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A CHINA SOB O FOCO DAS LUZES:
OS OLHARES DE MONTESQUIEU E VOLTAIRE
Renato Moscateli
Doutorando em Filosofia pela Unicamp
Resumo: O artigo discute as diferentes interpretações de Montesquieu e
Voltaire acerca da China, especialmente aquelas que são expostas na obra
O Espírito das Leis, escrita pelo primeiro, e nos livros Ensaio sobre os
costumes e Dicionário Filosófico, escritos pelo segundo. Por meio de um
estudo intertextual, pretende-se analisar as opiniões dos dois escritores
franceses sobre os costumes, a religião e a política na nação chinesa.
Assim, é possível não apenas conhecer as idéias de Montesquieu e Voltaire
sobre o império oriental, mas também os princípios iluministas que
guiaram suas respectivas reflexões.
Palavras-chave: Montesquieu; Voltaire; China.
Abstract: The article argues the different interpretations of Montesquieu and
Voltaire concerning China, especially those that are displayed in the work The
Spirit of Laws, written by the former, and in the books Essay on the manner and
Philosophical Dictionary, written by the latter. By means of an intertextual study,
one intended to analyze the opinions of the two French writers on the customs,
the religion and the politics in the Chinese nation. Thus, it is possible not only to
know the ideas of Montesquieu and Voltaire on the eastern empire, but also the
enlightened principles that had guided theirs respective reflections.
Key-words: Montesquieu; Voltaire; China.
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No século XVIII, um grande número de pensadores da Europa dedicou-se
aos estudos históricos de uma maneira bastante inovadora. Uma das qualidades mais significativas em seus trabalhos é que eles estavam imbuídos do
desejo de praticar uma história universal, não limitada a qualquer nação ou
civilização em especial, graças ao que o mundo não-europeu começou a ganhar
um espaço importante em seus textos. Assim, os filósofos das Luzes recorriam
a comparações entre os povos de todo o mundo, da Ásia em especial, e nem
sempre os europeus levavam vantagem no confronto. Entre esses autores,
Montesquieu e Voltaire escreveram obras de história e política nas quais a
China foi abordada, em diversas perspectivas, como uma nação importante no
cenário mundial. Para analisar como cada um deles retratou o império chinês,
serão consultadas, neste breve estudo, as páginas d’O Espírito das Leis de
Montesquieu, publicado em 1748, do Ensaio sobre os costumes e do Dicionário
Filosófico de Voltaire, publicados, respectivamente, em 1756 e 17641.
Ao longo d’O Espírito das Leis, os esforços de Montesquieu dirigem-se à
apreensão das múltiplas relações entre as leis e uma série de outros elementos que, de algum modo, influem na constituição política dos Estados, tais
como a história, a religião, o clima, os costumes e as maneiras. Em conjunto,
eles formam o espírito geral das nações2, sendo que em cada uma delas um
elemento prevalece sobre os demais. Para Montesquieu, o que constituía a
particularidade dos chineses era ser um povo cujo espírito geral tinha nas
maneiras sua marca essencial, idéia retomada muitas vezes em toda a obra.
As maneiras são definidas como práticas habituais ligadas à conduta externa
dos indivíduos3, e Montesquieu acreditava que elas predominavam no comportamento dos chineses devido ao objetivo fundamental dos legisladores do
país, que era a manutenção da tranqüilidade do povo: os legisladores “confundiram a religião, as leis, os costumes e as maneiras; tudo isto fez a moral,
tudo isto fez a virtude. Os preceitos que observavam esses quatro pontos
foram o que se chama de ritos. Foi na observação exata desses ritos que o
governo chinês triunfou.” (Montesquieu, 2001, p. 567) Tratava-se de um
meio para inspirar a doçura nas relações pessoais, e com ela a conservação da
paz e da boa ordem. Resultou daí que ações cotidianas dos cidadãos chineses, dos mais humildes aos mais elevados, eram guiadas por regras de civili-
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A proximidade que se poderá notar, em determinados momentos, entre as concepções dos dois iluministas
sobre a China deve-se, em grande medida, ao uso das mesmas fontes. Montesquieu cita a História da China
e a Descrição da China, ambas do padre du Halde, o relato de Lange, a Viagem ao redor do mundo do
almirante inglês Anson, as cartas de Mairan e as do padre Parennin. Voltaire, por sua vez, também se baseou
nas memórias do almirante Anson e nos textos de missionários jesuítas para escrever sobre a China. Este é
um ponto muito relevante a ser levado em consideração, não apenas pela coincidência das fontes em si, mas
também pelo fato de que se trata de pensadores europeus utilizando relatos feitos por outros europeus a
respeito de um país do Oriente. Por mais justos e imparciais que Montesquieu e Voltaire tenham desejado
ser em suas análises, é preciso ter em mente que o conteúdo de suas obras é marcado por um filtro duplo de
olhares estrangeiros: o primeiro, posto pelos autores das fontes, que narraram suas experiências em solo
chinês a partir de seus valores e crenças pessoais; o segundo, configurado pelas teorias filosóficas específicas
de dois indivíduos que, vale lembrar, nunca estiveram na China, teorias por meio das quais as evidências das
fontes foram interpretadas para se adequar a quadros intelectuais mais amplos.
