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Júpiter

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I

O ladino, a elfa e a taverna

Era uma noite fria do ano de 13502 quando Júpiter viu o


céu pela primeira vez em muito tempo. Quanto tempo mesmo?
Ah sim! Mais do que qualquer humano nessa terra já viveu,
certamente! Quase duzentos anos entocada, longe de todo
resquício da civilização de fora dos túneis subterrâneos de
Umbra, a “cidade sem lei”. Nossa heroína já havia esquecido de
como era a sensação de ser livre novamente, era uma saudade
nostálgica tão grande, como se ela nunca tivesse vislumbrado a
luz do luar. Ela abre um sorriso e inspira fundo enquanto a brisa
do inverno bate em seus cabelos azuis, é como se o tormento
tivesse finalmente cessado, porém, uma voz a trás de volta à
realidade.

– Se você congelar, deixarei seu corpo aqui para os lobos


devorarem – Diz Vincent, a entregando uma capa feita de lã de
ovelha gigante – ou até os capangas dele nos alcançarem... O que
vier primeiro.

Ela acena com a cabeça, agradecendo seu amigo antes de


iniciarem sua jornada. Os dois começaram a andar, um tanto sem
rumo por conta do recente ataque que acabaram de escapar,
precisavam fazer algo em relação a isso, mas não sabiam por onde
inicializariam sua missão, como eles alcançariam seu objetivo
principal? Ambos tinham ambições e motivações distintas para o
mesmo objetivo: derrotar o Kaos e toda sua teia de poder. Tantos
o caçam há séculos, mas ninguém chegou perto de saber o seu
paradeiro, inúmeros grupos padeceram a sua procura, até
mencionar seu nome virou sinônimo de má sorte para todo
Continente. Certamente seria uma aventura árdua, ele está listado
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como “o mais procurado” e a sua cabeça possui a maior
recompensa: cem milhões de Drakens. As autoridades de todos
os reinos e sociedades de todo o Continente o querem morto ou
morto.
Vincent, nosso querido ladrão de cabelos prateados, ficou
perdido em seus pensamentos, maturando ideias com um ar
confuso e um semblante perdido, com o olhar distante ele tentou
buscar em sua mente um ponto de partida, algo que poderia dar
um norte para essa missão, porém, não obteve sucesso e teve que
recorrer ao plano reserva.

– Vamos, conheço uma taverna aqui perto. – Disse


Vincent.

O olhar nostálgico rapidamente muda para uma expressão


de animação em Jupiter, que dá um berro com sua voz fina e
estridente:

– ISSO! Uma taverna! Finalmente vou poder encher a cara


depois de tanto tempo só tomando o vinho aguado do César lá em
baixo.

Vincent somente revira seus olhos lilases, ele não sabe


como foi parar naquela situação, só sabe que está preso em um
acordo com uma elfa que, sendo bem otimista, parece que vai
morrer a cada meia hora e, apesar do convívio, seu desprezo por
usuários de magia era grande e o impedia de enxergar quaisquer
vantagens ou qualidades em meio aquela situação.
Somente enquanto caminhavam pela floresta assombrada
de Sorrowgrove ela, desengonçada e desastrada como sempre,
tropeçou em pelo menos metade das armadilhas que caçadores
deixam na região e dois animais selvagem tentaram devora-la.

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– Sinceramente, não sei como você viveu tanto tempo,
“vovó”, o que há de errado com você? – Vincent pergunta para
Júpiter, que somente dá de ombros – Além disso, nós não vamos
beber, estamos indo atrás de informações – Ele completa.

– Eu estou presa naquele lugar há quase duzentos anos,


PRECISO beber até não lembrar mais do que passei lá, foram
tempos sombrios…

– É da minha casa que estamos falando – Disse ele, com


semblante triste que o acompanhou desde o incidente.

– Eu sei, e continua sendo um lugar horrível!

E eles permaneceram conversando, bom, Júpiter


permanecia conversando enquanto seu parceiro de caminhada
não contribuía para o diálogo, Vincent, apesar de triste,
continuava com o seu ar quase esnobe de superioridade, como se
não valesse a pena responde-la, isso fez com que somente ela
falasse o caminho todo (caminho esse que não era nem um pouco
curto, muito pelo contrário).
Já estava quase amanhecendo, as pernas de Júpiter
começavam a querer falhar do tanto que andaram, parecia que
haviam caminhado por dias quando finalmente, os dois viajantes
chegaram na taverna. O elegante e charmoso ladino seguia
praticamente inabalável, bem posturado e com um semblante
calmo escondendo sua tristeza, como se não tivesse andado nada,
em contrapartida nossa querida elfa se encontrava descabelada e
ofegante, quase que se arrastando para alcançar os míseros três
degraus da porta da Taverna do Levi, e já sem forças ela grune:

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– Espero que o vinho desse lugar valha a pena… – Ela
ergue a cabeça e dá de cara com uma placa e a lê – “Taverna
Vertigo”? Mas que porra de nome é esse?

