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67 A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019)1 The centrality of television fiction: Pay TV and VOD in Brazil (2005 - 2019) Ligia Prezia Lemos Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA – USP. São Paulo, Brasil. E-mail: ligia.lemos@gmail.com Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma visão panorâmica das alterações que ocorreram na TV Paga e em VOD no Brasil, no período de 2005 a 2019, e que acarretaram mudanças na produção, transmissão/distribuição, recepção, circulação e interação com a audiência da ficção televisiva seriada brasileira. Foram transformações estruturais que ocorreram a partir do incremento do Fundo Setorial do Audiovisual e da Lei 12.485/2011, chamada Lei do Serviço de Acesso Condicionado e que, em nosso país, surgiram quase em paralelo à propagação da tecnologia streaming, que suporta o VOD, em conjunto com maior velocidade e possibilidades de acesso à banda larga. Segundo levantamento e análise de dados, concluímos que a conjuntura deste ambiente comunicacional requer análises da ficção televisiva seriada a partir da alteração de sua polaridade situacional, ou seja, de acordo com sua cada vez maior e relevante centralidade. Palavras-chave: Ficção Televisiva Brasileira; TV Paga; VOD; Centralidade da Ficção Televisiva Seriada. Abstract: The objective of this work is to present a panoramic view of the changes that occurred on Pay TV and VOD in Brazil, from 2005 to 2019, that led to alterations in the production, transmission/distribution, reception, circulation and interaction with the Brazilian serial television fiction audience. These were structural transformations that occurred because of the budget increase of the Fundo Setorial do Audiovisual (Audiovisual Sectorial Fund) and Law 12,485/2011, called Serviço de Acesso Condicionado (Conditional Access Service Law) and that, in Brazil, took shape almost in parallel with the propagation of streaming technology, which supports VOD, together with greater speed and broadband access availability. According to data survey and analysis, we conclude that the conjuncture of this communicational environment requires examination of serial television fiction from the alteration of its situational polarity, meaning according to its increasing and relevant centrality. Keywords: 1 Artigo ancorado em pesquisa de pós-doutorado realizada na ECA-USP, com bolsa PNPD-Capes. Uma versão reduzida foi apresentada no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 68 Brazilian Television Fiction; Pay TV; VOD; Centrality of Serial Television Fiction. 1 Introdução O ambiente de produção, transmissão/distribuição, recepção, circulação e interação com a audiência da ficção televisiva seriada como um todo vem já há alguns anos passando por transformações substanciais no mundo inteiro. Em nossos estudos, tivemos a oportunidade de testemunhar um período excepcional no Brasil que certamente merece pesquisas e análises acadêmicas específicas e aprofundadas, notadamente por seu teor impactante em termos de categorias teóricas de análise, modificadoras e reorganizadoras de metodologias e técnicas de pesquisa em nosso campo de estudos. Em vista disso, o objetivo do presente artigo é compartilhar alguns achados de nossa pesquisa referentes à produção brasileira de ficções televisivas seriadas para além da TV aberta, isto é, na TV Paga e em VOD2, no Brasil. Em termos metodológicos, o período temporal observado abrange 15 anos – de 2005 a 2019. Realizamos levantamento, cruzamento de dados, mapeamento e análise de um lócus de alta complexidade em que se insere a ficção televisiva seriada brasileira, cuja circulação indica movimentos por inúmeras redes que se interpenetram e geram cenários heterogêneos, pouco explorados, para abrigar gêneros e formatos antes restritos às mídias analógicas. Atualmente o espaço midiático reticular vem se fortalecendo cada vez mais, reformulando – e criando – recipientes (continentes) por onde passou a circular a ficção televisiva (o conteúdo). Este ambiente televisivo nos instigou a observar mutações a partir de análise de sua complexidade, que certamente inclui a TV aberta, mas que também propõe distintas configurações de produção, transmissão/distribuição, circulação, recepção e interação com a audiência. Assim, trazemos a seguir breve estruturação teórica, seguida de argumentação empírica relativa aos achados do estudo. 