Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB, Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais – FAJS, curso
de Relações Internacionais
Fernando Carneiro Gomes de Paiva
A promoção da Cultura de Defesa no
Brasil: 2008-2016
Brasília, DF
2017
Fernando Carneiro Gomes de Paiva
A promoção da Cultura de Defesa no
Brasil: 2008-2016
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do curso de Bacharelado em
Relações Internacionais pela Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB).
Orientador: Prof. Frederico Seixas Dias
Brasília, DF
2017
Fernando Carneiro Gomes de Paiva
A promoção da Cultura de Defesa no Brasil: 2008-2016
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do curso de Bacharelado em
Relações Internacionais pela Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais do Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB
Orientador: Prof. Frederico Seixas Dias
Brasília,
de 2017.
Banca Examinadora
________________________
Professor orientador: Frederico Seixas Dias
________________________
Examinador
________________________
Examinador
À minha mãe que dedicou grande parte de sua
vida à minha; ao meu pai que é meu maior
exemplo; aos meus amigos e amigas que me
acompanharam ao longo desta caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais José Afrânio Carneiro de Paiva e Nilcelí Carneiro Gomes
de Paiva por toda educação que me proporcionaram, pela excelente criação que tive, por
nunca ter me faltado nada e por serem meu exemplo de dignidade, honestidade,
responsabilidade e amor.
Aos meus familiares que sempre me apoiaram, em especial meus avós Antônio,
Nilza, Sebastião e Maria Izabel por sempre terem sido fontes de inspiração, orações e
energias positivas, além de exemplos inestimáveis de seres humanos trabalhadores.
Aos amigos e amigas que, ao longo da minha caminhada acadêmica, sempre me
suportaram, apoiaram-me, ajudaram-me, importaram-se e acreditaram em mim, fazendome mais feliz.
Ao meu professor orientador Frederico Seixas Dias, pelas críticas, pela paciência
e pelo incentivo.
Ao professor Carlos Eugênio Timo Brito pela empatia, simpatia, educação e
exemplo de profissional.
Às professoras Renata de Melo Rosa, Aline Maria Thomé Arruda e Raquel Boing
Marinucci, mulheres que marcaram positivamente minha caminhada acadêmica e
crescimento ao longo da graduação.
Aos professores João Paulo Santos Araújo e Renato Zerbini Ribeiro Leão, pela
parceria e boas risadas.
Às minhas companheiras de coordenação Giscélia Bastos e Rosângela por toda a
ajuda e contribuição que deram aos alunos e alunas; e ao curso de Relações Internacionais
do UniCEUB, com ênfase no período de 2013 a 2016.
Aos meus amigos e amigas que dedicaram seu precioso tempo e energia ao
movimento estudantil, por um curso melhor, enriquecedor e transformador, no Diretório
Acadêmico de Relações Internacionais (DAREL) do UniCEUB.
“Nihil mortalium tam instabile ac fluxum est quam fama potentiae non sua nixae.”1
- Maquiavel.
“Nada no mundo é tão instável e frágil quanto a fama de um poder que não se firma em suas próprias
forças”. Citação original de Tácito, a qual consta nos Anais, XIII, 19, e feita de memória por Maquiavel em
O Príncipe, pág.70 “quod nihil sit tam infirmum aut instabile, quam fama potentiae non sua vi nixa”.
1
RESUMO
Este trabalho busca identificar como se tem dado a promoção de uma cultura de
defesa nacional no Brasil desde a segunda atualização da Política Nacional de Defesa em
2008. Para tal, é preciso definir como pode ser entendido o conceito de cultura de defesa
no Brasil, por meio de uma revisão bibliográfica dos trabalhos que tratam exclusivamente
do termo em questão (trata-se de uma linha de pesquisa recente no Instituto Brasileiro de
Estudos em Defesa Pandiá Calógeras – IBED). Em seguida, faz-se um mapeamento do
que tem sido feito pelo governo brasileiro e pela sociedade civil organizada com ênfase
no período de 2008 a 2016, para a promoção de uma cultura de defesa nacional. Isso será
feito por meio de uma coleta de informações pertinentes contidas nos dos três documentos
que compõem o marco regulatório da Defesa no Brasil (a Política Nacional de Defesa, a
Estratégia Nacional de Defesa, e o Livro Branco de Defesa Nacional) e pela nossa
participação nos eventos acadêmicos que já são resultados dessa política. Conclui-se que
o movimento de promoção de uma cultura de defesa nacional no Brasil é recente e vem
se expandindo gradativamente, principalmente via uma Academia mais produtiva e
integrada, assim como por meio de ações diretas do Ministério da Defesa. Tal fomento
justifica-se pela importância do papel das Forças Armadas para o Estado brasileiro e com
o objetivo de aumentar a participação de civis no debate e elaboração das políticas de
defesa nacional. A relevância do tema para as Forças Armadas é devida à possibilidade
do êxito da implementação das políticas de Defesa Nacional por meio de uma sociedade
e governo mais coesos no sistema democrático representativo, graças a uma
conscientização social das questões de defesa.
Palavras-chave: Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa, Cultura de
Defesa, Defesa Nacional.
ABSTRACT
This work seeks to identify how it has been given the promotion of a culture of
national defense in Brazil since the second update of the National Defense Policy in 2008.
For this, it is necessary to define how the concept of culture of defense can be understood
in Brazil, through a bibliographical review of the works that exist in this line of recent
research (This is a recent line of research at the Brazilian Institute of Defense Studies
Pandiá Calógeras - IBED). Next, a mapping of what has been done by the Brazilian
government and civil society with emphasis in the period from 2008 to 2016, for the
promotion of a culture of national defense. This will be done through a collection of
pertinent information contained in the three documents that make up the Brazilian defense
regulatory framework (the National Defense Policy, the National Defense Strategy, and
the National Defense White Paper) and by our participation in the academic events that
are already results of this policy. It is concluded that the movement to promote a culture
of national defense in Brazil is recent and has been gradually expanding, mainly through
a more productive and integrated Academy, as well as through direct actions taken by the
Ministry of Defense. Such promotion is justified by the importance of the role of the
Armed Forces to the Brazilian State and with the objective of increasing the participation
of civilians in the debate and elaboration of national defense policies. The relevance of
the theme for the Armed Forces is due to the possibility of successful implementation of
National Defense policies through a cohesive society and government in the
representative democratic system, thanks to a social awareness of defense issues.
Keywords: National Defense Policy, National Defense Strategy, Culture of Defense,
National Defense.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABED – Associação Brasileira de Estudos de Defesa
BID – Base Industrial de Defesa
CEDN – Curso de Extensão de Defesa Nacional
CF 88 – Constituição Federal de 1988
CRE – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado
CREDEN – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos
Deputados
DICOOP – Divisão de Cooperação do Ministério da Defesa
EB – Exército Brasileiro
END – Estratégia Nacional de Defesa
ERABED – Encontro Regional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa
FA – Forças Armadas
GLO – Garantia da Lei e da Ordem
IBED – Instituto Brasileiro de Estudos em Defesa Pandiá Calógeras
IES – Instituição(ões) de Ensino Superior
LBDN – Livro Branco de Defesa Nacional
MD – Ministério da Defesa
MRE – Ministério das Relações Exteriores
OEA – Organização dos Estados Americanos
PDN – Política de Defesa Nacional
PEB – Política Externa Brasileira
PND – Política Nacional de Defesa
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1
1. CULTURA DE DEFESA NO BRASIL ............................................................ 5
1.1 A consolidação e participação das Forças Armadas ao longo do
processo histórico republicano do Estado Brasileiro ............................... 5
1.2
Definições de cultura ........................................................................ 13
1.3 Como pesquisadores brasileiros têm se referido à Cultura de
Defesa .......................................................................................................... 18
2. A POLÍTICA DE DEFESA NO BRASIL E SEUS MARCOS
REGULATÓRIOS ............................................................................................ 23
2.1 Breve histórico ...................................................................................... 23
2.2 A Política Nacional de Defesa: evolução e concepções ................... 27
2.3 A Estratégia Nacional de Defesa: constatações ................................ 31
2.4 O Livro Branco de Defesa Nacional: início de uma cultura de defesa
mais transparente e democrática .............................................................. 36
3. A CONJUNTURA INSTITUCIONAL BRASILEIRA: PROMOÇÃO E
TENTATIVA DE CONSOLIDAÇÃO DE UMA CULTURA DE DEFESA .......... 41
3.1 Do Congresso Nacional ....................................................................... 41
3.2 Do Ministério da Defesa e das Forças Armadas ................................ 45
3.3 Da sociedade civil organizada e Instituições de Pesquisa ............... 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 59
ANEXO I – RELAÇÃO DE VENCEDORES DO I CONCURSO DE
MONOGRAFIAS SOBRE DEFESA NACIONAL - 2013 .................................. 65
ANEXO II – RELAÇÃO DE VENCEDORES DO II CONCURSO DE
MONOGRAFIAS SOBRE DEFESA NACIONAL ............................................. 67
1
INTRODUÇÃO
Se nem os Estados Unidos estariam sendo temidos ou respeitados por
outros Estados em 2017 (DOBRIANSKY, 2016), estaria o Brasil isento de riscos
de ingerência externa em assuntos internos? O Brasil enquanto “potência
regional” consegue ter poder de barganha efetivo no seu entorno estratégico e
poder dissuasório suficiente para defender seu território e soberania?
A América do Sul vive um período de paz interestatal regional. Isso é visto
como uma oportunidade: busca-se o desenvolvimento econômico, governos
podem dedicar seus esforços à promoção do comércio, tomadores de decisão e
grupos de interesse (e de grande capital) se relacionam em meio às pressões
domésticas, setor privado pode investir suas energias em seus negócios,
sociedade civil, dentre outros interesses, pode manter seus esforços para
ampliação de seus direitos e melhorias no bem-estar social. Faz-se necessário
(re)pensar o papel da Defesa Nacional nesse dado cenário.
A ausência de conflito armado entre Estados na América do Sul também
se mostra como oportunidade para o descaso com questões de Defesa e,
consequentemente, o resultado pode ser uma deterioração de uma possível
cultura de defesa e da (política de) defesa em si. Qual é a cultura de defesa que
temos no Brasil hoje? É por meio da conscientização popular e amplo debate
sobre os temas da Defesa que é possível melhor avaliar se dedicar recursos à
Defesa é gasto ou investimento.
Este trabalho busca, de antemão, contribuir positivamente para a cultura
de defesa no Brasil, assim como contribuir como inspiração e ponto de partida
para futuras pesquisas na área, utilizando-se de uma linguagem acessível.
Defesa consegue abranger todos os setores da sociedade. Do indivíduo ao
Estado, todos os atores, supostamente, tendem a buscar a paz. Estamos em paz
quando nos sentimos seguros. O século XX nos infere que é idealismo demais
a possibilidade de que ameaças, um dia, deixarão de existir. Eventuais crises
podem ser previsíveis (ou até mesmo cíclicas?); mas o momento em que elas
eclodem, nem sempre.
É perceptível a herança histórica e basilar que a corrente teórica realista
deixou para o pensamento de segurança internacional e defesa contemporâneo.
2
Ela nos concede um arcabouço conceitual importante enquanto instrumento de
análise da política mundial e estatocêntrica; entretanto, não é suficiente para
explicar profundamente as mais recentes dinâmicas interestatais.
A perspectiva realista assumiu uma visão negativa sobre a possibilidade
de cooperação internacional, além de ter sido incapaz de prever o fim da Guerra
Fria (TANNO, 2003) e, por conseguinte, as novas ameaças no âmbito da
segurança internacional do final do século XX e que perseveram até os dias de
hoje.
É por isso que o referencial teórico escolhido para este trabalho é a Escola
de Copenhague2, dada sua influência no pensar a Segurança Internacional e os
estudos de Defesa na nova ordem mundial pós-Guerra Fria. Esse momento se
inicia um pouco antes da primeira publicação de uma política pública de Defesa
Nacional brasileira (PDN 1996). A contribuição da Escola de Copenhague para
os estudos de Segurança e Defesa pode ser notada na visão do papel
contemporâneo da Defesa no Brasil.
Partindo desse referencial teórico, conseguimos compreender a formação
dos conceitos-chave de segurança e defesa na política brasileira, assim como
parte importante sua agenda estratégica. Segurança não é mais limitada
somente a questões militares, mas sua matéria pode compreender questões
eminentes em cinco setores-chave: ambiental, social, econômico, político e
militar. Trata-se de um conceito ampliado de Segurança, o qual nos fornece
instrumentos necessários para a compreensão da politização dos assuntos de
interesse do Estado, assim como da securitização de certos temas.
Securitização significa um dado assunto que passa a fazer parte da esfera
pública e ao qual é necessária intervenção do Estado na sua preservação ou
combate, a fim de que o país seja conservado (BUZAN et al., 1998); no caso do
Brasil, temos como exemplos o combate ao narcotráfico, tráfico de pessoas,
ilícitos transnacionais e terrorismo.
Nos últimos 30 anos, o Estado brasileiro tem avançado importantes
passos, de maneira lenta, mas gradativa, na formulação e transparência de suas
políticas de defesa nacional. Em consonância com as democracias ocidentais
desenvolvidas e organismos internacionais como a Organização dos Estados
2
Copenhagen Peace Reserch Institute (COPRI), criado em 1985.
3
Americanos, O Ministério da Defesa brasileiro publica quadrienalmente o Livro
Branco de Defesa Nacional (LBDN). Nele, estão compilados os documentos que
são o marco regulatório das políticas de defesa nacional, são eles a Política
Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), além de
conter um panorama descritivo, importante, quantitativo e qualitativo atualizado
da defesa e da identidade nacional (ou do que se deseja exaltar como identidade
nacional).
A segunda publicação atualizada da PND e primeira publicação da END
se deram em 20083. É neste momento em que, em meio às constatações,
vulnerabilidades e oportunidades da defesa nacional, aparece o termo “Cultura
de Defesa”, tido como um dos objetivos da PND, identificado como uma
debilidade e necessidade para a concretude da implementação de parte (se não,
da totalidade) da política nacional de defesa. Este trabalho explorará este termo
em questão, cuja empregabilidade é frequente na retórica, mas a definição do
conceito não é tão evidente para alguns, nem bem delimitado.
Este trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro inicia-se pela
abordagem ampla da consolidação e participação das Forças Armadas ao longo
do processo histórico republicano do Estado Brasileiro, afim de coletar subsídios
mínimos que nos permitam afirmar o entrelaçamento das FA e o Estado por meio
da política. Essa abordagem ajudar-nos-á a compreender o papel que as FA
desempenham hoje e por que podemos falar de uma cultura de defesa. Assim,
abordaremos algumas definições de cultura e como o termo “Cultura de Defesa”
tem sido tratado, afim de conceituá-lo.
O segundo capítulo é destinado à coleta de informações pertinentes
contidas nos três documentos que compõem o marco regulatório da Defesa no
Brasil (a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa, e o Livro
Branco de Defesa Nacional); que contêm a fundamentação da política de
promoção de uma cultura de defesa. O objetivo é obter uma visão geral da
Defesa Nacional no Brasil atual, identificando o seu perfil sob uma perspectiva
ministerial/governamental.
Por fim, o terceiro capítulo faz um mapeamento de o quê o governo
brasileiro e a sociedade civil têm feito em relação ao fomento e consolidação da
3
Nosso foco de análise estará concentrado no passado recente, tomando como partida a segunda publicação
dos documentos de defesa atualizados (2008) desde a criação do Ministério da Defesa (1999).
4
Cultura de Defesa, com ênfase no período de 2008 a 2016. Buscaremos mostrar
os primeiros reflexos da política de promoção da cultura de defesa nacional
(objetivo VIII da PND) e apresentar ao leitor as principais fontes subsidiárias para
a pesquisa na área de Defesa.
Os procedimentos metodológicos que orientarão tal mapeamento basearse-á na revisão bibliográfica dos documentos governamentais publicados e de
trabalhos publicados na linha de pesquisa sobre cultura de defesa, além de
nossa participação nos eventos acadêmicos que já são reflexos de tal política.
Tende-se a proporcionar o aumento de civis participando no debate e na
elaboração das políticas de defesa nacional (não mais sendo um assunto restrito
somente aos militares) e, a longo prazo, objetiva contribuir para uma sociedade
e governo mais coesos no sistema democrático representativo, graças a uma
conscientização social das questões de defesa, em prol de uma defesa forte e
capacitada para enfrentar seus desafios. A promoção da cultura de defesa
mostra-se, portanto, muito relevante.
5
1. CULTURA DE DEFESA NO BRASIL
Este capítulo busca identificar o conceito de cultura e como ele pode ser
adaptado à área de defesa. Apesar de o termo ser muito utilizado na retórica dos
formadores de opinião e pesquisadores em geral da área, não existe uma
delimitação e/ou definição formal oficial do conceito. Por isso, buscar-se-á definir
o conceito cultura de defesa de acordo com como pesquisadores tem se referido
a ele em seus textos e argumentações. De início, trataremos da influência das
Forças Armadas no Estado brasileiro ao longo do século XX.
1.1 A consolidação e participação das Forças Armadas ao longo do
processo histórico republicano do Estado Brasileiro
Este subcapítulo tem o objetivo coletar subsídios mínimos que nos
permitam afirmar a participação histórica das Forças Armadas no seio da
República brasileira. Não se faz aqui nenhum juízo de valor, espera-se apenas
demonstrar, de forma resumida, concisa e com abordagem ampla, segundo a
obra do historiador Boris Fausto (2006) e Amado Cervo (2015), os fatos mais
relevantes da participação dos militares na política nacional ao longo do
processo histórico do Brasil republicano.
