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Obra da capa: Pintura abstrata, 1,50x1,50cm – Isaac de Oliveira
Ficha catalográfica
Política Democrática – Revista de Política e Cultura – Brasília/DF:
Fundação Astrojildo Pereira, 2014.
No 40, dez./2014.
200p.
CDU 32.008 (05)
Os artigos publicados em Política Democrática são de responsabilidade dos respectivos autores.
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Política Democrática
Revista de Política e Cultura
Fundação Astrojildo Pereira
TEMPO DE BATALHA
DEMOCRÁTICA
Dezembro /2014
Sumário
EDITORIAL
Os esqueletos pós-eleitorais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
7
I. TEMA DE CAPA: TEMPO DE BATALHA DEMOCRÁTICA
Um golpe de Estado em doses homeopáticas
Augusto de Franco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
13
Rombo fiscal, petrolão, choque PMDB/PT e oposição forte
Jarbas de Holanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
20
A tragédia petista em três tempos
Zander Navarro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
23
Os 125 anos da República e as ameaças à democracia
Maurício Rudner Huertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
30
II. CONJUNTURA
Quem controla a Petrobras e as empresas estatais?
Gil Castello Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
37
Continuidades e mudanças da corrupção no Brasil
Antonio Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
41
As eleições de 2014 e a manutenção da sub-representação
das mulheres em espaços institucionais de decisão política
Patrícia Rangel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
48
Fora do eixo ou e nós aonde vamos!
Zulu Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
58
III. OBSERVATÓRIO
Eleições 2014 e a cultura política brasileira
Mércio Pereira Gomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
65
Os processos democráticos pressupõem o respeito às regras
Luiz Carlos Azedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
74
Diálogo com as esquerdas militantes
Raimundo Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Financiamento de campanha e reforma política
Arlindo Fernandes de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
78
83
IV. BATALHA DAS IDEIAS
A precária sociedade mundial do trabalho
Fabrício Maciel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
95
A solução está no professor
Jaime Pinsky . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
104
Criação de novos municípios e o alto custo
da máquina pública
Laécio Noronha Xavier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
106
V. QUESTÕES DO ESTADO E DA CIDADANIA
Participação Cidadã & Estatização da Participação
José Arlindo Soares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
117
Tráfico de mulheres
Mônica Sifuentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O Tribunal de Contas da União e suas nuanças
José Osmar Monte Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
122
124
VI. ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO
O aquecimento global e seus danos irreversíveis
José Eustáquio Diniz Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Os desafios da engenharia brasileira na era contemporânea
Fernando Alcoforado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
131
136
VII. ENSAIO
Sociologia e ciência política em Antônio Gramsci
Theófilo Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
145
VIII. MUNDO
Alguns sinais positivos no bilateralismo
Paulo Delgado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
159
O emprego e os negociadores da globalização difícil
José Flávio Sombra Saraiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
162
IX. HOMENAGEM & MEMÓRIA
O marxismo de Leandro Konder (1936-2014),
ode ao pensamento crítico e à democracia
Marco Aurélio Nogueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
169
Os 90 anos da Coluna Prestes
Arnaldo Jordy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
174
X. RESENHA
O PCB: do dogmatismo à esquerda positiva
Marco Antônio Franklin de Matos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Spinoza: teologia, filosofia e política
César Benjamin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A revolução irreformável
Marcus Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
179
188
194
Autor
Theófilo Rodrigues
Graduado em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando em Ciências Sociais pela PUC-Rio .
Sociologia e ciência política
em Antônio Gramsci
Theófilo Rodrigues
K
arl Marx não nos legou uma teoria plenamente sistematizada da política ou do Estado, embora fosse sua vontade.
Tal vazio abriu espaço para que muitas vertentes marxistas
construíssem possíveis sociologias ou ciências da política a partir
de suas interpretações singulares da obra do filósofo alemão. Neste breve texto sugiro o que o italiano Antônio Gramsci [1891-1937]
compreendeu como sociologia e ciência política a partir de seus
famosos Cadernos do Cárcere.
