GeSec – Revista de Gestão e Secretariado
ISSN: 2178-9010
Organização: SINSESP
Editor Científico: Cibele Barsalini Martins
Avaliação: Double Blind Review pelo SEER/OJS
Revisão: Gramatical, normativa e de formatação
O SECRETARIADO E A PRODUÇÃO TEXTUAL: A ARGUMENTAÇÃO NO
GÊNERO DECLARAÇÃO
SECRETARIAT AND TEXTUAL PRODUCTION: ARGUMENTATION IN THE
TEXTUAL GENRE LETTER OF DECLARATION
Erivaldo Pereira do Nascimento
Doutorado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB
erivaldo@ccae.ufpb.br
Raquel Ferreira da Silva
Graduanda em Secretariado Executivo Bilíngue pela Universidade Federal da
Paraíba – UFPB
raquelribeiro048@gmail.com
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
RESUMO
Este artigo tem como objetivo descrever a estrutura semântico-argumentativa do
gênero textual/discursivo declaração, um dos documentos com o qual o
profissional de Secretariado lida frequentemente. Essa investigação tem como
base a Teoria da Argumentação na Língua, proposta por Ducrot (1988, 1987).
Utilizamos também os estudos de Modalização Discursiva, proposta por Koch
(2002), Castilho e Castilho (1993), Nascimento (2005), entre outros. A
modalização é aqui considerada como uma estratégia semântico-argumentativa,
uma vez que permite ao locutor imprimir uma avaliação ou ponto de vista sobre
o conteúdo de seu enunciado, em função da interlocução. A investigação
realizada a respeito do referido gênero é de natureza qualitativa e quantitativa,
de cunho descritivo, e o corpus utilizado é constituído por 20 (vinte) declarações
emitidas por diferentes organizações ou instituições públicas e privadas. Nas
declarações analisadas percebemos que a argumentação se faz presente através
dos modalizadores e operadores argumentativos, utilizados pelo locutor para
imprimir diferentes efeitos de sentido nos textos.
Palavras-Chave: Redação Comercial e Oficial; Modalização; Gênero Declaração.
Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 2, n. 2, p.145-169, jul./dez. 2011.
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Erivaldo Pereira do Nascimento & Raquel Ferreira da Silva
ABSTRACT
This article aims at describing the semantic argumentative structure of the
textual/discursive genre Letter of Declaration, one of the documents with which
the executive secretary frequently deals. This investigation is based on the
Argumention Theory in the Language proposed by Ducrot (1988,1987). We also
used the studies about Discursive Modalization proposed by Koch (2002),
Castilho e Castilho (1993), Nascimento (2005), among others. Modalization is
considered here as a semantic argumentative strategy, as it enables the speaker
to make a statement or to express a point of view about the content of his/her
enunciation, according to the interlocution. This study about the previously
mentioned gender is qualitative, quantitative and descriptive. The corpus used is
composed of 20 (twenty) Letters of Declaration issued by different organizations
or private and public institutions. We perceived that in the Letters of Declaration
analysed argumentation is achieved by the use of modalizers and argumentative
operators, used by the speaker to produce different effects of meaning in the
texts.
Keywords: Business and Official Writing; Modalization; Letters of Declaration.
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
1 INTRODUÇÃO
Esta investigação, a respeito das estratégias semântico-argumentativas do
gênero declaração, tem como objetivo analisar e descrever a estrutura e o
funcionamento argumentativo de declarações coletadas em instituições públicas
e privadas. Trata-se de uma pesquisa ligada ao projeto intitulado “Estudos
Semântico-Argumentativos de Gêneros do Discurso: redação escolar e gêneros
formulaicos (ESADG)”, financiado com recursos do CNPq.
A investigação se justifica pelo fato de que a produção do gênero
declaração, juntamente com tantos outros que formam o conjunto dos
documentos que compõem a Redação Comercial e Oficial, faz parte atividades
rotineiras do Secretário, em outras palavras, é uma das atribuições desse
profissional a elaboração e manuseio desse tipo de documento. Por essa razão, é
de suma importância que tal profissional conheça e domine o funcionamento das
estratégias argumentativas causadas pelos diversos tipos de operadores e
modalizadores no referido gênero. Isso proporcionará ao Secretário uma maior
compreensão dos efeitos de sentido que ele poderá causar em seus textos, e de
como deve ser o seu posicionamento enquanto locutor, mediante aquilo que
deseja tratar na elaboração das declarações.
O corpus da presente pesquisa é composto por 20 (vinte) declarações, que
foram coletadas em diferentes instituições públicas e privadas. A pesquisa
realizada é de natureza qualitativa e quantitativa, de base descritiva, com foco
na análise das estratégias argumentativas presentes nos textos e os efeitos de
sentido gerados a partir do uso dessas estratégias.
No entanto, neste trabalho, apresentamos a descrição de 05 (cinco) textos
e quantificamos os dados mais relevantes da descrição, a fim de mostrar a
frequência das estratégias argumentativas no corpus.
Destacamos que, além da modalização, que é própria da natureza das
declarações (declarar é asseverar), foram encontradas marcas relevantes de
operadores argumentativos.
Os Operadores Argumentativos e os Modalizadores são aqui apresentados
com base dos estudos de diferentes autores: Ducrot (1988) e colaboradores,
Castilho e Castilho (1993), Koch (2000), Nascimento (2005) e outros.
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2 OS ESTUDOS DA ARGUMENTAÇÃO: DA RETÓRICA À LINGUÍSTICA
2.1 ARGUMENTAÇÃO NA RETÓRICA
A retórica é o ramo do conhecimento que primeiro vai se preocupar com
os estudos da argumentação. Os estudos retóricos começam na Grécia Antiga,
cujo principal expoente é Aristóteles, no entanto, vamos centrar nossos estudos
na Nova Retórica, de Perelman.