A Guerra do Paraguai foi o marco histórico de consolidação do Exército
Brasileiro. As hostilidades haviam começado na segunda metade do século XIX,
pouco depois a ascensão de Solano López no Paraguai. O governo do império
havia invadido o Uruguai em setembro de 18644, com o objetivo de colocar os
“colorados”5 no poder, com finalidades econômicas, estratégicas e de segurança
e políticas (CERVO; BUENO, 2015); logrando êxito com a forçada ascensão ao
poder de Venâncio Flores. Segundo Amado Cervo (2015), a Prata foi a área em
que se executou a “política de potência do Estado-Império brasileiro” (CERVO;
BUENO, 2015, p. 117). Em 11 de novembro de 1864, Brasil e Paraguai
4
Passando da fase da neutralidade à intervenção (CERVO; BUENO, 2015).
Os “colorados” eram compostos por comerciantes e por influência das potências europeias, simpatizando
com as ideias liberais. Opunham-se aos “blancos”, constituídos principalmente de proprietários rurais que
herdavam a velha tradição autoritária espanhola e viam com maus olhos as influências das novas potências
europeias no país (FAUSTO, 2006, p. 116).
5
6
romperam suas relações diplomáticas devido ao aprisionamento do navio
brasileiro Marquês de Olinda por uma canhoneira paraguaia no rio Paraguai
(FAUSTO, 2006).
Destarte, calcula-se que o Exército Brasileiro (EB) era composto por 18
mil homens. As Forças Armadas no Brasil eram negligenciadas e relativamente
limitadas, se comparadas às do Paraguai (CERVO; BUENO, 2015). Ao decorrer
do conflito, a mobilização de brasileiros é estimada entre 135 mil a 200 mil
homens entre recrutamento forçado, Voluntários da Pátria, Exército regular e
Guarda Nacional. O corpo profissional de oficiais era baixo; não havia serviço
militar obrigatório, o que dificultava mais ainda a ampliação dos efetivos
militares6 (FAUSTO, 2006).
Em 1866, Duque de Caxias foi nomeado para o comando das forças
brasileiras e, em 1868, assumiu o comando das forças aliadas, momento no qual
o Brasil prosseguiu no conflito praticamente sozinho (FAUSTO, 2006). Em 1869
os brasileiros entraram em Assunção e em 1º de março de 1870, Solano López,
ditador paraguaio, foi morto por soldados brasileiros.
Ao término do conflito, Duque de Caxias consagrou-se como patrono do
EB. O Brasil anexou parte do território paraguaio, endividou-se mais ainda com
a Inglaterra e teve o seu Exército afirmado como uma instituição de fisionomia e
objetivos próprios.
Após a Guerra do Paraguai e com a reorganização da Academia Militar,
o Exército se reforçou como corporação (FAUSTO, 2006). Significa também
dizer que os oficiais voltavam a intervir na área política, sendo a Escola Militar
da Praia Vermelha um ambiente ideal para ataques ao governo monárquico e
para a influência do positivismo.
No final do século XIX, os militares constituíam, junto com profissionais
liberais e jornalistas, a base social do republicanismo. Pensava-se a República
como sistema político de maior representação política dos cidadãos, aos direitos
e garantias individuais, à Federação e ao fim do regime escravista. Na década
de 1870, ascendeu um movimento republicano conservador liderado pelas elites
regionais das províncias, que em termos gerais estavam descontentes com o
governo central e queriam mais autonomia (FAUSTO, 2006).
6
O Brasil possuía ainda ampla superioridade naval para o combate nos rios, como se procedeu na batalha
de Riachuelo (junho de 1865), quando a marinha brasileira destruiu a paraguaia (FAUSTO, 2006, p. 120).
7
A partir de 1883, aumentavam os desentendimentos entre governo,
deputados e oficiais do Exército, em meio à insatisfação militar ao longo dessa
década e à propaganda republicana. Essas nuances se intensificaram a partir de
1887 com articulações entre alguns líderes republicanos paulistas, gaúchos e
militares que visavam derrubar a monarquia. Em 1889, Rui Barbosa, Benjamin
Constant entre outras figuras civis e militares se reuniram com o marechal
Deodoro da Fonseca – oficial influente que fora presidente da província do Rio
Grande do Sul e presidente do Clube Militar (organizado por oficiais para
defender seus interesses) – para convencê-lo a liderar um movimento contra o
regime (FAUSTO, 2006).
Em meio a diversos boatos espalhados no meio militar, marechal Deodoro
decidiu por aplicar o golpe comandando a tropa na marcha para o Ministério da
Guerra, onde se encontravam líderes monarquistas. Assim foi proclamada a
República em 15 de novembro de 1889, colocando fim à Monarquia (FAUSTO,
2006). Boris Fausto ressalta que a burguesia cafeeira (força social estável) e o
Exército, associados a outros fatores como a ausência de Dom Pedro II, foram
os pilares para tornar a queda da Monarquia possível7.
É plausível que os militares tenham tido bastante influência nos primeiros
anos da república. Marechal Deodoro tornou-se chefe do Governo Provisório e
algumas dezenas de oficiais foram eleitos para o Congresso Constituinte8.
Porém, não se tratava de um grupo homogêneo, existindo rivalidades entre
Exército9 e Marinha (vista como ligada à Monarquia) (FAUSTO, 2006).
Boris Fausto sublinha como o Exército se situava politicamente à época:
Apesar da profunda rivalidade existente entre os grupos no interior do
Exército, eles se aproximavam em um ponto fundamental. Não
expressavam os interesses de uma classe social, como era o caso dos
defensores da República liberal. Eram sim, antes de mais nada, os
porta vozes de uma instituição que era parte do aparelho do Estado.
Pela Natureza de suas funções, pelo tipo de cultura desenvolvida no
interior da instituição, os oficiais do Exército, positivistas ou não,
7
Tratou-se, portanto, de uma disputa entre elites divergentes.
“As nações americanas acolheram com aplauso e solidariedade o novo regime” (CERVO; BUENO, 2015,
p. 163).
9
“A República foi instaurada pelo Exército. A Marinha teve um papel secundário, apenas aderindo”
(CERVO; BUENO, 2015, p. 182).
8
8
situavam-se como adversários do liberalismo. Para eles, a República
deveria ser dotada de um Poder Executivo forte ou passar por uma
fase mais ou menos prolongada de ditadura. A autonomia das
províncias tinha um sentido suspeito, não só por servir aos interesses
dos grandes proprietários rurais como por envolver o risco de
fragmentar o país (FAUSTO, 2006, p. 140).
Os militares participaram ativamente de todas decisões políticas
deliberadas desde a proclamação da República. Participaram da elaboração da
Constituição de 1891 e de toda a construção das estruturas da República
Federativa. Foi neste momento em que inaugurou-se o sistema presidencialista
de governo. Os Estados (antigas províncias) ganharam autonomia suficiente
para contrair empréstimos no exterior e organizar forças militares próprias – era
o início das forças públicas estaduais. Coube à União organizar as Forças
Armadas nacionais.
A primeira década dos anos 1900 (com o Barão do Rio Branco10
permanecendo à frente do Ministério das Relações Exteriores de 1902 a 1912)
foi marcada por uma aberta competição militar entre Brasil e Argentina.
O Brasil tratou de captar a simpatia de nações menores, como o
Uruguai e o Paraguai, e de aproximar-se do Chile para limitar a
influência argentina. Mesmo assim, sobretudo nos últimos anos de sua
gestão, Rio Branco tentou sem êxito implantar um acordo estável entre
Argentina, Brasil e Chile, conhecido como ABC (FAUSTO, 2006, p.
143).
Apesar da República ter sido proclamada como resultado de um golpe
militar com apoio de grupos civis, isso não significa que havia coesão e unidade
política dentro das Forças Armadas. Após fechar o Congresso alegando
pretender reforçar o Poder Executivo e diminuir a autonomia dos estados,
Deodoro da Fonseca enfrentou resistência civil e de setores da Marinha. Isso
10
Foi no período de Rio Branco que o Brasil tratou de definir limites de fronteira com seus vizinhos,
notadamente Uruguai, Peru, Colômbia e Bolívia, tendo este último experimentado um conflito armado na
região do atual estado do Acre. O Tratado de Petrópolis (1903) concretizou o fim do impasse, no qual a
Bolívia reconheceu a soberania brasileira no Acre por meio de uma indenização recebida no valor de 2,5
milhões de libras esterlinas (FAUSTO, 2006).
9
resultou em sua renúncia em 23 de novembro de 1891, assumindo o poder seu
vice – marechal Floriano Peixoto.
Ao término de seu mandato, o historiador Boris Fausto constata que:
A sucessão presidencial marcou o fim da presença de figuras do
Exército na Presidência da República, com exceção do marechal
Hermes da Fonseca, eleito para o período 1910-1914. Além disso, a
atividade política dos militares como um todo declinou. O Clube Militar,
que coordenava essas atividades, ficou fechado entre 1896 e 1901
(FAUSTO, 2006, p. 145).
No final do século XIX, o Rio de Janeiro, então capital da República,
constituía um centro de extrema relevância à época. Sua estrutura social já se
mostrava complexa, bem mais relevantes do que as complexidades das
estruturas sociais existentes em São Paulo (FAUSTO, 2006).
Ali se concentravam setores sociais menos dependentes das classes
agrárias, onde se incluíam a classe média profissional e burocrática,
militares de carreira, alunos da Escola Militar, estudantes das escolas
superiores. A presença de jovens militares e a menor dependência da
classe média com relação às classes agrárias favoreceu até certo
ponto uma política de colaboração de classes (FAUSTO, 2006, p. 168).
Uma insatisfação militar em camadas do Exército vem à tona ao longo da
disputa eleitoral em que se candidata Arthur Bernardes, em 1921. A imagem de
candidato antimilitar somado a pesadas ofensas aos militares contidas em duas
cartas falsamente assinadas por Bernardes no jornal Correio da Manhã, foi o
cenário perfeito para um racha de confiança entre o futuro presidente e os
militares. Em 1922, o Clube Militar foi fechado pelo governo vigente, por meio de
uma lei que servia contra associações nocivas à sociedade, devido a um protesto
lançado pelo Clube criticando a utilização de tropas do Exército numa
intervenção na política local de Pernambuco (FAUSTO, 2006).
Segundo Fausto, esses fatos propulsaram o Movimento Tenentista. As
falsas ofensas e a repressão contra o Clube Militar fizeram tenentes e capitães
do Exército se revoltarem e espalhar a rebelião para outras unidades. Em 1924,
em São Paulo, ocorre outra revolução mais bem preparada, com o objetivo de
interromper o governo de Arthur Bernardes. Após a tomada de alguns quartéis,
10
tropas de São Paulo e Rio Grande do Sul são mobilizadas, e, após vários
combates, o movimento decide percorrer o interior do Brasil afim de espalhar a
ideia de “revolução”. Entre 1925 e 1927 ocorreu uma marcha, totalizando 24 mil
quilômetros e que ficou conhecida como Coluna Prestes (FAUSTO, 2006). Os
resultados concretos desse movimento naquele momento são bastante
duvidosos, sendo acreditados principalmente por seu caráter simbólico.
Os jovens oficiais do Exército adeptos ao movimento rebelde eram
radicais por fazerem uso do método da confrontação armada. No seio da
instituição, queixavam-se da rigidez da carreira, escassez de vagas para atingir
os postos mais altos e criticavam aos quadros superiores por sua suposta
complacência com os “governos corrompidos” (FAUSTO, 2006, p. 175). Não
havia de forma clara uma proposta de reforma política. Eram jovens militares,
socializados na instituição e sem peso político significante seja no Exército, seja
no governo ou na sociedade civil.
Em 1930, após o assassinato de João Pessoa, morte explorada
politicamente por seus opositores, eclode um movimento revolucionário em
diferentes estados brasileiros e que culminou na posse de Getúlio Vargas. Tal
revolução teve êxito em sua articulação em grande parte graças ao movimento
armado em diferentes estados, e que teve como comandante geral o tenentecoronel Góis Monteiro.
[...] a 24 de outubro, integrantes da cúpula militar, em nome do Exército
e da Marinha, depuseram o Presidente da República no Rio de Janeiro,
constituindo uma Junta Provisória de governo (FAUSTO, 2006, p. 180).
Boris Fausto conclui dizendo:
O movimento revolucionário de 1930 no Brasil insere-se em uma
conjuntura de instabilidade, gerada pela crise mundial aberta em 1929,
que caracterizou toda a América Latina. Ocorreram aí onze episódios
revolucionários, predominantemente militares, entre 1930-1932. O
golpe militar do general Uriburu na Argentina (setembro de 1930) teve
um efeito de demonstração no Brasil, onde foi saudado, nos meios de
oposição, como um exemplo a ser seguido (FAUSTO, 2006, p. 181).
11
O governo getulista se deu por meio do aparelho de Estado (centralizador
e de inspiração autoritária) e pelo apoio das Forças Armadas. Privilegiou-se a
industrialização, a proteção aos trabalhadores urbanos e o Exército, que dava
suporte à criação de uma indústria de base e garantidor da ordem interna
(FAUSTO, 2006).
Diversas insatisfações políticas culminaram da revolução paulista de
1932, convencionalmente conhecida como Revolução Constitucionalista. Os
interesses da elite paulista foram deixados de lado pelo governo vigente; queriam
a constitucionalização a partir dos princípios da democracia liberal e autonomia
do estado, dada a “superioridade” de São Paulo face a outros estados (FAUSTO,
2006).
Os paulistas queriam atacar a capital da República de maneira rápida e
eficaz, porém permaneceram sem aliados no combate, confinados militarmente
nos limites do estado. A Marinha fez um bloqueio no porto de Santos e, apesar
da clara superioridade militar das tropas governistas, o combate armado11 durou
quase três meses, resultando na rendição de São Paulo em outubro de 1932
(FAUSTO, 2006).
Três anos após a promulgação da Constituição de 1934 e da eleição
indireta de Vargas pela Assembleia Nacional Constituinte, um novo golpe civilmilitar acontece, contribuído por ação de grupos do interior do governo,
principalmente no Exército e por incompetência de liberais e de esquerdistas.
Inaugura-se a ditadura do Estado Novo. O autoritarismo no interior do Estado
tinha sua expressão maior na cúpula das Forças Armadas (FAUSTO, 2006).
Sem a pretensão de substituir as elites civis, as Forças Armadas
exerceram um poder extenso formal e informalmente durante o Estado novo,
devido à sua presença nos distintos organismos técnicos (político e econômico)
do Estado. A via autoritária e uma Política Externa de barganha tornaram
possível a almejada modernização e reequipamento das Forças Armadas;
objetivo esse que manteve coesa as FA (FAUSTO, 2006).
O período proporcionado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial foi de
maior inserção internacional do Brasil, impulsionada pelo envio da Força
11
Combates importantes ocorreram nos limites do pacato município de Passa Quatro, sul de Minas Gerais,
onde os mineiros combateram os invasores paulistas vindos de Cruzeiro-SP, resultando num grande número
de mortos dos dois lados.
12
Expedicionária Brasileira (FEB)12 para o palco de guerra europeu, para lutar do
lado dos Aliados. Isso partiu de iniciativa brasileira (FAUSTO, 2006), após o
torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães.
Após a volta dos pracinhas brasileiros, veio à tona a contradição do apoio
do Brasil às democracias e a ditadura Vargas. Ademais, houve um afastamento
do governo com os seus sustentadores militares. Após diversas pressões
internas e externas, Vargas renunciou ao poder em meio a carta pública; e a
transição para o regime democrático dependeu da iniciativa militar (FAUSTO,
2006, p. 215).
O Brasil passa então, de 1945 a 1964 por uma experiência democrática.
A eleição de brigadeiro Dutra proporcionou grande interesse na população
(FAUSTO, 2006), sendo o mais votado em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
São Paulo.
Com a volta de Getúlio no cenário político em 1951, as Forças Armadas
se viam em uma divisão ideológica entre nacionalistas e adversários, chamados
de “entreguistas” (FAUSTO, 2006, p. 225).
Seguindo a linha sucessória, Juscelino Kubitschek elegeu-se presidente.
Diante do afastamento de Café Filho, devido a problemas caridíacos, foi
necessária uma intervenção militar chamada de “golpe preventivo” para impedir
o então presidente da câmara dos deputados de assumir o executivo. Nereu
Ramos, presidente do Senado assume o poder e, após um pedido dos ministros
militares, o Congresso aprovou o estado de sítio de 30 dias, que garantiu a posse
de Juscelino em 1956 (FAUSTO, 2006).
A posição política das Forças Armadas não eram homogêneas. As ideias
de intervenção cessam perante apartidarismo do Ministro da Guerra general Lott,
ao atendimento de certas reivindicações e ao alinhamento com a retórica de
Juscelino de “desenvolvimento e ordem” (FAUSTO, 2006). A preocupação maior
das FA estavam em combater o Comunismo.
Na última eleição direta para presidente que o país conheceu até 1989,
foi eleito Jânio Quadros. Sem base política de apoio no decorrer de sua
administração, Jânio renuncia em 1961. No desespero do medo comunista, os
ministros e setores militares vetam a posse do vice-presidente João Goulart,
12
Foram enviados 20.000 homens para o campo de batalha, dos quais 454 brasileiros morreram (FAUSTO,
2006).
13
pautado em razões de “segurança nacional”. Em meio à crise do regime, o
Congresso passou o sistema de governo para o parlamentarismo, para permitir
a posse de Jango. Seu mandato foi marcado pelas diversas manifestações de
movimentos sociais.
Segundo Bóris Fausto, a grande tragédia dos últimos meses do governo
Jango foi o fato que “a resolução dos conflitos pela via democrática foi sendo
descartada como impossível ou desprezível por todos os atores políticos. Em
1963, a conspiração nos meios militares já tinham evoluído substancialmente.