Ver O Espírito das Leis, livro XIX, capítulo IV.
Ver O Espírito das Leis, livro XIX, capítulo XXVI.
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dade que deviam estimular o respeito mútuo entre todos, lembrando-os sempre de que dependiam uns dos outros para viver.
No Ensaio sobre os costumes, Voltaire retomou o mesmo ponto. De acordo
com ele, o cerimonialismo das maneiras na China havia difundido moderação
e honestidade por toda a nação, dos maiores súditos aos mais humildes, algo
que dava aos costumes, ao mesmo tempo, gravidade e doçura. Voltaire faz
questão de mencionar o testemunho dos missionários, segundo os quais nos
mercados públicos chineses, em meio aos estorvos e confusões que em outros países excitariam clamores e comportamentos tão comumente bárbaros,
“eles viram os camponeses se ajoelharem uns diante dos outros conforme o
costume do país, pedirem-se perdão pelo embaraço do qual cada um se acusava, ajudarem-se um ao outro, e resolverem tudo com tranqüilidade”. (Voltaire,
1961, p. 21) O escritor francês admirava essa polidez como um demonstrativo
da força e da antiguidade da civilização chinesa. Cultivando uma finalidade
semelhante à de Montesquieu, ele buscava compreender o que chamava de
“espírito dos povos”, ou seja, a essência dos costumes das nações e as
principais características das várias civilizações existentes no espaço e no
tempo. Por este motivo, Voltaire defendeu a necessidade de começar seu
Ensaio falando do Oriente, o berço de todas as artes, e da China em primeiro
lugar, uma vez que esse país tinha uma história contínua, em uma língua já
fixa, quando os europeus ainda nem sequer conheciam o uso da escrita.
Assim, algo que Voltaire incumbiu-se de ressaltar logo de início foi a impressionante estabilidade da civilização na China a despeito de sua longa
história: “O corpo desse Estado subsiste com esplendor há mais de quatro
mil anos, sem que as leis, os costumes, a linguagem, a própria maneira de se
vestir tenham sofrido alteração sensível.” (Voltaire, 1961, p. 10-11)4 O autor
recorre à cronologia na qual Fohi5 é mencionado como o primeiro rei da China
– cujo governo teria ocorrido cerca de vinte e cinco séculos a.C. –, para
argumentar a favor da qualificação dos chineses como um povo culturalmente desenvolvido antes mesmo dessa época já remota. O motivo para a longa
duração desses padrões civilizacionais é apresentado por Montesquieu. Em
sua opinião, na China as maneiras eram indestrutíveis porque a organização
da sociedade respeitava a separação dos sexos, o que evitava alterações de
comportamento tanto nos homens quanto nas mulheres, e também porque as
maneiras e os costumes eram ensinados com muita gravidade nas escolas e
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Voltaire também tentou explicar por que as ciências praticadas na China, apesar de serem muito antigas,
tiveram um desenvolvimento tão limitado se comparadas aos avanços científicos obtidos pelos europeus na
modernidade. Para o autor, havia duas razões principais: “uma é o respeito prodigioso que seus povos têm
pelo que lhes foi transmitido por seus pais, e que torna perfeito aos seus olhos tudo o que é antigo; a outra
é a natureza de sua língua (...). A arte de fazer conhecer suas idéias pela escrita, que devia ser apenas um
método simples, é entre eles o que têm de mais difícil.” (Voltaire, 1961, p. 20) Sobre isto, ver O Espírito das
Leis, livro XIX, capítulo XVII, onde Montesquieu relaciona a complexidade da escrita chinesa à manutenção
dos ritos.
A referência é provavelmente ao imperador mítico Fu Hsi, o primeiro da “Idade de ouro”. Joseph Campbell
diz que os eruditos ocidentais do séc. XIX, assim como os estudiosos chineses, acreditavam que esse
monarca realmente existiu, e que seu reinado supostamente teria ocorrido entre 2953 e 2838 a.C.