Perelman (1999) apresenta a distinção aristotélica entre os raciocínios
dialéticos e os analíticos. Os dialéticos agem sobre opinião do auditório, com a
finalidade de convencer ou persuadir, já os analíticos visam à verdade,
comprovada ou demonstrada.
Após estudar os raciocínios aristotélicos, Perelman os reúne na sua teoria
da
argumentação,
criando
assim
a
Nova
Retórica,
que
consiste
em
argumentações que visem à aceitação ou à rejeição de uma tese em debate.
Para o autor (1999, p. 24), a Nova Retórica
diz respeito aos discursos dirigidos a todas as espécies de
auditórios, trate-se duma turba reunida na praça pública ou
duma reunião de especialistas, quer nos dirijamos a um
único indivíduo ou a toda a humanidade; ela examinará
inclusivamente os argumentos que dirigimos a nós mesmos,
atuando numa deliberação íntima.
Nessa afirmação, o estudioso deixa claro que a argumentação, na
perspectiva da Nova Retórica, está presente nas situações mais corriqueiras do
nosso dia-a-dia, o público pode ser individual ou coletivo, e até mesmo quando
pensamos podemos estar utilizando argumentos nos convencer de algo.
Sendo assim, o que importa para essa retórica é a possibilidade de um
orador persuadir ou convencer seu público sobre algo, utilizando técnicas
específicas, de acordo com cada auditório.
Perelman (1999, p. 26) critica os filósofos, afirmando que não se podem
ignorar
as
técnicas
argumentativas,
ao
menos
que
suas
teses
sejam
incontestáveis. Para ele,
Todos os que creem poder determinar a verdade
independentemente da argumentação menosprezam a
retórica, que se refere a opiniões: em rigor, ela poderia
servir para propagar verdades garantidas ao orador pela
intuição ou pela evidência, mas não para as estabelecer.
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
Mas, se não se admite que se possam fundar teses
filosóficas sobre intuições evidentes, será preciso recorrer a
técnicas argumentativas para as fazer prevalecer. A nova
retórica torna-se, então, instrumento indispensável à
filosofia.
Segundo o autor, a argumentação visa à adesão no campo das ideias ou
da ação, ou seja, a intenção do orador é a de que o auditório pretendido adira a
uma ideia, realize uma ação, ou crie uma predisposição para tal.
Chaim
Perelman
(1999)
faz
uma
distinção
entre
persuasão
e
convencimento: a persuasão é quando se elabora um destinado a atingir um
público específico, particular, e o convencimento é quando o discurso visa o
auditório universal, ou seja, todo e qualquer homem de razão.
Perelman (1999, p. 54) ainda afirma que
Toda argumentação implica uma seleção de fatos e valores,
a sua descrição de uma forma particular, numa certa
linguagem e com uma insistência que varia consoante a
importância que se lhes confere. Escolha de elementos,
escolha de um modo de descrição e apresentação, juízo de
valor ou de importância, todos estes elementos são
considerados
tanto
mais
justificadamente
como
manifestando uma posição, quanto mais nitidamente se veja
que outra escolha, outra apresentação, outro juízo de valor
se lhes poderia opor.
Para essa perspectiva, é de extrema importância que o discurso seja
elaborado a partir de premissas aceitas pelo auditório. Somente assim, o orador
ganhará a adesão pretendida. Não importa para a Teoria da Argumentação
Retórica se as premissas são verdadeiras ou falsas, o que interessa é que sejam
convincentes ou persuasivas o bastante para se ganhar a adesão do auditório.
2.2
ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
Ducrot (1988, p. 48) critica a Teoria da Argumentação Retórica porque
esta considera a argumentação como algo exterior à língua. Segundo o autor, na
concepção tradicional, a argumentação não está na língua, mas nos fatos, nas
presunções etc. que se usam como premissas.
A Teoria da Argumentação na Língua, de Ducrot e colaboradores, também
se opõe à concepção tradicional de sentido, postulando que nem sempre é
possível distinguir e separar as três indicações de sentido tradicionalmente
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descritas no enunciado:
- as objetivas, que descrevem a realidade; as
subjetivas, que mostram a atitude do locutor; e as intersubjetivas, que se
referem às relações locutor-receptor.
Segundo Ducrot, a função primeira da linguagem não é descrever a
realidade e, se isso ocorre, é através dos aspectos subjetivos e intersubjetivos,
que o autor os reúne denominando-os de valor argumentativo. Essa teoria
defende que os enunciados possuem valor argumentativo no seu sentido e na
sua direção: “Definido assim, no meu modo de ver, o valor argumentativo dá
conta – tratarei de
demonstrá-lo
– dos
principais efeitos
subjetivos
e
intersubjetivos do enunciado. Considero, portanto, o valor argumentativo como o
nível fundamental da descrição semântica.” (Ducrot, 1988, p. 51).
Ducrot (1988, p. 52) afirma que a palavra sentido é dotada de dois
aspectos, direção e significado: “Para mim, esta polissemia da palavra sentido
nas línguas românicas é muito significativa: indica que o sentido de uma palavra
é ao mesmo tempo uma orientação no discurso.” E conclui que é essa a ideia que
tenta expressar com a noção de valor argumentativo.
O autor (1988, p. 53) ainda faz uma distinção entre frase e enunciado. A
frase é a estrutura abstrata do enunciado, já o enunciado constitui-se em uma
manifestação da frase, aquilo que pode ser observado, são fragmentos do
discurso.
Segundo Ducrot (1988, p.56), “Uma língua é um conjunto de frases. A
descrição de uma frase consiste no cálculo de seu valor semântico”. O discurso,
por sua vez, é composto por uma sucessão de enunciados.
Para o teórico, o sentido está para o enunciado, assim como a frase está
para o significado. Assim, Ducrot (1988, p.60) estabelece a diferença entre a
significação da frase e o sentido do enunciado: “[…] a significação indica
simplesmente o trabalho que se deve fazer para compreender o enunciado.
