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92 A Bíblia Que Jesus Lia - Philip Yancey

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ÍNDICE

Prefácio .............................................................................. 1

Instruções para uso deste material...................................... 3

Introdução ao Antigo Testamento ...................................... 4

1. Vale a pena ler o Antigo Testamento? ......................... 22

2. Jó: soberania e dor ........................................................ 30

3. Deuteronômio: um sabor agridoce ............................... 40

4. Salmos: espiritualidade em cada nota ......................... 47

5. Eclesiastes: fim da sabedoria ....................................... 58

6. Profetas: resposta de Deus para o mundo .................... 66

7. Isaías: a nação e o servo ............................................... 76

Bibliografia ...................................................................... 85
© Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera
Ministério de Grupos Pequenos

Agosto de 2011
Produzido para uso interno

Contatos:
grupospequenos@chacaraprimavera.org.br
www.chacaraprimavera.org.br
(19) 3254-4500

Equipe de produção
Texto
Ana Luísa de Mello e Silva
Marco Antonio Gomes Da Silva
Newton R. B. Oppermann

Supervisão e revisão
Jonathan Luís Hack
Marco Antonio Gomes Da Silva
A Bíblia que Jesus lia 1

Prefácio

Estudaremos nos grupos pequenos, nessa série que você tem


em mãos, o Antigo Testamento, que é “a Bíblia que Jesus lia”. Será
uma experiência gostosa, como se estivéssemos deslizando graciosa-
mente sobre um lago congelado. Particularmente, tenho um enorme
prazer em apresentar esse material amplamente pesquisado e escrito
por várias pessoas. O título é muito desafiador e a escolha de escrever
cada estudo, feita por Deus.
A denominação Antigo Testamento é o modo pelo qual nos re-
ferimos à primeira parte da Bíblia. A expressão “testamento” vem do
latim testamentum, tradução do hebraico berit e do grego diatheke,
significando “pacto, acordo, contrato, aliança”. Tudo isso está ligado
à ideia da aliança feita entre Deus (Javé) e Israel, através de Moisés.
O Antigo Testamento (AT) é uma coleção de livros que o povo
de Deus reconheceu como Sagradas Escrituras reveladas pelo próprio
Senhor. Esta coleção chegou até nós por meio do judaísmo, e também
o cristianismo e o islamismo reconhecem estes livros como sagrados.
Com a vinda de Jesus e sua “nova aliança” (Novo Testamento), a
expressão Antigo Testamento foi usada para designar os tempos ante-
riores a Cristo (veja 2Co 3:14).
O AT é a escritura usada pelos cristãos no princípio, pois so-
mente aos poucos é que foi surgindo o Novo Testamento. O próprio
Jesus reconhece e reafirma a autoridade do Antigo Testamento como
Palavra de Deus.
Num sentido mais restrito, o AT é a história do povo de Deus
diante do pacto com seu Deus. Esta história é marcada pela fidelidade
de Deus mas, por outro lado, pela infidelidade constante do povo.
Essa infidelidade traz, sucessiva e inevitavelmente, um merecido cas-
tigo. Mesmo assim Deus continua fiel à aliança feita com seu povo.
2 A Bíblia que Jesus lia

O Novo Testamento (NT), porém, marca o início da nova alian-


ça (por isso, Novo Testamento). Esta não é baseada em sangue de
bodes e de carneiros, como a antiga, mas no sangue do Filho, Jesus. O
AT é a preparação de Deus para o NT; a antiga aliança nos conduz à
nova aliança! Mas o AT não pode ser compreendido completamente
sem a luz do NT sobre ele. Os dois, juntos, formam uma única revela-
ção do plano de Deus para seu povo! De igual modo, o AT é que tor-
na o NT compreensível e aceitável; a segunda parte da Bíblia só pode
ser entendida à luz da revelação da primeira. Jesus disse àqueles que
não criam ser ele o Messias: “Se vocês cressem em Moisés, creriam
em mim, pois ele escreveu a meu respeito” (Jo 5:46).
Cristo abriu a mente dos discípulos para o entendimento das
Escrituras (Lc 24:25). Também Paulo argumenta sobre o véu que
cobre as mentes dos judeus quando leem o AT e diz que este véu só é
retirado em Cristo (2Co 3:14). “Existe, portanto, no Antigo Testamen-
to um conteúdo que somente a fé cristã está em condições para com-
preender e julgar”.1
Concluindo, quero destacar que o Antigo Testamento:
 É a história que prepara o advento de Cristo;
 É a história das intervenções de Deus na vida do homem pa-
ra realizar seu plano redentor;
 É uma exposição doutrinária e religiosa que prepara o sur-
gimento do cristianismo;
 É uma pedagogia religiosa: a lei nos conduz até Cristo;
 É uma figura do Novo Testamento.
Bem, então vamos encarar este desafio de estudar o Antigo Tes-
tamento, a Bíblia que Jesus lia.
Marco Antonio Gomes Da Silva

1
Teodorico Balarini, Introdução bíblica, p. 25.
A Bíblia que Jesus lia 3

Instruções para uso deste material

Os temas e as datas listados abaixo apresentam o calendário


previsto para uso desse material nos grupos pequenos:
 2 a 4 | agosto = Vale a pena ler o AT?
 9 a 11 | agosto = Jó, soberania e dor.
 16 a 18 | agosto = Deuteronômio, um sabor agridoce.
 23 a 25 | agosto = Salmos, espiritualidade em cada nota.
 30 | agosto a 1 | setembro = Eclesiastes, fim da sabedoria.
 6 a 8 | setembro = Profetas, resposta de Deus ao mundo.
 13 a 15 | setembro = Isaías, a nação e o Servo.

O material de cada encontro seguirá o padrão abaixo:


 Objetivos: conceitos chaves abordados no estudo;
 Introdução ao assunto em questão;
 Estudo: Conjunto de perguntas para debater o assunto;
 Para refletir e praticar;
 Leituras sugeridas para o próximo encontro;
 Lista de orações: espaço para anotar os motivos de orações
do grupo naquele encontro;
 Lista de presença: espaço para registrar as presenças dos par-
ticipantes naquele encontro.
Marco Antonio Gomes Da Silva
4 A Bíblia que Jesus lia

Introdução ao Antigo Testamento

Leio a Bíblia como qualquer leitor comum, interagindo com o


conteúdo, procurando entender a intenção do autor. Por ganhar a vida
como escritor, dou uma espiada „por trás das cortinas‟ para especular
a razão na qual o autor usou determinada ilustração, escolheu uma
metáfora incomum ou começou aqui e não ali.2

A Bíblia pode ser descrita como uma coleção de livros escri-


tos que a igreja reconhece como inspirados; nós os chamamos de Es-
crituras, Escritura Sagrada ou de Testamentos (Antigo e Novo).
A palavra Bíblia vem até nós do grego através do latim. A ex-
pressão grega é ta biblia, que quer dizer “os livros”. No latim tardio, a
palavra tomada por empréstimo biblia (plural neutro em grego) foi
considerada como um substantivo latino, feminino, singular, signifi-
cando “o livro”. Este significado dado, porém, não satisfaz, posto que
a Bíblia é uma biblioteca de livros com diversos autores humanos (em
torno de 40) e um autor divino, através da inspiração do Espírito San-
to. É dividida em duas partes: o Antigo e o Novo Testamentos.
Esta palavra testamento indica uma característica fundamental
da revelação, isto é, a aliança de Deus com seu povo. Esta aliança era
um contrato, visto que o povo também aceitou certas condições, espe-
cialmente na obrigação de ser fiel a ele, o único Deus verdadeiro.

2
Philip Yancey, A Bíblia que Jesus lia, p. 9.
A Bíblia que Jesus lia 5

O texto do Antigo Testamento

A) Formação do texto bíblico


A formação do Antigo Testamento foi um processo bastante
longo. Muito do que sabemos sobre o mundo antigo está baseado na
tradição oral que passava de pais para filhos, de contadores de histó-
rias para crianças, de mestres para alunos, etc.
Assim foi preservada a história, por exemplo, do princípio de
todas as coisas. Moisés escreveu no século XIII a.C., mas relatou his-
tórias do século XIX a.C. sobre Abraão e seu chamado por Deus.
Aceitando 1280 a.C. como data da entrada em Canaã,3 e sabendo que
Moisés não entrou na Terra Prometida, podemos concluir que ele
escreveu os seus livros antes disso.
A história do Antigo Testamento se encerra com os relatos de
Neemias no ano 434 a.C. e as profecias de Malaquias. Isto significa
um período total de 800 a 900 anos para o surgimento dos escritos do
AT em sua forma original.
Os séculos seguintes são denominados de Período Interbíblico
(ou Período Intertestamental = entre os dois testamentos). É um perí-
odo de silêncio profético de 400 anos. Contudo, podemos acompa-
nhar os acontecimentos históricos em livros que são parte da tradição
de Israel e de outros povos.
Após este período chega a plenitude dos tempos, o ponto central
da história da humanidade: o Deus Criador se encarna entre nós como
ser humano na pessoa de Jesus. A vida e o ministério de Jesus são
relatados por escrito após sua morte e ressurreição. Juntamente com
narrativas e cartas sobre a vida da igreja, tais escritos foram reconhe-
cidos como Palavra de Deus e agrupados no Novo Testamento.
Abrangem desde o livro de Tiago (cerca de 50 d.C.) até os escritos de
João, já no final da era apostólica (cerca de 100 d.C.).
Assim, enquanto o AT levou mais de 800 anos para ser forma-

3
Os estudiosos divergem quanto às datas exatas dos acontecimentos antes da época
de Saul e Davi. Por isso, tais datações devem ser assumidas com cautela.
6 A Bíblia que Jesus lia

do, o NT aparece em apenas 50 anos. Obviamente, a oficialização


destes documentos levou mais tempo (veja abaixo).
Toda a formação do Antigo Testamento passa logicamente pela
formação do povo de Israel e, consequentemente, pela família forma-
da a partir de Abraão. Abraão aparece na história da humanidade por
volta de 2040 a.C.4 “O nome „Abraão‟ (Abamram) aparece em textos
babilônicos da Primeira Dinastia e possivelmente nos textos das Exe-
crações, enquanto que nomes contendo os mesmos componentes são
encontrados em Mari”.5 Estas citações são importantes, pois situam
Abraão e a narrativa bíblica dentro do contexto da história geral e
permitem propor uma data aproximada para seu nascimento. A Bíblia
não fornece tais detalhes, pois seu foco não está na exatidão científica
ou histórica, mas na explanação teológica sobre os fatos ocorridos.

B) Cânon do Antigo Testamento


O processo de canonização desta coleção de livros sagrados le-
vou séculos para ser completado. Foi uma tarefa árdua e difícil.
No AT, muitos livros foram rejeitados por uns e aceitos por ou-
tros, de acordo com tradições de cada região. Aos poucos um consen-
so foi formado e os judeus da Palestina definiram seu cânon (conjunto
fixo de livros). Os judeus gregos (que não viviam na Palestina) incluí-
ram outros livros em sua tradução do hebraico para o grego (chamada
de Septuaginta).6 Este debate, entretanto, continuou dentro da igreja,
chegando até os dias da Reforma Protestante.7 Tais livros passaram a

4
Joseph Angus, História, doutrina e interpretação da Bíblia, p. 328.
5
John Bright, História de Israel, p. 96.
6
Tem este nome, segundo a lenda, por ter sido preparada por 70 anciãos no reinado
de Ptolomeu Filadelfo, por volta de 285-246 a.C.. Por isso ficou conhecida como “a
tradução dos Setenta” (LXX ou Septuaginta).
7
O cânon palestino é conhecido como Cânon Hebraico. O Cânon Alexandrino
resultou na tradução da LXX. Os protestantes seguem estritamente o cânon palesti-
no; os católicos, por decisão do Concílio de Trento, adotam o Cânon Alexandrino,
mas reconhecem que tais adições não têm o mesmo valor inspirado dos demais
livros (daí a denominação de deuterocanônicos, querendo indicar “de segunda li-
nha” ou “segundo cânon”).
A Bíblia que Jesus lia 7

ser denominados como deuterocanônicos. Muitos outros livros, rejei-


tados por ambos os grupos de judeus, são denominados de apócrifos.
Não foi apenas uma atividade humana que determinou se o que
foi escrito era ou não Palavra de Deus. Pensar assim é deixar de lado
a soberana ação do Espírito Santo que inspirou o texto bíblico e o
preservou durante os séculos posteriores até hoje. Este processo longo
e penoso certamente foi guiado por Deus, mas o homem também to-
mou parte deste processo, por meio de sua pesquisa, conhecimento e
processos de desenvolvimento histórico, linguístico e cultural. Deus
agiu de forma soberana no processo de formação da palavra, assim
como esteve na sua preservação e no processo histórico de séculos
para definir este cânon.

C) Informações adicionais sobre o cânon


Para você que deseja entender melhor este assunto, seguem
abaixo alguns detalhes adicionais a respeito da canonização das três
partes principais do Antigo Testamento:
Lei (Pentateuco ou Torá): o processo histórico do cânon se iniciou em 621
a.C., quando o rei Josias fez uma reforma em Israel e o livro de Deuteronômio foi
encontrado no templo. A partir daí houve um resgate dos livros antigos e maior
cuidado com sua preservação. Os incidentes descritos em Gênesis exigem grande
conhecimento de causa e certamente foram baseados em tradições e documentos
antigos. Êxodo afirma 75 vezes que “disse o Senhor a Moisés”, demonstrando que
estes livros estão baseados na vontade revelada do Senhor e que Moisés foi o
mediador desta revelação. Por isso o Pentateuco também é denominado como “os
livros de Moisés”.
Profetas: evidências históricas mostram que entre 250 e 175 a.C. os profe-
tas já eram considerados escritos sagrados. Isso inclui os livros de Josué, Juízes,
Samuel e Reis (são denominados de profetas anteriores); Isaías, Jeremias e Eze-
quiel (profetas posteriores) e os doze profetas menores. Os escritos dos profetas se
distinguiam tanto dos outros que logo eram considerados autoritários (ou seja, ins-
pirados por Deus, com autoridade de Deus). Em quase todos vemos a fórmula:
“Assim disse o Senhor”.
Escritos: esta foi a parte com mais disputas e mais demorada a concluir.
Aqui se incluem os livros poéticos de Salmos, Provérbios, Jó e os cinco rolos usa-
dos nas festas de Israel: Cantares, Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester. Há
8 A Bíblia que Jesus lia

também os livros históricos de Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas. Os livros de


Ester e de Lamentações foram os últimos a serem aceitos como canônicos, por
volta de 160-105 a.C.8 Já os livros de Cantares, Eclesiastes e Ester foram os que
permaneceram mais tempo como disputados! Até o Sínodo de Jâmnia, em 90 d.C.,
alguns rabinos ainda não aceitavam o livro de Ester porque o nome de Deus não é
mencionado nenhuma vez em todo o livro.
O mais antigo e decisivo testemunho é o do historia-
dor judeu Flávio Josefo, que cerca do ano 90 d.C.
escreve o seguinte: ‘Porque nós não temos (isto é,
como os gregos) miríades de livros discordantes e
contraditórios entre si, mas apenas 22... juntamente
aceitos. Cinco são os livros de Moisés, que compre-
endem as leis e as tradições da origem da humani-
dade até a morte dele. Os profetas que foram depois
de Moisés escreveram em 13 livros o que sucedera
no tempo em que viveram. Os 4 livros restantes en-
cerram hinos a Deus e preceitos para a conduta do
homem’. O grupo dos 22 livros está provavelmente
disposto justamente como o temos hoje na Bíblia
sem os apócrifos, na Bíblia protestante que segue o
cânon hebraico ou palestino... O testemunho de Jo-
sefo é impressionante porque ele escreve em grego
para os gregos. Estes e ele conheciam muito bem a
LXX (Septuaginta), mas escrevendo ele, como por-
ta-voz da sua nação, limita formalmente o cânon do
AT aos escritos contidos nas Escrituras hebraicas.9

D) Informações adicionais sobre os livros apócrifos


O termo apócrifo vem do grego apokrufe que quer dizer “oculto, secreto, mis-
terioso”. No início da igreja, o termo era usado para designar livros de autoria incer-
ta, ou escritos sob pseudônimos,10 ou ainda aqueles livros que tinham sua autorida-

8
Entretanto, Josefo, um historiador posterior dos hebreus, afirma que o cânon já
estava fechado na época de Esdras, por volta de 450 a.C.. Veja também a citação
dele no parágrafo seguinte.
9
Joseph Angus, História, doutrina e interpretação da Bíblia, p. 14-15.
10
Apelidos ou nomes usados para esconder o verdadeiro nome do autor ou mesmo
para se passar pelo autor mais famoso. Exemplo: “Evangelho de Pedro”.
A Bíblia que Jesus lia 9

de canônica posta em dúvida.


Assim, o termo apócrifo tomou o sentido de “espúrio, não autêntico”, indi-
cando até hoje os livros não canônicos. Já vimos que os livros aceitos pelos judeus
palestinos são os mesmos da Bíblia protestante; enquanto os judeus gregos aceita-
vam outros livros, como hoje encontramos na Bíblia católica (Septuaginta).
Nos séculos iniciais, os cristãos tinham em alta conta os livros não canôni-
cos acrescidos na LXX. No ano 400 d.C., Jerônimo lhes atribuiu uma classificação
inferior, separando-os dos demais. Em 1548, a Igreja Católica oficializou estes
acréscimos como canônicos e os inseriu na Vulgata, apesar de Jerônimo tê-los
deixado de fora anteriormente. Mantiveram fora apenas os livros de I e II Esdras e a
Oração de Manassés.
Há inúmeros livros apócrifos. Veja a lista a seguir com os livros apócrifos e
deuterocanônicos em ordem cronológica:
250 a.C. Aikar
220 a.C. Tobias
183 a.C. I Enoque
181-145 a.C. Adições a Ester
180 a.C. Sabedoria de Jesus Ben Sirac (Eclesiástico)
180 a.C. Testamento dos 12 patriarcas
180-100 a.C. Judite
150 a.C. I Baruque
150 a.C. Cântico dos três jovens
105 a.C. I Macabeus
105 a.C. Fragmentos Sadoquitas
< 100 a.C. I Esdras
100 a.C. Manual de Disciplina
100 a.C. Guerra dos filhos da Luz e Trevas
100 a.C. II Macabeus
100 a.C. Oráculos sibilinos III
100 a.C. Salmos da seita de Qumran
80-50 a.C. Susana
80-50 a.C. Epístola de Jeremias
80-50 a.C. Bel e o Dragão
80-50 a.C. Carta de Aristéias
40 a.C. Vida dos Profetas
40 a.C. Comentário sobre Habacuque 1.2
40 a.C. Salmos de Salomão
50 a.C. - 10 d.C. Sabedoria de Salomão
50 a.C. - 50 d.C. III Macabeus
50 a.C. - 70 d.C. IV Macabeus
10 A Bíblia que Jesus lia

4 a.C. - 28 d.C. Assunção de Moisés


1 d.C. Martírio de Isaías
1 d.C. Oração de Manassés
1-66 d.C. Crônicas de Jeremias
1-66 d.C. Vida de Adão e Eva
1-66 d.C. Apocalipse de Moisés
1-66 d.C. II Baruque
10-100 d.C. Ditos dos Pais
66 d.C. II Enoque
88 - 117 d.C. II Esdras
100 d.C. Apocalipse de Abraão
100 d.C. III Baruque

Bibliografia sugerida para estudos posteriores


Se houver interesse, você pode obter mais detalhes sobre a formação do
texto bíblico e o processo de canonização nos livros abaixo:
 A inspiração e inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada,
Hermisten M. P. da Costa, Cultura Cristã
 Documentos do AT: sua relevância e confiabilidade, Walter Kaiser, Cultu-
ra Cristã
 Havendo Deus falado, J. I. Packer, Cultura Cristã
 Inspiração e canonicidade da Bíblia, Robert L. Harris, Cultura Cristã
 Introdução bíblica, Norman Geisler, Vida
 Merece confiança o AT?, Gleason Archer, Vida Nova
 Merece confiança o NT?, F. F. Bruce, Vida Nova.