2 O VOD, video on demand – no Brasil também chamado de vídeo sob demanda – é um sistema de distribuição de mídia que potencializa a circulação de conteúdo e consumo audiovisual para usuários de tecnologias móveis, TVs e computadores pessoais. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 69 2 Estruturação teórica Em termos gerais, há uma necessidade de ancorar nossa pesquisa em visões estruturais – e não apenas factuais – para realizar uma busca por novos "lugares metodológicos" (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 4). Estamos, portanto, aportados em um lócus específico no mapa das mediações proposto por Martín-Barbero (2009b) em que as lógicas de produção mobilizam indagações sobre estruturas empresariais, competências comunicativas e concorrência tecnológica. Através desse mapa, compreendemos que as estruturas empresariais (dimensões econômicas, ideologias profissionais e rotinas produtivas) estão relacionadas a uma geografia de redes e cenários complexos, que já se encontram quase que totalmente transformados. As competências comunicativas (capacidade de construir públicos, audiências e consumidores), em diálogo com a dimensão anterior, também se mostram confortavelmente instaladas em espaços amplamente digitalizados. E a dimensão da competitividade tecnológica, fundamental para a inovação dos formatos industriais por meio das tecnicidades, estimula ainda mais o persistente giro desta roda. As mediações das tecnicidades motivam experiências em sistemas semióticos, pois tecnologia vai além de meios e processos, e relaciona-se às próprias dinâmicas sociais, sendo um “âmbito” potente de linguagens e de ações, tanto de “dinâmicas sociais, políticas e culturais, quanto de interrogações sobre o que significa ‘o social’ hoje” (MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 148). Por essa razão, “estamos necessitando pensar o lugar estratégico que passou a ocupar a comunicação na configuração dos novos modelos de sociedade” (MARTÍN-BARBERO, 2009b, p. 13). Sabemos que a ficção televisiva brasileira provém da matriz cultural do melodrama, gênero que passa pelas lógicas de produção envolvidas em sua concepção e apresenta uma relação que está em intenso processo de transformação entre essas e seus formatos industriais. Para Martín-Barbero (2009b), a intermedialidade, a fronteira, são locais da comunicação, nascedouros de novas linguagens que se testam e se experimentam. A ficção televisiva seriada brasileira – com significados que ultrapassam a narrativa audiovisual, atingindo conversas e discussões permanentes, on-line e off-line, sem distinção entre as pessoas quanto a classe, idade, sexo ou região a que pertence – coloca em circulação INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 70 conversas e debates no cotidiano contemporâneo do país e, recentemente, passou a se expandir e a se experienciar em telas e plataformas múltiplas. Diante de um fenômeno em que paradigmas anteriores parecem não mais alcançar, nos vimos em busca de contemplar nosso objeto a partir de maior complexidade (MORIN, 1991; 2000; 2009); (SANTOS, s/d); (BAUMAN, 2001). O processo de convergência tecnológica (JENKINS, 2009); (CASTELLS, 2003a; b; c); (BAUMAN, 2001); (WOLTON, 2000) inaugurou novas relações entre atores sociais – individuais e coletivos – no que se refere aos meios de comunicação, especialmente em termos de linguagem das mídias que dinamizam uma profusão de campos sociais. Vivemos e atuamos em um ambiente de plenitude de convergência de mídias e, além disso, de associação entre os setores de telecomunicações e audiovisual (LADEIRA, 2017a), com certa reorganização do discurso audiovisual a partir de possibilidades oferecidas por software, essencial ao processo de digitalização. Ora, não é possível pensar em streaming3, por exemplo, sem pensar em uso de tecnologias e suas consequências, amplas inclusive em termos de narrativas. Historicamente, houve uma dependência tecnológica para o cinema, da fotografia; e para a televisão, dos pulsos elétricos. Atualmente, com reorganizações no interior dos discursos audiovisuais, as alterações são para uma dependência de software, instrumento essencial ao processo de digitalização, em ambos os meios, cinema e televisão: “a reorganização proporcionada pelo vínculo intensivo com tecnologias de informação irá depender não dos serviços com origem na televisão, mas de empreendimentos de telecomunicações e dos recursos que manuseiam” (LADEIRA, 2017a, p. 5). Por isso, a televisão tende irremediavelmente a ser um negócio totalmente digital e on-demand. Em termos de estudos