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FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB I ISBN 978-989-689-374-3 FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB (SÉCULOS VI A XVI) Coordenação de Isabel Cristina F. Fernandes Vol. I Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação FORTIFICAÇÕES E TERRITÓRIO NA PENÍNSULA IBÉRICA E NO MAGREB (SÉCULOS VI A XVI) Fortificações e território na Península Ibérica e no Magreb (séculos VI a XVI) / coord. Isabel Cristina Ferreira Fernandes. – (Extra-colecção) 1º v. – 472 p. – ISBN 978-989-689-374-3 I – FERNANDES, Isabel Cristina F., 1957CDU 904 Título: Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – Volume I Coordenação: Isabel Cristina Ferreira Fernandes Edição: Edições Colibri/Campo Arqueológico de Mértola Capa e separadores: DCCT – Câmara Municipal de Palmela Revisão dos textos: I. C. Fernandes; J. F. Duarte Silva; Patrice Cressier Depósito legal: 368 239/13 Lisboa, Dezembro de 2013 Os sistemas defensivos da Guarda Medieval. Contributos para o seu conhecimento VÍTOR PEREIRA Câmara Municipal da Guarda ALCINA CAMEIJO Agência para a Promoção da Guarda 1. Contextualização histórica D EVE-SE a Duarte de Armas a primeira vista conhecida da cidade da Guarda1. Apesar de o famoso debuxador e escudeiro da corte de D. Manuel não ter aparentemente visitado a cidade, a vista do castelo e das muralhas da Guarda vislumbra-se no plano de fundo do desenho de “Vilar mayor tirado [do] naturall da bamda do norte”, do famoso Livro das Fortalezas “que sam setuadas no estremo de portugall e castella”2 (Armas, 1997: 2). O que representa Duarte de Armas? No cume de um monte muito penhascoso surge um típico castelo medieval, ou melhor, uma cerca amuralhada devidamente ameada, contendo no centro uma pujante torre de menagem, de altura muito destacada do conjunto, assinalada pela bandeira com as quinas do Reino de Portugal, galhardamente hasteada das suas ameias. A vontade de clareza do famoso desenhador leva-o – segundo uma boa prática, muito sua, de legendar tudo o que é relevante em cada vista – a legendar este pormenor do desenho. Com efeito, sobre o desenho minúsculo deste conjunto fortificado lá surge a legenda respectiva: “a guarda”. Como avaliar esta vista da Guarda? Ela enquadra-se nas representações típicas do grande desenhador, entre o convencionalismo típico de algumas perspectivas e representações (a figuração de certos aspectos da natureza, serranias, barrocais, rios, ou a figuração, muito convencional, das manchas de casario, por exemplo) e o maior rigor na representação. Este assinala-se, com efeito, tanto nos grandes conjuntos paisagísticos representados, como nos elementos naturais e construídos, como ainda nos mais diversos pormenores construtivos que mereceram a atenção do olhar curioso e rigoroso de Duarte de Armas. A vista de “a guarda”, apesar de muito pequena, representa uma cidade inteiramente amuralhada a que a destreza do desenhador na manipulação sábia e muito engenhosa das escalas dá uma dimensão verdadeiramente monumental. A cidade surge nesta vista rodeada de muralhas, com a torre de menagem bem no centro da representação. As muralhas estão pontuadas por quatro torres, das quais três são facilmente identificáveis: as duas do lado esquerdo parecem ser as de apoio às Portas da Covilhã e dos Ferreiros, respectivamente. A seguinte parece corresponder à protecção da Porta da Erva ou de reforço de um pano indeterminado de muralha (embora não conheçamos teste munhos documentais da sua eventual existência). Enfim, a última torre, que surge no flanco direito destas muralhas, não pode deixar de ser a Torre Velha, estrutura arquitectónica e defensiva muito ancestral que acabaria por dar ao sítio o nome, muito popular na cidade, de Torreão – sítio entretanto empobrecido e tornado periférico. Estas muralhas que, a crer em Duarte de Armas, permaneciam intactas em 1509, com a sua coroa contínua de ameias, abrigavam uma cidade fundada pelo Rei D. Sancho I, o Povoador. Muito menos conhecida é a complexa história, em grande parte por fazer, desta cerca amuralhada, construída em diversos momentos entre os séculos XII a XIV, a partir de um núcleo defensivo inicial. Este primitivo núcleo fortificado foi o centro do povoado original, que gozaria de uma evidente expansão – no quadro das dinâmicas urbanas da cidade, vividas ao longo de todo o século XIII – consagrada por novas e ambiciosas obras de fortificação datáveis da entrada do século XIV, isto é, da época do Rei D. Dinis3. As páginas que se seguem pretendem apreender alguns aspectos desta história que ainda está longe de ser plenamente conhecida. Erigido no cume do último contraforte da Serra da Estrela, no alto dos seus 1056 m de altitude, da Torre de Menagem do castelo da Guarda domina-se visualmente grande parte do Planalto Beirão. Os restos imponentes do conjunto do sistema defensivo medieval, que envolvia e protegia o núcleo central da cidade e do qual se destaca a Torre de Menagem da desaparecida alcáçova medieval, ainda hoje proporcionam alguns dos monumentos arquitectónicos mais emblemáticos da cidade. Fig. 1 – Torre de Menagem do Castelo da Guarda (imagem de Arménio Bernardo | CMG). Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI), Lisboa, Edições Colibri & Campo Arqueológico de Mértola, 2013, p. 435-443. 436 Há muito classificado como Monumento Nacional, do castelo medieval da Guarda ainda é possível observar diversos lanços de muralha e algumas torres e portas de acesso à cidade. Todavia, as reconstruções, a ruína, o desmonte e rasgamento de alguns panos de muralha, bem como o seu encobrimento pelas habitações adjacentes levaram à descaracterização e à ocultação da maior parte da fortificação medieval4. Ao longo de diversos anos de escavações arqueológicas no núcleo histórico, promovidas pelo Município da Guarda5, foi possível confirmar que a ocupação desta área recua apenas à Idade Média6, não se tendo verificado – até ao momento – vestígios de ocupação de períodos anteriores7. É já em Plena Idade Média que o castelo da Civitas de A guarda se vai tornar num dos centros geoestratégicos da Beira. Recebendo Carta de Foral – outorgada por D. Sancho I – a 27 de Novembro de 11998, a cidade da Guarda cedo se converteu num importante foco urbano a que a transferência da sede de Diocese da antiga Egitania, em 1202, por Inocêncio III (RODRIGUES, 1977: 69), confere significado acrescido. Todavia, sobre o castelo da Guarda pouco sabemos. As fontes escritas referem que em 1221 (GOMES, 1987: 35) as obras no castelo já tinham sido iniciadas, o que coloca a questão da inexistência de uma estrutura defensiva no burgo medieval e episcopal inicial pelo menos durante os seus primeiros anos, desde a fundação da cidade àquela data, que parece poder ser dada como a do início da construção do castelo9. Merece nota a falta de referências escritas a estruturas defensivas do povoado primitivo. Com efeito, a concessão do Foral em 1199 exigiu ou suscitou uma organização administrativa e eclesiástica local plenamente estruturada, que justificaria a condição e o título de civitas, atribuído a uma comunidade urbana então muito jovem. Sabemos, de facto, que a Guarda depressa ganharia uma grande relevância urbana, de nível regional, uma vez que já em 1260 surgem referências a sete Igrejas paroquiais no interior e no exterior do perímetro amuralhado10. A nossa investigação teve em consideração todas estas questões. O presente artigo pretende apresentar os resultados e conclusões provisórias de uma escavação arqueológica iniciada em 2004 na área Norte do núcleo histórico da cidade da Guarda, no lado oposto à alcáçova medieval. Tentámos então confirmar a existência de uma primeira fortificação medieval, atestada nas fontes documentais, mas que a inexistência de escavações arqueológicas não permitia comprovar11. A natureza daquelas referências escritas e a existência de uma torre defensiva aparentemente mais antiga – embora inserida no pano de muralha mais recente – e a sua função original no quadro da complexa história da fortificação da cidade – foram o ponto de partida de um projecto de investigação que se pautou pela recolha de informações históricas sobre aquele sítio que, pensamos, pode corresponder à implantação urbana primitiva da cidade da Guarda. Através da discussão dos resultados de diversas intervenções em distintos sítios da cidade pretendemos tecer algumas considerações Vítor Pereira e Alcina Cameijo sobre a evolução do complexo e obscuro sistema defensivo da Guarda medieval. Fig. 2 – Planta da cidade da Guarda: localização das duas alcáçovas, a datável do Século XII a Norte e a pertencente ao Castelo Gótico, a Sul. 2. A fortificação românica Uma das primeiras referências à existência de um “reduto” defensivo na área Norte do núcleo histórico, conhecido localmente como Torreão, recua a 1758, às Memórias Paroquiais, quando um dos priores das igrejas da cidade que responderam ao Inquérito então ordenado pelo Marquês de Pombal refere a existência de uma torre com reduto12, de construção anterior à muralha da cidade (CHORÃO, 2002: 30). Actualmente, o espaço do Torreão é dominado pelas ruínas de uma imponente torre, integrada no