Competência Material da Justiça do Trabalho e a Lei nº 13.467 de 2017:
dimensões da jurisdição voluntária diante das novas atribuições do juiz
do trabalho no processo de homologação de acordo extrajudicial
Sergio Torres Teixeira
Desembargador do TRT6. Doutor em Direito.
Professor Adjunto da FDR/UFPE e da UNICAP.
Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.
Trabalho realizado em homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen,
cuja atuação profissional na magistratura e na academia, ao lado de sua
destacada atuação em defesa da Justiça do Trabalho, sempre serviram de
inspiração ao autor.
Há um notório descompasso entre os dissídios que o Direito do
Trabalho engendra, mesmo que indiretamente, e as atribuições jurisdicionais
conferidos à Justiça do Trabalho, o juízo natural dos conflitos trabalhistas.
(DALAZEN, 1994, p. 247).
Sumário: 1. Atividade Jurisdicional e Jurisdição Voluntária; 2. Jurisdição
Voluntária no Código de Processo Civil de 2015; 3. Limites da Competência
Material da Justiça do Trabalho e sua Evolução Histórica; 4. Jurisdição
Voluntária no Âmbito da Justiça do Trabalho; 5. Lei nº 13.467 de 2017 e a Nova
Alínea “f” do Artigo 652 da CLT; 6. Atuação do Juiz do Trabalho no Processo
de Homologação de Acordo Extrajudicial; 7. Conclusões; 8. Referências.
1. Atividade Jurisdicional e Jurisdição Voluntária
Jurisdição. Iuris dictio. Dizer ou declarar o direito.
A origem etimológica da sua nomenclatura traduz uma ideia de
definição diante de uma situação primitivamente indefinida, incerta, sugerindo a
prévia existência de alguma espécie de conflito.
A contenciosidade, contudo, não é uma característica imprescindível à
jurisdição.
O conceito de jurisdição consagrado na obra de Giuseppe Chiovenda,
ao enaltecer a sua posição de função estatal, não apresenta o elemento lide
como essencial à sua constituição, mas deixa claro o caráter substitutivo da
respectiva atividade:
Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade
concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos
públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já
no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la,
praticamente, efetiva. (CHIOVENDA, 1998, p. 8).
Por meio da jurisdição, destarte, o Estado-Juiz substitui aqueles que,
originalmente, integram a respectiva relação material da qual surgiu o interesse
para a provocação da intervenção estatal, com a consequente substituição da
atividade particular entre os mesmos por uma atividade pública desenvolvida
pelo Estado.
Dentro desse contexto, conforme ressalta Alexandre Freitas Câmara, a
presença do conflito não é indispensável à atuação jurisdicional:
Para buscar definir jurisdição, é preciso, em primeiro lugar, dizer o
que ela não é. A jurisdição não é uma função estatal de composição
de lides. Em primeiro lugar, porque nem sempre existe uma lide
(assim entendido o conflito de interesses qualificado por uma
pretensão resistida) para compor. A lide não é elemento essencial à
jurisdição, mas um elemento que lhe é meramente acidental. Em
outras palavras, até pode haver uma lide subjacente ao processo,
mas não é essencial que isto ocorra. É que existem casos de
jurisdição sem lide, como se dá, por exemplo, quando é proposta uma
´demanda necessária´ (assim entendida aquela demanda que se
propõe nos casos em que o direito só pode ser efetivado através do
processo jurisdicional, como, por exemplo, no caso de anulação de
casamento, em que o resultado só pode ser obtido através de um
processo jurisdicional, mesmo que não exista uma lide entre os
interessados. (CÂMARA, 2017, p. 32).
A atividade jurisdicional do Estado-Juiz,
materializada por meio de dois caminhos distintos.
portanto,
pode
ser
Por uma das vias, ocorre a imposição de solução a um conflito de
interesses submetido ao exame do Judiciário.
Por outro itinerário, a jurisdição é concretizada mediante a atuação do
juiz dentro de uma relação que não alberga uma lide, quando então passa a
executar uma atividade de gestão com nítida feição administrativa.
Nesse sentido, a doutrina processual costuma classificar a jurisdição,
quanto à sua finalidade, em duas categorias, a jurisdição contenciosa e a
jurisdição voluntária (também conhecida como jurisdição graciosa, jurisdição
administrativa ou jurisdição integrativa).
Na primeira modalidade, como evidencia a respectiva nomenclatura
(contenciosa deriva da expressão “contender”, no sentido de disputar ou litigar),
se pressupõe uma contenda a ser solucionada, ou seja, uma lide que lhe serve
de objeto, buscando uma resolução a ser decretada pelo Estado-Juiz de forma
a pôr fim à disputa. A jurisdição contenciosa, portanto, almeja impor (e não
compor, uma vez que a composição naturalmente exige a participação imediata
das partes) uma definição a uma relação litigiosa, materializando uma solução
por meio de uma decisão diante de um conflito de interesses. (BERMUDES,
1996, p. 21).
Na segunda espécie, ocorre o exercício de atribuições de gestão
pública, sem a premissa de um conflito a solucionar. O magistrado, em vez de
atuar diante de uma relação conflituosa com a missão de resolver a lide,
cumpre uma missão de administrador ou gestor de interesses privados aos
quais o legislador impõe essa tutela especial do Judiciário, quando então o juiz
passa a operar dentro dos limites do respectivo caso como um verdadeiro tutor
na administração de interesses particulares, cumprindo uma função
simultaneamente de fiscalização/vigilância e de integração/constituição.
O juiz, no exercício da jurisdição voluntária, pratica
subjetivamente judiciais, mas substancialmente administrativos.
atos
...
Qual o motivo que levou o legislador a confiar, em hipóteses cada vez
mais numerosas, a administração de interesses privados ao Poder
Judiciário? Por que não os confiou, como seria teoricamente mais
adequado, a órgãos do próprio Poder Executivo? As razões são
muitas. E uma parte, a tradição histórica, dos tempos em que se não
reconhecia a separação dos Poderes, e as atividades jurisdicionais e
administrativas não eram devidamente discriminadas; de outra parte,
a conveniência em confiar certos atos, de intervenção nos negócios e
situações dos particulares, a pessoas dotadas de imparcialidade, e
experientes na aplicação do direito.
A intervenção do Judiciário, aliás, é também fator valioso para
reforçar a ´prevenção´ de eventuais futuras lides, que poderiam com
mais facilidade surgir se a intervenção fosse realizada por agentes de
outro Poder. (CARNEIRO, 1997, p. 34).
A jurisdição voluntária, por conseguinte, se destina à administração
pública de interesses privados socialmente relevantes, cuja gestão a Lei atribui
ao magistrado por razões históricas, como também em virtude do interesse do
Estado em submeter esses interesses particulares ao controle de agentes
públicos capacitados a exercer uma tutela gerencial preventiva, de modo a
evitar abusos, desvios e arbitrariedades exatamente em virtude da importância
de tais interesses.
Não há lide, e, tampouco, partes litigantes. Existe, isso, sim, um
interesse privado (objeto de ato ou negócio jurídico) envolvendo sujeitos
interessados.
Tais características levam alguns doutrinadores a criticar a
denominação “jurisdição voluntária”, sustentando que a respectiva atividade
não seria “jurisdição” e, muito menos, “voluntária”. (THEODORO JÚNIOR,
2017, p. 119; DIDIER JÚNIOR, 2015, p.186).
Segundo essa linha de pensamento, por corresponder a uma atividade
que não se destina a solucionar um conflito mas sim administrar interesses
privados, não poderia ser chamada de “jurisdição”. E por ser obrigatória a
submissão a essa gestão estatal para se obter os efeitos jurídicos almejados
de acordo com a Lei, não seria adequado denominar a mesma de “voluntária”.
Os atos praticados no exercício da jurisdição voluntária são atos
judiciais, porque praticados por juízes; mas não são atos
jurisdicionais, pois ao praticá-los, o juiz não está aplicando o direito
com vista a eliminar um conflitos de interesses, mas sim com o
propósito de influir em um negócio privado ou em uma situação
jurídica. (CARNEIRO, 1997, p. 34).
As críticas são compreensíveis dentro de uma visão formal acerca da
função tradicional do Judiciário, quanto à sua atividade principal de julgar
demandas. Mas apenas dentro de tal contexto, enquanto restrito a uma
concepção “clássica”. (GRECO, 2003, p. 23).
Conforme acima destacado, a ideia de que a solução de lides é
absolutamente essencial à jurisdição, no sentido de que não há jurisdição sem
lide, é uma tese ultrapassada.
Jurisdição é a função do Judiciário se, quando devidamente provocado,
este declarar o direito aplicável ao caso concreto submetido à sua apreciação
... e tal atividade jurisdicional ocorre tanto diante de uma lide, como na
jurisdição contenciosa, como em face a uma situação envolvendo interesses
privados que, necessariamente, precisam ser tutelados pelo Estado mediante
uma atividade administrativa/integrativa prevista em Lei como imprescindível à
válida constituição de um ato, providência ou negócio jurídico. Tanto uma como
outra se revela necessária à obtenção aos efeitos previstos pela legislação
aplicada, no melhor sentido do devido processo legal.
A jurisdição voluntária assim, é tipificada pelo legislador como atividade
própria do Poder Judiciário, sendo abrangida pela sua função jurisdicional em
uma esfera que vai além daquela própria da sua atividade natural de
processamento e julgamento de processos litigiosos.
Ao magistrado incumbe exercer dentro de sua função jurisdicional,
além de atos típicos de resolução de conflitos, outras atribuições como aquelas
de índole administrativa que integram a gestão pública de interesses
particulares materializada na jurisdição voluntária. Hodiernamente, não faz
sentido a distinção que no passado se buscava estabelecer para excluir a
natureza jurisdicional da atividade do juiz no âmbito das suas atribuições nãocontenciosas, como aquelas próprias das demandas necessárias anteriormente
apontadas. (CÂMARA, 2017, p. 32).
O adjetivo “voluntária”, por sua vez, não é utilizada pelo legislador no
sentido de consagrar como uma “faculdade” do interessado a submissão do
interesse privado à tutela jurisdicional administrativa do Estado. A submissão a
essa gestão pública pelo magistrado é necessária e exigida para se obter os
efeitos legalmente previstos e almejados pelos interessados. Nesse contexto, a
jurisdição voluntária é tão necessária e inevitável que a jurisdição contenciosa.
A submissão dos interessados a essa função gestora e integradora do
magistrado, pois, corresponde a um requisito de validade dos negócios
jurídicos decorrentes.
A respectiva expressão foi adotada pelo legislador (ao qual a doutrina
proporciona os adjetivos alternativos de “graciosa”, “administrativa” e
“integrativa”) apenas em virtude de inexistir uma lide a ser solucionada mas
apenas um interesse privado a ser administrado pela autoridade judiciária. A
expressão “voluntária” foi contraposta à expressão “contenciosa” ... não foi
colocada como contraponto à expressão “obrigatória”.
Compreendida a jurisdição voluntária dentro dessas diretrizes quanto à
sua nomenclatura e sua natureza de atividade jurisdicional, incumbe agora
proceder a uma breve exposição da sua disciplina legal no principal diploma
processual pátrio, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), que
serve como a mais relevante fonte subsidiária e supletiva do modelo
processual trabalhista.
E tal será análise será objeto da próxima seção.
2. Jurisdição Voluntária no Código de Processo Civil de 2015
O Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105 de 2015), de grande
relevância para a Justiça do Trabalho considerando as lacunas na legislação
processual trabalhista e o recurso ao processo comum como fonte subsidiária e
supletiva ao processo do trabalho (artigos 769 da Consolidação das Leis do
Trabalho e 15 do próprio diploma processual civil), introduziu uma série de
inovações no modelo processual brasileiro, tanto no âmbito institucional, como
na esfera estrutural do próprio sistema. Mesmo o corpo do diploma apresentou
uma nova organização, com uma Parte Geral composta de seis Livros e uma
Parte Especial constituída por outros quatro Livros.
O Capítulo XV do Título III do Livro I da Parte Especial do respectivo
álbum processual, por meio dos artigos 719 a 770, contém os dispositivos que
regulam os procedimentos especiais de jurisdição voluntária no âmbito do
processo civil. Intitulado “DOS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO
VOLUNTÁRIA”, o respectivo capítulo congrega as regras processuais que
disciplinam a atividade dos juízes em sede de jurisdição voluntária, fixando as
diretrizes para a atuação do magistrado na gestão de interesses privados aos
quais o legislador impôs a administração pelo Estado-Juiz como forma de
fiscalizar atos e negócios particulares relevantes e assim os prevenir de
desvios.