Contexto histórico e social do AT

A) Língua e literatura
Língua: os livros do AT foram escritos na língua hebraica, a
língua dos hebreus.11 Esta era a língua comum de Canaã e da Fenícia.
Pode-se considerar o hebraico como sendo o dialeto israelita da lín-

11
O qualificativo hebraico para a língua dos hebreus ocorre em primeiro lugar no
livro apócrifo de Eclesiástico (cerca de 130 a.C.). Josefo se utiliza da expressão
“língua dos hebreus” para o antigo hebraico. Os Targuns (paráfrases judaicas dos
livros do AT) chamam o hebraico de “a língua sagrada”.
A Bíblia que Jesus lia 11

gua cananeia.
Israel estava cercado de povos que falavam o aramaico, língua
correlata de Aram – território que abrangia parte da Mesopotâmia,
Síria e extensa porção da Arábia. Com a queda de Samaria (722 a.C.),
as tribos semíticas que falavam o aramaico passaram a exercer ainda
maior influência na região. O hebraico começou a decair como língua
até se extinguir como língua falada.
No tempo de Neemias, ainda era a língua falada em Jerusalém
(Ne 13:24), em cerca de 430 a.C., mas muito tempo antes de Cristo a
língua franca falada na região era o aramaico. A literatura em hebrai-
co era apenas para os eruditos. Assim, o aramaico se propagou e era a
língua falada por Cristo e seus apóstolos. Alguns trechos do AT fo-
ram escritos em aramaico – Ed 4:8 a 6:18; 7:12-16 e Dn 2:4 a 7:28.12
Todas as línguas semíticas13 são de grande importância para o
estudioso do AT em sua língua original.14
Literatura: com o surgimento da imprensa em 1477, foi feita a
primeira impressão da Bíblia Hebraica: o livro de Salmos. Em 1488
toda a Bíblia Hebraica já estava impressa. Antes destes textos impres-
sos, o texto bíblico era registrado em manuscritos (MSS), copiados
com muita fidelidade.15
Por volta do ano 800, os massoretas inventaram o sistema de
acentuação, que dava a pronúncia e exata conexão entre palavras,
produzindo a cadência para leitura e recitação nas sinagogas. Estes

12
Também os Targuns também estão em aramaico.
13
O siríaco – uma versão do aramaico de Edessa, na Mesopotâmia – também é
importante; há importantes versões siríacas do NT. O árabe, outra língua semítica,
também possui vasta e rica literatura. O árabe moderno difere do antigo nas suas
formas; de um dialeto árabe, o himiarítico, deriva-se o etiópico.
14
Nenhum dicionário hebraico pode se considerar satisfatório se não fizer menção
constante aos significados dos termos nas línguas cognatas. O hebraico passou por
várias modificações durante o período do AT.
15
Há nos MSS curiosas indicações sobre esta fidelidade. Mesmo certas marcas que
não se entendem, talvez feitas por erro ao manusear a pena, são duplicadas fielmen-
te em cada cópia.
12 A Bíblia que Jesus lia

sinais foram escritos em um corpo de tradições, a Massora, colecio-


nado e transmitido por eles. Por isso este texto chama-se texto masso-
rético.
Houve em Israel um longo período de tradição oral antes da es-
16
crita. Isso vale especialmente para os livros mais antigos (Gênesis-
Josué, Cânticos e Provérbios). Foram inicialmente transmitidos de
lugar para lugar, tribo para tribo, e de geração para geração. Entretan-
to, desde tempos remotos, juntamente com a tradição oral havia uma
tradição escrita, que era usada principalmente para textos jurídicos,
listas e documentos. Por exemplo, os anúncios proféticos provavel-
mente foram transpostos para a escrita pouco tempo depois de suas
pregações orais.

B) Formação cultural do povo


A Palestina, em virtude da natureza do seu terreno, não é uma
região de povoamento isolado, ou seja, homogênea e fechada. Ela é
formada por planícies costeiras e regiões montanhosas perto do Jor-
dão, além de estar recortada em depressões, vales, planícies e patama-
res altiplanos. Isto favoreceu o desenvolvimento do país por setores,
levando ao agrupamento dos moradores em blocos com suas próprias
características.
Além disso, a Palestina é ponto estratégico no caminho entre o
Egito e o Oriente, entre a Mesopotâmia e o mar Mediterrâneo, entre
África e Ásia. Por esta razão, esteve no meio de disputas entre estes
povos durante séculos.
Quando o povo de Israel chegou à Palestina, já havia ali diver-
sos povos instalados na terra. Os filisteus habitavam em cidades cos-
teiras e dominaram seus vizinhos por alguns períodos. Contudo, os
habitantes da terra (cananeus) influenciaram Israel mais do que os
filisteus, pois os cananeus se fundiram à cultura israelita, influencian-

16
Veja, por exemplo, Nm 21:27. Havia cantores de sátira que propagavam as tradi-
ções orais; homens e mulheres que recitavam cânticos fúnebres e transmitiam a
outros o seu conhecimento (Jr 9:16-17 e Am 5:16).
A Bíblia que Jesus lia 13

do na língua, costumes e religião.17 Os seminômades hebreus necessi-


taram se adaptar à cultura agrícola, habitando inicialmente nas regiões
montanhosas.18 Com o tempo desenvolveram também o comércio.
Diante disto tudo, de toda essa mistura, é de se admirar que Is-
rael tenha desenvolvido uma cultura homogênea, centralizado em
torno de sua religião. A fé javista (fé em Javé que os tirou do Egito e
os fez entrar na terra da promessa) foi o fator preponderante para
manter intacto este povo frente a tantas influências, sem sucumbir e
tornar-se algo diferente do que foi projetado a princípio.

C) Informações adicionais sobre o Oriente Antigo


No terceiro milênio a.C., temos uma história documentada pela escrita, a
partir dos documentos mesopotâmicos.
Suméria: na Idade Clássica sumeriana, a terra era organizada em sistema
de cidades-estados, mas não existia uma unificação permanente e total da terra.
Este foi um tempo de relativa paz, posto que as guerras eram esporádicas e locali-
zadas; assim a vida econômica e o comércio puderam se desenvolver. Em volta
dos templos (numerosos), as escolas de escrita eram estabelecidas e produziam
literatura abundante, narrações de feitos épicos e lendas que eram transmitidas
oralmente nos séculos anteriores. A religião sumeriana era um politeísmo altamente
desenvolvido e o chefe deste panteão de deuses era Enlil, senhor da tempestade.
Os sumérios tinham um alto senso de certo e errado e as leis aplicadas na terra
eram para eles um reflexo das leis divinas.
Mesopotâmia: Os acádios,19 que são os semitas na Mesopotâmia, eram
seminômades. Não há evidência de conflitos raciais com os sumérios. Ao contrário,
podemos supor que houve uma grande miscigenação de raças. O primeiro verda-
deiro império do mundo foi o Império de Akkad (2360-2180 a.C.). Seu fundador foi

17
Estudiosos argumentam que o comércio de sal, enxofre e betume (abundantes na
área do Mar Morto) foi a base da economia de Jericó, uma importante cidade de
Canaã. Tudo isso já acontecia por mais de 5.000 anos antes de Abraão! Conforme
Bright, História de Israel, p. 20.
18
Os hicsos, predominantemente habitantes de cidades-estado, permaneceram até o
reinado de Davi e Salomão como fator preponderante na formação histórica. A
conquista da terra não eliminou diversos povos e cidades-estado presentes, como se
lê em Juízes. Em muitas regiões, esta convivência durou séculos (até Davi).
19
São denominados de acádios por causa da sede do seu primeiro império – Akkad.
14 A Bíblia que Jesus lia

Sargão, e ele submeteu toda a Suméria até o Golfo Pérsico. Seus dois filhos o
sucederam, bem como um neto seu – Naramsin, que era bravo como Sargão, seu
avô. Dominaram toda a Alta Mesopotâmia além da Suméria. Naramsin conquistou
Magan (nome do Egito) e também entrou em negociações com Meluhha (Núbia) e
seus domínios chegaram até o vale do rio Indo. As tradições informam que o poder
do império derivava de Enlil, o rei dos deuses.
Egito: floresce na 3ª Dinastia (2600 a.C.). Foi a idade das pirâmides. A Pi-
râmide dos Degraus é a mais antiga, construída pelo fundador da 3ª Dinastia em
Mênfis para ser um templo mortuário. É a mais antiga construção de pedra lavrada
que se conhece até hoje. As pirâmides de Quéops, Quéfrem e Miquerinos, da Quar-
ta Dinastia, também foram construídas em Mênfis. A Grande Pirâmide tem 147m de
altura e uma base quadrada de 217m; em sua construção foram usados 2.300.000
blocos de pedra lavrada, com um peso médio de 2,5 toneladas cada. Foram trans-
portados através de força dos braços, sem emprego de nenhuma máquina e com
uma margem de erro praticamente nula.20 O faraó não era apenas um rei, ou um
vice-rei que governava sob eleição divina; ele era considerado deus. “Era Horus
visível entre os homens, entre seu povo”.21
Palestina: no quarto milênio, o urbanismo desenvolve-se grandemente e as
cidades que conhecemos são predominantemente semíticas e bem fortificadas,
como indicam as escavações de Jericó (reconstruída depois de um longo período
de abandono), Megido e Ai. Os habitantes da Palestina na época eram praticamen-
te canaanitas e o hebraico era um dialeto de sua língua.
Na Mesopotâmia, Ur é fundada. Sumérios e semitas estavam completamen-
te misturados. Este é o tempo de nascimento de Israel – Abraão nasce num mun-
do já antigo, com cultura, comércio, economia, língua, escrita e religião já
desenvolvidos. Enquanto o Egito passava por crises (depois de mil anos de cres-
cimento), a Palestina era invadida por nômades que destruíram todas as grandes
cidades, com horrível violência. Sabe-se que Israel não era de “origem indígena na
Palestina, mas sim tinha vindo de alguma parte e tinha consciência disso. Através
de um repositório de tradições sagradas, inteiramente sem paralelo no mundo anti-
go, Israel lembrava-se da conquista que ele fizera de sua terra, da longa peregrina-
ção através do deserto para chegar a ela e das maravilhosas experiências que
tivera, e antes de tudo isso, dos anos de escravidão no Egito; também se lembrava
como, em séculos mais recuados ainda, os seus antepassados tinham vindo da

20
Segundo J. A. Wilson, The burden of Egypt, p.54ss, o erro não chega a 0,09%
quanto à quadratura e o desvio do nível é menos de 0,004%.
21
Bright, História de Israel, p.39.
A Bíblia que Jesus lia 15

Mesopotâmia, peregrinando até a terra que agora eles chamavam de sua”.22


Entre 2000 e 1750 a.C., o poder de Ur sobre a Mesopotâmia acaba sem dei-
xar sucessor. Outras cidades independentes ganhavam destaque, como Elam,
Asshur (Assíria) no Alto Tigre e Mari no Médio Eufrates. Mari foi uma cidade impor-
tante durante todo o 3º milênio; sua população foi predominantemente semita do
noroeste (amoritas). Os amoritas, ascendentes do povo de Israel, eram “habitantes
de tendas”, seminômades, segundo antigas listas dos reis assírios. Aproveitando a
confusão em Ur, a 1ª dinastia babilônica surge em 1830 a.C., em Babilônia, cidade
da qual até então pouco se tinha ouvido.23 Assim, conclui-se que os povos que
foram para a Palestina, nômades semitas do noroeste, não trouxeram mudanças
significativas para a terra canaanita, pois eram da mesma origem semítica.
Na luta pelo poder na Mesopotâmia, o grande Hammurabi triunfa. Além de
grandes vitórias sobre Mari e Assíria, Hammurabi obteve um grande florescimento
cultural e legal, com o código de leis que publicou no seu reinado. Era uma compi-
lação de tradições orais do passado, muito semelhante ao Código de Leis da Bíblia
(em Êxodo); certamente vieram da mesma fonte. Enquanto isso, o Egito desmoro-
nava. Os hicsos (“chefes estrangeiros”) infiltraram-se ali; provavelmente eram de
origem noroeste-semítica. Eles adoravam os deuses canaanitas ou amoritas e seu
deus principal era Baal. Por volta de 1540 a.C., os invasores hicsos foram expulsos
do Egito pelo fundador da 18ª Dinastia. Babilônia não tem a mesma sorte que o
Egito e cai pelas mãos dos cassitas e finalmente dos hititas (1530 a.C.).

D) A época dos patriarcas


Os patriarcas da história de Israel (Abraão, Isaque e Jacó), a
partir de Gênesis 12, relatam que vieram da Mesopotâmia e que ti-
nham peregrinado pela terra que mais tarde seria deles. Nenhum povo
antigo tem mais tradição do que este, em sua beleza história, literária,
teológica, sem paralelo em nenhuma tradição histórica de povos da
antiguidade.
Por muito tempo a tradição histórica da época moderna conside-
rou Abraão, Isaque e Jacó como figuras pertencentes a um mito. Di-
zia-se que tinham sido criados pela tradição antiga de Israel para dar
consistências às suas crenças. Hoje, porém, depois de muitas desco-

22
Bright, História de Israel, p.52.
23
Bright, História de Israel, p.55.
16 A Bíblia que Jesus lia

bertas arqueológicas,24 percebe-se que a Bíblia sempre teve razão!


O contexto das narrativas patriarcais é de tal forma verossímil,
diante das evidências registradas, que hoje são consideradas narrati-
vas históricas. Por exemplo, no 2º milênio aparecem nomes que se
enquadram perfeitamente com o nome dos patriarcas:
 Jacó = Ya‟qub-el, nome de um chefe hicso num texto do 18º
século na Alta Mesopotâmia e também numa lista (de Tut-
mosis III) do 15º século na Palestina.
 Abraão = Abamram, aparece em textos babilônicos, nos tex-
tos das Execrações e em texto de Mari.
 Terah = Til-turakhi, em textos assírios das proximidades de
Harã.
 Benjamim = banu-yamina (“povos do sul” ou yaminitas),
aparece como sendo uma grande confederação de tribos.
 Além disso, Zebulon é encontrado nos textos das Execra-
ções; nomes com as mesmas raízes de Gad e Dan são conhe-
cidos em Mari; Levi e Ismael ocorrem em Mari; Aser e Issa-
car são nomes encontrados numa lista egípcia do 18º século.
As peregrinações dos patriarcas e seu modo de vida não devem
ser confundidos com o modo de vida dos nômades que peregrinavam
em camelos, os quais só aparecem na Bíblia na época de Gideão (em
Juízes). Os patriarcas eram criadores de pequeno gado, seminômades,
com roupas multicoloridas, levando seus pertences e filhos em lombo
de burros; os contratos e tratados eram sempre firmados com a morte
de um asno,25 como vemos pintados num túmulo do 10º século em

24
Textos como os de Mari (25.000 textos de 1800 a.C); milhares de textos capadó-
cios do 19º século; milhares de documentos da 1ª dinastia babilônica (19º ao 18º
século); textos de Nuzi do 15º século; placas de Alalakh, do 17º e 15º séculos; pla-
cas de Ras Shamra do 14º século, mas com material muito mais antigo; textos das
Execrações e outros documentos do Médio Império Egípcio (do 20º ao 18º séculos);
e muitos outros.
25
Por isso os habitantes de Siquém são chamados de “filhos do asno” (benê hamôr),
numa referência à aliança feita. Seu deus era Baal-berith – “Senhor da Aliança”.
A Bíblia que Jesus lia 17

Beni-Hasan, no Egito.
O nome hebreu vem da designação do nome de Héber (Gn
11:14-17). O termo ibri26 é achado em diversos documentos desta
época. Hebreu como nome para o povo foi usado principalmente a
partir do Egito. O nome judeu (alguém proveniente da nação de Judá)
só foi usado após o cativeiro Babilônico, pois apenas esta parte do
antigo Israel sobreviveu.