pano de muralhas. Rita Costa Gomes cita um documento de 1395, do Tombo da Comarca da Beira, que refere a construção de um muro novo em direcção à Torre Velha13. Assim, a referência a uma torre velha pressupõe a sua antiguidade face ao muro novo documentado em 1395, que inflectia o seu traçado (com a orientação Norte-Sul) para se encontrar e articular com a referida Torre Velha. Em fins do século XIV, tendo em conta a ruína do pano original de muralha nesta área do núcleo amuralhado, é construído um novo pano de muralha, com uma orientação diferente da antiga (direcção SE-NW), confluente com a torre primitiva existente. Daqui resultou a construção do muro novo de 1395, acabado de referir, em direcção à torre velha, reaproveitando as pedras da muralha mais antiga (provavelmente em ruínas e então desmontada) nesta nova estrutura, que assim ganhava uma orientação e traçado diferentes dos da cerca primitiva. Tendo em conta estas considerações, a intervenção arqueológica na zona Sul da Torre Velha, permitiu-nos Os sistemas defensivos da Guarda Medieval. Contributos para o seu conhecimento uma sequência estratigráfica marcada pela existência de distintos períodos de ocupação e ainda a definição da provável fortificação primitiva, existente aquando da fundação da cidade da Guarda, que pensamos inserir-se na tipologia do chamado castelo românico. 437 Esta primitiva fortificação faria parte da primeira linha defensiva da Beira, juntamente com os castelos de Trancoso, Celorico da Beira e Linhares, muito próximos da linha de fronteira com Castela, que nesse período – anterior ao Tratado de Alcanises16 – era definida pelo traçado do Rio Côa. Com efeito, a existência de um castelo na Guarda, na segunda metade do século XII, deverá ser analisada no contexto da fundação de castelos em sítios estratégicos, numa lógica de domínio e de controlo do território, de organização administrativa do mesmo e de defesa das comunidades locais em vias da sua organização em concelhos. Mas a discussão da existência de um castelo deve também considerar o seu papel de controlo das vias de comunicação e das amplas terras de intensa vocação agro-pecuária circundantes. O núcleo urbano inicial da Guarda assentou numa plataforma orográfica regular, limitada por duas elevações, uma a Norte, onde foi implantado o castelo românico, e outra a Sul, de maior altitude, a 1056 m, onde mais tarde foi construído o castelo gótico. Em ambos os extremos, Norte e Sul, as vertentes escarpadas contíguas criavam imponentes redutos naturais defensivos, inerentes às características geográficas da área. No caso do sítio da Torre Velha, ainda hoje as suas vertentes contíguas, a Este, Norte e Leste, apresentam elevados desníveis17, apesar das sensíveis alterações topográficas sofridas por este sítio durante o século XX. A intervenção arqueológica permitiu identificar neste local um castelo adaptado às condições geográficas desta área, com uma Torre de Menagem implantada no ponto mais elevado da plataforma, assente sobre o afloramento rochoso, atingindo os 6 m acima do nível inferior. Fig. 3 – Planta hipotética do castelo do Século XII, reconstituída na malha urbana actual. O avanço da Reconquista está associado à emergência de fortificações que se integram no que se tem chamado de “castelo românico”, assente na estratégia de defesa passiva14, em torno de uma Torre de Menagem, tipologia defensiva introduzida em Portugal pela provável influência dos Templários (BARROCA, 2001: 107). Um bom exemplo é a Torre de Menagem do vizinho castelo de Longroiva (Meda), cuja construção recua a 1174 (BARROCA, 2002: 538). Este modelo de arquitectura militar, constituído por uma torre central e um perímetro amuralhado, servido apenas por uma porta principal, rapidamente se difundiu e em fins do século XII era já comum nos primeiros castelos portugueses (BARROCA, 1994: 60). Consideramos que a Torre Velha da Guarda foi o que restou do antigo castelo românico da cidade, cuja construção deverá recuar a fins do século XII, inserida no âmbito da estruturação e organização administrativa e religiosa do território da Beira. A serem correctas as nossa deduções, a Torre Velha integrava um complexo defensivo-militar caracterizado pela presença de uma torre, no centro de um pátio delimitado por uma linha de muralha, de planta tendencialmente ovalada15. Fig. 4 – Perfil da alcáçova Norte. A localização desta torre, no centro da fortificação, tal como as torres idênticas conhecidas na região18, insere-se no conceito de defesa passiva, o último reduto de defesa e protecção face aos ataques de tropas inimigas, uma vez