Após estabelecer as disposições gerais acerca da jurisdição voluntária
na Seção I (artigos 719 e 725), o capítulo elenca outras onze seções
envolvendo procedimentos especiais de institutos legalmente submetidos à
tutela administrativa do Estado-Juiz, dentre os quais a notificação e
interpelação (artigos 726 a 729), o divórcio e a separação consensuais (artigos
731 a 734), os testamentos e codicilos (artigos 732 a 737), a interdição (artigos
747 a 758) e a tutela e a curatela (artigos 759 a 763).
O artigo 724 do Código de Processo Civil, por seu turno, estabelece
que mesmo não estando sujeito a ritos processuais peculiares como aqueles
afetos aos institutos relacionados nominalmente nas seções II a XII do
respectivo Capítulo XV, devem ser processados por meio do procedimento
especial “padrão” disciplinado na seção especial pedidos como a emancipação,
a alienação de bem de incapaz, a expedição de alvará judicial e o objeto do
inciso XIII do citado artigo:
Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o
pedido de:
VIII - homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer
natureza ou valor.
Como a atividade de jurisdição voluntária envolvendo a homologação
de autocomposição extrajudicial corresponde a temática intrinsecamente ligada
ao objeto do presente trabalho, a temática será revisitada mais adiante, em
outra seção. Importante anotar, apenas, que a jurisdição voluntária que tem por
objeto tal providência judicial se sujeita às normas do procedimento especial
“padrão” previstas na Seção I do Capítulo XV, que agora será alvo de uma
análise descritiva.
Na mencionada Seção I, ao disciplinar as disposições gerais, o
legislador de 2015 destaca no artigo 720 que a provocação do Estado-Juiz
para exercer a jurisdição voluntária dentro de um desses procedimentos deve
ser materializada por meio de uma fórmula simples de manifestação do direito
de ação. Segundo o respectivo dispositivo, incumbe ao interessado (ou ao
Ministério Público ou à Defensoria Pública) apresentar um pedido de tutela
jurisdicional voluntária, com a definição da espécie de providência judicial que
se almeja obter por meio da jurisdição administrativa, instruído com os
documentos indispensáveis à demonstração da respectiva causa de pedir:
Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interessado,
do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes
formular o pedido devidamente instruído com os documentos
necessários e com a indicação da providência judicial.
Os dois artigos subsequentes se dedicam a assegurar a plena
transparência do procedimento de jurisdição voluntária, estabelecendo a
exigência de promover a citação de todos os interessados, inclusive e
especialmente a Fazenda Pública se for o caso, para que tenham ciência do
desenvolvimento da respectiva atividade e, querendo, se pronunciem acerca da
questão dentro de um prazo específico (de 15 dias para os interessados
“comuns”; de 30 dias para a Fazenda Pública e outros interessados com
prerrogativa processual semelhante).
Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o
Ministério Público, nos casos do art. 178, para que se manifestem,
querendo, no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que
tiver interesse.
É importante destacar que a imposição da citação dos interessados
não corresponde a uma manifestação típica da garantia constitucional do
contraditório, assegurado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.
Na realidade, como não há litigantes mas sim “interessados”, não há a
materialização do contraditório típico da jurisdição contenciosa, na qual se
assegura aos adversários o direito de ciência acerca dos atos processuais
praticados para permitir aos mesmos o exercício do direito à ampla defesa
consagrado no mesmo dispositivo constitucional. A preocupação do legislador,
manifestada nos artigos 721 e 723, se harmoniza com o ideal de proporcionar
ampla transparência ao procedimento de modo a permitir a todos os
interessados possam contribuir para o adequado desenvolvimento da
respectiva atividade jurisdicional.
O caput do artigo 723 do Código de Processo Civil, por seu turno,
estabelece um prazo para o magistrado proceder à sentença por meio da qual
será concedida (ou não) a providência jurisdicional pretendida pelo interessado
que provocou o Estado-Juiz. Não há menção a qualquer produção probatória
mas é evidente que, em entendendo necessária a produção de provas para
melhor firmar a sua convicção, o magistrado poderá proceder a um incidente
cognitiva envolvendo a apresentação de provas de toda natureza (depoimentos
dos interessados, oitiva de testemunhas, exibição de documentos, realização
de perícias, etc.), seguindo as diretrizes gerais da fase probatória prevista para
o procedimento comum do processo civil.
O prazo de dez dias, previsto pelo legislador, assim, naturalmente terá
o seu começo condicionado à necessidade ou não de produção de provas,
devendo ser iniciado o prazo apenas após a conclusão de eventual incidente
instrutório, se for o caso.
Questão de grande relevância se encontra exposto no parágrafo único
do citado artigo 723, que estipula a admissibilidade do julgamento por equidade
do magistrado. Segundo as suas linhas, o juiz não está vinculado aos estritos
limites da legislação quando da definição do acolhimento ou rejeição do pedido
de tutela jurisdicional voluntária.
Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de
legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que
considerar mais conveniente ou oportuna.
Diante de tal autorização legal, o juiz dispõe de maior liberdade ao
apreciar a pretensão do requerente da providência de jurisdição voluntária, sem
estar adstrito aos limites típicos do texto legal acerca da matéria. Tal forma de
julgamento por equidade, entretanto, não torna o magistrado um “déspota” ou
“tirano” processual, pois em que pese o maior campo de liberdade para firmar a
sua convicção, o juiz ainda assim se encontra sujeito à imposição de sua
imparcialidade e à sua submissão às demais exigências naturais do seu ofício
como órgão judicante (notadamente, a atuação de boa-fé e o uso do simples
“bom senso”). A hipótese do parágrafo único do artigo 723 do diploma
processual civil, de qualquer modo, constitui uma exceção à regra da vedação
do julgamento por equidade consagrado no parágrafo único do artigo 140 do
mesmo álbum processual.
O pronunciamento do juiz, pelo qual ocorrerá o acolhimento ou a
rejeição da pretensão à providência judicial pleiteada, constitui verdadeira
sentença judicial, e, como consequência, ser revela recorrível, conforme
exposto no artigo 724 do Código de Processo Civil:
Art. 724. Da sentença caberá apelação.
Nada mais natural, pois se trata de uma decisão judicial que resulta na
entrega de uma prestação jurisdicional, encerrando uma fase cognitiva própria
de um procedimento judicial tipificado pelo legislador.
E cabe ação rescisória de uma sentença proferida em procedimento de
jurisdição voluntária?
O tema é polêmico, tanto no âmbito dos tribunais como na doutrina. Os
que defendem o descabimento da ação rescisória como meio de
desconstituição de sentença proferida em sede de procedimento de jurisdição
voluntária, usualmente levantam como principal argumento a tese de que a
jurisdição voluntária não produz a coisa julgada material, podendo a sentença
ser modificada posteriormente pelo juiz em caso de circunstâncias
supervenientes mesmo após exaurido o prazo recursal. Como, por exemplo, no
caso de uma simples petição informado o restabelecimento da vida em comum
de um casal que, em um procedimento de jurisdição voluntário, anteriormente
obteve sentença homologatória do pedido de separação, nos moldes previsto
no artigo 46 da Lei 6.515 de 1977:
Art 46. Seja qual for a causa da separação judicial, e o modo
como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a
todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos sem que fora
constituída, contanto que o façam mediante requerimento nos
autos da ação de separação.
Em outras palavras, como não ocorre no âmbito da jurisdição voluntária
a qualidade de imutabilidade que caracteriza a sentença de mérito proferida no
âmbito da jurisdição contenciosa, tal decisão não seria rescindível.
Ao defender a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, entretanto,
Fredie Didier Júnior deixa clara a admissibilidade da ação rescisória para
hostilizar a sentença oriunda de procedimento (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 193 a
194).
E tal entendimento tem especial relevo em casos de procedimentos de
jurisdição voluntária que envolvem típica atividade negocial.
Em obra anterior à vigência do Código de Processo Civil, Athos
Gusmão Carneiro expôs uma divisão dos procedimentos de jurisdição
voluntária em três modalidades: 1) “intervenção estatal na formação de sujeitos
jurídicos”, cujo exemplo típico é o registro do estatuto de um partido político
perante o Tribunal Superior Eleitoral; 2) “intervenção do Judiciário na
integração da capacidade jurídica das pessoas e no status quo das pessoas”,
como nos casos de divórcio consensual, adoção, habilitação para casamento e
interdição; e 3) “intervenção do Judiciário em negócios jurídicos”. (CARNEIRO,
1997, p. 36 e 37).
Humberto Theodoro Júnior, mesmo entendendo que a atividade
envolvendo jurisdição voluntária não revela o mesmo caráter substitutivo que
caracteriza a jurisdição na visão clássica de Chiovenda, enfatiza essa índole
negocial da respectiva atividade ao descrever a natureza da jurisdição
voluntária:
Não se apresenta como ato substitutivo da vontade das partes, para
fazer atuar impositivamente a vontade concreta da lei (como se dá na
jurisdição contenciosa). O caráter predominante é de atividade
negocial, em que a interferência do juiz é de natureza constitutiva ou
integrativa, com o objetivo de tornar eficaz o negócio desejado pelos
interessados. A função do juiz é, portanto, equivalente ou
assemelhada à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico
depende da intervenção pública do magistrado. (THEODORO
JÚNIOR, 2017, p. 118).
Nessa linha de raciocínio, a jurisdição voluntária implica em uma
atividade negocial na qual a atuação gestora do magistrado é necessária para
fins de validação do objeto em foco, seja um ato, uma providência, ou, de fato,
um negócio jurídico.
Exatamente por resultar, dentro dessa categoria de procedimentos de
jurisdição voluntária que têm por objeto um negócio jurídico, em uma sentença
judicial constitutiva/integrativa do próprio negócio jurídico, essencial à validade
deste, fica em clarividência a natureza jurisdicional da respectiva atividade e,
como consequência, a imprescindibilidade de atribuir a essa “chancela” um
efeito além daquele que poderia ser obtida por alguma via extrajudicial caso o
interessado tivesse optado por tal caminho alternativo ... exatamente o “manto”
da coisa julgada material por meio do qual a definição obtida através da
jurisdição se torna “imutável” e atacável apenas por meio de outro processo
judicial agora, agora contencioso.
Mas seria mesmo uma ação rescisória? Ou suficiente seria uma ação
anulatória (?), nos moldes do artigo 496, §4ª, do Código de Processo Civil:
§ 4o Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por
outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem
como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão
sujeitos à anulação, nos termos da lei.
Tal discussão assume contornos especiais quando discutido no âmbito
do processo do trabalho, considerando entendimento sedimentado no âmbito
da jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho.
E, assim, será objeto de uma análise específica em outra seção do
presente trabalho.
Encerrada a análise da morfologia genérica da jurisdição voluntária, no
item seguinte será examinada uma temática mais diretamente afeta à Justiça
do Trabalho: a sua competência material.
3. Competência Material da Justiça do Trabalho
Uma breve análise da evolução histórica da Justiça do Trabalho deixa
em clarividência que, desde a concepção, a sua posição como instituição de
solução de conflitos sempre assumiu a primazia da sua atuação, praticamente
reduzindo a um quadro de insignificância as suas atribuições administrativas e
não-contenciosas, como mero órgão gestor de interesses privados submetidos
à tutela estatal.
Expressões como “dirimir questões”, “dirimir conflitos”, “conciliar e
julgar dissídios”, encontrados nos textos legais que desde a sua origem
disciplinaram a constituição e atuação da Justiça do Trabalho, retratam
expressamente o exercício de sua função de impor resoluções diante de
entrechoques de interesses, isto é, aplicar o direito mediante a imposição de
decisões em contendas entre os sujeitos da relação de emprego.
Em outras palavras, o exercício da jurisdição contenciosa, diante dos
embates entre empregados e empregadores, permanentemente se destacou
em detrimento de sua pouco explorada atuação em sede de jurisdição
voluntária. A análise da evolução das normas que disciplinam a estrutura e
atuação da Justiça do Trabalho evidencia que esta foi aparentemente
concebida para ser uma instituição dedicada à solução de conflitos.
