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ESTADO E MERCADO NO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO Estudo de caso de Santo André – SP Banca examinadora Prof. Orientador Celso Augusto Daniel Prof. Co-orientadora Regina Silvia Pacheco Prof. Ruben César Keinert Prof. Rômulo Dante Orrico A minha família, pelas horas de convívio roubadas ao longo desta jornada. A minha esposa Márcia, minha filha Nathália e meu futuro filho (a) tão ansiosamente aguardado. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUSA ESTADO E MERCADO NO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO Estudo de caso de Santo André - SP Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV/EAESP, área de concentração: Administração e Política Urbana, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Celso Augusto Daniel Co-orientadora: Prof. Regina Silvia Pacheco SÃO PAULO 2001 DESCRIÇÃO BIBLIOGRÁFICA Sousa, Klinger Luiz de Oliveira. Estado e mercado no serviço público de transporte coletivo: estudo de caso de Santo André – SP. São Paulo: EAESP/FGV, 2001, 264p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV, Área de Concentração: Administração e Política Urbana). Resumo: Trata da análise da política de transporte coletivo na cidade de Santo André – SP em dois períodos distintos de governo (1989 a 1992 e 1997 a 2000) em que esteve à frente da prefeitura o Partido dos Trabalhadores. Aborda a relação entre o Estado e o mercado e as propostas construídas no âmbito do PT para condução dessa política pública. Faz uma descrição dos principais elementos de inovação no modelo de gestão adotado em cada um dos períodos e estabelece um paralelo entre as duas administrações, relacionando os pontos de contato e as diferenças, procurando inferir sobre a efetividade da política pública implantada à luz dos objetivos dos principais atores envolvidos. Palavras-Chaves: Administração Pública – Estado – Mercado – Partido dos Trabalhadores – Política de Transporte – Privado – Público – Transporte Coletivo Urbano – Serviço Público – etc… SUMÁRIO AGRADECIMENTOS Agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. Em particular aos professores da Fundação Getúlio Vargas que com dedicação e profissionalismo me ensinaram a aprender, aos meus orientadores Prof.ª Regina Silvia Pacheco e Prof.º Celso Augusto Daniel que me ajudaram a organizar este conjunto de idéias, aos companheiros Marcos Pimentel Bicalho e Ronan Maria Pinto com quem sempre pude discutir a questão do transporte urbano e compartilhar de suas idéias e ao meu amigo Sérgio que não me deixou desistir. Obrigado! LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AESA -Associação das Empresas de Transporte Coletivo de Santo André AETC - Associação das Empresas de Transporte Coletivo do ABC APASA - Associação dos Perueiros e Afins de Santo André Apeoesp - Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo Arena - Aliança Renovadora Nacional AUTC - Associação dos Usuários de Transporte Coletivo e Outros Serviços Públicos de Santo André BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEB - Comunidades Eclesiais de Base CIP - Conselho Interministerial de Preços CMTC - Companhia Municipal de Transportes Coletivos CNTT - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos Coopasa - Cooperativa de Perueiros e Afins de Santo André CSN - Companhia Siderúrgica Nacional CUT - Central Única dos Trabalhadores DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos DTP - Departamento de Transporte Público DTS - Departamento de Trânsito e Segurança EPT - Empresa Pública de Transporte ETC - Empresa de Transporte Coletivo de São Bernardo ETCD - Empresa de Transporte Coletivo de Diadema FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço GM - General Motors IGP-DI - Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna IMES - Instituto Metodista de Ensino Superior INSS - Instituto Nacional do Seguro Social ISS - Imposto sobre Serviços MDB - Movimento Democrático Brasileiro PC do B - Partido Comunista do Brasil PCB - Partido Comunista Brasileiro PDS - Partido Democrático Social PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMSA - Prefeitura Municipal de Santo André PNDE - Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico PP - Partido Popular PSB - Partido Socialista Brasileiro PT - Partido dos Trabalhadores PTB - Partido Trabalhista Brasileiro RAD - Relatório de Arrecadação Diária RODR - Relatório de Oferta Diária para Remuneração SAUT - Serviço de Atendimento ao Usuário INTRODUÇÃO Os serviços de transporte coletivo têm-se apresentado aos gestores locais como um dos grandes problemas na sua esfera de competência, principalmente nas grandes e médias cidades, onde se mostram mais agudas as dificuldades no equacionamento dos conflitos inerentes à oferta do serviço. A Constituição brasileira, no art. 30, inc. V, determina, entre as competências dos Municípios, "(...) organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial(...)", A determinação constitucional de organizar e prestar implica a necessidade de planejamento e controle. A possibilidade da prestação do serviço ocorre diretamente ou através de concessão/permissão, abrindo-se um leque de possibilidades de ações combinadas do Estado (representado pelo poder local) com o setor privado (representado pelo empresariado de transportes). As relações entre o setor público e o setor privado, no que concerne à prestação desse serviço público, conduzem com grande relevância às discussões recentes a respeito do papel do Estado e os limites do mercado na organização da sociedade capitalista. Nessa relação, os papéis podem se dar de diferentes formas, variando entre duas situações extremas. Uma delas é a do Estado provedor direto do serviço, com exclusividade em sua operação (modelo de estatização total). Outra é a do Estado totalmente ausente do serviço, sem participar da operação e tampouco do planejamento e controle (modelo de desregulamentação total). No Brasil, por força da regulamentação constitucional vigente, não se configura formalmente nenhuma experiência de desregulamentação total. No entanto, há modelos muito próximos disso, com o Estado cumprindo um papel meramente simbólico de edição de regras e controles totalmente ditados pelo setor privado. A oferta do serviço de transporte coletivo constitui-se em uma atividade que mobiliza um capital considerável no âmbito das atividades econômicas de um Município. Constitui-se também em um mercado onde a rentabilidade é extremamente influenciada pelas decisões tomadas na esfera do poder local (Executivo e Legislativo). Cabe ainda ressaltar o impacto dessa política pública na vida dos moradores de uma cidade. Cada vez mais as cidades de porte médio e grande dependem do transporte coletivo para bem funcionarem. As distâncias, sempre crescentes, entre locais de moradia e de trabalho; a pulverização espacial de atividades de interesse institucional, cultural, etc.; e a permanente rotatividade de mão-de-obra colocam o serviço de transporte coletivo como um dos principais itens na agenda de problemas urbanos. Em virtude do grande número de pessoas que os transportes atendem e da peculiaridade de se irradiar o problema espacialmente, é conferido a este serviço um interesse particular na formação da opinião pública. O processo de tomada de decisão no âmbito do Estado para concepção e implementação de política pública nessa área, envolta por tantos interesses, não desconsidera os agentes envolvidos, conforme destaca PRZEWORSKY (1995: 76): (...) se assumirmos que o Estado opera em uma economia que inclui agentes, individuais e coletivos, que possuem direitos de propriedade sobre sua própria capacidade de trabalho e sobre recursos produtivos alienáveis, e que se comportam estrategicamente de acordo com seu próprio auto-interesse, parece que qualquer governo é, de diversas maneiras, constrangido por respostas, e até por antecipações, desses agentes à política governamental. Estado e mercado configuram-se como espaços onde convivem inúmeros atores que se relacionam entre si e conformam os processos decisórios que dão concretude às políticas implantadas. É o produto da ação desses agentes que transitam pelos dois espaços que estruturam a política pública e moldam os seus resultados. Partindo da premissa de que todo processo decisório, no âmbito do Estado, engloba necessariamente diferentes atores com interesses distintos, e às vezes antagônicos, e que o bom resultado de uma política pública depende da forma como o Estado atua na relação com esses atores, compatibilizando seus interesses. Discutiremos o caso da cidade de Santo André, tomando dois períodos distintos: de 1989 a 1992 e de 1997 a 2000, quando a política de transporte no Município esteve sob comando do Partido dos Trabalhadores, sendo o Prefeito, nas duas oportunidades, o Engº Celso Daniel. O estudo do caso proposto permitirá analisar os principais atores envolvidos no processo de tomada de decisão e de implementação da política de transporte coletivo urbano no âmbito do Município, suas motivações e estratégias, permitindo-nos avaliar os seus resultados sob o enfoque do interesse objetivo de cada um dos participantes no processo, e inferir acerca da maior ou menor efetividade da ação do Governo na implementação de suas propostas em função da intensidade da relação estabelecida com os principais agentes envolvidos no processo. Será interessante analisar as diferenças marcantes na condução da política pública nos dois períodos e os elementos que lhes dão contato, permitindo uma avaliação da extensão da existência de uma linha programática de cunho partidário. Para tanto, utilizando a bibliografia disponível, pretendemos, no Capítulo I, fazer uma rápida descrição da evolução do transporte coletivo em Santo André, desde a implantação da ferrovia – primeiro sistema de transporte organizado em nossas terras –, passando pelos primeiros serviços das carruagens e dos bondes por tração animal, até a introdução dos veículos automotores e dos primeiros ônibus, com ênfase na organização empresarial, buscando caracterizar a especificidade da cultura empresarial do setor. Para a melhor compreensão da forma como se organizou esse serviço na cidade de Santo André e a gênese da crise em que se envolveu em meados da década de 70, é importante avaliarmos alguns aspectos dos primórdios da estruturação do transporte urbano na Capital, para depois retornarmos a Santo André e acompanharmos a evolução de sua organização até a década de 80. Com isso, podemos fechar este capítulo discutindo a crise na lógica da prestação do serviço de transporte coletivo com que se inicia a década de 80, pois dessa crise decorre a motivação das propostas que o Partido dos Trabalhadores desenvolve para o setor. Cabe, entretanto, recordarmos que em nosso País a questão do transporte coletivo urbano é constitucionalmente obrigação estatal, portanto a busca de soluções para a organização e prestação desse serviço passa necessariamente pelo Estado. O Estado em questão não é uma unidade abstrata ou uma porção inespecífica; ao contrário, trata-se de um ente delimitado da federação, que é o município com autonomia política, administrativa e financeira de gerir o seu "peculiar interesse" incluído dentre eles, de forma muito clara, o transporte coletivo urbano. Não se trata aqui de tecer extensos comentários acerca do papel do Estado na sociedade e os seus mecanismos de provisionamento de serviços públicos, entretanto, interessa-nos, para a perfeita compreensão deste trabalho, analisar de forma mais detida alguns pressupostos que regem o debate teórico sobre a relação entre o público e o privado e o processo de tomada de decisões no âmbito de um Estado democrático no sistema capitalista, que pretendemos apresentar de forma sucinta no Capítulo II. É a partir da compreensão do papel dos vários atores envolvidos no processo de produção e operacionalização da política pública de transporte coletivo que poderemos inferir sobre os seus resultados à luz dos interesses distintos dos diversos segmentos sociais envolvidos. Nesse sentido, caberá refletirmos sobre o papel dos partidos políticos que, em última instância, conduzem o processo de disputa eleitoral pelo qual as sociedades democráticas se pautam para a escolha dos seus projetos de governo. Não nos parece ser o caso de fazer uma análise do papel dos partidos políticos no Brasil e suas nuances de natureza ideológica. Entretanto, na conformação das políticas públicas, e em particular da política pública de transporte coletivo urbano, o Partido dos Trabalhadores desenvolveu uma discussão coletiva que pretendeu dar um conteúdo partidário homogêneo à ação das administrações governadas pelo partido que vale a pena ser resgatado como um dos elementos importantes a ser considerado no processo. Nesse sentido, o PT será considerado como um ator relevante no processo de tomada de decisão no caso em estudo, dessa forma, faremos uma avaliação das idéias desenvolvidas no âmbito do partido em relação à gestão do transporte coletivo urbano a nível local, que será compilado no Capítulo III. A experiência administrativa, a nível local do Partido dos Trabalhadores, vem sendo acumulada desde 1983, quando tomou posse em Diadema, no ABC paulista, o primeiro prefeito eleito pelo PT, no Brasil. Naquela época, o partido tinha pouco mais de dois anos de criação e participava de maneira tímida no processo eleitoral de 1982. No entanto, a discussão sobre as várias alternativas com que se poderia conduzir a questão dos transportes coletivos na cidade se desenrola desde a criação do Partido, sendo parte de sua gênese. Por limitações de natureza metodológica, não entraremos no mérito da análise das experiências desenvolvidas nas várias cidades governadas pelo PT desde 1982. Interessa-nos conhecer os elementos centrais defendidos pelo Partido e apurar a influência destes elementos na experiência de Santo André, onde estaremos nos detendo na análise de caso. No estudo de caso estaremos descrevendo a experiência de gestão do transporte coletivo na cidade de Santo André no período em que ocorreram os governos do Partido dos Trabalhadores. No Capítulo IV, trataremos especificamente do primeiro período de 1989 a 1992 em que esteve à frente da prefeitura municipal o Engº Celso Daniel. O político Celso Daniel não surgiu somente em 1989. Em 1982 ele foi lançado candidato a prefeito pelo PT na cidade de Santo André, disputando com um candidato adversário de peso, com grande expressão política, conquistando um excelente resultado nas urnas. Embora derrotado, o PT saiu fortalecido, pois elegeu uma expressiva bancada de vereadores e legitimou o Engº Celso Daniel como expressão oposicionista fortemente vinculada ao Partido, e a tudo aquilo que ele representava naqueles anos iniciais de formação. Durante o governo que o antecedeu, de 1983 a 1988, Celso Daniel teve importante atuação junto ao movimento popular vinculado à luta pela melhoria dos transportes, o que influenciou decisivamente a política de transportes dentro do PT e marcou de maneira bastante incisiva as propostas que se consolidaram como metas incluídas no programa de governo apresentado ao eleitorado, em 1988, e consagrado nas urnas no pleito eleitoral. A atuação de Celso Daniel à frente do movimento pela melhoria do transporte em Santo André e os seus impactos na definição da política pública levada a efeito pelo PT, de uma maneira geral, e pelo governo de Santo André, em particular, será objeto de análise mais detida à frente. Na condução da administração do PT, Celso Daniel esmerou-se para levar adiante as propostas que havia defendido enquanto movimento popular, tendo implementado importantes inovações no cenário da gestão de transportes urbanos no País, com destaque para o modelo de gestão através da receita pública, que ficou conhecido como municipalização do serviço, e para a criação da empresa pública de transporte. Encerrado o governo em 1992, o PT deixa a administração com alto índice de aprovação popular das políticas implantadas, particularmente da política de transportes, mas derrotado nas urnas. Assume a administração da cidade pela terceira vez o médico Newton da Costa Brandão, do PTB, de inclinação ideológica antagônica ao PT e com poucas novidades em relação as suas administrações anteriores. No âmbito da política de transportes, promove poucas mudanças em relação à situação deixada pelo PT, porém desmonta o aparelho regulador do Estado, descaracterizando com isso o cerne da política proposta. A despeito do resultado prático desse fato se demonstrar sob a forma de uma redução na oferta e na qualidade do serviço, esta é insuficiente para amalgamar o descontentamento popular e levar o tema para o primeiro escalão das disputas eleitorais. Em 1997, reassume a Prefeitura o Engº Celso Daniel, consagrado nas urnas com uma expressiva vitória no primeiro turno, trazendo consigo um programa de governo com propostas bastante concretas para todas as áreas, e em particular para o transporte coletivo da cidade. A despeito de no geral o programa de governo de Celso Daniel seguir os preceitos petistas, no item de transporte existiam questões em aberto, que ficaram para serem decididas durante o governo, mas acabaram por representar áreas de atrito com o Partido em razão de serem polêmicas. A privatização da operação da empresa pública de transportes, criada no primeiro governo como uma referência fundamental ao controle público do serviço; o enfrentamento com os perueiros, que gozava de simpatia entre setores do partido; a implantação das catracas eletrônicas, que tanta resistência geram no movimento sindical e um número maior de projetos implantados em parcerias com o setor empresarial deu uma grande dinâmica à política setorial, mas, por outro lado, geraram controvérsias que influenciaram a condução da política pública. Esse período, que se consolidou de 1997 a 2000, será apresentado e discutido no Capítulo V, para ser comparado com o período anterior em relação ao contexto vivido na sociedade e no Partido em geral. A preocupação central desse trabalho é refletir sobre o processo de tomada de decisão no âmbito de um Estado democrático. Partindo de uma determinada política pública, no caso a de transporte coletivo, pretendemos demonstrar a arquitetura dos atores e como eles se entenderam e negociaram na formulação e implementação do projeto de Governo. Para tanto, utilizamos na pesquisa material produzido pela Administração Pública, pelo Partido e pelos representantes dos vários segmentos envolvidos. Também foi feito um levantamento na imprensa local (basicamente jornais), no período pesquisado, e colhidos alguns depoimentos. Outro objetivo desse trabalho é fazer a reconstituição da experiência produzida na área de transporte, na cidade de Santo André, com o intuito de contribuir com uma reflexão mais geral sobre a questão dos transportes urbanos nas cidades de médio e grande porte no Brasil. Ao aprofundar a pesquisa sobre o desenvolvimento e os resultados da política de transporte no município de Santo André, verificaremos os aspectos motivadores das decisões tomadas e, com isso, estabeleceremos um elenco dos principais agentes envolvidos no processo de tomada de decisão e suas formas de relação com o Estado. Por outro lado, será possível, ainda, inferir sobre os elementos que motivam o gestor público na sua decisão final sobre a política pública aplicada. A partir dessas abordagens, pretendemos responder à seguinte questão básica: – o Estado capitalista, no âmbito local, é capaz de conceber e implementar uma política pública de transporte coletivo voltado aos interesses dos usuários do serviço? E ainda: – Em que medida se manifesta o interesse do usuário? – Qual o seu principal agente? No Capítulo VI serão apresentadas as conclusões do trabalho, onde pretendemos analisar as evidências que corroboram as premissas básicas do trabalho, mas também estabelecer referenciais comparativos entre os dois períodos descritos no estudo de caso, objetivando oferecer elementos para responder as questões formuladas. 1 a Formação do serviço de transporte coletivo em santo andré A análise da evolução do transporte coletivo em Santo André não tem o objetivo de se constituir em um extenso levantamento histórico da conformação do serviço de transporte coletivo na cidade; busca, outrossim, elementos que desnudem o processo inicial da organização desse serviço e sua forma de estruturação para que possamos compreender a situação encontrada em 1989, quando se inicia o nosso período de análise propriamente dito. A compreensão precisa da conjuntura que determina o pano de fundo das propostas apresentadas à população, na campanha do PT, em 1988, e levadas a efeito pelo Prefeito Celso Daniel e sua equipe, em 1989, em Santo André, exige que analisemos a evolução histórica do serviço de transporte em Santo André, tendo como referência também o que acontecia na cidade de São Paulo – principal centro urbano da região – e, de resto, em toda a região do ABC paulista. As relações que se estabelecem entre os diversos operadores de serviço, desde a constituição das primeiras linhas de exploração individual, até o surgimento das primeiras empresas, conformam uma cultura empresarial típica deste segmento e que é elemento determinante na caracterização do ator “empresário de ônibus”, exercendo influência na forma de relação entre o agente público e o empreendedor privado deste setor. O que procuraremos analisar são os motivos da crise na prestação desse serviço, que no final da década de 70 já mostrava claramente ter esgotado um modelo de provisão, ensejando um conjunto de mobilizações populares e pautando a discussão interna no PT, conforme veremos mais adiante. A conformação eminentemente privada da oferta do serviço de transporte nas cidades deixa de dar conta não apenas do seu caráter público de garantir um atendimento mínimo às necessidades de deslocamentos da população, como também passam a conspirar contra a própria rentabilidade do setor, que se recente da concorrência aberta e predatória de todos contra todos. É necessário ressalvar nesse ponto a distinção entre público e estatal, pois o serviço pode estar conformado segundo uma lógica privada, mesmo sendo ofertado em parte por uma empresa pública (portanto, com produção estatal). O que caracteriza uma conformação eminentemente privada na oferta do serviço é a ausência de finalidade pública na sua produção. Segundo BICALHO (1993: 7): Duas ressalvas são essenciais: primeira, o caráter privado dos serviços de transporte coletivo urbano não está definido pela propriedade (pública ou privada) das suas instituições; em segundo lugar, o fato de um determinado modelo de privatização dos serviços estar esgotado, não significa que a sua redefinição passe, necessariamente, pela retomada de seu caráter público. 1.1 O TRANPORTE URBANO NO INÍCIO DO SÉCULO XX Na atual cidade de Santo André, as primeiras indústrias a se instalarem são a Silva Seabra & Co., tecelagem, que em 1890 inicia a produção no antigo Bairro da Estação – a estação de São Bernardo inaugurada em 1867 representa o núcleo inicial da atual Santo André –, a cerca de 1 km da estação de São Bernardo, e a Streiff, que se instala na atual Rua Coronel Oliveira Lima para produzir cadeiras. "Santo André, desde o final do século passado, abrigou indústrias de porte. O fato se deve não às facilidades de transporte, mas aos incentivos fiscais oferecidos pelo município e, a partir de 1924, a abundância de energia permitida com a instalação da Usina Henry Borden em Cubatão". Prefeitura Municipal de Santo André – PMSA, 1991, p. 46. Concomitantemente à instalação das indústrias havia um grande aumento no número de pessoas, intensificando a já existente demanda por transporte, principalmente entre a Vila de São Bernardo e o Bairro da Estação. O movimento era atendido com os meios disponíveis à época, veículos puxados a cavalos, carros de eixo móvel, carretões de quatro rodas, carroças, semitroles e troles. RODRIGUES (1999: 19) assinala: Desde 1896, o serviço de carros puxados por animais, que faziam o transporte entre a Vila e a Estação de São Bernardo, era regulamentado por lei, o que mostra a importância desta atividade. O horário de partida e chegada era determinado pelo horário dos trens; os cocheiros deveriam apresentar-se decentemente vestidos e ser atenciosos com os passageiros; era terminantemente proibido disparar os animais nas ruas da vila e nos lugares povoados. Por fim, ficavam determinados pela lei os preços do transporte, segundo o tipo de carro utilizado: carros de eixo móvel, carretões de quatro rodas, carroças, semitroles e troles. Esse regulamento é o primeiro que se tem notícia em nossa região, regulamentando a prestação de serviços de "carros de praça" e encontra-se nas atas de sessões da Câmara de São Bernardo de 28 de dezembro de 1895. Ao que tudo indica não havia nenhuma restrição à entrada no mercado para a prestação do serviço e o atendimento à demanda. Tratava-se, portanto, de uma prestação de serviço eminentemente privada. A regulação existente procurava estabelecer regras de urbanidade e ajustar os preços em prol de um interesse coletivo. O transporte feito através de veículos de tração animal se expandia, explorado por empreendedores individuais que atendiam a demanda crescente do Bairro da Estação e da Vila de São Bernardo. Reinaram absolutos até as primeiras décadas do século XX. Algumas tentativas da Câmara Municipal de São Bernardo foram feitas no sentido de buscar empreendedores para um sistema de transporte mais estruturado, que fizesse a ligação da Vila de São Bernardo com o Bairro da Estação (Santo André) e o núcleo que mais tarde seria o distrito de São Caetano. Em 1906, a Câmara enviou para a Diretoria da Light and Power, empresa canadense concessionária dos serviços de força, luz e transporte na cidade de São Paulo, uma proposta de extensão até a vila das linhas de bonde que, desde 1900, estavam em funcionamento na capital. O contrato foi assinado em 1907, mas a Light nunca cumpriu o compromisso de estabelecer a ligação. Outras concessões foram solicitadas tanto para promover o transporte por automóveis autopropulsionados, como por outros meios de transporte elétricos ou a vapor, mas nenhum deles chegou a prosperar. Os automóveis movidos a benzina começaram a circular no Brasil por volta de 1900 e a sua velocidade impressionava, deixando os veículos de tração animal parecerem antiquados e incômodos. Já no início da década de 20, registra-se no Bairro da Estação os primeiros automóveis como veículos de aluguel disputando espaço com os antigos carros de tração animal. RODRIGUES (1999: 21-22) ensina que "em 1921 o tílburi de João Setti já fora substituído por um Chevrolet Ramona 'carro de aluguel' que fazia ponto na estação. Poucos anos depois, ele também utilizaria uma 'jardineira', veículo com motor à explosão, pneus e carroceria aberta lateralmente". Porém, a implantação do serviço público de transportes no Município de São Bernardo, com a utilização da força propulsora moderna, só seria estabelecida na década de 20, vinculada diretamente a empreendimentos imobiliários. Trata-se da empresa Imobiliária de São Bernardo, de propriedade dos irmãos Hyppolyto Gustavo e Ernesto Pujol. A Imobiliária Empreendimentos urbanizava grandes áreas para venda de terrenos para indústria, comércio e residências. Vendia terrenos e casas à prestação e se favorecia de concessões públicas para prestar serviços de abastecimento de água e transporte, dentre outros. Até 1925, os Pujol já haviam implantado sete bairros à margem da São Paulo Railway, entre as estações de São Caetano e Santo André, e um na Vila de São Bernardo. Além disso, abriram uma estrada de automóveis, hoje Avenida Industrial, unindo o Bairro Industrial à Estação de Santo André e à Capital. Embora o privilégio da concessão do serviço de transporte sobre trilho com tração motora tivesse sido dado aos Pujol por lei, em 1921, apenas em 1924 foi possível assinar o contrato definitivo, em decorrência de contendas com a Light. O contrato não fazia menção à exclusividade de serviços; apenas firmava prazos característicos e linhas a serem implantadas. Os veículos correriam sobre trilhos puxados por automóveis autopropulsionados; todas as linhas partiriam da Estação de São Bernardo. Uma seguiria para a Vila, outra para a Estação de São Caetano, atendendo aos novos bairros, e uma terceira seguiria para a zona do atual município de Mauá, antiga Pilar, podendo ser prolongadas, ramificadas ou desviadas. Essa concessão ocupa-se de outros elementos mais estruturais de um sistema organizado de transporte, mas ainda não caminha em direção a uma regulação mais ampla. O não-estabelecimento de exclusividade denota a visão privada da provisão desses serviços, onde se pressupõe que no entender da Câmara de São Bernardo, à época, era possível à convivência de serviços distintos de transporte com concorrência direta pela preferência do passageiro. Essa visão representa a tônica do período e irá marcar fortemente a cultura do setor com conseqüências que veremos mais à frente. Nem todas as linhas concedidas aos Pujol foram implantadas, apenas a Circular da Estação a Vila e a que se dirigia para São Caetano entraram em funcionamento e contavam, em 1924, com sete carros de passageiros e três de carga. Muito provavelmente os primeiros ônibus começaram a circular em São Bernardo no começo da década de 20, quando se inicia a estruturação dessa modalidade de serviço. As primeiras linhas serviam ao atendimento dos deslocamentos entre os distritos (de Santo André, São Bernardo e São Caetano) e entre estes e a Capital. O veículo que se consagrou no uso de auto-ônibus foi a jardineira, fabricada por Irmãos Grassi & Cia. Trata-se de uma carroceria aberta para ser montada sobre chassi de caminhão que passou a ser produzida em escala industrial a partir de 1924, para utilização no transporte coletivo da Capital, quando por uma condição de racionamento de energia os bondes elétricos ficaram prejudicados. Em São Bernardo uma das linhas de ônibus pioneiras ligava a Vila à Estação e foi iniciada por João Setti, em parceria com Antônio Pinotti, em 1925. Outra linha também dessa época atendia ao itinerário da Vila de São Bernardo ao Alto da Serra (hoje Paranapiacaba) e operava quatro carros de propriedade de Djalma de Souza. Ao contrário do que acontecia com os serviços de bonde sobre trilhos, que exigia grandes investimentos e pouca flexibilidade de operação, em termos de itinerários, o serviço de auto-ônibus abria espaço para pequenos investidores, trabalhadores autônomos que pretendiam iniciar uma atividade profissional ou complementar a renda advinda de outras atividades, dispondo inicialmente de apenas um veículo. Por necessidade de operação, uma mesma linha era operada por vários pequenos proprietários que se organizavam para fornecer os horários dentro do itinerário estipulado, cada qual com o seu veículo e sendo remunerado diretamente pela tarifa imposta ao usuário. Apenas um recebia a licença da Câmara para prestar o serviço em um dado itinerário e se estabelecia a partir daí uma espécie de parceria entre os proprietários de auto-ônibus, baseada na confiança, na amizade ou no parentesco. Os auto-ônibus eram em geral dirigidos por seus próprios donos; não existia a figura do cobrador e representavam na prática a oportunidade do "negócio próprio", de não ter que obedecer a patrão. O ônibus tornou-se o símbolo dessa independência individual. Era parte das atribuições das Câmaras Municipais registrar os veículos em circulação no território do município, mesmo os particulares e aqueles de tração animal, e conceder autorização para a exploração de serviços de transporte de carga ou de passageiros. A Câmara de São Bernardo, portanto, recebia os pedidos de licença para operação de linhas que eram propostas pelos interessados e junto com elas os pedidos de isenção de taxas e impostos, sempre com a argumentação de estar prestando serviço de relevante interesse público. Circulavam na região, naquela época, diversos auto-ônibus com carrocerias artesanais construídas em madeira pelos próprios interessados na exploração do serviço. Constituíram-se também nesse período pequenas oficinas para construção e reparos nessas carrocerias, porém, mais tarde, esse mercado entrou em decadência pela concorrência das grandes montadoras, estruturadas na Capital a partir de 1924. É bastante característico desse período, também, a coincidência entre o empreendedor imobiliário e o de transporte, visto, neste caso, como um apêndice do negócio principal, que é o de comercialização de terrenos e casas. Quando um novo empreendimento imobiliário começava a ser estruturado, afastada do centro principal, a empresa imobiliária já buscava junto à Câmara a autorização para explorar o serviço de transporte que garantisse o acesso ao novo núcleo, com o intuito de criar as condições propícias para a sua venda. Assim, em 1928, a Sociedade Territorial Estação de São Bernardo Ltda., responsável pelo loteamento do atual bairro de Santa Terezinha, requereu à Câmara e foi-lhe concedida concessão exclusiva, por quatro anos, para explorar serviço de auto-ônibus ligando a Estação de trem ao centro do novo bairro, dentro dos horários de chegada do trem. Diversos outros empreendedores imobiliários também solicitaram e obtiveram autorização para prestar serviço de transporte como mais uma vantagem oferecida aos moradores dos loteamentos abertos. Nos diversos Pareceres da Câmara de São Bernardo, observam-se bastante distintas umas das outras as diversas solicitações efetuadas para a exploração do serviço de transporte. Ora a Câmara emite Parecer autorizando a concessão com direito exclusivo de exploração de serviço (caso da Sociedade Territorial Estação de São Bernardo); ora ela autoriza a concessão, porém não garante exclusividade no itinerário proposto (caso da Empresa Imobiliária de São Bernardo); ora autoriza isenções tributárias, ora não; ora estabelece os preços das tarifas e a obrigatoriedade do seu cumprimento; outras vezes não faz menção à tarifa; ora autoriza a concessão com prazo determinado, em outros casos estabelece o caráter precário. Enfim, observa-se uma grande variedade de possibilidades que revelam uma grande discricionariedade do setor público na determinação das regras para a oferta de serviço de interesse público. Esse elemento é outro fator fundamental a consolidar uma cultura do setor de transporte de intensa submissão às prerrogativas do setor público regulador e a possibilidade de "conseguir vantagens" que possam melhorar a sua rentabilidade e o resultado econômico do negócio a partir da relação estabelecida com os agentes públicos. Tal fato será visto mais adiante, mas também representa elemento importante das condições em que se desenvolveu e se consolidou o serviço de transporte coletivo no Brasil. Cabe concluir, desse período inicial, que o transporte coletivo por ônibus nasceu na região pela ampliação do seu espaço urbano e pela sua dinâmica econômica alavancada inicialmente pela Estrada de Ferro que, na esteira dos trilhos, traz as fábricas que fogem do alto custo dos terrenos de São Paulo, e pela presença do imigrante de espírito mais empreendedor, que se coloca como importante elemento da dinamização do setor de comércio e serviços e também como sustentáculo de mão-de-obra da nascente indústria regional. O transporte público nasce sob o estigma da iniciativa privada, no caso dos ônibus, promovido em parte pelo pequeno capital do empreendedor individual e em parte pelo grande capital voltado aos negócios imobiliários. O Poder Público não se mostra interessado em disputar esse mercado; nenhuma iniciativa nessa época permite inferir que o Poder Público detivesse algum interesse na provisão destes serviços. A prática consagrada é a de conceder, autorizar e/ou permitir a exploração do serviço pela iniciativa privada, utilizando-se, para isto, de critérios, aparentemente bastante flexíveis, para ir estabelecendo uma rede básica de atendimento. O serviço de auto-ônibus prospera pelas enormes vantagens sobre outras modalidades de transporte; os carros de tração animal tornam-se obsoletos; os bondes têm alto custo de implantação e rigidez de itinerários; os autocarros não são rentáveis pelo baixo número de passageiros transportados por viagem. Dessa forma, estes primeiros anos da formação do serviço de transporte coletivo urbano já denotam os primeiros sinais que conformarão uma certa cultura do setor de transporte, gênese da crise que pretendemos analisar a seguir. 1.2 O serviço de transporte coletivo por ônibus em São Paulo A análise da evolução do serviço de transporte coletivo por ônibus na cidade de São Paulo é parte fundamental do estudo que pretendemos desenvolver, não apenas pelo peso relativo da Capital em relação à região do Grande ABC e em particular a cidade de Santo André, mas principalmente pela forte interação econômica entre estes núcleos urbanos, que condicionam de forma inexorável o modo de prestação do serviço e os seus resultados econômicos e sociais. Além disso, para um perfeito entendimento da crise do setor, é muito relevante a análise do caso de São Paulo, pela sua magnitude e reflexos nas demais experiências urbanas no País. De resto, o pensamento conformado no âmbito do PT acerca dos problemas que afligem o setor e as idéias de formulação e condução de uma política pública petista para o transporte urbano, foram certamente condicionados pelos desafios enfrentados pelo setor na cidade de São Paulo. 1.2.1 O Serviço de Transporte Coletivo Até a Criação da Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC (1946) Os serviços de transporte coletivo na cidade de São Paulo do final do século XIX eram providos por bondes puxados por animais, situação esta muito comum nas principais capitais brasileiras. Os bondes de tração animal surgiram em meados de 1870, substituindo os antigos carroções ou tilburis, que se mostravam muito desconfortáveis devido aos solavancos naturais no tráfego em ruas esburacadas. A partir de 1900, a companhia concessionária do serviço de força e luz da Capital assume também a concessão dos serviços de transportes, iniciando a operação dos bondes elétricos, que passam a substituir os antigos veículos de tração animal. Os bondes elétricos reinaram de forma quase absoluta até meados de 1925, quando, em decorrência de uma prolongada estiagem em 1924, sucedeu-se uma situação de racionamento de energia elétrica que comprometeu a operação dos bondes, dando margem à entrada em operação do serviço de auto-ônibus. O automóvel autopropulsionado já fazia parte do cenário das cidades brasileiras desde o início do século XX. Caminhões de carga também já existiam e, em 1911, a pedido da Hospedaria dos Imigrantes, uma oficina de propriedade dos Irmãos Grassi produz uma carroceria para ser adaptada em chassi de caminhão com o intuito de transportar passageiros. A jardineira, como ficou conhecida, foi colocada em uso doméstico da Hospedaria para cumprir pequenos percursos, porém, representou uma nova possibilidade ao mercado. Uma vez iniciado, o serviço de auto-ônibus prosperou na cidade, impulsionado pelas suas grandes vantagens competitivas, baixo custo operacional para entrada no mercado e alto nível de flexibilidade em termos de itinerários. A rápida propagação do auto-ônibus começou a colocar em risco os serviços de bonde ofertados pela Light, outrora concessionária exclusiva, a tal ponto que ela própria se dispôs a explorar uma linha com o novo modelo (ITACARAMBI, 1985: 102). O serviço de ônibus não foi nem monopolizado pela Prefeitura, nem organizado em coordenação com o serviço de bondes. Ao contrário, proliferou de forma desordenada, em competição entre si e com os bondes, sem qualquer regulamentação de frota, freqüência, horário, etc. (ITACARAMBI, 1985:.103). Ao que tudo indica, em São Paulo, a partir de 1925, passou a vigorar as regras exclusivas da livre concorrência em que os proprietários individuais de auto-ônibus disputavam na rua pelos passageiros. Com isso a cidade chega ao ano de 1930 com 400 veículos, todos de propriedade individual, o que leva a Prefeitura, em 1934, através de um ato normativo, a obrigar os proprietários a se agruparem em empresas, surgindo então as primeiras empresas de ônibus em São Paulo. ITACARAMBI (1985: 103) relata: "O ato 643 que obrigou os pequenos proprietários a se reunirem formando empresas de ônibus, representou um impulso no sentido do crescimento do serviço de ônibus. Esse crescimento foi violentamente acelerado em 1937, devido a retirada dos bondes da região da cidade". A Light, de fato, se mostra impotente diante da concorrência dos ônibus, e em 1937 apresenta à Prefeitura carta informando da sua disposição de se retirar do serviço de transporte ao término de sua concessão, que se daria quatro anos depois. Com isso, fica aberto o mercado ao setor que se legitima inclusive diante do órgão regulador. pois passam a ser vistos como alternativa ao caos que certamente se instalaria na cidade sem a operação dos serviços de bonde. Apesar de seu crescimento vertiginoso em 1941, os ônibus não conseguiram abarcar toda a demanda de São Paulo, sendo imperiosa a continuidade do serviço de bondes, que foi assegurada por decreto federal do então Presidente da República Getúlio Vargas. Com isso a Light permanece compulsoriamente no serviço até 1945, quando o decreto é revogado. A saída da Light da operação dos bondes, em 1945, deu o motivo para a criação da CMTC – Companhia Municipal de Transporte Coletivo, que começou a operar com o seu acervo patrimonial 1.2.2 O Serviço de Transporte Coletivo Após 1946 Quando foi criada, em 1946, a CMTC tinha como proposta assumir todo o sistema de transporte coletivo da cidade de São Paulo. Representaria, portanto, uma situação de estatização do serviço por parte da Prefeitura. Havia naquela oportunidade cerca de 34 empresas particulares operando na cidade e todo o acervo de bondes que precisariam ser encampados pela Prefeitura para se constituírem no patrimônio de operação da CMTC. Na prática, a CMTC absorveu todo o patrimônio da Light, que já vinha negociando com a Prefeitura desde 1940, e a frota de 17 empresas, equivalente a 599 ônibus. As outras empresas foram colocadas em um cronograma de encampação posterior, sucessivamente adiado até ser totalmente revogado, em 1953, pelo então Prefeito Jânio Quadros, que considerou prejudicial ao interesse público a continuidade do processo de estatização. As empresas privadas que restaram ampliaram a sua participação e continuaram crescendo. A CMTC entrou em um processo de decadência derivado da conjunção de vários fatores: utilização política da empresa, gerando ineficiências e prejuízos na sua condução; alto custo da operação dos bondes, que perdiam passageiros continuamente; inadequação da frota adquirida para a operação; e relação promíscua com as empresas particulares que eram sempre favorecidas nas atividades regulatórias promovidas pela CMTC. PACHECO (1988: 7) ressalta: Nesse cenário, a empresa pública criada em 1947, Companhia Municipal de Transporte Coletivo – CMTC, nunca chegou a assegurar o monopólio do transporte coletivo, tal como lhe fora atribuído. Com efeito, sua constituição sob a forma de sociedade por ações, com participação acionária de ex-empresários de ônibus e com a continuidade da ação privada no setor, significou desde o momento de sua criação, uma alteração das propostas que defendiam uma operação pública exclusiva do serviço de transporte. A partir do início da década de 60, o sistema de transporte coletivo da cidade de São Paulo volta a se constituir exclusivamente por uma lógica privada. A fragilização da CMTC havia chegado no seu ápice e as empresas privadas passaram a dar as cartas na condução da política do setor. BICALHO (1993: 15) relata que: Na década de 60, consolidou-se o sistema que iria permanecer estável por cerca de 15 anos. A CMTC devido às características de suas linhas e às ingerências políticas na sua administração, operava com custos elevados, que eram a base para a definição da tarifa, garantindo ao setor privado uma excepcional rentabilidade. As concessões para a operação das linhas eram distribuídas sem que houvesse nenhum procedimento licitatório, em meio a acusações da imprensa de ocorrência de "leilões" para a sua distribuição, muitas vezes a empresas que nem existiam ainda. A despeito da criação da CMTC, que surge como um novo referencial para o provisionamento do serviço de transporte coletivo na cidade de São Paulo, o que se observa, com a experiência da Capital até meados da década de 70, é o império da livre iniciativa. A CMTC, muito embora tenha introduzido o Estado de forma mais direta no setor de transporte, não se prestou a reorientar o serviço para uma lógica voltada ao interesse público; ao contrário, sempre que possível atuou no sentido de reforçar o caráter privado da produção desse serviço. As empresas privadas cresceram e se fortaleceram consolidando a idéia, até então hegemônica, de que o serviço de transporte coletivo é de interesse privado, gera bons lucros e permite rápida e intensa acumulação de capital. 