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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Sociologia Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Autor: Bento Razul Subuhana Supervisor: Dr. Eugénio José Brás Co-Supervisor: Dr. Carlos Cuinhane Maputo, Janeiro 2011 UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Sociologia Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Monografia apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para obtenção do grau de Licenciatura em Sociologia pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane. Autor ____________________________________ Bento Razul Subuhana Supervisor ___________________________________ Eugénio José Brás Co-Supervisor ______________________________________ Carlos Cuinhane Presidente do Júri ___________________ Oponente ______________________ Maputo, Janeiro 2011 Declaração Eu, Bento Razul Subuhana declaro que esta monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Sociologia, no seu todo ou em partes, nunca foi publicado ou apresentado para a obtenção de qualquer grau académico, e que, o mesmo constitui o resultado da minha investigação pessoal, estando indicadas na bibliografia as fontes por mim utilizadas. _______________________________________________ Bento Razul Subuhana i Dedicatória Dedico este trabalho à memória da minha mãe e irmã Elisa Yuda e Fátima Agostinho respectivamente, e que saibam que para mim vocês continuam vivas, e é com muito amor e carinho que dedico este trabalho sobretudo por terem me educado. Que ALLAH lhes dê o jannat. ii Agradecimentos Agradeço em primeiro lugar a ALLAH por me conceder a graça de vida, saúde e força para a realização deste trabalho. Para ele vai o meu muito obrigado do fundo do coração. Em segundo lugar vai o meu profundo obrigado ao Khalid por tudo quanto fez por mim em todos os momentos da minha carreira académica. Queria que tu soubesses que foste em parte a razão da minha luta pela vida, liberdade e independência. Obrigado pelos bons momentos que juntos passamos, pelo carinho e conforto que incansavelmente me proporcionaste, por tudo que fizeste por mim vai o meu muito obrigado. Saibas Khalid que me orgulho muito por ser teu amigo. E tu, não só foste um amigo de batalha mas também um irmão, e acredite que vejo a ti um irmão e assim para sempre serás irmão Khalid. Um muito obrigado ao meu Supervisor Dr Eugénio Brás pela disponibilidade e paciência em acompanhar a minha monografia. Sei que momentos foram que abdicou dos seus afazeres por causa do meu trabalho, por isso o meu muito obrigado. Ao meu Co-Supervisor Dr Carlos Cuinhane pela sua colaboração e orientação, pelo tempo que esteve sempre disponível para esclarecer minhas dúvidas, por isso o meu muito obrigado. Agradeço às minhas irmãs Teresinha e Rosina pela paciência pelo tempo que nunca fui visitá-las. Queria que soubessem que noite e dia morri de saudades de vós, não apenas por ser a única família que tenho, mas também porque vos amo de coração. O meu agradecimento também vai para Mariamo pela sua companhia, carinho e amor e saibas que, tenho-te no coração e ficarás para o resto da minha vida. Ao Adelmar e Natércia pela vossa amizade e carinho. Ao Teles, um amigo que ganhei nessa vida. Ao Roques, pela atenção e amizade, o meu muito obrigado. Ao Manuel Braz e Abel. Também vai o meu muito obrigado a turma de Sociologia de 2005 e a todos aqueles que directa ou indirectamente contribuíram para a realização deste trabalho. iii Epígrafe Jamais seremos iguais em nossa essência, no tecido intrínseco de nossa personalidade, em nosso pensamento, modo de reagir, ver e interpretar os fenómenos da existência. O sonho da igualdade só cresce no terreno do respeito pelas diferenças. Augusto Cury (in: “vendedor de sonhos”) iv RESUMO A presente monografia com o título “autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais” analisa a questão da participação da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais no bairro de Kongholote. Neste bairro, uma das formas de resolução de conflitos sociais baseia-se no poder tradicional exercido pela “autoridade tradicional”, conforme a designação usada no sistema administrativo moçambicano. Deste modo, o problema consistiu em analisar as percepções sociais sobre a importância do papel da autoridade tradicional neste processo e a função social dos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos. A hipótese do trabalho é de que autoridade tradicional busca preservar as normas e valores culturais, velando pela sua transmissão às novas gerações como forma de garantir a sua continuidade; e os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos sociais funcionam como meio através dos quais as práticas culturais são preservadas. O estudo baseou-se fundamentalmente em métodos qualitativos. Assim, na recolha de dados privilegiamos as entrevistas abertas, semi-estruturadas e história de vida. A amostra foi constituída por 32 participantes dentre os quais 1 régulo, 4 colaboradores do régulo e 27 membros da comunidade. Os resultados da pesquisa mostram que a autoridade tradicional joga um papel fundamental na vida da comunidade porque compreende o significado de cada acto material e espiritual por ter sido socializado, podendo desempenhar funções com base na tradição, num exercício de educação moral dos indivíduos com objectivo de preservar as normas e valores que sustentam a cultura comunitária. Palavras-chaves: Autoridade tradicional; Conflito; Resolução de conflitos e Papel social. v ABSTRACT This study analyses the role of traditional authority regarding social conflict resolution in Kongolote, Matola city. One of the ways for social conflicts resolution in this neighborhood is based on traditional power run by traditional authority. Thus, the problem was to analyze the social perceptions of the importance of the role of traditional authority in this process and the social function of the traditional mechanisms of conflict resolution. The working hypothesis is that the authority seeks to preserve the traditional cultural norms and values, ensuring its transmission to new generations as a way to ensure its continuity, and traditional mechanisms for the resolution of social work as a means by which cultural practices are preserved. The study was based primarily on qualitative methods. Thus, we focus on data collection interviews open, semi-structured and life history. The show consisted of 32 participants among whom a regulus, regulus of four employees and 27 community members. In conclusion, the data show that traditional authority plays a vital role in community life because, understands the significance of each material and spiritual act to have been socialized, and may play roles based on tradition in an exercise of moral education of individuals with the aim of preserve the norms and values that sustains the community culture. Keywords: Traditional Authority, Conflict, Conflict Resolution and social Role. vi ÍNDICE Declaração........................................................................................................................................ i Dedicatória ...................................................................................................................................... ii Agradecimentos ............................................................................................................................. iii Epígrafe .......................................................................................................................................... iv Resumo ........................................................................................................................................... v Abstract .......................................................................................................................................... vi INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 1 I. AUTORIDADE TRADICIONAL EM MOÇAMBIQUE .................................................... 10 1.1. Uma reflexão sobre autoridade tradicional ........................................................................ 10 1.2. O percurso histórico da autoridade tradicional .................................................................. 11 1.3. Enquadramento legal da autoridade tradicional ................................................................. 13 II. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................. 15 2.1. Debate sobre autoridade tradicional ................................................................................... 15 2.2. Fontes de legitimação da autoridade tradicional ................................................................ 17 2. 3. Enquadramento Teórico .................................................................................................... 20 2.4. Quadro Conceptual ............................................................................................................. 23 III. METODOLOGIA ................................................................................................................ 26 IV. A AUTORIDADE TRADICIONAL E A RESOLUÇAO DE CONFLITOS .................. 30 4.1. Descrição do perfil dos entrevistados................................................................................. 30 4.2. Percepção social do papel da autoridade tradicional no contexto de um Estado de direito ........................................................................................................................................ 30 4.3. Percepções sociais sobre a importância da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais .................................................................................................... 36 4.4. Que mudanças estruturais caracterizam a instituição da autoridade tradicional no período pós-independência? ...................................................................................................... 41 4.5. Percepção da comunidade sobre a emergência de conflitos .............................................. 44 4.6. Estratégias adoptadas pela comunidade para a sobrevivência das práticas sociais ............ 47 CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 50 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 54 ANEXOS Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais INTRODUÇÃO Nos diferentes estágios do desenvolvimento da história, à medida que se foram sucedendo as diferentes formas de relacionamento do homem com a natureza e, por conseguinte, variados sistemas sócio-económicos, as instituições sociais foram também assumindo formas apropriadas. Assim, as formas de organização, as classes sociais e a sua interacção nas formas de poder e do Estado foram e são elementos porque tornam distintivos os universos sócio-culturais. Com efeito, a economia social baseada na agricultura e na metalurgia está associada à adopção de formas de organização e de relações sociais em que se baseou o surgimento da autoridade. Neste sentido, autoridade entanto que poder deve ser entendido a partir da família, pois a organização familiar é a base da estrutura que rege o poder de chefe numa povoação (Lundin, 1995). Este poder, cuja sustentabilidade tem como base a família, é representado pela “autoridade tradicional”1. Segundo Ivala (1999), autoridade tradicional no caso específico de Moçambique, tem uma existência factual como autoridade comunitária e uma representação colectiva, institucionalizada com relações complexas dentro de uma esfera sócio-política e constituída por actores diferentes com funções diversas mas interdependentes. Este tipo de chefia obedece mecanismos de legitimação comunitária inscritos na cultura nativa legada pelos antepassados. Cuenhela (1996) afirma que a autoridade tradicional é uma instituição sócio-política tradicional africana que se vai perpetuando ao longo do tempo e de geração em geração. A autoridade tradicional é revestida de várias funções tais como: realização de cerimónias e rituais, ensinamento de normas e regras do grupo comunitário, num exercício de educação moral para tornar possível a integração social dos indivíduos e, entre outras actividades. No 1 Segundo o Decreto no 15/2000 de 20 de Junho do Boletim da República na sua alínea (a), autoridade tradicional são pessoas que assumem e exercem a chefia de acordo com as regras tradicionais de uma dada comunidade. 1 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais entender de Durkheim (1983), a autoridade tradicional constitui o meio pelo qual se difundem a solidariedade, a integração, a ordem por meio de normas e regras compartilhadas e, acima de tudo, o meio pelo qual se exerce o controlo social. Por conseguinte, entendemos que a análise feita do ponto de vista das funções que a autoridade é atribuida no seio da comunidade, será frutífera na medida em que nos permitirá compreender se na actualidade é assim percebida por aqueles que a ela recorrem, tendo em conta a dinâmica que caracteriza as sociedades modernas. Assim, a presente monografia intitulada Autoridade Tradicional e Resolução de Conflitos Sociais: estudo de caso do regulado dos Rongas de Kongholote pretende contribuir para uma melhor compreensão da questão da participação da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais, a partir da análise das percepções sobre a articulação entre a autoridade tradicional e a “comunidade”2. O estudo foi realizado no bairro de Kongholote, arredores da cidade da Matola no período de 2009 a 2010. Importa referir que autoridade tradicional como uma instituição, visa a manutenção da estrutura tradicional da comunidade, ensinando os indivíduos o modo de vida do grupo social do qual ela representa. Para além dessas funções, actualmente esta instância desempenha o papel de intermediário entre o governo e as respectivas populações, papel este que muito representa a sua importância social. Estas ideias permitem constatar que a actual realidade da autoridade tradicional é bastante complexa. Contudo, autoridade tradicional não pode ser analisada apenas a partir da sua importância no processo de 2 Segundo Tonnies (apud Johnson 1997:45), a ideia de comunidade inclui um sentimento muito forte de pertença e compromisso mútuo baseado em uma cultura homogénea, experiência em comum e acentuada interdependência. Johnson também desenvolve a dimensão tradicional da comunidade que focaliza as diferenças culturais. Segundo este autor, as comunidades tradicionais são mais homogéneas e resistentes a novas ideias, menos tecnológicas e menos dependentes da mídia. 2 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais mobilização da comunidade para acções que visam o seu desenvolvimento, pois a sua história confunde-se com a história e a vida das comunidades. Proclamada a independência de Moçambique em 1975, a implantação do projecto socialista passava pela destruição de todo o sistema administrativo montado pelo regime colonial incluindo a instituição da autoridade tradicional. Isto não significa que autoridade tradicional tenha desaparecido no mapa da administração da justiça local. A realidade nem sempre corresponde a retórica dos discursos. A autoridade tradicional sobreviveu, manteve a legitimidade e veio suprir um vazio deixado pelo Estado no concernente a resolução de conflitos. A partir de 1992, sobretudo após o “Acordo Geral de Roma”3 (AGR), assistimos uma nova abordagem por parte do Governo da Frelimo em relação a autoridade tradicional. Esta abordagem manifestou-se pela necessidade de inclusão desta instância no processo de governação local. A título de exemplo, o régulo passou a fazer parte do quadro dos funcionários do Estado, (Decreto no 15/2000 de 20 de Junho do Boletim da República). Assim, o presente trabalho tem como objectivo Geral: compreender o papel da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais. E apresenta como objectivos específicos os seguintes: a) descrever as percepções da comunidade em torno da importância do papel da autoridade tradicional no contexto de um Estado de Direito; b) analisar as percepções da comunidade sobre a importância da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais; c) analisar as estratégias adoptadas pela comunidade, para garantir a sobrevivência das suas práticas assim como as acções que visam a legitimação da autoridade como instituição social; e d) identificar que mudanças estruturais caracterizam a instituição da autoridade tradicional no período pósindependência. Em relação ao problema, no período pós independência, as formas de autoridade tradicional existentes viram-se marginalizadas e ignoradas porque eram tidas como aliadas 3 Acordo assinado entre governo da Frelimo e o movimento nacionalista da Renamo com vista a por fim o conflito armado dos 16 anos. 3 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais das estruturas coloniais. A autoridade tradicional era vista como sinónimo de um regime feudal tradicional, opressor do povo e um obstáculo à reconstrução de um projecto da nação moçambicana (Lundin, 1995). Segundo Lundin (1995), o poder local na altura ligado ao colonialismo foi completamente ignorado e, em seu lugar surgiram e foram institucionalizados os primeiros representantes do poder popular local, os Grupos Dinamizadores e as Assembleias do Povo em 1974 e 1977 respectivamente. As práticas religiosas tradicionais4 tornaram-se cerimónias ilegais eliminando deste modo uma das fontes legitimadoras da autoridade tradicional através da condenação destas práticas. Segundo Nicolau (2002), a remoção da representação da autoridade tradicional tinha, dentre vários motivos, o facto de neles encarnarem algumas especificidades étnicas e culturais cuja eliminação era vista como indispensável para edificar um tecido social homogéneo. No entanto, para certas comunidades este acto constituiu, uma privação de uma das formas mais recorrente e aceitável de resolução de conflitos sociais. Esta afirmação é fundamentada com a ideia segundo a qual os indivíduos em face da sua vivência bem como dos seus antepassados aprenderam durante o processo de socialização de que o régulo é portador de sabedoria comunitária, daí estar em boas condições do ponto de vista de conhecimento comunitário para resolver conflitos que enfermam a comunidade (Nhancale, 1996). O período de tensão entre o Governo de Moçambique e a autoridade tradicional durou desde 1976 até 1994. Segundo Florêncio (2005), foi a partir de 1994, que o governo de Moçambique iniciou uma campanha de aproximação e reconhecimento da autoridade tradicional quase em todo o país. Este processo marcou o ponto-chave da campanha do governo na altura liderado por Presidente da República Joaquim Chissano. O exemplo concreto desta aproximação e reconhecimento da autoridade tradicional, reflectiu-se vivamente na Resolução no 10/95 de 17 de Outubro de 1995 do Conselho de Ministros em que se reconhece aos líderes locais os direitos consuetudinários no acesso e gestão de certo 4 Em relação a esses tipos de práticas, os nossos entrevistados referiram-se das cerimónias de inauguração da época agrícola de canhu, propiciação aos defuntos para que ajudem a encontrar soluções dos problemas que vivem e cerimónias de pedido de chuvas. 