Preferencialmente, por meio da fórmula endoprocessual da conciliação judicial,
conduzindo e homologando acordos entre litigantes dentro de reclamações
trabalhistas. Caso não resultasse em êxito tal método de autocomposição
assistida judicialmente, então mediante o processamento e julgamento da
ação, com a prolação de uma sentença impondo aos litigantes a solução
adotada pelo Estado-Juiz.
A Justiça do Trabalho, mesmo diante de sua missão “conciliadora”, foi
constituída para atuar diante do litígio, no exercício de uma jurisdição
tipicamente contenciosa. Não foi instituída propriamente como uma entidade
destinada a promover a administração pública de interesses privados, numa
função gestora de interesses particulares mas socialmente relevantes. A
jurisdição voluntária não assumia posição de destaque dentre as suas
atribuições.
Para constatar tal realidade, suficiente é o exame dos textos dos
sucessivos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que a tiveram por
objeto.
A Justiça do Trabalho foi originalmente introduzida no ordenamento
jurídico brasileiro por meio da Constituição da República de 1934, cujo artigo
122 apresentava a seguinte redação:
Art. 122. Para dirimir questões entre empregadores e empregados,
regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à
qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.
Apesar da denominação, o novo órgão não integraria o Poder
Judiciário, mas seria incumbido de “dirimir questões”, ou seja, decidir os
conflitos entre os sujeitos da relação de emprego envolvendo a aplicação das
regras legais que então disciplinam os respectivos contratos. Foi intitulada de
“Justiça”, mas sem compor institucionalmente a Justiça brasileira, sendo
destinada a atuar como entidade de heterocomposição estatal de lides
empregatícias ... como evidenciado pela expressão “para dirimir questões entre
empregadores e empregado”.
O parágrafo único do artigo 122 da Constituição de 1934 estabeleceu
um desenho abstrato do que seria a constituição orgânica dessa nova Justiça
do Trabalho:
Art. 122.
Parágrafo único. A constituição dos Tribunais do Trabalho e das
Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição
de membros, metade pelas associações representativas dos
empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente
de livre nomeação do Governo, escolhido entre pessoas de
experiência e notória capacidade moral e intelectual.
A sua estrutura, assim, incluiria tanto comissões de conciliação em 1º
grau como Tribunais do Trabalho em graus superiores, sempre com uma
composição tripartite, com membros eleitos pelas duas classes que formam a
relação de trabalho (empregados e empregadores) como representantes do
Estado.
Antes da Justiça do Trabalho ser efetivamente materializada no âmbito
institucional, entretanto, a Constituição de 1934 foi sucedida pela Carta
Republicana de 1937, cujo artigo 139 ditava:
Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre
empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é
instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual
não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à
competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.
Novamente, “dirimir os conflitos”.
Mantidas, assim, as mesmas diretrizes acerca da posição institucional
alheia ao da Justiça Comum e da sua atribuição básica de resolver questões
conflituosas entre empregados e empregadores, a Justiça do Trabalho prevista
na Constituição de 1937 foi regulamentada no plano infraconstitucional pelo
Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, sendo ratificada a sua principal atribuição logo
no Artigo 1º do respectivo diploma:
Art. 1º. Os conflitos oriundos das relações entre empregadores e
empregados, reguladas na legislação social, serão dirimidos pela
Justiça do Trabalho.
Ao iniciar o dispositivo com a determinação de que “os conflitos
oriundos das relações entre empregadores e empregados”,vê-se que logo a
primeira expressão no referido Decreto-Lei, traduz o espírito do legislador em
disciplinar uma atuação típica de jurisdição contenciosa.
O artigo 2º do Decreto-Lei, por seu turno, apresentou uma composição
interna envolvendo órgãos em uma estrutura piramidal em três níveis
orgânicos, com as Juntas de Conciliação e Julgamento em 1º grau, os
Conselhos Regionais do Trabalho em 2º grau e o Conselho Nacional do
Trabalho como órgão de cúpula 3º grau.
Os artigos 24, 26 e 27 do Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, por sua vez,
fixaram os limites de tal atuação dos órgãos de 1º grau no âmbito das relações
individuais trabalhistas, sempre em relação a conflitos entre seus sujeitos:
Art. 24. Compete às Juntas :
a) a conciliação e julgamento dos dissídios individuais, observado o
disposto nos arts. 26 e 27;
b) a conciliação e julgamento das reclamações que envolvam o
reconhecimento da estabilidade de empregados;
c) a execução das decisões proferidas nos processos de sua
Competência originária.
...
Art. 26. Os dissídios individuais, quando concernentes a salários,
férias e indenizações por despedida injusta, de valor igual ou inferior
á alçada fixada no art. 95, serão julgados em única instancia, não
sendo admitido da respectiva sentença outro recurso senão o previsto
no art. 74.
Parágrafo único. Não estão compreendidas na disposição deste
artigo as questões de que trata a alínea b do art. 24.
Art. 27. Serão, também, conciliados e julgados pelas Juntas
observando disposto no artigo anterior, os dissídios em contratos de
empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice.
O Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, assim, enfatizou a função
“conciliadora” dos órgãos da Justiça do Trabalho ... mas diante de situações
contenciosas, de conflitos trazidos a juízo. Ao atuar na “conciliação e
julgamento” de causas, continuava a existir uma missão de atuar diante do
contencioso, conduzindo as partes litigantes a uma transação ou decretando
uma decisão a ser imposta aos sujeitos em conflito.
Pelo legislador infraconstitucional, portanto, passou a fazer parte do
complexo de incumbências da Justiça do Trabalho não apenas solucionar os
conflitos entre empregados e empregadores quando envolvendo elementos
extraídos do contrato individual entre os mesmos (inclusive disputas cujo objeto
fosse o reconhecimento da estabilidade no emprego), mas, de igual forma, os
conflitos entre os pequenos empreiteiros e seus tomadores de serviço
envolvendo o cumprimento de tal modalidade de contrato cível.
Os limites da lide empregatícia foram superados pelo legislador de
1937, portanto, pois passou a Justiça do Trabalho passou a dirimir conflitos
envolvendo disputas próprias de uma relação de trabalho autônomo de
natureza civil, consubstanciado na disputa entre o empreiteiro “operário ou
artífice”, sem estrutura empresarial, e aquele que o contratou para concluir
determinada obra.
Tal ampliação foi confirmada pelo Decreto nº 6.596 de 1940, que
regulamentou o Decreto-Lei nº 1.237 de 1939. Logo no seu primeiro
dispositivo, o Decreto estabeleceu seguiu a mesma diretriz estabelecida na
norma que regulamentava:
Art. 1º. Os dissídios oriundos das relações entre empregadores e
empregados reguladas na legislação social serão dirimidos pela
Justiça do Trabalho, na forma do presente regulamento.
Parágrafo único. As questões referentes a acidentes do trabalho
continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do Decreto número
24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subsequente.
Mais uma vez, as expressões “dissídios” e “dirimidos”, típicas de
situações de embate. O parágrafo único do artigo 1º, por sua vez, deixou claro
que a atuação da Justiça do Trabalho se restringia às disputas próprias das
relações entre os sujeitos da relação laboral, com as questões acidentárias
continuando a ser da competência da Justiça Comum. À época, é importante
anotar, ainda não havia a consciência da distinção entre os conflitos
envolvendo o segurado e a autarquia previdenciária e as lides que, apesar de
derivar de um acidente de trabalho (inclusive as doenças legalmente
equiparada a tal), tinha como litigantes o empregado e o seu empregador.
Os artigos 9º e 10 do Decreto nº 6.596 de 1940, por seu turno,
delinearam o âmbito de competência das Juntas de Conciliação e Julgamento,
estabelecendo os limites de exercício da jurisdição contenciosa, incluindo no
inciso III da alínea “a” do artigo 9º a competência para dirimir conflitos entre o
pequeno empreiteiro e o seu tomador de serviços acerca de elementos
atinentes ao contrato de empreitada que os unia:
Art. 9.° Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:
a) conciliar e julgar:
I, os dissídios em que se pretenda o reconhecimento da estabilidade
de empregado;
II, os dissídios concernentes a salários, férias e indenizações por
motivo de despedida injusta;
III, os dissídios resultantes de contratos de empreitada em que o
empreiteiro seja operário ou artífice;
IV, os demais dissídios concernentes ao contrato individual de
trabalho;
b) processar os inquéritos administrativos contra empregados
garantidos com estabilidade;
c) julgar os embargos opostos às suas próprias decisões, no caso do
art. 201;
d) julgar os recursos interpostos das decisões do presidente, nas
execuções;
e) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua
competência.
Art. 10. Compete, ainda, às Juntas de Conciliação e Julgamento:
a) requisitar às autoridades competentes a realização das diligências
necessárias ao esclarecimento dos feitos sob sua apreciação,
representando contra aquelas que não atenderem a tais requisições,
b) realizar as diligências e praticar os atos processuais deprecados
pejos Conselhos Regionais do Trabalho ou pelo Conselho Nacional
do Trabalho;
c) julgar as suspeições arguidas contra os seus membros;
d) julgar as exceções de incompetência que lhes forem opostas;
e) exercer, em geral, no interesse da Justiça do Trabalho, quaisquer
outras atribuições que decorram da sua jurisdição.
Normas, ainda, destinadas a disciplina o exercício da jurisdição
contenciosa. Até então, a legislação especializada não previa qualquer forma
de atuação da Justiça do Trabalho em sede de jurisdição voluntária. Mesmo
considerando o alto grau de abrangência da regra estabelecida na alínea “e” do
artigo 10, acerca da competência da Junta para “exercer, em geral no interesse
da Justiça do Trabalho, quaisquer outras atribuições que decorrem da sua
jurisdição”, simplesmente não havia atribuição legal específica envolvendo
atividade administrativa de gestão de interesses privados, de modo a constituir
e integrar negócios jurídicos cuja validade dependia dessa tutela preventiva de
fiscalização estatal.
Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foram
reunidas regras legais disciplinadoras das relações materiais e processuais do
trabalho, sendo mantidas as diretrizes quanto aos limites da competência
material da Justiça do Trabalho e sua estrutura piramidal e tripartite. Nesse
sentido, o seu artigo 643 seguiu as mesmas linhas do Decreto-Lei nº 1.237 de
1939 e do Decreto nº 6.596 de 1940, portanto, ao estabelecer que:
Art. 643. Os dissídios, oriundos das relações entre empregadores e
empregados reguladas na legislação social, serão dirimidos pela
Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma
estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.
E o artigo 652 da CLT, mantendo o mesmo grau de fidelidade às
normas antecedentes, expôs as seguintes fronteiras para a competência dos
órgãos de 1º grau:
Art. 652. Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:
a) conciliar e julgar:
I - os dissídios em que se pretenda o reconhecimento da
estabilidade de empregado;
II - os dissídios concernentes a remuneração, férias e
indenizações por motivo de rescisão do contrato individual de
trabalho;
III - os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o
empreiteiro seja operário ou artífice;
IV - os demais dissídios concernentes ao contrato individual de
trabalho;
b) processar e julgar os inquéritos para apuração de falta grave;
c) julgar os embargos opostos às suas próprias decisões;
d) julgar os recursos interpostos das decisões do presidente, nas
execuções;
e) impor multa e demais penalidades relativas aos atos de sua
competência.
Mais uma vez, expressões como “dissídios” e “dirimidos” (além de
“conciliar” e “julgar” dentro de um processo judicial de jurisdição contenciosa) e
“julgar”, próprias de relações conflituosas. Em nenhum dos dispositivos
expostos, entretanto, há referência a uma atuação administrativa da Justiça do
Trabalho, no âmbito de jurisdição voluntária, ou seja, na gestão de interesses
privados que não estejam em conflito imediato.
Na realidade, o texto primitivo da CLT até trouxe em seu bojo um artigo
(o de número 500) que, mesmo ao tratar de uma atuação alheia ao âmbito de
incumbências relacionadas nos dispositivos que disciplinam sua competência,
de forma implícita e indireta impõe uma atuação administrativa da Justiça do
Trabalho em sede de jurisdição voluntária.
Nos textos destinados a disciplinar a sua competência material,
todavia, apenas letras típicas de processos de jurisdição contenciosa.