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corporificados em princípios de moral dados como imutáveis. Tamanha era a
força de tais instituições, que elas foram capazes de resistir às invasões estrangeiras que no passado assolaram a China. Voltaire escreve que, se por um lado
a construção da Grande Muralha não foi suficiente para impedir que os tártaros
conseguissem conquistar a China, por outro a constituição do Estado não foi
nem enfraquecida nem mudada: “O país dos conquistadores tornou-se uma
parte do Estado conquistado; e os tártaros manchus, mestres atuais da China,
não fizeram outra coisa além de se submeter, de armas nas mãos, às leis do
país cujo trono eles invadiram.” (Voltaire, 1961, p. 15-16) A explicação de algo
tão singular estava naquilo que Montesquieu havia dito acerca da estratégia
adotada pelos legisladores chineses. Ao entrelaçar as maneiras, os costumes,
as leis e a religião, eles criaram um todo extremamente sólido que não podia ser
modificado de uma só vez. E como é preciso que o vencedor ou o vencido
mudem, foi sempre necessário, na China, que o vencedor mudasse, pois seus
costumes não sendo suas maneiras; suas maneiras não sendo suas leis; suas
leis não sendo sua religião, foi mais fácil que ele se dobrasse pouco a pouco ao
povo vencido, do que o povo vencido a ele. Em outras palavras, o poder inexorável
da civilização chinesa acabou por sobrepujar o poder das armas dos bárbaros.
Até aqui se falou dos pontos de acordo entre Voltaire e Montesquieu
acerca da China. Passemos agora os tópicos nos quais suas opiniões mostram-se diferentes ou até mesmo opostas.
Sobre a religião do Estado chinês, a concepção voltairiana lembra o modo
como Montesquieu havia descrito a constituição dos ritos chineses. Voltaire
diz que ela é formada em conjunto pela moral, pela obediência às leis e pela
adoração do ser supremo: “O imperador é, desde tempos imemoriais, o primeiro pontífice: é ele que sacrifica ao tien, ao soberano do céu e da terra. Ele
deve ser o primeiro filósofo, o primeiro predicador do império; seus éditos são
quase sempre instruções e lições de moral.” (Voltaire, 1961, p. 22) Reconhecendo as virtudes desses princípios religiosos, Voltaire encarregou-se de desmentir com veemência a acusação de ateísmo lançada por autoridades européias contra os chineses. Para ele, caluniavam-se os chineses unicamente porque
sua metafísica não era a mesma dos ocidentais. Estes últimos alimentavam um
mal-entendido sobre os ritos da China porque julgavam os usos dela a partir
dos seus, levando seus preconceitos e seu espírito contencioso ao outro lado
do mundo. A fim de demonstrar a validade de suas idéias, o autor fala sobre
algumas das principais crenças religiosas existentes na China, entre elas as
ligadas aos nomes de Confúcio6, de Laokiun7 e de Fo ou Foé8. Quanto ao
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Confúcio (551-478 a.C.), segundo a lenda, nasceu no pequeno Estado de Lu, de uma família nobre descendente
da casa imperial de Shang. Após ter se desiludido trabalhando como primeiro-ministro de um príncipe
dissoluto, Confúcio partiu junto com seus discípulos para ensinar sua doutrina.
Laokiun, também conhecido como Lao Tsé, consiste em uma figura mítica. A filosofia ligada a seu nome
difundiu-se na China entre os séculos IV e III a.C.; a idéia de Tao (caminho) presente nessa filosofia era
associada à ordem da natureza, no céu e na terra.
Trata-se do indiano Sidarta Gautama, o Buda (563-483 a.C.). O budismo foi introduzido na China no período
Han, por volta de 67 d.C.
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primeiro, Voltaire desdobra-se em elogios dizendo que seus ensinamentos
consistiam em ser justo; Confúcio fez muitos discípulos, e seus descendentes eram honrados porque seu ilustre ancestral havia dado, acerca da divindade, as idéias mais sãs que o espírito humano pode formar sem revelação.
Confúcio é apresentado como um modelo de sábio esclarecido que utilizou a
razão para buscar a verdade e fundar a moral9. Já no tocante a Laokiun, o
julgamento de Voltaire é bastante negativo. Segundo ele, Laokiun havia introduzido uma seita que acreditava nos espíritos malignos, nos encantamentos
e nos prestígios, difundindo assim uma série de superstições detestáveis
entre o povo. Porém, é sobre a seita de Fo que Voltaire tece as piores considerações. Ele escreve que no primeiro século de era cristã, a China foi inundada pela “superstição” dos bonzos: “Eles trouxeram das Índias o ídolo de Fo
ou Foé, adorado sob diferentes nomes pelos japoneses e pelos tártaros, pretenso
deus descido sobre a terra, ao qual se rende o culto mais ridículo e, por conseqüência, o mais adequado para o vulgo.” (Voltaire, 1961, p. 25) O autor acrescenta que, ao pregarem a promessa da vida eterna, os bonzos se consagravam
a exercícios de penitência que horrorizavam a natureza humana. Como se isto
não bastasse, eles enganavam o povo alegando serem capazes de expulsar
demônios e realizar milagres, e ainda vendiam a remissão dos pecados.
