Dissertação Eva Laura
Dissertação Eva Laura
Dissertação Eva Laura
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CUIABÁ-MT
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CUIABÁ-MT
2021
EVA LAURA SILVA FORTES DE CARVALHO
CUIABÁ-MT
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
A pesquisa em tela é uma investigação que trata da cultura lúdica de crianças na educação
básica com a ausência do recreio. O intervalo, assim, como é chamado esse rito escolar,
deve ser compreendido como o tempo de interação possível com o outro e a manifestação
de diferentes formas culturais de movimento. Para tal empreitada nos servimos dos
estudos e pesquisas de Gilles Brougère (1998); Brian Sutton-Smith (2017); Jean Château
(1987); Roger Caillois (1990), dentre outros autores que nos ajudam a responder às
indagações: 1) Quais aprendizagens: intelectivas, motoras, afetivas, simbólicas e morais,
são expressas nas brincadeiras de crianças sem recreio? 2) A falta do recreio pode levar
as crianças a “condutas de risco”1 no exercício de cultura lúdica? 3) A equipe gestora e
professores da escola detêm conhecimentos sobre atividades lúdico-recreativas,
destinadas a essa faixa etária (6 a 7 anos)? 4) quais os jogos preferidos das crianças que
lhes permitem viver a sua cultura lúdica nos espaços-tempo de vivência ou não de recreio.
Com o método etnográfico fizemos a coleta de dados, a partir de observações sistemática
e assistemática; registro de imagens fotográficas; além de entrevistas com estudantes e
professores(as) nos tempos e espaços escolares. Uma pesquisa etnográfica, orientada pelo
estudo das essências, que se dá na existência e no vivido, cujo esforço maior foi o de
descrever, muito mais que explicar ou analisar, mas, o de subsidiar o suporte
metodológico apresentado à investigação como sugerem Bogdan e Biklen (1994); Manoel
Sarmento (2003); Lüdke e André (2018). O lócus da pesquisa foi uma unidade de
Educação Básica, localizada no município de Cuiabá-MT. Os participantes da pesquisa
foram estudantes do 1º Ano do Ensino Fundamental, professoras e integrantes do corpo
pedagógico que se dispuseram a participar da pesquisa. É preciso salientar que esta
pesquisa foi realizada durante a pandemia da Covid-19, com aprovação do Comitê de
Ética em pesquisa nº 4.658.768. Constatou-se que o trabalho realizado recolheu, a partir
dos estudos teóricos, dados que compuseram esta dissertação àquilo que constitua a
cultura lúdica, a importância da interação social no ambiente escolar e a vivência no
recreio, expondo como a brincadeira é importante à formação dessas crianças, mesmo que
não haja um tempo e espaço para se recrearem. No brincar, necessariamente, significados
e processos são apreendidos. Por isso, as formas lúdicas de interação social são vias de
acesso à cultura; são as pontes que ligam as crianças com os aspectos mais elementares
da organização escolar e seu meio.
1
Condutas de risco é um termo utilizado pelo antropólogo do corpo, o francês David Le Breton,
considerando o rito pessoal de passagem, em que se joga com a morte de modo inconsciente, buscando-se
significado e valor para a existência. Le Breton desenha sua preocupação com o significado das atividades
de lazer em que se envolvem os indivíduos em sua vida, pessoal ou profissional, para irem ao encontro do
risco ou para dele se protegerem.
ABSTRACT
The research in question is an investigation into the play culture of children in basic
education with the absence of recess. The break, as this school rite is called, must be
understood as the time of possible interaction with the other and the manifestation of
different cultural forms of movement. For such an endeavor we make use of the studies
and research of Gilles Brougère (1998); Brian Sutton-Smith (2017); Jean Château (1987);
Roger Caillois (1990), among other authors who help us answer the questions: 1) What
learning: intellectual, motor, affective, symbolic and moral learning are expressed in the
play of children without recess? 2) Can the lack of recess lead children to "risky
behavior2" in the exercise of play culture? 3) Do the school management team and
teachers have knowledge about playful-recreational activities for this age group (6 to 7
years old)? 4) What are the children's favorite games that allow them to live their ludic
culture in the playground or non-playground spaces. An ethnographic research, guided
by the study of essences, which takes place in existence and in life, whose greatest effort
was to describe, much more than explain or analyze, but, to subsidize the methodological
support presented to the investigation as suggested by Bogdan and Biklen (1994); Manoel
Sarmento (2003); Lüdke and André (2018). The locus of the research was a Basic
Education unit, located in the municipality of Cuiabá-MT. The research participants were
students of the 1st year of elementary school, teachers and members of the pedagogical
body who were willing to participate in the research. It should be noted that this research
was conducted during the Covid-19 pandemic, with Research Ethics Committee approval
number 4,658,768. It was found that the work done collected, from theoretical studies,
data that composed this dissertation to what constitutes the culture of play, the importance
of social interaction in the school environment and the experience of recreation, showing
how important play is to the formation of these children, even if there is no time and space
for recreation. In playing, necessarily, meanings and processes are apprehended.
Therefore, the playful forms of social interaction are access routes to culture; they are the
bridges that connect children with the most elementary aspects of school organization and
their environment.
2
Risk behavior is a term used by the anthropologist of the body, the French David Le Breton, considering
the personal rite of passage, in which one plays with death in an unconscious way, seeking meaning and
value for existence. Le Breton draws his concern with the meaning of leisure activities in which individuals
get involved in their lives, personal or professional, in order to meet risk or to protect themselves from it.
LISTA DE FOTOS
Foto 1: A Escola................................................................................................................
64
Foto 5: A comunidade.....................................................................................................68
INTRODUÇÃO
REFERÊNCIAS.................................................................................................................
106
APÊNDICE – I...................................................................................................................
109
APÊNDICE – II .............................................................................................................. 110
APÊNDICE – III..............................................................................................................111
APÊNDICE – IV..............................................................................................................113
APÊNDICE – V...............................................................................................................118
13
Ao iniciar a escrita desta dissertação, que faz a abertura deste texto, a celeridade
dos acontecimentos nos deixam sem saber como agir, com uma sensação de impotência,
principalmente no cotidiano com crianças. Escrever não é uma tarefa fácil, sobretudo
quando as lembranças de momentos e eventos que os julgamos importantes de nossa vida
acadêmica.
Intitulei o memorial com o objetivo de apresentar os episódios marcantes da minha
trajetória estudantil, das séries iniciais até à formação universitária, descrevendo
recordações pessoais na escola, trazendo à reflexão o processo de alfabetização e os
momentos marcantes de recreio nas escolas em que passei, buscando analisar o caminho
que me levou até ao curso de Pedagogia e ao Programa de Pós-Graduação no Mestrado
em Educação.
Suponho que ao sair em busca de informações esquecidas no tempo exige um
esforço afetivo e intelectual. Como a mais nova dos quatro filhos, vivendo numa família
“padrão” de mãe solteira, daquelas que lutam para criar os filhos da melhor maneira
possível. Preocupada com o bem-estar dos filhos, sempre que podia tinha que levar-nos
para o trabalho, por isso a nossa infância se misturava, se fundia nas brincadeiras das
outras crianças que lá estavam.
Esse “laboratório” permitia-nos uma convivência com crianças e professoras que
nos colocavam para fazer as atividades com as demais. Assim se deu a minha primeira
experiência com a alfabetização. A minha alfabetização foi rápida comparada às outras
crianças da época. Sendo minha mãe uma leitora cuidadosa, quando podia me presenteava
com livros que me incentiva a leitura e despertava ainda mais a minha imaginação com
histórias que ela contava sobre fábulas e contos clássicos.
Em 1996, entrando em idade escolar, fui matriculada no meu primeiro “ninho
escolar”, que tenho lembranças de tudo, principalmente da minha primeira professora,
uma fonte de inspiração intelectual.
A minha infância foi marcada por várias professoras. Suspeito que pelo fato de
ser incentivada à leitura e à escrita, desde muito pequena, e de ter me envolvido em
eventos lúdicos, essas etapas da infância incluindo os jogos de futebol com as crianças da
rua; as fantasias com temáticas infantis; as brincadeiras com as minhas bonecas; as
14
3
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) existe desde 2007. E, de forma
simplificada, tem como objetivo valorizar e apoiar os professores em formação, em especial nos primeiros
anos de graduação.
15
4
O Programa de Residência Pedagógica é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de
Professores e tem por objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura,
promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu
curso.
5
Sigla denominada pela Secretaria de Educação do município de Cuiabá como Escola Municipal de
Educação Básica.
6
No sentido étimo, usarei a palavra intervalo como o tempo dado às crianças entre suas aulas de estudo na
escola para a recreação.
16
o aprendizado da docência desde os primeiros anos implica num processo marcado pelo
enfrentamento de desafios e insegurança, o conhecimento requer espaços onde as práticas
podem ser discutidas e partilhadas.