1.3 O serviço de transporte coletivo por ônibus em Santo André até 1980 Em 1910, o antigo Bairro da Estação torna-se Distrito do então Município de São Bernardo, que tinha como sede a Vila de São Bernardo. É dessa época ainda a elevação da capela de Santo André, recém construída, à condição de Matriz de Paróquia. Em 1929 , a Estação de São Bernardo passa a denominar-se Santo André, ganhando, assim, o nome da paróquia e do Distrito. Em 1938, por determinação do Sr. Ademar de Barros, interventor em São Paulo, a Câmara de São Bernardo é transferida para Santo André, que dessa forma vira a sede de todo o Município, que passa a denominar-se Santo André. O crescimento acelerado do antigo Bairro da Estação foi determinante na transferência da sede do Município. O forte ritmo da industrialização impulsionado pela Estrada de Ferro e pela oferta de terrenos a preços menores que o da capital, combinado com incentivos fiscais, diversifica e expande a ocupação em Santo André. Na área urbana de Santo André havia 2.878 prédios em 1930. Oito anos depois, quando da criação do município, o perímetro da cidade foi novamente alargado. Nessa época em Santo André havia 72 fábricas, entre as quais algumas de grande porte, e um total de 7.661 operários. Muitos dos loteamentos abertos nessa época estavam próximos às novas instalações fabris, originando bairros de grande concentração operária, como o Parque das Nações. A construção de conjuntos operários – como os anteriormente erguidos pela "Ypiranguinha" e pela Kowarick – já eram coisa do passado. PMSA, 1991, p.101. A ampliação do serviço de auto-ônibus faz parte da expansão urbana. Partindo sempre da Estação Ferroviária, local de maior interesse das pessoas, as linhas iam crescendo à medida que a cidade abria novos bairros e novas fábricas se instalavam. A maior parte das linhas continuava a ser operada por empreendedores individuais, donos de seus próprios veículos, entretanto, é dessa época o início do aparecimento das primeiras empresas de ônibus no Município. Ao contrário da Capital, que promoveu através de uma ação reguladora do Poder Público o aparecimento das empresas de ônibus em 1934, em Santo André, ao que tudo indica, a formação das empresas foi ocorrendo a partir da combinação de um conjunto de fatores: necessidade de atendimento às crescentes exigências reguladoras do setor público, início da divisão de trabalho própria do setor de transporte, que buscava aumentar sua rentabilidade e movimentos de fusões voltadas à eliminação de concorrência predatória. Entretanto, essa tendência à organização empresarial, verificada na década de 30, foi se expandindo em harmonia com a manutenção de um grande número de profissionais autônomos, que permaneceram no mercado até provavelmente a década de 60. Outro traço mantido nas empresas, e que tem origem na formação inicial do setor, é o familiar. Mesmo nas estruturas empresariais observa-se uma forte presença da família do dono ocupando todos os postos chaves da organização do trabalho. A regulamentação do setor por parte do Poder Público teve grande impulso no período do Estado Novo, época em que Getúlio Vargas se instalou no poder da República e governou o País com interventores nos Estados e Municípios. Com a posse de Vargas, assume o governo do município de São Bernardo o Prefeito Armando Setti, membro da junta governativa, que, em 1931, a propósito de regulamentar uma linha de auto-ônibus entre Santo André e São Paulo, edita um conjunto bastante consistente de regras, que mais tarde serviriam para orientar toda a regulamentação do serviço de ônibus do Município. Nos considerandos que fundamentam o Ato, o Prefeito argumenta que o crescente desenvolvimento da linha e as falhas existentes no regulamento até então vigente exigiam a adoção de horários preestabelecidos, para que se mantenha um serviço eficiente e de utilidade ao público. O regulamento estabelecia um máximo de três auto-ônibus na linha, estando a critério da Inspetoria de Veículos (órgão da Prefeitura) conceder novas licenças na proporção em que fosse crescendo a freqüência de passageiros. Para a concessão de novas licenças, o proprietário de auto-ônibus ficava obrigado ao pagamento de um alvará especial, além de impostos sobre o veículo e outros emolumentos previstos em lei. Precisava, ainda, juntar horários, itinerário e tabela de preços e declaração expressa de que se sujeitava às determinações da Inspetoria de Veículos. O Ato do Prefeito definia ainda que os horários precisariam estar distanciados entre si no mínimo em um quarto de hora e determinava o preço da tarifa para o trecho todo, permitindo o fracionamento em três seções distintas, com tarifas parciais. Por fim, estabelecia a obrigação do concessionário de realizar todas as viagens diariamente e impunha sanções no caso de desobediência, salvo acidente plenamente justificado. As multas eram cumulativas até um certo limite, quando o concessionário poderia ter a sua licença cassada pela Inspetoria de Veículos. Poucos meses depois da edição desse regulamento, bastante abrangente para uma única linha, o Prefeito Armando Setti decidiu estabelecer um ordenamento geral para o serviço de transporte no Município, válido então para todas as linhas. O Prefeito fundamentou sua decisão, considerando que a lei até então vigente (de 1923), que estabelecia o regulamento sobre inspeção, fiscalização e trânsito de veículos, era omissa a respeito do transporte de passageiros por meio de auto-ônibus (o que era um fato, tendo em vista que os primeiros auto-ônibus só começaram a circular na região após 1925). Dessa forma, tornava-se imperioso regular este serviço para que houvesse segurança e eficiência, devido ao crescente desenvolvimento que tais serviços públicos vinham tomando na região. O novo regulamento geral, consubstanciado no Ato nº 20, determinava que para qualquer linha municipal a Inspetoria de Veículos concederia licença mediante o despacho do Prefeito ao requerimento do interessado, com firma devidamente reconhecida. O requerimento deveria conter inúmeras informações, como o nome e a residência do proprietário do auto-ônibus, do condutor ou do responsável pelo serviço de transporte; o número do motor do carro, a marca e a capacidade de lotação; a linha pretendida e os pontos de estacionamento; o itinerário; os preços da passagem e seções, caso houvesse; a declaração expressa da aceitação das determinações e regulamentos da Inspetoria de Veículos, bem como das demais leis em vigor. A aprovação dos horários pretendidos dependia do horário dos auto-ônibus que já circulassem na mesma linha. Esse Ato estabelecia regras de concessão e funcionamento, através da Inspetoria de Veículos e seguindo o princípio da centralização administrativa com o controle do Prefeito. Os proprietários ou condutores de auto-ônibus, que já estivessem circulando, ficariam obrigados, no prazo máximo de 20 dias da publicação da lei, a comparecer à Inspetoria de Veículos e regularizar a sua atividade. As penas, no caso de não cumprimento das obrigações assumidas, seguiam o estabelecido para a linha entre Santo André e São Paulo. Algumas considerações podem ser feitas acerca desse empenho de regulamentação pública do serviço de transporte coletivo promovido por Armando Setti. Primeiro, quanto ao momento político vivido no País, naquele início dos anos 30, havia um sentimento promovido pelo Governo Vargas e sua Junta Governativa de promover mudanças institucionais no País que reorganizassem o Estado e sintetizassem suas metas de progresso, harmonia social e modernização da Nação através da centralização e racionalização das ações públicas. Segundo, quanto às origens do Prefeito, que pertencia à família Setti, que era formada por imigrantes italianos, assentados em São Bernardo desde 1878 e que desde a sua primeira geração em solo brasileiro estiveram envolvidos com serviços de transporte na região. Portanto, a problemática do setor não era estranha ao recém empossado Prefeito que, presumimos, tinha uma visão sobre o assunto mais ligado aos interesses do prestador de serviço do que propriamente dos seus usuários. Esse aspecto permite-nos especular sobre as reais motivações para o estabelecimento dessa regulamentação, se de fato voltadas ao atendimento de interesses coletivos da municipalidade ou se já parte de um esforço regulatório no sentido de garantir a rentabilidade do setor, eliminando espaços para o estabelecimento de uma concorrência predatória. Um elemento, entretanto, é fato e deve ser considerado: após a edição dessas regras (coincidência ou não) é que começam a se organizar as primeiras empresas de transporte na região, que darão a tônica do setor no futuro. Embora não se possa perceber nos regulamentos nenhuma determinação clara nessa direção, a sua simples edição aponta para a necessidade de uma maior organização por parte do prestador de serviço, o que exige divisão do trabalho, organização e um maior aporte de capital, o que conduz à organização empresarial. Cabe ainda comentar que, embora sob a custódia da Inspetoria de Veículos, a iniciativa para apresentar itinerários, quadro de horários e tarifa era do proponente do serviço, cabendo ao setor público examiná-los e autorizá-los. Salvo a compatibilização de horários com linhas já estabelecidas, não temos notícia de nenhum outro esforço de interferência do setor público na organização do serviço que pudesse estabelecer uma lógica voltada ao atendimento do interesse público. Portanto, é lícito concluirmos que, a despeito do avanço da ação reguladora do Estado, a lógica que rege a produção e oferta do serviço continua sendo a privada, tutelada por interesses econômicos. Em 1935, entra em vigor em todo o Estado de São Paulo um novo Regulamento Geral de Trânsito. Por este regulamento dividia-se a responsabilidade de orientar e fiscalizar os serviços pertinentes a transporte de auto-ônibus entre a Diretoria de Serviços de Trânsito do Estado, a Diretoria de Estradas de Rodagem do Estado e a Municipalidade. Caberia ao primeiro órgão proceder ao registro dos veículos e às Delegacias de Polícia a habilitação do condutor. A Diretoria de Estradas de Rodagem era responsável pela autorização dos serviços de transporte entre municípios, enquanto à Municipalidade caberia legislar sobre o trânsito, estacionamento e outras condições dos veículos, e regulamentar os transportes coletivos no Município. Havia um capítulo próprio para os auto-ônibus no regulamento do Estado e estabelecia que somente poderiam transitar, para o serviço de transporte de passageiros, os ônibus que obtivessem previamente o certificado de conveniência e utilidade pública expedido pela Municipalidade. Era de sua competência regulamentar esses serviços, de acordo com as necessidades locais, determinando itinerários, horários, tabelas de preços e demais obrigações ditadas pelo desenvolvimento dos serviços. O regulamento Geral de Trânsito do então Município de São Bernardo entrou em vigor no ano seguinte e seguia a linha geral estabelecida pelo Estado, permanecendo em uso por longos anos. Em Santo André, até a década de 1980, não existem registros de criação de órgãos públicos especificamente voltados ao controle do sistema de transporte coletivo, nem tampouco nenhuma iniciativa voltada a inserir o Estado diretamente na operação do serviço, como a que ocorreu em São Paulo, em 1946, com a criação da CMTC. O funcionamento do sistema de transporte coletivo manteve-se sob a responsabilidade administrativa do serviço de trânsito, primeiro através da Inspetoria de Veículos, depois, a partir de 1947, fazendo parte da Seção de Serviços de Utilidade Pública da Diretoria de Obras e Serviços Públicos, tratado junto a outros serviços, como a administração de cemitérios, a iluminação pública, a limpeza pública, etc. Como já vimos, a partir do início da década de 30 começam a se constituir as primeiras empresas de transporte na região. Em Santo André, em 1942, segundo dados oficiais, existiam 15 empresas que juntas eram responsáveis por um total de 70 ônibus cadastrados, sendo que o porte das empresas era muito variado, existindo uma com 15 carros e várias outras com apenas um. As empresas muitas vezes prestavam serviços intermunicipais, principalmente na ligação com São Paulo, considerado o serviço de maior rentabilidade e muito disputado pelas empresas. As empresas que só prestavam serviços municipais, limitadas apenas à demanda local eram mais expostas à absorção pelas empresas maiores, que mantinham serviços para a Capital. Além disso, era muito comum ocorrerem fusões e/ou compras de empresas que estivessem em disputa pelo mesmo itinerário, para acertar questões concorrenciais que a todos prejudicavam. Portanto, os negócios entre as empresas eram muito comuns e representavam uma dinâmica bastante característica do setor, que já dava sinais de tendência à formação de oligopólio. Com o fim da Era Vargas e o retorno à democracia, com eleições diretas para a Câmara e para a Prefeitura, ficou evidenciada, na plataforma dos candidatos de oposição e no clamor popular, uma insatisfação com o serviço de transporte coletivo oferecido, principalmente aquele colocado à disposição dos bairros populares mais afastados da área central. Após as eleições de 1947, a Prefeitura começa a receber inúmeras solicitações populares de melhorias do serviço de ônibus, não apenas quanto a itinerários e horários, mas também com relação a itens de infra-estrutura, tais como pavimentação de ruas e colocação de abrigos em pontos de parada de ônibus. A década de 50 representou um período de acomodação e de crescimento para o setor de transporte coletivo em Santo André. Após a Segunda Guerra Mundial, os veículos destinados ao transporte por ônibus sofreriam grandes avanços tecnológicos. A política de substituição das importações, imposta por Getúlio Vargas, começa a surtir efeito já no final dos anos 40, quando a General Motors – GM começa a fabricar as primeiras carrocerias de ônibus metálicas do País, produzidas com aço da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN. A idéia de melhorias no serviço passa a incluir questões de qualidade da frota, tipo de ônibus e idade, além do estado de conservação e conforto nos veículos. Embora renovadas e modernizadas no que diz respeito à frota, as empresas continuavam com métodos de administração bastante tradicionais, mas pautados pela experiência do que por uma administração profissionalizada. Isso ficava bastante evidente nas disputas concorrenciais, onde as empresas que disputavam um mesmo itinerário se dirigiam ao setor público solicitando deste garantias de reserva de domínio e privilégios de exploração por área. Quando não era possível solucionar as contendas junto aos órgãos públicos buscava-se resolver com a compra ou venda de empresas e linhas entre os proprietários. Em 1952 assume a Prefeitura de Santo André Fioravante Zampol, que institui uma nova organização administrativa, criando a Divisão de Trânsito no Município, subordinada à Secretaria de Obras e Serviços Municipais, encarregada de promover a sinalização e segurança do trânsito e também cuidar da concessão dos serviços de transporte coletivo de passageiros e carga no âmbito do município. Na administração de Fioravante Zampol, foram pavimentadas todas as vias utilizadas para o transporte coletivo no município, o que representava uma grande demanda popular, no campo da regulação pública manteve-se a limitação de estar restrito apenas a administração das permissões, sem nenhuma interferência direta na produção do serviço. Em 1958, a Seção de Estatística da Prefeitura de Santo André indicava a existência de 10 empresas de ônibus na cidade operando com um total de 169 veículos, sendo que destes, 45 pertenciam à Empresa Auto-ônibus Santo André S.A., 34 à Empresa Capuava de Auto-ônibus S.A., e 23 a Transportes Coletivos São Francisco Ltda. Os demais estavam divididos entre a Auto Viação Vila Alpina S.A., a Empresa Auto-ônibus Circular Humaitá Ltda., o Expresso Santa Rita Ltda., a linha de Ônibus Príncipe de Gales, o Transporte Coletivo Parque das Nações, a Viação Campestre Ltda. e a Viação Padroeira do Brasil Ltda.. Das 23 linhas em funcionamento, apenas 5 se dirigiam a São Paulo. É na década de 50 que se concretiza o perfil do grupo empresarial de transporte. Nos primeiros tempos, os empreendedores eram individuais e depois, no início da constituição das empresas, se associaram entre si. Na segunda metade dos anos 50 consolidam-se enquanto corporação profissional, com interesses próprios e com um perfil comum. Coube a Antônio Bataglia, um dos mais ativos empresários da região no setor, congregar os demais empresários e levá-los a constituir uma entidade de classe. Isso ocorreu em 1958. Desse modo, criavam-se as condições para afirmação empresarial do setor, assinalando suas características específicas e desenvolvendo uma identidade própria deste grupo de empreendedores. JOSÉ ROBERTO BATAGLIA disse, em entrevista: A Associação veio no sentido de equilibrar a concorrência, bastante acirrada porque o transporte era considerado um bom negócio. Houve muita correria, muito desconforto entre os que já estavam atuando; embora não houvesse disputas pelo mesmo itinerário, o trajeto de muitas linhas se aproximava e indiretamente tomavam passageiros uma das outras. Na época em que foi formada a Associação, as empresas tiveram uma espécie de impulso. Entrevista concedida a Marli Rodrigues, em 10.07.2000. A Associação tinha, portanto, como principal tarefa preservar os interesses econômicos do setor. Estava cada vez mais claro para os empresários que este mercado deixado ao sabor das regras da livre iniciativa se autodestruiria. A Associação funcionaria como porta-voz do setor na preservação dos interesses de cada um dos seus associados, tanto nas contendas com o Poder Público quanto naquelas envolvendo os empregados (que em 1953 se organizaram em sindicato). No âmbito interno, estabeleceria regras claras nas disputas entre empresários, definindo uma espécie de código de ética que preservaria a imagem do setor externamente. A constituição da Associação das Empresas de Transporte Coletivo do ABC – AETC é um importante marco a ser destacado para a compreensão da dinâmica do segmento na cidade de Santo André. Trata-se de um ator social relevante que veio, desde sua constituição, acumulando força e prestígio e influindo de forma bastante decisiva nos processos de tomada de decisão no âmbito do Estado. Representa, na prática, a formatação jurídica de uma característica incorporada ao setor desde a sua gênese, que é a da ligação passional entre o empresário e o negócio. Do empreendimento individual dos primeiros negócios, que envolviam a família, ao associativismo baseado em laços de confiança, amizade ou parentesco, até a formatação de um grupo com identidade comum e relações de compadrio internas que se inter-relacionam no mercado comprando e vendendo empresas entre si para equacionar contendas de mercado. Passando pelo estabelecimento de uma corporação efetiva decorreram vários anos, período este fundamental para sedimentar um importante elemento da cultura do setor, que nunca mais o abandonou e até hoje rege as relações que se estabelecem dentro dele. Tratando do sistema de transporte coletivo em São Paulo, ITACARAMBI (1985: 111) assim se referia: "As empresas particulares, a partir de 1961, não só lograram conquistar hegemonia no mercado, como ficaram fora de qualquer controle ou regulamentação do Poder Público. Além disso, criaram e consolidaram os mecanismos de manutenção de seus interesses. Não é por outro motivo que o ex-secretário dos transportes, Íon de Freitas, chamou-os de a Máfia dos Ônibus". Na verdade, a situação em São Paulo, como já vimos, era de fortalecimento do setor privado a custa do enfraquecimento da CMTC e do estabelecimento de mecanismos de corrupção e de obtenção de favores a "apaniguados" do poder. Entretanto, a construção de um adjetivo tão forte ao setor não se constituiria unicamente pelo seu caráter de obtenção de privilégios por caminhos escusos, mas certamente pela cultura construída pelo setor de relações internas próprias do segmento. O termo máfia tanto pode advir de um comportamento criminoso, quanto de um comportamento secreto (ou mesmo da combinação de ambos). O que importa é que esse segundo aspecto, que está intimamente ligado à cultura do segmento, não foi abordado pelo brilhante trabalho de ITACARAMBI na sua análise da operação do transporte coletivo por ônibus em São Paulo, mas deve estar presente como elemento de suma importância na análise que ora desenvolvemos sobre a experiência de Santo André. Em 1953, organiza-se o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transporte Rodoviário e Anexos do ABC. Este Sindicato se constituiu em um momento bastante particular de mobilização da classe trabalhadora do País contra os desenfreados aumentos do custo de vida que ocorreram na primeira metade da década de 50 e que levaram à grande greve dos 300 mil, que paralisou basicamente o setor industrial de São Paulo e dos municípios do entorno, atingindo fortemente Santo André. Dessa forma, constituía-se um outro ator fundamental na relação do setor de transporte que, uma vez unificado, passa a negociar condições diferenciadas de trabalho e salários com as empresas, condicionando as decisões sobre a tarifa, de tal forma que já no ano seguinte o jornal local dava conta da armadilha que se colocava para o conjunto da população as demandas dos trabalhadores por aumento de salários em conflito com os empresários que se propunham a equacioná-las solicitando o aumento de tarifa aos órgãos governamentais. A década de 60 é marcada, logo no seu início, por uma nova reestruturação institucional do setor público em busca de um outro modelo de regulação pública para o setor de transporte coletivo na cidade. Trata-se da Lei nº 1.578, do Prefeito Oswaldo Gimenez, que criou o Departamento de Trânsito e Segurança – DTS – ligado diretamente ao gabinete do Prefeito e que passou a contar com a Seção de Trânsito responsável pelas questões de transporte. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 1.638, que, dentre outras questões, traz as novas definições necessárias ao funcionamento do serviço de transporte coletivo de passageiros. Pelo novo estatuto jurídico, cabia à Seção de Trânsito expedir permissões para exploração do serviço de transporte de passageiros e cargas; emitir certificados de conveniência e utilidade pública para exploração do serviço de transporte coletivo intermunicipal de passageiros, bem como a fixação do seu itinerário dentro do Município; vistoriar veículos de transporte de passageiros; fixar tarifas para o serviço de transporte coletivo de passageiros; especificar os tipos de veículos e demais exigências compatíveis com a linha de transporte coletivo a ser explorada, incluída as de condições de segurança e higiene dos veículos; estudar horários para as diversas linhas e fiscalizar a observância por parte das permissionárias, das condições estabelecidas no Certificado de Permissão. A Lei criou ainda vinculado ao DTS, uma Comissão de Tráfego, espécie de órgão consultivo formado por três técnicos (um engenheiro ligado ao Departamento de Obras e Serviços Municipais; em advogado ligado ao Departamento Jurídico e um economista ligado ao Departamento de Finanças da Prefeitura) e dois leigos (um representando os empresários de ônibus e outro representando os taxistas do município). Os representantes de classe deveriam ser escolhidos a partir de uma lista de três nomes apresentada ao órgão pelas suas entidades, para um mandato de dois anos. A Comissão de Tráfego seria ouvida, obrigatoriamente, nos casos de permissão de transporte; modificação do regime de permissão, ou transferência de permissão; expedição de certificados de conveniência e utilidade pública; impugnação, recursos e fixação de tarifas. Em 1964, uma nova Lei, a de nº 2.221, acrescenta mais duas representações, escolhidas pelo Prefeito entre pessoas desvinculadas da atividade de transporte na Comissão de Tráfego. O novo Regulamento de Permissão instituído pelo Decreto determinava que as novas permissões precisavam ser precedidas de aprovação da necessidade de transporte, não sendo concedidas quando implicassem em competição ruinosa. Os requerentes, além de idoneidade, precisavam comprovar possuir oficina de consertos e reparos dos veículos destinados ao serviço, ter contrato social na Junta Comercial do Estado de São Paulo e apresentar certificado de vistoria do próprio DTS, que atestaria nos veículos as condições de segurança, comodidade e limpeza, peculiares à espécie de transporte a que se destinam. Mantém-se do regulamento anterior a obrigatoriedade de apresentação do croqui da linha, da declaração do número mínimo de veículos utilizados, de sua discriminação, dos horários, dos pontos e número de viagens diárias. Para estabelecer novas permissões ou substituir permissões existentes, o Decreto exigia que o DTS publicasse na imprensa chamamento amplo aos interessados; em caso de mais de um interessado, seria dada preferência, em igualdade de condições, a quem era permissionário; prestasse serviço no trecho objetivado; servisse em maior extensão; realizasse maior número de viagens; fosse mais antigo; e fosse mais idôneo, a critério do próprio Departamento. Uma outra novidade instituída pelo novo regulamento é que uma vez preenchidos todos os requisitos legais para o estabelecimento de uma nova permissão, esta era consignada através de um Termo de Permissão, que era publicado e poderia ser impugnado por qualquer parte interessada, em 15 dias. Somente após esse prazo, e não havendo impugnações, ou, no caso destas existirem, sendo julgadas indevidas é que se estabeleceria o Certificado de Permissão válido por cinco anos, renováveis por igual período. Em dezembro de 1960, um novo decreto do Prefeito estabelece a necessidade de sanção do chefe do executivo municipal para o estabelecimento de novas permissões de linhas e de extensões das já existentes. Até 1974, outros decretos modificavam parcialmente as regulamentações do setor de transportes estabelecidas pelo Prefeito Osvaldo Gimenez, mas nenhuma delas modificou em essência os termos aqui explicitados. Vale a pena observar que o novo instrumento legal traz algumas inovações às regras sacramentadas no período do Estado Novo. A Comissão de Tráfego, embora com caráter consultivo, é uma importante inovação e sacramenta a presença do setor empresarial interessado no espaço de decisão pública. Os empresários de ônibus, que já se organizavam em torno de uma Associação, desde 1958, fizeram-se representar através dessa entidade e desenvolveram um papel de grande influência nas decisões do Departamento. Outra inovação importante é que a nova regulamentação eliminou totalmente a possibilidade de organização individual para prestação do serviço de transporte. Exigências de oficina e registro do contrato social na Junta Comercial do Estado sepultam definitivamente a mais tênue possibilidade de organização autônoma do serviço, o que sacramenta uma tendência interna do setor, que já vinha se organizando empresarialmente desde meados da década de 30. A preocupação fundamental dos empresários, que inclusive fomentou a sua organização classista em 1958, que era a preservação da rentabilidade do negócio transporte, ameaçada pela concorrência desenfreada, passa agora a ser uma preocupação do agente regulador. Com o novo decreto, o setor público introduz a subjetiva questão de avaliar a necessidade de transporte para evitar a chamada concorrência ruinosa (embora fizesse um esforço de estabelecer um critério objetivo para fazer essa avaliação, a prática irá demonstrar que a ausência de necessidade foi fartamente utilizada pelos permissionários estabelecidos como argumento para evitar novos concorrentes). Por fim, os critérios estabelecidos para, em igualdade de condições, decidir qual empresa deveria ficar com determinada permissão eram totalmente favoráveis à manutenção e ampliação de mercado pelos atuais permissionários do sistema. Essas observações permitem supor que a nova regulamentação veio de encontro às preocupações empresariais que nortearam a sua organização, pois em tudo lhes favorecia. Em nenhum momento, salvo no que diz respeito às questões de segurança e comodidade, observa-se uma preocupação com a introdução de um caráter público na prestação deste serviço. A lógica do setor continuava a ser da organização privada voltada aos interesses econômicos da classe produtora do serviço, sem nenhuma preocupação com o atendimento ao interesse coletivo manifesto pela necessidade de atendimento do conjunto dos usuários, mesmo daqueles localizados em zonas de pouca demanda ou de alto risco empresarial para a prestação de serviço. Organizados em torno da AETC enquanto grupo portador de interesses comuns os empresários passaram a influir pesadamente nas condições de concessão e operação do serviço, apoiados na nova lei passaram a atuar contra qualquer pequena alteração de itinerários ou coincidência de pequenos trechos de trajetos que eram considerados de imediato como concorrência ruinosa. A defesa intransigente deste ponto de vista passou a conformar espaços exclusivos de operação, verdadeira área fechada de proteção ao mercado de cada empresa, que perduraram até o final da década de 80. Ao mesmo tempo em que se fechavam contra a concorrência de novos permissionários, dentro do mercado as grandes empresas iam se movimentando no sentido de incorporarem mercado das pequenas em um explícito movimento de concentração de mercado, de tal forma que as pequenas empresas viam-se estranguladas em pequenos nichos de mercado sem possibilidade de expansão na prestação do seu serviço. As permissões foram se tornando cada vez mais raras o que formalizou o fechamento do mercado. Com isso os certificados já concedidos se supervalorizaram e, conseqüentemente, o patrimônio de seus detentores. Muitas vezes as linhas passaram a ser vendidas individualmente e constituindo novas empresas, criando-se um mercado paralelo à exploração do serviço de transporte que era a compra e venda de empresas. Eunizio Sofio, empresário do setor, declarou: "o que dava dinheiro na época (meados da década de 60) era vender e comprar empresa, mas não se podia ficar muito tempo fora do negócio, porque depois não se conseguia voltar mais. Comprei e vendi muito. São Camilo, Santa Rita, Vila Alpina, Utinga, Humaitá, Andreense, Santa Amélia, Progresso, Santo Inácio...". Entrevista concedida a Marly Rodrigues, em 4.5.2000. O que o mercado comercializava era exatamente aquilo que o Poder Público oferecia gratuitamente, ou seja, a permissão, a autorização para prestar o serviço. Na medida em que o setor público criava regras rígidas, impedindo ou mesmo dificultando a entrada de novos prestadores de serviço no mercado, estimulava-se um comércio paralelo de compra e venda de autorizações que serviu para acumular renda nas grandes empresas do setor. Essa intervenção do Poder Público de maneira consciente ou não também serviu para moldar a cultura do setor, sempre voltado às prerrogativas da livre iniciativa e da organização empresarial do serviço. A única intervenção estatal tolerável eram aquelas voltadas a preservar e mesmo aumentar a rentabilidade do setor. Em 1976, é editado um novo Decreto, de nº 8.931, que regulamenta a Lei nº 1.578, de 1960, trazendo modificações ao Decreto nº 1.638. Esse novo regulamento define o transporte como serviço de utilidade pública, cuja exploração deveria servir ao público e proporcionar condições que assegurassem o desenvolvimento do Município. Estabeleceu-se com mais rigor alguns itens a serem observados pelas permissionárias. Instituiu-se a possibilidade de cassação da permissão por incapacidade técnica, administrativa ou financeira; por interrupção injustificada de serviço por três dias; pela falência ou dissolução da pessoa jurídica permissionária; pelo falecimento de pessoa física, em caso de não ser requerida a continuidade por seus herdeiros, e por infrações graves, apuradas por sindicância. Muito embora pela primeira vez a legislação venha a tratar a questão do transporte como serviço de interesse e utilidade pública, esse avanço institucional não representou nenhuma mudança no quadro estabelecido na relação entre o setor público e as empresas permissionárias. Tudo continuou a ser feito exatamente como antes. Parece mesmo que o principal elemento de motivação das alterações foi o espírito de planejamento urbano que dominava a gestão pública naquele período e que havia definido para a cidade eixos de trânsito hierarquizados, que deveriam orientar as futuras permissões, conceitos técnicos vinculados a uma filosofia de planejamento, mas que não tiveram força para promover qualquer mudança prática, seja na organização da rede de serviço, seja na sua lógica de produção. Em 1973, começa a se desenhar a crise que afetaria fortemente o modelo de produção do serviço não apenas em Santo André, mas também em toda a recém criada Região Metropolitana de São Paulo. A crise do petróleo do início da década de 70 repercute fortemente na economia brasileira, que vinha num ritmo de crescimento bastante acelerado, impulsionada pelo chamado milagre brasileiro. Com a elevação dos custos de operação do serviço de transporte e o controle de tarifas imposto pelo Governo Federal, preocupado em conter a inflação, cria-se uma situação de baixa rentabilidade no setor. Esse período coincide com a emergência dos movimentos populares que ganham força nos núcleos urbanos a partir de 1974, pressionados pelos baixos salários e elevação desenfreada do custo de vida e as precárias condições de atendimento público em vários setores como habitação, saúde e transporte. No setor de transportes, as tensões concentravam-se na tarifa. Toda vez que se estabelecia um reajuste a população reagia, a imprensa denunciava, cobrava-se empenho e fiscalização do setor público junto às empresas. Nesse período, ocorreram diversas mobilizações populares, inclusive com depredações de veículos em São Paulo. Em 1976, o Governo Federal submete ao CIP (Conselho Interministerial de Preços) a determinação de tarifas para o serviço de transporte coletivo nas cidades. Nem assim foi possível arrefecer as tensões populares em relação ao setor; ao contrário, a situação agravou-se. Com a insegurança do setor empresarial, que viu fugir do seu controle a definição tarifária, começaram a haver movimentos no sentido de refrear investimentos e precarizar o serviço para garantir rentabilidades extras a partir da operação. Com isso, caía ainda mais a qualidade do serviço, o que tornava os reajustes autorizados pelo CIP mais intoleráveis, incendiando os protestos populares. A partir de 1978, na esteira da efervescência dos movimentos populares. eclode na região do ABC um grande número de greves, que mostra a força do "novo sindicalismo". Esse movimento se soma às manifestações populares, clamando pelo fim do autoritarismo e implementação de melhores condições de vida, e se constitui na gênese de um novo Partido Político, nascido das bases, com uma proposta transformadora para a sociedade brasileira. MARGARET (1991: 13-14) relata com bastante precisão o nascimento do Partido dos Trabalhadores – PT, verbis: O PT nasceu da conjunção da súbita e generalizada onda de protesto operário do final da década de 70 com um período de debate na esquerda sobre o tipo de partido (ou partidos) político (s) que se deveria construir na transição para a democracia. Na agenda do Partido, a contestação do status quo incluía reivindicações tanto no plano substantivo quanto no dos procedimentos e métodos de ação. Como partido socialista, propunha mudanças radicais na orientação das políticas econômicas e sociais, para beneficiar os menos favorecidos. Como partido democrático e participativo, sugeria uma nova concepção de política, na qual os setores da população anteriormente excluídos teriam poder para falar por si mesmos. A determinação das tarifas de ônibus voltou para o controle dos municípios, em 1981, e em Santo André marca-se o início de um período tenso de conflitos entre o Poder Público, o movimento popular e os empresários do setor. 1.4 A crise na lógica de prestação do serviço de Transporte Coletivo A crise no modelo de provisão do serviço de transporte coletivo urbano vigente até 1974 eclode em grande medida como decorrência de uma conjuntura econômica e política mais abrangente. No plano mais geral, esgotam-se as condicionantes que garantiram o crescimento do País no período até 1973. A crise do petróleo escancarada no País com a elevação dos preços de seus derivados e as suas conseqüências diretas na economia levaram o tênue controle que se estabelecia sobre a economia a entrar em colapso. No campo social, há muito a situação já estava crítica, com salários contidos e custo de vida em ascensão. Isso tudo combinado com a aceleração do ritmo de urbanização e suas precárias condições de vida na periferia das grandes cidades dava as condições de formação de um extenso cinturão de pobreza prestes a explodir. No campo político, o cerceamento das liberdades e prerrogativas democráticas imposto pelo Regime, em 1964, já não encontrava legitimidade para conter a força das manifestações sociais que se avolumavam, abrigadas pelas Sociedades Amigos de Bairro e pelas Comunidades Eclesiais de Base, além de um grande número de outras Associações Civis. O setor de transporte urbano encontrava-se exatamente no centro dessas condições propiciadoras da crise. Do ponto de vista econômico, é fortemente atingido pela elevação dos preços do petróleo e seus insumos, que tem interferência direta na sua composição de custos. O esforço do Governo Federal em conter a elevação de preços se volta para o setor em 1976, quando o Conselho Interministerial de Preços – CIP retira das Prefeituras a autonomia para conceder tarifa, passando a estabelecer uma regra geral autorizadora de reajustes. Com isso, cai a rentabilidade do setor, que passa a reagir às suas perdas com a precarização dos serviços. A rigor, desde 1974 que a definição de tarifas já não vinha agradando o setor empresarial, tendo em vista as pressões populares crescentes sobre as Prefeituras na definição dos índices de reajustes. Como a cultura construída no setor, com o apoio do Poder Público, era de gerir o serviço por uma lógica privada de produção, a reação empresarial era imediata: a cada reajuste aplicado em índice inferior ao pleiteado o segmento aplicava reduções de oferta e de níveis de qualidade que compensassem a sua pseudo perda. Como o setor público nunca se estruturou para exercer um efetivo controle sobre a operação das empresas prestadoras de serviço, o movimento dos empresários se dava livre de qualquer tipo de coerção e ia sempre além do necessário para eventuais compensações de perda de rentabilidade, numa espécie de reação preventiva, pautada pela desconfiança geral estabelecida pela definição da política tarifária. Os reajustes de tarifa, por sua vez, embora sob controle não deixaram de ocorrer e estavam bastante acima da capacidade de pagamento dos usuários pressionados por salários arrochados e por condições de vida cada vez mais precárias na periferia das grandes cidades. Dessa forma, criou-se uma situação que a todos desagradava: aos empresários, que se consideravam prejudicados pelas tarifas estabelecidas em índices inferiores aos desejados, e aos usuários, que viam os reajustes acima de sua capacidade de pagamento e um sistema de transporte cada vez pior. No campo social, os movimentos populares se organizavam entorno de questões muito concretas, como o movimento do custo de vida, os movimentos por habitação, por melhorias no transporte, etc. Trata-se de mobilizações urbanas que ocorreram amparadas pela Igreja Católica e por Associações toleradas durante o regime militar, como as Associações de Bairro. Estas manifestações vão se avolumando sem encontrar a mesma resistência do início do Regime, afinal o País iniciou o seu processo de transição democrática com o Presidente Geisel, em 1973. A cada reajuste de tarifa ampliavam-se as manifestações populares e radicalizavam-se os discursos de oposição política ao Regime e aos poderes constituídos. Algumas manifestações chegaram a depredar e seqüestrar ônibus. Quando, em 1981, o CIP deixa de arbitrar as regras de reajuste de tarifas, devolvendo essa competência para as prefeituras, a conjuntura de organização popular combinada com o desaparelhamento dos órgãos públicos cria um cenário ideal para a radicalização de conflitos e o acirramento do discurso popular contra os empresários de ônibus. Nesse contexto, surge no início dos anos 80 um novo Partido, fortemente estruturado no meio sindical, com base nos movimentos populares urbanos e perfeitamente sintonizado com os anseios da massa, que se mobilizava por melhores condições de vida, muitas vezes confundida no discurso com o retorno da democracia (como se a questão democrática em si desse conta dos problemas econômicos e sociais). O PT, que começa a disputar eleições em 1982, elege a questão dos transportes urbanos como uma das suas bandeiras, formulando propostas que modificam radicalmente a lógica até então vigente na prestação destes serviços. O conteúdo dessas propostas e o seu impacto na organização do serviço serão vistos em outro capítulo. O que é importante ressaltar é que a inserção do PT no cenário político, estimulando a organização popular, expõe ainda mais o modelo vigente de organização privada dos serviços de transporte, acentuando a crise. 2 O Estado e o serviço de transporte coletivo urbano O objetivo deste Capítulo é apresentar alguns referenciais teóricos acerca do tema da intervenção do Estado no mercado, em particular na provisão do serviço de transporte por ônibus na cidade. O conceito de Estado, tal qual o compreendemos hoje, começou a ser delineado a partir do século XVI, com o advento da burguesia na Europa e do movimento liberal que romperia, a princípio, com a organização social vigente em todo o período da Idade Média, para, em seguida, se insurgir contra o despotismo dos monarcas absolutistas e impor limites à atuação dos governantes, consolidando o chamado Estado de Direito Os debates travados recentemente em torno do tema da provisão dos serviços de transporte e do papel do Estado na oferta e/ou regulação desses serviços estão ancorados em visões mais estruturais acerca da sociedade e das atribuições do Estado em relação a ela. Portanto, é necessário que se estabeleça um cenário mais genérico da disputa de hegemonia, que se processa hoje, em nossa sociedade, para que depois possamos abordar os aspectos inerentes à problemática do serviço de transporte coletivo. Determinar uma base conceitual onde possa ser travada a discussão do público versus privado, à luz dos problemas que se apresentam nos dias de hoje, evitando o lugar comum do "achismo" ou do "modismo", é elemento fundamental para que possamos compreender as dificuldades que o sistema capitalista, regido pelo jogo político próprio de uma democracia, traz para a concepção e implementação de uma política pública dotada de eficácia e eqüidade. Podemos dizer que vivemos hoje em nossa sociedade sob o "primado do privado" (BOBBIO, 1986:13-31), que se manifesta através do discurso hegemônico que valoriza o mercado em detrimento do Estado; o bem das partes em detrimento do bem do todo; a liberdade em detrimento da igualdade; a reciprocidade em detrimento da subordinação; o contrato em oposição à norma geral, etc. Mas nem sempre foi assim. Nos anos 30 (pós-crise de 1929), as políticas sociais do Estado de corte keynesiano tornavam insignificante a instabilidade do capitalismo e contribuíam para a eliminação da pobreza e da miséria – welfare state – (OLIVEIRA, 1988: 3). Reinava um otimismo em relação à intervenção do Estado na economia como agente fundamental na dissolução do fantasma da crise, do desemprego e da miséria. Os resultados obtidos com a aplicação da política keynesiana durante toda a década de 30, e particularmente no pós-guerra, até os anos 70, mantiveram contidos os liberais, mesmo os mais afoitos, que se atreviam a se opor ao "primado do público", não concentravam suas críticas na intervenção estatal na economia, mas procuravam realçar o seu caráter autoritário, defendendo uma liberdade plena de escolha dos indivíduos (OLIVEIRA, 1988: 5). Portanto, a situação que nós vivemos hoje é produto do esgotamento de um modelo que vigorou durante quatro décadas ou um pouco mais. Trata-se de uma situação de crise de um Estado que se moldou para atender a um modelo de intervenção na economia dentro dos princípios keynesianos, que amortecia conflitos através da provisão de bens e serviços de caráter social (welfare state), de um Estado que oferecia a perspectiva de crescimento contínuo com posterior distribuição de benefícios que apontava para igualdade. O modelo de produção industrial que acompanhou o período áureo da política econômica inspirada nos ensinamentos de J. KEYNES – o fordismo – também entra em crise no final dos anos 60, exigindo um novo paradigma industrial que estruturará um novo modelo de desenvolvimento (LIPIETZ & LEBORGN, 1988: 12-29). A crise se evidencia assim de duas formas distintas. É uma crise de legitimidade, na medida em que, em face do esgotamento do modelo keynesiano, leva a uma ruptura na crença da capacidade do Estado e uma desconfiança em sua ação. Reforçam tais fatos uma crescente redução na qualidade dos serviços públicos e uma incapacidade no atendimento de novas demandas por parte da sociedade. É também uma crise de governabilidade, na medida em que esta se vê afetada pela internacionalização de mercados, que trazem para dentro do território do Estado-nação uma lógica sobre a qual este não tem instrumento de intervenção, exigindo novas formas de organização que transcendam os Estados-nacionais (HABERMAS, 1995: 87-101). Essa crise de governabilidade manifesta-se, ainda, pela penetração no interior do Estado de interesses de grupos que capturam seus instrumentos em prol de seus objetivos particulares (DUNLEAVY, 1991: 13-44). Não se resume, portanto, ao Estado a crise. É todo um modelo de desenvolvimento que está em questionamento e que leva consigo a necessidade do estabelecimento de um novo paradigma para o progresso, o bem-estar, a ética do trabalho, a representação dos trabalhadores, etc. Toda essa situação de instabilidade permite duas visões dicotômicas em sua explicação acerca da crise, pois uma tende ao "primado do privado" (neoliberal) e outra tende ao "primado do público" (progressista). A visão neoliberal enfatiza que é das deficiências estruturais do Estado que decorre a crise.1 1 Para aprofundar a visão neo-liberal, ver STIGLER, George; 1975. The Citizem and the State. Essays on Regulation. University of Chicago Press, ou, ainda, KRUEGER, Anne O. 1974; “The political Economy of the Rent-Seeking Society”. In: American Economic Review, 64. OLIVEIRA (1988: 5) ressalta: "os liberais não têm uma teoria da crise econômica, se o mercado tem capacidade de regular a economia, as crises para os liberais resultaria sempre de fatores exógenos à economia... Para os liberais, portanto, a crise atual é produto da ação do Estado, o próprio Estado é o gerador da crise econômica". A tributação excessiva, decorrente de gastos sociais elevados; o excesso de regulação no mercado promovida pelo Estado; a drenagem excessiva de recursos retirados do mercado para as atividades do Estado; dentre outras, são explicações dos adeptos dessa visão para a estagnação, o desemprego e outras mazelas do período de crise. Os teóricos dessa corrente procuram mostrar que o Estado, por sua natureza, acumula ineficiências, que ganham peso na medida em que este aumenta o seu campo de atuação, levando a deseconomias e improdutividade. A visão progressista focaliza a crise do Estado como produto da crise fiscal, que tem como origem a crise econômica, sendo esta produto do próprio capitalismo e sua instabilidade cíclica. Nesse enfoque, a crise econômica comprime o poder de gasto do Estado, evidenciando as falhas na estrutura de sustentação do welfare state. É enfatizada a crise do Estado-nação provocada pela globalização, que reduz a capacidade de controle do Estado sobre a crise econômica em seu território. A ausência de recursos leva à degradação dos serviços públicos e ao não-atendimento de novas demandas colocadas por grupos excluídos pelas transformações do processo produtivo (crise econômica), ou mesmo por novos grupos de pressão estabelecendo uma agenda de direitos mais ampla (grupos ambientalistas, por exemplo). Essas duas explicações da crise levam, evidentemente, a propostas de soluções bastante antagônicas, que ganham forma radicalizada em ambos os discursos. Os neoliberais apontam como solução para a crise a redução do Estado ao mínimo necessário à manutenção da ordem pública. Diz OLIVEIRA (1988: 7): "A solução óbvia para os liberais seria a desmontagem da estrutura do Estado: reduzir ou eliminar as regulamentações no campo social e econômico, reduzir a carga tributária, diminuir os gastos sociais, etc. Em suma: restaurar em sua plenitude os mecanismos de mercado para que o capitalismo possa livremente voltar a desenvolver-se". Os progressistas clamam por uma reforma no Estado que lhes assegurem as condições de superação da crise fiscal e a possibilidade de retomar os investimentos, garantindo assim as condições efetivas de intervenção no sentido de propiciar igualdade de oportunidades pela correção das falhas de mercado, criando, dessa forma, as condições que permitirão a superação da crise. DANIEL (1990: 24-26) assevera que: "(...) é necessário um profundo processo de transformação do Estado. Ao lado de sua desprivatização - articulada ao estímulo a formas de produção descentralizadas – o Estado deve passar a garantir condições para uma real igualdade de oportunidades, negada pelos mecanismos de mercado, bem como alterar radicalmente sua relação com a sociedade". É no bojo desse debate que se inserem as discussões acerca do provimento do serviço de transporte e o papel do Estado. Os argumentos vão desde o extremo da defesa à total desregulamentação, com a retirada do Estado da órbita desse serviço, até o extremo oposto em que se aposta na estatização total do serviço e a supressão do setor privado e da lógica do mercado de sua produção. Entre estes dois extremos situam-se diversas alternativas que combinam regulação pública e operação privada; regulação e operação pública com operação privada; planejamento e operação privada com um mínimo de interferência pública; etc. Convém fundamentar os argumentos que justificam cada um dos extremos para que fique mais claro o conteúdo das diferentes combinações possíveis. O grande argumento sobre o qual se pauta os defensores da tese da desregulamentação plena diz respeito ao estabelecimento de condições objetivas de competição no serviço de transporte coletivo.2 2 Convém listar a experiência britânica de desregulamentação do transporte urbano nos anos 80. Advogam estes ideólogos que com a total ausência de barreiras impeditivas ao estabelecimento de novos fornecedores, o mercado encontraria a máxima eficiência na alocação dos recursos, e pela lei da oferta e da procura seria estabelecido o ponto ótimo da oferta do serviço e do seu preço. Sendo a lógica do mercado o da máxima rentabilidade, ele é necessariamente regido pela eficiência, eficiência esta que leva à redução de custos, propiciando aumento do consumo que tende a gerar maior demanda, promovendo a concorrência que leva a busca de eficiência, e assim até o encontro do equilíbrio. O pressuposto é a racionalidade dos agentes econômicos que leva à concorrência. Os arautos dessa visão não desconhecem a existência de falhas de mercado que levam à ineficiência, nem tampouco eles negam a existência de externalidades não apropriadas no custo dos serviços que comprometem a sua capacidade de alocar com eficiência máxima. Entretanto, consideram que ainda diante dessas falhas o mercado funciona melhor, com menos deseconomias do que se o Estado interviesse na tentativa de corrigir as falhas do mercado e promovesse a alocação dos recursos com maior eficiência. No extremo oposto temos os ideólogos do estatismo que pautam seus argumentos na tese de que o serviço de transporte é incompatível com a lógica de funcionamento do mercado, uma vez que precisa estar voltado aos interesses da coletividade e, portanto, a garantia de acesso universal ao serviço, o que não se compatibiliza com a equação de custo que impõe menor tarifa aos menores percursos e que apresentam mais demanda.3 3 Para aprofundar, ver EVANS, A. 1991. "Are Urban Bus Services Natural Monopolies?". In: Transportation 18. Defendem, ainda, que o serviço de transporte coletivo se caracteriza como de monopólio natural, ou seja, não se presta à concorrência, sendo, portanto, incompatível com as regras do livre mercado que pressupõem a racionalidade dos agentes econômicos para a promoção da concorrência que geraria a máxima eficiência. Como, segundo esta posição, o serviço de transporte tem ganhos crescentes de economia, na medida em que amplia a sua esfera de influência, o mesmo é avesso à concorrência, que se ocorrer levará a deseconomias prejudiciais à obtenção da máxima eficiência. Por fim, sustentam que o transporte coletivo urbano, além de direito fundamental do cidadão, é elemento básico de sustentação econômica, não podendo estar sujeito a sobressaltos ou descontinuidades em sua operação, passíveis de ocorrer dentro do mercado com agentes sujeitos aos caprichos da economia. No Brasil, onde temos estabelecido no plano legal uma situação de fato, que define o transporte como serviço público a ser organizado e prestado pelo Estado, tem ganhado hegemonia a idéia de que a regulação é atribuição fundamental do Estado. CHISTOVAM (1993) diz que: Nós e o mundo temos um ciclo de economia esgotado. No novo ciclo, temos que pensar num Estado com outras funções a serem definidas. A gestão do transporte é algo indelegável do Estado, mas não sua operação. O governo tem que controlar a qualidade do serviço prestado, os custos e o planejamento do sistema de transportes. Já o resto pode ir para a iniciativa privada, que o faz com mais eficiência.4 4 Jornal Folha da Tarde de 17.8.1993. Também DANIEL relata (1992: 9-12): É possível pensar em outro arranjo, que não seja o arranjo da integral privatização ou da integral estatização (....) Dentro desse raciocínio, a empresa privada ou a empresa pública podem ser eficientes ou não dependendo das condições. Portanto, isso significa um deslocamento da discussão da mera eficiência econômica, para torná-la uma discussão política: o que interessa é a capacidade do Estado garantir o serviço público que é direito do cidadão, é sua capacidade de intervir, de controlar a produção e distribuição do serviço. Nesse sentido, importa menos a natureza daquele que oferta o serviço (se público ou privado) e muito mais a extensão e capacidade efetiva do controle público exercido sobre o serviço, além das condições concretas de intervenção na garantia do interesse público, quando este se colocar em rota diametralmente oposta ao interesse privado. Diz GONDIM (1992: 37) sobre o assunto: Não se trata, pois, de 'estatizar' ou 'privatizar' os serviços públicos: a natureza jurídica do provedor é uma mera questão operacional, a ser decidida em função das características de cada serviço e das circunstâncias concretas de cada administração....O que constitui obrigação do Estado não é encarregar-se diretamente do provimento dos serviços públicos, mas assegurar acesso universal a eles. Justifica-se a regulamentação pela existência efetiva ou potencial de ocorrência das chamadas falhas de mercado, das quais destaca-se: Tendência à formação de monopólios, oligopólios ou outra forma imperfeita de competição; Retornos crescentes de escala, conduzindo a monopólio natural; Possibilidades de lucros rentistas; Concorrência predatória; Existência de externalidades; Falta de coordenação e complementaridade; Insuficiência de informação, risco e incerteza; Instabilidade dinâmica do mercado; Situações de risco moral; Escassez de bens essenciais ou de condições de produção (SANTOS & ORRICO FILHO, 1995: 702-713). Fundamenta também importante apelo a regulamentação à existência de externalidades da produção e consumo que desequilibram os custos do serviço. No caso de transporte, podemos citar os congestionamentos (mais precisamente a sua redução), como externalidade positiva que agrega valor não internalizado pelos custos de produção, mas sim por toda a coletividade, como um exemplo. Na medida em que a oferta de serviço de transporte com qualidade e na quantidade requerida pela demanda reduz o volume de veículos nas ruas, melhorando a fluidez – que é agregada como valor por um conjunto de indivíduos mais amplo que o conjunto de usuários. Esse "benefício" não pode ser traduzido monetariamente e recuperado pelo prestador do serviço, pois estaremos diante de um fator que gera desequilíbrio no mercado. Outro exemplo de externalidades do serviço de transporte, só que de forma negativa, refere-se à poluição gerada pela emissão de monóxido de carbono e particulado sólido dos motores diesel que são debitados enquanto custo absorvido por um grupo de indivíduos superior ao de usuários, não tendo os seus custos computados na tarifa e recuperados pela sociedade. Além desses são apresentadas outras justificativas para a regulamentação do serviço de transporte, tais como: 5 5 Ver a respeito "A privatização da CMTC e reestruturação do transporte por ônibus na cidade de São Paulo", Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC, 1994, p. 57-58. Incentivo ao desenvolvimento tecnológico, dirigido à resolução de problemas prementes do sistema ou da comunidade (caso da poluição, por exemplo); Incentivo à busca de qualidade e produtividade por parte dos operadores; e Formação e capacitação de mão-de-obra voltada ao gerenciamento do transporte. Por fim, a despeito da imposição legal que determina o provimento do serviço de transporte coletivo pelo Estado, o que per si já obriga alguma atitude regulatória, por menor que seja, talvez o argumento mais contundente a fundamentar a necessidade de regulação do serviço de transporte coletivo seja a sua manifesta incompatibilidade com o sistema auto-regulatório obtido no interior do mercado. Conforme já abordamos em nossas conjecturas sobre a premissa de desregulamentação plena, as hipóteses básicas da análise microeconômica para o estabelecimento do princípio da concorrência perfeita, que levaria à máxima eficiência produtiva e à alocação ótima dos recursos, não se verificam na produção de serviços de transporte coletivo. Apenas para melhor consolidar essa idéia, vale a pena levantar algumas imperfeições flagrantes do serviço de transporte coletivo, que o distancia de um mercado sujeito às premissas da concorrência perfeita (SANTOS & ORRICO FILHO, 1995: 706-707). Não existe possibilidade de concorrência sem que esteja garantida a livre escolha do consumidor. No serviço de transporte, essa condição não está assegurada, pois ainda que o usuário-consumidor possa optar entre ir de ônibus ou ir a pé ou de automóvel. Esta não é a realidade da grande maioria dos usuários que são cativos do serviço de transporte coletivo, não tendo outra opção para realizar suas atividades elementares como trabalhar, estudar, etc. Ainda dentro da necessidade de garantia de livre escolha, o usuário de ônibus encontra-se com sua decisão prejudicada pela ausência de informações necessárias ao consumo deste ou daquele serviço oferecido. A natureza do serviço de transporte coletivo torna praticamente impossível ao usuário-consumidor ter a informação que lhe permita tomar a decisão racional, maximizadora de seu benefício, de tomar este ou o próximo veículo, pois não existe nenhum dado acerca da próxima oferta, no que diz respeito à qualidade e ao tempo de espera. Foi estabelecido o consenso a propósito da necessidade de o Estado regulamentar o serviço de transporte coletivo, tendo em vista a maximização dos seus resultados sociais, uma vez considerados todos os pontos aqui fundamentados. Cabe ao Estado a elaboração de uma política pública voltada ao atendimento do serviço de transporte coletivo que faça uso de todos os instrumentos regulatórios necessários para garantir uma operação, seja pública, privada ou mista, que tenha o melhor resultado do ponto de vista do usuário. Para tanto é fundamental que haja eficácia por parte do órgão gestor responsável pela condução da política pública. Isso exige não só um esforço de transformação da estrutura do Estado no sentido de resgatar a sua credibilidade e legitimidade, mas também um entendimento das limitações quanto à eficácia possível da política implementada, dadas as condições do sistema capitalista e o regime democrático. 