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O Bordado Madeirense Discente: Giulia Monjardim Docente: Francisco Queiroga U.C: Arqueologia Moderna e Contemporânea 2022/2023 2 Dedico este trabalho à Maria Serrão de Agrela, minha bisavó, Eliza Serrão de Agrela e Maria Gorete da Silva, minhas tias, bordadeiras e madeirenses, que com seus lindos bordados, deram-me o grande prazer e gosto de escolher este tema. Resumo: O seguinte trabalho aborda os âmbitos que envolvem o bordado feito na Madeira, desde sua história até suas técnicas. Palavras-chave: Arqueologia; Bordado; Madeira; Abstract: The following work serves to describe the process and manufacture, as well as the History behind the famous Madeiran embroidery. Key-words: Archaeology; Embroidery; Madeira; 3 Índice: 1. Introdução…………………………………………..………………………….………..4 2. Contexto Histórico………………..……………………………….………….………4 3. A Organização do trabalho: Dos intervalos domésticos aos bordados industriais………………………………………………………………………………….6 4. Os Materiais……………………………………………………………………….……..8 5. As técnicas………………………………………………………………………………..12 5.1. A Cadeia Operatória……………………………………………….………13 5.2. Os pontos do bordado………………………………………….…………15 6. As casas de bordado………………………………....…………….……………….20 7. O salário………………………………………….………………….…………………….21 8. Conclusão……………………………………………………………………….………..22 9. Anexos……………………………………………………………………………………..23 10. Bibliografia………………………………………………………………………………25 4 Introdução: O bordado sempre esteve presente na ilha da Madeira desde os inícios do povoamento, mas apenas na segunda metade do século XIX, o bordado se firmou na Madeira como mercadoria de peso importante na economia familiar e externa1. Uma tarefa tipicamente feminina, passado de geração como tradição entre mães, filhas e avós, o bordado é a arte característica da identidade regional da Ilha. Antes uma tarefa caseira e feita nas horas de lazer, passou a ser um produto industrial, realizado em fábricas onde o único passo da mulher bordadeira nessa cadeia operatória passou a ser bordar. Contexto Histórico: Mas voltando aos primórdios da história do bordado, o trabalho com agulhas sempre foi de tarefa feminina, e não se originou na Madeira, mas sim no Oriente, Médio Oriente e na Rússia. Há um achado arqueológico em 1964 de um registo fossilizado de um pano bordado a mão de 30.000 a.C. O primeiro que se reserva é chinês e data de 3.500 a.C. No Mediterrâneo o bordado esteve nas mãos dos assírios, egípcios, gregos e romanos. Em Portugal, há inúmeras regiões do norte que firmam a arte de bordar. A presença de povoadores dessas regiões, como Braga, Viana do Castelo, Porto, na Madeira, foi de facto importante para essa introdução2. As primeiras bordadeiras terão chegado entre 1420 e 14253. Acerca da matéria-prima, o cultivo do linho e da lã foi importante para esta atividade. Para dar exemplo, em 1862, havia 559 teares de linho e lã, sobretudo na região de Santana e Calheta. D. João V, em 1749, concedeu que poderia usar roupa bordada desde que seja nos seus domínios, e não de outra manufatura. Ou seja, foi imposta uma lei que regulava o consumo do bordado, mas livrou-se disto na Revolução Liberal, que reafirmou os bordados nas peças de vestuário. Sempre houve a arte de bordar na ilha, 1 Viera, Alberto. 2006. Pp: 11. Vieira, Alberto. 2006. Pp. 21, 22, 23. 3 Klut, Teresa. 2017. Pp. 17. 2 5 sendo ou linho, algodão, seda, que passavam de pais para filhos, não só pelo valor sentimental mas pela sua riqueza. Era bordado não só vestimentas, mas também toalhas de mesa, jogos de cama e peças de decoração. O testemunho mais antigo remete nos finais do século XVI, a propósito de um casamento na região da Calheta. Por muito tempo fora considerado um produto que raramente saía do círculo familiar. Uma prova era que não havia menção do bordado pelos estrangeiros, que escreveram sobre a Ilha ao visitarem4. Em suma, não existem referências de venda ou exportações, nem nas diversas descrições das atividades artesanais do bordado Madeira antes de meados do século XIX. Foi numa exposição no Palácio de S. Lourenço, Funchal, a partir de 1 de Abril de 1850 que se descobriu o bordado como fonte da economia familiar. Foi a partir da exportação para o mercado britânico em 1854 