É, portanto, uma experiência construída em diferentes contextos, fontes dos
diversos conhecimentos da prática, dos valores, e dos motivos que vão se configurando
na eterna construção docente. Pela ótica da ludicidade,7 estar no recreio (e não passar por
ele), ainda que tenha sido uma das motivações iniciais, ficou mais evidente que um estudo
deve ser realizado sobre esta temática.
Para enriquecer o caminho metodológico percorrido, nos aprofundamos nos
estudos de Manoel Sarmento (2003) para sustentar o estudo de caso, e Menga Lüdke;
Marli de André, (2018) nos estudos da pesquisa etnográfica, Clifford Geertz (1989) e
Gilles Brougère (1998) no que refere-se a investigação do fenômeno ludicidade, cultura,
cultura lúdica e toda complexidade natural de observação dos sujeitos.
Desse modo, para especificar os estudos de interação social e da importância da
proxêmica ― uso que o homem faz do espaço como uma elaboração especializada da
cultura ―, nos aprofundamos nas pesquisas antropológicas de Erving Goffman (2011) e
Edward Hall (2005).
Além dos pesquisadores que contribuíram com reflexões e especificidades da
infância, brincadeira, jogo, recreio, cultura lúdica e ludicidade: Gilles Brougère (1998),
Tizuko Kishimoto (1998), Johan Huizinga (1990), Roger Caillois (1990), Jean Château
(1987), Janet Moyles (2006), Moacir Juliani (2019), Gregory Bateson (1977), Cleomar
Gomes (2003; 2001) e Brian Sutton-Smith (2017).
A dissertação está organizada em três partes. Na Primeira Parte trouxemos um
breve estudo empírico sobre as interações sociais face a face, aprovação social,
decisividade, dentre outros autores que nos ajudam a compreender como a falta da
vivência no recreio pode afetar a cultura lúdica de crianças no ambiente escolar, quando
supomos que, na compreensão de que a cultura lúdica infantil acontece, a partir da
interação social, do contato direto/indireto com os indivíduos que dela participam. Os
estudos sobre a cultura sendo um dos elementos que preconizam o desenvolvimento
7
O termo Ludicidade utilizado por Gomes (2001) se ancora em diferentes autores, sobretudo nos de
abordagens socioantropológicas e pedagógicas, empregado para um dizer corporal que expresse um estado
de alegria ou de prazer, humor e espontaneidade.
18
8
Em 17 de janeiro de 2021, no Brasil, tivemos a aplicação da primeira dose da vacina contra o Corona
Vírus, em São Paulo, daí deu-se a corrida contra a vacinação da população brasileira.
19
PRIMEIRA PARTE:
A INTERAÇÃO SOCIAL, CULTURA E CONTEXTOS QUE CONECTAM
CAMINHOS
PRIMEIROS INDICATIVOS
9
Entrevista com Gilles Brougère sobre o aprendizado do brincar. In: Revista Nova Escola, n. 23, mar.
2010. Disponível em:>http://revistaescola.abril.com.br/crianca-e-adolescente/desenvolvimento-e-
aprendizagem/entrevista-gilles-brougere-sobre-aprendizado-brincar-jogo-educacao-infantil-ludico-
brincadeiracrianca-539230.shtml?page=2< Acesso em Set. 2019.
10
Estamos tomando por cultura lúdica toda a construção do brincar das crianças
11
Termo utilizado por Florestan Fernandes em sua obra: “As trocinhas do Bom Retiro”.
22
A cultura lúdica não está isolada da cultura geral. As proibições dos pais,
mestres, os espaços colocados à disposição da escola, na cidade, em casa, vão
pesar sobre a experiência lúdica [...], há jogo quando a criança dispõe de
significações, de esquemas em estruturas que ela constrói no contexto de
interações sociais que lhe dão acesso a eles. (BROUGÈRE, 1998, p. 28).
As crianças são parte do processo social e têm especificidades que cabem a elas
fazer as coisas estabelecidas pelos adultos, às vezes de modo a mitigar o tempo da
infância. Em todas as épocas da humanidade as crianças sofreram influência do mundo
adulto. É nesse mundo, organizado pelos adultos que a criança encontra, via transmissão
cultural, as informações que ela precisa para viver no mundo material e psicológico
quando lida com seus afetos, suas emoções mais atávicas.
A infância, período que diz respeito ao desenvolvimento dos indivíduos,
conforme preceitua os dicionários, transmite especificidades que podem ajudar a construir
as identidades de uma pessoa. É quando as crianças vivem experiências motoras,
intelectuais, afetivo-sociais, morais e simbólicas, o que lhe darão ferramentas para se
12
Impulso lúdico é uma expressão utilizada por Herbert Marcuse, que tomando de Schiller aquele
sentimento que tem uma função estética que daria o equilíbrio entre o princípio de realidade e o princípio
de prazer. Essa expressão é bastante trabalhada na dimensão estética na obra Eros e Civilização, com uma
interpretação filosófica de Freud.
24
13
SARS-CoV-2, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2(Síndrome Respiratória
Aguda Grave), é um coronavírus novo que foi identificado pela primeira vez em Wuhan, China, no final
2019, como a causa da doença por coronavírus de 2019 (COVID-19) e se espalhou por todo o mundo.
Fonte: >https://www.msdmanuals.com/pt/casa/infec%C3%A7%C3%B5es/v%C3%ADrus-
respirat%C3%B3rios/coronav%C3%ADrus-e-s%C3%ADndromes-respirat%C3%B3rias-agudas-covid-19,-
mers-e-sars< Acesso em Jun. de 2020.
14
Projeto Político pedagógico da EMEB pesquisa.
26
15
Uso de símbolos que são trazidos e compartilhados a uma interpretação individual na sociedade.
27
praticamente impossível se tornar um cidadão sem erros, afinal, como diz o versículo de
São João cap. VIII, vers. 7: “quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra!”
A única maneira de viver sem ser um prisioneiro dessas fachadas exigidas pela
sociedade, é pelo sonho, momento único em que nos libertamos dos julgamentos que
guardamos, segredos obscuros ou não, que podemos ser livres da pressão social.
Concordamos com Zygmunt Bauman (2008) quando grifa em “A sociedade
individualizada” que:
virão muitos acontecimentos para nos barrar, frear a rapidez e ao mesmo esse
distanciamento social que a tecnologia nos trouxe.
Em tempos pandêmicos, a leitura da obra “Amor, sexo e tragédia” do historiador
britânico Simon Goldhill (2007), nos trouxe indagações que fizeram repensar, “Quem
você pensa que é? Aonde você pensa que vai? O que você acha que deve acontecer? O
que você quer fazer? De onde você pensa que vem?
Os princípios básicos da obra que nos leva a pensar nas sábias palavras de
Cícero16, Goldhill (2007, p. 9) grifa que “Se você não sabe de onde vêm, você será sempre
uma criança”, ressoa como um diálogo com a interação nos estudos de Goffman (2011),
que nós não somos inocentes no êxtase de desconhecer sua origem, mas, afirma que o
indivíduo passará sua vida desprovido de poder, de autoridade sobre si, e será incapaz de
atuar no mundo corretamente diante da sociedade. E ao citar a criança, pune a nós adultos,
como sendo incapacitados de tomar posturas, atitudes e conhecimentos que possa se
tornar numa ameaça sem a devida aprovação social, sendo assim, é necessário conhecer
o que se passa, e ao ignorar a própria procedência seria equivalente a uma sentença de
morte.
A alienação da interação, elucida e se assemelha ao pensamento de Goldhill
(2007) que na sociedade, ocorrem encontros sociais de conversação de protótipo
conversacional, que compartilha da exigência da interação espontânea dos integrantes
num foco principal de atenção. Podendo ocorrer formas impensadas, impulsivas e por que
não dizer desconfortáveis na conversação causando esquecimentos involuntários, ou seja,
como deixar de lado as novas exigências de porte diante da atual situação sanitária
mundial.
Essa “alienação”, que se designa a indivíduos que estão alheios a si próprios, e
apresentam formas pelas quais essa “alienação” se dá diante da interação com outro, se
16
Marco Túlio Cícero (107 a.C. - 43 a.C.) foi um filósofo, escritor, advogado e político romano. Foi
considerado um dos maiores oradores da Roma antiga. Morreu na província de Formia, Itália, no dia 7 de
dezembro do ano 43 a.C. Disponível >https://www.ebiografia.com/marco_tulio_cicero/< acesso em jul.
2020.
30
alienação da outra”, é muito fácil entender, porque toda vez que que você se conecta com
o espírito da sociedade pós-moderna, os “eus” algoritimizados, não se ligam no outro ―
essa é a nova revolução.
Não é a conversação real e sim a situação mais ampla gerada pelo ridículo que,
o pensamento sobre as regras de comportamento social, ditos “corretos” que se forem
seguidas com afinco, a interação pode se tornar, sem firmeza, improdutivo e chata.
