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Marcelo Viana 2018

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DOI: 10.1590/1807-57622018.

0636

A Educação e o trabalho interprofissional

editorial
alinhados ao compromisso histórico de fortalecimento
e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS)

Historicamente o SUS é palco de lutas permanentes no intuito de implementar


os princípios de integralidade, universalidade e equidade, comprometidos com
direitos sociais democráticos. O movimento pelo fortalecimento e consolidação
de um sistema de saúde ancorado nessas bases constitui um projeto político
comprometido não apenas com a melhoria da qualidade de vida e saúde das
pessoas, mas também com a construção de uma sociedade mais justa, igualitária
e humana.
Com esse compromisso, sujeitos sociais de todo o país lutam diariamente
pela reorientação da formação e do trabalho em saúde, considerando as
singularidades loco regionais do território, dos usuários e das comunidades.
Tal militância pauta-se na resistência às forças hegemônicas - que valorizam
princípios opostos ao projeto de uma sociedade voltada ao bem-estar social -
buscando a redução das iniquidades, orientando-se pelas complexas e dinâmicas
necessidades de saúde de usuários, famílias e comunidades na organização do
processo de produção dos serviços de saúde e da formação em saúde.
No cenário atual convivemos com a mudança do perfil epidemiológico e
demográfico da população, o retorno de doenças antes controladas e uma
conjuntura social e econômica com grandes implicações no aumento das
desigualdades sociais, além da crescente complexidade das necessidades e dos
problemas de saúde das pessoas. Nesse sentido, as mudanças das demandas
do sistema de saúde implicam em transformações necessárias na formação de
trabalhadores para o SUS.
Este editorial do Suplemento sobre Educação e Trabalho Interprofissional em
Saúde, busca ressaltar que a construção da Educação interprofissional em Saúde
(EIP) e do trabalho não estão dissociados da luta histórica pelo fortalecimento
do nosso SUS. Embora esta temática incorpore palavras relativamente novas,
fortalece princípios fundamentais para essa conjuntura: a centralidade do usuário
na reordenação dos serviços de saúde, o alinhamento dos perfis profissionais
a essas complexas necessidades de saúde e a formação de profissionais mais
implicados com as transformações necessárias à sociedade.
O SUS é mundialmente reconhecido como um sistema universal que garante
o acesso a saúde como direito inalienável e apresenta avanços significativos,
tais como o programa HIV/Aids, a imunização, os transplantes, o combate ao
tabagismo e o crescimento exponencial da atenção básica e do trabalho em equipe
na Estratégia de Saúde da Família, que evidenciam a importância da continuidade
da luta por sua consolidação e fortalecimento. Apesar desses avanços, a realidade
evidencia a necessidade de avançar na perspectiva da formação para o efetivo
trabalho em equipe como instrumento potente no enfrentamento dessa complexa
conjuntura e na produção de um sistema de saúde equânime.
A formação em saúde no Brasil, legitimada pela lógica uniprofissional, precisa
ser revista, pois contribuiu para a reprodução da fragmentação das relações
profissionais no mundo do trabalho. Na educação das profissões da saúde ainda
são priorizadas abordagens pedagógicas que não possibilitam o desenvolvimento
de competências profissionais colaborativas indispensáveis para a melhoria da
qualidade da atenção à saúde e pelo fortalecimento do principio da integralidade
dos cuidados.
Viabilizar oportunidades educacionais nas quais membros de duas ou mais
profissões aprendam juntos, de forma interativa, com o propósito explicito

