PEJORATIVOS E EXTERNALISMOS COMBINATORIAIS
Rogério Saucedo Corrêa
Universidade Federal de Santa Maria
Natal, v. 22, n. 39
Set.-Dez. 2015, p. 69-91
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Rogério Saucedo Corrêa
Resumo: Injúrias, ofensas e palavrões constituem o conjunto dos pejorativos que servem para depreciar e difamar seus alvos. Para explicar o
significado dos pejorativos Cristopher Hom propôs o externalismo combinatorial estendido que é uma teoria semântica, a qual generaliza a explicação formulada pelo externalismo combinatorial. Este explica o significado de injúrias raciais e aquele o significado de pejorativos e ambos
pressupõem a tese da extensionalidade nula. No entanto, as pretensões
de generalização do externalismo combinatorial estendido são criticadas
a partir do argumento da falha de generalização formulado por Sennet e
Copp. Neste artigo, apresento os externalismos e a falha de generalização. A partir desta crítica, indico um problema mais grave que a falha
de generalização que compromete a tese da extensionalidade nula. Denomino este problema de inexistência de contrapartes neutras dos pejorativos.
Palavras-chave: Pejorativos; Semântica; Externalismo combinatorial;
Externalismo combinatorial estendido.
Abstract: Slurs, insults and swear words make up the set of pejoratives
that are meant to derogate and traduce their targets. Christopher Hom
proposed the extended combinatorial externalism to explain the meaning
of pejorative. The extended combinatorial externalism is a semantic
theory that generalizes the explanation of combinatorial externalism. The
latter explains the meanings of racial slurs whereas the former deals with
the meaning of pejoratives. Thus, both presuppose the thesis of null
extensionality. However, the pretentions of generalization of extended
combinatorial externalism are under critique based on Sennett and
Copp’s argument concerning to failure of generalization. I present
externalisms and misconstrued generalization in the present paper.
Having the present critique as a starting point, I call attention to a more
serious problem than misconstrued generalization which impairs the
thesis of null extensionality. I name this problem unexistence of neuter
counterparts of pejoratives.
Keywords: Pejoratives; Semantics; Combinatorial Externalism; Extended Combinatorial Externalism.
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Pejorativos e externalismos combinatoriais
1. Introdução
O conjunto de expressões constituído por palavrões, insultos e
injúrias denomina-se pejorativos (Hom, 2010, p. 164). Termos como “filho da puta”, “imbecil” e “sapatão” são típicos exemplo de
palavrão, insulto e injúria, respectivamente1. Estas expressões depreciam ou difamam seus alvos (Hom, 2012, p. 383). Como elas
são pejorativos, posso dizer que sapatão, além de injuriar, também
pejora seu alvo. O mesmo vale para ofender e para qualquer palavrão dirigido a um alvo. Se xingo meu vizinho de imbecil, então
não apenas ofendo-o como também pejoro-o, e se chamo alguém
de bunda mole, além de dirigir-lhe um palavrão, pejoro-o.
O debate sobre o significado dos pejorativos tem dois tipos de
abordagens principais. Uma abordagem semântica e outra não
semântica. Copp, por exemplo, propõe uma teoria não semântica
com base na ideia de que pejorativos são governados por convenções de uso (Sennet; Copp, 2014, p. 1082-1083). Outra teoria não
semântica é o expressivismo, para o qual o conteúdo expressivo de
um termo pejorativo “não contribui para as condições de verdade
daquilo que é dito, mas exibe um compromisso emocional de quem
1
A recente literatura sobre pejorativos contém algumas discussões sobre as
características destes termos. Hom (2010), por exemplo, enumerou dez
propriedades dos pejorativos e nove das injúrias. Além disso, Hom (2012)
também caracterizou os insultos a fim de distingui-los das injúrias. Se meu
modo de tratar os pejorativos está correto, suas características podem ser
consideradas como gerais ao passo que as características dos seus subgrupos
como particulares. Desse modo, toda injúria possui características particulares
e gerais e o mesmo vale para insultos e palavrões. Disso se segue uma
consequência interessante. É possível que os subgrupos de pejorativos compartilhem uma ou mais propriedades particulares entre si. Pense, por exemplo, no
termo ‘puta’. Ele tanto pode ser um palavrão quanto uma injúria sexual. Logo,
pode ter propriedades específicas de um palavrão e de uma injúria sexual. No
que diz respeito aos insultos, Hom (2012, p. 402) afirma que há uma
distinção entre o caráter depreciativo das injúrias e o caráter ofensivo dos
insultos. A depreciação é objetiva, pois está baseada nas condições de verdade
dos termos e a ofensa é subjetiva, uma vez que depende da enunciação do
termo. Não creio que isso seja suficiente e deve-se observar também que não
há nenhuma discussão sobre os palavrões.