Após uma série de atritos com as camadas militares e sem uma base social
sólida de apoio, os militares, com a ajuda do presidente do Senado, aplicaram
um golpe impecável e tomaram o poder do país. Segundo o historiador Boris
Fausto “pela primeira vez na história do país os militares assumiam o poder com
a perspectiva de aí permanecer, instaurando um regime autoritário” (FAUSTO,
2006, p. 255). De 1964 a 1985, os militares assumem de maneira autoritária as
rédeas do país. A reabertura aos civis veio apenas em 1985 por meio de eleições
indiretas; e a redemocratização inaugurou-se no advento da Constituição
Federal de 1988.
Por fim, baseado em literatura especializada em história brasileira, sem a
pretenção de fazer juízo de valor e aprofundamento, buscamos subsídeos que
nos permitissem constatar a participação das Forças Armadas na política
nacional ao longo do processo histórico do Estado brasileiro republicano.
Podemos concluir que as Forças Armadas constituem uma instituição
que, desde sua consolição como instituição, tiveram um papel importante e
majoritariamente ativo na política brasileira desde a criação da República em
1989. Constata-se também que, caso não houvesse as Forças Armadas
(concomitantemente a diplomacia), a unidade do Estado brasileiro estaria
colocada em cheque ao longo do processo histórico. Discorreremos agora sobre
cultura e Defesa, afim de situar o papel da Defesa Nacional contemporânea.
1.2 Definições de cultura
A obra de Roque de Barros Laraia Cultura: um conceito antropológico será
nossa fonte referencial basilar. A primeira constatação é que o comportamento
14
dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo chamado de
endoculturação. Diferenças de comportamentos podem ser dadas devido a uma
educação diferenciada.
Isso mostra a importância de se trabalhar a educação quando se quer
promover uma cultura específica. O Ministério da Defesa tem feito esforços para
disseminar o estudo de defesa nas Instituições de Ensino Superior (IES). Escolas
e Universidades têm um papel importante na socialização e disseminação de
cultura.
Laraia relata que no final do século XVIII e no princípio do século XIX, o
termo germânico Kultur era utilizado “para simbolizar todos os aspectos
espirituais de uma comunidade”, enquanto a palavra francesa Civilization fazia
referência principalmente às realizações materiais de um povo (LARAIA, 2014,
p. 18).
Edward Tylor (1832-1917) sintetizou os dois termos em um só no vocábulo
inglês Culture, momento quando o conceito tomou um sentido mais amplo e
etnográfico e passou a ser entendido como “todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade” (LARAIA, 2014, p.18). Nota-se que a abrangência do conceito se
expandiu, passando a significar todas as possibilidades de realização humana,
ressaltando fortemente o caráter de aprendizado da cultura.
Foi justamente esse alargamento do conceito que fez Geertz defender a
diminuição da amplitude do conceito e a sua transformação num instrumento
mais especializado e mais poderoso teoricamente (GEERTZ, 2008; LARAIA,
2014), dentro de uma perspectiva antropológica.
Geertz parte do pressuposto de que a cultura é formada por teias de
significados tecida pelo homem, significados estes que o homem dá as suas
ações e a si mesmo. Assim, para conhecer a cultura, deve-se analisar, interpretar
e buscar os significados contidos nos atos, ritos e performances e não apenas
descreve-los (GEERTZ, 2008).
Laraia cita a obra de Ruth Benedict O crisântemo e a espada, no qual a
cultura é entendida como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
Assim, homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm
visões desencontradas das coisas (LARAIA, 2014).
15
Dessa forma, uma cultura de defesa significa a maneira que um Estado e
sociedade enxergam a realidade à qual estão inseridos. Da mesma forma em
que a participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a fim de
permitir a sua articulação com os demais membros da sociedade (LARAIA,
2014), sociedade e estado devem se articular para fomentar e conhecer uma
cultura de defesa nacional.
O construtivismo wendtiano considera a construção social da identidade
dos atores estatais, e pode-se ampliar essa ideia para a construção da
identidade das ameaças ou do “inimigo”. O conhecimento compartilhado altera
as relações entre Estado e população, assim como na relação entre Estados. A
própria realidade é uma construção social, e os valores são endógenos às
relações.
Estruturas sociais são definidas por entendimentos compartilhados,
expectativas ou conhecimento – constituem os atores em uma situação ou na
natureza do relacionamento, seja de cooperação ou conflito (WENDT, 1995;
1998). Portanto, a definição de um sistema conflitual ou pacífico não dependeria
da anarquia e do poder, mas sim da cultura partilhada criada através de práticas
sociais discursivas.
Se a identidade nacional é relacionada a um interesse, ela pode mudar,
provocando consigo uma mudança de comportamento. Num dado momento,
pode ocorrer (ou não) a mudança de atribuição de uma identidade específica.
Neste contexto, a cultura de defesa pode ser tanto agente quanto estrutura.
Conforme previne Alsina Jr., identidades tendem a se estabilizar em
padrões relativamente estáveis, porém elas podem mudar rapidamente (ALSINA
JR, 2009). Ele cita em sua argumentação a ocorrência de eventos imponderáveis
de grande impacto, como os atentados terroristas13 contra Nova Iorque e
Washington, que foram capazes de contribuir para o início ou o aprofundamento
de mudanças no perfil identitário da nação americana.
Pensando no caso brasileiro, Santos argumenta que um país pode ser
entendido como um ente de ordem dialética de dimensão espaço e cultura. A
dimensão espaço é representada por uma área geográfica delimitada, de
soberania política; e a dimensão cultura é representada pela área cultural, mais
13
A ideia de ameaça é social e politicamente construída (VILLA; SANTOS, 2010 apud SOUZA et al.,
2015).
16
ou menos homogênea, não delimitada. Justifica-se, portanto, que a cultura é
fundamental para a soberania e sobrevivência da nação, devido à sua
responsabilidade no estabelecimento da unidade nacional. A longo prazo, a
cultura é determinante para a evolução ou dissolução das nações (SANTOS,
2011).
O Brasil possui potencial cultural inestimável, capaz de lhe proporcionar
sua
própria
sobrevivência
enquanto
Estado-Nação,
graças
à
sua
multiculturalidade e originalidade. No caso da Defesa, isso significa criar seus
próprios modelos, métodos e mapas conceituais, sem ter que meramente
importar os mesmos padrões das potências centrais.
O Brasil tem todas as condições para se constituir, no único e real
perigo para a cultura dominante. Por isso, é fundamental que seja
desenvolvida para o Brasil uma estratégia cultural para sobreviver, sem
se descaracterizar culturalmente, até a chegada do momento
adequado à superação da modernidade (SANTOS, 2011, p.127)
Santos (2011) propõe uma Estratégia de sobrevivência cultural – “cultura
da defesa” – , pautada na originalidade e com capacidade de se posicionar como
uma “futura nova cultura de referência” face à modernidade e interferências da
cultura e do interesse das potências dominantes. O papel da Defesa se relaciona
diretamente com os pontos 12, 13, 14, 15 e pode ser relacionado indiretamente
com a maioria dos demais:
1. Priorização da cultura brasileira sobre a Política e a Economia;
2. Defesa do espaço para manifestações culturais;
3. Defesa da língua e da linguagem brasileira;
4. Difusão generalizada da história da cultura brasileira;
5. Educação, não só para o trabalho, mas também para a cidadania
plena (política e cultural);
6. Incorporação de tecnologias modernas a serviço da cultura
brasileira;
7. Preservação do recorte cultural da América do Sul e da África, porém
com o reconhecimento da função crucial da cultura brasileira;
8. Agregação do espaço luso-fônico com a África e Ásia;
9. Difusão da cultura brasileira;
17
10. Incentivos à criação de organismos que se dediquem à cultura
brasileira;
11. Estudos sobre a possibilidade de ações conjuntas, ao nível de
linguística;
12. Forças Armadas adequadas às dimensões e condições
geográficas sul-americanas, de avançado nível tecnológico;
13. Cooperação com os países sul-americanos;
14. Preparação para evitar e superar possível convulsão social;
15. Preparação para conter ações terroristas; e
16. Investimento maciço e continuado em educação e ciência e
tecnologia (SANTOS, 2011, p. 127).
Por fim, Santos conclui dizendo:
A existência de um projeto nacional brasileiro, original e de longo prazo,
que tenha em sua essência a preservação, a valorização e a projeção
da cultura, da língua, dos valores, dos esquemas interpretativos
nacionais será base poderosa para a construção das condições
fundamentais para que a cultura brasileira possa vir a se posicionar e
superar a atual ordem internacional. Assim, poderá trocar sua condição
de cultura periférica e dependente para colocar-se como cultura nodal
(SANTOS, 2011, p.127).
Um dos interesses por trás da promoção de uma cultura de defesa é gerar
entendimentos compartilhados entre o grupo social militar e civis, afim de atingir
uma conscientização popular e tentar democratizar mais ainda a construção
social – conjunta entre civis e militares – do papel das Forças Armadas.
Em outras palavras, essa promoção é tida como uma necessidade e
oportunidade de as Forças Armadas compartilharem com a sociedade sua visão
de mundo, sua idealização de projeto de “nação” e de desenvolvimento para o
Brasil, seus valores, suas intenções e, por fim, legitimar suas ações
desempenhadas.
A participação da sociedade nos assuntos de defesa é, portanto, um pilar
essencial para a construção conjunta e legítima da identidade de defesa
brasileira. Vejamos agora como o termo “cultura de defesa” pode ser definido no
Brasil.
18
1.3
Como pesquisadores brasileiros têm se referido à Cultura de Defesa
O modo em que o termo “cultura de defesa” na retórica leva o termo
“cultura” num sentido à la Tyler (visto anteriormente em LARAIA, 2014),
adaptado analogamente ao campo da defesa, pois pode ser considerado como
cultura de defesa a totalidade de temas tratados, pesquisados, estudados,
produzidos na área da Defesa Nacional.
Até o momento de conclusão desta pesquisa, não foi encontrado nenhum
trabalho nacional que tentasse apresentar uma definição para o termo “cultura
de defesa”. Tal definição aqui proposta, portanto, é depreendida de acordo com
a análise de como o termo é empregado nos eventos acadêmicos da área
(CEDN, ERABED, Jornada de Estudos Estratégicos, etc.), nos sites do Ministério
da Defesa e do Instituto Pandiá Calógeras (IBED), nos discursos de ministros e
oficiais das forças e nos poucos trabalhos acadêmicos que citam o termo14.
De acordo com a maneira com que o termo “Cultura de Defesa” vem sido
tratado na academia brasileira, o conceito significa a conscientização da
sociedade como um todo da tradição, do conhecimento, e da mentalidade de
defesa. Isso engloba todo o complexo que inclui o conhecimento, o estado da
arte, o conjunto de ideias, as leis, os programas e projetos, os costumes,
comportamentos, símbolos, práticas militares e sociais adquiridas e/ou
desenvolvidos pela Defesa Nacional ao longo de sua construção histórica na
formação do Estado e sociedade brasileira contemporânea. Portanto, o objetivo
da promoção da cultura de defesa é de se fazer assimilar essa cultura pelos
distintos grupos sociais da sociedade brasileira.
Assim como a noção de cultura enquanto aprendizado, transmitida e
transformada de geração em geração através da vida em sociedade, nela
desenvolvida, a promoção de uma cultura de defesa significa a tentativa de se
consolidar uma tradição ainda restrita a uma parcela relativamente reduzida da
sociedade em assuntos da área. Sua promoção intenciona tornar apta para o
debate a sociedade como um todo.
O termo “cultura de defesa” é tratado como algo óbvio, sem necessidades de esclarecê-lo. O presente
trabalho tem como um de seus objetivos não tratar esse conceito como algo trivial e sim desvendar a real
delimitação de significado que está por detrás dele.
14
19
Da mesma forma que cada Estado tem a sua própria cultura, passível de
influências, (re)adaptações e transformações, ela é fruto de uma construção
social, assim como a identidade nacional. O pensamento de defesa trilha pelo
mesmo processo.
A cultura de defesa no Brasil está em desenvolvimento. A partir do
momento em que mais ideias transformadoras aparecerem no debate, devido à
popularização dos temas, mais essa cultura será adaptada às novas maneiras
de pensar inerentes ao desenvolvimento do campo e da compreensão do papel
da Defesa Nacional.
Almeida (2010) defende que
A comunidade acadêmica também precisa aproximar-se do tema da
defesa nacional, pois a distância gera efeitos nocivos para as duas
partes. A defesa sai prejudicada porque perde a oportunidade de
contar com pesquisadores capazes de gerar conhecimento e, com
isso, contribuir para o fortalecimento das instituições da defesa. Em se
tratando de instituições que lidam com os temas da estratégia, do
poder e do emprego da força, desperdiçar uma fonte de conhecimento
significa desperdiçar uma fonte de força, o que é, no mínimo,
incompreensível. O meio acadêmico também perde com esse
distanciamento, pois não é admissível que um setor dedicado, à
geração de conhecimento, abdique de atuar em um campo de estudos
tão rico (ALMEIDA, 2010, p. 234).
A socialização das discussões deste setor é estratégica para o aumento
da legitimidade do governo e do poder nacional do Estado (MORGENTHAU,
2003; SOUZA et al.). É essencial que o cidadão comum compreenda a relação
entre Segurança, Defesa e Desenvolvimento. O resultado disso será um Estado
seu poder aumentado, conforme já afirmava Morgenthau: "É indispensável que
o governo obtenha a aprovação de seu próprio povo para as suas políticas
interna e externa destinadas a mobilizar os elementos do poder nacional em
favor das mesmas" (MORGENTHAU, 2003, p. 284).
Souza et al. (2015) afirma ainda que essas discussões estão
intrinsecamente vinculadas ao tecido social de uma nação. As ameaças, internas
ou externas, se colocam contra os cidadãos, mesmo que estes não as percebam.
O envolvimento da sociedade nestas discussões é fator imprescindível à
20
concepção e consecução da Segurança e da Defesa nacionais. A citação abaixo
corrobora esta assertiva:
O grau de importância para o País e a magnitude dos meios que
envolve, induzem, de imediato, à ideia de que, sem o engajamento da
sociedade como um todo e em particular do meio político que, mal ou
bem, representa o caráter social do povo, não haverá consistência no
planejamento e na execução da defesa e da política externa.
Necessário se torna afastar a ideia de que assunto de defesa é
problema dos militares e que a eles pertence o privilégio de sacrificar
a própria vida em defesa da pátria. Se a pátria for atacada não serão
levadas somente as vidas dos militares (MENEZES, 1997, p. 14 apud
SOUZA et al., 2015)).
A criação de mecanismos e instituições que visam a consolidação de uma
cultura de defesa nacional funcionaria de modo a estabelecer uma herança
cultural do pensamento de defesa. Há espaços para crescimento e
aprofundamento do debate civil sobre a defesa, assim como a elaboração de
projetos de Defesa Nacional compatíveis com a agenda democrática. As
instituições15 servem para colocar ao alcance da sociedade o material que lhe
permita exercer a sua reflexão e participação de uma maneira construtiva.
A promoção da cultura de defesa no Brasil é oriunda de uma preocupação
de que a defesa seja definitivamente posta na agenda nacional, deixando de ser
apenas uma área de saber técnico-profissional de todos militares e poucos civis.
Jorge Calvário dos Santos (2011), ao discorrer sobre a necessidade de
defesa da cultura, defende que a vulnerabilidade estratégica das nações é
medida pela unidade cultural, pela sua preservação, pelas limitações científicotecnológicas, pelo nível educacional e pelo compromisso dos nacionais com o
futuro. Por isso, afirma que para a formação de uma base para a formulação de
uma estratégia de superação e preservação dos interesses nacionais é
necessária a identificação das vulnerabilidades a que o país está submetido
(SANTOS, 2011).
Valores, ideias nacionais e modo de pensar constituem a identidade
nacional (leia-se também a cultura), que é passível de transformações. A
15
MD, ABED, IBED, Centros de Estudos Estratégicos das diferentes Forças, etc.
21
dimensão cultural é a essência e fator de unidade, caracterização e coesão do
ser humano e da nação. (SANTOS, 2011). A subordinação cultural é um risco
que as sociedades de cultura “mais frágeis” sofrem pela imposição cultural das
nações potências16.
A interferência cultural é uma arma, silenciosa e eficiente, enquanto
instrumento da estratégia, pois as relações entre as nações são
predominantemente conflituosas e pautadas pela geopolítica e pelos
interesses nacionais (SANTOS, 2011, p. 10).
O estudo comparativo de Silveira mostra bem como é comumente
empregada a noção de cultura de defesa. Ao discorrer sobre a Marinha do Brasil
escreve:
Essa força [MB] se preocupa com o crescimento de uma cultura voltada
à consciência de maritimidade, apoiada nos valores estabelecidos pela
defesa nacional para o conhecimento do povo brasileiro, promovendo
eventos em suas instituições acadêmicas, culturais e de comunicação
social, com a presença de militares e civis nacionais e estrangeiros
(SILVEIRA, 2011, p. 5).
E, ao discorrer sobre a Armada Espanhola em seu artigo, escreve:
Para tal, busca, com o crescimento do grau de consciência marítima
nacional diante da opinião pública, fomentar uma cultura de defesa,
através de instituições sobre o preparo e emprego militar-naval no
Centro de Estudos de Defesa Nacional (CESEDEN) e também
promover a discussão junto com outras FFAA e instituições
acadêmicas civis (SILVEIRA, 2011, p. 7).