Nesse sentido, digo que a significação é aberta. O sentido do enunciado se
produz quando se obedece às indicações dadas pela significação”.
A Teoria da Argumentação na Língua considera que a argumentatividade
está na própria estrutura da língua, nas suas frases. Em outras palavras, a língua
proporciona aos seus usuários diferentes frases e estruturas que permitem a
materialização da argumentatividade, nos enunciados.
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Entre esses elementos da estrutura da língua que funcionam como
estratégias
argumentativas
estão
os
operadores
argumentativos,
os
modalizadores, os ativadores de pressuposição, entre outros.
2.2.1 Operadores Argumentativos
Para Koch (2000, p.30), o termo “operadores argumentativos” foi cunhado
por Ducrot para denominar certos elementos da língua que têm por função
indicar a força argumentativa dos enunciados, o sentido para o qual apontam.
Koch (2000) afirma que Ducrot se utiliza de duas noções básicas para
explicar
o
funcionamento
dos
operadores
argumentativos:
as
de
escala
argumentativa e classe argumentativa. A classe argumentativa se constitui de
uma série de enunciados com argumentos que têm o mesmo peso e levam a
uma
mesma
conclusão.
Já
na
escala
argumentativa
os
enunciados
se
apresentam em gradação de força crescente como argumentos que levam a uma
determinada conclusão.
Segundo Koch (2000), os operadores argumentativos são classificados da
seguinte maneira:
operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala
argumentativa (até, até mesmo etc.);
operadores que somam argumentos numa classe a favor de uma
mesma conclusão (e, também etc.);
operadores que introduzem uma conclusão relativamente a argumentos
de enunciados anteriores (portanto, pois etc.);
operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a
conclusões diferentes ou opostas (ou, quer... quer etc.);
operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos
a favor de uma determinada conclusão (mais que, menos que etc.);
operadores
que
introduzem
uma
justificativa
ou
explicação
relativamente ao enunciado anterior (porque, já que etc.);
operadores que contrapõem argumentos que levam a conclusões
contrárias (porém, no entanto etc.);
Koch (2000, p.36) afirma que, do ponto de vista semântico, os operadores
mas e embora têm funções semelhantes: eles opõem argumentos enunciados
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de perspectivas diferentes, que levam, pois, a conclusões contrárias. Esses
operadores se divergem no que diz respeito à estratégia argumentativa utilizada
pelo locutor: o mas emprega a “estratégia de suspense”, ou seja, orienta o
interlocutor a conclusão R, para depois introduzir o argumento (ou conjunto de
argumentos) que levam a conclusão não -R; ao empregar o embora, o locutor
utiliza a estratégia de antecipação, isto é, indica de antemão que o argumento
introduzido por esse operador vai ser anulado, “não vale”.
operadores que introduzem no enunciado conteúdos pressupostos (já,
ainda etc.);
operadores que distribuem em escalas opostas, ou seja, um deles
aponta para a afirmação da totalidade e o outro aponta para a negação
da totalidade (um pouco, pouco, quase, apenas etc.).
Há,
além
desses
descritos
por
Koch,
muitos
outros
operadores
argumentativos que estão inseridos na língua e são responsáveis pela força
argumentativa dos enunciados, imprimindo neles as intenções dos locutores em
relação ao conteúdo.
2.2.2 A modalização como estratégia argumentativa
A modalização ou modalidade é vista, neste trabalho, como uma das
estratégias argumentativas que se materializa, linguisticamente, já que permite
a um locutor emitir um posicionamento a respeito de seus enunciados, em
função da interlocução. Segundo Koch (2002, p.72) o locutor manifesta suas
intenções
e
atitudes
perante
o
enunciado
através
de
diferentes
atos
ilocucionários de modalização.
Cervoni (1989, p.53) afirma que a noção de modalidade implica a ideia de
que uma análise semântica permite distinguir, num enunciado, um dito
(conteúdo proposicional) e uma modalidade (ponto de vista do locutor sobre esse
conteúdo).
Para Castilho e Castilho (1993, p.217), a modalização expressa um
julgamento do falante sobre o conteúdo da proposição, decorrendo daqui suas
decisões sobre afirmar, negar, interrogar, ordenar, permitir, expressar a certeza
ou a dúvida sobre esse conteúdo.
Castilho e Castilho (1993, p.217) afirmam que a modalização se
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materializa no enunciado
através
de
diferentes
elementos
linguísticos
–
denominados de modalizadores – como a prosódia, os modos verbais, os verbos
auxiliares como dever, poder, querer, e os verbos que constituem orações
parentéticas e matrizes como achar, crer, acreditar, os adjetivos, os advérbios,
os sintagmas preposicionados em função adverbial, entre outros.
Os autores Castilho e Castilho agrupam os modalizadores em três tipos:
epistêmicos (asseverativos, quase-asseverativos e delimitadores), deônticos e
afetivos.
Nascimento
(2005),
por
sua
vez,
faz
uma
atualização
nessa
nomenclatura. Como modalizadores afetivos são muito restritos à expressão de
sentimentos e emoções, a denominação mais adequada e abrangente para esses
modalizadores, segundo Nascimento (2005), é modalizador avaliativo, pois mais
do que expressar um sentimento por parte do falante, indica um julgamento
sobre o discurso e como o locutor deseja que o discurso seja lido.
Segundo a classificação de Nascimento (2010, p. 07), os tipos de
modalizadores são:
Modalização Epistêmica – é aquela que expressa uma avaliação sobre o valor
de verdade e as condições de verdade da proposição.
Asseverativa – indica que o falante considera verdadeiro o
conteúdo da proposição.
Quase-asseverativa – indica que o falante considera o conteúdo
da proposição como quase certo.