Definir como se dá a Interação Social com a Educação não é algo fácil de
desvendar. Trazemos aqui o papel que a sociedade exerce diante da escola quanto
comunidade, e enfatizamos que se as pessoas assumirem seu papel em relação ao outro,
e respeitarem a “fachada”, e assumirem o que há de melhor em si, nas organizações
políticas, na sala de aula, nas organizações escolares, respeitando as pessoas e os códigos
sociais, haverá uma educação melhor. Se cada um entender o seu devido papel na
sociedade, compreenderá que o fato de a educação só existe para que haja um futuro para
nossas crianças, só assim iremos compreender que a educação vai fazer bem para todos.
Mas, onde a ação está? Dado a isso o foco principal como a organização social
lida como o indivíduo na sua capacidade de ponderar os possíveis riscos que possa se
envolver caso não faça a opção pela “ação” correta. Erving Goffman (2011) ressalta que
a ação será definida analiticamente para descobrir onde ela pode ser encontrada. Falar
sobre “decisividade”, é tomá-la como processo que colabora nos momentos de tomada de
decisão do indivíduo diante de situações de risco para si, (risco com o qual adultos em
suas posições de diligência escolar não querem “correr” diante dos momentos de recreio
com crianças).
Goffman (2011, p. 154) faz uso do neologismo “decisividade” como significado
de algo que precisa ser decidido, mas, algo de caráter decisivo para a vida do indivíduo,
algo que influenciará no seu destino. Porém, esses momentos “desperdiçados”, aqui no
caso do recreio, são inconsequentes. Eles são limitados e isolados. Podemos afirmar que
o indivíduo vive sempre à espreita dalgum tipo de “perigo” devido às ligações que vêm
de fora em eventos, à vulnerabilidade de seu corpo, e à necessidade de manter as
propriedades em situações sociais.
Bauman (2012) ao se referir a Clifford Geertz (1989) como umas das mentes
mais hábeis e perspicazes entre os antropólogos vivos, Geertz (1989, p. 15) defende o
conceito de cultura acreditando que “O homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo o teceu”, assim podemos dizer que nos embaraçamos nas
misturas culturais que nos rodeiam e nos fazem percorrer distâncias que não veríamos a
olho nu.
Nos estudos do antropólogo interculturalista social, Edward Hall (2005; 1959)
observamos que a moldura de percepção de mundos é função não só da cultura, mas de
relacionamento, atividade e emoção. Pessoas de culturas distintas costumam a se
equivocar na interpretação de comportamento umas das outras. Falando no sentido da
proxêmica de Hall (2005) fazer uso do sentido sensorial principalmente nos estados
emocionais em momentos diferentes.
Essa faceta proxêmica se preocupa muito mais com a estrutura do “como” do
que com o “por quê”, ao se domesticar, reduzindo a distância de fuga, sendo ela uma
necessidade que carregamos conosco em momentos de desconforto. Fazer uso de
“manutenção” com seu próximo é um dos modos mais eficazes para lidar com o perigo
que aqui podemos chamar de processo de “domesticação”, que pode ser mostrada numa
determinada área, desde que os indivíduos ― aqui no caso de crianças em momento de
recreio ― estejam sob o controle de seu superior, onde o medo fará ressurgir a reação de
fuga, como diria Edward Hall (2005, p. 231), “O medo, associado à aglomeração, produz
pânico e é possível que essa descoberta do eu no plano da cultura seja árdua”.
A dificuldade da tarefa não deve, porém, fazer com que desmereçamos a sua
importância para um maior aprendizado do inter-relacionamento do homem com seu
ambiente. Segundo Hall (2005, p. 4), a cultura é simplesmente uma forma de compor uma
programação mental coletiva que distinguem grupos, sejam elas tribos ou uma categoria
de pessoas que controlam o comportamento do outro em algumas vezes de forma
inconsciente e fora do controle do indivíduo, como cita que o ser humano como sendo
um organismo com um passado maravilhoso:
[...] se distingue dos outros animais graças ao fato de ter criado o que chamei
de extensões de seu organismo [...] o homem sofisticou suas extensões a um
ponto tal, que somos propensos a esquecer que sua humanidade está enraizada
em sua natureza animal [...]. (HALL 2005, p. 4).
34
Nos passa desapercebido que quando se brinca se aprende antes de tudo a brincar
e reproduzir/controlar o que o universo simbólico particular traz para vida. Numa
tentativa de descrever o que é a cultura lúdica, é preciso municiar algumas características
que são necessárias para melhor defini-la. Gilles Brougère (1998, p. 24) sugere que antes
de tudo, “a cultura lúdica é um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo
possível”.
Sendo assim para que se tenha uma cultura lúdica é preciso dispor de algumas
referências que permitem interpretar o jogo como atividades que não poderiam ser vistas
por outros ⸻ que são raras às crianças que se enganam quando se trata de perceber no
período de recreio, uma briga de verdade e uma briga de mentira ― que se assemelha
aquilo que Robert Fagen pesquisou sobre o comportamento lúdico animal que se
enquadra na terceira de uma das suas cinco categorizações que Brian Sutton–Smith (2017,
p. 65-66) citou em sua obra “A ambiguidade da brincadeira” quando escreve sobre a
retórica do progresso animal:
Foi demostrado na pesquisa que aquilo que eles veem como brincadeira é
brincadeira, mas isso pode ter mais a ver com um consenso cultural do que ser
um indicador válido de verdade de suas observações. [...] Os homens veem
essas lutas como faz de conta, e as mulheres mais como agressão e as
professoras de jardim de infância normalmente veem isso como uma agressão.
[...] Até mesmo a maioria das crianças quando reveem seu próprio
36
17
É tudo o que é construído para compor um ambiente lúdico por exemplo: paredes pintadas, amarelinhas
no pátio, espaços kids em ambiente de entretenimento em quanto seus pais, enfim adaptações para a mundo
lúdico infantil.
37
18
A Lei de Talião era interpretada não só como um Direito, mas até como uma exigência social de vingança
em favor da honra pessoal, familiar ou tribal – olho por olho dente por dente.
38
necessita de aprendizagens” e essa construção (de criação) enfim, existe uma profunda
relação entre a cultura e o jogo e essa relação da palavra jogo produz significações e uma
cultura complexa e diversificada.
Os papéis usados na construção de significados da construção da cultura lúdica
(experiências, aprendizagens progressivas, importância da interação social e
diversificação da cultura conforme critérios), isso dispõe para que o processo cultural
auxilie a criança na produção simbólica podendo não ocorrer sem que haja a produção
nesse campo como um processo cultural rico e amplo. (BROUGÈRE, 1998, p. 30-32).
O jogo não prepara para uma profissão definida; introduz o indivíduo na vida,
no seu todo, aumentando-lhe as capacidades para fazer face às dificuldades. É
absurdo, e na realidade não leva a nada, lançar o mais longe possível uma
argola ou um disco de metal, ou apanhar e atirar incessantemente uma bola
com uma raqueta. Mas é vantajoso ter músculos potentes e reflexos rápidos.
(CAILLOIS, 1990, p. 17).
criança brinca em cada uma delas e relacionando-as com as possibilidades que Sutton-
Smith (2017, p. 37) enfatiza, com a retórica do progresso que “não se verifica a adaptação
como função principal da brincadeira”.
As nossas profissões são construções socioculturais que dependem de
aprendizagens, treinamentos, oportunidades, qualificações, formações continuadas,
decisões e escolhas dirigidas, muitas às vezes, por condições socioeconômicas e oferta do
mercado de trabalho.
Cada teórico tem sua própria concepção de brincadeira ou a sua própria
épistêmê.19 As formas de “uso” da brincadeira são muitas vezes reflexas das disciplinas
acadêmicas, pois seus interesses são distintos. Uma problemática que parece de grande
importância é a ambiguidade na relação entre a brincadeira da criança e a brincadeira
adulta.
As brincadeiras não podem ser “presas pedagógicas” como menciona Gomes
(2019) em uma palestra no Seminário de Educação. E cita também que a primeira
característica das atividades lúdicas é que sejam livres, reafirmando a tese de Johan
Huizinga, sendo que ninguém deve ser obrigado a brincar, como citado pelos autores
pesquisados:
Na opinião de Manson esse tipo de jogo é “uma presa da didática” e no qual o
prazer das crianças é “capturado”. O autor afirma “não saber, de jeito nenhum,
se existe, nesse caso, um divertimento embutido no jogo”, transformado em
“material pedagógico”. E conclui: “ele é uma exploração pedagógica”.