rompida a muralha circundante. A Torre Velha, que de há muito está rodeada de habitações a Sudoeste e a Oeste, perdeu a sua fachada virada a Nordeste. De planta tendencialmente quadrangular, as suas paredes possuem 2 m de espessura e as paredes exteriores da torre medem 10,40 m (no pano Sudoeste) por 10.05 m. Recorde-se que a Torre de Menagem de Longroiva, por exemplo, possui 8.25 m de lado, enquanto a de Marialva detém 7.90 m por 11.15 m. A Torre Velha foi construída com duplo paramento, com aparelho pseudo-isódomo, de alvenaria regular, mas com silhares de diferentes comprimentos, de formato tendencialmente sub-rectangular. Não 438 apresenta siglas ou marcas de canteiro, indiciando maior antiguidade (BARROCA, 1994: 17) relativamente às outras estruturas defensivas do Castelo da Guarda. Fig. 5 – Alçados da Torre Velha. Vítor Pereira e Alcina Cameijo século XII, ao reinado de D. Sancho I, época a que remontará a Torre de Menagem do castelo de Numão, datada de 1189 (BARROCA, 2000: 222). A nossa proposta de datação para a torre da Guarda é fundamentada pelos resultados de uma sondagem arqueológica na área Sul da primitiva alcáçova, junto ao pano de muralha, que nos permitiu identificar um contexto assente sobre o afloramento rochoso e que consideramos estaria associado à construção desta estrutura defensiva. Marcado pela presença de escassos fragmentos cerâmicos, datados da segunda metade do século XII, destacamos diversos fragmentos de bordo e de fundo de uma panela de tradição islâmica, com vidrado interno, de coloração esverdeada. A presença desta peça não representa um nível de ocupação islâmica, mas antes o resultado de contactos ou razias nas regiões a Sul do Rio Tejo, até porque os restantes materiais arqueológicos associados a esta peça apresentam características de pastas de fabrico local, de tipologias autóctones (PEREIRA, CAMEIJO, MARQUES, 2011: 270). Fig. 6 – Imagem da face interna virada a Sudeste da Torre Velha, observando-se as pedras salientes. Como acontece com outras torres românicas da região, a Torre Velha, para lá das funções de defesa, detinha também funções residenciais e de armazenamento, como o comprovam as pedras salientes existentes na fachada interna virada a Sudeste. Relativamente niveladas entre si, estas pedras tornavam-se numa espécie de mísulas muito grosseiras, servindo de apoio a um primeiro pavimento sobradado da torre. Este primeiro sobrado separava o piso térreo da torre (nível um, sem qualquer abertura para o exterior) de um primeiro piso superior (nível dois). Sobre o sobrado que rematava este segundo piso, erguer-se-ia um terceiro (nível três), onde se situava a porta de acesso ao interior da torre. O acesso a esta porta (monumentalizada ou não), era efectuado por uma escada exterior e móvel, de madeira que, em caso de perigo, podia ser retirada a partir do interior da torre, isolando-a e tornando-a praticamente inexpugnável (BARROCA, 1994: 60). Actualmente com seis metros de altura na fachada virada a Sudeste, a ruína desta torre não nos permite conhecer a sua altura total original. Presentemente temos vestígios de apenas dois pisos. Contudo, tendo por base os exemplares localizados na região (BARROCA, 2001: 108), considera-se que esta torre teria entre 3 a 4 pisos, num total de 9 a 12 metros de altura. Naturalmente a ligação entre estes três ou quatro pisos originais da torre era feita por uma escada interna, de madeira, articulada com um sistema de alçapões, mais ou menos engenhosos, cujo fim era o de protegerem e impedirem o acesso indesejado aos depósitos localizados nos dois níveis inferiores da torre. É possível que a construção da Torre de Menagem do castelo românico da Guarda recue a finais do Fig. 7 – Alçado da muralha do Castelo Românico. Fig. 8 – Alçado da muralha do Século XIII/XIV. Os sistemas defensivos da Guarda Medieval. Contributos para o seu conhecimento A Torre Velha e o pátio/terreiro envolvente eram rodeados por uma linha de muralha, de planta sensivelmente ovalada, da qual apenas resta um fragmento de pano, virado a Sudeste, com um aparelho construtivo muito semelhante ao da Torre Velha, o que mostra serem coetâneas. A sua construção implicou o desbaste do afloramento rochoso, criando uma plataforma regular para assentamento dos silhares. 