2.1 Capitalismo e democracia na formulação de políticas públicas A questão que se coloca é: – Até que ponto é capaz um Estado capitalista regido pela democracia de conceber e implementar uma política pública voltada ao interesse da coletividade? MARX, na sua concepção de Estado, diria que as chances são mínimas, pois o Estado é "comitê executivo" da burguesia, portanto, voltado ao interesse capitalista da reprodução do capital, tão distante do interesse coletivo quanto mais este estivesse dissociado dos interesses capitalistas. Na visão pluralista básica, as oportunidades seriam grandes, pois o Estado é vazio de conteúdo, e ganha vontade e expressão a partir dos desejos expressos pela maioria que se manifesta e alça o poder no sistema democrático pelo voto chegando ao Governo. Há ainda um conjunto de autores que advogam pela teoria da independência e/ou autonomia do Estado. PRZEWORSKY (1995: 45-85) defende: "De acordo com essas teorias, os dirigentes estatais têm objetivos próprios e, em certas condições institucionais e políticas, são capazes de implantar com sucesso políticas orientadas para alcançar esses objetivos". Há no capitalismo uma tensão constante entre o Estado e o mercado, provocada pela maneira diversa com que são alocados os recursos a partir destes dois entes, seguindo lógicas distributivas distintas. PRZEWORSKY (1995: 7) ainda ressalta: No mercado, recursos produtivos (capital, terra e capacidade de trabalho) são alocados por seus proprietários e a distribuição do consumo resulta de interações descentralizadas. O Estado, porém, também pode alocar e distribuir, agindo sobre aqueles mesmos recursos que constituem a propriedade privada. Estados podem não somente taxar e transferir, mas também regular os custos e benefícios relativos, associados a decisões privadas. Essa situação é que leva à tensão no sistema capitalista entre o Estado e o mercado. Se considerarmos que o sistema capitalista se caracteriza pela propriedade privada de recursos, que são finitos e insuficientes para uma distribuição igualitária, sendo, portanto, alocados no mercado de forma desigual, com forte tendência de concentração (capital atrai capital); que o principal papel do Estado, para garantia da ordem vigente, é intervir com políticas compensatórias que minimizem os efeitos da distribuição desigual dos recursos, garantindo assim a reprodução da força de trabalho; e que a democracia é um sistema de governo que se caracteriza por permitir a livre expressão dos cidadãos e a manifestação de preferências alocativas, tenderemos a concluir, a exemplo de PRZEWORSKY, que a democracia é um sistema que tende a acentuar ainda mais esta tensão (PRZEWORSKY, 1995). A democracia, que enquanto regime político se caracteriza pelo exercício do Poder pelo povo, exige o pressuposto da igualdade em oposição à aristocracia que se caracterizava pelas distinções de classe. A luta da burguesia pela liberdade trouxe, em seu rastro, a democracia, que é materializada pela luta por igualdade. Essa igualdade é traduzida no conceito de cidadania, entendida de modo clássico como um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes à posição (MARSHALL, 1967: 57-114). MARSHALL (1967) distingue três partes de um todo componentes da cidadania: o elemento civil, que diz respeito às liberdades individuais; o elemento político, que se refere à participação no exercício do poder; e o elemento social, que diz respeito a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança de poder usufruir uma vida digna equivalente ao básico dos padrões prevalecentes na sociedade. O sistema capitalista tende a fazer uma alocação desigual dos recursos. O regime democrático pautado no status de cidadania impõe uma alocação de recursos mais igualitária. O Estado atua concebendo e implementando políticas públicas que interagem no mercado e na sociedade. A questão, portanto, é saber por onde passa a decisão acerca das políticas publicas? – E terão elas força para implementar ações que contrariem os interesses do capital? A estabilidade dos regimes democráticos está relacionada à manutenção dos atores no jogo político, ou seja, é fundamental que os perdedores permaneçam no jogo e se submetam aos ganhadores, mesmo contrariados, sob pena de se produzir uma ruptura no sistema político (PRZEWORSKY, 1994) As instituições democráticas agem de modo a produzir efeitos distributivos (relacionados à cidadania). Para que haja adesão, é necessário que existam resultados nesse campo. Para tanto, o conceito de justiça é fundamental, a fim de que todos tenham a oportunidade de ganhar no jogo político, de tal sorte que aos atores perdedores fique a avaliação de que sair do processo lhes trará mais prejuízo do que permanecer, mesmo derrotado, e aguardar uma próxima oportunidade de disputa justa, onde possam sair vencedores. Esse é o grande desafio da democracia, garantir com que todos os atores envolvidos mantenham-se engajados no jogo político, que se caracteriza pela incerteza decorrente da competição entre os diversos atores coletivos, de maneira que haja a submissão dos vencidos. A virtude cívica que estabelece princípios normativos (WEFFORT, 1995: 1: 196), assim como a capacidade de coerção pela força promovida pelo Estado, não é instrumento que garanta per si a estabilidade do regime democrático. Concordando com PRZEWORSKY (1994), a democracia plausível é aquela baseada em uma estratégia de obediência espontânea pautada no auto-interesse onde prevalece a incerteza quanto ao resultado do jogo político, dado o equilíbrio de forças sociais e as possibilidades de coalizões. O pressuposto da teoria dos jogos é a racionalidade dos atores coletivos, que agem para maximização de seus interesses, e o papel do Estado é o de garantir as regras deste jogo, cujas mais importantes são a garantia de justiça, para que todos tenham possibilidade de ganhar, e a aplicação de punição (uso da força coercitiva, monopólio do Estado)6 6 WEBER, M. Política como Vocação em Ensaios de Sociologia, p. 56. aos perdedores que não se submetem. Esse jogo político no processo democrático, pautado na incerteza tem influência significativa na provisão do serviço de transporte coletivo, pois envolve diversos atores que estão no jogo, procurando racionalmente maximizar seus próprios interesses. O processo é dinâmico e influencia desde a concepção até a operacionalização de uma determinada política pública. Pode existir uma coalizão de forças vencedoras em um determinado processo democrático, que determina a vitória em um processo eleitoral a um governo comprometido com propostas que no momento de serem postas em práticas serão submetidas a novas disputas engendradas dentro do jogo político, que podem vir a estabelecer alterações substantivas nos seus resultados concretos. Isso ocorre também porque a tomada de decisão no âmbito do Estado pode atender a uma das três posições teóricas básicas (PRZEWORSKY, 1995): Os Estados respondem às preferências dos cidadãos que exercem a sua soberania no processo democrático, fazendo escolhas coletivas únicas, que são assumidas pelos políticos governantes, pois a estes interessa o apoio político para a conquista e/ou manutenção do poder; Os Estados procuram realizar os seus próprios objetivos, o que pressupõe uma autonomia do Estado em relação à sociedade, de sorte a permitir que os governos tracem suas próprias políticas refletindo o interesse dos governantes; Os Estados agem segundo os interesses dos que possuem riqueza produtiva, o que condiz com as teorias marxistas de que o Estado é a única instituição capaz de fornecer as condições para a produção capitalista, estando tão imbricado com seus interesses que se coloque incapaz de tomar qualquer decisão que venha a contrariar os interesses do capital. As três premissas que pautam a decisão do Estado não existem de forma excludente, espacial ou temporalmente. Ao contrário, elas coexistem de forma diversa dentro do Estado, sendo que as decisões acerca das políticas públicas podem estar sendo tomadas ora sobre a influência de uma vertente, ora de outra. Nesse sentido é significativa a inter-relação entre as regras do capitalismo e da democracia na eficácia de implantação de qualquer política pública, em particular o provimento do serviço de transporte coletivo, que envolve tantas nuanças no inter-relacionamento dos diversos atores sociais. 2.2 A política setorial de transporte coletivo urbano no Estado democrático A oferta dos serviços de transporte coletivo se pautou historicamente por uma alternância de papéis entre o setor público e o setor privado, onde ora prevalecia mais nitidamente aspecto ligado às regras de mercado e ora preponderavam aspectos de intervenção estatal. A partir de meados da década de 70, condições econômicas e sociais passam a exigir uma maior atenção do Estado com o provimento do serviço que ganha um apelo reivindicatório muito grande por parte de grupos sociais. Este fato, combinado com alterações de caráter econômico e com a disputa de hegemonia no plano mais global sobre o papel do Estado em nossa sociedade, leva ao aparecimento de incoerências no discurso teórico e de inconsistências na ação prática, além de dificuldades na implementação de políticas eficazes de provimento dos serviços. O debate teórico ganha consistência e contagia a sociedade, passando o tema a figurar nas disputas pelo poder político tanto na esfera local (em maior medida), quanto na esfera estadual. A ação prática, no entanto, demonstra que as dificuldades são mais agudas que as simplificações do discurso e as conversões de modelos. Urge que se aprofunde uma maior compreensão de todos os aspectos envolvidos no tema e que se fuja das simplificações radicalizadas à esquerda ou à direita. Caminha-se então na construção de alguns consensos, que ainda assim permitem inúmeras variações aplicativas, sem, contudo, descaracterizar o conceito de que é fundamental garantir a regulamentação do setor. Dentro desse paradigma, passam a se manifestar as possibilidades de políticas públicas que contemplem os interesses coletivos de usuários sem, entretanto, cristalizar resistências intransponíveis quanto a sua aplicação. Ganha relevância, portanto, discutir os limites de eficácia da política pública em face das características do sistema capitalista e do regime democrático, que impõe regras ao jogo político que interferem na consecução e implementação da política proposta. Nesse sentido, é fundamental o entendimento das variantes com que trabalham os gestores locais em face das peculiaridades do capitalismo e das questões ligadas à democracia. Esses dois sistemas, um de produção e reprodução das forças produtivas, o outro de regime político e disputa de poder, atendem a interesses distintos e têm regras próprias que condicionam toda a ação pública, tanto isoladamente quanto atuando de forma conjunta. Conhecer, portanto, as nuanças dessas interferências e contar com elas na produção das políticas públicas e sua efetiva operacionalização é elemento fundamental para o gestor público e para os demais atores sociais envolvidos no processo, pois permite recolocar, em termos mais reais, o debate da relação público versus privado e o efetivo papel do Estado na sociedade. É, portanto, tarefa importante o acompanhamento das experiências de implementação de políticas públicas que se mostrem inovadoras nesta relação e o debate acerca de seus resultados, principalmente neste momento de revisão de paradigmas que despontam, em vários países do mundo, novos experimentos na gestão de serviços públicos. Para tanto, será necessário estar atento à intervenção do Estado, pois a busca de soluções para o setor passará necessária, porém não exclusivamente, pelas mãos do agente público. Os agentes públicos, entendidos como aqueles que tomam decisões no âmbito do Estado, não são vazios de conteúdo e motivações. Em uma sociedade democrática, convivem diversas posições diferentes, e às vezes contraditórias, sob um mesmo tema. Estas visões se aglutinam em torno de partidos que disputam a preferência dos cidadãos no momento das eleições para serem levadas à condição de majoritárias e condutoras da ação do Estado. Os partidos políticos são os instrumentos através dos quais torna-se possível ao cidadão chegar ao Poder e controlar as ações do Estado, portanto, são instrumentos viabilizadores da formulação e implementação de políticas públicas. KINZO (1993: 2) ressalva: "Partidos são canais mediante os quais as demandas da sociedade têm expressão e podem ser traduzidas em políticas públicas". Existem vários outros espaços na sociedade onde podem ser desenvolvidas, formuladas e às vezes até implementadas políticas públicas: igrejas, entidades classistas, órgãos estatais, organizações não governamentais, etc. Todas estas podem entrar em competição por hegemonia para suas idéias ou soluções, entretanto, apenas os partidos políticos estão credenciados para participar do processo eleitoral, e, nesse sentido, eles se distinguem de todos os outros espaços, por serem os únicos que podem formular e apresentar idéias para a disputa por votos, que no sistema democrático representa a essência do próprio Poder. No Brasil, a nossa estrutura partidária ainda é bastante frágil, de maneira que não é tão clara assim a relação entre uma determinada política pública e um dado partido político; ao contrário, ainda prevalece na nossa cultura política a visão personalista que associa as ações às pessoas e não às suas idéias. Conforme ainda assinala KINZO (1993: 1): O problema maior está na alta fragmentação e inconsistência do quadro partidário e na medida em que partidos se formam, se dissolvem e se fundem sem maiores constrangimentos estruturais e legais. Numa conjuntura como a presente, de agravamento do quadro econômico e social e das condições de governabilidade, a debilidade do sistema de partidos é fonte de incertezas e de riscos para a própria estabilidade político-institucional. A despeito disso, não há dúvida de que é no campo das formulações programáticas desenvolvidas pelos políticos dentro dos partidos que se encontram o leque de opções colocadas à disposição dos cidadãos para sua escolha no processo eleitoral. Portanto, é absolutamente relevante considerarmos no âmbito de nosso estudo as formulações desenvolvidas no interior do Partido dos Trabalhadores, para melhor compreendermos a política pública implantada no período em estudo e os seus resultados frente às expectativas dos atores envolvidos. 3 O Partido dos Trabalhadores – PT O objetivo da análise que pretendemos desenvolver acerca do Partido dos Trabalhadores – PT, e sua inserção na conformação da política setorial de transporte, não comporta uma reconstituição extensa das origens do PT e do seu significado no cenário político nacional. Importa averiguarmos os elementos da gênese do Partido que tiveram alguma influência na moldagem das idéias concebidas no âmbito do PT sobre a questão do transporte coletivo urbano. O acúmulo de discussão conceitual e a prática vivenciada pelo PT na formulação e implementação da política de transporte nas cidades determinaram uma certa "visão petista" acerca do tema, que influencia, de diversas formas, a experiência vivenciada em Santo André nos dois períodos que estaremos abordando neste trabalho. O PT, como agente político, esteve presente e atuante nos dois momentos da administração de Santo André, influenciando e sendo influenciado por aquilo que se produzia e implementava na cidade nesse campo. Para além da construção das propostas no programa de governo e da disputa eleitoral, o PT nunca se comportou de maneira passiva em relação à Administração quando o assunto é transporte urbano. Esse tema, junto com alguns outros, é muito caro ao PT e fala de perto a sua entranha ideológica, dividindo opiniões dentre as suas lideranças e conformando polêmicas entre os seus agrupamentos internos. É justamente a compreensão da natureza deste fenômeno que particulariza de forma tão nítida a política de transporte dentro do Partido que pretendemos analisar para distinguir de maneira muito objetiva o peso e o papel do mesmo no processo de tomada de decisão nessa área. Interessa-nos, ainda, averiguar a situação oposta, ou seja, em que medida a atuação prática desenvolvida a partir da experiência de Santo André, nos períodos estudados, teve influência para modificar ou mesmo complementar a visão construída dentro do PT em relação à política de transporte urbano. Quais teriam sido os elementos que de fato inovaram na política desenvolvida na cidade e que puderam ser elevados à condição de exemplo, difundido internamente como referência positiva a ser seguida. Para desenvolver este capítulo, pretendemos tentar reconstituir o acúmulo interno do Partido no tema em três momentos bastante delimitados: o primeiro, que vai da criação do PT até o início da primeira experiência de administração do Partido em Diadema; o segundo, que procurará avaliar o resultado das primeiras administrações do Partido nas suas idéias; e a terceira, que estará mais centrado em Santo André no período que precedeu o início da primeira gestão em 1989. Por fim, encerraremos o Capítulo com uma avaliação dos desafios a serem vencidos pelo PT, com relação ao transporte urbano, na década de 90. 3.1 As origens do PT e as primeiras idéias sobre o transporte coletivo urbano O PT é produto de um processo que teve início em 1974, quando o então Presidente Ernesto Geisel iniciou a transição democrática no Brasil. Esse processo, historicamente delimitado em 15 anos (de 1974 a 1989), teve várias etapas e em sua essência foi um movimento de "cima para baixo", ou seja, engendrado e conduzido pelas elites. O Golpe Militar de 1964 e os atos de supressão da liberdade partidária que lhe sucederam, lançaram o País em uma situação artificial de bipartidarismo (situação e oposição). Muito embora durante os dez anos de maior rigidez do regime militar houvessem sido criados diversos mecanismos para o exercício de um poder arbitrário – O Ato Institucional nº 5, decretado em 1968, e a Lei de Segurança Nacional, de 1969 –, conservaram-se alguns dos instrumentos de um governo constitucional; como, por exemplo, o funcionamento do Congresso Nacional (ainda que com limitações legais ao exercício de sua atribuições), eleições regulares para o Legislativo e para alguns cargos executivos municipais e um sistema bipartidário com a manutenção de um partido de oposição (mesmo que artificialmente) (KECK, 1991: 37). Os militares procuraram manter, durante todo o período, o controle sobre as instituições constitucionais que se mantiveram através de leis e atos institucionais que manipulavam e favoreciam os seus candidatos vinculados ao partido de situação. Perseguição, censura, desaparecimentos e mortes ocorreram como em vários outros regimes autoritários implantados na América Latina, porém, em uma proporção bastante reduzida. Além disso, não houve uma tentativa dos militares de constituir um novo arranjo institucional que sacramentasse e legitimasse o regime autoritário. Essas características do nosso período autoritário são fundamentais para a compreensão do nosso longo período de transição democrática e algumas de suas características que conformaram elementos importantes ao Partido dos Trabalhadores. A transição democrática iniciada com a liberalização gradual de mecanismos repressores do regime tornou possível o crescimento de um movimento pela restauração da democracia, que ganha força com a ampliação de suas bases que incluía associações profissionais, elites políticas, movimentos sociais amplos ligados à Igreja Católica e um movimento operário de militância recente. Ainda que a abertura gradual estivesse sendo conduzida pelos "donos do poder" e os militares tivessem a pretensão de manter-se no controle da situação, o fato é que uma vez deflagrado o processo de participação da sociedade, nem todos os movimentos podem ser previsíveis e mantidos sob tutela. Uma reforma partidária extinguiu em 1979 o sistema de dois partidos, implementado em 1966, no início do regime militar, e a partir daí desenhou-se um novo quadro partidário no País. A Arena, que sustentou o regime, deu lugar ao Partido Democrático Social – PDS; o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, único partido de oposição, desmembrou-se dando origem ao: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB; Partido Democrático Trabalhista – PDT; e ao Partido dos Trabalhadores – PT. É desse período também a criação do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, que se encaixou entre oposição e situação, e do Partido Popular – PP, uma agremiação que sobreviveu poucos anos desconstituindo-se e voltando para o PMDB. Para melhor compreender o contexto no qual surge o Partido dos Trabalhadores, é necessário ir além do movimento e das disputadas travadas no cenário político-institucional conduzidas pela elite. É preciso ver também o que estava acontecendo no âmbito dos movimentos populares e particularmente nos movimentos operários. Em 1973 a crise mundial do petróleo, com a elevação dos preços internacionais do produto, combinada com uma queda mundial do ritmo de desenvolvimento, lançam o País em uma crise econômica que decreta o fim de período áureo do desenvolvimento nacional, conhecido como milagre brasileiro. O Governo Geisel reage com um pacote de medidas desenvolvimentistas, consolidadas no II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico – PNDE, em uma tentativa de retomada do controle da situação econômica. As medidas contidas no II PNDE foram equivocadas, levando ao aumento da especulação financeira e à redução dos investimentos na produção, o que potencializou a crise e aumentou os índices de desemprego. A taxa de inflação, que em 1964 chegou ao clímax de 91,9%, dando as condições para o Golpe Militar, em 1973 eram de 34,5% e em 1983 passavam para 211,0% (MENDONÇA & FONTES, 1988: 52-61). A crise econômica, combinada com um momento de maior liberdade de expressão, foi o estopim necessário para pipocarem mobilizações populares em todo o País, mas em particular nas grandes cidades, onde ficavam mais escancaradas as debilitadas condições de vida da população, que se amontoava em grandes e precários loteamentos sem infra-estrutura sujeita a um transporte de baixa qualidade e preço elevado e salários reduzidos e controlados pelo Governo. Os novos movimentos sociais que surgiam abrigavam-se na Igreja Católica através das Comunidades Eclesiais de Base – CEB e das pastorais (como a pastoral operária) e também nas Associações de Moradores e outras entidades civis que sobreviveram com o regime militar. Esses movimentos estavam voltados em sua grande maioria para a melhoria das condições de vida da população menos favorecida (como o conhecido Movimento do Custo de Vida centrado nas Associações de Moradores), e eram incentivadas pelas elites de oposição por representarem uma real oportunidade de questionamento do Regime e de retorno à democracia. Nessa época, os setores mais combativos e melhor organizados da classe operária estavam ao lado da oposição ao regime militar, e os novos líderes operários reivindicavam que os sindicatos se tornassem autônomos com relação ao Estado. KECK (1991: 54) ressalta: O movimento operário, que também começou a passar por transformações profundas nesse período, constituía um outro tipo de fenômeno, tendo uma poderosa base institucional própria. A existência de estruturas corporativas que ligavam o operariado ao Estado significava que as mudanças nas práticas trabalhistas tinham que ocorrer em um ambiente onde o Estado constantemente fazia-se presente – para o operariado, a sociedade civil não era uma esfera de liberdade, mas um espaço inteiramente penetrado por hierarquias de dominação estatal na vida organizacional e pelo poder capitalista no local de trabalho. Assim, a 'autonomia', para o novo movimento sindical, não era um conceito abstrato, mas tinha um sentido claro e concreto. Isso deu um tom específico na sua relação com outros grupos de oposição ao regime; os novos líderes sindicais não estavam dispostos a trocar uma forma de tutela por outra. Em 1978, partiu da região do ABC uma onda de greves, iniciada na Saab-Scania, por melhorias salariais, que avançou nos primeiros anos da década de 80, mostrando a força e a organização do chamado "novo sindicalismo" e o trabalho até então silencioso da Pastoral Operária e das Oposições Sindicais. Estes movimentos grevistas estão associados à criação do Partido dos Trabalhadores. A força do movimento popular e do sindical juntou-se às pressões pela democratização do País, o que fortaleceu e legitimou a idéia da criação de um Partido dos Trabalhadores. Em 1978, a previsão de uma reforma política que viesse a pôr fim ao bipartidarismo imposto pelo regime animou a sociedade a discutir a idéia de novos partidos. Os intelectuais de oposição se lançaram em um exaustivo debate sobre os tipos de partidos que melhor serviriam para compreender e aprofundar o processo de redemocratização do País. Nesse contexto, durante boa parte do ano de 1978 e todo o ano de 1979 desenvolveram-se discussões sobre a oportunidade de criação de um Partido dos Trabalhadores. Lula levantou esta questão durante uma conferência de trabalhadores do setor petroquímico, na Bahia, no final de 1978, e lançou oficialmente a idéia no Encontro de Metalúrgicos de São Paulo, realizado em Lins em janeiro de 1979. A partir daí diversos movimentos foram feitos no sentido de difundir a idéia, pelo Brasil, no âmbito sindical e também dentre intelectuais e políticos, da oportunidade de se criar um partido que defendesse os interesses populares. Até que em 14 de outubro de 1979, no restaurante São Judas Tadeu, em São Bernardo, cerca de 100 pessoas – intelectuais, parlamentares e líderes sindicais – decidiram estruturar o PT como organização política, com a formação de uma comissão nacional provisória. O encontro aprovou uma Declaração Política e um documento chamado "Sugestões para forma provisória de funcionamento" e lançou o Partido. O PT já nasceu diferente. De todos os partidos construídos a partir da Reforma Política de 1978, foi o único que de fato surgiu de uma discussão de base com um perfil de partido de massa. KINZO (1993: 56) diz que: "trata-se, em suma, de um caso único no Brasil de partido que emerge em função das demandas de participação e representação na esfera política dos setores modernos do operariado industrial, dos assalariados de nível médio e dos movimentos sociais urbanos". Marcam fortemente o PT na sua origem não apenas o novo movimento sindical, mas também setores ligados à Igreja Católica, organizada em torno das Comunidades Eclesiais de Base e grande parcela da esquerda brasileira, ligada ao meio intelectual e ao movimento estudantil. Participaram ainda de sua formação nos primeiros anos organizações ou partidos clandestinos de tendência comunista ou trotskista. O PT foi criado, portanto, com um forte vínculo com os movimentos sociais e com o movimento sindical, posicionando-se como um partido socialista, o que lhe assegurava um nítido perfil ideológico que aprofundaria ainda mais a sua distinção dos demais. A ligação com o movimento popular aproximava a sua pauta de propostas daquelas encampadas e trabalhadas no interior dos movimentos, o que daria um traço muito característico ao Partido, que influenciou em demasia as suas formulações em termos de políticas públicas. BICALHO destaca (1993: 28): As propostas de políticas públicas que foram sendo desenvolvidas neste processo apresentavam duas particularidades: privilegiavam as áreas sociais, e eram dirigidas mais para as ações ao nível do poder local. Estas propostas traziam em si toda a bagagem acumulada nas experiências dos militantes nos movimentos sociais e na reflexão política dos grupos que compunham o partido, com as qualidades e as limitações daí decorrentes. A influência da organização católica dos movimentos foi muito significativa nos primeiros anos do PT. Esses grupos vinculados às CEBs ou às Pastorais passam a se integrar ativamente em outros movimentos sociais e no nascimento do PT representam os primeiros militantes engajados do Partido. Dessa "militância católica" restaram alguns traços culturais que se incorporaram à cultura do Partido, como privilegiar a ação no nível local, por exemplo, que influenciou as primeiras discussões de políticas públicas no PT, circunscrevendo-as fortemente em âmbito local e também a idéia de autonomia (em relação ao Estado), o que por vários anos deixou o PT preso ao dilema de ter que se assumir enquanto partido ou manter-se com um caráter de movimento social reivindicativo. Essas características, combinadas com as dificuldades iniciais do Partido de se organizar e estruturar legalmente com base na legislação de 1978 a tempo de concorrer ao pleito de 1982, fizeram com que nessa fase pouco se tenha acumulado em termos de discussão programática de políticas públicas dentro do Partido. O máximo que se obteve no que diz respeito, em particular, às questões urbanas foi formar algumas convicções ligadas às idéias que já vinham sendo construídas pelo movimento popular reivindicatório e pelos trabalhadores. Na questão dos transportes, o grande consenso estava em torno das tarifas que precisariam ser reduzidas. Desde 1976, o governo federal chamou para si a responsabilidade de atribuir índices de reajustes às tarifas de transporte urbano. O objetivo era controlar a inflação, entretanto, tal política só serviu para deteriorar ainda mais a qualidade do serviço, sem conseguir adequar as tarifas à capacidade de pagamento da população (conforme já discutido no Capítulo I). Diversos foram os movimentos que eclodiram nas principais cidades brasileiras neste período, exigindo redução nos preços das tarifas de ônibus. Em 1981, pressionado pelas constantes reivindicações, o governo federal recua e devolve aos municípios as prerrogativas para definição das tarifas no transporte coletivo. Em Santo André, que já havia sido palco de intensas mobilizações dos trabalhadores do setor entre 1961 e 1962, e do movimento popular pela melhoria dos transportes em 1962 (RODRIGUES, 2000: 93 e 100). Em 1979 volta a acontecer uma greve da categoria dos rodoviários, que se alastra para todo o ABC. O pleito dos rodoviários implicaria reajustes tarifários que descontentaria os usuários e isso era utilizado como argumento pelos empresários para se isentarem de uma negociação aberta com o Sindicato. Inicia-se, assim, um período de grande pressão dos movimentos populares sobre as autoridades, mobilizando empresários, usuários, poder municipal e trabalhadores do setor. A questão em debate era a mesma de tempos anteriores. Os empresários que alegavam a necessidade de reajustes de tarifas pela majoração de combustíveis, peças e mão-de-obra; os usuários que não aceitavam o reajuste pela defasagem dos seus salários; e os trabalhadores que queriam reajustes nos seus vencimentos. O Poder Público, que em tese deveria mediar a situação, não dispunha de informações para aferir os dados apresentados pelos empresários e nem dispunha de estrutura para tal; apenas prometia intensificar a fiscalização nas empresas, o que nunca era cumprido. Esse era o pano de fundo do debate travado pelo movimento popular no setor de transporte no final da década de 70 e início da de 80, e representa o acúmulo de discussão da qual se apropriou o PT e seus dirigentes para formular as suas primeiras propostas para o setor. Sua base de sustentação o alinhava com os anseios de usuários e trabalhadores do setor e o distanciava dos empresários. Havia uma desconfiança muito grande do Poder Público, visto como aliado do setor empresarial e, portanto, adversário a ser combatido. Esses pressupostos estruturavam as idéias gerais desenvolvidas pelo Partido nestes primeiros anos de sua conformação e podem ser resumidas da seguinte forma: os empresários eram gananciosos, só se interessavam pelo lucro; o Poder Público era conivente com os interesses empresariais não se preocupando com o interesse público; os trabalhadores espoliados e os usuários alijados do processo de decisão ficavam sujeitos a um serviço caro e de baixa qualidade. A idéia básica era fortalecer as organizações dos trabalhadores (entendido como usuários) para que estes controlassem a prestação do serviço independente do Estado. Aos usuários caberia também controlar o investimento do setor que seria estatizado. Essa visão extremamente basista não entra no mérito dos problemas do setor, sequer analisa as condições objetivas do Estado; ela está voltada ao fortalecimento do movimento popular e do seu papel e isso tem a ver com a própria formação do Partido. BICALHO (1993: 33) enfatiza que: "fica claro que o eixo das propostas então formuladas não se apoiavam na formulação de políticas públicas, ainda que elas também estivessem presentes. O principal enfoque encontrava-se na atuação junto aos movimentos populares independentes e na formação técnica e política dos filiados". A negação que o PT fazia do Estado não o colocava em condição de propor políticas públicas conduzidas a partir do Estado, na medida em que o Partido não só desacreditava de sua eficácia, como também via o Estado inexoravelmente comprometido com os interesses capitalistas, dentro de uma clássica visão marxista. KINZO (1993: 57) diz que: "na verdade, essa postura do PT levou-o, especialmente em sua fase inicial, a assumir um caráter muito mais de movimento social reivindicatório que de partido político, se admitirmos que este último, por sua natureza institucional, deveria visar, sobretudo a conquista, através do voto, de espaços de poder e influência política". A questão da tarifa, como já vimos, era o grande elemento de debates e fator de agregação dos movimentos populares. Em Santo André, que já dispunha de uma Comissão de Tráfego desde o início da década de 60, com atribuições de órgão consultivo para as questões de transporte, dentre elas a definição de tarifas, passa a contar a partir de 1980 com um representante da Câmara Municipal na sua composição tendo o seu papel reforçado a partir de 1981 quando volta para o município a atribuição de definir as tarifas. Quando em 1982 o então Prefeito de Santo André, Lincoln Grillo, autorizou um reajuste na tarifa municipal elevando-as a um patamar superior à tarifa cobrada na Capital. Estoura uma onda de protestos de usuários, que mobilizados por esse fato se organizam em torno de uma Comissão de Usuários de Transportes Coletivos, que dispunha na sua base de vários militantes e filiados do então criado Partido dos Trabalhadores. Essa Comissão que agrupava diversas entidades populares e sindicais pressionou o Prefeito e o levou a reduzir a tarifa anteriormente estabelecida, o que se sagrou como uma grande vitória do movimento, que no ano seguinte se institucionaliza, transformando-se na Associação dos Usuários de Transporte Coletivo e Outros Serviços Públicos de Santo André – AUTC, que se destacou como um movimento bastante ativo pela melhoria dos transportes coletivos na cidade, tendo a sua trajetória influenciado muito a política do PT para o setor, como veremos adiante. 3.2 As primeiras experiências concretas: Diadema e Fortaleza O PT, em 1982, estava diante do desafio de consolidar a sua organização interna e o seu processo de legalização. A participação nas eleições era vista pela maioria dos seus dirigentes como mais um passo nesta organização e elemento fundamental na consolidação dos resultados eleitorais que garantiriam a vida institucional do Partido. KECK (1991: 148-149) ressalta: "Na realidade, muitos líderes do PT afirmavam que o partido não procurava o poder em curto prazo. Portanto, as razões para apresentar seus próprios candidatos nas eleições em todos os níveis, resumia-se em disseminar o programa do partido e incrementar sua organização, além de recrutar e envolver novos membros". Não houve um esforço de constituir um programa de ação nas cidades onde o PT disputou as eleições. Em geral o discurso do Partido e de seus candidatos ficava centrado na problemática de classes, apresentando a si mesmo como a única representação legítima dos trabalhadores. Além disto, fazia referências gerais à questão da participação popular e da cidadania, com ênfase ao papel dos movimentos. Terminadas as eleições, o PT conquistou, a nível executivo, apenas duas prefeituras, Diadema, em São Paulo, e Santa Quitéria, no Maranhão. Para os nossos objetivos, a experiência de Santa Quitéria não se reveste de interesse por se tratar de um município rural totalmente desvinculado e distante da problemática urbana. Em 1986 Fortaleza se inscreve como a segunda cidade administrada pelo Partido. No campo parlamentar, o Partido elegeu oito deputados federais em todo o País. O melhor resultado, como era de se esperar, deu-se em São Paulo, onde Lula, candidato ao governo do Estado, ficou com 9,9% dos votos, conseguindo eleger nove deputados estaduais. Nas Câmaras Municipais o PT conseguiu eleger 78 vereadores em 39 municípios do Estado (KECK, 1991: 175). No entanto, a grande vitrine do Partido foi a cidade de Diadema, localizada no ABC paulista, berço do Partido, na época com 83.838 eleitores e conquistado por uma liderança sindical das mais respeitáveis da época, o metalúrgico Gilson Menezes, que liderou a histórica greve da Saab-Scania, em 1978. A expectativa do PT era realizar uma administração modelo na cidade que demonstrasse que os trabalhadores têm condição de governar, colocando em prática os dogmas partidários acerca da participação popular e do governo voltado para o atendimento dos interesses dos trabalhadores. Entretanto, ao tomar posse, em 1983, Gilson Menezes não dispunha nem de experiência, nem de quadros, nem de propostas para colocar em prática um governo de fato inovador. Diversos elementos podem ser levantados para justificar as dificuldades naturais de uma administração como esta para conseguir destaque. Não pretendemos entrar no mérito de avaliar os resultados obtidos no governo de Diadema, neste período. Interessa-nos no âmbito deste trabalho avaliar o desenvolvimento da política de transporte coletivo urbano na cidade e a sua influência na proposta mais geral do PT sobre o tema. KECK, (1991: 228-229) constata que: A falta de preparo político para governar refletiu-se na falta de um consenso programático prévio dentro do partido local acerca das prioridades para os projetos municipais. O programa municipal do PT era basicamente eleitoral, instando pela formação de conselhos populares e por políticas municipais que beneficiassem os pobres. Um programa de governo teria exigido uma apreciação em profundidade dos problemas da cidade e propostas práticas para lidar com eles. A dificuldade em distinguir entre esses dois tipos de programa contribuiu para a subseqüente tensão entre o gabinete do prefeito e os líderes locais do partido. A política de transporte levada a efeito pela administração municipal de Diadema passou por uma série de oscilações que não traduziram uma continuidade programática, nem tampouco uma linha pragmática de condução. Ao contrário, mostra uma absoluta ausência de propostas e um método de ação focado na "tentativa e erro", que infelizmente mais errou que acertou. Como já vimos, o acúmulo do Partido até 1982 na política de transporte se pautava pelas bandeiras do movimento popular e por uma desconfiança do Estado e incentivo à organização autônoma da população para o estabelecimento de um controle popular sobre um sistema municipal de transporte totalmente estatizado. A situação encontrada em Diadema, em 1983, não diferia da existente na maioria das cidades brasileiras, ou seja, empresas privadas operavam o sistema sem nenhum controle do setor público, que se limitava a autorizar as permissões e conceder as tarifas. Havia pressões do movimento popular contra o aumento de tarifas mas, ao que tudo indica, em Diadema, particularmente, não havia nenhum grande problema no setor que ensejasse protestos mais veementes por parte da população. Nessa perspectiva, a atuação pública se pautou por fazer o controle da tarifa, ou seja, o órgão de gestão, (em Diadema, nessa época, a gestão estava dividida em duas áreas: uma cuidava da fiscalização e definição da operação, e a outra do cálculo tarifário) no caso o Departamento de Planejamento, chamou para si a responsabilidade de efetuar os cálculos da tarifa e a partir daí estabelecer negociações com o setor privado. Ao aplicar esta estratégia, os agentes públicos estavam implementando uma parte importante das idéias que o PT desenvolveu até aquele momento e que tinham a ver com a expectativa dos movimentos populares. Ao deixar de aceitar os cálculos tarifários apresentados pelos empresários, tal como eram entregues, e formular uma crítica, construindo uma visão alternativa que promovesse a redução no valor da tarifa (ou pelo menos no índice de aumento) e ainda conquistando melhorias no serviço, o PT impunha-se, através do Estado, aos interesses dos empresários, em favor dos interesses dos trabalhadores. A Administração de Gilson Menezes, logo no início do governo, passou a utilizar fiscal credenciado no movimento popular para verificar o cumprimento dos contratos com as empresas privadas e coletar os dados necessários a produzir uma planilha que demonstrasse a realidade tarifária do Município, o que promoveu o envolvimento e participação direta dos "trabalhadores" na gestão do serviço, atendendo assim mais um requisito importante das propostas do PT. Quando em fevereiro de 1983 as empresas privadas apresentaram à Prefeitura uma solicitação de reajuste dos preços das tarifas, a administração petista teve a oportunidade de mostrar que realmente representava uma mudança em relação às outras. Como já vimos, desde 1981 a prerrogativa de determinar as tarifas de transporte urbano tinha voltado ao domínio do Poder local. Em Diadema, a praxe era acompanhar os valores das tarifas aplicadas em São Paulo. Não havia nenhuma estrutura interna na Prefeitura voltada para a produção de uma planilha própria com os dados da cidade. Ao receber o pleito dos empresários, o órgão gestor determinou a necessidade das empresas de comprovarem os elementos de custo apresentado em seus cálculos e junto com isso começou a coletar dados operacionais do sistema, com a fiscalização recrutada no movimento popular e legitimada pelo Governo. Com os dados oferecidos pelos empresários e os obtidos pela fiscalização foi possível no Departamento de Planejamento produzir uma metodologia própria de custos e concluir que o aumento era desnecessário e que inclusive havia uma folga de rentabilidade que deveria ser compensada com a ampliação da frota em operação na cidade. E assim foi feito, o que produziu efeitos imediatos, tanto na mídia quanto internamente no Partido. Não podemos esquecer que a conjuntura era favorável a esse tipo de medida: a inflação estava fora de controle (chegando, em 1983, a 211%), o que corroia os salários já debilitados dos trabalhadores e havia desemprego e movimentos por toda a parte, buscando melhorar as condições de vida. O CIP ao repassar as atribuições de definição das tarifas aos Municípios, alardeou a necessidade das Prefeituras estruturarem os seus órgãos de controle e buscarem a realidade tarifária. Portanto, quando a Prefeitura de Diadema conseguiu não só provar que a tarifa da cidade poderia ser menor que a de São Paulo, marcando uma diferença simbólica importante e ainda por cima ampliar a frota em operação, o que melhorou a qualidade do serviço, mostrou que os argumentos do PT (que eram os do movimento popular) estavam certos, que de fato os empresários só se preocupavam com o lucro, que o Estado estava voltado aos interesses empresariais e que os trabalhadores no Poder teriam condição de mudar esse estado de coisas. Em Diadema, instituiu-se uma Comissão Tarifária para estudar e acompanhar a execução das tarifas, a exemplo do que já existia em Santo André, mas inovou ao garantir a presença dos usuários na sua composição. Tal medida, passou a ser uma espécie de bandeira de luta do PT na política pública do setor. Depois dessas primeiras vitórias, outras se desenvolveram pelo mesmo caminho, ampliando direitos que afirmavam o caráter social do serviço de transporte coletivo urbano, consolidando-o como serviço público. Medidas como o passe livre para os idosos com mais de 60 anos, aos aposentados ou mesmo aos desempregados há mais de 30 dias e menos de três anos, tiveram ampla repercussão e foram de encontro à melhoria das condições de vida da população menos favorecida na cidade. Junto aos trabalhadores do setor (os rodoviários), a administração recém empossada também contabilizou vitórias, pois no dissídio da categoria de 1984, nas negociações de tarifa no âmbito da Comissão Tarifária, vinculou reajustes ao estabelecimento de um novo salário a motoristas e cobradores dentro, daquilo que vinha sendo reivindicado pelo Sindicato, o que também teve forte repercussão interna no Partido, pois, na formulação da política setorial, os trabalhadores eram aliados incondicionais junto com o movimento popular. No caso específico dos rodoviários, havia uma particularidade que tornaria ainda mais relevante a ação de Gilson Menezes. Ocorre que o Sindicato dos Condutores, desde o final dos anos 70, estava dividido, de um lado uma Diretoria fortemente identificada com os interesses dos empresários; de outro uma categoria que se rebelava incentivada pelos movimentos operários do final da década. As greves ocorridas em 1979, na categoria, foram conduzidas pela base por Comissões de Trabalhadores que denunciavam a Diretoria do Sindicato e exigiam a sua destituição. Em 1980, na eleição sindical, organizou-se uma oposição (Chapa 2) que incluía na sua pauta elementos do "novo sindicalismo", obtendo com isto apoio do Sindicato dos Metalúrgicos da região, do Sindicato dos Bancários de São Paulo e da Pastoral Operária de Santo André, todos vinculados ao PT. Vencedora das eleições, a Chapa 2, em 1981, foi impedida de tomar posse por uma manobra no Sindicato. O seu candidato a presidente, Oswaldo Cruz, denunciou a ação como sendo conduzida pelos empresários do setor. Ocorrendo nova eleição em 1983, a Chapa 2 sagra-se vencedora e desta vez toma posse imprimindo um novo ritmo ao Sindicato e às lutas da categoria. Nessas condições, o PT considerava-se ainda mais aliado da categoria e afinado com as demandas apresentadas pela nova Direção Sindical. É nesse contexto que em 1984 ocorre a negociação conjunta onde o órgão gestor literalmente intervém para viabilizar uma demanda da categoria. Essa prática terá influência na dinâmica da categoria e nas suas relações com as administrações petistas, que se consolidaram posteriormente no ABC. Essa dinâmica de condução da política de transporte em Diadema se deu em função do acúmulo do Partido acerca do assunto produzido no âmbito de seus quadros técnicos, e não a partir de uma reflexão da militância da cidade. Como já vimos, a vitória do PT na cidade se deu pautada em um discurso generalista, pois não havia um diagnóstico dos problemas locais, nem tampouco propostas setoriais específicas. Ao vencer as eleições na cidade, Gilson Menezes foi rodeado por pessoas que desejavam contribuir com a administração da cidade. Além do Diretório local do Partido, um grande número de técnicos e intelectuais vinculados à Direção Nacional do PT em São Paulo se apresentaram para trabalhar na cidade, apostando na transformação da cidade e na construção de um modelo, espécie de "experiência piloto" a ser utilizada para o crescimento eleitoral do Partido em outras oportunidades. A administração dos cargos e a composição do governo marcam o início de uma relação conflituosa entre o Prefeito e o Partido, que se prolongou por toda a gestão, culminando com a saída de Gilson do PT, em 1988. No caso da política de transporte, ela foi conduzida por um desses quadros técnicos "de fora". Amir Antônio Khair, um engenheiro de São Paulo, que se integrou ao PT, em 1981, e veio a conhecer o Prefeito eleito nas vésperas de tomar posse, foi o grande condutor da política local de transporte até maio de 1984. Com a saída conflituosa de Amir Khair da Prefeitura, grande parte da equipe se afasta do governo e ainda promove denúncias dentro do Partido que fragilizam a já difícil relação do PT com a Administração de Diadema. A partir desse momento, a política local sofre uma inflexão: a gestão do serviço é totalmente concentrada no Departamento de Serviços Urbanos e aparentemente relaxam-se os instrumentos de controle, a qualidade do serviço diminui, também provocada pela conjuntura econômica de sucessivos planos de estabilização, com congelamentos momentâneos que levam os empresários a atuarem no sentido de compensar a rentabilidade com medidas operacionais de redução de oferta. Quando, em 1985, na definição de uma nova tarifa, a cidade de Diadema deixa de ostentar a marca de possuir uma tarifa menor do que a de São Paulo e se iguala à região, detona-se a crise já anunciada no setor, com as denúncias feitas pela equipe demissionária de Khair, dentro do PT. Surgem críticas à Prefeitura de todos os lados: do movimento popular, da bancada de vereadores do PT, do Diretório Municipal e do Diretório Regional. O movimento popular volta a se organizar e promove no final de 1985 um Encontro organizado independentemente da administração. A partir daí passa a atuar na linha de conflito, deslegitimando as ações do governo. BICALHO (1993: 63) destaca: A partir do já citado Encontro dos Movimentos Populares, as ações reivindicatórias se acentuaram. O confronto direto com a empresa, sem a intermediação da Prefeitura, também demonstra o descrédito do movimento popular. Passaram a ocorrer com certa freqüência ações mais violentas e independentes dos canais institucionais como quebra-quebras devido a atrasos, seqüestro de ônibus como forma de reivindicar extensão de serviço para bairros desatendidos, etc. A situação chegou ao limite na realização de um grande protesto na frente da garagem da empresa operadora local, que se transformou em um acampamento de 48 horas, como forma de pressão junto ao empresário para atendimento das reivindicações dos usuários. Nessa condição, o Prefeito Gilson Menezes assumiu publicamente o compromisso de estatizar o serviço e criou um Grupo de Estudos, com participação do movimento popular, técnicos da Prefeitura, técnicos do PT, Sindicato dos Condutores, Vereadores do Partido e um membro da Executiva Estadual do PT, para estudar a situação. Apesar do compromisso de Gilson, as conclusões deste grupo não conduziam a proposta de estatização do serviço; ao contrário, propunham sim uma rigorosa fiscalização sobre a empresa para coletar dados que pudessem ser utilizados na melhoria do serviço e redução das tarifas (retorno à política implementada no início do governo). Além disso, propunham a busca de financiamentos nos órgãos federais para viabilizar uma operadora municipal. Entretanto, a despeito das recomendações do grupo, o Prefeito decidiu unilateralmente intervir na operadora privada, ficando dentro dela por 45 dias sem, contudo, melhorar a prestação do serviço. Depois disso, encaminhou à Câmara Municipal um Projeto de Lei que criaria uma empresa pública municipal para assumir a operação na cidade. Como não havia consenso interno sobre as medidas tomadas pelo Prefeito, o assunto, polêmico, não avançou na Câmara Municipal. Diante do impasse, no final de 1986, Gilson Menezes decreta estado de calamidade pública na cidade e compra, por decreto, a frota da empresa privada, rescindindo o seu contrato de concessão e, na prática, estatiza o serviço na cidade. Diante do fato consumado, a Câmara Municipal cria a Empresa Pública pretendida e lhe concede a concessão exclusiva do sistema. Com esse passo consolida-se uma proposta central no discurso do Partido para a política de transporte coletivo, que era a estatização do serviço. Entretanto, havia um profundo mal-estar criado com a base de sustentação do Governo, onde ninguém concordava com a medida na forma como havia sido feita. Diversas denúncias davam conta do péssimo negócio para a Administração que fora a compra dos ônibus velhos da empresa privada. No PT, ninguém comemorou esta medida como uma conquista do Partido e uma afirmação de suas propostas, tal era o estado de desconfiança que havia se instalado entre o Partido e o Governo de Gilson Menezes. Na cidade, a estatização não mostrou resultados imediatos. Durante todo o ano de 1987, a empresa se arrastou, a frota em operação era reduzida mensalmente, as dívidas se acumulavam, as condições de operação eram precárias, a direção da empresa não dispunha de experiência e se equivocava nas decisões mais comezinhas. A imprensa fazia estardalhaço da crise, maculando a imagem do PT e, acima de tudo, desqualificando a sua proposta estatizadora. A tarifa permaneceu elevada (em valores equivalentes aos de São Paulo) durante todo o ano de 1987, portanto, não se verificou resultado significativo neste campo, também, a partir da estatização. Em 1988, ano de eleições, produziu-se artificialmente uma redução nas tarifas voltando a patamares menores que os da Capital. No campo da participação popular, a empresa municipal foi criada com um Conselho Deliberativo como órgão máximo de gestão operacional e também da definição da política de transporte. Este Conselho era formado majoritariamente por representantes eleitos diretamente pela população nos bairros, além de um representante do Sindicato dos Condutores: um da Câmara de Vereadores e um da Prefeitura. A despeito do caráter democrático de sua composição e da amplitude de suas atribuições, o Conselho se reuniu durante todo o ano de 1987 basicamente para deliberar sobre tarifas e em uma condição muito peculiar, pois agora o reajuste da tarifa não mais representava "lucros exorbitantes aos empresários", mas sim a garantia de viabilidade da empresa pública. BICALHO (1993: 78) afirma: Na questão tarifária, ocorreu uma importante mudança, com a estatização do sistema, a definição do preço da passagem deixou de ter uma referência técnica, baseada em uma planilha que procurasse apresentar os seus custos reais, e voltou a ser definida politicamente. As planilhas que eram apresentadas ao Conselho Deliberativo não representavam a realidade do transporte no Município, e referência de seu valor, para o poder público, passou a ser a necessidade de cobrir os custos operacionais da ETCD. A experiência da estatização em Diadema serviu para mostrar ao PT que, ao contrário do discurso dominante na época, a estatização do serviço não era uma condição suficiente para a garantia da qualidade e do estabelecimento da tarifa real. Com a experiência da empresa pública em Diadema, verificou-se justo o oposto, ou seja, redução da qualidade e aumento dos custos. Essa lição não ficou mais clara ao PT pela saída, no início de 1988, de Gilson Menezes, do Partido, o que favoreceu um discurso ambíguo que creditava os fracassos do Governo à intransigência do Prefeito desafeto, e os resultados positivos às políticas do PT. BICALHO (1993: 77) destaca que: "a saída de Gilson Menezes do PT criou uma situação interessante, que favorecia a postura omissa e acrítica. Dentro de diversos espaços partidários, era comum ouvir elogios à gestão do PT e críticas à administração do Prefeito: tudo de bom em Diadema é mérito do PT, tudo de mal é culpa do Gilson". A experiência do PT em Fortaleza se deu em um momento em que o Partido já havia amadurecido alguns conceitos e acumulado alguma experiência administrando a cidade de Diadema. A partir de 1985, o PT começa a se preparar para as eleições que ocorreriam nas capitais. Neste esforço, o Partido volta-se a uma discussão um pouco mais consistente sobre as políticas públicas e suas possibilidades concretas de condução no aparelho estatal. O PT passa a assumir uma atitude mais pragmática enquanto partido político, considerando, de fato, a possibilidade de ser Governo. Apesar do bom desempenho do Partido, nessas eleições a vitória só ocorreu em uma capital do nordeste brasileiro: em Fortaleza, com Maria Luíza Fontenele, quando o PT levou em frente a sua segunda experiência em administração pública, desta feita em uma capital. Novamente, como no caso de Diadema, para lá acorreram diversos técnicos de São Paulo envolvidos com a discussão setorial de transporte, a fim de contribuir com o Governo local. A grande novidade apresentada nessa administração foi a experiência de controle da receita do sistema por parte do Poder Público e contratação das empresas por serviço prestado, desvinculando-se a tarifa da remuneração do serviço. Na cidade esta proposta ficou conhecida como "câmara de compensação". A proposta só foi efetivamente colocada em prática no final do Governo, o que não permitiu uma avaliação de seus resultados, todavia, a sua formulação e o debate que fomentou foram fundamentais na construção de um novo modo de ver a questão dos transportes no PT. Apesar da força das propostas iniciais, transformadas em palavras de ordem junto aos movimentos – Estatização com controle popular –, começava a ficar nítida a idéia de que mais importante que a operação estatal era o controle público sobre o serviço, e começavam-se a desenvolver alternativas que garantissem tal controle do serviço nas mãos do Estado. A proposta desenvolvida em Fortaleza veio nessa direção com uma alternativa inovadora às práticas do primeiro período de buscar o controle público exclusivamente pela gestão da planilha e fiscalização da operação. Paralelamente a estas experiências concretas, desenvolviam-se discussões sobre o tema, promovidas no âmbito interno do Partido e também através de outras instâncias institucionalizadas, como Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas. Em São Paulo, o PT abrigava no gabinete dos Parlamentares quadros técnicos profissionalizados para discussão de políticas públicas e produção de propostas mais gerais, que fundamentavam o Partido e suas instâncias. Em Santo André, o PT disputou e perdeu as eleições de 1982, mas permaneceu vivo na sociedade e muito ligado ao setor de transporte público, como veremos a seguir. 