4 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais tipo de conflitos, nomeadamente o papel de participar na prevenção e resolução de conflitos e na legalização de ocupação de determinadas áreas. Em torno deste acontecimento, Florêncio afirma que: “Os discursos do governo central sobre a importância da autoridade tradicional no processo de formação do Estado, sobretudo a nível distrital, espelhavam em certa medida algumas práticas locais já em vigor em vários distritos do país, onde os administradores de modo informal, já tinham estabelecido um modus vivendi com as respectivas autoridades tradicionais distritais em torno de certas matérias como a manutenção da ordem, mobilização da população para campanhas estatais nas áreas da saúde e na divulgação agrícola” (Florêncio, 2005: 61). Este foi o início de um relacionamento oficial entre o Estado moçambicano e a autoridade tradicional que pouco a pouco ia se estendendo para todos os cantos da esfera social. Em relação a este posicionamento, refira-se que o Estado reconhece que a autoridade tradicional desempenha um papel fundamental dentro das comunidades devido ao seu capital cultural, de tal maneiras que na esteira do pluralismo jurídico, um dos pressupostos da Constituição da República, diz que: o Estado reconhece os vários sistemas normativos de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição (Constituição da República, artigo 4). Na fase das entrevistas exploratórias, verificou-se que no bairro de Kongholote, nosso campo de estudo, algumas pessoas recorrem a autoridade tradicional como meio de resolução de conflitos sociais. Nesta fase foi possível perceber por parte de alguns residentes a preocupação para uma verdadeira institucionalização da autoridade tradicional. Como argumento deste posicionamento, a comunidade entende que autoridade tradicional conhece a maneira de ser e estar da comunidade por isso que, qualquer problema que afecta a comunidade terá que ser tratado e resolvido pelo régulo, pois ele é que detém o poder e a sabedoria comunitária. É neste âmbito que surge a seguinte questão: Quais são as 5 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais percepções da comunidade sobre o papel social da autoridade tradicional no bairro de Kongholote e qual a função5 dos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos? Como resposta a esta questão de partida, apresentamos a seguinte hipótese: as percepções da comunidade de Kongholote são de que a autoridade tradicional busca preservar as normas e valores culturais, velando pela sua transmissão para as novas gerações como forma de garantir a sua continuidade, e os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos sociais, funcionam como meio através dos quais as práticas culturais são preservadas. Para a análise do fenómeno em estudo, adoptamos a teoria de acção social de Max Weber. Esta abordagem, procura mostrar e orientar para uma análise cuidadosa dos aspectos relativos a vontade humana e motivações aliadas às acções sociais. Para Weber (2000), as motivações influenciam o comportamento dos indivíduos e são orientadas a objectivos concretos. Esta vontade humana a que Weber se refere é motivada por vários factores, podendo ser sócio-económicos ou culturais. Weber estrutura os níveis da acção em quatro tipos básicos nomeadamente: 1) acção racional com relação aos fins correspondentes: aquela em que os indivíduos utilizam os meios adequados para atingir um determinado objectivo; 2) acção racional com relação aos valores: quando o indivíduo serve-se dos valores normativos; 3) acção afectiva: quando os sentimentos emocionais influenciam no modo de ser e estar e; 4) acção tradicional: que consiste na adopção de um determinado comportamento como reprodução de práticas que vem de gerações passadas. Ao reflectirmos sobre a questão da participação da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sob o prisma da motivação, estaremos em busca das percepções dos sujeitos actores envolvidos, isto é, da autoridade assim como da comunidade sobre o que determina a escolha de decisões, num processo onde existe vários níveis de alternativas. 5 A noção de função designa a contribuição de uma instituição social para a manutenção do sistema no seio do qual ela está em interação com o outro (Rocher, 1989). Na presente monografia, o conceito de função referese a contribuição dos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos socias na vida da comunidade. 6 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Neste trabalho usamos também a perspectiva de dominação desenvolvida por Weber (2000), na sua obra intitulada “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”. Para este autor, a dominação do ponto de vista da sociologia, é a forma mais importante e assumida pelo poder na vida social. Este poder, é gerado e controlado por sistemas sociais ou seja, pelas normas do sistema social, aceite como legítima pelos que dela participam. A legitimidade social da dominação depende de a mesma ser usada de acordo com as normas que lhe definem a esfera de acção e os mecanismos sociais através dos quais é aplicada. Segundo Weber (2000), existe três tipos puros de dominação legítima, a saber: 1) dominação legal; 2) dominação carismática e; 3) dominação tradicional. A autoridade tradicional em Moçambique, encerra um conjunto de normas e valores cujo conhecimento passa necessariamente pela interpretação das suas práticas dentro do meio onde ela se insere. Essas normas e valores criam padrões reconhecíveis que distinguem um sistema social do outro. Fazendo uma leitura do tema do ponto de vista da dominação, estaremos a olhar a autoridade tradicional entanto que uma instituição social. Importa referir que as duas teorias tem uma complementaridade na análise do fenómeno em estudo nomeadamente, no facto de toda acção social obedecer uma motivação ligado as formas de dominação desenvolvidas por Weber. A dominação complementa a significação das motivações que levam os actores sociais a obedecerem ou a encetarem uma determinada acção. Quanto a metodologia, optou-se pela abordagem qualitativa baseada nas técnicas de colecta de dados nomeadamente: a pesquisa bibliográfica, as entrevistas do tipo abertas e semiestruturadas e história de vida. A abordagem qualitativa privilegia procedimentos interpretativos e descritivos e busca apreender significados, valores, opiniões que conformam a prática dos actores sociais. A história de vida consistiu na busca de elementos do passado dos actores sociais com objectivo de perceber as escolhas que os indivíduos fazem nas suas vidas. A mostra foi constituída por 32 pessoas, dos quais 22 são do sexo masculino e 10 do sexo feminino com idade compreendida entre 26 a 70 anos. Fazem parte da amostra 1 régulo, 4 colaboradores do régulo e 27 membros da comunidade. 7 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais A escolha do tema, é justificada pela pertinência que a figura da autoridade tradicional tem vindo a ganhar no actual panorama político, caracterizado pela crescente inclusão destes agentes no processo de administração local da justiça. Esta preocupação manifestada pelo governo de Moçambique levou-nos a uma discussão ao nível científico da autoridade tradicional, com intuito de enriquecer as abordagens sociais já existentes sobre o tema. Em relação a essas abordagens, Katiavala (2004) nas suas análises sobre os problemas de acesso ao sistema formal de justiça, que caracteriza alguns Países africanos sobretudo nas zonas rurais, afirma que é necessária a integração de valores e conceitos locais. Neste sentido, o poder tradicional se forma como alternativa na resolução de conflitos sociais, pois nestas instâncias o consenso na resolução de conflitos é sustentado pela moral e pela legitimidade dos seus representantes e ainda pelo reconhecimento destes na sua capacidade de reposição da ordem social. Pensamos ser importante trazer uma reflexão em torno da autoridade tradicional por esta encontrar-se inserida dentro das comunidades desempenhando várias funções relevantes para a integração da própria comunidade. Julgamos tratar-se duma realidade que não pode ser ignorada pelo facto de autoridade tradicional constituir um dos elementos importantes na vida da comunidade devido ao seu capital cultural. É a nível destes pressupostos levantados que surge este estudo na tentativa de compreender a questão da participação da autoridade tradicional na resolução de conflitos sociais e mostrar a importância da perspectiva social no estudo das instituições como a da autoridade tradicional. Por último, com este trabalho, pretendemos um campo de debate e reflexão sobre autoridade tradicional, num esforço que deverá ser prosseguido noutros trabalhos. A principal razão que nos levou a escolha de Kongholote como campo de estudo, prende-se com o facto de a comunidade usar o poder tradicional como uma das formas de resolução de conflitos sociais. Este bairro possui um fórum próprio onde se realiza sessões de julgamento/resolução ou mediação de conflitos na base da autoridade tradicional. Pela informação obtida no terreno, as sessões são realizadas todas as semanas nas terças e quintas-feiras. 8 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais O presente trabalho está dividido em quatro capítulos: na introdução apresentamos o tema, o problema, a hipótese, os objectivos e a justificativa. No capítulo I, para além da reflexão, faz-se a abordagem sobre percurso histórico da autoridade tradicional em Moçambique, e o seu enquadramento legal. No capítulo II, referente a revisão da literatura, fizemos alusão algumas obras que abordam sobre o objecto em estudo, nomeadamente um debate sobre autoridade tradicional, em seguida abordamos sobre as fontes de legitimação da autoridade tradicional, o referencial teórico e a respectiva operacionalização dos conceitos chaves que orientaram o trabalho. O capítulo III apresenta a metodologia do trabalho, que mostra os caminhos seguidos para a materialização e o alcance dos objectivos traçados. Esta parte também comporta os métodos e técnicas usadas na recolha de dados. E capítulo IV, com denominação “A autoridade tradicional e a resolução de conflitos”, apresenta-se e discutese os dados da pesquisa. 9 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais I. AUTORIDADE TRADICIONAL EM MOÇAMBIQUE 1.1. Uma reflexão sobre autoridade tradicional Compulsando a literatura existente observamos por exemplo que Ambrósio Cuenhela (1996), um pesquisador sobre autoridade tradicional em Moçambique afirma que em cada território ou comunidade encontramos uma linhagem que assume a liderança ou o poder e goza de alguns direitos especiais em relação as restantes. Segundo este autor, a legitimidade desta linhagem é dada pela comunidade do respectivo território. O chefe da linhagem tem a legitimidade o que lhe permite exercer o poder tradicional. Aqui, o chefe exerce o poder pela legitimidade que lhe é conferida pela posição da sua linhagem de facto ou elevada a este estatuto por conquista, através de lutas ou por simbolismo. A autoridade tradicional somente é aceite e valorizada porque é tida como legítima por todos. Ivala et al (1999) afirmam que em Moçambique o termo autoridade tradicional tem sido considerado como uma instituição oposta às formas de chefia do Estado moderno, portanto o termo é tomado como antítese do moderno. Uma outra ideia avançada pelo Florêncio (2005), entende autoridade tradicional como um sistema de chefias produzidas pela administração colonial, daí a necessidade de distinguir a autoridade tradicional dos régulos. Esta ideia acima supracitada, é coadjuvada pelo Cuenhela (1996), que segundo ele, tanto a autoridade tradicional assim como o régulo são pessoas locais que assumem um poder tradicional dentro das comunidades. A diferença que existe encontra-se na legitimidade e legalidade do poder de um e do outro. A legitimidade do chefe tradicional é conferida pela comunidade, enquanto o régulo era legitimado pela administração colonial. O régulo corresponde a uma criação que inscreve-se no contexto da administração colonial, cuja reforma administrativa de 1933 atribuía ao régulo a chefia das comunidades nativas, preocupando-se com limitar a sua área de jurisdição aos contornos das unidades políticas autóctones. Através dessa reforma, os régulos passaram a regedores que representavam os interesses da administração portuguesa nas diferentes regiões do País (Florêncio, 2005). Ivala et al, (1999) salientam que a autoridade tradicional constitui um sistema que obedece 10 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais uma hierarquia. Para o autor, este facto acontece em qualquer região do País e a história que explica a sua origem e expansão deste sistema tende a convergir em um antepassado fundador que se mantêm o nome perpetuado pelos sucessivos descendentes que assumem a liderança. A autoridade tradicional é um indivíduo que devido aos laços com a terra exerce um poder simbólico de pai da comunidade. Todo o exercício do poder está descentralizado em linhagens com diferentes tipos de ligação com a linhagem dominante. Estas ligações, são estabelecidas, ou através de conquistas ou ainda através da escolha pessoal, onde os grupos escolhem estar ao lado de alguém justo ou poderoso (Lundin, 1995). Autoridade tradicional não pode ser destituída conforme o prazer ou por decisão dos membros comunitários. Como fundamento dessa ideia, Ivala et al (1999) afirmam que quem admite a entronização de um novo chefe são os espíritos dos antepassados com os quais ele estará em constante comunicação ao logo de todo o período de exercício das suas funções. 1.2. O percurso histórico da autoridade tradicional O surgimento da autoridade tradicional insere-se no período da formação das primeiras unidades políticas no país. Neste período, nas diferentes regiões do país começaram a surgir pequenos núcleos familiares mais conhecidos por linhagens. Estes pequenos núcleos, ao andar do tempo, foram crescendo através da própria reprodução (constituindo famílias alargadas), e por outro através da agregação de famílias ou indivíduos vindouros. Os núcleos assim constituídos, foram-se estruturando e consolidando política e socialmente (Dava, 2003). É neste processo que surgiu autoridade tradicional. Segundo Dava (2003), os principais elementos da estrutura política do poder tradicional são os chefes e seus colaboradores. O acesso ao trono obedece a um conjunto de regras como, a primazia de ocupação de terras, conquista, a sucessão e o carisma. O poder dos chefes tradicionais considera-se ligado aos antepassados pois, crê-se que estes jogam um papel fundamental na vida da comunidade, como elo de ligação entre os vivos e os mortos. 