de produção estamos diante do que Ladeira (2017b, p. 3) considera “uma dimensão do audiovisual que se desdobra a partir de formas pregressas, já bem constituídas, em direção a outras, em um processo de tentativa e erro” que considera uma região turva em que uma variedade de personagens está interessada em atuar. Assim, o tráfego de conteúdo extrapola o televisor e se apropria de técnicas e ferramentas antes restritas apenas aos computadores; e o protocolo de internet (IP) possibilita a expansão e onipresença da imagem (MANOVICH, 2001; 2005). Antes de 3 Streaming é a transmissão e fluxo de dados pela internet, a partir de conexão de alta velocidade. A tecnologia do streaming é amplamente utilizada para consumo de música, jogos e VOD. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 71 pensar em expansão mesma do conteúdo, Manovich (2013) já pergunta o que é afinal a mídia depois do software. As plataformas de streaming tendem a expandir continuamente a ficção televisiva seriada para novos mercados consumidores, além de estimularem nos polos produtores o surgimento de estratégias criativas como, por exemplo, o uso de temáticas locais, com aspectos de universalidade. A era da televisão distribuída pela internet (LOTZ, 2018) vem transfigurando a forma como os conteúdos televisivos são produzidos, distribuídos, consumidos e, principalmente, como nos relacionamos socialmente considerando os avanços das tecnologias de comunicação. Se, para Lotz (2007), desde os anos 90 a Post-Network Era indicava “novos modos de criação, produção e distribuição das narrativas ficcionais seriadas” hoje este ambiente já extrapolou todas as previsões e essa outra ordem, outra lógica, estranha à anterior, se amplia ainda além das relações tecnológicas para uma autêntica acepção de tridimensionalidade, que envolve ativamente o espectador desde sua estrutura, no sentido em que Eliseo Verón (2003, apud CAVENAGHI et al, 2016, p. 374) considera que o telespectador “dá as cartas” do contrato comunicativo, a partir de seus modos de reconhecer o discurso. Sobre este ponto, Orozco Gómez pontua que a mediação comunicacional contemporânea leva as audiências da recepção para criação, produção e também emissão. Porém, ressalta que desigualdades “culturais e políticas, de gênero e de idade” fazem com que alguns setores da audiência se situem “mais em uma dimensão do que outras, enquanto outros se localizam em todas” (2014, p. 55-56). Os paradigmas metodológicos, consequentemente, também pedem um olhar mais atento. Por essa razão, as técnicas de observação, coleta e visualização de dados de tal objeto de estudo necessitam, não de ser revisadas, mas sim, recriadas. Buscamos, assim, estar em consonância com reflexões teóricas acuradas, quase clássicas, no sentido de abarcar o conteúdo da ficção televisiva brasileira, esparso e expandido, fragmentado, sem que nos percamos por encruzilhadas de diferentes mídias e plataformas (BORDWELL, 2009; LACALLE, 2010; SCOLARI, 2009; FECHINE, 2014). Cumpre sublinhar que, pela particularidade do objeto, poderíamos crer que a produção e a exibição de ficção televisiva seriada brasileira nos canais de TV Paga e em VOD possam ter um caráter diferenciado, voltado para uma audiência muito INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 72 restrita em conformidade com o conceito de distinção de Bourdieu (2007). Porém, em nosso país, a obrigatoriedade do cumprimento das cotas da Lei do SeAC4, aliada à circulação de conteúdos inclusive pela TV aberta, nos leva e relativizar tal fato. Caso contrário, seria de se esperar que o conteúdo de qualidade, o melodrama de qualidade, só seria acessível na TV Paga, o que no Brasil não corresponde à realidade, tendo em vista a reconhecida e competente produção da TV aberta. O que temos são novos modos de assistir ficção televisiva e que, no caso de nosso objeto de estudo, em algumas dessas ocasiões, solicita investimento financeiro da audiência. Outro ponto relacionado seria o investimento em qualidade do conteúdo (GRECO, 2013; RUBIN, 1981, 1984; XUE, 2014), pois a alta dispersão de possibilidades de assistência estimularia o mercado a competir também nesse aspecto. A problemática de nosso objeto de estudo, entretanto, envolve uma aproximação de cunho eminentemente metodológico de levantamento, categorização, manuseio e visualização de dados ainda não devidamente testado e aprofundado, a ponto de podermos indicar que a literatura produzida no Brasil resulta pequena. Com isso em mente, propomos como resultados