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enuncia o termo pejorativo” (Hom, 2010, p. 171)2. Hom, por sua
vez, propôs três teorias semânticas para explicar o significado dos
pejorativos. O externalismo combinatorial (Hom, 2008), o externalismo combinatorial estendido (Hom, 2010) e a inocência semântica (Hom; May, 2013). O externalismo combinatorial estendido é
uma generalização do externalismo combinatorial, que foi formulado para explicar especificamente o significado de injúrias raciais.
Como pejorativos, além de injúrias raciais e sexuais, também
contém ofensas e palavrões, Hom estende a análise combinatorial
propondo o externalismo combinatorial estendido que deve, portanto, ser capaz de explicar não apenas o significado de injúrias,
mas o significado de palavrões e insultos. A inocência semântica é
a tese segundo a qual frases como (1) “Nenhum afrobrasileiro é
mulato”, (2) “Não existem mulatos” e (3) “Existem afrobrasileiros”
são concomitantemente verdadeiras (Hom; May, 2013, p. 293).
Todas estas três teorias são semânticas porque explicam o aspecto
depreciativo dos termos pejorativos, afirmando que eles são falsos,
ao passo que suas contrapartes neutras são verdadeiras. Dito de
outra forma, são teorias para as quais o sentido das frases assim
como o significado dos termos pejorativos diz respeito às condições
de verdade. Nesse sentido, sapatão é falso, enquanto lésbica é
verdadeiro, e mulato é falso, enquanto afrobrasileiro é verdadeiro.
O pressuposto fundamental dos externalismos combinatoriais,
portanto, é a tese da extensionalidade nula, segundo a qual pejorativos têm extensão nula. A extensionalidade nula também está
presente na inocência semântica proposta por Hom e May em
“Moral and semantic innocence” (Hom; May, 2013). Guardadas as
devidas diferenças, a inocência semântica recorre à tese de que
pejorativos possuem extensão nula. Neste artigo, analiso os dois
tipos de externalismo sob a luz de um contra-argumento denominado de falha da generalização (Sennet; Copp, 2014, p. 1100). De
acordo com este argumento, a pretensão do externalismo combina2
Uma exposição das diferentes teorias sobre pejorativos encontra-se em Hom
(2010).
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Pejorativos e externalismos combinatoriais
torial estendido é generalizar a explicação do externalismo combinatorial para quaisquer pejorativos. Portanto, explicar não apenas
injúrias raciais e sexuais, mas também ofensas e palavrões. O
externalismo combinatorial estendido, no entanto, não explica
adequadamente o caso da ofensa x, porque a ofensa x carece de
significado, uma vez que não existem mais as instituições sociais
que sustentam seu significado. Como existe, pelo menos, um termo
pejorativo para o qual a explicação combinatorial não se aplica,
segue-se que esta abordagem não é generalizável. Para desenvolver minha análise, começarei apresentando o externalismo
combinatorial seguido do externalismo combinatorial estendido.
Depois disso, reconstruirei o argumento da falha de generalização.
Embora este não seja o principal problema com esta perspectiva
semântica, creio que ele permite-me indicar algo importante e que
é um problema mais grave. Trata-se da inviabilidade da extensionalidade nula não em função da inexistência das entidades que
sustentam o significado dos pejorativos, mas da inexistência das
contrapartes neutras de certos pejorativos.
2. Os externalismos combinatoriais
De acordo com as teorias semânticas, o conteúdo semântico de
um termo contribui para o conteúdo verofuncional da frase em que
ele ocorre (Sennet; Copp, 2014, p. 1081). Por exemplo, a expressão “A Estrela matutina” contribui para o conteúdo semântico da
frase “A estrela matutina é um corpo celeste” tanto quanto a
expressão “A estrela vespertina” contribui para o conteúdo semântico da frase “A estrela vespertina é um corpo celeste”. Dado este
pressuposto geral, as expressões “mulato” e “afrobrasileiro” também contribuem para o conteúdo verofuncional das frases em que
elas ocorrem. Logo, “O mulato é rápido” e “O afrobrasileiro é rápido” são frases cujos conteúdos semânticos recebem contribuições
semânticas de mulato e afrobrasileiro. Há, no entanto, uma diferença fundamental entre estas frases, pois uma contém um termo
pejorativo enquanto a outra não. Alguns pejorativos possuem
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contrapartes neutras3, notadamente, injúrias raciais e sexuais.