11 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais No período colonial, devido as dificuldades de inserção da máquina administrativa, o governo português procurou formas de se estabelecer nas diversas regiões para por a funcionar seus planos económicos, sociais e políticos. Ciente de tais dificuldades, compreenderam que só os chefes tradicionais poderiam servir de interlocutores entre eles e a comunidade devido ao respeito que gozavam na comunidade. Foi neste contexto que os chefes tradicionais foram integrados na administração colonial. A palavra régulo passou a designar todas as figuras políticas que estivessem a frente de determinadas unidades políticas independentemente da legitimidade comunitária (Ivala et al, 1999). Foi então que, a figura do régulo foi sendo confundida muitas vezes com a do chefe tradicional. De acordo com Dava (2003), nas circunstâncias em que o régulo não fosse cumulativamente chefe tradicional, as vezes aconselhava-se junto deste nomeadamente sobre matérias ligadas à tradição comunitária. Com a independência de Moçambique de 1975, tanto os chefes tradicionais como os régulos foram conotados como servidores do governo colonial português. Este facto fez com que na criação do novo aparelho do Estado, os chefes tradicionais passassem a uma situação marginal e sem nenhuma função sobretudo quando se tratasse da articulação com os Órgãos do Estado. No seu lugar, foram institucionalizados os Grupos Dinamizadores e as Assembleias populares com intuito de assegurar as tarefas sociais, económicas e culturais de cada região tendo em conta as suas especificidades (Dava, 2003). Foi a partir dos anos de 1992 que apesar de ausência de uma lei que reconhece-se a autoridade tradicional, começa-se a sentir a existência duma certa colaboração entre esta entidade e as instituições do Governo de Moçambique (Ivala et al, 1999). Este autor salienta que nesta altura, já havia uma percepção quase generalizada de que é o trabalho da autoridade tradicional que dá vida ao processo de reconstrução do País, após o fim da guerra dos 16 anos. Mais adiante, Florêncio (2005) relata sobre o seminário realizado pelo governo de Moçambique, que constatou a existência de autoridade tradicional como virtualidades sócio-culturais e de representação da população que, o Estado deve o seu reconhecimento. Sendo assim, para este autor, o Estado não só deve reconhecer a 12 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais autoridade tradicional, mas também deve ainda com ela desenvolver um relacionamento que vise a harmonia social e o desenvolvimento comunitário. 1.3. Enquadramento legal da autoridade tradicional Em resposta às preocupações e aos problemas ligadas a melhoria das condições de vida da população e do sistema de justiça, o Governo de Moçambique tem levado a cabo algumas acções relevantes para a valorização da organização social das comunidades e aperfeiçoamento das condições da sua participação na administração pública em prol do desenvolvimento sócio-económico e cultural do País. Foi neste âmbito, que no ano 2000, usando das suas competências legais, a Assembleia da República de Moçambique viu a necessidade de aprovar uma lei com o propósito de encontrar um espaço destinado a actuação da autoridade tradicional. No artigo 4 da Constituição da República referente ao pluralismo jurídico, o Estado reconhece os vários sistemas normativos de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, desde que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição (Constituição da República, de 20 de Junho de 2000). Neste âmbito, foi necessário estabelecer as formas de articulação dos Órgãos locais do Estado com as autoridades tradicionais. No Regulamento do Decreto número 15/2000 de 20 de Junho do Boletim da República que define sobre o estabelecimento destas formas de articulação dos Órgãos locais do Estado com as autoridades tradicionais, no seu capítulo número 1 do artigo 1 concretamente na sua alínea (a), define a autoridade tradicional como sendo “pessoas que assumem e exercem a chefia de acordo com as regras tradicionais da respectiva comunidade” (Boletim da República, 2000). Ao abrigo do número 1 do artigo 152 da Constituição da República, o conselho de Ministros decreta que a autoridade tradicional é legitimada como tal pela comunidade. No seu ponto 2 do mesmo artigo, considera que uma vez legitimada, a autoridade tradicional são reconhecidas pelo competente representante do Estado. No artigo 4 do mesmo decreto, refere que são áreas de articulação entre os Órgãos do Estado e as autoridade tradicional 13 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais aquelas que realizam actividades que concorrem para a consolidação da unidade nacional, produção de bens materiais e de serviços com vista a satisfação das necessidades básicas de vida e de desenvolvimento local e, dentre as quais podemos destacar na sua alínea (a): Paz, Justiça e harmonia social. O artigo 5 do decreto acima citado, refere que no exercício das suas funções, a autoridade tradicional goza de certos direitos ou regalias. Na sua alínea (a) diz que a autoridade tradicional tem o direito de serem reconhecidas e respeitadas como representantes das respectivas comunidades locais (Boletim da República, 2000). O artigo 2 do Regulamento aconselha que, estas articulações entre os Órgãos do Estado com a autoridade tradicional, tem em vista a mobilização e organização da participação das comunidades locais na concepção e implementação de Programas e Planos Económicos, sociais e culturais, em prol do desenvolvimento local (Boletim da República, 2000). 14 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais II. REVISÃO DA LITERATURA Várias teorias explicam o funcionamento da sociedade, entre elas pode-se mencionar a teoria integracionista de Durkheim (1983) e Timms (1970). Segundo esta teoria, toda e qualquer sociedade é uma estrutura de elementos relativamente permanente e estável. Estes elementos estão bem integrados uns nos outros e cada um desempenhando uma função, isto é, contribui para que a sociedade se mantenha como um sistema. Neste sentido, toda estrutura social em funcionamento se baseia num consenso de valores entre os seus membros. 2.1. Debate sobre autoridade tradicional Segundo Lundin (1995), a autoridade tradicional compõem uma estrutura de elementos integrados. Esta integração está ligada ao processo sócio-histórico, pois é lá onde se encontra a legitimidade para o exercício da autoridade assim percebida pela sociedade como um todo. Lundin salienta ainda que o sentimento de pertença a uma comunidade ou a um todo através dos seus chefes, é de extrema importância para forjar a ideia da união. Portanto, a figura do chefe tradicional diz respeito a um sujeito actor que exerce o poder de modo informal, mas que este sujeito é reconhecido por certos grupos de indivíduos. Esta figura reveste-se de poderes e tarefas adquiridos hereditariamente. A autoridade tradicional exerce junto às comunidades várias funções ligadas ao desenvolvimento sócio-económico, cultural e política das respectivas comunidades. Segundo Dava (2003), esta liderança comunitária goza de um prestígio social dentro das comunidades onde estão inseridos, de tal maneiras que todas as decisões importantes sobre a vida da comunidade só poderão surtir efeitos desejados se tais decisões forem implementadas em coordenação entre a autoridade tradicional e os Órgãos interessados. Cuenhela (1996) afirma que, a vantagem que os chefes tradicionais têm quando tratam de assuntos envolvendo a comunidade é o facto de conhecerem a zona, pertencerem à cultura das comunidades que dirigem e acima de tudo por conhecerem essa cultura em profundidade sendo mesmo o seu principal transmissor para gerações futuras. A autoridade 15 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais tradicional conhece e compreende o significado de cada acto material e espiritual da comunidade por ter sido socializado. Por exemplo, Ludin e Florêncio (2005), apontam que autoridade tradicional desempenha uma função simbólica e de manutenção da ordem social e ainda apontam a necessidade de encarar autoridade tradicional como uma formação sócio-política de africanidade das comunidades locais, sublinham igualmente a importância destes órgãos locais enquanto expressão de uma cultura local que as populações procuram preservar. A eficácia que autoridade tradicional tem no contacto com as comunidades tem a ver com o poder que eles têm de realizar cerimónias através das quais legitimam todos os seus actos e ganham o reconhecimento social e político perante as suas comunidades (Cuenhela, 1996). No entender deste autor: “Em qualquer etapa histórica do processo governativo moçambicano na base, a autoridade tradicional foi sempre considerada como um instrumento válido e útil de consulta e aconselhamento por ser um depositário legítimo das tradições, cultura, economia de cada comunidade local” (Cuenhela, 1996: 37). A importância da autoridade tradicional neste processo, deve-se a sua ligação histórica com a comunidade onde ela é confiada a direcção dos destinos dos demais concidadãos. Para Katiavala (2004), as promessas positivas do poder tradicional pode ser vista: No plano executivo, em que as funções da autoridade tradicional estão relacionadas com a gestão geral das comunidades, negociação e estabelecimento de ligações com agentes externos (instituições do Estado, ONGs, etc), gestão de terras, incentivo a produção agrícola e controlo da população. Há que destacar ainda na fase actual o papel da autoridade tradicional na mobilização da população visando a participação na implementação de projectos de construção de infra-estruturas sociais e no apoio ao processo de reinserção dos indivíduos nas comunidades; Ao nível legislativo, em que a autoridade tradicional é responsável no estabelecimento de normas sociais, na definição de limites do território que ocupam as comunidades sob sua jurisdição e no estabelecimento de regras de utilização de recursos comunitários como a terra, floresta, e outros; 16 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Na vertente judicial, em que a acção da autoridade tradicional está fundamentalmente direccionada para a administração da justiça, intervindo desta forma na resolução de conflitos e na observância do cumprimento das normas sociais pelos membros da comunidade. Katiavala (2004) refere que este sistema de liderança no contexto actual não está alheio ao fenómeno da globalização. Neste âmbito, a autoridade tradicional moderniza-se e adopta estilos de poder e liderança de acordo com as organizações e instituições exógenas de referência (Estado, e outras instituições). Segundo este autor, são chefias muito abertas a inovações, e assumem uma importância económica nas comunidades pelo papel crescente como provedores de acções que visam o desenvolvimento das comunidades. 2.2. Fontes de legitimação da autoridade tradicional A autoridade tradicional como agente de resolução de conflitos, apresenta formas de regulação com origem na comunidade. Para os estudos sociológicos, Weber (2000) identifica para além da autoridade tradicional outros dois tipos puros de autoridade nomeadamente: autoridade legal quando o indivíduo na sua acção obedece a uma regra estatuida e não a uma pessoa, e autoridade carismática onde a autoridade é sustentada pela capacidade ou qualidades pessoais de responder uma situação nao comum. Em relação a autoridade tradicional, Weber (apud Santos 2003) afirma que este tipo assenta na crença a tradição e a sua legitimidade é garantida por aqueles que governam segundo essas tradições. Durkheim (1983) defende que em sociedades onde se verifica este tipo de autoridade (a tradicional), a coesão social baseia-se principalmente nos valores a que todos os membros do grupo prestam obediência. Nestas sociedades onde domina a autoridade tradicional, as crenças comuns em relação ao mundo servem de elementos unificadores da sociedade, pois constituem uma ideologia. Os símbolos e rituais que expressam valores e crenças comuns dão relevo a unidade do grupo, da mesma maneira que reforçam o consenso e a solidariedade social, reduzindo desta maneira atitudes conflituosas. Apesar do tratamento 17 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais que autoridade tradicional teve em relação ao papel histórico, até hoje mantém quase a mesma postura na medida em que, a população ainda reconhece-a como sua representante e transmissora da “cultura”6 local. Do ponto de vista da sua natureza, a autoridade tradicional, de forma geral, é moldada por uma organização social linhageira assente no parentesco, tendo no culto dos antepassados uma das características marcantes da sua religiosidade. Nestas circunstâncias, a linhagem constitui o principal critério para legitimar o poder da autoridade tradicional (Katiavala, 2004). Cuenhela, refere que: “É o reconhecimento pela comunidade das causas que elevam uma linhagem ao estatuto de real, isto é, dominante tornando-se aceite e que o seu chefe ganha o mesmo reconhecimento. [...], a condição fundamental, aquilo que melhor legitima a linhagem ou o seu chefe, é o poder que essa linhagem ou chefe tem para realizar as “cerimónias”7 porque, dessa forma coloca-se na posição de intermediário entre os vivos e os mortos”(Cuenhela, 1996: 13). Por outro lado, a autoridade tradicional recorre a dois tipos de legitimidade: através de um processo formal de reconhecimento legal dentro de parâmetros do governo e pela comunidade. Neste último caso, a legitimidade deve ser entendida como um processo de relacionamento instituído entre o líder e uma dada comunidade ou grupo étnico. Este relacionamento é assente no reconhecimento e aceitação mútua de regras e interesses de forma a garantir a harmonia social e o desenvolvimento do grupo (Nilsson apud Santos e Trindade, 2003). Tanto Katiavala (2004) como Santos & Trindade (2003) referem-se ao carácter sagrado do poder tradicional. Esta ideia é corroborada pelo Cuenhela (1996), que que na sua óptica, a autoridade tradicional constitui o elo de ligação entre a comunidade e os seus antepassados. O autor, em outros termos diz o seguinte: 6 Segundo Martinez (1994), cultura é o conjunto complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade, incluindo o comportamento humano. Pité (1997: 37) define cultura como conjunto de práticas e de comportamentos sociais produzidos por um grupo e transmitido por processos geracionais aos elementos desse mesmo grupo social. 7 Cerimónias, refere-se às práticas que contribuem para a manutenção de equilíbrios nas comunidades e, a autoridade tradicional é a que se reserva o direito de solicitar, realizar ou dirigir essas Cerimónias (Cuenhela, 1996). 18 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais “De facto, o poder tradicional é sagrado na medida em que busca a sua legitimidade nas Raízes profundas das comunidades, dada a sua ligação com os ancestrais [os nossos avos já falecidos]. São os chefes tradicionais, que por simbolismo presidem ou solicitam as cerimonias que reforçam e tornam mais legítima a sua autoridade” (Cuenhela, 1996: 11). Em torno das funções administrativas e do seu papel na resolução de conflitos, o estatuto mágico-cerimonioso da autoridade tradicional constitui uma das principais ou mesmo a principal fonte de legitimidade desta forma de poder face às populações (Florêncio, 2005). Entretanto, considerando o carácter dinâmico das sociedades e, a influência do fenómeno da globalização, o quadro de análise da autoridade tradicional vai-se diversificando. Nesta óptica, Katiavala (2004) refere que para além da linhagem, começam a surgir outros critérios ou formas determinante para conferir a legitimidade à autoridade tradicional, tais como: (1) a capacidade de liderança; (2) idoneidade e (3) a aceitação pela população. Segundo o autor, esta mudança tem permitido alargar o exercício do poder tradicional para outros extractos sociais fora da órbita das linhagens. Chinoy (1975), afirma que a conformidade das normas sociais é incentivada pela manutenção da solidariedade (coesão social). Quanto maior for a identificação recíproca dos membros de uma sociedade ou de um grupo, e quanto mais forem robustos os laços que os unem num todo social, menores serão as probabilidades de que venham a infligir-lhes os costumes ou as leis. A estabilidade no sentido de ordem pode existir quando os elementos que decidem sobre o destino dos indivíduos ou grupos sociais é legítimo e o sistema de tomada de decisão é aceite pela maioria absoluta dos seus membros (Lundin, 1995). Neste sentido, Santos e Trindade (2003) afirmam que a justiça tradicional não actua de modo individual, pois tratase de um sistema que pretende regular e evitar situações problemáticas de um dado grupo, dai que o chefe exerce as suas funções com o apoio das bases sociais da comunidade. É desta maneira que dentro da própria sociedade, aqueles que são notáveis actuam como conselheiros e a população como avalista da justeza da decisão tomada. Este é o carácter específico do poder tradicional que tenta buscar a partir do envolvimento de toda a sociedade a reputação necessária na resolução de conflitos. 