Visual Law Como Instrumento de Acesso A
Visual Law Como Instrumento de Acesso A
Visual Law Como Instrumento de Acesso A
1 INTRODUÇÃO
A Visual Law foi estabelecida por Hagan (2017) e é voltada aos usuários do Direito.
Trata-se de uma metodologia para tornar simples, funcional, atrativa e com boa usabilidade
a linguagem jurídica, pela interdisciplinaridade entre Direito, Tecnologia, Design e
Linguagem.
coletividade para o debate, tendo como orientadores da participação política e dos direitos
cidadãos a segurança, a Justiça social e o bem-estar.
O filósofo contribui para as discussões do acesso à Justiça, principalmente, ao trazer
o multiculturalismo e os grupos culturalmente marcados como sujeitos de direitos,
reconhece a desigualdade, considerando que “a exclusão social da população de um Estado
resulta de circunstâncias históricas que são externas ao sistema dos direitos e aos princípios
do Estado de direito” (HABERMAS, 1996, p. 246).
Com o desenvolvimento dos Sistemas de Justiça e o fortalecimento dos Estados
Democráticos de Direito, o interesse em garantir que a população tivesse seus direitos
fundamentais assegurados fez com que entidades organizassem metas e estratégias nesse
sentido. No século 21, a iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU, 2015) com os
objetivos de desenvolvimento sustentável, a serem alcançados até 2030, no Brasil, é um
exemplo.
No que diz respeito ao acesso à Justiça, destaca-se o objetivo de número 16, “Paz,
Justiça e Instituições Eficazes” que têm 12 metas, dentre elas, faz-se relevante apresentar:
“6. Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis”; “10.
Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em
conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais”; e “12. Promover e
fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável”
(LEGADO, 2022, online).
Foi a partir da instituição desses objetivos, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
(BRASIL, 2021) estabeleceu as metas nacionais para o aprimoramento da gestão judiciária,
por meio de um Comitê Interinstitucional. A Estratégia Nacional do Poder Judiciário
2021-2026 definiu as diretrizes nacionais de atuação do Poder Judiciário, considerando a
missão desses órgãos a realização da Justiça e para alcançar o “Poder Judiciário efetivo e
ágil na garantia dos direitos e que contribua para a pacificação social e o desenvolvimento
do país” (BRASIL, 2021, online).
Dentre os atributos de valor estabelecidos pelo documento estão: acessibilidade,
agilidade, credibilidade, eficiência, ética, imparcialidade, inovação, integridade, segurança
jurídica, sustentabilidade, transparência e responsabilização (BRASIL, 2021).
Caminhando nessa mesma direção, iniciativas que, apesar de autônomas, por se dar
em determinado Tribunal, articulam-se à organização institucional da Justiça Brasileira
Direito, Processo e Cidadania, Recife, v. 3, n. 1, p.79-95, jan/abr., 2024
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Desde 2020, com a Resolução 325/2020 do CNJ (BRASIL, 2020b), que colocou como
macrodesafio do Poder Judiciário o uso de linguagem simples, ao dispor sobra Estratégia
Nacional do Poder Judiciário 2021-2026, há um holofote sobre a “[...] adoção de estratégias
de comunicação e de procedimentos objetivos, ágeis e em linguagem de fácil compreensão,
visando à transparência e ao fortalecimento do Poder Judiciário como instituição
garantidora dos direitos” (BRASIL, 2021, online).
Esse macrodesafio colocado pelo CNJ é uma cláusula dura, no sentido de que não
pode ser modificada pelos próximos 05 (cinco) anos, mesmo que haja mudança na gestão
do órgão. No caso, entre os anos de 2021 e 2026, o Poder Judiciário deve buscar o
fortalecimento da sua relação institucional para com a sociedade, por meio da linguagem
simples, pois tem como objetivo a agilidade e produtividade na prestação jurisdicional.
Assim, explicita-se a prioridade dada ao acesso à Justiça viabilizada pela mudança nos
processos comunicativos.