Algo que chamou a atenção de Voltaire foi o fato de que todas essas
crenças conviviam lado a lado entre os chineses. Assim, embora a doutrina
dos bonzos tenha feito discípulos mesmo entre os mandarins, em geral elas
ficaram restritas ao povo comum: “Essas seitas são toleradas na China para o
uso do vulgo, como alimentos grosseiros feitos para nutri-lo; enquanto que
os magistrados e os letrados, separados em tudo do povo, se nutrem de uma
substância mais pura” (Voltaire, 1961, p. 26), isto é, dos preceitos confucianos.
Alguns desses letrados, completa Voltaire, teriam chegado a professar um
certo materialismo, sem, entretanto, mudar sua moral por causa disto; eles
pensavam que a virtude era tão necessária aos homens, e tão amável por si
mesma, que não se tinha necessidade do conhecimento de um deus para
segui-la. Como se pode ver, a análise das religiões chinesas feita por Voltaire
tem o claro objetivo de denunciar a superstição e o fanatismo, fazendo parte
do combate maior empreendido pelo filósofo francês em favor da tolerância e
contra as autoridades, tanto seculares quanto eclesiásticas, que impunham
dogmas irracionais para sustentar seu poder. É neste sentido que se deve
interpretar sua visão acerca dos cultos mencionados no Ensaio, alguns dos
quais, dadas as informações contidas nas fontes de sua pesquisa, pareceram-lhe dignos representantes de tudo aquilo que ele mais detestava, seja na
China ou em qualquer outro lugar do mundo.
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No verbete “China” do Dicionário Filosófico, o autor reafirmou sua admiração por Confúcio: “ele não se fazia
de profeta; não se dizia inspirado; não ensinava uma nova religião; não recorria aos prestígios; não lisonjeava
o imperador sob o qual vivia, nem sequer fala dele. É, enfim, o único dos preceptores do mundo que não se
fez seguir por mulheres. (...) Eu li seus livros com atenção; fiz extratos deles; somente encontrei neles a moral
mais pura, sem nenhuma tintura de charlatanismo.” (Voltaire, 1967, p. 150-151)
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Já no que diz respeito a Montesquieu, sua meta principal era discutir as
religiões do ponto de vista da política, sem se preocupar em defendê-las ou
criticá-las de acordo com suas pretensões à verdade sobrenatural, uma abordagem ainda polêmica para o séc. XVIII que o expôs a uma série de reprovações. Ele propunha que mesmo os dogmas mais verdadeiros e sãos poderiam
ter péssimas conseqüências caso não fossem adequados aos princípios da
sociedade na qual eram pregados, ao passo que os dogmas mais falsos,
desde que em harmonia com esses princípios, poderiam produzir bons resultados. Referindo-se aos credos existentes na China, o autor escreveu que a
religião de Confúcio negava a imortalidade da alma, e que de seus maus
princípios essa seita tirava conseqüências que não eram justas, mas, ainda
assim, admiráveis para a sociedade. Já “a religião dos Tao e dos Foë crê na
imortalidade da alma; mas, deste dogma tão santo, eles tiraram conseqüências terríveis.” (Montesquieu, 2001, p. 728-729) Montesquieu pensava que a
crença na imortalidade, tal como ela se inseria no contexto das religiões
orientais, especialmente na Índia, chegava ao extremo de estimular os fiéis a
buscar a morte para servir, no outro mundo, a seus entes queridos já falecidos. Embora na China essa prática não fosse comum, os preceitos que a
embasavam não deixaram de causar preocupação nos intelectuais do país,
entre eles um filósofo cujas palavras, citadas por Montesquieu, repudiavam a
doutrina de Foë por causa de suas implicações morais e políticas indesejáveis. Para esse filósofo, as idéias de Foë arrancavam dos corações a virtude
do amor aos parentes, isto porque implicavam a negligência quanto aos cuidados com o corpo, considerado um simples domicílio passageiro para a alma
imortal. Uma vez que os ritos ligados à conservação dos corpos dos membros
da família eram importantes para manter firmes os laços entre os indivíduos,
o desdém pela matéria contido no pensamento de Foë representava um grave
perigo para a sociedade chinesa.
Mas não era somente isto. Em um ponto anterior d’O Espírito das Leis,
Montesquieu havia relacionado as idéias de repouso e vazio, próprias do budismo, às características do clima onde elas nasceram. Segundo ele, o sistema metafísico de Foë, ao conceber a inação completa como o estado mais
perfeito e desejável para o homem, favoreceu a preguiça naturalmente provocada
pelo clima da Índia, o que causou inúmeros malefícios para o povo do país.