19 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais 2. 3. Enquadramento Teórico Nesta parte do trabalho, procuramos trazer as perspectivas teóricas que vão servir de suporte para a análise do estudo. Para além das perspectivas teóricas vamos fazer uma breve definição dos principais conceitos usados para explicar o fenómeno em estudo. Sendo assim, optamos por trazer a teoria da acção social e uma segunda auxiliar assente no conceito de dominação, ambas de Max Weber (2000). A acção é uma conduta humana que consiste em actividades físicas palpáveis, em actividades da mente ou em tolerância intencional das acções dos outros. Esta acção é social quando existe referência ao comportamento de outros na elaboração do sentido da acção (Shutz, 1970). Segundo Weber (2000) a acção social se define pela participação de outros na elaboração de seu sentido e não importa o tipo de participação. Weber diz que a acção social orienta-se pelo comportamento de outros seja este passado, presente ou esperado como futuro. A conduta humana só é considerada acção social quando e na medida em que a pessoa que age atribui a acção um significado e lhe dá uma direcção que por sua vez pode ser compreendida como significante. Essa conduta intencionada ou intencional torna-se social quando é dirigida à conduta dos outros. Segundo Weber (2000), a tarefa do Sociólogo é interpretar a acção social. E interpretar é captar o sentido da acção. E como forma de orientar o trabalho de interpretação, Weber estabeleceu quatro “tipos puros” de acção social. São chamados “tipos puros” porque só existem como arranjo de ideias no mundo conceitual. O objectivo principal nestes arranjos é usar a simplicidade conceitual dos tipos para ordenar a realidade, organizá-la de forma simplificada para que possa ser compreendida de acordo com as limitações do intelecto humano, incapaz de apreender toda a infinita complexidade do real. É importante frizar que a teoria de acção defende que a acção social é determinada segundo as motivações dos indivíduos. Assim, Weber (2000) estrutura os níveis de acção em quatro tipos básicos nomeadamente: Acção racional com relação aos fins correspondente, onde acção é definida pelo facto de o actor conceber claramente o fim e combinar os meios em vista de o atingir. Neste tipo de 20 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais acção a racionalidade em relação com um fim é definido em função do conhecimento do actor. A acção racional com relação a um fim é determinada por expectativas no comportamento tanto de objectos do mundo exterior como de outros homens e utiliza essas expectativas como condições ou meios para alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. É uma acção concreta que tem um fim específico. De acordo com este tipo, o sentido racional da acção se encontra na escolha dos meios mais adequados para a realização de um fim. O único critério de selecção dos meios é a sua capacidade de realizar o objectivo estabelecido. Qualquer meio eficiente é válido somente por sua eficiência, independentemente de avaliações morais ou éticas. A acção racional com relação a valores – é aquela definida pela crença consciente no valor interpretável como ético, estético, religioso ou qualquer outra forma absoluta de uma determinada conduta. O actor age racionalmente aceitando todos os riscos, não para obter um resultado exterior, mas para permanecer fiel a sua honra, à sua crença consciente no valor. A diferença em relação à primeira é que o fim é um valor que pode ter conteúdo ético, moral, religioso, político ou estético. O que dá sentido à acção é a sua racionalidade quanto aos valores que a guiaram. A acção é orientada pela fidelidade aos valores que inspiram a conduta. A acção afectiva é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é definida por uma reacção emocional do actor em determinadas circunstâncias e não em relação a um objectivo ou a um sistema de valor. É a acção inspirada por emoções imediatas. Na acção afectiva o agente segue um impulso e não elabora as consequências da sua acção. A “acção afectiva” se diferencia da “racional com respeito a valores” porque nesta última o agente elabora racionalmente o sentido de sua acção de modo que sua conduta seja fiel aos valores aos quais adere. A acção tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o actor não precisa conceber um objecto, ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece a reflexos adquiridos pela prática. Este tipo de acção ocorre quando o agente cumpre hábitos e costumes arraigados 21 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais simplesmente porque é o que sempre foi feito. Na acção tradicional, o actor age segundo o que manda a tradição, ele obedece por e simplesmente aos reflexos enraizados por meio de uma longa prática. Importa referir que há uma diferença fundamental entre o primeiro e o segundo par de tipos de acção: no primeiro par o indivíduo consegue visualizar muito mais claramente os motivos da sua acção que no segundo, o que equivale a dizer que ele tem maior controle sobre elas. O indivíduo pode escolher como vai agir racionalmente, calculando os custos e prevendo as consequências de suas atitudes. Porém, a classificação feita acima, baseia-se em modelos ideais, cujos exemplos puros raramente podem ser encontrados na sociedade. Muitas vezes são vários os motivos de uma acção, o que cria a possibilidade dela ser incluída em mais de um desses tipos. Adoptamos a perspectiva weberiana de Acção social, na medida em que esta abordagem procura mostrar e orientar para uma análise cuidadosa dos aspectos relativos a vontade humana, e motivações aliadas às acções dos indivíduos no meio social onde se encontram inseridos. Portanto, a sociologia weberiana busca a interpretação do sentido da acção social sintetizada no método de interpretação no qual podemos destacar a compreensão e a explicação dos fenómenos sociais. Relativamente a dominação, Weber (2000) distingue três tipos puros de dominação legítima: 1) dominação legal; 2) dominação carismática e 3) dominação tradicional. Essas formas de dominação, referem-se aos modos pelos quais os indivíduos exercem uma certa dominação em relação aos outros, isto é, uma relação de mando/obediência. Na primeira forma de dominação legal segundo Weber (2000), não se obedece a pessoa mas sim a regra estatuída que estabelece a quem e em que medida se deve obedecer. O dominado obedece ao dominante que possui tal autoridade devido a uma regra que lhe deu legitimidade para ocupar este posto, ou seja, ele só pode exercer a dominação dentro dos limites pré-estabelecidos. A dominação legal é baseada principalmente na promulgação e é mais bem representada pela burocracia. A ideia principal da dominação legal é que deve existir um estatuto que pode ou criar ou modificar normas, desde que esse processo seja 22 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais legal e de forma previamente estabelecido. Assim o poder é totalmente impessoal, onde se obedece à regra estatuída e não à administração pessoal (Weber, 2000). Dominação carismática: em que os seus seguidores obedecem em virtude da sua missão, do seu êxito e da sua capacidade de executar tarefas no grupo ou na comunidade em que faz parte. Segundo Weber (2000) neste tipo de dominação, a sociedade confia em alguém que é visto como um herói, demagogo ou profeta, onde o poder é pessoal, ou seja, obedece às regras da pessoa e a suas qualidades pessoais. Seu quadro administrativo é baseado na irracionalidade, não havendo portanto regras estatuídas ou tradicionais, como na dominação legal e tradicional. Do ponto de vista da durabilidade, a dominação carismática é muito frágil e a devoção ao líder só é mantida enquanto o carisma subsistir. Dominação tradicional: segundo Weber (2000), este tipo de autoridade ou dominação encontra sua legitimidade em referência aos seus antepassados. Importa referir que Weber não focaliza a questão dos antepassados, mas a compreensão do alcance das suas análises permite fazer um enquadramento lógico do passado histórico das comunidades. Na dominação tradicional, se obedece a pessoa em virtude da sua dignidade assente na tradição e por fidelidade. É na base desta tradição que os membros obedecem as regras e respeitam os outros. Weber aborda a questão de relações de poder numa perspectiva de dominação e obediência e identifica o poder exercido pela autoridade tradicional como sendo o tipo mais puro de dominação tradicional. A teoria de autoridade ajuda a perceber donde vem a fonte que legitima o poder do régulo e porque é que a comunidade deve a obediência ao régulo. Esta teoria complementa a significação da motivação da acção dos actores na escolha das suas decisões. Assim, o comportamento que os indivíduos adoptam na sua acção, é uma forma de reprodução do que já vem sido feito por gerações passadas como reflexo da tradição. 2.4. Quadro Conceptual O conflito é um dos conceitos chaves para o nosso estudo. O conceito de conflito é objecto de grandes debates na Sociologia tendo sido desenvolvidas várias definições. Segundo Da Costa (2003), o conflito é uma situação social em que duas ou mais pessoas lutam 23 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais conscientemente para a obtenção ao mesmo tempo de recursos escassos. O conflito resulta de vários factores inerentes a interacção entre os indivíduos ou grupos de indivíduos decorrente da inevitável convivência humana. Qualquer conflito é provocado quando os indivíduos ou grupos de indivíduos dentro da comunidade não respeitam o comportamento considerado normal pelo modo de vida local. Muitas vezes este conflito é manifestado através de não observância das normas e regras em vigor, regras estas que regulam os diferentes aspectos da vida social (Nhancale, 1996). Boudon et al (1990), afirmam que os conflitos são manifestações de antagonismos abertos entre dois actores, (individuais ou colectivos) de interesses incompatíveis em relação à posse ou gestão de bens raros, materiais ou simbólicos. No entender deste autor e citando Marx, o conflito está inscrito na própria natureza do social, procedente do carácter contraditório das relações sociais de produção, daí que todos conflitos historicamente importantes, são reduzidos a conflitos de classe, isto é, entre os detentores de meios de produção e aqueles que não detêm estes meios. No presente trabalho o conceito de conflito será entendido como manifestações de antagonismos abertos entre actores, (individuais ou colectivos) de interesses opostos em relação à posse ou gestão de bens materiais ou simbólicos, por outro lado, consideramos a existência de conflito quando indivíduos dentro da comunidade não respeitam o comportamento considerado normal pelo modo de vida local. O outro conceito com o qual vamos trabalhar é Resolução de conflitos. De acordo com Da Costa (2003) a resolução de conflitos é um processo que envolve a identificação e análise das principais causas que estejam por detrás da origem do conflito. Ela deve resultar de uma análise cuidadosa das formas, métodos e estratégias de resolução de conflitos, mas sempre procurando salvaguardar os interesses das partes de modo a se alcançar o consenso. É um processo em que todos fazem parte na tomada de decisão que consiste em estabelecer um ponto em que a maioria concorda. Porém, para alcançar o consenso não implica que todos os integrantes do grupo concordem com a decisão tomada, mas sim quando a maioria esteja de acordo com a posição. Para o trabalho, a resolução de conflitos será entendido 24 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais como uma forma de interacção social onde os conflitos são resolvidos recorrendo casos passados semelhantes e onde as decisões são tomadas por indivíduos com experiências reconhecida pela comunidade. O papel social é um conceito fundamental para definir a identidade social dos indivíduos. Segundo Rocher (1989), papel social é composto por normas8 a que está submetida a acção dos sujeitos que ocupam uma posição ou uma função particular num grupo ou numa colectividade. Rocher considera que além das normas comuns que se aplicam a todos os membros do grupo, há outras mais específicas que servem de guia aos diversos membros desse mesmo grupo consoante as funções que desempenham. São esses modelos especñificos de uma função ou de uma posição numa colectividade que constituem um papel social. (Linton apud Boudon et al, 1990), toma como ponto de partida a sociedade, donde o papel está ligado aos conceitos de norma e de modelo cultural. Estes papéis representam modelos abstractos apresentados pelo grupo. O conceito mais ligado ao papel é o de estatuto9 ou posição social. Para Linton, (apud Boudon et al, 1990), não há papel sem estatuto nem estatuto sem papel. A um estatuto particular, corresponde vários papéis. Para executar um papel, o sujeito tem de estar a par dos direitos e deveres da posição que ocupa. As expectativas de função são acções esperadas daquele que ocupa uma posição e que é supostamente ter sido socializado para esse efeito. Na presente Monografia, o conceito de papel será tomado no sentido institucional aqui proposto. 8 A norma serve para descrever e explicar as uniformidades do comportamento dos membros de um mesmo grupo (Boudon et al, 1990). Segundo Giddens (1998), norma são regras de conduta que especificam comportamentos considerados adequados numa série determinada de contextos sociais. Toda norma pode aprovar ou desaprovar um determinado modo de comportamento. Todos grupos sociais seguem normas definidas por sansões de vária ordem. 9 O estatuto é a posição que um indivíduo ocupa numa das dimensões do sistema social, como a profissão, o nível de instrução, o sexo ou a idade. O estatuto define a identidade social, os direitos e deveres do indivíduo. O estatuto não é unicamente o conjunto de atributos que permitem ao actor social desempenhar um papel mas, define também processos de atribuição (Boudon et al, 1990). 25 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais III. METODOLOGIA O estudo foi realizado no bairro de Kongholote, localizado no Município da Matola na Província de Maputo. A autarquia da Matola tem um território com 373 Km2 de superfície e subdivide-se em três Postos Administrativos, nomeadamente: Posto Administrativo da Matola Sede; Posto Administrativo da Machava; Posto Administrativo do Infulene, e um total de 43 bairros. Kongholote localiza-se no Posto Administrativo do Infulene que também comporta os bairros da Zona Verde, Ndlavela, Infulene D, T-3, Acordos de Lusaka, Vale do Infulene, Intaca, Muhalaze, 1º de Maio, Boquisso A, Boquisso B, Mali, Mukatine e Ngolhoza. De acordo com os dados do último censo populacional realizado em 2007, o município da Matola possui 427.000 habitantes, dos quais 3.846 vivem em Kongholote. Porém, 39% da população da Matola vive na zona urbana, 47% na zona periurbana e os restantes 14% ao nível da zona rural e, nesta última encontra-se o bairro Kongholote (Perfil da Cidade da Matola, 1999). Kongholote possui uma esquadra da polícia da República de Moçambique, um tribunal comunitária que funciona na sede do Partido Frelimo e um tribunal tradicional liderado pela autoridade tradicional. Relativamente à recolha da informação, recorremo-nos a uma metodologia qualitativa10 de forma a permitir obter resposta às questões chave. A utilização de método qualitativo afigurou-se como a mais adequada, na medida em que permite obter o máximo de informações com o máximo de profundidade possível. O trabalho conheceu três fases: numa primeira, foi feita a recolha e análise de dados bibliográficos sobre a problemática levantada com o objectivo de proporcionar uma visão geral do tipo aproximativo. Esta fase foi precedida de uma pesquisa exploratória com vista a proporcionar familiaridade com o problema para depois construir a hipótese do trabalho. 10 Segundo Richardson (1989), o estudo que emprega a abordagem qualitativa, descreve a complexidade de um determinado problema, analisa interacção de certas variáveis, procura compreender e classificar os processos dinâmicos vividos por grupos sociais e possibilita em grande medida o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. A análise qualitativa, busca apreender em profundidade os significados e as relações sociais que conformam a prática dos actores sociais numa perspectiva dialéctica que focaliza o indivíduo e os outros actores sociais. 