Delimitadores – estabelecem os limites dentro dos quais se deve
aceitar o conteúdo como certo.
Modalização Deôntica– o falante considera o conteúdo como algo que deve
acontecer obrigatoriamente
De obrigatoriedade – apresenta o conteúdo como algo obrigatório
e que precisa acontecer.
De proibição – expressa o conteúdo como algo proibido, que não
pode acontecer.
De possibilidade – expressa o conteúdo como algo facultativo ou
dá a permissão para que este aconteça.
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Modalização Avaliativa – indica uma avaliação ou juízo de valor da proposição
e como o locutor deseja que seu discurso seja lido, excetuando-se qualquer
julgamento epistêmico ou deôntico.
Ainda
para
Nascimento
(2010),
a
modalização
é
uma
estratégia
argumentativa, uma vez que permite ao locutor exprimir um julgamento a
respeito do seu enunciado ou da enunciação, ao mesmo tempo em que imprime
um modo como esse enunciado deve ser lido por seu interlocutor, ou age em
função da interlocução, muitas vezes indicando como seu interlocutor deve agir.
3 O GÊNERO TEXTUAL DECLARAÇÃO
Os manuais de correspondência ou de redação geralmente conceituam a
declaração como a afirmação de um fato ou circunstância, o ato de denotar ou
explicar alguma coisa, um manifesto de vontade por parte do declarante que
pode externar-se, ou não, em forma de documento.
Segundo
Medeiros
(2006,
p.229),
“A
declaração
é
prova
escrita,
documento, depoimento, explicação. Nela se manifesta uma opinião, conceito,
resolução ou observação”.
Segundo esse autor, “A declaração é a afirmação da existência de um fato;
existência ou não de um direito” (MEDEIROS, 2006, p. 278). Ainda de acordo
com Medeiros, a declaração pode ser iniciada das seguintes maneiras: “Declaro,
para os devidos fins, que... Declaro para fins de prova junto ao órgão tal...
Declaro, a pedido verbal de...” etc.
O Dicionário Michaelis (2009, p. 161) apresenta uma definição mais ampla
para o termo Declaração:
1 Ação ou efeito de declarar. 2 Aquilo que se declara;
afirmação formal; asserção explícita. 3 Documento em que
se declara alguma coisa. 4 Depoimento. 5 Informação ou
documento que informa a respeito de quantia, número e
espécie de rendas, lucros, bens ou objetos sujeitos a
impostos ou direitos: Declaração de bens. Declaração para
alfândega. 6 Confissão de amor. 7 Dir Nunciação. 8 Dir Ato
diplomático, pelo qual duas ou mais potências afirmam seu
acordo sobre determinado assunto. 9 Inform Sentença
dentro de um programa que informa o compilador ou
interpretador sobre a forma, tipo e tamanho de um
elemento, constante ou variável específica.
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Neste trabalho, consideramos a declaração a partir da concepção de
gêneros
do
discurso
de
Bakhtin
(2000),
que
os
considera
como
tipos
relativamente estáveis de textos (enunciados, na nomenclatura do autor).
Utilizamos também os três critérios do autor para definir ou descrever um
gênero: conteúdo temático, estilo e forma composicional.
Na declaração está expressa a vontade do declarante em afirmar algo
sobre determinado assunto. Dependendo do fato ou circunstância, ela terá
denominações diferentes, provenientes de sua finalidade e de seu conteúdo.
Assim, é possível encontrar diferentes tipos de declaração: de guerra, de óbito,
de crédito, de ausência, de direito, de renda, de princípios, de vontade etc.
Segundo Bakhtin (2000, p. 281), o conteúdo temático presente nos
enunciados refere-se ao assunto que compõe o texto. No caso da declaração, o
assunto veiculado é sempre uma afirmação a respeito de algo. Nesse aspecto, o
locutor vai deixar sua marca ao abordar o tema, sua subjetividade em relação ao
assunto. O querer-dizer, o intuito comunicativo do produtor do documento estará
presente em cada palavra dita.
Para esse estudioso, os gêneros menos aptos para refletir o estilo
individual são aqueles que possuem uma forma padronizada, como a declaração,
o ofício etc. No entanto, mesmo em textos padronizados, é possível perceber a
presença do estilo do autor. Bakhtin também afirma que todo gênero possui um
estilo linguístico próprio e que para melhor se definir um gênero, inclusive os
padronizados, é preciso conhecer seu estilo geral, sua natureza e sua
diversidade. A declaração possui uma linguagem própria do universo comercial e
oficial e a marca da modalização, além dos operadores argumentativos, é própria
do seu estilo linguístico, como esta investigação se propõe a demonstrar.
A construção composicional refere-se ao fato de que todo gênero sempre
possui algo que lhe é característico. Para os manuais de redação comercial e
oficial, a declaração, que pode ser manuscrita ou digitada em papel ofício (com
ou sem timbre), divide-se nas seguintes partes:
1° - Título: a palavra “DECLARAÇÃO”, em letras maiúsculas, no alto e centro do
papel;
2° - Texto: o contexto da declaração especifica a sua finalidade. No texto deve
conter a identificação do emissor, o verbo declarar no presente do indicativo e na
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primeira pessoa do singular ou plural, a finalidade do documento, nome e dados
de identificação do interessado e a citação do fato a ser declarado;
3° - Localidade e data;
4° - Assinatura.
Essa modalidade de documento, que é a declaração, está presente em
diversas situações do cotidiano, assumindo as formas escritas ou verbais e
exercendo a função de declarar ou afirmar algo de que se tem pleno
conhecimento.
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa realizada foi de natureza descritiva, na qual foram identificados
o funcionamento de diferentes estratégias semântico-argumentativas e os efeitos
de sentido provocados por sua utilização no gênero estudado.