Principal dirigente do Partido Comunista Italiano, Gramsci foi
preso em 1926 de onde saiu apenas quando a morte já se aproximava em 1937. Embora seja autor de obra vastíssima que hoje
está organizada e publicada em todo o mundo, o comunista da
Sardenha jamais publicou um livro em vida. Seus textos publicados eram apenas informes políticos ou artigos de jornais, em
especial para o L´Ordine Nuovo. Mas foi na prisão que o autor
escreveu a extensa obra que o traria postumamente para o panteão
dos grandes clássicos do marxismo: os Cadernos do Cárcere. Ao
todo somam 33 os cadernos redigidos na prisão entre 1929 e 1935
e que tratam dos mais variados assuntos como a filosofia, a arte,
a cultura, o folclore, a linguística, a religião, a história da Itália, a
economia, a educação etc. Aqui, interessa-nos em especial os
temas relacionados ao Estado, à ciência política e à sociologia,
com ênfase no diálogo realizado com a obra de sociólogos de seu
tempo. O objetivo é observar os diálogos travados por Gramsci
com os seus sociólogos contemporâneos como Bukharin, Michels,
Mosca, Pareto e Weber. Acrescente-se ao debate a influência de
145
Maquiavel sobre Gramsci pelo seu protagonismo como um dos
fundadores da ciência política moderna.
Gramsci e a ciência política de Maquiavel
“Tudo começou com Maquiavel” é um importante e frequente
aforismo da ciência política. Há seus motivos para sê-lo. Foi a
partir de Nicolau Maquiavel [1469-1527] que os estudiosos da
política passaram a dar visibilidade ao mundo real em seus
estudos – aí inseridas suas contingências e circunstâncias –, ou,
empreenderam críticas alicerçadas naquilo que Lênin definiu
como as “análises concretas da realidade concreta”. Soma-se a
isso o fato de Maquiavel ser um italiano e compreenderemos o
destacado papel que o filósofo ocupou nos Cadernos do Cárcere .
São muitos os cadernos onde encontramos menções ao nome
de Maquiavel, mas foi indubitavelmente no Caderno 13 que
Gramsci melhor dedicou-se ao estudo do filósofo de Florença.
Aqui encontramos referências aos Discursos, à Arte da guerra e às
Histórias florentinas, mas é em especial O Príncipe que ocupa
maior destaque nos cadernos. De acordo com nosso autor, até
Maquiavel a ciência política caminhava “entre a utopia e o tratado
escolástico”. É a partir do Príncipe, de Maquiavel, que algo muda
na exata medida em que o dever ser une-se finalmente à realidade
concreta. “Maquiavel trata de como deve ser o Príncipe para
conduzir um povo à fundação do novo Estado, e o tratamento é
conduzido com rigor lógico, com distanciamento científico” (2007,
p. 14), informa-nos Gramsci logo no início de seu texto.
Ao trazer Maquiavel para o seu campo de estudo Gramsci está
preocupado em apropriar-se de um elemento fundamental de sua
ciência política, qual seja, a mudança histórica na forma como se
dá a ação política na sociedade moderna a partir da mediação
entre coerção e consenso. Gramsci percebe – influenciado por
Maquiavel – que o desenvolvimento histórico obriga a ciência política a operar uma mudança radical na ação política. A “guerra de
movimento” própria do Oriente onde a “sociedade civil era primitiva e gelatinosa” é substituída no Ocidente pela “guerra de
posição”. Em outras palavras, a ação política direta contra um
determinado Estado era possível nas sociedades atrasadas que
não desenvolveram uma sociedade civil. Nas sociedades modernas,
onde a sociedade civil é complexa, a disputa pelo Estado também
é complexa, pois é necessário conquistar a hegemonia da sociedade civil antes de alcançar o “Palácio de Inverno”. Segundo
146
Theófilo Rodrigues
Gramsci, “o Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás
da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas”
(2007, p. 262). As sociedades primitivas mantinham-se através de
um máximo de coerção e um mínimo de consenso. O desenvolvimento de uma sociedade civil complexa nas sociedades modernas,
ao contrário, possibilitou a manutenção do poder do Estado por
um máximo de consenso e um mínimo de coerção.