26 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Este processo, consistiu em conversas informais com alguns residentes no campo de estudo e tornou possível para uma melhor compreensão de algumas questões levantadas. Na segunda fase, recorremos a informações relativa à legislação sobre a autoridade tradicional e finalmente a terceira fase, que foi da recolha de dados empíricos seguida da sua respectiva análise. As entrevistas com o régulo e seus 4 colaboradores decorreram em duas etapas, sendo a primeira em Outubro de 2009 e a segunda na última quinzena de Fevereiro e no mês de Março de 2010. Na segunda etapa decorreram simultaneamente as entrevistas com o restante dos membros da comunidade. As entrevistas com o régulo foram agendadas com antecedência, e este por sua vez facilitou o encontro com os outros membros da comunidade. Para a realização deste trabalho escolhemos uma população cuja característica consideramos relevante para a materialização dos objectivos traçados no estudo. Tal população foi constituída de indivíduos de sexo masculino e feminino com idade compreendida entre 26 a 70 anos. A principal razão que nos levou a optar por este intervalo de idade foi a necessidade de acomodar os sentimentos dos mais velhos e de jovens relativamente aos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos. Para a recolha de dados foi desenhada uma amostra de 5 Quarteirões num conjunto de 63 sob jurisdição do régulo Kongholote. A escolha dos Quarteirões obedeceu um critério assente na definição do tipo da população que fez parte da amostra. Esses Quarteirões abrangidos têm a particulardade de serem direitamente influenciados pelo régulo Kongholote em termos de liderança e subordinação. Os participantes que fazem parte da amostra foram seleccionados intencionalmente. Baseada numa amostra estratificada11, a pesquisa definiu uma amostra total de 32 participantes. Os participantes foram seleccionados nos seguintes grupos: a autoridade tradicional composta por 1 régulo e 4 colaboradores, e 27 membros da comunidade. Dos 32 participantes da amostra, 22 são do 11 Segundo Pité (1997), amostra estratificada é um modelo de amostragem no qual, amostras semelhantes são retiradas de diferentes segmentos de uma população a fim de assegurar a representação proporcional de cada segmento na amostra geral. 27 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais sexo masculino e 10 do sexo feminino. Do conjunto dos elementos da amostra dividimos em três grupos por idade: “ 9 idosos, 12 adultos e 11 jovens”12. Todos participantes da pesquisa foram informados sobre os objectivos da pesquisa antes de concederem a entrevista. Para salvaguardar a identidade tanto do régulo como dos demais entrevistados achamos conveniente o emprego de nomes fictícios. No que se refere ao tratamento dos dados, foi efectuada uma análise de dados qualitativos, através de análise temática. A análise temática constitui na organização da informação relevante para o trabalho. A informação foi organizada em função dos temas previamente definidos em função da pergunta de partida, objectivos e da hipótese da pesquisa e depois cruzada com outros dados secundários arolados através da revisão da literatura. Em relação as técnicas usadas para a recolha de informação, procuramos defini-los tendo em conta os objectivos traçados. Desta feita, auxiliamo-nos de técnicas de recolha de dados nomeadamente as “entrevistas”13 do tipo abertas e semi-estruturadas. Esta técnica permitiunos recolher dados detalhados sobre as opiniões ou experiências dos entrevistados. Optamos por técnica de entrevistas porque permitem a observação da conduta dos entrevistados, a flexibilidade das respectivas respostas, a possibilidade de abertura, interacção e o contacto directo entre o entrevistador e o entrevistado. As técnicas de entrevistas também têm a vantagem de reduzir os aspectos negativos tais como: a incapacidade do entrevistado para responder adequadamente em consequência da insuficiência vocabular. E como forma de ultrapassar tais dificuldades, optamos por anotar as informações num bloco e mais tarde reorganizadas de uma forma sistemática. No processo das entrevistas foram usados três guiões de entrevistas: um dirigido exclusivamente a autoridade tradicional (o régulo e seus colaboradores), o segundo dirigido 12 Na presente monografia a idade dos entrevistados foi dividida em três grupos diferentes. Assim sendo, fazem parte do grupo de idosos, todos aqueles que têm a idade entre 50 a 70 anos. De 36 a 49 são considerados adultos e de 26 a 35 anos são jovens. 13 As entrevistas quando aplicadas a actores sociais envolvidos no processo, permitem aclarar o sentido que esses actores atribuem à sua acção e a realidade que os rodeia proporcionando-nos pistas sobres os seus sistemas de valores e sobre suas motivações (Richardson, 1989). 28 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais a comunidade e o terceiro dirigido tanto para a autoridade tradicional quanto aos membros da comunidade. O estudo usou também a técnica de história de vida14 para recolha de dados. Com a história de vida buscamos vivências e situações passadas que nos permitiram perceber o curso dos acontecimentos e a posição que os actores sociais tomam em relação as suas vidas. Esta técnica nos permitiu perceber as concepções que os indivíduos tem, do seu papel e da sua participação no grupo do qual faz parte, captamos sentimentos e opiniões em relação a importância da autoridade tradicional na vida da comunidade. A técnica da história de vida foi dirigida ao régulo Congholote e aos seus 4 colaboradores devido as suas posições no seio do grupo comunitário. 14 Segundo Lakatos e Marconi (2001) a trajectória de vida de um indivíduo se apresenta como fonte rica de informação, pois as experiencias vivenciadas, as percepções pessoais e os sentimentos do informante podem fornecer dados importantes para o entendimento da realidade, na medida em que a sua história pessoal pode confundir-se ser influenciada e influenciar a história social do grupo ou grupos dos quais pertence. 29 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais IV. A AUTORIDADE TRADICIONAL E A RESOLUÇAO DE CONFLITOS 4.1. Descrição do perfil dos entrevistados Para a análise em torno do papel da autoridade tradicional na resolução de conflitos sociais, realizamos entrevistas abertas e semi-estruturadas ao régulo Congholote, seus colaboradores e ainda alguns membros da comunidade que constituem nosso grupo alvo. Esta pretensão permitiu-nos captar as percepções sobre o fenómeno tanto por parte do régulo como dos outros membros que compõem o grupo de estudo. Na presente secção vamos apresentar o perfil social dos membros que compõe a nossa amostra. Estas características referem-se a idade, estado civil e a posição que cada um dos membros ocupa na comunidade. Na nossa opinião, a análise destas características é necessária na medida em que vão nos fornecer dados sobre a diferença de opinião tanto para os que tiveram a possibilidade de viver os vários momentos da história da autoridade tradicional quanto para a nova geração, tentando buscar suas experiências de vida. O acesso ao poder do actual régulo Kongholote, foi por sucessão pela morte do seu irmão. A nomeação do régulo obedeceu o critério de idade e foi por consenso pela familia reinante, pois só assim que ganha legitimidade pela posição. Os quatro colaboradores do régulo são dois sobrinhos, filho do seu tio e a sua única irma viva. A idade de colaboradores do régulo, varia de 51 a 66 anos sendo a única mulher a mais nova de todos. Os membros participantes do sexo femenino, têm a idade que varia de 26 a 51 e os do sexo masculino de 27 a 70 anos, porém, a idade do universo dos entrevistados varia de 26 a 70 anos. Em relação ao estado civil, os dados estão apresentados nos anexos da tabela 1 do trabalho. 4.2. Percepção social do papel da autoridade tradicional no contexto de um Estado de direito Na presente secção do trabalho, pretendemos trazer a percepção que a comunidade tem sobre o papel da autoridade tradicional no contexto de um Estado baseado no pluralismo 30 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais jurídico. Esta análise é importante para compreendermos as razões que levam a comunidade a se subordinar a autoridade tradicional num contexto em que se clama pela modernização das instituições sociais. Segundo Dava, Artur & Enosse (2003), autoridade tradicional constitui um sistema complexo de governação, não só do ponto de vista da sua reprodução material, mas também na reprodução espiritual das comunidades que dirigem. A autoridade tradicional é, em larga medida, o factor de harmonia e estabilidade comunitária, pois está ligada à sua cosmovisão. Segundo a informação colhida no campo de estudo, a autoridade tradicional desempenha várias funções na comunidade. Daniel de 57 anos e membro da comunidade disse: “O régulo é o chefe da comunidade. Ele é que dirige todas as actividades que envolve a comunidade e que tem a ver com a vida das pessoas aqui no nosso bairro sobretudo para o grupo que ele representa. Temos actividades como: trabalhos de limpeza em locais públicos, apoio aos outros na construção de habitação, mobilização para a produção de alimentos e outras actividades. Também ele nos ensinam as maneiras de viver e como os nossos antepassados viviam.” Entretanto, os membros da comunidade entrevistados afirmam que para além da função da reprodução material e espiritual, a autoridade tradicional também desempenha funções tais como conselheiros e transmissores da cultura, característica do grupo que vem desde o tempo dos seus antepassados. O posicionamento dos entrevistados em relação ao papel desempenhado pela autoridade tradicional remete-nos ao conceito de poder simbólico desenvolvido por Bourdieau (1989), que nos permite perceber que as relações sociais também são feitas de relações de poder. Neste sentido a autoridade tradicional encontra-se numa posição em que preenche a função de símbolo da comunidade na medida em que representa os seus antepassados. Bourdieau salienta que os símbolos são instrumentos que permitem uma melhor integração social porque tornam possível o consenso no mundo social e contribui principalmente para a reprodução da ordem social e moral. Tânia de 32 anos e membro da comunidade diz o seguinte: Nós vivemos como uma família. Nós nunca deixamos outro a sofrer por falta de alguma coisa que possamos ajudar. Nós ajudamo-nos e é desta maneira que vivemos mesmo no meio da pobreza. E essas coisas, aprendemos com o régulo. A autoridade tradicional desempenha uma função simbólica e é sinónimo da 31 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais união, influenciando deste modo no comportamento positivo dos membros da comunidade através dos seus ensinamentos. Num outro desenvolvimento, 19 dos 27 membros da comunidade entrevistados afirmam que o régulo é o legítimo chefe e mandatário da comunidade e à sua obediência circunscreve-se no legado histórico como afirma José de 49 anos, membro da comunidade: “Isso de régulo, não é coisa que estamos a inventar. Isso é dos tempos dos antepassados, isso faz parte da nossa história. O régulo sempre é que dirigia e mandava as pessoas. Ele sempre foi dirigente como é o governo hoje em dia.” Este posicionamento pode ser melhor entendido na esteira da perspectiva de Weber (2000) sobre os tipos puros de autoridade, designadamente a autoridade tradicional. Esta forma de autoridade reflecte a relação de mando/obediência, isto é, a existência de uns que mandam e outros que se encontram na posição contrária. Este facto torna autoridade tradicional numa instituição defacto, na medida em que é a autoridade que detém instrumentos reguladores da conduta dos indivíduos. É de referir que, o poder da autoridade encontra sua legitimidade em referência aos seus antepassados e os outros obedecem em virtude da sua dignidade assente na tradição. Ou seja, o chefe não encontra sua legitimidade em si no entanto que chefe mas sim, na referência aos seus antepassados que no caso concreto fizeram suas vidas e sua história no bairro de Kongholote. Tendo em consideração ao pensamento exposto por Weber (2000) sobre autoridade, podemos aferir que, a comunidade de Kongholote incorpora nas suas condutas os ensinamentos transmitidos pela autoridade tradicional, porque acredita que é nela onde está encarnado os espíritos dos seus antepassados através dos quais autoridade detém poder de realizar actos que visam a harmonia e a unidade dos seus membros. Esta questão também é abordada no depoimento que se segue da Maria de 58 anos colaboradora do régulo: “Para nós o régulo é a pessoa que conhece muitas coisas da vida, a boa maneira de viver e outras coisas. E por causa disso que sempre consideramos ele como uma pessoa do bem. Ele nos ensina a viver como irmãos e pessoas da mesma família. Quando fala alguma coisa as pessoas lhe ouvem. Ele tem dom de ser 32 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais ouvido com as pessoas quando fala uma coisa. O régulo é que dirige a vida das pessoas.” É importante sublinhar que uma instituição, é uma organização de normas e costumes que tem por finalidade a consecução de certos objectivos que os indivíduos ou grupos de indivíduos consideram importante para a sua estabilidade (Horton, 1980). Neste caso, autoridade tradicional como uma instituição encera esse conjunto de normas que guia a conduta dos membros da comunidade. Dados das entrevistas mostram que existem problemas que ocorrem na comunidade tais como feitiçaria, roubos, disputas de talhões, destruição de locais sagrados e outros, que só podem ser tratados sob responsabilidade da autoridade tradicional. No entender dos membros entrevistados, esses problemas surgem do desvio de comportamento reflexo do processo de socialização primária, por isso que hoje o governo voltou a reconhecer esse tipo de chefia porque havia situações ligadas a vida da comunidade fora do seu controlo. Assim, todo o comportamento negativo que leva ao desvio é percebido pela comunidade como resultado de insuficiência de normas reguladoras de conduta humana reflexo do processo de socialização e o conflito surge como disfuncionamento destas normas. Por exemplo, o roubo é entendido como falta de educação como ilustra o depoimento de Helena de 26 anos e membro da comunidade. “Se você é pobre não vai resolver o seu problema roubando pelo contrário vai agravar ainda mais a sua situação de pobreza. Ser pobre não significa ser um marginal mas é a situação de vida. Neste sentido a educação é muito importante para ensinar os nossos filhos viver e conviver com pessoas.” Para a comunidade, é preciso reconhecer a capacidade que autoridade tradicional tem para mobilizar a população para acções que visam o desenvolvimento sócio-económico e cultural dos indivíduos. É nesse termos que Fabião de 47 anos membro da comunidade afirma o seguinte: “O régulo conhece como as pessoas vivem. Conhece a cultura das pessoas porque ele é que ensina as pessoas a viver assim e a ter um bom comportamento e muito mais. Por isso que qualquer trabalho que o governo faz na comunidade, tem que ter conhecimento e apoio do régulo porque ele com o conhecimento que têm da comunidade facilita as coisas.” 