da análise de dados de nossa pesquisa algumas conclusões: (1) Comprovação do impacto da Lei 12.485 na produção de ficção televisiva brasileira ano a ano e consequente desenvolvimento das produtoras independentes – e incremento do mercado de trabalho. (2) Comprovação de que o crescimento e desenvolvimento das produtoras independentes e da produção de ficção televisiva na TV Paga preparou o mercado produtor para atender rapidamente às demandas criadas pelo VOD, o que permitiu uma resposta rápida do setor em termos de produção. (3) Proposta metodológica da centralidade da ficção televisiva como ponto fulcral de desdobramento metodológico para análises de criação, “No dia 12 de setembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.485 (nova Lei de TV por Assinatura ou Lei do Serviço de Acesso Condicionado - SeAC) que criava novas regras para o serviço de TV Paga, alterando radicalmente o mercado. A nova lei previa mais canais com conteúdo brasileiro além de cotas de produção nacional em canais brasileiros e estrangeiros. Os objetivos eram “aumentar a produção e circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, diversificado e de qualidade, gerando emprego, renda, royalties, mais profissionalismo e o fortalecimento da cultura nacional” (BARROS e RICHTER, 2013, p. 317). A regulação e fiscalização das atividades de programação e de empacotamento do SeAC ficaram a cargo da ANCINE (Agência Nacional do Cinema)” (LEMOS, 2015, p. 7). 4 INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 73 distribuição, circulação e de interatividade com a audiência, o que indica que utilizar apenas as antigas classificações baseadas nos meios ou plataformas de exibição estão aos poucos se tornando obsoletas. Com o objetivo de explanar sobre essas conclusões da pesquisa, trazemos a seguir argumentação – com base empírica – relativa aos três pontos apresentados acima. 3 Caminhos empíricos Para pesquisadores da ficção televisiva seriada, é notável que a antiga estabilidade das produções realizadas e transmitidas usual e historicamente apenas pela TV aberta deu lugar a um ambiente televisivo que certamente a inclui, mas que também propõe distintas configurações de produção, transmissão/distribuição, recepção, circulação e interação com a audiência. Em termos amplos a ficção televisiva pode ser produzida e transmitida/distribuída: a. Pelos próprios canais de TV aberta, isoladamente ou em coproduções; b. Pelos canais brasileiros e estrangeiros de TV Paga, isoladamente ou em coproduções; c. Na web, pelos sites e aplicativos da TV aberta e da TV Paga; pelos canais e aplicativos on-demand (VOD), como a Netflix (SVOD), por exemplo; ou redes sociais de compartilhamento de vídeo, como YouTube ou Vimeo, por exemplo; d. Pelas produtoras independentes, isoladamente, em coproduções, ou por meio de editais públicos para produção e distribuição. No que se refere à TV Paga, é relevante frisar que nos últimos anos todas as operadoras no Brasil vêm continuamente perdendo assinantes e ainda não é possível prever a recuperação deste mercado, inflado de regulações, restrições e alguns modelos de negócio ultrapassados. Por outro lado, uma dessas regulações, as cotas de conteúdo, se converteram no principal estímulo para o crescimento das produtoras independentes e, consequentemente, para o desenvolvimento quantitativo da ficção televisiva brasileira, principalmente na TV Paga, conforme apontam nossos dados. Lamentavelmente, as cotas de conteúdo estão previstas para durarem apenas até setembro de 20235. 5 POSSEBON, Samuel. Qual o futuro da TV Paga no Brasil? Teletime, 04/02/2020. Disponível em: <https://teletime.com.br/04/02/2020/qual-o-futuro-da-tv-paga-no-brasil/>. Acesso em: 08/02/23. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 74 Mas, o cenário em que se insere nosso estudo passa constantemente por alterações. Lembramos que, depois de um período de cinco anos (de 2010 a 2014) de crescimento constante e de ampliação do acesso de assinantes das classes C e D, o mercado de TV Paga no Brasil demonstrou nos cinco anos seguintes (de 2015 a 2019) um importante decréscimo em sua base de assinantes residenciais, que perdura até hoje. Essa queda na base de assinantes – com números em 2019 semelhantes aos do ano de 2012 – estaria relacionada aos seguintes fatores: a. concorrência com serviços de VOD, mais baratos e sem que o assinante tenha compromisso com a grade de horários; b. implantação da TV digital, que oferece a TV aberta com melhor qualidade de som e imagem (no país, muitos