Ou, no tocante à Amazônia, Teixeira da Silva escreve que a soberania da
Amazônia não é uma questão militar, mas cultural, somente uma cultura de
defesa e segurança regional alicerçada na ciência e educação, somados à
presença estatal efetiva, poderiam promover um desenvolvimento sustentável
endógeno na região (TEIXEIRA DA SILVA, 2008).
16
A cultura molda padrões de coesão, integração, desintegração e conflito, ao longo do processo histórico.
Notadamente, os esforços de criação de uma cultura de defesa sul-americana, muito defendida por Celso
Amorim, é de grande valia para um regime de cooperação na região, confiança e segurança.
22
Os autores supracitados foram a título de exemplo. As pesquisas que
citam o termo “cultura de defesa”, o tratam de maneira semelhante, sem explorar
a fundo uma possível definição; e permitiram a nossa delimitação proposta neste
capítulo. Portanto, cultura de defesa é um termo amplo, que faz referência ao
conhecimento da realidade da defesa nacional e à popularização do debate
sobre tais temáticas no País, associado ao crescente envolvimento de civis na
área.
A abrangência de como é percebida a cultura de defesa faz com que
qualquer pesquisa no âmbito da Segurança Internacional e Defesa seja um
trabalho que contribua para a cultura de defesa.
A ideia de cultura de defesa é recente no Brasil. O processo de definição
da Política de Defesa, sendo uma Política Pública, diz respeito aos cidadãos,
civis e militares, devendo haver diálogo franco e participação de todos. Assim,
deve-se buscar uma maioria de população envolvida que legitime tal política,
com condições e metodologias necessárias e claras, para se chegar a um
processo de condução institucional próprio ao sucesso da Política de Defesa. O
Ministério da Defesa e as Forças Armadas não têm conseguido transmitir
efetivamente à sociedade conteúdo real de sua missão, que permanece pouco
conhecido. Veremos no capítulo seguinte o quê o governo brasileiro tem feito
para promover uma cultura de defesa nacional ao longo dos anos 2000, assim
como a definição de “Defesa Nacional” entre outros conceitos.
23
2. A POLÍTICA DE DEFESA NO BRASIL E SEUS MARCOS REGULATÓRIOS
Este capítulo tem por objetivo contextualizar a visão atual da defesa
brasileira, por meio de um panorama institucional geral; e coletar, de maneira
seletiva, informações pertinentes contidas nos dos três documentos que
compõem o marco regulatório da Defesa no Brasil (a Política Nacional de
Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa, e o Livro Branco de Defesa Nacional);
pois neles estão a fundamentação da política de promoção de uma cultura de
defesa.
Para tanto, será feita uma breve contextualização da elaboração dos
documentos da defesa e do papel atual das Forças Armadas. Em seguida, será
feito um discorrimento seletivo das informações contidas nos documentos PND,
END e LBDN, de modo a apresentar suas contribuições à promoção e
consolidação da cultura de defesa.
2.1 Breve histórico
Os vinte e um anos de regime militar no Brasil (1964-1985) foram um
período que contribuiu para a alienação de civis na reflexão dos temas e
questões de defesa. Fato não surpreendente, levando em consideração que o
planejamento das políticas internas e externas, bem como o comando do poder
executivo era conferido essencialmente aos militares (CERVO; BUENO, 2015;
FAUSTO, 2006).
"Ao superar o passado autoritário, uma parte articulada da sociedade
rejeitou as forças armadas" (OLIVEIRA, 2006 apud ALMEIDA, 2010).
[...] as forças armadas passaram a ser vistas com desconfiança por
boa parte dos principais formadores de opinião nos meios político,
acadêmico e científico. Não sem motivo, as mais recentes ações da
área de comunicação social do Ministério da Defesa e das forças
armadas têm dado atenção a esse aspecto. A própria Estratégia
Nacional de Defesa (BRASIL, 2008) é uma tentativa de romper com
esse estado de coisas, mas ainda há um longo caminho a percorrer
(ALMEIDA, 2010, p. 229).
24
Nesse sentido, nota-se a transição de regime político a partir de 1985. De
volta à democracia, o país logrou conquistas importantes nos campos do direito,
social e político. Algumas delas se refletiram na ampliação dos direitos e
liberdades individuais; fim da censura, liberdade de imprensa e expressão; a
tripartição dos poderes no seio do Estado intencionando um mecanismo de
pesos e contrapesos entre poderes harmônicos entre si; e uma república
federativa
representativa
encabeçada
por
um
executivo
e
legislativo
democraticamente eleitos. Significa, portanto, dizer que a classe política – civil –
voltava a planejar e tomar as decisões de política doméstica e exterior, inclusas
as políticas de Defesa Nacional.
A Constituição Federal de 1988 estabelece o papel das Forças Armadas
no Brasil:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem. (CF 88, Cap. II)
Vê-se que qualquer ação militar precisa ser requisitada por algum dos três
poderes constitucionais e, mais enfaticamente, pela autoridade suprema das
Forças Armadas, o(a) presidente da república. Uma das principais finalidades do
Exército, da Aeronáutica e da Marinha é garantir a estabilidade institucional dos
três poderes.
De acordo com o inciso 2º do artigo 15 da Lei Complementar nº 97, de
1999,
A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por
iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo
com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após
esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública
e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (Lei Complementar nº
97, de 1999)
25
Ou seja, a intervenção para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é
excepcional, só podendo ser aplicada após o esgotamento de todos os
instrumentos convencionais que se destinam exatamente à preservação da
ordem pública. A Constituição fixa taxativamente, em seu artigo 144, que a
segurança pública é dever do Estado, por meio da polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícia ferroviária federal, das policias civis e militares e do
corpo de bombeiros, exercer a preservação dessa ordem e a integridade das
pessoas e do patrimônio. Portanto, só se deve pensar no uso das Forças
Armadas para uma ação militar constitucional interna por meio da lei da GLO
quando todas essas forças estiverem esgotadas ou comprometidas.
A parte significante da opinião pública e da classe política apresentam
uma compreensão deturpada do emprego das FA em operações de GLO,
banalizando o uso das forças destinadas prioritariamente a combater ameaças
externas por meio do desvirtuamento do seu emprego. O general de exército da
reserva Carlos Alberto Pinto Silva17 afirma que o emprego das Forças Armadas
na Garantia da Lei e da Ordem “vem se tornando praxe significativa e
preocupante”, pois “uma Força Armada não deve ser jamais usada como uma
reserva de mão de obra” (SILVA, 2016). Ademais, os militares não estão
amparados juridicamente de maneira apropriada no momento de execução de
operações de GLO, em casos, por exemplo, de confronto com vítimas.
Passado o período da redemocratização – cujo marco mor foi a
Constituição Federal de 1988 – é somente em 1996, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, que o Brasil publica o primeiro documento norteador das
políticas públicas de Defesa Nacional. A Política de Defesa Nacional (PDN)
apresentava: uma análise de conjuntura do cenário global sob a perspectiva
brasileira; sete objetivos; orientação estratégica e diretrizes para atingir tais
objetivos e estratégias. Ela devia “refletir os anseios da sociedade” (BRASIL,
1996, p. 4).
Na
PDN,
já
se
associava
defesa
ao
desenvolvimento,
e
o
desenvolvimento às áreas civil e militar. Para a capacitação nacional, é inevitável
que tais áreas caminhem juntas. Esse conceito será aprimorado mais de uma
17
Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul e do Comando de Operações
Terrestres.
26
década depois, na Política Nacional de Defesa (PND) e na Estratégia Nacional
de Defesa (END) de 2008.
Na visão das Forças Armadas e do Ministério da Defesa, uma cultura de
defesa consolidada significaria ter a conscientização popular de que os projetos
da defesa são associados ao desenvolvimento do próprio país; inclusive sendo
as tecnologias empregadas e/ou desenvolvidas nos projetos da defesa
detentoras de um potencial dual, ou seja, tecnologias para uso civil e militar.
Já se via na época do primeiro documento, também, o processo de
integração regional e a cooperação internacional como medidas de resguardo e
defesa, as quais visavam solucionar pacificamente as controvérsias e fortalecer
a confiança entre os países, assim como a paz e segurança internacionais. Ou
seja, desde a origem do primeiro documento, já se tem política de defesa e
política externa entrelaçadas18. O objeto da Defesa é de premissa internacional.
Apesar de o Brasil apostar na boa-fé das convenções e tratados
internacionais como mecanismos em que a diplomacia é exercida de modo a
estabelecer confiança e a resolução pacífica de controvérsias entre os demais
atores do cenário internacional, um Estado que possui dimensões do Brasil –
vasta riqueza de recursos naturais; importantes reservas petrolíferas; amplas
bases demográficas e territoriais de fisiografia diversificada; mais de oito mil e
quinhentos quilômetros de fronteira terrestre, totalizando dez países vizinhos
fronteiriços; uma plataforma continental19 de quase mesma área que a Amazônia
verde terrestre, – não abdica do direito de autodefesa (BRASIL, 2012c).
Com uma cultura de defesa forte, espera-se que essas noções
dimensionais estejam interiorizadas pelo cidadão comum, de modo a
reconhecerem a necessidade de ter uma força capaz de garantir a soberania e
proteção desse território.
Ademais, o conceito de anarquia enquanto ausência de um poder central
regulador do comportamento dos Estados (MORGENTHAU, 2003, p 12) é um
ponto de partida na formulação de políticas de defesa do Estado brasileiro. Para
tanto, compreende-se como necessária uma força de defesa confiável, pautada
18
Desde a PDN (1996), os princípios e objetivos da Defesa Nacional estão alinhados com os princípios
basilares que regem as relações internacionais brasileiras (artigo 4º da Constituição Federal de 1988).
19
É concebida como a Amazônia Azul brasileira. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar
permite ao Brasil estender os limites da sua Plataforma Continental e exercer o direito de jurisdição sobre
os recursos econômicos numa área de cerca de 4.5 milhões de quilômetros quadrados.
27
nas Forças Armadas, capacitadas tecnologicamente e preparada para o prontoemprego. O país “jamais esteve e jamais estará” livre de riscos20, mesmo
convivendo pacificamente em comunidade internacional (BRASIL, 2012c, p.
185).
Feito essa breve contextualização histórica da publicação do primeiro
documento de defesa desde a redemocratização do regime político brasileiro,
passando pelas funções constitucionais das FA e pela implicação de uma
mentalidade popular que conheça esses assuntos, discorreremos sobre os três
documentos atuais da defesa, que constituem o principal marco regulatório da
Defesa Nacional. Intenciona-se coletar as considerações mais relevantes para a
compreensão do objeto de estudo proposto, a questão da “cultura de defesa”.
2.2 A Política Nacional de Defesa: evolução e concepções
Atualizado o documento pela primeira vez em 200521, foi em 2008, no
segundo governo Lula, que a Política de Defesa Nacional foi publicada
atualizada e passou a intitular-se Política Nacional de Defesa (PND), pois
fortificou-se a concepção de que defesa nacional é dever e interesse da nação,
e não apenas uma política pública que diz respeito exclusivamente aos militares.
Logo, tratava-se de uma política nacional destinada à defesa, ou seja, voltada
essencialmente para ameaças externas.
Aprimorou-se o conceito de que defesa do País é inseparável de seu
desenvolvimento.
Mais
do
que
isso,
a
defesa
pode
condicionar
o
desenvolvimento autônomo econômico e tecnológico do país por meio da
indústria nacional de defesa. Assim, a PND apresenta o planejamento de ações
destinadas à defesa nacional, contendo orientações para o emprego dos setores
militar e civil, buscando também melhorar o status quo do Brasil e ampliar sua
participação em processos decisórios internacionais.
20
Observa-se aqui inicialmente que a visão de mundo das Forças Armadas parte de um pressuposto
essencialmente realista. O medo de ameaças externas prevalece diante da imprevisibilidade da(s)
intenção(ões) do outro.
21
Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005. Aprova a política de defesa nacional, e dá outras providências.
Brasília, 30 jun. 2005.
28
Um dos artifícios que a PND utiliza para a conscientização popular das
questões do tema é a definição dos conceitos. Segurança22 é a “condição que
permite ao país preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus
interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o
exercício de seus direitos e deveres constitucionais” (BRASIL, 2008a, p. 2). Ela
abrange, portanto, os campos político, militar, econômico, psicossocial,
científico-tecnológico, ambiental e outros (BRASIL, 2008a).
Percebe-se que essa a noção de Segurança vincula-se a uma dimensão
abstrata, que “lida com a percepção da existência de elementos que atentem
contra a sensação de proteção, ou contra a certeza de não submissão a riscos,
eventos ou atores ameaçadores” (SOUZA et al., 2015, p. 2). É a mesma
definição adotada pela Escola Superior de Guerra (ESG, 2006) e que vem sido
utilizada ao longo dos anos 2000.
Nota-se aqui uma consonância aos estudos da Escola de Copenhague na
conceitualização de Segurança contemporânea, que amplia sua abrangência e
foge dos padrões tradicionais dos estudos de segurança (tradicionalmente
voltados à questão bélica-militar convencional) (OLIVEIRA; SILVA, 2011;
TANNO, 2003).
Defesa Nacional é definida como “o conjunto de medidas e ações do
Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e
dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas,
potenciais ou manifestas”. (BRASIL, 2008a, p.2, grifo nosso).23
O professor Samuel Pinheiro Guimarães define “ameaça” como
[...] fenômenos, de origem interna ou externa, que apresentariam alta
possibilidade de provocar convulsão social, ruptura do Estado de
Direito, violência endêmica e difusa, desafio (interno ou externo)
armado ao Estado, e redução significativa da capacidade de
autodeterminação interna e externa da sociedade (GUIMARÃES 2005,
p. 301).
22
Buzan e Hansen (2012, p. 39) argumentam a Segurança deve ser vista como indissociável
das dinâmicas de ameaças, perigos e urgências.
23
Tais conceitos foram mantidos na segunda atualização da PND, de 2012.
29
Discorrendo mais sobre a PND, o entorno estratégico brasileiro foi
ampliado, além da América do Sul continental e Atlântico Sul, incluiu-se também
os países lindeiros da África ocidental, a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, a Antártica e o Caribe, como região que se deve dar “crescente
atenção”, mas a qual não se tem visto políticas claras de atuação24.
O Brasil não entra em guerra com outro Estado há mais de um século. A
distância geográfica da América do Sul das principais zonas de conflito armado
no mundo e os regimes democráticos da região25 contribuem para a paz regional.
Outrossim, a ausência de armas nucleares na região; o fortalecimento do
processo de integração, a partir do Mercosul e da União de Nações SulAmericanas; o relacionamento entre os países amazônicos no âmbito da
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica; o desenvolvimento de
organismos regionais; a integração das bases industriais de defesa; a
consolidação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS); o
respeito aos princípios das relações internacionais; são fatos que contribuem
para a harmonização de interesses no campo da defesa e paz regionais.
É importante ressaltar como a política externa executada via diplomacia
contribui para a defesa, assim como a diplomacia militar (por meio das
cooperações militares ou adidos e auxiliares) contribui para a tomada de decisão
e execução da política externa (ALSINA JR, 2009a). Tão importante quanto, é
fazer com que a visão pública reconheça tais implicações, para que a opinião
pública corrobore com a causa de ter um poder militar adequado que auxilie a
política externa.
Mais detalhada, completa e complexa que a PDN de 1996, a PND de 2012
(segunda atualização do documento) não apresenta grandes mudanças
substanciais comparada à de 2008. O documento reconhece como (novas)
ameaças: o terrorismo internacional; a vulnerabilidade da área amazônica e o
exercício da soberania sobre todas as áreas jurisdicionais brasileiras; ataques
cibernéticos; vulnerabilidades no domínio de tecnologias sensíveis, da
24
Fica o questionamento sobre qual seria a real capacidade de influência do Brasil nessa região, onde o
poder de influência estadunidense é inegável historicamente. Fala-se do entorno estratégico de uma forma
em geral, sem especificar prioridade(s) ou linhas de ação pragmática e estratégica.
25
A “democracia” venezuelana enfrenta sérios problemas e desafios nos dias atuais. Dentro de uma
perspectiva teórica da paz democrática, regimes democráticos tendem a não entrar em guerra entre si; logo,
quanto mais o regime venezuelano se afastar de uma democracia, maior as chances de conflito com os
vizinhos.
30
informação, de redes e de satélites, em outras palavras, tecnologias dos setores
estratégicos aeroespacial, cibernético e nuclear; qualquer potencial interesse
que vá contra ao interesse nacional; a possível ambição de outros atores na
grande biodiversidade brasileira e nas imensas áreas para serem incorporadas
ao sistema produtivo; tráfico ilícito de drogas e pessoas; crimes e ilícitos
transnacionais; questões ambientais e de mudança climática; escassez dos
recursos naturais e energéticos; e, por fim, a desigualdade de desenvolvimento
entre os países (BRASIL, 2012a), amplificando substancialmente as funções da
FA por meio da securitização de novos temas.26
A sociedade brasileira certamente está familiarizada com algumas dessas
ameaças, como por exemplo tráfico ilícito de drogas. Porém é essencial que a
sociedade se dê conta também das outras ameaças existentes, como as de
características tecnológicas. A partir da identificação da ameaça, é possível
traçar medidas que busquem combate-las. Estabelecer os objetivos da defesa
nacional se faz necessário.
A PND de 2012 estabelece onze objetivos:
I. garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial;
II. Defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os
recursos brasileiros no exterior; III. Contribuir para a preservação da
coesão e da unidade nacionais; IV. Contribuir para a estabilidade
regional; V. Contribuir para a manutenção da paz e da segurança
internacionais; VI. Intensificar a projeção do Brasil no concerto das
nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais;
VII. Manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e
balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma
conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII.
Conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos
de defesa do País; IX. Desenvolver a indústria nacional de defesa,
orientada
para
a
obtenção
da
autonomia
em
tecnologias
indispensáveis; X. estruturar as Forças Armadas em torno de
capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os
planejamentos estratégicos e operacionais; XI. Desenvolver o
A palavra “ameaça” aparece duas vezes na PDN (1996) e a palavra “risco” apenas uma vez. Na PND
(2012), 10 vezes e 2 vezes respectivamente, além da palavra “pressões” que aparece duas vezes. Houve um
aprimoramento de vocabulário, assim como uma melhora na especificação das variáveis em matéria de
defesa, graças a um detalhamento de tópicos mais específicos e ao alinhamento com o documento Estratégia
Nacional de Defesa (END).
26
31
potencial de logística de defesa e de mobilização nacional. (BRASIL,
2012a, p. 7-8, grifo nosso).
Apenas os números I, II, III, V e VI estavam presentes desde o primeiro
documento de defesa (PDN de 1996). Os demais objetivos são frutos do
planejamento do Ministério da Defesa – criado em 1999 com o intuito de
incorporar Aeronáutica, Marinha, Exército e Estado-Maior das Forças Armadas,
submetendo-as ao comando de um civil, o ministro da defesa enquanto cargo
político, num ministério composto por militares e civis – e desenvolvidos
concomitantemente com a Estratégia Nacional de Defesa.
É essencialmente devido ao oitavo objetivo da PND que se dá a intenção
de fomentar e promover uma cultura de defesa, no âmbito nacional, de modo a
“conscientizar a sociedade brasileira” da relevância da área.
Nota-se a generalidade do discurso nesse objetivo. É possível integrar
efetivamente ao debate de políticas de Estado a “sociedade brasileira” como um
todo? Por quais mecanismos isso seria possível? Veremos no capítulo 3 que, na
prática, essas ações serão tomadas por meio da integração institucional
gradativa entre Ministério da Defesa, Forças Armadas e Academia (Instituições
de Ensino Superior e de Pesquisa).
Por fim, após a PND de 2008, a Defesa Nacional reforçou o caráter
dissuasório de seu aparato militar, como maneira de reduzir a possibilidade de
pressões
externas,
mantendo
a
ideia
de
defesa
sustentável
e
da
indissociabilidade de Defesa e Desenvolvimento.
2.3 A Estratégia Nacional de Defesa: constatações
O Decreto Presidencial de 6 de setembro de 2007 criou o Comitê
Ministerial para a formulação da Estratégia Nacional de Defesa (END), presidido
pelo Ministro de Estado da Defesa, coordenado pelo Ministro de Estado Chefe
da Secretaria de Assuntos Estratégicos e integrado pelos Ministros do
Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e da Ciência e Tecnologia,
assistidos pelos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica
(BRASIL, 2008b).
32
4. [...] O Comitê consultou especialistas, representantes de diversos
órgãos públicos e privados, bem como cidadãos de reconhecido saber
no campo da Defesa, além dos próprios Comandantes das três Forças
Armadas e seus principais assessores.
5. O Plano é focado em ações estratégicas de médio e longo prazo e
objetiva modernizar a estrutura nacional de defesa, atuando em três
eixos
estruturantes:
reorganização
das
Forças
Armadas,
reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política
de composição dos efetivos das Forças Armadas. (BRASIL, 2008b,
p.5).
Na END de 2008, o então ministro da defesa Nelson Jobim afirma ao
presidente Lula em carta aberta que colocar as questões de defesa na agenda
nacional e de formular um planejamento de longo prazo para a defesa do País é
um fato inédito no Estado brasileiro. Marca uma nova etapa no tratamento de
tema tão relevante, intrinsecamente associado ao desenvolvimento nacional. Diz
ainda:
9. Reafirma o compromisso de todos nós, cidadãos brasileiros, civis e
militares, com os valores maiores da soberania, da integridade do
patrimônio e do território e da unidade nacionais, dentro de um amplo
contexto de plenitude democrática e de absoluto respeito aos nossos
vizinhos, com os quais mantemos e manteremos uma relação cada vez
mais sólida de amizade e cooperação (BRASIL, 2008b, p. 6).
Feita essa breve introdução da origem do documento, vamos abordar os
conceitos contidos na END mais relevantes para esse trabalho, buscando
identificar o perfil brasileiro de Defesa e os desafios da área.
Associa-se Estratégia Nacional de Defesa à Estratégia Nacional de
Desenvolvimento, de modo que ambas são consideradas inseparáveis.
Ademais, afirma-se que um projeto forte de defesa favorece um projeto forte de
desenvolvimento.
Na
END,
é
entendido
como
um
projeto
forte
de
desenvolvimento o que se guia pelos seguintes princípios:
(a) Independência nacional efetivada pela mobilização de recursos
físicos, econômicos e humanos, para o investimento no potencial
33
produtivo do País. Aproveitar os investimentos estrangeiros, sem deles
depender;
(b) Independência nacional alcançada pela capacitação tecnológica
autônoma, inclusive nos estratégicos setores espacial, cibernético e
nuclear. Não é independente quem não tem o domínio das tecnologias
sensíveis, tanto para a defesa, como para o desenvolvimento; e
(c) Independência nacional assegurada pela democratização de
oportunidades educativas e econômicas e pelas oportunidades
para ampliar a participação popular nos processos decisórios da
vida política e econômica do País. (BRASIL, 2012b, p. 24, grifo
nosso).
Segundo a END, à sociedade caberá, por intermédio de seus
representantes do sistema democrático e por meio da participação direta no
debate, aperfeiçoar as propostas apresentadas. As demais tomadas de decisão
dão-se por meio da colaboração dos ministérios (MD tem o papel central); pelo
Executivo (Presidência da República); e Legislativo (Congresso Nacional).
Busca-se, atualmente, uma melhor integração entre o Ministério da Defesa (MD)
e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) no patamar pragmático27.
A END (2012) organiza-se em torno de três eixos estruturantes28. Ela trata
da reorganização e reorientação das Forças Armadas, da organização da Base
Industrial de Defesa e da política de composição dos efetivos da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica (BRASIL, 2012b).
O primeiro eixo estruturante diz respeito a como as Forças Armadas
devem se organizar e se orientar para melhor desempenharem sua destinação
constitucional e suas atribuições na paz e na guerra. Enumeram-se diretrizes
estratégicas relativas a cada uma das Forças e especifica-se a relação que deve
prevalecer entre elas. Descreve-se a maneira de transformar tais diretrizes em
práticas e capacitações operacionais e propõe-se a linha de evolução
tecnológica necessária para assegurar que se concretizem.
27
3ª Jornada de Estudos Estratégicos, promovida pela Chefia de Assuntos Estratégicos do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas no dia 17 de novembro de 2016, em Brasília.
28
A END estabelece ainda os três setores estratégicos essenciais para a defesa nacional: o espacial, o
cibernético e o nuclear; sendo designados responsáveis por tais setores, respectivamente, a Força Aérea
Brasileira, Exército Brasileiro e Marinha Brasileira.
34
O segundo eixo estruturante refere-se à reorganização da Base Industrial
de Defesa (BID)29, para assegurar que o atendimento às necessidades de tais
produtos por parte das Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio
nacional, preferencialmente as de emprego dual (militar e civil).
Por fim, o terceiro eixo estruturante versa sobre a composição dos efetivos
das Forças Armadas. Afirma-se que o Serviço Militar Obrigatório deve ser
mantido; a intenção é zelar para que as Forças Armadas reproduzam, em sua
composição, “a própria Nação”. O Serviço Militar Obrigatório deve, pois,
“funcionar como espaço republicano, no qual possa a Nação encontrar-se acima
das classes sociais” (BRASIL, 2012b, p. 35). Na prática, são os jovens das
classes mais baixas da população que preenchem majoritariamente as vagas do
serviço militar obrigatório.
Tendo em mente esses três eixos estruturantes, abre-se a oportunidade
de debater os temas e aprimorar as propostas. São consideradas no documento
duas realidades.
A primeira realidade é a capacidade (e necessidade) de improvisação e
adaptação, pois faz-se necessário criar soluções quando faltam instrumentos, a
disposição de enfrentar as agruras da natureza e da sociedade, enfim, a
capacidade quase irrestrita de adaptação que permeia a própria cultura
brasileira. É esse o fato que permite efetivar o conceito de flexibilidade30
(BRASIL, 2012b).
A segunda realidade, visão muito defendida pelas Forças Armadas, é o
sentido do compromisso nacional no Brasil. A Nação brasileira é entendida como
um projeto do povo brasileiro; sendo ele quem “sempre abraçou a ideia de
nacionalidade e lutou para converter a essa ideia os quadros dirigentes e
letrados” (BRASIL, 2012b, p. 56).
29
A Base Industrial de Defesa (BID) é formada pelo conjunto integrado de empresas públicas e privadas,
e de organizações civis e militares, que realizem ou conduzam pesquisa, projeto, desenvolvimento,
industrialização, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização ou manutenção de
produtos de defesa (Prode) no País.
30
“Flexibilidade é a capacidade de empregar forças militares com o mínimo de rigidez preestabelecida e
com o máximo de adaptabilidade à circunstância de emprego da força. Na paz, significa a versatilidade com
que se substitui a presença – ou a onipresença – pela capacidade de se fazer presente (mobilidade) à luz da
informação (monitoramento/controle)” (BRASIL, 2012b).
35
Por isso, do encontro dessas duas realidades, complementadas pela
necessidade de visão e planejamento estratégicos direcionados para as
questões de defesa, resultaram as diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa.
Finalmente, A END compreende explicitamente como vulnerabilidades da
atual estrutura de defesa do País (segue abaixo a transcrição):
➢
➢
➢
O envolvimento, ainda não significativo, da sociedade
brasileira com os assuntos de defesa;
A
histórica
descontinuidade
na
alocação
de
recursos
orçamentários para a defesa;
A desatualização tecnológica de alguns equipamentos das Forças
Armadas; e a dependência em relação a produtos de defesa
➢
estrangeiros;
A distribuição espacial das Forças Armadas no território nacional,
ainda
➢
➢
não
completamente
ajustada,
ao
atendimento
às
necessidades estratégicas;
A atual inexistência de carreira civil na área de defesa, mesmo
sendo uma função de estado;
O
estágio
da
pesquisa
científica
e
tecnológica
para
o
desenvolvimento de material de emprego militar e produtos de
defesa; a carência de programas para aquisição de produtos de
➢
➢
➢
defesa, calcados em planos plurianuais;
Os bloqueios tecnológicos impostos por países desenvolvidos, que
retardam os projetos estratégicos de concepção brasileira;
A relativa deficiência dos sistemas nacionais de logística e de
mobilização; e
A atual capacidade das Forças Armadas contra os efeitos
causados por agentes contaminantes químicos, biológicos,
radiológicos e nucleares (BRASIL, 2012b, p. 59, grifo nosso).
Portanto, segundo a própria END, a sociedade brasileira ainda não se
envolve significativamente com os assuntos de defesa. Isso significa que há uma
massa sem uma visão crítica necessária para promover um debate de qualidade
sobre os temas da área. Isso faz com que opiniões de senso comum (ou falácias)
se propaguem muito facilmente pela opinião pública e pela mídia. A ideia de
cultura de defesa visa diminuir a incidência de opiniões vagas sobre questões
sensíveis.
36
Outra vulnerabilidade grave para a promoção da cultura de defesa é a
falta de uma carreira civil no seio do Ministério da Defesa, mesmo sendo uma
função de Estado. Essa falta de planejamento tende a contribuir para a falta de
interesse e consequente distanciamento de civis no debate e elaboração das
políticas de defesa, simplesmente pela falta de perspectiva e inserção clara de
trabalho na área, como a carreira de um analista de defesa.
Por fim, o conteúdo abordado neste trabalho dos documentos PND e
END, mais os trechos específicos grifados, foram selecionados de modo a
contribuir com a formulação do perfil atual da Defesa Nacional brasileira sob a
ótica do governo brasileiro e FA, principalmente no que tange a temática da
“cultura de defesa”. O objetivo dessa abordagem (majoritariamente descritiva) é
estabelecer uma estrutura e conhecimento conceitual básico da Defesa
Nacional. Passemos, portanto, ao terceiro marco regulatório da defesa.
2.4 O Livro Branco de Defesa Nacional: início de uma cultura de defesa
mais transparente e democrática
Para fazer um breve relato do surgimento da ideia de um Livro Branco de
Defesa Nacional no continente americano, utilizaremos como fonte principal a
monografia de Paulo Volpini Castanheiro, apresentada como trabalho de
conclusão do curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, na Escola Superior
de Guerra. Seguidamente, também utilizaremos como fonte o site do Ministério
da Defesa31 e o próprio Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) – (BRASIL,
2012c).
Com efeito, a ideia da elaboração de um Livro Branco de Defesa Nacional
no Brasil veio da Organização dos Estados Americanos. Foi reconhecida pela
OEA a necessidade de estimulação da elaboração e o intercâmbio de
informações sobre as políticas e as doutrinas de defesa nacionais no continente
americano, durante as Conferências da OEA de Santiago (1995) e de San
Salvador (1998) sobre as medidas de fortalecimento da confiança e da
segurança32 (CASTANHEIRO, 2011).
31
Disponível em: http://www.defesa.gov.br/.
Na década de 90, a OEA adota a “pauta” da Escola de Copenhague (ampliação do conceito de segurança,
novas ameaças, etc.).
32
37
Coube ao Conselho Permanente da OEA realizar o seminário “Diretrizes
para a elaboração de documentos sobre política e doutrina da Defesa (Livros
Brancos)”. Tais diretrizes foram submetidas à apreciação da Quinta Conferência
de Ministros da Defesa das Américas, realizada em Santiago, Chile, em
novembro de 2002 (CASTANHEIRO, 2011).
Nessa mesma Resolução número 829, o Conselho Permanente resolve
instar os Estados membros a implementarem essas Diretrizes e a manter a OEA
informada, bem como, solicita à Secretaria-Geral da OEA que preste apoio aos
Estados membros, para a implementação dessas Diretrizes (CASTANHEIRO,
2011).
Mesmo com a existência um nível de aconselhamento, elaborado pela
OEA, de como deve ser um Livro Branco, cada país pode definir a abordagem e
a extensão do seu Livro Branco de Defesa, de acordo com a finalidade política
e intenções abarcadas na publicação desse instrumento. Ou seja, o conteúdo
elaborado estará de acordo com a realidade e necessidades de cada Estado
soberano.
No Brasil, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), além de estar em
consonância com os documentos norteadores da defesa (PND e END), integra
junto com os mesmos os três documentos mais importantes do marco regulatório
da Defesa no Brasil. Logo, é o documento mais completo e acabado acerca das
atividades de defesa do Brasil e sobre como o País enxerga as questões da área
(BRASIL, 2012c). É um instrumento fundamental para a democratização dos
assuntos de defesa.
O Brasil é um dos últimos países das Américas a ter o seu Livro Branco
de Defesa publicado. O decreto nº 7438, de 11 de fevereiro de 2011, da
Presidente Dilma Rousseff, constituiu o Grupo de Trabalho para a elaboração do
Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), presidido pelo Ministério da Defesa,
com a participação de representantes de outros Ministérios e instituições33 de
alta relevância do País relacionadas à área.
33
O Grupo de Trabalho Interministerial é integrado por representantes do Ministério da Defesa, que o
preside; do Ministério da Ciência e Tecnologia; do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior; do Ministério da Fazenda; do Ministério da Integração Nacional; do Ministério da Justiça; do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Ministério das Relações Exteriores; da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República; da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República; e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (BRASIL, 2012c).
38
No XIV Curso de Extensão de Defesa Nacional, ocorrido em 2016 em
Brasília, o professor Juliano Cortinhas nos apresenta um compilado dos
documentos de Defesa publicados nos países da América do Sul. Atualizamos
esta lista com base no livro Environmental Security in Latin America, de Gavin
O’Toole (2017). Seguem:
•
•
•
Argentina: Libro Blanco de la República Argentina (1999); Libro Blanco de
la Defensa (2010; 2015);
Bolívia: Libro Blanco de Defensa (2004);
Brasil: Política de Defesa Nacional (1996; 2005); Política Nacional de
Defesa (2008; 2012); Estratégia Nacional de defesa (2008; 2012); Livro
•
Branco de Defesa Nacional (2012);
•
Colômbia: Políticas de Defensa y Seguridad Democrática (2003);
•
Chile: Libro de la Defensa Nacional de Chile (1997; 2002; 2010);
Equador: Política de Defensa Nacional del Ecuador (2002); Libro Blanco
de Defensa (2006); Hacia una Nueva Política de Seguridad Interna y
•
Externa (2008); Agenda Política de Defensa (2011);
Paraguai: Política de Defesa Nacional de la República del Paraguay
(1999) Paraguay: Índice del Plan Global (2005); Directiva de Defensa
•
Nacional, 2013-2018 (2013);
•
Suriname: Plan Anual del Ministerio de Defensa (2012);
•
Perú: Libro Blanco de la Defensa Nacional (2005);
Uruguai: Bases para una Política de Defensa Nacional (1999); La Defensa
Nacional: aportes para un Debate (2005); Política de Defensa Nacional:
•
un Uruguay integrado a la región y abierto al mundo (2014);
Venezuela: Ley Orgánica de Seguridad de la Nación (2002); Programa
para la Defensa Integral (2013).
Ora, trata-se de uma região que tem experimentado um longo período de
paz (desde a Guerra do Paraguai, não houve nenhum conflito armado
interestatal de tamanha significância e proporção). Os países da América do Sul
passam por um processo de estabilização política, no qual apresenta um
importante processo de crescente transparência estatal. Tais documentos de
39
defesa listados e suas respectivas políticas refletem a realidade local e os
interesses dos países com relação à Segurança e Defesa.
