante como modelo único) e para a xenofobia (aversão ao
estrangeiro).

Não podemos esquecer que essas


ações, ou normas sociais, são
sustentadas pela ideologia dominante.
De fato, a ideologia, como “ciência das
ideias”, naturaliza a divisão de classes
das sociedades, fazendo com que exista
uma aparente harmonia entre os
membros do grupo, mascarando, porém
as diferenças e as desigualdades
sociais. Assim, o indivíduo passa a agir
de acordo com as normas estabelecidas
e, sem a devida percepção, assimila
essas regras passivamente, sem
contradizê-las. A ideologia apresenta,
então, um mundo idealizado, onde a
realidade – mesmo com a divisão entre
ricos e pobres – é naturalizada.

Entretanto, embora o processo de divisão e de exploração do trabalho possa provocar


a alienação do indivíduo, é importante destacarmos que o ser humano é capaz de
transpor os obstáculos com os quais se depara, por força de sua inata capacidade de
pensar e de agir; e é justamente este vínculo indissociável do pensamento e da ação
que possibilita o entendimento e a reflexão sobre a realidade e sobre o próprio
conceito de homem.
Tema 3
O homem: uma perspectiva filosófica

Por que o questionamento filosófico se afasta das


narrativas míticas?

Dependendo de cada sociedade em seu processo civilizatório, a compreensão sobre a


existência do ser humano assume aspectos diversos e algumas vezes contraditórios,
já que, além da influência espontânea do grupo, outros fatores, tais como a educação
e a herança cultural, interferem na formação dos indivíduos.

Nos primórdios da civilização, os seres humanos se inquietavam com tudo o que


acontecia a sua volta, e os fenômenos da natureza eram grandes mistérios. O dia, a
noite, a chuva, a tempestade, o vento, o frio, a seca, todas estas manifestações
naturais causavam um medo além da compreensão humana.

Foi por isso que, na tentativa de entender estes fenômenos, os homens acabaram por
vinculá-los às divindades. Engendraram, então, histórias fantásticas – as narrativas
míticas – a respeito do que lhes causava estranhamento.

Na Antiguidade grega, na época arcaica, por exemplo, especialmente quando a


sociedade ainda era ágrafa (não se expressava através de sinais gráficos), os homens
estabeleceram diversos cultos aos deuses, reverenciando-os sem qualquer
questionamento ou crítica, pois os fenômenos da natureza, comandados pela vontade
divina, independeriam dos indivíduos do grupo, simples e impotentes mortais.

Aos poucos, porém, as explicações míticas sobre a origem do universo, relacionadas


à cosmogonia – gênese do cosmos – passam a ser insatisfatórias. Daí o surgimento
da cosmologia – descrição racional do cosmos –, pela qual se procura esclarecer o
princípio originário (a arché) do universo.
Desse modo, diferentemente das
narrativas míticas, de aceitação passiva,
os primeiros pensadores gregos buscam
a compreensão do princípio fundante do
universo, por intermédio de
investigações cosmológicas. Para eles,
tal origem resultaria dos quatro elementos da natureza – água, terra, fogo e ar –, que,
juntos ou isolados, teriam dado início à formação do mundo.

Determinadas condições históricas, como, por exemplo, as viagens marítimas, a


invenção do calendário, a invenção da moeda, o surgimento da vida urbana, a
invenção da escrita alfabética, além da invenção da política possibilitaram o
surgimento da Filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI a.c.

Nesse contexto, surgem os pensadores conhecidos como Filósofos da Natureza, ou


pré-socráticos. Poucos textos destes pensadores chegaram até nossos dias, mas seus
fragmentos (pequenos trechos do que escreveram) servem sempre de motivo para
reflexão. Conheça alguns desses fragmentos, clicando no nome de cada pensador.

Tales de Mileto Anaxímenes Xenófanes Heráclito

Heráclito (séc.
VI-V a.C.) diz
que o fogo é o
gerador do
Para Tales de Anaxímenes processo
Em Xenófanes
Mileto (640-548 (588-524 a.C.) cósmico; para
(séc. IV a.C.), o
a.C.), a água é o afirma que o ele tudo está
elemento
elemento princípio de num movimento
originante é
primordial de tudo o que infinito, em
a terra.
todas as coisas. existe é o ar. constante devir
(ninguém se
banha duas
vezes no
mesmo rio).