CC BY
2018; 22(Supl. 2):1507-10 1507
EDITORIAL

de avançar na perspectiva da colaboração como prerrogativa para a melhoria


na qualidade da atenção1 além do movimento da EIP, constitui o horizonte
apresentado na coletânea de artigos, relatos de experiência e debates deste
Suplemento.
Todas as propostas submetidas representam a aspiração pelo fortalecimento
do SUS, que passa também pela reorientação das práticas e da formação,
reforçando o compromisso com os princípios da colaboração interprofissional
na produção dos serviços de saúde e no desenvolvimento de profissionais mais
aptos e implicados com o efetivo trabalho em equipe, comprometidos com as
necessidades de saúde já referidas.
O conjunto de artigos submetidos mostra a diversidade da produção sobre
o tema, mas principalmente a capacidade inventiva, de luta e de transformação.
Vale ressaltar que não existe um modelo pronto de EIP, as experiências bem-
sucedidas em todo o mundo se consolidaram por sucessivos movimentos, erros
e acertos. As diferentes realidades coexistentes no país, com necessidades muito
específicas, implicam a importância de adequar as iniciativas de EIP aos aspectos
facilitadores, mas que também apresentam novas possibilidades. Essa foi a grande
característica percebida em todos os manuscritos apresentados neste fascículo.
Foram recebidas 160 submissões de grande relevância para o cenário do
trabalho e da formação em saúde no Brasil. Considerando o escopo e as diretrizes
da revista Interface, foram selecionados 19 artigos originais, quatro relatos de
experiência e um debate. A maioria das submissões abordou temas e realidades
do processo de formação interprofissional em Saúde, mas também foi marcante o
número de produções relacionadas ao trabalho e às práticas em Saúde.
A chamada pública para o Suplemento buscou encorajar a submissão
de trabalhos em eixos-chave para o debate da Educação e do trabalho
interprofissional em Saúde, na perspectiva de estimular o diálogo com referenciais
nacionais e internacionais e apresentar a potência desse debate na luta histórica
pela reorientação da formação e do trabalho em Saúde no Brasil.
Assim é que, no eixo sobre os aspectos teórico-conceituais, um dos artigos
discute esses aspectos teóricos da educação baseados na interdisciplinaridade e
interprofissionalidade, a partir dos desafios de combinar métodos e estratégias
educacionais do contexto da formação dos profissionais de saúde.
Sobre as políticas de reorientação da formação e do trabalho em Saúde
enquanto espaços potentes para a adoção da interprofissionalidade, os trabalhos
expressam importantes produções que contribuem para analisar experiências
da interprofissionalidade, ou possibilidades de sua incorporação, em políticas
estratégicas do SUS: PRÓ-Saúde, PET-Saúde, Programa Mais Médicos e
Vivências e Estágios na realidade do SUS (VER-SUS). Os artigos sobre PRÓ-
Saúde e PET-Saúde, enquanto cenários para o redimensionamento de propostas
de formação de professores da área da Saúde, apresentaram forte valorização
da aprendizagem colaborativa e interprofissional. Em relação ao Programa
Mais Médicos foram analisados os projetos político-pedagógicos dos cursos
de especialização em Saúde da Família ofertados no âmbito dessa política,
como possibilidade para adoção dos elementos teóricos e metodológicos da
Educação Interprofissional (EIP). Sobre o VER-SUS apresenta-se uma experiência
interessante de aprendizagem compartilhada e interprofissional, vivenciada no
projeto VER-SUS, em Sobral, Ceará, reiterando a importância de fortalecer a
efetiva comunicação na dinâmica do processo de formação e do trabalho em
Saúde.
A maioria dos artigos do Suplemento focaliza o eixo das Iniciativas de
Educação Interprofissional em Saúde. São artigos que discutem a incorporação