Em contrapartida, os governantes chineses mereciam elogios por terem sabido combater os maus efeitos do clima, por meio de uma religião, de leis e de
uma filosofia totalmente práticas10. Pelo menos na esfera da religião oficial,
Montesquieu considerava que os chineses haviam conseguido encontrar um
sistema bastante adequado aos propósitos do Estado.
Isto conduz a uma nova questão essencial, a saber, a dos juízos que
Montesquieu e Voltaire fizeram acerca do Estado chinês. Em princípio, há
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10
Ver O Espírito das Leis, livro XIV, capítulo V.
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evidências que parecem mostrar uma concordância sobre o assunto. Afinal,
os dois salientaram o caráter familiar que marcava igualmente a sociedade e o
governo da China. No Ensaio, Voltaire diz que o respeito das crianças pelos
pais é o fundamento do governo chinês: “A autoridade paterna jamais se
enfraqueceu nele. (...) Os mandarins letrados são vistos como os pais das
cidades e das províncias, e o rei como o pai do império. Esta idéia, enraizada
nos corações, forma uma família desse Estado imenso.” (Voltaire, 1961, p.
20) Até aí, Voltaire está apenas fazendo eco ao que Montesquieu já havia
escrito. Como se pode ler em O Espírito das Leis, os legisladores chineses
acreditaram que o melhor meio para promover a tranqüilidade do império e a
subordinação do povo estava em inspirar o respeito pelos pais, e com esse
intuito estabeleceram uma infinidade de ritos e cerimônias para honrá-los na
vida e na morte. Tal respeito não era devido somente aos chefes das famílias
propriamente ditos, mas se estendia também a tudo o que representava os
pais, incluindo os anciãos, os mestres, os magistrados e, na posição mais
elevada, o próprio imperador. Como contrapartida, estimulava-se o amor dos
superiores pelos subordinados, desde os pais em relação aos filhos, até o
monarca em relação aos súditos. Em resumo, propõe Montesquieu,
Esse império é formado sobre a idéia do governo de uma
família. Se vós diminuís a autoridade paterna, ou mesmo se
vós suprimis as cerimônias que exprimem o respeito que se
tem por ela, vós enfraqueceis o respeito pelos magistrados,
que se vê como os pais; os magistrados não terão mais o
mesmo cuidado pelo povo, que eles deviam considerar como
filhos; essa relação de amor que há entre o príncipe e os
súditos também se perderá pouco a pouco. Suprimi uma dessas práticas, e vós desestruturareis o Estado. É muito indiferente, em si mesmo, que todas as manhãs uma nora se levante para ir cumprir este ou aquele dever à sua sogra; mas caso
se considere que essas práticas exteriores recordam sem cessar um sentimento que é necessário imprimir em todos os corações, e que vai em todos os corações formar o espírito que
governa o império, ver-se-á que é necessário que determinadas
ações particulares se realizem. (Montesquieu, 2001, p. 570)
Eis um belo quadro, de fato, mas certamente não é a única descrição do
Estado chinês feita pelo autor.
Antes de retratar a grande família composta pelo povo da China,
Montesquieu já havia demonstrado, de forma muito clara, que classificava o
Estado chinês como despótico. Em O Espírito das Leis, o despotismo é um
dos tipos políticos básicos, ao lado da república e da monarquia, e se define
pelo critério de ser o governo de um só indivíduo, não limitado por leis fixas,
que arrasta tudo por meio de suas vontades e de seus caprichos11, e que se
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vale do medo como princípio12. Tendo esse modelo em mente, Montesquieu
dedicou-se à refutação dos missionários que haviam falado do império chinês
como um governo admirável, que mesclava os princípios do medo, da honra e
da virtude. Em primeiro lugar, pergunta o autor, onde está a honra em um
povo a quem só se faz obedecer a golpes de bastão? Igualmente, onde está a
virtude em um governo que comete, a sangue frio, tantas injúrias contra a
natureza humana? O mais provável, supõe Montesquieu, é que os missionários se enganaram sobre a política chinesa porque identificaram nela a mesma
aplicação contínua da vontade de uma única pessoa pela qual eles próprios
estavam acostumados a ser governados como membros da Igreja. Contudo,
Montesquieu também reconheceu que na China existiam certas circunstâncias capazes de impedir o governo de ser tão corrompido quanto deveria ser. De
um lado, havia a prodigiosa fertilidade das mulheres, que tirania alguma conseguia frear; de outro, estavam os trabalhos incessantes exigidos para que a
terra desse os frutos necessários para a subsistência de uma população tão
numerosa, e “isto demanda uma grande atenção por parte do governo. Ele
está, em todos os instantes, interessado em que todos possam trabalhar sem
