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Competência Material da Justiça do Trabalho e a Lei nº 13.467 de 2017: dimensões da jurisdição voluntária diante das novas atribuições do juiz do trabalho no processo de homologação de acordo extrajudicial Sergio Torres Teixeira Desembargador do TRT6. Doutor em Direito. Professor Adjunto da FDR/UFPE e da UNICAP. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Trabalho realizado em homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen, cuja atuação profissional na magistratura e na academia, ao lado de sua destacada atuação em defesa da Justiça do Trabalho, sempre serviram de inspiração ao autor. Há um notório descompasso entre os dissídios que o Direito do Trabalho engendra, mesmo que indiretamente, e as atribuições jurisdicionais conferidos à Justiça do Trabalho, o juízo natural dos conflitos trabalhistas. (DALAZEN, 1994, p. 247). Sumário: 1. Atividade Jurisdicional e Jurisdição Voluntária; 2. Jurisdição Voluntária no Código de Processo Civil de 2015; 3. Limites da Competência Material da Justiça do Trabalho e sua Evolução Histórica; 4. Jurisdição Voluntária no Âmbito da Justiça do Trabalho; 5. Lei nº 13.467 de 2017 e a Nova Alínea “f” do Artigo 652 da CLT; 6. Atuação do Juiz do Trabalho no Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial; 7. Conclusões; 8. Referências. 1. Atividade Jurisdicional e Jurisdição Voluntária Jurisdição. Iuris dictio. Dizer ou declarar o direito. A origem etimológica da sua nomenclatura traduz uma ideia de definição diante de uma situação primitivamente indefinida, incerta, sugerindo a prévia existência de alguma espécie de conflito. A contenciosidade, contudo, não é uma característica imprescindível à jurisdição. O conceito de jurisdição consagrado na obra de Giuseppe Chiovenda, ao enaltecer a sua posição de função estatal, não apresenta o elemento lide como essencial à sua constituição, mas deixa claro o caráter substitutivo da respectiva atividade: Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva. (CHIOVENDA, 1998, p. 8). Por meio da jurisdição, destarte, o Estado-Juiz substitui aqueles que, originalmente, integram a respectiva relação material da qual surgiu o interesse para a provocação da intervenção estatal, com a consequente substituição da atividade particular entre os mesmos por uma atividade pública desenvolvida pelo Estado. Dentro desse contexto, conforme ressalta Alexandre Freitas Câmara, a presença do conflito não é indispensável à atuação jurisdicional: Para buscar definir jurisdição, é preciso, em primeiro lugar, dizer o que ela não é. A jurisdição não é uma função estatal de composição de lides. Em primeiro lugar, porque nem sempre existe uma lide (assim entendido o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida) para compor. A lide não é elemento essencial à jurisdição, mas um elemento que lhe é meramente acidental. Em outras palavras, até pode haver uma lide subjacente ao processo, mas não é essencial que isto ocorra. É que existem casos de jurisdição sem lide, como se dá, por exemplo, quando é proposta uma ´demanda necessária´ (assim entendida aquela demanda que se propõe nos casos em que o direito só pode ser efetivado através do processo jurisdicional, como, por exemplo, no caso de anulação de casamento, em que o resultado só pode ser obtido através de um processo jurisdicional, mesmo que não exista uma lide entre os interessados. (CÂMARA, 2017, p. 32). A atividade jurisdicional do Estado-Juiz, materializada por meio de dois caminhos distintos. portanto, pode ser Por uma das vias, ocorre a imposição de solução a um conflito de interesses submetido ao exame do Judiciário. Por outro itinerário, a jurisdição é concretizada mediante a atuação do juiz dentro de uma relação que não alberga uma lide, quando então passa a executar uma atividade de gestão com nítida feição administrativa. Nesse sentido, a doutrina processual costuma classificar a jurisdição, quanto à sua finalidade, em duas categorias, a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária (também conhecida como jurisdição graciosa, jurisdição administrativa ou jurisdição integrativa). Na primeira modalidade, como evidencia a respectiva nomenclatura (contenciosa deriva da expressão “contender”, no sentido de disputar ou litigar), se pressupõe uma contenda a ser solucionada, ou seja, uma lide que lhe serve de objeto, buscando uma resolução a ser decretada pelo Estado-Juiz de forma a pôr fim à disputa. A jurisdição contenciosa, portanto, almeja impor (e não compor, uma vez que a composição naturalmente exige a participação imediata das partes) uma definição a uma relação litigiosa, materializando uma solução por meio de uma decisão diante de um conflito de interesses. (BERMUDES, 1996, p. 21). Na segunda espécie, ocorre o exercício de atribuições de gestão pública, sem a premissa de um conflito a solucionar. O magistrado, em vez de atuar diante de uma relação conflituosa com a missão de resolver a lide, cumpre uma missão de administrador ou gestor de interesses privados aos quais o legislador impõe essa tutela especial do Judiciário, quando então o juiz passa a operar dentro dos limites do respectivo caso como um verdadeiro tutor na administração de interesses particulares, cumprindo uma função simultaneamente de fiscalização/vigilância e de integração/constituição. O juiz, no exercício da jurisdição voluntária, pratica subjetivamente judiciais, mas substancialmente administrativos. atos ... Qual o motivo que levou o legislador a confiar, em hipóteses cada vez mais numerosas, a administração de interesses privados ao Poder Judiciário? Por que não os confiou, como seria teoricamente mais adequado, a órgãos do próprio Poder Executivo? As razões são muitas. E uma parte, a tradição histórica, dos tempos em que se não reconhecia a separação dos Poderes, e as atividades jurisdicionais e administrativas não eram devidamente discriminadas; de outra parte, a conveniência em confiar certos atos, de intervenção nos negócios e situações dos particulares, a pessoas dotadas de imparcialidade, e experientes na aplicação do direito. A intervenção do Judiciário, aliás, é também fator valioso para reforçar a ´prevenção´ de eventuais futuras lides, que poderiam com mais facilidade surgir se a intervenção fosse realizada por agentes de outro Poder. (CARNEIRO, 1997, p. 34). A jurisdição voluntária, por conseguinte, se destina à administração pública de interesses privados socialmente relevantes, cuja gestão a Lei atribui ao magistrado por razões históricas, como também em virtude do interesse do Estado em submeter esses interesses particulares ao controle de agentes públicos capacitados a exercer uma tutela gerencial preventiva, de modo a evitar abusos, desvios e arbitrariedades exatamente em virtude da importância de tais interesses. Não há lide, e, tampouco, partes litigantes. Existe, isso, sim, um interesse privado (objeto de ato ou negócio jurídico) envolvendo sujeitos interessados. Tais características levam alguns doutrinadores a criticar a denominação “jurisdição voluntária”, sustentando que a respectiva atividade não seria “jurisdição” e, muito menos, “voluntária”. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 119; DIDIER JÚNIOR, 2015, p.186). Segundo essa linha de pensamento, por corresponder a uma atividade que não se destina a solucionar um conflito mas sim administrar interesses privados, não poderia ser chamada de “jurisdição”. E por ser obrigatória a submissão a essa gestão estatal para se obter os efeitos jurídicos almejados de acordo com a Lei, não seria adequado denominar a mesma de “voluntária”. Os atos praticados no exercício da jurisdição voluntária são atos judiciais, porque praticados por juízes; mas não são atos jurisdicionais, pois ao praticá-los, o juiz não está aplicando o direito com vista a eliminar um conflitos de interesses, mas sim com o propósito de influir em um negócio privado ou em uma situação jurídica. (CARNEIRO, 1997, p. 34). As críticas são compreensíveis dentro de uma visão formal acerca da função tradicional do Judiciário, quanto à sua atividade principal de julgar demandas. Mas apenas dentro de tal contexto, enquanto restrito a uma concepção “clássica”. (GRECO, 2003, p. 23). Conforme acima destacado, a ideia de que a solução de lides é absolutamente essencial à jurisdição, no sentido de que não há jurisdição sem lide, é uma tese ultrapassada. Jurisdição é a função do Judiciário se, quando devidamente provocado, este declarar o direito aplicável ao caso concreto submetido à sua apreciação ... e tal atividade jurisdicional ocorre tanto diante de uma lide, como na jurisdição contenciosa, como em face a uma situação envolvendo interesses privados que, necessariamente, precisam ser tutelados pelo Estado mediante uma atividade administrativa/integrativa prevista em Lei como imprescindível à válida constituição de um ato, providência ou negócio jurídico. Tanto uma como outra se revela necessária à obtenção aos efeitos previstos pela legislação aplicada, no melhor sentido do devido processo legal. A jurisdição voluntária assim, é tipificada pelo legislador como atividade própria do Poder Judiciário, sendo abrangida pela sua função jurisdicional em uma esfera que vai além daquela própria da sua atividade natural de processamento e julgamento de processos litigiosos. Ao magistrado incumbe exercer dentro de sua função jurisdicional, além de atos típicos de resolução de conflitos, outras atribuições como aquelas de índole administrativa que integram a gestão pública de interesses particulares materializada na jurisdição voluntária. Hodiernamente, não faz sentido a distinção que no passado se buscava estabelecer para excluir a natureza jurisdicional da atividade do juiz no âmbito das suas atribuições nãocontenciosas, como aquelas próprias das demandas necessárias anteriormente apontadas. (CÂMARA, 2017, p. 32). O adjetivo “voluntária”, por sua vez, não é utilizada pelo legislador no sentido de consagrar como uma “faculdade” do interessado a submissão do interesse privado à tutela jurisdicional administrativa do Estado. A submissão a essa gestão pública pelo magistrado é necessária e exigida para se obter os efeitos legalmente previstos e almejados pelos interessados. Nesse contexto, a jurisdição voluntária é tão necessária e inevitável que a jurisdição contenciosa. A submissão dos interessados a essa função gestora e integradora do magistrado, pois, corresponde a um requisito de validade dos negócios jurídicos decorrentes. A respectiva expressão foi adotada pelo legislador (ao qual a doutrina proporciona os adjetivos alternativos de “graciosa”, “administrativa” e “integrativa”) apenas em virtude de inexistir uma lide a ser solucionada mas apenas um interesse privado a ser administrado pela autoridade judiciária. A expressão “voluntária” foi contraposta à expressão “contenciosa” ... não foi colocada como contraponto à expressão “obrigatória”. Compreendida a jurisdição voluntária dentro dessas diretrizes quanto à sua nomenclatura e sua natureza de atividade jurisdicional, incumbe agora proceder a uma breve exposição da sua disciplina legal no principal diploma processual pátrio, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), que serve como a mais relevante fonte subsidiária e supletiva do modelo processual trabalhista. E tal será análise será objeto da próxima seção. 