3.3 O acúmulo na discussão da política de transporte coletivo urbano em Santo André até 1988 Como já vimos, o ano de 1982 foi de intensa mobilização na cidade de Santo André em torno do transporte urbano. Em decorrência de uma autorização de reajuste tarifário promovido pelo Prefeito da época, que deixou o transporte na cidade mais caro que na Capital, os usuários se mobilizaram e constituíram uma Comissão de Usuários de Transporte Coletivo com um leque bastante amplo de setores envolvidos. Através do trabalho dessa Comissão, foi possível pressionar o Prefeito e fazê-lo recuar da tarifa anteriormente estabelecida, reduzindo-a. A antiga Comissão de Tráfego volta a funcionar, desta feita ampliada com a participação de um membro indicado pela Câmara Municipal, constituindo-se em um órgão importante para onde eram canalizadas as pressões dos empresários e as reivindicações do atuante movimento popular local. Nas eleições de 1982, o PT lançou como candidato o Engenheiro Celso Daniel, que, apesar de ter sido o mais votado individualmente na cidade, perdeu as eleições para o seu adversário, o médico Newton Brandão, que ficou com a soma dos votos das sublegendas. Entretanto, embora derrotado, o PT fez uma boa bancada de vereadores e se credenciou no cenário político local. A Comissão de Usuários se transformou, em 1983, na Associação dos Usuários de Transporte Coletivo e Outros Serviços Públicos de Santo André – AUTC e indicou Celso Daniel como seu representante. Graças a uma articulação da bancada do PT na Câmara Municipal, foi possível indicar como representante da Câmara na Comissão de Tráfego um representante da AUTC. Com isso, Celso Daniel passou a fazer parte da Comissão de Tráfego participando de suas discussões. Na militância junto à AUTC foi possível acumular força política e informação que permitiram desenvolver uma plataforma política de âmbito local bastante detalhada para atuação no setor de transporte. Como já foi relatado neste trabalho, o momento era particularmente complexo para o setor; havia uma crise no modelo de prestação do serviço pela lógica eminentemente privada, que esgotou o pacto até então vigente entre operadores privados e Poder Público concedente. A emergência do movimento popular e a possibilidade de administrações progressistas esgarçavam ainda mais o setor. A conjuntura econômica também não era nada favorável: inflação em descontrole, salários arrochados, alta nos preços internacionais do petróleo, planos econômicos desastrosos que promoviam congelamentos de preços artificiais eram alguns dos elementos que caracterizavam o lado econômico da crise. O setor empresarial, já desde meados da década de 70, se posicionava de forma bastante insegura. Os investimentos eram cada vez mais difíceis, os métodos de operação estavam voltados a tirar a máxima rentabilidade da operação, desafiando a regulamentação estabelecida pelos órgãos públicos, tudo isto ia corroendo as estruturas de legitimação do serviço e respaldando ações extremadas por parte dos movimentos populares. A recém criada AUTC, em Santo André, estava constituída com uma perspectiva de atuação autônoma independente do Estado, voltada para a participação dos estudos técnicos para o reajuste das tarifas, para a implantação de novas linhas e itinerários e para a produção de uma proposta mais abrangente para o transporte em Santo André. A primeira bandeira empunhada pela AUTC foi com relação à tarifa. Nesse sentido, os seus militantes se organizaram, sob a orientação dos técnicos que participavam do movimento – dentre eles Celso Daniel –, para buscar diretamente nos ônibus em circulação dados sobre a quilometragem percorrida e sobre o número de passageiros embarcados. Para isso, era necessário olhar o contador da catraca junto ao cobrador e o odômetro junto ao motorista. Os improvisados fiscais encontraram resistência dos empresários, que se recusaram a autorizar a coleta das informações e orientavam os seus funcionários a intimidar aqueles que buscassem obter tais dados, conduzindo-os até a garagem ou levando-os às Delegacias de Polícia. Tal postura de confronto entre o movimento popular e o setor empresarial serviu para animar e ampliar a luta da AUTC, que pressentia estar no caminho certo, expondo os empresários que se recusavam a dar informações, que em tese deveriam ser de domínio público (em Santo André, já desde 1968, a Lei nº 1.311 tornava obrigatório às empresas de ônibus a disponibilização de dados técnicos que fundamentavam as solicitações de tarifa), e que não eram sequer cobradas pelos órgãos competentes. Ao mesmo tempo, a vigorosa fiscalização popular também constrangia o setor público, que não se posicionava de forma ativa na defesa do interesse da população, exigindo os dados do setor empresarial e cobrando o cumprimento dos serviços. Os primeiros resultados da administração do PT em Diadema também funcionaram como elemento de estímulo ao trabalho da AUTC, que via de forma concreta a possibilidade de mudança do atual estado de coisas a partir de uma ação dirigida segundo uma outra ótica. Em 1983, um novo reajuste de tarifas na cidade serviu de pretexto para uma grande mobilização promovida pela AUTC contra o reajuste e pela defesa de um preço justo das tarifas. Pressionados pelo movimento popular que cobrava o cumprimento da Lei Municipal, o Poder Público passa a exigir e os empresários a apresentar os dados técnicos referentes à composição dos seus custos e os dados de demanda na Comissão de Tráfego, que através do representante da AUTC eram devidamente questionados e debatidos nas audiências de definição tarifária. Superada a etapa de obtenção dos dados, restava à AUTC verificar a confiabilidade dos mesmos. O sentimento generalizado era de que o transporte estava ruim, os ônibus demoravam a passar e circulavam lotados. BICALHO (1993: 110) certifica que: "no sistema de transporte coletivo municipal, entre 1983 e 1988, houve uma clara deterioração da qualidade do serviço. Segundo dados fornecidos pelas próprias empresas operadoras para o cálculo tarifário, no período, a frota em operação foi reduzida em 13% e a quilometragem média mensal percorrida em 21%, contra uma redução de apenas 9,4% na demanda". A AUTC passa então, em meados de 1984, a fazer a verificação da freqüência dos ônibus, anotando, em pontos estratégicos, os carros que passavam para conferir com os Termos de Permissão das empresas. O resultado do estudo mostrou haver uma enorme defasagem entre o serviço que as empresas deveriam oferecer e aquele efetivamente colocado à disposição dos usuários. No final de 1984, uma nova composição política na Câmara Municipal desmonta a articulação promovida pela bancada do PT, e que garantiu a indicação do representante da AUTC como representante da Câmara na Comissão de Tráfego. Com isso, a AUTC deixa o espaço da Comissão de Tráfego, mas continua em sua luta pelo transporte. No âmbito metropolitano, o Governo do Estado começa, em meados de 1984, a implantar uma política de fiscalização mais rígida nas empresas intermunicipais (que, como já vimos no Capítulo I, acabaram sendo as mesmas que operavam os serviços locais), credenciando fiscais auxiliares para participarem do esforço de fiscalização. Em Santo André, que já dispunha de um movimento experiente, esta medida representou a oportunidade da AUTC manter-se atuante junto ao sistema, quando de sua retirada da Comissão de Tráfego Municipal. A luta da AUTC continuou em Santo André e o movimento teve importante papel na constituição de uma visão petista sobre o transporte, no período. Na cidade, os esforços voltaram a tentar garantir sua presença na Comissão de Tráfego. Desta feita, de maneira definitiva, através de lei (proposta neste sentido foi encaminhada à Câmara Municipal, com o apoio da bancada do PT), foi institucionalizado o corpo de fiscais populares, a exemplo da experiência em curso no órgão gestor metropolitano. Em maio de 1987 a AUTC promove um grande encontro em Santo André – o I Encontro dos Usuários de Transporte Coletivo de Santo André. Este evento contou com uma participação bastante ampla de militantes de outras regiões e teve uma forte repercussão dentro do Partido, pois dele saiu uma plataforma de propostas e reivindicações que acabou por ser adotada pelo PT de Santo André na íntegra como plano de governo para área nas eleições de 1988.1 1 "Plataforma dos usuários para os transportes coletivos de Santo André", in: Trajeto, nº 01, 1990, p. 28-29. Na sua apresentação já aparece aquilo que seria a nova palavra de ordem do PT para o transporte urbano "transporte bom e barato". A plataforma é extensa, mas em linhas gerais apresenta os seguintes pontos: A luta pela tarifa social: através de alguns meios como a garantia da tarifa real (havia uma forte desconfiança de que a realidade tarifária levaria a uma redução das tarifas, grande meta do movimento organizado); fiscalização e participação dos usuários na definição das tarifas (com a institucionalização da fiscalização popular e a participação da AUTC na Comissão de Tráfego); implantação efetiva do vale transporte (que encontrava resistência das empresas para ser de fato disseminado entre os trabalhadores); tarifa integrada (garantia de conclusão da viagem com apenas uma tarifa, ainda que demandasse duas linhas); e, por fim, a efetiva luta pela tarifa social (busca de fontes de financiamento que pudessem ser usadas como subsídios à tarifa para que o valor pago pelos usuários ficasse ainda menor). A melhoria do nível de serviço: através da exigência dos cumprimentos dos contratos (apontava-se a necessidade de uma atuação mais rigorosa dos órgãos gestores com a aplicação de multas às empresas desobedientes); fiscalização popular (luta para que as pesquisas e estudos realizados pela AUTC fossem reconhecidos pelo Poder Público e cobrança do cumprimento da lei que exigia a fixação do quadro de horários das linhas no interior dos ônibus); fiscalização do Poder Público (cobravam a constituição de uma equipe de fiscais nos órgãos gestores para efetuar o acompanhamento do nível de serviço); adequação da freqüência às necessidades dos usuários (basicamente um replanejamento de linhas e quadros de horários com base nas novas necessidades da sociedade com participação popular); Outras melhorias (advogavam por pavimentação nas vias de circulação do transporte coletivo, abrigos com assento e reforma nos terminais). A municipalização progressiva do transporte com controle popular: através da criação de uma empresa pública operadora (inicialmente propunha-se uma pequena empresa para operar as linhas viáveis e a absorção gradual, em quatro anos, do conjunto das linhas); participação popular na empresa municipal (pregava-se que, desde o início, usuários e trabalhadores tivessem poder de decisão na empresa, como forma de inoculá-la dos vícios do empreguismo e da ineficiência; abominava-se o modelo da CMTC); auditorias nas empresas privadas (Poder Público e usuários deveriam fazer minuciosa auditoria nas empresas privadas, preliminarmente ao processo de municipalização); contratos por serviço prestado (a proposta era centralizar a receita do sistema nas mãos do Poder Público e pagar aos operadores privados por serviço contratado). Planejamento do sistema de transporte: através de uma revisão geral da rede (propunha-se a implantação de linhas ligando os bairros sem passar pelo centro e linhas que cruzassem de um subdistrito ao outro, além disso, propugnava-se por priorizar investimentos no transporte e dar prioridade aos ônibus em detrimento dos automóveis); participação popular no planejamento dos transportes (ampla participação nas ações de planejamento do sistema). Com esse Encontro Municipal praticamente esgota-se o acúmulo em termos de discussão e de sistematização da experiência vivenciada pela AUTC. A sua plataforma era vanguardista, superando em muito a discussão acumulada no PT de uma maneira geral até então. 3.4 Os desafios do PT para a década de 90 A partir de 1985, como já vimos, o PT passou a fazer uma discussão mais aparelhada para a perspectiva de ocupar o espaço institucional de Poder no Estado. O grande elemento de motivação era o processo eleitoral, que colocaria de novo o Partido em "cheque" diante da sociedade. Diversos esforços em nível de direção estadual do Partido foram feitos no sentido de aprofundar discussões setoriais de políticas públicas que dessem insumos às disputas eleitorais que ocorreriam nas capitais. Ampliava-se no Partido a possibilidade de trabalhar no campo da produção de políticas setoriais, antigos grupos de trabalho formados na constituição do Partido por militantes engajados, ganhavam agora expressão e uma linha de trabalho. Criava-se no PT, na direção estadual, uma Comissão de Políticas Públicas que abrigaria os diversos grupos de trabalho setoriais. Em 1987, com o intuito de subsidiar as discussões que se travariam em todo o Estado para preparação de programas de governo, com vistas às eleições municipais de 1988, a Comissão de Políticas Públicas produz um documento chamado "Caderno de Política Municipal do Partido dos Trabalhadores". Este documento, aprovado pelo Diretório Regional, foi subsídio para uma série de seminários que instrumentalizaram Diretórios Municipais na confecção de seus programas de governo. No que se refere à política de transporte, o Caderno propunha, basicamente, estatização com controle popular; controle público da receita (como etapa intermediária a estatização); criação de empresas municipais operadoras; luta pela tarifa real e implantação posterior de tarifa social, que não implicasse subsídio para o setor privado; controle popular (dos usuários e dos trabalhadores do setor) sobre as decisões da política municipal e sobre a gestão das empresas municipais. Os desafios que o Partido dos Trabalhadores se propunham a enfrentar no setor de transporte urbano na década seguinte pode ser resumido em três: estatizar o serviço, controlar as tarifas e promover a participação popular. A questão da estatização estava presente desde as primeiras propostas do PT, mesmo nas discussões mais acaloradas sobre a única experiência do Partido nessa área – Diadema –, onde ninguém se aventurava em negá-la. As divergências que existiam era quanto à forma com que ela deveria se dar e quanto aos seus objetivos. No II Encontro de Transportes do PT, realizado em outubro de 1987, ficou claro o posicionamento em favor da estatização com controle popular, por se entender que o transporte é um serviço público essencial, e por isso não pode ser objeto de lucro. Essa proposta atendia às expectativas da base de sustentação do Partido, tanto o movimento popular quanto o movimento sindical mostravam-se favoráveis a ela; os técnicos envolvidos com o tema dentro do PT também a defendiam. BICALHO (1993: 41) ressalta que: As propostas do partido, salvo raras exceções, também não abordavam o problema da estruturação institucional da gestão dos transportes urbanos. A estatização aparecia quase que como uma fórmula mágica, solução para todos os problemas. Pouco se falava das interfaces da gestão do transporte coletivo com outras políticas, mesmo a ela diretamente ligadas, como é o caso das políticas de urbanização, circulação ou de vias, por exemplo. Até na política do transporte coletivo propriamente quase não havia referência à relação gestão x operação. Com relação à tarifa, a questão que se colocava era a de estabelecer uma tarifa real, buscar novos instrumentos de financiamento, que propiciassem um certo nível de subsídio e promovessem a integração tarifária (erroneamente confundida com a tarifa única). Havia uma crença generalizada no Partido e no movimento popular de que as tarifas eram fixadas acima dos custos reais do serviço por acerto entre os empresários e o Governo. Dessa forma, o incremento da tarifa real já levaria a uma redução do valor das tarifas. Entretanto reconhecia-se que apenas isto não bastava, pois para garantir qualidade o transporte ainda teria tarifas acima da capacidade de pagamento dos usuários, portanto era imprescindível encontrar outras fontes de financiamento do setor que permitissem o estabelecimento de uma tarifa abaixo do custo dos serviços (entendida como tarifa social). A questão da integração era outra necessidade para reduzir o dispêndio dos usuários, pois se constatava que um grande número de viagens necessitava de mais de uma linha para serem completadas. Isso, em geral, ocorria exatamente com aquela parcela da população mais excluída das benesses da urbanização, por residir nos loteamentos mais afastados. Portanto, era imperativo para a promoção da justiça social que o percurso de uma viagem fosse coberto com uma única tarifa, ainda que para esta viagem fosse necessário utilizar mais de uma linha. Por fim, a promoção da participação popular era um desafio que se colocava para o PT de maneira mais geral, pois tinha a ver com a sua visão a respeito da sociedade, onde a democracia representativa não se mostrava suficiente. Era necessário abrir canais de participação direta da sociedade. Nesse sentido, formulações que ressaltavam a participação dos movimentos populares na fiscalização dos serviços de transporte e no seu planejamento, além das idéias de construção de empresas subordinadas a Conselhos Deliberativos, com forte presença popular, dominavam o discurso partidário. 4 A POLÍTICA DE TRANSPORTE NO PERÍODO DE 1989 A 1992 A cidade de Santo André que conhecemos hoje tem a sua origem no século XIX, com o advento da estrada de ferro. Em 1867, com a inauguração da ligação ferroviária entre São Paulo e Santos, nos arredores da antiga estação de São Bernardo (toda a região do ABC estava contida na freguesia de São Bernardo, naquela época) começa a se constituir o núcleo urbano que hoje delimita o nosso centro histórico. O Município de Santo André conta com uma extensão territorial de 174,38 km², sendo que deste total 55,13% está em área de proteção aos mananciais. O Município está inserido na Região Metropolitana de São Paulo, sendo um de seus 39 municípios. Santo André pertence a uma sub-região conhecida como ABC, que abrange sete municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A população de Santo André, em 1996, era de 625.564 habitantes,1 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. a segunda maior do ABC, possuía, em 1996, 132.264 domicílios2 2 Gerência de Tributos Imobiliários. Secretaria de Finanças. Prefeitura Municipal de Santo André. e um total de 129 núcleos de favelas com 23.421 barracos.3 3 Gerência de Urbanização. Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Prefeitura Municipal de Santo André. A cidade que nasceu com o estigma da indústria vem, desde o final da década de 70, fortalecendo a sua posição no setor terciário da economia (comércio e serviços). Entretanto, a ainda forte presença da indústria e o seu peso na economia local desautorizam a subordinação deste setor econômico a qualquer outro, sendo uma preocupação constante das autoridades locais a preservação de condições competitivas que garantam a manutenção do atual parque industrial e, se possível, a sua ampliação. Todavia, crescem os investimentos no setor de comércio e de serviços, conformando cada vez mais a cidade em um grande centro regional de serviços não só para o conjunto do ABC, mas também para uma parte importante da região circunvizinha. A sua conformação econômica é um dos fatores que condicionaram a estrutura de transportes na cidade, mas não apenas isto. Elementos de natureza geográfica (como o vale do Rio Tamanduateí) e até históricas (como o traçado da Estrada de Ferro) também foram determinantes para a consolidação de uma rede de serviços de transporte coletivo. Já vimos, no Capítulo I, as condicionantes históricas do modelo de prestação de serviços de transporte em Santo André. Cabe resgatar neste momento que nunca houve uma preocupação de planejamento técnico da rede de serviço com base no desejo de viagem dos usuários, ou mesmo com a preocupação de articular os serviços oferecidos nos vários modos de transporte (por ônibus e por trem, por exemplo) e ainda entre os serviços municipais e os intermunicipais. Isso condicionou a rede de serviços locais em Santo André a uma somatória de itinerários que foram sendo criados ao longo do processo de expansão urbana da cidade, que se deu do centro para a periferia. As linhas novas eram somadas às que já existiam, ou, muitas vezes, eram promovidas extensões em linhas antigas para atender novas áreas recém urbanizadas. O resultado desse processo histórico, desprovido de uma avaliação mais ampla e um estudo técnico global, foi de uma rede radial-concêntrica com todas as imperfeições decorrentes desse tipo de modelo. Para melhor caracterização, cabe ainda fazermos referência à lógica privada de prestação do serviço de transporte coletivo. A despeito do entendimento dado pelo Decreto nº 8.931, de 1976, de que o serviço de transporte coletivo era de interesse público, na prática, permaneceu vigorando a ênfase na sua estruturação como atividade econômica, portanto, a estruturação da rede obedecia a estes pressupostos, não estando voltada à racionalidade ou a nenhum dos interesses dos usuários. Esse elemento de natureza econômica também é um forte condicionante da forma de estruturação do serviço, pois é graças a esta lógica que o sistema foi se arranjando de forma a se constituir em "áreas de operação" exclusiva de determinada empresa, monopolizando, dessa forma, uma determinada parcela da demanda por transporte e ajustando a oferta de serviços às suas conveniências de rentabilidade sem se preocupar com a concorrência. BICALHO (1992: p.108) ressalta que: Esta configuração facilitou a organização das empresas operadoras dos serviços de transporte coletivo por ônibus em áreas informais de operação exclusiva. A maioria das sete empresas que operavam as linhas municipais operavam também as linhas intermunicipais da 'sua' região, dividindo a cidade em setores, geralmente em torno de um eixo viário importante, onde os demais não entravam. Deste modo, garantiam para si uma determinada demanda cativa, por falta de opção para os usuários. É interessante notar que dois sistemas independentes, submetidos a organismos gerenciadores distintos (Governo do Estado e Prefeitura), tenham resultado em uma distribuição espacial das áreas de atuação das empresas exatamente coincidente. Esse era um dos vários problemas diagnosticados no serviço de transporte coletivo de Santo André pela combativa AUTC, que tinha dentro de seus quadros técnicos o Engenheiro Celso Daniel, que havia se lançado candidato a prefeito pelo PT, em 1982, e perdido as eleições para o atual chefe do Executivo Municipal, o médico Newton Brandão. A AUTC, como já vimos, teve um papel bastante atuante no acompanhamento da política de transporte em Santo André, desde 1982, chegando mesmo a participar da Comissão de Tráfego da Prefeitura em 1983 e 1984 (como membro indicado da Câmara Municipal). Isso lhe permitiu formar uma visão bastante clara dos problemas de transporte da cidade, possibilitando a elaboração de propostas bem concretas para o setor, quando do processo eleitoral de 1988. O Partido dos Trabalhadores de Santo André também acompanhava a questão do transporte na cidade, envolvendo-se na discussão mais geral no âmbito do Partido sobre as alternativas para a gestão do transporte nas cidades, numa perspectiva de atendimento dos interesses dos usuários. Além disso, uma parte importante dos quadros militantes da AUTC era filiada e militante do PT, de sorte que o acúmulo da discussão em uma instância praticamente se confundia com a outra. Em maio de 1986, o PT de Santo André realizou um Seminário para discutir o transporte coletivo na cidade. Um ano depois, a AUTC promove um Encontro Municipal de Transportes e fecha a sua pauta para o setor que viria a se constituir na base do programa de governo do Partido, no ano seguinte, para a disputa da Prefeitura. Interessa-nos analisar, desses eventos, a visão acerca do transporte na cidade, naquela época, para melhor caracterizar o cenário em torno do qual se desenvolveu a intervenção efetiva no período de 1989 a 1992, objeto de análise. Analisando-se os documentos sistematizados neste período,4 4 Xerox intitulado "Seminário de Política Municipal do PT de Santo André" (maio/86), assinado pelo Grupo de Trabalho de Transportes Coletivos do PT de Santo André, abr. 1986, e Plataforma dos Usuários para os Transportes Coletivos de Santo André. o que inicialmente sobressai é a visão sobre a lógica da organização do serviço que afirma: historicamente, a implantação das linhas obedecia, geralmente, ao seguinte roteiro: ao crescer um bairro, aumentava a necessidade de transporte para os moradores, passando o estabelecimento da nova linha a interessar aos empresários, por se tornar lucrativa. Neste momento, a Prefeitura concedia a uma empresa privada o direito a explorar essa linha. Portanto, embora a sua implantação fosse também do interesse dos moradores, a lógica do processo sempre foi subordinada, em primeiro lugar, aos interesses de lucro dos empresários. Essa visão, obviamente impregnada dos conceitos hegemônicos no PT da época, trazia também a visão do movimento popular. O empresário e a lógica privada da produção do serviço eram vistos como o grande nó a ser desatado, tendo em vista que a meta seria fazer prevalecer uma abordagem da política de transporte aonde preponderasse o interesse público. Fica evidente, ainda, que havia uma clara compreensão do papel subordinado do Poder Público na produção do serviço, que não se posicionava no sentido de resguardar o interesse público, mas sim de atender aos anseios do setor empresarial. A crítica ao papel desempenhado pelos governos municipais ia mais longe: além de ser acusado de garantir o lucro dos empresários de ônibus, havia conjecturas de que os empresários do setor exerciam influência sobre o Prefeito porque haviam sido financiadores da campanha política do candidato eleito. Criticava-se também a falta de prioridade dada ao setor de transporte, para além da questão da relação com os empresários como, por exemplo, no que diz respeito à ausência de planejamento público na produção do serviço, a inexistência de fiscalização na operação ou mesmo pela falta de investimentos para a melhoria do sistema de transportes como um todo, como construção de abrigos, de terminais, etc., tudo isso em contraposição aos investimentos que eram feitos para os automóveis (construção e pavimentação de ruas). Essa crítica antecipa uma visão que se tornará bastante hegemônica nos anos 90 dentre aqueles que defendem o transporte coletivo que é a de contrapô-lo com o automóvel, exigindo prioridade de investimento público para o setor de transporte e não para a infra-estrutura voltada aos usuários de automóveis. A outra linha de ataque à política vigente era com relação à tarifa, que era considerada elevada demais e as razões para isso eram dadas pela ausência de preocupação por parte da Prefeitura em conhecer a "realidade do transporte coletivo municipal". Havia uma convicção de que o órgão responsável pela gestão do serviço aceitava os dados fornecidos pelos empresários sem questionamentos, estabelecendo a tarifa solicitada por eles, ampliando-lhes, dessa forma, os lucros e prejudicando os usuários. A questão tarifária era uma das principais bandeiras do movimento popular desde a segunda metade da década de 70 e foi assumida pelo PT desde a sua criação. A lógica era de que as Prefeituras não trabalhavam com a realidade tarifária e sim com a tarifa desejada pelos empresários e toda a ação era voltada no sentido de exigir os dados que pudessem compor uma planilha real do sistema, comprovando que a tarifa poderia ser menor. Essa abordagem se transformou em verdade absoluta com a experiência de Diadema (1983) que nos primeiros meses de gestão já atuou nessa linha, promovendo reduções tarifárias. Em Santo André, como a AUTC conseguiu fazer com que a Câmara Municipal indicasse, como seu representante na Comissão de Tráfego, um militante seu, que pôde assim acompanhar de perto alguns dados em 1983 e 1984, verificou que, de fato, havia manipulações em índices que interferiam no cálculo tarifário, pois nos anos seguintes, quando a AUTC não mais participava da Comissão de Tráfego, verificaram-se mudanças abruptas e injustificadas. Tudo isto reforçava o argumento geral de que a realidade tarifária levaria naturalmente a uma redução tarifária. Outra crítica, bastante recorrente, era com relação à redução da frota em circulação, caracterizada como "falta de ônibus nas linhas". Essa redução era atribuída a manobras operacionais realizadas pelos empresários para reduzir seus custos e compensar, com isso, perdas por não terem operado com as tarifas desejadas. Havia por parte do grupo de transportes do PT local e da AUTC o reconhecimento de que a Prefeitura estava segurando a tarifa. Isso era creditado basicamente às pressões do movimento popular e à crise econômica (de salários arrochados e desemprego). O que eles não toleravam era a conivência do Poder Público com esta situação de redução da frota em circulação sem uma fiscalização e imposição de sanções. A AUTC, mesmo fora da Comissão de Tráfego, e tendo seus militantes constrangidos pelos operadores nas atividades de fiscalização popular, continuou fazendo pesquisas e constatou, em 1985, que a frota em circulação era apenas 56% daquela prevista nos contratos e permissões, o que reforçava o argumento. Aqui, entretanto, percebe-se uma contradição. Por um lado, os críticos do sistema local afirmam que o valor da tarifa está estipulado acima dos custos do serviço e que a implantação da tarifa real irá reduzir a tarifa. Por outro lado reconhecem um movimento operacional de redução de frota para recompor rentabilidade. Ou o pressuposto era de que os empresários estariam ganhando nas duas pontas (na tarifa acima do custo e na operação abaixo do contratado), ou que mesmo com a tarifa estabelecida abaixo do solicitado pelo empresário havia gorduras que não justificariam a redução de frota para manter a lucratividade. O fato é que nenhum material desse período analisa essa contradição entre preço e qualidade, e isso virá a se estabelecer como um problema a ser tratado pela administração que se iniciaria em 1989. Não podemos esquecer que na plataforma da AUTC já aparece de forma muito clara a nova palavra de ordem da política de transporte do PT, que é "transporte bom e barato". Um outro problema apontado no sistema de transporte de Santo André era a ausência de planejamento mais amplo que apontasse para um modelo que atendesse aos desejos do usuário. A sua organização radial-concêntrica (todas as linhas indo dos bairros ao centro e vice-versa) era muito criticada, mesmo sem dados técnicos supunha-se a necessidade de estabelecer linhas que ligassem o 1º ao 2º subdistrito e linhas que ligassem bairros sem necessariamente passar pelo centro. No PT, de uma maneira mais ampla, já estava definido que uma das bandeiras de luta no transporte urbano era pela integração tarifária apelidada de "tarifa única" (permitir que com o preço de uma única passagem o usuário fizesse toda a sua viagem, ainda que se utilizando de mais de uma linha). Na plataforma da AUTC, essa questão também aparece. Em Santo André, o modelo rígido da rede deixava transparecer a necessidade de mudanças para favorecer eventuais deslocamentos que vinham se concretizando com o pagamento de dupla tarifa. Um deles (e o mais visível) era aquele que determinava a ligação de um subdistrito a outro; além disso, a ligação entre "os dois lados" da cidade representava importante fator de integração municipal, elemento fundamental para aplacar anseios separatistas que povoavam as mentes dos moradores de Utinga (região do 2º subdistrito) na época sob análise.. Ainda no campo das críticas, era destacada a falta de interesse do Poder Público local em abrir espaços para a participação popular, o não-fornecimento das informações solicitadas pelos usuários, organizados em torno da AUTC, o não-atendimento dos insistentes pedidos de audiências para tratar do tema e a falta de resposta às denúncias feitas de más condições no serviço. Tudo isso era indicativo da impermeabilidade do Governo em relação aos anseios dos usuários (representados pela AUTC). Isso era interpretado como indicação inequívoca da estreita relação do setor público com os empresários do ramo. Nesse ponto, cabe apontar que a questão da participação popular era uma das questões de princípio dentro do PT, e também fazia parte da pauta do movimento popular. Propugnava-se uma ampla e irrestrita participação, tanto no planejamento, quanto na implementação e no acompanhamento da política pública, de forma independente, sem precisar contar com a anuência do Estado. Essa participação teria que estar aberta a todos, mas muito em particular aos usuários e aos trabalhadores do setor, considerados excluídos do processo. A convicção geral era que somente a partir dessa participação mais ampla é que se conseguiria voltar a política ao seu real objetivo, que é o atendimento do interesse público. Por último, era manifestada uma preocupação com as alterações de propriedade das empresas, na cidade, que vinham ocorrendo desde o início dos anos 80, com a chegada na região de um grupo de empresários de transporte, identificados com a alcunha de "grupo mineiro", que tinham como característica possuir diversas empresas no Brasil, monopolizando um grande capital e operando milhares de ônibus nos mais variados municípios. Esse grupo, ao adquirir algumas empresas na cidade, mudou o espectro empresarial vigente, até então de pequenos e médios empresários da própria região. Como a conjuntura em que se dava esta negociação era de crise no setor, e o grupo aparentemente demonstrava fôlego financeiro, isso chamou a atenção dos técnicos ligados ao Partido e à AUTC, principalmente pela possibilidade de que o empresário local, uma vez pertencendo a um grande grupo empresarial, teria mais força para pressionar o Poder Público contra o atendimento dos interesses da população. O interessante aqui é notar que essa observação feita de forma explícita no documento do PT de Santo André, de 1986, denota uma firme convicção quanto à possibilidade de atuação no âmbito do aparelho estatal, visto que, para a luta junto aos movimentos, não fazia diferença nenhuma o tipo de empresário com o qual se está lidando. Dessa forma, ficava muito clara a preocupação efetiva com a produção de políticas públicas para serem postas em prática a partir do acesso ao Poder no Estado, o que representa uma postura adotada no PT de forma mais evidente a partir de 1985. Em um breve resumo poderíamos destacar que os principais problemas apontados no sistema de transporte, até 1988, eram: a sua lógica de produção voltada ao interesse econômico do empresário e não ao interesse público do usuário; o alto valor das tarifas; a falta de ônibus nas ruas (baixa qualidade do serviço); a falta de planejamento e a irracionalidade do sistema e, por fim, a ausência de participação popular na política de transporte. Equacionar estes problemas, segundo uma ótica do Partido dos Trabalhadores, era o desafio do Governo, que se inicia em 1º de janeiro de 1989. 4.1 O MODELO DE GESTÃO DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO ADOTADO DE 1989 A 1992 Concorrendo pela segunda vez à Prefeitura de Santo André, o Engenheiro Celso Daniel, do PT, se elege com 49,59% dos votos válidos e com quase 90.000 votos a mais do que o seu principal adversário. Além disso, o Partido elege uma expressiva bancada de nove vereadores (no meio do mandato, dois deles seriam expulsos).5 5 A Câmara Municipal de Santo André conta com um total de 21 vereadores. Este resultado torna-se ainda mais espetacular se considerarmos que o PT não fez nenhuma coligação eleitoral. Disputando sozinho as eleições, não havia nenhum compromisso prévio que pudesse condicionar a composição de governo e suas propostas. Preponderaria a vontade do Prefeito e do seu Partido na constituição do Secretariado e nos encaminhamentos das propostas de governo. Já afirmamos que o PT assumiu como propostas de governo na área de transporte a pauta da AUTC, produzida no Encontro de 1987, e para implementá-la o Prefeito propôs a criação de uma Secretaria de Transportes (a bem da verdade, foi proposta uma ampla reforma administrativa na Prefeitura, que reorganizou todas as áreas, criando novas Secretarias e unidades administrativas, modificando inclusive a estrutura de cargos e salários e a nomenclatura de cargos de livre provimento). Entretanto, para o escopo deste trabalho, vamos nos limitar às transformações institucionais vinculadas à gestão do transporte público na cidade. Para conduzir a política de transporte do PT em Santo André, o Prefeito convidou um técnico, militante do grupo de transporte do PT em São Paulo e funcionário de carreira da Companhia do Metrô, o arquiteto Nazareno S. Affonso, que montou a sua equipe com técnicos do setor de transporte, também oriundos de outras regiões. Este fato, repetido em várias outras áreas, acabou marcando o governo que foi tachado na cidade como "um governo de estrangeiros", gerando dificuldades de natureza política. Por outro lado, representou um esforço efetivo, e bem sucedido, de qualificação técnica dos escalões superiores do governo com o intuito de buscar resultados em curto espaço de tempo, superando assim a dificuldade que a todos era comum: inexperiência administrativa. A situação encontrada na área de transporte já era esperada e há muito vinha sendo diagnosticada. Não havia nenhuma estrutura administrativa para cuidar do assunto. Dentro do Departamento de Trânsito e Serviços, subordinado à Secretaria de Serviços Urbanos, havia apenas dois funcionários que cuidavam do serviço de táxi e de peruas escolares; nenhum deles se ocupava, nem parcialmente, de acompanhar o serviço de transporte. Não existia, portanto, dados operacionais de serviço ou mesmo registros de solicitações ou alterações do sistema. Junto à Comissão de Tráfego constavam apenas os registros elaborados pelos empresários de seus pedidos de reajustes de tarifa, com os dados por eles apresentados e sempre deferidos pelo órgão. Nas ruas a situação ainda era pior. Ao longo do período de 1983 a1988, a frota operacional passou de 265 para 233 veículos, uma redução de 13%; a quilometragem média mensal caiu 21%, enquanto a demanda sofreu uma queda de 9,4%. Estes dados representavam a situação apresentada pelos empresários. A AUTC tinha dados de 1985 que apontavam, na prática, um cumprimento de viagens de apenas 56% do contratado. Portanto, a baixa qualidade do serviço era uma realidade. A criação da Secretaria de Transporte representou a primeira medida concreta para assumir o controle do sistema de transporte público e iniciar a aplicação do programa de governo nesta área. Atuando no campo institucional, a criação da Secretaria respondia a várias necessidades de maneira concomitante. Primeiro, representava de maneira inequívoca a vontade política de atuar nesta questão; segundo, buscava articular as políticas públicas de transporte, trânsito e sistema viário, subordinando-as a uma única área; terceiro, que garantia o aporte institucional para estruturar a gestão dos serviços de transportes. A escolha do nome da Secretaria não era casual, muito embora com atribuições ligadas ao trânsito, sistema viário e transporte interno. A nova Secretaria estava mesmo voltada ao transporte coletivo urbano, este, sim, o seu maior desafio. Essa prioridade política condicionou a escolha do Secretário, perfil certamente identificado com a questão do transporte público. Essa primazia estabelecida ao transporte público respondia, simultaneamente, a três demandas distintas. Uma que vinha do PT, em nível Estadual e Municipal, onde a política setorial de transporte já acumulava quase uma década de discussões dentro do Partido, sem ter tido ainda uma oportunidade concreta de uma experiência bem sucedida; a segunda vinha do próprio movimento de transporte na cidade, que ganhou vulto de 1983 a 1988, e ansiavam por ver atendidas as suas demandas; e a terceira vinha do próprio Prefeito que havia se envolvido diretamente no movimento de transporte, estando, portanto, comprometido pessoalmente com os resultados nesta área. A Secretaria de Transportes começou a funcionar em janeiro de 1989, de maneira informal, nas instalações da Secretaria de Serviços Urbanos. Imediatamente articulou-se a formação da nova Secretaria que, em conjunto com as demais mudanças institucionais da Prefeitura, compuseram um projeto de lei de reforma administrativa, aprovado pela Câmara Municipal em maio de 1989, garantindo assim a institucionalização definitiva da área. AFFONSO (1990: 6) disse sobre o assunto: Na secretaria foram concentradas as atividades desenvolvidas pela Prefeitura na área de transportes. Assim, reuniram-se sob o mesmo comando os serviços de trânsito, de transportes coletivos e de vias públicas, além dos transportes internos da administração municipal (distribuição e manutenção de frota). A partir daí, obteve-se maior agilidade e integração nas ações voltadas para os transportes sob responsabilidade da Prefeitura. As primeiras medidas tomadas pela nova área foram no sentido de garantir o controle do serviço, com o estabelecimento de mecanismos básicos de gestão operacional. A reestruturação da Comissão de Tráfego foi imediata, abrindo espaço para a participação de representante da AUTC e do Sindicato dos Rodoviários. Dessa forma, garantiu-se a presença dos usuários (através de sua entidade organizada) e dos trabalhadores, atendendo-se antiga reivindicação dos movimentos e do PT local. Além disso, procurou-se, de forma negociada com os empresários, consolidar quadro de horários para as linhas existentes, ouvindo a AUTC. A partir do estabelecimento destes quadros foi possível implementar as primeiras ações de fiscalização junto às empresas. Quanto à tarifa, com a Comissão de Tráfego reorganizada, iniciou-se um processo de discussão de uma planilha com metodologia própria distinta das empregadas pelo setor empresarial e um amplo debate no âmbito da Comissão, num esforço de dar publicidade aos dados e decisões neste campo. Ao mesmo tempo em que se estruturava internamente (organizando o Departamento de Gestão, realizando concursos, treinando equipes) e tomava as primeiras medidas de controle do serviço de transporte coletivo urbano, era desenvolvida uma proposta mais ampla de reorganização dos serviços, pautada em um novo modelo de gestão, que incluía a criação de uma empresa pública operadora. Esse novo modelo, chamado de receita pública, mas também conhecido como municipalização do sistema de transporte ou mesmo como estatização do serviço, foi apresentado publicamente na forma do Projeto de Lei nº 26/89, encaminhado à Câmara Municipal em junho de 1989 e transformado na Lei nº 6.527, de 18.7.1989, com o fim de disciplinar a organização dos transportes públicos e criar a Empresa Pública de Transportes, entre outras providências. Em setembro, a Prefeitura regulamenta a Lei nº 6.527/89, por Decreto, e estabelece assim o Regulamento para a Operação do Serviço de Transportes Coletivos no Município, complementando o arcabouço legal em torno do qual se pretendia reorganizar os serviços de transportes na cidade. A partir daí estava construído o campo e estabelecidas as regras do jogo que se travaria, a partir de então, para consolidar esta nova proposta do governo petista. Antes de analisarmos a maneira como se deu este processo de transição de um modelo para o outro e as implicações entre os atores envolvidos, cabe analisar os principais elementos da proposta apresentada, discutindo-os à luz das expectativas estabelecidas no programa de governo. 