que alavancou esse sucesso, onde as primeiras exportações, foi pela Miss Elizabeth Phelps, filha de um mercador de vinhos que se instalou no Funchal no século XVIII, onde se interessou por sua arte e pôs o bordado no mercado. A partir daí, os britânicos, além de serem os primeiros a se interessarem pelo produto, participaram fielmente no comércio do bordado na Madeira e dominavam quase por completo o mercado madeirense5. Em 1862, havia mais de mil bordadeiras por toda a ilha. Importante mencionar o destaque alemão que veio a intervir no comércio do bordado por volta de 1880, que com a independência dos Estados Unidos, a Inglaterra passou a participar menos na economia dos bordados, e tomaram seu lugar, enviando os bordados em bruto à Hamburgo, onde eram preparados para exportação, sobretudo aos Estados Unidos. Claro que isso gerou uma competição com os ingleses pelo domínio deste comércio, pois apesar da Inglaterra ter sido os primeiros a intervir neste mercado, os alemães foram quem impulsionou, trazendo inovações tecnológicas significativas, alterando o processo de fabrico6. 4 Vieira, Alberto. 2006. Pp:24, 25; 29, 30. Vieira, Alberto. 2006. Pp: 31; 33, 34. 6 Vieira, Alberto. 2006. Pp: 35; 38, 39; 135. 5 6 Já no século XX, a economia fora marcada pelas grandes guerras, onde isolou a ilha, impedindo o contacto com os fornecedores e os consumidores7. Perderam-se mercados, fecharam-se casas, houve emigração de bordadeiras, além da concorrência com o mercado oriental. Mas isto não foram fatores para seu total desaparecimento, visto que o bordado e o vinho são marcas que identificam a economia da Ilha da Madeira8. A Inglaterra, em 1917, estabeleceu a proibição de importação do bordado, aproveitando que a primeira guerra afastou os alemães, mas chamou os sírios que continuaram essas exportações para os Estados Unidos. Com o acontecimento histórico do “crush” da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, isto decai as importações do bordado. Portanto, não foi esquecido, visto que o bordado madeirense é uma identidade regional e uma indústria fundamental, que durante esta crise, o Governo estabeleceu algumas medidas de apoio, como a importação de linho e seda, e depois da Revolta da Madeira, procurou intervir na salvaguarda do sector, abrindo uma linha de créditos a favor da indústria9. Não obstante, a segunda guerra trouxe a emigração em massa dos homens e mulheres para os continentes africano e sul-americano, onde diminuiu em larga escala a mão-deobra disponível, e ainda, nos anos 60, junto com a instabilidade dos principais mercados, a competição contra os bordados à mão dos países asiáticos. Portanto, em 1978, após a revolução do 25 de Abril, foi criado o Instituto do Bordado e Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM) com o objetivo de preservar e valorizar o artesanato madeirense. A partir dos anos 2000, a defesa de qualidade veio por selos holográficos de qualidade para evitar a falsificação dos panos10. A Organização do trabalho: Dos intervalos domésticos aos bordados industriais Uma das tradições importantíssimas do bordado era a confeção para o enxoval de casamento da filha da família, onde a mãe ou avó, ou até mesmo a própria noiva 7 Vieira, Alberto. 2006. Pp: 46. IVBAM. 2009. Pp. 15. 9 Vieira, Alberto. 2006. Pp: 47-51. 10 Vieira, Alberto. 2006. Pp: 62 8 7 confecionava, sendo um trabalho paciente e tradicional que será passado de mãe para filha. Antes do século XIX, a fama do bordado madeirense era reservado para o consumo familiar e era uma atividade caseira, onde se bordava para a própria casa ou para presentear entes e amigos queridos11. Tardiamente que foi descoberto seu valor comercial, pois antes era vendido porta a porta aos estrangeiros de passagem ao Funchal, Isto é, durante muito tempo foi um souvenir pelo mercado local12. Após a intervenção alemã nas técnicas do bordado, depara-se com um ciclo de produção em que há a intervenção de vários agentes, como desenhadores, estampadores, os agentes, verificadores e engomadeiras. A função da bordadeira a partir daí, foi apenas bordar13. O bordado foi o escape económico face à crise da agricultura e da viticultura. o contacto entre a bordadeira e a casa de bordado era entre os