Continuando a análise da evolução história da legislação acerca da
competência material da Justiça do Trabalho, surge agora a Constituição da
República de 1946. Este próximo passo legislativo após a edição da CLT, se
não alterou o seu perfil quanto ao âmbito de suas incumbências, gerou grandes
repercussões institucionais na Justiça do Trabalho.
A Carta Política de 1946 teve o mérito de inserir a Justiça do Trabalho
dentro da estrutura do Poder Judiciário brasileiro. O artigo 94 da respectiva
Constituição expressamente relacionou a Justiça do Trabalho no elenco de
órgãos integrantes do Judiciário:
Art 94.O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos:
I - Supremo Tribunal Federal;
II - Tribunal Federal de Recursos;
III - Juízes e Tribunais militares;
IV - Juízes e Tribunais eleitorais;
V - Juízes e Tribunais do trabalho.
E, como consequência, o seu artigo 122 alterou o arcabouço orgânico
da sua composição interna, transformando os Conselhos Regionais e o
Conselho Nacional em Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior
do Trabalho, respectivamente. Posteriormente, o Decreto-Lei 9.799 de 1946
promoveu as correspondentes alterações no texto da CLT.
O legislador constituinte de 1946, no entanto, permaneceu fiel a
diretrizes anteriormente consagradas, mantendo a estrutura piramidal em três
faixas institucionais e a constituição tripartite com representantes das classes
patronal, obreira e estatal. E Justiça do Trabalho, agora com parte integrante
do Poder Judiciário, teve a sua competência delineada no artigo 123 da
Constituição de 1946 nos seguintes termos:
Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as
demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por
legislação especial.
§ 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da
competência da Justiça ordinária.
§ 2º - A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios
coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.
Restou igualmente mantida, assim, a diretriz geral quanto à essência
da competência material da Justiça do Trabalho, concentrada na resolução de
conflitos entre empregados e empregadores, mas agora com expressa
previsão constitucional acerca da possibilidade de alcançar outras relações
laborais disciplinadas por lei especial.
O Ato Institucional nº 2 de 1965, por seu turno, alterou o texto da
Constituição de 1946, mas em nada que afetasse os âmbitos estruturais ou
jurisdicionais da Justiça do Trabalho.
Em sequência, a Constituição de 1967 seguiu a mesma linha
Art 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as
demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei
especial.
§ 1 º - A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos
dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de
trabalho.
§ 2 º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da
competência da Justiça ordinária.
E mesmo com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que alterou parte
considerável do texto constitucional, a missão da Justiça do Trabalho em
exercer uma jurisdição contenciosa concentrada na pacificação de conflitos
entre empregados e empregadores prosseguiu nos mesmos moldes básicos:
Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante
lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho.
§ 1º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios
coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.
§ 2º Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência
da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Territórios.
Em 1986, foi alterado o texto do artigo 643 da CLT de forma a ampliar
o alcance da competência material da Justiça do Trabalho para abranger
conflitos relacionados a trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviço. A
Lei nº 7.494 de 1986 deu ao caput do citado dispositivo a sua atual redação:
Art. 643 Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e
empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores
de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão
dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e
na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.
Além dos conflitos entre o empreiteiro operário ou artífice, mais uma
modalidade de disputa envolvendo outra espécie do gênero relação de trabalho
passou a integrar o seleto rol de relações cujos conflitos interpartes têm a sua
composição afeta à Justiça do Trabalho. O trabalho avulso, constituído por
meio de uma relação trilateral entre o trabalhador avulso, um entre
intermediário e um tomador de serviços, teve os conflitos entre dos seus
sujeitos (o trabalhador e o tomador) inclusos dentro do âmbito da competência
dos órgãos do Judiciário Trabalhista. Posteriormente, por meio da Medida
Provisória 2.164, foi acrescentando ainda o inciso V à alínea “a” do artigo 652
da CLT, atribuindo aos órgãos de 1º grau da Justiça do Trabalho a
competência para processar e julgar:
V-as ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários
ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO decorrentes da relação
de trabalho;
Além de conflitos entre os trabalhadores e seus tomadores de serviços,
assim, foram também inseridos dentro do âmbito de competência do Judiciário
Trabalhista as lides envolvendo os trabalhadores avulsos típicos das áreas
portuárias e os órgãos de intermediação do trabalho avulso em tal atividade,
conforme disciplinado na Lei 8.630 de 1993.
Mas, antes desta inovação envolvendo a competência para decidir
conflitos oriundos da relação de trabalho avulso, a Constituição da República
de 1988 já havia dado mais um passo na ampliação do âmbito de competência
da Justiça do Trabalho.
No seu texto originário, o artigo 114 da Carta Política de 1988 deixou
inequívoco que, em se tratando de um conflito entre um empregado e um
empregador acerca de algum elemento próprio do contrato que os liga, a
competência para dirimir a disputa será do Judiciário Trabalhista, sendo
irrelevante se o empregador integrar a administração pública direta ou indireta
em qualquer uma das esferas políticas:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores,
abrangidos os entes de direito público externo e da administração
publica direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos
Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias
decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham
origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive
coletivas.
Novamente, as mesmas expressões próprias das lides laborais:
“conciliar e julgar dissídios”. Nenhuma referência no artigo 114 ao exercício de
uma jurisdição voluntária. Nessa questão, não houve evolução.
O texto do citado artigo, por outro lado, estabeleceu a competência da
Justiça do Trabalho para dirimir conflitos decorrentes da execução dos seus
julgados, além de ratificar a possibilidade do legislador infraconstitucional
ampliar o âmbito jurisdicional para alcançar disputas envolvendo outras
espécies do gênero relação de trabalho ... mas nenhuma referência ao
exercício de uma atribuição administrativa típica de uma jurisdição voluntária.
Em seguida, dez anos depois, a Emenda Constitucional nº 20 de 1998,
por seu turno, acrescentou um parágrafo 3º ao Artigo 114 da Constituição de
1988:
§ 3° Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as
contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus
acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir
Tal dispositivo, mesmo não tratando de matéria própria da jurisdição
voluntária, abordou questão de grande relevância para aumentar a importância
institucional da Justiça do Trabalho em um período em que algumas vozes se
levantavam contra a sua existência. Com o §3º do artigo 114 da Constituição
de 1988, o Judiciário Trabalhista passou a ter como incumbência promover, ex
officio, a execução envolvendo créditos oriundos de contribuições
previdenciárias devidas em face às condenações impostas pelos seus órgãos,
fazendo surgir uma fonte de receita para a União que ajudou a superar a
ameaças manifestadas durante essa fase crítica.
O respectivo acréscimo ao seu elenco de atribuições, entretanto, foi
novamente no âmbito de sua jurisdição contenciosa.
Em 2004 com a ampliação da competência material da Justiça do
Trabalho, uma alteração simples foi promovida que, indiretamente, acabou por
abrir portas em direção à atuação dos juízes do trabalho no âmbito da
jurisdição voluntária, ainda que praticamente sem ser notada.
A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, conhecida como emenda da
“Reforma do Judiciário”, alterou por completo a redação do artigo 114 da
Constituição da República de 1988, oferecendo ao texto um novo formato:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes
de direito público externo e da administração pública direta e
indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre
sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data ,
quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua
jurisdição;
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição
trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,
decorrentes da relação de trabalho;
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas
aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de
trabalho;
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no
art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das
sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na
forma da lei.
Na estrutura textual adotada, o caput do artigo 114 foi dividido em nove
incisos, cada um com uma esfera diferente da atividade judicante, mas
deixando claro que a fonte essencial da competência da Justiça do Trabalho
continua intacta: a relação entre empregado e empregador. Ainda assim, o
legislador reformador de 2004 promoveu vários acréscimos ao elenco de
atribuições jurisdicionais, incluindo questões como conflitos de representação
sindical (inciso III) e demandas tendo por objeto sanções administrativas
aplicadas por auditores fiscais do trabalho (inciso VII).
Nenhuma modificação, contudo, tratou direta e expressamente de atos
de jurisdição voluntária...
Absolutamente nenhuma.
Mas uma alteração admite, mesmo que indiretamente ou “por tabela”,
uma quebra do paradigma contencioso ...
Ao expor na nova redação do caput do artigo 114 que “Compete à
Justiça do Trabalho” e, logo no inciso I, o mais importante dos incisos do
respectivo artigo por estabelecer a base principal da sua atuação jurisdicional,
expressar “ações oriundas da relação de trabalho”, o legislador deixou de
seguir o caminho tradicional e não expôs aquelas expressões próprias de um
processo contencioso como “conflitos” e “dissídios”, além de “dirimir” ou
“dirimidos”.
Ora, ações oriundas da relação de trabalho abrange tanto as ações
próprias da jurisdição contenciosa, envolvendo lides a serem solucionadas por
meio de conciliações judiciais ou sentenças impostas aos litigantes, como
também ações provocando a atuação do Judiciário em situações envolvendo
providências judiciais típicas da jurisdição voluntária, de administração e gestão
de interesses privados tipificados pelo legislador como relevantes o suficiente
para exigir a intervenção do Estado de forma a tutelar preventivamente esses
mesmos interesses e constituir/integrar validamente os respectivos atos e
negócios jurídicos.
Tal modificação legislativa, retirando expressões típicas de relações
conflituosas para adotar uma expressão mais ampla e abrangente (“ações
oriundas da relação”) no principal dispositivo disciplinador de sua competência
material, representou uma nova abertura para a atuação da Justiça do
Trabalho em sede de jurisdição voluntária.
Uma atuação que já existia, mesmo que timidamente, mas a partir de
então e, agora especialmente com as inovações trazidas pela Lei nº 13.467 de
2017 (Lei da Reforma Trabalhista), tende a crescer consideravelmente.
E tais elementos serão foco de análise na próxima seção.
4. Jurisdição Voluntária no Âmbito da Justiça do Trabalho
O exame da evolução história da legislação constitucional e
infraconstitucional disciplinadora da competência material da Justiça do
Trabalho deixa claro o menosprezo do legislador pátrio pelo caminho de atribuir
a tal instituição a execução de atividades administrativas típicas de jurisdição
voluntária.
Mas o exame de certos dispositivos encontrados de modo avulso,
inclusive em alguns desses mesmos diplomas legais já analisados, revelam um
legislador inibido ... mas ao menos não completamente inerte. Ainda que
aparentemente desconectados com questões próprias de delimitação
jurisdicional, disciplinam atribuições afetas a uma atuação não contenciosa do
juiz do trabalho, envolvendo atividade de homologação de atos de interesse de
ambos os sujeitos da relação de emprego.
Nesse sentido, os artigos 500 da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966, o artigo 9º, §4º, da Lei nº 7.064 de
1982 e artigo 233 da Constituição da República (este último posteriormente
revogado pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998).
O artigo 500 da CLT, que disciplina a solenidade exigida pelo legislador
para a validade do ato por meio do qual um empregado portador de
estabilidade (originalmente a antiga estabilidade decenal do artigo 492 do
respectivo diploma laboral) formaliza a terminação do seu contrato por livre e
espontânea vontade unilateral do obreiro, impondo que a demissão voluntária
seja submetida à assistência de entidade legitimada para chancelar a
respectiva cessação do contrato de emprego no qual o obreiro estaria
alcançado pela proteção estabilitária.
A redação primitiva do respectivo dispositivo, por sua vez, se encontra
a seguir transcrita:
Art. 500. O pedido da demissão do empregado estável só será válido
quando feito com a assistência do respectivo sindicato e, se não o
houver, perante autoridade local competente do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio ou da Justiça do Trabalho.
A Lei nº 5.584 de 1970 alterou de forma “cosmética” o texto original,
sem modificar a sua essência, mudando apenas o nome da entidade ministerial
alcançada pela sua previsão:
Art. 500 O pedido de demissão do empregado estável só será válido
quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o
houver, perante autoridade local competente do Ministério do
Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.
As letras do dispositivo em qualquer uma das duas redações,
entretanto, evidenciam que, caso a assistência formal exigida para a validade
da demissão voluntária do empregado portador de estabilidade no emprego
não fosse prestado pela entidade sindical do obreiro ou pela autoridade local
do Ministério do Trabalho, restaria aos interessados (o empregado e o
empregado) levar o instrumento no qual estaria materializado o pedido de
demissão para a Justiça do Trabalho para obter a assistência de um juiz do
trabalho. E este, numa cerimônia simples mas solene, chancelaria o ato
resilitório do empregado, após logicamente confirmar que era esta mesma a
sua vontade, usualmente pelo mero registro de sua homologação no corpo do
mencionado instrumento.