E) Informações adicionais sobre os pressupostos culturais


Os hebreus sofreram influências de diversas civilizações, como Mesopotâ-
mia, Egito e os povos cananeus. “Acrescenta-se a isto o fato de Israel ter-se manti-
do permanentemente vinculado ao Egito a cuja esfera de influência cultural e por
vezes também política pertencia a Palestina. Por fim, as potências do Oriente dei-
xaram aí também os seus vestígios, desde os sumérios, babilônios e assírios até os
persas, seja por intermédio das migrações dos israelitas seminômades, seja atra-
vés do cananeu, ou mais tarde por um contato direto”.27
Diante disso, pode se concluir que a cultura oriental antiga formava um só
bloco como é hoje a cultura europeia. Mas, ao olhar de perto, veremos claramente
as diferenças culturais, Há muitas influências diretas e indiretas umas nas outras,
porém há pontos característicos, diferenças e contrastes em cada uma delas.
O desenvolvimento cultural na Mesopotâmia ajusta-se ao término da Era
Neolítica (da Pedra); começa a Era Calcolítica (da pedra e do cobre), que vai do 4º
milênio até os umbrais da história do 3º milênio. Esse foi um período em que a
cultura mesopotâmia floresceu grandemente. A agricultura desenvolveu-se para
atender a densidade populacional. A drenagem e a irrigação tiveram avanços im-
portantes e à medida que o comércio e a vida econômica se desenvolviam é que
surgiram as mais antigas cidades-estados. No progresso cultural e artístico tão bem
desenvolvido entra a criação da escrita (3300 a.C.). Por este tempo os vales ribeiri-
nhos da Alta Mesopotâmia eram bastantes povoados. Deste tempo há numerosas
estatuetas de barro encontradas em escavações, com figuras de animais e princi-
palmente de mulheres em posição de parto – o que indica provável veneração à
“deusa mãe”. Em outros lugares, as estatuetas de barro mostram mulheres de có-

26
Significa “do outro lado”, pois Abraão (descendente de Heber), o pai da raça,
veio do outro lado do mundo para a sua terra.
27
Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 19.
18 A Bíblia que Jesus lia

coras, indicando culto à fertilidade.28


Por volta do 2º milênio a.C., os fenícios desenvolveram uma escrita, adap-
tando-a de caracteres cuneiformes (babilônicos). Era uma escrita consonantal, com
caracteres próprios. Daí veio o alfabeto hebraico antigo e também o grego por volta
do século IX a.C. A língua aramaica provavelmente se origina de um dialeto que
evoluiu no leste da Síria ou noroeste da Mesopotâmia. Isto nos mostra que os ante-
passados de Israel eram do mesmo tronco étnico e linguístico que os arameus;
portanto Israel podia lembrar sua origem na “planície de Aram” e falar do seu pro-
genitor como sendo um “arameu errante” (Dt 16:5). Os israelitas conheciam bem a
profusão literária, tanto egípcia quanto babilônica, profusão esta que não se esten-
dia em grandes tratados históricos, mas em pequenos feitos literários em abundân-
cia. A literatura épica cananéia forneceu bastante acervo aos hebreus. Apesar de
tudo isso, prevalece ainda a fé javista permeando e purificando a literatura de Isra-
el. A crença de que Deus controla o destino das nações é determinante para a
formação de um composto literário rico, único e homogêneo, sem as influências
perniciosas da literatura externa.

F) Religiosidade em Israel e países vizinhos


Os hebreus desde o começo tiveram uma religião revelada. Não
era uma religião natural ou filosófica como vemos em muitos povos
da antiguidade.
A história de Israel sempre esteve intimamente ligada à vontade
de Deus, tudo dependendo das reações do povo de Israel, em anuên-
cia ou desobediência. Até os seus reis são vistos em primeiro lugar
não por suas conquistas ou poderio econômico, mas são medidos
principalmente pela sua fidelidade (ou a falta dela) para com Deus.

28
Isso nos remete para o tempo em que Adão e Eva pecaram e em que foi lançado
por Deus o fundamento do evangelho, o nascimento do Messias através da mulher.
Esse Messias viria para libertar, para pisar a cabeça da serpente. Através dos sécu-
los que se seguiram deu-se importância à procriação porque se pensava sobre o
nascimento do Messias através de uma mulher. Era uma busca do filho varão, cultu-
ra essa que influenciou todos os povos que conhecemos até hoje, em que se valoriza
mais o varão que a varoa. Muitas vezes a mulher é simples objeto, que pode ser
comprado e disposto da maneira como quer. Esta presença de culto à fertilidade, ou
culto à deusa mãe, retrata muito bem a presença da esperança, ainda que de maneira
errada, no nascimento do Messias. Era o Messias sendo esperado por todos os po-
vos da terra!
A Bíblia que Jesus lia 19

O monoteísmo é o conceito central da religião bíblica: Javé é o


único Deus. A Lei é de importância central nesta religião, pois expli-
ca e determina a vontade de Javé.29 A fé javista “constitui a força
determinante que, ao contrário dos pressupostos desfavoráveis, pos-
sibilitou a formação de uma literatura israelítica autônoma, que se
distingue fundamentalmente das demais literaturas do Antigo Oriente
pelo seu pensamento religioso. Trata-se, na realidade de um processo
que se prolonga ao longo dos anos, por vários séculos e seria por
demais simplificar as coisas, se quiséssemos limitá-lo à época que vai
até os reis. Neste período, encontram-se apenas as raízes de onde,
pouco a pouco, se desenvolveu a teologia israelita, onde se torna
claro que as forças propulsoras da fé javista são as ideias da sobera-
nia divina e da união com Deus”.30
A religião patriarcal era uma religião sacerdotal, posto que o
chefe do clã, ou o pai de família era o seu sacerdote. Quando chega a
Moisés, esse ofício é institucionalizado e uma tribo em Israel é esco-
lhida para fazer os serviços dos sacerdotes. Esta fé veio lutando con-
tra a idolatria desde o seu surgimento.31 É uma religião que enfatiza a
responsabilidade moral pessoal; crê na recompensa, como crê no cas-
tigo; a salvação pessoal é uma doutrina que se desenvolveu natural-
mente a partir da crença na ressurreição do corpo.
Por isso tudo, dada a diferença entre a religião em Israel e nos
povos vizinhos, a fé judaica se tornou etnocêntrica (voltada apenas
para seu povo). Os fariseus ensinavam que a salvação só podia ser
obtida pela fé judaica, através da leitura e observância cuidadosa da
lei mosaica dada exclusivamente a Israel. Infelizmente, isto é uma

29
A religião dos patriarcas era centrada em Javé, apesar de a Bíblia só usar o nome
Javé quando chega em Moisés. Antes usa apenas Elohim (Deus) e seus compostos –
El Shaddai, El Elyon, El Olam, El Roi, Javé Jhirê, El Bethel. O Deus dos patriarcas
era representado por diversos nomes: o Deus de Abraão (elohê abraham) – Gn
28:13; 31:42, 53; o Temido de Isaac (pahad Yishaq) – Gn 28:42,53 e o Poderoso de
Jacó (abir Ya‟qob) – Gn 49:24.
30
Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.22.
31
Abraão veio de um povo politeísta e, com certeza, teve influências disso em sua
vida. Também ele e seu povo peregrinaram por terras idólatras.
20 A Bíblia que Jesus lia

deturpação do princípio de Deus, pois ele planejou ser glorificado


com a salvação de pessoas dentre todos os povos.
As religiões da antiguidade assumem diversas formas, mas são
em geral politeístas (poli = muitos; theos = deus; “muitos deuses”) ou
henoteístas (heno = um; “um deus”). No henoteísmo crê-se que há
vários deuses, mas o fiel adora apenas um deus. Vemos um exemplo
disso no Egito: o faraó Iknathon promoveu a adoração exclusiva a
Aton, o deus-sol, mas os demais deuses não foram descartados. So-
mente em três religiões no mundo encontramos o monoteísmo (só
existe um Deus): no cristianismo, no islamismo e no judaísmo.
Abraão não era idólatra, mas vivia rodeado de idolatria. No
princípio, o homem tinha um só Deus; no Jardim viveu em comunhão
com ele até que o pecado veio para subverter a raça humana. Desta
forma, diversas manifestações do pecado tomaram a natureza como
tendo vida em si mesma. A partir daí, desenvolveram-se teorias diver-
sas sobre seres deificados, homens transformados em seres divinos,
numa clara demonstração da atuação de Satanás no meio da história
para confundir e prevalecer contra o povo de Deus, induzindo-os a
olharem para a criatura no lugar do criador. Apesar de o pai de Abrão
ser idólatra (Js 24:2) e também os seus conterrâneos, Abraão demons-
tra ser monoteísta, sem dúvida por divina revelação. Ou seja, Deus
manifestou-se a ele pessoalmente, numa revelação direta. Em meio ao
pecado e às influências culturais que nos cercam, somente a revelação
direta do nosso gracioso Deus pode nos colocar no caminho certo!

Para o próximo encontro


Como líder, leia o capítulo 1 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.
A Bíblia que Jesus lia 21
22 A Bíblia que Jesus lia

1 VALE A PENA LER


O ANTIGO TESTAMENTO?

Fé não é o apego a um santuário, mas uma peregrinação infindável do


coração. Espera audaciosa, cânticos ardentes, planos ousados, um
ímpeto inundando o coração, invadindo a mente – tudo isso é o impul-
so que nos leva a amar aquele que toca o coração como um sino.
Abraham Heschel

Objetivos deste estudo


 Estimular a leitura do Antigo Testamento ao descrever seu
valor para nós hoje
 Compreender o plano divino ao formar um povo escolhido

Introdução

Existem muitas barreiras para a leitura do Antigo Testamento


e para sua boa compreensão nos dias de hoje. Uma das barreiras prin-
cipais é que os textos não parecem fazer muito sentido hoje. Quando
conseguimos entender o que o texto diz, isto muitas vezes agride o
nosso ouvido pós-moderno.
Mas é essencial que leiamos o Antigo Testamento (AT), pois
ele amplia a visão que temos do Deus Criador e de seu relacionamen-
to conosco. O AT é muito atual, pois nos ensina sobre o nosso mundo
e sobre o propósito de nossa existência.
Outro motivo para estudarmos o AT é que ali percebemos o tipo
A Bíblia que Jesus lia 23

de história que o Senhor Deus está escrevendo. Ele não se impressio-


na com tamanho, poder ou riquezas, mas sim com a sinceridade de
coração e a devoção a ele. A lição mais importante do AT é que nosso
Criador deseja se relacionar intimamente conosco, suas criaturas.
Ainda outra lição significativa do AT é que ele narra histórias
sobre pessoas complicadas e pecadoras, assim como nós. Ninguém é
perfeito – até mesmo Moisés cometeu diversos erros! O AT nos ofe-
rece uma história da qual nós podemos fazer parte, pois ele apresenta
um Deus gracioso que nos aceita como somos e nos desafia à trans-
formação em meio à caminhada diária com ele.

Qual é o valor do AT para nós?


Contrário à visão de muitos evangélicos, o Antigo Testamento
não é uma parte das Escrituras superada pelo evangelho de Jesus ou
com valor menor à luz da graça de Deus. Uma visão assim é contrária
ao alto valor atribuído pelos reformadores a toda a Bíblia (tanto Lute-
ro quanto Calvino).
Toda a Escritura nos é útil (veja 2Tm 3:16) e ela forma um todo
que aponta para Cristo:
 Aponta para a predição de sua vinda desde a criação do ser
humano por Deus e sua opção de desconexão e rebeldia para
com este mesmo Deus Criador;
 Aponta para o entrelaçamento de todos os eventos da história
humana por um Deus único. Ele é Senhor da história e da
sua criação, por isso tais eventos são misteriosamente usados
para realização dos seus objetivos;
 Aponta para sua morte sacrificial e substitutiva em favor do
ser humano na cruz como Servo de Deus;
 Aponta para a salvação obtida por alto preço – preço de san-
gue – ali na cruz e para a ressurreição do próprio Cristo den-
tre os mortos. Esta salvação é disponibilizada por meio da
graça (favor imerecido) de Deus a todo aquele que crê na
24 A Bíblia que Jesus lia

eficácia perdoadora e regeneradora de sua obra, a qual nos dá


nova vida e propósito. A fé é o meio de apropriação desse
favor imerecido;
 Aponta para o estabelecimento de uma comunidade única
dos que creem ao longo da história. Ela é uma nação santa,
povo de propriedade exclusiva de Deus (1Pe 2:9-10), e res-
ponsável por:
o Anunciar essa reconciliação com Deus que está dispo-
nível a todos os que creem;
o Implantar e promover os valores do Reino de Deus
neste mundo, espalhando redenção em Cristo a todas
as esferas da vida humana e à sua criação;
o Adorar o Deus triúno.
 E aponta para a derradeira restauração da história humana,
para a qual caminhamos e pela qual ansiamos. Neste mo-
mento Cristo terá a vitória final sobre o inimigo (Satanás) e
sobre todos os reinos humanos. Ali cessará todo sofrimento
decorrente da rebelião inicial de sua criação. Seremos, en-
fim, transformados e aperfeiçoados para desfrutarmos para
sempre da comunhão com Deus face a face.
Ao lermos as Escrituras, não podemos negligenciar esta com-
plementaridade entre o Antigo e o Novo Testamento. Caso contrário,
deixaremos de perceber a coerência dos propósitos eternos divinos.
Esta coerência se manifesta claramente pela revelação progressiva de
Deus à humanidade.
Por exemplo, os profetas do AT são fundamentos da fé cristã,
particularmente Isaías. Jesus, após sua tentação no deserto, dá início
ao seu ministério na Galiléia falando nas sinagogas. Em Nazaré, onde
morava, leu na sinagoga o texto de Isaías 61 sobre a obra do Messias
(o Servo do Senhor) aguardado até então. O Servo é apresentado co-
mo a pedra fundamental da igreja tanto em Ef 2:20 como em 1Pe 2:4-
10, juntamente com o ensino dos apóstolos e dos profetas.
O livro de Isaías é muito rico em significados teológicos. Fala
A Bíblia que Jesus lia 25

sobre a natureza de Deus e seu caráter, e sobre seu controle sobre a


história humana e a história de seu povo. Ensina sobre o pecado e a
necessidade de julgamento, mas também sobre o renascimento de seu
povo através do remanescente. Profetiza a natureza do ministério do
Messias e a consequente reconciliação do ser humano com Deus.
Discorre sobre a soberania, santidade, justiça e graça divinas. Explica
que esta graça se manifesta na pessoa do Servo sofredor, rei, sacerdo-
te e profeta, o qual está empenhado em obedecer ao Pai e ser o resga-
tador de seu povo, a preço de sangue.
Assim, ler o texto de Isaías nos permite conhecer mais profun-
damente a necessidade do Messias e a natureza de seu ministério.
Permite-nos compreender melhor o NT e apreciar o cumprimento das
muitas profecias sobre o Messias contidas em Isaías. Este mesmo
princípio se aplica a praticamente todos os demais livros do AT!

Estudo

1. Quais são as barreiras que você encontra para ler o Antigo


Testamento?
Explore com o grupo as possíveis dificuldades que já tiveram
em entender os textos do Antigo Testamento. Anotá-las é um bom
exercício, mas não tente explicá-las! Elas são basicamente devidas às
grandes diferenças culturais entre nossa civilização ocidental e as
civilizações daquela época. O material exposto no capítulo anterior a
este pode ajudá-lo a entender um pouco mais sobre o assunto.

2. Por que, então, você deveria ler o Antigo Testamento?


O Antigo Testamento apresenta, a partir de Gênesis 12, a for-
mação do povo de Deus e suas diversas peregrinações num labirinto
de línguas, povos e culturas distintas. Mas o texto bíblico também
mostra que a mão divina estava presente ali, levando-os de lugar para
lugar e de cultura para cultura, mas preservando o que queria e dei-
xando claro o que não era para ser assimilado pelo seu povo. Paulo,
em 1Co 10:11, explica que as experiências do povo de Deus no AT
foram escritas para que aprendêssemos com elas.
26 A Bíblia que Jesus lia

No meio de povos politeístas, Deus formou um povo centrado


em um só Senhor. Apesar de muitos problemas em seu próprio meio
(quedas, idolatria, tentativa de abandono de Deus e de seu governo
sobre eles), este povo de Deus é continuamente disciplinado e amado
por Deus. O Senhor os leva a continuarem sua caminhada de fé e a
retornarem ao culto e à adoração voluntária ao Criador do universo.
No meio das diversas influências do mundo antigo, a eterna e
soberana vontade de Deus separou e preservou esta cultura israelita,
dando a este povo as suas características peculiares. Por quê? Porque
Deus desejava que este povo fosse luz para todas as nações, anunci-
ando as virtudes do seu Criador (veja 1Pe 2:9). Observe que este tam-
bém é o nosso chamado como povo de Deus hoje! Temos, portanto,
muito a aprender com o povo de Deus do passado.

3. Mas o que o Antigo Testamento tem a ver com Jesus?


Deus preparou este povo para poder se encarnar em meio a eles
por meio de seu Filho Jesus. Por meio da descendência de Abraão
todas as famílias seriam abençoadas (Gn 12:1-3). Isaías proclama que
a partir de Israel o Senhor Deus oferece salvação a todas as nações do
mundo (2:1-5; 60:1-3; 49:5-6). Isto acontece por meio da vida e da
obra de Jesus. Jesus é o suprassumo da revelação da Palavra de Deus,
da sua vontade, de seu amor, da sua bondade, do seu propósito, de sua
redenção, do projeto de salvação para o seu povo. Jesus também está
no centro da mensagem do Antigo Testamento!

4. Israel tinha clara consciência de ser um povo escolhido. Co-


mo isto afeta nossa vida hoje?
A consciência de ser um povo escolhido por Deus sempre foi
muito forte em Israel. Esta mesma consciência deve servir de base
para lidarmos com nossa própria vida! É este mesmo Deus que nos
escolheu antes da fundação do mundo para sermos dele em amor (Ef
1:4) e nos predestinou para sermos conforme a imagem de seu Filho
(Rm 8:29). Fomos gerados por meio da graça que há em Cristo para a
fé, perseverança e glorificação final em Cristo Jesus. Somos levados
por Deus, numa demonstração de livre propósito e soberana vontade,
A Bíblia que Jesus lia 27

para habitar na sua presença na eternidade, para a glória dele!


Observe que, assim como o povo de Israel, nós fomos escolhi-
dos com um propósito: viver missionalmente. Ou seja, viver para
anunciar às pessoas ao nosso redor as glórias do nosso Deus!

Para refletir e praticar


1. O Antigo Testamento ocupa ¾ da sua Bíblia! Deus se revela
de muitas maneiras através destes textos. Você tem se dedi-
cado a ler e estudar os livros do AT?
2. Como você pode implementar esta consciência de ter sido
escolhido para uma missão em sua vida? O que isto muda no
seu cotidiano?

Para o próximo encontro


Leia, por favor, Jó 1-3.
Como líder, leia o capítulo 2 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.

Lista de orações
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28 A Bíblia que Jesus lia

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Lista de presença
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A Bíblia que Jesus lia 29

Detalhe da Obra “Abraão e


os Três Anjos” de Giovanni
Battista Tiepolo
30 A Bíblia que Jesus lia

2 JÓ:
SOBERANIA E DOR

Que vantagem tem o leão em meter medo no ratinho? – Carl Jung.