439 Tratando-se de uma estrutura inserida numa estratégia de defesa passiva, geralmente a espessura destes lanços de muralha atingia os 3 metros19, dimensões que também se verificam na muralha da Guarda, cuja construção recorreu à utilização de silhares de granito, com duplo paramento, exibindo fiadas de alvenaria regulares, de média e grande dimensão, de formato sub-rectangular. A muralha era coroada pelo adarve ou caminho de ronda. O carácter defensivo deste lanço é também assinalado pela inexistência de uma fundação saliente, pela sua verticalidade e pela sua elevada dimensão original, de que actualmente apenas restam 4 metros de altura20. Este pano de muralha prosseguia para Norte, o que é confirmado pelas fundações do respectivo prolongamento. Aquando da reconstrução da muralha e a construção do muro novo, no Século XIV, a maioria das pedras da muralha antiga foi certamente reaproveitada nessa nova estrutura, mantendo-se contudo as fundações do primitivo lanço, então demolido, que ainda hoje se podem observar. Fig. 9 – Perspectiva da muralha com o arranque e muro novo. Fig. 11 – Muralha do Século XII (à esquerda) e a justaposição de muralha do Século XIII (à direita). Fig. 10 – Articulação de muralha do Século XIII (pano novo), à esquerda, com o pano de muralha do Século XII (à direita). A este pano antigo de muralha vai encostar o pano novo de muralha (proveniente da Porta da Erva, na direcção SW-NE), que exibe um aparelho construtivo com características mais tardias21. O mesmo resultado foi possível confirmá-lo através de uma das sondagens da intervenção arqueológica, verificando-se o prolongamento do pano de muralha mais antigo para Oeste, onde é interceptada pela muralha nova, que se encosta à primeira. 440 Com o passar do tempo, também as portas de acesso desta primitiva estrutura amuralhada desapareceram. Assim, ainda não foi possível identificar o local exacto por onde se acedia ao interior do perímetro amuralhado inerente ao primitivo castelo. Pensamos, porém, que a abertura da cidadela românica estivesse voltada a Sul, para o local de mais fácil acesso ao exterior, onde se encontrava o casario primitivo e sobretudo o traçado da estrada que de Castela conduzia à Estrada da Beira, a Coimbra e a Lisboa. Pensamos, com efeito, que a entrada da cidadela estaria no alinhamento do principal eixo viário do povoado primitivo, a actual Rua do Torreão, que daria acesso ao terreiro fronteiro à cidadela e à sua porta e que se prolongava pelo interior da cidadela acastelada, conduzindo directamente à torre, orientada, como pensamos, não de acordo com as curvas de nível mas para a porta da cidadela. Assim, pensamos também que a porta de entrada da torre (localizada provavelmente no seu terceiro piso, como vimos) estaria na sua fachada Sudoeste, proporcionando assim a sua fachada principal, orientada para a porta da cidadela. Os castelos românicos eram também caracterizados pela existência da chamada Porta da Traição, pequenos postigos rasgados na muralha, geralmente localizados na área de acesso mais difícil, íngreme e menos visível, permitindo a entrada e a saída de moradores, soldados, mercadores ou mesmo emissários e mensageiros nas mais diversas circunstâncias, nomeadamente em caso de cerco (BARROCA, 1994: 60). Uma vez mais recorrendo às fontes, nomeadamente às Memórias Paroquiais de 1758, consideramos possível que a denominada porta pequena (CHORÃO, 2002: 30) ou Porta do Curro (GOMES, 1987: 34), localizada na área Norte do sistema defensivo medieval22, pudesse corresponder à Porta da Traição do castelo primitivo, não só pela sua localização – no fim da antiga Rua Direita – mas também por não apresentar as características construtivas que encontramos nas outras portas do sistema defensivo, como a Porta d’El Rei ou a Porta da Erva, e por dar acesso ao exterior, aqui de relevo muito acidentado. Segundo as Memórias Paroquiais ainda existia no século XVIII, nas proximidades da Torre Velha (CHORÃO, 2002: 30), sendo possivelmente destruída, juntamente com todo esse pano de muralha, em 1847 (RODRIGUES, 2000: 78). 3. O castelo gótico Já nos fins do século XIII, na época de D. Dinis, vão verificar-se profundas alterações na arquitectura militar. Estas alterações coincidem com a estabilização da linha de fronteira na região das Beiras, ocorrida com a assinatura do Tratado de Alcanises, em 1297. É então que a coroa portuguesa vai centrar a sua atenção na fortificação das vilas e cidades do reino e, em particular, nos castelos localizados quer junto à linha de fronteira (BARROCA, 1994: 70), quer nos que se localizavam junto dos grandes eixos de circulação do Reino. Era este o caso da cidade, do Vítor Pereira e Alcina Cameijo castelo e das fortificações da Guarda – guardiões seculares de uma das principais entradas no Reino – que então foram ampliadas, reforçadas e sobretudo profundamente actualizadas. É neste contexto que se vão implementar profundas