Tal atuação do magistrado diante de uma situação não contenciosa,
portanto, corresponde a uma atividade típica de jurisdição voluntária. Afinal,
ambos, empregado e empregador, apenas desejam o reconhecimento da
validade do pedido de demissão voluntária. E, ainda, a questão envolve um
interesse particular de inegável relevância, pois, em última análise, o objetivo é
validar a terminação de um contrato emprego de um empregado ungindo com a
proteção máxima que a legislação trabalhista pode proporcionar (a estabilidade
no emprego), por suposta vontade livre e espontânea desse mesmo
hipossuficiente juridicamente protegido.
Tal despojamento praticado voluntariamente pelo empregado, resilindo
unilateralmente o contrato de emprego mesmo protegido pela estabilidade
decenal, constitui algo não usual, atípico e até “estranho”. Tal “estranheza”
merece (na visão do legislador) ser objeto de uma tutela preventiva como essa
assistência ... correspondente a uma jurisdição administrativa na qual o
magistrado fiscaliza a prática do ato de desligamento e, ao homologar o
respectivo instrumento, aperfeiçoa a resilição, (des) constituindo uma relação
contratual até então íntegra e regular.
Não se revela apta a refutar tal constatação o argumento segundo o
qual, se fosse jurisdição voluntária, então o sindicato e o representante do
Ministério do Trabalho também estariam exercendo uma jurisdição
administrativa quando prestando assistência nos moldes do artigo 500 da CLT.
Nem o Ministério do Trabalho, nem qualquer entidade sindical, exercem a
jurisdição ... exatamente por não integrarem o Poder Judiciário.
Quando a homologação for feita pelo sindicato ou pelo auditor-fiscal do
trabalho nos moldes do artigo 500 da CLT, há intervenção estatal na
administração de interesses privados, mas não por meio da jurisdição
voluntária.
Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, 1997, p. 33) admite
expressamente a existência de múltiplas vias de intervenção do Estado na
gestão de interesses privados, citando exemplos outros além da jurisdição
voluntária, como a intervenção por órgãos alheios ao Poder Judiciário (atuação
da Junta Comercial na aquisição de personalidade jurídica de sociedade
empresariais) e a intervenção por meio de órgãos sob o controle e fiscalização
do Poder Judiciário (como é o caso dos tabelionatos e Ofício de Registro Civil).
Apenas no âmbito do Poder Judiciário, entretanto, tal intervenção
assume a forma da jurisdição voluntária.
Quando um juiz do trabalho executa tal atividade tipicamente
administrativa de homologar um pedido de demissão de empregado estável,
prestando assistência aos sujeitos de um contrato de emprego quando um
obreiro estabilitário deseja espontaneamente encerrar o pacto laboral,
chancelando o instrumento no qual tal livre vontade do empregado estável é
manifestada, é inequívoca que tal atuação do magistrado se enquadra como
atribuição propriamente graciosa no sentido de uma jurisdição não contenciosa.
Em outras palavras, uma jurisdição voluntária.
E tal atuação não pode ser ignorada, mesmo considerando que em
termos quantitativos há reduzida expressão prática, uma vez que usualmente
tal homologação sempre foi formalizada no âmbito dos sindicatos profissionais.
Mesmo que em números pouco expressos, ao menos corresponde a uma
atuação inequívoca da Justiça do Trabalho no âmbito da jurisdição voluntária,
para além dos limites expressamente traçados nos dispositivos que
disciplinavam a sua competência material até o advindo da Emenda
Constitucional nº 45 de 2004.
Atuação de idêntica natureza jurisdicional integrativa foi disciplinada
pela Lei nº 5.107 de 1966, a chamada “Lei do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço” (FGTS).
Dispunha o seu artigo 1º, caput e §§ 1º e 3º:
Art. 1º Para garantia do tempo de serviço ficam mantidos os Capítulos
V e VII do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho,
assegurado, porém, aos empregados o direito de optarem pelo
regime instituído na presente Lei.
§ 1º O prazo para a opção é de 365 (trezentos e sessenta e cinco)
dias, contados da vigência desta Lei para os atuais empregados, e da
data da admissão ao emprêgo quanto aos admitidos a partir daquela
vigência.
§ 3º Os que não optarem pelo regime da presente Lei, nos prazos
previstos no § 1º, poderão fazê-lo, a qualquer tempo, em declaração
homologada pela Justiça do Trabalho, observando-se o disposto no
Art. 16.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 20 de 1966 acrescentou ao mesmo
artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966 o seu §4º:
§ 4º O empregado que optar pelo regime desta lei, dentro do prazo
estabelecido no § 1º e que não tenha movimentado a sua conta
vinculada, poderá retratar-se desde que o faça no prazo de 365 dias
a contar da opção, mediante declaração homologada pela Justiça do
Trabalho, não se computando para efeito de contagem do tempo de
serviço o período compreendido entre a opção e a retratação.
Nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1º da Lei do FGTS, assim, o legislador
expressamente atribuiu à Justiça do Trabalho a incumbência de homologar
declarações em duas hipóteses de reconsideração do obreiro: a) o empregado
“não-optante” pelo regime do Fundo de Garantia posteriormente reconsidera a
sua escolha primitiva e deseja posteriormente formalizar sua opção pelo
sistema; b) o empregado que originalmente fez a opção pelo regime do FGTS
reconsidera sua escolha e, condicionado ao exercício do seu arrependimento
dentro do prazo de 365 dias da escolha primitiva, manifesta sua vontade de se
retratar e retornar ao regime da CLT.
A Lei nº 7.839 de 1989 revogou a Lei nº 5.107 de 1966, mas poucos
meses após o início de sua vigência, aquela foi sucedida pela Lei nº 8.036 de
1990, que prossegue disciplinando o sistema do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço até os dias atuais.
E a previsão da homologação da opção continua a existir, conforme
prevista no §4º do artigo 14 da Lei nº 8.036 de 1990:
§4º Os trabalhadores poderão a qualquer momento optar pelo FGTS
com efeito retroativo a 1º de janeiro de 1967 ou à data de sua
admissão, quando posterior àquela.
Nessa atuação de homologação de atos declaratórios de
reconsideração quanto a opções relacionadas ao regime do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço, o juiz do trabalho está evidentemente exercendo a
jurisdição voluntária, pois a respectiva atividade constitui uma fórmula de
administração pública de interesses particulares, mediante o qual o magistrado
está fiscalizando a regularidade do ato de reconsideração manifestado pelo
empregado e ao chancelar a respectiva declaração com a sua homologação,
está integrando e constituindo o negócio jurídico entre os respectivos sujeitos
da relação de emprego envolvendo a aplicabilidade ou não das regras do
regime do FGTS ao respectivo contrato entre as partes.
A intervenção estatal, na hipótese, é imposta pelo legislador em virtude
da necessidade de proporcionar segurança aos “interessados”, empregado e
empregador, diretamente alcançado pelos efeitos de tal declaração de
reconsideração, uma vez que a submissão ou não ao regime do FGTS afeta
ambas as partes quanto a questões “sensíveis”, desde a estabilidade no
emprego até o direito de despedir.
O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, reconhece não apenas a
relevância de tal negócio jurídico processual cuja validade depende da
homologação de um juiz do trabalho, como a imprescindibilidade de se obter a
anuência do empregador para proceder a tal chancela estatal. Nesse sentido,
em 27.11.1998, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 146 da Seção
Especializada em Dissídios Individuais 1 (SDI-1), posteriormente (20.03.2005)
cancelada em 20 de abril de 2005 em face a sua conversão na Orientação
Jurisprudencial Transitória nº 39, da Subseção Especializadas em Dissídios
Individuais-1 (SBDI-1), restou consagrado o seguinte entendimento, exigindo a
anuência do outro “interessado” para a validade da respectiva homologação:
FGTS.
OPÇÃO
RETROATIVA.
EMPREGADOR. NECESSIDADE.
CONCORDÂNCIA
DO
À semelhança do verificado quanto à atuação em sede de jurisdição
voluntária na hipótese do artigo 500 da CLT, a atividade dos juízes do trabalho
no exercício de tal fórmula de jurisdição voluntária não é expressiva em termos
quantitativos.
Reconsiderações relacionadas às opções (ou não) pelo FGTS
ocorreram e as consequentes declarações foram homologadas por juízes de
trabalho no exercício de uma jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho, mas
não em números de grande destaque.
Uma outra hipótese de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho se
encontra prevista no artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. De incidência ainda
mais rara que as hipóteses anteriores, a atividade jurisdicional voluntária
tipificada neste último dispositivo envolve um procedimento de homologação,
por juiz do trabalho, de instrumento autorizando o levantamento pelo
empregador de depósitos do FGTS recolhidos em uma conta vinculada de um
empregado transferido para o exterior, para fins de dedução de eventual
pagamento previsto na legislação do país no exterior no qual ocorreu a
prestação de serviços, em caso dessa mesma legislação alienígena considerar
o período laboral durante a transferência como objeto de um contrato
autônomo ao final do qual terá que ocorrer a “liquidação” de direitos
decorrentes da respectiva cessação.
Apesar de estar alicerçada no seu §4º, é oportuna a transcrição da
íntegra do artigo:
Art. 9º - O período de duração da transferência será computado no
tempo de serviço do empregado para todos os efeitos da legislação
brasileira, ainda que a lei local de prestação do serviço considere
essa prestação como resultante de um contrato autônomo e
determine a liquidação dos direitos oriundos da respectiva cessação.
§ 1º - Na hipótese de liquidação de direitos prevista neste artigo, a
empresa empregadora fica autorizada a deduzir esse pagamento dos
depósitos do FGTS em nome do empregado, existentes na conta
vinculada de que trata o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de
1966.
§ 2º - Se o saldo da conta a que se refere o parágrafo anterior não
comportar a dedução ali mencionada, a diferença poderá ser
novamente deduzida do saldo dessa conta quando da cessação, no
Brasil, do respectivo contrato de trabalho.
§ 3º - As deduções acima mencionadas, relativamente ao pagamento
em moeda estrangeira, serão calculadas mediante conversão em
cruzeiros ao câmbio do dia em que se operar o pagamento.
§ 4º - O levantamento pelo empregador, decorrente da dedução
acima prevista, dependerá de homologação judicial.
O legislador brasileiro, assim, criou um procedimento de jurisdição
voluntário por meio do qual o empregador, se desejar economizar nas
despesas relacionadas ao empregado transferido, pode obter a autorização
judicial para proceder ao levantamento de um valor extraído da conta do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço do empregado transferido, para fins de
dedução do montante que, eventualmente, tiver que pagar ao respectivo
trabalhador na hipótese de previsão na lei do local da prestação de serviço.
E, merece ser destacado, o recurso a tal via alternativa à jurisdição
contenciosa não é simplesmente decorrente da vontade espontânea do
empregador, mas uma verdadeira imposição do legislador na hipótese da
entidade patronal desejar diminuir os custos da operação envolvendo o
empregado transferido ao exterior quando prevista na lei estrangeira tal figura
contratual mencionada no caput do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. A única
forma de obter a autorização para o levantamento do valor depositado na conta
vinculada do empregado, para fins de dedução da quantia devida pela
liquidação do contrato autônomo eventualmente previsto na legislação do país
no qual o serviço for prestado, é exatamente tal caminho de jurisdição
administrativa.
O juiz do trabalho, com a homologação, desenvolve uma atuação
jurisdicional sem a presença de um conflito, mas imprescindível à obtenção do
efeito almejado pelo empregador. Em outras palavras, uma atividade
jurisdicional necessária, mas sem lide.
Apesar de servir com um exemplo perfeito da natureza jurisdicional da
jurisdição voluntária, a utilidade prática da respectiva fórmula é evidentemente
limitada em termos quantitativos, pois poucos são os empregados cuja
transferência para o exterior geraria o quadro necessário à aplicabilidade da
regra legal. Corresponde, assim, a uma hipótese peculiar de jurisdição
voluntária raramente concretizada na prática dos tribunais do trabalho.
Um “experimento” de ainda menor aplicabilidade prática, ou de maior
“insucesso” em termos numéricos, ocorreu com o artigo 233 do texto original da
Constituição da República.