Objetivos deste estudo


 Aprender um pouco mais sobre a soberana graça de Deus
 Entender e rejeitar a doutrina da retribuição divina
 Aceitar a dura verdade de que Deus também é glorificado
através do sofrimento de seus servos fiéis

Introdução

O livro de Jó se concentra no problema do sofrimento huma-


no. Ele nos frustra ao rejeitar respostas simples e nos mostrar uma
nova direção.
O livro trata da disputa pela fé de Jó. Será que ele vai confiar
em Deus ou negá-lo? Jó está no banco dos réus. Embora revele que Jó
nada fez de errado e que sofre por causa de uma disputa celestial, o
autor mantém o mistério de como Jó reagirá. A acusação feita por
Satanás implica que Deus não é digno de ser amado em si mesmo,
que as pessoas o seguem somente porque ganham algo com isso. Em
seu desafio, Satanás se revela como o primeiro grande behaviorista.
Ele argumenta que Jó está condicionado a amar a Deus.
Deus permite o duro teste com Jó. Jó se sente traído por Deus e
deixa transparecer protestos irados contra seu Criador. Mas o segredo
A Bíblia que Jesus lia 31

é que Jó está certo! Jó é aprovado no teste por agarrar-se à crença em


Deus, mesmo com evidências em contrário. No final do livro, o dis-
curso de Deus surpreende por aquilo que ele não diz: evita completa-
mente o tema do sofrimento e ainda critica Jó por sua visão limitada.
O livro de Jó nos ensina que, quando a fé parece impossível, é
exatamente aí que mais precisamos dela. Deus se importa mais com
nossa fé do que com nosso prazer. O fato é que a fidelidade da pessoa
faz toda a diferença. Somos soldados rasos numa batalha espiritual de
relevância cósmica. Nunca vamos saber o significado completo das
nossas ações aqui.

Informações adicionais sobre o livro


Data e autoria:32 o livro não indica autor nem data de composição. Trata-se
de uma obra anônima; qualquer afirmação sobre autor ou data só pode ser inferida
a partir de evidências externas.
Estudiosos conservadores tratam o livro como um todo literário.33 Alguns até
citam a tradição judaica mais antiga, a qual afirma que o livro foi escrito por Moisés.
Tal datação antiga concorda com a visão de que um livro histórico tende a ser mais
confiável se escrito próximo aos eventos que relata. Como o livro de Jó narra sobre
um período antigo, é fácil acreditar que também foi escrito naquele período.34
Alguns estudiosos conservadores, entretanto, têm datado o livro no período
salomônico, no VIII século, ou deixado a data em aberto.35 Esta última opção é a
32
Dillard e Longman, An Introduction to the Old Testament, p. 200.
33
Outros estudiosos menos conservadores acreditam que os diálogos (Jó 3-21)
formam o coração do livro, ao qual foi adicionada mais tarde prosa popular como
moldura (veja abaixo). Ainda outros estudiosos defendem que os discursos de Eliú
e Javé e o poema à sabedoria (cap. 28) foram adições posteriores. Na verdade, há
pouca concordância na comunidade acadêmica sobre o que constitui o texto original
do livro e o que foi adicionado posteriormente a ele.
34
Muitos defendem que a linguagem do livro é mais recente e que, portanto, o livro
teria sido escrito muito depois do que se acredita. Porém, não há razão para duvidar
que o livro possa ter sido atualizado em termos de linguagem. De qualquer forma,
as evidências são ambíguas e há forte defesa da escrita em uma época mais antiga.
35
Alguns conceitos religiosos do livro podem ter surgido apenas mais tarde na
história de Israel. Embora seja errado adotar uma visão evolucionária rígida do
desenvolvimento dos conceitos religiosos no AT, por outro lado é também verdade
32 A Bíblia que Jesus lia

mais viável tendo em vista a falta de evidências. Como afirma Elmer B. Smick,
“Não sabemos quem escreveu o livro, mas seu trabalho tem testemunhado às al-
mas dos fiéis através dos tempos de que é divinamente inspirado”.36
Contexto e história: o pano de fundo histórico não provê pistas sobre a da-
ta de composição, mas o enredo está definitivamente colocado no período dos
patriarcas. Jó é um patriarca gentio como Abraão. A grande fortuna de Jó é medida
em termos de número de cabeças de gado de sua posse e servos que ele emprega
(Jó 1:3; 42:12). Ele também era o cabeça de uma família grande, da qual ele servia
como sacerdote, tanto quanto Abraão o fez por sua família. Por exemplo, Jó ofere-
cia sacrifícios (1:5), um ato impensável após o estabelecimento do sacerdócio for-
mal pelas instruções divinas a Moisés no monte Sinai. Além disso, a idade de Jó
excede em muito a dos patriarcas: ele viveu ainda mais 140 anos após sua restau-
ração (Jó 42:16). O mais interessante é que Jó não é um Israelita. Uz, embora não
possa ser localizada de forma definitiva,37 estava fora dos limites de Israel.
Em termos da linha de progressão em direção ao plano redentor de Deus
para a humanidade, Jó é mais bem compreendido como tendo vivido antes do es-
tabelecimento da aliança de Deus com Abraão, a qual vai delimitar a comunidade
da aliança para uma família específica (Abraão e seus descendentes).
Estrutura: o texto de Jó apresenta uma moldura de prosa (Jó 1-2 e Jó 42:7-
17) envolvendo um conteúdo em forma poética.
A estrutura do livro propicia um esboço claro:38
Jó 1-2 Prólogo em prosa: introduz personagens e enredo
Jó 3-31 Diálogos de Jó com seus três amigos39

que a Bíblia descortina vagarosamente a verdade na medida em que a história da


redenção progride. A angelologia presente no livro, incluindo a visão sobre Satanás,
surgiu provavelmente num período mais tardio da história (pós-cativeiro). Feliz-
mente, nada significativo está em jogo neste livro por falta de data de composição.
36
Elmer B. Smick, “Job”, The Zondervan NIV Bible Commentary, p. 742.
37
Uz é uma região de difícil localização, quer seja a partir da história sagrada ou
da secular. Entretanto, referências bíblicas e da tradição oferecem indicações para
sua localização: 1) Era uma terra de muitas pastagens (Jó 1:3); 2) Porções da terra
eram adequadas à agricultura (Jó 1:14); 3) Estava próxima ao deserto (Jó 1:19); 4)
Era suficientemente vasta para ter um número de reis ou Sheiks (anciãos) sobre
muitas tribos ou povos (Jr 25:20); 5) Estava situada de forma a estar mais ou menos
próxima das tribos de Temã, Suá , Naamate , Buz (32:2) e Dedã (Jr 25:23).
38
Dillard e Longman, An Introduction to the Old Testament, p.201.
39
David Clines sugere englobar os capítulos 3 a 42 como “diálogos”, em F. F. Bru-
A Bíblia que Jesus lia 33

Jó 3 O lamento de Jó
Jó 4-27 Três ciclos de diálogos
Jó 28 O poema sobre sabedoria divina
Jó 29-31 O último discurso de Jó
Jó 32-37 O monólogo de Eliú
Jó 38-42:6 Javé fala do meio da tempestade
Jó 42:7-17 Epílogo em prosa: leva a narrativa ao final

Já os três ciclos de diálogos entre Jó e seus amigos (capítulos 4 a 31) po-


dem ser representados da seguinte maneira:
Primeiro Ciclo Segundo Ciclo Terceiro Ciclo40
Elifaz (Jó 4-5) Elifaz (Jó 15) Elifaz (Jó 22)
Jó (6-7) Jó (16-17) Jó (23-24)
Bildade (8) Bildade (18) Bildade (25)
Jó (9-10) Jó (19) Jó (26:1-27:12)
Zofar (11) Zofar (20) Zofar (27:13-23)
Jó (12-14) Jó (21) Jó (28-31)

Gênero literário: que tipo de livro é Jó? Difícil de responder, pois nada é
igual a ele, o livro é único. Prosa, poema à sabedoria, literatura de sabedoria? A
melhor definição para este gênero único seria “debate da sabedoria”. Isto descre-
veria tanto sua forma como o conteúdo. No coração do livro está a questão da fonte
de sabedoria (veja abaixo); as várias falas no livro tanto clamam para si a sabedoria
quanto disputam a sabedoria dos outros.
A discussão sobre ser um livro histórico ou ficcional não é fácil de ser res-
pondida, pois um livro pode ter um centro histórico sem uma preocupação por pre-
cisão histórica. Diversos fatores indicam que Jó não seja pura ficção, mas que este-
ja sim arraigado num evento histórico. As primeiras linhas de um texto oferecem
pistas importantes para identificação do gênero do mesmo. No caso de Jó, seus
primeiros versos são similares aos de Jz e 1Sm, duas passagens que comunicam
eventos históricos. Além disso, o homem Jó é mencionado 3 vezes fora do livro,
sendo 2 ao lado de outras figuras históricas do AT: Noé e Daniel (Ez 14:14-20).
Assim, há uma intenção histórica no livro. Devemos entender Jó como uma

ce (ed.), New international Bible commentary.


40
Os discursos dos amigos de Jó ficam mais curtos no último ciclo, refletindo que
os três talvez estejam sem ter o que mais falar!
34 A Bíblia que Jesus lia

pessoa de verdade que viveu no passado e que sofreu. O uso de poesia eleva o
livro desde um evento histórico específico para uma história com aplicação univer-
sal. O livro deixa de ser uma crônica histórica, torna-se sabedoria, que deve ser
aplicada a todos os que o ouvem.

Mensagem do livro
Alguns autores dizem que os principais personagens do livro
são Jó, Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú. Porém, Deus é o ser sempre pre-
sente ao longo de toda a narrativa. Ele é o personagem principal. Os
acontecimentos com Jó foram permitidos por ele, embora fomentados
pela inveja de Satanás.
Ninguém escapa às dores da vida. Todos anseiam por compre-
ender a razão dos problemas enfrentados. No livro, Jó questiona: “por
que estou sofrendo?”. Embora Deus não dê a resposta a esta questão,
ainda assim aprendemos muito neste livro sobre o sofrimento.
O livro não formula uma explicação racional para o problema
do mal, especialmente em termos da relação da bondade de Deus e
sua soberania com o sofrimento do inocente.41 Jó não busca restaura-
ção e cura: seu interesse é mais prático, ou seja, ser validado e reco-
nhecido como homem correto e justo. Ele não pede a Deus explica-
ções racionais sobre as causas de seu sofrimento. Nem havia algum
pecado horrível pelo qual ele estava sendo punido. Quando Deus fi-
nalmente repreende a Jó, o faz devido à sua ignorância (38:2) e pre-
sunção enquanto defendia sua causa (42:2), não por Jó ter uma vida
dissoluta.
Deus diz a Jó que o ser humano não conhece o suficiente a res-
peito dos seus caminhos para fazer julgamentos relativos à sua justi-
ça. Jó percebe então que Deus não necessita de conselho para contro-
lar o mundo e que nenhum sofrimento extremo dá o direito de alguém
questionar a sabedoria de Deus ou sua justiça. Por isso, Jó se arrepen-
de (42:2-6). Ao se aperceber do poder e da glória de Deus, a atitude
rebelde de Jó se dissipa e seu ressentimento desaparece. Ele obtém

41
Este conceito é chamado de teodiceia na teologia.
A Bíblia que Jesus lia 35

seu desejo: ser vindicado diante de seus amigos e declarado inocente.


Com isso, a visão deles do sofrimento de Jó é refutada.
Curiosamente, ao aperceber-se da grandeza, poder e majestade
de Deus, Jó não questiona as razões de seu teste. Nem Deus lhe diz
isto voluntariamente. Jó teria que andar pela fé mesmo após ter sido
declarado justo diante de seus amigos. O fato de Deus jamais conside-
rar falso o caráter de Jó prova que Satanás havia falhado. Embora Jó
não tenha pedido restauração, Deus, tendo alcançado seu propósito
maior, agora o restaura. Em seu sofrimento, a despeito de momentos
de fraqueza, a correta atitude de Jó superou em muito a de seus detra-
tores, os quais não haviam sofrido como ele. Após todas as suas dúvi-
das e amargura – sim, Jó as sentiu e expressou –, Jó cresce em direção
à maturidade espiritual, e assim ainda pôde orar por aqueles que lhe
foram abusivos (42:10).

Estudo

1) Os amigos de Jó defendem uma ideia de causa e efeito no


sofrimento. Ou seja, você pecou e por isso está sofrendo. Em
qual contexto isso é verdadeiro?
O livro de Jó desautoriza a crença comum chamada de doutrina
da retribuição. Sua premissa básica é apresentada no livro pelos ami-
gos de Jó: “Se você pecar, você vai sofrer; se está sofrendo, é porque
pecou”. Este é um argumento ainda ouvido hoje em muitas igrejas.
Há um pouco de verdade nessa premissa; a Bíblia ensina que
tanto obediência como pecado têm suas consequências próprias. A
aliança estabelecida com Abraão e, subsequentemente, ampliada com
Moisés é a referência para isto. Ela estabelece leis que, quando obe-
decidas, encontram bênçãos mas, quando desobedecidas, resultam em
maldições (Dt 28). Os livros históricos também deixam claro que os
pecados dos reis (e do povo) levaram ao exílio todo o povo. Além
disso, Provérbios ensina, entre muitos outros textos, que aquele que
segue o caminho de Deus, o caminho da sabedoria, “viverá em segu-
rança e estará tranquilo, sem temer nenhum mal” (Pv 1:33).
36 A Bíblia que Jesus lia

Mas os três amigos de Jó exageraram. Eles reverteram a relação


de causa e efeito para chegarem à ideia de que “Se você sofre, então
você pecou”. Assim, ao deduzir que “Jó sofre, portanto ele pecou”,
eles afirmam que todo sofrimento é causado pelo pecado. Embora o
pecado produza sofrimento, é errado deduzir que todo sofrimento é
causado por pecados da pessoa envolvida.

2) Leia Jo 9:1-5. Como Jesus explica a cegueira deste homem?


Como isto se relaciona com o caso de Jó?
O livro de Jó é o corretivo das Escrituras contra o pensamento
distorcido da doutrina da retribuição. O livro nos adverte a não lermos
demais nas entrelinhas das situações e vai contra a aplicação mecâni-
ca de uma teologia de retribuição. O livro faz isso mostrando um ho-
mem que sofre por razões outras que não seu pecado. O leitor já sabe
desde o prólogo que o sofrimento de Jó não é causado por seu pecado.
Jó sofre pelo mesmo motivo do homem que nasceu cego em Jo
9:1-5: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que
a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (Jo 9:3). A dura verda-
de é que Deus é glorificado através do sofrimento de seus servos fiéis.

3) Analise as motivações de Jó para andar com Deus. Satanás


as questiona em Jó 1:9. Por quê?
A dúvida colocada por Satanás em relação às motivações de Jó
em andar com Deus (1:9) é, na verdade, uma afronta à própria nature-
za do caráter de Deus. O questionamento das motivações de Jó ques-
tiona indiretamente as motivações de Deus em sua relação com seu
adorador. Ele insinua que Deus abençoa as pessoas para receber em
troca a adoração delas.
Satanás sempre busca desqualificar a Deus, atacando suas moti-
vações, santidade, amor, bondade e propósitos. Como Deus faz o que
ele é, atacar suas motivações é atacar sua pessoa. Não há contradição
alguma entre o que Deus faz e sua pessoa santa; suas ações são exten-
são do que ele é em seu caráter.
No final das contas, Deus não respondeu a todas as questões de
A Bíblia que Jesus lia 37

Jó sobre seu sofrimento, mas a simples presença divina fez com que
suas dúvidas desaparecessem. Jó descobriu que Deus se importava
com ele de forma íntima, e que ele governa soberanamente o mundo.
Isto lhe foi suficiente. Foi como se ele tivesse ouvido de Deus: “A
minha graça te basta” (2Co 12:7-10). E para nós hoje, basta-nos a
graciosa presença de Deus? Ou precisamos de algo mais?

Para refletir e praticar


1. Busque conhecer mais a Deus antes de emitir conceitos so-
bre a justiça divina.
2. Busque andar pela fé, como Jó, sem se preocupar com nada,
só crendo na soberania de Deus.
3. A restauração na vida de Jó não foi consequência da sua
obediência, mas sim da graciosa soberania de Deus.

Para a próxima reunião


Leia por favor, Dt 1-2, 7, 28-29 e 34.
Como líder, leia o capítulo 3 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.

Lista de orações
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38 A Bíblia que Jesus lia

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Lista de presença
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A Bíblia que Jesus lia 39

O Shemá, credo principal de Israel (Dt 6:4-9)


Shemá Yisrael
(Ouve, Israel)
‫ְׁשמַ֖ע יִ ְׁש ָראֵ֑ל‬
YHWH Elohênu, YHWH echád.
(Javé [é] nosso-Deus, Javé [é] único!)
‫חד‬
ָֽ ָ ֶ‫יְׁ הוָ ָ֥ה אֱֹלהַ֖ינּו יְׁ הוָ ָ֥ה׀ א‬
Veahavtá et YHWH Elohêka
(E-amarás Javé teu-Deus)
‫ֱֹלהֵ֑יָך‬
ֶ ‫וְׁ ָאָ֣ה ְׁב ָּ֔ ָת אַ֖ת יְׁ הוָ ָ֣ה א‬
bekol levaveká
(de-todo teu-coração)
ָ֥‫ל־לבָ ְׁבָך‬
ְׁ ָ‫ְׁבכ‬
uvekol nafsheká
(e-de-toda tua-alma)
ַ֖‫ּובכָ ל־נ ְׁפ ְׁשָך‬
ְׁ
uvekol meodêka
(e-de-toda tua-força.)
‫ֹדָך׃‬
ָֽ ֶ ‫ל־מא‬
ְׁ ָ‫ּובכ‬
ְׁ
Vehayu ha-devarim haêle
(E-estejam as-palavras estas)
‫רים הָ ֵ֗אלֶ ה‬
ָ֣ ִ ָ‫וְׁ הָ יּ֞ו ה ְׁדב‬
asher anoki metsaveká hayom
(que eu te-ordeno hoje)
‫אֲשֶֶׁ֨ ר אָ נ ִֹכִ֧י ְׁמצּוְׁ ָךָ֛ היַֹ֖ום‬
al levavêka
(sobre teu-coração.)
‫בָך׃‬
ָֽ ֶ ָ‫ל־לב‬
ְׁ ‫ע‬
Veshinantam levanêka
(E-tu-as-inculcarás a-teus-filhos)
‫וְׁ ִשננְׁ ָתָ֣ם ְׁלבָ ֶנָּ֔יָך‬
vedirbatá bam
(e-falarás sobre-elas)
‫ת ָבֵ֑ם‬
ַ֖ ָ ‫וְׁ ִדב ְׁר‬
beshivteká bevetêka
(ao-sentares em-tua-casa)
ָ֙ ‫יתָך‬
ֶ ֶׁ֨ ‫ְׁב ִש ְׁב ְׁתָךָ֤ ְׁבב‬
uvlechteká vadêrek
(ao-andares no-caminho)
‫ּובלֶ ְׁכ ְׁתָךָ֣ ב ֶ ָּ֔ד ֶרְך‬
ְׁ
uv-shokbeká uvcumêka.
(e-ao-deitares e-ao-levantares.)
‫קּומָך׃‬
ָֽ ֶ ‫ּוב‬
ְׁ ַ֖‫ּוָֽ ְׁבשָ ְׁכ ְׁבָך‬
Uqshartam leot al yadêka
(E-tu-as-atarás como-sinal sobre tua-mão)
‫תם ְׁלאַ֖ ֹות על־י ֶָדֵָ֑ך‬
ָ֥ ָ ‫ּוקש ְׁר‬
ְׁ
vehayu letotafot ben enêka
(e-serão como-símbolos entre teus-olhos)
‫פת בָ֥ין עינֶ ָֽיָך׃‬
ֹ ַ֖ ָ‫וְׁ הָ יָּ֥ו ְׁלטֹט‬
Uktavtam al mezuzôt
(E-tu-as-escreverás sobre os-umbrais)
‫ל־מזּו ֹזָ֥ת‬
ְׁ ‫ּוכת ְׁב ָתָ֛ם ע‬
ְׁ
betêka uvish’arêka.
(da-tua-casa e-em-teus-portões.)
‫ּוב ְׁשעָ ֶ ָֽריָך׃‬
ִ ‫יתָך‬
ַ֖ ֶ ‫ב‬
40 A Bíblia que Jesus lia

3 DEUTERONÔMIO:
UM SABOR AGRIDOCE

Há duas tragédias na vida.