reformas, relacionadas com a renovação e o progresso da estratégia militar, de que decorre o chamado castelo gótico, caracterizado por novas preocupações defensivas, em que ganha um relevo inédito a chamada defesa activa. É então que as torres de menagem ganham uma nova localização na alcáçova, com funções mais activas na defesa dos respectivos castelos (BARROCA, 1994: 70). Como atrás dissemos, é também em fins do século XIII que se vão verificar profundas alterações no castelo primitivo da Guarda. Através da referida intervenção arqueológica na área Sul da Torre Velha foi possível verificar que a todo este espaço, primitivamente amuralhado, foi então atribuída uma nova funcionalidade, a habitacional. É possível que a cidadela românica do Torreão já não correspondesse às necessidades defensivas próprias da Idade Média Plena, perdendo com o passar do tempo a sua função de ponto nevrálgico na estrutura defensiva do castelo da Guarda. Foi então que o pano de muralha virado a Sul e a Poente foi desmontado praticamente até ao afloramento rochoso, sendo as pedras da muralha, então demolida, reaproveitadas na nova estrutura, tendo a cerca do antigo castelo sido “urbanizada” e ocupada por habitações e pelos arruamentos contíguos, detectando-se no sítio inúmeros fragmentos de cerâmica doméstica comum, datável do século XIII (PEREIRA, CAMEIJO, MARQUES, 2011: 271). Perdida a cidadela primitiva, a nova função urbana do sítio do Torreão só foi possível graças à prévia construção de uma nova alcáçova, desta vez no ponto mais elevado da cidade, de onde dominava a urbe medieval. Assim, pelo menos a partir do século XIV, a Torre Velha perdeu a sua precedência e a sua antiga importância estratégica, própria de uma Torre de Menagem, passando a ter uma modesta função de simples torre inserida nos novos panos de muralha que nela confluíram e a ela se justapuseram. A partir deste momento a construção do castelo gótico da Guarda dará início a um novo capítulo da história da fortificação medieval da cidade. Como já vimos, a construção deste novo complexo fortificado deverá recuar aos fins do século XIII, possivelmente ao reinado de D. Dinis, período a partir do qual surgem em Portugal as torres de planta pentagonal23, de que é exemplo a nova Torre de Menagem da Guarda. Do castelo gótico da cidade pouco conhecemos, uma vez que deste complexo militar e palaciano apenas resta a Torre de Menagem. Ao longo dos últimos dois séculos todos os elementos construtivos que faziam parte da alcáçova, ainda existentes em meados do século XVIII e, como tal, referidos nas Memórias Paroquiais, desapareceram, desde a casa do alcaide (RODRIGUES, 1977: 45), à cisterna (CHORÃO, 2002: 29) ou aos panos de muralha contíguos. Só em 1997, após uma intervenção arqueológica dirigida por Lídia Fernandes (1999: 41), foi possível Os sistemas defensivos da Guarda Medieval. Contributos para o seu conhecimento reconstituir parte do lanço de muralhas que rodeava a alcáçova do castelo, bem como comprovar a existência dos respectivos edifícios do complexo fortificado. Fig. 12 – Torre de Menagem, fachada virada a Norte (imagem de Arménio Bernardo | CMG). a responsabilidade de um dos signatários do presente artigo, foi desenvolvido um amplo programa de sondagens arqueológicas, no qual foi possível recuperar a planta dos imóveis localizados na plataforma envolvente à Torre de Menagem, confirmando-se a fraca potência estratigráfica do local. Surgiram então, em contextos mal conservados, diversos materiais arqueológicos de distintos períodos, desde a Idade Média ao Século XVIII. Entre os materiais exumados salientamos o armamento neurobalístico: duas pontas de flecha (Figs. 17 e 18), duas pontas de virote de besta (Figs. 14 e 15) e uma ponta de seta (Fig. 16), todas elas em ferro. As primeiras, apesar de muito desgastadas, permitem confirmar que teriam grandes dimensões, sendo uma de secção circular e a outra de secção rectangular, maciça, de cabeça muito pontiaguada. As duas pontas de virote de besta apresentam elevada semelhança com duas outras recolhidas no mesmo local por Lídia Fernandes (BARROCA, MONTEIRO, 2000: 396-397), todas elas datadas do Século XV. Os exemplares por nós recolhidos apresentam entre 5 e 6 cm de comprimento e são compostos por alvado longo, de secção circular (onde encaixaria a haste de madeira), acentuadamente mais largo, com ponta de 3 a 4 gumes, de arestas vivas, pontiagudas. O último exemplar, a ponta de seta, apresenta perfil piramidal alongado, maciço, de secção circular, com alvado longo e cabeça pontiaguda. Fig. 13 – Torre de Menagem, fachada virada a