agentes e caixeiros que percorriam todas as localidades da ilha. No Funchal, as casas de vinho cederam lugar às de bordados. Por um lado, foi importante para o papel da mulher que passou de cuidar apenas da casa para se dedicar a uma profissão. As meninas jovens que bordavam, ganhavam destaque na sociedade rural, porém ao passar dos anos foi-se tornando comum, visto que até homens passavam a ter o cargo de bordar, apesar de raro14. É a bordadeira, com seu talento, a passar longas noites a produzir a peça com muita paciência e sacrifício que é motivo de admiração, mostrando a tradição ancestral do artesanato, com seus desenhos próprios, criou sobre os panos, uma identidade. O bordado é tanto o testemunho da arte da mulher madeirense, quanto das dificuldades quotidianas, onde bordava-se pela necessidade de garantir o sustento da casa. A bordadeira tinha seu poder de escolha em qual tecido, as linhas e padrões usar. Com o trabalho concluído em casa, percorria a cidade ou andava de porta em porta a oferecer o lavor por alguns trocados que garantisse o subsídio da família. Com as exigências das exportações, novos agentes apareceram para a recolha do produto, implicando na mudança radical na confeção, onde a bordadeira perdeu grande parte do controlo do processo, passando a utilizar tecidos já estampados, recebendo uma recompensa que 11 IVBAM. 2009. Pp. 13 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 110 13 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 69, 70. 14 IVBAM. 2009. Pp. 14, 15. 12 8 era contabilizada pelos pontos15. A figura masculina estava presente ou sendo o agente ou nas fábricas como desenhador. Atualmente, o desenhador designa a função também de copiador, contador e picotador, clara evidencia da falta de mão-de-obra no sector16. Em 1863, no relatório de Francisco de Paula, refere a importância do bordado como uma indústria caseira que ocupava 1029 mulheres em toda a ilha, mais usual nas freguesias aos arredores da cidade urbana. o Funchal e Câmara de Lobos totalizam 97% dessas mulheres, visto que era os lugares mais próximos do local de venda. O período que marca a ascensão da mão-de-obra feminina para a afirmação do bordado fora no século XIX. Já no início do século XX, na década de 10, na época de afirmação da indústria, apresenta 32.000 bordadeiras em toda a ilha, chegando em 1940, com 50.000 bordadeiras rurais e 20.000 nas cidades, o que representa 21% da população da época. Os últimos dados são de 1983, com 33.000 bordadeiras e nos inícios de 2000 com 6.000, notando, claramente, uma drástica diminuição17. Após altos e baixos que as bordadeiras passaram ao longo de sua história, Em 1973 foi feito um inquérito pelo IBTAM, da ocupação profissional principal diária das mulheres madeirenses, conclui-se que 40% trabalhava na lavoura, 38% na vida doméstica e 22% no bordado. Ou seja, no fim, a percentagem de bordadeiras não está baixa, e apesar de a ocupação principal das mulheres serem no campo e na casa, em suas horas livres passam a bordar18. Os Materiais: Em um contexto histórico, a segunda metade do século XIX foi de profunda mudança nas técnicas do bordado e nos tecidos, sendo modificados a escolha do cliente. Os tecidos mais comuns para bordar eram o algodão de cassa, cambraia, linho e seda natural. O bordado em algodão e seda e a linha branca foi imposta pelos alemães. O bordado em seda era contributo da senhora Counis. A maior parte dos tecidos bordados eram de importação. Importava-se o linho da Inglaterra e Holanda e o algodão da 15 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 63- 65. Klut, Teresa. 2017. Pp. 75 17 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 68. 18 Relatório. 1982. Pp. 45. 