Segundo o professor Cortinhas, que fez um estudo comparativo34 dos
documentos, há mais semelhanças do que disparidades entre os documentos
de defesa da América do Sul. A estratégia predominante e prioritária é a
dissuasão. Os documentos enfatizam a cooperação regional como sendo uma
ferramenta fundamental para a Defesa Nacional. Os países vizinhos também
associam Defesa ao Desenvolvimento.
O professor Cortinhas divide os países entre andinos (Bolívia, Colômbia,
Equador, Paraguai, Peru, Suriname e Venezuela) e cone-sul (Argentina, Brasil,
Chile e Uruguai), devido a divergências de foco. Tal separação não reflete as
interações comerciais ou instituições de cooperação na região. Por fim, os
documentos refletem as prioridades para os países e o grande período de paz
na região.
O Livro Branco de Defesa constitui um documento declaratório, indicador
de transparência e representativo da cooperação e da confiança mútua nos
planos regional, hemisférico e global entre os Estados e demais atores nacionais
e internacionais, característico de Estados democráticos de direito; e visa
fomentar a opinião pública e dos setores do governo e sociedade sobre a
necessidade de se contar com Forças Armadas modernas, capazes e
investimentos na área.
No Brasil, a Lei Complementar nº 136, em seu artigo 9°, parágrafo
primeiro, trata o Livro Branco de Defesa Nacional como um “documento de
caráter público, por meio do qual se permitirá o acesso ao amplo contexto da
Estratégia Nacional de Defesa, em perspectiva de médio e longo prazos, que
viabilize o acompanhamento do orçamento e do planejamento plurianual
relativos ao setor”35, e estabelece que o Ministro de Estado da Defesa é o
responsável pela sua implantação. Em seu parágrafo terceiro consta que o Poder
Executivo deve submeter à apreciação do Congresso Nacional a partir de 2012
34
XIV Curso de Extensão de Defesa Nacional, Universidade de Brasília, 2016.
Ou seja, é também um instrumento de prestação de contas, pois apresenta-se resultados e pendências. Os
recursos disponibilizados pelo Governo às forças de defesa devem (ou deveriam) ser coerentes com sua
respectivos projetos/programas.
35
40
e posteriormente a cada quatro anos: a Política de Defesa Nacional, a Estratégia
Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional.
Ademais, o LBDN é instrumento de suma importância para a
democratização dos assuntos da Defesa Nacional. O LBDN compila a PND e
END; é de linguagem acessível; expõe as capacidades militares brasileiras e
todos os programas da Defesa; expõe as parcerias entre instituições, inclusive
entre àquelas que buscam fomentar e consolidar uma cultura de defesa; contribui
para a transparência e confiança perante os demais Estados e atores; fonte
importante de dados quantitativos; além de ser um documento público de fácil
acessibilidade pelos meios digitais.
Em
relação às políticas
públicas nacionais, tal instrumento
é
negligenciado domesticamente, pois o LBDN mostra-se como uma importante
oportunidade para o Poder Legislativo (Congresso Nacional) e as diversas
instituições do Estado se conhecerem melhor, de se conscientizarem sobre as
nuances da Defesa Nacional, e fomentar políticas públicas alinhadas.
O que temos percebido é que nem sociedade nem o Congresso Nacional
reconhecem os objetivos da Política Nacional de Defesa. Isso prejudica a própria
legitimidade desses objetivos. A partir do momento em que o Congresso
Nacional não mantém a regularidade do fluxo de orçamento para a pasta –
essencial para a manutenção dos projetos de Defesa e atingimento dos objetivos
nacionais – e o desconhecimento da sociedade sobre a Defesa Nacional como
um todo, a conclusão que se chega é que ambos não se identificam com tal
planejamento. Ou seja, já não podemos mais falar de um planejamento
estratégico nacional. As instituições não se entendem e as políticas de Estados
permanecem gravemente prejudicadas.
A promoção e consolidação de uma cultura de defesa só pode ser
efetivada por meio de instituições. Por isso, é de suma relevância fazer um
mapeamento do que tem sido feito pelo governo brasileiro e pela sociedade civil
organizada ao longo da primeira década do segundo milênio para a promoção
de uma cultura de defesa nacional, com ênfase no período de 2008 a 2016.
41
3. A CONJUNTURA INSTITUCIONAL BRASILEIRA: PROMOÇÃO
TENTATIVA DE CONSOLIDAÇÃO DE UMA CULTURA DE DEFESA
E
Neste capítulo, busca-se dar um panorama das instituições que lidam com
assuntos de defesa e sua promoção; tomada de decisão; debate; formulação de
políticas públicas; produção, registro e consolidação da cultura de defesa
nacional. Para isso, será feito, de maneira o mais sintético possível, o
mapeamento dessas instituições fundamentais do legislativo, executivo e
sociedade civil organizada.
3.1 Do Congresso Nacional
É fundamental que as políticas de defesa e externa estejam interligadas,
por se tratar da defesa do território e da sociedade, protegendo-os de qualquer
situação de conflito que possa gerar o caos, a violência e o perigo de um ataque,
interno e/ou externo. Em outras palavras, a CF 88, a PND e a Política Externa
Brasileira (PEB), todas, intencionam a manutenção da paz e estabilidade.
Paulatinamente ao longo da última década, esforços têm sido feitos para
formular objetivos de longo e médio prazo, comuns a ambas as políticas externa
e de defesa, por meio de uma estratégia nacional consensual. Notadamente,
avaliar, definir e conciliar os papéis das Forças Armadas e da Diplomacia
conjuntamente no campo da defesa tem sido um grande desafio (RIBEIRO,
2004; PINTO, 2015).
A integração entre a PDN e a PEB tem adquirido melhor entrosamento
em parte graças ao trabalho da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional da Câmara dos Deputados (CREDEN) (RIBEIRO, 2004) e da Comissão
de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal (CRE). É nessas
comissões que ambas as políticas abordadas são entrosadas no âmbito do
legislativo, devendo-se analisar e pesquisar soluções para as matérias
deliberadas, motivada pelo princípio de manter o país seguro e na busca por um
orçamento capaz de atualizar, melhorar e tornar eficaz o sistema de defesa do
42
país. Ambas PND e PEB devem caminhar juntas (RIBEIRO, 2004; ALSINA JR,
2009a).
Ademais, no campo do legislativo, matérias de relações diplomáticas e
consulares, econômicas e comerciais, culturais e científicas com outros países;
relações com entidades internacionais multilaterais e regionais; política externa
brasileira; política de defesa nacional; estudos estratégicos e atividades de
informação e contrainformação; Forças Armadas e Auxiliares; assuntos
atinentes à faixa de fronteira e áreas consideradas indispensáveis à defesa
nacional; direito militar e legislação de defesa nacional; direito marítimo,
aeronáutico e espacial; são de responsabilidade da CREDEN, inclusive a
provisão do orçamento para a área da Defesa.36
A CRE tem um papel menos aparente que o da CREDEN, porém
semelhante e com algumas responsabilidades diferentes de cunho político. Ao
observar as sessões da CREDEN ao longo dos anos 2015 e 2016, é visível que
há alguns políticos que buscam projeção no cenário político por meio dessas
comissões. Esses, que até mesmo ambicionam um bom posicionamento futuro
em alguma das pastas (MD ou MRE) do governo, buscam fazer um trabalho ativo
nessas comissões.
Uma das intenções das Forças Armadas e do Ministério da Defesa ao
querer promover uma conscientização popular dos assuntos de defesa, e nisso
inclui-se também a conscientização da classe política, é que, por meio da opinião
pública e vontade política, evite-se cortes no orçamento da defesa, de modo a
dar continuidade nos projetos e cumprimento de contratos.
Essa missão tem falhado ao longo dos últimos anos. A classe política não
tem
demonstrado
interesse
suficiente
nos
projetos
de
Defesa
e
Desenvolvimento. Seja por falta de motivações políticas ou por carência de uma
mentalidade de Defesa. É grave a desconexão entre o que se debate nas
comissões e o que se debate nos congressos acadêmicos promovidos pelo
próprio MD, sendo estes mais consistentes, porém deixando evidente a falta de
alinhamento efetivo entre Ministério da Defesa e Legislativo.
Isso mostra também as limitações do Ministro da Defesa frente essas
comissões para uma mobilização política em torno das questões da pasta. Mais
36
Para mais informações sobre os deveres da CREDEN, acessar REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS, Art. 32, XV, 2016.
43
limitada ainda é o poder político dos militares de lograr êxito em suas demandas,
(incapacidade de persuasão ou imposição).
"Nossos governantes e legisladores parecem acreditar que não temos
problemas de defesa" (OLIVEIRA, 2006 apud ALMEIDA, 2010). Esta
crença decorre dos prolongados períodos de paz que vivemos e de
uma sistemática incapacidade das lideranças do setor defesa para
fazerem valer suas prioridades. Mesmo a participação brasileira nas
operações de paz das Nações Unidas não tem sido percebida como
algo que leve a política de defesa a ser incluída entre os temas mais
relevantes da agenda nacional. Com certeza, não a elevou sequer
perto dos patamares de importância de outras políticas públicas, tais
como as de educação e de saúde (ALMEIDA, 2010, p. 229).
Além disso, Oliveira ainda aponta mais duas razões principais, citado por
Almeida (2010):
"Vigora uma forte competição temática pelo interesse dos partidos e da
sociedade civil" (OLIVEIRA, 2006 apud ALMEIDA, 2010). As carências
sociais são tão alarmantes que não sobra espaço para a inclusão de
temas de defesa nacional na agenda política prioritária do Brasil. São
enormes as dificuldades encontradas pelo sistema de defesa nacional
para justificar a continuidade de seus programas, diante das
necessidades relacionadas à fome, à saúde e à educação. Nesse
contexto, a política de defesa acaba "caindo" no ranking das
prioridades nacionais e é tratada como assunto de menor importância
(ALMEIDA, 2010, p. 229).
"Os temas prioritários 'dão votos', a defesa nacional 'não dá
votos'" (OLIVEIRA, 2006 apud ALMEIDA, 2010). Os políticos preferem
tratar outros assuntos, os quais se afiguram mais urgentes para a
sociedade e apresentam resultados eleitorais mais imediatos para os
representantes. A escolha, prossegue o professor Oliveira (2006), "é
previsível: excluem a defesa nacional de qualquer consideração
programática. O resultado é o insucesso na disputa pelos recursos
destinados à defesa nacional" (ALMEIDA, 2010, p. 230).
Grosso modo, a maior reivindicação do MD e FA é de se ter uma
previsibilidade e manutenção do fluxo orçamentário para a Defesa Nacional. Pois
o maior fiasco que se constata do planejamento estratégico brasileiro é a PND e
44
END estabelecerem os projetos estratégicos nacionais e o Congresso Nacional
– órgão governamental que aprova tais documentos – não cumprir com seu
compromisso frente a tais projetos. Redige-se os documentos, mas não se faz o
que está escrito. Logo, o discurso não é compatível com a realidade. A PND tem
se mostrado, portanto, distante ou distindo do interesse da população, das elites
brasileiras e do governo federal – não é algo consensual na prática. Há uma
ausência de conhecimento e entendimento pelos diferentes entes.
As duas versões da Política de Defesa Nacional (BRASIL, 1996;
BRASIL, 2005), exemplificam esse hermetismo do tema, pois são
decretos presidenciais e não leis produzidas com amplo debate
legislativo. Como evolução positiva, pode-se dizer que a Estratégia
Nacional de Defesa (BRASIL, 2008) traz em sua proposta a ideia de
um debate mais amplo, contudo, trata-se, ainda, de uma construção
incipiente (ALMEIDA, 2010, p. 229).
Os cortes orçamentários não somente atrasam os projetos estratégicos,
gerando quebra de contratos com empresas da Base Industrial de Defesa, como
também geram perda de investimento, capital humano e tecnologias que se
tornam obsoletas, tornando o país menos competitivo internacionalmente em
diversos setores.
Se o Brasil hoje consegue projetar e produzir aviões com mão de obra e
tecnologia preponderantemente nacionais, é porque nos anos 1970 tomadores
de decisão souberam estabelecer prioridades e elaborar um planejamento
estratégico de médio a longo o prazo. Essa concepção ainda não foi aprendida
pelos tomadores de decisão da atualidade.
Há anos que o governo brasileiro não tem sabido distinguir Política de
Estado de Política de Governo, tendo esta ganhado prioridade quase que total
pelos governantes. É devido a isso que há anos que a classe militar tem alegado
que o país está “à deriva”, sem um projeto claro de desenvolvimento e de nação.
As Forças Armadas, dada a sua relativa autonomia institucional, já
trabalha com planejamento estratégico pautado em capacidades. Isso se dá pelo
consenso ao estabelecer os objetivos (o “dever ser”) e, a partir de aí, traçar a
estratégia (como atingir o “dever ser”). As FA buscam um projeto nacional acima
de questões partidárias.
45
Tal autonomia não é tão evidente no Congresso Nacional, onde filiações
partidárias costumam pesar significativamente na tomada de decisão.
Historicamente, a falta de vontade política torna-se um pressuposto nas análises
de conjunturas. Para um planejamento de Grande Estratégia, é necessário que
sejam elaboradas políticas de estado, de longo prazo, com envolvimento da
sociedade e orçamento.
Historicamente, os planejamentos apresentados têm tido como foco o
curto prazo. O curto prazo é plano de governo, e não plano de desenvolvimento.
No sistema atual, o Plano Pluri Anual (PPA) – planejamento orçamentário
governamental – contribui para o ciclo vicioso. Os objetivos nacionais
permanentes são ofuscados.
Por fim, a CREDEN é um grande (senão o principal) carrefour de
deliberações políticas e de interesse, principalmente no que tange o orçamento,
ponto de encontro entre o Ministério da Defesa, Ministério das Relações
Exteriores e deputados legisladores que representam a sociedade brasileira.
3.2 Do Ministério da Defesa e das Forças Armadas
Com a criação do Ministério da Defesa, órgão civil que tem como
subordinados os Comandos militares, a Política de Defesa Nacional ganhou um
caráter também civil. Acredita-se, assim, incentivar a sociedade a ter o voto,
integrado com os militares, de elaborar e formular documentos, bem como
participar na defesa do país, quando necessário.
Institucionalmente, o Ministério da Defesa está estruturado da seguinte
maneira:
46
Fonte: Livro Branco de Defesa Nacional (2012), p. 58.
Este organograma apresenta a estrutura básica do Ministério da Defesa.
Os cargos dentro do ministério são compostos por civis e militares, sendo estes
a ligeira maioria37. O MD foi criado em 10 de junho de 1999, em substituição ao
Estado-Maior das Forças Armadas e aos Ministérios Militares. Os antigos
Ministérios das Forças foram transformados em Comandos da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, que são dirigidos por Oficiais-Generais nos postos de
maior hierarquia na carreira militar: Almirante de Esquadra, General de Exército
e Tenente-Brigadeiro do Ar, respectivamente (BRASIL, 2012c).
O MD é composto pelos seguintes órgãos: Conselho Militar de Defesa
(CMiD) — órgão consultivo de Defesa, composto pelos comandantes das três
forças e do Estado-Maior Conjunto, além do Ministro da Defesa —; Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas (EMCFA); Secretaria-Geral (SG); Gabinete do
Ministro da Defesa; Assessoria de Planejamento Institucional (ASPLAN);
Consultoria Jurídica (CONJUR); Secretaria de Controle Interno (CISET);
Secretaria de Organização Institucional (SEORI); Secretaria de Pessoal, Ensino,
37
Segundo o professor Juliano Cortinhas, 51% dos funcionarios do MD são militares e 49% são civis. XIV
Curso de Extensão de Defesa Nacional, Universidade de Brasília, 2016.
47
Saúde e Desporto (SEPESD); Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD); e
Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
(CENSIPAM).
Chama-se aqui a atenção para a subordinação das Forças Armadas ao
poder político constitucional, dito no END como pressuposto do regime
republicano e garantia da integridade da nação (BRASIL, 2012b). Portanto, todos
os poderes de direção das Forças Armadas brasileiras serão exercidos na
plenitude pelo Ministro da Defesa, isso quando a Constituição e/ou as leis não
reservarem expressamente ao Presidente da República.
Por desagradar a muitos dos militares, esse fato é visto com maus olhos,
desde as conversas informais com oficiais até as produções escritas de
pensamento. O general da reserva Rocha Paiva38 defende que a ingerência do
Ministério da Defesa em processos administrativos internos das Forças,
particularmente nos referentes ao pessoal, traz o risco de politização das Forças
e de seus quadros, e consequentemente abarca prejuízos à meritocracia,
coesão, hierarquia e disciplina. Para ele, o MD, órgão político, deveria ser um
alto órgão de Estado e não de governo, e logo, não deveria ser permitido que
seus quadros civis do alto escalão fossem filiados a partidos políticos (PAIVA,
2009)39.
A escolha de civis para a titularidade da pasta parece haver sido
acertada ao sinalizar a intenção de efetivar o controle civil sobre as
armas nacionais e, hoje, já se verifica uma redução do protagonismo
militar na cena política brasileira (FERNANDES, 2006; FUCCILLE,
2006 apud ALMEIDA, 2010). No entanto, a simples escolha de um
ministro civil mostra-se absolutamente insuficiente para a obtenção dos
propósitos pretendidos. A situação institucional indefinida, a falta de
interesse pelo tema da defesa e a hesitação em tornar os comandantes
militares efetivamente subordinados ao ministro, fazem com que o
ministro da defesa atue, na prática, como um simples "despachante
institucional dos militares junto à Presidência da República"
(ZAVERUCHA, 2006, p. 174 apud ALMEIDA, 2010) e não como o
38
Luiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva, foi comandante da Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército de 2004 a 2006.