O que os atos normativos, as iniciativas de uso de linguagem simples e/ou Visual Law
nos Tribunais e a experiência do Desembargador Sergio Torres Teixeira e Professor Paulo
Roberto Gonçalves Cerqueira, compartilhadas em entrevista com o pesquisador, indicam é
que há um comum reconhecimento da linguagem como uma barreira ou passagem para o
pleno acesso à Justiça pelo jurisdicionado.
Há uma reação muito interessante, eu achei, foi a ideia das pessoas na área
de Direito de que aquele experimento tinha eles em mente, e não tinha eles
em mente coisa nenhuma, eu não estava preocupado com o que o advogado
ia pensar, com o que o Juiz ia pensar. Meu público-alvo aí era alguém fora da
nossa bolha jurídica. Ou seja, para que o litigante, ou sei lá, uma testemunha,
que quiser saber qual foi o resultado daquele processo no qual ela
testemunhou... Alguém que não tem não tivesse formação jurídica. Lógico
que as pessoas da área Direito também tiveram acesso e também tiveram
suas opiniões, suas manifestações... Mas eles não foram o público-alvo, pelo
menos, não do experimento que nós desenvolvemos. E como muitos se
consideraram o público-alvo, isso acabou influenciando um pouco, talvez, na
minha perspectiva...
[...]
o objetivo em si, que é medir os impactos sobre o jurisdicionado e não
propriamente sobre quem atua no meio judicial, vamos manter o acórdão na
sua formatação tradicional, com aquele texto mais denso, mas vamos colocar
como um complemento, um modelo de Visual Law para, exatamente, fazer
essa nossa avaliação com base nesse modelo. E aí, se a pessoa não gostou ou
teve qualquer tipo de impressão negativa, que ignore completamente aquele
modelo e se concentre no acórdão na sua formatação tradicional, porque isso
não mudou, né? Agora, aqueles que, por ventura, não têm tanta facilidade na
compreensão daquele texto no nosso juridiquês tradicional, possam então ir lá
para o respectivo modelo, para com isso ver se realmente facilitou a sua
compreensão.
Então, ele foi feito realmente pensando sob essa perspectiva e sempre
buscando manter o nosso foco, avaliar, examinar como o jurisdicionado se
sentiu ao poder... Ter a opção de, ao invés de ter que ler um texto rebuscado,
com conteúdo técnico de difícil compreensão, optar por um modelo muito
mais simples, é tentar assim, então, de forma concisa e objetiva, sintetizar
qual foi o pronunciamento do respectivo magistrado.
Além da falta de letramento jurídico para a maior parte das pessoas leigas, outros
grupos – como previa Habermas (1998) – como pessoas com deficiência, imigrantes,
veremos ainda, idosos, e grupos social e politicamente minorizados têm dificuldade de
compreender a linguagem jurídica. O encaminhamento comum é que “quanto à linguagem
utilizada, ela deve ser compreensível, pois uma legislação transparente e coerente é
condição essencial para que a sociedade possa funcionar de acordo com os princípios do
Estado de Direito” (BRANCO, 2008, p. 13).
Um contraponto a essa perspectiva é do Professor Lênio Streck (2021), que ao
reagir a uma colocação parecida – da simplificação da linguagem jurídica – considerou que
por se tratar de uma disciplina com especificidades, o Direito não deveria tornar-se
conhecimento integralmente compreensível a pessoas leigas. Indica que o processo
explicativo do conteúdo jurídico caberia ao advogado, ponderando, inclusive, que sua figura
poderia se tornar obsoleta ao retirar essa função de mediação linguística. O que o
Desembargador Sergio Torres Teixeira e o Professor Paulo Roberto Gonçalves Cerqueira
identificaram em sua experiência, como relataram em entrevista realizada em 11/06/2023,
foi uma boa receptividade por parte de advogados; e uma maior resistência advinda de
integrantes da magistratura.
O novo Código de Processo Civil, de 2015, traz o princípio da colaboração, em seu
artigo 6º, indicando que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se
obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Na linguagem, há uma
relação colaborativa, igualmente, envolvendo a intersubjetividade (linguagem
compartilhada com o outro), elemento responsável pela melhor compreensão das coisas do
mundo, inclusive dos fatos tratados no processo.