Leucipo e
Pitágoras Parmênides Empédocles
Demócrito

Pitágoras Parmênides, Já em Por fim,


assegura que ‘antagonista de Empédocles, os Leucipo e
o número é Heráclito’, dizia quatro Demócrito
a arché que que a mudança elementos sustentam que
possibilita é ilusão, pois a compõem a o universo é
a harmonia de essência seria formação de composto por
todas as coisas. imutável. tudo. átomos.
Gradativamente, então, a reflexão filosófica se volta, de modo mais específico, para a
condição humana, analisando antropologicamente o papel do homem no mundo.
Pouco a pouco, como já destacamos no início desta aula, a indagação sobre “O que é
o homem?” passa a constituir a base do conhecimento filosófico. Veja o que
pensavam os principais filósofos da época, clicando na imagem de cada um deles.

Protágoras e Górgias

Os pensadores sofistas, tais como Protágoras (séc. V a.C.) e


Górgias ( 485-380 a.C.) vinculam o conhecimento à
contextualidade, enfatizando o ensino da retórica – instrumento
político da época –, das matemáticas e da cultura geral. Estes
filósofos ressaltavam, também, a primazia do homem com relação
aos saberes. Segundo Protágoras, o homem é a medida de todas
as coisas.

Sócrates

Sócrates (470-399 a.C.) não deixou nada escrito, mas suas ideias,
transmitidas por discípulos, apresentam a força e o rigor da
reflexão filosófica. O método maiêutico – de construção do saber
por meio de perguntas e respostas –, por ele criado, é utilizado
contemporaneamente no processo de aprendizagem. Além disso,
sua expressão “só sei que nada sei” sintetiza a infinitude do
conhecimento e a busca sem fim da filosofia.

Platão

Platão (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates, louva o mestre em


várias de suas obras, colocando-o como interlocutor principal em
seus famosos Diálogos. Seu pensamento repousa na Teoria das
Ideias, ou Teoria das Formas, na qual destaca o dualismo entre o
intelecto e o sensível. Para ele, a busca do conhecimento consiste
na superação do sensível para alcançar as essências perfeitas e
imutáveis.

Aristóteles

Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, acredita que o


processo do conhecimento deveria chegar à essência universal do
objeto. Mas, ao contrário de seu mestre, ele não despreza o
mundo sensível, da empeiria (experiência), nem tampouco a
mutabilidade dos seres. Segundo Aristóteles, é impossível
considerar verdadeiramente o ser concreto e individual como
fundamento da investigação científica.

Dentre as teorias filosóficas clássicas que se destacam em sua forma de buscar a


compreensão do que é o homem, a concepção metafísica da natureza humana é uma
das mais representativas, pois surgiu na Antiguidade grega – especialmente com
Sócrates, Platão e Aristóteles –, atravessou séculos, e até hoje continua válida quando
se pensa a natureza humana em seu sentido amplo, igualando todos os homens, sem
distinção de classe ou riqueza.

A concepção metafísica valoriza, em especial, a essência humana, eterna, única e


imutável; não atrelada, portanto, à dinâmica social. O homem, no sentido amplo, é
compreendido de modo abrangente, independentemente de suas particularidades, do
tempo e do espaço em que se encontra. Para a visão metafísica, não importam as
características específicas de cada indivíduo (quanto ao sexo ou idade, por exemplo),
pois o que conta é a essência comum a todos eles. Desse modo, a essência é única e
idêntica em todos os seres humanos.

Podemos também pensar, de modo metafísico, os conceitos. Por exemplo: a ideia de


cadeira é abstrata, logo metafísica, pois não estamos nos referindo a um objeto
específico, mas a um conceito amplo, que abarca qualquer modelo de cadeira.

Mas, ao considerar apenas um modelo abstrato e universal, os problemas concretos


do homem em suas relações sociais e históricas não são levados em conta,
provocando muitas críticas de pensadores que se dedicaram a conceber a existência
humana de modo mais concreto e específico.

Dentre os pensadores mais críticos a tal corrente abstrata e universal podemos


destacar Friedrich Nietzsche e, posteriormente, Jean-Paul Sartre, que constituem
exemplos clássicos de oposição à corrente metafísica.