39
A opinião do general da reserva é pessoal e não representa nenhuma posição oficial do Exército
Brasileiro, porém muitos militares compartilham o mesmo pensamento, principalmente a ala mais
conservadora.
48
representante do poder político junto à estrutura militar da defesa
nacional (ALMEIDA, 2010, p. 234).
Rocha Paiva critica ainda o afastamento das Forças Armadas do núcleo
decisório do Estado, reduzindo sua participação à atuação do Estado-Maior
Conjunto, órgão que serve como consultoria e assistência dos militares ao
Ministro da Defesa; além de outras formas de ingerência civil no seio de assuntos
militares, como a ingerência no sistema de ensino militar e a chefia civil da
secretaria responsável pela política de compras de produtos de defesa.
Ainda nessa perspectiva, num curto período de dezoito meses40 o MD já
teve 4 ministros diferentes. Junto com o ministro, muda-se também o gabinete e
uma série de funcionários civis, o que atrapalha bastante a continuidade dos
trabalhos. Importante ressaltar que o ministro da defesa tem como uma de suas
funções, na prática, amenizar as pressões internas no MD, entenda-se mediar e
amenizar as pressões feitas pelos chefes e comandantes oficiais que reclamam
os interesses das Forças Armadas, e conciliar esses interesses com a classe
política, o congresso nacional, principalmente por meio da CREDEN e CRE.
Com o objetivo de se fazer cumprir o VIII objetivo da PND e fomentar uma
cultura de defesa nacional, foi criada a Divisão de Cooperação (DICOOP) dentro
do Departamento de Ensino (DEPENS)41 da Secretaria de Pessoal, Ensino,
Saúde e Desporto (SEPESD). A DICOOP é responsável por promover o Curso
de Extensão de Defesa Nacional, gratuito e voltado ao âmbito acadêmico, que
busca dar um panorama geral e atual da Defesa no Brasil; assim como colaborar
com outras instituições na organização ou apoio de eventos acadêmicos da área,
fazer o relacionamento com as Instituições de Ensino Superior (IES) e promover
visitas destas às escolas militares, uma vez por ano.
O Ministério da Defesa promove por meio da DEPENS o Concurso de
Monografias sobre Defesa Nacional (CMDN)42 para estimular estudantes de
graduação a desenvolverem trabalhos relacionados à Defesa Nacional. O
objetivo é ampliar a produção científica sobre a área e contribuir para a
40
Dado de outubro de 2016. XIV Curso de Defesa Nacional. Universidade de Brasília.
http://www.defesa.gov.br/ensino-e-pesquisa/defesa-e-academia/concurso-deDisponível
em:
monografias>. Acesso em: 16 maio 2017.
42
Nos anexos I e II há a relação de vencedores dos concursos já realizados. Em 2017 será realizado o III
Concurso de Monografias sobre Defesa Nacional.
41
49
consolidação do pensamento nacional sobre o tema. A premiação é feita em
dinheiro.
A SEPESD coordena também o Congresso Acadêmico sobre Defesa
Nacional (CADN)43. Trata-se de uma atividade realizada anualmente, sediado
em sistema de rodízio entre a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), a
Academia da Força Aérea (AFA) e a Escola Naval. Tal Congresso segue
orientações da Política (objetivo VIII) e da Estratégia Nacionais de Defesa e visa
a promoção da interação entre os participantes e o despertar nos congressistas
civis o interesse por temas relacionados à segurança e à defesa. Os integrantes
das IES são selecionados para participar do Congresso com base em artigos
científicos sobre Defesa Nacional, apresentados exigidamente no ato da
inscrição. Lá, são estimulados a refletirem sobre essas questões e, assim, a
contribuirem para a consolidação de uma cultura de defesa no Brasil. Até 2016,
já foram realizados 13 CADN; o 14º será realizado em julho de 2017.
Ademais, o Ministério da Defesa tem um instituto próprio que tem como
uma de suas responsabilidades fomentar a cultura de defesa. O Instituto
Brasileiro de Estudos em Defesa Pandiá Calógeras (IBED)44 coleta informações,
realiza pesquisas e produz análises usadas pelo Ministério da Defesa em seu
processo
decisório.
Tem
também
como
objetivo,
promover,
além
disso, seminários e realizar pesquisas e encontros para debater questões
relevantes para a segurança internacional e para a defesa nacional. Logo, o
Instituto contribui para ampliar a relação entre civis e militares, pois sua missão
engloba a produção de análises, a promoção do dialogo e o estímulo à produção
de conhecimento sobre temas de interesse da defesa nacional.
O Instituto busca fortalecer canais de comunicação entre a academia,
think-tanks brasileiros e estrangeiros, funcionários públicos e integrantes de
organizações não-governamentais no campo da defesa nacional e de segurança
internacional. Com vistas a atingir esse objetivo, o IBED difunde informação por
meio de um banco de dados próprio, construído a partir da contribuição de
pesquisadores colaboradores e o próprio instituto.
43
É possível ter acesso a algumas das apresentações dos CADN X ao XIV no endereço eletrônico:
http://defesa.gov.br/index.php/ensino-e-pesquisa/defesa-e-academia/congresso-academico . Acesso em 28
set. 2017.
44
Disponível em: <http://www.pandia.defesa.gov.br/pt/sobre-o-instituto#quem-somos> Acesso em: 14
maio 2017.
50
Pesquisadores podem enviar seus trabalhos para o IBED, onde depois de
uma avaliação interna, o trabalho é disponibilizado num acervo digital. As linhas
de pesquisa45 são: Amazônia; Amazônia Azul; Cultura de Defesa; Economia de
Defesa; Entorno Estratégico; Fronteiras; e Produção de leis sobre defesa. As
opiniões e análises contidas tanto no site do IBED, quanto nos trabalhos do
acervo não refletem, necessariamente, as posições oficiais do Ministério da
Defesa.
Importante ressaltar que existe uma linha de pesquisa destinada somente
à Cultura de Defesa. De acordo com o IBED, esta linha de pesquisa estuda os
aspectos “culturais da defesa” tal como visto pela sociedade brasileira. Como o
tema é retratado pela mídia e formadores de opinião, como é tratado pela
academia e como repercute na cultura e pensamento da sociedade.
Nota-se aqui uma atenção especial à mídia e como esta retrata tais
assuntos da Defesa Nacional. Tais debates são frequentemente retomados
quando se fala de combate a ilícitos transfronteiriços, orçamento do Ministério e
das FA, eventuais projetos de reequipamento das Forças, reforma da
previdência e emprego de militares na segurança pública, por meio da lei da
Garantia da Lei e da Ordem.
Nesse sentido, no site do Exército Brasileiro, o Centro de Comunicação
Social do Exército publica resenhas46 (ou compilados de notícias) que abordam
temas relevantes para a Defesa e que saíram na mídia recente. As diferentes
instituições do Estado necessitam se conhecer melhor, dialogar, e estabelecer
vias facilitadoras de fluxos de informação.
Não há, todavia, uma definição do conceito “cultura de defesa” oficial. De
acordo com as informações contidas no site do IBED, tende-se a compreendêla, entretanto, como o papel desempenhado pela academia, mídia, política e
educação nas medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a
defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.
Já é assumidamente constatado pelo MD a escassez de divulgação da
produção acadêmica nacional na área de segurança e defesa, além da
45
Disponível em: <http://pandia.defesa.gov.br/pt/sobre-o-instituto/20-linhas-de-pesquisa/650-cultura-dedefesa>. Acesso em: 14 maio 2017.
46
Disponível em http://www.eb.mil.br/web/imprensa/resenha#wrapper.
51
dificuldade de se mapear dissertações de mestrado e doutorados já produzidas.
A tendência é que o MD por meio do IBED amplie o incentivo às revistas
especializadas em defesa, para que elas produzam mais material de qualidade
científica e é esperado, dada a notável necessidade, que o IBED fomente um o
banco de teses mais sólido.
O IBED precisa assumir o papel protagonista que lhe compete. Significa
dizer que o banco de dados do IBED, isto é, o acervo digital bibliográfico, deve
ser consolidado o quanto antes enquanto ponto de encontro centralizador de
tudo que é produzido academicamente no país.
Nesse sentido, O Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) 47
apresenta uma organização bem avançada nessa compilação de informação da
pesquisa acadêmica de Defesa. Ele se propõe a estudar e propor políticas e
estratégias de nível militar (não operacional), bem como acompanhar e avaliar,
no nível nacional, políticas e estratégias ligadas aos interesses da Força.
O Centro é responsável por incrementar o relacionamento do Exército
Brasileiro com a comunidade acadêmica, por meio da realização de Seminários,
participação em eventos acadêmicos e promoção de publicações sobre temas
de defesa. Ademais, o Centro estabeleceu parceria por meio de uma Rede de
Estudos Estratégicos entre o Exércitos e instituições civis de Ensino e
Pesquisa48.
O CEEEx incentiva o engajamento de pesquisadores civis na área de
defesa por meio de contratação temporária perante edital. Desde 2012, é
realizada licitações anuais para contratação de pesquisadores. Os professores
selecionados trabalham em parceria com os analistas do Centro na produção de
artigos e ensaios sobre temas de defesa que podem afetar o planejamento
estratégico da Força49. O intuito é de atender à diretriz da Política Nacional de
Defesa de fomento à pesquisa científica na área de Defesa e de construção de
uma cultura de defesa na sociedade brasileira.
47
Foi criado pela Portaria nº 051-EME, de 14 Julho de 2003 e é subordinado ao Estado-Maior do Exército
(EME).
48
In: http://www.ceeex.eb.mil.br/index.php/rede-de-estudos-estrategicos . Acesso em: 28 set. 2017.
49
O Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP) serve para a promoção do debate de ideias que contribui para
a elaboração de cenários, para o planejamento da Força e para a formulação de estratégias na área de
Defesa. Para saber mais sobre as responsabilidades do CEEEx e seu engajamento na promoção da cultura
de defesa, acessar: http://www.ceeex.eb.mil.br/index.php/editoria-a .
52
Segundo o site do CEEEx, o Centro organiza Reuniões Temáticas,
abertas ao público, quatro vezes por ano, para discutir as questões levantadas
nos trabalhos dos pesquisadores. O objetivo desses encontros é permitir a ampla
participação da sociedade no debate sobre Defesa, além de difundir as
problemáticas que estão em pauta no Exército e no Ministério da Defesa.
Por fim, algo que é de grande valia, é o serviço que o CEEEx presta ao
próprio Exército, aos pesquisadores da área e à sociedade que é o compilado
de informações sobre a Pesquisa Acadêmica de Defesa contidas no seu website.
Duas publicações foram lançadas em 2016: Análise Estratégica (revista
trimestral) e Artigos Estratégicos50 (revista semestral). As primeiras edições
contêm ensaios e artigos produzidos pelos pesquisadores e, a partir das
próximas edições, serão abertas para a submissão de trabalhos de toda a
comunidade acadêmica. Há ainda a seção Informativos Estratégicos e Livros51.
Indo mais além, na aba Banco de Dados de Defesa52 podemos encontrar
os seguintes conteúdos (com os respectivos links): Acordos assinados pelo
Brasil; Associações de Estudo; Centros de Pesquisa em Defesa e Estudos
Estratégicos; Documentos de Segurança e Defesa; Ministério da Defesa e
Forças Armadas; Instituições de Ensino do Exército Brasileiro; Organizações
Militares do Exército Brasileiro; Revistas na Área de Defesa e Estudos
Estratégicos; Programas de Pós-Graduação na Área de Defesa e Estudos
Estratégicos.
É comum estudantes que queiram iniciar suas pesquisas na área de
Segurança e Defesa não saberem nem por onde começar. Ainda é comum
também IES que não tenham professores especializados no campo de pesquisa,
afim de proporcionar orientações esclarecedoras e de qualidade. Por isso, ao
assumir o papel central enquanto um banco de teses nacional, o IBED pode
facilmente se alinhar à ABED e à estrutura do CEEEx na divulgação dessas
informações, incentivando e facilitando substancialmente a pesquisa e iniciação
científica na área de Defesa.
50
As publicações podem ser acessadas em: http://www.ceeex.eb.mil.br/index.php/publicacoes1 . Acesso
em: 28 set. 2017.
51
In: ibidem.
52
In: http://www.ceeex.eb.mil.br/index.php/banco2 . Acesso em: 28 set. 2017.
53
Portanto, é imprescindível que o MD crie e fortaleça redes de pesquisa,
tanto nacionais quanto internacionais. Os mecanismos da Capes deveriam ser
melhor utilizados para a formação de consórcios universitários de pesquisa e de
mobilidade acadêmica, como o recebimento de professores visitantes,
mestrados e doutorados sanduíche, tanto no Brasil, quanto no exterior. No Brasil,
essa mobilidade deveria conectar as regiões do País, prestigiando todas as
regiões do país, e não apenas o Centro-Sul.
Assim, o Ministério da Defesa estará de fato, forte e efetivamente,
executando ações rápidas e pragmáticas para o cumprimento do VIII objetivo da
Política Nacional de Defesa, fomentando assim uma cultura de defesa nacional.
Feito isso, é possível acreditar que, futuramente, poderemos falar de uma Escola
Brasileira de pensamento de Defesa, ao consolidar uma cultura e criar modelos
próprios que trabalhem as nuances e soluções da Segurança Internacional e
Defesa voltadas para a realidade brasileira. A realidade brasileira é única, por
isso nem sempre importar modelos conceituais estrangeiros saciará os anseios
nacionais.
3.3 Da sociedade civil organizada e Instituições de Pesquisa
Tema fundamentalmente de interesse de todos os segmentos da
sociedade brasileira, a Política Nacional de Defesa tem como premissas os
fundamentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal e, hoje,
encontra-se no papel em consonância com as orientações governamentais e a
política externa do país.
A PND e o LBDN ressaltam a necessidade de todo cidadão brasileiro estar
consciente de seu dever para com a Defesa Nacional, haja vista que, apesar de
defender a paz entre as nações, o Brasil não está imune a antagonismos
capazes de ameaçar seus interesses.
É fundamental que a Política de Defesa faça cumprir o seu dever de
fornecer educação e capacitação profissional aos integrantes do sistema de
defesa – civis e militares - para o efetivo sucesso em suas atividades.
A aproximação da Defesa com a sociedade civil tem se dado
principalmente por meio da Academia. Esse movimento de civis colaborando
54
com o pensamento da defesa é muito recente no Brasil, o que faz com o número
de produção acadêmica e o acervo bibliográfico de pesquisas sobre temas
específicos da defesa tenham aumentado gradativamente.
Em 2005 foi criada a Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
Foi resultado, grosso modo, do esforço de um conjunto de pesquisadores, de
formações e origens distintas, filiados a Instituições de Ensino Superior,
preocupados e comprometidos com a produção acadêmica e pesquisa na área
de defesa.
De 2005 até o fim de 2016, de fato, a ABED foi de extrema importância
para a promoção de ideias, críticas pertinentes e construtivas, e por fim para o
debate das questões de Defesa Nacional e o desenvolvimento de iniciativas de
interesse comum. Notadamente, a ABED também promoveu encontros
estaduais, regionais e nacionais da associação, respectivamente, os EEABEDs,
ERABEDs53 e ENABEDs. Por último, mas não menos importante, a ABED
mantém a Revista Brasileira de Estudos de Defesa (RBED)54, periódico
acadêmico semestral que já se encaminha ao 4º volume a ser publicado.
Das outras revistas nacionais da área, destacamos as de publicação por
instituições civis: Conjuntura Austral; Contexto Internacional; Revista Brasileira
de Estratégia e Relações Internacionais – AUSTRAL; Revista Brasileira de
Estudos de Defesa; Revista Brasileira de Estudos Estratégicos; Revista
Brasileira de Política Internacional e a Revista de Estudos Internacionais. Das
publicadas por instituições militares, temos Coleção Meira Mattos; Revista A
Defesa Nacional; Revista da Escola de Guerra Naval;
Revista da Escola
Superior de Guerra; Revista da Universidade da Força Aérea; Revista Militar de
Ciência e Tecnologia.
Chamamos também a atenção para outras associações que podemos
destacar. Notadamente, as nacionais: Associação Brasileira de Ciência Política;
Associação Brasileira de Relações Internacionais; Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Ciências Sociais; e as internacionais: American
Studies Association ; Brazilian Studies Association; Latin American Studies
53
O ERABED aconteceu nas 5 regiões geopolíticas brasileiras ao longo dos anos de 2015 e 2016.
Revista Brasileira de Estudos de Defesa foi avaliada pela primeira vez pelo Qualis CAPES em 2015,
recebendo B2 na área de Ciência Política e Relações Internacionais. Disponível em:
<https://rbed.emnuvens.com.br/rbed>. Acesso em: 18 setembro 2017.
54
55
Association; International Social Science Council; International Society of Military
Science; International Studies Association.
Dos Centros de Pesquisa em Defesa e Estudos Estratégicos nacionais
civis, destacamos: Brics Policy Center; Centro Brasileiro de Relações
Internacionais; Centro de Estudos Internacionais sobre Governo; Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil; Instituto
Igarapé; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Núcleo Brasileiro de
Estratégia e Relações Internacionais.