– Realmente, é um nome muito ruim – Acrescentou o


ladino – Mas o dono daqui pode ter informações cruciais para a
nossa jornada, ele conhece Heka e o mundo, se tivermos sorte, ele
estará sóbrio o suficiente para formular alguma frase.

– Sorte? O cara é o dono aqui, não deveria beber as


mercadorias, esse tinha que ser o meu papel.

– De fato, nem sei como esse lugar ainda está aberto.

– É realmente um milagre – Disse uma voz por trás dos


dois, os assustando.

Quando eles viraram em “posição de ataque” (a elfa do


norte em uma versão tosca de uma posição de kung fu e o
ladrãozinho com a mão em seu punhal) perceberam que não era
uma ameaça. Quem se apresentava diante deles era o “famoso”
Levi, bêbado local, com seus cabelos pretos pelo ombro e olhos
puxados, dono da Taverna Vertigo, um estabelecimento um tanto
humilde que abrigava os alcoolizados e os caçadores de
recompensa desta parte mais remota e deserta do reino Bretéria.
Quando entraram, retiraram os agasalhos e colocaram em um
cabideiro próximo à entrada, deixando o rigoroso frio do inverno
para trás ao bater à porta. A Taverna em si era simples, um balcão
principal, prateleiras repletas de garrafas cheias (ou não tão
cheias) das mais diversas bebidas dos quatro cantos do
Continente. O chão por varrer, as mesas com algumas migalhas e
o Willy doidão estirado no canto davam o charme do lugar, mas

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a cereja do bolo era quadro de avisos e recompensas, que por sinal
era totalmente bagunçado, tinham avisos por cima de avisos,
papeis se sobrepondo até perder de vista, e lá estava ele, por cima
de todos os outros papéis: o cartaz com informações de quem
nossos companheiros estavam procurando os rastros.

• Nome: Kaos
• Origem: Desconhecida
• Paradeiro: Desconhecido
• Visto pela última vez: Bretéria
• Alta periculosidade, quando o encontrar,
mate-o na hora.
• Recompensa: 100.000.000.000,00 de
Drakens

– Ótimo, continuamos sem nada, não sei como…

A voz de Vincent pensando alto foi ficando distante, se


tornando praticamente um eco quase inaudível na cabeça de
Jupiter enquanto ela encarava o cartaz com o retrato do rapaz. Ele
em si era completamente normal, um jovem ruivo de cabelos
longos e olhos verdes, nada muito marcante ou especial, mas nela,
essa aparência causava arrepios constantes, um nó na garganta, e
o seu corpo inteiro ficava dormente e trêmulo, em estado total de
alerta, ela não conseguia tirar os seus olhos azuis angustiados do
cartaz.

– Ei, “vovó”? Você está bem? - Perguntou Vincent

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Quase que como saindo de um transe, a elfa recobrou a
consciência e falou, hesitante:

– Cara feio né? Mas parece humano, como viveu tanto


tempo?

– As lendas dizem que ele está na posse do livro da própria


Heka, onde tem todas as magias proibidas e “esquecidas”.

– Esse livro não existe, é só uma lenda, se existisse estaria


com os colonizadores elfos do sul como todos os outros livros de
magia ancestral. Eles que sempre pegam tesouros dos outros
como se fossem deles, além do mais, feitiços de longevidade não
funcionam assim, não estendem a vida útil, só são curativos e dão
qualidade de vida.

– Bom, foi o que eu ouvi dizer, mas vai que ele seja um
elfo com orelha deformadas? Literalmente ninguém sabe nada
sobre esse cara.

Então a dupla continuou analisando minuciosamente o


quadro, até Willy doidão acordou e ficou perante ele em uma pose
caricatamente pensativa, até que a barriga de Júpiter começa a
roncar alto, o dia havia começado já tinha um tempo, e eles ainda
não haviam comido nada desde o almoço do dia anterior.