33 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Entretanto, 15 dos membros entrevistados afirmam que a sociedade moçambicana pela história da sua existência é multicultural. Esta situação faz com que cada grupo social trabalhe para preservar os traços que lhes identificam como pertencente a um grupo e não ao outro. Os traços a que os entrevistados se referem, são traços culturais ou seja, formas comuns de vida partilhada pelos membros que representa a história dos seus antepassados. Neste caso, segundo os membros da comunidade é necessário que os grupos sociais tenham uma representação com conhecimentos sólidos sobre a cultura e os conceitos locais. Esta representação que tem como seu chefe o régulo, tem a tarefa de difundir a cultura local de modo a perpetuá-la. Dai que as pessoas indicadas para desempenhar tais funções devem ter um vínculo com a terra ou com os antepassados e autoridade tradicional joga este papel de guardião da cultura local, conforme elucida o depoimento a seguir: O régulo tem que conhecer a terra e a história dos antepassados. O régulo tem que saber como os nossos avos viviam e, que tipo de ensinamentos davam aos outros (Adolfo 32 anos membro da comunidade). A autoridade tradicional constitui a peça fundamental na educação das novas gerações não apenas pelo facto de ser figuras mais velhas, mas também por ser eles, os escolhidos entre os mais sábios da comunidade e os conhecedores da história dos antepassados. No entender dos membros entrevistados, parte de alguns projectos de desenvolvimento, certos conceitos modernos para a sua sobrevivência precisa da tradição. Quanto a isso, Fabião de 47 anos membro da comunidade disse o seguinte: “Meu filho! Nos dias de hoje o régulo é uma pessoa muito importante. Veja só que hoje em dia o governo trabalha lado a lado com o régulo. Por exemplo, o Governo não pode entrar aqui na zona com qualquer programa sem chegar ou contactar o régulo, sem dizer o que vem fazer aqui isso mostra que eles sabem que a terra tem donos.” Um total de 18 dos 27 membros da comunidade, afirmam que hoje em dia o governo encontra na autoridade tradicional seu parceiro na implementação de seus projectos de desenvolvimento. Isso mostra a importância que esta figura tem na actualidade em relação a questões ligadas a vida da comunidade. Cada espaço social tem suas normas de 34 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais funcionamento e autoridade tradicional entende melhor como isso funciona do que as estruturas do Estado. Assim, 16 dos 32 entrevistados apontam que mesmo quando a autoridade tradicional foi marginalizada pelo governo da Frelimo no período pós-independência, já existia uma percepção de que, é com o trabalho deles que dá mais força a comunidade a participar nos eventos que visam a promoção do espírito de união como um povo e nos planos de desenvolvimento do País. Por exemplo, Cuenhela (1996) afirma que autoridade tradicional tem uma certa vantagem quando trata de assuntos que envolve a comunidade, pelo facto de conhecerem a zona, por pertencerem a cultura da comunidade que dirigem e sobretudo por conhecerem essa cultura, sendo por isso mesmo o seu principal transmissor de novas e futuras gerações. Quando questionados sobre a importância da autoridade tradicional na vida da comunidade, 3 dos 4 colaboradores do régulo afirmam que autoridade tradicional constitui o meio pelo qual as regras e normas que norteiam o funcionamento da comunidade são transmitidas. Em relação a esta questão, Daniel de 57 anos, membro da comunidade conta o seguinte: “Aqui na comunidade nós os mais velhos costumamos ter encontros uma vez a outra com o régulo. Nessas reuniões o régulo fala sobre como temos que educar nossos filhos. Ele diz que isso é bom porque os nossos filhos no futuro vão seguir bom caminho. Ele nos lembra sempre que se hoje nós somos o que somos graças a boa educação que os nossos Pais nos deram por isso, é importante os nossos filhos ter a educação que tivemos.” Com base neste depoimento, podemos aferir que, autoridade tradicional encontra-se numa posição institucional pois, o funcionamento de uma instituição tem por objectivo atender certas necessidades básicas da sociedade. De acordo com Horton e Hunt (1980: 146), “uma instituição é um sistema organizado de relações sociais que incorpora certos valores e procedimentos e atende a certas necessidades básicas da sociedade”. Alguns membros da comunidade afirmam que a autoridade tradicional tem um significado para a comunidade. Ela representa o elo de ligação entre a comunidade e os seus antepassados. É através da autoridade tradicional que a comunidade se comunica com os espíritos dos antepassados 35 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais sobretudo nas épocas de crises para pedir a libertação dos males que enfermam as suas vidas. É neste sentido que André afirma: “Quando a comunidade vive problemas sérios, o régulo mobiliza a comunidade para contribuir, com o que cada um tem para fazer uma cerimónia para pedir os espíritos dos nossos falecidos para expulsar as coisas que criam problemas aos seus filhos que somos nós. Coisas como falta de comida, para pedir chuva, doenças e outras coisas. Isso porque ele é que foi escolhido para cuidar de nós. É ele que dirige essas cerimónias. Ele é que nos defende dessas coisas más” (André, 40 anos e membro da comunidade). Para os membros entrevistados, pelo menos 23 dos 27 afirmam que a autoridade tradicional continua a assumir-se como verdadeira instância de governo local, devido a posição que ela ocupa na comunidade que permite a sua adaptação às exigências da cultura política da comunidade do que as estruturas do Estado. A autoridade tradicional, representa o símbolo da história e a cultura da comunidade. Seguindo a linha de pensamento de Bourdieu (1989), os símbolos na vida social, são vistos como instrumentos de integração e, ajudam os indivíduos na sua interacção, a encontrar o sentido da sua própria existência. 4.3. Percepções sociais sobre a importância da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais A resolução de conflito é um processo que consiste na identificação e análise das principais causas que estejam por detrás da origem do conflito (Da Costa, 2003). Este autor afirma que o processo de resolução de conflitos resulta de uma análise cuidadosa das formas de resolução de conflitos, mas salvaguardando sempre os interesses das partes de modo a se chegar ao consenso. Confrontado com a questão relacionada sobre os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos, Fabião de 47, anos membro da comunidade, disse: “Tem muitas tarefas que autoridade tradicional costuma fazer aqui na comunidade tais como a resolução de conflitos, mobilização da população para participar em trabalhos voluntários e outros trabalhos promovidos pelo governo. É importante para nós que muitas dessas coisas sejam feitas com régulo. Por exemplo, nós não vamos gastar nosso tempo a andar distâncias sobre distâncias para encontrar onde entregar nossos problemas como roubo, feitiçaria e outros quando aqui mesmo temos nossa maneira de resolver esses problemas. Por isso que o Governo reconhece o régulo porque ele o governo sabe que o régulo é uma pessoa muito importante na comunidade.” 36 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Na base destes depoimentos, revela-se que o pluralismo jurídico aparece como uma resposta ao apelo feito pelos diversos sectores da sociedade em particularmente aqueles que constam em alguns escritos acadêmicos15, sobre a inclusão da autoridade tradicional no processo da administração da justiça local. Com este apelo, pretende-se atender por um lado o problema de acesso aos tribunais formais e, por outro, o alcance das decisões tomadas no processo de resolução de conflitos em forma de sentenças que de certa maneira entra em choque com a cultura dos indivíduos. Sobre esta questão, António de 64 anos colaborador do régulo afirma o seguinte: “No mundo de hoje, é bom que as pessoas sejam livres para escolher o sítio onde quer que o seu problema seja resolvido. Isso significa que pode ser no tribunal, na polícia ou no régulo. Isso tudo porque tem coisas da vida das pessoas que esses outros sítios não percebem. Nós da maneira como fomos educados sabemos como tratar alguém que rouba coisa do outro ou alguém que anda com mulher de dono, como também educar alguém que bate e não respeita outro, assim como os que não respeitam coisas sagradas como por exemplo a ocupação ilegal de locais que servem para fazer rituais que permitem a comunicação com os nossos antepassados. Essas coisas todas têm sua maneira de tratar. Lá fora não sabemos como os outros fazem. Mesmo aqui em Kongholote tem pessoas que andam a cometer coisas más e não aconcelhaveis. Mas aqui no nosso grupo essas coisas não acontecem, se acontecem, nós resolvemos da nossa maneira.” Os dados mostram que há questões éticas e morais que devem ser verificadas no processo de resolução de conflitos. Por exemplo, existem certos valores16 que devem ser salvaguardados neste processo, tendo em conta a diversidade cultural que caracteriza a nossa sociedade. A tolerância ou não de um acto depende do significado que os grupos sociais atribuem este acto e, em função dos valores que os caracteriza. Neste caso, a autoridade tradicional encontra-se em melhores condições para tratar desses assuntos pois segundo alguns membros da comunidade, há valores e direitos culturais que só podem ser representados e testemunhados pela autoridade tradicional por conhecerem o 15 Várias obras tratam da importância da inclusão da autoridade tradicional no processo da administração da justiça local, e dentre elas, podemos destacar estudos realizados por Boaventura Santos e Trindade, da Antropologa Iraê Lundin, Cuenhela, Katiavala; só para citar alguns. 16 Valores são princípios gerais de orientação fundamentais de preferências e de crenças colectivas (Pité, 1997). Neste caso, a comunidade de Kongholote privilegia aqueles valores associados a manutenção do modelo cultural gerado pelos seus antepassados. 37 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais funcionamento da comunidade. Para a comunidade, autoridade tradicional encontra-se numa posição privilegiada quando se trata de questões ligadas a tomada de decisão sobre assuntos ligados a vida da comunidade. O conhecimento pelos indivíduos de regras e normas que norteiam o funcionamento do grupo a que fazem parte, torna possível o consenso na tomada de decisão no processo de resolução de conflitos uma vez que os sujeitos actores são tidos como conhecedores dessas mesmas regras e normas. Sobre o processo de resolução de conflitos, Daniel de 57 anos, membro da comunidade, disse: “Nós temos nossa maneira de ser como pessoas que tem a mesma tradição. Existe maneiras de como as pessoas devem seguir a vida. Por isso quando há problemas e quando esses problemas são resolvidos, quem toma última decisão é o régulo e os seus conselheiros. Todos eles são os mais velhos da comunidade e sabem como as coisas devem ser. Cada fim de jornada de “julgamento”, a decisão final formada por estes é levado para ser debatido com outras pessoas para avaliar, se esta decisão que foi tomada é justa ou não. Só depois dai, é que a decisão é divulgada. Isso para dizer que as pessoas acompanha o andar das coisas. E eu acho que isso é que faz nós pessoas unidos. Estes dados revelam que no processo de resolução de conflitos, a tomada de decisão passa pelo conhecimento dos outros membros e a decisão final deve ter apoio pelo menos da maioria do conjunto do grupo. Neste caso, aferimos que por um lado, o consenso é alcançado quando o grau de aceitação das regras comuns e de vontade de resolução de conflitos é elevado. Por outro lado, o consenso pressupõe a ideia de participação no processo de negociação onde cada um dos membros do grupo tem a liberdade de expor sua ideia, num processo em que todas as opiniões são ouvidas e ponderadas sem descriminação, e, onde a decisão escolhida deverá ter um carácter construtivo onde pelo menos a maioria concorda. Harding, (apud Macucule, 2004), encontra na participação um sinónimo de envolvimento de agentes no processo de tomada de decisão sobre os problemas que afecta a comunidade em geral, num processo onde as suas vozes fazem diferença. No que concerne a outras funções sociais da autoridade tradicional, 18 membro entrevistados referem que a autoridade tradicional, também tem a tarefa de organizar a participação dos indivíduos na solução dos seus problemas, promover o desenvolvimento local, aprofundamento e a consolidação da unidade dos indivíduos com vista a objectivos 38 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais comuns. Adolfo de 32 anos membro da comunidade, relata sobre algumas acções realizadas na comunidade e organizadas pela autoridade tradicional para prevenir certos conflitos dizendo o seguinte: “Nós aqui fazemos trabalhos de ajuda aos outros como por exemplo quando alguém tem falta de casa ajudamos a encontrar uma solução. Outra coisa quando alguém tem falta de comida nós ajudamos e isso é para não deixar a pessoa sozinha se não vai começar a roubar para sobreviver. O régulo nos ensina a viver na comunidade como uma família e quando outros erram procuramos sempre entender e perdoar. Nessas coisas a comunidade participa activamente e isso é positivo.” A autoridade do ponto de vista de Weber (2000), é a forma mais importante e assumida pelo poder na vida social porque este poder é gerado e controlado pela comunidade, ou seja, pelas normas do sistema social, aceite como legítima pelos que dela participam. A legitimidade social da autoridade, depende de a mesma ser usada de acordo com as normas que lhe definem a esfera de acção e os mecanismos sociais através dos quais é aplicada. O conflito como uma situação social, sempre ocorre dentro da comunidade porque é nela onde se verificam relações sociais. Os meios usados para a sua resolução ou tratamento, variam de acordo com o contexto do qual ele ocorre. No nosso campo de estudo, estes meios vão desde as instituições formais (tribunais e esquadras da polícia), dentro das famílias e através da autoridade tradicional. No caso particular da instituição da autoridade tradicional, esta prática já é uma realidade visto que em todas as semanas ocorrem sessões onde os conflitos são resolvidos pelo menos dois dias por semana num fórum organizado em forma de um tribunal comunitário local. Parte dos membros afirmaram que para eles este é o meio mais adequado para a resolução dos seus conflitos. Titos, de 40 anos, membro da comunidade disse: “Essa é uma prática que vai continuar porque para nós os problemas que dizem respeito a vida do grupo, devem ser tratados no régulo. Por aqui, o régulo é a pessoa mais confiável mas também acho que isto é porque as pessoas acreditam nas práticas tradicionais e da importância para a nossa vida.” Importa referir que a decisão dos membros e as escolhas que fazem em relação aos meios de resolução de conflitos sociais, tem enquadramento nas motivações da acção social cuja 39 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais classificação encontra-se nos tipos básicos desenvolvidos por Weber. Neste caso a acção tradicional é mais patente. Porém, Weber (2000) não aborda a questão do papel da autoridade tradicional na resolução de conflitos sociais. Mas a compreensão do alcance das motivações da acção tradicional por si caracterizado, facilita perceber que neste processo a autoridade tradicional cumpre apenas o seu papel histórico de preservar as práticas culturais iniciadas pelos seus antepassados, tarefa que poderá passar de gerações em gerações. Na acção tradicional, os indivíduos adoptam um determinado comportamento como forma de reprodução do que já vinha sendo feito por gerações passadas. Aqui, os actos dos indivíduos têm a sua motivação nos hábitos, costumes e crenças e, a sua acção segue o que a tradição manda. Daniel de 57 anos de idade, se expressa da seguinte maneira: “Quando eu nasci aprendi a respeitar as coisas aqui mesmo. Nós fazíamos tudo aqui e não inventamos outras coisas. Os nossos avos diziam que cada família tem sua maneira de fazer as coisas. Como resolver problemas nós temos nossa maneira que fomos ensinados naquele tempo e você há-de ver que cada um diz que essa minha maneira é a melhor do que dos outros” (Daniel, 57 anos de idade, membro da comunidade). A posição que os indivíduos tomam em relação a escolha de meios de resolução de conflitos encontra sua explicação nos factores histórico-cultural. Para eles, o régulo é o único indicado pelos antepassados para dirigir os destinos dos outros membros da comunidade. O único que se acredita que comunica com os espíritos dos antepassados e que devido a este facto detém o poder de realizar actos que concorrem para o equilíbrio e coesão social. Estes dados reforçam a tese de que acção tradicional é a que mais move as famílias a atribuírem um significado positivo a autoridade tradicional. Todavia, 15 dos 27 membros da comunidade afirmaram que todas as sociedades têm uma cultura própria com traços específicos e são estes traços quando reflectidos nas suas práticas diferenciam uma comunidade da outra. Para eles essas práticas permitem que as comunidades vivam num ambiente de harmonia social e, a autoridade tradicional tem um papel preponderante neste processo. Das opiniões e sentimentos captados no processo das entrevistas, para além da acção tradicional também verificamos um outro tipo de acção nomeadamente 40 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais - Acção racional com relação aos valores, onde os indivíduos servem-se dos valores normativos para justificar sua acção, cuja fundamentação baseia-se na honra. Para esse tipo de acção, José de 49 anos e membro da comunidade disse: “Nós resolvemos nossos problemas da nossa maneira. Tem certas coisas dentro da nossa comunidade que só nós entendemos. Essas coisas têm a ver com a nossa tradição. E são essas coisas que outros não entendem e nós seguimos isso mesmo. Neste caso, o régulo é quem nos guia.” Para a comunidade, o régulo é a pessoa mais indicada para resolver os problemas que os afectam, porque ele percebe como as coisas funcionam. Neste caso, a preferência dos membros da comunidade em relação as formas tradicionais de resolução de conflitos é movida pelo sentimento de honra, porque no seio do grupo as coisas, regra geral, são feitas dessa maneira, e dentro dos princípios definidos pelo grupo. Esta categoria também pode ser analisada a luz do processo de socialização das famílias em causa por isso, importa realçar que existe a influência das normas e dos valores culturais na acção dos indivíduos. Este tipo de acção, enquadra-se naquelas que são as estratégias desenvolvidas pelo grupo para perpetuar e mater as suas práticas. 