assinavam a TV Paga para ter melhor qualidade de imagem dos canais abertos); c. queda de poder aquisitivo da população brasileira; d. maior facilidade de pirataria de conteúdo; e. novos hábitos de consumo; f. inadequação da própria TV Paga como produto direcionado às atuais características do mercado. Já no que se refere aos serviços de VOD, avançando em sentido oposto, o número de plataformas no Brasil se amplia continuamente, conquistando cada vez mais oportunidades e, se em 2012 eram 19, no ano de 2019 já havia 85 plataformas de VOD registradas na Ancine. Vale abrir um parêntesis para mencionar que, apesar do evidente crescimento, o setor segue até o presente esbarrando em contínuos e aparentemente insolúveis problemas regulatórios e de tributação. Assim, a ficção televisiva brasileira em 2020 encontrava espaço e se difundia digitalmente, tanto de maneira relacionada com a produção da TV aberta, em forma de conteúdo expandido de telenovelas e séries, como no GloboPlay, por exemplo; quanto de forma independente em webseries, como no YouTube ou Vimeo e; ainda, por serviços de filmes e séries via streaming, como Netflix, HBOMax, GooglePlay, entre outros. Este polo produtor múltiplo e entrelaçado alimenta uma pluralidade de opções de consumo de produções audiovisuais e é resultado direto da expansão da internet e tecnologias reticulares. No período observado, a conformação da ficção televisiva seriada brasileira para além da TV aberta esteve majoritariamente relacionada a questões ligadas ao INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 75 Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)6 em conjunto com a Lei 12.485, pois estas reorganizaram o mercado audiovisual em nosso país, com novas experiências, projetos e iniciativas independentes. Avançando em nossa análise, quanto ao primeiro ponto – a comprovação do impacto da Lei 12.485 na produção de ficção televisiva seriada brasileira ano a ano e consequente desenvolvimento das produtoras independentes, com incremento do mercado de trabalho – podemos afirmar que, no decorrer dos 15 anos observados, houve um período excepcional para a ficção televisiva brasileira. Este período ocorreu entre 2011 e 2019, na TV Paga e, a partir de 2016, como sua clara e expressiva consequência, em VOD em nosso país. Um desenvolvimento capaz de impactar categorias teóricas e, principalmente, metodológicas de análise. É preciso enfatizar que a Lei 12.485 criou novas regras para o serviço de TV Paga, alterando radicalmente o mercado, que foi obrigado a ir se ajustando pouco a pouco, conforme as etapas da Lei iam sendo aplicadas. Assim, se até 2011 tínhamos na TV Paga brasileira de dois a cinco canais brasileiros e estrangeiros produzindo e/ou exibindo ficção televisiva brasileira, com a Lei, esse número teve um crescimento importante, e em 2018 já tínhamos 14 canais oferecendo ficção televisiva seriada brasileira, conforme podemos observar no Gráfico 1. Uma perspectiva interessante que circunda a questão diz respeito à Legislação como fator criador de cultura. Pois a questão das cotas de conteúdo na TV Paga alterou profundamente o setor produtivo e as produtoras independentes, seus artistas e técnicos passaram por fortes mudanças em termos de quantidade e qualidade de trabalho. Para Bitelli (2004, p. 60), “o direito, quer enquanto ciência, quer enquanto norma, não deixa de se configurar numa manifestação cultural de um povo dotado de uma nação”. Por outro lado, os aspectos legais vindos com a criação da Ancine, do FSA e da Lei 12.485 geraram também o surgimento e crescimento de novas audiências. Tal movimento dinâmico, constante e ascendente foi interrompido em um primeiro momento por alterações de cunho político e institucional e, em um segundo momento pela pandemia 6 O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) foi instituído pela Lei 11.437, de 28 de dezembro de 2006; regulamentado pelo Decreto 6.299, de 12 de dezembro de 2007; e lançado em 4 de dezembro de 2008, pelo Ministro da Cultura Juca Ferreira e pelo Diretor Presidente da Ancine, Manoel Rangel. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 76 da Covid-19. Tal interrupção, certamente, gerará consequências cuja visão panorâmica poderá ser melhor analisada em um futuro próximo. Gráfico 1 – Canais/plataformas produtores/exibidores de ficção televisiva brasileira – TV Paga e VOD – Fonte: Própria autora. No período de 15 anos observado, portanto, o número de canais na TV paga que exibem ficção televisiva brasileira cresceu uma média de 550%, com uma curva predominantemente ascendente, sendo que o pico se deu no ano de 2018 com os 14 canais mencionados acima, brasileiros e estrangeiros: Canal Brasil, Comedy Central, Disney Channel, Fox, GNT, HBO, History Channel, Multishow, Prime Box Brasil, Sony Brasil, Space, TBS, TNT, Universal. O ano inaugural da produção de ficção televisiva seriada brasileira inédita em VOD foi 2016, quando iniciamos o monitoramento. Então, apenas duas plataformas as exibiam: Netflix e Globoplay, situação que perdurou pelos dois anos seguintes. Em 2019 registramos crescimento e, aos dois grandes em nosso país, se somaram Prime Video, HBOGo, Multishow Play e HistoryChannel. A expansão da ficção televisiva brasileira pelos canais brasileiros e estrangeiros da TV Paga, e pelos canais e plataformas de VOD nos estimulou a questionar práticas metodológicas referentes ao levantamento da circulação dessa ficção televisiva brasileira expandida. Por essa razão, utilizamos como vetor de entrada em nossa classificação a data de estreia em determinada plataforma ou canal: uma INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 77 produção que fosse distribuída/transmitida por diferentes meios, teve, então, sua data de estreia considerada como basilar para que fosse inserida em nosso levantamento como pertencente à TV Paga ou VOD. Quanto ao segundo ponto – a comprovação de que o crescimento e desenvolvimento das produtoras independentes e da produção de ficção seriada televisiva na TV Paga preparou o mercado produtor para atender às demandas do VOD, o que permitiu uma resposta rápida do setor em termos de produção – a ficção televisiva brasileira encontra espaço e passa a se difundir digitalmente, tanto de maneira relacionada com a produção da TV aberta ou por serviços de VOD de filmes e séries via streaming ou mesmo de forma independente. Neste sentido, o número de serviços de VOD no Brasil se amplia e conquista cada vez mais oportunidades competitivas. No que diz respeito ao crescimento do número de obras de ficção televisiva seriada brasileira nos canais da TV Paga (Gráfico 2), a série histórica mostra uma curva ascendente, com crescimento médio de 1200% neste período de 15 anos. Desde a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 29 (PL-29) que em 2007 propunha reformas na TV Paga brasileira – e que resultaria na Lei 12.485 – já começávamos a observar os primeiros experimentos e testes no sentido do crescimento da produção e exibição de conteúdo nacional na TV Paga. O canal Multishow da Globosat, por exemplo, lançou ainda em 2005 a série Cilada (que perdurou por seis temporadas, até 2009) e no mesmo ano, a HBO também coproduziu a série brasileira Mandrake. Em 2008, já eram quatro canais investindo em ficção televisiva brasileira, e isso antes da implantação da Lei: Multishow, com a quinta temporada de Cilada; HBO, com Alice; Fox, com 9mm São Paulo; e GNT, com Dilemas de Irene. Com a Lei então já em vigor, no ano de 2014 computávamos a notável estreia de 34 ficções televisivas seriadas brasileiras inéditas distribuídas por 10 canais da TV Paga brasileira: Multishow, GNT, HBO, Fox, Sony, Viva, MGM, MTV7, Canal Brasil, e +Globosat. Os dados comprovam a relevância do estímulo à produção nacional e independente alcançados com as políticas de cotas de conteúdo. 7 A MTV surge como TV Paga após a devolução da marca MTV pelo Grupo Abril, que a manteve no ar na TV aberta no Brasil por 23 anos, pela extinta MTV Brasil. No ano de 2014 o canal levou ao ar a série Copa do Caos. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 78 Gráfico 2 – Ficção Televisiva Seriada Brasileira – TV Paga e VOD – no Brasil, por ano Fonte: Própria autora. Quanto à presença da ficção televisiva seriada brasileira em plataformas de VOD, a pequena série histórica, de apenas quatro anos, já revelava sua força e vitalidade. Com duas produções exibidas no primeiro ano – 3% (Netflix, 2016) e Supermax (Globoplay, 2016) – já saltou para 27 em 2019, número de ficções superior ao da TV Paga naquele ano. Em outras palavras, a ficção televisiva brasileira em VOD cresceu 1250% em quatro anos, desenvolvimento que a TV Paga demorou muito mais tempo para conquistar. Nos parece evidente que a indústria produtiva do audiovisual brasileiro passou por alterações importantes depois da implantação da Lei, especialmente pela obrigatoriedade de cotas para produção nacional e para produtoras nacionais independentes que, desde meados da década de 2010, passaram a apresentar expressivo crescimento e