– Isso me pareceu um convite para vocês apreciarem o


meu famoso sanduíche especial – Disse Levi, que estava
observando os dois desde a chegada – É minha especialidade! Já
volto.

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Willy doidão voltou ao seu cantinho, abraçou uma garrafa
meio cheia e voltou a dormir, Júpiter já foi se sentando, animada
para comer algo descente, digamos que as comidas da cidade sem
lei não eram as melhores. Seu companheiro, percebendo que essa
era a única saída, decidiu se juntar e se sentar na cadeira a frente
dela, um tanto preocupado, a caminhada havia sito em vão?
Mesmo depois de analisar cada papelzinho do quadro de avisos,
não tinha nada de novo sobre Kaos.
Logo Levi voltou, trazendo consigo três sanduíches
enormes, bem recheados, e três copos cheios de alguma bebida
quente que exalava um delicioso aroma de chocolate, aproveitou
e puxou uma cadeira para juntar-se aos heróis, e ao servi-los,
ressaltou:

– A sua bebida, menina, está batizada. Sei quando alguém


está precisando de algo mais forte só de olhar.

– “Menina” – Respondeu ela, rindo com um certo tom de


deboche, com o seu chocolate quente alcoólico em mãos –
Provavelmente conheci seus ancestrais, devo ser mais velha que
a bisavó da sua bisavó.

– Independente – Levi a retrucou ironicamente.

E os dois deram boas risadas, como se se conhecessem a


vida toda, enquanto o charmoso ladrão os encarava, esnobe e
calado como sempre, mas por dentro dele havia a angústia de não
ter uma direção concreta, a sensação de não ser bom o suficiente
e o medo de falhar estavam o consumindo, mesmo que por fora
parecesse inabalável. Após a deliciosa refeição e do aconchegante
chocolate quente (o qual deixou nossa elfa mais “alta” q o
normal), Levi solta na maior naturalidade do mundo:

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– Esse mano que vocês estão atrás – falou ele apontando
para o cartaz de procurado do Kaos – Sei que ele é protegido por
gente muito poderosa, o plano dele vai beneficiar muita gente do
topo e tem muita gente do povo o apoiando, como se ele fosse um
enviado de Heka.
– E você só fala isso agora?! – Indagou Vincent, com um
tom um tanto raivoso.

– É que ninguém tinha me perguntado antes!

– Mas afinal, qual é esse grandioso plano? Quem apoia?


Quais os nomes?!

– Isso eu vou ficar te devendo, meu amigo, a única coisa


que chegou aos meus ouvidos foi que é coisa grande e envolve
pessoas do topo… Mas assim, se EU fosse vocês, começaria por
onde foi o último ataque dele e da trupe de idiotas que o
acompanha. – Levi disse, com um olhar sugestivo dizendo algo
como “não posso falar mais do que isso”.

Durante a conversa dos dois, Júpiter permaneceu em


silêncio, perdida em seus pensamentos, dissociou da realidade,
seu corpo estava em Vertigo, mas sua consciência se transportou
para memórias do passado, como se simplesmente ver o rosto
daquele homem no quadro de avisos, destrancassem memórias
já adormecidas e engatilhasse traumas antigos... Aquela noite,
onde tudo mudou, fazia tanto tempo, mas agora parece que tinha
sido na noite anterior.
Retornando a si, com o mesmo sorriso bobo de sempre,
ela se levanta e vai lentamente caminhando até o cabideiro, pega
sua capa de lã, coloca sobre seus ombros, se vira para Vincent e
Levi, que ainda estavam conversando, solta um suspiro
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preocupado e acena para Vincent a acompanhar, o mesmo
rapidamente se levanta e agradece ao anfitrião pela
hospitalidade e comida. Os dois se despedem de Levi, que até
com uma certa cordialidade os convida para aparecerem mais
vezes.

– Vou ficar de olho nas informações do ruivinho para


vocês, e Vincent, manda um oi para os seus pais, diz pra eles que
a próxima vai ser por minha conta, assim como essa refeição.

Vincent logo entristeceu o olhar novamente, mas não


queria deixar transparecer, insistiu em pagar, mas seu amigo não
aceitou, disse que na próxima eles se acertavam (assim como da
última vez). Os dois já estavam longe, acenando, quando o dono
da taverna se virou e reparou algumas moedas no balcão com um
bilhete escrito: “Espero q isso seja o suficiente, Ass: Jú.” Quando
viu isso, ele soltou um sorriso.