4.1.1 A Receita Pública Esse sistema foi desenvolvido, inicialmente, no PT, na cidade de Fortaleza/CE, na gestão da Prefeita Maria Luíza Fontenele (1986 a 1988), com grande participação de técnicos de São Paulo, tendo como pontos centrais o controle da arrecadação tarifária pelo Poder Público e o pagamento das empresas por serviço prestado. Na cidade a proposta ficou conhecida como "câmara de compensação". Muito embora não tenha sido possível avaliar os seus resultados práticos (a implantação efetiva se deu nos últimos seis meses do governo), o fato é que o novo modelo foi muito discutido internamente no PT ganhando inúmeros adeptos. O sistema de gestão dos serviços de transporte público através da receita pública procura, acima de tudo, garantir o controle do serviço pelo Poder Público, responsabilizando-o pela prestação do mesmo. Não é à toa que o modelo foi apresentado como "estatização do serviço de transporte coletivo", tendo sido utilizado em substituição as propostas de estatização total. Essa retomada do papel de efetivo prestador de serviço por parte do Poder Público é garantido pela separação entre serviço e meios de execução do mesmo. O provimento do serviço é de inteira responsabilidade do Estado; a execução, entretanto, pode ser transferida, sob controle, à iniciativa privada. A responsabilidade de ofertar o serviço ao usuário é do Poder Público, pois é este que arrecada a tarifa paga, logo, o contrato individual que se estabelece toda vez que um determinado usuário entra em um ônibus e paga uma tarifa para fazer uma dada viagem deixa de ser entre o usuário e a empresa e passa a ser entre o usuário e o Poder Público. Este, por sua vez, contrata a terceiros a frota necessária à operação do serviço, numa espécie de "aluguel", remunerando-os por algum parâmetro estabelecido e aceito entre as partes. Isso desvincula completamente a tarifa paga pelo usuário do serviço efetivamente prestado, uma vez que as empresas contratadas pelo novo sistema colocariam à disposição dos usuários o serviço determinado pelo contratante (no caso o Poder Público), independentemente da demanda. Como toda a arrecadação de tarifas é do contratante, caberá a este remunerar o serviço efetivamente prestado, independentemente do número de passageiros transportados, ou do custo de cada viagem. Em linhas gerais, o modelo de gestão pela receita pública modificaria a forma de organização dos serviços, pois acaba com as concessões e/ou permissões de linhas e passa a contratar lotes de veículos, ficando a responsabilidade de alocação destes exclusivamente a critério do Poder Público, o que facilitaria o planejamento do serviço nas adequações de oferta à demanda. Além disso, ele é apresentado como um caminho intermediário facilitador de um processo de estatização da operação, pois com a contratação por lote de veículos elimina-se o sempre reivindicado direito dos empresários pela exploração da linha, na medida em que ficaria facilitado o cumprimento de um cronograma de desmobilização da frota privada contratada na proporção da ampliação da frota pública. Outra grande inovação do modelo é quanto à forma de remuneração. Ao desvincular a tarifa da remuneração do serviço, garante-se que a qualidade do mesmo não será alterada por interesses privados decorrentes da insuficiência tarifária. Neste regime de remuneração, os riscos da operação são todos do Poder Público, que é também responsável por balizar o padrão de qualidade do serviço, correndo o risco de ter que subsidiar a operação. Por fim, a centralização da arrecadação do sistema nas mãos do Poder Público é vista ainda como uma grande vantagem, por permitir a apropriação de uma certa receita financeira, na medida em que a arrecadação diária estabelecida nas catracas seria revertida ao órgão gestor que as centralizaria, efetuando o pagamento dos serviços às empresas a cada 15 ou 30 dias. Além disso, controlando a arrecadação seria possível descontar eventuais multas, taxas ou tributos devidos pelas operadoras e também reter a parcela da remuneração relativa à renovação de frota, que só seria liberada na oportunidade da aquisição de novos veículos, estancando assim a evasão de receitas do setor. A proposta de gestão do serviço de transporte público pela receita pública não só está expressamente prevista no programa de governo do PT de Santo André para a gestão 89-92, como faz parte da Plataforma dos Usuários para os Transportes Coletivos de Santo André. Seus pressupostos atendem a uma série de pontos levantados como expectativa para o governo petista. No campo tarifário, a proposta abre a possibilidade, não só da obtenção imediata da tarifa real (na medida em que é ponto básico para o sucesso da proposta conhecer os custos da operação), mas também de se caminhar rapidamente para uma tarifa social (entendida aqui como aquela cujo valor seja inferior à remuneração dos custos do serviço). No que diz respeito ao planejamento e nível de serviço, a proposta dá a flexibilidade necessária para que o Poder Público repense a rede de forma absolutamente livre, com enfoque no interesse dos usuários, podendo estabelecer novas linhas que dessem total cobertura e ampla acessibilidade à cidade. Além disso, o nível de serviço seria o dimensionado pelo órgão gestor, que contrataria a frota para sua execução pagando pelo serviço prestado (o que coloca o empresário como principal interessado no cumprimento de viagens). Quanto à municipalização progressiva do transporte na cidade, objetivo maior a ser perseguido, como já vimos, a gestão pela receita pública era apresentada como um passo fundamental nessa direção, que facilitaria todo o processo gradual de estatização e transformação da operação privada em uma operação estatal. A gestão pela receita pública só não resolvia a priori dois pontos levantados na pauta da AUTC e no programa de governo do PT: um é quanto à participação popular e o outro é o que diz respeito à necessidade de outros investimentos afins ao setor de transporte. A questão da participação popular era a mais complexa, pois na medida em que o resgate do caráter público do serviço de transporte público passaria necessariamente pelo controle do Estado, sob a operação desse serviço, restava a preocupação quanto a quem representaria a coletividade e assumiria a responsabilidade pela prestação do serviço através do controle do Estado. Era fundamental que se criassem mecanismos de controle do próprio Estado e da intervenção do Poder Público, de modo a garantir o interesse da coletividade, sob pena de se desvirtuar o sentido do público quando o Estado estivesse sob o comando de uma nova orientação. Quanto à priorização de investimentos na infra-estrutura de transporte (abrigos, terminais, pavimentação dos itinerários, etc.), esta era uma questão que teria que ser resolvida no plano das definições orçamentárias. Para o cumprimento dessa meta a criação da Secretaria de Transportes que passaria a administrar de forma integrada estas áreas já era vista como uma vitória, que se completaria com a abertura de canais de participação que garantissem espaço para os movimentos e os trabalhadores manifestar suas prioridades. 4.1.2 A Empresa Pública Operadora A idéia de criar uma empresa pública municipal para operar o serviço de transporte coletivo urbano não é inovadora, nem tampouco tem relação com uma discussão petista. Só para citar um exemplo próximo, podemos recordar a CMTC, criada em 1946, em São Paulo, para monopolizar o serviço de transporte na Capital. Mesmo no ABC a idéia já não era uma novidade, pois havia o exemplo da ETCD em Diadema, criada em 1986 pelo Prefeito Gilson Meneses, então filiado ao PT. A questão da empresa pública operadora, no entanto, estava presente de maneira muito marcante no discurso petista para o setor de transporte público, e acabou sendo assumido pelo movimento popular como um caminho inexorável. No programa de governo do PT, em Santo André, estava claro: "o compromisso com a criação de uma pequena empresa municipal de transporte coletivo, administrada em conjunto com usuários e motoristas. Convém iniciar com uma empresa de pequeno porte, para garantir que ela seja bem administrada (sem desperdícios ou empreguismo). Tal empresa terá dois papéis básicos: por um lado, será instrumento necessário para garantir ônibus nas ruas em caso de boicote dos empresários (como represália pelo aumento do controle da Prefeitura sobre eles); por outro lado, será o núcleo de um progressivo processo de municipalização do transporte coletivo, algo necessário porque o transporte é serviço público que não deveria ser objeto de lucro privado, como ocorre hoje". "Programa de Governo para os Transportes Coletivos", in: Trajeto, nº 01, 1990, p. 08. Na plataforma da AUTC o assunto estava assim tratado: "criação imediata de uma empresa municipal, para explorar linhas rentáveis (essa é uma medida mais que viável do ponto de vista financeiro). A partir dessa empresa, deve-se chegar, num prazo máximo de 4 (quatro) anos, à municipalização global do sistema, de modo progressivo". "Plataforma dos Usuários para os Transportes Coletivos de Santo André", in: Trajeto nº 01, 1990, p. 28. É interessante observar que ambas as formulações fazem ressalvas à empresa pública, como que se precavendo contra críticas ou problemas já conhecidos. De fato, a criação da ETCD, em Diadema, foi alvo de muitas críticas na imprensa regional e os seus resultados, conhecidos até meados de 1988, não eram nada invejáveis, além disso, havia o malfadado exemplo da CMTC, que nunca conseguiu se equilibrar, sendo sempre apresentada como uma empresa deficitária e eivada de vícios. Portanto, quando o PT de Santo André falava em criar uma empresa pública operadora, apressava-se em adjetivá-la no sentido de tentar mostrar algo diferente das experiências mal sucedidas dos municípios vizinhos, e mesmo aquela ocorrida em uma administração petista. A Empresa Pública de Transportes de Santo André foi criada pela Lei nº 6.527 em julho de 1989, que já no seu texto legal estabelece alguns mecanismos que buscam imunizá-la dos vícios de suas congêneres (a lei estabelece um limite máximo de sete funcionários por ônibus em operação e proíbe subvenções motivadas por déficit de operação). As premissas que justificavam a criação da empresa podem ser assim resumidas: Fundamentação da criação da empresa pública de transporte de Santo André – relatório de conclusão da 1º fase, KGS engenharia, 1989, xerox. Instrumentalizar o Poder Público com dados de custo e dados operacionais: a expectativa era que, uma vez participando da operação direta do serviço, a empresa operadora servisse de instrumento para coleta dos dados reais de custos de materiais e insumos que compõem a planilha, além de poder obter os índices operacionais reais do sistema. Facilitar o cálculo tarifário: com os dados obtidos na EPT seria possível produzir as planilhas com maior confiabilidade e mais rapidez. Funcionar como braço operacional da gestão do serviço em caso de intervenção: na iminência de lockout ou mesmo de interrupção parcial de serviço, a EPT seria um instrumento fundamental para garantir a prestação do serviço público, seja atuando diretamente ou mesmo contratando serviço de terceiros, ou ainda intervindo nas empresas operadoras. Instrumento para implantação da receita pública: a empresa serviria a implantar o novo sistema, contratando a frota das empresas privadas e efetuando-lhes o pagamento. Servir como referencial de qualidade e melhoria do nível de serviço: se constituir como modelo no sistema, tanto no que diz respeito ao nível de serviço, mas também quanto ao conforto e ao tratamento dos operadores. Garantir o acesso popular às informações da operação: a empresa teria como premissa à manutenção de um canal direto de comunicação com a população para possibilitar o acesso às informações operacionais e econômicas do serviço. Permitir, no médio prazo, o controle total do sistema: a empresa nasceria pequena, mas iria gradualmente aumentando a sua frota, de sorte a abarcar o conjunto do sistema. Possibilitar, como perspectiva, a operação de linhas intermunicipais em consórcio com outros municípios. Além destes pressupostos, existiam algumas preocupações com relação àquilo que a empresa não poderia se prestar: Não deve servir como instrumento de repasse de subsídios aos operadores privados, nem tampouco se prestar à operação de linhas deficitárias do sistema. Não permitir que ocorram desvios corporativistas em sua operação, de maneira que os interesses dos trabalhadores não preponderem sobre o interesse dos usuários. Este último elemento representava algo de novo introduzido na visão petista, pois representava o reconhecimento de que nem todas as demandas que vinham dos trabalhadores eram por definição do interesse público. A criação da Empresa Pública de Transporte de Santo André representava uma grande conquista da política municipal de transporte além de se constituir em um elemento fundamental de sua operacionalização. Mais do que um sonho acalentado pela militância do PT e do movimento popular, a EPT era uma peça fundamental no novo modelo de gestão que se pretendia implementar na cidade. 4.1.3 A Implantação do Novo Modelo de Gestão do Serviço de Transporte Público O Projeto de Lei nº 26/89, que organizava o sistema municipal de transportes urbanos de passageiros e criava a empresa pública de transportes, não foi aprovado sem críticas. Muito embora quando do encaminhamento do Projeto de Lei à Câmara (em junho de 1989) as relações do novo Governo com os empresários estivessem bastante amistosas, durante o mês de maio o sistema tinha ficado paralisado por 11 dias, em uma greve dos rodoviários pelo dissídio da categoria. O impasse se deu porque os empresários condicionaram a proposta patronal aos rodoviários à negociação da nova tarifa. O Poder Público entendeu a proposta como uma chantagem e inverteu a questão, condicionando a discussão da tarifa ao fechamento do acordo com os rodoviários. Nesse momento de maior tensão ocorreu crítica à postura do Poder Público, que era acusado de estar se posicionando favoravelmente aos rodoviários e com isso prejudicando toda a população com o prolongamento da greve. O porta-voz dos empresários, nesse episódio, era um vereador, que também era empresário do setor. Na aprovação do projeto do Executivo, os debates na oposição centraram-se na criação da EPT. A empresa pública era o maior alvo de crítica, a experiência da ETCD em Diadema era lembrada para desqualificar a proposta de criação da EPT, que era adjetivada como cabide de empregos e apontada como fadada ao fracasso, como a sua congênere. Duvidava-se da capacidade da empresa de sobreviver sem subsídios orçamentários, como previsto no projeto de lei. A imprensa local também fazia coro com as críticas e acusava a administração de estar impondo um modelo retrógrado e estatizante do Partido, que seria custeado com recursos da cidade. Em julho de 1989, após um acordo entre o Governo e a Câmara Municipal, foi possível aprovar a lei e vencer esse impasse. A situação voltou a normalizar-se, cessando as críticas. Foi apenas em setembro, com a publicação do Decreto que estabeleceu o Regulamento para a Operação do Serviço de Transportes Coletivos do Município, que ficou clara para o empresariado a extensão das propostas do novo Governo. A Lei nº 6.527, aprovada pela Câmara, já havia autorizado o Executivo a outorgar por 30 anos a concessão do serviço de transporte coletivo urbano do Município de Santo André à EPT. O decreto não só estabelece esta concessão como também define os critérios de contratação às empresas privadas por lotes de veículos e define o controle da arrecadação por parte do órgão gestor. Com o novo modelo tornado público, a primeira reação dos empresários foi de recusa. Em outubro encaminharam, através da Associação das Empresas de Transporte Coletivo do ABC – AETC, uma carta ao Prefeito onde deixavam claro o desinteresse em continuar operando no serviço municipal com base nas novas regras recém publicadas no Decreto. O centro das críticas era a perda do direito de permissionários das linhas e ter que abrir mão dos recursos da tarifa para serem administrados pelo Poder Público. Os empresários não aceitavam a idéia de verem a sua atividade reduzida a um negócio de "aluguel" de ônibus. Como já vimos no Capítulo I, há muito os empresários transformavam as suas permissões públicas em negócios com valor no mercado e valorizavam isso que se incorporava como patrimônio nas empresas. Esta lógica acompanha o setor desde o tempo em que, de fato, o empresário fazia a sua linha, ou seja, implantava o serviço em uma praça e, a partir dali, constituía a sua clientela. Nessa perspectiva, era mais do que justo a hipótese de o empreendedor desejar deixar o serviço e cobrar um preço pela linha (uma espécie de luvas pelo mercado criado, muito comum no setor de comércio e serviços). Com o passar dos anos, essa situação se inverteu, mas a cultura do setor permaneceu. A concessão/permissão era propriedade do empresário, logo, poderia ser vendida e tinha um valor no mercado. O novo modelo de gestão, proposto com base na receita pública, acabaria com isso: os empresários passariam a ser tratados como frotistas e locadores de veículos para o Poder Público, que poderá colocá-los em operação onde bem entender, podendo inclusive misturar em uma mesma linha veículos de várias empresas. Essa nova forma de contratação representava, na ótica empresarial, grandes prejuízos, pois todos aqueles que estavam no negócio perderiam aquilo que julgavam ser seu por direito, que era o valor das linhas. A questão da arrecadação também era um impasse, primeiro porque na lógica empresarial se o serviço prestado é remunerado pela tarifa, que corresponde ao custo do serviço mais a remuneração do negócio, não havia lógica terem que abrir mão deste recurso para a Prefeitura; o dinheiro era deles, por que dar à Prefeitura para receber de volta? Segundo, que em período de inflação elevada, como o vivido nessa época, a posse de dinheiro representava oportunidade de ganhos financeiros, e às vezes até de realizações de outros negócios. A liquidez do negócio de transporte sempre foi um dos grandes atrativos do setor e motivo de sua alta rentabilidade, sem nunca ter sido devidamente apropriado como receita nas planilhas tarifárias. Após a publicação do Decreto estabelecendo as regras pelas quais a Secretaria pretendia restabelecer os contratos, iniciou-se um período de extensas e exaustivas negociações com o setor empresarial, no sentido de tentar convencê-los a participar da licitação que se promoveria, visando contratar nas novas regras. A visão da Secretaria era de que o serviço estava irregular, os empresários consideravam-se possuidores de direitos, pois tiveram suas permissões prorrogadas por Decreto até 1993 e não se mostravam dispostos a abrir mão delas. Na verdade, a situação jurídica dos contratos de permissão era de fato muito precária. A lei municipal que existia para tratar do serviço de transporte, como já visto no Capítulo I, era a 1.578, de 1960, regulamentada pela última vez em 1976, quando se estabeleceram regras mais gerais sobre as formas de outorga das permissões e seu prazo de cinco anos prorrogáveis. As permissões vigentes eram aquelas instituídas a partir desse Decreto, prorrogáveis e válidas até 1986. Em 1986 ocorreu uma prorrogação por apenas 12 meses, e o assunto ficou em aberto, ou seja, totalmente irregular até 1988, quando, no apagar das luzes do governo que se encerrava, posterior à homologação do resultado eleitoral, o Prefeito expediu decreto regularizando as permissões e dando-lhes cinco anos de prazo. Ainda que os empresários se apegassem a isso, na verdade, eles tinham plena consciência da fragilidade do seu instrumento legal e da total condição da Prefeitura, principalmente após a promulgação da Constituição federal de 1988, de ir a justiça e garantir o seu direito de organização dos serviços, conforme preconizado pelo novo instrumento legal recém aprovado na Câmara Municipal. Esta consciência é que levava os empresários, a muito contragosto, a permanecer negociando, buscando melhorar a situação que estava dada. Após algumas rodadas de negociação, ainda em 1989, os principais elementos de discórdia eram: o controle da venda de vales-transportes, o prazo de vigência do novo contrato e o valor diário do repasse as empresas. A AETC desde a vigência da lei do vale-transporte era responsável pela comercialização do mesmo em todo o ABC e a EPT reivindicava passar a ser a única comercializadora de passes no sistema municipal; no prazo de vigência dos contratos a discórdia era que as empresas exigiam cinco anos e a Secretaria propunha um ano (não podemos esquecer que a contratação do serviço privado era uma etapa curta para o processo de estatização total que se propunha concluir em quatro anos, por isso a insistência da Secretaria neste ponto e provavelmente também dos empresários); e, por fim, a questão do repasse diário do montante arrecadado pela Secretaria para as empresas, a dúvida residia no valor. A Secretaria concordava que as empresas retivessem 25% a título de cobertura de despesas rotineiras e as empresas queriam reter no mínimo 50%. Nessa fase da negociação, já ficava claro que os empresários estavam caminhando para o novo modelo de gestão, pois se propunham a discutir os termos do contrato e procuravam assegurar o máximo de vantagens quanto fosse possível nesta negociação. Sem chegar a um acordo sobre todos os pontos em negociação, a Prefeitura, em janeiro de 1990, publica edital de licitação para contratar lotes de veículos para operarem na cidade, dentro do novo modelo de gestão por receita pública. Junto com isso, emite um Decreto tornando sem efeito o outro que prorrogou as permissões por cinco anos e estabelecendo permissões precárias até maio, prazo em que presumivelmente os novos contratos estariam assinados. Paralelamente às negociações estabelecidas entre a Secretaria e os empresários, desenvolvia-se um conjunto de atividades no âmbito do órgão de gestão (Departamento de Transporte Público) com o intuito de constituir uma nova rede de serviços, pois independente do modelo de gestão ou da forma de operação (se pública ou privada). Estava clara a necessidade de reformular a rede de serviço existente, que não sofria modificações a quase duas décadas. A estratégia adotada para o estabelecimento da reorganização espacial da rede de transporte não é de menos importância, pois se articula com elementos estabelecidos no programa de governo do PT e na pauta da AUTC. Havia uma convicção da necessidade de romper com a estrutura radial-concêntrica e com a divisão da cidade em duas partes estanques que não se comunicavam. A partir disso uma série de outras diretrizes foram estabelecidas: "Reorganizando o transporte público", in: Trajeto, nº 02 p. 10. a criação de ligações entre os subdistritos, utilizando os principais corredores e estimulando os centros comerciais dos bairros; a criação ou extensão das linhas já existentes em bairros periféricos não atendidos pelo transporte; o atendimento a pólos de atração de viagens, como a Fundação Santo André, posto do INSS, hospitais, pólo petroquímico, centros de bairros e principalmente o centro da cidade; o ajuste de linhas com pouca freqüência, ou com baixo índice de passageiros por quilômetro, seja alterando seus itinerários, seja fundindo-as com outras linhas; o ajuste de linhas com superlotação, principalmente nos corredores principais, criando novos quadros de freqüência por faixa horária ou novas linhas; atendimento às reivindicações de associações de moradores, feitas em reuniões nos bairros, abaixo assinados ou apresentados por vereadores, muitas delas históricas no Município; alteração de itinerários na área central, a fim de diminuir o tempo de viagem, reduzindo o nível de poluição do ar e do ruído, descongestionando os pontos de parada; utilização dos terminais urbanos como passagem para a travessia da linha do trem, nas faixas exclusivas do trólebus; estímulo à concorrência entre as empresas, juntando-as em regiões antes dominadas por uma só, com o objetivo de ressaltar para o usuário e para as empresas a mudança do sistema; estabelecimento de um nível de serviço baseado na ocupação máxima do veículo (70 a 80 na hora de pico, e 40 a 60 fora do pico) e no intervalo máximo entre viagens (25 minutos durante o dia e 60 minutos de madrugada); criação de linhas que trouxessem para o sistema municipal os usuários obrigados a utilizarem as linhas intermunicipais (mais caras) para deslocamento intramunicípio. Essas diretrizes respaldaram um amplo processo de estudo que envolveu pesquisas de embarque e desembarque, e análise de características operacionais das linhas, para que se montassem as sugestões de novas linhas que depois eram verificadas junto à AUTC e em reuniões nos bairros. A AUTC funcionou como elemento de ligação entre os técnicos do DTP e as comunidades, nas discussões que se estabeleceram sobre as novas linhas. Além disso, eram verificadas as condições de infra-estrutura viária e de trânsito para se fechar a proposta. Esse esforço resultou em uma rede de transporte absolutamente distinta da existente até então, que uma vez dimensionada precisou ser amplamente difundida junto à população antes de colocada em prática. Ressalte-se que a despeito dessa ampla reformulação atender exatamente a expectativa da AUTC, estabelecida em sua plataforma de ação e no programa de governo do PT, a participação da população foi bastante reduzida no processo de discussão geral da proposta de reformulação. BIALOWAS & LADEIRA (1991: 10) destacam:. "Essas reuniões, vale observar, tiveram uma participação muito aquém do esperado, confirmando que a discussão dos interesses específicos é o que mais mobiliza a comunidade. Apesar de termos convocado todas as entidades para as reuniões gerais, não conseguimos organizar reuniões em todos os bairros da cidade". A Empresa Pública de Transportes, criada em julho de 1989 junto com a lei que reorganizou o sistema, também mobilizava esforços à parte da equipe gestora da Secretaria. Era intenção inicial preparar a empresa para entrar em operação efetiva com três linhas que inaugurariam um novo serviço, ligando o 1º ao 2º subdistrito. Para tanto, seria necessário operar uma frota de 50 ônibus e todo o planejamento da EPT estava estruturado para esta operação inicial. Durante todo o segundo semestre, a equipe se mobilizou para dar vida à EPT. Era necessário, com os recursos transferidos do orçamento, adquirir a frota necessária à operação e iniciar a construção da garagem em terreno que seria cedido pela Prefeitura. Além disso, era preciso compor a diretoria, já estabelecida na lei de criação, o Conselho de Administração e realizar concursos para o preenchimento dos cargos necessários à operação da empresa. Muito embora através de consultoria especificamente contratada para este fim a Secretaria tivesse claro que os investimentos mínimos necessários à constituição da EPT, com esta configuração, fossem da ordem de nove milhões de cruzados novos (na alternativa intermediária em termos de composição de frota), a lei que constituiu a EPT autorizou uma transferência de apenas 2/3 deste montante (seis milhões de cruzados novos). Não foi possível encontrar registro de alterações do planejamento inicial que justificasse essa destinação de recursos em menor quantidade que o necessário. Entretanto, é legítimo supor que a partir dessa limitação orçamentária os dirigentes da futura empresa tenham começado a pensar em algumas alterações no projeto inicial, ou mesmo em alternativas que pudessem superar o constrangimento orçamentário imposto. Em janeiro de 1990, com a Diretoria constituída, a EPT lança edital para contratação de seus funcionários, por concurso, e licitação para compra de ônibus. Como já vimos, ainda naquela época a EPT publica edital para contratar as empresas por lotes de veículos para operar o sistema com base na receita pública. Todas as permissões existentes tinham sido declaradas nulas, conforme já descrevemos, e havia uma autorização precária de operação até maio, quando se pretendia inaugurar o novo modelo. Os empresários protestavam e ameaçavam não participar da licitação e entregar as linhas em maio por desinteresse no novo sistema de gestão. Nesse clima de tensão, a Prefeitura, motivada por uma comunicação, feita pela empresa Viação Alpina, de venda de cinco ônibus sem autorização prévia do órgão gestor, decide promover uma intervenção na empresa, por considerar sua atitude um precedente perigoso e uma ameaça à continuidade na prestação de serviços. No dia seguinte à intervenção, o proprietário da empresa João Antônio Braga consegue suspendê-la liminarmente por um erro jurídico da Prefeitura, que corrige a falha e retoma o processo de intervenção no dia seguinte. Esta suspensão provisória da intervenção conseguida pelo proprietário retirou o elemento surpresa da Prefeitura e permitiu ao empresário esvaziar os almoxarifados da garagem, retirando inclusive mobiliário, o que tornou o processo de intervenção mais custoso e ineficiente. As empresas reagiram à intervenção com um comunicado à Prefeitura de que em um prazo de 45 dias estariam se retirando do serviço na cidade, por se sentirem inseguras diante do cancelamento das permissões, da situação de precariedade estabelecida até maio e da própria intervenção verificada. Quando em fins de fevereiro realiza-se a abertura da licitação para contratação das empresas que operariam o novo sistema a partir de maio e nenhuma proposta é apresentada, fica clara a necessidade de ambas as partes voltarem à mesa de negociações para dirimir as divergências e restabelecer acordos que pudessem garantir a normalidade na prestação do serviço de transporte. A intervenção feita pela Prefeitura, a despeito da gafe jurídica, do ponto de vista político, fortaleceu a sua posição, pois deixa clara a sua disposição em encaminhar o projeto proposto. Além disso, cria um fato político que permite a mobilização de outros atores sociais, ampliando o debate para além da imprensa e dos formadores de opinião. BICALHO (1993: 123) destaca que: De forma organizada, o PT e diversas entidades ligadas politicamente a ele deram todo o apoio à Prefeitura. No dia 23 de fevereiro, foi publicado nos jornais um manifesto intitulado 'Todo apoio à intervenção e à municipalização dos transportes em Santo André', assinado por 23 entidades, entre elas diversas regionais da CUT, Sindicato dos Químicos, Condutores e Professores do ABC, Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema, Apeoesp, Sindicato dos Arquitetos, AUTC, diversas outras entidades sindicais, partidos políticos (PT, PSB, PC do B e PCB) e algumas entidades de bairro. Assumir a operação da Viação Alpina não foi tarefa fácil para a Secretaria de Transportes. A EPT criada para apoiar esse tipo de ação não estava estruturada ainda, pois acabava de realizar os primeiros concursos e previa receber pessoal só a partir de abril (o seu planejamento era para entrar em operação em maio, junto com o novo sistema contratado). Por sua vez, o dono da empresa não facilitou o processo, tirou tudo que pôde na suspensão da intervenção, deixando apenas a frota vinculada ao serviço. As instalações físicas e os funcionários operacionais, mesmo alguns funcionários administrativos e de manutenção, foram levados para outra empresa do grupo. Uma equipe da Secretaria e a recém-empossada Diretoria da EPT transferiram-se em 15 de fevereiro de 1990 para a garagem da Viação Alpina, para conduzir a empresa. Com base em um convênio com a CMTC, foi possível requisitar alguns funcionários de São Paulo com experiência em operação e colocar a empresa na rua. A EPT que havia licitado a compra de 35 ônibus em janeiro prosseguia em seu cronograma de ampliação. Em março, entretanto, com a decretação do Plano Collor, os recursos da empresa ficaram retidos, impossibilitando as ações para construção de sua garagem. Esse foi o pretexto para a mudança nos planos da EPT, que passou então a considerar a hipótese de se apropriar da garagem da Viação Alpina. Dessa forma, em abril, a Prefeitura declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, o imóvel, bens, equipamentos e frota da Viação Alpina, com o intuito de transferi-los para a EPT e com isso garantir sua operação. Em maio, a Prefeitura entrou em acordo com os proprietários da empresa e se apossou do imóvel, iniciando a operação da EPT de dentro da garagem da Viação Alpina (que continua existindo sob intervenção). A EPT, que já estava com seus 35 ônibus novos e o seu pessoal contratado, começa a operar três linhas diametrais ligando os dois subdistritos, já dentro do novo desenho da rede de transportes que só começaria a vigorar em sua totalidade em setembro. Em junho, a Prefeitura encaminhou um Projeto de Lei para a Câmara, solicitando a ampliação do capital da EPT no valor (da época) de Cr$ 85 milhões, alegando a necessidade de repor os recursos retidos com o Plano Collor, compra de mais ônibus e obras de ampliação da garagem da Viação Alpina, em desapropriação. A negociação com os empresários em relação ao novo modelo de gestão pela receita pública continuou em março, após os episódios envolvendo a Viação Alpina. Em junho, após acordarem sobre as regras do novo termo de contratação, a EPT fez publicar novo edital de licitações, que conta com a participação das empresas da cidade. Problemas legais com a licitação adiariam o seu resultado final, mas finalmente, em agosto, a EPT assinou contrato com as empresas, contratando quatro lotes de veículos, num total de 200 ônibus, que somados aos 54 ônibus da antiga Viação Alpina, desapropriada e incorporada à EPT, e os seus 50 novos ônibus, completavam a frota de 304 veículos que no dia 22 de setembro de 1990 iniciou o novo sistema de transporte de Santo André. Operação pública de 1/3 do sistema, contratação por serviço prestado dos outros 2/3, receita pública e uma nova rede de transporte na cidade. 4.1.4 A Administração do Novo Modelo de Gestão do Transporte Público Implantado o novo sistema, o desafio que se colocava era quanto ao seu acompanhamento para a verificação dos resultados esperados e eventuais correções de rumo. A sua administração cotidiana exigia uma estrutura do órgão de gestão (DTP) permanentemente voltada ao acompanhamento e controle da operação municipal, a fim de que pudessem ser feitas as medições necessárias à remuneração dos serviços. Todo o sistema de controle era feito de forma manual, com agentes de controle em cabines espalhadas pela cidade, fiscais volantes e equipes de garagem. Ao todo, o Departamento mobilizava 96 funcionários ligados diretamente a estas tarefas. A EPT, superada a fase inicial de operação e incorporação da antiga Viação Alpina, consolidou-se em 1992 com uma frota total de 106 veículos e 717 funcionários (parte deles incorporados da antiga empresa privada). O novo sistema logo mostrou resultados no que diz respeito à satisfação do usuário. Com apenas 75 dias de operação, a Administração Municipal efetuou pesquisas que comprovavam a satisfação dos usuários com o novo serviço. "Novo Sistema Ganha Crédito", in: Trajeto, nº 02, 1991, p. 17 e 18. Além destes, índices qualitativos davam conta do incremento do serviço; a frota em operação passou de 261 para 311 ônibus; a idade média caiu de 6,5 para 3,5 anos; o índice de cumprimento de viagens em meados de 1992, das empresas operadoras, estava beirando os 100%. Complementa isso o atendimento a 16 novas localidades, a implantação de linhas 24 horas, atendendo a demanda de transporte noturno, a implantação de abrigos de ônibus, a nova programação visual da frota e o recapeamento das vias corredores de transporte na cidade. Foi no gerenciamento dos custos que o sistema demonstrou sua maior fragilidade. Durante toda a gestão da receita pública, a Prefeitura acumulou déficit na sua conta de remuneração às empresas operadoras, pois os valores arrecadados com a tarifa foram insuficientes para cobrir os valores contratuais devidos em decorrência da prestação do serviço. Ficava cada vez mais clara a necessidade de subsídios ao sistema. Havia uma posição bastante firme contra os subsídios orçamentários para o transporte. Isso contrariava preceitos estabelecidos no programa de governo e na plataforma da AUTC, que defendia a tarifa real e a luta por uma tarifa social subsidiada por outras fontes de recursos. A Administração bem que tentou criar uma taxa transporte, que, resumidamente, traria recursos do setor produtivo da economia (empresas com mais de nove empregados) para serem empregados no sistema de transporte do Município. Entretanto, o Projeto de Lei apresentado à Câmara Municipal, no final de 1990, foi duramente combatido e rejeitado pelos vereadores, não sendo mais reapresentado pelo Governo (em Diadema, projeto semelhante foi aprovado no final de 1990, mas nunca foi colocado em prática por obstrução legal). BICALHO (1993: 136-137) aduz que: "as melhorias implantadas no nível de serviço representaram uma elevação nos custos por passageiro, entre março de 1990 e março de 1991 de 41,5%. O aumento do Custo já era previsto pela Secretaria de Transportes que contava em minimizá-lo com a incorporação de recursos obtidos junto aos beneficiários indiretos do sistema de transporte, representados pelo setor produtivo da economia". De fato, na Exposição de Motivos encaminhada pelo Executivo à Câmara Municipal, fica evidente o desejo de utilizar os recursos da taxa transporte para subsidiar a tarifa na ampliação continuada da qualidade do serviço, muito embora tenha sido feito um esforço de asseverar aos vereadores que o sistema estava em equilíbrio. "Até o presente momento, o valor da tarifa tem sido fixado com base no custo real do total do serviço prestado. A tarifa atual, mantida ao nível das tarifas da região, é suficiente para custear o serviço no patamar de qualidade atingido", "Justificativa do Projeto de Lei da Taxa Transporte de Santo André", in: Trajeto, nº 02, 1991, p. 37 . mas logo à frente afirma: "Novas melhoras no serviço implicarão certamente em aumentos em seus custos reais. Levar a prestação do serviço em Santo André, a níveis superiores de qualidade, ampliando a frota e reduzindo a sua idade média, implicaria em aumentar ainda mais o ônus econômico do usuário direto. Consideramos injusto que apenas o usuário financie, através da tarifa, os custos de um serviço que beneficia toda a coletividade". Sem recursos externos para financiar o déficit do sistema, a Prefeitura, que resistia à idéia do subsídio orçamentário, passou o ano de 1991 tentando conter os custos do seu sistema e para tanto não teve outra alternativa a não ser atuar na contenção dos custos de mão-de-obra. Isso gerou sérios conflitos com o Sindicato dos Rodoviários, que tinham estabelecido acordo em novembro de 1990 com as empresas públicas garantindo reposição mensal com base no DIEESE, em março de 1991 o Governo Federal estabelece novo congelamento de preços e salários e o Sindicato passa a cobrar a incorporação do DIEESE de março aos salários. Sem poder reajustar as tarifas e já com déficit no sistema, a EPT e as duas outras empresas públicas da região (São Bernardo do Campo e Diadema) fazem a opção pelo enfrentamento com os trabalhadores. Foram 19 dias de paralisação em três meses de conflito, até um acordo parcial em junho de 1991 e um acordo definitivo em agosto, quando cessa o congelamento. No final de 1991, a Prefeitura faz um esforço para cobrir o déficit do sistema, decretando dois aumentos sucessivos de tarifa em menos de 30 dias e em índices superiores à inflação para tentar fechar as contas do sistema em 1991. No entanto, em 1992 o sistema volta a entrar em desequilíbrio e começa a acumular novo déficit, o que leva o Governo a rever a sua posição e começar em março de 1992 a subsidiar, com recursos orçamentários, o modelo de receita pública. Os dados obtidos a partir do R.A.D. (Relatório de Arrecadação Diária) e do R.O.D.R. (Relatório de Oferta Diária para Remuneração), atualizados com base no IGP – DI para maio de 1997, demonstram que o déficit no sistema era algo, de fato, preocupante. O primeiro elemento que chama atenção na análise dos números é que o sistema nunca esteve em equilíbrio, ou seja, desde a sua implantação em setembro de 1990 até o seu abandono (com a volta da remuneração pelo sistema de tarifa) em setembro de 1993 o déficit entre valores arrecadados e remuneração é praticamente mensal (a exceção fica por conta dos meses de dezembro de 1990; janeiro, fevereiro e março de 1991). Se contabilizado anualmente, o sistema fecha em todos os anos com déficit nas suas contas. Somado o déficit dos três anos em que perdurou a receita pública, atualizada para maio de 1997 chegamos ao valor de R$ 20 milhões. Em 30 de junho de 1993, a Administração que sucedeu o PT na cidade assinou um termo aditivo ao contrato com as empresas, no qual estas concordavam em receber a remuneração a que faziam jus no mês de julho, com 7% de desconto, e nos meses de agosto e setembro com 10% de desconto. Em 22 de setembro de 1993 venceu o contrato das empresas com a EPT e junto com ele foi enterrado o modelo de receita pública em Santo André. As empresas passaram a se remunerar novamente pela tarifa arrecadada diretamente nas suas catracas. 4.2 A relação com atores sociais relevantes que atuam no processo de tomada de decisão Na implementação de uma certa política pública no âmbito de um Estado democrático, o governo atua junto à sociedade com a perspectiva de interagir com os atores sociais e viabilizar a implementação de suas propostas. No caso específico da política de transporte urbano, já vimos um conjunto de condicionantes que se estabelecem nessa relação entre o Estado e o mercado. Tanto em um quanto em outro espaço atuam atores relevantes que interferem no processo de tomada de decisão. A experiência da implantação da política de transporte em Santo André, no período de 1989 a 1992, implica uma forte intervenção do Estado e um aprofundamento da sua relação com o mercado, com o concurso de participação de inúmeros atores sociais que transitam nestes espaços. Para melhor avaliar o papel destes atores e sua influência no processo de tomada de decisão no Estado, vale a pena destacar especificamente o papel jogado pelo PT, pelos usuários e pelos empresários. É preciso desde logo destacar que nenhum destes grupos que estamos denominando atores sociais atua de forma homogênea, como se orientados por uma única motivação. Cada um possui em seu interior uma lógica própria de formação de vontade que se organiza de modo específico e está sujeita à ação de outros agentes que também participam no processo. Para simplificar a abordagem, vamos tratar destes grupos como se estivessem tomados por um único objetivo na sua ação. Ao tratar do PT, estaremos falando do Partido enquanto instituição, tanto em nível local como regional. Ao nos referirmos aos usuários, estaremos reportando-nos ao segmento organizado que se manifesta através de suas liderança, como também ao grupo de "clientes" a quem se destina a ação do Estado, e que podem se expressar através de pesquisas, ou individualmente, através de canais abertos pelo Governo ou pela sociedade (imprensa, por exemplo). Ao tratar dos empresários, estaremos nos referindo ao concessionário de serviço público. 4.2.1 O Partido dos Trabalhadores Já fizemos no Capítulo III uma extensa análise sobre a evolução das idéias do PT acerca da questão do provimento dos serviços de transporte coletivo nas cidades. Resta avaliarmos como a ação objetiva do Governo de Santo André influenciou e foi influenciada por estas idéias. A idéia que preponderava na militância do PT era a de enfrentamento com os empresários de ônibus. Um governo do PT precisava combater o interesse especulativo e predatório do empresário do setor de transporte para atingir o seu objetivo e com isso atender o interesse da população. A questão da estatização do serviço era outra convicção: o transporte precisava ser planejado, gerenciado e operado pelo Estado, não caberia nenhum interesse privado na produção desse serviço. A participação popular era outro elemento basilar e necessário para uma política de fato voltada aos interesses da população. E, por último, temos a questão da tarifa, que precisaria ser barateada, quase como decorrência natural de um processo de estatização e de enfrentamento com os empresários. Não havia nenhuma discussão acumulada sobre os custos do setor, apenas a certeza de que a simples gestão criteriosa do serviço já levaria a reduções na tarifa. Pelo exposto, diríamos que o PT tanto influenciou como foi influenciado pela experiência de Santo André. A ação demasiadamente burocrática do início do governo, levada a efeito por técnicos (petistas é verdade, mas sem nenhuma identificação popular ou peso político no Partido), irritou a militância e movimentou o Partido a nível local, que passou a cobrar resultados mais objetivos da ação da Prefeitura. A intervenção na Viação Alpina recoloca nas mãos do Governo a iniciativa política e responde internamente ao Partido (e ao seu arco de sustentação) as dúvidas quanto aos objetivos do Governo. Por outro lado, o Governo impõe ao Partido uma mudança no seu programa de ação ao abrir mão da estatização progressiva do sistema, mudando o discurso e tratando o sistema implantado como a municipalização necessária e possível para o sistema de Santo André. No campo dos formuladores de políticas públicas do Partido, o processo se deu de forma mais suave, pois a equipe envolvida com a experiência de Santo André representava o grupo mais atuante da formulação de políticas nesta área dentro do PT, de maneira que a experiência de Santo André caminhou lado a lado com a reformulação de conceitos mais gerais dentro do Partido. O que foi muito facilitada pelos resultados pragmáticos obtidos no campo da satisfação dos usuários e da visibilidade política da ação e seus dividendos eleitorais. Ver neste sentido o Modo Petista de Governar. Org. BITTAR, Jorge, 1992, p. 69-85. Mesmo assim, quando o Governo precisou medir força dentro do Partido, não deixou de ser acusado de ter encaminhado uma proposta alternativa que não deu certo. Com o discurso da "volta às origens", o adversário interno do Governo no Partido defendia a estatização total como meio para reduzir as tarifas. 4.2.2 Os Empresários Em Santo André até 1984 só havia empresários da região forjados ao longo dos anos de operação de serviços de ônibus e intensa negociação de compra e venda de empresas e linhas (muito comum a partir da década de 60). A partir daí entram no negócio grupos de fora fortemente capitalizados (os mineiros), que começam a adquirir o controle de algumas empresas na cidade. Em 1989, havia nove empresas em operação na cidade, mas apenas três grupos de empresários tinham peso nas decisões dentro da AETC: os mineiros (Baltazar José de Souza e Ronan Maria Pinto); Ângelo Gabrilli e seu sócio Duílio Pisaneschi, e José Antônio Braga (os demais eram pequenos empresários na cidade, sem uma participação significativa no conjunto do sistema). Com o início do governo do PT, era natural que houvesse um certo clima de apreensão por parte dos empresários, afinal de contas os mineiros já tinham sido desapropriados em Diadema, em 1986, na administração do PT e o programa de governo do Partido para Santo André era claro quanto à estatização do serviço de transporte. Além do mais, o PT era uma novidade e estava presente nessa nova gestão em três cidades do ABC e na Capital. Por outro lado, estando o grupo mineiro presente há menos tempo na região, era natural imaginar que estes buscavam um posicionamento mais favorável junto ao mercado, estando, portanto, mas suscetíveis ao diálogo, principalmente no que se refere às novidades. Os empresários mais "tradicionais" consideravam-se mais enraizados na sociedade local, portanto, menos obrigados a se submeter às novas regras trazidas por "forasteiros". Isso, combinado com o fato de que os mineiros, como tinham negócios em várias praças, eram menos suscetíveis a abalos econômicos localizados nesta ou naquela cidade, favoreceram a condição para que estes se apresentassem como interlocutores privilegiados. Essa condição foi fundamental para estabelecer o ponto por onde pôde fluir o diálogo entre o Poder Público e os empresários. Ao abrir um espaço de negociação com uma parte do grupo, ficou mais fácil condicionar o resto a participar, até porque não podemos esquecer que os empresários, a despeito do seu sentido mais aguçado de classe, são competidores entre si. Por outro lado, o Governo teve que fazer suas concessões e uma delas foi abrir mão do projeto de estatização plena do serviço, que ocorreu de forma tácita na negociação pelo tempo dos contratos, que a Prefeitura inicialmente propunha um ano, mas que acabou ficando em três, portanto, com vencimento fora do tempo de duração do governo. Além de outras menores, que tiveram que ser ajustadas para ampliar as garantias econômicas do negócio. O processo de negociação em si também trouxe resultados, ao entrar em relação com os gestores do PT e estes com os empresários de ônibus. Ambos os lados foram perdendo suas resistências e desmontando preconceitos, o que foi facilitando os processos de acordo. O fato é que nem mesmo o empresário que sofreu intervenção e depois foi desapropriado deixou de interagir com o Governo e deixar muito claro os seus interesses, negociando e entrando em acordo com a Administração nas mais variadas oportunidades. 4.2.3 Os Usuários Poderíamos generalizar ainda mais este grupo, chamando-o simplesmente de povo. Na verdade, interessa-nos discutir a relação da política implantada para além dos beneficiários diretos, mas passando também por aquele segmento da população, usualmente chamado de "formador de opinião", que embora não sejam beneficiados diretamente por uma determinada política, formam opinião sobre ela por conta de seus elementos referenciais e da sua influência no bem-estar geral da sociedade. O Governo iniciou as suas ações no setor, muito preocupado com o atendimento das demandas apresentadas pelo chamado "movimento organizado". A AUTC, que ainda existia (pelo menos no nível das lideranças), era o interlocutor privilegiado dos técnicos que buscavam o envolvimento da população no sentido de apreender suas necessidades para a reformulação da rede de transportes. Logo os gestores da Secretaria perceberam a necessidade de buscar diretamente nos bairros, em reuniões marcadas por entidades mobilizadas (ou sensibilizadas) pela AUTC, a opinião direta do morador quanto a sua dificuldade ou demanda específica, e este representou o momento mais rico de interação, pois de fato colocou o usuário diante do gestor público. Em uma terceira fase, o DTP imaginou conseguir realizar reuniões plenárias nos bairros para discutir a proposta mais geral do governo, a gestão pela receita pública a operação da EPT, a lógica geral do sistema e aí veio a grande decepção, pois nem a AUTC nem nenhuma entidade, nem muito menos a Prefeitura conseguiram mobilizar, de fato, as pessoas para este debate mais genérico sobre o serviço de transporte. Estava claro que o momento das mobilizações populares havia passado, as pessoas estavam voltadas aos seus interesses mais imediatos e à solução de seus problemas objetivos. A implantação do novo sistema foi para a rua em uma grande campanha de massa que envolveu outdoor, cartazes, panfletos nos bairros, rádios, postos e telefone de informações, etc. Quando da intervenção da Viação Alpina, dado o fato político, a Prefeitura conseguiu mobilizar um grande número de entidades (dentro é claro do arco de alianças tradicional do PT) e colocar o povo na rua, mas passado este evento, não ocorreu mais nenhum grande momento de mobilização que tivesse haver exclusivamente com a questão dos transportes. Através das pesquisas, a Prefeitura conseguiu aferir o sentimento das pessoas em relação ao sistema implantado e concluir que a avaliação era ótima, não apenas daqueles que se utilizavam, mas também daqueles que apenas notavam as mudanças (maior número de ônibus, ônibus mais novos, ônibus em ruas ou bairros que antes não tinham, etc.). Quando no último ano, o Governo se propôs a instalar o Conselho de Transportes. Constatou que, de fato, não havia mais a menor mobilização na sociedade para impulsionar aquele canal de participação. O resultado foi pífio e o esforço só foi meritório por cumprir uma meta estabelecida no programa de governo. BICALHO (1993: 141) destaca: O Conselho tomou posse em setembro, e teve suas primeiras quatro reuniões ainda dentro da gestão de Celso Daniel, que foram decepcionantes. Os representantes ligados à Secretaria de Transportes, em final de gestão, não tinham propostas para apresentar para discussão; os do Prefeito e da CUT, só apareceram na posse; o do Sindicato nem chegou a aparecer; os da Câmara Municipal e dos empresários participaram quase que na condição de ouvintes; e finalmente, os dos usuários se limitaram a apresentar algumas reivindicações pontuais e solicitar informações sobre o andamento das atividades da Secretaria. Foi aprovado o Estatuto do Conselho, mas o assunto não despertou maior motivação dos conselheiros presentes, mesmo sobre pontos importantes como o funcionamento das reuniões e das comissões, ou a forma de comunicação do Conselho com a comunidade. Individualmente, as pessoas mostraram mais entusiasmo, entrando em contato com o Serviço de Atendimento ao Usuário – SAUT para buscar informações sobre o sistema ou oferecer críticas e sugestões. A despeito da fragilidade da participação coletiva e da capacidade mobilizadora do tema sobre as pessoas, a política de transportes atingiu alguns dos seus objetivos, pois atendeu aos anseios dos usuários de uma forma genérica e satisfez a expectativa das pessoas de uma maneira geral, consolidando este serviço como um dos mais bem avaliados do Governo. 