O corpus da investigação foi coletado em organizações públicas, privadas e
na internet. Foram coletadas, inicialmente, 40 (quarenta) declarações, e após
uma análise detalhada, selecionamos apenas 20 (vinte) declarações para compor
o corpus da presente pesquisa, considerando a incidência das estratégias
argumentativas.
Ao
detectamos
ocorrência
a
término
desta
marcante
etapa,
dos
iniciamos
as
modalizadores
investigações
e
e
operadores
argumentativos presentes em todas as declarações.
O próximo passo foi fazer o levantamento dos diversos tipos de
modalizadores; pudemos verificar a presença de todos eles (epistêmicos,
deônticos e avaliativos), além dos diversos tipos de operadores argumentativos.
Em seguida, analisamos o funcionamento e efeitos que cada um deles causa no
texto.
Esse trabalho de análise teve como base os princípios teóricos de
Perelman (1999), Ducrot e colaboradores (1988), Castilho e Castilho (1993),
Nascimento (2005 e 2010) e Koch (2000), entre outros.
5
MODALIZADORES
E
OPERADORES
ARGUMENTATIVOS
NAS
DECLARAÇÕES
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A seguir, transcrevemos cinco textos originais, marcamos neles a presença
dos modalizadores (em negrito) e dos operadores (em azul). Após cada texto,
analisamos o funcionamento de cada um dos modalizadores e operadores
marcados. Salientamos que retiramos, dos textos, o nome das pessoas
envolvidas, por questões de natureza ética.
Declaração nº 01
Escola Municipal de Ensino Fundamental
Manoel Lourenço Fernandes
Curral de Cima - PB
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins que a professora XXXXX esteve presente a reunião
com o gestor municipal de Curral de Cima a fim de tratar de assunto de interesse da
classe pedagógica e por isso ausentou-se de suas atividades escolares no dia
07/07/2010.
Atenciosamente
Curral de Cima, 10 de julho de 2010.
Na declaração 01, coletada em uma escola municipal de ensino, o locutor
faz uso de o verbo discendi modalizador declarar, significando afirmar, ou seja, é
um modalizador do tipo epistêmico asseverativo – que expressa uma avaliação
sobre o valor de verdade da proposição. O verbo se encontra na 1ª pessoa do
singular, atribuindo toda a responsabilidade ao locutor responsável pelo
documento, aquele que assina a declaração.
O verbo declarar está presente, praticamente, em todas as declarações,
ele já é de sua natureza. Através desse modalizador, o locutor introduz todo o
conteúdo do texto apresentando-o como algo certo, do qual tem conhecimento.
Assim, além de afirmar que o conteúdo é verdadeiro, o locutor assume total
responsabilidade pelo dito.
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Mais adiante o locutor utiliza um operador argumentativo “a fim de” que,
no texto, tem a função de introduzir objetivo ou finalidade, ou seja, que a
professora se reuniu com o prefeito com a finalidade de tratar de assunto de
interesse da classe pedagógica.
Nessa declaração ainda encontramos mais um operador argumentativo, a
expressão “por isso”, através desse operador o falante direciona o discurso com
um operador argumentativo que introduz justificativa ou explicação. Assim, o
locutor justifica a ausência da professora em suas atividades escolares no dia
07/07/2010.
Declaração nº 02
Universidade Federal da Paraíba
Centro de Ciências Aplicadas e Educação
Campus IV – Litoral Norte – Rio Tinto
Departamento de Ciências Sociais
Rio Tinto, 21 de Outubro de 2010.
DECLARAÇÃO
O Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciências Aplicadas e Educação
da UFPB, declara: que devido à indisponibilidade momentânea de motoristas do
CCAE e do período extenso de viagem, que o Professor XXX, usou veículo próprio para
locomover-se até a cidade de Natal-RN, no período de 22 a 25 de setembro de 2010,
para participar [...] das sessões temáticas, debates, palestras e outros eventos. Isto
isenta a Instituição de possíveis danos que venham a acontecer com o veículo do
proprietário.
___________________________
XXX XXX XX XXX
Chefe de Departamento
___________________________________
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160
O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
XXX XXX XX XXX
Atesto a veracidade das informações acima.
Nessa declaração observamos que há uma modalização do discurso
através do verbo discendi modalizador declara, que está na terceira pessoa em
uma tentativa do locutor de minimizar sua responsabilidade com o dito,
passando-a para a instituição que representa. No entanto, o fato de ser chefe e
assinar o documento, por si só, o coloca como responsável pelo discurso. Além
disso, o fato de o verbo ser declarar, um modalizador Epistêmico Asseverativo,
apresentando o conteúdo como verdadeiro, compromete o locutor.
Através da expressão “devido a”, o falante introduz, com esse operador,
uma justificativa ou explicação, ele indica o porquê de o professor ter utilizado
veículo próprio para se locomover.
Mais adiante temos a expressão “indisponibilidade” que é sinônimo de
não é possível que. Trata-se de um Modalizador Epistêmico quase-asseverativo,
pois o locutor afirma que há indisponibilidade de motoristas, ou seja, que não é
possível ter motorista. Ao dizer que é “momentâneo”, ele emite um juízo de
valor,
justificando-se.
Esse
“momentâneo”
funciona
como
Modalizador
Avaliativo, porque apresenta a indisponibilidade de motoristas como algo do
momento, logo passageiro.
Ainda encontramos nessa declaração a presença de mais um modalizador,
a palavra “extenso”. Esse adjetivo extenso é um Modalizador Avaliativo, pois
revela um ponto de vista do locutor sobre o conteúdo: o falante considera o
período de viagem como extenso – e isso justificaria o fato de não deslocar um
motorista da instituição para realizar a viagem.
Declaração nº 03
Estado da Paraíba
Prefeitura Municipal de Curral de Cima
Secretaria da Educação
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins que o aluno XXX, residente e domiciliado no Sítio
Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 2, n. 2, p.145-169, jul./dez. 2011.