Uma é não realizar o desejo do coração.
A outra é realizá-lo.
George Bernard Shaw

Objetivos deste encontro


 Compreender que Deus deu as leis para seu povo para o pró-
prio bem deles (e nosso).
 Perceber a importância do contato contínuo com a Palavra de
Deus para não esquecermos do que o Senhor nos ordenou.

Introdução

Deuteronômio 42
é o quinto livro bíblico; pertence ao conjunto
denominado Pentateuco. Moisés escreveu o livro, e este é uma cole-
ção de seus sermões a Israel pouco antes de atravessarem o Jordão
(veja 1:1).43 Estes sermões foram dados durante o período de 40 di-
as44 antes de Israel entrar na Terra Prometida.
Após os anos no deserto, uma nova geração de israelitas estava

42
O nome Deuteronômio deriva do título grego na Septuaginta (LXX), que signifi-
ca “segunda lei, repetição da lei”. Origina-se do termo usado em Dt 17:18, traduzi-
da por “cópia da lei”. O nome do livro em hebraico é Devarím (“Palavras”), tirado
da frase inicial do texto.
43
Obviamente, atribui-se a Josué a redação de Dt 34, que fala da morte de Moisés.
44
O primeiro sermão foi proferido no 1º dia do 11º mês (1:3), e os israelitas atra-
vessaram o Jordão 70 dias depois, no 10º dia do 1º mês (Js 4:19). Subtraia 30 dias
de luto pela morte de Moisés (Dt 34:8) e sobram 40 dias. O ano era 1410 a.C.
A Bíblia que Jesus lia 41

prestes a entrar na Terra Prometida. Esta multidão não havia experi-


mentado do milagre no Mar Vermelho ou escutado a Lei sendo dada
no Sinai, e eles estavam prestes a entrar numa nova terra com muitos
perigos e tentações. O livro de Deuteronômio foi dado para lembrar o
povo sobre as leis de Deus e do seu poder. As lembranças que Deute-
ronômio traria aos israelitas seriam basicamente quatro: a fidelidade
de Deus, a santidade de Deus, as bênçãos de Deus e as advertências
de Deus.
Além do Shemá (em Dt 6:4-9), outro texto significativo de Deu-
teronômio está em 32:46-47.
Em resumo, os 3 primeiros capítulos recapitulam a viagem do
Egito para a sua localização atual, Moabe. O capítulo 4 é um chama-
do à obediência, a ser fiel ao Deus que foi fiel a eles. Do capítulo 5 ao
26 apresenta-se uma repetição da lei: os dez mandamentos, assim
como leis sobre sacrifícios e dias especiais e o resto da lei. Bênçãos
são prometidas aos que obedecem (5:29; 6:17-19, 11:13-15) e fome é
prometida àqueles que infringem a lei (11:16-17).
O tema de bênção e maldição continua nos capítulos 27-30. Es-
ta parte do livro termina com uma escolha bem definida que é apre-
sentada a Israel (veja 30:19). O desejo de Deus para seu povo encon-
tra-se no que ele recomenda: “escolhe, pois, a vida”.
Nos capítulos finais, Moisés exorta o povo, comissiona aquele
que irá substituí-lo (Josué), registra uma canção e dá a bênção final a
cada uma das tribos de Israel. No capítulo 34 é relatada a morte de
Moisés. Ele subiu ao monte Nebo, onde o Senhor lhe mostrou a Terra
Prometida, na qual ele não poderia entrar. Aos 120 anos, mas ainda
com boa visão e força da juventude, Moisés morreu na presença do
Senhor. O livro de Deuteronômio termina com um curto obituário
sobre este grande profeta.
Muitos temas do Novo Testamento estão presentes no livro de
Deuteronômio. O principal deles é a necessidade de manter perfeita-
mente a lei mosaica e a impossibilidade de fazê-lo. Os sacrifícios in-
findáveis e necessários para a expiação dos pecados do povo encon-
trariam seu cumprimento final “de uma vez por todas” no sacrifício
42 A Bíblia que Jesus lia

de Cristo (Hb 10:10). Por causa de sua obra expiatória na cruz, não
mais precisaríamos oferecer sacrifícios pelo pecado.
A escolha de Deus dos israelitas como seu povo especial pre-
nuncia sua escolha daqueles que viriam a crer em Cristo (1Pe 2:9).
Em Dt 18:15-19, Moisés profetiza sobre outro profeta – o maior pro-
feta de todos, o Messias. Assim como Moisés, ele iria receber e pre-
gar revelação divina e conduzir o seu povo (Jo 6:14; 7:40).

Estudo

1) Durante o seu teste no deserto em Mt 4, Jesus citou Deutero-


nômio três vezes. Quais são essas citações e o que Jesus quis
dizer ao citá-las?
As citações são: Dt 8:3 (Mt 4:4), 6:16 (Mt 4:7) e 6:13; 10:10
(Mt 4:10). Ao fazê-lo, Jesus ilustrou a necessidade de esconder a Pa-
lavra de Deus em nossos corações para que não pequemos contra ele
(Sl 119:11).

2) Deuteronômio ressalta a importância da Palavra de Deus.


Obediência e pecado têm suas próprias consequências. Nin-
guém está acima da lei. Moisés, profeta escolhido por Deus,
tinha também a obrigação de obedecer. Qual foi a razão para
Moisés não entrar na Terra Prometida?
A razão pela qual ele não entrou na Terra Prometida foi sua de-
sobediência à ordem clara do Senhor em Nm 20:8 (leia o trecho de
Nm 20:2-13).

3) Como os sermões em Deuteronômio transmitiram as leis mo-


saicas à nova geração? Por que era necessária esta revisão?
Em Dt, Moisés passou ao povo a mensagem básica: “Lembrem-
se!”. Aparentemente, nada incomoda mais a Deus do que o simples
fato de ser esquecido. No deserto, obrigados a depender de Deus dia-
riamente, os hebreus não podiam se dar ao luxo de esquecer. Logo,
porém, iam se esquecer de Deus após entrarem na Terra Prometida. O
sucesso é o maior perigo que ronda o servo de Deus. Cada ruína sig-
A Bíblia que Jesus lia 43

nificativa ocorre ao tomarmos o poder em nossas mãos em vez de


confiarmos em Deus.
Os sermões de Deuteronômio vêm nos recordar que a vida com
Deus nunca é tão fácil e tão estruturada como gostaríamos que fosse.
É preciso progredir enfrentando novos inimigos a cada curva. Contu-
do, temos um Deus que intencionalmente se esquece de nossos peca-
dos e se lembra de nossa fragilidade. Temos um Deus de graça, que
ama incondicionalmente.
Assim como Israel se lembrou da fidelidade de Deus, também
devemos fazer o mesmo. A travessia do Mar Vermelho, a presença
sagrada no Sinai e a bênção do maná no deserto devem ser um incen-
tivo para nós também. Uma ótima maneira de continuar seguindo
adiante é tirar um tempo para olhar para trás e ver o que Deus fez.
Temos também uma bela imagem em Deuteronômio de um
Deus amoroso que deseja um relacionamento com seus filhos. O Se-
nhor aponta o amor como o motivo pelo qual ele tirou Israel do Egito
“com mão poderosa” e os remiu (Dt 7:6-11).

4) Leia Mt 17:1-8. À luz de Dt 34, qual a importância deste mo-


mento para Moisés?
A cena da transfiguração de Jesus contém um fato que passa
despercebido de muitos cristãos. Moisés não pôde entrar na Terra
Prometida.45 Mas, naquele momento, Moisés finalmente concretizou
o sonho de sua vida: ficou de pé no topo de uma montanha bem no
meio da Terra Prometida!46

45
De acordo com alguns estudiosos, Moisés não entrou na Terra Prometida porque
ele representa a Lei, que nos conduz até a porta, mas não nos faz entrar no descanso
de Deus. Neste sentido, Josué representa a graça divina, pois seu nome (o mesmo
de Jesus) significa “salvador”. Só a graça nos conduz até a Terra Prometida onde
alcançamos descanso na presença de Deus.
46
Philip Yancey, A Bíblia que Jesus lia, p.102.
44 A Bíblia que Jesus lia

Para refletir e praticar


1. A vida de Moisés narrada em Deuteronômio repete constan-
temente „foi Deus que fez‟. Tudo na nossa vida foi Deus que
fez. Como tem sido sua atitude diante das dificuldades já que
é Deus quem fez e fará?
2. Leia Dt 28:1-14.47 Diante de tantas bênçãos prometidas, co-
mo você escolhe se posicionar diante de Deus?
3. Aprenda esta música:48
Se tu guardares o que Deus te ordenou,
se o amares de todo teu coração,
se andares nos seus caminhos,
se inclinares os teus ouvidos para obedecer,
todas as bênçãos te alcançarão:
longevidade e multiplicação sobre ti e tua descendência.
Escolhe a vida e possuirás a terra das promessas.

Deus te propõe hoje: a vida e o bem, a morte e o mal.


Vê se escolhe hoje o melhor que Deus tem
para que vivas e possuas a terra que te prometeu o Senhor.

Ame o Senhor, apegue-se a ele (4x).


Ame o Senhor, ame o Senhor,
Ame, ame, ame, ame, ame o Senhor.
Disto depende a tua vida,
disto depende a tua família,
disto depende a tua vida,
disto depende a tua vida...

Deus te propõe hoje: a vida e o bem, a morte e o mal.


Vê se escolhe hoje o melhor que Deus tem
para que vivas e possuas a terra que te prometeu o Senhor.

47
Dt 28:1-2.... = Jo 10:3 e 16 com alusão a Rm 10:17-18.
48
Ana Paula Valadão, Deuteronômio 11, CD “Diante do Trono 11”.
A Bíblia que Jesus lia 45

Para a próxima reunião


Leia, por favor, os Salmos 1 e 51.
Como líder, leia o capítulo 4 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.

Lista de orações
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Lista de presença
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46 A Bíblia que Jesus lia
A Bíblia que Jesus lia 47

4 SALMOS:
ESPIRITUALIDADE EM CADA NOTA

Naquela madrugada, por uma porta entreaberta, vi o pastor Bonhöeffer


ajoelhado diante de Deus. A maneira submissa e confiante da oração des-
se homem extraordinariamente simpático abalou-me profundamente. An-
tes da execução, ele fez ainda uma breve oração. Depois subiu para a
forca com coragem e serenidade. A morte ocorreu em poucos segundos.
Nos quase 50 anos de exercício da medicina, jamais vi um homem morrer
49
em tal submissão a Deus.
H. Fischer-Hüllstrung

Objetivos desse encontro


 Entender os salmos como poesia que permite às pessoas
abrir seus corações diante de Deus.
 Reconhecer os lamentos como maravilhosas orações para
apresentar a Deus dúvidas, aflições e crises.

Introdução

Pelo fato de conter apenas orações, há um livro que se dis-


tingue de todos os demais nas Escrituras. É o livro de Salmos.50 O
livro de Salmos é um dos mais importantes da Bíblia, um dos mais

49
Dietrich Bonhöeffer, Orando com os Salmos, p. 10 e 13.
50
Parece admirável encontrarmos um livro de orações na Bíblia, sendo esta a Pala-
vra de Deus dirigida a nós. Orações são palavras humanas. Como elas podem cons-
tar da Bíblia? Mas os Salmos também são Palavra de Deus. São orações dirigidas a
Deus que são inspiradas pelo próprio Espírito Santo. A verdadeira oração flui por
meio do Espírito que vive em nós, dirigidas a Deus Pai, por meio de Jesus.
48 A Bíblia que Jesus lia

lidos em nossas Igrejas. Os Salmos sempre foram usados pelas pesso-


as para exprimir sua adoração ao Criador ou quando atravessavam
vales escuros, enfrentando terríveis crises de dúvidas ou perseguições
atrozes movidas por inimigos sedentos de sangue. João Calvino51
costumava pregar 2 ou 3 vezes aos domingos em Genebra (Suíça), e
um dos sermões era no livro de Salmos52. É também o livro do AT
citado com mais frequência no NT!53
Os Salmos são como uma amostra de diários espirituais, como
cartas pessoais dirigidas a Deus. Eles dão exemplos de pessoas co-
muns, lutando freneticamente para harmonizar sua fé com sua experi-
ência cotidiana. São tão difíceis, desordenados e bagunçados quanto a
própria vida. Mas juntos, os salmos oferecem uma mistura revigoran-
te de realismo e esperança. Os salmos não tentam abrandar a raiva por
meio da racionalização, nem dão conselhos abstratos sobre a dor; em
vez disso, manifestam as emoções de forma clara e audível, direcio-
nando seus sentidos principalmente a Deus. Eles nos ensinam que
temos o direito de levar a Deus qualquer tipo de sentimento. Não pre-
ciso disfarçar. Não há áreas proibidas: inclua Deus em todas as áreas
da sua vida! Eles também nos ensinam a adorar e louvar. Louvor é o
“bem-estar interno fazendo-se audível” com espontaneidade afetuosa.
70% dos salmos são lamentos, mas estes têm pouco em comum
com lamúria e reclamações. Os salmistas lamentavam que a vontade
de Deus não estivesse sendo cumprida na terra como no céu. Davi e
os outros poetas fizeram de Deus o centro gravitacional da vida deles.
Para eles, a adoração era a atividade central da vida. Esses poetas
estavam matriculados na escola avançada da fé.

Informações adicionais sobre o livro


O livro de Salmos é conhecido um conjunto de livros de „poesia hebraica pa-
ra serem cantadas‟. A poesia hebraica apresenta muitas características interessan-

51
Reformador, teólogo e pastor. Seu sistema teológico estruturou as ideias do mo-
vimento Reformado, o qual deu origem mais tarde à Igreja Presbiteriana.
52
Van Halsema, João Calvino era assim.
53
Matthew Henry, Concise commentary on the Bible.
A Bíblia que Jesus lia 49

tes, tais como:


a. Linguagem figurada: para expressar o que se quer encontramos nos Sal-
mos muitas personificações, metáforas, símiles, metonímia, etc. A linguagem figu-
rada busca encontrar paralelos no mundo conhecido para embelezar ou expressar
conceitos de difícil expressão.
b. Paralelismo: é em geral uma repetição de ideias54 que expande o conceito
inicialmente formulado usando outras palavras (Sl 49:1; Sl 104 = paralelismo sino-
nímico). Algumas vezes traz uma complementação (Sl 55:6 = paralelismo sintético)
ou um contraste (Sl 1:6 = paralelismo antitético). Pode ainda gerar um clímax (Sl
55:12-13 = paralelismo climático) ou misturar com diferentes tipos de paralelismo
(Sl 45:1 = binósfico).
c. Ritmo: não é um ritmo tal como os gregos usam, contando sílabas e me-
dindo as palavras, mas sim na entonação – a acentuação das palavras dita o ritmo
ao se ler. Todavia, os hebreus não possuíam regras rígidas a este respeito.
d. Música: muitos Salmos foram musicados, mas isso não significa que to-
dos o eram.55 Muitos salmos eram usados no culto do templo de Israel.
e. Recursos estilísticos: dentre vários, convém destacar a inversão, um des-
vio da sequência verbal para enfatizar algo colocado no texto, e a repetição de
palavras para salientar certos conceitos.
Autoria e data: A base do saltério é uma coleção de hinos do rei Davi. Após
a constituição desta primeira coleção, outras coleções como a dos salmos levíticos,
a de Coré (Sl 42 a 49) e a de Asafe (Sl 50; 73 a 83). Algumas se originaram nas
principais escolas de cantores (veja 1Cr 6:31 e 39); outras receberam seus títulos
como indicação do estilo ou do lugar de origem. A estes grupos foram acrescenta-
dos uns poucos salmos anônimos (Sl 33; 84 a 89) e também o Sl 1, introdutório.
Nota-se nos salmos uma reverência profunda pela Torá (Pentateuco), como se
expressa no Sl 119. Devemos estender essa devoção a toda a Palavra de Deus.
Não é possível explicar como esses grupos de salmos foram selecionados,

54
A poesia em português se caracteriza pela harmonia de sons ao final das frases
poéticas. A poesia hebraica se caracteriza pela harmonia e/ou contraste de ideias.
Muitas vezes a mesma ideia é expressa em 2 frases com palavras diferentes (por
exemplo, Sl 2:3).
55
Havia cânticos em outras partes, que não eram necessariamente músicas religio-
sas (Nm 21:17-18 se refere ao um „cântico do poço‟ – que parece ter sido uma es-
pécie de coro empregado pelos cavadores de poços para se encorajarem enquanto
ocupados em um trabalho árduo como esse).
50 A Bíblia que Jesus lia

coordenados e finalmente combinados numa grande coleção. A poucos deles pode-


se atribuir uma data definida; uns são de Davi, outros são distintamente pós-
exílicos. Outros salmos aparecem dispersos pelo AT (por exemplo, Ex 15:1-21; Dt
32; Jn 2; Hc 3 e até Nm 23-24).56
Propósito e destinatários: Philip Yancey diz que durante muitos anos não
teve prazer em ler os Salmos, pois não entendia bem o propósito do livro ou porque
eram tantos. Finalmente concluiu que lhe faltava um prisma pelo qual ver o livro.
Entendeu que devia lê-los como que por cima dos ombros de alguém, pois o públi-
co-alvo não era outro senão o próprio Deus. Mesmo os Salmos para uso em público
foram preparados como orações coletivas; nesse caso também Deus era o principal
destinatário.57
Gêneros literários: determinadas características distintivas permitem classi-
ficar os salmos em grupos para fins de estudo. Gêneros usuais:58
1. Hinos de louvor: facilmente reconhecíveis pelo exuberante louvor ao Se-
nhor. Deus é louvado pelo que ele é e pelo seu poder e misericórdia. Por exemplo,
Sl 8; 24; 29; 33; 47 e 48.
2. Lamentos: expressam uma emoção oposta àquela do louvor. No lamento,
o salmista abre o seu coração sincera e honestamente diante de Deus; um coração
muitas vezes cheio de tristeza, medo ou mesmo ira. Salvo poucas exceções, os
lamentos voltam-se ao Senhor com confiança no final. Por exemplo, Sl 13; 25; 39;
51; 86; 102; 120.
3. Ação de graças: após a resposta de Deus a uma oração de lamento. Os
três primeiros tipos de Salmos formam uma espécie de tríade. O salmista entoa
hinos quando ele está em paz com Deus, profere lamentos quando está em desar-
monia com ele e dá graças quando o bom relacionamento é restabelecido. Por ex.,
Sl 18; 66; 107; 118; 138.
4. Cânticos de confiança: tem na confiança seu sentimento principal. Fre-
quentemente curtos e com alguma metáfora marcante que capta a atitude de confi-
ança do salmista. Por exemplo: Sl 23; 121; 131.
5. Salmos reais: uma vez que Deus, o Rei do universo, é o tema dos salmos
e uma vez que Davi, o rei humano, é tanto o salmista como o tema de muitos sal-
mos, o tema do rei é um conceito importante no saltério. Existem alguns salmos

56
F. Davidson, O novo comentário da Bíblia, vol. 2, p. 497-498.
57
Yancey, A Bíblia que Jesus lia, p. 103.
58
Bíblia de estudo de Genebra, p. 614.
A Bíblia que Jesus lia 51

proféticos que apontam para o Messias de Israel, que haveria de vir, Jesus, profeta,
sacerdote e rei. Alguns poucos salmos se destacam pela intensidade com que
focalizam a realeza de Deus (Sl 24; 93) bem como o rei humano (Sl 20; 21 e 45).
6. Salmos sapienciais: trabalham temas encontrados nos livros de sabedoria
(como o contraste entre o justo e o ímpio), tais como orientações práticas sobre
como Deus quer que vivamos. Exemplos: Sl 1, 37 e 49.
Esboço do livro: divide-se em cinco volumes - Sl 1 a 41, Sl 42 a 72, Sl 73 a
89, Sl 90 a 106, e Sl 107 a 150.59

Estudo

1) Leia o Salmo 1. Ele é uma introdução ao livro, contrastando a


maneira de viver dos justos com a das pessoas que andam se-
gundo a cultura do mundo. Como você tem procurado viver?
Resposta pessoal.