1508 2018; 22(Supl. 2):1507-10


dos pressupostos da EIP em diversos cenários da formação em Saúde: grupos de

editorial
pesquisa como espaços para o exercício da Educação Interprofissional; a realidade
de serviços de saúde enquanto cenário para a Educação Interprofissional;
experiências exitosas de EIP no âmbito das residências multiprofissionais em
saúde; a EIP em cenários diversificados na graduação em Saúde Coletiva; o
envelhecimento como tema capaz de viabilizar estratégias de EIP em diferentes
cursos de graduação em Saúde e a formação interprofissional em cursos de pós-
graduação stricto senso.
No eixo sobre métodos de ensino-aprendizagem na Educação Interprofissional
em Saúde as contribuições envolvem a reflexão sobre a relevância da
diversificação de cenários de aprendizagem e a potência da integração de
diferentes currículos de cursos de graduação em Saúde para o exercício da EIP.
Sobre as Iniciativas de Trabalho Interprofissional e Práticas Colaborativas nos
diversos cenários de produção dos serviços de Saúde também são significativas as
contribuições dos artigos apresentados neste Suplemento, envolvendo reflexões
sobre as dimensões do trabalho interprofissional e das práticas colaborativas na
Unidade Básica de Saúde da Estratégia Saúde da Família; discussão da prática
colaborativa nos serviços de urgência; a comunicação na perspectiva dialógica da
prática interprofissional colaborativa na Atenção Primária à Saúde; o debate sobre
trabalho em equipe e prática colaborativa na Atenção Primária à Saúde.
No eixo das implicações da Interprofissionalidade nos processos de mudanças
da formação e do trabalho em Saúde os artigos trazem um debate consistente
sobre experiências de formação interprofissional em instituições de ensino
superior no Brasil, como na UNIFESP – campus Baixada Santista e na Universidade
Estadual de Maringá; e a educação interprofissional nos cursos de graduação em
Medicina e Enfermagem, na perspectiva dos estudantes.
O eixo da avaliação das iniciativas de educação e trabalho interprofissional
em Saúde apresenta uma experiência de revisão das matrizes curriculares em
um projeto pedagógico inovador, como forma de discutir possibilidades para o
fortalecimento da interprofissionalidade na formação em Saúde.
Finalmente, sobre o trabalho interprofissional e as práticas colaborativas em
Saúde no processo de fortalecimento e consolidação do SUS e a centralidade dos
usuários e suas necessidades, como fundamento para a educação e o trabalho
interprofissional em Saúde, o Suplemento inclui uma análise consistente sobre a
formação interprofissional e a produção do cuidado.
Ressalta-se, ainda, que este Suplemento integra as atividades previstas no
Plano de Ação para o fortalecimento da EIP no Brasil, elaborado em 2017 pelo
Departamento de Gestão da Educação em Saúde (DEGES) da Secretaria de Gestão
do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS), em
parceria com a Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde (DDES)
da Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC),
universidades e pesquisadores que compõem a Rede Brasileira de Educação e
Trabalho Interprofissional em Saúde (ReBETIS), apoiado pela Organização Pan-
Americana da Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS).
Publicações dessa natureza expressam o interesse pelo tema da EIP e
da prática interprofissional e revelam os caminhos da incorporação desse
movimento na formação e no trabalho em Saúde. Também sinalizam lacunas do
conhecimento para futuras pesquisas, promovem maior debate e diálogo com a
literatura nacional e internacional, além de ressaltar o compromisso de fortalecer
e consolidar ativamente o SUS.
Na leitura dos artigos que integram o Suplemento fortalece-se a perspectiva
apresentada por Hobsbawm2:

2018; 22(Supl. 2):1507-10 1509


Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos
trouxe até este ponto [...] contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade
quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do
passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa
base, vamos fracassar. (p. 562)

Que essa leitura encoraje novos projetos, novas formas de trabalhar e formar
em Saúde, sem perder de vista o projeto de uma sociedade melhor e encorajados
pelos acúmulos e ganhos das lutas históricas.

Marcelo Viana da Costa(a)


José Rodrigues Freire Filho(b)
Cláudia Brandão(c)
Jaqueline Alcântara Marcelino da Silva(d)

(a)
Escola Multicampi de Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Avenida Coronel Martiniano, 541, centro. Caicó, RN, Brasil. 59300-000.
marcelo.viana@emcm.ufrn.br
(b)
Organização Pan-americana de Saúde, Organização Mundial da Saúde. Washington,
EEUA. rodrigujos@paho.org
(c)
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde. Brasília,
DF, Brasil. claudia.brandao@saude.gov.br
(d)
Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP,
Brasil. jaqueline.alc@gmail.com

Referências
1. Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review
of the effects of interprofessional education: BEME Guide Nº 39. Med Teach. 2016;
38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663.
2. Hobsbawm E. Era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991. 2a ed. São Paulo:
Companhia das Letras; 1996.

Submetido em 12/11/2018. Aprovado em 12/11/2018.

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