Mas não é apenas a natureza dúplice do Centauro maquiavélico, “ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da
hegemonia, da violência e da civilidade, do momento individual e
daquele universal (da “Igreja” e do “Estado”), da agitação e da
propaganda, da tática e da estratégia” (2007, p. 33) que Gramsci
recolhe do autor do Príncipe. Assim como o filósofo de Florença
descreveu a necessidade histórica de um Príncipe capaz de unificar
a Itália, o filósofo da Sardenha depositou no partido político a
tarefa de ser o moderno Príncipe, com a responsabilidade de “ser
o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral,
o que significa, de resto, criar o terreno para um novo desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior e total da civilização moderna”
(GRAMSCI, 2007, p. 18).
Por fim, importante ressaltar um ponto fundamental lembrado
por Gramsci. O mérito da original ciência política de Maquiavel
não está nos ensinamentos dados ao príncipe propriamente. Por
óbvio, as táticas da política – como as da guerra – modificam-se ao
longo do tempo e do espaço. O original na ciência política advinda
do Príncipe está na percepção da responsabilidade histórica dos
atores políticos e em como eles devem posicionar-se diante dos
problemas de sua época, diante dos fatos concretos. Conforme
nos indica o sardo,
Maquiavel é um homem inteiramente de seu tempo e sua
ciência política representa a filosofia da época que tende à organização das monarquias nacionais absolutas, a forma política que
permite e facilita um novo desenvolvimento das forças produtivas
burguesas. Em Maquiavel, pode-se descobrir in nuce a separação
dos poderes e o parlamentarismo (o regime representativo): sua
“ferocidade” está voltada contra os resíduos do mundo feudal, não
contra as classes progressistas (GRAMSCI, 2007, p. 30).
De Maquiavel o sardo recolhe, portanto, importantes elementos
que constituirão as bases da sua nova ciência política.
Sociologia e ciência política em Antônio Gramsci
147
Gramsci contra a sociologia de Bukharin
O debate sobre a então nascente sociologia encontrou um
espaço profícuo – embora crítico – nos Cadernos do Cárcere, em
especial no Caderno 11. A partir da desconstrução da principal
obra do bolchevique Nikolai Bukharin [1888-1938] Gramsci apresentou alguns elementos de sua crítica da sociologia. Sendo o
mais relevante construtor e difusor do que seria uma possível
sociologia soviética, ou do que seria um diálogo do marxismo com
a sociologia, Bukharin acabou tornando-se o alvo preferencial da
crítica de Gramsci. Autor de proeminente obra teórica dentre os
bolcheviques, Bukharin influenciou diretamente textos de Lênin
como O Estado e a revolução e Imperialismo, fase superior do
capitalismo. Contudo, foi com A teoria do materialismo histórico:
manual popular de sociologia marxista publicado em 1921 que o
autor encontrou de vez a sociologia e tornou-se referência teórica
para grande parte dos revolucionários do período. Foi também a
partir da Teoria do materialismo histórico – que ao longo do
Caderno 11 aparece como Ensaio popular – que Gramsci estabeleceu seu diálogo crítico com Bukharin. De antemão, poderíamos
dizer que as principais críticas formuladas por Gramsci ao Ensaio
popular encontram-se em um só lugar: a relação construída por
Bukharin entre sociologia e marxismo a partir da suposta falta de
uma análise dialética da realidade.