Revogado pela Emenda Constitucional nº 28 de 2.000, o respectivo
dispositivo estabelecia a seguinte disciplina:
Art. 233. Para efeito do art. 7º, XXIX, o empregador rural comprovará,
de cinco em cinco anos, perante a Justiça do Trabalho, o
cumprimento das suas obrigações trabalhistas para com o
empregado rural, na presença deste e de seu representante sindical.
§ 1ºUma vez comprovado o cumprimento das obrigações
mencionadas neste artigo, fica o empregador isento de qualquer ônus
decorrente daquelas obrigações no período respectivo. Caso o
empregado e seu representante não concordem com a comprovação
do empregador, caberá à Justiça do Trabalho a solução da
controvérsia.
§ 2ºFica ressalvado ao empregado, em qualquer hipótese, o direito de
postular, judicialmente, os créditos que entender existir, relativamente
aos últimos cinco anos.
§ 3º A comprovação mencionada neste artigo poderá ser feita em
prazo inferior a cinco anos, a critério do empregador.
O legislador constituinte de 1986-1988, assim, criou um procedimento
típico de jurisdição voluntária, envolvendo a comprovação em juízo do
cumprimento de obrigações trabalhistas por meio do qual o empregador rural
poderia provocar a Justiça do Trabalho para, diante do respectivo empregado
rural e do seu representante sindical, obter a chancela judicial de quitação das
respectivas obrigações patronais derivadas do contrato entre as partes.
Era uma hipótese de atuação em sede de jurisdição administrativa,
pois no início do procedimento não havia conflito e a provocação do EstadoJuiz para demonstrar o correto cumprimento das obrigações tinha por objeto
interesses privados submetidos a uma gestão pública materializada mediante
uma fiscalização preventiva do Estado.
Caso surgisse, no curso do procedimento, um conflito de interesses,
então caberia a qualquer um dos “agora” litigantes promover uma ação judicial
de jurisdição contenciosa (ação de consignação em pagamento, pelo
empregador; reclamação trabalhista típica, pelo empregado) para que a Justiça
do Trabalho solucionasse a contenda.
A ideia original, assim, seria proporcionar ao empregador rural uma
fórmula não contenciosa para demonstrar a quitação de suas dívidas
trabalhistas a cada período de cinco anos e assim evitar a comprovação
posterior de obrigações antigas, considerando que à época ao trabalhador rural
se aplicava somente a prescrição bienal iniciada com o término do contrato de
emprego entre as partes ... o que podia levar o empregador a ter que
demonstrar em juízo o cumprimento de obrigações relativas a décadas atrás
quando diante de um rurícola com contrato de emprego de longa data.
A equiparação feita pela Emenda Constitucional nº 28 entre os
empregados urbanos e rurais quanto à prescrição, estendendo aos rurícolas a
prescrição quinquenal incidente durante o curso do contrato, acabou por tornar
obsoleto o procedimento de jurisdição voluntária criado pelo legislador
constituinte ... daí a consequente revogação do artigo 233 pela mesma
Emenda.
Mas mesmo antes da Emenda Constitucional nº 28, o procedimento do
artigo 233 era de uso quase que inexistente por um problema simples: o
procedimento já nasceu obsoleto.
Como o § 2º do respectivo artigo assegurava o direito do empregado
rural de, a qualquer tempo, judicializar a questão dentro de um processo
contencioso, a opção pelo procedimento de jurisdição voluntário de revelou
pouco atrativo.
Qual o incentivo de provocar o Estado e se submeter, dentro de um
procedimento de jurisdição administrativa, à demonstração do cumprimento de
obrigações trabalhistas se, ao final, não haverá nenhum efeito liberatório
decorrente de tal comprovação, (em que pese as letras do §1º) a não ser iniciar
um prazo prescricional de cinco anos para o empregador poder propor uma
ação para pleitear créditos que entender devidos?
Ao permitir ao empregado demandar posteriormente, dentro do prazo
de cinco anos, os créditos que entender existir, o legislador constituinte acabou
por desestimular o empregador rural. O interesse deste, naturalmente, estaria
vinculado à ideia de que, uma vez comprovado o cumprimento das obrigações
e obtido uma “chancela” do Estado-Juiz, a respectiva quitação não mais estaria
sujeito a discussão.
De forma bem objetiva, na visão natural do empregador, o interesse
estaria em obter os efeitos de uma coisa julgada material. Como o §2º do artigo
ressalvou o direito de ação do empregado rural, o recurso ao procedimento de
jurisdição voluntária foi visto como pouco proveitoso e até “atrevido” ou mesmo
“perigoso”, pois poderia provocar a reação de um empregado originalmente
“dócil”.
Não era, ainda, a iniciativa ideal para incentivar uma atuação mais
consistente da Justiça do Trabalho no exercício da jurisdição voluntária.
Mas a promulgação da Lei nº 13.467 de 2017 parece ter sido um passo
em tal direção.
Como será abordado na próxima seção.
5. Lei nº 13.467 de 2017 e a Nova Alínea “f” do Artigo 652 da CLT
A Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467 de 2017 tem sido
alvo de incessantes críticas negativas e positivas das mais diversas ordens.
Como o presente artigo envolve uma análise acerca de uma de suas inovações
no plano processual, o exame a será desenvolvido da forma mais técnica
possível, reconhecendo eventuais defeitos e virtudes dentro de uma
perspectiva propriamente institucional.
A Lei nº 13.467 de 2017 instituiu um acréscimo importante ao Título X
da CLT (DO PROCESSO JUDICIAL DO TRABALHO), apresentando um novo
capítulo, o III-A, intitulado DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL, com os artigos 855B a 855-E.
O legislador de 2017, destarte, expressamente inseriu por meio da
denominada Reforma Trabalhista dispositivo tratando de um processo de
jurisdição voluntária, ou seja, de uma fórmula alternativa à jurisdição
contenciosa exercida pela Justiça do Trabalho.
Foi uma opção do legislador que, apesar desde a tramitação do projeto
enfrentar ruídos de oposição por parte daqueles contrários ao uso de caminhos
alternativos à jurisdição estatal contenciosa para a solução de conflitos
individuais do trabalho, decidiu enfrentar a resistência e insistir nas medidas
inovadoras.
A chave para o funcionamento adequado de qualquer via alternativa à
jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, na realidade, reside em algo que
legislador algum pode impor por mais que formalize a imposição no texto da lei
como fez o legislador de 2015 no artigo 5º do Código de Processo Civil: a
exigência de um alto padrão ético para todos os envolvidos, desde as partes
interessadas (empregado e empregador) e seus respectivos representantes
(como os advogados), até o terceiro que intervém na relação com o objetivo de
promover um resultado final satisfatória a todos.
Estabelece o citado artigo 5º do diploma processual civil:
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve
comportar-se de acordo com a boa-fé.
É desconfortável reconhecer que o legislador de um país sentiu a
necessidade de expressar na letra da Lei que todos os participantes de um
processo judicial, seja de jurisdição contenciosa ou voluntaria, têm o dever de
agir de acordo com algo que, em uma nação civilizada, se pressupõe como
inato a um cidadão.
Ser honesto. Atuar de forma leal. Agir de boa-fé.
Elementos que devem sempre nortear o caminho de um indivíduo e de
uma coletividade.
Se a Constituição da República estabeleceu logo no seu artigo 1º,
dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, é por meio de um
caminho percorrido com ética e boa-fé que o brasileiro conseguirá alcançar
esses valores essenciais à sociedade pátria.
Sem uma atuação pautada em valores morais intrínsecos a uma vida
escorreita, não há como materializar esses objetivos, seja dentro ou fora de um
processo judicial.
Sem ética, não haverá como promover acesso à justiça, em qualquer
uma de suas dimensões.
Em havendo uma atuação com alto padrão ético por parte dos
envolvidos em qualquer fórmula alternativa à jurisdição contenciosa, não
haverá motivo de preocupação com fraudes, com abusos, com ilicitudes.
Dentro de tal contexto, a fórmula de acordos extrajudiciais (e sua
posterior homologação em um procedimento de jurisdição voluntaria) deve ser
sempre bem-vindo como forma de acesso à justiça ... em uma visão de uma
“Justiça Multiportas”. (ZANETI JÚNIOR e CABRAL, 2017).
É a partir dessa premissa que deve ser pautada a defesa da
admissibilidade dessa via alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do
Trabalho, consubstanciada em uma fórmula de jurisdição voluntária destinada
à homologação de acordo extrajudicial.
Deve o magistrado, ao exercer essa nova atribuição, partir do
pressuposto da crença na boa-fé das partes. Mas ser absolutamente
intolerante com a má-fé.
Se existir uma fraude, uma tentativa de sonegar direitos e simular um
acordo, deve o magistrado agir com rigor para evitar a concretização do desvio
e para sancionar os responsáveis. Ações de tal natureza devem ser
combatidas com vigor pela Justiça do Trabalho. E o juiz do trabalho deverá
estar atento a tais condutas nocivas, pois, como será examinado adiante, no
exercício da jurisdição voluntária dentro da nova fórmula processual, a sua
atuação não se resume a ser um equivalente a um mero “certificante”.
Agora, a premissa não pode ser no sentido que sempre haverá tal
intuito perverso.
Presunção de boa-fé, punição à má-fé.
Esta deve ser a diretriz.
Feitas essas considerações de bases éticas, a análise da nova fórmula
faz surgir uma série de constatações de grande interesse processual. Para
alguns doutrinadores, o processo de homologação de acordos extrajudiciais
representa uma das propostas mais ambiciosas do legislador de 2017. (SILVA,
2017, p. 165).
A primeira providência do legislador de 2017, para evitar qualquer
problema envolvendo questões de competência, foi inserir a alínea “f” no
elenco do artigo 652 da CLT:
Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
...
f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria
de competência da Justiça do Trabalho.
Além de incluir o novo dispositivo, o legislador igualmente promoveu
uma mudança no caput do artigo 652, substituindo a expressão “Juntas de
Conciliação e Julgamento” pela nomenclatura mais moderna de “Varas do
Trabalho”. Mas, mesmo com essa “modernização” de nomenclaturas, persiste
uma incoerência técnica no texto do respectivo artigo.
Uma Vara do Trabalho não exerce competência jurisdicional. Esta
atribuição no primeiro grau é exclusiva do juiz do trabalho.
A terminologia adotada pelo legislador, assim, não foi a mais
adequada, uma vez que as Varas do Trabalho são unidades judiciárias nas
quais atuam os juízes do trabalho, estes sim órgãos da Justiça do Trabalho
segundo o artigo 111, inciso III, da Constituição da República, e, assim, como
tais, investidos na jurisdição e com competência para processar e julgar ações.
É da competência do juiz do trabalho de primeiro grau, assim, proceder
à atividade judicante envolvendo a prolação de sentenças homologatórias de
transações celebradas extrajudicialmente em questões que se enquadram
dentro da competência material da Justiça do Trabalho.
O legislador de 2017 atribuiu tal atividade jurisdicional aos órgãos de
primeiro grau e não aos tribunais regionais ou ao Tribunal Superior do
Trabalho, delimitando o alcance da competência em termos funcionais, em
virtude da nova alínea “f” ter por objeto o acordo extrajudicial celebrado em
sede das relações individuais de trabalho. Não quis o legislador, assim, incluir
dentro de tal âmbito de atuação jurisdicional a homologação de eventual
acordo extrajudicial celebrado pelas partes em matéria que, caso judicializada,
seria da competência originária dos tribunais. E agiu bem o legislador, seja em
virtude de não ser razoável conceber a existência de interesse (e muito menos
de necessidade) de submeter à homologação judicial acordos extrajudiciais
envolvendo temas típicos de mandado de segurança ou de ação rescisória,
seja em face à evidente prescindibilidade de qualquer tutela jurisdicional
integrativa de tal natureza diante de instrumentos oriundos de negociação
coletiva, já revestidos de sua eficácia própria.
Nada impede, entretanto, que o relator de um recurso ordinário no
âmbito de um tribunal regional (ou mesmo no Tribunal Superior do Trabalho),
interposto contra a sentença do juiz do trabalho no processo de jurisdição
voluntária, venha a proceder à homologação do acordo extrajudicial. Mas em
assim agindo, estará no exercício de uma competência funcional derivada, em
consequência da sua atuação na fase recursal do processo. (CASSAR e
BORGES, 2017, p. 141).