Chamar uma pessoa de afrobrasileiro ou de lésbica não é pejorá-la,
mas usar expressões neutras para referir-se a ela, ao passo que a
chamar de mulato ou sapatão não apenas é injuriá-la, mas também
pejorá-la. De qualquer modo, teorias semânticas recorrem ao
elemento diferencial entre um pejorativo e sua contraparte neutra,
isto é, recorrem ao aspecto depreciativo dos pejorativos para
explicar a diferença de significado entre eles e suas contrapartes
neutras. Se o conteúdo semântico de uma frase é determinado pelo
conteúdo semântico de seus termos, então os conteúdos semânticos de “O mulato é rápido” e “O afrobrasileiro é rápido” são
diferentes em função dos conteúdos semânticos de “mulato” e
“afrobrasileiro”, e se a diferença é devida ao aspecto depreciativo
do termo pejorativo, então uma teoria sobre pejorativos deve
explicar o caráter depreciativo de um termo pejorativo.
É verdade, no entanto, que existem dois tipos de teorias semânticas. Por um lado, aquelas que sustentam que termos pejorativos e
suas contrapartes neutras diferem em extensão e, por outro lado,
aquelas que dizem que eles não diferem em extensão4. Os externalismos combinatoriais fazem parte do primeiro grupo, pois sustentam que termos pejorativos têm extensão nula, enquanto suas
contrapartes neutras não têm extensão nula. Dito de outra forma,
contrapartes neutras são verdadeiras e pejorativos são falsos. A
primeira formulação do externalismo, denominada apenas de
externalismo combinatorial, está em “The semantics of racial
epithets” (Hom, 2008). Esta versão inicial da teoria visa a explicar
especificamente o caso de injúrias raciais.
De acordo com Hom, o conteúdo depreciativo de uma injúria é
determinado por uma fonte externa ao termo pejorativo (Hom,
2008, p. 430). Por isso, a denominação de externalismo. Esta fonte
externa é as instituições sociais do racismo, isto é, as ideologias e o
3
Neste ponto, discordo de Hom e Sennet, pois eles não fazem esta distinção
que é importante, uma vez que ela permite-me mostrar a inviabilidade da
extensionalidade nula.
4
Há uma análise detalhada disso em Hom e May (2014).
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Pejorativos e externalismos combinatoriais
conjunto de práticas sociais (Hom, 2008, p. 430-431). As crenças
que parte da população branca brasileira nutre acerca dos afrobrasileiros e as práticas de rejeição e exclusão de certos âmbitos
sociais servem como exemplo do que Hom entende por instituições
sociais do racismo. Dizer que afrobrasileiros são intelectualmente
inferiores e, por isso, não merecem acender socialmente ou não
merecem ter acesso ao ensino superior é um típico exemplo de
crença negativa para com afrobrasileiros, assim como de uma prática histórica de exclusão social. Se mulato é um termo pejorativo
e, de fato, ele é pejorativo5, então seu significado é derivado e
sustentado pelas instituições sociais do racismo. Desse modo, o
termo “mulato” expressa determinada propriedade negativa construída socialmente porque está conectada externa e causalmente
com as instituições racistas.
Do ponto de vista linguístico, injúrias raciais são predicados
complexos que expressam propriedades negativas complexas. O
esquema que representa o significado de injúrias raciais tem a
forma “deve ser sujeito a esta prática discriminatória porque tem
estas propriedades negativas, tudo em função de ser NPC” (Hom,
2008, p. 431), ou seja ‘deve ser sujeito a p*1 + ... + *pn porque tem
d*1 + ... + d*n, tudo em função de ser NPC*’ (Hom, 2008, p. 431),
onde p*1 + ... + p*n são as prescrições deônticas derivadas do
conjunto de práticas sociais; d*1 + ... + d*n são as propriedades
negativas derivadas das ideologias racistas e NPC* é o valor
semântico do correlato não pejorativo da injúria6.
5
Há uma literatura detalhada sobre o surgimento do termo mulato. Para
tanto, ver Lara (2012), Mattos (2006 e 2013) e Alencastro (2000). Deve-se
observar que uma característica da força depreciativa é que ela pode sofrer
mudanças ao longo dos tempos de acordo com as dinâmicas sociais. Nesse
caso, mulato é um bom exemplo, pois é um termo que surgiu com uma força
depreciativa forte, mas, nos dias de hoje, foi amplamente incorporado na
cultura brasileira sem ou quase sem força depreciativa.