(GOMES, 2001, p. 38)
O filósofo crítico Alemão Walter Benjamim (1984), observa que “se libertar dos
horrores do mundo através da reprodução miniaturizada”. As crianças, rodeadas por um
mundo de gigantes, segundo ele criam para si, enquanto brincam um pequeno mundo
próprio, protegido por uma legislação de sua própria cultura. E analisou a criança por uma
perspectiva histórico-cultural, com ensaios que abordavam principalmente a educação, as
características da infância e a evolução dos brinquedos e das brincadeiras de sua época.
Para o autor, as crianças gostariam que as víssemos com um olhar claro e
compreensível e não infantil, indo além da lente do adulto, para que conseguíssemos
19
Na filosofia do pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estrutura, em
uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de
suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais.
42
1.3.3. Do Jogo
O jogo é aqui tomado como fenômeno cultural e não biológico [...] e o fato
mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos
rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana [...] mas, os animais não
esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica [...]. Bastará
que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres
evoluções, encontram-se presentesa todos os elementos essenciais do jogo
humano. (HUIZINGA, 1990, p. 1-3).
da definição que Huizinga (1990) elege quando diz que o jogar e o brincar pode ter o
mesmo significado em várias línguas a exemplo do inglês (to play), do francês (jouer),
no espanhol (jugar). O jogo que era visto essencialmente como eventos esportivos,
hoje adquire possibilidades culturais, sociais, educativas e recreativas como critério
de atividades de lazer. Não é possível falar de ludicidade, jogos, e brincadeiras sem
trazer a sua origem, mesmo que essa origem se processa por um anonimato.
Conforme os estudos de Kishimoto (1998) a origem dos jogos dá-se:
20
- Atividades que os alunos elegem quando brincam.
49
faz parte da infância, nos despertou a vontade de estudar mais sobre essa falta de tempo
no espaço escolar21.
Nas palavras de Moacir Juliani (2019), pesquisador membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade ― GEPCOL, que fez um estudo
sobre a Cultura Lúdica e o recreio escolar expondo que:
Enfatizamos aqui que esse tempo é um direito garantido pelas políticas escolares
aos alunos e professores, como enfatiza a Lei 5.692/71 e o CFE, no Parecer 792/73,
“usufrua sua hora de recreio, não permita que seu horário de recreio seja destinado para
outros fins”. E retornamos nos estudos de Juliani (2019) para estofar um pouco mais sobre
o recreio dizendo:
21
Esta problemática foi detectada ao longo do Estágio Supervisionado II que ocorreu durante a regência no
Programa de Residência Pedagógica no Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT) em uma Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) nesta capital.
50
entreter com o que há em seu entorno, sendo livre”, enfim, se desprender das obrigações
diárias fazendo uso do seu tempo livre a seu modo. E com essa afirmação trouxemos
Donald Winnicott (1975) pediatra e psicanalista inglês influente no campo das teorias das
relações objetais e do desenvolvimento psicológico, que em seus estudos nos afirma:
Winnicott (1975) enfatiza que na busca do self, “a pessoa interessada pode ter
produzido algo valioso em termos da arte”. Desde os estágios primitivos de
desenvolvimento utilizado como filtro a sua criatividade e nela a busca incessante pela
construção de algo interessante ou valioso, ao que ele sugere que o “eu” self não só pode
ser encontrado no que é construído com produtos do corpo ou da mente, mas por valiosas
construções que possam ser em termos de beleza perícia e impacto.
Na Teoria da Brincadeira, a retórica do self, de Brian Sutton-Smith (2017), tem
como foco a brincadeira individualizada, solitária, considerando-se que sua base está na
psicologia do participante individual. Ela evita os contextos históricos e antropológicos
da brincadeira, a retórica do self está mais interessada em indivíduos do que em grupos.
Com base nos estudos de Sutton-Smith (2017) podemos suspeitar que na EMEB, em
vários momentos, a retórica do self sobressaia nas atividades acompanhadas durante o
período e que estivemos na escola.
Mais do que qualquer outra coisa, a vida segue para que seja vivida, contrapondo
ao relacionamento de submissão coma realidade externa de seus e é reconhecido apenas
a ajustar-se ou a exigir-se de uma adaptação. A inutilidade traz consigo a submissão de
uma ideia que nada importa e de não vale a pena experimentar suficientemente o viver
criativo como se estivessem presos à criatividade pessoa que não participa do processo
de comunicação e cuja menção é imprecisa.
Winnicott (1975) enuncia cinco hipóteses enumerando-as e afirmando que: “O
lugar em que a experiência cultural se localiza está no espaço potencial existencial entre
o indivíduo”, ou seja, se referindo ao brincar “a experiência criativa começa com o viver
criativo, manifestando primeiramente na brincadeira”. (WINNICOTT, 1975, p. 159).
51
Há pelo menos cem anos, a visão popular do brincar em espaços externos vem
sugerindo um suposto declínio na variedade e na qualidade. [...]. Essas ideias
frequentemente se baseiam no contraste entre as lembranças idealizadas dos
adultos das brincadeiras de sua infância e em seu entendimento geralmente
limitando das brincadeiras atuais de crianças. (BROWN, 2006, p. 66).
22
Texto correspondente ao livro “O brincar e suas teorias”, 1998, p. 139-154.
55
Frago (2001, p. 77) traz uma outra definição para o espaço escolar: “A escola é
espaço e lugar. Algo físico, material, mas também uma construção cultural que gera
fluxos energéticos”. Todo espaço é um lugar, um espaço percebido, espaços com
significações e representações de que o espaço que visualizamos no ambiente escolar,
contemplam um recordar mas que sempre nos mostram uma interpretação determinada.
No que se assemelha à pesquisa de Moacir Juliani (2019, p. 64), este estudo
também se baseia em um estudo de dimensão sociocultural que pode se manifestar nos
espaços-tempo de recreio escolar, como reitera em sua tese:
por uma “casca de noz”, que dificilmente será quebrada pela autoridade/gestão do adulto.
Este “tempo imaginário” como foi explorado nos estudos de Stephen Hawking em seu
livro “O universo numa casca de noz23”, assim como a fala de Hamlet: “Eu poderia viver
recluso numa casca de noz que me considerar rei do espaço infinito”, que nos inclinamos
a responder as indagações preliminares desta pesquisa fica evidente que o cosmo, a
totalidade de todas as coisas que poderiam nos levar a sucumbir de crianças um momento
de vivência no recreio ficam evidentes.
Indagações importantes de Juliani (2019) em sua tese de doutoramento apresenta
preocupações sobre as restrições do recreio:
23
O tempo imaginário foi explorado por Stephen Hawking em seu livro "O Universo numa Casca de Noz".
Segundo discutido, na relatividade o tempo (real) distingue-se das demais coordenadas espaciais pelo fato
de o primeiro sempre avançar para um dado observador, ao passo que movimentos no espaço-tempo podem
implicar aumentos ou diminuições nas coordenadas espaciais ao longo da história conforme percebida por
esse observador.
58
PARTE II
CAMINHO METODOLÓGICO
60
2. DA METODOLOGIA
grupo. WOLCOTT (1975) apud LÜDKE E ANDRÉ (2018, p. 15) chama a atenção para
que as pesquisas sobre a escola não devem se restringir ao que se passa no âmbito da
escola, mas sim relacionar o que é aprendido dentro e fora da escola.
Para Sarmento (2003, p. 141), “nas dimensões paradigmáticas de uma
investigação” se realiza estudos sociais que desencadeiam as investigações que podem
ser as consequências que decorrem seus objetos de estudo:
Foto 1: A escola
64
Com essas imagens registradas nos loci, podemos trazer para a compreensão um
pouco mais do espaço que a escola dispõe para as atividades escolares. A escola conta
com 18 salas de aulas, laboratório de informática, sala de leitura, sala de vídeo, secretaria,
diretoria, sala de professores, coordenadoria, cozinha, refeitório, depósito de merenda,
sala de materiais esportivos, banheiros de alunos e de funcionários e uma quadra coberta.
24
Estas informações foram retiradas do PPP da escola.
67
Atendia ainda a sua comunidade, reservando tempo àqueles que dependessem de seus
préstimos. Sua vida e sua obra merecem destaque, pois foi sempre voltada para o trabalho
em benefício de seu próximo.
5 anos 3 3 - 126
Subtotal 5 5 - 215
1º ano 3 4 - 137
Subtotal 9 9 - 605
1º segmento 2 35
EJA 2º segmento 2 62
Subtotal 97
Foto 5: A comunidade
O perfil da comunidade atendida tem mudado bastante nos últimos anos, já que
a escola atende muitas crianças filhas(os) de funcionários públicos, profissionais
liberais... no entanto a grande maioria ainda é de crianças oriundas de famílias de baixa
renda.
Por estar localizada em um bairro carente e atender muitos bairros oriundos de
invasões, contamos com um agravante que é a grande rotatividade de estudantes, pois tanto
expedimos quanto recebemos constantemente transferências, causando com isto sérios
transtornos no processo de ensino-aprendizagem.