16 9 Alemanha. Quando esses processos passaram de caseiro para encomendas pelas casas de bordados, a mudança foi notável em todos os sentidos, pois as técnicas e tecidos dependiam do país importador19. Pela década de oitenta do século novecentista , as principais matérias primas utilizadas são: Linho aero, linho cru, linho branco, seda natural, seda artificial, algodão, cambraia, organdi, fibras sintéticas e linhas de diversas cores. A qualidade dos tecidos e linhas são definidos nas Regras de Produção e Comércio e, desde a criação do Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira, têm sido objeto de fiscalização. As matérias-primas devem oferecer condições que não alterem a qualidade do produto final. O aprovisionamento feito no mercado português, apesar de ser fraca e fornece apenas linhas para bordar e tecidos em algodão, e, principalmente, no mercado internacional20. Em suma, os materiais empregados para a realização do bordado madeirense são: • Ao fazer o desenho, precisa-se de papel vegetal e carvão para o esboço. As vezes, usa-se um material para formar os padrões dos desenhos para estampa Foto 1. O desenho do Bordado. • Foto 2: Material para o desenho Um curvímetro para a contagem das linhas-curvas para o pagamento da bordadeira antes mesmo de começar a picotagem, com base em uma tabela com requisitos. 19 20 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 77, 78. Relatório. 1982. Pp.7 10 Foto 3. Curvímetro. • A máquina de picotar, um instrumento que tem a função de perfurar o papel desenhado, em todos os traços existentes no papel, para facilitar a estampagem. Tem uma função de percussão punctiforme. Trata-se de acionar a máquina por um pedal onde a agulha irá perfurar em orifícios de fração de milímetro. Podem ser usadas agulhas de várias espessuras que estão relacionadas com a modalidade dos pontos. Foto 4: Máquina de Picotar 11 • Na estampagem, o desenho passa da folha para o tecido via um objeto de algodão chamado Boneca, com anil desfeito com petróleo e uma mistura de cera em uma mesa longa no modo manual, ou em uma chapa, no modo industrial. Foto 5: Estampagem manual • Foto 6: Máquina de Estampar Ao bordar, usa-se uma agulha de espessura desejada pela bordadeira que o faz. Foto 7: Bordadeira • Lavar e Engomar: Nesta ultima etapa, dependendo do tecido e o tipo de traço, recorre a lavagem à mão ou à maquina. Engoma-se com um ferro comum. 12 Foto 8: Engomar • O acabamento é feito com uma tesoura bem afiada e uma costura nas bordas. Foto 9: Acabamento As Técnicas: Antes do processo, precisa-se saber que os processos diferem tanto na casa de bordado quanto na casa das bordadeiras. A fase do desenho pode ser feita pelas bordadeiras operárias como as bordadeiras caseiras. Com a mudança da técnica e a ascensão e maior demanda do produto, sobretudo na fase industrial, o processo de produção a baixo irá condizer com esta fase. 13 5.1. A Cadeia Operatória: • Desenho: A bordadeira recebe o tecido estampado, acompanhado de um bilhete onde conta o número do desenho, o número de pontos industriais, o preço do trabalho, junto com as linhas para bordar, que foram pagas pelas bordadeiras21. Começa-se o esboço do desenho, a carvão, de acordo com seu talento e ideia. o carvão volta ao papel a traçar novas linhas e aperfeiçoar as já desenhadas. Os motivos são simples e os mais característico são as flores, arcos, círculos, linhas, mas também podem ser mais elaborados e simétricos. Foram influenciados pelos bordados de Richelieu, Renascença e Veneziano22. Não podendo esquecer, no caso das produções para vendas, que a arte está sujeita ao limite de verba, pois será vendido. Neste aspeto, é usado o curvímetro, um aparelho para medir o comprimento das linhas-curvas que conta os pontos precisamente para calcular o preço. Ou seja, após o esboço feito, passará para a contagem dos pontos para o pagamento às bordadeiras. • Picotagem: Após a primeira etapa, passa-se para a secção de picotagem, onde a máquina de picote irá perfurar o papel vegetal rente ao desenho. É um trabalho delicado e requer muita prática para sincronizar o movimento dos pés e das mãos e a vista. Podem ser feitas em uma ou mais folhas de papel, mas nunca mais de quatro, além de agulhas de várias grossuras. • Estampagem: A estampagem ou estresido resume-se em passar o desenho do papel para o tecido. Em uma mesa larga, põe-se o papel bem estendido em cima do tecido que pretende bordar, o fixando com pesos para que não deslize. Depois é passado nessa superfície, um chumaço de algodão, designado Boneca, geralmente feita com restos de tecido, embebida em anil desfeito com petróleo e uma mistura de cera, onde imediatamente o desenho marca o tecido. • Bordar: No contexto da indústria, mesmo se a tarefa for feita em casa, não para lazer, mas sim pelo trabalho profissional, passa-se pelo processo de registro, onde é colocado etiquetas de controle, seguido do local de expedição. É neste 21 22 Relatório. 