Logo na introdução do seu Ensaio Popular, Bukharin declarou
que “a classe proletária tem sua sociologia própria, conhecida pelo
nome de materialismo histórico”. Todavia, para Gramsci toda a
ciência e a sociologia desenvolvidas por Bukharin não passavam
de uma sociologia positivista. De forma assertiva o autor chegou a
afirmar que o conceito de ciência presente no Ensaio popular
“deve ser criticamente destruído; ele é pura e simplesmente recolhido das ciências naturais, como se estas fossem a única ciência,
ou a ciência por excelência, tal como acreditava o positivismo”
(GRAMSCI, 2011, p. 122). Tal categorização possui relação com
aquilo que Gramsci definiu como a “lei dos grandes números”, ou
seja, a busca científica por leis estatísticas que possam prever os
resultados sociais. Se o concreto é “síntese de múltiplas determinações”, conforme asseverou Marx em sua Crítica da economia
política de 1959, e se as múltiplas determinações são dinâmicas,
então qualquer previsão social será sempre imprecisa, na medida
em que partirá sempre de informações incompletas. Ao contrário
das ciências naturais, a história não é um laboratório asséptico
onde as variáveis estão sempre controladas por um analista. Deste
148
Theófilo Rodrigues
modo, Gramsci apenas aceita a possibilidade de previsão da luta
social, mas jamais dos seus resultados ou dos seus momentos.
De forma original o italiano observa que a “lei dos grandes
números”, ou melhor, que a sociologia só pode encontrar resultados reais em sociedades passivas, ou seja, em contextos em que
esteja presente um determinado equilíbrio social. Utilizar a sociologia para aferir resultados de sociedades em processos de transformação certamente levará o analista ao erro. Em suas palavras,
“a extensão da lei estatística à ciência e à arte política pode ter
consequências muito graves se delas nos utilizarmos para construir perspectivas e programas de ação” (GRAMSCI, 2011, p. 147).
A segunda crítica está na suposta falta de compreensão do
processo dialético apontada por Gramsci. De fato, essa deficiência
de Bukharin já havia sido registrada por Lênin em seu testamento
político. Não obstante os elogios feitos à Bukharin já mencionados
anteriormente, Lênin asseverou que “as suas concepções teóricas
só com grandes reservas se podem qualificar de inteiramente
marxistas, pois há nele qualquer coisa de escolástico – nunca
estudou e penso que nunca compreendeu inteiramente a dialética” (LENINE, 1979, p. 641). Não se sabe se Gramsci chegou a
conhecer o testamento de Lênin, mas a semelhança na crítica que
ambos fazem à Bukharin é notável. Conforme o texto de Gramsci,
“no Ensaio, inexiste qualquer tratamento da dialética” (GRAMSCI,
2011, p. 142). Mais do que isso, “deve-se dizer que escapa ao
autor o próprio conceito de metafísica, na medida em que lhe
escapam os conceitos de movimento histórico, de devir e, consequentemente, da própria dialética” (GRAMSCI, 2011, p. 120).
Gramsci contra a teoria das elites de Mosca, Pareto e Michels
Em seu cárcere, Gramsci dedicou-se a estudar profundamente
a sociologia e a ciência política italiana de sua época, em especial
aquela formulada pelos autores da Teoria das elites. Robert
Michels [1876-1936], Vilfredo Pareto [1848-1923] e Gaetano
Mosca [1858-1941] são autores de Sociologia dos partidos políticos, Tratado de sociologia geral e Elementos de ciência política
respectivamente, clássicos que podem ser considerados fundadores da moderna ciência política. A inovação teórica proposta
pelos três está na percepção da política dividida entre governantes
e governados, divisão permanente e existente em todas as sociedades. Os três foram densamente examinados e criticados pelo
sardo ao longo dos Cadernos como veremos adiante.
Sociologia e ciência política em Antônio Gramsci
149
Uma das críticas disferidas por Gramsci contra os autores da
teoria das elites, notadamente à Michels, é aquela que também
está presente na crítica à Bukharin, qual seja, a tentativa desses
teóricos de constituir rígidas leis sociológicas. No Caderno 11,
redigido entre 1932 e 1933, encontramos a maior parte dessas
críticas. A implicância de Gramsci também está presente no
Caderno 2 – escrito entre 1929 e 1933 – quando afirma que
“Michels fez muito barulho na Itália por “seu” achado do “líder
carismático”, que provavelmente, seria preciso verificar, já estava
em Weber” (GRAMSCI, 2007, p. 162).