4.4. Que mudanças estruturais caracterizam a instituição da autoridade tradicional no período pós-independência? Ao nível da comunidade, os entrevistados acreditam que a estrutura de funcionamento da autoridade tradicional não sofreu nenhuma mudança. O que aconteceu no período pós independência é que o novo Governo da Frelimo, tinha seu programa cujo objectivo era a reconstrução de uma nova nação e com uma orientação socialista. Na sua política, a participação de cada um dos moçambicanos era frutífera para o sucesso do mesmo. Sendo assim, e porque no período anterior a independência de 1975, o régulo passou ao serviço da administração colonial e pela desconfiança, as novas estruturas necessitavam de pessoas de alta confiança para pôr o seu programa a funcionar. Foi neste contexto em que surgem e foram institucionalizadas novas lideranças comunitárias (os grupos Dinamizadores e as Assembleias Populares), que passaram a representar o Governo da Frelimo e a 41 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais desempenhar funções antes desenvolvidas pela autoridade tradicional. Segundo o régulo Congholote de 70 anos: “Na altura o irmão do meu Pai é que era régulo e nós obedecíamos a ele como nosso representante. Era ele que resolvia os problemas. Era ele que dirigia as cerimónias porque nós realizávamos as cerimónias da nossa tradição como pedido de chuva e outras coisas e até hoje fazemos. Mas isso, fazíamos sem conhecimento daqueles senhores que foram postos como chefes com a Frelimo na altura.” Para alguns membros, 14 dos 32 entrevistados, o que aconteceu no período em causa, foi corte temporário de relacionamento entre as duas partes nomeadamente: autoridade tradicional e o governo da Frelimo porque houve um mal entendido. O régulo estava ao serviço do colono porque o sistema assim o obrigou, daí que as novas estruturas instituídas (os Grupos Dinamizadores e as Assembleias populares), surgem com intuito de representantar Governo da Frelimo. Assim, afirma Anacleto: “No tempo em que as práticas tradicionais foram proibidas que terminou com a substituição dos régulos, nós continuamos a realizar nossos rituais. Mas essas cerimónias aconteciam nas escondidas e sabíamos que se aqueles senhores que foram indicados para substituir os nossos régulos nos encontrar iríamos presos. Mas não tínhamos outra saída porque o régulo tem uma missão, um trabalho que não podia ser interrompido, por isso aceitamos arriscar um desafio” (Anacleto, 65 anos colaborador do régulo Congholote). Segundo os participantes, a proibição de realização de cerimónias de índole espiritual, verificou-se teoricamente, pois na prática a autoridade tradicional continuou como legítimos representantes da comunidade. Como afirma Araújo (2008), apesar da política da Frelimo, autoridade tradicional nunca tinha desaparecido de facto do mapa da administração e da justiça moçambicana. Segundo autora, a realidade nem sempre correspondeu com a retórica do Estado, e em diversos contextos a autoridade tradicional sobreviveu e manteve a legitimidade e que hoje veio colmatar um vazio deixado pelo Estado sobretudo na resolução de conflitos sociais. António de 64 anos colaborador do régulo Congholote aborda a questão nos seguintes termos: “Cada comunidade sabe o que é bom e o que não é bom para ela. Nós naquele tempo não podíamos viver sem a tradição. Para quem compreende as coisas isso 42 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais faz parte da vida das pessoas por isso que nós, mesmo com medo de irmos preso naquele tempo continuamos a viver as coisas dos nossos antepassados. Isso porque quando perdemos respeito com os nossos espíritos as coisas andam mal. Por seu turno, João de 66 anos diz: Nós realizávamos nossos rituais nas escondidas porque não podíamos viver sem elas. Eram as cerimónias tradicionais que nos uniam como pessoas que fazem parte e, vem de um mesmo antepassado. Quando não realizávamos essas cerimónias a vida da comunidade andava mal. Os espíritos dos antepassados ficavam zangados. As cerimónias tradicionais serviam para manter o grupo unido e livre de coisas más.” Em primeiro lugar, é importante referir que os ensinamentos que o régulo empresta aos membros do grupo, são supostamente percebidos como carregado de um sentido funcionalista que vem legitimar as boas práticas sociais que concorrem para a estabilidade e a coesão social. A teoria funcionalista, postula que os elementos de uma sociedade constituem um todo indissociável e desempenham um papel vital na manutenção do equilíbrio do conjunto e são indispensáveis (Rocher, 1989). Neste caso, as cerimónias e rituais servem de elementos que tornam possível a integração e a estabilidade do sistema. Em segundo lugar, os membros entrevistados referem que todas a práticas que caracterizam esta instituição continuaram e continuam a ser realizadas apesar da interdição por parte do governo no período em questão. Esta continuidade no tempo deveu-se ao seu carácter funcional e mais ainda, para responder a uma questão histórica e cultural da comunidade. Dinis de 35 anos e membro da comunidade afirma: “Uma das maneiras de resolver problemas aqui na nossa comunidade é com o régulo. Nós crescemos com essas maneiras de ser e é assim que fazemos. O que nós aprendemos é que antes também era assim. Também sabemos que antes para alguém ser régulo devia ser da família e ser mais velho. Então hoje também nós seguimos essas maneiras de fazer dos nossos antepassados. O que mudou foi apenas o tempo.” Embora os membros entrevistados concordem que o objectivo do Governo da Frelimo era acabar com a representação da autoridade tradicional e suas práticas, acreditam que as mudanças tiveram seus reflexos dentro do próprio governo da Frelimo e não na estrutura de relacionamento entre a comunidade e autoridade tradicional. Segundo os membros, se assim fosse, estariam a se desvincular das suas práticas tradicionais e consequentemente das suas origens e da sua cultura. Mas também sustentam que essa mudança teve seus efeitos para os outros. Aqui, os outros são todos aqueles que mesmo vivendo dentro da área 43 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais de jurisdição do regulado, não tinham laços de familiaridade com o grupo detentor do poder. Para eles, o relacionamento com a autoridade tradicional obedece e sempre obedeceu os mesmos critérios que sempre caracterizou esta instituição. Como forma de ilustrar este espírito de sentimento, Bernardo de 51 anos membro da comunidade expressara-se nos seguintes moldes: “Nós ainda tínhamos nossos lugares sagrados e realizávamos nossas cerimónias. Os mais velhos continuavam ensinar os mais novos como os nossos antepassados viviam. Mais ainda nos ensinavam o respeito ao próximo. Por isso que para nós o régulo sempre foi o que antes era. Ele sempre foi o pai da comunidade porque ele dedicava-se a vida à comunidade.” Esta continuidade das práticas sociais ao longo do tempo, encontra explicação na acção social de alguns agentes da comunidade, na medida em que a acção social na nossa interpretação, é orientada e motivada por fins, projectos formulados pelos actores e grupos de actores que incitam os outros a agir em determinado sentido, rejeitando outras vias e outras escolhas possíveis. É neste sentido que Rocher (1989) afirma que, as ideias exercem influência na mudança social, na medida em que se transformam em valores capazes de suscitar uma motivação suficientemente forte. Para este autor, algumas formas de crenças e de práticas actuam como travão da mudança, realçando acima de tudo a necessidade de reconhecer os valores e rituais tradicionais. Neste ponto de vista, a autoridade tradicional como instituição, pode ser percebida como sendo uma força conservadora na vida social. 4.5. Percepção da comunidade sobre a emergência de conflitos Autores como Nhancale (1996) e Boudon (1990) referem que o conflito surge quando os indivíduos ou grupos de indivíduos dentro da comunidade não respeitam o comportamento considerado normal, pelo modo de vida local e este é manifestado por não observância de normas e regras em vigor. Boudon explica que o conflito é uma manifestação de oposição aberta entre indivíduos de interesses opostos em relação a posse ou gestão de bens raros, materiais ou simbólicos. O conflito é visto como uma relação social que se estabelece entre duas ou mais pessoas e o seu carácter social implica a partilha de um conjunto de 44 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais significados entre ambos. Maria, 58 anos de idade, e colaboradora do régulo Congholote explica sobre as causas e o surgimento de conflitos nos seguintes termos: “Na minha opinião, os conflitos surgem porque as pessoas não acatam os ensinamentos dos mais velhos. Nós aprendemos o respeito e amar o próximo. Quando falo do respeito significa respeitar a si e os outros. Mas também tem que respeitar o que é do outro seja bens materiais ou outros bens possíveis. Quando as pessoas se comportam fora desses limites, então se apegam a coisas más e ai os problemas acontecem. Mas eu repito, a educação é a coisa mais importante na vida dos nossos filhos. Eu não acredito quando as pessoas roubam e dizem que roubei porque sou pobre. Ser pobre não é ser ladrão. ” O conflito manifesta-se de várias maneiras, desde que se trate de uma situação de posições divergentes e/ou a disputa para obtenção de um determinado bem simbólico ou material. A falta de respeito aos outros, e a não observância das normas e regras de comportamento que norteiam o funcionamento do grupo concorrem para o surgimento de conflitos. Num outro desenvolvimento, alguns membros entrevistados acreditam que certas práticas sociais propiciam a emergência de conflitos sobretudo quando os indivíduos rompem com as tradições. Existem locais que outrora serviam para a comunidade através dos seus representantes (autoridade tradicional) se comunicar com os espíritos dos seus antepassados, que actualmente foram transformados em locais de lazer, entretenimento, etc. Estas atitudes, representa uma ruptura com o mundo dos espíritos e com as tradições sociais. Por isso que este tipo de comportamento no entender dos membros entrevistados tem sua cota parte sobre as crises sociais que se vivem no mundo actual. É nesses termos que Ângela, de 48 anos, membro da comunidade disse: “Os nossos avós diziam que a nossa terra sempre foi protegida. Quando perguntávamos quem protege a terra eles diziam que são os espíritos dos nossos avos já mortos. Por isso que tínhamos obrigação de sempre estarmos ligados a eles através de ritos e outras cerimónias. As pessoas hoje olham para a tradição como coisa de outro mundo. Eu acho que é bom, pensarmos as vezes donde viemos. Antigamente existiam locais sagrados onde a comunidade se comunicava com os antepassados, fazia-se pedido daquilo que faltava para as pessoas, e etc. Hoje, esses lugares foram transformados em outras coisas deixando para trás aquilo que sempre serviram no passado. Por causa dessas coisas os espíritos ficam zangados e como resultado as pessoas vivem no meio de problemas.” 45 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais O conflito como uma situação social, tende a manifestar-se sempre onde se verifica relações sociais. As percepções sobre a emergência de conflitos que os 21 dos 32 membros entrevistados tém, também podem ser analisadas do ponto de vista da “socialização”17. Essas intervenções indicam para as falhas no processo de socialização e que devido a isso os indivíduos rompem com as orientações sociais consideradas válidas e indispensáveis para a estabilidade e continuação das sociedades. Verificamos também que, em parte a situação de conflitos é atribuída ao carácter moderno da sociedade. Segundo os relatos, o Homem moderno rompeu com as formas tradicionais de ser e de estar em sociedade cuja principal característica foi a união, espírito de inter-ajuda e amor ao próximo. João de 66 anos colaborador do régulo Kongholote, afirma o seguinte: “No nosso tempo a educação das crianças era muito dura e os Pais eram vigilantes pelo comportamento dos filhos. A educação dos filhos é da responsabilidade dos Pais e o que assistimos hoje é o contrário. É verdade que a vida nos impõe situações em que os Pais passam mais tempo fora dos filhos para procurar o que comer, mas isso não tira a grande responsabilidade que eles têm. O comportamento de alguém no fundo tem a ver com o seu passado. Mas as pessoas justiçam que as coisas evoluíram. É normal ver jovens a andar na droga, no mundo da criminalidade e outras coisas. Estes jovens na verdade não tiveram boa educação”. Neste depoimento, percebemos a preocupação do régulo sobre a problemática da inversão de papéis no processo de socialização dos filhos. Entretanto, importa referir que as formas de ser e estar na atual dita sociedade moderna, seguem as dinâmicas sociais a ela imposta. Por exemplo, Da Cunha (2004) afirma que a família que outrora sempre desempenhou um papel fundamental na socialização da criança, (socialização primaria), tende a perder estas funções que são transferidas a outras pessoas ou instituições especializadas para tal como as creches. Tais funções, antes eram incumbidas as mães. Mas devido a crescente necessidade muitas vezes de carácter económico, estas mães foram também obrigadas o seu abandono. Por isso, em algumas famílias a educação dos filhos é dividida entre os 17 Segundo Pité (1997), a socialização é entendida como o processo pelo qual o ser humano aprende o modo de vida da sociedade, adquirindo uma personalidade ao mesmo tempo que desenvolve a capacidade de funcionar como indivíduo e como membro do grupo. É o processo em que o indivíduo aprende as regras e as práticas do grupo social cuja interiorização dessas regras e práticas, permitem a integração e aceitação do indivíduo como membro da sociedade. Silva (1995) considera que a socialização é um processo fundamental não apenas para a integração dos indivíduos na sociedade, mas também para a continuidade dos sistemas sociais na medida em que o ser humano aprende o modo de vida da sua sociedade. 46 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais progenitores e um segundo educador. Segundo da Cunha, existem crianças que devido a situação financeira dos Pais (baixo rendimento financeiro), são impedidas de ter um educador substituto estando sujeitos a conviver com os Pais apenas nos momentos em que necessitam de um repouso do trabalho comprometendo assim a educação dos filhos. No concernente aos tipos de conflitos, os dados revelam que os mais frequentes estão relacionados com acusação de feitiçaria, roubo em residências, agressões físicas, disputa de talhões e abate de árvores cerimoniais como o canhueiro. Maior número desses casos são apresentados pelos ofendidos, e alguns deles o régulo aparece como acusador sobretudo quando se trata de casos relacionados com abate de canhueiros. São vários os factores apontados para a eclosão de conflitos tais como: a crescente necessidade e a procura de locais para habitação, a pobreza, consumo exagerado de álcool, ciúme, dívidas monetárias, só para mencionar alguns. Para os membros entrevistados, estes conflitos propiciam um ambiente de instabilidade social na medida em que aumenta o clima de desconfiança entre os indivíduos (não só entre os conflituantes, mas também entre os acusados, no caso da feitiçaria, roubo e agressores), e o resto da comunidade. 4.6. Estratégias adoptadas pela comunidade para a sobrevivência das práticas sociais Algumas acções18 são encetadas pela comunidade com objectivo de legitimar a existência e a continuidade das práticas sociais, e a coesão do grupo cultural. Tais acções visam responder os desafios impostos pelo mundo moderno devido ao fenómeno da globalização. Dados revelam que o mundo actual é um mundo com muitos desafios e que constantemente impõe dificuldades de um tipo de vida que não acompanha os fenómenos da globalização. E para que estas dificuldades não afectem a vida tradicional da comunidade, são levadas acabo estratégias para manter viva as suas práticas. E como afirma Andre de 40 anos de idade, membro da comunidade: “Nós temos nossas raízes, e sobre a vida, os espíritos dos nossos antepassados nos indicam o melhor caminho para seguir”. Nos vários encontros 18 Referem algumas acções como realização de cerimónias espirituais, encontros que visam a aproximação dos membros comunitários, onde os mais novos são ensinados sobre a história dos seus antepassados. 