2. Jurisdição Voluntária no Código de Processo Civil de 2015 O Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105 de 2015), de grande relevância para a Justiça do Trabalho considerando as lacunas na legislação processual trabalhista e o recurso ao processo comum como fonte subsidiária e supletiva ao processo do trabalho (artigos 769 da Consolidação das Leis do Trabalho e 15 do próprio diploma processual civil), introduziu uma série de inovações no modelo processual brasileiro, tanto no âmbito institucional, como na esfera estrutural do próprio sistema. Mesmo o corpo do diploma apresentou uma nova organização, com uma Parte Geral composta de seis Livros e uma Parte Especial constituída por outros quatro Livros. O Capítulo XV do Título III do Livro I da Parte Especial do respectivo álbum processual, por meio dos artigos 719 a 770, contém os dispositivos que regulam os procedimentos especiais de jurisdição voluntária no âmbito do processo civil. Intitulado “DOS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA”, o respectivo capítulo congrega as regras processuais que disciplinam a atividade dos juízes em sede de jurisdição voluntária, fixando as diretrizes para a atuação do magistrado na gestão de interesses privados aos quais o legislador impôs a administração pelo Estado-Juiz como forma de fiscalizar atos e negócios particulares relevantes e assim os prevenir de desvios. Após estabelecer as disposições gerais acerca da jurisdição voluntária na Seção I (artigos 719 e 725), o capítulo elenca outras onze seções envolvendo procedimentos especiais de institutos legalmente submetidos à tutela administrativa do Estado-Juiz, dentre os quais a notificação e interpelação (artigos 726 a 729), o divórcio e a separação consensuais (artigos 731 a 734), os testamentos e codicilos (artigos 732 a 737), a interdição (artigos 747 a 758) e a tutela e a curatela (artigos 759 a 763). O artigo 724 do Código de Processo Civil, por seu turno, estabelece que mesmo não estando sujeito a ritos processuais peculiares como aqueles afetos aos institutos relacionados nominalmente nas seções II a XII do respectivo Capítulo XV, devem ser processados por meio do procedimento especial “padrão” disciplinado na seção especial pedidos como a emancipação, a alienação de bem de incapaz, a expedição de alvará judicial e o objeto do inciso XIII do citado artigo: Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de: VIII - homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. Como a atividade de jurisdição voluntária envolvendo a homologação de autocomposição extrajudicial corresponde a temática intrinsecamente ligada ao objeto do presente trabalho, a temática será revisitada mais adiante, em outra seção. Importante anotar, apenas, que a jurisdição voluntária que tem por objeto tal providência judicial se sujeita às normas do procedimento especial “padrão” previstas na Seção I do Capítulo XV, que agora será alvo de uma análise descritiva. Na mencionada Seção I, ao disciplinar as disposições gerais, o legislador de 2015 destaca no artigo 720 que a provocação do Estado-Juiz para exercer a jurisdição voluntária dentro de um desses procedimentos deve ser materializada por meio de uma fórmula simples de manifestação do direito de ação. Segundo o respectivo dispositivo, incumbe ao interessado (ou ao Ministério Público ou à Defensoria Pública) apresentar um pedido de tutela jurisdicional voluntária, com a definição da espécie de providência judicial que se almeja obter por meio da jurisdição administrativa, instruído com os documentos indispensáveis à demonstração da respectiva causa de pedir: Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial. Os dois artigos subsequentes se dedicam a assegurar a plena transparência do procedimento de jurisdição voluntária, estabelecendo a exigência de promover a citação de todos os interessados, inclusive e especialmente a Fazenda Pública se for o caso, para que tenham ciência do desenvolvimento da respectiva atividade e, querendo, se pronunciem acerca da questão dentro de um prazo específico (de 15 dias para os interessados “comuns”; de 30 dias para a Fazenda Pública e outros interessados com prerrogativa processual semelhante). Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o Ministério Público, nos casos do art. 178, para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse. É importante destacar que a imposição da citação dos interessados não corresponde a uma manifestação típica da garantia constitucional do contraditório, assegurado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República. Na realidade, como não há litigantes mas sim “interessados”, não há a materialização do contraditório típico da jurisdição contenciosa, na qual se assegura aos adversários o direito de ciência acerca dos atos processuais praticados para permitir aos mesmos o exercício do direito à ampla defesa consagrado no mesmo dispositivo constitucional. A preocupação do legislador, manifestada nos artigos 721 e 723, se harmoniza com o ideal de proporcionar ampla transparência ao procedimento de modo a permitir a todos os interessados possam contribuir para o adequado desenvolvimento da respectiva atividade jurisdicional. O caput do artigo 723 do Código de Processo Civil, por seu turno, estabelece um prazo para o magistrado proceder à sentença por meio da qual será concedida (ou não) a providência jurisdicional pretendida pelo interessado que provocou o Estado-Juiz. Não há menção a qualquer produção probatória mas é evidente que, em entendendo necessária a produção de provas para melhor firmar a sua convicção, o magistrado poderá proceder a um incidente cognitiva envolvendo a apresentação de provas de toda natureza (depoimentos dos interessados, oitiva de testemunhas, exibição de documentos, realização de perícias, etc.), seguindo as diretrizes gerais da fase probatória prevista para o procedimento comum do processo civil. O prazo de dez dias, previsto pelo legislador, assim, naturalmente terá o seu começo condicionado à necessidade ou não de produção de provas, devendo ser iniciado o prazo apenas após a conclusão de eventual incidente instrutório, se for o caso. Questão de grande relevância se encontra exposto no parágrafo único do citado artigo 723, que estipula a admissibilidade do julgamento por equidade do magistrado. Segundo as suas linhas, o juiz não está vinculado aos estritos limites da legislação quando da definição do acolhimento ou rejeição do pedido de tutela jurisdicional voluntária. Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna. Diante de tal autorização legal, o juiz dispõe de maior liberdade ao apreciar a pretensão do requerente da providência de jurisdição voluntária, sem estar adstrito aos limites típicos do texto legal acerca da matéria. Tal forma de julgamento por equidade, entretanto, não torna o magistrado um “déspota” ou “tirano” processual, pois em que pese o maior campo de liberdade para firmar a sua convicção, o juiz ainda assim se encontra sujeito à imposição de sua imparcialidade e à sua submissão às demais exigências naturais do seu ofício como órgão judicante (notadamente, a atuação de boa-fé e o uso do simples “bom senso”). A hipótese do parágrafo único do artigo 723 do diploma processual civil, de qualquer modo, constitui uma exceção à regra da vedação do julgamento por equidade consagrado no parágrafo único do artigo 140 do mesmo álbum processual. O pronunciamento do juiz, pelo qual ocorrerá o acolhimento ou a rejeição da pretensão à providência judicial pleiteada, constitui verdadeira sentença judicial, e, como consequência, ser revela recorrível, conforme exposto no artigo 724 do Código de Processo Civil: Art. 724. Da sentença caberá apelação. Nada mais natural, pois se trata de uma decisão judicial que resulta na entrega de uma prestação jurisdicional, encerrando uma fase cognitiva própria de um procedimento judicial tipificado pelo legislador. E cabe ação rescisória de uma sentença proferida em procedimento de jurisdição voluntária? O tema é polêmico, tanto no âmbito dos tribunais como na doutrina. Os que defendem o descabimento da ação rescisória como meio de desconstituição de sentença proferida em sede de procedimento de jurisdição voluntária, usualmente levantam como principal argumento a tese de que a jurisdição voluntária não produz a coisa julgada material, podendo a sentença ser modificada posteriormente pelo juiz em caso de circunstâncias supervenientes mesmo após exaurido o prazo recursal. Como, por exemplo, no caso de uma simples petição informado o restabelecimento da vida em comum de um casal que, em um procedimento de jurisdição voluntário, anteriormente obteve sentença homologatória do pedido de separação, nos moldes previsto no artigo 46 da Lei 6.515 de 1977: Art 46. Seja qual for a causa da separação judicial, e o modo como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos sem que fora constituída, contanto que o façam mediante requerimento nos autos da ação de separação. Em outras palavras, como não ocorre no âmbito da jurisdição voluntária a qualidade de imutabilidade que caracteriza a sentença de mérito proferida no âmbito da jurisdição contenciosa, tal decisão não seria rescindível. Ao defender a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, entretanto, Fredie Didier Júnior deixa clara a admissibilidade da ação rescisória para hostilizar a sentença oriunda de procedimento (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 193 a 194). E tal entendimento tem especial relevo em casos de procedimentos de jurisdição voluntária que envolvem típica atividade negocial. Em obra anterior à vigência do Código de Processo Civil, Athos Gusmão Carneiro expôs uma divisão dos procedimentos de jurisdição voluntária em três modalidades: 1) “intervenção estatal na formação de sujeitos jurídicos”, cujo exemplo típico é o registro do estatuto de um partido político perante o Tribunal Superior Eleitoral; 2) “intervenção do Judiciário na integração da capacidade jurídica das pessoas e no status quo das pessoas”, como nos casos de divórcio consensual, adoção, habilitação para casamento e interdição; e 3) “intervenção do Judiciário em negócios jurídicos”. (CARNEIRO, 1997, p. 36 e 37). Humberto Theodoro Júnior, mesmo entendendo que a atividade envolvendo jurisdição voluntária não revela o mesmo caráter substitutivo que caracteriza a jurisdição na visão clássica de Chiovenda, enfatiza essa índole negocial da respectiva atividade ao descrever a natureza da jurisdição voluntária: Não se apresenta como ato substitutivo da vontade das partes, para fazer atuar impositivamente a vontade concreta da lei (como se dá na jurisdição contenciosa). O caráter predominante é de atividade negocial, em que a interferência do juiz é de natureza constitutiva ou integrativa, com o objetivo de tornar eficaz o negócio desejado pelos interessados. A função do juiz é, portanto, equivalente ou assemelhada à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do magistrado. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 118). Nessa linha de raciocínio, a jurisdição voluntária implica em uma atividade negocial na qual a atuação gestora do magistrado é necessária para fins de validação do objeto em foco, seja um ato, uma providência, ou, de fato, um negócio jurídico. Exatamente por resultar, dentro dessa categoria de procedimentos de jurisdição voluntária que têm por objeto um negócio jurídico, em uma sentença judicial constitutiva/integrativa do próprio negócio jurídico, essencial à validade deste, fica em clarividência a natureza jurisdicional da respectiva atividade e, como consequência, a imprescindibilidade de atribuir a essa “chancela” um efeito além daquele que poderia ser obtida por alguma via extrajudicial caso o interessado tivesse optado por tal caminho alternativo ... exatamente o “manto” da coisa julgada material por meio do qual a definição obtida através da jurisdição se torna “imutável” e atacável apenas por meio de outro processo judicial agora, agora contencioso. Mas seria mesmo uma ação rescisória? Ou suficiente seria uma ação anulatória (?), nos moldes do artigo 496, §4ª, do Código de Processo Civil: § 4o Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei. Tal discussão assume contornos especiais quando discutido no âmbito do processo do trabalho, considerando entendimento sedimentado no âmbito da jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho. E, assim, será objeto de uma análise específica em outra seção do presente trabalho. Encerrada a análise da morfologia genérica da jurisdição voluntária, no item seguinte será examinada uma temática mais diretamente afeta à Justiça do Trabalho: a sua competência material. 3. Competência Material da Justiça do Trabalho Uma breve análise da evolução histórica da Justiça do Trabalho deixa em clarividência que, desde a concepção, a sua posição como instituição de solução de conflitos sempre assumiu a primazia da sua atuação, praticamente reduzindo a um quadro de insignificância as suas atribuições administrativas e não-contenciosas, como mero órgão gestor de interesses privados submetidos à tutela estatal. Expressões como “dirimir questões”, “dirimir conflitos”, “conciliar e julgar dissídios”, encontrados nos textos legais que desde a sua origem disciplinaram a constituição e atuação da Justiça do Trabalho, retratam expressamente o exercício de sua função de impor resoluções diante de entrechoques de interesses, isto é, aplicar o direito mediante a imposição de decisões em contendas entre os sujeitos da relação de emprego. Em outras palavras, o exercício da jurisdição contenciosa, diante dos embates entre empregados e empregadores, permanentemente se destacou em detrimento de sua pouco explorada atuação em sede de jurisdição voluntária. A análise da evolução das normas que disciplinam a estrutura e atuação da Justiça do Trabalho evidencia que esta foi aparentemente concebida para ser uma instituição dedicada à solução de conflitos. Preferencialmente, por meio da fórmula endoprocessual da conciliação judicial, conduzindo e homologando acordos entre litigantes dentro de reclamações trabalhistas. Caso não resultasse em êxito tal método de autocomposição assistida judicialmente, então mediante o processamento e julgamento da ação, com a prolação de uma sentença impondo aos litigantes a solução adotada pelo Estado-Juiz. A Justiça do Trabalho, mesmo diante de sua missão “conciliadora”, foi constituída para atuar diante do litígio, no exercício de uma jurisdição tipicamente contenciosa. Não foi instituída propriamente como uma entidade destinada a promover a administração pública de interesses privados, numa função gestora de interesses particulares mas socialmente relevantes. A jurisdição voluntária não assumia posição de destaque dentre as suas atribuições. Para constatar tal realidade, suficiente é o exame dos textos dos sucessivos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que a tiveram por objeto. A Justiça do Trabalho foi originalmente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Constituição da República de 1934, cujo artigo 122 apresentava a seguinte redação: Art. 122. Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. Apesar da denominação, o novo órgão não integraria o Poder Judiciário, mas seria incumbido de “dirimir questões”, ou seja, decidir os conflitos entre os sujeitos da relação de emprego envolvendo a aplicação das regras legais que então disciplinam os respectivos contratos. Foi intitulada de “Justiça”, mas sem compor institucionalmente a Justiça brasileira, sendo destinada a atuar como entidade de heterocomposição estatal de lides empregatícias ... como evidenciado pela expressão “para dirimir questões entre empregadores e empregado”. O parágrafo único do artigo 122 da Constituição de 1934 estabeleceu um desenho abstrato do que seria a constituição orgânica dessa nova Justiça do Trabalho: Art. 122. Parágrafo único. A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual. A sua estrutura, assim, incluiria tanto comissões de conciliação em 1º grau como Tribunais do Trabalho em graus superiores, sempre com uma composição tripartite, com membros eleitos pelas duas classes que formam a relação de trabalho (empregados e empregadores) como representantes do Estado. Antes da Justiça do Trabalho ser efetivamente materializada no âmbito institucional, entretanto, a Constituição de 1934 foi sucedida pela Carta Republicana de 1937, cujo artigo 139 ditava: Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum. Novamente, “dirimir os conflitos”. Mantidas, assim, as mesmas diretrizes acerca da posição institucional alheia ao da Justiça Comum e da sua atribuição básica de resolver questões conflituosas entre empregados e empregadores, a Justiça do Trabalho prevista na Constituição de 1937 foi regulamentada no plano infraconstitucional pelo Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, sendo ratificada a sua principal atribuição logo no Artigo 1º do respectivo diploma: Art. 1º. Os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho. Ao iniciar o dispositivo com a determinação de que “os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados”,vê-se que logo a primeira expressão no referido Decreto-Lei, traduz o espírito do legislador em disciplinar uma atuação típica de jurisdição contenciosa. O artigo 2º do Decreto-Lei, por seu turno, apresentou uma composição interna envolvendo órgãos em uma estrutura piramidal em três níveis orgânicos, com as Juntas de Conciliação e Julgamento em 1º grau, os Conselhos Regionais do Trabalho em 2º grau e o Conselho Nacional do Trabalho como órgão de cúpula 3º grau. Os artigos 24, 26 e 27 do Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, por sua vez, fixaram os limites de tal atuação dos órgãos de 1º grau no âmbito das relações individuais trabalhistas, sempre em relação a conflitos entre seus sujeitos: Art. 24. Compete às Juntas : a) a conciliação e julgamento dos dissídios individuais, observado o disposto nos arts. 26 e 27; b) a conciliação e julgamento das reclamações que envolvam o reconhecimento da estabilidade de empregados; c) a execução das decisões proferidas nos processos de sua Competência originária. ... Art. 26. Os dissídios individuais, quando concernentes a salários, férias e indenizações por despedida injusta, de valor igual ou inferior á alçada fixada no art. 95, serão julgados em única instancia, não sendo admitido da respectiva sentença outro recurso senão o previsto no art. 74. Parágrafo único. Não estão compreendidas na disposição deste artigo as questões de que trata a alínea b do art. 24. Art. 27. Serão, também, conciliados e julgados pelas Juntas observando disposto no artigo anterior, os dissídios em contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice. O Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, assim, enfatizou a função “conciliadora” dos órgãos da Justiça do Trabalho ... mas diante de situações contenciosas, de conflitos trazidos a juízo. Ao atuar na “conciliação e julgamento” de causas, continuava a existir uma missão de atuar diante do contencioso, conduzindo as partes litigantes a uma transação ou decretando uma decisão a ser imposta aos sujeitos em conflito. Pelo legislador infraconstitucional, portanto, passou a fazer parte do complexo de incumbências da Justiça do Trabalho não apenas solucionar os conflitos entre empregados e empregadores quando envolvendo elementos extraídos do contrato individual entre os mesmos (inclusive disputas cujo objeto fosse o reconhecimento da estabilidade no emprego), mas, de igual forma, os conflitos entre os pequenos empreiteiros e seus tomadores de serviço envolvendo o cumprimento de tal modalidade de contrato cível. Os limites da lide empregatícia foram superados pelo legislador de 1937, portanto, pois passou a Justiça do Trabalho passou a dirimir conflitos envolvendo disputas próprias de uma relação de trabalho autônomo de natureza civil, consubstanciado na disputa entre o empreiteiro “operário ou artífice”, sem estrutura empresarial, e aquele que o contratou para concluir determinada obra. Tal ampliação foi confirmada pelo Decreto nº 6.596 de 1940, que regulamentou o Decreto-Lei nº 1.237 de 1939. Logo no seu primeiro dispositivo, o Decreto estabeleceu seguiu a mesma diretriz estabelecida na norma que regulamentava: Art. 1º. Os dissídios oriundos das relações entre empregadores e empregados reguladas na legislação social serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, na forma do presente regulamento. Parágrafo único. As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do Decreto número 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subsequente. Mais uma vez, as expressões “dissídios” e “dirimidos”, típicas de situações de embate. O parágrafo único do artigo 1º, por sua vez, deixou claro que a atuação da Justiça do Trabalho se restringia às disputas próprias das relações entre os sujeitos da relação laboral, com as questões acidentárias continuando a ser da competência da Justiça Comum. À época, é importante anotar, ainda não havia a consciência da distinção entre os conflitos envolvendo o segurado e a autarquia previdenciária e as lides que, apesar de derivar de um acidente de trabalho (inclusive as doenças legalmente equiparada a tal), tinha como litigantes o empregado e o seu empregador. Os artigos 9º e 10 do Decreto nº 6.596 de 1940, por seu turno, delinearam o âmbito de competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecendo os limites de exercício da jurisdição contenciosa, incluindo no inciso III da alínea “a” do artigo 9º a competência para dirimir conflitos entre o pequeno empreiteiro e o seu tomador de serviços acerca de elementos atinentes ao contrato de empreitada que os unia: Art. 9.° Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento: a) conciliar e julgar: I, os dissídios em que se pretenda o reconhecimento da estabilidade de empregado; II, os dissídios concernentes a salários, férias e indenizações por motivo de despedida injusta; III, os dissídios resultantes de contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice; IV, os demais dissídios concernentes ao contrato individual de trabalho; b) processar os inquéritos administrativos contra empregados garantidos com estabilidade; c) julgar os embargos opostos às suas próprias decisões, no caso do art. 201; d) julgar os recursos interpostos das decisões do presidente, nas execuções; e) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência. Art. 10. Compete, ainda, às Juntas de Conciliação e Julgamento: a) requisitar às autoridades competentes a realização das diligências necessárias ao esclarecimento dos feitos sob sua apreciação, representando contra aquelas que não atenderem a tais requisições, b) realizar as diligências e praticar os atos processuais deprecados pejos Conselhos Regionais do Trabalho ou pelo Conselho Nacional do Trabalho; c) julgar as suspeições arguidas contra os seus membros; d) julgar as exceções de incompetência que lhes forem opostas; e) exercer, em geral, no interesse da Justiça do Trabalho, quaisquer outras atribuições que decorram da sua jurisdição. Normas, ainda, destinadas a disciplina o exercício da jurisdição contenciosa. Até então, a legislação especializada não previa qualquer forma de atuação da Justiça do Trabalho em sede de jurisdição voluntária. Mesmo considerando o alto grau de abrangência da regra estabelecida na alínea “e” do artigo 10, acerca da competência da Junta para “exercer, em geral no interesse da Justiça do Trabalho, quaisquer outras atribuições que decorrem da sua jurisdição”, simplesmente não havia atribuição legal específica envolvendo atividade administrativa de gestão de interesses privados, de modo a constituir e integrar negócios jurídicos cuja validade dependia dessa tutela preventiva de fiscalização estatal. Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foram reunidas regras legais disciplinadoras das relações materiais e processuais do trabalho, sendo mantidas as diretrizes quanto aos limites da competência material da Justiça do Trabalho e sua estrutura piramidal e tripartite. Nesse sentido, o seu artigo 643 seguiu as mesmas linhas do Decreto-Lei nº 1.237 de 1939 e do Decreto nº 6.596 de 1940, portanto, ao estabelecer que: Art. 643. Os dissídios, oriundos das relações entre empregadores e empregados reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. E o artigo 652 da CLT, mantendo o mesmo grau de fidelidade às normas antecedentes, expôs as seguintes fronteiras para a competência dos órgãos de 1º grau: Art. 652. Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento: a) conciliar e julgar: I - os dissídios em que se pretenda o reconhecimento da estabilidade de empregado; II - os dissídios concernentes a remuneração, férias e indenizações por motivo de rescisão do contrato individual de trabalho; III - os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice; IV - os demais dissídios concernentes ao contrato individual de trabalho; b) processar e julgar os inquéritos para apuração de falta grave; c) julgar os embargos opostos às suas próprias decisões; d) julgar os recursos interpostos das decisões do presidente, nas execuções; e) impor multa e demais penalidades relativas aos atos de sua competência. Mais uma vez, expressões como “dissídios” e “dirimidos” (além de “conciliar” e “julgar” dentro de um processo judicial de jurisdição contenciosa) e “julgar”, próprias de relações conflituosas. Em nenhum dos dispositivos expostos, entretanto, há referência a uma atuação administrativa da Justiça do Trabalho, no âmbito de jurisdição voluntária, ou seja, na gestão de interesses privados que não estejam em conflito imediato. Na realidade, o texto primitivo da CLT até trouxe em seu bojo um artigo (o de número 500) que, mesmo ao tratar de uma atuação alheia ao âmbito de incumbências relacionadas nos dispositivos que disciplinam sua competência, de forma implícita e indireta impõe uma atuação administrativa da Justiça do Trabalho em sede de jurisdição voluntária. Nos textos destinados a disciplinar a sua competência material, todavia, apenas letras típicas de processos de jurisdição contenciosa. Continuando a análise da evolução história da legislação acerca da competência material da Justiça do Trabalho, surge agora a Constituição da República de 1946. Este próximo passo legislativo após a edição da CLT, se não alterou o seu perfil quanto ao âmbito de suas incumbências, gerou grandes repercussões institucionais na Justiça do Trabalho. A Carta Política de 1946 teve o mérito de inserir a Justiça do Trabalho dentro da estrutura do Poder Judiciário brasileiro. O artigo 94 da respectiva