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SERGIO ASSUNÇÃO
Pós doutorando da Universidade Federal Fluminense – UFF (Niterói – RJ), professor da
Universidade Estácio de Sá - UNESA (Rio de Janeiro – RJ), e do Centro Universitário
Serra dos Órgãos – UNIFESO (Teresópolis – RJ), Rio de Janeiro, Brasil.
[scassuncao@uol.com.br]
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Comunicação apresentada na XIII Semana de Letras – Delet – ICHS – UFOP – Culturas da
Escrita, Culturas da Oralidade – realizada no período de 24 a 27 de novembro de 2014.
PALAVRAS-CHAVE
Poesia; Tradição da analogia; Surrealismo; Jorge de Lima; Murilo Mendes
ABSTRACT
This article aims at discussing the relevance of the poetry of Murilo Mendes and Jorge
de Lima, from the tradition of analogy, beyond the surrealistic interference on the
building of his poetics, within the context of modern Brazilian poetry in the twentieth
century.
KEYWORDS
Poetry; Analogy tradiction; Surrealism; Jorge de Lima; Murilo Mendes
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Introdução
Mais tarde, o crítico João Luiz Lafetá (1974), em seu livro 1930:
a crítica e o modernismo, exacerbou a visão dialética de Candido (2011),
ao afirmar que havíamos passado do “projeto estético” (1922) – quando
a produção literária era movida pela “revolução na linguagem” –, para o
projeto “ideológico” (1930), visto que a temática social se tornou predomi-
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nante em nossa literatura, tanto na prosa quanto na poesia.
Diferentemente de Lafetá (1974), a visão de Candido (2011) não
pode ser compreendida como uma tentativa de reduzir a produção poéti-
ca modernista a apenas duas correntes estético-ideológicas. Pois, segundo
aquele, o processo de desenvolvimento de nossa moderna consciência lite-
rária se iniciava justamente a partir da tensão entre o “projeto estético e o
ideológico”, apesar da diluição sofrida em função da poesia de cunho espi-
ritual, que, segundo ele, desviava o curso experimental de nossa produção
literária vanguardista.
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em torno do qual se desenvolverá a nossa literatura por essa época. Desse
conflito é que nascerá uma opinião bastante comum nos anos 30: a suspeita
de que o Modernismo trazia consigo uma carga muito grande de cacoetes,
de “atitudes” literárias que era preciso alijar para se obter a obra equilibrada
e bem realizada. Na verdade esse questionamento tinha um ponto de razão;
mas, na medida em que foi exagerado (e nisso a consciência política, tanto de
direita quanto de esquerda, exerceu forte influência), afastou das obras então
produzidas grande parte da radicalidade da nova estética. No (bom) exemplo
que é a reação espiritualista em poesia, parece-nos que o peso da ideologia é
claramente o fator responsável pela diluição, pois insistindo em que a literatu-
ra devia tratar temas essenciais e elevados caminhou para a eloquência inflada
e superficial; no (bom) exemplo que é o romance neo-naturalista, foi também
a consciência da função social da literatura que, tomada de forma errada, con-
forme os parâmetros de um desguarnecido realismo, provocou o desvio e a
dissolução. (LAFETÁ, 1974, p. 21-2).
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sim simultaneamente. Aceleração é fusão: todos os tempos e todos os espaços
confluem num aqui e agora. (PAZ, 2013, p. 19).
À medida que Murilo vai assumindo o discurso religioso, a sua poesia vai-se
desvinculando mais e mais do contato com o tempo histórico, com o presente
imediato do poeta. [...] talvez seja irremediável o fato de que, dentro da es-
tética da ruptura característica da modernidade e do modernismo, nas vezes
em que fomos buscar o traço forte da tradição, ou até mesmo o traço pouco
vincado, nos aproximamos mais e mais de uma poesia, de uma produção poé-
tica que se desliga do social enquanto dimensão do histórico vivenciado pelo
poeta (Murilo Mendes). Isso às vezes pode beirar – e muitas vezes beira – o
neoconservadorismo.(SANTIAGO, 2002, p. 130).
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2 Da suprarrealidade do sagrado
[...]
Vim para sofrer as influências do tempo
E para afirmar o princípio eterno de onde vim.
Vim para distribuir inspiração às musas.
Vim para anunciar que a voz dos homens
Abafará a voz da sirene e da máquina,
E que a palavra essencial de Jesus Cristo
Dominará as palavras do patrão e do operário.
Vim para conhecer Deus meu criador, pouco a pouco,
Pois se O visse de repente, sem preparo, morreria.
(MENDES, 1994, p. 248-9)
[...]
Crianças nascem nos tanks ao som de um clarim.
As cidades transbordam de famintos,
Famintos de comida ou da palavra de consolo.