A expressão “em matéria da competência da Justiça do Trabalho”
constante da mencionada alínea “f”, por sua vez, deixa evidente que o
respectivo acordo extrajudicial pode envolver questões além dos limites do
inciso I do artigo 114 da Constituição da República, anteriormente examinado.
Em outras palavras, a respectiva atividade jurisdicional pode ter por objeto da
homologação de um acordo extrajudicial envolvendo obrigações relativas a um
contrato de empreitada entre um empreiteiro operário ou artífice e seu tomador
de serviço, nos moldes permitidos pelo inciso IX do citado artigo 114 em
combinação com o artigo 652, alínea “a”, inciso III, da Consolidação das Leis
do Trabalho.
E mais: pode até envolver outras situações alcançadas pelos demais
incisos do artigo 114 da Carta Magna. Como, por exemplo, alguma disputa
pertinente ao exercício do direito de greve (inciso II) ou um conflito entre
sindicato e trabalhador ou entre sindicato e empregador (inciso III).
Desde que o acordo extrajudicial envolva interesses que possam ser
objeto de uma transação e cuja matéria se encontra dentro do âmbito dos
limites estabelecidos pelos incisos do artigo 114 da Carta Política de 1988, será
da competência material dos juízes do trabalho o exercício da respectiva
atividade jurisdicional nova introduzida pela Lei nº 13.467 de 2017.
Com tal medida, o legislador deixou em clarividência que o juiz do
trabalho agora tinha ampliado a sua esfera de atuação para incluir mais essa
manifestação de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho. (SOUZA JÚNIOR
et al, 2017, p. 347).
Algo perfeitamente admissível não apenas considerando as
experiências anteriores envolvendo os procedimentos previstos nos artigos 500
da CLT, 1º da Lei nº 5.107, 9º da Lei nº 7.064 de 1982 e 233 do texto primitivo
da Constituição de 1988, mas especialmente considerando a alteração
promovida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ao texto do artigo 114 da
mesma Constituição.
Ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e
julgar ações oriundas da relação de trabalho, o texto do artigo 114 não deixa
dúvidas quanto a admissibilidade de atividade jurisdicional dos juízes do
trabalho em sede de jurisdição voluntária, administrando interesses privados
numa função de gestão de natureza integrativa própria da jurisdição graciosa.
Mas atuação do juiz do trabalho no exercício da jurisdição voluntária
peculiar ao procedimento de homologação de acordo extrajudicial vai além de
uma função meramente “certificante”.
Como será abordada na próxima sessão.
6. Atuação do Juiz do Trabalho no Processo de Homologação de
Acordo Extrajudicial
A Lei nº 13.467 de 2017 introduziu um novo capítulo, o Capítulo III-A,
ao Título X da CLT, destinado a disciplinar o “PROCESSO DE JURISDIÇÃO
VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL”.
Interessante a opção terminológica do legislador: “Processo” de
jurisdição voluntária.
Para aqueles que negam o caráter jurisdicional à jurisdição voluntária,
apontando que a mesma se materializa apenas por meio de um procedimento
e não por intermédio de um processo jurisdicional, surge um novo argumento a
desafiar.
Mera falha parlamentar na escolha da nomenclatura, como ocorreu na
redação do texto do caput do artigo 652 ao utilizar a expressão “Varas” ao
invés de “Juízes”?
Talvez ...
Mas é evidente que se apresenta como mais atrativo o entendimento
de que, no caso particular do título do novo Capítulo III-A, houve um acerto na
terminologia e uma conseqüente evolução no texto legal no tratamento
dispensado à jurisdição voluntária. Ao menos para os que reconhecem como
jurisdicional que todo o complexo de atribuições do magistrado diante de lides
e de demandas necessárias mas não contenciosas.
Dentro de tal contexto, destarte, acertou o legislador de 2017 ao utilizar
a expressão “Processo de Jurisdição Voluntária”, indo além do legislador de
2015, que no Código de Processo Civil preferiu utilizar a expressão
“procedimentos de jurisdição voluntária”.
Conforme já defendido em seções precedente, a jurisdição graciosa,
mesmo sem ter por objeto uma lide, é sim jurisdição do Estado-Juiz. O conflito
não é absolutamente essencial à atividade jurisdicional. Não há dúvida de que
a jurisdição contenciosa ocupa o posto de principal foco de atenção do
Judiciário. Mas a jurisdição não contenciosa e integrativa também representa
uma relevante atribuição dos órgãos jurisdicionais. Como exposto em
passagens anteriores, assim, a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional
exercida pelo juiz.
E, deve ser destacado ainda, a “necessidade” dessa nova fórmula
alternativa à jurisdição contenciosa nem sempre decorre da vontade
espontânea dos sujeitos que celebraram o acordo no âmbito extrajudicial, fato
que acentua ainda mais o seu caráter jurisdicional. Em algumas hipóteses, o
recurso à jurisdição voluntária pode derivar de uma imposição legal decorrente
de situação alheia à vontade dos interessados, conforme já demonstrado na
análise da hipótese do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982.
Pode ocorrer a necessidade de se obter a homologação de um acordo
extrajudicial celebrado pelo empregador com os sucessores legais de um
empregado falecido, por exemplo, simplesmente para se obter a autorização
judicial do levantamento de valores anteriormente depositados em nome do de
cujus, uma vez que a simples transação extrajudicial não implicará
automaticamente em tal liberação. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441).
Há, por conseguinte, um autêntico processo de jurisdição voluntária
dentre as novas atribuições da Justiça do Trabalho oriundas da Lei nº 13.467
de 2017.
Quanto ao rito processual disciplinado nos novos artigos 855-B a 855-E
da Consolidação das Leis do Trabalho, a estrutura do modelo é bastante
simplificado.
O caput do artigo 855-B estabelece apenas as exigências para a
instauração do processo, exigindo que a peça vestibular seja uma petição
conjunta apresentada e que as partes estejam representadas por advogados,
vedando o ius postulandi:
Art. 855-B – O processo de homologação de acordo extrajudicial terá
início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das
partes por advogado.
A imposição legal da representação judicial por meio de profissional
devidamente habilitado, evidentemente, decorreu a preocupação do legislador
em exigir maior solenidade à fórmula de jurisdição voluntária, com o intuito de
prevenir desvios e abusos com a presença de quem a Constituição da
República de 1988 elevou ao status de agente indispensável à administração
da justiça.
E, por mais que venham a surgir críticas no sentido de que tal
exigência é insuficiente para assegurar a lealdade dos interessados e que a
nova fórmula servirá apenas para legitimar fraudes, a premissa da boa-fé deve
prevalecer. Ou seja, deve o juiz partir do pressuposto da crença na boa-fé das
partes, mas ser intolerante com a má-fé.
Os dois parágrafos do artigo 855-B, por seu turno, estabelecem que
cada parte deve constituir seu próprio advogado, sendo proibida a atuação de
um mesmo causídico para representar ambas as partes, e que, se o
empregado assim optar, poderá ser assistido pelo advogado da entidade
sindical da sua categoria:
§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do
sindicato de sua categoria.
Na disciplina dos respectivos dispositivos, novamente se torna visível
uma certa cautela do legislador, que impôs a presença de advogados distintos
para as partes e vedou a representação de ambos por um advogado comum,
como forma de garantir a higidez das manifestações de vontade dos
interessados e assegurar, caso venha a surgir diferenças, maior independência
na defesa dos interesses de cada um dos sujeitos.
Apesar do legislador não especificar qualquer proibição explícita, o
bom senso e o alto padrão ético desejável recomendam averiguar em cada
caso se existe ou não alguma forma de sociedade ou parceria eventual entre
os causídicos, para evitar simulações e fraudes.
Quanto aos requisitos intrínsecos e extrínsecos dessa petição conjunta,
o legislador de 2017 nada esclareceu no texto do novo capítulo. Como
conseqüência lógica, a disciplina de tais exigências de regularidade devem ser
os mesmos previstos para uma petição inicial trabalhista típica.
Devem acompanhar a respectiva peça vestibular do processo, por
conseguinte, os documentos necessários à propositura da ação, bem como os
instrumentos de mandato outorgando poderes aos respectivos advogados. O
conteúdo da petição, por seu turno, deve conter os elementos exigidos pela
nova redação do artigo 840, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho,
inclusive com a identificação dos valores de cada pedido envolvendo prestação
pecuniária.
A exigência de tal quantificação é natural. Se no acordo se almeja obter
a quitação de dívidas, as respectivas obrigações devem ser identificadas e os
valores das prestações expressamente indicados.
O artigo 855-C, por sua vez, apenas deixou claro que o processo de
homologação de acordo extrajudicial em nada afeta os prazos do §6º e a multa
do §8º do artigo 477 da CLT:
O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6 o
do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa
prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.
O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo
extrajudicial, deve ser enfatizado, não serve apenas para composições
envolvendo empregados cujos contratos foram encerrados. Mas se o caso for
este, a disciplina do artigo 855-C certamente estimulará o empregador a
proceder, simultaneamente, com a homologação do termo de resilição
contratual ou, ao menos, proceder ao depósito do valor dos títulos decorrentes
da terminação contratual como forma de evitar a incidência da sanção
pecuniária prevista no §8º do artigo 477. (SILVA, 2017, p. 167).
É artigo 855-D, no entanto, que apresenta a essência do rito especial
do processo de homologação de acordo extrajudicial:
No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz
analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e
proferirá sentença.
O procedimento, de simplicidade aparente mas que pode se
desenvolver com alguma complexidade dependendo das peculiaridades do
caso, estabelece o seguinte protocolo a ser cumprido dentro do prazo (exíguo)
de apenas 15 dias:
1)
Distribuída a petição, que deverá conter no seu corpo ou em
anexo o instrumento do acordo cuja homologação é
pretendida, o magistrado exerce um juízo de admissibilidade
sobre a ação e, sendo admitida, em seguida procede a um
exame acerca do teor do pacto extrajudicial;
2) analisado o instrumento, o magistrado passa a ter três
opções: a) pode proferir sentença indeferindo o pedido de
homologação, caso que entenda que haja motivo para a
rejeição, devendo fundamentar de modo claro e preciso a
sua decisão; b) pode proferir sentença homologando o
acordo, caso entenda que todos os requisitos de validade
do negócio jurídico foram atendidos; e c) pode designar
audiência de justificação e eventual instrução, caso entenda
necessária diligências de tal natureza para melhor
esclarecer a matéria objeto do acordo, e, em seguida,
proferir uma sentença nos moldes de uma das letras
anteriores.
Rito processual em princípio simples,
complexo, dependendo do caso.
mas que pode se tornar
Apenas 15 dias para cumprir todas as etapas? Na prática será muito,
muito difícil atender à postura otimista do legislador quando à celeridade do
protocolo judicial.
Durante o curso do processo de jurisdição voluntária, o juiz do trabalho
deve sempre proceder com cautela, ponderação e dinamicidade.
Cautela para prevenir qualquer tentativa de fraude. Deve o magistrado
examinar cuidadosamente a petição conjunta e, se entender adequado,
convocar os interessados para uma audiência para prestar esclarecimentos.
Incumbe ao juiz fiscalizar a regularidade da peça vestibular e do próprio
acordo, com o objetivo de não deixar passar incólume qualquer defeito ou vício
de vontade.
Ponderação no sentido de atuar com o objetivo de, com sensibilidade e
dentro de limites de razoabilidade, conduzir os interessados na missão de
alcançar a finalidade proposta pelo legislador e permitir a homologação de um
acordo celebrado extrajudicialmente. Sem exageros formalistas e com bom
senso.
E dinamicidade no sentido de agir de forma pró-ativa, inclusive em
cooperação com os interessados, de modo a suprir eventual empecilho que
esteja impedindo o prosseguimento do processo, seja o obstáculo um simples
defeito sanável na petição conjunto, seja o problema a necessidade de
readequar os termos do acordo a limites legais. O magistrado deve auxiliar os
interessados para que o objetivo comum dos mesmos seja alcançado.
A atuação do juiz no processo de jurisdição voluntária, assim, não é de
natureza meramente certificante. Há uma atuação ativa do magistrado tanto no
exame do objeto do processo (o acordo judicial), para aferir a presença e
validade dos elementos constitutivos e a ausência de defeitos aptos a
comprometer a validade do respectivo negócio jurídico, como também para
ajudar as partes a proceder ao desenvolvimento regular da respectiva relação
processual de modo a viabilizar a entrega da prestação jurisdicional almejado
por ambos os interessados.