Poente. É assim que se compreende melhor a desaparecida alcáçova, integrada na já referida estratégia de defesa activa, com a Torre de Menagem localizada sobre o pano de muralha da mesma, na área de mais fácil acesso – aqui na sua vertente ocidental – desempenhando um papel activo na respectiva defesa. O acesso original ao seu interior era efectuado por uma porta localizada ao nível do seu segundo piso, através do adarve da muralha (OLIVEIRA, 1940: 8) ou a partir da habitação do alcaide (RODRIGUES, 1977: 45). A intervenção arqueológica de 1997 possibilitou recuperar também a planta da alcáçova, caracterizada pela exiguidade do espaço, com uma planta alongada, pontilhada pela presença de 3 torreões de planta rectangular24, cuja utilização se generalizara a partir da emergência e difusão do modelo do castelo gótico (BARROCA, 1994: 70). No decorrer daquela intervenção foram ainda identificados diversos edifícios de apoio à guarnição militar e de armazenamento de material bélico (FERNANDES, CARVALHO, JULIÃO, 1999: 66), atestados por alguns dos materiais então recuperados no local, como pontas de virote (BARROCA, MONTEIRO, 2000: 396-397). Em 2008, no âmbito de um projecto de requalificação do espaço envolvente à Torre de Menagem, sob 441 Fig. 14 – Ponta de virote de besta. Fig. 15 – Ponta de virote de besta. Fig. 16 – Ponta de seta. 442 Fig. 17 – Ponta de flecha. Fig. 18 – Ponta de flecha. 3. Considerações finais Durante o século XIII a expansão urbana da cidade da Guarda exigiu o início da construção de panos de muralha em torno do seu casario, aglomerado à volta das suas Igrejas e ao longo das suas principais ruas e praças. As muralhas eram estrategicamente rasgadas por portas, a Porta d’El Rei, a Porta da Erva, a Porta dos Ferreiros (com a sua entrada em cotovelo, protegida pela imponente torre no lado exterior da muralha), ou a desaparecida Porta Nova, a antiga Porta da Covilhã, com a contígua Torre do Mirante do futuro Convento das Freiras de Santa Clara, também demolida25. Vítor Pereira e Alcina Cameijo A Norte, o pano da muralha do castelo gótico encostou-se à muralha pré-existente no Torreão, como já referimos. A Sul, o traçado da muralha alcançava ou circunscrevia a alcáçova do castelo gótico, não nos sendo possível conhecer o seu traçado integral, em parte devido aos níveis de destruição do sítio, muito desabrigado e erodido. As intervenções arqueológicas realizadas nos últimos anos no núcleo urbano da Guarda têm permitido identificar outras estruturas também relacionadas com a estrutura defensiva da Guarda, até então desconhecidas. Veja-se o exemplo de uma intervenção realizada nas proximidades da Porta da Erva, em 2006, onde foi detectada uma estrutura monumental interpretada como uma barbacã de porta, paralela ao pano de muralha, com 30 m de comprimento, uma largura entre os 1,80 m e os 2,20 m, e uma altura máxima actual de 3,10 m, construída com blocos graníticos de média e grande dimensão (PEREIRA, CAMEIJO, MARQUES, 2011: 273 e ss.). Deve dizer-se, finalmente, que o projecto de investigação e de intervenção arqueológica a que este artigo se refere não se encontra ainda concluído, pois novas intervenções arqueológicas noutras áreas desta fortificação medieval da cidade poderão acrescentar novos dados e trazer novos contributos, quer para o conhecimento do castelo primitivo da Guarda (de que aqui propusemos uma primeira tentativa de reconstituição), quer para o da nova cerca defensiva da cidade, que urge conhecer melhor. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, “Castelos e cercas medievais – Séculos X a XIII”, em Rafael Moreira (coord.), História das Fortificações Portuguesas no Mundo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p. 38-70. ALMEIDA, João de, Roteiro dos monumentos de arquitectura militar do Concelho da Guarda, Editorial Império, Lisboa, 1943. BARROCA, Mário, Do Castelo da Reconquista ao Castelo Românico (séc. IX a XII), Comissão Portuguesa de História Militar, Lisboa, 1994. 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Já o professor Adriano Vasco Rodrigues (2002: 14) tinha notado a representação da cidade na vista da folha 68 do Livro das Fortalezas. 2 Duarte de Armas, Livro das Fortalezas, Intr. de Manuel da Silva Castelo Branco, Arquivo Nacional da Torre do Tombo e Edições INAPA, 2.ª Edição, Lisboa, 1997, p. 2. 3 O início do reinado deste monarca português começa em 16 de Fevereiro de 1279 e termina a 7 de Fevereiro de 1325. 4 Para mais informações sobre o desmonte dos panos de muralha da Guarda veja-se OLIVEIRA, 1940: 8-9. Mais recente, veja-se CAETANO, 2011: 262-263. 