Está claro que, tanto para Murilo Mendes quanto para Jorge de
Lima, a poesia passa, essencialmente, pela expressão de uma tensão.
Seja ela entre o homem moderno e a opressão social, entre o homem equi-
librando-se entre a queda pelo pecado e a fraqueza da carne e a redenção do
espírito pela promessa divina, ou seja, a tensão vista sob o prisma do tem-
po, ou seja, entre o tempo finito e secular e o tempo que se deseja recon-
ciliar pela transcendência da eternidade, através da relação com o sagrado.
A diferença entre as duas linguagens poéticas é que enquanto a poesia de
Murilo mira, predominantemente, a harmoniosa fusão dos contrários, a
expressão da poesia de Lima é marcada pelo acirramento e pela dramatici-
dade da experiência humana.
Além deste efeito proporcionado pelo recurso das fotomontagens em
sua linguagem poética, o poeta afixa o caráter transitório da existência, ao
recortar o insólito e soldá-lo na esfera do cotidiano, elevando-o a uma nova
dimensão, mítica e maravilhosa, que converge com o sagrado e o sobrena-
tural, ao retirar o tempo da moldura cronológica e secular e abolir as fron-
teiras da espacialidade objetiva, estendendo-as ao infinito e à eternidade.
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Mesmo que a expressão da poesia de Jorge de Lima passe formalmen-
te pela tensão irreconciliável do homem e da sua existência, só é possível
compreender sua analogia ao situá-la a partir do eixo cristocêntrico do
Evangelho. Afinal, é dessa forma que o poeta expressa a condição humana
daquele que reconhece o sagrado. Ou seja, ele fala do homem que é capaz
de reconhecer sua precariedade e suas limitações, ao mesmo tempo em
que está seguro do seu poder de transformá-los, movido pelo poder da fé
e fortalecido pela abnegação, ao renunciar os pecados do mundo e superar
as tribulações do corpo, como modo de elevação do espírito.
No mundo civilizado, quanto mais o homem é esmagado pelas estru-
turas sociais, reduzido ao individualismo e à competitividade, mais ele pas-
sa a ser preenchido pelo vazio, que é causado pela ansiedade, pela angústia
e frustração. Esse vazio potencializa, cada vez mais, sua solidão estéril e
materialista. Segundo o poeta cristão, o indivíduo só alcançará a paz e a
liberdade pela graça divina.
Certamente, essa condição se acentua na modernidade industrial do
século XX, de modo que o homem civilizado é marcado pelo signo da
opressão, pela moratória ilimitada e pela desumanização, ao ser robotizado
e reduzido a um objeto, a uma estatística ou a uma função produtiva.
Em face desse processo maquínico, o poeta expõe sua consciência,
acirrada pela moral social que regula e oprime o indivíduo, mas que opta
pela libertação espiritual da teologia cristã. Logo, a poesia de Jorge de Lima
revela não apenas um mundo ilusório, mas também uma consciência em
crise, dimensionada em seus poemas por um profundo sentimento de fra-
ternidade universal e cultivo espiritual.
Segundo Murilo3, sobre a poesia de Lima:
3
Publicado no suplemento “Letras e Artes”, de A Manhã, Rio de Janeiro, 24 de junho de 1952.
Transcrito no apêndice da primeira edição de Invenção de Orfeu, e reproduzido na novíssima
edição de 2013. In.: LIMA, Jorge de. A invenção de Orfeu. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
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ração do humanismo, eliminação das nossas tendências místicas e contem-
plativas, apelo à única força telúrica, e supressão da nossa intimidade fecunda
para se criar, através de monstruosos métodos científicos, uma solidão estéril
e desumana – o que determina o aparecimento de uma nova espécie de ho-
mem, o homem mecânico, o homem robot, o homem sozinho em face de um
Estado e de um universo hostis, fautores de um permanente estado de sítio.
(LIMA, 2013, p. 527-8).
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criação de uma linguagem e de uma tessitura estética, reconhecemos as
poesias de Jorge de Lima e de Murilo Mendes como uma experiência ética,
vivencial, que potencializa a consciência e a sensibilidade ao dilatar o tem-
po e o espaço, ao transcender o ato cotidiano sob a perspectiva do sonho,
do imaginário e do sagrado primordial.
Considerações Finais
[...]
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Pela fé enfrentaremos o terror atômico
E ousaremos interpelar o próprio crucifixo.
Pela fé esvaziaremos nossa habitação terrestre,
Pela fé o infinito íntimo
Se tornará nossa ração cotidiana.
(MENDES, 1994, p. 773-4)
Referências
ARRIGUCCI JR., Davi. O cacto e as ruínas. São Paulo: Duas cidades; Ed.
34: 2000.
LIMA, Jorge de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
LIMA, Jorge de. A invenção de Orfeu. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Cia Letras, 2002.
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