5 A POLÍTICA DE TRANSPORTE NO PERÍODO DE 1997 A 2000 Preliminarmente é necessário fazer referência ao fato de que no período de 1997 a 2000 eu estive à frente da condução da política pública de transporte na cidade de Santo André como Secretário de Serviços Municipais. Como pesquisador, busquei me distanciar de elementos subjetivos ou não documentados, buscando o máximo de isenção no processo de descrição e análise da política implementada pela administração municipal. A experiência desenvolvida pelo Partido dos Trabalhadores, na cidade de Santo André, neste período, foi bastante diversa daquela que descrevemos no Capítulo anterior. Entretanto, os pressupostos que fundamentaram a ação permaneceram basicamente os mesmos. No campo programático, a orientação da política pública mantinha-se aquela definida pelo PT. É bem verdade, no entanto, que no seu processo permanente de aprendizado e de acúmulo, o PT flexibilizou bastante suas posições, ampliando muito o leque de alternativas para atuação no setor de transporte urbano. Porém, não abriu mão do principal, que era a garantia da prevalência do caráter público no serviço de transporte coletivo urbano. Os problemas que se apresentaram à nova Administração do Prefeito Celso Daniel tinham um caráter distinto daqueles que fundamentaram as propostas do primeiro governo. Entretanto, parte das questões com as quais o novo Governo teve que se envolver tinham a ver com as políticas elaboradas na primeira gestão e, de alguma forma, emendadas pela Administração que lhe sucedera. A derrota do PT nas urnas em 1992 não significou uma derrota do Governo, nem tampouco de suas políticas públicas (no final da sua gestão, pesquisas apontavam um índice de aprovação geral ao governo de 76%, sendo que 78,8% consideravam o transporte no Município como bom, muito bom e ótimo). Apesar disso, dentro do Partido o Prefeito foi derrotado na escolha do seu sucessor, o que levou o PT a disputar a eleição na cidade com um candidato de perfil absolutamente distinto de Celso Daniel e de seu Governo. Seria leviano afirmar que com outro candidato (mais afinado com o Governo e de perfil similar ao do Prefeito) o Partido teria obtido sucesso nas urnas, mas o fato é que em decorrência da candidatura apresentada à cidade e do discurso encaminhado na campanha, muitas das ações de Governo que foram bem avaliadas pela população deixaram de ser aproveitadas em favor da campanha do PT. Isso aconteceu com a política de transporte, pois para conseguir amalgamar os descontentamentos internos no Partido com a condução das políticas setoriais, o adversário do Prefeito no PT pregava uma política de transporte distinta da empregada pelo Governo, com a estatização total do sistema e um controle mais rigoroso sobre as tarifas. Vitorioso nas prévias internas do Partido, fez concessões e aceitou a participação dos quadros do Governo, na elaboração do seu programa de governo, que acabou ficando numa linha de continuidade, entretanto, o discurso utilizado na campanha interna não conseguiu ser desfeito e a mensagem que era levada às ruas pela militância em campanha era de uma mudança na política encaminhada até então. Paradoxalmente, o candidato da oposição defendia o novo sistema de transporte e o gerenciamento implantado, concentrando suas críticas na EPT e nos altos subsídios empregados ao sistema. De qualquer forma, os caminhos trilhados pelo Governo, no período de 1993 a 1996, foram decisivos para a definição do novo programa de governo e definição dos rumos da política a partir de 1997. Portanto, a despeito de não fazer parte deste trabalho uma análise mais detalhada do período de governo que se interpõe entre as duas administrações do PT, faremos uma rápida retrospectiva em torno de alguns pontos polêmicos e que foram importantes na política implementada no período seguinte. A EPT ocupa, nessa nova administração de Celso Daniel, o centro das atenções. Dada às precárias condições com que foi recebida na nova gestão, a alternativa escolhida para qualificar o serviço de transporte na cidade e ao mesmo tempo reorientar a gestão do serviço foi bastante heterodoxa em se tratando de uma administração petista. A privatização das linhas da EPT e o encerramento da operação pública na cidade, com a mudança do perfil da empresa, que passa a ser gestora exclusiva do sistema, significa uma reviravolta total naquilo que há muito pouco tempo tinha sido uma das principais bandeiras de luta no Partido e mesmo o objetivo da criação da própria empresa. Mas não foi apenas esse o embate com que se deparou a nova gestão do transporte na cidade. O advento do transporte clandestino, que vinha adquirindo simpatizantes no campo do PT (principalmente dentre os representantes no legislativo) , ameaçava a organização do serviço na cidade e exigia providências enérgicas por parte do órgão gestor. A necessidade de modernizar a operação e o gerenciamento do serviço com o emprego de novas tecnologias, também se constituíram em um grande desafio, principalmente pelo enfrentamento do poder público com a categoria dos rodoviários que vê a catraca eletrônica como passaporte ao desemprego. Além disso, havia a necessidade concreta de inovar e apresentar respostas a carências antigas da cidade, como a necessidade de dotar a cidade de uma moderna rodoviária, equipamento há muito esperado no município e na região, e que a Administração anterior havia prometido, sem contudo tê-la executado. É a partir destas referências que pretendemos proceder à descrição e análise da experiência de gestão da política de transporte neste período, sem perder a perspectiva de avaliação à luz dos atores envolvidos e sua relação no processo de tomada de decisão no âmbito do Estado. 5.1 Considerações sobre a política de transporte coletivo urbano no período de 1993 a 1996 Ao assumir o Governo Municipal, em janeiro de 1993, o Prefeito Newton da Costa Brandão não tinha muito clara a política de transporte público que iria desenvolver ao longo de seu governo. Durante a campanha, as críticas à política encaminhada pelo PT tinham se concentrado em um aspecto do modelo de gestão pela receita pública, que era a questão do subsídio. Mesmo com relação à EPT, que seria natural esperar um posicionamento mais definido pela privatização, o Prefeito se manifestava com evasivas e posicionamentos pouco consistentes. As primeiras manifestações públicas do médico Newton Brandão vinham no sentido de alardear a precária situação financeira da Prefeitura. Alegava estar recebendo a cidade com uma dívida vencida quase dez vezes maior que os recursos disponíveis em caixa no mês de janeiro.1 1 Diário do Grande ABC, 30.1.1993. Dentre os elementos que compunham esta dívida, era dado destaque ao "gerenciamento de transporte", cuja dívida vencida declarada era de Cr$ 10 bilhões (atualizados para maio/97 representavam aproximadamente R$ 900 mil). Dentre as medidas anunciadas para saldar as dívidas e equilibrar as contas públicas estava o corte de gastos, onde se inseria o debate sobre o sistema de transporte. "O pacote de medidas alcançará o gerenciamento do transporte coletivo com racionalização das linhas, redução das linhas onerosas e diminuição do subsídio pago às empresas pela Prefeitura".2 2 Diário do Grande ABC, 30.1.1993. A opção clara que a administração Brandão indicava nesse primeiro momento era de promover uma redução na oferta do serviço para tentar conter os custos. Esta medida já vinha sendo encaminhada durante boa parte do ano de 1992, pelo Governo do PT, após explosão dos custos do sistema. BICALHO (1993: 138) assevera que: A Prefeitura percebeu que um bom transporte custava caro. Para a população, apesar da melhoria do serviço, os reajustes constantes e superiores às correções salariais eram um grave problema. A administração não tinha controle sobre a maioria dos insumos da produção dos serviços, ficando sua ação restrita a dois elementos, ambos extremamente explosivos para a posição do PT; a política salarial da categoria e a qualidade do serviço. Foi nesses dois campos que a Prefeitura tentou intervir; no primeiro, em conjunto com as outras administrações petistas da região (São Bernardo do Campo e Diadema) e com os empresários, durante pouco mais da metade do ano de 1991; no segundo, dentro de sua própria política de dimensionamento da oferta, durante basicamente o ano de 1992. Ao assumir a gestão do serviço de transporte em 1993, a situação, em termos de qualidade, já não era a mesma dos tempos áureos que deram fama e prestígio ao serviço. Além disso, sem a necessária experiência e conhecimento das peculiaridades do sistema, a nova equipe põe-se a intervir, reduzindo ainda mais a oferta e constrangendo os indicadores de qualidade do serviço. O serviço 24 horas implantado pela gestão do PT foi extinto; a frota em circulação, que chegou a ter 311 veículos, foi reduzida para 267 carros e as críticas começaram a surgir. No mês de junho a Administração consegue negociar com os empresários um desconto no valor da remuneração para os meses de julho, agosto e setembro. Os contratos venceriam em 22 de setembro e a expectativa geral era do estabelecimento de um novo contrato que acabasse com os subsídios. Em agosto, o jornal Folha de São Paulo noticia, com grande alarde, que o déficit do sistema de transporte em Santo André de janeiro a julho era de 4,6 milhões de dólares, e que apenas o subsídio de julho seria suficiente para adquirir seis ônibus novos ou 28 ambulâncias novas. Nesta mesma matéria o jornal, divulgando pesquisa feita por seu instituto, aponta o transporte como o segundo pior serviço na cidade, segundo a população.3 3 Jornal Folha de São Paulo, 7.8.93. Estavam dadas as condições para a revisão do modelo de gestão e o retorno à remuneração pela catraca. Entretanto, permanecia a dúvida quanto à política de transporte que o Governo pretendia implementar. Para além das críticas ao subsídio, não havia mais nada, nenhuma proposta consistente que deixasse claro o caminho a ser seguido. Em editorial, o Jornal Diário do Grande ABC assim se manifestou: "A Prefeitura de Santo André está enveredando por um caminho obscuro ao dar livre curso à idéia de eliminar, pura e simplesmente, o gerenciamento do transporte coletivo na cidade, mas sem oferecer qualquer alternativa a esse sistema e sem tocar na questão – também relevante – da privatização da Empresa Pública de Transporte".4 4 Diário do Grande ABC, 8.8.1993. A privatização da EPT era defendida abertamente pelo jornal Diário do Grande ABC, que já há muitos anos havia consolidado posição contrária às empresas públicas de transporte. O Governo Brandão sempre se posicionava de forma evasiva em relação a este assunto, a despeito de na campanha ter deixado transparecer que privatizaria a empresa. Em 17.8.1993, a Prefeitura publica o Decreto nº 13.199, que, em linhas gerais, estabelece o retorno à remuneração pela tarifa para as empresas operadoras do sistema e chamava para a EPT a exclusividade na comercialização de vales-transporte e passes escolares. No anúncio da medida, o Secretário de Transportes fez questão de frisar que o Decreto não alterava em nada o sistema, a não ser a forma de remuneração: "Não será alterado nada, linhas, itinerários, horários; não será tirado nenhum carro da linha".5 5 Entrevista de José de Araújo, Secretário de Transportes, in: Diário do Grande ABC, 18.8.1993. Estava claro o objetivo de não passar a idéia de que estavam sendo desmontados o modelo de gerenciamento e a rede de serviço que tinham trazido a qualidade ao serviço de transporte na cidade. A intenção da Administração era licitar as linhas, estabelecendo um novo contrato de permissão respaldado no recém instituído Regulamento de Operação do Serviço Público Essencial de Transporte Coletivo Urbano de Santo André, instituído pelo novo Decreto, para que a partir de 22 de setembro (data do encerramento dos contratos) pudesse ser assinado o novo ajuste. Na prática, porém, as coisas se deram de outra forma. Primeiro, a oferta de serviço, como já assinalamos, já havia sido reduzida logo no primeiro momento. Segundo, encerrado o gerenciamento pela receita pública, uma série de mecanismos de controles criados para aferir o cumprimento dos contratos, tendo em vista a medição dos parâmetros para efetuar o pagamento, deixaram de fazer sentido e foram gradualmente abandonados. A manutenção de uma estrutura pesada e cara de acompanhamento do serviço, apenas para verificação das empresas operadoras, não era meta de um Governo que só pensava em promover corte de gastos para equilibrar as finanças internas. Além do mais, tanto na direção da Secretaria de Transportes quanto no órgão de gestão (DTP), e mesmo na EPT, assumiram pessoas totalmente estranhas ao setor de transporte público. A composição de Governo que o Prefeito construiu implicava um acordo pré-eleitoral com o PMDB, onde este partido indicou o vice-prefeito na chapa da coligação e ficaria com a Secretaria de Transportes, em caso de vitória. Assim foi feito, de maneira que a Secretaria de Transporte era um reduto do PMDB em um Governo do PTB. Já em 1997, respondendo à acusação de omissão que a nova administração havia lhe impingido, o Prefeito Newton Brandão deixa claro os termos do acordo com o PMDB: "Não houve omissão. Eu dei os cargos para o PMDB e praticamente não tive grande influência na empresa".6 6 Diário do Grande ABC, 24.1.1997. Essa situação política explica parcialmente a apatia do Prefeito em relação ao tema, que só se empenhou em cortar os subsídios ao serviço e mais nada. Por outro lado, os dirigentes do PMDB utilizaram a Secretaria como uma extensão do partido, distribuindo seus cargos de direção dentre os militantes e membros de seu Diretório Municipal, sem nenhuma preocupação com a afinidade técnica do indicado com a atribuição que lhe seria confiada. O resultado foi uma gestão opaca, sem iniciativas, assombrada todo o tempo pela falta de apoio do Prefeito, o que transmitia insegurança aos seus condutores, levando à paralisia do governo. Os dados confirmam o diagnóstico, enquanto em dezembro de 1992 (último mês da gestão do PT) existiam 96 servidores de carreira envolvidos diretamente com a gestão do serviço – entre fiscais, controladores e motoristas. Em dezembro de 1996 (último mês da gestão Brandão) eram apenas 38 (40% do total); os demais sequer estavam no órgão de gestão, ou saíram da Prefeitura (menor parte) ou estavam em desvio de função em outras áreas do Governo.7 7 Fonte: Levantamento feito junto ao antigo Departamento de Transporte Público, em maio/97. Em relação a EPT permanecia a ambigüidade: ora o Secretário se manifestava acenando com a possibilidade de privatizar algumas linhas e o Prefeito silenciava; ora era o Prefeito que se declarava favorável à privatização total e o Secretário se recolhia. A propósito do tema, em editorial, o jornal Diário do Grande ABC assim se manifestou em novembro de 1993: Em que pese a indefinição que vem caracterizando todas as suas ações à frente da Prefeitura, o sr. Newton Brandão parece ter certeza de que não há outra saída para a Empresa de Transportes Públicos que não sua extinção. Em entrevista ao Diário, publicada no último domingo, o prefeito de Santo André admitiu não apenas que não está mais destinando verbas ao setor de Transporte, mas também que não dispõe de recursos para pagar a desapropriação da Viação Vila Alpina, o que fatalmente implicará na devolução aos seus antigos donos.8 8 Diário do Grande ABC, 3.111993. Bravatas à parte, o Sr. Brandão não apenas pagou a desapropriação da Viação Alpina, realizada na administração de Celso Daniel, como a pagou dando margens a questionamentos de débitos por parte do proprietário. Quanto à EPT, nada foi feito, a não ser manter fechadas as torneiras da Prefeitura aos insistentes pedidos de subvenção para investimentos que a empresa fazia ao Governo, para renovação de sua frota. Já em fevereiro de 1994, o Secretário de Transportes solicitava aporte de recursos da Prefeitura para aquisição de 30 novos ônibus à Empresa Pública, necessária à renovação de sua frota para a redução dos custos operacionais e também para melhoria da eficiência no cumprimento de horários e viagens programadas. Após longo processo de negociação, o Prefeito liberou a compra de apenas sete ônibus, que foram os únicos adquiridos pela EPT durante todo o Governo. A despeito do sucateamento da empresa pública, o sistema tarifado voltou a recuperar algum prestígio. Pesquisa do IMES sobre qualidade de serviços, realizada na região e publicada pelo jornal Diário do Grande ABC, apontava, no final de 1993, o serviço de transporte como o segundo pior da cidade. No final de 1994, a mesma pesquisa apontava o serviço de transporte com uma avaliação média (nem entre os melhores nem tampouco entre os piores).9 9 Diário do Grande ABC, 2.11.1993 e 29.11.1994. O periódico Folha de São Paulo, no início de 1995, divulga pesquisa de serviços de seu instituto em que o transporte aparece como uma das áreas de melhor desempenho da Prefeitura.1 10 Jornal Folha de São Paulo, 12.1.1995.0 Em 1996, durante a campanha eleitoral, o tema não suscitava nenhuma grande emoção, exceto com relação à EPT, que, de fato, teve um sucateamento que a distinguiu em relação às demais empresas operadoras de transporte pela má qualidade dos serviços que prestava. Contribuiu bastante para derrubar, ainda mais, a imagem da Empresa Pública, denúncias que começaram a surgir no início de 1995, de desvios de vale-transporte que eram comercializados pela empresa. Estas denúncias ensejaram a instalação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara Municipal e, em junho de 1996, após contratar auditoria independente e colher mais de 30 depoimentos, constata que foram reaproveitados de forma irregular no sistema entre fevereiro e dezembro de 1993 perto de 830 mil passes, além de uma série de outras irregularidades decorrentes da fragilidade interna dos controles na Empresa. Tudo isso acontecia em um contexto regional em que tanto a Empresa de Transporte Coletivo de São Bernardo – ETC, quanto a Empresa de Transporte Coletivo de Diadema – ETCD eram constantemente trazidas à mídia, envolvidas em escândalos (caso de São Bernardo) ou com déficits que exigiam repasses da Prefeitura (caso de Diadema), criando um clima de absoluta intolerância diante da manutenção destas empresas. Essa era a herança que a administração Brandão deixava em relação ao transporte público, para o debate eleitoral, e que teve reflexos importantes na definição do programa de governo do PT e, acima de tudo, nas decisões e nos encaminhamentos tomados logo no início da nova gestão, em 1997. 5.2 O programa de governo do PT A elaboração do Programa de Governo para a disputa eleitoral de 1996 se constituiu em um esforço interno no PT de Santo André, com características bastante interessantes. Para além do seu objetivo principal, de elaboração de diagnóstico e propostas de políticas públicas, a discussão do programa de governo teve um aspecto mobilizador da militância do Partido, fundamental para a campanha que se avizinhava. No geral, as primeiras reuniões internas começaram no final de 1995, para avaliação da gestão anterior e discussão de diretrizes de trabalho. No início de 1996, os grupos já estavam consolidados e discutindo diagnóstico. Os dados da administração em curso eram obtidos pela participação de técnicos da Prefeitura, simpatizantes ou filiados do PT, nas discussões. O primeiro diagnóstico produzido pelo grupo de trabalho de transporte dava conta de uma extensa deterioração dos serviços. O número de linhas foi reduzido em 5,12%. As viagens programadas nos dias úteis caíram 6,96%; aos sábados a redução chegava a 10,78% e no domingo era de 15,9%. Na média, a redução de viagens era de 10,6%. Apontava-se ainda uma queda de demanda de 11,3%, a que se atribuía a precariedade do serviço e conseqüente migração de passageiros a outros modais ou mesmo ao sistema intermunicipal. A idade média da frota havia passado de 3,5 anos para 4,4, um aumento discreto no cômputo global, mas totalmente creditado ao envelhecimento da frota da Empresa Pública. A EPT merecia um capítulo à parte no diagnóstico do PT. Sua situação era apresentada como crítica. Os dados apresentados mostravam redução da frota programada de 5,4%; das viagens programadas de 8,9%; de passageiros de 14,4%; aumento da idade média da frota de 3 anos para 7,5 anos. Constatava-se ainda redução dos indicadores de desempenho operacional, o índice de cumprimento de viagens que era de 99,28% caiu para 92,75%. Os problemas verificados na EPT eram creditados a alterações no sistema que deliberadamente reduziam a rentabilidade da empresa, à ausência de investimentos na renovação da frota, a falhas de gerenciamento que aumentavam o absenteísmo na empresa e ao montante da sua dívida, que inviabilizava uma gestão economicamente racional. Com base nestes indicadores e na conjuntura eleitoral apontada pelas pesquisas, de que o serviço de transporte, embora houvesse um reconhecimento de que havia piorado, não estava dentre os piores, nem tampouco amalgamava insatisfações populares, o PT construiu o seu programa de governo para o setor. O compromisso principal era resgatar a qualidade do serviço de transporte, qualificada como: proximidade e conforto nos pontos de embarque de ônibus, tempo de espera reduzido e confiabilidade na prestação do serviço; viagem com conforto, ou seja, sem apertos, solavancos e com segurança; tempo de viagem reduzido, com a realização do percurso no menor tempo possível; e ampla divulgação do conjunto das informações necessárias ao consumo do serviço. Além deste, reafirmava-se a questão da tarifa real, afirmava-se a EPT como instrumento importante do controle público do sistema de transporte e propunha-se a implementação de parcerias com a iniciativa privada e setores da sociedade civil na busca de alternativas para o transporte coletivo.1 11 Programa de Governo Celso Daniel, Prefeito, 1996.1 Como ações concretas, propunha-se retomar a remuneração por serviço prestado (pagamento por quilômetro rodado), só que desta feita com a receita sob controle de uma Câmara regulada pela Prefeitura, mas com a participação dos empresários e dos usuários e sem subsídios; garantia da participação popular na concepção e implantação da política de transporte; equilíbrio financeiro à EPT e reorientação da atuação pública para o seu caráter estratégico de regulação; além de outras propostas. O Programa de Governo do Prefeito Celso Daniel literalmente fugiu da questão sobre o que fazer com a EPT. De fato, as informações obtidas para o diagnóstico não se mostravam confiáveis a ponto de se assumir um caminho mais claro a ser seguido. No âmbito do grupo de trabalho, o assunto foi polêmico e gerou inúmeros embates de natureza técnica e de conteúdo ideológico. Há registro de documentos escritos por militantes e levados ao grupo para embasar a discussão tanto defendendo a existência da empresa pública operadora como declarando-a dispensável. As questões que se colocavam e que suscitaram divergências foram com relação ao modelo de gestão, em que uma parte defendia o retorno à receita pública, argumentando que o seu pecado original de levar ao subsídio não era uma inexorabilidade, mas poderia ser evitado, enquanto outra corrente advogava pelo controle público no modelo tarifado, por considerar a receita pública ligada necessariamente ao subsídio. Outra questão foi quanto à manutenção ou não da EPT. Alguns achavam que a manutenção de uma empresa pública operando parte do sistema ainda era fundamental como elemento de informação e controle de custos e como braço operacional para a atuação direta no sistema. Outros consideravam que o acúmulo de gestão no serviço de transporte existente, hoje combinado com novas tecnologias de controle, tornavam dispensável a manutenção de uma empresa operadora para uma gestão rigorosa do serviço de transporte público. Não resolvidas no âmbito do grupo, as divergências foram levadas à Coordenação do Programa de Governo, que optou por tomar posição com relação ao modelo de gestão pela remuneração por serviço prestado (com uma nova fórmula que buscasse evitar o subsídio) e por dar à EPT uma formulação ambígua, que permitiria tanto a sua manutenção como operadora do sistema (no tamanho que estava, maior ou menor) quanto a eliminação da operação pública. 5.3 A gestão do transporte público no segundo Governo de Celso Daniel Ao assumir a Prefeitura Municipal pela segunda vez, o engenheiro Celso Daniel tinha claro um conjunto de prioridades que pretendia levar a efeito neste novo governo e que estavam resumidas na frase que introduz o seu programa de governo: "Um compromisso de campanha e um compromisso de governo: transformar Santo André numa cidade agradável".1 12 Programa de Governo Celso Daniel, Prefeito, 1996, p. 11.2 A concepção geral da proposta de governo estruturava a ação em torno de cinco eixos considerados prioritários: desenvolvimento econômico municipal e regional capaz de gerar renda e emprego; participação popular, por intermédio de canais democráticos de relação entre a Prefeitura e a comunidade; melhoria da qualidade e da eficiência dos serviços públicos, através da modernização administrativa da máquina da Prefeitura; construção de uma cidade agradável para todos os moradores, com base na oferta de serviços públicos de qualidade; prioridade à educação, como direito fundamental para o exercício da cidadania e como condição indispensável para o acesso e permanência no mercado de trabalho. Para levar a efeito o novo Programa de Governo, o Prefeito empreendeu, logo no início do mandato, uma reforma administrativa que reorganizou institucionalmente a Prefeitura. Com a Lei nº 7.469, de 21.2.1997, a Secretaria de Transporte é extinta junto com várias outras e surge uma nova unidade administrativa denominada Secretaria de Serviços Municipais, que funde as atribuições da antiga Secretaria de Transportes (exceto o controle da frota interna da Prefeitura) com a Secretaria de Obras e Serviços Públicos. O objetivo declarado do Governo com esta mudança era ganhar agilidade nos aspectos relativos a obras e manutenção da cidade, tendo em vista a meta de alcançar o conceito de cidade agradável. A EPT ficou subordinada a esta Secretaria, assim como o DTP (órgão gestor do serviço de transporte público). A partir daí, iniciaram-se os estudos para a realização daquela que seria a primeira ação de grande impacto do Governo junto à opinião pública: o novo sistema de transporte apresentado em julho de 1997 com o nome de "onda azul". 5.3.1 A Privatização da EPT e a Onda Azul Desde a proclamação do resultado eleitoral, e ainda antes da posse, que a situação da EPT começou a ser cobrada do recém eleito Prefeito. Diário do Grande ABC, 25.10.1996. Um diagnóstico mais apurado da situação começou a ser elaborado, sem que estivesse muito claro ainda o caminho a ser seguido. Com base nos relatórios que foram produzidos, logo no início do ano, sobre a situação da empresa, ficou claro que o problema era ainda mais grave que aquele que se apresentara quando da elaboração do Programa de Governo. A dívida total da empresa chegava a R$ 10 milhões, que era basicamente fiscal (INSS, COFINS, FGTS, ISS, além de outros) e de processos judiciais trabalhistas que a EPT vinha postergando o pagamento, muitos deles, todavia, já com penhora de bens. Relatório Interno da Prefeitura de Santo André sobre a situação financeira da ept, janeiro/97. Embora elevada, a dívida não era o maior problema da empresa, pois a maior parte dela era de longo prazo, com negociações já estabelecidas e parcelamentos bastante satisfatórios que poderiam ser absorvidos dentro da estrutura de receita da empresa. O grande problema era o desequilíbrio mensal de caixa. A empresa tinha uma receita aproximada de R$1,3 milhão e apresentava despesa de R$ 1,5 milhão, gerando um déficit mensal de 200 mil, que a cada ano estaria impulsionando o montante da dívida em quase 25%. O diagnóstico deste desequilíbrio estrutural é que foi determinante no encaminhamento das alternativas de solução. Um estudo elaborado pela Secretaria de Serviços Municipais, utilizando a planilha de cálculo tarifário para remuneração do sistema, lançou os custos reais de operação da EPT para tentar localizar a natureza do desequilíbrio financeiro. Este trabalho demonstrou que o custo real por passageiro na EPT era 19,7% maior que o remunerado pela tarifa, e isso ocorria basicamente nos gastos com pessoal de operação, nas despesas administrativas, nas despesas de manutenção e nos gastos com combustível. No item despesas gerais de administração, o valor remunerado pela tarifa era 123,19% menor que o efetivamente praticado pela EPT; no item pessoal de operação, o valor remunerado era 16,3% menor que o gasto pela EPT. Isso ocorria porque a estrutura administrativa da EPT era pesada demais se comparada às empresas privadas que operavam o serviço de transporte e no caso do pessoal de operação porque os salários e benefícios pagos aos funcionários da empresa pública eram diferentes dos aplicados no mercado. Constatada estas distorções, um novo estudo foi produzido, comparando os salários pagos na EPT com os remunerados na iniciativa privada, e o resultado mostrou que os motoristas recebiam 6,9% a mais; os cobradores 7,0% a mais; os fiscais 95% a mais; o mecânico montador 52% a mais; o oficial mecânico, 84% a mais; o oficial eletricista 88% a mais; o auxiliar administrativo 113% a mais; o assistente de pessoal 185% a mais; dentre outras distorções menores. O corpo administrativo da EPT era robusto e caro por ter que arcar com uma estrutura típica de empresa pública, como ,por exemplo, a estrutura para compras através de licitações e a estrutura de contratações de pessoal através de concurso público, além de uma série de outras pequenas exigências que, para serem cumpridas, exigiam reforço na área administrativa não remunerado na planilha do sistema. As despesas com a manutenção da frota, efetivamente realizada pela EPT, eram 52,38% maiores que o valor remunerado pela planilha. Isso se devia basicamente à idade avançada da frota, com vários veículos precisando ser substituídos e a uma gestão inadequada do almoxarifado de peças de reposição. A necessidade de comprar mediante licitação exige dos fornecedores qualificações que encarecem o produto, além de obrigar a empresa a ter que manter estoques elevados com uma grande mobilização de capital aplicado em peças. No item gasto com combustíveis, o dispêndio da EPT era 20% maior que o valor remunerado pela tarifa, problema este creditado também à idade avançada da frota e seu péssimo estado de conservação, mas também a suspeitas de uma gestão inadequada do estoque e dos controles de abastecimento. Todos estes elementos somados a um elevado índice de absenteísmo (na iniciativa privada 3%, na EPT 5,9%) e um excessivo número de horas extras explicavam, de maneira bastante racional, o desequilíbrio econômico e financeiro da empresa. A questão a ser resolvida, portanto, era o que fazer para intervir nesta situação. As opções que se colocavam eram três: privatizar a operação dos serviços de transportes da empresa, mantendo-a como gerenciadora do serviço na cidade, e com isso eliminando o DTP; privatizar a operação e liquidar a empresa ou injetar recursos para reequilibrar a empresa e mantê-la como operadora do serviço. Para o Governo, resolver a questão da EPT era fundamental, pois a dívida existente, e que se somava a cada mês, tornava a situação cada dia mais preocupante. Por outro lado, era necessário apresentar um projeto mais amplo de melhorias no transporte que recuperassem a qualidade do serviço. Isso exigiria ampliação e renovação da frota além de uma intensa fiscalização. A Secretaria não considerava viável impor aos 2/3 de operação privada na cidade um padrão de exigência que 1/3 do público não poderia cumprir. Portanto, o equacionamento da crise na EPT estava no caminho crítico da melhoria mais global no serviço de transporte público da cidade. Havia ainda uma outra questão que indiretamente pressionava por uma rápida solução quanto à definição dos rumos da política de transporte na cidade. Desde meados de 1996, começou a se estruturar e funcionar clandestinamente um serviço de transporte por meio de kombis que, sem nenhuma regulamentação, operavam linhas no vácuo das fragilidades institucionais do órgão gestor e da precariedade do serviço oferecido. A opção do Governo era clara pela via do transporte regulamentado sem espaço para este tipo de operação, entretanto, o combate ao perueiro (como era chamado) exigia respostas no campo da melhoria do serviço e não apenas nas ações de repressão. A situação do caixa da administração também influenciava no caminho a ser percorrido. De uma maneira geral, a situação financeira da Prefeitura era muito delicada. No final do governo Brandão, foi concedido um grande reajuste de salários a todos os funcionários, pagos de maneira parcelada, de forma que o impacto global do aumento só se verificaria no início do novo governo. Esta armadilha financeira deixou o governo que se iniciava em uma delicada situação, pois o custeio da Prefeitura passou a representar mais de 100% da arrecadação. Sem recursos para investimentos, restava à administração de Celso Daniel poucas alternativas para buscar um equacionamento de médio prazo para a situação econômica da Prefeitura. Essa situação levaria o Governo a tomar medidas duras, como demitir aproximadamente 500 servidores não estáveis e promover redução de salário com a correspondente redução da jornada de trabalho de todos os servidores estatutários. Diante desse quadro, a alternativa da EPT de receber recursos do orçamento para se reestruturar, na verdade só existia no campo teórico. Restavam, portanto, apenas duas alternativas a serem consideradas de verdade. Para escolher entre elas a definitiva, pesaram duas questões: uma de natureza técnica e outra de natureza política. Tecnicamente, privatizar as linhas da EPT e liquidar a empresa significaria assumir um certo nível de endividamento que sobraria da EPT e teria que ser administrado pelo Governo, que responderia por todos os seus débitos até estes estarem integralmente liquidados. Como já vimos, uma grande parte das dívidas com impostos poderiam ser estendidas em longo prazo. Politicamente, se já seria uma grande dificuldade convencer o Partido da necessidade de promover a privatização das linhas da EPT, explicar-lhes que junto com isso a EPT estaria sendo liquidada representava tarefa inglória e desnecessária. A manutenção da EPT como uma empresa exclusivamente voltada à gestão do serviço de transporte coletivo, por todos os ângulos, parecia ser a melhor alternativa. Primeiro, porque manteria a empresa no cenário institucional cumprindo um novo papel, fortalecida pela condição de gerenciar todo o sistema (na prática a empresa deixaria de operar diretamente 33% do sistema para controlar 100%). Segundo, porque, mantida a EPT, seria possível a ela administrar o seu passivo no tempo sem necessitar de dispêndio financeiro, uma vez que novas fontes de recursos poderiam ser buscadas para viabilizar a nova empresa. Terceiro, porque do ponto de vista político não se caracterizaria um recuo na condução da política pública, mas sim uma mudança de rota, mantido o principal, que é o controle público do serviço de transporte e a garantia do máximo de qualidade com a menor tarifa aos usuários. Paralelamente as discussões desenvolvidas no núcleo central do Governo, a direção da EPT começou a compor uma quarta proposta que manteria a EPT operadora com apenas 5 linhas e uma frota de 55 ônibus (as linhas mais rentáveis); as outras 4 linhas e uma frota de 35 ônibus seriam privatizadas. Essa alternativa ganhou corpo internamente na EPT, mas não se sustentou no Governo por não conseguir responder às necessidades de novos investimentos que a Secretaria de Serviços Municipais exigia para a reformulação do sistema. A sobrevida da EPT seria conseguida às custas de um sacrifício na qualidade global do serviço de transporte público da cidade, o que era inaceitável. Com uma visão mais clara acerca das alternativas e dos problemas que cada uma das possibilidades encerrava, o Governo passou a fazer contatos com segmentos políticos e sociais no sentido de testar as hipóteses e ouvir outras opiniões, para balizar sua decisão. Assim, foram realizadas sucessivas reuniões para discutir o problema e incorporar sugestões. No final de janeiro, conversou-se com o Deputado Estadual do PT na cidade, em seguida reuniu-se a Executiva Estadual e uma parte da Executiva Nacional do PT. Na seqüência, logo no início de fevereiro, o Prefeito de Santo André convoca uma reunião do Conselho Político – instância que reunia a Direção executiva do Partido na cidade e a bancada de vereadores do PT. Nesse encontro, apenas dois vereadores fizeram ressalvas à alternativa de privatizar a operação das linhas e manter a EPT como gestora dos serviços. Os demais se dividiram entre aqueles que acreditavam e apoiavam a idéia da privatização e os que se conformavam com a alternativa por não ver outra solução melhor. Além destes, outros segmentos foram ouvidos antes da decisão definitiva ser anunciada. Merecem destaque, nessa análise, o setor patronal – AETC, e o setor dos trabalhadores – Sindicato dos Rodoviários do ABC. Sondar os empresários do setor acerca da possibilidade de privatizar as linhas operadas pela EPT era algo necessário para que o Governo pudesse dimensionar a proposta que pretendia levar adiante em relação ao conjunto do sistema. Não interessava à Prefeitura apenas resolver o problema do déficit da EPT, ou mesmo equacionar a operação de suas linhas. Era imprescindível uma proposta mais ampla de melhoria no serviço, que desse conta de recuperar a qualidade perdida no sistema. Para tanto, seria fundamental negociar um aumento da frota operacional para dar mais qualidade às linhas com horários apertados; recuperar o serviço noturno, que havia sido suprimido no início de 1993, aumentar o número de viagens nos finais de semana e renovar uma parte da frota do sistema. O Governo sabia que a privatização das linhas da EPT interessava aos empresários e queria tirar o máximo proveito desse interesse para qualificar o serviço de uma maneira mais ampla. Com os trabalhadores a questão era mais política. Os rodoviários estiveram ao lado do Prefeito na intervenção da Viação Alpina e na defesa do modelo de gestão pela receita pública em seu primeiro governo. Além disto, historicamente, estes estiveram alinhados com a política implementada pelo PT. Por outro lado, ainda, numa situação de privatização da EPT e a necessária desmobilização de um grande contingente de trabalhadores, contar com o apoio das lideranças sindicais facilitaria em muito o processo. Feito os contatos com os empresários, o resultado foi melhor do que o esperado. O desejo de se mostrarem "parceiros" do Governo sinalizava possibilidades ainda mais amplas que aquelas imaginadas em princípio. Com o Sindicato dos Rodoviários foi mais difícil. A diretoria estava dividida: uma parte apoiava a proposta, desde que se estabelecesse que a empresa operadora das linhas da EPT mantivesse a base sindical no ABC, e de que fosse garantido o direito trabalhista dos funcionários (inclusive as prerrogativas de estabilidade dos trabalhadores com delegação representativa). A outra parte da diretoria era contra, por princípios, e prometia protestar. Elaborados todos os contatos julgados necessários pelo Governo, este se reuniu e definiu pela privatização das linhas da EPT e manutenção da EPT como gestora do sistema com a conseqüente extinção do DTP da administração direta. A concessão das linhas da EPT seria feita de maneira heterodoxa.Pela primeira vez no Brasil se faria uma concessão onerosa para o serviço de transporte coletivo urbano, ou seja, a empresa vencedora da licitação teria que desembolsar o equivalente a 7 milhões de reais de pagamento pela outorga da concessão, além de assumir a responsabilidade do pagamento mensal de uma taxa ao órgão gestor e realizar investimentos na compra de uma frota zero quilômetro já ampliada. A concessionária assumia, ainda, a responsabilidade por absorver todos os funcionários operacionais, que quisessem evidentemente, vinculados ao serviço, com salários de mercado e estabilidade assegurada por seis meses. A concessão seria para um prazo de cinco anos, prorrogáveis por igual período. A EPT, por sua vez, responsabilizar-se-ia pela demissão e indenização dos seus funcionários, para que fossem admitidos na nova empresa sem passivo trabalhista. Desenhado o modelo da Concessão, a Prefeitura anuncia, no dia 5 de fevereiro de 1997, exatamente 35 dias depois de tomar posse, a decisão pela privatização das linhas da EPT e as mudanças decorrentes na gestão do serviço de transporte em Santo André. O tempo, absolutamente recorde, com que o Governo se apropriou das informações, montou os cenários possíveis, consultou os atores sociais envolvidos e tomou a sua decisão, pondo-se a operacionalizá-la, é algo que certamente mereceria um estudo à parte. Dentro das limitações desse trabalho e focado exclusivamente no processo de tomada de decisão, vale a pena tecer alguns comentários a respeito, que podem em alguma medida explicar a eficácia do processo de decisão, algo tão incomum no setor público. O primeiro elemento a ser considerado é a experiência. Celso Daniel já tinha exercitado o mandato de Prefeito na cidade, portanto, já possuía experiência acumulada suficiente para saber por onde deveria se guiar para tomar uma decisão desse porte, o que era importante como referência a ser observada, os cuidados que deveriam ser tomados e os atalhos que teriam que ser percorridos para evitar discussões evasivas que não agregariam valor ao processo, tumultuando-o. Outro elemento importante é a legitimidade política que a vitória eleitoral lhe havia assegurado. Celso Daniel ganhou as eleições no primeiro turno, com mais de 60% dos votos válidos, um resultado espetacular em um período em que o PT teve um péssimo resultado nas urnas, principalmente no Estado de São Paulo. Perdendo as eleições em várias cidades importantes no Estado, a cidade de Santo André acabou se transformando na grande vitrine do PT no Estado, sendo a maior cidade administrada pelo Partido. Isso garantiu a Celso Daniel interlocução facilitada nas instâncias de direção partidária em nível estadual e nacional e o respeito e atenção das lideranças do Partido. Na cidade, o Prefeito é a grande figura do Partido, respeitado e admirado inclusive por seus adversários. Celso Daniel garantia folgada maioria no Diretório Municipal e sossegada margem de apoio na Câmara Municipal. Junto às lideranças sociais, o prestígio do Prefeito não era menor. Sua ponderação e segurança, combinados com a ousadia característica de suas ações, conferiam ao mesmo um grande patrimônio de credibilidade que alinhava a sociedade a seu favor, mesmo nos embates mais difíceis (como veremos um pouco mais à frente, ao analisarmos a questão dos perueiros, ou mesmo no polêmico episódio das demissões). No setor empresarial, o temor em relação à Administração do PT já havia sido superado, os empresários demonstravam muita disposição em se relacionar com a nova administração e se apresentarem como "parceiros" confiáveis ao Governo. A maneira clara e transparente com que se estabelecia a relação entre o Poder Público e o setor empresarial com a discussão franca sobre os interesses de cada uma das partes cativou os empresários que começaram a ver vantagens nesse modelo de relação, mais segura e sujeita a menos percalços políticos. Além disso, eles queriam demais a privatização das linhas da EPT e estavam dispostos a fazer sacrifícios por isso (como, por exemplo, abrir mão de algo que para eles sempre foi fonte de lucro extra, que era obter as concessões, de forma gratuita, do Poder Público). No campo popular, não havia nenhuma mobilização específica voltada à questão do transporte, nem nenhuma entidade (ou conjunto de entidades) que se apresentasse para representá-los. A AUTC havia se esvaziado totalmente durante o primeiro governo do PT e não mais se articulou. Nada surgiu em seu lugar, de maneira que o atendimento dos interesses do usuário significava a melhoria do serviço oferecido, sem nenhum outro componente de conteúdo ideológico. No segmento dos formadores de opinião, a situação era ainda mais favorável. Durante quase todo o período que precedeu a Administração que se iniciava, a imprensa local trabalhou no sentido de formar uma opinião hegemônica contra as empresas públicas de transporte criadas pelo PT. Para colaborar ainda mais nessa direção nos anos de 1995 e 1996, essas empresas (EPT incluída) ofereceram um “prato cheio” para seus opositores, com denúncias de malversação de dinheiro público, desperdícios, empreguismo e incompetência administrativa. Tudo isto favoreceu à construção de um clima geral favorável à extinção destas empresas. O primeiro ato formal na direção de implementar a decisão tomada foi a expedição do Decreto nº 13.843, de 24.2.1997, que autorizou a EPT a realizar a concessão das linhas, e o Decreto nº 13.853, de 11.3.1997, dispondo sobre as diretrizes básicas que regeriam a concessão das linhas da EPT. No dia 25 de fevereiro foi publicada a convocação de audiência pública preliminar ao processo de concessão, nos termos da legislação federal sobre o tema. A audiência ocorreu no dia 12 de março e no dia 7 de abril. A licitação foi publicada, com abertura prevista para o dia 26 de maio. Nesse ínterim, ocorreu um fato que veio repercutir posteriormente no encaminhamento da licitação. Ao assumir a EPT, a Secretaria de Serviços Municipais encontrou uma empresa operando uma frota de 70 ônibus. Embora existissem na empresa 95 veículos, 10 estavam irremediavelmente fora de operação e outros 15 tinham condições muito precárias de circulação. Relatório de condição da frota ept, janeiro 1997. A programação em curso nos meses de janeiro e fevereiro para todas as empresas, autorizadas pelo órgão gestor era uma programação especial, reduzida em decorrência das férias escolares e do refluxo normal de movimento nesta época do ano. Entretanto, o DTP já tinha em mãos, no início de fevereiro a nova programação a ser iniciada em março e discutia com as empresas as ordens de serviço. No caso das nove linhas operadas pela EPT, a nova programação implicaria um aumento de 15 ônibus em operação, ou seja, a EPT teria que colocar na rua uma frota de 85 veículos para dar conta da programação estabelecida pelo DTP. A EPT declarou-se sem condições de colocar a frota solicitada na rua. Para garantir confiabilidade na operação, só daria para contar com 70 ônibus. Isso introduziu um problema novo que precisou ser equacionado. A solução encontrada foi fazer uma permissão emergencial, com dispensa de licitação de 2 das 9 linhas da EPT com uma frota vinculada de 15 ônibus. Com relação a qual empresa faria a operação destas linhas, a proposta do DTP foi utilizar a reserva técnica das seis empresas que operavam na cidade, constituindo um lote de 15 veículos e operando estas linhas em consórcio, pois não haveria tempo hábil, nem interesse empresarial, em realizar investimentos na aquisição de um lote de veículos para prestação de um serviço em caráter emergencial por tão pouco tempo. Nesse sentido, a Prefeitura publicou o Decreto nº 13.842, em 21.2.1997, autorizando a EPT a efetuar a permissão, por 180 dias, das duas linhas em caráter precário e emergencial. Atendendo ao encaminhamento do órgão gestor, as empresas se consorciaram, disponibilizando veículos ao lote na proporção da sua participação no sistema e iniciando a operação no dia 1.3.1997. Diário do Grande ABC, 20.2.1997 e 1.3.1997. A partir da publicação do edital de concorrência e de sua efetiva disponibilização aos interessados, foi possível aferir o efetivo interesse do mercado no negócio que estava sendo proposto pela Administração Municipal. Os registros que constam no processo de licitação, aberto na EPT sob o título CP nº 01/97, demonstram que a audiência pública realizada em 12 de março, apesar de apresentar as condicionantes básicas da licitação, não gerou maiores controvérsias. A respeito, apenas um registro na imprensa dava conta da surpresa dos empresários em relação ao valor proposto para a concessão das linhas, mas nenhum obstáculo era apontado na realização do certame nos moldes propostos. Apesar de considerarem o preço absurdo, os empresários não abriram mão de participar da licitação para a concessão das linhas. “As empresas que já trabalham com transporte na região estão estudando, mas é claro que todas têm interesse. Até para que haja uma extensão do trabalho já desenvolvido”, afirmou FERREIRA. Segundo ele, todas, sem exceção, entrariam no processo de concorrência. Jornal Diário Popular, 14.3.1997. Iniciada a venda dos editais, 35 empresas demonstraram interesse em conhecer os termos da licitação, comprando o edital, que previa uma vistoria técnica obrigatória para conhecimento das condições do sistema de transporte em Santo André, prevista para o dia 18 de maio, compareceram a esta vistoria 15 empresas. No dia 19 de maio, duas empresas protocolizaram impugnações ao edital à Comissão de Licitações da EPT, solicitando a suspensão da concorrência e a reformulação do edital, por considerarem-no extremamente restritivo. A EPT julgou indevidas as impugnações, comunicou às empresas e deu continuidade ao processo. Antes da data prevista para abertura dos envelopes, as mesmas duas empresas se manifestaram contra o prosseguimento da licitação na Justiça, solicitando liminar para suspender o processo. Coincidentemente, as duas impetraram mandados de segurança no mesmo dia 23 de maio, no fórum de Santo André. No dia 25 de maio, através da imprensa, um vereador da oposição ao Governo na Câmara Municipal declara que iria protocolizar pedido junto ao Tribunal de Contas para que este avaliasse o processo e suspendesse a licitação, por considerar que existiam vícios no edital que impossibilitariam a concorrência. Jornal Diário Popular, 25.5.1997. Nem a Justiça nem o Tribunal de Contas entenderam estar presentes argumentos que motivassem a suspensão da licitação nos termos propostos pelos impetrantes. Posteriormente, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em Sessão Ordinária realizada no dia 3 de março de 1998 e publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 11.3.1998, julgou irregular a concorrência pública e o contrato dele decorrentes e estabeleceu prazo para apresentação de defesa das partes, situação esta que se encontra, atualmente, ainda sem sentença definitiva. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 11.3.1998. No dia previsto em edital, a EPT realizou a audiência de abertura de envelopes, recebendo apenas duas propostas. Uma da empresa Arclan – Serviços, Transporte e Comércio Ltda., e outra do Consórcio Nova Santo André. Ainda na fase habilitatória, a Comissão de Licitações da EPT considerou as duas empresas habilitadas a prosseguir a licitação, entretanto, em razão de recurso interposto pelo Consórcio Nova Santo André contra a habilitação da empresa Arclan, a Comissão de Licitações decide, em reunião do dia 12.6.1997, reconsiderar a sua decisão e à luz dos argumentos apresentados considerá-la inabilitada para prosseguir no processo licitatório (o Consórcio Nova Santo André identificou que a Arclan havia entregue um dos documentos exigidos no edital fora do prazo estipulado). Aberto o envelope com a proposta técnica da única empresa habilitada no processo, homologou-se e adjudicou-se o objeto da licitação à Expresso Nova Santo André Ltda. (empresa criada a partir do Consórcio Nova Santo André), tendo o seu contrato assinado em 3.7.1997. A Expresso Nova Santo André foi uma empresa criada para dar personalidade jurídica ao Consórcio vencedor da licitação. A nova empresa era formada pelas cinco empresas privadas que operavam na cidade (na verdade todas, pois exerciam suas atividades na cidade seis empresas privadas, porém, duas delas pertenciam ao mesmo empresário) e mais a empresa Auto Viação ABC Ltda., que operava no sistema municipal de São Bernardo do Campo e no intermunicipal da região. A participação societária das empresas existentes na nova empresa demonstra que as empresas dividiram as novas linhas em cotas proporcionais à sua atual participação no sistema. O que se estranha é a participação da Auto Viação ABC no Consórcio, tendo em vista não se tratar de empresa operadora no Município. Ao verificar a composição societária das empresas que compõem a Expresso Nova Santo André, verifica-se que a Auto Viação ABC é de propriedade da família Setti Braga, tradicionais empresários do setor de transporte na região e antigos proprietários da Viação Vila Alpina, empresa que sofreu intervenção no primeiro governo de Celso Daniel, sendo posteriormente desapropriada para dar origem justamente à EPT, agora tendo suas linhas terceirizadas. Essa situação, antes mesmo de serem abertas as propostas, já havia sido exposta de maneira jocosa em um jornal da região, antecipando o que de fato viria a ocorrer. Publicou o referido jornal, à época, verbis: A EPT foi criada em cima da desapropriação da frota da empresa de ônibus Vila Alpina e de sua estrutura operacional, comandada pelo ex-secretário municipal Nazareno. Ocorre que hoje como a vontade política do prefeito é de privatizar a empresa, surge o antigo proprietário da Vila Alpina Sr. João Antônio Braga, que na época foi, praticamente, expulso do setor de transporte coletivo; com a possibilidade de costurar um acordo com o grupo de Minas que detém grande parte do transporte coletivo, e aí assumir o que já foi seu, inclusive a garagem onde se encontra a EPT, restabelecendo seu orgulho, dando a volta por cima e vingando-se do passado. Jornal da Cidade, 9.5.1997. Embora não existam registros acerca das reuniões entre os empresários na AETC para discutir o processo licitatório das linhas da EPT em Santo André e os critérios utilizados para definir a participação das empresas associadas no processo, é lícito supor, com base nos fatos, que houve um acordo prévio entre as empresas da região, no sentido de participarem de forma organizada da licitação. A prova disso é que das 35 empresas que adquiriram o edital e das 15 que compareceram à vistoria, apenas dois grupos se apresentaram no dia da abertura dos envelopes, sendo um deles inabilitado. A proposta ganhadora do Consórcio Expresso Nova Santo André cumpria todos os requisitos do edital, mas no único item onde se poderia estabelecer uma concorrência, que era o valor da taxa de permissão a ser paga mensalmente, que poderia variar de 0,1% até 3% (quem oferecesse a maior taxa pontuava mais no critério do edital), a ganhadora apresenta o valor mínimo. As empresas que questionaram a licitação, impugnando-a administrativa e judicialmente, não eram operadoras na região do ABC e, portanto, não são associadas da AETC. Das inúmeras empresas associadas à AETC, a única que não opera no sistema municipal de Santo André e fez parte do consórcio foi a Auto Viação ABC. As especulações efetuadas pelo Jornal da Cidade e os fatos posteriores permitem-nos concluir que de fato o empresário proprietário da Auto Viação ABC utilizou-se do argumento de ter sido o permissionário das linhas que seriam privatizadas, antes da criação da EPT, para fazer valer o seu direito de estar presente no consórcio. Esse fato reforça o papel da AETC na região do ABC no que diz respeito a influenciar a condução da política de transporte público. Os empresários, através da sua organização, conseguiram evitar que se estabelecessem na região interesses conflitantes e com isso preservaram os interesses da categoria, obtendo o negócio proposto com o menor dispêndio possível. Para tanto, estabeleceu um critério de participação que incluiu, inclusive, o antigo permissionário das linhas. A presença do antigo proprietário da Viação Vila Alpina no consórcio demonstra que os critérios de composição empresarial e formação de grupos vão além dos de natureza estritamente econômicas (que seria natural verificar), sendo válidos os elementos de natureza subjetiva, como ter tradição, ou ter sido o precursor do serviço, ou mesmo ter que se afirmar diante do Poder Público que o expropriou. Por sua vez, as empresas excluídas do processo e que se sentiam prejudicadas denunciavam exatamente a existência de "favorecimento" às empresas da cidade utilizando como argumento a permissão precária concedida em caráter emergencial para a operação das duas linhas da EPT que se concretizou através de um consórcio operacional das seis empresas da cidade. "Mandado de Segurança de Arclan contra EPT", in: Processo CP001/97, 1997, xerox. Além desse alegado "direcionamento" da licitação para as empresas que operam na cidade, protestavam ainda contra o pagamento pela concessão, ou seja, consideravam indevido o Poder Público vender o direito de exploração das linhas. Por similaridade de argumento, protestavam também contra o pagamento de taxa de permissão; não concordavam que o concorrente tivesse que comprovar ter a frota exigida para início de operação (101 ônibus); não aceitavam a exigência do edital de ter o vencedor que absorver os funcionários operacionais da EPT e garantir-lhes seis meses de estabilidade. Concluído o processo licitatório e assinado o contrato, nenhuma das ações judiciais impetradas prosperou, tendo sido sentenciadas e arquivadas sem protesto das partes interessadas, o que mostra o desinteresse destes grupos econômicos após o encerramento do processo licitatório. No ato público de assinatura do contrato, o Prefeito anunciou todo o pacote de melhorias no serviço de transporte no Município, consolidando a privatização das linhas da EPT como parte de um processo mais amplo de melhorias no serviço de transporte público. O Prefeito Celso Daniel (PT) considerou a assinatura do contrato como uma vitória: o resgate da qualidade do transporte público da cidade era uma questão de honra para mim. Infelizmente, a Prefeitura não tinha condições de manter as linhas da EPT. A concessão era a única saída. Jornal Diário Popular, 4.7.1997. Além do início de operação das nove linhas da EPT, com 100% de renovação da frota (foram 101 ônibus zero-quilômetro introduzidos no serviço), haveria um aumento de oferta nestas linhas, que antes circulavam com 85 carros e passariam a contar com 96. Nas demais linhas do Município, foram ampliadas a frota em mais sete carros e promovida uma renovação de mais 23 ônibus. Todos os veículos ganhariam um novo layout (ônibus pintados na cor azul, com destaque para a marca EPT, que passaria a compor toda a frota como símbolo de gerenciadora do sistema). As linhas noturnas voltariam a circular no Município com intervalos de 60 minutos, mas garantindo ampla acessibilidade através de oito linhas. As mudanças introduzidas permitiram o estabelecimento de uma série de indicadores positivos no sistema. Frota operacional que passou de 287 para 310 ônibus; aumento das viagens programadas em 16% nos dias úteis, 13% nos sábados e 17% nos domingos; aumento da quilometragem em 15% na média; redução da idade média de frota de quatro para um ano e meio, além da introdução das linhas noturnas retiradas da cidade há quatro anos. Uma grande campanha publicitária foi colocada na rua a partir do dia 5 de julho, informando à população sobre as mudanças e convidando a todos para "embarcar nesta onda azul" (nome fantasia dado ao conjunto de mudanças e que simbolizou o novo sistema de transporte de Santo André). A apresentação à população foi marcada para o dia 13.7.1997 com um grande show popular e desfile da frota de novos ônibus. O início da operação ficou para o dia 28 de julho. Estava assim consolidado a um só tempo o equacionamento da situação na EPT e uma grande reviravolta no serviço de transporte coletivo na cidade, que não apenas apresentou alterações qualitativas concretas, mas também promoveu uma grande alteração visual, que teve um impacto na cidade de chamar a atenção das pessoas para as mudanças. O serviço logo começou a ser elogiado e nas pesquisas promovidas pela administração, a partir de agosto de 1997, começou a ser apontado como um dos melhores serviços da Prefeitura e a principal referência da atuação do Governo, Pesquisas de avaliação da Administração PMSA. sustentando por muito tempo a avaliação positiva da Administração junto à população. Todavia, nem todos os problemas relacionados ao transporte público estavam equacionados. Ao contrário, havia um grande problema que ameaçava destruir as bases de um serviço regulamentado de qualidade, e que desde o início da gestão trazia complicações para o gerenciamento do serviço. Trata-se da questão do transporte clandestino, que já desde o ano de 1996 ocupava espaço na região do ABC (primeiro em São Bernardo do Campo, depois em Santo André e daí se proliferando a todas as outras cidades) reivindicando dos órgãos públicos a sua regularização. O problema, embora de natureza legal com um viés econômico, ganhava contornos políticos pois os perueiros (como são chamados os operadores desta modalidade de serviço) se organizavam auto-intitulando-se como movimento social e pressionavam agentes políticos no sentido de verem atendidas as suas demandas. A disputa em Santo André entre um modelo regulamentado de serviço e a ação clandestina dos perueiros foi algo difícil que envolveu uma série de atores políticos e sociais e ameaçou comprometer os resultados da política de transporte do Município, sendo, portanto, objeto de uma análise mais detida no âmbito desse trabalho. 5.3.2 O Embate com os Perueiros e a Introdução dos Microônibus em Santo André Logo no início da gestão, os perueiros que trabalhavam clandestinamente na cidade e se organizavam em torno de uma associação, denominada Associação dos Perueiros e Afins de Santo André – APASA, começaram a ser fiscalizados e retirados das ruas pela Secretaria de Serviços Municipais, com respaldo no Regulamento do Transporte Público vigente, que exigia regularização prévia à prestação de serviço de interesse público. Inconformados, procuraram diálogo com a Secretaria e até com o Prefeito, já no início do Governo, exigindo a sua regularização com uma postura bastante intransigente, como se de fato tivessem o direito de prestar o serviço de transporte. Esse tipo de postura é uma constante do grupo e condicionará a sua ação, confundindo uma postura corporativa de defesa de um interesse econômico com um movimento social de protesto. Assim reportou o jornal Diário do Grande ABC: "Segundo o presidente da entidade, Raimundo José da Silva, os perueiros já esperaram demais por uma iniciativa do Secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Sousa, que havia pedido uma semana para estudar o assunto. Já faz 23 dias que não trabalhamos. Precisamos pagar contas e impostos. Precisamos de uma solução urgente". Jornal Diário do Grande ABC, 30.1.1997 As declarações do presidente da APASA resumem a urgência da categoria que queria imediatamente autorização para circular com seus veículos de forma legal, competindo com as linhas de transporte convencionais. A posição do DTP em Santo André era no sentido de coibir o transporte para viabilizar a implementação de uma proposta mais ampla de melhoria do serviço de transporte coletivo. Para tanto tratou rapidamente de buscar, através do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC (instância regional que congrega os prefeitos das sete cidades da região e que discutem problemas comuns), um encontro entre as áreas de transporte para articular uma ação conjunta que respaldasse o trabalho desenvolvido individualmente em cada cidade. Jornal Diário Popular, 25.2.1997. O órgão gestor de Santo André tinha consciência de que o transporte no Município não estava bom. As falhas no cumprimento de viagens e a baixa confiabilidade do serviço de ônibus criavam espaço e justificavam a atuação do clandestino. Entretanto, caso não houvesse um controle de sua ação, dificilmente se conseguiria implementar as melhorias necessárias no serviço convencional. Por isso, era fundamental buscar respaldo regional em um primeiro momento para coibir o serviço clandestino, enquanto se procurava equacionar os problemas de qualidade no serviço regulamentado. As pressões, entretanto, continuaram; os perueiros adotaram como estratégia concentrar a sua força de maneira regional e exercer pressão em uma cidade por vez. São Bernardo do Campo já havia sido palco de inúmeros conflitos, ainda em 1996, inclusive com acampamentos no Paço Municipal, que levaram-nos a conquistar a regularização da atividade na cidade. Jornal Diário do Grande ABC, 22.5.1996 e 7.6.1996. Em Diadema, a ocupação como forma de protesto ocorreu em 27.2.1997, no Paço Municipal da cidade. Jornal Diário do Grande ABC, 28.2.1997. Era esperado o momento em que os perueiros dirigiriam suas forças para Santo André. Durante os meses que se seguiram à relação entre os perueiros e a Prefeitura de Santo André a situação permaneceu tensa. Apreensões eram promovidas por fiscais do DTP, em conjunto com a Polícia Militar em blitz realizada nos principais corredores de transporte. A questão ganhava espaço na mídia pois os perueiros atuavam também em São Paulo, Guarulhos e Campinas, além de outras cidades de médio e grande porte. O posicionamento da imprensa, de uma maneira geral, era simpático aos clandestinos. O discurso de que os perueiros estavam suprindo uma deficiência do serviço formal de transporte, atendendo aos desejos da população, colava, na medida em que a visão hegemônica na sociedade era a do determinismo do mercado, onde a presença do perueiro era explicada pela existência de uma demanda reprimida por serviço de transporte não atendido pelo setor de transporte. O discurso social panfletário que as lideranças do grupo empregavam também ajudava na formação de uma opinião majoritária de defesa da categoria. A "necessidade de trabalhar para sustentar a família" era um argumento que o cidadão comum admirava e respeitava, principalmente em uma conjuntura econômica adversa, onde a questão do desemprego assombrava todas as famílias. A idéia de que os perueiros lutavam contra os privilégios dos grandes empresários de ônibus também era algo que angariava simpatia da população, pois a imagem do empresário de ônibus sempre foi muito ruim. A decisão tomada pelos Prefeitos reunidos no Consórcio Intermunicipal do Grande ABC de não regulamentar o serviço de peruas e atuar de forma incisiva na proibição do transporte clandestino gerou protestos e manifestações não apenas das representações da categoria, mas também de inúmeros cidadãos que se manifestavam em descontentamento à decisão tomada, insinuando que as Prefeituras defendiam privilégios dos grandes empresários de ônibus. O jornal Diário Popular assim relatou o fato: O presidente do Consórcio Intermunicipal e prefeito Celso Daniel (PT) está sendo apontado como o principal responsável pela falta de acordo entre os perueiros de São Bernardo e Santo André com os representantes das sete cidades. Uma comissão de motoristas esteve com o comandante interino da Polícia Militar na região, Roberto José Minozzi Nogueira, para pedir a abertura de um canal de comunicação com o poder público. Jornal Diário Popular, 23.4.1997. Essa situação, por si só desconfortável, no âmbito do PT ficava ainda mais dramática. O Partido através de seu setorial de transporte defendia de forma veemente o transporte regulamentado, condenando a ação dos perueiros, entretanto, reconhecia uma divergência interna de posicionamento por parte dos seus quadros, principalmente os parlamentares que, na maioria dos casos, eram a favor dos perueiros, mas também dentre alguns quadros executivos que chegaram a regularizar a categoria em algumas cidades (a própria cidade de São Paulo tinha um conjunto de perueiros regularizado na Administração de Luísa Erundina, então filiada ao PT). Esta posição ambígua do Partido não respaldava uma ação mais dura. A nível local, o PT também se mostrava dividido. Parte da liderança dos perueiros era filiada ao Partido e tinha relações com vereadores da bancada. Na Administração anterior, chegaram a conseguir que a Câmara aprovasse um requerimento à Prefeitura solicitando que se estudasse a regularização dos mesmos, requerimento este que contou com a assinatura de vários vereadores do PT. Quando a Administração apertava o cerco e se mostrava inflexível, essas lideranças foram buscar (ou cobrar) apoio político destes vereadores que procuraram assumir uma posição de mediadores, buscando junto ao governo uma posição intermediária que oferecesse uma alternativa a corporação. Por outro lado, a Administração passou a ser cobrada pelas empresas de ônibus que se sentiam prejudicadas com a "concorrência desleal promovida pelas peruas". A ação da AETC foi às vias judiciais em uma representação contra a Prefeitura de Santo André, tendo sido esta sentenciada a pagar multa diária, caso não exercesse o dever de fiscalizar o serviço clandestino. A situação é agravada com a entrada na Câmara de um projeto de lei de autoria do Legislativo visando a regulamentação do serviço de transporte por meio de peruas na cidade. O projeto foi protocolizado com a assinatura de 12 vereadores. Apenas a bancada do PT e um vereador da sustentação não assinaram o documento. A partir daí os protestos se intensificaram e a Câmara entra formalmente na disputa, passando também a ser alvo de pressões e protestos. No dia 8 de julho, ocorreu a primeira ocupação do Paço Municipal de Santo André seguida de uma "greve de fome" de três lideranças da categoria, que buscavam ser atendidas pelo Prefeito. Nessa oportunidade, o Governo buscava acelerar as mudanças no sistema de transporte para qualificar o serviço formal e com isso avaliar o fôlego com que os perueiros continuariam a pressionar o sistema de transporte na cidade. A avaliação predominante entre os técnicos da Secretaria é que os perueiros estavam atuando nas fragilidades do sistema formal. Na medida em que entrasse em operação o novo serviço, com mais qualidade, confiabilidade e conforto, naturalmente a demanda pelos clandestinos cairia e isso, combinado com a fiscalização, desestimularia o movimento a continuar pressionando sua entrada na cidade. Por outro lado, ainda, o Governo tinha claro que não era possível continuar pressionando e fiscalizando os clandestinos sem melhorar o serviço regulamentado, por isso a urgência para iniciar o novo sistema na cidade. Instalada a "onda azul", a despeito do excelente resultado em termos de aceitação por parte da população, Jornal Diário do Grande ABC, 15.7.1997 e jornal Diário Popular, 15.7.1997. os protestos continuaram, inclusive com manifestações junto ao gabinete do Prefeito e nova tentativa de invasão do Paço Municipal. Jornal Diário Popular, 06/08/97 e 03/09/97 Estava ficando claro para o Governo, e em particular para os técnicos da Secretaria, que a questão dos perueiros era mais profunda e exigia uma avaliação mais criteriosa de suas motivações. A visão simplista de que a melhoria do serviço de transporte daria um fim ao movimento estava indo por terra. No dia 23 de setembro, a Câmara Municipal, sob forte pressão dos perueiros, foi aprovado, por maioria absoluta, o Projeto de Lei de autoria do Legislativo, que regulariza o serviço de lotação na cidade. Aprovada a lei e fortalecido o grupo, resta ao Executivo assumir todo o ônus político do assunto e, imediatamente, informar do veto. O jornal Diário Popular publicou: O secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger Luiz de Oliveira Sousa, garantiu que o Prefeito Celso Daniel vetará o projeto aprovado pela Câmara que cria o transporte de passageiros por peruas e similares. É inconstitucional, porque só o Prefeito pode propor projetos que impliquem despesas. A Prefeitura certamente irá recorrer à Justiça, caso os vereadores insistam em derrubar o veto. Jornal Diário do Grande ABC, 24.9.1997. O editorial do jornal Diário do Grande ABC se manifestou, no dia 26 de setembro, favorável ao Projeto aprovado na Câmara Municipal, manifestando assim a opinião que se hegemonizara na sociedade em decorrência da exposição dos conflitos com essa categoria. A linha de argumentação era a já mencionada racionalidade do mercado. O Diário do Grande ABC publicou: "Negar a realidade e simplesmente reprimir a atuação dos perueiros significa privar o usuário de uma opção de transporte que lhe oferece mais conforto, horários mais confiáveis, viagens mais rápidas, em suma, mais segurança e tranqüilidade que o serviço de ônibus tradicional". Mais à frente conclui: "O serviço de transporte de passageiros por caminhonetes é um mal necessário. Do ponto de vista do usuário, é uma alternativa melhor e mais confortável, especialmente para a população de baixa renda". Jornal Diário do Grande ABC, 26.9.1997. A iminência da votação do veto à lei aprovada pela Câmara Municipal deslocaria novamente as pressões para dentro do Legislativo. Os vereadores da bancada do PT pressionavam por uma alternativa, não queriam ficar contra os perueiros pois reconheciam alguma legitimidade em seu pleito, além de comungarem nos argumentos de que o serviço era do interesse da população, na medida em que existia demanda pelo transporte. Por outro lado, não gostariam de ser identificados como defensores dos interesses de empresários de ônibus. Nesse sentido, articulam uma indicação ao Executivo para votarem junto com a aceitação do veto, onde sugerem um modelo de regulamentação possível aos perueiros, como serviço complementar ao serviço formal de transporte e com delegação mediante processo licitatório. O conflito chega ao apogeu com a violenta manifestação dos perueiros na Câmara Municipal na Sessão do dia 16.10.1997, que apreciou e manteve o veto do Executivo ao Projeto de Lei que regularizava as lotações na cidade. Uma série de tumultos que culminaram com a depredação do plenário, por parte dos perueiros, marcou o aparecimento de uma face agressiva deste movimento que até então tinha estado contida. Apesar da vitória do Governo, permaneciam as cobranças por parte da opinião pública sobre uma atitude de maior flexibilidade que buscasse incorporar esta modalidade de transporte no serviço regulamentado. Novo editorial do jornal Diário do Grande ABC, em 18.10.1997, bate nesta tecla e sugere um esforço maior das Prefeituras para regularizar esse serviço. Havia o compromisso do Prefeito junto a sua bancada de buscar alternativas para a questão. Além disso, pressões da sociedade sinalizavam no sentido de que o Executivo precisava ir além da melhoria de qualidade do serviço de ônibus e da repressão aos perueiros. Com esta perspectiva, a Secretaria de Serviços Municipais encomendou uma pesquisa que faria a avaliação do novo serviço de transporte na cidade – em funcionamento já há 60 dias –, mas também procuraria identificar os elementos de atração no serviço de transporte oferecido pelas peruas, ou seja, pela primeira vez, de forma sistemática, os técnicos se propunham a analisar a questão dos perueiros não pela perspectiva daquilo que faltava no sistema de ônibus, mas sim pela ótica daquilo que o sistema de peruas tinha de melhor a oferecer ao usuário. Os resultados dessa pesquisa permitem uma ampla avaliação sobre o serviço de transporte nas grandes cidades e sobre as perspectivas dos usuários e suas motivações. Pesquisa de imagem e avaliação das mudanças do sistema de transporte de Santo André, 1997. Primeiro a surpresa de constatar que o serviço de transporte convencional, reformulado pela Prefeitura em julho, estava com uma elevada aceitação por parte da população e indicadores de eficiência bastante consistentes. Apesar disso, o serviço clandestino de peruas apresentava grande potencial de crescimento, pois os usuários pesquisados declaravam diversas vantagens nessa modalidade de serviço que o sistema formal não tinha condição de atender e a disposição de se incluírem como usuários deste serviço. Por outro lado, havia uma desconfiança muito grande do usuário em relação à segurança oferecida por esse serviço, ou seja, mesmo aqueles que utilizavam o serviço e tinham boa avaliação do mesmo, declaravam sentirem-se inseguros neste serviço. A pesquisa demonstrava que em Santo André, nessa oportunidade, ainda não havia um público cativo desta modalidade de transporte. A grande maioria dos usuários declarados eram eventuais e se inseriam no serviço de forma oportunista, ou seja, em decorrência da oportunidade de estarem aguardando o ônibus e aparecer a perua para o mesmo destino. O que a pesquisa desnudou de mais relevante aos técnicos foi a existência de um nicho de mercado que não poderia ser atendido pelo sistema formal de ônibus, por melhor que fosse a sua qualidade, por maior que fosse a oferta, por menor que fosse o intervalo entre os carros, ou por mais novos e confortáveis que fossem os veículos. Na verdade, o que o usuário estava valorizando no transporte clandestino era a individualidade do atendimento e a rapidez dos trajetos. O aumento da frota de veículos, potencializada a partir da estabilidade do Plano Real (1994), não acompanhada dos necessários investimentos em sistema viário e engenharia de tráfego, provocou, nas grandes cidades, o aumento dos congestionamentos, o que criou deseconomias aos serviços de transporte coletivo, que nos horários de pico passaram a sofrer retenções no tráfego e com isso foi ampliado o tempo de viagem, provocando atrasos nas linhas, com o aumento do tempo de espera nos pontos e o aumento dos custos do serviço, pois mais congestionamentos exigem mais frota para manter o quadro de horários e mais frota gera mais congestionamentos, entrando em um círculo vicioso de ineficiências cumulativas. A regulamentação a que está submetido o sistema de transporte convencional obriga-o ao cumprimento rigoroso dos itinerários. Não é raro nas cidades o corredor de ônibus confundir-se com os principais corredores comerciais e de serviços nos bairros. Essas vias em geral são a de maior tráfego e também as de maior retenção, em função das interferências de uso de solo e dos conflitos entre automóveis, pedestres, cargas, etc. As peruas, sendo veículos menores e não sujeitos à regulamentação de itinerários, passaram a oferecer aos usuários a possibilidade de negociação de trajetos dentro do veículo, permitindo com que o condutor buscasse alternativas de trajetos com trânsito mais livre, propiciando viagens com tempo mais curto. Ao contrário do que o senso comum indicava, a questão do conforto não se apresentava como um diferencial que motivasse a opção do usuário pela perua, nem tampouco nenhum tipo de preconceito à utilização do transporte coletivo. Com base nesses dados, ficou evidente ao Poder Público a necessidade de oferecer um serviço de transporte regulamentado que pudesse oferecer algumas das vantagens das peruas. Para isso, seria necessário um novo padrão veicular (carros menores) e uma nova definição regulatória (flexibilidade de itinerários). A partir dessas constatações, a EPT, que a partir do dia 6 de novembro de 1997 torna-se oficialmente responsável pela gestão do serviço de transporte na cidade, passa a estruturar um sistema de transporte complementar seletivo para a cidade, no intuito de buscar atender esta demanda identificada na pesquisa e conquistada pelo perueiro. O primeiro serviço experimental de microônibus, em Santo André, entrou em funcionamento dia 10 de novembro, com 12 veículos em 8 linhas noturnas da 0:00h às 04:00h, como veículos convencionais, e em 2 linhas das 04:00h às 08:00h (pico da manhã), como serviço seletivo, com tarifa diferenciada, transportando só passageiros sentados e com flexibilidade de itinerário para atender o desejo de redução do tempo de viagem. A experiência foi bem sucedida e no final do mês de novembro já eram 30 microônibus em operação em 8 linhas da cidade, no pico da manhã e da tarde. A iniciativa declaradamente buscava oferecer uma alternativa às peruas no campo do atendimento ao usuário, mas não trazia nenhuma alternativa ao perueiro no campo do atendimento as reivindicações da categoria. Paralelamente, acirravam-se os conflitos entre perueiros e fiscalização, com o aparecimento, cada vez maior, da faceta violenta do movimento. Agressões e tiroteios vão marcando a relação de conflito na rua. Jornal Diário Popular, 12.11.1997 e jornal Diário do Grande ABC, 12.11.1997. Os perueiros entretanto continuam pressionando, desta feita marcando presença nas atividades da região que envolviam a participação do então pré-candidato do PT à Presidência da República, constrangendo-o a intervir nas Prefeituras do ABC para abrir espaço à regularização de suas atividades. Jornal Diário do Grande ABC, 19.12.1997. Esta estratégia se repetiu ao longo de boa parte do ano seguinte (ano de eleições para a Presidência da República, Deputados Federais, Estaduais e Governador). Sem apresentar uma alternativa aos perueiros, apenas atuando no sentido de desmontar a sua clientela e qualificar ainda mais o serviço regular da cidade, o Governo de Santo André volta a ser alvo de protestos violentos no mês de abril. No dia 2.4.1998, cerca de 100 peruas ocupam o Paço Municipal, ficando 24 horas no local e só saindo com a presença da Polícia Militar. Jornal Diário do Grande ABC, 4.4.1998. Esse protesto reacendeu a questão junto à bancada de vereadores do Partido, que volta a cobrar do Governo uma iniciativa de negociação. A partir daí, o Governo Municipal propõe contratar os perueiros através de uma Cooperativa para efetuar o transporte dos servidores do Município, que vinha sendo feito pela Administração direta. Esta proposta buscava dar uma alternativa para geração de renda aos perueiros, organizados em torno da APASA. Além disso, a Prefeitura se comprometia em apoiar a constituição da Cooperativa dando-lhes suporte técnico e apoio na comercialização de seus serviços a outros clientes. A Cooperativa poderia, ainda, oferecer mão-de-obra para o serviço de microônibus que vinha sendo operado pelas empresas e que a Prefeitura prometia licitar para regularizar e ampliar o serviço. A Administração comprometia-se a intermediar a negociação entre as empresas de ônibus e a Cooperativa dos perueiros para assegurar treinamento e um pagamento compatível com o valor remunerado pela tarifa dos micros para mão-de-obra operacional. Jornal Diário Popular, 17.4.1998 e jornal Diário do Grande ABC, 22.4.1998. A proposta dividiu a categoria: uma parte do grupo interessou-se em discuti-la; outra reagiu com indignação por interessarem-se pela prestação de serviço de transporte coletivo e não em ser contratados "como empregados". Enquanto discutiam o assunto, os perueiros mantiveram a pressão. Em 23.4.1998, novo protesto gera tumulto no Paço e na Câmara e paralisa o centro da Cidade No final do mês de abril, como resposta à ação insistente dos perueiros, o Sindicato das Empresas de Transporte anunciam prejuízos no sistema em decorrência da operação do clandestino e ameaçam demitir 500 rodoviários para adequarem as empresas da região à nova realidade. A conseqüência foi uma paralisação organizada pelo Sindicato dos Rodoviários em protesto à ameaça de demissões e à manutenção do serviço clandestino que lhes ameaçava o emprego. Jornal Diário do Grande ABC, 1.5.1988 e jornal Diário Popular, 6.5.1998. A ação desencadeada pela AETC com a reação imediata do Sindicato dos Rodoviários colocou a discussão pública sobre os perueiros em outros termos, pois explicitou que a alternativa de renda pretendida pelo perueiro poderia significar a falta de emprego para a categoria dos rodoviários. Na esteira dessa ação, a Federação dos Sindicatos das Empresas de Transportes desenvolveu uma grande campanha na Região Metropolitana, basicamente através de "bus-door", esclarecendo à população o número de empregos formais diretos e indiretos que um ônibus em circulação gera e as vantagens do serviço formal em detrimento do oferecido pelas peruas. A EPT, por sua vez, buscando responder à necessidade de uma fiscalização mais eficiente, contrata uma nova equipe de fiscais, com perfil mais adequado ao nível de pressão que o enfrentamento de rua havia chegado. A Prefeitura continuava negociando com os perueiros e cobrando uma resposta oficial da Coopasa (sucedeu a APASA) sobre a proposta que lhe havia sido oferecida. A entidade, depois de realizar uma assembléia com seus associados, decide rejeitar a proposta da Prefeitura e pedir uma "trégua" na fiscalização por 45 dias, onde os perueiros trabalhariam sem ser importunados pela fiscalização, enquanto se discutiria uma nova proposta alternativa. A Prefeitura recusou a trégua, reafirmou a disposição em intensificar a fiscalização e fez publicar nota oficial na imprensa esclarecendo à população sobre a proposta que apresentou à Coopasa e que foi por esta recusada, e o firme propósito de defender a ordem pública e o serviço regular de transporte. Jornal Diário do Grande ABC, 9.5.1998, 12.5.1998 e jornal Diário Popular, 12.5.1998 e 16.5.1998. Depois de novos conflitos, a Coopasa decidiu voltar à mesa de negociações e rediscutiu os números da proposta da Prefeitura. A Prefeitura chega a elaborar um projeto de lei autorizando o convênio entre a Prefeitura e a Coopasa para viabilizar a contratação dos serviços de transporte direto. Na Câmara, os perueiros, divididos, não entravam em acordo junto aos vereadores em relação aos termos ideais da lei. A nova fiscalização colocada na rua no início do mês de maio começou a obter mais resultado, pois as apreensões aumentaram. Por outro lado, algumas vitórias no campo judicial, que a Coopasa havia conquistado para alguns de seus cooperados (medidas liminares que proibiam a apreensão dos veículos, ou mesmo obrigando a Prefeitura a liberar o veículo sem o pagamento prévio das multas pendentes), começaram a ser derrubadas em segunda instância, estabelecendo nova jurisprudência nos juizados de primeira instância. Tudo isso passou a dar mais efetividade à ação da fiscalização, que no segundo semestre de julho já tinha apreendido e mantido no pátio uma quantidade expressiva de peruas. A proposta apresentada pela Prefeitura à Coopasa ganhava legitimidade dentro do Partido, junto à bancada de vereadores e na sociedade, na medida em que se ampliava o debate público sobre ela. A relutância dos perueiros em aceitar a proposta e os inúmeros obstáculos colocados para o fechamento de um acordo definitivo foram desgastando sua posição junto àqueles que ainda buscavam defendê-los (a bancada de vereadores do PT, por exemplo). As manifestações públicas dos perueiros em eventos de campanha, contra o Lula (candidato do Partido à Presidência da República) e ao PT, desgastavam o grupo junto aos petistas, fortalecendo o posicionamento da Prefeitura. Na sociedade, começa a transpirar um outro sentimento em relação aos perueiros a partir do acirramento dos conflitos (no ABC e em São Paulo), onde a estratégia do perueiro era sempre a de fechar avenidas e bloquear passagem para chamar atenção para as suas reivindicações. Isso começa a gerar uma antipatia contra a categoria. A imprensa começa a dar destaques para situações de emergência, que deixam de ser atendidas pelos bloqueios provocados por perueiros. Ganha espaço na mídia também acidentes de trânsito envolvendo peruas, com seqüelas aos seus ocupantes e falta de cobertura ao acidentado. Tudo isso vai contribuindo para desmobilizar a opinião, a princípio favorável, da sociedade em relação ao perueiro. Nesse ambiente, o grupo se dividia em Santo André. A maior parte dos Cooperados não concordava com as negociações que a direção vinha encaminhando em relação à proposta da Prefeitura, não concordavam em prestar serviços de fretamento e queriam o direito de prestar serviços de transporte. Novas lideranças, dissidentes, começam a aparecer na Câmara manifestando esta posição, o que corroía a disposição dos vereadores de apoiar uma alternativa que não era consensual. A EPT passa a exigir, para fechar o acordo, que todos os cooperados da Coopasa aceitem a proposta. O consenso não acontece e a proposta é abandonada. Outro elemento importante na desmobilização dos perueiros foi a aprovação no final do mês de maio, na Assembléia Legislativa na Comissão de Assuntos Metropolitanos, de um Projeto de Lei que criava o serviço intermunicipal de peruas. Este projeto viria a ser definitivamente aprovado nos meses seguintes e contava com o aval da Secretaria Estadual de Transporte Metropolitano, que prometia regulamentar a lei e colocá-la em prática em curto prazo. Isso serviu como uma nova bandeira de luta dos perueiros da região, que viam no transporte intermunicipal um filão ainda mais interessante que o serviço municipal. Dessa maneira, sem nenhum acordo com os perueiros, naturalmente, no final de 1998 foram rareando as manifestações, as pressões e o serviço clandestino na cidade de Santo André, que já no início de 1999 e durante todo o restante do período em análise deixou de ser um problema na cidade. Embora existam ainda alguns raros clandestinos na cidade que vez ou outra são apreendidos pela fiscalização, que permanece vigilante. O episódio de Santo André com os perueiros, que durou praticamente metade do segundo governo de Celso Daniel, encerra uma série de ensinamentos e certamente mereceria um estudo à parte. O fenômeno não se restringiu a Santo André, ao ABC ou mesmo à Região Metropolitana de São Paulo. Trata-se de um problema, ainda sem respostas, de caráter nacional. Ao que parece, os perueiros vieram questionar a lógica da regulação no mercado de transporte urbano. Vieram ainda apontar para as ineficiências do setor e falta de cuidado com as necessidades dos usuários (clientes do serviço). Eles não são um produto da crise (do desemprego, como alguns gostam de afirmar). Ao contrário, são oportunizados exatamente pelas novas condições de consumo estabelecidas pelo Plano Real (combustíveis mais baratos, facilidades de financiamento para aquisição dos veículos, dificuldades no tráfego das cidades que leva à explosão dos custos de transporte, maior nível de exigência do usuário de transporte, etc.). Os perueiros são um produto do mercado, não são e nem poderão ser confundidos com um movimento social. 5.3.3 A Introdução das Catracas Eletrônicas A partir de meados do ano de 1998, a Prefeitura Municipal de Santo André começou a estudar a implantação do sistema eletrônico de controle de demanda, conhecido vulgarmente por catracas eletrônicas. O assunto, tabu no meio sindical, era polêmico e prometia gerar acalorados debates não apenas entre os rodoviários (categoria que vê a utilização desta tecnologia como ameaça direta ao emprego), mas também no âmbito interno do PT e da CUT. Para a EPT (gestora do sistema de transporte), a introdução do sistema representaria: aumentar a segurança dentro dos ônibus, pois com a ampliação do uso do cartão a moeda corrente diminui e junto com ela o interesse por assaltos; agilizar a operação com a redução da operação de embarque de passageiros; melhorar o nível de serviço, com o aumento da comodidade na aquisição dos bilhetes e na sua utilização nos ônibus; aumentar o controle público sobre a prestação do serviço sobre as empresas operadoras, obtendo dados precisos e confiáveis sobre a demanda do sistema; aumentar a fiscalização do serviço de transporte coletivo com a possibilidade de associar diversos controles ao equipamento, como o de partidas, tempo de viagem e outros dados operacionais; reduzir a possibilidade de fraudes e evasão de receitas internas e externas ao sistema, pelo controle total da arrecadação; permitir uma política tarifária mais adequada, com a possibilidade de adoção de tarifas diferenciadas e de promoção da integração tarifária; facilitar o planejamento do sistema, permitindo a reestruturação das linhas. Relatório da ept de informações sobre o processo de "bilhetagem" automática, 1998. Os empresários demonstravam interesse pelo sistema, não apenas pela possibilidade de redução de custos com a saída dos cobradores do sistema, mas também pela gama de possibilidades de controles que o sistema oferecia ao operador do serviço, permitindo uma série de racionalizações de rotinas internas e um aumento no controle da operação. Por outro lado, a centralização de informações operacionais que o sistema eletrônico permitiria nas mãos do órgão gestor, combinado com os custos de implantação que exigiriam investimentos de porte, se constituíam em elementos que desaconselhavam o sistema. Os trabalhadores não podiam nem ouvir falar no assunto. A simples menção ao tema levava a categoria a pressionar imediatamente as lideranças sindicais, exigindo manifestações e pressões de embargo à proposta. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes, da CUT, realizou um evento no início de novembro de 1998 em São Paulo (na época, a discussão pela implantação das catracas eletrônicas estava em voga na capital) soltando um extenso documento que condenava a implantação desta tecnologia. “Como não bastasse conviver com a atual crise do Brasil – desemprego, alta de juros e recessão – os trabalhadores do sistema urbano de transporte estão entre as novas vítimas da lista dos milhões de desempregados no País, com a implantação das catracas eletrônicas”. Documento da CNTT-CUT: Catraca eletrônica encurta o caminho para o desemprego e diminui a segurança do usuário, 1998. Esta posição inflexível dos trabalhadores, manifestada pela CUT, condicionava a visão do PT sobre o assunto. No meio técnico do setorial de transporte, as vantagens do sistema eram alardeadas, porém, do ponto de vista político, todos reconheciam as dificuldades de defender o seu emprego, tendo que assumir o ônus de estar contribuindo com a redução de postos de trabalho, algo muito caro no discurso petista. Em Santo André, esta discussão possuía ainda duas outras particularidades: uma delas tinha a ver com o momento do debate, que coincidia com a crise junto aos perueiros, e a discussão de oportunidades de trabalho e emprego que a categoria pautava para defender sua posição. Outra, com a necessidade que a EPT tinha de resolver um de seus déficits, que era decorrente da administração da conta corrente de venda e remissão dos vales-transportes e passes (estudante e comum). Desde a sua criação, a EPT tinha dentre suas atribuições a administração da venda dos diversos tipos de créditos usados como tarifa no serviço de transporte, primeiro dividindo com a AETC esta responsabilidade, depois (em meados de 1993) com o monopólio deste serviço. Em parte por conta dos desvios de passes verificados na gestão de 1993 a 1996 e em parte por uma má administração desses recursos, o fato é que ao assumir a EPT, a nova direção constatou que havia um déficit de aproximadamente R$ 1,2 milhão na conta do sistema, ou seja, paralisadas as vendas, os passes no mercado, a serem trocados por dinheiro na EPT, utilizariam todo o recurso da conta e mais um milhão e duzentos mil reais. Mantido o sistema de venda e remissão, como havia uma defasagem de tempo entre eles, a situação seria administrável sem necessidade de aporte de novos recursos, porém o déficit estava ali e precisaria ser resolvido. Relatório interno da ept: situação econômico-financeira, 1997. A implantação da "bilhetagem" automática mudaria o padrão existente para os bilhetes eletrônicos, oferecendo a EPT a oportunidade de zerar o sistema antigo, apurar o resíduo e negociar o débito no pacote geral. Nesse contexto, a Secretaria de Serviços Municipais iniciou as negociações com vistas à implantação do sistema. O primeiro e mais importante passo a ser dado foi junto ao Sindicato dos Rodoviários que, uma vez consultado, acenou com a possibilidade de apoiar o sistema caso houvesse um acordo de garantia temporária de emprego dos cobradores, reciclagem profissional e desincompatibilização a longo prazo, com aproveitamento em outras funções. A proposta pareceu razoável, principalmente porque o sistema de transporte de Santo André estava em fase de amadurecimento de uma série de outros projetos que ampliaria o mercado de trabalho (ampliação do sistema de microônibus, construção e operação de uma nova rodoviária, construção e operação de um terminal na região da Vila Luzita e operação de um corredor segregado). Além do mais, não havia interesse em criar uma crise com os rodoviários em um contexto de enfrentamento com os perueiros. Esta posição, bastante flexível, do Sindicato dos Rodoviários foi muito influenciada pelo fato de o mesmo não estar filiado à CUT e também por ter uma lógica interna de aparelhamento da direção e distanciamento das bases, que conferiam à Direção Sindical muito respaldo e autonomia para deliberar pela categoria. A segunda negociação mais importante foi junto aos empresários. Estes precisariam concordar em arcar com 100% dos custos de implantação do sistema (aproximadamente R$ 2,5 milhões) e mais uma parte pelo menos do déficit da conta do sistema. A condição colocada pelos empresários era passar a controlar 100% das vendas antecipadas com o novo sistema. Esta era uma antiga reivindicação do setor empresarial, que inclusive na primeira gestão de Celso Daniel foi motivo de impasse para a implantação da receita pública, em que eles aproveitaram o momento para recolocar o assunto em pauta. De fato, as vantagens de poder controlar toda a venda de bilhetes seriam imensas para a AETC, não só pela antecipação de receita sob controle empresarial que o sistema propiciava, mas principalmente pela garantia de poder voltar a administrar toda a receita do sistema, posição estrategicamente relevante para um concessionário de serviço público. Com o PT local o assunto foi discutido a partir da garantia de direitos aos trabalhadores. Como havia um acordo estabelecido com a Direção Sindical (é bem verdade que a direção do Sindicato dos Rodoviários não era vista com legitimidade pelos petistas, principalmente pela sua postura adesionista e pelo distanciamento das bases), uma parte do PT ficou convencido de que a proposta não prejudicaria os trabalhadores; outra parte, embora desconfiada com relação à preservação dos empregos na categoria, não se dispuseram a ir contra uma ação de governo do PT na defesa de uma categoria cujo Sindicato era controlado por uma direção estranha ao Partido. Estabelecido um consenso mínimo entre as partes, a Administração inicia o processo de implantação pela escolha da tecnologia de cartão eletrônico indutivo com leitoras e software de tecnologia nacional. O sistema de controle é duplicado com controles simultâneos centralizados na EPT e na AETC. A implantação demandaria uma série de intervenções nas garagens das empresas e nos postos de venda de bilhetes, além da necessidade de cadastrar, pelo novo sistema, todas as gratuidades e subvenções (idosos, estudantes, etc.). A garantia dos empregos dos cobradores e o cronograma de desincompatibilização e reciclagem profissional seriam garantidos por lei municipal. O projeto do Executivo foi encaminhado à Câmara Municipal no segundo semestre para ser aprovado pelos vereadores, cujo sistema estava previsto para ser inaugurado dia 10 de dezembro de 1998. Jornal Diário do Grande ABC, 17.11.1998. A bancada de sustentação do governo, entretanto, não conseguiu a maioria para aprovar o projeto, contribuiu para isso a questão dos perueiros que haviam desgastado os vereadores na relação com os mesmos e também as divergências no Sindicato dos Rodoviários, visto que uma parte da Diretoria foi à Câmara solicitar um projeto de lei que proibisse a implantação das catracas eletrônicas na cidade. Esse impasse criado pela Câmara, somado a dificuldades operacionais na implantação do sistema, levou ao adiamento do início da operação por duas vezes consecutivas. Jornal Diário do Grande ABC, 10.12.1998 e 27.1.1999. O projeto de lei do Executivo foi retirado da Câmara no final do ano para não ser rejeitado e no início do ano o Governo implantou a "bilhetagem" eletrônica por Decreto, dando as garantias trabalhistas negociadas com o Sindicato. Finalmente, no início de abril de 1999, o serviço foi finalmente inaugurado e disponibilizado em todos os veículos da frota municipal. A implantação das catracas eletrônicas em Santo André representou mais uma afirmação da prioridade da gestão do serviço de transporte sobre dogmas de natureza política-ideológica. A despeito das dificuldades da abordagem desse tema em uma administração do Partido dos Trabalhadores, o Governo Municipal, colocado diante de argumentos racionais de melhoria da qualidade do serviço e ampliação dos mecanismos de controle público, buscou os atores relevantes e venceu as resistências, implantando aquilo que acreditava ser o melhor para a qualificação do serviço público. Experiências recentes em cidades da Região Metropolitana, com governos de inclinação ideológica distinta, inclusive, que chegaram a anunciar a implantação do sistema e depois recuaram (São Paulo e São Bernardo do Campo são dois exemplos), demonstram que as condições de governabilidade interna e junto aos atores sociais e políticos são fundamentais para respaldar e garantir a operacionalização de uma decisão como esta. Para o trabalho que ora desenvolvemos, que procura avaliar os processos de tomada de decisão no âmbito do Estado em uma determinada política pública, onde a relação entre o interesse público e o interesse privado é significativa, uma decisão como esta, que é apenas uma pequena parte dentro de uma política mais ampla, requer respaldo e acomodações de interesses em vários segmentos, e que fazem a diferença entre conseguir ou não implementar a decisão tomada. Não é demais lembrar que o Programa de Governo Programa de Governo Celso Daniel, Prefeito, 1996. da atual gestão já previa o emprego de novas tecnologias no controle do sistema de transporte, o que mostra a não-casualidade da medida, nem o seu oportunismo. Trata-se de medida encaminhada dentro de um planejamento mais amplo e dada as condições de governabilidade necessárias à sua implantação, asseguradas pelo diálogo e pelo atendimento dos interesses de cada uma das partes envolvidas no processo de tomada de decisão. 