6
NPC é a abreviação para nonpejorative correlate of the epithet. Embora seja
discutível se epítetos são sinônimos de injúrias, Hom usa estas expressões
desse modo em “The semantics of racial epithets” (Hom, 2008).
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Como exemplo, Hom cita o caso da injúria racial “chink”, que
deprecia americanos de origem chinesa. Nesse sentido, “chink”
expressa uma propriedade complexa e socialmente construída
caracterizada como “deve ser sujeito a altos padrões de admissão
para escola superior e deve ser sujeito a exclusão de posições de
chefia, e ..., por ter olhos puxados, ser desonesto, lavar dinheiro, e ...,
tudo isso em função de ser chinês” (Hom, 2008, p. 431). É importante observar que nesta versão do externalismo combinatorial não
está presente, pelo menos, explicitamente, a tese da extensão nula,
embora ela contenha uma explicação para o caráter depreciativo
da injúria. A explicação repousa na distinção entre conteúdo depreciativo e depreciação como aplicação do conteúdo depreciativo.
Uma injúria expressa um conteúdo depreciativo, mas a depreciação é ato de fala em que alguém aplica este conteúdo depreciativo a um alvo (Hom, 2008, p. 432).
Esta mesma formulação do externalismo combinatorial reaparece em “Pejoratives” (Hom, 2010) com o nome de externalismo
combinatorial espesso. O qualificativo de espesso diz respeito ao
conteúdo dos pejorativos que, além de negativos e verofuncionais,
expressam a união de um fato e um valor7. Aqui, há três acréscimos importantes em relação à versão anterior. Em primeiro
lugar, a afirmação explícita de que o conteúdo depreciativo de um
pejorativo é verofuncional (Hom, 2010, p. 180). Isso já estava
pressuposto na primeira formulação do externalismo combinatorial. Em segundo lugar, a possibilidade de generalizar esta teoria
para outros pejorativos que não apenas injúrias raciais (Hom,
2010, p. 181). Em terceiro lugar, a distinção entre ocorrências
ortodoxas e heterodoxas de pejorativos (Hom, 2010, p. 181).
Como a teoria é a mesma de antes, excetuando-se estes acréscimos, limito-me a comentar a generalização e a distinção entre
ocorrência ortodoxa e heterodoxa de pejorativos.
7
Segundo Hom (2010, p. 180), esta expressão é retirada de Williamson
(2009).
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Os pejorativos possuem valores semânticos espessos e sensíveis
aos diferentes tipos de instituições sociais, de tal modo que a
espessura e severidade deles são determinadas por tais instituições
(Hom, 2010, p. 180). Para entender esta tese, é útil recorrer ao
exemplo usado por Hom. A frase “Paulo fodeu Maria” contém um
palavrão que é, como já disse acima, um tipo de pejorativo. Esta
frase diz que Paulo e Maria devem ser desprezados, irem para o
inferno, tratados como indesejáveis, por serem pecadores, não castos, concupiscentes, impuros, uma vez que tiveram relações sexuais (Hom, 2010, p. 181). A força depreciativa de “foder” é explicada pela espessura da propriedade prescritiva. Dadas as normas e
proibições em torno do sexo antes do casamento vigentes na
sociedade ocidental, maior será a força depreciativa de “foder”. No
entanto, em uma sociedade na qual não há maiores restrições ou
proibições ao sexo antes do casamento, menor será a força
depreciativa de “foder”. As propriedades espessas e prescritivas
explicam as ocorrências heterodoxas de pejorativos, mas não explicam as ocorrências ortodoxas, pois estas não contribuem para o
conteúdo semântico das frases em que ocorrem. Isso significa que
o esquema descrito acima não pode ser aplicado para ocorrências
ortodoxas de pejorativos. Há, portanto, uma distinção entre dois
tipos de ocorrências de pejorativos e, consequentemente, dois tipos
de explicações para os seus funcionamentos.
A diferença fundamental entre ocorrências ortodoxas e heterodoxas de pejorativos é que a primeira, mas não a segunda, não
contribui verofuncionalmente para o conteúdo da frase em que
ocorrem (Hom, 2012, p. 384/387). Além disso, ocorrências ortodoxas não são deslocáveis8, ao passo que as heterodoxas são (Hom,
2012, p. 384/387). Tanto em um caso quanto no outro, a
classificação depende de um critério sintático, isto é, depende da
posição sintática que o termo pejorativo assume na frase9. Nesse
8
Ver o exemplo da negação abaixo.