Sarmento (2003, p. 128) com sua lente teórica, supõe que “a cultura escolar”, em
seus estudos, têm foco em privilegiar as transformações e impregnações que constituem
a vida escolar, reconstituindo a trajetória histórica e social de instituições escolares, a
partir de recortes espaços temporais, em que aqui supomos que a ausência do recreio
possa inibir a construção deste momento com crianças em fase de construção de sua
infância.
Neste espaço há um tempos atrás havia recreio, risos e alegria. Mas, como se
refere o pesquisador Moacir Juliani (2019) em um recorte de sua tese, dialogando sobre
os momentos de recreio:
72
Essa reflexão de Juliani suscita uma questão: quando não há este momento
importante na infância de crianças escolares? É possível ser criança, ter seus momentos
em que a ludicidade, fenômeno este que pode acontecer em momentos de espontaneidade,
sobrevivam mesmo sob maçantes atividades repetitivas em sala de aula? Haverá infância,
lembrança, prazer de viajar quando adulto contando para outras crianças tantas momentos
que ficam em nossas memórias? Afinal o recreio é importante para quem? Responder a
estas indagações ainda será uma inquietação que somente poderá ser vista e ouvida em
uma outra oportunidade de pesquisa, nesta escola em específico ou em outra que tenha a
mesma conduta de proibir a vivência deste momento na vida escolar infantil.
2.5 Procedimentos
TERCEIRA PARTE:
A ESCOLA, AS CRIANÇAS E O RECREIO
78
ver movimento, correria e aquele tropel rotineiro de uma escola de ensino fundamental.
Contextualizar a presença das brincadeiras no desenvolvimento infantil no
âmbito social e escolar supomos que foi importante para compreender como a
construção da cultura lúdica infantil acontece, mas, principalmente como e quando a
brincadeira é vista ao olhar popular como um direito da criança, porém nos opomos a
essa afirmação, por supor que a brincadeira é um privilégio que das crianças, e que
podem ser exercidas pelo simples fato de poderem brincar sem ter um propósito
pedagógico e até mesmo educativo.
Deste modo, é imediato esse novo aprendizado de concepções lúdicas
existentes na escola, traduzindo-as em ações que reconhecem a importância entre o
brincar e o aprender, uma vez que ambos são indissociáveis à fase da infância, sendo
a cultura lúdica25uma atividade histórica e culturalmente construída pelo homem
como dizem os teóricos Huizinga (1990) e Brougère (1998).
Atualmente, a realidade da infância é bem diferente, quando as crianças não
podem mais brincar na rua devido os perigos que ela representa; o número de irmãos
e primos está cada vez menor; a TV e o computador, se constituem como artefatos
lúdicos. Assim, individualmente e solitários as crianças e os jovens a eles se entregam
para alimentar aquilo que Sutton-Smith (2017) denomina como a retórica do Self.26
Hoje sobra pouco tempo para o entretenimento, o que consequentemente diminui o
25
Para Gilles Brougère, sociólogo francês, estudioso contumaz do jogo infantil, a cultura lúdica é antes de
tudo um conjunto de procedimentos que permite tornar o jogo possível, fornece interferência intersubjetivas
em relação aos jogos de representação, o que não impede evidentemente os erros de interpretação. A cultura
lúdica é composta de um certo número de esquemas que permite iniciar a brincadeira já que trata de produzir
uma realidade diferente da vida cotidiana (os verbos no imperfeito, as quadrinhas, os gestos estereotipados
do início das brincadeiras compõem um vocabulário indispensável ao jogo), ela compreende a estruturas
de jogo que não se limitam às de jogos com regras. A cultura lúdica não é um bloco monolítico, mas um
conjunto vivo em função a hábitos lúdicos, das condições climáticas ou espaciais. Compreende o que
poderia chamar de esquemas de brincadeiras de regras vagas, de estruturas gerais e imprecisas que
permitem organizar jogos de imitação ou ficção, compreende conteúdos mais precisos sob a forma de um
personagem e produzem jogos particulares em função dos interesses das crianças das modas da atualidade.
A cultura lúdica se apodera de elementos da cultura do meio ambiente da criança para aclimatá-la ao jogo
(BROUGÈRE, 1998, 23-25).
26
A retórica do self na teoria da brincadeira tem como foco a brincadeira, considerando-se que sua base
está na psicologia do participante individual. Ela evita os contextos históricos e antropológicos da
brincadeira. Às vezes o conceito lida com mecanismos intrapsíquicos, às vezes com neurologia, mas mais
recentemente a referência, à qualidade da experiência de brincar do participante tornou-se popular. Com
base na teoria de Freud a brincadeira nessa retórica se manifesta como ab-reação, compulsão de repetição,
compensação, realização de desejo, controle da ansiedade, liberação da tensão a resolução de conflitos,
relacionados com o estágio, controle por meio da inversão de papeis, teste da realidade e influencia mutua
transicional entre sujeito e objeto (Sutton-Smith, p. 303-304).
80
Foto 10: Leitura com a turma do primeiro ano na finalização da Residência Pedagógica.
27
GOMES. C, Revista de Educação Pública ― Descolonização da criança escolar e o gênero literário:
uma reflexão sobre a autonomia de suas implicações lúdicas v. 23, n. 53/1 (mai./ago. 2014) Cuiabá,
EdUFMT, (2014, p. 376).
81
crianças, num espaço de educação básica sobre a ausência do recreio escolar, através de
questionamentos que envolvam suas impressões representativas, possíveis articulações
conceituais e suas contribuições de formação profissional
Foi Sutton-Smith (2017, p. 116) que nos deixou o legado sobre a importância do
brincar sem essa necessidade didática ou mesma pedagógica na psicogênese e
sociogênese humanas. Com suas palavras mais duradouras, porque retinem em nossas
mentes, ele afirma que “a definição mais ampla, em que os deuses ou nossas próprias
mentes nos influenciam ludicamente além de nosso controle”, tem uma externalidade a
uma visão do universo como se ele estivesse brincando: inconstância, imprevisibilidade,
indeterminismos, caos de processos físicos básicos, e que a única coisa que nos sobra é
tentar entender as regras pelas quais eles operam.
É com base nessa reflexão que tentamos discutir um pouco acerca desse
fenômeno que tanto invade a cultura lúdica das crianças ― as brincadeiras e os jogos ―,
que as contaminam com informações e formações que carregarão para o resto de suas
vidas.
Afinal responder por que as crianças gostam muito de brincar? Foi a
resposta que deu o pontapé para tentar desmitificar a origem da indagação desta
escrita que tem como problema a falta de contato com atividades lúdicas no tempo do
recreio. Estaria as crianças prejudicadas em suas aprendizagens, conforme vimos
discorrendo no percurso dessa investigação?
Com base em entrevista concedida pelo Professor Cleomar Gomes, um dos
pesquisadores contemporâneos sobre ludicidade, corporeidade e brincadeira, assim
ele se pronuncia:
28
Condutas que continuarão a ser e existir por muito tempo.
29
Henry Wallon em sua obra L’évolution psychologique de l’Enfant, cunhou de “jogos funcionais” todos
os jogos e brincadeiras com quais as crianças se envolvem espontaneamente para desenvolver as funções
da fala, do andar, depois para atividades exploratórias.
82
E volto a perguntar: Mas quem não brinca teria e colocaria todas essas
condutas em prática?
Sim, mas, não o faria tão bem como quem brinca, por que a
brincadeira o coloca em um estado de alacridade30, além do
desenvolvimento da função e abre um vestíbulo para a
diversão, a alegria, a recepção, os aconchegos, os abraços
que são formas afetivas que se explodem nos jogos. Além é
claro de outras exposições estéticas, tão necessárias à
formação do “homem completo”, como diria Schiller.
30
O professor, Jornalista, sociólogo, baiano Muniz Sodré cita a terminologia Alacridade como um regime
concreto e estável de relacionamento com real, é uma potência ativa, possibilidade de ser a alegria do viver,
e toma de Rousseau como “amável e terno” um sentimento positivo. SODRÉ. Muniz, Pensar nagô.
Petrópolis: Vozes, 2017.
83
31
As crianças entrevistadas, foram alunos/as do primeiro ano do ensino fundamental nesta mesma escola
onde o período destinado ao intervalo (recreio) é inexistente. Porém ao entrevistá-las, percebemos que a
falta deste rito escolar, quando seria a hora da interação com os colegas interfere na construção da cultura
lúdica, e que a brincadeira para elas é a sua atividade mais séria como nas palavras de Jean Château
(1987), pois através dela se apropria de conhecimentos que possibilitarão sua ação sobre o meio em que
se encontra.
84
Onde você mais gosta de brincar? Quais Em casa, na quadra, na rua, com professora... (Vinícius – 7 anos)
os lugares?
Na sala em “todo lugar” (Ana Sofia – 7 anos)
No quintal da minha casa e na rua, em todos os lugares depende da brincadeira porque aí se os colegas “tão”
juntos fica mais legal! (Lívia – 7 anos).