Assim, o modelo que se mostra ideal seria aquele em que o juiz dialoga com as
partes, buscando a formação de sua convicção. Indo além, não seria possível a pretendida
comunicação, sem que a linguagem jurídica seja compreensível (e compreendida). Por isso,
mais uma razão para a adoção complementar da Visual Law. Reitera-se que a simplificação
da linguagem não é apenas para que o interessado acesse os atos judiciais, por meio de
resumos simples ou expandidos, mas para que também possa participar do processo.
A participação ativa do jurisdicionado na prestação jurisdicional do Poder Judiciário
perpassa pela compreensão do serviço público que é prestado, não podendo a linguagem
ser um dos escudos que impede essa interação. Isso está conectado ao direito humano de
inclusão do cidadão brasileiro na vida pública em sociedade, independe da condição social,
raça ou escolaridade, como bem ressaltou Paulo Roberto Gonçalves Cerqueira (em
entrevista concedida em 11/06/2023):
Uma inovação que rapidamente gerou reações, em 1929, foi a primeira sentença
datilografada – e não escrita a próprio punho. A transgressão do magistrado ao digitar tal
decisão na máquina de escrever foi respondida com a anulação da sentença pelo Tribunal da
Relação de Minas Gerais (SOUZA, 2020). O que se passa com as propostas inovadoras na
contemporaneidade não é muito distinto desse cenário.
Entre 2020 e 2022, toda a sociedade precisou se adequar a uma nova realidade com
as medidas de distanciamento e isolamento social; assim, as ferramentas de comunicação
digital vêm sendo de grande valia, e as tecnologias de informação logram suprir as mais
diferentes demandas, tornando possível a manutenção de atividades de diferentes áreas,
por meio do ambiente virtual. O uso da tecnologia para fins de comunicação foi
potencializado, pois o distanciamento social como medida de proteção à saúde trouxe à
tona a dificuldade de se adaptar aos afazeres cotidianos sem o contato físico (FARIAS, 2020;
MILANI, CUNHA, 2021).
Branco (2008) compreende que o Direito é constituído tanto pelas normas legais,
como por aqueles sentidos que perpassam os textos jurídicos orais ou escritos, sendo
complexos e, ao mesmo tempo, sutis, os movimentos e procedimentos que delimitam
fronteiras, estabelecendo quem é tido como nativo e/ou estrangeiro: “os sentidos que
percorrem estão eivados de significados invisíveis; no espaço do tribunal, os rituais criam as
fronteiras de espaço, transformando o ordinário em extraordinário” (BRANCO, 2008, p. 7).
5 CONCLUSÕES
[...] o principal aspecto que a gente pode destacar é o seguinte: a Visual Law é
uma ferramenta de facilitação da compreensão do julgado e o nosso principal
destinatário efetivamente foi jurisdicionado. A gente sabe do papel do
advogado. A gente sabe que os auxiliares da Justiça já têm uma
compreensão. Então o papel realmente do projeto foi realmente focar no
jurisdicionado (Paulo Roberto Gonçalves Cerqueira, em entrevista
concedida em 11/07/2023).
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Fabris, 1988.
HABERMAS, J. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. Trad.: Denilson Luís Werle.
Curtiba: Edições Loyola, 1996.
LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. Trad.: Marcos Bagno, Maria Marta Pereira
Scherre e Caroline Rodrigues de Oliveira. Filadélfia: Universidade da Pensilvânia, 1991.
RUIZ, I. A.; SENGIK, K. B. O Acesso à Justiça como Direito e Garantia Fundamental e sua
Importância na Constituição da República Federativa de 1988 para a Tutela dos Direitos da
Personalidade, Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, v. 13, n. 1, p. 209-235, jan./jun., 2013.
SOUZA, Bernardo Azevedo. Em 1929, juiz teve sentença anulada por usar máquina de
escrever. Publicado em 20/06/2020, 2020.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-27/senso-incomum-vamos-aceitar-desmoralizacao-dir
eito-advogado-quando. Acesso em: 30 abr. 2023.