2) Releia o verso 1. Como se desenvolve o compromisso de


uma pessoa com o mal? Como podemos evitar esta armadilha?
Note que o verso 1 retrata três ações a se evitar caso desejemos
alcançar a felicidade. Elas apontam para um grau crescente de envol-
vimento com o mal: andar no conselho de quem não teme ao Senhor;
deter-se em agir conforme os que fazem coisas erradas; e finalmente
tornar-se parte do grupo das pessoas que têm prazer no mal. Estes
ridicularizam o que é certo, zombam dos que temem a Deus, menos-
prezam a Palavra de Deus e seus preceitos.
Contudo, pela ação do Espírito Santo em nós, em geral nós te-
mos claro em nossas mentes o que são bons e maus conselhos. Por
exemplo: já que muitas pessoas roubam, e até alguns governantes, por
que não dar alguns golpes de vez em quando? Esse é um exemplo de

59
O nome do livro em hebraico é “tehilim”, que significa “cânticos de louvor”. Os
títulos classificam os salmos em gêneros, mas é difícil determinar o significado
preciso dos termos. Alguns são encontrados com frequência: mizmor = “cântico”
(Sl 139); “shir”= “cântico”; outros são mais raros. “Selá” ocorre com frequência
nos salmos. Seu significado é desconhecido, talvez seja “pausa”.
52 A Bíblia que Jesus lia

mau conselho. Do mesmo modo também discernimos ações e atitudes


erradas aos olhos de Deus (pecados). Por exemplo: se eu simular um
acidente com o meu carro com o objetivo de conseguir a indenização
do seguro, estarei enganando a seguradora, o que sei que é errado.
O Espírito Santo nos alerta sobre o nosso desvio de caminho e
opera em nossas vidas para nos fazer voltar ao caminho correto. Este
caminho nos levará à felicidade que só a comunhão com Deus pode
nos proporcionar.

3) Releia o verso 2. O homem feliz encontra seu prazer aonde?


Ele tem prazer na Palavra de Deus, que lhe proporciona oportu-
nidade de conhecer mais ainda seu Criador. Ele a lê, estuda e medita
nela dia e noite. Meditar é ficar pensando a respeito daquilo que leu
até incorporar o novo conceito na prática da vida diária. Assim, este
homem feliz leva uma vida pia.60
No v. 3, o homem temente a Deus é comparado a uma árvore
junto a um riacho. Esta árvore nunca enfrenta seca; está sempre ver-
dejante e dá frutos em quantidade e no devido tempo. Tudo quanto o
homem comprometido com Deus faz será bem sucedido. Não deve-
mos entender essas palavras como absolutos. Mesmo os servos mais
consagrados são pecadores e estão em um contexto de pecado e mal-
dição neste mundo pós-queda (Gn 3). Mas se observarmos as vidas
dos que temem verdadeiramente ao Senhor, veremos abundantes bên-
çãos em suas famílias.
Nos v. 4 a 6, o salmista faz um contraste com os ímpios, aque-
les que são rebeldes à voz do Senhor, à Palavra de Deus. Ele afirma
que aqueles que não temem ao Senhor estão no caminho de sua pró-
pria destruição. Serão condenados por suas escolhas erradas e não
subsistirão diante do julgamento final de Deus. Somente aquele que
deposita sua confiança no Senhor (e na redenção que Deus provê)
pode permanecer na santa presença de Deus.

60
Pia, piedosa, ou seja, devota a Deus, temente a Deus. Contrasta com o termo
“ímpio”, que significa o oposto (alguém que não teme ao Senhor).
A Bíblia que Jesus lia 53

4) Leia Sl 51:1-4. Como você entende o arrependimento do rei


Davi? O que é arrependimento para você?
Arrependimento é um dos conceitos mais importantes da Bíblia.
Na língua original do AT (hebraico), a palavra usada é teshuvá, que
significa “retorno, volta”. Este termo é bem ilustrado na volta do filho
pródigo à casa do pai, ou pela volta da ovelha perdida ao curral nos
braços do pastor.61 Na língua original do NT (grego), arrependimento
significa mudança de mente (a palavra é metanóia).
O conceito é claro: os valores de uma pessoa arrependida, seus
objetivos e comportamentos são mudados radicalmente e ela passa a
viver de um modo diferente. Sua mente, seu discernimento, sua von-
tade, suas afeições, seu comportamento, seu estilo de vida, seus moti-
vos e seus planos, tudo está envolvido nessa mudança. Arrepender-se
significa começar a viver uma nova vida.
O chamado ao arrependimento era a convocação fundamental
dos profetas ao povo. Eles deviam retornar para Deus, de quem ti-
nham se extraviado (veja Jr 23:22; 25:4-5; Zc 1:3-6). Era também a
mensagem de João Batista (Mt 3:2), de Jesus (Mt 4:17), dos doze
apóstolos (Mc 6:12), de Pedro no Pentecostes (At 2:38), de Paulo (At
17:30; 26:20) e do Cristo glorificado às igrejas do Apocalipse (Ap
2:5,16,22; 3:3,19). Era parte do resumo feito por Jesus sobre o Evan-
gelho que deveria ser pregado em todo o mundo (Lc 24:47).
O arrependimento é sempre descrito como o caminho para a
remissão de pecados e para a restauração do favor de Deus, enquanto
que a impenitência, a falta de arrependimento, a rebeldia contra a
Palavra de Deus, é o caminho para a ruína (veja At 13:1-8).62

5) Leia Sl 51:5. Como você explica o que Davi diz aqui?


Todos nós reconhecemos que cometemos pecados. Entretanto, a
Bíblia nos ensina que nós somos pecadores. O pecado faz parte de
nossa natureza, desde que nossos pais, em Gn 3, escolheram viver
longe de Deus. Isso fica claro nesse texto (Sl 51:5).
61
Dicionário Português-Hebraico, Hebraico-Português.
62
Ibidem, p. 1309.
54 A Bíblia que Jesus lia

Veja também o texto de Paulo em Rm 3:9-18. Paulo cita aqui


vários salmos.63 Paulo continua em Rm 3:23: “pois todos pecaram e
carecem da glória de Deus”. Precisamos reconhecer continuamente
esta nossa situação de miseráveis pecadores, pois só assim poderemos
depender da graça de Deus inteiramente.

6) Leia Sl 51:16-17. Qual é o perigo da religiosidade?


O perigo é realizarmos rituais e cumprirmos regras (muitas ve-
zes escolhidas conforme nosso próprio critério particular) e acharmos
que isso é suficiente para agradarmos a Deus. Precisamos voltar a
textos como este. Ele nos lembra da necessidade de nos aproximar-
mos de Deus com espírito humilde e adorador, com coração sincero e
contrito.
Jesus tratou esse assunto na parábola do fariseu e do publicano
(Lc 18:9-14). O fariseu colocava-se diante de Deus de forma arrogan-
te e altiva, confiado em seus atos religiosos. Mas o publicano reco-
nheceu sua natureza pecaminosa. Jesus conclui a parábola dizendo
que foi o “pecador” que voltou justificado para sua casa. Deus não
rejeita o coração contrito!

Comentários adicionais
“Os salmos não fazem teologia”, escreve Katheleen Norris.
“Um dos motivos é que os salmos são poesia, e a função da poesia
não é explicar, mas oferecer imagens e histórias que estejam em res-
sonância com a nossa vida”.64 Os Salmos são em sua grande maioria
orações. Será que eu e você poderíamos fazer essas orações? Será que
já sentimos esses tipos de angústias que os lamentos retratam? Será
que já explodimos em louvor como nos hinos? Com certeza em várias
situações podemos encontrar um salmo que se torne nossa oração e
expresse nossas palavras a Deus. Ao enfrentarmos a tentação, ao co-

63
Nos versos 10-12, ele cita o Sl 14:1-3 // 53:1-3; no v. 13, Sl 5:9 e 140:3; no v. 14,
Sl 10:7; e no v. 18, Sl 36:1.
64
Conforme Yancey, A Bíblia que Jesus lia, p. 104.
A Bíblia que Jesus lia 55

memorar um sucesso, ao guardar uma amargura, ao sofrer uma injus-


tiça, em cada circunstância há um salmo que mais se aplica!
Observe o exemplo de Jesus. Ele cita o início do Sl 22 quando
está na cruz (Mt 27:46; Mc 15:34). Foi uma das últimas frases profe-
ridas por Jesus na cruz (uma das sete “palavras da cruz”). Entretanto,
o primeiro a pronunciar essas palavras foi o rei Davi em um dos seus
muitos momentos de profundo desespero e desamparo. E sua oração
angustiada termina em louvor pela salvação que o Senhor irá prover
(veja v.22-31). Ao orar este lamento, Jesus sabia que podia confiar na
libertação que seu Pai iria lhe conceder!

Para refletir e praticar


1. Você tem usa os salmos para adorar e louvar a Deus?
2. Quando você enfrenta crises, provações, injustiças contra
você ou sua família, você ora com os salmos de lamento,
abrindo seu coração, com sinceridade, diante do Senhor?
3. Quando você faz ou pensa alguma coisa errada, você tem
exercido arrependimento sincero diante de Deus, com um
coração humilde e contrito?

Para a próxima reunião


Leia, por favor, o capítulo 7 de Eclesiastes.
Como líder, leia o capítulo 5 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.

Lista de orações
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56 A Bíblia que Jesus lia

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Lista de presença
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A Bíblia que Jesus lia 57
58 A Bíblia que Jesus lia

5 ECLESIASTES:
FIM DA SABEDORIA

Eclesiastes é, em certo sentido, a expressão clássica do tédio extre-


mo, se bem que o tédio é apresentado ali num contraponto tão eleva-
do que sua expressão se torna algo emocionante. Ninguém que tenha
prazer em Eclesiastes pode ficar tão entediado quanto Eclesiastes.
Charles Williams

Objetivos deste encontro


 Repensar os propósitos da vida humana e a importância de
um relacionamento íntimo com Deus.
 Encontrar proveito no trabalho e na sabedoria.

Introdução

Eclesiastes é um livro desafiador; talvez por isso seja um dos


menos lidos hoje. Para seu autor, nada faz sentido; o mundo todo pa-
rece desequilibrado e torto. Certamente, vivemos num mundo que ora
se comporta conforme regras estruturadas, ora se rende a contradições
absurdas.
Este desespero resulta de situações de fartura, mais do que de
épocas de privação. E o autor de Eclesiastes capta precisamente este
estado de espírito. Ele registrou seu juízo numa época de prosperida-
de e progresso social incomparáveis. Os bons tempos representam o
grande perigo, nossos melhores esforços resultam em ruína. Essa des-
coberta levou o autor ao desespero.
A Bíblia que Jesus lia 59

Deus pôs a eternidade no coração do homem. Ainda assim, a


pessoa pode nunca se voltar a Deus. Eclesiastes afirma que certamen-
te não encontraremos o que nos satisfaz no mundo. A devoção exage-
rada ao prazer paradoxalmente conduz a um estado de total desespe-
ro, pois a vida não tem sentido sem Deus.
Este é um livro muito atual, pois ainda não aprendemos suas li-
ções mais básicas. Estamos fascinados com as atrações e prazeres do
mundo de hoje. Mas o livro serve de advertência clara contra a tenta-
ção de depender do sucesso e da prosperidade. É um livro escrito para
nos tornar realistas.

Mensagem do livro
Eclesiastes busca responder à pergunta: “Que proveito tem o
homem no trabalho e na sabedoria?”.65
O trabalho e a sabedoria são dois temas principais do livro. Pa-
lavras como vantagem, proveito, melhor (Ec 6:8-9) ocorrem inúmeras
vezes no texto, assim como vaidade, outra palavra importante que
transmite a ideia de inutilidade. Essa última palavra-chave é usada no
tema que emoldura o livro (Ec 1:2; 12:8).
O autor afirma que a morte faz com que toda sabedoria e traba-
lho humanos sobre a terra (1:4; 2:11,17) sejam em vão. Esta conclu-
são não significa que as pessoas devam abandonar a sociedade e a
cultura e passar a viver uma vida ascética. Tampouco a prioridade
cristã de proclamar o Evangelho para a conversão dos pecadores sig-
nifica que os cristãos devam abdicar das suas responsabilidades cultu-
rais (veja 1Co 15:58).
Ao contrário, Salomão ordena que o povo de Deus desfrute a
vida (9:7-10), apesar da sua futilidade, duras realidades e incertezas, e
trabalhe com todo vigor. Essa visão prática da vida não constitui es-
toicismo grego, tampouco um produto do esforço humano, é um dom
de Deus (veja 3:13; 5:19), para aqueles que o temem e guardam os
seus mandamentos (confira 5:1-7; 12:13-14).
65
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 768.
60 A Bíblia que Jesus lia

Eclesiastes ensina tanto a responsabilidade humana em obede-


cer a Deus com alegria, como também a soberana provisão de Deus
da capacidade de obedecer.
Eclesiastes se atém à questão de como as pessoas devem viver
(6:12) num mundo onde o bom Criador (3:11,14) e justo Juiz (3:17)
soberanamente permite que coisas más aconteçam tanto aos que são
retos (7:13-14) como aos iníquos, e não de acordo com o merecimen-
to pessoal de cada um (8:14; 9:1). O dom do contentamento deve ser
exercido não apenas diante da opressão humana (3:22-4:3), mas tam-
bém diante da futilidade e da morte (9:7-10) que Deus impôs sobre a
raça humana em razão do pecado. O livro conclui nos incentivando a
termos esperança, pois a vida fará sentido um dia, quando o Juiz se
manifestar.
Não há sentido na vida se não a vivermos na presença de Deus.
Por isso sua conclusão é muito importante (12:13): “Teme a Deus”!

Informações adicionais sobre o livro


Autoria e datação: para muitos estudiosos, a linhagem (1:1), o reinado em
Jerusalém (1:12), a grande sabedoria (1:16) e a riqueza inigualável (2:4-9) do autor
indicam ser este Salomão, em torno do século X a.C.. Sugere a espécie de sabedo-
ria transmitida pelos oradores que se reuniam no Templo. O termo Eclesiastes vem
da Septuaginta. Outros estudiosos argumentam por autores posteriores que usaram
algum material de Salomão.
Esboço: após a introdução e tema (1:1-2), o livro se estrutura em três ciclos
que falam das limitações do trabalho e da sabedoria (1:3-3:8), do trabalho diante do
temor a Deus (3:9-6:7) e da sabedoria em humildade diante de Deus (6:8-12:7). A
conclusão reapresenta o tema (12:8) e tece considerações finais (12:9-14).

Estudo

1) Por que a morte é melhor do que o nascimento? (Ec 7:1-6)


O capítulo 7 de Eclesiastes nos instrui sobre nossa verdadeira
humanidade dentro de um mundo cheio de vaidades. O texto nos cho-
ca ao insistir que devemos encarar a morte de frente, que chorar é
A Bíblia que Jesus lia 61

melhor do que rir. Mas o sábio autor tem razão: as muitas alegrias da
vida e a busca do prazer (“o riso dos tolos”) em geral nos levam a
viver de forma inconsequente e sem reflexão. A morte de alguém
conhecido nos traz de volta à realidade da vida: nossa vida não é eter-
na (enquanto estamos neste corpo corruptível).
Ao nos depararmos com nossa finitude, podemos tomar dois
caminhos: aproveitar a vida de forma hedonista, na busca de prazeres
(1Co 15:32b), ou usá-la de forma sábia, alcançando boa reputação.
Por isso o autor começa afirmando que é melhor ter um bom nome do
que um bom perfume.66 A verdadeira alegria não se encontra nos pra-
zeres passageiros, mas em construir um significado para nossas vidas
que perdure após nossa morte. Paradoxalmente, é a morte que mais
nos faz pensar sobre a vida!
Além disso, temos outro motivo para encarar a morte com ale-
gria. Para os que temem ao Senhor, a morte é “incomparavelmente
melhor” (Fp 1:21-23), pois estarão com Cristo para sempre.