Hom assume uma tese que não é elucidada em suas análises e que eu
também não analisarei, pois foge do escopo deste texto. A tese diz que a
posição de uma palavra em uma frase está diretamente relacionada com sua
9
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sentido, as ocorrências ortodoxas são três. Um pejorativo pode
ocorrer como partícula expletiva, como adjetivo ou como advérbio10. Na frase “Porra! O sócio gerente demitiu Paulo”11, a expressão “porra” ocorre como uma partícula expletiva e indica um sentimento negativo de quem profere a frase para com o gerente que
demitiu Paulo (Hom, 2012, p. 384). Por isso, ela não acrescenta
nenhum conteúdo semântico ao resto da frase. Logo, a frase não
pode ser analisada levando-se em conta algo que não ocorre, isto
é, a contribuição do conteúdo semântico da partícula expletiva
para a frase. Algo análogo ocorre nos casos abaixo:
(1) O filho da puta do sócio gerente demitiu Paulo.
(2) O sócio gerente demitiu Paulo fodidamente.
(3) O sócio gerente demitiu o filho da puta do Paulo12.
Os exemplos acima apresentam os outros dois casos de ocorrências ortodoxas de pejorativos. Nestes, os pejorativos aparecem
função sintática na mesma. Considere as frases “I like ice cream” e “Friends
always told me I looked like my mother, but the way I look at people made them
think of my father”. Na primeira frase, “like” desempenha a função de verbo,
mas, na segunda frase, desempenha a função de preposição. Por quê? Porque
a função desse termo depende da posição que ele ocupa na frase. Desse modo,
se “like” é verbo, isso se deve ao fato de ele ser precedido por um sujeito e ter
um complemento como subsequente. Se “like” é preposição, então isso se deve
ao fato dela compor a expressão “look like”, na qual “look” é o verbo. Logo,
“like” só pode ser uma preposição (similar to).
10
Respectivamente expletive, expressive adjective e expressive adverb.
11
O exemplo original é “Fuck! The managing partner fired John” (Hom, 2012,
p. 384).
12
Os exemplos originais são: (1) The fucking managing partner fired John; (2)
The managing partner fucking fired John e (3) The managing partner fired
fucking John (HOM, 2012, p. 384). Creio, no entanto, que a grafia correta de
(2) seja “The managing partner fuckingly fired John”. Nesse caso, (2) tem um
pejorativo com ocorrência adverbial enquanto (1) e (3) têm pejorativos com
ocorrência adjetivas. A tradução de (2) para o português não captura
adequadamente o sentido original da frase em inglês. Em uma versão literal
no português a frase diz que o sócio gerente demitiu fodidamente (de modo
foda) o Paulo. Só assim temos uma ocorrência adverbial de foder no português.
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como advérbio ou adjetivo e, além de serem não deslocáveis, não
podem ser fixados no interior de outras expressões sem gerarem
construções agramaticais13. Dizer que tais ocorrências de pejorativos são não deslocáveis significa dizer que seus conteúdos não
são afetados pelo escopo dos operadores em que elas ocorrem,
sejam extensionais, sejam intensionais (Hom, 2012, p. 385-386).
Considere a negação como um exemplo para esclarecer a afirmação que pejorativos são não deslocáveis. Se digo “O desgraçado do
Paulo não está atrasado para o trabalho”, então quero dizer que
“Paulo é um bom sujeito”. Analogamente, se digo “Não é o caso
que o desgraçado do Paulo está atrasado para o trabalho”, então
também quero dizer que “Paulo é um bom sujeito”14. Logo, ainda
que o pejorativo “desgraçado” ocorra no escopo da negação, ele
não sofre nenhuma alteração de seu conteúdo. Além dessa característica, quando ocorrências ortodoxas de pejorativos são inseridas
em construções balanceadas, não geram frases agramaticais. O
mesmo vale para quando pejorativos são inseridos no interior de
uma expressão. Construções balanceadas são frases construídas de
tal forma que devem conter uma compatibilidade semântica e
sintática das expressões envolvidas e não podem ser construídas
com sinônimos e modificadores, caso contrário resultam em frases
agramaticais (Hom, 2012, p. 386). Por exemplo, a frase “Paulo é
tão abastado quão rico possa ser” é agramatical, mas “Paulo é tão
rico quão rico possa ser” é gramatical, pois, no primeiro caso, tenho uma construção balanceada com sinônimos e no segundo,
não. Agora, se introduzo um pejorativo em uma construção
balanceada, o resultado não é uma frase agramatical, pois “Paulo é
tão rico quão maldito rico possa ser” é gramatical. No que diz
respeito a não fixação, o ponto relevante é que pejorativos podem
ser inseridos no interior de expressões sem gerar agramaticalidade
ao passo que termos não pejorativos, não. Por exemplo, enquanto
13
Hom apresenta a discussão sobre partícula expletiva, construção balanceada
e não fixação. Estes tópicos são desenvolvidos por Potts (2008; 2009).