1982. Pp.21. Klut, Teresa. 2017. Pp. 17, 27. 14 aspeto que entra a figura dos agentes dos campos, onde nas zonas rurais, traziam e buscavam as encomendas. Ou seja, após o processo de estampagem, o tecido já está preparado para o envio às bordadeiras que vivem no campo. A partir daí, requer paciência e criatividade das mulheres que durante muitas horas irão trabalhar na peça. Recebido o trabalho pelos agentes, passa-se a verificação para analisar as imperfeições23. De acordo com a informação que obtive da bordadeira Maria Gorete da Silva, que hoje vive no Estreito de Câmara de Lobos, em sua época jovem, era recebido o agente em sua casa, o intermediário entre a fábrica e as bordadeiras caseiras, onde trazia os tecidos da fábrica, para si, que procedia o trabalho de bordar à mão num tempo determinado seguindo as exigências dos pontos e cores. Após isto, devolvia-se o produto já bordado ao agente que vendia no Funchal e lhe pagava uma percentagem no final do ano. • Lavar e engomar: Após todo este processo apontado acima, as peças irão ser lavadas manualmente, como uma peça de roupa. Quando mal escorridas, passam para a engomadeira. Apoia-se a peça em grandes mesas para ser passado o ferro de engomar. Peças muito grandes ou muito detalhadas necessitam de várias operárias. Os fios elétricos que se ligam aos ferros descem do alto, por uma instalação própria que há para não embaraçar. No final usa-se uma tesoura para aparar os fios soltos e as sobras do tecido24. Ao acabar de confecionar as peças, são passadas pelo processo de certificação e selagem. O Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM) é responsável pela verificação da qualidade de todas as peças, onde é colocado um selo de garantia que fornece a qualidade das peças25. 23 Vieira, Alberto. 2006. Pp. 83-87; 89. Viera, Alberto. 2006. Pp. 90. 25 IVBAM. 2009. Pp. 20 24 15 Foto 10: Selo 5.2. Pontos do Bordado • Ponto arrendado ou ponto de crivo: na área do desenho, faz-se a contagem dos fios do tecido. Os fios são extraídos, tanto na vertical como a horizontal. os buracos formados serão presos com a linha de bordar Foto 11: Arrendado • Ponto bastido ou ponto cheio: este ponto é produzido em relevo pela “urdidura” (sequências de alinhavo na área do desenho) , é concluído com uma cobertura Foto 12: bastido 16 • Ponto caseado liso: no cascado liso, o ponto é urdido criando um rebordo resistente para ser recortado nas extremidades das peças ou em aplicações Foto 13: Caseado liso • Ponto corda: trata-se de um ponto simples que ao ser executado partilha o mesmo buraco em que acaba o ponto anterior. Foto 14: corda • Ponto francês: este ponto envolve sempre mais de um tecido, sendo um para fundo e os restantes aplicados. Prende com o primeiro ponto o tecido a ser aplicado e com o segundo ponto o tecido de fundo. Foto 15: francês • Ponto granito: Podem ser seguidos e rematados, com formas sempre redondas cobertas e sem urdidura ou bastidos, que são urdidos e cobertos. 17 Foto 16: granito • Ponto Richelieu: É o caseado liso, com os rebordos no lado do recorte. Foto 17: Richelieu • Ponto sombra: faz-se o ponto pelo avesso com lançadas em X, produzindo o sombreado pelo direito e o ponto atrás nas extremidades26. Foto 18: Sombra • 26 Ponto cavacas: São vários círculos divididos em quatro meios semicírculos onde o centro é bordado com a técnica de granito ou ilhó. IVBAM. 2009. Pp. 96, 97. 18 Foto 19: Cavacas • Ponto ilhós: Feitos um de cada vez, em tecidos leves, faz-se a cobertura do círculo desenhando no pano, forçando os fios e abrindo um buraco forçado pela passagem da agulha e da linha pela primeira abertura Foto 20: Ilhós • Ponto escada: É um ponto feito entre dois fios retirados paralelamente. Entre os fios que marcaram a largura, retiram-se todos os outros, ficam apenas os fios descendentes ou ascendentes. Foto 21: Escada • Ponto Matiz: Os fios bordados, dispostos como no ponto chão, sendo uns mais curtos e outros mais longos, interpenetrando-se assim as cores. 