2) Como você analisa o suborno? (Ec 7:7)


O suborno é como uma pedra mágica que abre portas (Pv 17:8;
18:16), mas a Bíblia é clara em mostrar que isto é algo que corrompe
o coração do homem. Ele perverte o caminho da justiça (Pv 17:23),
cega até o perspicaz e o justo (Ex 23:8).
O presente de alguém, mesmo quando oferecido com inocência,
pode nos levar à parcialidade em nossos julgamentos e escolhas. E
isto subverte o fundamento da justiça.

3) O que a finitude da vida nos ensina? (Ec 7:8-14)


Este trecho considera alguns aspectos positivos de vivermos
conscientes de nossa finitude. De novo o texto salienta que é melhor o
fim do que o princípio; é preciso percebermos que tudo nesta vida é
temporário, passageiro, e por isso precisamos considerar aquilo que é
eterno como prioritário (2Co 4:18).

66
Um trocadilho na língua original entre “nome” (shem) e “perfume” (shemen).
62 A Bíblia que Jesus lia

Além disso, esta atitude de ponderada reflexão sobre a fragili-


dade da vida gera um comportamento diferenciado na vida.
Em primeiro lugar, gera paciência (v.8) que suplanta a arrogân-
cia e a ira (v.9). Esta paciência é um comportamento cultivado pela
sábia consideração da finitude da vida e de nossa dependência da gra-
ça de Deus. Somente o insensato abriga ira em seu coração; por isso
Paulo nos orienta a nos livrarmos logo dela (Ef 4:26-27). Aquele que
é prudente e sábio aprende a controlar sua impulsividade (Pv 12:16;
16:32; 29:11), pois manter e instigar a ira só gera ainda mais conten-
das (Pv 30:33).
Em segundo lugar, gera contentamento com o dia atual e evita a
nostalgia (v.10). Quando olhamos para trás, nossa tendência é ver as
coisas do passado como melhores. Dizemos “Quando eu era moço, as
coisas não eram assim...”. Muitas vezes isso não passa de pura ilusão.
Mesmo se isto for verdade em alguns sentidos, nada nos adianta sus-
pirarmos pelo passado. Como diz o ditado: “Águas passadas não mo-
vem o moinho”; o passado não volta! O que importa é enfrentarmos o
presente com suas realidades, pois a vida continua.
Em terceiro lugar, gera uma busca pela sabedoria mais do que
por riquezas (v.11-12). Ambos provêm certa proteção, mas a sabedo-
ria preserva e dá vida ao seu possuidor (Pv 3:13-18), pois gera maior
qualidade de vida. A verdadeira sabedoria, como sabemos, reside no
temor do Senhor (Pv 1:7).
Este trecho termina relembrando a graciosa soberania divina
(v.13-14). Deus é quem fez tanto os dias bons quanto os ruins. E isto
gera em nós temor ao Senhor soberano e dependência de sua infinita
graça.

4) Por que o equilíbrio na vida é tão importante? (Ec 7:15-22)


O texto nos choca novamente ao afirmar que ser demasiada-
mente justo pode fazer mal (v.16)! O autor nos sacode para quebrar
paradigmas de um mundo muito quadradinho. A religiosidade procu-
ra inculcar em nós um apego irrestrito aos mandamentos e à justiça de
Deus, mas nosso coração enganoso (v.20) facilmente nos leva a ex-
A Bíblia que Jesus lia 63

tremos em nossa busca por esta justiça. Com uma rapidez inimaginá-
vel, logo estamos mais preocupados com o correto cumprimento dos
mandamentos do que com o objetivo primário destes mandamentos,
que é o amor ao Senhor e ao próximo. Veja um exemplo em Mt 12:1-
8. Ademais, ao nos tornarmos “demasiados justos”, ficamos arrogan-
tes pois confiamos em nossa justiça própria e passamos a julgar o
nosso próximo que não é “tão justo” como nós. Daí decorre a séria
advertência de Jesus em Mt 7:1-5.
Nós precisamos de moderação e equilíbrio em nossas vidas. É
por meio da moderação que são reconhecidas as pessoas sábias. Além
disso, a moderação caminha junto com a humildade; somos exortados
por Paulo a não sermos arrogantes, e sim moderados ao pensarmos
sobre nós mesmos (Rm 12:3; Fp 4:5). Precisamos reconhecer nossa
pecaminosidade e nossa fragilidade, e viver em constante dependên-
cia da graça de Deus. Pois, ao final, é isso que o autor conclui (v.29):
Deus criou os seres humanos como verdadeiros e justos; somos nós
que bagunçamos o universo criado e nossas próprias vidas.

Para refletir e praticar


1. Tudo é vaidade debaixo do sol, mas Deus nos criou para vi-
vermos uma vida abundância na sua presença. Como isto se
relaciona com o nosso trabalho para obter sustento e com a
nossa vida em comunidade?
2. Como podemos nos contentar com a vida de hoje apesar de
todas as opressões humanas existentes?

Para a próxima reunião


Leia, por favor, Isaías 61.
Como líder, leia o capítulo 6 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.
64 A Bíblia que Jesus lia

Lista de orações
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Lista de presença
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A Bíblia que Jesus lia 65
66 A Bíblia que Jesus lia

6 PROFETAS:
RESPOSTA DE DEUS PARA O MUNDO

A situação de uma pessoa imersa nas palavras dos profetas é a de


alguém exposto a um bombardeio incessante contra a indiferença, e a
pessoa precisa de um crânio de pedra para permanecer insensível a
esses ataques.
Abraham Heschel

Objetivos deste encontro


 Compreender as características da profecia bíblica
 Reagir ao desafio apresentado pelos profetas para nós hoje

Introdução

Os profetas são estranhos, confusos e todos muito parecidos,


diz Yancey. São escritores que tratam dos mesmos assuntos que pen-
dem sobre nosso século, são testemunhas do dilema de sermos huma-
nos. O que é um profeta? Na Bíblia, o profeta é alguém que fala em
nome do Senhor Deus.67
Numa analogia moderna, o profeta é como um assessor de rela-
ções públicas ou porta-voz oficial do governo: ele comunica inten-
ções, opiniões e, às vezes, palavras literais do governante sobre um
assunto. Ele não fala por si mesmo, mas expressa o que o governante

67
Numa exceção que confirma a regra, Arão faz papel de profeta para Moisés (Ex
7:1; 4:16). Arão serve de mediador entre Moisés e o povo, de modo semelhante ao
profeta que faz mediação entre Deus e o povo.
A Bíblia que Jesus lia 67

deseja que ele expresse. Outra analogia é a de um embaixador: comu-


nica opiniões oficiais do governo que representa. Assim também se
dá com os profetas bíblicos: são os porta-vozes de Deus, comunican-
do opiniões, reações, intenções e até as próprias palavras de Deus.
Assim, os profetas nos proporcionam um vislumbre da mente
de Deus, pois Deus lhes responde as perguntas contundentes. Deus
fala sobre podar uma nação iníqua, aponta um remanescente de fiéis,
reconta seu amor, promete um Messias e mostra um futuro quando
tudo que está errado será corrigido. Os profetas proclamam o envol-
vimento pessoal e íntimo de Deus com o seu povo escolhido e com
indivíduos. Quem lê os profetas encontra uma Pessoa de verdade, um
Deus apaixonado. Deus sente prazer, frustração e raiva. Chora e re-
clama da dor. Ele se decepciona com o comportamento humano. Deus
anuncia o castigo com tristeza e lamento, saídos de um coração parti-
do. A mensagem principal dos profetas se resume assim: Deus ama os
seres humanos.
Os profetas são a revelação mais vigorosa da personalidade de
Deus. Anunciam uma mensagem semelhante, mas com estilos distin-
tos. Os profetas se fundamentam na história passada e apontam para
um futuro glorioso, tudo isto visando influenciar o comportamento do
presente. Proporcionam uma visão do „mundo-como-Deus-quer‟. Que
diferença estas visões proféticas fazem? Oferecem esperança, apon-
tando para o que é absolutamente verdadeiro, para uma realidade
mais profunda: o desafio de vivermos o ‘mundo-como-Deus-quer’
nesta vida, exatamente agora.

Informações adicionais sobre os profetas


No AT, os profetas recebem diferentes títulos. O mais frequente é nabí,
“chamado”. Outro título é “vidente”, designando-os como os que recebem visões de
revelação sobre o futuro. Obviamente, os profetas nem sempre recebiam suas
mensagens através de transes e visões. Esta era apenas uma dentre muitas formas
de receber de Deus o que comunicar. E, embora haja exceções, em geral o texto
bíblico não especifica como a mensagem foi recebida.
Os profetas bíblicos surgem principalmente em tempos de crises: a crise re-
68 A Bíblia que Jesus lia

ligiosa causada pela adoração oficial de Baal no tempo de Elias,68 as crises políti-
cas causadas pelas ameaças da Assíria e Babilônia, a crise de identidade da co-
munidade pós-exílica. Deus usou os profetas para oferecer direção a seu povo em
tempos turbulentos.
A profecia em Israel passou por três estágios:
Período Função Público Mensagem Exemplos
- orientação nacional Moisés
Porta-voz
monar-

Povo - manutenção da justiça Débora


Líder
quia
Pré-

- supervisor espiritual Transição:


Samuel
- conselho militar
Porta-voz Rei e Natã, Elias,
clássico

- pronunciamento de
Conselheiro corte Eliseu
Pré-

bênção ou repreensão
Transição:
Porta-voz Jonas
Comentarista Povo Isaías
Clás-
sico

espiritual e social Jeremias


No período pré-monárquico, os profetas detinham as rédeas da liderança
do povo. Moisés é o melhor exemplo: estava qualificado a liderar o povo devido a
seu ofício profético. Mais tarde, Débora exerceu liderança profética durante o perío-
do dos juízes. Outro bom exemplo é Samuel (veja 1Sm 3:19-20), o qual exerceu
uma liderança essencial durante a transição para a monarquia.
No período pré-clássico, surgem os reis e o papel do profeta muda. Torna-
se conselheiro do rei, muitas vezes de forma não oficial. Assim costumava ser em
todo o Oriente da época. Nenhum livro reúne os ditos destes profetas, embora
alguns oráculos ocorram em livros históricos. Samuel foi profeta no tempo do rei
Saul (1Sm), Natã no do rei Davi (2Sm), e Elias no do rei Acabe.
No período clássico, encontramos os livros proféticos da Bíblia. Começa no
8º século a.C. com Amós e Oséias no reino do Norte (Israel), e com Miquéias e

68
Baal era um deus canaanita. Em geral, seu nome recebia adição do local (Baal-
Peor, Nm 25:3; Baal-Gad, Js 11:17; Baal-Hermon, Jz 3:3, etc.) ou de uma caracte-
rística limitadora (Baal-Berith, Jz 8:33; Baal-Zebub, 2Re 1:2). Baal era considerado
o deus atuante em um local, o “dono” da região que controlava agricultura, animais
e seres humanos. Assim, era essencial assegurar seu favor, o que levou a práticas
extremas como a prostituição ritual (Jz 2:17; Jr 7:9; Am 2:7) e o sacrifício de crian-
ças (Jr 19:5). The Zondervan pictorial encyclopedia of the Bible, “Baal”.
A Bíblia que Jesus lia 69

Isaías no reino do Sul (Judá). Muito embora estes profetas continuassem falando
aos reis, a maioria dos oráculos se destinava ao povo. Eles anunciavam a agenda
de Deus para o povo.
Os profetas do período clássico foram únicos em seu mundo e época. Dis-
tinguiam-se pela sua autoridade divina (manifesta na expressão “Assim diz o Se-
nhor”) e pelo conteúdo e escopo da sua mensagem. Por exemplo, em geral os
profetas no Oriente Antigo estimulavam o uso de certos rituais para obter o favor de
seus deuses. Em Israel, contudo, os profetas parecem ser contra rituais de tanto
falarem contra a ideia de apaziguar a ira de Deus através de um ritual. Além disso,
nada no Oriente Antigo se compara às mensagens abrangentes de exílio e destrui-
ção comuns aos profetas hebreus. Essas distinções se devem ao fato de que as
profecias do AT têm sua base na aliança de Javé com seu povo. Nenhum povo no
Oriente Antigo tinha algo semelhante a isso; a saber, um Deus soberano escolhen-
do um povo como meio de se revelar e executar seu plano na história. Este concei-
to é único na história antiga. A ideia de que o Deus Criador tem um plano de longo
alcance para proclamar à humanidade não se encontra nos demais povos, porque
divindade alguma tinha planos para executar na história.
Outro aspecto da profecia bíblica que a faz exclusiva é seu conteúdo escato-
lógico, ou seja, as profecias relacionadas com o estágio final do plano de Deus para
a história humana. Este estágio final da história não é mencionado em parte alguma
nas demais culturas antigas. Mas a escatologia é tema principal da retórica proféti-
ca (veja Is 41-48) e a torna singular em Israel.

Informações adicionais sobre a mensagem dos profetas


O profeta recebe uma mensagem de Deus e precisa comunicar esta mensa-
gem ao seu povo. Ele entendia sua mensagem, ou seja, a mensagem tinha rele-
vância para ele e para seu povo. Contudo, isto não exclui significados adicionais
futuros da mesma mensagem, conforme revelados mais tarde por meio da ação do
Espírito Santo.
A mensagem é a proclamação da Palavra de Deus a uma audiência de uma
época específica, mas o cumprimento da mesma se dá no desenrolar da história.
Ou seja, cada profecia é uma mensagem que fazia sentido imediato para os ouvin-
tes iniciais, independentemente do seu cumprimento final. Além disso, também são
relevantes para nós hoje, não tanto pela informação sobre o presente ou o
futuro, mas pelo que elas revelam a respeito de Deus. A profecia é um meio
pelo qual Deus se revela a nós. A mensagem do profeta é a proclamação da agen-
da de Deus. Conhecemos a Deus pelo que ele já fez (história) e pelos seus planos
para o futuro (profecia). História e profecia fluem juntas em um plano soberanamen-
70 A Bíblia que Jesus lia

te projetado e executado. Isto deve produzir em nós reverência ao Criador!


O termo “predição” não é adequado para descrever a profecia bíblica. Os
profetas não estavam predizendo eventos, mas apenas proclamando a Palavra de
Deus. A profecia é uma mensagem de Deus, não uma mensagem do profeta. Ela
está focada mais na causa (Deus) do que no evento em si predito. Sem dúvida, a
profecia fala de eventos antes que venham a acontecer. Porém o propósito da pro-
fecia é que Deus seja devidamente reconhecido como causador daqueles eventos
como parte de seu plano contínuo para a humanidade.
A profecia é como o programa de ensino de um curso. O programa de ensi-
no não “prediz” o que vai acontecer em cada aula ao longo do curso, mas apresen-
ta os planos do professor para cada aula. Além disso, o instrutor tem poder de tor-
nar tais planos em realidade. Da mesma forma, quando um juiz decreta a sentença
de um criminoso, ele não está “predizendo” o que irá acontecer; está decretando o
que deverá ser feito em relação ao criminoso e, como juiz, tem autoridade e poder
de fazer aquilo acontecer. Assim é a relação entre Deus e as profecias: Deus decla-
ra suas intenções e decreta seu julgamento. Os profetas não “predizem”, são ape-
nas porta-vozes de Deus. Voltando ao exemplo, quando o professor pede a um
aluno para distribuir o programa do curso aos outros, este estudante não está “pre-
dizendo” o que o professor vai fazer em cada aula; ele é apenas o entregador do
programa. Assim também se dá com os profetas.
O termo “cumprimento” também é enganoso. Algumas pessoas negligenci-
am a mensagem dos profetas, ansiosas em determinar o cumprimento das profeci-
as (Já ocorreu? Quando vai ocorrer? Como?); isto leva a especulações que nos
afastam do texto. Muitas vezes o profeta não sabia como ou quando o cumprimento
da sua profecia viria a acontecer. É a mensagem que é inspirada e o meio da reve-
lação de Deus; o cumprimento é algo secundário. Não podemos ficar absorvidos
em descobrir o cumprimento de uma profecia e negligenciar a mensagem em si.
É melhor definir cumprimento profético como uma correlação apropriada en-
tre a palavra profética e o evento ao qual está relacionada.69 Assim, quando um
autor do NT afirma que um evento cumpriu uma profecia, ele não está sugerindo
que o profeta tenha pensado neste evento, mas sim que há uma correlação apro-
priada entre a profecia e o evento. Por exemplo, o NT não usa o AT para provar
que Jesus é o Messias. Pelo contrário, partindo do fato de que Jesus é o Messias,
os autores do NT usam o AT para oferecer maior evidência e sustentação àquela
posição. Pela inspiração do Espírito Santo, os autores do NT foram capazes de
estabelecer correlações confiáveis e apropriadas entre profecia e evento histórico,

69
Hill e Walton, Survey of the Old Testament, p. 316.
A Bíblia que Jesus lia 71

as quais os próprios profetas originais não anteciparam.70


Assim, distinguimos entre a mensagem e o cumprimento da profecia:
Mensagem Cumprimento
Palavra com autoridade de Deus Desenrolar do plano de Deus
Entendida pelo profeta e relevan- Pode ser vago ou obscuro ou tomar uma
te para seu público direção inesperada
Interpretada de acordo com a Interpretado apenas com auxílio da visão poste-
intenção do autor original rior sobre o que deveria ter ocorrido
Faz uso de evidência objetiva Perspectiva subjetiva
Pode apresentar vários níveis de cumprimento
Mensagem única
em diferentes épocas
Não se altera Pode mudar de direção
Objetivo dos intérpretes do AT Reconhecido e explicado pelos autores do NT
A mensagem dos profetas pode ser mais bem entendida ao analisarmos os
tipos de oráculos empregados: acusação (declaração de ofensa), julgamento (puni-
ção advinda por causa da ofensa), instrução (como os ouvintes deviam se conduzir)
e esperança (fatos após o julgamento ou esperança por libertação e restauração).
Categoria Ênfase pré-exílica Ênfase pós-exílica
Foco na idolatria, ritualismo e Foco em não se dar a honra
Acusação
justiça social devida ao Senhor
Essencialmente política Interpreta crises recentes ou
Julgamento
e projetada para o futuro atuais como punição
Poucas ocorrências. Geralmente Algumas ocorrências.
Instrução retorno a Deus por meio de Especificamente direcionadas a
cessar a má conduta situações específicas
Apresentada e entendida como Apresentada e entendida como
Esperança algo a ocorrer após um período algo a ocorrer ao longo de um
de julgamento período de tempo