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Erivaldo Pereira do Nascimento & Raquel Ferreira da Silva
Laranjeiras, s/n - zona rural, neste município, concluiu o Programa Brasil Alfabetizado no
dia 05/03/2010, estando o mesmo apto a se matricular na XXX na Escola Municipal XXX,
conforme encaminha a Alfabetizada do Programa XXX, XXX.
Curral de Cima, 08 de março de 2010.
XXX XXX XXX XX XXX
(Secretário da Educação)
Observamos, nessa terceira declaração, emitida por uma determinada
instituição de ensino a certo aluno, que o locutor inicia seu discurso modalizando
o enunciado através do verbo “Declaro”. O locutor utiliza esse termo para
expressar com toda certeza que o aluno concluiu o Programa Brasil Alfabetizado,
ele afirma e se responsabiliza sozinho pelo que está dizendo, pois coloca o verbo
na 1ª pessoa do singular. Trata-se de um Modalizador Epistêmico Asseverativo.
Mais adiante, nessa mesma declaração, o locutor modaliza o discurso com
a expressão “apto”.
O locutor utiliza esse modalizador para imprimir uma
avaliação ou ponto de vista. Para ele, o aluno tem plena capacidade de se
matricular na citada Escola Municipal. Com isso, o locutor deixa claro que é assim
que ele deseja que seu texto seja lido por seu interlocutor. Trata-se de um
Modalizador Avaliativo.
Ainda nessa declaração, notamos a presença de um operador, a expressão
“conforme” que funciona como operador de conformidade, indicando que um
determinado fato ocorreu em consonância com outro, ou seja, apresenta um
argumento baseado em outro.
Percebemos que o locutor faz uso desses modalizadores e operadores com
o intuito de convencer o interlocutor de que o aluno já concluiu o Programa
Educacional e está apto para se matricular na Escola Municipal determinada.
Declaração nº 04
Estado da Paraíba
Prefeitura Municipal de Curral de Cima
Secretaria da Educação
DECLARAÇÃO
Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 2, n. 2, p.145-169, jul./dez. 2011.
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
Declaro para os devidos fins que XXX, funcionária pública municipal, com lotação
na Secretaria da Educação, exercendo a função de Professor Classe B, esteve lecionando
na Escola Municipal XXX, no dia 26 de julho do ano em curso, das 07:00 às 11:00,
ficando a mesma impossibilitada de participar de outras atividades neste dia e horário.
Curral de Cima, 26 de julho de 2010.
XXX XXX XXX XX XXX
(Secretário da Educação)
Nessa declaração, percebemos que o locutor se utiliza do verbo dicendi
declarar e assim inicia modalizando o discurso como algo que deve ser lido como
certo. Esse verbo discendi “Declaro” já é da natureza das declarações, pois está
presente em praticamente todas elas, atribuindo total responsabilidade ao
locutor que assina o documento.
Mais adiante, o locutor modaliza o discurso ao utilizar a expressão
“impossibilitada”, o locutor imprime uma ideia de proibição por trás da
máscara de impossibilidade, pois, nesse contexto, estar impossibilitada significa
que não é permitido, ou seja, que é proibido que a funcionária realize outras
atividades. Aparentemente trata-se de um modalizador epistêmico asseverativo,
mas, na verdade, é um modalizador deôntico de proibição, porque, nesse
contexto, indica que a professora não pode participar de outras atividades nesse
dia e horário.
Declaração nº 05:
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA
___________________________________________________
DECLARAÇÃO
Declaramos, para os devidos fins, que os resíduos sólidos caracterizados como
lâmpadas fluorescentes inutilizadas são considerados resíduos perigosos, classificados
como resíduos Classe I pela ABNT/NBR 10004, e como resíduos não passíveis de
Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 2, n. 2, p.145-169, jul./dez. 2011.
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Erivaldo Pereira do Nascimento & Raquel Ferreira da Silva
destinação a aterros sanitários municipais pela Lei Estadual xxx/1998. Portanto, em
cumprimento a tais instrumentos legais e ao estipulado pela Lei Complementar Municipal
xxx/1990, manejo, coleta e destinação de tais resíduos não correspondem a atribuições
do DMLU, cabendo, em primeira instância, ao seu gerador.
Porto Alegre, 24 de novembro de 2003.
XXX XXX XXX
Diretor da Divisão de Destino Final
Na declaração de número 05, coletada pela internet, o locutor faz uso
verbo discendi modalizador “declarar”, significando afirmar, ou seja, é um
modalizador do tipo Epistêmico Asseverativo – que expressa uma avaliação sobre
o valor de verdade da proposição. O verbo se encontra na 1ª pessoa do plural
“declaramos”. Dessa maneira, o locutor também atribui a responsabilidade à
instituição como um todo, e não apenas àquele que assina a declaração.
Ainda nessa declaração encontramos a expressão “perigosos”, trata-se
de um Modalizador Avaliativo, este indica que o locutor faz um juízo de valor, ou
seja, ele considera que os resíduos são perigosos. Ao fazer isso, não só imprime
uma avaliação sobre o dito (os resíduos), como age em função do seu
interlocutor indicando como deve ser lido (como algo perigoso).
A palavra “portanto” é um operador argumentativo que introduz uma
conclusão. Esse operador introduz a conclusão que os resíduos destinados a
aterros sanitários municipais não são obrigações do DMLU, mas sim de seu
gerador.
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A argumentação é um processo que, através da linguagem, tem como
finalidade persuadir o outro. A intenção de quem fala ou toma uma palavra, não
é apenas comunicar algo, mas é levar o interlocutor a aceitar uma ideia ou ponto
de vista, e assim, interferir em suas ações. Os estudos da Modalização explica
que, na estruturação de um discurso, a relação entre os interlocutores é
constantemente projetada através de relações de modalidade, em que o locutor
Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 2, n. 2, p.145-169, jul./dez. 2011.