– Tsc tsc... Essa menina hahaha...

Novamente floresta a dentro, os dois aventureiros


começam a traçar um plano sobre qual seria o próximo passo
nessa empreitada, ambos sentam em um tronco no meio da
floresta para debaterem sobre. sabemos que eles teriam que
buscar informações no último lugar de ataque do vil Kaos, porém,
seu derradeiro ataque foi em Umbra, local que eles acabaram de
deixar para trás após presenciar o horror que aconteceu naquele
lugar, mesmo que voltassem lá para obter informações, ninguém
falaria nada, poderiam até achar que eles eram da Guarda
Unificada, o que com certeza atrairia mais problemas do que o
necessário. Porém, mesmo que eles se encontrassem face a face
com o tão temido oponente, nada poderiam fazer. Apesar de ser

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rápido e habilidoso com facas, Vincent não teria a sorte de
conseguir atacá-lo de surpresa, Kaos tinha guardas, capangas,
praticamente um exército inteiro que mataria e morreria por ele,
e Júpiter passou tanto tempo em Umbra não podendo fazer
nenhuma magia além de poções por conta das torres bloqueadoras
de magia que mal lembra os feitiços que pode fazer e, mesmo se
lembrasse, estariam fracos por falta de prática, os dois não tinham
nenhuma chance.

– Preciso do meu antigo livro de feitiços, perdi tudo


quando fui para Umbra, mas ainda devo ter alguns na casa da
minha mãe do tempo que morava com ela, além de outras coisas
úteis – Pontuou a elfa. – Não podemos ficar por aí, indefesos,
miudinhos, mirrados, presas fáceis... Haha, a gente vai morrer se
aquele cara aparecer na nossa frente.

– Então, onde você morava? – Vincent pergunta.

– Não tá óbvio? – Diz Júpiter, um tanto indignada


apontando seus fenótipos – orelhas enormes, olhos redondos que
ocupam metade da minha cara, isso não te dá nenhuma ideia?

– Não.

– COMO ASSIM??? Eu sou uma Elfa do Norte!!

– E...?

– Você é burro ou se faz? Sei que os humanos tem só 13


anos, em média, de ensino básico, o que realmente não da para
aprender muita coisa eu sei, mas aí tu já tá de sacanagem. Eu sou
de Zinddag, LITERALMENTE o reino dos Elfos do Norte.

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– Você realmente se isolou, “vovó”, em duzentos anos
muita coisa muda, sabia?

Ótimo, quando Vincent via uma chance de ser exibido, a


agarrava com unhas e dentes! Ele a explicou como as coisas
mudaram nesses dois séculos, com o aumento de híbridos e as
demandas sociais, os povos foram se “misturando” entre reinos,
então, apesar de permanecer a mesma linhagem real de elfos no
reino de Zinddag desde aquela época, o rei não regia somente para
os seus semelhantes, mas também para todo tipo de criatura e,
essa mudança ocorreu em praticamente todo o continente. Isso
não a surpreendeu, mas a animou, pois na época dela, os híbridos
e os casais interraciais eram muito marginalizados, vistos com
maus olhos, praticamente isolados da sociedade, um escândalo!
Eram praticamente forçados a irem para Umbra pois “toda a
sujeira tinha que ser varrida para baixo do tapete”, ditado que
Gaia, mãe de Júpiter, sempre falava ao contar as coisas que
aconteciam dentro do palácio para sua filha pois trabalhava lá.

– Então, existem híbridos em posições de poder agora? –


Indaga Jú.

– Não que eu saiba, mas estamos próximos disso.

– Então vamos, levante-se, temos que arranjar unicórnios,


são três dias de viagem até lá.

– Er… Então, não tem jeito bom de te dizer isso mas, os


unicórnios foram extintos, os poucos que sobraram estão em
reservas protegidos.

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– O QUE?!? MAS QUE POR-

II
O vilarejo,

Seguiram então em direção ao vilarejo mais próximo,


Abannora, em busca de recursos e unicórnios sem chifres para a
longa viagem até a terra natal da elfa do norte, o reino Zinddag.
Essa caminhada durou bem menos que a anterior, porém,
chegando próximos a entrada, nossos queridos e amados
protagonistas enfrentaram seu primeiro desafio. Quando olhado
de fora, parece bobo e incoerente, mas, passar por um caminho de
árvores navalha pode levar ao óbito com um tropeço, tudo nessa
planta é altamente afiado e cortante, até suas folhas.
Nosso furtivo ladino praticamente não demonstrou
reação, passou pelo caminho como quem brinca de amarelinha,
igual crianças orcs brincando de o chão é lava aos pés de um
vulcão, algo fácil demais para ele.