Michels também é criticado pela superficialidade com que
trata a definição teórica de partidos políticos. “Quando se quer
escrever a história de um partido político, deve-se enfrentar na
realidade toda uma série de problemas muito menos simples do
que aqueles imaginados, por exemplo, por Robert Michels, considerado um especialista no assunto” (GRAMSCI, 2007, p. 87).
Gramsci, um filósofo da totalidade, observa que a compreensão da
história de um determinado partido político só é possível se forem
analisados dados mais complexos e abrangentes da realidade
histórica e suas relações internas e externas. Até mesmo as
influências internacionais precisam ser estudadas. Antes de tudo,
é necessário compreender a que grupo social cada partido pertence
e como ele se coloca em antagonismo com outras forças sociais.
Em suas palavras, “a história de um partido não poderá deixar de
ser a história de um determinado grupo social” (GRAMSCI, 2007,
p. 87). Gramsci não se contenta apenas em criticar a essência do
erro de Michels. Traz para o seu alvo de ataque também a forma
como o cientista político apresenta suas ideias. “A classificação
que Michels faz dos partidos é muito superficial e sumária”; “O
artigo [de Michels] está cheio de palavras vazias e imprecisas”; “As
ideias de Michels sobre os partidos políticos são bastante confusas
e esquemáticas”; “A bibliografia dos trabalhos de Michels pode ser
reconstruída sempre a partir de seus próprios textos, porque ele
cita a si mesmo abundantemente”; “seus escritos estão cheios de
citações bibliográficas, em boa parte ociosas e confusas”; “ele
apoia até ao mais banais truísmos com a autoridade dos escritores mais díspares”; “Michels deve ter organizado um imenso
fichário, mas como diletante, como autodidata”; são apenas alguns
exemplos do modo exagerado com o qual Gramsci trata seu adversário teórico no Caderno 2 redigido entre 1929 e 1933.
Todavia, não é apenas Michels a ser criticado pela insuficiência
conceitual do que seriam os partidos políticos. Mosca também é
150
Theófilo Rodrigues
apresentado por Gramsci como um autor que não obteve sucesso
nessa tentativa. Em seu Caderno 13 o sardo explica que “a deficiência da abordagem de Mosca reside no fato de que ele não
enfrenta, em seu conjunto, o problema do partido político, o que se
compreende, dado o caráter dos livros de Mosca e especialmente
dos Elementi di scienza politica” (GRAMSCI, 2007, p. 22-23).
Para além da crítica ao líder carismático, ao conceito de partido
político ou ao positivismo sociológico que estava impregnado
naqueles teóricos, Gramsci também concentra esforças em
condenar a essência da teoria das elites que pode ser compreendia
a partir dos conceitos de “elite” de Pareto, de “classe política” em
Mosca ou de “lei de ferro das oligarquias” de Michels resguardadas
suas diferenças. Como já foi dito, a teoria das elites caracteriza-se
por compreender as sociedades através da divisão entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos. Para os autores, todas
as sociedades sempre terão uma minoria que ocupa o poder para
dirigir uma maioria, seja nas democracias, seja nas sociedades
socialistas. Essa perspectiva certamente não é compartilhada por
Gramsci. Evidentemente, o sardo compreende as sociedades
modernas através do binômio elitista dirigentes-dirigidos, governantes-governados. Contudo, observa que essa construção elitista
é histórica e que pode ser superada na sociedade de novo tipo.