19 Foto 22: Matiz • Ponto de areia ou Pesponto: tem a finalidade de sombrear o espaço. Foto 23: Pesponto • Ponto cordão ou pau: É deitada uma linha que depois é envolvida em espirais unidas e uniformes. Chama-se ponto de pau pois as composições mostram formas de troncos ou ramos27. Foto 24: cordão 27 Vieira, Alberto. Pp. 100, 101. 20 Com a onda da emigração por conta das crises pós-guerra, muitas famílias saíram da Ilha da Madeira, com destino ao Brasil, Venezuela e África do Sul para melhores condições de vida. Para onde a mulher madeirense ia, o bordado a seguia28. Há uma forte presença no Rio de Janeiro e em outros estados do Brasil, nos anos 50 e 60 dos bordados madeirenses, e por opção pessoal, tenho o prazer de apresentar fotos do bordado feito pela minha bisavó, Maria Serrão Agrela, que emigrou para o Rio de Janeiro, e foi passada de mãe para filha até chegar em minhas mãos. Nota-se as técnicas de ponto arrendado, ponto Richelieu, ponto caseado liso, ponto granitos, e ilhós feito de modo tradicional e caseiro. Foto 25 e 26: Bordado feito por Maria Serrão de Agrela As Casas de Bordado: A partir de 1890, afirmou-se as casas de bordado em detrimento dos exportadores. De um lado há os interessados em adquirir os bordados diretamente com as bordadeiras com seu próprio design, enquanto há outros que intervêm diretamente no processo produtivo dando as bordadeiras o tecido com o tecido já estampado. Com isso, montaram uma rede de negócios por toda ilha, que distribuía os panos até a casa das 28 Vieira, Alberto. Pp. 72. 21 bordadeiras, onde preparavam o bordado e enviavam de volta para o comerciante que vendia na Cidade ou exportava29. Essa garantia de fabrico e circulação foi feita pela casa de bordados, que apareceu nesta época, e aprimorou as técnicas de fabrico e regulamentou de acordo com a exigência do cliente, onde antes, o trabalho era feito pela intuição e lazer, passou a ter padrões e técnicas30. A presença alemã levou a afirmação da casa dos bordados onde são referenciadas casas como; A. J: Fróes, Casa Brasil, Casa Grande, Casa Hougas, Casa Maru, Casa Suíça, Companhia Portuguesa de Bordados, União Madeirense de Bordados, Casa Americana e entre outras casas. Em 1923 são referenciadas 100 casas de bordado. Há de notar que entre as grandes guerras, houve um período áureo do bordado da Madeira, onde os próprios madeirenses controlavam o sector após a saída dos sírios31. O salário Em 1863, a atividade de bordar era dentre todas as atividades femininas, a mais mal paga, sendo de 100 reis no Funchal, enquanto os demais salários médios eram de 300 reis. Até então, a bordadeira era paga ao palmo, e a partir do século XX, paga ao ponto, fazendo a contagem industrial com o curvímetro32. O pagamento das bordadeiras eram feitos através de uma tabela de pontos, que continha diferentes preços de acordo com a técnica de pontos usada, onde depois seria contado com o curvímetro, também usado nas navegações, para contas as linhas curvas. Isso foi criado para aumentar a qualidade do trabalho, através de instruções técnicas obrigatórias. Por um lado, a criatividade e imaginação de criar o próprio desenho não estava mais presente, a menos que o bordado não fosse para vender. O bordado que não estivesse de acordo com os requisitos da tabela, podia ser recusado na fábrica ou sofrer descontos no pagamento da bordadeira que o fez33. 29 Viera, Alberto. Pp. 55; 58, 59. IVBAM. 2009. Pp. 13. 31 Vieira, Alberto. Pp. 57. 32 Vieria, Alberto. 2006. Pp.70-72 33 Klut, Teresa. 2017. Pp. 134. 30 22 em 1929, estabeleceram um estudo para aumentar o salário, através de uma fixação de um preço mínimo. Essa resignação dava-se pelo facto de ser um trabalho executado nos intervalos dos afazeres de casa ou nas longas noites, não sendo considerado uma atividade que tomasse o dia todo, sendo um rendimento extra. Ao longo do século, criou-se uma rede de acolhimento a essas mulheres, como assistência médica e um bairro residencial. Em 1953, um relatório do Grémio do sector anota a existência de 103 casas, sendo 61 casas de pequena dimensão onde só faturava-se até 50 contos de exportações mensais e 12 casas que faturavam 7.000 contos mensais. O grêmio, além da função que regulava esse sector, promovia o ensino de bordas às jovens, com escolas criadas em Câmara