47 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais realizados pelos membros tem-se invocado sempre o sentido de união e da responsabilidade pela educação dos mais novos tendo como base nos antepassados. Para os membros entrevistados, pelo menos 15 dos 32, os fenómenos externos que surgem como consequência da globalização e sobretudo a escola, coloniza a mente dos indivíduos na medida em que os jovens, valorizam mais o que vem de fora esquecendo-se das suas raízes. Para estes, é importante o respeito pela cultura dos outros e isso, passa pelo conhecimento destes jovens e não só, da importância dos hábitos culturais que caracterizam certos grupos e de todos outros processos que norteiam a vida comunitária. No seu entender, a escola devia servir de veículo para divulgação dos valores que sustentam a cultura e a diversidade cultural do Pais. Devia ensinar aos jovens a importância da cultura na vida do homem. Dados revelam que só podemos conhecer a história dos nossos antepassados, preservando os hábitos e costumes do passado donde buscamos as nossas raízes. Em relação a estratégia da união do grupo, João de 66 anos colaborador do régulo Kongholote disse o seguinte: “Nós pelo menos uma vez em cada duas semanas ficamos reunidos com os mais velhos para falar da vida da comunidade sobre o que vai bem e o que vai mal. Nos anos passados até era uma vez por semana. As vezes organizamos convívios com bebidas tradicionais só para ficarmos próximos dos outros. Assim, acho que é fácil saber de problemas dos outros e juntos procuramos soluções quando esses problemas existem. Mas também para nós o mais importante é os nossos filhos saberem como nós vivemos para valorizar mais a nossa cultura. Ensinamos também os nossos filhos que quando lá fora as pessoas falam mal não podem considerar para evitar problemas, para nós a coisa mais importante é a união e saber o que queremos e o que não queremos.” Por outro lado, Anacleto de 65 anos e colaborador do régulo Congholote reforça a ideia da união afirmando o seguinte: “No tempo em que a Frelimo nos proibiu de fazer os nossos cultos, se a população deixasse de fazer, hoje aqui não estaria a falar do régulo. Houve muito trabalho para hoje o régulo continuar a representar a comunidade e felizmente reconhecido pelo governo. Naquela altura apesar do medo, tinha pessoas que andavam casa em casa para dizer as pessoas que nada estava acabado e que a vida ia continuar a andar normalmente. Era preciso encorajar outros porque aquilo era como estar desamparado porque nós tínhamos nossas formas de viver.” 48 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Este dado em relação aos mecanismos usados para manter a sobrevivência das práticas socio-culturais, remete-nos ao que Rocher (1989) chamou de acção histórica, referindo-se a influência de elementos activos de agentes de mudança que num dado momento influenciam a orientação duma sociedade. A acção histórica, são actividades, dos membros duma sociedade ou grupo de indivíduos que se destinam a intensificar ou a impedir as transformações da organização social no seu conjunto ou de algumas das suas partes. Estes membros, ou por outra, agentes activos da acção histórica, promovem, influem ou simbolizam a resistência a mudanças (Rocher, 1989). Deste ponto de vista, podemos perceber que a acção histórica consiste na mudança social vista sob ângulo daqueles que para ela contribuem de maneira positiva na medida em que a sua acção cria condições para a sobrevivência das práticas sócio-culturais que caracterizam o grupo ou a comunidade. Ainda em relação as estratégias levadas acabo pela comunidade, Pedro de 38 anos de idade, membro da comunidade disse : “Aqui, para além de ter encontro para resolver problemas, também temos reuniões para falar sobre como viviam os nossos avós e qual é o melhor caminho para essas coisas não ficarem para trás. Os mais velhos que conhecem essas histórias falam que, é por causa dessa maneira de viver de união, de respeitar a tradição que naquele tempo não aparecia na comunidade muitos problemas como doenças confusões entre as pessoas, e outras coisas. E falam também para darmos valor essas coisas que os nossos antepassados faziam e assim ficamos abençoados.” Nesses encontros, fala-se da necessidade de manter o sistema vivo e da valorização das práticas tradicionais como forma de honrar os seus antepassados. A realização de cerimónias de índole espiritual também é uma dessas formas. Esses actos, visam informar e ensinar os mais novos as práticas sócio-culturais dos seus antepassados cujo objectivo último é a sua perpetuação para servir as gerações vindouras. Por exemplo, o régulo Kongholote disse que, mesmo no tempo em que essas práticas foram proibidas pela Frelimo, acreditavam na sua sobrevivência. “Hoje as coisas são diferentes. A guerra que estamos a enfrentar hoje, não é muito forte como aquela que se viveu nos anos depois da independência. Nós vamos continuar a lutar pela nossa tradição porque sem ela não podemos viver.” (régulo Kongholote, 70 anos). 49 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais CONCLUSÃO A presente Monografia discute o papel da autoridade tradicional na resolução de conflitos sociais e em particular pretende descrever as percepções da comunidade em torno da importância do papel da autoridade tradicional no contexto de um Estado de Direito; analisar as percepções da comunidade sobre a importância da autoridade tradicional no processo de resolução de conflitos sociais; analisar as estratégias adoptadas pela comunidade, para garantir tanto a sobrevivência das suas práticas quanto em torno das acções que visam a legitimação da autoridade como instituição social; e identificar que mudanças estruturais caracterizam a instituição da autoridade tradicional no período pósindependência. Da análise feita em torno do tema e dos objectivos traçados, validou-se a hipótese de que, as percepções da comunidade sobre autoridade tradicional são de que ela busca preservar as normas e valores culturais, velando pela sua transmissão para as novas gerações como forma de garantir a sua continuidade, e os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos sociais funcionam como meio através dos quais as práticas culturais são preservadas. O papel da autoridade tradicional enquadra-se no exercício das suas funções de educação moral dos indivíduos e tem por objectivo a preservação das normas e valores culturais. Dados mostram que a autoridade tradicional tem a tarefa de fortalecer os laços de solidariedade entre os membros e outras funções relevantes para a integração da comunidade contribuindo deste modo para a manutenção da ordem social. A autoridade tradicional é o factor da harmonia e estabilidade comunitária e o meio pelo qual a cultura é transmitida através do processo de socialização. É por intermédio da autoridade tradicional que os indivíduos aprendem as regras e normas que norteiam o funcionamento da comunidade permitindo a sua continuidade no tempo e espaço. Também podemos perceber que o régulo constitui o legítimo representante da comunidade devido à sua ligação com a história dos seus antepassados. Este facto faz com que a autoridade tradicional goze de um prestígio e a sua existência é vista como indispensável para a coesão e estabilidade social. 50 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais O régulo é visto como conhecedor da história e do modo de vida comunitária, daí que a sua importância ultrapassa todas as outras formas de liderança incluindo aquelas impostas pelo Estado. Porém, os membros entrevistados realçaram que a tradição encerra um conjunto de normas que guia a conduta dos indivíduos. Essas normas de conduta são produto da história e da vida dos seus antepassados. Aferimos igualmente que, autoridade tradicional é dotada de uma capacidade em difundir solidariedade, integração, ordem, por meio de valores, regras e normas que os indivíduos compartilham. Esta crença que os indivíduos têm em relação ao papel social da autoridade tradicional é produto não apenas da socialização, mas também do significado que eles atribuem a importância da autoridade tradicional na vida da comunidade. A percepção que a comunidade tem em relação a importância do papel da autoridade tradicional, encontra sua justificação no legado histórico. O passado histórico é o factor determinante na medida em que legitima o discurso que os indivíduos fazem sobre o régulo e do seu papel na resolução de conflitos. No processo de resolução de conflitos, a autoridade tradicional desempenha a função de provedor de justiça comunitária, num pleno exercício do seu papel histórico de guardião de hábitos e constumes do grupo comunitário. Os membros entrevistados, sublinham que autoridade tradicional constitui o meio mais adequado e viável para a resolução de conflitos sociais. Dados revelam que no processo de resolução de conflitos há questões culturais que não devem ser ignoradas. Neste processo e sobretudo na tomada de decisão há certos valores que devem ser salvaguardados e que só podem ser representados e testemunhados pela autoridade tradicional por conhecer melhor a cultura da comunidade que representa. Na resolução de conflitos, as decisões tomadas são submetidas a uma avaliação a um grupo que fazem parte os mais velhos da comunidade e só depois é que a decisão final é tomada e divulgada. Os casos são resolvidos recorrendo aos casos passados semelhantes por isso que as decisões são tomadas pelos mais velhos e dotados de experiência. Na tomada de decisão, a participação dos membros da comunidade é de estrema importância porque só assim é que se chega a um consenso. Porém, o consenso não 51 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais pressupõe necessariamente a aceitação de todos os membros do grupo das normas e regras que norteiam o seu funcionamento mas sim, quando a maioria dos membros concordam com a decisão tomada. Daí que o envolvimento da comunidade na tomada de decisões é visto como o factor determinante para aceitação das decisões tomadas. Dados da pesquisa revelam que, a estrutura do funcionamento da autoridade tradicional não sofreu nenhuma mudança durante o período em que as práticas tradicinais foram consideradas cerimónias ilegais pelo governo da Frelimo. A ruptura do ponto de vista de relacionamento entre o governo da Frelimo e autoridade tradicional não enfraqueceu o poder sustentado pelas famílias representado pela autoridade tradicional. Pelo contrário, as novas reformas introduzidas pelo novo governo, veio reforçar o sentido de união entre os membros da comunidade a qual se subordinava a autoridade tradicional através da intensificação das práticas culturais e da educação dos mais novos com intuito de perpetuar essas práticas. Neste período, as cerimónias tradicionais funcionavam como elementos unificadores da comunidade e instrumento de aprendizagem das novas gerações. De acordo com Weber (2000), percebemos que o discurso da comunidade em relação a instituição da autoridade tradicional, é produto da acção tradicional e acção racional com relação a valores na medida em que por um lado, a comunidade procura preservar as suas práticas pela força de hábitos e costumes segundo o que manda a tradição e por outro, a comunidade serve-se dos valores normativos para permanecer fiel a sua própria ideia de honra aos seus antepassados. Resultados da pesquisa mostram que, a comunidade mantém os critérios usados pelos seus antepassados concretamente aos mecanismos de entronização do régulo. A legitimidade desta figura obedece os mesmos princípios que nortearam os seus ante-sucessores e a hierarquia da chefia situa-se nos parâmetros estabelecidos pela história da comunidade. A realização de encontros permanentes entre os membros do grupo é uma das estratégias desenvolvidas pela comunidade para salvaguardar a cultura e as práticas culturais. Nesses encontros, tratam da necessidade da preservação e valorização das práticas que caracterizam o modo de vida da comunidade de modo a servir as gerações futuras. 52 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais Aferimos igualmente que autoridade tradicional como uma instituição, preenche dentro da comunidade várias funções que concorrem para a integração e estabilidade social. Entre elas, pode-se mencionar a função cultural, onde a autoridade tradicional é vista como um meio de transmissão da cultura local; função simbólica donde a autoridade tradicional é entendida como representante da história dos antepassados e a ligação destes e a comunidade e, a função social na medida em que é vista como legítimos provedores da justiça social. 53 Autoridade tradicional e resolução de conflitos sociais REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ARON, Raymond. As etapas do Pensamento Sociológico. 8a Ed. Lisboa: Dom Quixote, 2007. BALANDIER, Georges. Antropologia Política. 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Tem ocorrido conflitos na vossa comunidade? Se sim, 5. Que tipo de conflitos? 6. Quais são os conflitos mais frequentes? 7. Tem informações de que a autoridade tradicional local tem agendado sessões de resolução de conflito que ocorrem dentro da comunidade? 8. Alguma vez já participou ou pelo menos já viu seus problemas resolvidos por esta instância? 9. Acredita na autoridade tradicional e nas formas tradicionais de resolução de conflitos? Se sim, porque acredita? 10. O que acha sobre o processo de resolução de conflitos em termos da sua legitimidade e eficácia? 11. Acredita que a autoridade tradicional está em permanente contacto com os espíritos dos seus antepassados? Se sim o que te faz acreditar? 12. Acha que hoje em dia a autoridade tradicional é importante na vida da Comunidade? Se sim, Porque? 13. Recebem alguns ensinamentos da autoridade tradicional? Se sim, que tipo de ensinamentos? 14. Acha que estes ensinamentos são importantes para a vida da comunidade ou tem influenciado no comportamento das pessoas e da comunidade em geral? Se sim, como e porque? 15. Que avaliação faz sobre o processo de resolução de conflitos protagonizado pela autoridade tradicional? 16. Conhece outras instâncias de resolução de conflitos para além da autoridade tradicional? Se sim, como é que avalia estas instâncias do ponto de vista da sua eficácia? 17. Acha que a sua experiência de vida influencia nas escolhas que faz sobre os meios de resolução de conflitos? Se sim como é que influencia? 18. Que comparação estabelece entre autoridade tradicional hoje e antigamente do ponto de vista da sua importância? 19. O que mudou hoje na sua relação com o régulo sobretudo após a proibição da realização de cerimónias tradicionais no pós-independência? III. Questões dirigidas á Comunidade e autoridade tradicional I. Dados pessoais Nome_____________________________________________________ Posição social_______________________________________________ Idade _____________________________________________________ Estado civil_________________________________________________ 20. Há quanto tempo vive neste bairro? 21. Neste bairro tem havido situações frequentes de conflitos sociais? 22. Se sim, que tipo de conflitos? E quais são os conflitos mais frequentes? 23. Quais são na tua opinião as verdadeiras causas desses conflitos? 24. Qual é o nível de participação das comunidades envolvidas no processo de resolução de conflito e na gestão da relação conflituosa entre os membros da comunidade? 25. Como é chegam a consenso quando resolvem os problemas? 26. No processo de tomada de decisão sobre os problemas que afecta a comunidade tem havido consultas a comunidade ou a autoridade tradicional toma essas decisões sem conhecimento da comunidade? 27. É importante preservar os hábitos e costumes que tem como base na tradição? Se sim porque? 28. Que mudanças ocorreram ao nível da liderança tradicional a quando da proibição da realização de cerimonias tradicionais pela Frelimo pós-independência? 29. Que estratégias foram desenvolvidas para a sobrevivências dessas práticas? 30. Quais são os desafios da actualidade? IV. Questões dirigidas a autoridade tradicional 31. Acha que o régulo representa hoje o que era no passado? 32. Que tipo de experiências de vida transmitem a comunidade? 33. Como é que resolvem casos de conflitos? 34. O processo de resolução de conflitos obedece algum critério do ponto de vista de regulamento ou regra? IV. TABELA DE PERFIL DOS ENTREVISTADOS Tabela 1 Nome do entrevistado Régulo Congholote Posição Social Idade Estado civil Régulo 70 Anos Anacleto Colaborador do régulo Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Colaboradora do régulo Membro da comunidade Colaborador do régulo Membro da comunidade Membro da comunidade Colaborador do régulo Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade 65 47 Casamento tradicional Casamento tradicional União marital 38 União marital 51 União marital 43 União marital 51 Viúva 47 Casado 64 37 Casamento tradicional União marital 32 União marital 66 Casamento tradicional União marital Aléx Pedro Dinis Mário Maria Fabião António Maninha Anabela João Albertino Tito Castro Daniel Vasco Odete Armando 39 40 38 57 Casamento tradicional União marital 35 Casamento tradicional União marital 41 Casada 27 Solteiro Nádia Chico Pedrito Bernardo Saide Fáuzia José Ângela Tânia Helena Lesle André Adolfo Nomes fictícios Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade Membro da comunidade 26 União marital 62 Casamento tradicional União marital 27 51 55 Casamento tradicional Casado 27 União marital 49 Casado 48 32 Casamento tradicional União marital 26 União marital 28 Divorciada 40 Casado 32 União marital