Notória também é a maneira como Gramsci refere-se a Mosca
de forma ríspida. Os adjetivos utilizados para descrever seus
escritos assemelham-se em dureza àqueles empregados contra a
obra de Bukharin. Em uma de suas obras mais maduras, o
Caderno 19 – redigido entre 1934 e 1935 – trata o texto de Mosca
da seguinte forma:
A reedição do livro de Mosca é um dos tantos episódios da
inconsciência e do diletantismo político dos liberais no período
imediatamente após a guerra e no subsequente. De resto, o livro
é bisonho, desordenado, escrito apressadamente por um jovem
que pretende “sobressair” em seu tempo com uma atitude extremista e com palavras altissonantes e, muitas vezes, triviais em
sentido reacionário. Os conceitos políticos de Mosca são vagos e
oscilantes, sua preparação filosófica é nenhuma (e assim restou
por toda a carreira literária de Mosca), seus princípios de técnica
política também são vagos e abstratos e tem caráter acentuadamente jurídico. O conceito de “classe política”, cuja afirmação
se tornará o centro de todos os escritos de ciência política de
Mosca, é de uma fragilidade extrema e não é discutido nem
justificado teoricamente (GRAMSCI, 2011, p. 32).
Sociologia e ciência política em Antônio Gramsci
151
Embora demonstre ser leitor assíduo e conhecer perfeitamente
bem a literatura produzida pelos três cientistas políticos, Gramsci
os trata, como vimos, com o desdém de quem os considera adversários teóricos, do mesmo modo como já havia feito com o sociólogo marxista Bukharin. Max Weber não foi destinatário dos
mesmos ataques, ainda que sua sociologia estivesse muito mais
próxima dos autores da teoria das elites do que de Gramsci.
Aproximações com a sociologia de Max Weber
Não há muitas dúvidas sobre o fato de Gramsci ter sido um
conhecedor da obra do sociólogo alemão Max Weber [1864-1920],
ainda que não da mesma forma profunda como a dos sociólogos
anteriormente analisados. Não apenas por Weber ter sido um dos
mais conhecidos fundadores da moderna sociologia, mas também
pelas afinidades temáticas dos dois autores. Ao longo dos Cadernos
do Cárcere encontramos algumas referências a obras do autor
como Parlamentarismo e governo, Economia e sociedade e a Ética
protestante e o espírito do capitalismo. Mais do que isso, mesmo
em passagens sem citações, observamos nitidamente semelhanças
analíticas que indicam a influência que o alemão exerceu sobre o
italiano. Vejamos primeiramente as menções aos estudos de
Weber sobre os partidos políticos. Logo no Caderno 2, redigido
entre 1929 e 1933, Economia e sociedade de Weber surge como
referência para a compreensão sociológica dos partidos políticos.
Outra fonte do italiano para a questão dos partidos é o livro
Parlamento e governo de Weber. No Caderno 15 de 1933 Gramsci
descreve como os partidos elaboram na sociedade civil determinadas diretrizes políticas que após passarem pelo debate no Parlamento tornam-se políticas de governo de acordo com as maiorias
formadas. A não existência desse debate no Parlamento oculta um
regime de partidos fracos definidos por ele como de pior espécie.
A referência ao livro Parlamento e governo também está presente
no Caderno 12 de 1932. Ao realizar uma análise comparativa
entre diversos países no que diz respeito ao papel dos intelectuais
orgânicos e tradicionais – como, aliás, é uma característica do seu
método – Gramsci observa como na Alemanha os junkers
cumpriram papel destacado como intelectuais tradicionais.
No que diz respeito à Ética protestante e o espírito do capitalismo, Gramsci provavelmente conheceu apenas a tradução
italiana que havia sido publicada em 1931 na revista Nuovi Studi
di Diritto, Economia e Política. No Caderno 11, redigido entre 1931
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Theófilo Rodrigues
e 1932, o autor menciona o texto de Weber ao comentar a questão
do calvinismo e da difusão popular das concepções de mundo.
Contudo, talvez esteja para além das citações diretas de Weber
presentes nos Cadernos do Cárcere a maior afinidade entre os dois
autores. Penso, em especial, na proximidade existente entre o
tema da hegemonia em Gramsci e da dominação legítima em
Weber. Em seu conhecido discurso conhecido como A política
como vocação Weber observou que “o Estado é uma comunidade
humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da
força física dentro de um determinado território” (WEBER, 2002,
p. 56). Trata-se, portanto, de um instrumento de dominação.