14
O exemplo original é “The bastard Kresge isn’t late for work” (Hom, 2012,
p. 385).
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“o-porra-de-ok” é gramatical, “o-realmente-de-ok”15 é agramatical
(Hom, 2012, p. 386)
No caso das ocorrências heterodoxas é o contrário, pois elas são
verofuncionais e deslocáveis. Isso significa que os pejorativos contribuem semanticamente para o conteúdo das frases que eles compõem e seus conteúdos são afetados pelo escopo dos quantificadores nos quais eles ocorrem (Hom, 2012, p. 388). Para ficar no
caso da negação, as frases “Paulo não fodeu a irmã do sócio gerente” e “Paulo não é um desgraçado”16 dizem, respectivamente, “Ele
nem mesmo encontrou ela” e “Ele é muito legal”. Portanto, os conteúdos dos pejorativos são afetados pela negação.
Do ponto de vista sintático, ocorrências heterodoxas de pejorativos resumem-se aos casos em que os pejorativos são nomes expressivos ou verbos. Nas frases:
(1) Foder é melhor do que fazer amor.
(2) Maria fode seu marido uma vez no ano em seu aniversário.17
as ocorrências dos pejorativos são heterodoxas porque em (1)
“foder” é um verbo e em (2) um nome expressivo. Portanto, ocorrências heterodoxas resumem-se aos casos em que os termos
pejorativos aparecem na posição sintática de nome ou de verbo.
Agora, não parece possível que injúrias tenham ocorrências heterodoxas, pois elas nunca ocorrem como verbos nem como nomes
expressivos. Como injúrias também não ocorrem como advérbios,
então resta apenas a ocorrência adjetiva. Se isso está correto,
então, do ponto de vista da teoria de Hom, injúrias só possuem
ocorrências ortodoxas. Portanto, não são analisáveis verofuncionalmente. Na frase “Paulo é um mulato”, por exemplo, mulato não
é um palavrão, mas uma injúria racial que ocorre como adjetivo.
O exemplo original é “o-fucking-kay” e “o-surely-kay” (Hom, 2012, p. 386).
No original, “John didn’t fuck the managing partner’s daughter” e “John is
not a bastard”, respectivamente.
17
No original “Fucking is worst than making love” e “Mary fucks her husband
once a year on his birthday”, respectivamente.
15
16
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Pejorativos e externalismos combinatoriais
Desse modo, pode-se pensar que o critério de posicionamento sintático de Hom acomoda como ocorrência heterodoxa de pejorativos apenas palavrões. Ou ainda, observe-se que alguns palavrões
podem ocorrer como verbos ou nomes expressivos, mas quase
nenhuma injúria racial ou sexual ocorre como verbo ou nome
expressivo18. De qualquer modo, a distinção entre dois tipos de
ocorrências de pejorativos é importante porque ela indica duas
análises diferentes. Uma semântica para ocorrências heterodoxas e
outra não semântica para ocorrências ortodoxas. Em “A puzzle
about pejoratives”, Hom (2012) propõe uma estratégia híbrida de
análise. Para as ocorrências ortodoxas, uma abordagem griciana,
isto é, uma abordagem em que elas são analisadas como implicaturas conversacionais. Para ocorrências heterodoxas, o externalismo combinatorial estendido. Aqui, vale a pena reconstruir os
passos de Hom. Primeiro, ele formula o externalismo combinatorial e, depois, o estendido.
Como já disse acima, no caso de injúrias, o valor semântico que
elas assumem é uma propriedade normativa complexa que pode
ser representada como “deve ser sujeito a tal-e-tal prática discriminatória por ter tal-e-tal propriedade estereotípica e tudo em função
de ser de tal-e-tal grupo” (Hom, 2012, p. 394) ou formalmente
“para qualquer injúria D e sua contraparte neutra N, o valor semântico de D é uma propriedade semântica com a forma: deve ser
sujeito a p*1 + ... + p*n por ser d*1 + ... + d*n, tudo em função de
ser N*” (Hom, 2012, p. 394). Nessa formulação, p*1 + ... + p*n são
as prescrições deônticas derivadas do conjunto de práticas racistas;
d*1 + ... + d*n são as propriedades negativas derivadas externamente das ideologias racistas e N* é o valor semântico da contraparte neutra N. Quando alguém injuria um alvo, diz que este alvo
merece determinado tratamento porque possui determinadas propriedades, dado que este alvo pertence a um determinado grupo
(Hom, 2012, p. 394). Além disso, o fato de os valores assumidos
por p*1 + ... + p*n e d*1 + ... + d*n serem externamente determi18
Uma exceção é o verbo “desmunhecar”.