Em casa, na quadra, na rua, com a professora também dá pra brincar (Vinicius – 7 anos).
86
No quarto, porque minha mãe não deixa, ela disse que vai bagunçar (Ana Sofia – 7 anos)
Onde não dá para brincar?
No parque, porque minha avó me disse que no parque tem ladrão até no mato! (Emilly – 6 anos).
Na rua, porque vem muito carro e às vezes vem notícias que tem gente que pega criança (Júlio César – 7 anos).
Não, porque é chato, não tenho o que fazer (Luis Gulherme – 7 anos)
Não, meu irmão que cuida de mim só bate (Ana Sofia – 7 anos)
Você brinca com os adultos? (Pais, Brinco com minha avó, minha mãe com qualquer pessoa (Ana Sophia – 7 anos).
familiares entre outros...)
Eu brinco com o meu pai quando ele não chega do serviço cansado, com minha mãe é mais difícil porque ela só
fica na cozinha (Júlio César – 7 anos)
Brinco com minha mãe, meu pai, minha prima, mas é difícil por que eles trabalham e ficam falando que estão
cansados, aí eu brinco mais sozinha e com minhas amigas (Emilly – 6 anos).
Brincam de jogar bola (Luis Gulherme – 7 anos)
Não, mais ou menos, às vezes eu brinco de carrinho com meu pai (Vinícius – 7 anos)
Os adultos também brincam?
Brincam, mas sempre dão desculpa que estão cansados! (Emilly – 6 anos)
Minha mãe brinca, mas ela que quer escolher a brincadeira pra ficarsentada. (Samuel – 7 anos)
Brinquedo é com as pessoas “brinca”, Brincadeira é quando “pega” as pessoas quando elas correm (Luis Gulherme
– 7 anos)
Você acha que os brinquedos são Brinquedo é carrinho, brincadeira é quando a gente corre com os amigos (Vinícius – 7 anos)
diferentes das brincadeiras:
Brinquedo é boneca, bicicleta, brincadeira é de correr pular (Ana Sofia – 7 anos)
Na brincadeira a gente corre, pega, empurra o colega e diverte, o brinquedoé uma coisa que a gente usa para
brincar: boneca, bola, corda, slime... (Brenda – 7 anos)
88
Brinco, mas só no dia que a professora deixa levar um brinquedo, porque se eu levar outros dias ela toma o
Você brinca na escola? De quê?
brinquedo. (Brenda – 7 anos)
Sim, brinco de bola, mas só na educação física, porque na aula a professora briga. (Lucas – 6 anos)
Não sei, eu nunca fui em outra escola só nessa (Luis Gulherme – 7 anos)
Você gostaria que a escola deixasse Sim, porque no intervalo a gente pode brincar, lanchar, correr... (Ana Sofia – 7 anos)
um tempo de recreio para vocês
brincarem e lancharem com seus Sim, eu queria brincar lá fora, correr e lanchar com minhas amigas. Às vezes fico cansada de ficar sentada, a
colegas fora da sala de aula? professora só fica falando: “senta menino, senta, menina”, eu fico com dor de cabeça. (Emily – 6 anos)
Tia, eu nunca tive recreio. Desde quando eu entrei nessa escola só saímos nas aulas de educação física e pra comer
lá embaixo. Ficamos o tempo todo na sala, tem dia que eu nem vir pra escola porque eu fico cansado de ouvir a
professora gritar. (Samuel – 7 anos)
Eu queria sair da sala pra brincar, correr, comer o meu lanche que a minha mãe faz, aqui na escola nós só ficamos
na sala, a professora disse que se tivesse recreio a gente ia correr e quebrar o braço. (Brenda – 7 anos)
89
As falas das crianças podem falar por si só, mas elegemos algumas questões
na análise que possam dar mais estofo à Seção dos dados.
Na questão porque precisam brincar nos dão respostas, em sua maioria,
que variam entre ficar “forte “divertir”, “amam brincar” e, curiosamente, para não
ficar “enchendo o saco de seus pais”. Por essas falas, é fácil perceber que crianças de
pouca idade não conseguem apresentar em seus discursos, respostas mais elaboradas
como costumam fazer os teóricos do tema jogo, brincadeira, brinquedos ou sobre
ludicidade infantil.
Há teóricos que as dividem em “retóricas” (Sutton-Smith, 2017), outros que
qualificam como “rubricas” (Caillois, 1990; 2017), outros que preferem as palavras
“critérios” (Piaget, 1978), “princípios” (Rivière, 1996). Os nossos “teóricos” infantes
não ficam nada a dever em suas explicações, mesmo que suas respostas sejam curtas,
diretas e monossilábicas.
Do que mais gosta de brincar, há claro nas respostas dos meninos uma
preferência por brincadeiras que empregam movimento, carreira e depende de muita
energia para realizá-las. As meninas, por outro lado preferem as brincadeiras como
diria Le Breton “sedentarizadas”. Brincar de boneca nunca vai sair da moda, porque
além de expor o “sistema simbólico” uma relíquia piagetiana, ela mantém o status
quo do gênero feminino. Uma preferência atávica que as meninas preservam de
brincar com elas mesmas. O trabalho de Renata Misuzaki (2020) pode melhor dizer o
que os meninos realizam quando elegem brincar disso ou daquilo. Assim o esconde-
esconde e o pega-pega são preferências masculina, enquanto a casinha e as bonecas
são artefatos do território feminino.
Ao serem questionados sobre o brincar solitário, claramente, podemos
observar nas respostas que as crianças procuram atividades em grupo como declara
Jean Château (1987, p. 126) “o jogo é introdutório ao grupo social” a brincadeira
solitária considerada “chata” pode ter grande potencial socializador. A socialização
em grupo nos sugere a buscar meios (brinquedos e brincadeiras) para que haja
entretenimento. Kishimoto (1998) lembra que quando “a brincadeira tem a função de
perpetuar a cultura infantil, desenvolve formas de convivências sociais que nos
permite aflorar o prazer de brincar”. Podemos afirmar que de acordo com os teóricos
de sua lavra, Brougère (1998, p. 3) reforça que aprender a brincar é uma condição
90
Para dialogar com as palavras do professor Cleomar Gomes, trouxe aqui uma fala de uma das professoras, cujo nome será ocultado para
salvar sua identidade, conforme recomendações do Comitê de Ética. Assim ela se pronuncia, por ter vivido como professora na unidade em tela.
Respondendo ao questionário ela pode nos dar uma visão de como se sente, de como se vê e de como pode nos ajudar a entender essa escola sem
recreio.
A criança é um ser em pleno desenvolvimento, que tem emoções, desejos, constrói sua história, é polêmica,
engraçada, participam da sociedade, influencia o meio em que está, cria novas culturas. (Professora - A)
Como você define criança?
É uma pessoa no começo do desenvolvimento humano que está na infância. (Professora – B)
Elas brincam para se divertir. (Professora - A)
Porque as crianças brincam? Para socializar, fantasiar através de brinquedos, para expor os sentimentos, para movimentar. (Professora – B)
Nem sempre é correta. Se eu estiver em uma roda, com o objetivo de trabalhar a lateralidade, com algumas crianças
e uma delas não quiser brincar de roda, para essa criança não haverá nenhum aprendizado. (Professora - A)
É correta a afirmação de que é melhor
aprender brincando? Sim, através da brincadeira as crianças aprendem a dividir, deixar de ser egocêntricas, desenvolvem habilidades
físicas, motoras, afetivas, sociais. (Professora – B)
Partindo desta ótica, o ato de brincar fica muito chato. No espaço escolar o brincar está ligado diretamente a esse
racionalizar, em deixar mais coerente. O ato de brincar proporciona a diversão. (Professora - A)
Porque racionalizar o ato de brincar?
Porque aprende a conviver com o outro, desenvolve a linguagem, o pensar, a atenção da criança. (Professora – B)
94
Nem toda criança aprende brincado, um exemplo são aqueles dominós de matemática, que a meu ver é muito chato.
Se eu que sou adulta tenho essa impressão imagina a criança. (Professora - A)
Toda criança aprende brincando?
Não só a criança, como nós professores, pois através do brincar podemos ver como a criança é, a criança pode
brincar simplesmente pelo fato de brincar. (Professora – B)
Os fatores sociais e econômicos, tem um peso muito grande nesse limite. As famílias não conseguem proporcionar
novas oportunidades, como acesso à arte para as crianças. (Professora – A)
Quais fatores podem limitar a
aprendizagem de uma criança? Não só a criança, como nós professore, pois através do brincar podemos ver como a criança é, a criança pode brincar
simplesmente pelo fato de brincar. (Professora – B)
Na sua opinião, nós criamos as Há uma combinação nessa questão ou não, pois ora somos criadores e ora as brincadeiras criam quem somos. Mas
brincadeiras ou elas que criam quem para falar a verdade as brincadeiras criam quem somos. (Professora – A)
somos?