Todavia, essa dominação precisa ser legítima. O sociólogo
descreveu então três tipos puros dessa dominação legítima: a de
caráter racional; a de caráter tradicional; e a de caráter carismático. Ora, como não perceber a similitude entre o que Weber
definiu como dominação legítima e o que Gramsci conceituou
como hegemonia?
Como já vimos na primeira seção desse artigo dedicada à
Maquiavel, Gramsci apropriou-se da ideia de complementariedade
entre o consenso e a coerção para compreender a formação do
Estado e da hegemonia. Assim, facilmente podemos relacionar a
coerção com o “monopólio do uso legítimo da força física” e o
consenso com a dominação legítima. Além disso, poderíamos citar
objetos de análise como a burocracia, o líder carismático, a objetividade como método e a questão da religião como exemplos de
afinidades temáticas entre os dois autores na conformação de
uma teoria sociológica e que certamente precisariam de uma
observação mais complexa.
Considerações finais
Por que trabalhar a relação entre Gramsci e a Sociologia e
ciência política neste breve artigo? Diria serem duas as principais
razões. Em primeiro lugar, porque Gramsci trouxe no início do
século XX contribuições originais para a análise do desenvolvimento das complexas sociedades modernas em diálogo permanente com a obra dos grandes sociólogos e cientistas políticos de
seu tempo. Contribuições que ainda são válidas nos dias de hoje.
Em segundo lugar – simples, mas verdadeiro – por serem pouquíssimos os trabalhos da literatura especializada que se debruçaram
sobre o tema. Uma pesquisa mais acurada observará, por exemplo,
que grande parte dos textos que trazem Gramsci para o centro da
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lupa analítica possuem alguma relação com o campo da pedagogia a partir de seus textos de educação. Muitos outros estão
relacionados a problemas filosóficos ou históricos. Os que abordam
as perspectivas das ciências sociais estão preocupados, em geral,
com temas como hegemonia, movimentos sociais, Estado, partidos
políticos e sociedade civil. Mas os que tratam especificamente da
relação de Gramsci com os sociólogos e cientistas políticos da
época e de suas contribuições para a pesquisa científica são raros.
Percebe-se, ao longo dos Cadernos, a predileção de Gramsci
pela ciência política em detrimento da sociologia. Certamente por
Gramsci ter observado na sociologia de seu tempo uma certa
aproximação deletéria dessa disciplina com o positivismo, seja em
sua vertente marxista – notoriamente em Bukharin –, seja na
versão “burguesa” de Michels, Mosca, Pareto e Weber. Daí que em
suas palavras o autor diga que
Se ciência política significa ciência do Estado e Estado é todo
o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe
dirigente não só justifica e mantém seu domínio, mas consegue
obter o consenso ativo dos governados, é evidente que todas as
questões essenciais da sociologia não passam de questões da
ciência política (GRAMSCI, 2007, p. 331).
Por fim, parece-nos que uma pequena mensagem de Aléxis de
Tocqueville permanece atual, embora em outras bases. Logo no
início de sua Democracia na América, Tocqueville adverte ao
mundo do século XIX ser “necessária uma nova ciência política
para um mundo totalmente novo” (TOCQUEVILLE, 1998, p.12).
Talvez possamos dizer, com Gramsci, que essa nova ciência política iniciada no século XX e continuada no XXI passe de algum
modo pela filosofia da práxis.
Referências
BUCI-GLUCKSMANN, Christinne. Gramsci e o Estado. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980.
COHEN, Stephen F. Bukharin: uma biografia política. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
ENGELS, Friedrich. Anti-Duhring. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1976.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. V. 1. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
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______. Cadernos do Cárcere. V. 2. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.
______. Cadernos do Cárcere. V. 3. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007.
LENINE, V.I. Obras escolhidas. Lisboa: Avante! 1979.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002.
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