70
É o Espírito Santo quem determina as camadas de cumprimento de uma profecia
ao longo da história. Diferentes eventos podem se enquadrar na profecia original,
gerando múltiplos cumprimentos na história até seu cumprimento total. Por exem-
plo, Deus proclama a Abrão que dele fará um povo para si. O nascimento de Isaque
é o 1º nível de cumprimento desta profecia (cumprimento étnico no povo hebreu);
em Cristo o cumprimento se estende aos gentios (1Pe 2:9). O cumprimento final se
dará na cidade santa que desce do céu (Ap 21:1-8).
72 A Bíblia que Jesus lia

Estudo

1. Leia Is 46:9-11. Qual é a característica mais importante da


profecia bíblica?
A profecia bíblica salienta que Deus é Rei soberano do universo
(v.9) e expõe seus planos para a humanidade, em particular para seu
povo (v.10). Deus fala por meio de seus profetas sobre o que vai
acontecer e tem poder para fazer com que tudo aconteça segundo sua
vontade. Assim, a característica mais importante da profecia bíblica é
que ela sempre aponta para Deus como personagem principal da his-
tória e da nossa vida, como alguém que deseja se relacionar conosco.
Sempre existiram “profetas” em várias culturas como videntes
do futuro. Porém, de acordo com as Escrituras, a marca distintiva dos
verdadeiros profetas de Javé, o Deus vivo, é a precisão de suas predi-
ções e cumprimento exato, minucioso, do conteúdo predito (Dt 18:14-
22).71 Isto os distingue das predições vagas presentes em outros pro-
fetas.72 As profecias se cumprem exatamente porque Deus garante
que assim será executado (Is 46:11).73

2. O que as profecias bíblicas têm a ver com a minha vida?


As profecias revelam quem Deus é. Elas o mostram como:
 Rei soberano sobre sua criação, o único Deus (Is 44:6)
 Presente com seu povo em meio às aflições (Is 43:1-3,7)
 Único salvador do seu povo (Is 45:21-22,25)
 Com planos de paz e restauração para seu povo (Jr 29:11-14)

71
Quanto às marcas do verdadeiro profeta, veja também Gn 20:7; Ex 7:1; Nm 12:6;
Dt 13. Sua função básica é apontar exclusivamente o caminho para Javé.
72
Por exemplo: as predições de Nostradamus são vagas e passíveis de muitíssimas
interpretações. As profecias bíblicas, embora permitam interpretações diferentes,
permanecem restritas a um escopo de possibilidades. Ou seja, o texto das Escrituras
como um todo limita as possíveis interpretações.
73
Para mais informações, veja os dois últimos parágrafos da seção “Informações
adicionais sobre os profetas” acima e a seção seguinte a esta.
A Bíblia que Jesus lia 73

 Um Deus que abomina a religiosidade (Is 1:11-15)


 Mas se compraz no amor ao próximo (Is 1:16-17)

Para refletir e praticar


1. O nosso Deus tem um plano para a humanidade, um plano de
redenção para levar o homem à eternidade na sua presença.
Como você se posiciona neste plano? Você está vivendo de
forma alheia ao plano divino ou está “jogando a favor”?
2. Deus se revela nas profecias bíblicas como o Senhor absolu-
to sobre a história do universo. Ele faz tudo conforme sua
soberana vontade. Como você reage a isto?

Para a próxima reunião


Leia, por favor, Is 58; 61 e Lc 4.
Como líder, leia o capítulo 7 do livro “A Bíblia que Jesus lia”,
de Philip Yancey, editora Vida.

Lista de orações
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74 A Bíblia que Jesus lia

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Lista de presença
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A Bíblia que Jesus lia 75

Vista da cidade de Nazaré


76 A Bíblia que Jesus lia

7 ISAÍAS:
A NAÇÃO E O SERVO

A terra treme sob os pés de Jesus Cristo. O gato foi colocado no bura-
co dos ratos.
Paul Claudel

Objetivos deste encontro


 Reconhecer o valor do livro de Isaías para nossa compreen-
são do Evangelho
 Descobrir Jesus no Antigo Testamento

Introdução

O Antigo Testamento expressa de forma precisa nossos an-


seios. Mas também aponta para um tempo em que Deus iria tomar
conta de todas as nossas ansiedades. Toda a história do AT aponta
para Jesus. Nele Deus respondeu de uma vez por todas a pergunta
“Será que somos importantes?”. Deus nos ama não como uma raça...
mas um de cada vez.
Esta pergunta “Será que Deus se importa?” é respondida por Je-
sus. Jesus dá um rosto a Deus, e esse rosto está molhado com lágri-
mas. Nele recebemos a misteriosa resposta de que Deus sofre conos-
co. Não estamos sós. Para a pergunta “Por que Deus não faz algo?”,
os cristãos creem que Deus já agiu enviando o Messias, e agirá mais
uma vez enviando-o de novo, desta vez em poder e glória!
A Bíblia que Jesus lia 77

Isaías é um dos profetas do AT que mais testificam a respeito


da vinda do Messias e de seu plano redentor.

Informações adicionais sobre o livro de Isaías


Contexto histórico:74 o ministério de Isaías cobre um período considerável
da monarquia em Judá. Ele é profeta no reino do Sul (Judá), nos reinados de Uzias
e Jotão, seu filho, passando por Acaz, Ezequias até Manassés. O período de tempo
de seu ministério (não de suas profecias) cobre pouco mais de meio século, desde
740 até 687 a.C. Há 34 profecias em Isaías que foram cumpridas em Cristo Jesus.
O livro de Isaías em si é uma tremenda fonte de informações históricas. Ma-
terial adicional pode ser encontrado em 2Re 15-21 e em 2Cr 26-36. Foram seus
contemporâneos os profetas Amós e Oséias, no reino do Norte (Israel), além de
Miquéias (que também profetizou no reino do Sul). Nada se sabe sobre Amoz, pai
de Isaías (Is 1:1). A tradição judaica o considera pertencente à nobreza judaica.
Isaías pode bem ter sido um aristocrata, devido a seu trânsito na corte (7:3; 37:21-
22; etc.). Tinha dois filhos com nomes de alto significado: Sear-Jasube = “um rema-
nescente voltará” e Maher-Shalal-Hash-Baz = “rapidamente até os despojos, agil-
mente até a pilhagem”; ambos se referem ao cativeiro e retorno décadas depois.
Isaías profetizou largamente em Jerusalém e arredores. O último registro de seus
oráculos data de 701 a.C.. Fontes não canônicas afirmam que ele foi martirizado
(conforme Hb 11:37) no reinado de Manassés (após 687 a.C.).
Israel e Judá desfrutaram de um período de prosperidade durante a infância
de Isaías, com pouca interferência de potências estrangeiras. O Egito estava enfra-
quecido e a Assíria tinha problemas em outras regiões. Tigliath-pileser III (conheci-
do como Pul) ascendeu ao trono assírio em 745 a.C. recomeçando assim a expan-
são para oeste do Império Assírio. Embora o Egito tenha subjugado reinos menores
na região da Palestina e Síria, mantendo-os debaixo de sua esfera de influência,
Tiglath-pileser conquistou Damasco (735 a.C.) e a maior parte da Galiléia. Depois
dele, Shalmanazar V (727-722 a.C.) e Sargão II (722-705 a.C.) atacaram Samaria e
Sargão a conquistou em 722 ou 721 a.C. No final do 8º século a.C., o Egito passou
por um renascimento político e a Assíria encontrou oposição nos babilônios. Isto
levou Judá e reinos vizinhos a se rebelaram contra a Assíria. Senaqueribe invade
Judá em 701 a.C. e a subjuga; mas Deus salvou Jerusalém, a qual vem a cair um
século depois diante da Babilônia..75

74
Grogan, “Isaiah”, The Zondervan NIV Bible commentary, p.1041-1044.
75
Maps of the Bible.
78 A Bíblia que Jesus lia

A ameaça assíria levou Síria e Israel a formarem uma coalizão em 734 a.C.,
e ambos tentaram forçar o rei Acaz (Judá) a se juntar a eles. É nesse contexto que
Isaías desafia o Acaz a confiar apenas no Senhor (Is 7). Porém. Acaz pede ajuda à
Assíria. Damasco, capital da Síria, foi tomada em 732, assim como grande parte da
Galiléia (2Re 15:25-29). Os reis de Israel e da Síria lutaram contra Acaz, infligindo
grande dano a Jerusalém, até os assírios chegarem (2Re 16:5-9). Porém, esse
livramento de Judá pelas mãos do exército assírio gerou sérias consequências
espirituais para a nação (2Re 16:10-20).
Com a morte de Tiglath-pileser em 727 a.C., os povos dominados pelos as-
sírios retomam a esperança de liberdade Após a morte de Acaz, Isaías adverte
A Bíblia que Jesus lia 79

Judá a não se juntar à rebelião dos filisteus (Is 14:28-32). Sargão morre cerca de
705 a.C., sendo sucedido por Senaqueribe. Surgem problemas entre o Império
Assírio e o Egito e a Babilônia. Apesar das advertências de Isaías (Is 30-31), Eze-
quias se envolveu na confusão (Is 22:8-11). O exército assírio invadiu Judá, toman-
do 46 cidades fortificadas e devastando o campo. Senaqueribe sitiou Jerusalém,
mas Ezequias confiou no Senhor e a cidade foi libertada (Is 37 [veja o v.36]).
Na Babilônia, Merodaque-Baladã assumiu o poder em 721.a.C., declarando-
a independente da Assíria, mas Sargão invadiu a Babilônia sem lutas. Após a morte
de Sargão, houve um movimento de libertação (que envolveu Ezequias, Is 39:1-2),
mas Senaqueribe o derrotou. Só no final do 7º século a.C. há um renascimento
político e a Babilônia se torna o poder dominante na Mesopotâmia. Isto leva à sub-
jugação de Judá e à queda de Jerusalém em 587 a.C.. Este exílio cumpre as adver-
tências de Is 39 e fornece o pano de fundo das profecias posteriores. Ciro, rei da
Pérsia, é apresentado como instrumento divino para o retorno do povo judeu após o
exílio (Is 44-45). Os capítulos finais (Is 56-66) falam de um tempo mais distante,
após este retorno do povo a Judá.
Autoria: os estudiosos se dividem quanto à unidade do livro (e sua autoria).
Os mais conservadores defendem a posição histórica da igreja, afirmando que o
livro é coeso e foi escrito por Isaías. Outros defendem uma teoria de múltiplos auto-
res e três livros diferentes, escritos em tempos diferentes. Todavia, mesmo estes
hoje valorizam mais o estudo do livro todo como uma unidade literária.
Estrutura: diversas propostas são possíveis. Uma delas segue abaixo:
A. Oráculos sobre Judá e Jerusalém (Is 1-12)
B. Deus e as nações (13-23)
C. Deus e o mundo todo (24-27)
D. Deus e seu povo (28-33)
E. Os propósitos de Deus de julgamento e salvação (34-35)
F. Isaías e Ezequias (36-39)
G. A soberania única do Senhor (40-48)
H. O Evangelho do Servo do Senhor (49-57)
I. Deus como Juiz e Salvador (58-66)

A mensagem de Isaías
Isaías é um dos livros mais ricos do AT em estilos literários e
assuntos. A profundidade de sua visão de Deus não tem paralelo. É
um dos livros mais citados no NT (só perde para Dt e Sl). Isaías sali-
80 A Bíblia que Jesus lia

enta o conflito inevitável entre a glória de Deus e o orgulho humano.


Principais temas: Deus; humanidade; mundo; pecado; redenção. Estes
se agrupam em ideias opostas como: glória divina / degradação hu-
mana; julgamento / redenção; alturas / profundezas; sabedoria de
Deus / tolice dos ídolos; fecundidade e abundância / infertilidade e
desolação; arrogância / humildade. Outro tema marcante é a transito-
riedade dos reinos humanos à luz da glória e poder divinos. Um dos
aspectos marcantes de Isaías é sua ênfase na majestade de Deus.
Deus é “alto e exaltado” e “a terra inteira está cheia da sua glória” (Is
6:3). Isto se repete em todo o livro. Esta grandeza se manifesta não
apenas em seu poder, mas na sua capacidade de se fazer humilde.
Conquistadores não podem se inclinar aos mais fracos, porém o Deus
da eternidade é suficiente poderoso para fazê-lo (Is 11:1-9; 40:10-11).
O título mais usado por Isaías para referir-se a Deus é “o Santo
de Israel”, alusão à sua perfeição ética e moral. Enquanto as marcas
da humanidade são a mentira, roubo, opressão e assassinato, Deus
permanece fiel. Quando o ser humano é exaltado, o resultado é arro-
gância e infidelidade (3:14-15; 22:15-25; 32:5-7; 59:5-8). Porém, a
exaltação de Deus é manifesta em sua fidelidade, especialmente para
com os mais simples. Visto que somente Deus é o Criador e sempre
faz o que é certo, ele é confiável para redimir seu povo (41:14; 43:3,
14-15; 47:4; 48:17). Esse desejo divino de redenção a despeito dos
obstáculos será tanto o cumprimento como a expressão da sua santi-
dade. Portanto, a recusa em crer nele é uma negação da sua santidade.
A estupidez de confiar em algo que não o próprio Deus é apre-
sentada de forma esmerada e sarcástica em Isaías. Quem seria tão tolo
a ponto de se inclinar diante de uma madeira, se dela outros pedaços
foram usados para fazer comida? (Is 44:9-20; 4:6-7). Além de protes-
tar duramente contra os ídolos, o profeta também fala contra as divin-
dades por eles representadas: são meros reflexos do ser humano com
todas as suas limitações; são esforços de glorificação do ser humano,
que apenas ilustram a incapacidade da espécie humana (Is 2:6-22).
Tais deuses são incapazes de explicar o passado e predizer o futuro
(41:22-23; 43:8-9; 44:6-8; 45:2-23) ou de afetar o presente de forma
material. Os deuses não transcendem este mundo: são uma extensão
dele. Por não terem criado este mundo, eles não o podem controlar;
A Bíblia que Jesus lia 81

são só participantes de seu sistema. O Senhor Deus é diferente do


universo: é o seu Criador, Sustentador, Diretor e Juiz. Como tal, ele é
capaz de explicar o passado e predizer o futuro. Não está preso às
contingências deste mundo e pode fazer algo novo conforme sua von-
tade. Não está preso à repetição dos ciclos da natureza (como os deu-
ses canaanitas), mas é livre para fazer qualquer coisa que sirva a seus
propósitos soberanos (42:8-9,16-17; 43:18-19; 46:11; 48:6-8).

Estudo

Leia os seguintes textos: Is 58:6; 61:1-3; Lc 4:18-19. Estes tex-


tos tratam do ano aceitável do Senhor. O que Isaías estava
anunciando? Este ano já ocorreu? Como você sabe?
Is 61:1-3 apresenta um homem ungido pelo Espírito de Deus
para a tarefa de pregar (1Re 19:15-16). Ele proclama boas notícias (Is
40:9; 41:27; 52:7). Sua unção com o Espírito faz conexão com as
profecias de reinado e do servo (11:1; 42:1). Este homem é tanto Rei
como Servo! Já no livro de Isaías essa união das duas identidades em
Cristo Jesus está antecipada.
Quem se beneficia desta mensagem do pregador são os pobres,
os de coração quebrantado (Sl 147:3), os cativos e os prisioneiros. Os
pobres são aqueles que nada têm e dependem de Deus para tudo. O
termo denota tons de fidelidade e devoção. Os de “coração quebran-
tado” são os que choram e se entristecem pelo pecado e pela destrui-
ção de Jerusalém. Ambos reaparecem nas beatitudes do Sermão da
Montanha (Mt 5:3-4). Os cativos e os prisioneiros são os exilados
(42:22; 49:9; 51:14), e surge o tom de um novo Êxodo.
O v. 2 é importante. Embora o termo “redentor” (goel) não apa-
reça nesta passagem, é um conceito fortemente ligado ao Ano do Ju-
bileu descrito aqui. Neste ano os escravos eram libertados e toda terra
era retornada aos seus donos originais (Lv 25). Além disso, “liberta-
ção” no v.1 é um termo técnico para o Jubileu (Lv 25:10, 13; 27:24;
Jr 34:8-10; Ez 46:17). Deus se apresenta aqui como Salvador e Juiz.
O v.3 expressa de diferentes maneiras o mesmo conceito de
82 A Bíblia que Jesus lia

substituição da dor pela alegria: cinzas simbolizam tristeza profunda;


coroa, óleo e manto de louvor sugerem preparações para um festival
alegre. O termo “carvalhos de justiça” alude a Is 60:21 (renovo plan-
tado pelo Senhor), porém agora com um significado individual.
Significativamente, Jesus, ao citar tais versos, em Lc 4:18-19
parou exatamente antes da referência ao “dia da vingança”. Jesus pro-
clama boas novas (v.18; Lc 1:19; 2:10-11). São direcionadas aos infe-
lizes deste mundo, aos que têm necessidades e dependem de Deus.
Ele anuncia o “ano aceitável do Senhor”, o Ano do Jubileu quando
débitos são perdoados e escravos libertos (Lv 25:8-17). Define o pe-
ríodo na história quando Deus em graça soberana traz liberdade da
culpa e dos efeitos do pecado. A inclusão dessa citação é consistente
com a ênfase de Lucas sobre o nascer de uma nova era de salvação.
Jesus omite (em Lucas) uma expressão de Is 61:2: “o dia da
vingança do nosso Deus”. Isto é muito significativo. Os ouvintes de
Jesus achavam que o dia da sua salvação seria também o dia de jul-
gamento sobre todos os seus inimigos (os gentios). Contudo, o retar-
dar deste julgamento significa que este tempo do favor de Deus bene-
ficiaria também os gentios. Jesus afirma (Lc 4:24-27) que os gentios
também são recebedores da graça de Deus, mesmo quando os judeus
não a recebiam.
O único comentário de Jesus que Lucas registra é curto (Lc
4:21), porém da mais alta importância. Ele anuncia o cumprimento
desta profecia nele (Jesus) e naquele momento (“hoje”). Apenas aqui,
e no diálogo com os discípulos a caminho de Emaús é que Lucas fala
de cumprimento de profecias do AT. Estas duas referências saltam à
vista no início e no final das aparições públicas de Jesus, enfatizando
o cumprimento do propósito eterno de Deus no ministério de Cristo.

Para refletir e praticar


1. O Antigo Testamento anuncia Jesus! Torne prática na sua
vida a leitura destes textos, pois eles trazem figuras, imagens
e verdades para sua caminhada cristã.
A Bíblia que Jesus lia 83

2. O Antigo Testamento é a Bíblia que Jesus lia. Esses textos


nos mostram que Deus é o Senhor de todas as coisas sobre a
terra e os céus. Eles demandam de nós uma reação. Qual é a
sua postura diante desta mensagem?

Lista de orações
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Lista de presença
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