– Foi bom enquanto durou, quero ser enterrada com Lírios


Aranha, caixão fechado pois o resultado vai ser tenebroso – Disse
Júpiter, que treme ao ver aquele túnel de árvores afiadas.

– Vamos logo, o vilarejo é protegido por essa passagem,


diariamente todos os tipos de criatura passam por aqui, não é tão
difícil assim – Declarou Vincent sendo bem sarcástico.
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Ele sabia que ela não seria capaz de atravessar só, Júpiter
tropeçava nos próprios pés mais vezes que seria capaz de contar,
nem todas as páginas desse livro poderiam descrever o quão
desengonçada aquela elfa era, é inacreditável alguém com tanto
tempo de vida não ter habilidades motoras no mínimo decentes,
chega a ser ridículo, parece uma criança que recém aprendeu a
andar. Dito isso, prontamente ele, que já estava no final da
passagem, decidiu retornar ao encontro de sua parceira, não por
solidariedade ou por empatia, mas sim porque ele precisava dela,
não dela em específico no início, porém, após o acordo entre eles
ser selado, só poderia ser defeito após o término da grande
missão, se ela ou ele morressem no percurso antes de atingir o tão
inalcançável objetivo, o outro ficaria preso a esse acordo para
sempre.
Contudo, antes mesmo dele começar a retornar, a
desengonçada inspira fundo e sai correndo gritando pela estreita
passagem cobrindo o rosto, os galhos afiados nos quais ela se
esbarrava cortavam seus cabelos e faziam rasgos em sua grossa
capa de lã de ovelha gigante, os cortes não a atingiram por um
milagre. O ladino a observava boquiaberto, não acreditando no
que acabara de ver, somente a acompanhou com os olhos, imóvel,
de tão perplexo que estava com a situação. Ao fim ela conseguiu
atravessar o corredor sem nenhum corte, somente com o cabelo
mais curto com um corte esgranhado e as roupas em fiapos, a
sorte maior foi que as árvores já estavam sem folhas por conta do
inverno, então os danos foram mínimos.

– Viu só? Nenhum arranhão, agora finalmente podemos


chegar no vilarejo e.... – Exprimia Jú com a maior confiança que
já tivera, dando passos fortes em frente, quando de repente –
AAAAAAAHHHHHHH.

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Ela escorrega em uma fina camada de gelo e empala seu
próprio pé em um toco qualquer que estava no chão, não um toco
de árvore navalha, mas sim um de madeira comum. Essa proeza,
apesar de inimaginável, realmente aconteceu! Vincent, que já
estava ficando abismado por ela ainda não ter se machucado,
levou um choque de realidade, ele achava que ela havia
finalmente melhorado um pouco das suas habilidades, a sorte
maior era que eles já estavam praticamente na porta do vilarejo,
só tiveram o infortúnio de mudar o roteiro turístico deles, a
primeira parada agora seria: a bruxa da vila.
Ah, o vilarejo de Abannora, um dos mais pacíficos de
Bretéria, ele é totalmente cercado por altas montanhas, a única
entrada e saída é pelas árvores navalha, uma estreita passagem
entre a cadeias de montanhas com um corredor repleto dessas
armadilhas da natureza, entrada essa que era protegida vinte e
quatro horas por dia pelos Pombos da Guarda Unificada, então o
acesso é altamente restrito.
A cidade em si não tem nada de extraordinário de início,
era somente uma vida pacata do interior onde todos se conhecem,
as pessoas eram amigáveis com todos, praticamente não haviam
delitos ou crimes nessa área, contudo, forasteiros eram
interrogados e, de uma certa forma, excluídos até que
conseguissem ganhar a confiança dos moradores.
Mas esse não era o maior dos problemas de nossos heróis,
uma estava aos berros deixando um rastro dourado de sangue na
neve enquanto o outro, que nunca havia visto um elfo sangrando,
estava nervoso demais para conseguir fazer qualquer coisa, ele
tremia com as mãos na cabeça se perguntando o que iria fazer,
sangue o deixava aflito, mas ficou surpreso ao ver o líquido tom
de ouro pingando do pé de sua colega e começou a rir e gritar
desesperado antes de acabar desmaiando.