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nados garante que o conteúdo semântico de uma injúria também
seja externamente determinado. Até aqui o externalismo combinatorial aplica-se apenas às injúrias raciais, mas o objetivo é estendêlo aos pejorativos em geral.
Antes de mostrar como a generalização é feita, devo destacar
uma afirmação importante de Hom. Trata-se da primeira formulação explícita da tese da extensionalidade nula. Segundo esta
tese, a extensão de injúrias raciais é sempre vazia ou nula (Hom,
2012, p. 394). Por que ela é sempre vazia? Porque ninguém merece ser tratado negativamente por possuir propriedades estereotípicas em função de sua raça, gênero e orientação sexual (Hom,
2012, p. 394). Trata-se, portanto, de um pressuposto moral. Não é
muito claro, porém, porque isso garante a nulidade da extensão de
injúrias raciais, pois o fato de alguém não merecer a atribuição de
determinada propriedade não significa necessariamente que não
possua esta propriedade. Suponha, por exemplo, que Paulo é uma
pessoa solidária, prestativa e sincera. Posso dizer, portanto, que ele
possui tais propriedades e que elas são positivas. Suponha, no
entanto, que, por situações adversas, Paulo mente para sua esposa
sobre algo muito importante ou que ele mata alguém. Nesses
casos, ele não mereceria ser chamado de mentiroso ou assassino?
Aqui, uma réplica pode ser feita. De acordo com ela, a discussão
não é exatamente sobre o ponto que este exemplo coloca em jogo,
pois nele Paulo matou ou mentiu de fato. Diferentemente, no caso
da extensionalidade nula, a pessoa não possui a propriedade e,
mesmo assim, é rotulada com um pejorativo que ela não merece.
Aproximando do meu exemplo, seria o caso em que Paulo, alguém
que nunca traiu sua esposa, é chamado de traidor/bígamo pelas
amigas da sua esposa. É possível, porém, pensar em uma tréplica.
Pense no caso de um racista que deprecia um afrobrasileiro, chamando-o de macaco. Deve-se reconhecer que, pelo menos, é
discutível se o racista não crê que seu alvo possua tais predicados.
Não se trata, evidentemente, de um caso em que por ter a crença
segue-se a existência da propriedade atribuída, mas o contrário;
dada a existência da propriedade, segue-se a crença acerca dela. Se
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não fosse assim, não teriam sido implementadas inúmeras políticas
de segregação racial mundo afora em função de propriedades
possuídas pelos afrodescendentes. Esta tréplica segue a linha de
raciocínio para a qual o alvo do pejorativo possui ou deveria possuir a propriedade a ele atribuída pelo racista. Creio que esta perspectiva é problemática, pois, se o racista estiver correto, então seu
alvo possuirá a propriedade a ele atribuída. Suponha, por exemplo,
que Paulo tem cabelo pixaim e que seus colegas de trabalho
chamam-no “Paulo do cabelo pixaim”. Neste caso, portanto, Paulo
possui a propriedade atribuída a ele. Disso se segue, no entanto,
que seus colegas de trabalho estejam autorizados a destratá-lo ou
depreciá-lo? Seu chefe está autorizado a não lhe conceder uma
promoção porque ele tem cabelo pixaim? Creio que aqui é necessário observar a linha divisória entre os níveis semântico e ético,
pois a tendência a cruzá-la inadvertidamente é grande. Penso que
estes níveis devem ser separados e abordados da perspectiva certa.