temer serem frustrados em seus esforços. Deve ser menos um governo civil
do que um governo doméstico.” (Montesquieu, 2001, p. 367) Além disso, era
preciso lembrar que a religião se juntava a tais condições para atenuar o
despotismo. O imperador detinha a posição de pontífice soberano, mas sua
autoridade tinha de se conformar aos livros doutrinais acessíveis a todas as
pessoas; em vão um imperador quis aboli-los, pois eles sobreviveram à sua
tirania13. Apesar de tudo, conclui Montesquieu, a “China é um Estado despótico, cujo princípio é o medo. Talvez nas primeiras dinastias, o império não
sendo tão extenso, o governo abdicasse um pouco desse espírito. Mas hoje
isto não acontece.” (Montesquieu, 2001, p. 368)
Voltaire, entretanto, tinha seus motivos para discordar das conclusões de
Montesquieu. No verbete “China” do Dicionário Filosófico, ele afirma que
esse país é o reino mais vasto, o mais civilizado e o que dispõe da melhor
constituição do mundo: a única constituição “totalmente baseada no poder
paternal (...); a única em que o governador de província é punido quando, ao
abandonar o cargo, não tiver as aclamações do povo; a única que institui
prêmios para a virtude, ao passo que, no resto do mundo, as leis se limitam a
castigar o crime” (Voltaire, 1967, p. 158). O que Montesquieu havia escrito
sobre a crueldade das penas aplicadas na China, peculiar aos Estados despóticos14, não parece tê-lo impressionado. Na verdade, Voltaire buscou utilizar
11
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13
14
70
Ver O Espírito das Leis, livro II, capítulo I.
Ver O Espírito das Leis, livro III, capítulo IX.
Ver O Espírito das Leis, livro XXV, capítulo VIII. Montesquieu estava se referindo ao imperador Huang Ti, ou
Hoangti como é chamado no Ensaio sobre os costumes.
Ver, por exemplo, a crítica de Montesquieu às penas aplicadas na China ao crime de lesa-majestade (O
Espírito das Leis, livro XII, capítulo VII) e às punições dadas aos pais pelos crimes dos filhos (O Espírito das
Leis, livro VI, capítulo XX).
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os mesmos argumentos presentes na tipologia política d’O Espírito das Leis
para refutar a avaliação de Montesquieu sobre o governo chinês. Para diferenciar a monarquia do despotismo, Montesquieu propõe que na primeira existem leis fixas e estabelecidas, bem como poderes intermediários por onde flui
a autoridade real15 – a nobreza e os parlamentos, por exemplo –, que constituem verdadeiros repositórios das leis. São estes dois elementos que garantem aos súditos seus direitos e os protegem dos caprichos dos governantes.
Tomando isto como ponto de partida, Voltaire assegura que na China de sua
época havia um grande número de tribunais responsáveis por zelar pela legalidade – como corpos depositários das leis –, de modo que era impossível que
o imperador exercesse um poder arbitrário. Ainda que as leis emanassem do
imperador, a constituição do governo o obrigava a sempre consultar os magistrados para tomar suas decisões. Assim, se o governo despótico é um no
qual o príncipe pode, sem transgredir a lei, tirar os bens ou a vida dos cidadãos, sem formalidades ou outra razão além de sua própria vontade, Voltaire
dizia que a China estava longe de ser um exemplo de despotismo, pois era um
Estado no qual a vida, a honra e os bens dos homens encontravam-se sob o
abrigo das leis: “e se algumas vezes o soberano abusa de seu poder contra o
pequeno número de homens que se expõe a ser conhecido por ele, não pode
abusar dele contra a multidão que lhe é desconhecida e que vive sob a proteção das leis.” (Voltaire, 1961, p. 310-311) Tamanha é a distância que separa
os julgamentos dos dois autores neste caso, que se pode supor que, ao lerem
suas fontes, ou Montesquieu ficou demasiadamente impressionado com os
relatos das violências cometidas pelos governantes chineses contra seu próprio povo, ou Voltaire superestimou a independência dos tribunais da China
em relação ao poder do imperador. O mais provável é que ambas as hipóteses
estejam corretas.
Decerto, Voltaire divergiu d’O Espírito das Leis em várias questões, pois
suas concepções políticas eram tais que podiam conciliar sem problemas a
figura de uma autoridade forte e concentrada com um governo voltado para a
prosperidade da nação, algo que Montesquieu dificilmente aprovaria. Em seus
textos, como os estudos de Marcos A. Lopes demonstraram, Voltaire recuperou a antiga tradição dos “espelhos dos príncipes”16 para redefinir as virtudes
próprias dos bons governantes de acordo com os valores civilizacionais propostos pelo Iluminismo. Tais virtudes eram apropriadas em função do auxílio
que poderiam prestar à eficácia e à força das ações do príncipe. Dentre tais
15
16
Ver O Espírito das Leis, livro II, capítulo IV.