de Lobos e Machico. Entre 1935 e 1958 houve uma melhora na valorização da profissão, onde atingiu as 750 operárias das casas que em 1935 recebiam entre 3$00 à 6&00, para 11&00 à 20&00 em 1958. Isto contribuiu para a criação do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bordados da Madeira em 1 de Março de 1937. Em 1974 passou a chamarse Sindicato Livre da Indústria de Bordados da Madeira, integrando as bordadeiras de casa34. Conclusão Apesar do bordado estar presente na Ilha por 350 anos, a participação do bordado no comércio foi há 150 anos. Durante muito tempo era visto como uma atividade caseira, sem compromisso, onde bordava-se por lazer, para enfeitar as residências e presentear amigos e familiares. Além disto, a peça passou a ser bordada em casa e vendida de porta em porta na vizinhança na intenção de conseguir uns trocados para ajudar na renda da família. Quando na presença de estrangeiros na Ilha, a arte foi reconhecida e investida, tornando seu reconhecimento mundial. Portanto, é uma tarefa tipicamente feminina, onde teve enorme importância na evolução da mulher no mercado de trabalho, onde, com a afirmação da era industrial na Madeira, foi aumentando o número de mulheres que começaram a trabalhar nas 34 Vieria, Alberto. 2006. Pp.70-72 23 fábricas a fazer o que lhe foi ensinado desde nova. É uma arte que exige muita paciência e talento, que foi reconhecida tardiamente mas teve um enorme impacto na sociedade e modo de vida madeirense nos séculos XIX e XX, tanto na vida das mulheres, quanto na economia local. Anexos Fotos A, B e C: Bordadeiras. Fonte: Vieira, Alberto. 2006. 24 Fotos D e E: Pontos desenhados de modo teórico. Fonte: Vieira, Alberto. 2006. Fotos F e G: Tabela dos requisitos do Grémio; Pontos exemplos requeridos. Fonte: Klut, Teresa. 2017; Vieira, Alberto. 2006. Fotos H e I: Mesa e acessório para desenho; Estampa do Desenho. 25 Fonte: Site Bordal: https://bordadomadeira.com/galeria-de-fotos/bordado-madeiraprocesso-produtivo ; Klut, Teresa. 2017. Bibliografia • Texto Bordado Madeira: Mãos que se inspiram na natureza. 2009. IVBAM. Gomes da Silva, Z. António. 1982. Bordado e Tapeçarias da Madeira: Estrutura, evolução económica e problemas do sector. Relatório Setembro de 1982. Klut, Teresa, 2017. Casa de Bordados. Funchal. Vieira, Alberto. 2006. Bordado Madeira. Funchal. • Fotos Foto 1: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 83 Foto 2: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 75 Foto 3: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 84 Foto 4: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 80 Foto 5: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 87 Foto 6: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 76 Foto 7: Site Bordado Madeira: https://bordadomadeira.com/galeria-de-fotos/bordadomadeira-bordadeiras Foto 8: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 90 Foto 9: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 91 Foto 10: Vieira, Alberto, 2006. Bordado Madeira. Funchal. Pp. 127 Foto 11: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-arrendados-ponto-de-crivo 26 Foto 12: Site Bordado Madeira: https://bordadomadeira.com/galeria-defotos/bordado-madeira-tipos-de-pontos-do-bordado Foto 13: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-caseados Foto 14: Site Bordado Madeira: https://bordadomadeira.com/galeria-defotos/bordado-madeira-tipos-de-pontos-do-bordado Foto 15: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-ponto-frances Foto 16: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-granitos-ou-garanitos Foto 17: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-richelieu Foto 18: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-ponto-sombra Foto 19: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-cavacas Foto 20: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-ilhos Foto 21 Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-ponto-escada-ou-ajour Foto 22: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-matiz Foto 23: Site Bordal: https://www.bordal.pt/pontos-pesponto-ou-ponto-de-areia Foto 24: Site Bordado Madeira: https://bordadomadeira.com/galeria-defotos/bordado-madeira-tipos-de-pontos-do-bordado Foto 25 e 26: Autoral.