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
responsável pelo discurso expressa intenções, avaliações ou atitudes perante o
enunciado, conforme assinala Koch (2000).
Por meio das análises feitas no corpus investigado, foram encontrados
todos os tipos de modalização (epistêmica, deôntica e avaliativa) e diversos tipos
de operadores argumentativos; visualizamos como ocorrem as estratégias
argumentativas no gênero declaração e percebemos que os modalizadores e
operadores
argumentativos
estão
presentes
nesse
gênero
atuando
com
diferentes intenções e provocando diversos efeitos de sentido.
Com relação a modalização epistêmica, que se subdivide em três tipos,
encontramos 27 casos de asseverativa, 05 de quase-asseverativa e nenhum caso
de delimitadora. A modalização epistêmica asseverativa é utilizada pelo locutor
para expressar certeza com relação a algum fato, isso permite que ele se
comprometa totalmente com o que diz. No caso das declarações, esse tipo de
modalização aparece com mais frequência no início do texto, geralmente, através
dos verbos discendi declarar, sendo utilizadas para persuadir o interlocutor, ou
seja, tentando convencer o interlocutor a ler aquele discurso como verdadeiro.
Encontramos o verbo declarar nas seguintes conjugações - declaro,
declara e declaramos. A primeira forma do verbo declarar está na 1ª pessoa
singular (presente do indicativo), representando, no texto, que o locutor se
responsabiliza ele próprio por todo o discurso.
A segunda forma do verbo declarar, na 3ª pessoa do singular (presente
do indicativo), tem, na declaração, a função de atribuir a responsabilidade do
que
está
sendo
declarado
a
uma
instituição,
tentando
minimizar
a
responsabilidade de quem assina a declaração.
Já na terceira forma do verbo declarar, na 1ª pessoa do plural ( presente
do indicativo), o locutor responsabiliza a si próprio mas também a instituição
remetente, comprometendo a si e a outrem pelo que está sendo declarado.
Trata-se, também, de uma tentativa de minimizar a responsabilidade pelo dito.
É preciso salientar que ocorrem casos em que se utiliza um modalizador
epistêmico asseverativo no interior da declaração e que, geralmente, funciona
com um reforço do verbo declarar presente no início do texto.
Já a modalização epistêmica quase-asseverativa foi o terceiro tipo de
maior ocorrência nas declarações, 05 no total. Esses modalizadores, segundo
Castilho e Castilho (1993), servem para indicar que o locutor apresenta o
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Erivaldo Pereira do Nascimento & Raquel Ferreira da Silva
conteúdo da proposição como quase certo, ou seja, como algo que precisa de
confirmação. Nesses casos, o locutor assume uma posição de distanciamento do
dito; o epistêmico quase-asseverativo revela um desconhecimento por parte do
locutor a respeito do objetivo de sua declaração ou do seu interlocutor. No
entanto, é importante anotar que o enunciado em que esse tipo de modalizador
aparece em enunciados do tipo: “a quem interessar possa”. Esse enunciado já
faz parte da própria estrutura composicional do documento e, por isso, não é
possível afirmar se é isso realmente que ocorre, mas, pelo menos, é o que fica
materializado linguisticamente.
Convém assinalar que o modalizador epistêmico delimitador não apareceu
nas declarações que analisamos.
Já no caso da modalização deôntica, encontramos 4 ocorrências no corpus
analisado. Esse tipo de modalização no texto adquiriu função de indicar a
existência de uma obrigatoriedade ou de uma proibição por parte do locutor ou
do interlocutor, com relação a uma determinado enunciado.
A modalização avaliativa é usada pelo locutor responsável pelo discurso
para expressar um julgamento ou ponto de vista em relação ao que está sendo
posto. Ele assume uma posição de envolvimento com o texto que está relatando,
e também, determina como deseja que seu texto seja lido. Foram verificados 19
casos de modalização avaliativa, através de adjetivos como “relevante”,
“positiva”, “infrutíferas”, “abandonada”, “fiel” etc.
A grande presença desses avaliativos, a segunda maior ocorrência de
modalizadores, revela que o locutor não se limita a dar uma declaração sobre
algo, ele também se posiciona a respeito do que está declarando, emitindo um
juízo de valor e indicando como seu interlocutor deve ler o conteúdo dos seus
enunciados.
Dessa forma,
a
modalização
avaliativa
funciona
como
uma
estratégia argumentativa muito peculiar no gênero declaração.
É possível observar mais detalhadamente, no quadro abaixo, o total de
ocorrência dos diversos tipos de modalizadores encontrados na análise do
corpus.
Modalizadores
Epistêmicos Asseverativos
Epistêmicos Quase-asseverativos
Ocorrência
%
27
49,1
5
9,1
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
Deônticos de proibição
1
1,8
Deônticos de obrigatoriedade
3
5,5
Avaliativos
19
34,5
Total
55
100
Dentre os tipos de operadores argumentativos, os que indicam justificativa
ou explicação são os que mais aparecem nos textos - 04 ocorrências - , devido
ao fato de o locutor julgar necessária uma justificativa ou explicação do que está
sendo
declarado. Em segundo
lugar,
estão
os operadores que indicam
conformidade - 02 ocorrências - , eles têm a intenção de indicar que algo está
em consonância com outro; e os operadores que somam argumentos – 02
ocorrências – que foram utilizados para somar enunciados que expressavam
declarações.
O quadro abaixo apresenta os tipos de operadores presentes no corpus, e
sua ocorrência.