Constituição expressamente relacionou a Justiça do Trabalho no elenco de órgãos integrantes do Judiciário: Art 94.O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; II - Tribunal Federal de Recursos; III - Juízes e Tribunais militares; IV - Juízes e Tribunais eleitorais; V - Juízes e Tribunais do trabalho. E, como consequência, o seu artigo 122 alterou o arcabouço orgânico da sua composição interna, transformando os Conselhos Regionais e o Conselho Nacional em Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho, respectivamente. Posteriormente, o Decreto-Lei 9.799 de 1946 promoveu as correspondentes alterações no texto da CLT. O legislador constituinte de 1946, no entanto, permaneceu fiel a diretrizes anteriormente consagradas, mantendo a estrutura piramidal em três faixas institucionais e a constituição tripartite com representantes das classes patronal, obreira e estatal. E Justiça do Trabalho, agora com parte integrante do Poder Judiciário, teve a sua competência delineada no artigo 123 da Constituição de 1946 nos seguintes termos: Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial. § 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária. § 2º - A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho. Restou igualmente mantida, assim, a diretriz geral quanto à essência da competência material da Justiça do Trabalho, concentrada na resolução de conflitos entre empregados e empregadores, mas agora com expressa previsão constitucional acerca da possibilidade de alcançar outras relações laborais disciplinadas por lei especial. O Ato Institucional nº 2 de 1965, por seu turno, alterou o texto da Constituição de 1946, mas em nada que afetasse os âmbitos estruturais ou jurisdicionais da Justiça do Trabalho. Em sequência, a Constituição de 1967 seguiu a mesma linha Art 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial. § 1 º - A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho. § 2 º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária. E mesmo com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que alterou parte considerável do texto constitucional, a missão da Justiça do Trabalho em exercer uma jurisdição contenciosa concentrada na pacificação de conflitos entre empregados e empregadores prosseguiu nos mesmos moldes básicos: Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho. § 1º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho. § 2º Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal ou dos Territórios. Em 1986, foi alterado o texto do artigo 643 da CLT de forma a ampliar o alcance da competência material da Justiça do Trabalho para abranger conflitos relacionados a trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviço. A Lei nº 7.494 de 1986 deu ao caput do citado dispositivo a sua atual redação: Art. 643 Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. Além dos conflitos entre o empreiteiro operário ou artífice, mais uma modalidade de disputa envolvendo outra espécie do gênero relação de trabalho passou a integrar o seleto rol de relações cujos conflitos interpartes têm a sua composição afeta à Justiça do Trabalho. O trabalho avulso, constituído por meio de uma relação trilateral entre o trabalhador avulso, um entre intermediário e um tomador de serviços, teve os conflitos entre dos seus sujeitos (o trabalhador e o tomador) inclusos dentro do âmbito da competência dos órgãos do Judiciário Trabalhista. Posteriormente, por meio da Medida Provisória 2.164, foi acrescentando ainda o inciso V à alínea “a” do artigo 652 da CLT, atribuindo aos órgãos de 1º grau da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar: V-as ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO decorrentes da relação de trabalho; Além de conflitos entre os trabalhadores e seus tomadores de serviços, assim, foram também inseridos dentro do âmbito de competência do Judiciário Trabalhista as lides envolvendo os trabalhadores avulsos típicos das áreas portuárias e os órgãos de intermediação do trabalho avulso em tal atividade, conforme disciplinado na Lei 8.630 de 1993. Mas, antes desta inovação envolvendo a competência para decidir conflitos oriundos da relação de trabalho avulso, a Constituição da República de 1988 já havia dado mais um passo na ampliação do âmbito de competência da Justiça do Trabalho. No seu texto originário, o artigo 114 da Carta Política de 1988 deixou inequívoco que, em se tratando de um conflito entre um empregado e um empregador acerca de algum elemento próprio do contrato que os liga, a competência para dirimir a disputa será do Judiciário Trabalhista, sendo irrelevante se o empregador integrar a administração pública direta ou indireta em qualquer uma das esferas políticas: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração publica direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Novamente, as mesmas expressões próprias das lides laborais: “conciliar e julgar dissídios”. Nenhuma referência no artigo 114 ao exercício de uma jurisdição voluntária. Nessa questão, não houve evolução. O texto do citado artigo, por outro lado, estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos decorrentes da execução dos seus julgados, além de ratificar a possibilidade do legislador infraconstitucional ampliar o âmbito jurisdicional para alcançar disputas envolvendo outras espécies do gênero relação de trabalho ... mas nenhuma referência ao exercício de uma atribuição administrativa típica de uma jurisdição voluntária. Em seguida, dez anos depois, a Emenda Constitucional nº 20 de 1998, por seu turno, acrescentou um parágrafo 3º ao Artigo 114 da Constituição de 1988: § 3° Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir Tal dispositivo, mesmo não tratando de matéria própria da jurisdição voluntária, abordou questão de grande relevância para aumentar a importância institucional da Justiça do Trabalho em um período em que algumas vozes se levantavam contra a sua existência. Com o §3º do artigo 114 da Constituição de 1988, o Judiciário Trabalhista passou a ter como incumbência promover, ex officio, a execução envolvendo créditos oriundos de contribuições previdenciárias devidas em face às condenações impostas pelos seus órgãos, fazendo surgir uma fonte de receita para a União que ajudou a superar a ameaças manifestadas durante essa fase crítica. O respectivo acréscimo ao seu elenco de atribuições, entretanto, foi novamente no âmbito de sua jurisdição contenciosa. Em 2004 com a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, uma alteração simples foi promovida que, indiretamente, acabou por abrir portas em direção à atuação dos juízes do trabalho no âmbito da jurisdição voluntária, ainda que praticamente sem ser notada. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, conhecida como emenda da “Reforma do Judiciário”, alterou por completo a redação do artigo 114 da Constituição da República de 1988, oferecendo ao texto um novo formato: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Na estrutura textual adotada, o caput do artigo 114 foi dividido em nove incisos, cada um com uma esfera diferente da atividade judicante, mas deixando claro que a fonte essencial da competência da Justiça do Trabalho continua intacta: a relação entre empregado e empregador. Ainda assim, o legislador reformador de 2004 promoveu vários acréscimos ao elenco de atribuições jurisdicionais, incluindo questões como conflitos de representação sindical (inciso III) e demandas tendo por objeto sanções administrativas aplicadas por auditores fiscais do trabalho (inciso VII). Nenhuma modificação, contudo, tratou direta e expressamente de atos de jurisdição voluntária... Absolutamente nenhuma. Mas uma alteração admite, mesmo que indiretamente ou “por tabela”, uma quebra do paradigma contencioso ... Ao expor na nova redação do caput do artigo 114 que “Compete à Justiça do Trabalho” e, logo no inciso I, o mais importante dos incisos do respectivo artigo por estabelecer a base principal da sua atuação jurisdicional, expressar “ações oriundas da relação de trabalho”, o legislador deixou de seguir o caminho tradicional e não expôs aquelas expressões próprias de um processo contencioso como “conflitos” e “dissídios”, além de “dirimir” ou “dirimidos”. Ora, ações oriundas da relação de trabalho abrange tanto as ações próprias da jurisdição contenciosa, envolvendo lides a serem solucionadas por meio de conciliações judiciais ou sentenças impostas aos litigantes, como também ações provocando a atuação do Judiciário em situações envolvendo providências judiciais típicas da jurisdição voluntária, de administração e gestão de interesses privados tipificados pelo legislador como relevantes o suficiente para exigir a intervenção do Estado de forma a tutelar preventivamente esses mesmos interesses e constituir/integrar validamente os respectivos atos e negócios jurídicos. Tal modificação legislativa, retirando expressões típicas de relações conflituosas para adotar uma expressão mais ampla e abrangente (“ações oriundas da relação”) no principal dispositivo disciplinador de sua competência material, representou uma nova abertura para a atuação da Justiça do Trabalho em sede de jurisdição voluntária. Uma atuação que já existia, mesmo que timidamente, mas a partir de então e, agora especialmente com as inovações trazidas pela Lei nº 13.467 de 2017 (Lei da Reforma Trabalhista), tende a crescer consideravelmente. E tais elementos serão foco de análise na próxima seção. 4. Jurisdição Voluntária no Âmbito da Justiça do Trabalho O exame da evolução história da legislação constitucional e infraconstitucional disciplinadora da competência material da Justiça do Trabalho deixa claro o menosprezo do legislador pátrio pelo caminho de atribuir a tal instituição a execução de atividades administrativas típicas de jurisdição voluntária. Mas o exame de certos dispositivos encontrados de modo avulso, inclusive em alguns desses mesmos diplomas legais já analisados, revelam um legislador inibido ... mas ao menos não completamente inerte. Ainda que aparentemente desconectados com questões próprias de delimitação jurisdicional, disciplinam atribuições afetas a uma atuação não contenciosa do juiz do trabalho, envolvendo atividade de homologação de atos de interesse de ambos os sujeitos da relação de emprego. Nesse sentido, os artigos 500 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966, o artigo 9º, §4º, da Lei nº 7.064 de 1982 e artigo 233 da Constituição da República (este último posteriormente revogado pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998). O artigo 500 da CLT, que disciplina a solenidade exigida pelo legislador para a validade do ato por meio do qual um empregado portador de estabilidade (originalmente a antiga estabilidade decenal do artigo 492 do respectivo diploma laboral) formaliza a terminação do seu contrato por livre e espontânea vontade unilateral do obreiro, impondo que a demissão voluntária seja submetida à assistência de entidade legitimada para chancelar a respectiva cessação do contrato de emprego no qual o obreiro estaria alcançado pela proteção estabilitária. A redação primitiva do respectivo dispositivo, por sua vez, se encontra a seguir transcrita: Art. 500. O pedido da demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ou da Justiça do Trabalho. A Lei nº 5.584 de 1970 alterou de forma “cosmética” o texto original, sem modificar a sua essência, mudando apenas o nome da entidade ministerial alcançada pela sua previsão: Art. 500 O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho. As letras do dispositivo em qualquer uma das duas redações, entretanto, evidenciam que, caso a assistência formal exigida para a validade da demissão voluntária do empregado portador de estabilidade no emprego não fosse prestado pela entidade sindical do obreiro ou pela autoridade local do Ministério do Trabalho, restaria aos interessados (o empregado e o empregado) levar o instrumento no qual estaria materializado o pedido de demissão para a Justiça do Trabalho para obter a assistência de um juiz do trabalho. E este, numa cerimônia simples mas solene, chancelaria o ato resilitório do empregado, após logicamente confirmar que era esta mesma a sua vontade, usualmente pelo mero registro de sua homologação no corpo do mencionado instrumento. Tal atuação do magistrado diante de uma situação não contenciosa, portanto, corresponde a uma atividade típica de jurisdição voluntária. Afinal, ambos, empregado e empregador, apenas desejam o reconhecimento da validade do pedido de demissão voluntária. E, ainda, a questão envolve um interesse particular de inegável relevância, pois, em última análise, o objetivo é validar a terminação de um contrato emprego de um empregado ungindo com a proteção máxima que a legislação trabalhista pode proporcionar (a estabilidade no emprego), por suposta vontade livre e espontânea desse mesmo hipossuficiente juridicamente protegido. Tal despojamento praticado voluntariamente pelo empregado, resilindo unilateralmente o contrato de emprego mesmo protegido pela estabilidade decenal, constitui algo não usual, atípico e até “estranho”. Tal “estranheza” merece (na visão do legislador) ser objeto de uma tutela preventiva como essa assistência ... correspondente a uma jurisdição administrativa na qual o magistrado fiscaliza a prática do ato de desligamento e, ao homologar o respectivo instrumento, aperfeiçoa a resilição, (des) constituindo uma relação contratual até então íntegra e regular. Não se revela apta a refutar tal constatação o argumento segundo o qual, se fosse jurisdição voluntária, então o sindicato e o representante do Ministério do Trabalho também estariam exercendo uma jurisdição administrativa quando prestando assistência nos moldes do artigo 500 da CLT. Nem o Ministério do Trabalho, nem qualquer entidade sindical, exercem a jurisdição ... exatamente por não integrarem o Poder Judiciário. Quando a homologação for feita pelo sindicato ou pelo auditor-fiscal do trabalho nos moldes do artigo 500 da CLT, há intervenção estatal na administração de interesses privados, mas não por meio da jurisdição voluntária. Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, 1997, p. 33) admite expressamente a existência de múltiplas vias de intervenção do Estado na gestão de interesses privados, citando exemplos outros além da jurisdição voluntária, como a intervenção por órgãos alheios ao Poder Judiciário (atuação da Junta Comercial na aquisição de personalidade jurídica de sociedade empresariais) e a intervenção por meio de órgãos sob o controle e fiscalização do Poder Judiciário (como é o caso dos tabelionatos e Ofício de Registro Civil). Apenas no âmbito do Poder Judiciário, entretanto, tal intervenção assume a forma da jurisdição voluntária. Quando um juiz do trabalho executa tal atividade tipicamente administrativa de homologar um pedido de demissão de empregado estável, prestando assistência aos sujeitos de um contrato de emprego quando um obreiro estabilitário deseja espontaneamente encerrar o pacto laboral, chancelando o instrumento no qual tal livre vontade do empregado estável é manifestada, é inequívoca que tal atuação do magistrado se enquadra como atribuição propriamente graciosa no sentido de uma jurisdição não contenciosa. Em outras palavras, uma jurisdição voluntária. E tal atuação não pode ser ignorada, mesmo considerando que em termos quantitativos há reduzida expressão prática, uma vez que usualmente tal homologação sempre foi formalizada no âmbito dos sindicatos profissionais. Mesmo que em números pouco expressos, ao menos corresponde a uma atuação inequívoca da Justiça do Trabalho no âmbito da jurisdição voluntária, para além dos limites expressamente traçados nos dispositivos que disciplinavam a sua competência material até o advindo da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Atuação de idêntica natureza jurisdicional integrativa foi disciplinada pela Lei nº 5.107 de 1966, a chamada “Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço” (FGTS). Dispunha o seu artigo 1º, caput e §§ 1º e 3º: Art. 1º Para garantia do tempo de serviço ficam mantidos os Capítulos V e VII do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho, assegurado, porém, aos empregados o direito de optarem pelo regime instituído na presente Lei. § 1º O prazo para a opção é de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, contados da vigência desta Lei para os atuais empregados, e da data da admissão ao emprêgo quanto aos admitidos a partir daquela vigência. § 3º Os que não optarem pelo regime da presente Lei, nos prazos previstos no § 1º, poderão fazê-lo, a qualquer tempo, em declaração homologada pela Justiça do Trabalho, observando-se o disposto no Art. 16. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 20 de 1966 acrescentou ao mesmo artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966 o seu §4º: § 4º O empregado que optar pelo regime desta lei, dentro do prazo estabelecido no § 1º e que não tenha movimentado a sua conta vinculada, poderá retratar-se desde que o faça no prazo de 365 dias a contar da opção, mediante declaração homologada pela Justiça do Trabalho, não se computando para efeito de contagem do tempo de serviço o período compreendido entre a opção e a retratação. Nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1º da Lei do FGTS, assim, o legislador expressamente atribuiu à Justiça do Trabalho a incumbência de homologar declarações em duas hipóteses de reconsideração do obreiro: a) o empregado “não-optante” pelo regime do Fundo de Garantia posteriormente reconsidera a sua escolha primitiva e deseja posteriormente formalizar sua opção pelo sistema; b) o empregado que originalmente fez a opção pelo regime do FGTS reconsidera sua escolha e, condicionado ao exercício do seu arrependimento dentro do prazo de 365 dias da escolha primitiva, manifesta sua vontade de se retratar e retornar ao regime da CLT. A Lei nº 7.839 de 1989 revogou a Lei nº 5.107 de 1966, mas poucos meses após o início de sua vigência, aquela foi sucedida pela Lei nº 8.036 de 1990, que prossegue disciplinando o sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço até os dias atuais. E a previsão da homologação da opção continua a existir, conforme prevista no §4º do artigo 14 da Lei nº 8.036 de 1990: §4º Os trabalhadores poderão a qualquer momento optar pelo FGTS com efeito retroativo a 1º de janeiro de 1967 ou à data de sua admissão, quando posterior àquela. Nessa atuação de homologação de atos declaratórios de reconsideração quanto a opções relacionadas ao regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o juiz do trabalho está evidentemente exercendo a jurisdição voluntária, pois a respectiva atividade constitui uma fórmula de administração pública de interesses particulares, mediante o qual o magistrado está fiscalizando a regularidade do ato de reconsideração manifestado pelo empregado e ao chancelar a respectiva declaração com a sua homologação, está integrando e constituindo o negócio jurídico entre os respectivos sujeitos da relação de emprego envolvendo a aplicabilidade ou não das regras do regime do FGTS ao respectivo contrato entre as partes. A intervenção estatal, na hipótese, é imposta pelo legislador em virtude da necessidade de proporcionar segurança aos “interessados”, empregado e empregador, diretamente alcançado pelos efeitos de tal declaração de reconsideração, uma vez que a submissão ou não ao regime do FGTS afeta ambas as partes quanto a questões “sensíveis”, desde a estabilidade no emprego até o direito de despedir. O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, reconhece não apenas a relevância de tal negócio jurídico processual cuja validade depende da homologação de um juiz do trabalho, como a imprescindibilidade de se obter a anuência do empregador para proceder a tal chancela estatal. Nesse sentido, em 27.11.1998, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 146 da Seção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SDI-1), posteriormente (20.03.2005) cancelada em 20 de abril de 2005 em face a sua conversão na Orientação Jurisprudencial Transitória nº 39, da Subseção Especializadas em Dissídios Individuais-1 (SBDI-1), restou consagrado o seguinte entendimento, exigindo a anuência do outro “interessado” para a validade da respectiva homologação: FGTS. OPÇÃO RETROATIVA. EMPREGADOR. NECESSIDADE. CONCORDÂNCIA DO À semelhança do verificado quanto à atuação em sede de jurisdição voluntária na hipótese do artigo 500 da CLT, a atividade dos juízes do trabalho no exercício de tal fórmula de jurisdição voluntária não é expressiva em termos quantitativos. Reconsiderações relacionadas às opções (ou não) pelo FGTS ocorreram e as consequentes declarações foram homologadas por juízes de trabalho no exercício de uma jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho, mas não em números de grande destaque. Uma outra hipótese de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho se encontra prevista no artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. De incidência ainda mais rara que as hipóteses anteriores, a atividade jurisdicional voluntária tipificada neste último dispositivo envolve um procedimento de homologação, por juiz do trabalho, de instrumento autorizando o levantamento pelo empregador de depósitos do FGTS recolhidos em uma conta vinculada de um empregado transferido para o exterior, para fins de dedução de eventual pagamento previsto na legislação do país no exterior no qual ocorreu a prestação de serviços, em caso dessa mesma legislação alienígena considerar o período laboral durante a transferência como objeto de um contrato autônomo ao final do qual terá que ocorrer a “liquidação” de direitos decorrentes da respectiva cessação. Apesar de estar alicerçada no seu §4º, é oportuna a transcrição da íntegra do artigo: Art. 9º - O período de duração da transferência será computado no tempo de serviço do empregado para todos os efeitos da legislação brasileira, ainda que a lei local de prestação do serviço considere essa prestação como resultante de um contrato autônomo e determine a liquidação dos direitos oriundos da respectiva cessação. § 1º - Na hipótese de liquidação de direitos prevista neste artigo, a empresa empregadora fica autorizada a deduzir esse pagamento dos depósitos do FGTS em nome do empregado, existentes na conta vinculada de que trata o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966. § 2º - Se o saldo da conta a que se refere o parágrafo anterior não comportar a dedução ali mencionada, a diferença poderá ser novamente deduzida do saldo dessa conta quando da cessação, no Brasil, do respectivo contrato de trabalho. § 3º - As deduções acima mencionadas, relativamente ao pagamento em moeda estrangeira, serão calculadas mediante conversão em cruzeiros ao câmbio do dia em que se operar o pagamento. § 4º - O levantamento pelo empregador, decorrente da dedução acima prevista, dependerá de homologação judicial. O legislador brasileiro, assim, criou um procedimento de jurisdição voluntário por meio do qual o empregador, se desejar economizar nas despesas relacionadas ao empregado transferido, pode obter a autorização judicial para proceder ao levantamento de um valor extraído da conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço do empregado transferido, para fins de dedução do montante que, eventualmente, tiver que pagar ao respectivo trabalhador na hipótese de previsão na lei do local da prestação de serviço. E, merece ser destacado, o recurso a tal via alternativa à jurisdição contenciosa não é simplesmente decorrente da vontade espontânea do empregador, mas uma verdadeira imposição do legislador na hipótese da entidade patronal desejar diminuir os custos da operação envolvendo o empregado transferido ao exterior quando prevista na lei estrangeira tal figura contratual mencionada no caput do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. A única forma de obter a autorização para o levantamento do valor depositado na conta vinculada do empregado, para fins de dedução da quantia devida pela liquidação do contrato autônomo eventualmente previsto na legislação do país no qual o serviço for prestado, é exatamente tal caminho de jurisdição administrativa. O juiz do trabalho, com a homologação, desenvolve uma atuação jurisdicional sem a presença de um conflito, mas imprescindível à obtenção do efeito almejado pelo empregador. Em outras palavras, uma atividade jurisdicional necessária, mas sem lide. Apesar de servir com um exemplo perfeito da natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, a utilidade prática da respectiva fórmula é evidentemente limitada em termos quantitativos, pois poucos são os empregados cuja transferência para o exterior geraria o quadro necessário à aplicabilidade da regra legal. Corresponde, assim, a uma hipótese peculiar de jurisdição voluntária raramente concretizada na prática dos tribunais do trabalho. Um “experimento” de ainda menor aplicabilidade prática, ou de maior “insucesso” em termos numéricos, ocorreu com o artigo 233 do texto original da Constituição da República. Revogado pela Emenda Constitucional nº 28 de 2.000, o respectivo dispositivo estabelecia a seguinte disciplina: Art. 233. Para efeito do art. 7º, XXIX, o empregador rural comprovará, de cinco em cinco anos, perante a Justiça do Trabalho, o cumprimento das suas