O pensamento de Nietzsche revoluciona os


modelos clássicos da filosofia, desde sua
exacerbada crítica à metafísica e a Sócrates até
a tentativa de “implosão” aos valores vigentes de
sua época. Para ele, existiriam dois elementos
distintos: o espírito apolíneo (da forma, da ordem
da razão) e o espírito dionisíaco (do deus
Dioniso, representando a paixão, o delírio, a
emoção), os quais deveriam se manifestar
igualitariamente, mas que a sociedade procurava
Friedrich Nietzsche (1844-1900) sufocar no que tange aos apelos dionisíacos.
Outra crítica à metafísica, das mais
representativas, é a corrente existencialista,
característica da época contemporânea, que
desenvolve uma oposição contundente ao
modelo único de uma essência abstrata. Um
dos principais pensadores do existencialismo
é o francês Jean-Paul Sartre, que defende o
valor autônomo da consciência e da liberdade
humana. De acordo com ele, a liberdade é a
característica primordial do ser humano (“nós
Jean-Paul Sartre (1925-1980)
somos aquilo que fazemos do que fazem de
nós”), que, dotado de consciência, é responsável por seu próprio destino e por suas
escolhas (“a não escolha também é uma escolha”). Portanto, e seguindo o
pensamento de Sartre, o homem é um ser condenado à liberdade, que constrói seu
próprio destino e é responsável por ele.

Com relação ao que o homem representa e


deseja em determinado espaço temporal,
muitos são os modelos ideais forjados, mas
existem entre eles, como pudemos observar,
concepções bem contraditórias. Assim, as
duas correntes já mencionadas apresentam
possibilidades divergentes de como pensar o
homem no mundo.

Na elaboração de suas teses, os filósofos que


brevemente examinamos buscaram
desenvolver seus sistemas e ideias de modo
claro e preciso, a fim de que seus argumentos
fossem bem compreendidos e não dessem
margem a contradições ou dubiedades. Isso
porque, em Filosofia, não temos a garantia
antecipada própria das ciências exatas e
naturais. Ou seja, não se pode dizer que um sistema filosófico é superior a outro,
assim como não podemos afirmar que Aristóteles suplantava Platão, ou vice-versa.

Por isso, sempre foi e será necessário que as ideias expostas pelos filósofos tenham
por base uma organização lógica e coerente que possibilite o pleno entendimento dos
raciocínios expostos.
Vídeo

Para saber mais sobre a análise filosófica a respeito do homem,


destacando sua interação com a natureza e as diversas concepções das
quais foi objeto no decorrer da história, assista agora ao vídeo: Uma
introdução à Antropologia Filosófica.

Clique na imagem para visualizar o vídeo.


Encerramento

Por que se considera que o homem é um ser cultural?

Porque, ao se instalar na natureza, o ser humano modifica o meio de acordo com suas
necessidades e interesses, num processo constante de transformação, cujo resultado
é a criação da cultura, pois, diferentemente dos animais, adaptados e integrados ao
meio em que vivem, a relação do homem com o mundo é de permanente
enfrentamento.

De que modo as transformações da técnica contribuem


para o desenvolvimento humano?

Com o aperfeiçoamento das técnicas, o homem ampliou sua visão de mundo,


modificando seu modo de vida. Assim, ao aprimorar seus instrumentos de trabalho, o
ser humano aperfeiçoou também suas ações sobre o mundo, o que lhe possibilitou,
gradativamente, seu desenvolvimento.

Por que o questionamento filosófico se afasta das


narrativas míticas?

Porque pelo questionamento filosófico o homem deixa de aceitar passivamente as


normas predeterminadas e as explicações sobrenaturais que lhes são transmitidas,
procurando alcançar um entendimento racional sobre a origem do universo, livre da
recorrência ao sagrado.

Resumo da Unidade

Como vimos, o ser humano se destaca dos animais irracionais devido a sua inata
capacidade de adequar o ambiente a suas necessidades, elaborando técnicas cujo
resultado é o desenvolvimento ininterrupto da cultura.

Em sua ação sobre a natureza, o homem estabelece costumes e valores sociais


que lhe permitem diversificar sua visão de mundo, na busca de um entendimento
capaz de levá-lo a refletir sobre a realidade que o cerca e sobre si mesmo.

Vamos observar que é por meio do pensamento lógico que o ser humano tem
condições de elaborar corretamente seu raciocínio.

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