Operadores Argumentativos
Ocorrência
Introduz Objetivo ou Finalidade
1
8,3
Justificativa ou Explicação
4
33,3
De conformidade
2
16,7
Introduz conclusão
1
8,3
Soma Argumentos
2
16,7
Introduz Causa
1
8,3
Condicionalidade
1
8,3
Total
12
%
99,9 = 100
É bom assinalar que os operadores são importantes porque conduzem os
movimentos
argumentativos
dentro
do
próprio
texto,
correlacionando
os
argumentos e, dessa forma, contribuem para as conclusões pretendidas, qual
seja declarar ou afirmar algo a respeito de alguma coisa.
Salienta-se que a grande ocorrência de modalizadores é suficiente para
afirmar que a modalização é uma estratégia do próprio gênero, principalmente a
modalização epistêmica asseverativa e modalização avaliativa. E com relação aos
operadores, embora ocorram em menor quantidade, também são característica
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Erivaldo Pereira do Nascimento & Raquel Ferreira da Silva
do
gênero,
na
medida
em
que
correlacionam
argumentos
necessários
(enunciados) para a declaração que se vai realizar.
Os estudos realizados sobre a Teoria da Argumentação juntamente com a
Modalização nos permitiu compreender os fenômenos que ocorrem dentro do
gênero declaração, deixando claro que tipos de estratégias argumentativas são
utilizadas por um locutor para revelar suas intenções e posicionamentos, e
também, sua maneira de agir para com seu interlocutor.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da investigação visualizamos, com base na análise das
declarações, que o locutor utilizou estratégias argumentativas diversas para
direcionar como seu texto deveria ser lido. Com isso, o que podemos concluir a
respeito de gênero textual/discursivo declaração é que, a argumentatividade e a
subjetividade estão presentes nesse gênero por meio dos modalizadores e
operadores argumentativos.
Já
esperávamos
que
a presença
dos
modalizadores
epistêmicos
asseverativos fosse o tipo de maior ocorrência, com 27 casos no corpus
analisado, pois já é da natureza das declarações atribuírem caráter de verdade
ao seu discurso. Ficamos um tanto surpresos com a grande ocorrência dos
modalizadores
avaliativos.
Foram
19
ocorrências
nas
declarações
que
analisamos. Ao fazer uso de tais modalizadores, o locutor utiliza estratégias
argumentativas diversas para interagir com o seu interlocutor, indicando como
ele deseja que seu texto seja lido, e assim atuando sobre ele.
Já os operadores argumentativos que são elementos linguísticos usados
pelo locutor que têm a função de indicar a força argumentativa dos enunciados e
o sentido para o qual lhes direcionam, apareceram em menor frequência que os
modalizadores, mas não menos importante. Através deles, como assinalamos
anteriormente, é possível perceber o movimento argumentativo no texto, como
os enunciados (argumentos) são postos a fim de uma determinada conclusão.
É
de
suma
importância
destacar
que
a
presença
dos
operadores
argumentativos e dos modalizadores no gênero declaração serve para negar o
discurso dos manuais de redação, os quais tratam esse documento como sendo
um gênero impessoal, longe de qualquer argumentatividade. No entanto, nossa
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O secretariado e a produção textual: a argumentação no gênero declaração
investigação
mostrou
que
esses
elementos
linguísticos
encontrados
nas
declarações são característicos do próprio gênero e marcam a individualidade do
locutor, a qual fica registrada no texto. Com isso, podemos confirmar que
ninguém fala ou escreve sem uma intenção, e essa intenção não só fica
registrada no material linguístico selecionado para a interação, mas também,
como afirma Ducrot (1988), já está presente na própria estrutura da língua.
Com relação às contribuições do tema abordado para a área secretarial, é
importante destacar que por si só a investigação se torna relevante já que faz
parte das atribuições dos profissionais de Secretariado a redação de declarações,
bem como de tantos outros documentos que compõem a Redação Comercial e
Oficial. Conhecer e dominar o funcionamento das estratégias argumentativas
causadas pelos diversos tipos de operadores e modalizadores no referido gênero,
permitirá que esse profissional, ao redigir ou utilizar-se desse documento, saiba
se posicionar mediante aquilo que ele deseja comunicar em seus textos, e
também saiba como agir para alcançar seus objetivos interacionais com mais
eficácia.
Salientamos que, na investigação realizada, não foram encontrados casos
de polifonia, por isso o foco da pesquisa foi direcionado para a ocorrência e
funcionamento dos operadores argumentativos e dos modalizadores. Portanto,
só é possível afirmar até o momento que, de acordo com o corpus analisado,
apenas os operadores e os modalizadores são características semânticoargumentativas do gênero declaração.
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Odacir;
BELTRÃO,
Mariúsa.
Correspondência,
linguagem
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comunicação: oficial, comercial, bancária, particular. 23 ed. São Paulo: Atlas,
2005.
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DUCROT, Oswald. Polifonia y Argumentación: Conferencias del Seminario Teoria
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DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Revisão técnica da tradução Eduardo
Guimarães. Campinas SP: Pontes, 1987.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A Interação pela Linguagem. 5 ed. São Paulo:
Contexto, 2000.
MEDEIROS, João Bosco; Correspondência: técnicas de comunicação criativa. 13
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______. Português instrumental: para cursos de contabilidade, economia e
administração. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MEDEIROS, João Bosco; HERNANDES, Sonia. Manual da Secretária. 9 ed. São
Paulo: Atlas, 2004.
NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. Jogando com as vozes: A polifonia – recurso
modalizador – na notícia jornalística. João Pessoa. UFPB, 2005 (Tese de
doutorado).
______. A modalização deôntica e suas peculiaridades semântico-pragmáticas.
In: Fórum Linguístico. vol. 7, n. 1. Florianópolis, 2010. (pp. 30-45).
PERELMAN, Chaim. O império retórico: retórica e argumentação. 2.ed. Lisboa:
Asa Editores, 1999.
________________________
Data do recebimento do artigo: 13/08/2011
Data do aceite de publicação: 28/11/2011
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