Elas que criam o que somos, as crianças fantasiam no seu mundo infantil. (Professora – B)
A brincadeira é para ser divertida, sem cobranças, sem a expectativa de aprendizagem. Ela pode ser um meio para
potencializar as aprendizagens, mas no universo infantil a criança está em desenvolvimento e acredito hoje, que não
Existe brincadeira onde se aprende mais,
tem brincadeira que a criança possa aprender mais ou menos. (Professora – A)
e brincadeiras que se aprende menos?
Tanto as brincadeiras em grupo como individual se aprendem, toda brincadeira se aprende, depende do objetivo da
brincadeira. (Professora – B)
95
Desde quando entrei para trabalhar nesta unidade já não havia recreio. A justificativa era que a unidade foi
construída em uma área íngreme e tinha muito obstáculos podendo machucar as crianças no recreio. Também a
Antes da pandemia, não havia o período diretora na época e a coordenadora diziam que as crianças não sabiam brincar, só corriam. Nesta época eu dava
de recreio na escola? Qual a justificativa aula para os menores ― educação infantil ― eu saía com as crianças em um espaço que tinha na frente da minha
dada pela escola? sala, brincava de corda, amarelinha também com os brinquedos que as crianças traziam. Mas quando as funcionárias
da limpeza passavam e me viam com as crianças, a coordenadora ou a diretora me chamava a atenção e pedia para
entrar. Utilizava a quadra também junto com o professor de educação física, ele deixava minha turma brincar em um
canto da quadra e não era advertida. Observei que depois que comecei a brincar na quadra, a turma do 4º ano passou
a fazer o recreio no estacionamento da escola, que é amplo, mas as crianças ficavam só sentadas conversando.
(Professora – A)
Na escola não tem recreio pela justificativa, por ter muito acidente com as crianças, pelo fato do corredor da escola
ter parte mais alta, ou seja irregular, muitas crianças machucavam, eu sou a favor do recreio não só para crianças
como geral nas escolas. (Professora – B)
Sim. Percebia que elas eram crianças de parede e de fila. Era engraçado e estranho ao mesmo tempo. Todas já
sabiam a dinâmica e as pessoas (funcionárias da limpeza) ficavam orientando as crianças. No momento que elas
As crianças demonstravam inquietação conseguiam extravasar era um alvoroço e desestruturava todos que ficavam na função de “poda” das crianças, mas
com a falta de vivência no recreio? acontecia com as crianças mais velhas a partis do 4º ano. (Professora – A)
As crianças não ficam quietas pelo fato de ter educação física na quadra, nos outros dias também tem vídeos de
desenhos, parquinho, e momento de lanchar na sala com os colegas (Professora – B)
96
Quando lecionei na educação infantil que foi a minha primeira turma na escola a atividade principal é o brincar,
esse foi a minha base para o meu trabalho com as crianças. As crianças brincavam de tudo, de massinha, de pecinhas
Em sua sala de aula, quais foram os de montar (de madeira ou lego), de brinquedos que traziam (pedia que todos os dias trouxessem brinquedos), tinha
meios utilizados nos momentos de o giz para brincar de na lousa, a corda, tinha uma caixa de figurinhas (recortes de revista e livros) tipo uma caixa
ausência de recreio? de coleções, tinha pedrinhas e pauzinhos que as crianças brincavam, e alguns brinquedos que a escola me deu como
dominós da adição (que acho um tédio) e 1 caixa de blocos lógicos incompleto. Sempre encontrava um tempo na
tarde para fazer o recreio com as crianças. Mas, quando assumi a turma do primeiro ano, foi bem cansativo, as
crianças ficavam agitadas, eu perdia quase meia hora de aula só pedindo para sentarem e prestarem atenção em
mim para fazer uma leitura deleite, confesso que às vezes até desistia da leitura e ia direto para a apostila.
Na escola tem; sala de vídeo parquinho brinquedos lúdicos para usar na sala dia de trazer brinquedos. (Professora
– B)
Claro que sim. Na hora atividade (dia do planejamento) muitos colegas falavam sobre o recreio. Lembro que um dia
a coordenadora falou que não ia ter o recreio mesmo, para professor ficar tomando café e ela ficar correndo atrás
de guri. (Professora – A)
Sim, as crianças precisam do recreio, acho de fundamental importância para as crianças. (Professora – B)
Você acha que se houvesse recreio, a
rotina escolar seria melhor?
97
Não são, infelizmente o recreio é vigiado, as crianças não têm a liberdade de brincar. Há o espaço amplo mas os
materiais não oferecido para as crianças. Parece que a escola não tem o interesse em investir neste momento. Os
Você considera que o espaço, os
professores não entendem que o recreio é para as crianças e não para os professores. Quando a criança não tem
equipamentos e materiais didáticos
oferecidos pela escola para o recreio recreio, legalmente está sendo “lograda” do seu tempo na escola. Coloco esse termo “lograda” pois é esse o
escolar são suficientes e adequados? entendimento que tenho quando esse tempo não é oferecido para a criança no espaço escolar que é feito para ela.
Que sugestão você faria para a escola? (Professora – A)
Acredito que pode vir a mudar uma vez que agora o diretor é professor de educação física, temos materiais para usar
e também espaços, mas nada se compara com o recreio, pois os alunos teriam contato com crianças de outras salas.
(Professora – B)
Não. As aulas começavam no horário certo, às 7h no período matutino e às 13h no vespertino, porém na saída os
horários eram adiantados em 15 minutos, saída 11h para 10:45h e 17h para 16:45. No caso da Educação Infantil as
A gestão escolar disponibiliza outro crianças saíam às 16h30m. (Professora – A)
momento de recreio/intervalo para os
professores durante a aula? Para os professores se quiser ir no banheiro, beber água, coisa assim, fica um funcionário na sala com os alunos
enquanto o professor sai da salsa de aula, já as crianças são chamadas para comer no refeitório por turma.
(Professora – B)
97
O uso, nas escolas maternais dos jogos educativos se justificam então pela
necessidade em que se encontra a criança de aprender logo o que é uma tarefa.
Ordenar cores, classificar etiquetas, dar laços, empilhar cubos, são igualmente
tarefas e jogos. Por meio delas, a criança aprende a fixar sua tenção, dominar
sua instabilidade natural, e a se esforçar enfim. Seria, de fato, impossível exigir
de uma criança de quatro e cinco anos um trabalho continuo; tal exigência não
pode ser feita antes que o sentido da tarefa seja completado. O jogo é o
vestíbulo natural do trabalho. (CHÂTEAU, 1987, p. 126).
32
Essas falas são recortes de uma tese de doutoramento em que investiga a utilização das brincadeiras e
dos jogos no interior da escola como recurso didático do processo ensino-aprendizagem. Tese defendida
em 2001, intitulada “Meninos e brincadeiras de Interlagos: um estudo etnográfico da ludicidade”.
98
Através dessas falas pode se ver que para as demandas das aprendizagens de foro
moral, social, cognitivo, motor ou simbólico, esses jogos e brincadeiras são e serão uma
boa companhia para nos pôr de pé aquilo que a retórica do progresso espera encontrar no
trato das disciplinas escolares. Está aqui o que chamamos de “a bossa dos jogos
educativos”. Se as crianças são capazes de transformar os significados dos objetos e dos
conteúdos sociais que assimilam junto aos adultos, é possível que possam também
descaracterizar o sentido original dado pelo adulto a uma brincadeira. Em síntese, o que
as crianças pensam sobre os conteúdos que exploram nem sempre corresponde àquilo que
os adultos acham. Brincar no recreio é importante, ser livre também.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
Nesta última seção do texto, os desvelamentos que surgem à luz das indagações
iniciais que se fizeram percorrer com os “caminhos dos tijolos amarelos”33 que situaram-
se as questões: Quais aprendizagens (intelectivas, motoras, afetivas, simbólicas e morais)
são expressas nas brincadeiras na ausência do recreio? A falta do recreio pode colocar as
crianças em condutas de risco quanto a sua cultura lúdica? A equipe gestora e professores
da escola detêm conhecimentos de atividades lúdico-recreativas destinadas a essa faixa
etária (6 a 7 anos)? que basearam-se nos esforços de construção teórica desta dissertação.
Ninguém esperava enfrentar um vírus tão devastador. A Covid-19 tornou-se uma
caixa de surpresas indesejada que poderíamos ter, os estudos sobre as interações sociais
face a face e a proxêmica de Edward Hall (2005) nos ajudaram não somente no
entendimento das relações interpessoais, mas, nos fizeram refletir sobre a importância do
contato com o outro.