14
Com o pé machucado, Júpiter cata o branquelo platinado
do chão e o encosta em uma pedra próxima enquanto grita por
ajuda, a essa altura e com esse tanto de sangue perdido ela não
tinha forças nem pra um feitiço simples de cura e, por mais que
sempre fosse precavida, suas poções de cura haviam acabado já
tinha um tempo, uns 29 anos para ser mais exata.
Todo esse alvoroço chamou atenção dos guardas da
entrada, que prontamente perceberam que havia algo errado e
encontraram aquela cena, um jovem recobrando a consciência e a
outra, perdendo.
Para Júpiter, tudo que se passou naquele momento se
tornou um borrão em sua memória, mal lembrava quem era e
onde estava, já para Vincent, foi um dos dias mais desesperadores
até aquele momento, desde criança ele desmaiava quando via
sangue, por causa disso escolheu ser ladrão ao invés de assassino
de aluguel, mesmo sendo de uma cor incomum, continuava sendo
o motivo de seu desmaio. Embora ele já estivesse acordado, ainda
estava zonzo e com o ouvindo zunindo enquanto os Pombos
gritavam com ele, quando voltou a si, entendeu o que estava
acontecendo.

– I-DEN-TI-DA-DE, não entendeu? Não consegue ouvir?


– Perguntou um dos Pombos, gesticulando ao máximo.

– E se ele for deficiente auditivo? – Exprimiu o outro


guarda – Vou perguntar em linguagem de sinais, é que a minha
mãe não conse...

– Não há necessidade, eu os ouço muito bem – Disse


Vincent, com uma falsa cordialidade – Eu e a minha companheira
nos acidentamos na passagem, só queremos comprar

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mantimentos e dois cavalos, não vamos ficar para dormir e nem
consumir muito o tempo de vocês da Guarda Unificada.

– Identidade, sua e do cadáver também – Repetiu o


primeiro Pombo

– Eu ainda não morri – deu pra se ouvir, bem baixinho,


isso vindo do monte de neve e sangue que um dia foi uma elfa.

Vincent prontamente apresentou sua identidade, o


Documento Continental, válido em todos os territórios do
Continente, foi implementado há mais ou menos uns 50 anos
como uma tentativa de diminuir o contrabando, as pessoas só
conseguiam entrar e sair de territórios protegidos como capitais,
ou viajar com cargas, ou passar férias em outros reinos com esse
cartãozinho, nele vinha as principais informações sobre seu
portador: Nome, idade, onde e quando nasceu e qual cargo ocupa.
Nem preciso falar que, quem nasce em Umbra e ganha a vida
fazendo delitos como nosso garoto não tinham documentos
verdadeiros, ninguém deixaria um ladrão entrar de bom grado em
seu território.

– Vincent Silverwind, 22 anos, Padeiro – Leu em voz alta


o primeiro guarda.

Enquanto isso, o segundo guarda cutucava Júpiter, que já


estava realmente desmaiada, sem consciência, porém também
sem documentos, lá em Umbra não eram exigidos esse tipo de
coisa, então ela nunca nem ficou sabendo que isso era algo sério
assim, sabia que existiam, mas nunca fez questão de ter um
verdadeiro ou não. O ladino já estava com um sorriso amarelo,
praticamente imóvel se oferecendo para procurar os documetos

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nos pertences da acompanhante quando os guardas os liberaram
por ser uma emergência.

– Vamos levá-los até a Helena.

– Sim, a Helena vai dar um jeito nisso pra vocês – Ficaram


os dois dizendo

– Quem é Helena? – Vincent, confuso, pergunta para eles.

Helena era a bruxa da cidade, as bruxas eram mulheres


humanas que devotavam as suas vidas para aprender poções e
magia de cura, utilizavam das propriedades medicinais dos
elementos da natureza para ajudar os outros como trabalho, por
serem humanas, somente faziam curas simples como chás, ervas,
pomadas e poções. Era incomum uma bruxa morar em sociedade,
geralmente os votos dessa profissão demandavam que elas
viverem isoladas em florestas, porém, certamente isso era uma
grande vantagem para os cidadãos de Abannora.
O Pombo maior carregou Júpiter correndo até a casa de
Helena, que não era muito longe de lá e, depois que fosse feito
um curativo em seu pé, ele planejava seguir o procedimento
padrão de detenção e interrogação com ambos os forasteiros,

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