Os “espelhos dos príncipes” são textos de aconselhamento dos reis, tratados que definem qual deve ser a
conduta dos soberanos para que eles possam realizar um bom governo. “Na cultura cristã ocidental, os
espelhos de príncipes foram tradicionalmente livros de moral, que usavam a história para ensinar o
comportamento adequado aos reis, tanto em seu ofício público quanto em sua vida privada (...). Desde a
infância, eles ouviam as leituras de livros dessa natureza, feitas por seus preceptores ou por pessoas designadas
por estes para essa tarefa.” (Lopes, 2004, p. 50-51) As origens mais remotas do gênero remontam à
Antigüidade grego-romana, mas foi na Idade Média que ele assumiu uma forma definida, trazendo um rol
de virtudes, extraídas principalmente do cristianismo, tidas como essenciais na formação dos governantes,
tais como a caridade, a prudência e a temperança.
71
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qualidades, as principais seriam a justiça, a prodigalidade, a magnificência, a
operosidade, a sabedoria e a tolerância, enquanto entre os vícios condenáveis
na personalidade do rei estariam a irascibilidade, a imprudência, o esbanjamento e a covardia. Por meio de suas obras literárias e históricas – onde
personagens como os monarcas Carlos XII, Pedro, o Grande, Henrique IV e
Luís XIV são analisados –, o filósofo francês tornou-se “um autêntico pedagogo
político” (Lopes, 2004, p. 60), buscando ensinar a realeza a se comportar com
excelência como verdadeira promotora da civilização.
No tocante à China, essas idéias aparecem na comparação que pode ser
feita entre dois imperadores mencionados por Voltaire no Ensaio sobre os costumes. O primeiro é Hiao, a quem o autor deu um destaque especial por ter sido
um modelo de monarca não apenas em sua boa administração, mas também
por sua preocupação com os avanços do conhecimento. Hiao havia trabalhado
pessoalmente na reforma da astronomia e, em um reinado de cerca de 80 anos,
procurara tornar os homens esclarecidos e felizes. Por isto, “seu nome é ainda
venerado na China, como é na Europa o dos Titos, dos Trajanos e dos Antoninos.
Se ele foi, em sua época, um matemático hábil, apenas isto mostra que ele
nascera em uma nação já muito civilizada.” (Voltaire, 1961, p. 11)17 Em oposição a esse imperador digno de admiração, Voltaire fala de Hoangti, para ele um
tirano que ordenou a queima de todos os livros, muitos dos quais, entretanto,
acabaram sendo preservados em segredo para reaparecer mais tarde18. O contraste entre os dois governantes é evidente: de um lado, um venerável cultivador
das artes e das ciências; de outro, um detestável inimigo do saber milenar da
civilização chinesa. É interessante notar, entretanto, que Voltaire se limitou a
essa breve alusão negativa a Hoangti, sem ter refletido no Ensaio a importância
que a dinastia Ch’in iniciada por ele teve na história da China19. Seja como for,
para Voltaire o que importava era destacar aqueles monarcas que, em seu
modo de ver, contribuíram para a prosperidade de seus súditos. Neste sentido,
referindo-se a um outro imperador chinês, o célebre Cam-Hi, ele escreveu algo
que sintetiza bastante bem suas idéias: as opiniões sobre o caráter do governante
podem ser muito diversas, mas desde que o império tenha sido feliz sob esse
príncipe, é por aí que se deve observar e julgar os reis.
A simpatia de Voltaire pelas instituições do governo da China resultava
também da maneira como elas haviam lidado com a atuação dos missionários
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De acordo com Joseph Campbell, Ti Yao, o Divino Yao, foi o mais ilustre monarca da idade de ouro chinesa,
um exemplo de sabedoria para todas as épocas. A grande História Clássica (Shu Ching) começa com uma
celebração de seu caráter e reinado, retratando-o como um homem pleno de virtudes que beneficiaram todo
o povo e trouxeram uma paz universal.
Segundo Campbell, em 221 a.C. o rei Ching “assumiu o título Ch’in Shih Huang Ti, como o primeiro imperador
da China, e imediatamente iniciou a construção da Grande Muralha para proteger o Império de outras
invasões de bárbaros como ele próprio e, em 213, promulgou o édito da queima dos livros. A morte deveria
ser a sentença dos sábios descobertos em reunião para ler ou discutir os clássicos. Os que fossem encontrados
com cópias trinta dias após o início da proibição eram marcados a fogo e mandados trabalhar por quatro
anos na Grande Muralha; centenas foram enterrados vivos.” (Campbell, 2004, p. 336)
Ao se proclamar o primeiro imperador chinês, Hoangti pôs fim à fase politicamente conturbada conhecida
como o período dos reinos combatentes, e junto com seus sucessores implementou a reestruturação
administrativa do país, a unificação do direito, da moeda, da escrita e dos padrões de medida. Sua dinastia
durou apenas doze anos, mas deixou uma marca duradoura na cultura chinesa.