No que diz respeito às crianças, participantes principais desta pesquisa, foram as
que mais sofreram no contexto pandêmico, de acordo com os estudos realizados pela
UNICEF34 conforme enunciado ― crianças de 6 a 10 anos são as mais afetadas pela
exclusão escolar na pandemia ― o panorama realizado expôs riscos de regressão em duas
décadas nos encaminhamentos estudantis, sendo que falar sobre criança abrange um
conteúdo maior que o escolar, o que queremos falar é que brincar é uma atividade
realizada que é validada por si mesma, é viva, é produto de uma cultura lúdica que prepara
para a vida futura.
Mediante estas considerações, supomos ser relevante enfatizar a importância do
recreio no desenvolvimento das crianças, tanto do campo cognitivo, afetivo, social ou
motor, bem como outras aprendizagens que se assegura às crianças. É importante destacar
a necessidade de a escola ofertar espaços e objetos para que aconteça o brincar, mesmo
em espaços-tempo de imaginação, pois as atividades lúdico-recreativas são elementos
33
Alusão à obra do Mágico de OZ, quando Dorothy e seu cachorro Totó são levados à terra mágica de Oz.
Um ciclone passa pela fazenda de seus avós no Kansas. Eles viajam em direção à Cidade Esmeralda para
encontrar o Mago Oz e no caminho encontram um Espantalho, que precisa de um cérebro, um Homem de
Lata sem um coração e um Leão Covarde que quer coragem. O Mago pede ao grupo que tragam a vassoura
da Bruxa Malvada do Oeste a fim de ganharem sua ajuda ― Sinopse do filme.
34
Informações extraídas no site: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/criancas-de-6-
10-anos-sao-mais-afetadas-pela-exclusao-escolar-na-pandemia em 16/8/2021.
102
35
Filme: “O fim do recreio de Vinícius Mazzon e Nélio Spréa, 2012 disponível no youtube
https://www.youtube.com/watch?v=t0s1mGQxhAI sinopse ― Felipe assiste no telejornal que um senador
desenvolveu um projeto de lei para acabar com o recreio nas escolas, como forma de aumentar a
produtividade nas crianças durante o tempo escolar. Indignado, comenta com seus colegas. Durante uma
brincadeira de esconde-esconde, encontra uma câmera da escola e começa a filmar o recreio: as rodas, a
corda, 1 os jogos de mão, e tudo o que para ele faz do recreio um momento importantíssimo; assim como
os depoimentos dos colegas sobre o projeto de lei. A inspetora descobre a “infração” de Lucas e o leva para
a diretora, em cujas mãos a gravação terá um final inesperado...
103
sua direção. Não basta estar no mundo, é preciso pegá-lo, virá-lo, torcê-lo, pintá-lo, dizê-
lo.
Impedir, dirigir, orientar, favorecer ou apenas observar a experiência lúdica
infantil significa se deparar com as inevitáveis incoerências geradas pelo desejo
prematuro de participar de um mundo que, do ponto de vista das crianças, é
permanentemente dominado pelos adultos. É provável que essa pesquisa juntamente com
as teorias que nos “iluminaram”, nos asseguram para que crianças, em estado lúdico,
tenham o privilégio de brincar, sem nenhum objetivo educativo aparente. Que seja
prioridade e que possa assegurar o seu caráter de liberdade, criação, alegria e
espontaneidade, aquilo Sutton-Smith (2017, p. 117) sustenta “o homem não inventou a
brincadeira. Mas é a brincadeira e somente a brincadeira que faz o homem completo”.
A visão de infância que conhecemos hoje, surgiu na modernidade, especialmente
no (séc. XVIII), no interior das classes médias, como nos assegura os estudos do
historiador Philipe Ariès (1981). Porém, até os dias atuais muitas crianças não desfrutam
do que as chamadas populações infantis possuem, principalmente do direto de brincar,
pois não há tempo e nem espaço em suas agendas tão abarrotadas de tanta obrigação. As
civilizações modernas acabam furtando esse espaço-tempo da criança de viver o
“presente”, em nome da preparação para o futuro, um tempo que ainda não lhes pertence,
negando, assim, à própria sociedade, a esperança de um futuro novo.
Desta forma a criança é vista apenas como um ser que um dia irá pertencer à
sociedade e não um ser que já faz parte dela, com suas particularidades, anseios,
necessidades. Supomos que somente decidir pela proibição deste momento de recreio,
que para algumas crianças pode ser o único tempo de brincar com seus pares, pode causar
impacto na construção da cultura lúdica infantil, e passaria a ser apenas um espaço-tempo
imaginário.
106
REFERÊNCIAS
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esprit. Paris: Le Seuil, 1977.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas.
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1999.
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CUIABÁ. Secretária Municipal de Educação. Escola Cuiabana: cultura, tempos de
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Print, 2021.
FRAGO, Antônio. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa.
2º Ed. Rio de janeiro: DP&A, 2001.
GEERTZ, C. The interpretations of cultures. Nova York, Basic Books, 1973.
107
APÊNDICES
109
13. Você acha que se houvesse recreio, a rotina escolar seria melhor?
14. Você considera que o espaço, os equipamentos e materiais didáticos oferecidos
pela escola para o recreio escolar são suficientes e adequados? Que sugestão você
faria para a escola?
15. A gestão escolar disponibiliza outro momento de recreio/intervalo para os
professores durante a aula?
110
Dados da EMEB
Nome da Escola:_________________________________________________________
Endereço:______________________________________________________________
Bairro:_________________________________________________________________
Telefone:________________ e-mail:_________________________________________
Data da fundação:______________________________________________________
Recursos multimídias:
Projetor de imagem. ( ) Sim ( ) Não. Quantos? _____________
Televisão. ( ) Sim ( ) Não. Quantas? _____________
Tablet. ( ) Sim ( ) Não. Quantos? _____________
Lousa Digital. ( ) Sim ( ) Não. Quantas? _____________
Caixa amplificadora de som. ( ) Sim ( ) Não. Quantas? _____________
Outros ________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Materiais Pedagógicos: ( ) Sim ( ) Não .
Quais?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
_____________________________________________________________
Prezados (as)
publicações realizadas a partir desta pesquisa serão apenas para fins acadêmicos. ESTE
DOCUMENTO GARANTE O ACESSO AOS RESULTADOS DA PESQUISA (PARA
OS PARTICIPANTES), BEM COMO O ACESSO AOS REGISTROS DOS
CONSENTIMENTOS SEMPRE QUE SOLICITADO. REFORÇAMOS QUE A
IMPORTÂNCIA DO CEP PARA O PARTICIPANTE DA PESQUISA É
SALVAGUARDAR A CONDUTA ÉTICA DA PESQUISA.
Os dados da pesquisa serão produzidos a partir da observação das atividades em
sala de aula e nos diversos espaços da EMEB, por meio de registros fotográficos e
videográficos, caderno de campo, entrevista e questionário. O acesso à análise dos dados
coletados se fará apenas pela aluna pesquisadora e seu orientador. O conteúdo das
informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo e os dados referentes aos
participantes serão confidenciais, onde serão usados para fins acadêmico-científicos e
inutilizados após a fase de análise dos dados e apresentação dos resultados finais na forma
de dissertação e artigos científicos para publicação.
O (a) Sr./Sra. não pagará e nem receberá nenhum dinheiro por participar desta
pesquisa. Estando ciente deste esclarecimento, solicitamos o seu consentimento de forma
livre para permitir sua participação nesta pesquisa, preenchendo os itens que seguem
abaixo. Este documento será assinado e rubricado pela pesquisadora e pelo (a) Sr./Sra em
duas vias, sendo que uma ficará em sua posse e a outra com a pesquisadora.
Sempre que necessitar, poderá pedir mais informações sobre a pesquisa pelo e-
mail: evalaurasfortes@outlook.com. Poderá também consultar o Comitê de Ética -
Humanidades (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso, coordenado pela Profa.
Drª Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, pelo endereço eletrônico
cephumanas@ufmt.br ou no endereço: Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2.367,
Instituto de Educação – sala 31, Boa Esperança, CEP: 78060-900. Sendo que o papel do
comitê de ética em pesquisa é salvaguardar a conduta ética da pesquisa.
O Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, tem a função de
desempenhar o papel consultivo e educativo em questões éticas de pesquisas envolvendo
seres humanos, estando à disposição para receber denúncias de abusos ou notificações
sobre fatos adversos ao projeto de pesquisa.
Estando ciente deste esclarecimento, solicitamos o seu consentimento de forma
livre para participar desta pesquisa. Em caso de recusa você não terá nenhum prejuízo em
117
Eu,_____________________________________________________________,
RG/CPF _________________________________, de forma livre e esclarecida, declaro
que me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Declaro ainda que
recebi uma via deste termo de consentimento e aceito participar do estudo como
participante e concordo com a divulgação dos dados obtidos neste estudo, de forma
anônima, bem como, declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios da participação
nesta pesquisa.
_____________________________________
Assinatura
______________________________________
Eva Laura Silva Fortes (PPGE/UFMT)
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