investimento na qualidade de algumas produções. A partir da Lei, portanto, foi possível observar transformações estruturais tanto no mercado de trabalho, com a migração de profissionais da publicidade e do cinema para a TV e com o aumento de estágios, cursos técnicos e de especialização em áreas como roteiro, interpretação, direção, iluminação, efeitos especiais; quanto no fortalecimento da criação e exibição do formato de ficção televisiva seriada no país. Quanto ao terceiro ponto – proposta metodológica da centralidade da ficção televisiva seriada como ponto fulcral de desdobramento metodológico para análises referentes à criação, distribuição/transmissão, circulação e interação com a INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 79 audiência, o que indica que utilizar apenas as antigas classificações baseadas nos meios ou plataformas de exibição estão aos poucos se tornando obsoletas – entendemos que os paradigmas metodológicos pedem um olhar mais atento, principalmente se levarmos em conta questões que envolvem a digitalização/software e as novas formas de recepção e circulação da ficção televisiva seriada. Enfatizamos a necessidade de documentar processos relacionados à disseminação da ficção televisiva seriada brasileira por e em diferentes ecossistemas midiáticos, ou seja, descrever tal expansão por um ambiente mutável, fragmentado e entretecido. A presente pesquisa está amparada na percepção de que há atualmente uma centralidade do conteúdo (a ficção televisiva brasileira) extrapolando a categorização usual, ancorada apenas na mídia per se, por exemplo, a TV8. Segundo a Kantar Ibope Media, entre os 10 conteúdos originais de VOD que mais geraram impressões no Twitter no ano de 2019 – quando fechamos o estudo – estava a série brasileira Coisa mais linda (Netflix, 2019); e entre os gêneros que mais geraram impressões, séries e novelas estavam em segundo e terceiro lugar, respectivamente. A potência da ficção televisiva seriada brasileira, e da telenovela em particular, segue apresentando números impressionantes e, ao acompanhar o movimento da TV aberta em direção a soluções e estratégias de VOD, pode-se dimensionar com mais precisão a tendência futura do setor. Qualquer telenovela inédita ou em reprise, pode estar disponível em transmissões pela TV aberta, analógica ou digital; em certos casos, ter seus capítulos no YouTube; pode estar disponível em canais da TV Paga, como o Canal Viva, por exemplo; e acessível em plataformas de VOD. As ramificações de produção, assistência e acesso derivam da própria ficção, e não mais dos canais e horários fixos de exibição. A metodologia de monitoramento das obras de ficção televisiva seriada precisa ser repensada para englobar a experiência transmídia que faz parte dos conteúdos atuais e que os encaminha para essa centralidade que propomos. As ramificações da Sendo que, atualmente, nem a própria TV permanece a mesma: “atualmente a TV é uma fusão de experiências audiovisuais oferecidas por PCs, laptops, smartphones, tablets, consoles de games, set-top boxes e DVRs conectados à Internet – sem esquecer, claro, dos televisores em si. Além disso, essas experiências são oferecidas de modo linear, com serviços de time-shifting, place-shifting, catch-up TV e TV sob demanda”. Ver: ASQUITH, Richard. Da TV para… a TV. Kantar Ibope Media. Artigos & Papers. 04/11/2016. Disponível em: <https://kantaribopemedia.com/conteudo/artigos-papers/da-tvpara-a-tv/>. Acesso em: 30/01/2023. 8 INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 80 ficção seriada televisiva englobam produção, distribuição, recepção e, principalmente circulação e interatividade. Apenas para exemplificar uma das obras que integram o período pesquisado neste estudo trazemos a série Me chama de Bruna (Fox Premium, 2016). O primeiro ponto que nos chama a atenção na própria escritura deste artigo é a quão redutora pode ser essa informação entre parêntesis, logo após o título que nos comunica o canal de TV Paga e o ano de estreia da obra. Me chama de Bruna estreou em 08/10/2016 na Fox Premium. Inspirada na vida de Raquel Pacheco (interpretada pela atriz Maria Bopp), retrata a história de uma adolescente de classe média que foge de casa e passa a trabalhar em um bordel em São Paulo. Ambição, novas emoções e busca por independência, levam Raquel a se transformar em Bruna Surfistinha, uma das garotas de programa mais conhecidas da cidade. A segunda temporada estreou em 22/10/2017, a terceira, em 07/12/2018 e a quarta temporada, lançada já no fim