O receio daqueles que visualizam essa nova fórmula de jurisdição
voluntária como uma via expressa para a fraude, assim, deve ser superado
pela constatação do papel que o juiz do trabalho exercerá durante toda a
tramitação da respectiva demanda necessária, executando simultaneamente
atos de fiscalização e de integração, como é próprio de uma função
jurisdicional tão relevante.
Em obra sobre a Lei nº 13.467 de 2017, os autores Antônio Umberto de
Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo
Neto enfatizam exatamente a importância de tal papel do juiz do trabalho:
Seja sobre o objeto, seja sobre a forma e seja sobre os sujeitos
envolvidos, cabe ao juiz, independentemente de qualquer
provocação, avaliar a juricidade e eticidade do pedido que lhe é
dirigido. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441).
...
Efetivamente, o juiz do trabalho não estará obrigado a homologar o
acordo extrajudicial a ele submetido (CLT, art. 855-E, parágrafo
único). Cumprirá verificar as circunstâncias do negócio jurídico
entabulado e, em especial, ter certeza da ausência de qualquer vício
de vontade na manifestação dos transatores – em especial da pessoa
mais frágil naquele instante. Afinal, se a fragilidade é um dado
sociológico inerente à generalidade dos empregados, ela estará
sensivelmente agravada no momento imediatamente à dispensa, pois
a incerteza do futuro, o medo do ócio involuntário e as necessidades
materiais prementes podem formar um campo fértil para a prática de
abusos patronais, com ofertas de quitação rescisória que sejam
ruinosas para o trabalhador. A presença do estado de perigo, da
lesão, da coação ou até mesmo da simulação (viabilizada por
qualquer dos vícios anteriores) deve ser afastada no exame do
pedido de homologação.(SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 448).
Incumbirá ao juiz do trabalho, em cada caso, exercer as múltiplas
atribuições desse novo papel no âmbito da jurisdição voluntária. Se entender
que há algum vício formal ou material insuperável, deverá indeferir o pedido de
homologação, proferindo uma sentença de improcedência e, se evidenciado
nos autos, aplicar as sanções próprias da litigância de má-fé agora constantes
da legislação processual trabalhista, em face à inserção na Consolidação das
Leis do Trabalho dos artigos 793-A, 793-B e 793-C pela Lei nº 13.467 de 2017.
Será possível homologar apenas parte do acordo?
Em princípio sim ... mas dentro de determinados parâmetros de
razoabilidade. O magistrado pode, assim, não homologar uma parte do acordo
que envolva alguma ilicitude (uma cláusula dispensando o empregador de
anotar a CTPS do empregado, por exemplo) ou que dar quitação de um
contrato de dez anos de vigência mediante o pagamento de uma quantia
evidentemente desproporcional ... mas não será razoável, por outro lado, o juiz
homologar apenas as cláusulas do acordo que favorecem uma das partes e
negar a homologação das cláusulas que favorecem a outra, quando é óbvio
que as partes fizeram concessões recíprocas para chegar a um denominador
comum ...
Na medida do possível deve o juiz do trabalho buscar o diálogo com e
entre as partes para promover um acerto dentro dos limites da licitude que
permitirá a obtenção da desejada homologação judicial.
De qualquer modo, o magistrado deverá sempre fundamentar a
sentença, expondo os motivos que o levaram a deferir ou indeferir o pedido de
homologação, inclusive observando as exigências do §1º o artigo 489 do CPC
de 2015.
E, caso haja indeferimento total ou parcial do pedido de homologação,
caberá recurso ordinário de tal decisão, a ser interposto por qualquer das
partes interessadas.
Em ocorrendo a homologação do acordo conforme postulado na
petição que deu início ao processo de jurisdição voluntária, somente caberá
recurso em uma única hipótese: apelo do Instituto Nacional de Seguridade
Social, à semelhança do previsto no artigo 831, parágrafo único da CLT, para o
termo de conciliação judicial, uma vez que a autarquia previdenciária poderá
constatar, após ser devidamente intimada da sentença homologatória da
quitação de créditos de natureza indenizatória, a existência de irregularidades
envolvendo recolhimentos previdenciários.
O último artigo do Capítulo III-A, por fim, se limita a tratar dos efeitos do
processo de homologação de acordo extrajudicial sobre a prescrição,
estabelecendo eu haverá a suspensão do prazo prescricional quanto aos
direitos discriminados no negócio jurídico, retornando o seu fluxo normal no dia
útil subsequente ao do trânsito em julgado da sentença que negou a pretensão
homologatória.
Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial
suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela
especificados.
Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil
seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a
homologação do acordo.
O parágrafo único igualmente destaca, merece ser destacado, que
após o exaurimento do prazo recursal haverá o trânsito em julgado da
sentença. O efeito da res iudicata certamente será almejado por ambos os
interessados na homologação, uma vez que estabelece a imutabilidade da
decisão homologatória, que então somente poderá ser desconstituída em outro
processo judicial, agora de jurisdição contenciosa.
E a via processual adequada será uma ação anulatória ou uma ação
rescisória?
Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão
e Platon Teixeira de Azevedo Neto (SOUZA et al, 2017, p. 450), defendem que
o artigo 966, §4º, do Código de Processo Civil de 2015 teria superado o
entendimento sedimentado na Súmula nº 259 do Tribunal Superior do
Trabalho, e, assim, defendem que a ação anulatória seria o instrumento a
utilizar para impugnar uma sentença homologatória do acordo extrajudicial.
Entretanto, os mesmos autores defendem que será a ação rescisória o remédio
processual a ser utilizado para hostilizar sentença que tenha indeferido o
pedido de homologação.
O caminho mais em sintonia com as peculiaridades, antigas e novas,
do modelo processual trabalhista, entretanto, conduzem à ideia de que a ação
rescisória se revela mais adequada para postular a invalidação da sentença
proferida em sede de processo de jurisdição voluntária de homologação de
acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho.
Já no segundo ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, o
Tribunal Superior do Trabalho ainda mantém intacto texto da sua Súmula 259,
que consagra a ação rescisória como o meio de impugnação do termo de
conciliação judicial, ressalvada a hipótese de recurso ordinário interposto pela
Fazenda Pública quanto a questões previdenciárias.
O texto do parágrafo único do artigo 855-E, por sua vez, ao enfatizar
que ocorre o “trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do
acordo”, deixa em clarividência a existência da espécie de coisa julgada
material típica da pretensão rescindenda da ação rescisória.
E admitir duas vias distintas para a impugnação da sentença,
dependendo do deferimento ou não do pedido de homologação, seria seguir
por um caminho processual tortuoso e confuso para as partes ... e isso sem
considerar que, em tese, na hipótese de uma possível uma sentença que
deferisse em parte o pedido de homologação, um capítulo seria impugnável
pela via da rescisória e outro capítulo teria que ser hostilizado por meio de uma
ação anulatória.
Mas simples e adequado ao modelo processual do trabalho, assim,
concentrar na via ação rescisória o caminho para impugnar a sentença oriunda
do processo de jurisdição voluntária envolvendo a homologação de acordo
extrajudicial, seja qual for o teor do respectivo julgado.
Ao menos no atual estágio de evolução do processo trabalhista.
O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo
extrajudicial é, indiscutivelmente, uma fórmula inovadora diante de grandes
expectativas.
Como o respectivo processo permite a obtenção dos efeitos da coisa
julgada mediante a homologação por sentença do acordo, haverá um natural
estímulo àqueles que não desejam passar pelo tormento de um processo
contencioso mais longo.
Mas funcionará? Haverá harmonia entre juízes e interessados em obter
a chancela judicial? Serão parceiros ou adversários?
Dependerá de dois fatores subjetivos de grande relevância ... Um alto
padrão ético das partes interessadas (e de seus respectivos advogados), que
assim podem se tornar importantes aliados dos juízes do trabalho. E a
receptividade destes últimos à respectiva via alternativa à jurisdição
contenciosa.
Se os magistrados trabalhistas compreenderem o seu papel definidor
na reconquista da legitimidade de sua atuação perante toda a sociedade, hoje
abalada pela incapacidade de enfrentar um volume colossal de demandas
litigiosas ... aí sim a Justiça do Trabalho estará fortalecida para enfrentar
qualquer ameaça ... e com a resiliência capaz de superar qualquer
adversidade.
7. Conclusões
O legislador de 2017, por meio da Lei nº 13.467 de 2017, introduziu no
modelo processual do trabalhista uma nova fórmula jurisdicional não
contenciosa, por meio do processo de jurisdição voluntária para homologação
de acordos extrajudiciais.
Incluindo tal atribuição dentro da competência dos órgãos de primeiro
grau da Justiça do Trabalho mediante a inclusão da nova alínea “f” do artigo
652 da Consolidação das Leis do Trabalho, e disciplinando o respectivo rito
processual nos novos artigos 855-B a 855-E do mesmo diploma, a chamada
Lei da Reforma Trabalhista ampliou a dimensão da atuação jurisdicional dos
juízes do trabalho.
Essas inovações legislativas trazidas pela Lei 13.467 de 2017 podem
contribuir para o fortalecimento do Judiciário Trabalhista.
É inegável a existência de uma forte resistência às vias alternativas à
jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, como o processo judicial para
homologação de acordos extrajudiciais.
Para o funcionamento adequado da nova fórmula alternativa, o mais
importante é a exigência de um alto padrão ético por parte de todos os sujeitos
participantes dessa técnica.
A introdução do processo de jurisdição voluntária de homologação de
acordo extrajudicial certamente dará um impulso à mediação de conflitos
individuais trabalhistas. E com uma vantagem sobre a disciplina envolvendo
outras vias alternativas como a arbitragem privada: ao condicionar a formação
da coisa julgada material à homologação pelo juiz do trabalho, instituiu um
mecanismo de controle sobre o negócio jurídico e seus sujeitos.
Com um procedimento em princípio bastante simples, o procedimento
de homologação é iniciado com a exigência de instauração por uma petição
conjunta, mas a representação judicial de cada parte terá que ser por
advogado próprio. Em seguida, são desenvolvidas uma fase de admissibilidade
da pretensão e outra de análise do acordo com a possibilidade de ser
designada sessão de audiência para fins de esclarecimentos de eventuais
dúvidas do magistrado, finalizando com uma etapa decisória na qual o juiz
sentenciará definindo se homologará ou não o acordo, com o dever de
fundamentar adequadamente essa decisão. A sentença, por fim, poderá ser
desafiada por meio de recurso ordinário por qualquer das partes se não ocorrer
a homologação ou se esta for parcial, e, excepcionalmente, poderá ser
hostilizada pelo INSS em caso afeto às contribuições previdenciárias. Uma vez
transitada em julgada, a sentença formará a coisa julgada almejada pelas
partes como forma de garantia de segurança jurídica quanto aos termos do
acordo homologado, sendo desafiada apenas por meio de ação rescisória.
Nova técnica, novo procedimento. E talvez uma realidade diferente
para a Justiça do Trabalho na sua árdua missão de solucionar um número
verdadeiramente impressionante de conflitos trabalhistas.
Como será a solução de conflitos individuais trabalhistas com essas
inovações trazidas pela Lei 13.467 de 2017?
Difícil afirmar com precisão ... mas uma certeza existe: o sucesso
dessa fórmula alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho está
diretamente vinculada ao grau de consciência que os protagonistas terão de
seus respectivos papéis nesse quadro institucional contemporâneo.
O juiz do trabalho, acima de tudo, terá que ser perspicaz e astuto,
compreendendo o momento delicado pelo qual passa a Justiça do Trabalho em
virtude da ameaça à sua legitimidade institucional diante da sociedade.
Compreender o processo de jurisdição voluntária para homologação de
acordos extrajudiciais como uma fórmula que pode efetivamente auxiliar o
Judiciário Trabalhista na sua missão de solucionar conflitos trabalhistas,
sempre dentro da linha de um alto padrão ético e da atuação em boa-fé,
representará um ganho e não uma perda para todos que compõem a Justiça
do Trabalho.
São esses os caminhos a seguir.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.
Volume I. 58ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
ZANETI JÚNIOR, Hermes e CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça
Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução
adequada para conflitos. Salvador: JusPodium. 2017.