obrigações trabalhistas para com o empregado rural, na presença deste e de seu representante sindical. § 1ºUma vez comprovado o cumprimento das obrigações mencionadas neste artigo, fica o empregador isento de qualquer ônus decorrente daquelas obrigações no período respectivo. Caso o empregado e seu representante não concordem com a comprovação do empregador, caberá à Justiça do Trabalho a solução da controvérsia. § 2ºFica ressalvado ao empregado, em qualquer hipótese, o direito de postular, judicialmente, os créditos que entender existir, relativamente aos últimos cinco anos. § 3º A comprovação mencionada neste artigo poderá ser feita em prazo inferior a cinco anos, a critério do empregador. O legislador constituinte de 1986-1988, assim, criou um procedimento típico de jurisdição voluntária, envolvendo a comprovação em juízo do cumprimento de obrigações trabalhistas por meio do qual o empregador rural poderia provocar a Justiça do Trabalho para, diante do respectivo empregado rural e do seu representante sindical, obter a chancela judicial de quitação das respectivas obrigações patronais derivadas do contrato entre as partes. Era uma hipótese de atuação em sede de jurisdição administrativa, pois no início do procedimento não havia conflito e a provocação do EstadoJuiz para demonstrar o correto cumprimento das obrigações tinha por objeto interesses privados submetidos a uma gestão pública materializada mediante uma fiscalização preventiva do Estado. Caso surgisse, no curso do procedimento, um conflito de interesses, então caberia a qualquer um dos “agora” litigantes promover uma ação judicial de jurisdição contenciosa (ação de consignação em pagamento, pelo empregador; reclamação trabalhista típica, pelo empregado) para que a Justiça do Trabalho solucionasse a contenda. A ideia original, assim, seria proporcionar ao empregador rural uma fórmula não contenciosa para demonstrar a quitação de suas dívidas trabalhistas a cada período de cinco anos e assim evitar a comprovação posterior de obrigações antigas, considerando que à época ao trabalhador rural se aplicava somente a prescrição bienal iniciada com o término do contrato de emprego entre as partes ... o que podia levar o empregador a ter que demonstrar em juízo o cumprimento de obrigações relativas a décadas atrás quando diante de um rurícola com contrato de emprego de longa data. A equiparação feita pela Emenda Constitucional nº 28 entre os empregados urbanos e rurais quanto à prescrição, estendendo aos rurícolas a prescrição quinquenal incidente durante o curso do contrato, acabou por tornar obsoleto o procedimento de jurisdição voluntária criado pelo legislador constituinte ... daí a consequente revogação do artigo 233 pela mesma Emenda. Mas mesmo antes da Emenda Constitucional nº 28, o procedimento do artigo 233 era de uso quase que inexistente por um problema simples: o procedimento já nasceu obsoleto. Como o § 2º do respectivo artigo assegurava o direito do empregado rural de, a qualquer tempo, judicializar a questão dentro de um processo contencioso, a opção pelo procedimento de jurisdição voluntário de revelou pouco atrativo. Qual o incentivo de provocar o Estado e se submeter, dentro de um procedimento de jurisdição administrativa, à demonstração do cumprimento de obrigações trabalhistas se, ao final, não haverá nenhum efeito liberatório decorrente de tal comprovação, (em que pese as letras do §1º) a não ser iniciar um prazo prescricional de cinco anos para o empregador poder propor uma ação para pleitear créditos que entender devidos? Ao permitir ao empregado demandar posteriormente, dentro do prazo de cinco anos, os créditos que entender existir, o legislador constituinte acabou por desestimular o empregador rural. O interesse deste, naturalmente, estaria vinculado à ideia de que, uma vez comprovado o cumprimento das obrigações e obtido uma “chancela” do Estado-Juiz, a respectiva quitação não mais estaria sujeito a discussão. De forma bem objetiva, na visão natural do empregador, o interesse estaria em obter os efeitos de uma coisa julgada material. Como o §2º do artigo ressalvou o direito de ação do empregado rural, o recurso ao procedimento de jurisdição voluntária foi visto como pouco proveitoso e até “atrevido” ou mesmo “perigoso”, pois poderia provocar a reação de um empregado originalmente “dócil”. Não era, ainda, a iniciativa ideal para incentivar uma atuação mais consistente da Justiça do Trabalho no exercício da jurisdição voluntária. Mas a promulgação da Lei nº 13.467 de 2017 parece ter sido um passo em tal direção. Como será abordado na próxima seção. 5. Lei nº 13.467 de 2017 e a Nova Alínea “f” do Artigo 652 da CLT A Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467 de 2017 tem sido alvo de incessantes críticas negativas e positivas das mais diversas ordens. Como o presente artigo envolve uma análise acerca de uma de suas inovações no plano processual, o exame a será desenvolvido da forma mais técnica possível, reconhecendo eventuais defeitos e virtudes dentro de uma perspectiva propriamente institucional. A Lei nº 13.467 de 2017 instituiu um acréscimo importante ao Título X da CLT (DO PROCESSO JUDICIAL DO TRABALHO), apresentando um novo capítulo, o III-A, intitulado DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL, com os artigos 855B a 855-E. O legislador de 2017, destarte, expressamente inseriu por meio da denominada Reforma Trabalhista dispositivo tratando de um processo de jurisdição voluntária, ou seja, de uma fórmula alternativa à jurisdição contenciosa exercida pela Justiça do Trabalho. Foi uma opção do legislador que, apesar desde a tramitação do projeto enfrentar ruídos de oposição por parte daqueles contrários ao uso de caminhos alternativos à jurisdição estatal contenciosa para a solução de conflitos individuais do trabalho, decidiu enfrentar a resistência e insistir nas medidas inovadoras. A chave para o funcionamento adequado de qualquer via alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, na realidade, reside em algo que legislador algum pode impor por mais que formalize a imposição no texto da lei como fez o legislador de 2015 no artigo 5º do Código de Processo Civil: a exigência de um alto padrão ético para todos os envolvidos, desde as partes interessadas (empregado e empregador) e seus respectivos representantes (como os advogados), até o terceiro que intervém na relação com o objetivo de promover um resultado final satisfatória a todos. Estabelece o citado artigo 5º do diploma processual civil: Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. É desconfortável reconhecer que o legislador de um país sentiu a necessidade de expressar na letra da Lei que todos os participantes de um processo judicial, seja de jurisdição contenciosa ou voluntaria, têm o dever de agir de acordo com algo que, em uma nação civilizada, se pressupõe como inato a um cidadão. Ser honesto. Atuar de forma leal. Agir de boa-fé. Elementos que devem sempre nortear o caminho de um indivíduo e de uma coletividade. Se a Constituição da República estabeleceu logo no seu artigo 1º, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, é por meio de um caminho percorrido com ética e boa-fé que o brasileiro conseguirá alcançar esses valores essenciais à sociedade pátria. Sem uma atuação pautada em valores morais intrínsecos a uma vida escorreita, não há como materializar esses objetivos, seja dentro ou fora de um processo judicial. Sem ética, não haverá como promover acesso à justiça, em qualquer uma de suas dimensões. Em havendo uma atuação com alto padrão ético por parte dos envolvidos em qualquer fórmula alternativa à jurisdição contenciosa, não haverá motivo de preocupação com fraudes, com abusos, com ilicitudes. Dentro de tal contexto, a fórmula de acordos extrajudiciais (e sua posterior homologação em um procedimento de jurisdição voluntaria) deve ser sempre bem-vindo como forma de acesso à justiça ... em uma visão de uma “Justiça Multiportas”. (ZANETI JÚNIOR e CABRAL, 2017). É a partir dessa premissa que deve ser pautada a defesa da admissibilidade dessa via alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, consubstanciada em uma fórmula de jurisdição voluntária destinada à homologação de acordo extrajudicial. Deve o magistrado, ao exercer essa nova atribuição, partir do pressuposto da crença na boa-fé das partes. Mas ser absolutamente intolerante com a má-fé. Se existir uma fraude, uma tentativa de sonegar direitos e simular um acordo, deve o magistrado agir com rigor para evitar a concretização do desvio e para sancionar os responsáveis. Ações de tal natureza devem ser combatidas com vigor pela Justiça do Trabalho. E o juiz do trabalho deverá estar atento a tais condutas nocivas, pois, como será examinado adiante, no exercício da jurisdição voluntária dentro da nova fórmula processual, a sua atuação não se resume a ser um equivalente a um mero “certificante”. Agora, a premissa não pode ser no sentido que sempre haverá tal intuito perverso. Presunção de boa-fé, punição à má-fé. Esta deve ser a diretriz. Feitas essas considerações de bases éticas, a análise da nova fórmula faz surgir uma série de constatações de grande interesse processual. Para alguns doutrinadores, o processo de homologação de acordos extrajudiciais representa uma das propostas mais ambiciosas do legislador de 2017. (SILVA, 2017, p. 165). A primeira providência do legislador de 2017, para evitar qualquer problema envolvendo questões de competência, foi inserir a alínea “f” no elenco do artigo 652 da CLT: Art. 652. Compete às Varas do Trabalho: ... f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho. Além de incluir o novo dispositivo, o legislador igualmente promoveu uma mudança no caput do artigo 652, substituindo a expressão “Juntas de Conciliação e Julgamento” pela nomenclatura mais moderna de “Varas do Trabalho”. Mas, mesmo com essa “modernização” de nomenclaturas, persiste uma incoerência técnica no texto do respectivo artigo. Uma Vara do Trabalho não exerce competência jurisdicional. Esta atribuição no primeiro grau é exclusiva do juiz do trabalho. A terminologia adotada pelo legislador, assim, não foi a mais adequada, uma vez que as Varas do Trabalho são unidades judiciárias nas quais atuam os juízes do trabalho, estes sim órgãos da Justiça do Trabalho segundo o artigo 111, inciso III, da Constituição da República, e, assim, como tais, investidos na jurisdição e com competência para processar e julgar ações. É da competência do juiz do trabalho de primeiro grau, assim, proceder à atividade judicante envolvendo a prolação de sentenças homologatórias de transações celebradas extrajudicialmente em questões que se enquadram dentro da competência material da Justiça do Trabalho. O legislador de 2017 atribuiu tal atividade jurisdicional aos órgãos de primeiro grau e não aos tribunais regionais ou ao Tribunal Superior do Trabalho, delimitando o alcance da competência em termos funcionais, em virtude da nova alínea “f” ter por objeto o acordo extrajudicial celebrado em sede das relações individuais de trabalho. Não quis o legislador, assim, incluir dentro de tal âmbito de atuação jurisdicional a homologação de eventual acordo extrajudicial celebrado pelas partes em matéria que, caso judicializada, seria da competência originária dos tribunais. E agiu bem o legislador, seja em virtude de não ser razoável conceber a existência de interesse (e muito menos de necessidade) de submeter à homologação judicial acordos extrajudiciais envolvendo temas típicos de mandado de segurança ou de ação rescisória, seja em face à evidente prescindibilidade de qualquer tutela jurisdicional integrativa de tal natureza diante de instrumentos oriundos de negociação coletiva, já revestidos de sua eficácia própria. Nada impede, entretanto, que o relator de um recurso ordinário no âmbito de um tribunal regional (ou mesmo no Tribunal Superior do Trabalho), interposto contra a sentença do juiz do trabalho no processo de jurisdição voluntária, venha a proceder à homologação do acordo extrajudicial. Mas em assim agindo, estará no exercício de uma competência funcional derivada, em consequência da sua atuação na fase recursal do processo. (CASSAR e BORGES, 2017, p. 141). A expressão “em matéria da competência da Justiça do Trabalho” constante da mencionada alínea “f”, por sua vez, deixa evidente que o respectivo acordo extrajudicial pode envolver questões além dos limites do inciso I do artigo 114 da Constituição da República, anteriormente examinado. Em outras palavras, a respectiva atividade jurisdicional pode ter por objeto da homologação de um acordo extrajudicial envolvendo obrigações relativas a um contrato de empreitada entre um empreiteiro operário ou artífice e seu tomador de serviço, nos moldes permitidos pelo inciso IX do citado artigo 114 em combinação com o artigo 652, alínea “a”, inciso III, da Consolidação das Leis do Trabalho. E mais: pode até envolver outras situações alcançadas pelos demais incisos do artigo 114 da Carta Magna. Como, por exemplo, alguma disputa pertinente ao exercício do direito de greve (inciso II) ou um conflito entre sindicato e trabalhador ou entre sindicato e empregador (inciso III). Desde que o acordo extrajudicial envolva interesses que possam ser objeto de uma transação e cuja matéria se encontra dentro do âmbito dos limites estabelecidos pelos incisos do artigo 114 da Carta Política de 1988, será da competência material dos juízes do trabalho o exercício da respectiva atividade jurisdicional nova introduzida pela Lei nº 13.467 de 2017. Com tal medida, o legislador deixou em clarividência que o juiz do trabalho agora tinha ampliado a sua esfera de atuação para incluir mais essa manifestação de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 347). Algo perfeitamente admissível não apenas considerando as experiências anteriores envolvendo os procedimentos previstos nos artigos 500 da CLT, 1º da Lei nº 5.107, 9º da Lei nº 7.064 de 1982 e 233 do texto primitivo da Constituição de 1988, mas especialmente considerando a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ao texto do artigo 114 da mesma Constituição. Ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, o texto do artigo 114 não deixa dúvidas quanto a admissibilidade de atividade jurisdicional dos juízes do trabalho em sede de jurisdição voluntária, administrando interesses privados numa função de gestão de natureza integrativa própria da jurisdição graciosa. Mas atuação do juiz do trabalho no exercício da jurisdição voluntária peculiar ao procedimento de homologação de acordo extrajudicial vai além de uma função meramente “certificante”. Como será abordada na próxima sessão. 6. Atuação do Juiz do Trabalho no Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial A Lei nº 13.467 de 2017 introduziu um novo capítulo, o Capítulo III-A, ao Título X da CLT, destinado a disciplinar o “PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL”. Interessante a opção terminológica do legislador: “Processo” de jurisdição voluntária. Para aqueles que negam o caráter jurisdicional à jurisdição voluntária, apontando que a mesma se materializa apenas por meio de um procedimento e não por intermédio de um processo jurisdicional, surge um novo argumento a desafiar. Mera falha parlamentar na escolha da nomenclatura, como ocorreu na redação do texto do caput do artigo 652 ao utilizar a expressão “Varas” ao invés de “Juízes”? Talvez ... Mas é evidente que se apresenta como mais atrativo o entendimento de que, no caso particular do título do novo Capítulo III-A, houve um acerto na terminologia e uma conseqüente evolução no texto legal no tratamento dispensado à jurisdição voluntária. Ao menos para os que reconhecem como jurisdicional que todo o complexo de atribuições do magistrado diante de lides e de demandas necessárias mas não contenciosas. Dentro de tal contexto, destarte, acertou o legislador de 2017 ao utilizar a expressão “Processo de Jurisdição Voluntária”, indo além do legislador de 2015, que no Código de Processo Civil preferiu utilizar a expressão “procedimentos de jurisdição voluntária”. Conforme já defendido em seções precedente, a jurisdição graciosa, mesmo sem ter por objeto uma lide, é sim jurisdição do Estado-Juiz. O conflito não é absolutamente essencial à atividade jurisdicional. Não há dúvida de que a jurisdição contenciosa ocupa o posto de principal foco de atenção do Judiciário. Mas a jurisdição não contenciosa e integrativa também representa uma relevante atribuição dos órgãos jurisdicionais. Como exposto em passagens anteriores, assim, a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional exercida pelo juiz. E, deve ser destacado ainda, a “necessidade” dessa nova fórmula alternativa à jurisdição contenciosa nem sempre decorre da vontade espontânea dos sujeitos que celebraram o acordo no âmbito extrajudicial, fato que acentua ainda mais o seu caráter jurisdicional. Em algumas hipóteses, o recurso à jurisdição voluntária pode derivar de uma imposição legal decorrente de situação alheia à vontade dos interessados, conforme já demonstrado na análise da hipótese do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. Pode ocorrer a necessidade de se obter a homologação de um acordo extrajudicial celebrado pelo empregador com os sucessores legais de um empregado falecido, por exemplo, simplesmente para se obter a autorização judicial do levantamento de valores anteriormente depositados em nome do de cujus, uma vez que a simples transação extrajudicial não implicará automaticamente em tal liberação. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441). Há, por conseguinte, um autêntico processo de jurisdição voluntária dentre as novas atribuições da Justiça do Trabalho oriundas da Lei nº 13.467 de 2017. Quanto ao rito processual disciplinado nos novos artigos 855-B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho, a estrutura do modelo é bastante simplificado. O caput do artigo 855-B estabelece apenas as exigências para a instauração do processo, exigindo que a peça vestibular seja uma petição conjunta apresentada e que as partes estejam representadas por advogados, vedando o ius postulandi: Art. 855-B – O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. A imposição legal da representação judicial por meio de profissional devidamente habilitado, evidentemente, decorreu a preocupação do legislador em exigir maior solenidade à fórmula de jurisdição voluntária, com o intuito de prevenir desvios e abusos com a presença de quem a Constituição da República de 1988 elevou ao status de agente indispensável à administração da justiça. E, por mais que venham a surgir críticas no sentido de que tal exigência é insuficiente para assegurar a lealdade dos interessados e que a nova fórmula servirá apenas para legitimar fraudes, a premissa da boa-fé deve prevalecer. Ou seja, deve o juiz partir do pressuposto da crença na boa-fé das partes, mas ser intolerante com a má-fé. Os dois parágrafos do artigo 855-B, por seu turno, estabelecem que cada parte deve constituir seu próprio advogado, sendo proibida a atuação de um mesmo causídico para representar ambas as partes, e que, se o empregado assim optar, poderá ser assistido pelo advogado da entidade sindical da sua categoria: § 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum. § 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. Na disciplina dos respectivos dispositivos, novamente se torna visível uma certa cautela do legislador, que impôs a presença de advogados distintos para as partes e vedou a representação de ambos por um advogado comum, como forma de garantir a higidez das manifestações de vontade dos interessados e assegurar, caso venha a surgir diferenças, maior independência na defesa dos interesses de cada um dos sujeitos. Apesar do legislador não especificar qualquer proibição explícita, o bom senso e o alto padrão ético desejável recomendam averiguar em cada caso se existe ou não alguma forma de sociedade ou parceria eventual entre os causídicos, para evitar simulações e fraudes. Quanto aos requisitos intrínsecos e extrínsecos dessa petição conjunta, o legislador de 2017 nada esclareceu no texto do novo capítulo. Como conseqüência lógica, a disciplina de tais exigências de regularidade devem ser os mesmos previstos para uma petição inicial trabalhista típica. Devem acompanhar a respectiva peça vestibular do processo, por conseguinte, os documentos necessários à propositura da ação, bem como os instrumentos de mandato outorgando poderes aos respectivos advogados. O conteúdo da petição, por seu turno, deve conter os elementos exigidos pela nova redação do artigo 840, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive com a identificação dos valores de cada pedido envolvendo prestação pecuniária. A exigência de tal quantificação é natural. Se no acordo se almeja obter a quitação de dívidas, as respectivas obrigações devem ser identificadas e os valores das prestações expressamente indicados. O artigo 855-C, por sua vez, apenas deixou claro que o processo de homologação de acordo extrajudicial em nada afeta os prazos do §6º e a multa do §8º do artigo 477 da CLT: O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6 o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação. O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial, deve ser enfatizado, não serve apenas para composições envolvendo empregados cujos contratos foram encerrados. Mas se o caso for este, a disciplina do artigo 855-C certamente estimulará o empregador a proceder, simultaneamente, com a homologação do termo de resilição contratual ou, ao menos, proceder ao depósito do valor dos títulos decorrentes da terminação contratual como forma de evitar a incidência da sanção pecuniária prevista no §8º do artigo 477. (SILVA, 2017, p. 167). É artigo 855-D, no entanto, que apresenta a essência do rito especial do processo de homologação de acordo extrajudicial: No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. O procedimento, de simplicidade aparente mas que pode se desenvolver com alguma complexidade dependendo das peculiaridades do caso, estabelece o seguinte protocolo a ser cumprido dentro do prazo (exíguo) de apenas 15 dias: 1) Distribuída a petição, que deverá conter no seu corpo ou em anexo o instrumento do acordo cuja homologação é pretendida, o magistrado exerce um juízo de admissibilidade sobre a ação e, sendo admitida, em seguida procede a um exame acerca do teor do pacto extrajudicial; 2) analisado o instrumento, o magistrado passa a ter três opções: a) pode proferir sentença indeferindo o pedido de homologação, caso que entenda que haja motivo para a rejeição, devendo fundamentar de modo claro e preciso a sua decisão; b) pode proferir sentença homologando o acordo, caso entenda que todos os requisitos de validade do negócio jurídico foram atendidos; e c) pode designar audiência de justificação e eventual instrução, caso entenda necessária diligências de tal natureza para melhor esclarecer a matéria objeto do acordo, e, em seguida, proferir uma sentença nos moldes de uma das letras anteriores. Rito processual em princípio simples, complexo, dependendo do caso. mas que pode se tornar Apenas 15 dias para cumprir todas as etapas? Na prática será muito, muito difícil atender à postura otimista do legislador quando à celeridade do protocolo judicial. Durante o curso do processo de jurisdição voluntária, o juiz do trabalho deve sempre proceder com cautela, ponderação e dinamicidade. Cautela para prevenir qualquer tentativa de fraude. Deve o magistrado examinar cuidadosamente a petição conjunta e, se entender adequado, convocar os interessados para uma audiência para prestar esclarecimentos. Incumbe ao juiz fiscalizar a regularidade da peça vestibular e do próprio acordo, com o objetivo de não deixar passar incólume qualquer defeito ou vício de vontade. Ponderação no sentido de atuar com o objetivo de, com sensibilidade e dentro de limites de razoabilidade, conduzir os interessados na missão de alcançar a finalidade proposta pelo legislador e permitir a homologação de um acordo celebrado extrajudicialmente. Sem exageros formalistas e com bom senso. E dinamicidade no sentido de agir de forma pró-ativa, inclusive em cooperação com os interessados, de modo a suprir eventual empecilho que esteja impedindo o prosseguimento do processo, seja o obstáculo um simples defeito sanável na petição conjunto, seja o problema a necessidade de readequar os termos do acordo a limites legais. O magistrado deve auxiliar os interessados para que o objetivo comum dos mesmos seja alcançado. A atuação do juiz no processo de jurisdição voluntária, assim, não é de natureza meramente certificante. Há uma atuação ativa do magistrado tanto no exame do objeto do processo (o acordo judicial), para aferir a presença e validade dos elementos constitutivos e a ausência de defeitos aptos a comprometer a validade do respectivo negócio jurídico, como também para ajudar as partes a proceder ao desenvolvimento regular da respectiva relação processual de modo a viabilizar a entrega da prestação jurisdicional almejado por ambos os interessados. O receio daqueles que visualizam essa nova fórmula de jurisdição voluntária como uma via expressa para a fraude, assim, deve ser superado pela constatação do papel que o juiz do trabalho exercerá durante toda a tramitação da respectiva demanda necessária, executando simultaneamente atos de fiscalização e de integração, como é próprio de uma função jurisdicional tão relevante. Em obra sobre a Lei nº 13.467 de 2017, os autores Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto enfatizam exatamente a importância de tal papel do juiz do trabalho: Seja sobre o objeto, seja sobre a forma e seja sobre os sujeitos envolvidos, cabe ao juiz, independentemente de qualquer provocação, avaliar a juricidade e eticidade do pedido que lhe é dirigido. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441). ... Efetivamente, o juiz do trabalho não estará obrigado a homologar o acordo extrajudicial a ele submetido (CLT, art. 855-E, parágrafo único). Cumprirá verificar as circunstâncias do negócio jurídico entabulado e, em especial, ter certeza da ausência de qualquer vício de vontade na manifestação dos transatores – em especial da pessoa mais frágil naquele instante. Afinal, se a fragilidade é um dado sociológico inerente à generalidade dos empregados, ela estará sensivelmente agravada no momento imediatamente à dispensa, pois a incerteza do futuro, o medo do ócio involuntário e as necessidades materiais prementes podem formar um campo fértil para a prática de abusos patronais, com ofertas de quitação rescisória que sejam ruinosas para o trabalhador. A presença do estado de perigo, da lesão, da coação ou até mesmo da simulação (viabilizada por qualquer dos vícios anteriores) deve ser afastada no exame do pedido de homologação.(SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 448). Incumbirá ao juiz do trabalho, em cada caso, exercer as múltiplas atribuições desse novo papel no âmbito da jurisdição voluntária. Se entender que há algum vício formal ou material insuperável, deverá indeferir o pedido de homologação, proferindo uma sentença de improcedência e, se evidenciado nos autos, aplicar as sanções próprias da litigância de má-fé agora constantes da legislação processual trabalhista, em face à inserção na Consolidação das Leis do Trabalho dos artigos 793-A, 793-B e 793-C pela Lei nº 13.467 de 2017. Será possível homologar apenas parte do acordo? Em princípio sim ... mas dentro de determinados parâmetros de razoabilidade. O magistrado pode, assim, não homologar uma parte do acordo que envolva alguma ilicitude (uma cláusula dispensando o empregador de anotar a CTPS do empregado, por exemplo) ou que dar quitação de um contrato de dez anos de vigência mediante o pagamento de uma quantia evidentemente desproporcional ... mas não será razoável, por outro lado, o juiz homologar apenas as cláusulas do acordo que favorecem uma das partes e negar a homologação das cláusulas que favorecem a outra, quando é óbvio que as partes fizeram concessões recíprocas para chegar a um denominador comum ... Na medida do possível deve o juiz do trabalho buscar o diálogo com e entre as partes para promover um acerto dentro dos limites da licitude que permitirá a obtenção da desejada homologação judicial. De qualquer modo, o magistrado deverá sempre fundamentar a sentença, expondo os motivos que o levaram a deferir ou indeferir o pedido de homologação, inclusive observando as exigências do §1º o artigo 489 do CPC de 2015. E, caso haja indeferimento total ou parcial do pedido de homologação, caberá recurso ordinário de tal decisão, a ser interposto por qualquer das partes interessadas. Em ocorrendo a homologação do acordo conforme postulado na petição que deu início ao processo de jurisdição voluntária, somente caberá recurso em uma única hipótese: apelo do Instituto Nacional de Seguridade Social, à semelhança do previsto no artigo 831, parágrafo único da CLT, para o termo de conciliação judicial, uma vez que a autarquia previdenciária poderá constatar, após ser devidamente intimada da sentença homologatória da quitação de créditos de natureza indenizatória, a existência de irregularidades envolvendo recolhimentos previdenciários. O último artigo do Capítulo III-A, por fim, se limita a tratar dos efeitos do processo de homologação de acordo extrajudicial sobre a prescrição, estabelecendo eu haverá a suspensão do prazo prescricional quanto aos direitos discriminados no negócio jurídico, retornando o seu fluxo normal no dia útil subsequente ao do trânsito em julgado da sentença que negou a pretensão homologatória. Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo. O parágrafo único igualmente destaca, merece ser destacado, que após o exaurimento do prazo recursal haverá o trânsito em julgado da sentença. O efeito da res iudicata certamente será almejado por ambos os interessados na homologação, uma vez que estabelece a imutabilidade da decisão homologatória, que então somente poderá ser desconstituída em outro processo judicial, agora de jurisdição contenciosa. E a via processual adequada será uma ação anulatória ou uma ação rescisória? Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto (SOUZA et al, 2017, p. 450), defendem que o artigo 966, §4º, do Código de Processo Civil de 2015 teria superado o entendimento sedimentado na Súmula nº 259 do Tribunal Superior do Trabalho, e, assim, defendem que a ação anulatória seria o instrumento a utilizar para impugnar uma sentença homologatória do acordo extrajudicial. Entretanto, os mesmos autores defendem que será a ação rescisória o remédio processual a ser utilizado para hostilizar sentença que tenha indeferido o pedido de homologação. O caminho mais em sintonia com as peculiaridades, antigas e novas, do modelo processual trabalhista, entretanto, conduzem à ideia de que a ação rescisória se revela mais adequada para postular a invalidação da sentença proferida em sede de processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Já no segundo ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, o Tribunal Superior do Trabalho ainda mantém intacto texto da sua Súmula 259, que consagra a ação rescisória como o meio de impugnação do termo de conciliação judicial, ressalvada a hipótese de recurso ordinário interposto pela Fazenda Pública quanto a questões previdenciárias. O texto do parágrafo único do artigo 855-E, por sua vez, ao enfatizar que ocorre o “trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo”, deixa em clarividência a existência da espécie de coisa julgada material típica da pretensão rescindenda da ação rescisória. E admitir duas vias distintas para a impugnação da sentença, dependendo do deferimento ou não do pedido de homologação, seria seguir por um caminho processual tortuoso e confuso para as partes ... e isso sem considerar que, em tese, na hipótese de uma possível uma sentença que deferisse em parte o pedido de homologação, um capítulo seria impugnável pela via da rescisória e outro capítulo teria que ser hostilizado por meio de uma ação anulatória. Mas simples e adequado ao modelo processual do trabalho, assim, concentrar na via ação rescisória o caminho para impugnar a sentença oriunda do processo de jurisdição voluntária envolvendo a homologação de acordo extrajudicial, seja qual for o teor do respectivo julgado. Ao menos no atual estágio de evolução do processo trabalhista. O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial é, indiscutivelmente, uma fórmula inovadora diante de grandes expectativas. Como o respectivo processo permite a obtenção dos efeitos da coisa julgada mediante a homologação por sentença do acordo, haverá um natural estímulo àqueles que não desejam passar pelo tormento de um processo contencioso mais longo. Mas funcionará? Haverá harmonia entre juízes e interessados em obter a chancela judicial? Serão parceiros ou adversários? Dependerá de dois fatores subjetivos de grande relevância ... Um alto padrão ético das partes interessadas (e de seus respectivos advogados), que assim podem se tornar importantes aliados dos juízes do trabalho. E a receptividade destes últimos à respectiva via alternativa à jurisdição contenciosa. Se os magistrados trabalhistas compreenderem o seu papel definidor na reconquista da legitimidade de sua atuação perante toda a sociedade, hoje abalada pela incapacidade de enfrentar um volume colossal de demandas litigiosas ... aí sim a Justiça do Trabalho estará fortalecida para enfrentar qualquer ameaça ... e com a resiliência capaz de superar qualquer adversidade. 7. Conclusões O legislador de 2017, por meio da Lei nº 13.467 de 2017, introduziu no modelo processual do trabalhista uma nova fórmula jurisdicional não contenciosa, por meio do processo de jurisdição voluntária para homologação de acordos extrajudiciais. Incluindo tal atribuição dentro da competência dos órgãos de primeiro grau da Justiça do Trabalho mediante a inclusão da nova alínea “f” do artigo 652 da Consolidação das Leis do Trabalho, e disciplinando o respectivo rito processual nos novos artigos 855-B a 855-E do mesmo diploma, a chamada Lei da Reforma Trabalhista ampliou a dimensão da atuação jurisdicional dos juízes do trabalho. Essas inovações legislativas trazidas pela Lei 13.467 de 2017 podem contribuir para o fortalecimento do Judiciário Trabalhista. É inegável a existência de uma forte resistência às vias alternativas à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, como o processo judicial para homologação de acordos extrajudiciais. Para o funcionamento adequado da nova fórmula alternativa, o mais importante é a exigência de um alto padrão ético por parte de todos os sujeitos participantes dessa técnica. A introdução do processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial certamente dará um impulso à mediação de conflitos individuais trabalhistas. E com uma vantagem sobre a disciplina envolvendo outras vias alternativas como a arbitragem privada: ao condicionar a formação da coisa julgada material à homologação pelo juiz do trabalho, instituiu um mecanismo de controle sobre o negócio jurídico e seus sujeitos. Com um procedimento em princípio bastante simples, o procedimento de homologação é iniciado com a exigência de instauração por uma petição conjunta, mas a representação judicial de cada parte terá que ser por advogado próprio. Em seguida, são desenvolvidas uma fase de admissibilidade da pretensão e outra de análise do acordo com a possibilidade de ser designada sessão de audiência para fins de esclarecimentos de eventuais dúvidas do magistrado, finalizando com uma etapa decisória na qual o juiz sentenciará definindo se homologará ou não o acordo, com o dever de fundamentar adequadamente essa decisão. A sentença, por fim, poderá ser desafiada por meio de recurso ordinário por qualquer das partes se não ocorrer a homologação ou se esta for parcial, e, excepcionalmente, poderá ser hostilizada pelo INSS em caso afeto às contribuições previdenciárias. Uma vez transitada em julgada, a sentença formará a coisa julgada almejada pelas partes como forma de garantia de segurança jurídica quanto aos termos do acordo homologado, sendo desafiada apenas por meio de ação rescisória. Nova técnica, novo procedimento. E talvez uma realidade diferente para a Justiça do Trabalho na sua árdua missão de solucionar um número verdadeiramente impressionante de conflitos trabalhistas. Como será a solução de conflitos individuais trabalhistas com essas inovações trazidas pela Lei 13.467 de 2017? Difícil afirmar com precisão ... mas uma certeza existe: o sucesso dessa fórmula alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho está diretamente vinculada ao grau de consciência que os protagonistas terão de seus respectivos papéis nesse quadro institucional contemporâneo. O juiz do trabalho, acima de tudo, terá que ser perspicaz e astuto, compreendendo o momento delicado pelo qual passa a Justiça do Trabalho em virtude da ameaça à sua legitimidade institucional diante da sociedade. Compreender o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordos extrajudiciais como uma fórmula que pode efetivamente auxiliar o Judiciário Trabalhista na sua missão de solucionar conflitos trabalhistas, sempre dentro da linha de um alto padrão ético e da atuação em boa-fé, representará um ganho e não uma perda para todos que compõem a Justiça do Trabalho. São esses os caminhos a seguir. 8. Referências BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1996. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2017. CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e Competência. 8ª edição. São Paulo: Saraiva CASSAR, Vólia Bomfim e BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Método, 2017. CHIOVENDA, Giussepe. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. 1ª edição (tradução do original italiano). Campinas: Bookseller, 1998. DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. 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