do período pesquisado, estreou em 13/12/2019. Todas as temporadas tiveram oito episódios cada. A série estreou em VOD em 2019 no GloboPlay e FoxPlay. Atualmente está disponível no Star+ e Prime Video. Antes da série tivemos o filme Bruna Surfistinha (TV Zero, 2011) em que a personagem foi interpretada pela atriz Deborah Secco. O filme foi baseado no best-seller autobiográfico O Doce Veneno Do Escorpião: o Diário de uma Garota de Programa, de Raquel Pacheco, que, por sua vez, foi inspirado no Blog da autora, iniciado em 2005 e também chamado de Bruna Surfistinha, onde ela contava seu dia a dia como garota de programa. Este último ainda inspirou uma série de três vídeos, lançados em DVD em 2006, chamado 3X com Bruna Surfistinha. Em 2006 e 2007 a autora lançou dois outros livros. Temos, portanto, o que podemos chamar de universo narrativo Bruna Surfistinha (Figura 1). INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 81 Figura 1 – Universo Bruna Surfistinha – produtos e mídias/plataformas Fonte: Própria autora. Neste universo, se observarmos apenas os produtos audiovisuais, temos a presença de dois formatos, sendo dois filmes e uma série; e quatro janelas diferentes de exibição, (1) salas de cinema, (2) DVD, (3) dois canais de TV Paga e (4) quatro serviços de VOD. Até aqui estamos abordando apenas o polo da produção. Se adentrarmos em recepção e interatividade com usuários, em fandoms e redes sociais abertas, com expressivo conteúdo gerado pelo usuário o universo narrativo se amplia exponencialmente. Face ao exposto, entendemos que o ambiente que se apresenta em termos de distribuição, circulação e interatividade – e que se ampliou sobremaneira durante e depois da pandemia de Covid-19 – necessita de estudos metodológicos que permitam encontrar abordagens acadêmicas cada vez mais abrangentes e realistas. Estamos frente a um ambiente comunicacional que requer análises a partir de certa alteração de polaridade situacional, ou seja, de acordo com a presente e relevante centralidade do vídeo e, consequentemente, da ficção televisiva seriada. 4 Considerações Finais Por meio de nossa investigação, compreendemos que os processos de crescimento e estabilização da produção de ficção televisiva seriada brasileira na TV Paga e em VOD significaram uma espécie de bolha de desenvolvimento e distribuição INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Ligia Prezia Lemos. A centralidade da ficção televisiva: TV Paga e VOD no Brasil (2005 - 2019). p. 67-85. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp67-85 82 desses conteúdos brasileiros. O período de 15 anos estudado, de 2005 a 2019, se inicia com os primeiros passos no sentido de estimular o setor e se encerra em um momento de vitalidade e pujança de todos os atores envolvidos no processo – apesar do início de certo desmonte no setor, por razões políticas (as quais não nos deteremos neste artigo). Desafortunadamente, essas políticas somadas à pandemia de Covid-19 que se instalou logo a seguir ao período estudado trouxeram consigo alterações nas tendências e projeções que vinham sendo desenvolvidas e causaram reviravoltas referentes à expansão da ficção televisiva seriada brasileira por diferentes mídias e plataformas. Para Morin (2020) as futurologias do século XX fracassaram e, diante de momentos de excepcionalidade, para compreender o presente, é preciso ativar em nós as qualidades do pensamento complexo, ou seja, confrontar, selecionar e organizar os conhecimentos de forma adequada, ao mesmo tempo religando-os e integrando-os às incertezas. Hoje, um desafio que se apresenta se refere a analisar com profundidade se a centralidade do conteúdo e a instituição e expansão da ficção televisiva seriada brasileira pela TV Paga e plataformas de VOD significaram um alargamento do acesso para a audiência brasileira em geral ou se apenas se referem a uma fragmentação das mídias, que seguiria perpetuando modelos anteriormente já vistos. Para encerrar, podemos afirmar que a pandemia realmente encerrou o ciclo que vínhamos pesquisando e inaugurou outro, que certamente merecerá novos estudos e pesquisas. Porém, o certo é que já estávamos diante de um fenômeno em que paradigmas metodológicos anteriores pareciam não mais alcançar. REFERÊNCIAS ASQUITH, Richard. Da TV para… a TV. Kantar Ibope Media. Artigos & Papers. 04/11/2016. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/da-tv-para-a-tv/>. Acesso em: 05/02/23. BARROS, Bruno de; RICHTER, Daniela. 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