5 Não queremos aqui deixar de prestar um agradecimento à Drª Maria do Carmo Borges, Presidente do Município quando iniciámos a intervenção, em 2004, e ao Arquitecto António Saraiva, Gestor Urbano da Agência para a Promoção da Guarda, pelo apoio a esta intervenção arqueológica, que encararam desde o primeiro momento como uma acção indispensável para um melhor conhecimento da História Local. Um agradecimento também de reconhecimento pela motivação e pelo interesse no desenvolvimento das escavações na cidade da Guarda nos últimos anos ao Dr. Virgílio Bento, Vice-Presidente e Vereador do Pelouro da Cultura do Município da Guarda e à Drª Alexandra Isidro, Chefe de Divisão da Cultura. 6 Para mais informações veja-se PEREIRA, 2003. 7 Estes podem encontrar-se nas proximidades da capela românica da Póvoa do Mileu, onde, em 1951, foram detectados importantes vestígios arqueológicos dos séculos I / IV d.C., bem como da Idade Média (PEREIRA, 2005; PEREIRA, 2008). 8 Confira-se COELHO; MORUJÃO, 1999. 9 Esta temática volta a ser abordada por Rita Costa Gomes, que em 1987, num estudo de algum modo pioneiro, defendeu a existência de um núcleo de povoadores em período anterior à concessão do foral, em torno de uma vigia ou torre (GOMES, 1987: 26). Refira-se contudo, que a autora considera pouco provável a existência de uma cidadela no torreão, resumindo-se a primitiva fortificação, segundo aquela autora, a uma torre isolada, em torno do qual existiria um pequeno núcleo de povoadores. A torre, datada, sensivelmente, da segunda metade do século XII, seria, para Rita Costa Fomes, o último vestígio desse núcleo pré-urbano, (GOMES, 1987: 38). 10 “Divisão das egrejas e rendas da diocese da Guarda entre o bispo D. Rodrigo Fernandes I e o cabido egitaniense em 19 de Julho de 1260”, em CASTRO, 1902: 493. 11 Em meados do século XX, Carlos Oliveira (1940: 6), um erudito local, fala de uma cidadela, de menores dimensões mas semelhante ao castelo que hoje conhecemos, defendendo que a sua construção deveria recuar ao reinado de D. Sancho I. Também João de Almeida (1943: 44), um famoso general, natural do Concelho da Guarda, conhecido nomeadamente pelos seus estudos de fortificações militares portuguesas, refere a existência de uma fortificação neste local, traçando o seu hipotético perímetro defensivo. 12 “[…] e a Torre Velha, acima dita, foi, segundo parece, mais antiga do que a cerca da cidade, e que tinha reduto, porque não muito distante dela se vê a muralha arrimada a outra que vem da torre e se mostra fazia volta para ela.” (CHORÃO, 2002: 30). 13 Como refere a autora, “[…] Jtem hũa tore que ellRey ha na dicta vila hũa tore ǭ chamã A tore velha ǭ esta na maetade do muro nouo per onde ora he a vylla departida.” (GOMES, 1987: 36). 14 Para o conceito de defesa passiva veja-se, por exemplo, Almeida, 1989: 38 e ss., ou Barroca, 2001: 88 e ss. 15 Este traçado apresenta elevada semelhança, por exemplo, com o Castelo de Melgaço (http://www.monumentos.pt, acedido em 21 de Maio de 2012). 16 Para mais informações sobre estes castelos confira-se Mário Barroca, 2000. 17 Desníveis que impediram a urbanização do sítio da respectiva encosta. 18 Uma torre em tudo semelhante, até pelas suas dimensões, parece ser a Torre de Menagem do Castelo de Sortelha (Sabugal), construída sobre um maciço rochoso imponente, ou ainda a torre de Moreira de Rei (Trancoso), da qual apenas restam as fundações. 19 Embora nos locais de substrato rochoso granítico a espessura pudesse ser apenas de 2 metros (BARROCA, 2001: 102). 20 Apesar de geralmente estes panos apresentarem maior altura, entre 8 a 12m, no caso em que o substrato geológico era o granito poderia apresentar menores dimensões (BARROCA, 2001: 102). 21 O tipo construtivo deste pano de muralha, construído com pedras de menores dimensões, é distinto do de período românico, adaptando-se ao relevo de substrato granítico, que mostra elevado desnível. 22 Note-se a existência de uma outra porta falsa rasgada no pano de muralha, na área Sudoeste, nas proximidades da Torre de Menagem de finais do Século XIII. 23 A Torre de Menagem de planta pentagonal é já um exemplar tardio, à semelhança da do castelo do Sabugal. 24 Apesar de terem desaparecido, a intervenção arqueológica coordenada por Lídia Fernandes permitiu verificar o desbaste e regularização do afloramento rochoso nos ângulos da muralha da alcáçova, onde a defesa seria mais vulnerável. Correspondiam a pequenos bastiões maciços, de planta quadrangular (FERNANDES, CARVALHO, JULIÃO, 1999: 68). 25 Para mais informações sobre a construção deste pano de muralha veja-se GOMES, 1987: 38.