A cooperação entre a ABED, IES (grupos de pesquisa, programas de pósgraduação, mestrado e doutorado), DICOOP, IBED e o Centro de Estudos
Estratégicos do Exército (podemos adicionar também o Centro de Estudos
Estratégicos da Escola Superior de Guerra; Centro de Estudos Estratégicos da
Universidade da Força Aérea; Centro de Estudos Políticos e Estratégicos da
Escola de Guerra Naval; Instituto Meira Mattos (EB)) são os grandes
responsáveis hoje pelo o que existe e pelo o que é produzido de cultura de
defesa,
de
caráter
acadêmico,
objetivando
a
construção
de
uma
consciência/mentalidade de defesa e estimulando o interesse de civis para o
debate dos temas da área.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se propõe estudar o tema de Defesa no Brasil, não se pode
alienar-se dos documentos Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de
Defesa. O primeiro documento nos traz definições, concepções e objetivos da
Defesa Nacional, assim como princípios e fundamentos pautados na
Constituição Federal. A END aponta as vulnerabilidades do país e identifica os
desafios, oportunidades e diretrizes para atingir os objetivos da PND.
O que se observa no Brasil é que as políticas do MD são majoritariamente
políticas de Estado. Ambas estão entrelaçadas no marco regulatório da defesa,
sendo o Livro Branco de Defesa Nacional a compilação documental da totalidade
de fatores que envolvem a Defesa Nacional.
O exame dos documentos oficiais de Defesa Nacional nos dá a visão
governamental brasileira sobre o seu lugar no mundo e sua agenda estratégica
de segurança e defesa na contemporaneidade. Compreende-se que a falta de
uma cultura de defesa “forte” prejudica os objetivos da Defesa Nacional, pois a
conscientização da relevância dos temas da defesa é essencial para o
cumprimento e legitimação de tais objetivos.
Para tal, o Ministério da Defesa tomou uma série de providencias para
fomentar e consolidar uma cultura de defesa nacional. O conceito de Cultura de
Defesa trata da conscientização da sociedade, da tradição, do conhecimento, da
criação de uma mentalidade de defesa. Isso permite dizer que Cultura de Defesa
pode abranger todo o complexo que inclui o conhecimento, o estado da arte, o
conjunto de ideias, as leis, os programas e projetos, os costumes,
comportamentos, símbolos e práticas militares e sociais adquiridos e/ou
desenvolvidos pela Defesa Nacional ao longo de sua construção histórica na
formação do Estado e da sociedade brasileira contemporânea.
A aproximação de civis na contribuição para o pensamento de defesa e
elaboração das políticas públicas é um fato muito recente no Brasil. Ela tem se
dado gradativamente desde a Constituição Federal de 1988, passando pela
criação do Ministério da Defesa em 1999, a criação da Associação Brasileira de
Estudos de Defesa (ABED) em 2005, e finalmente os três documentos pilares da
defesa (PND, END e LBDN), atualizados (2008 e 2012) e publicados
57
quadrienalmente pelo MD e que buscam promover essa maior participação de
civis na Defesa.
A falta de uma carreira profissional civil no Ministério da Defesa é o
obstáculo importante para uma participação e aproximação efetiva de civis no
seio do ministério. Isso contribui para que menos especialistas civis se
interessem a participar da formulação e execução dessas políticas.
Não obstante, é por isso que o VIII objetivo da PND é conscientizar a
sociedade sobre os assuntos da defesa. O MD tem promovido o contato direto
com as IES, por meio da DEPENS, do IBED, e das Forças Armadas, com o
objetivo de democratizar as oportunidades educativas, para ampliar a
participação e legitimação popular nos processos decisórios e manutenção dos
fluxos de orçamento destinados à Defesa.
Importante ressaltar que essa participação popular ainda é muito singela.
A política ministerial de conscientização popular está agindo da academia para
a sociedade, buscando criar uma nata (ainda bastante restrita) de pesquisadores
especialistas e estudiosos da Defesa. Os eventos acadêmicos e oportunidades
para a deliberação de assuntos da política de defesa ainda se mostram restritos
à apenas uma parcela pequena da sociedade, mais precisamente àqueles que
se interessam pelo assunto pelo meio acadêmico.
Por outro lado, o Livro Branco de Defesa Nacional prevê que à sociedade
em geral caberá aperfeiçoar as propostas apresentadas na PND e END, por
intermédio de seus representantes do sistema democrático e por meio da
participação direta no debate (e nas consultas públicas via internet sobre LBDN
e PND). Entretanto, não temos ainda uma pesquisa ou dado que constate ou
meça a efetividade da participação popular no debate a ponto de alterar o status
quo do pensamento e da política de defesa em si. Ademais, face à crise de
representatividade que as democracias têm experimentado hoje em dia, é
questionável a real participação popular no processo decisório por meio de seus
representantes eleitos.
Contudo, apesar de o envolvimento da sociedade brasileira com os
assuntos de defesa ainda não se demonstrar significativo, nos últimos quase 30
anos, nota-se o movimento crescente da participação civis na área, o que tende
a ser aprimorado e ampliado graças aos trabalhos da ABED, Ministério da
58
Defesa (IBED e DICOOP) e Forças Armadas (os Centros de Estudos
Estratégicos).
Por fim, a questão da “cultura de defesa” discutida nesse trabalho mostra
como esse conceito acaba sendo apontado como um problema e uma solução
cabível para a implementação das políticas de defesa nacional. Uma cultura de
defesa forte significa uma maior conscientização e participação popular nos
assuntos de defesa, para a legitimação das prioridades e manutenção do fluxo
de orçamento destinado à pasta. Busca-se, portanto, o êxito da implementação
das políticas públicas de Estado elaboradas no Ministério, por meio do
investimento na capacitação de uma futura elite (aqueles que estão na
Academia) e do fomento da mentalidade de Defesa na sociedade.
59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLISON, Graham T. Conceptual models and the Cuban Missile Crisis. The
American Political Science Review, vol. 63, no. 3, 1969, pp. 689-718. Disponível
em: <http://www.jstor.org/stable/1954423>. Acesso em: 09 set. 2015.
ALMEIDA, Perpétua; ACIOLY, Luciana. Estratégias de defesa nacional:
desafios para o Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: IPEA, 2014. 204 p.
ALMEIDA, Carlos Wellington de. Política de defesa no Brasil: considerações do
ponto de vista das políticas públicas. Opinião Pública, Campinas, v. 16, n. 1, p.
220-250,
Junho
2010.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762010000100009 . Acessado em 28 set. 2017.
ALSINA JÚNIOR, João Paulo Soares. O poder militar como instrumento da
política externa brasileira contemporânea. Revista Brasileira de Política
Internacional
[online],
2009a,
vol.
52,
pp.
173-191.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003473292009000200010&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 01 março 2017.
ALSINA JÚNIOR, João Paulo Soares. Política externa e poder militar no
Brasil: universos paralelos. FGV Editora, 2009b.
BRASIL, Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Regimento interno da
Câmara dos Deputados [recurso eletrônico]: aprovado pela Resolução nº
17, de 1989, e alterado até a Resolução nº 20, de 2016. – 18. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017. – (Série textos básicos; n. 141
PDF) Versão PDF. Modo de acesso: livraria.camara.leg.br. ISBN 978-85-4020603-8. Acesso em: 08 maio 2017.
____________, Congresso Nacional. Senado Federal. Regimento interno do
Senado. Brasília: Senado Federal, Edições Câmara, 2017. Disponível em:
60
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/regimento-interno>. Acesso em: 08
maio 2017.
____________, Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasil:
Ministério
da
Defesa,
2008b.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6703.htm>.
Acesso em: 24 set. 2015.
____________, Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasil:
Ministério
da
Defesa,
2012b.
Disponível
em:
<http://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/ENDPND_Optimized.pdf>. Acesso em: 24 set. 2015.
____________. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasil: Ministério da Defesa,
2012c.
Disponível
em:
<http://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/lbdn.pdf>. Acesso em: 06 set.
2015.
____________. Política de Defesa Nacional. Brasil: Biblioteca da Presidência,
1996. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoesoficiais/catalogo/fhc/politica-de-defesa-nacional-1996.pdf>. Acesso em: 24 set.
2015.
____________. Política Nacional de Defesa. Brasil: Ministério da Defesa,
2008a. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/>. Acesso em: 24 set. 2015.
____________. Política Nacional de Defesa. Brasil: Ministério da Defesa,
2012a. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/pnd.pdf
>. Acesso em: 24 set. 2015.
BUZAN, Barry; HANSEN, Lene. A evolução dos estudos de segurança
internacional. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.
61
BUZAN, Barry; WAEVER, Ole; WILDE, Jaap de. Security: a new framework
for analysis. Boulder: Lynne Reinner Publishers, 1998.
BUZAN, Barry; WÆVER, Ole (2003). Regions and Powers: the structure of
international security. Cambridge/New York: Cambridge University Press.
CASTANHEIRO, Paulo Volpini. “Livro Branco” de Defesa Nacional: uma
necessidade? 2011. 64 f. Monografia – Escola Superior de Guerra. Trabalho de
Conclusão
de
Curso.
Rio
de
Janeiro,
2011.
Disponível
em:
http://www.esg.br/images/Monografias/2011/CASTANHEIRO.pdf - acesso em
24 set. 2016.
CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do
Brasil. - 5ª Ed. rev. amp., - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015.
DOBRIANSKY, P. J. Trump Will Face a Cornucopia of Global Threats. Rev.
The National Interest, 2016. Disponível em:
<http://nationalinterest.org/feature/trump-will-face-cornucopia-global-threats18877>. Acesso em: 03 abril 2017.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual básico da Escola Superior de
Guerra. Rio de Janeiro: A Escola, 2006. Vol. I.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. – 2ª ed. – São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2006.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2005.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22 ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2014.
62
LIMA,
Telma
Cristiane
Sasso
de;
MIOTO,
Regina
Célia
Tamaso.
Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico:
a pesquisa bibliográfica. Rev. katálysis, Florianópolis, v. 10, p. 37-45,
2007.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141449802007000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 maio 2017.
MAQUIAVEL, Nicolò di Bernardo dei. O Príncipe. Tradução de Antonio
Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM, 2013. 176 p.
MEARSHEIMER, John J. The tragedy of great Power politics. Nova Iorque: W.
W. Norton & Company, 2001.
MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela
paz. Tradução de Oswaldo Biato. Brasília, ed. Universidade de Brasília. Instituto
de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003. 1152 p.
OLIVEIRA, Andréa Benetti Carvalho de e SILVA, Caroline Cordeiro Viana e.
Política de defesa nacional, estratégia nacional de defesa e doutrina militar
de defesa: América do Sul e segurança regional. In: 3º ENCONTRO
NACIONAL ABRI 2001, 3., 2011, São Paulo. Associação Brasileira de Relações
Internacionais Instituto de Relações Internacionais - USP, Disponível em:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000
000122011000100021&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 09 maio 2017.
O’TOOLE, Gavin. Environmental Security in Latin America. New York:
Routledge
Focus,
2017.
Disponível
em:
https://books.google.com.br/books?id=OTgkDwAAQBAJ&pg=PP143&lpg=PP14
3&dq=libro+de+defensa+paraguai+1999&source=bl&ots=hxJOGpxKV&sig=dE510G4WpjUcZURw3DOhS5KKRlI&hl=ptBR&sa=X&ved=0ahUKEwiEsdjMjL_WAhUBUZAKHbkwAvEQ6AEIPDAG#v=on
epage&q=libro%20de%20defensa%20paraguai%201999&f=false. Acesso em
24 set. 2017.
63
PAIVA, Luiz Eduardo Rocha. Estratégia Nacional de Defesa: acertos e
equívocos.
Alerta
Total
[online].
Disponível
em:
<http://www.alertatotal.net/2009/04/estrategia-nacional-de-defesa-acertose.html>. Acesso em: 21 set. 2016.
PINTO, Paulo Cordeiro de Andrade. Diplomacia e política de defesa: o Brasil
no debate sobre a segurança hemisférica na década pós-Guerra Fria (19902000).
Brasília:
FUNAG,
2015.
Disponível
em:
<http://funag.gov.br/loja/download/1127-Diplomacia_e_politica_de_defesa.pdf
>. Acesso em: 10 set. 2016.
RIBEIRO, Carolinna Cavalcante Mota. A política externa e a política de defesa
brasileiras pós-11 de setembro de 2001. 80 f. Monografia. Conclusão do curso
de bacharelado em Relações Internacionais, Centro Universitário de Brasília,
Brasília,
2004.
Disponível
em:
<http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/235/9664/1/20016684.pdf>.
Acesso em: 05 maio 2017.
SANTOS, J. C. dos. Defesa da Cultura, Cultura da Defesa. Revista do
Mestrado em História. Vassouras, v. 13, n. 1, p. 117-130, jan./jun., 2011.
SILVA, Carlos Alberto Pinto. Desgaste das forças armadas: Ameaça ao
Estado Democrático de Direito? Defesanet [online], 2016. Disponível em:
<http://www.defesanet.com.br/crise/noticia/23553/DESGASTE-DAS-FORCASARMADAS--Ameaca-ao-Estado-Democratico-de-Direito-/>. Acesso em: 18 set.
2016.
SILVEIRA, Cláudio de Carvalho. Política Internacional e Cultura de Defesa
na Marinha do Brasil e na Armada Espanhola. Revista Mural Internacional,
ano II, nº 1. Junho 2011.
SOUZA et al. Desafios Brasileiros na Nova Era da Segurança e da Defesa –
Tópicos Relevantes para Contribuir com o Envolvimento da Sociedade
Brasileira no Debate Nacional. Apresentado no XII Congresso Acadêmico
64
sobre
Defesa
Nacional,
2015.
Disponível
em:
http://www.defesa.gov.br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cadn/a
rtigos/xii_cadn/desafios_brasileiros_na_nova_era.pdf . Acesso em 28/10/2016.
TANNO, Grace. A contribuição da Escola de Copenhague aos Estudos de
Segurança Internacional. Rev. Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 25,
nº
1.
Janeiro/junho
2003,
pp.
47-80.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/pdf/cint/v25n1/v25n1a02.pdf>. Acesso em: 14 maio 2017.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A Amazônia e as novas ameaças
mundiais. In: NASCIMENTO, Durbens Martins (Org.). Relações Internacionais
e Defesa na Amazônia. Belém: Observatório de Estudos de Defesa da
Amazônia, 2008. p. 47-63.
WENDT, Alexander. Constructing International Politics. International
Security, vol. 20, nº 1, 1995.
WENDT, Alexander. On constitution and causation in International
Relations. British International Studies Association, 1998.
65
ANEXO I – RELAÇÃO DE VENCEDORES DO I CONCURSO DE
MONOGRAFIAS SOBRE DEFESA NACIONAL - 201355
PREMIADOS COM O 1º LUGAR:
JORGE FAKHOURI FILHO, MEIRIANE PEREIRA LIMA, THADEU ALVES
TREMURA E VITOR PORTO FERREIRA DE BARROS E ALMEIDA - A
importância da Amazônia Azul com base nos conceitos das guerras por
recursos e os desdobramentos da Política Externa Brasileira.
2º LUGAR:
AMANDA TEIXEIRA DOS SANTOS - Formação de uma comunidade de
segurança sul-americana: Limites entre Brasil e Venezuela que impediriam
a operacionalização da UNASUL.
3º LUGAR:
MARCELO MESQUITA LEAL - A Campanha Militar de Cuito Cuanavale (19871988): uma análise baseada na Teoria da Guerra de Clausewitz.
4º LUGAR:
EDUARDO OIGHENSTEIN LOUREIRO - O Brasil e a Liderança Regional
através da Cooperação em Segurança e Defesa.
5º LUGAR:
KEILA PATRÍCIA PEREIRA - A criação do Conselho de Defesa SulAmericano como contribuição para a constituição de uma comunidade de
segurança na América do Sul e a política de Defesa Nacional Brasileira.
6º LUGAR:
ROBERTA DE SOUZA MANSANI - Análise do Complexo Regional de
Segurança da América do Sul: a UNASUL e o Conselho de Defesa SulAmericano.
55
Fonte: http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2013/12/estudantes-sao-premiados-por-trabalhossobre-defesa.
66
MENÇÃO HONROSA:
EDUARDO DAS CHAGAS TEMOTE - Os interesses brasileiros nas questões
de segurança regional no âmbito da UNASUL (2003-2010).
LUIZ GUSTAVO BATISTA RISSE - Segurança Regional na América do Sul.
67
ANEXO II – RELAÇÃO DE VENCEDORES DO II CONCURSO DE
MONOGRAFIAS SOBRE DEFESA NACIONAL
Classificação
Vencedores
Trabalhos
IES
Atividade de Inteligência em
Giovanna Marques
1º
Operações de Paz da ONU: rumo
Kuele
UFRGS
à institucionalização?
A Privatização da Guerra? A
participação das empresas
Giovanni Roriz Lyra
2º
militares privadas em conflitos
Hillebrand
UniCEUB
armados e o papel do Estado
enquanto ator internacional
Brasil, Unasul e Segurança
Fabrício Freitas
3º
Coletiva: a construção de uma
Barbosa Rezende Melo
PUC Goiás
identidade sul-americana
A Cooperação em Segurança e
Defesa entre Brasil e Argentina e
4º
Valéria de Moura Sousa
a existência de uma comunidade
UFPB
de segurança bilateral
Brasil e a securitização do meio
5º
Lucas Garbois Mattos
ambiente
UFF
O Brasil e a questão da defesa e
6º
Camila Guimarães de
segurança: histórico e
Melo
perspectivas no período pós-
PUC Goiás
militar
A Implementação da proposta do
governo Lula (2003-2010) para a
7º
Lorena Bitencourt
(Menção honrosa)
Madureira
área de Defesa Nacional e seus
impactos na política externa
brasileira
UCB
68
Cooperação Espacial Brasil8º
(Menção honrosa)
Bruna Maria de Almeida Argentina (1989-2014): Em busca
Araújo
da autonomia e do
UDF
desenvolvimento
Fonte: http://www.defesa.gov.br/ensino-e-pesquisa/defesa-e-academia/concurso-demonografias