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cristãos no séc. XVIII. O imperador Cam-Hi promulgara o Édito de Tolerância
em 1692, permitindo o ensino do cristianismo em território chinês, e durante
o seu reinado os jesuítas desfrutaram de grande prestígio no império, inclusive como professores de ciências. Porém, quando as querelas religiosas suscitadas pelos próprios missionários começaram a atingir um nível ameaçador, à
semelhança do que havia ocorrido no Japão, o governo decidiu que devia expulsálos do país. Aos olhos de Voltaire, isto não constituía uma demonstração de
intolerância das autoridades chinesas, mas uma medida necessária contra uma
seita que era, ela sim, intolerante20. Afinal, diz Voltaire, o sucessor de Cam-Hi
acabou proibindo o exercício da religião cristã, enquanto permitia a muçulmana
e os diferentes tipos de bonzos: “Mas esta mesma corte, sentindo a necessidade das matemáticas tanto quanto o pretenso perigo de uma nova religião,
conservou os matemáticos impondo silêncio aos missionários.” (Voltaire, 1961,
p. 319) Pelo lado político do problema, o imperador pretendia evitar que a
difusão do catolicismo pudesse colocar em risco a independência do império
no futuro, uma vez que os religiosos cristãos agiam em nome de autoridades
estrangeiras que, mais cedo ou mais tarde, procurariam dominar a China21.
Assim como tinha considerado a expulsão dos jesuítas da França e de outras
partes do mundo uma vitória contra a infâmia da superstição e do fanatismo,
Voltaire aprovou o mesmo acontecimento entre os chineses.
Os diferentes olhares de Voltaire e Montesquieu sobre a China, enfim,
atestam a própria complexidade do Iluminismo francês, com suas múltiplas
tendências políticas levando a interpretações distintas dentro do vasto horizonte aberto pela curiosidade ilimitada tão marcante desse período fecundo
na história do pensamento. Onde um enxergou uma antiga civilização regida
pelo cultivo da sabedoria e da tolerância, o outro viu um Estado despótico
dominado pelo medo. Ambos, porém, vislumbraram na China um contraponto
por meio do qual sua própria sociedade tinha muito a aprender, seja positivamente seguindo um modelo de convívio pacífico entre várias religiões e de
incentivo às artes e às ciências, seja negativamente evitando os excessos de
um governo autoritário e violento. Ao colocar a China sob o foco das Luzes,
Montesquieu e Voltaire certamente ajudaram a torná-la mais visível à Europa
setecentista; contudo, e não poderia ser de outra forma, ao fazer isto eles
também lançaram sombras sobre certas facetas desse imenso império que
somente os olhares mais aguçados dos séculos futuros iriam desvendar.
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Ver também o verbete “China” do Dicionário Filosófico, onde Voltaire critica duramente a ação dos jesuítas
em território chinês.
Recorrendo ao relato do padre Parennin, Voltaire citou as palavras repletas de clarividência que o imperador
Yong-tching dirigiu aos jesuítas para justificar a decisão de expulsá-los do país: “Vossos europeus na província
de Fo-Kien queriam aniquilar nossas leis, e perturbavam nosso povo; os tribunais deferiram-nos a mim; eu
tive que prevenir essas desordens; trata-se do interesse do império... Que diríeis se eu enviasse ao vosso país
uma tropa de bonzos e de lamas para pregar a lei deles? Como vós os receberíeis?... Se vós soubestes
enganar meu pai, não espereis me enganar igualmente... Vós quereis que os chineses se façam cristãos,
vossa lei o exige, eu o sei bem; mas então, o que nós nos tornaríamos? Os súditos de vossos reis. Os cristãos
só crêem em vós; em um tempo de problemas, eles não escutarão outra vós além da vossa. Eu sei bem que
atualmente não há nada a temer; mas, quando os navios vierem aos milhares, então poderá haver
desordem.” (Voltaire, 1967, p. 153)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus: mitologia oriental. 5. ed. Trad.
Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 2004.
político: espelhos para príncipes de um novo
LOPES, Marcos Antônio. Voltaire político
tempo. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
MONTESQUIEU. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 2001. v. 2.
VOLTAIRE. Essay sur l’histoire générale et sur les moeurs et l’esprit des nations,
depuis Charlemagne jusqu’à nous jours. Paris: INALF, 1961.
________. Dictionnaire philosophique. In: Œuvres complètes de Voltaire. Paris: Garnier Frères, 1878. (Reimpresso em 1967) v. 18.
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