5.3.4 Outros Projetos de Parceria com Empresários O Governo de Santo André iria ainda desenvolver, no âmbito dessa gestão da política de transportes, dois grandes projetos em parceria com a iniciativa privada para viabilização de serviços complementares à rede de transporte oferecida. Um deles, totalmente concebido e implantado, já em pleno funcionamento, é o novo Terminal Rodoviário de Santo André; o outro, ainda em fase final de conclusão, com início de funcionamento previsto para o primeiro trimestre de 2001, é o do Corredor de Transporte da Vila Luzita. Uma Rodoviária para a cidade de Santo André era algo mais que um simples equipamento urbano. Não era como ter uma nova escola ou um posto de saúde; representava algo que falaria de perto ao orgulho de ser andreense. A cidade, a despeito de seu porte, sofria com a proximidade de um grande centro como São Paulo que a atrofia em uma série de serviços. Um deles era justamente o Terminal Rodoviário. Estando distante a pouco menos de 20 km do maior Terminal Rodoviário da América Latina (o Terminal Rodoviário Tietê), que oferece uma enorme rede de atendimento aos mais variados destinos, a cidade de Santo André conformou-se por muitos anos em manter, na frente do seu suntuoso Paço Municipal, um pequeno serviço de embarque e desembarque de passageiros de longa distância embaixo de um viaduto. Essa situação, de aparente improviso, permaneceu inalterada durante anos, transmitindo ao cidadão andreense um sentimento de desprestígio, principalmente ao receber ou embarcar parentes e amigos de outras cidades. Não era apenas a precariedade do serviço que incomodava (reduzido número de partidas diárias e poucas opções de destino, além de péssimas instalações de conforto); era, mais ainda, a imagem de periferia que aquela situação transmitia ao cidadão andreense. Esse sentimento percebido por todos e também aferido em pesquisas qualitativas havia sido captado já na Administração anterior, que chegou a anunciar a construção de uma rodoviária na cidade, encaminhando à Câmara Municipal projeto de lei neste sentido. Jornal Diário do Grande ABC, 24.4.1993 e 4.4.1995. O projeto, embora aprovado pelos vereadores já no final da gestão anterior, não conseguiu ser levado à frente. Portanto, quando Celso Daniel incluiu em seu Programa de Governo, de forma explícita, "construir uma Rodoviária em parceria com a iniciativa privada e se possível com as demais cidades da região, que possa trazer para o ABC um conjunto maior de opções de viagens intermunicipais e interestaduais", Programa de Governo Celso Daniel Prefeito, 1996, pg.60 estava assumindo um compromisso que sabia significar muito para o cidadão andreense. Ocorre que o então candidato já antevia a necessidade de parceria para a realização do empreendimento, primeiro por ausência de recursos públicos para bancar todo o projeto, e segundo, porque não bastaria um prédio bonito, era necessário de fato ampliar os serviços e isto só seria possível criando as condições para que as empresas operadoras de linhas intermunicipais e interestaduais se interessassem em trazer os seus ônibus para a cidade. Foi com estas diretrizes que a Secretaria de Serviços Municipais se pôs a criar as condições para a viabilização do projeto. Nesse caso, o grande parceiro a ser conquistado era o empresário e para atrair o empresário nada é tão poderoso quanto um bom negócio. Os trabalhos tiveram início em agosto de 1997, quando a Secretaria faz contato com uma das empresas que compõe o grupo que opera o Terminal Rodoviário Tietê para buscar conhecer os elementos de atratividade do setor privado ao negócio de operação de um Terminal Rodoviário. Logo ficou claro que o assunto era mais complexo, pois além de construir o Terminal propriamente dito, era necessário atrair as linhas, que estavam nas mãos de operadoras privadas, cujo interesse mercantil era o de concentrar ao máximo a sua operação (para uma empresa que operava vários destinos a partir do Terminal Tietê não havia interesse em seccionar linhas para o ABC, pois isso ampliaria o seu custo fixo sem ampliar a sua demanda, na medida em que o passageiro do ABC estava indo ao Tietê pegar o ônibus). Por outro lado, a principal receita que um Terminal Rodoviário administrava eram as provenientes de tarifas de embarque, que são pagas no ato da compra de uma passagem. Logo, se não houver uma certa demanda de passageiros, não compensa ao empreendedor se associar ao negócio, pois as demais receitas são secundárias (aluguel comercial, tarifas de uso de banheiros e porta objetos, etc.). A opção da Prefeitura foi então contratar uma consultoria que pudesse fazer uma análise do negócio, estudar a demanda, avaliar as possibilidades e definir parâmetros até onde poderia ser possível ao Poder Público compor uma equação para obter um bom produto que pudesse ser colocado no mercado e gerar interesse. Durante o ano de 1997, foi possível estabelecer contatos com diversos grupos empreendedores neste ramo e com empresas de consultoria para estruturar um termo de referência que fosse adequado aos interesses de Santo André. Em dezembro de 1997 já estávamos contratando uma empresa para realizar os estudos necessários para a modelagem da concessão que se pretendia empreender. Os primeiros relatórios foram recebidos em março e o trabalho concluído em abril de 1998. Estudo para implantação de Terminal Rodoviário, Desenvolvimento Consultoria, 1998. Os resultados mostravam uma demanda reprimida pelo serviço na cidade e na região, inclusive um potencial grande de atendimento de uma franja metropolitana localizada na zona leste de São Paulo. Entretanto, a despeito do mérito social do empreendimento, do ponto de vista do negócio, per si, não havia atratividade suficiente para comportar o nível de investimento requerido nem o tempo de retorno que um projeto desse porte exigiria para amadurecer. Sem entrar nos méritos econômicos do problema, que não é tema deste trabalho, o que interessa registrar aqui é a necessidade de o agente público compreender as limitações do mercado e buscar alternativas para viabilizar o seu intento (atender ao interesse público). Nesse caso, a alternativa que se vislumbrava era buscar outros negócios que pudessem complementar o negócio principal de operação e construção de um Terminal Rodoviário de Passageiros. Com os dados da pesquisa realizada dentre os usuários dos Terminais de Passageiros de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Mauá, complementado com uma pesquisa no Terminal Tietê junto a usuários do ABC e Zona Leste de São Paulo, mais os dados operacionais das empresas que operam na região e alguns dados de interesse das operadoras de São Paulo, foi possível dimensionar uma demanda e a partir daí ter uma noção da extensão da área necessária ao empreendimento. O próximo passo seria a escolha do local. Do governo anterior restou a indicação de uma área na Av. dos Estados, junto à estrada de ferro, porém afastada de tudo, a meio caminho entre o viaduto Antônio Adib Chammas (principal acesso ao Centro da cidade vindo pela Av. dos Estados) e o Município de Mauá. Preocupado em criar as melhores condições econômicas ao empreendimento, o Governo buscou uma área de acessibilidade maior e com melhores condições de integração intermodal com a rede de transporte público existente. A opção recaiu sobre uma área localizada junto ao viaduto Presidente Castelo Branco que integrava a Av. Industrial (em franca recuperação urbanística) e a Av. dos Estados, com a grande vantagem desta área se encontrar no epicentro do chamado mini-anel viário metropolitano, corredor que interligava, através de vias de grande capacidade, rodovias importantes como: rodovia Presidente Dutra (ligação Rio-São Paulo), rodovia Fernão Dias (ligação São Paulo-Belo Horizonte), sistema Anchieta-Imigrantes (ligação São Paulo-Santos e litoral) e destas às demais. Neste local, a integração com o trem metropolitano já havia sido dada, pois existia uma estação de passageiros da CPTM. Faltaria viabilizar uma integração com o sistema urbano de ônibus (municipal e intermunicipal). Sendo esta uma área pública, e estando parte dela afetada com uma praça, seria necessário autorização legislativa para que o terreno fosse desafetado e concedido ao empreendedor responsável pela obra e exploração do Terminal. Definida a área, seria necessário elaborar um projeto básico para uma avaliação dos custos do empreendimento (o estudo de viabilidade já havia sinalizado que o valor máximo suportável por um empreendedor privado, dadas as características do negócio, seria R$2,2 milhões, mesmo assim com recursos do BNDES). A Administração vinha desenvolvendo de forma paralela projetos urbanísticos que procurassem alavancar o desenvolvimento da cidade e estava se convencendo que o corredor compreendido pela Av. dos Estados, linha férrea e Av. Industrial suscitava excelentes oportunidades de desenvolvimento futuro e expansão do setor terciário do Município, que o alçasse à condição de um novo centro metropolitano. Nessa perspectiva, o projeto da rodoviária integrar-se-ia a essa lógica, sendo necessário, portanto, que este tivesse um padrão arquitetônico à altura da ambição do projeto urbanístico. Com estas diretrizes, em junho de 1998, a EPT (responsável pela implementação do projeto) contratou um renomado escritório de arquitetura para elaboração do projeto, que concluiu o seu trabalho em setembro do mesmo ano. O projeto, de excelente qualidade arquitetônica, propunha a interligação das duas avenidas sobre a estrada de ferro e a integração com uma nova estação ferroviária e a construção de um terminal de ônibus municipal e intermunicipal para complementar o projeto. No nível em que estavam os projetos (básicos), o preço estimado do conjunto era de R$ 3,2 milhões. Em abril de 1998, com a consultoria concluída, o Prefeito já encaminhou à Câmara os projetos de lei necessários à realização da concessão. Restaria apenas estabelecer, por decreto, a regulamentação legal e o detalhamento dos termos da concessão. Com o arcabouço legal em mãos, os projetos básicos e os estudos de viabilidade, o Governo realizou a audiência pública que precederia a licitação para a concessão do empreendimento no dia 17 de setembro de 1998. Compareceram diversos empreendedores que ressaltaram as fragilidades econômicas da concessão: valor do investimento elevado demais (nenhum dos presentes acreditou que poderia ser construída a obra com o orçamento, apresentado pelos arquitetos, de R$3,2 milhões); insegurança quanto ao tempo de retorno em função da resistência que as empresas permissionárias de linhas interestaduais e intermunicipais levariam para ocupar todo o terminal; ausência de outras fontes de renda que não as diretamente envolvidas na obra. Com este resultado, não adiantaria colocar a Concessão na rua do jeito que estava, sem ajustar alguns pontos econômicos. A Administração partiu para atuar em duas frentes: uma de dividir o projeto em três partes, uma que seria arcada pelo concessionário a um custo de R$2,2 milhões, outra que seria bancada pela EPT, a um custo de R$1,5 milhões, e outra que seria paga pelos permissionários das linhas municipais a um custo de R$500 mil, além de buscar complementar o negócio com outras fontes de receita. A outra linha de ação foi a de conversar com empreendedores locais, que já tivessem negócios na cidade para tentar convencê-los a participar do processo Jornal Diário do Grande ABC, 1.12.1998. (os tradicionais empreendedores do setor, presentes à audiência pública, deixaram claro o seu desinteresse no empreendimento). Com esta lógica, no dia 25 de novembro de 1998 a EPT publica o edital de concessão onerosa para exploração, operação e manutenção do Terminal Rodoviário de Passageiros do Município de Santo André, precedida da execução de obras por um prazo de 25 anos, prorrogáveis por igual período. No negócio, além do convencional, estavam incluídas duas áreas contíguas ao Terminal (uma de cada lado da estrada de ferro), para serem exploradas como estacionamento em um total de 120 vagas. A data prevista para o recebimento das propostas era 11 de janeiro de 1999. Concluída a licitação, com êxito, o contrato foi assinado com o consórcio vencedor em 5 de fevereiro de 1999, com a promessa de início das obras em 30 dias e entrega do primeiro módulo (a cargo do concessionário) até o final do ano. As obras do módulo I (a rodoviária propriamente dita) atrasaram, mas foram entregues no dia 31 de janeiro de 2000, já totalmente pronto e com uma quantidade de partidas maior que o dimensionado no estudo de viabilidade (a cidade tinha no seu antigo Terminal 47 partidas por dia, o estudo previa iniciar com 80 partidas e chegar a 110 no final do primeiro ano e 154 no final do segundo, e assim até o limite de 220 partidas no quinto ano). Estudo para implantação do Terminal Rodoviário de Santo André, Desenvolvimento Consultoria, 1998, e jornal Diário do Grande ABC, 10.1.2000 e 31.1.2000. O terminal Rodoviário de Passageiros de Santo André, no entanto, já inaugurou com 121 partidas. As obras a cargo da EPT e dos permissionários de ônibus foram levadas adiante, tendo sido inauguradas no dia 18 de dezembro de 2000. Com a inauguração da passarela e do terminal de ônibus municipal e intermunicipal, complementa-se o projeto na sua intermodalidade, articulando o serviço de longa distância com as redes metropolitanas de trem (CPTM ramal oeste) e de ônibus (através de linhas intermunicipais levadas ao novo terminal urbano), além das linhas municipais que articulam todo o sistema de transporte da cidade ao novo equipamento. Jornal Ponto Final, 16 a 22.12.2000. Embora o início de operação do Terminal de Passageiros de Santo André tenha sido auspicioso, os concessionários vêm durante todo o ano trabalhando com déficit, porque as obras custaram mais do que o previsto nos orçamentos. O módulo I, a cargo do Tersa (concessionário do Terminal), ficou em R$3,5 milhões; a parte da EPT ficou em R$ 2,0 milhões e a dos permissionários de ônibus R$ 500 mil. Com estes valores de investimentos e com as dificuldades naturais de início de operação, o negócio ainda não mostrou os resultados esperados, mas a Prefeitura acompanha e monitora o andamento do empreendimento, vigilante para não ter perda de qualidade no serviço. A exitosa experiência de viabilização do Terminal Rodoviário de Passageiros de Santo André encerra um grande dilema sobre o qual debatia-se o Poder Público e em particular as administrações do PT, o quanto o Estado deve entrar no mundo privado no sentido de atuar no interesse de viabilizar um empreendimento que é do interesse público. A questão que se coloca é quanto aos limites dessa intervenção, tendo em vista que mesmo as ações mais comedidas e revestidas de precauções podem ser interpretadas como voltadas a favorecer o capital e maximizar os lucros. O mercado é inegavelmente um espaço onde os operadores que atuam nele buscam a todo tempo maximizar seus resultados, buscando o menor investimento com o máximo retorno. Empresários, de uma maneira geral estão quase sempre alegando prejuízos e baixa liquidez. Concessionários de serviço público são ainda mais afoitos em enaltecer suas dificuldades financeiras. Esta é a tônica do setor e cabe ao tomador de decisão pública saber que esta cultura do setor empresarial existe, e saber lidar com ela. Por outro lado, se o agente público não procurar conhecer a realidade do mercado em que opera, sem ter medo de ser contaminado por ele, para compreender de fato onde é o limite real do empreendedor, de maneira a tirar o máximo, mas garantindo o mínimo, ele certamente perderá a oportunidade de viabilizar grandes projetos de relevante interesse público. O caso da Rodoviária de Santo André, mais do que qualquer outro, demonstrou esta necessidade. Caso os tomadores de decisão da Prefeitura de Santo André não tivessem a sensibilidade de separar a reclamação natural do empresário que busca rentabilizar ao máximo o seu investimento, das reais dificuldades do empreendimento e atuado no mercado, flexibilizando as regras do negócio, buscando complementá-lo e acima de tudo indo atrás de parceiros que pudessem assumir o investimento necessário, certamente a Rodoviária de Santo André ainda estaria com um projeto, no mesmo nível em que o Dr. Brandão a havia colocado no final de seu governo, em 1996. Outro grande empreendimento de transporte público da cidade, ainda não concluído, mas que certamente significará uma importante melhoria na qualidade de vida de uma parcela significativa da população, é o chamado Sistema tronco alimentado e corredor da Vila Luzita. Trata-se da reorganização do sistema de transporte de toda uma região do Município (região sul), onde se localiza o vetor de expansão da cidade e onde reside a parcela de menor renda da cidade. Esta região é basicamente atendida por 10 linhas de ônibus, com uma frota de 91 veículos (praticamente 1/3 do sistema total da cidade), operados de maneira predominante por uma empresa. A mudança que se propõe estabelecer na rede de transporte existente implica basicamente a construção de um terminal urbano no centro da região (não exatamente o seu centro geográfico, mas o seu centro socioeconômico), para onde se dirigiria um sistema de linhas alimentadoras. Neste terminal (de livre transferência) ocorreria a transferência dos passageiros para dois tipos de linhas troncais: as expressas, que seguiriam ao centro da cidade em corredor exclusivo com 9,0 km de vias segregadas ao tráfego, e a paradora, que seguiria ao centro por um corredor tratado com pista priorizada, porém, não segregada ao transporte coletivo. Aos ganhos de velocidade de trajeto no percurso bairro-centro e inverso acumular-se-iam ganhos em termos de conforto, tendo em vista que no corredor segregado haveria prioridade de tráfego ao transporte, que seria feito em ônibus articulados com portas em ambas as laterais. Nas paradas em via segregada, a operação de embarque e desembarque ocorreria ao nível das estações projetadas para este fim. No corredor da Av. D. Pedro I (parador), os ônibus em circulação serão do tipo padron (veículos com uma série de itens de conforto que os distingue dos demais) e as operações de embarque e desembarque, ao longo do corredor, irão se processar em pontos previamente tratados para este fim. Além destes itens de conforto, o projeto pretende ainda incorporar outros indicadores de qualidade, como a redução do tempo de espera nos pontos (em decorrência das alimentadoras percorrerem um trajeto mais curto e livre dos congestionamentos da área central da cidade e as linhas troncais terem um maior controle do tempo da viagem em função da prioridade dada à circulação dos ônibus), renovação da frota que incorporaria novos veículos (articulados e padron) e a racionalização da rede (redução da frota com ampliação da quilometragem percorrida). Para viabilização do projeto desenvolvido pela EPT, a partir de uma consultoria contratada para estudar a revisão da rede nesta região, seriam necessários investimentos da ordem de R$6,5 milhões, distribuídos entre a construção do Terminal de livre transferência, no valor de R$2,9 milhões; R$1,39 milhões para construção das estações de acesso ao sistema no corredor segregado; e R$1,56 milhões para as obras de implantação das estações de acesso ao sistema no corredor da Av. D. Pedro I e R$650 mil para as obras de adequação do sistema viário. Edital da Concorrência 002/98, ept, 1999. Além disso, seria necessário à aquisição da frota necessária à operação do sistema, sendo 31 ônibus convencionais, 12 veículos padron e 12 articulados. Para viabilização do empreendimento, o estudo encomendado à consultora contratada dimensionou os ganhos econômicos do projeto versus os investimentos realizados, ficando absolutamente claras as vantagens econômicas do negócio. Nesse sentido, a EPT propôs uma concessão onerosa nos moldes da realizada para as linhas da Expresso Nova Santo André, estipulando o valor fixo de R$ 2,0 milhões pela outorga, mais um valor variável pela taxa de permissão. Além disto, foi incluído neste contrato a taxa de gerenciamento como valor obrigatório de 2% sobre a receita mensal. A elaboração deste projeto e a sua viabilização foram oportunizadas pela rejeição e declaração de nulidade por parte do Tribunal de Contas do Estado dos contratos assinados em decorrência de concessão realizada na administração anterior. Como todo o sistema foi declarado irregular, a EPT teve a oportunidade de licitar esta parte da rede com as novas regras, já consagradas, da concessão onerosa precedida de investimentos. Para tanto, o prazo previsto foi de 25 anos, prorrogáveis por igual período. A licitação transcorreu dentro da normalidade, tendo vencido um consórcio de duas empresas da cidade (uma delas operadora da maior parte das linhas que operam hoje na região). Os contratos foram assinados e as obras iniciadas. Em decorrência das interferências com outras obras (drenagem e trânsito), o projeto foi atrasado, tendo sua conclusão e início de operação colocadas para o final do primeiro trimestre de 2001. Jornal Diário do Grande ABC, 02.1.1998 e 29.3.2000. Este projeto, em fase final de obras, representa a única alteração de peso implementada na rede de transporte desde a mudança do sistema na primeira gestão do Prefeito Celso Daniel, em setembro de 1990. Mais que uma intervenção no serviço de transporte, o projeto serviu para qualificar toda uma região, inserindo-se num projeto maior de recuperação urbanística e valorização de centro comercial. Do ponto de vista do transporte, inova ao estabelecer o primeiro corredor exclusivo de ônibus no âmbito local na região do ABC e ao incorporar conceitos novos de melhorias urbanas voltadas a facilitar as operações de transporte. Nas relações locais, o projeto levou a uma nova postura por parte de uma das empresas operadoras mais tradicionais do Município, que resistiu para se envolver no projeto e comprar a idéia da sua evolução e encaminhamento, mas que, uma vez convencida das vantagens econômicas e operacionais do empreendimento, veio a se empenhar em um consórcio e lograr êxito na conquista do contrato, sendo hoje a maior acionista do consórcio Expresso Guarará, responsável pelas obras e operação do corredor. No campo da disputa das idéias de cunho petista, o projeto representa na prática uma ação concreta de prioridade do transporte coletivo sobre o transporte individual e de valorização do usuário do serviço, com um tratamento adequado dos espaços de embarque e desembarque, um projeto de comunicação visual voltado ao pedestre e uma efetiva intervenção viária de suporte ao serviço de ônibus urbano. O corredor da Vila Luzita, como é conhecido, embora não disponibilizado para uso, representa uma intervenção deste Governo, que complementa o conjunto das ações que inovaram o transporte público na cidade de Santo André no período analisado. Os resultados práticos que essas ações apresentadas e analisadas aqui tiveram podem ser medidos mediante inúmeras pesquisas de opinião realizadas pelo Governo, que reconheceram (em diferentes graus ao longo do tempo) na política pública de transporte avanço importante e efetiva melhoria na qualidade dos serviços prestados. Quanto às diferenças que marcaram a atuação no primeiro Governo de Celso Daniel e no segundo, na área de transportes, representam não apenas mudanças ocorridas no seio do Partido dos Trabalhadores, nem tampouco apenas produto da mudança de contexto de um período a outro. Elas representam mais do que isso. A própria revisão no modo de ver e atuar, enquanto gestor público, e estabelecer relações com os agentes sociais e políticos que conformam o espectro de influência no processo de tomada de decisão. 6 CONCLUSÃO A análise da formulação e implementação da política de transporte público em Santo André em dois períodos distintos (1989-1992 e 1997-2000) sob a mesma direção partidária (do Partido dos Trabalhadores) e administrativa (de Celso Daniel) permite estabelecer uma avaliação dos atores sociais relevantes no processo de tomada de decisão, seus interesses e a atuação do Estado na mediação e compatibilização desses interesses em busca das condições adequadas para a consecução de seus objetivos. A premissa básica da qual partimos na Introdução, de que o bom resultado de uma política pública depende da forma como o Estado atua na relação com os diversos atores sociais, compatibilizando seus interesses, pode ser corroborada a partir da observação das duas experiências analisadas, considerando três atores básicos: o PT, os empresários e os usuários. A relação entre o público e o privado, que se aborda neste trabalho, está circunscrita à política de transporte público, fundamental para o provisionamento de um serviço público que no nosso regime legal é atribuição do Estado. O Estado pode prover este serviço diretamente ou concedendo-o à iniciativa privada. A concessão não desobriga o Estado em relação ao provimento do serviço; ao contrário, amplia suas atribuições, pois o obriga a zelar continuamente pela manutenção dos serviços de forma adequada e, ainda, a resguardar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos estabelecidos com o setor privado. Os Governos, que orientam a ação do Estado, definem a forma de prestação desse serviço com motivações de ordem ideológica e pragmática. Do ponto de vista ideológico, pesa a visão do Governo em relação à sociedade e o papel que o Estado deve cumprir na organização social. Do ponto de vista pragmático, pesam os interesses objetivos do Governo de atender este ou aquele compromisso. No âmbito deste trabalho, tratamos de um tipo específico de Governo, cuja motivação ideológica é estabelecida pelo Programa e Resoluções partidárias, que exercem forte influência em suas decisões e os interesses estão expressos pelo seu próprio programa de ação e pelos compromissos estabelecidos com os atores sociais que lhe dão sustentação. Para avaliar as motivações que levaram o Governo a se posicionar desta ou daquela forma, é necessário considerar estes elementos e compreender os interesses dos atores envolvidos, verificando se a relação do Estado com estes atores, em busca da compatibilização dos seus interesses, foram, de fato, decisivas ou não ao resultado da política pública implementada. Tanto a política de transporte implementada na primeira gestão quanto à levada a efeito agora no segundo Governo foram consideradas exitosas, em virtude dos resultados alcançados junto à opinião pública. Essas políticas, embora implementadas pelo mesmo Partido e pelo mesmo administrador, foram bastante distintas entre si. O contexto de aplicação de cada uma delas era distinto. O próprio Partido acompanhou as mudanças de conjuntura e variou o seu pressuposto, mas ainda assim as diferenças sugerem que os interesses objetivos do Governo também se alteraram. Estes objetivos podem ter sido previamente definidos ou podem se ter alterado a partir das relações estabelecidas entre os atores sociais diretamente envolvidos com a política pública. O pressuposto que pretendemos observar é de que o Governo, atuando com os atores sociais para viabilizar a sua política pública, relaciona-se com eles e altera seus pressupostos de partida na busca de uma negociação de interesses para ver alcançado os seus resultados. Quanto mais se relaciona, mais efetividade ganha, porém, menos identidade mantém. A contrapartida de uma relação altamente efetiva com um determinado ator social é a coincidência de interesses. Se os interesses coincidem, há confiança mútua e, portanto, a relação é altamente efetiva na medida em que cada uma das partes sabe exatamente o que deve fazer (e efetivamente faz) para atingir o objetivo comum. Se os interesses não coincidem tanto, a relação é de desconfiança, cada um guarda sua própria identidade, porém, a efetividade é pequena, pois não é claro o que se espera de cada um para atingir objetivos paralelos, porém não coincidentes. Nesse sentido, cabe avaliar os pontos de contato entre as duas experiências analisadas e suas distinções, considerando o contexto de formulação e implementação de cada uma delas e uma análise do papel desempenhado pelos três atores principais aqui definidos: o PT, os empresários e os usuários. 6.1 Um paralelo entre as duas gestões Um elemento que amalgama as duas experiências é a convicção do Governo acerca do papel central que o Estado joga como regulador do serviço de transporte urbano. Nos dois períodos, o órgão gestor teve um papel central na definição da política pública implementada, o que afirma uma visão acerca do papel do Estado na sociedade. Para o governo de Celso Daniel, não é possível conceber um serviço de transporte eficiente sem uma presença forte do Estado no planejamento, no dimensionamento e no controle do serviço. A possibilidade de a oferta se ajustar à demanda, pelas regras de mercado, não foi uma hipótese trabalhada por este Governo em nenhuma das duas experiências. Outro fator de unidade nos dois períodos foi o foco na qualidade do serviço, tanto no primeiro quanto no segundo Governo. A prioridade foi melhorar o serviço, atuando nos indicadores de aumento da qualidade (aumento de frota, redução da idade média, ampliação das viagens, ampliação da cobertura de serviço, etc.). Outras questões como a participação popular na concepção e planejamento do serviço, ou a introdução de novas tecnologias dentre outras, foram tratadas com estratégias diferenciadas, ocupando espaço maior ou menor, dependendo do período, mas nunca alçadas ao primeiro plano de preocupações. Ou seja, para a Administração de Celso Daniel o que importa fundamentalmente para o usuário é a qualidade do serviço; o resto é secundário e nunca substituiria este elemento fundamental. Por fim, no campo das coincidências de tratamento, é clara uma estratégia comum de marcar a passagem de um modelo para outro, de maneira muito forte. As duas experiências tiveram um forte impacto visual e foram apresentadas de maneira global com um esforço de comunicação social que afirma uma marca. Isso demonstra uma deliberada intenção de atingir um público mais amplo que o efetivamente atendido pelo serviço prestado. A conclusão que extraímos é que para Celso Daniel a legitimação de uma política pública de transporte vai muito além do interesse exclusivo do usuário. É necessário que ela seja vista como boa por toda a sociedade, mesmo por aqueles que não se utilizam do serviço ou dele não extraiam nenhum proveito. A questão tarifária, muito embora tenha estado no centro do programa de governo para a gestão 1989 a 1992 (transporte bom e barato), não condicionou de forma decisiva a política de transporte, no curso do governo ficou claro que o transporte de boa qualidade tinha um custo elevado, o que no final da gestão levou a administração à decisão de subsidiar a tarifa para não comprometer a qualidade do serviço, nem tão pouco a capacidade de pagamento dos usuários. Já no segundo governo, dado o modelo de gestão adotado, a opção foi clara pela qualidade com o repasse total dos custos aos usuários do serviço. O modelo de gestão representa, sem dúvida, a principal distinção entre as políticas desenvolvidas nos dois períodos. Apesar de estar presente no seu programa de governo para 1997-2000, o estabelecimento de modelo de remuneração por serviço (pagamento por quilômetro rodado), o fato é que isso não ocorreu. Todo o esforço de implementação do modelo, na primeira gestão, seguido de uma estratégia de afirmação da experiência para dentro e para fora do Partido,1 1 No campo interno, o modelo de gestão pela receita pública vira referência no Partido dos Trabalhadores, figurando com destaque no livro O Modo Petista de Governar. No campo externo, a experiência recebe prêmio das Nações Unidas. não foi suficiente para que a proposta tivesse sido retomada na cidade. Uma possibilidade para isso ter ocorrido pode estar ligada à equipe condutora da política de transporte, bastante distinta entre um Governo e outro. Outra possibilidade, e esta nós julgamos mais provável, é que as vantagens do modelo de gestão pela receita pública (garantia do controle público sobre o serviço, ampla flexibilidade para o dimensionamento da rede, altos índices de cumprimento de viagens e estímulo à renovação continuada da frota) não tenham se afirmado sobre a sua principal desvantagem (propensão à elevação do custo do serviço e conseqüente risco ao incremento do subsídio público). Além disso, o modelo de gestão pela receita pública (por se configurar como um contrato de fretamento) não gera direitos em relação à linha, mas sim em relação ao lote de veículos, não propiciando, portanto, a realização de concessões, muito menos de concessões onerosas (a concessão, do ponto de vista jurídico, só se configura quando uma empresa presta um serviço público e se remunera de uma tarifa paga diretamente pelo usuário do serviço; se o recurso que remunera a empresa é público não se configura o instituto da concessão e sim um mero contrato de prestação de serviço). DI PIETRO (1996: 243) ressalta que: "concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário". As ações que viabilizaram o cerne da política de transporte do segundo Governo foram lastreadas nos recursos advindos das concessões onerosas que foram realizadas. Sem poder contar com esta possibilidade, certamente seria necessário o aporte de recursos orçamentários para sanar déficits na EPT, ou mesmo realizar investimentos que foram viabilizados com este dinheiro (o pagamento da desapropriação do terreno para a construção do Terminal da Vila Luzita, por exemplo). O enfoque sobre a empresa pública de transporte é o outro grande ponto de distinção. Se no primeiro Governo afirma-se a necessidade de uma empresa pública operadora do serviço de transporte, realizando-se um grande esforço para a sua criação, no Governo seguinte a proposta é acabar com a operação pública e ficar com a empresa como órgão gestor. Está muito claro que a mudança de postura em relação à EPT foi dada pela sua condição, sem possibilidade de se manter com recursos próprios, sem condição de renovar sua frota e melhorar a sua operação, endividada, com uma péssima imagem pública, envolvida em escândalos de malversação de recursos públicos e difamada pela imprensa regional. Não restava ao Governo outra atitude senão buscar uma saída honrosa para a EPT, afinal de contas a empresa havia sido criada por Celso Daniel, em 1990, sob forte crítica de que se transformaria no que de fato se transformou. Contribuiu na decisão de acabar com a operação pública em Santo André uma reflexão interna no PT, iniciada já em 1990, quando os técnicos do setor no Partido buscavam afirmar o controle público sobre a estatização. Estas formulações foram importantes para desmistificar a idéia de que a única solução para o transporte nas cidades era uma operação direta por parte do Poder Público (que constava como meta no programa de governo de 1988 em Santo André). A partir daí, para se concluir que as empresas públicas de transporte não eram fundamentais a uma política de transporte do PT, foram apenas mais alguns anos. BITTAR (1992: 78-79) destaca, em sua obra, que: Sem isso, a simples estatização, mesmo não operando linhas deficitárias, pode levar a desvios sérios, subsidiando a ineficiência e a incompetência, e até mesmo deteriorando a qualidade do serviço. Portanto, a meta da estatização não pode ser colocada como a solução dos problemas de transporte e muito menos acima da proposta de prestação de um serviço de qualidade e com respeito ao usuário e ao trabalhador. Também BICALHO (1995: 7) assevera que: "a primeira grande conclusão a respeito das empresas públicas é que elas não são essenciais para a gestão de uma adequada política de transportes urbanos, ainda que possam se constituir em um importante instrumento para tal. Certamente garantir a gestão pública dos serviços é muito mais importante do que a simples operação pública". O terceiro e último grande elemento de distinção da política de transporte nos dois governos de Celso Daniel foi a participação popular. Na primeira gestão, ainda impulsionada pelo que havia de vitalidade na AUTC, foi desenvolvido um esforço no sentido de incorporar a participação dos usuários no planejamento e implementação das ações na área. A participação nunca foi muito significativa, caindo nitidamente em qualidade e quantidade do começo ao fim do Governo, tendo um final melancólico com a constituição do Conselho de Transportes, que deveria ser a apoteose da gestão participativa. No segundo Governo não havia nada sobre o qual se pudesse estruturar um processo participativo e nada foi feito para fomentar ou incentivar essa participação, mesmo figurando no topo da lista de propostas de ação do programa de governo para a gestão 1997-2000. A participação popular não ocorreu, nem de forma esporádica ou mesmo dirigida. A exceção ficou por conta das plenárias de orçamento participativo, que vez ou outra pautavam o tema, mas estas não eram afetas à gestão de transporte e sim a uma política de participação mais geral do Governo. O que parece ter ocorrido nesse caso foi mesmo uma ampla desmobilização popular em relação ao tema, que não estimulou nenhum esforço por parte do Governo no sentido de fomentar qualquer tipo de organização. Como na primeira gestão havia um sinal de vida no movimento, o Governo se mobilizou nessa direção, na medida em que se desmobiliza a organização popular, refreia-se o ímpeto da Administração nessa direção. 6.2 O governo e o PT O Partido, desde a sua fundação, sempre fez um esforço de marcar uma linha de ação programática que o distinguisse dos demais e que, de alguma forma, comprometesse seus seguidores. Com uma proposta de ser um partido de massa, baseado na democracia interna, o PT sempre exerceu um certo acompanhamento sobre as suas administrações. No caso particular da política de transporte, o Partido desenvolvia formulações mais acabadas, verdadeiros dogmas que eram assumidos pelos filiados e militantes e utilizados para questionar a ação dos Governos, independentemente do fato da política estar atendendo ao não ao interesse e expectativas da população. Em Santo André não foi diferente. Tanto na primeira quanto na segunda gestão o Partido, a nível local, esteve em vários momentos questionando a administração pelas políticas implantadas. A relação nunca chegou a uma situação de confronto, limitando-se a pedidos de esclarecimentos no Diretório Municipal, seguidos de debates e raras vezes de votações sobre algum tema mais relevante. A tônica no primeiro Governo foram os reajustes tarifários, que exigiram diversos esclarecimentos, e no segundo Governo a privatização das linhas da EPT, a questão dos perueiros, a implantação da catraca eletrônica e os reajustes de tarifa. No âmbito de outras instâncias, não encontramos registros de nenhum tipo de interferência na política local, muito embora assuntos de governo de Santo André tenham sido encaminhados para o Diretório Estadual por membros do Partido na cidade para fomentar debate, sem, entretanto, este fato ter ensejado qualquer reação. Ainda assim, quando no segundo Governo, Celso Daniel pensava em privatizar as linhas da EPT, antes mesmo de consolidar a decisão, apressou-se em ouvir as lideranças do Partido de outras instâncias para fundamentar suas razões e aferir o sentimento da cúpula partidária sobre o tema. Para além do Partido, enquanto direção municipal, outra instância que interage com o Governo é a sua bancada de vereadores. Esta, por diversas vezes, instou o Governo a prestar esclarecimentos e discutir temas relevantes que julgavam atingir suas bases ou ferir questões de princípio partidário. Do ponto de vista da participação no processo de decisão, ao que parece, a bancada de vereadores teve um papel mais relevante que o Diretório Municipal, pois não há registro de nenhum encaminhamento do Governo que tenha sido deliberado a partir do Diretório, mesmo aqueles poucos temas que foram votados no Diretório Municipal corroboraram decisões de Governo. Já a bancada influiu mais diretamente, recomendando alterações de curso, ou cuidados extras com algumas questões (um exemplo foi a questão dos perueiros, em que a bancada foi decisiva para o Governo concordar em formular uma proposta para a categoria). Outro indicador do peso relativo da bancada nas decisões de Governo foram as inúmeras reuniões para deliberar sobre temas polêmicos do setor, em que o Prefeito convoca a bancada antes para discutir, opinar e ouvir o posicionamento do Governo. Isso aconteceu nas mudanças efetuadas no sistema no primeiro Governo (exceto a intervenção na empresa Viação Alpina, que foi mantida em sigilo, sendo inclusive motivo de queixa dos vereadores à época); na privatização das linhas da EPT; no conflito com os perueiros; na implantação das catracas eletrônicas; nas revisões de tarifa; e em mais alguns casos em que a iniciativa de discussão partiu dos próprios vereadores. Essa relação privilegiada com a bancada tem a ver com dois fatos: primeiro, com a legitimidade conferida pelo mandato (afinal são vereadores e devem ser respeitados como tais); segundo, por serem lideranças no Partido e, portanto, a partir deles ser possível auscultar e informar um conjunto amplo de filiados e militantes e manter a hegemonia interna. Quando no primeiro governo, Celso Daniel ficou com a minoria dos vereadores apoiando o seu candidato à sucessão dentro do PT, ele perdeu as prévias no Partido, a despeito de ter um grande apoio dentro do Governo. Dentro do Diretório Municipal o fundamental é a garantia da maioria e não o consenso. Dada a lógica de existência de tendências (correntes organizadas de opinião) no interior do PT, sempre existiu a oposição interna sistemática, o que transforma o debate para o consenso um mero exercício, pois aqueles que são da tendência contrária dificilmente serão convencidos de uma posição distinta da sua. Nesse sentido, a busca e manutenção dessa maioria é o que rege a ação fundamental do Governo no PT a nível local. O Diretório Municipal é coordenado por uma executiva municipal que é uma outra instância do Partido. A executiva delibera para dentro do Partido e sua ação é importante nesta perspectiva. A maioria no Diretório assegura a maioria na executiva. A executiva participa, enquanto instância, da discussão de temas relevantes do Governo pautados pelo Prefeito (o caso da privatização das linhas da EPT, por exemplo, foi discutido com a executiva junto com a bancada). Mas, assim como o Diretório Municipal, nós não temos registro de nenhuma interferência direta da executiva municipal em decisão do Governo. 6.3 O governo e os empresários Os empresários de ônibus sempre foram vistos com muita desconfiança pelo Partido dos Trabalhadores e, em conseqüência, pelos seus governos. Ao longo da constituição da própria categoria, os empresários de ônibus sempre estiveram envolvidos com aquilo que o PT classificava de "governos de direita", portanto, eram vistos como aliados de nossos adversários, por conseguinte, nossos inimigos. Foi necessário virar Governo para verificar que os empresários de ônibus, a despeito daquilo em que eles de fato acreditam (e eles fazem um grande esforço para passar a impressão que não acreditam em nada, ou que acreditam em tudo), estão muito mais interessados em fazer negócios e, portanto, estão abertos a dialogar e serem parceiros (como modernamente eles preferem ser reconhecidos) de qualquer governo. Evidentemente que os empresários estão sempre buscando atender aos seus próprios interesses, entretanto, eles rapidamente perceberam que lidar com os governos do PT era uma questão de sobrevivência e buscaram se instrumentalizar para isso (não é pequeno hoje o número de consultores prestando serviços a empresários de ônibus que têm em seu curriculum passagem como executivos públicos de administrações do PT). Na primeira administração, o nível de desconfiança mútua era muito elevado e as relações foram muito difíceis (a proposta do Partido também não ajudava; era claramente excludente do ponto de vista do empresário), entretanto, como já vimos no Capítulo IV, foi possível estabelecer uma ponte e começar a negociar. O resultado agradou a todos. Ganhou o Governo, que implantou o seu projeto. É bem verdade que, com algumas concessões, ganharam os empresários que permaneceram na cidade como operadores do serviço, e ao que consta bem remunerados. E ganhou inclusive quem tinha tudo para perder: o empresário desapropriado, que recebeu muito bem pelo seu patrimônio, voltando a operar na cidade no sistema municipal no segundo Governo de Celso Daniel. No segundo Governo, as relações eram outras. Os empresários já não temiam o PT, ao contrário, alguns já até demonstravam aberta preferência em trabalhar em administrações do Partido. O Governo, por sua vez, também estava mais permeável. O próprio programa de governo demonstra isso pelo grande número de vezes que menciona o termo "parceria" como alternativa à ausência de recursos. Nessa perspectiva, estavam dadas as condições para o aprofundamento de relações e troca de interesses. Os projetos encaminhados no segundo governo falam por si só do quanto avançaram as relações entre o Governo e os empresários. O que parece ter dado a tônica do período foi um maior entendimento por parte da administração dos interesses e necessidades do setor empresarial e a sua disposição em atuar no mercado, no sentido de compatibilizar estes interesses com os seus projetos, para buscar uma viabilização mais rápida e eficiente de suas propostas. A privatização das linhas da EPT, a implantação do sistema de microônibus, a construção e operação do novo Terminal Rodoviário de Santo André (principalmente este) parecem ser bons exemplos disto. As indicações que temos é que de fato os interesses do setor empresarial pesaram bastante nas decisões que foram tomadas, em decorrência da necessária acomodação de interesses que buscassem viabilizar projetos que faziam parte do programa de governo de Celso Daniel. Não temos registro de nenhuma concessão feita ao setor empresarial que ferisse o que estava previsto no programa de governo, a não ser a questão do modelo de remuneração por serviço prestado. Esta, entretanto, como já vimos, foi uma concessão feita pela necessidade de levantar recursos com as concessões onerosas e evitar subsídios à tarifa e não exigência preconcebida pelos empresários. O Governo também aprendeu nesse processo. Verificou que os interesses empresariais, embora corporativos na sua essência, nas nuances mostram-se altamente distintos e competitivos entre si, ou seja, antes de constituir um corpo monolítico e articulado, os empresários são um conjunto de peças de tamanhos variados, competindo entre si para estabelecer uma melhor posição no mercado. Conhecendo este mercado e os interesses de cada um de seus agentes, é possível engendrar um processo em que se estabeleça de fato uma cooperação entre os empresários, com ganhos efetivos para o interesse público. O caso dos microônibus é um exemplo disso. Foi possível conhecer o interesse de um empresário neste produto e convencê-lo a colocar o serviço em funcionamento para, no momento seguinte, obter a adesão de todos os outros, que ampliaram o serviço sem contestar acréscimo tarifário em decorrência da ampliação de frota. Com a implantação da catraca eletrônica e a centralização da venda antecipada nas mãos dos empresários, foi possível conseguir uma outra vitória para o interesse público, que foi a quebra do monopólio da AETC sobre a organização das empresas na região do ABC. Desde 1958 (vide Capítulo I), os empresários da região se constituíam enquanto uma única entidade. A partir de 1999, criou-se a Associação das Empresas de Transporte Coletivo de Santo André - AESA, distinta da AETC, o que gera condições bastante favoráveis para a negociação e o estabelecimento de trabalhos conjuntos com o Poder Público local. Sendo uma entidade de Santo André, a AESA, concentra um número menor de empresários, o que reduz a pressão corporativa. Além disto, como ela está voltada especificamente aos projetos e interesses do sistema local de transporte é possível definir parcerias para projetos de fortalecimento do serviço na cidade sem necessariamente termos que compatibilizar os interesses do sistema metropolitano de transportes, onde o interesse dos empresários da AETC está há muito consolidado. Enfim, as relações que se estabelecem entre o setor público e o setor privado, quando se aproximam, modificam o posicionamento de ambos em um mercado como o de transporte urbano, onde a rentabilidade é fortemente influenciada pelas decisões tomadas no âmbito do Estado. É absolutamente compreensível que uma aproximação muito grande de interesses causem desconfianças e preocupações quanto à manutenção da necessária independência de posições, afinal, certamente existe um ponto de equilíbrio nesta curva onde o relacionamento atinge o seu ponto ótimo de benefício para ambas as partes. A partir dali, qualquer avanço significará perda para um dos lados. 6.4 O governo e os usuários Esse é sem dúvida o ator social mais intangível do processo, porém, o mais importante. Por usuário devemos definir não apenas aqueles que utilizam o serviço, mas também quem sobre ele emite opinião, portanto, a população, de uma maneira geral. No primeiro Governo do PT na cidade, a presença da AUTC representava os usuários e se constituía em um ator social atuante e pronto a dizer o que o usuário precisava, o que era melhor para ele, como consultá-lo diretamente, etc. Com o enfraquecimento e conseqüente esvaziamento da AUTC, a representação dos usuários desapareceu, passando o Governo a identificá-lo através de pesquisas qualitativas e quantitativas de avaliação de serviço ou de imagem. A partir daí, a preocupação com o usuário passa a ser a preocupação com o próprio resultado da política pública. Não importa apenas ser bom para um grupo ou para uma liderança deste grupo; é necessário atender a maioria e de fato ser percebido como algo positivo. Nos dois governos de Celso Daniel podemos afirmar, com base nos dados os quais dispomos, que a política implementada atendeu esse objetivo de ser reconhecida como positiva. As críticas existiram tanto em uma experiência como em outra, mas é a visão geral que deve ser destacada e esta foi boa, na maior parte do tempo. Principalmente na atual gestão, há uma crítica muito forte, no interior do PT, que chega mesmo a questionar a legitimidade do trabalho desenvolvido2 2 Carta encaminhada aos militantes do PT em Santo André intitulada “Os equívocos da política de transportes da administração de Santo André”, 1998, assinado pelo Fórum Opção de Esquerda. quanto à ausência de institucionalização de um canal de participação que garanta o envolvimento do usuário no planejamento e no acompanhamento das ações de transporte encaminhadas pelo Governo. Essa limitação da política é reconhecida pelo próprio Governo,3 3 Documento resposta ao Fórum Opção de Esquerda, intitulado “Os acertos da Política de Transporte em Santo André”, 1998, assinado por vários filiados do PT que atuam no Governo. que faz um "mea culpa" baseado na ausência de organização da sociedade voltada para a questão do transporte urbano e as dificuldades de instituir um canal artificial de participação da sociedade. De qualquer forma, o fato é que salvo através de pesquisas de opinião, que têm forte papel nas decisões tomadas pelo Governo, não há nenhum outro espaço em que os usuários ou a população possam interferir sobre qualquer decisão tomada no âmbito do Estado para a implementação da política de transporte no Município. Ainda que exista um canal de acesso disponível para receber reclamações, sugestões e críticas sobre o serviço na Prefeitura, este serviço nunca foi utilizado para de fato instrumentalizar qualquer medida de planejamento ou ajuste do serviço. As reclamações que chegam no serviço são invariavelmente vistas como demandas individuais, e quando muito são usadas para orientar a fiscalização, que se dirige a partir da concentração de reclamações nesta ou naquela área ou linha. O desafio que se coloca para um novo espaço de gestão do PT é buscar abrir espaços que de fato permitam uma maior influência da população nas decisões que são tomadas pelo Estado para dirigir a política de transporte. Tendo em vista o interesse do Governo, que é atender o desejo do público para conquistar adesões às suas políticas (que é o que lhes garante a permanência no poder, renovada pelo voto popular), é natural imaginar que esta não é uma medida que venha criar embaraços a qualquer Governo. Resta saber como fazer para conseguir isso para além das pesquisas de opinião, em busca de outros espaços de participação do indivíduo que possam envolvê-lo sem comprometer o seu tempo. Devem ser priorizados, inclusive como garantia e contraponto ao espaço, hoje bastante usado, que os empresários de ônibus têm ocupado nas definições de políticas públicas nesta área. Por fim, a partir das reflexões formuladas com base na análise desenvolvida, é possível afirmar que de fato o Estado capitalista no âmbito local pode conceber e implementar uma política de transporte urbano voltada aos interesses dos usuários do serviço. Os espaços ocupados pelos empresários prestadores de serviço, na sua relação com o Governo, não determinam a ação deste Governo, nem tampouco dirigem a política pública para um caminho distinto daqueles seguidos pelo interesse público. Na busca de viabilizar suas propostas, o setor empresarial se constitui em um interlocutor privilegiado do Estado. Entretanto, ficou claro que nessa relação o Governo leva muita vantagem, principalmente porque os empresários não conseguiram, ainda, na cidade, uma hegemonia total. Com relação ao interesse do usuário, ficou claro que este se manifesta de forma clara em pesquisas de opinião qualitativas e quantitativas e nas pesquisas de imagem e avaliação de serviço. Não existe um agente ou ator social que exprima de forma representativa os interesses de todos os usuários. Cabe ainda avaliar que os interesses dos usuários são difusos e devem ser considerados de maneira relativa, pois muitas vezes se mostram antagônicos à própria lógica de organização do serviço. Por exemplo o desejo da máxima acessibilidade (no limite é ter ônibus em todas as ruas indo para todos os locais) em contraposição ao da máxima objetividade (ter a ligação da origem ao destino da viagem realizada com o menor percurso possível e no menor espaço de tempo) ou a tradicional contraposição entre a máxima qualidade com o menor preço. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFFONSO, Nazareno S. 1990. "Um projeto coletivo". In: Trajeto nº 01. Santo André: p. 5-10. ATO Nº 15, de 12.6.1931. Armando Setti. 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