Aspectos semânticos analisados semanticamente e aspectos éticos
analisados com argumentos éticos. Do fato de Paulo ter cabelo
pixaim, não se segue necessariamente que seu chefe esteja autorizado a negar-lhe uma promoção funcional. Este ponto da discussão é extremamente melindroso, pois toca em questões sobre o
racismo para com afrodescendentes19. Pense, no entanto, em outro
exemplo menos impactante para nossas crenças morais antirracistas. Suponha que Paulo é aquele tipo de colega de trabalho
que não mede esforços lícitos e/ou ilícitos para obter promoções
na empresa em que trabalha. Paulo mente, rouba os projetos dos
seus colegas, enfim faz qualquer coisa para ser promovido. A
conduta de Paulo não se restringe ao âmbito do seu trabalho, pois,
em casa, com sua família, ele faz o mesmo. Dificilmente, portanto,
recusaríamos o pejorativo canalha para atribuir a Paulo, pois ele
parece adequar-se perfeitamente para descrevê-lo. Por que este
exemplo não nos causa estranhamento moral como ocorre com
macaco? A resposta, creio eu, é que muitos de nós temos convic19
Evidentemente que isso não acontece apenas com afrodescendentes.
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ções morais que reprovam coisas como roubar projetos dos colegas
a fim de obter promoção. Consequentemente, somos mais propensos a aceitar que o pejorativo canalha aplica-se à Paulo. Assim
como no caso de macaco, no entanto, a tendência a cruzar a linha
divisória entre os níveis semântico e ético é muito grande. A diferença é que aqui, mas não no caso de macaco, aceitamos a aplicação do pejorativo em função de convicções morais. O problema,
portanto, é bem mais complexo do que parece à primeira vista.
Não abordo isso aqui, pois, para tanto, é necessária uma discussão
pormenorizada sobre o realismo moral assumido por Hom e May
(Hom; May, 2013, p. 293). Independentemente disso, o pressuposto do externalismo combinatorial, que garante a nulidade da
extensão de mulato e a não nulidade de afrobrasileiro, é um pressuposto moral. A conexão entre as dimensões semântica e moral é
inexplorada por Hom neste artigo e é abordada com um pouco
mais de detalhes em “Moral and semantic innocence” (Hom; May,
2013).
Retornando ao ponto sobre a generalização, como ela se dá? A
resposta de Hom é que ‘para quaisquer termos pejorativos D com
n-lugares e suas contrapartes neutras N com n-lugares, o valor
semântico de D é uma relação complexa de n-lugares com a forma
“x [x deve ser sujeito a p*1 + ... + p*n por ser d*1 + ... + d*n]
(y1)....x [x deve ser sujeito a p*1 + ... + p*n por ser d*1 + ... +
d*n] (ym), tudo em função de ser N* (y1, ..., ym)” (Hom, 2012, p.
394). Nesse esquema, y1, ..., ym são os indivíduos alvo de D; p*1 +
... + p*n são prescrições deônticas derivadas externamente de
instituições sociais relevantes que sustentam D; d*1 + ... + d*n são
as propriedades negativas derivadas externamente de ideologias
relevantes das instituições e N* é o valor semântico da contraparte
neutra N. Este esquema pode ser usado para representar o verbo
“foder" que aparece na frase “Paulo fodeu Maria”, por exemplo.
Nesse caso, tem-se: x [x deve ser sujeito a p*1 + ... + p*n por ser
d*1 + ... + d*n] (y1)x [x deve ser sujeito a p*1 + ... + p*n por ser
d*1 + ... + d*n] (y2), todos em função de ser N* (y1, y2) (Hom, 2012,
p. 395).
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No esquema acima, y1 e y2 são os indivíduos na relação de doislugares foder; p*1 e p*n são prescrições deônticas; d*1 e d*n são as
propriedades ideológicas relacionadas a normas relativas ao sexo
antes do casamento de instituições sociais como a religião judaicocristã e N* é o valor semântico da contraparte neutra “ter relação
sexual”. Dado isso, afirma Hom, dizer que Paulo fodeu Maria é
dizer que eles merecem ser desprezados por manterem relações
sexuais antes do casamento um com o outro (Hom, 2012, p. 395).
A análise acima possui dois méritos. Primeiro, ela explica a força depreciativa do termo “foder”, uma vez que o significado da
propriedade complexa é determinado pelas instituições sociais.
Segundo, ela explica a normatividade imbricada na propriedade
complexa. No esquema, a normatividade aparece como abstração
lambda (). Com isso, a normatividade é representada como inadmissibilidade-, que também é derivada dos valores sociais, os
quais explicam a força depreciativa de termos como “foder”.
3. Externalismo estendido e falha da generalização
Como ficou claro acima, Hom formulou o externalismo combinatorial, primeiramente, para explicar injúrias raciais. Posteriormente, ele foi ampliado, em dois momentos diferentes20, para explicar os pejorativos, que é o conjunto formado por injúrias mais
ofensas e palavrões. Logo, se a generalização funciona, ela deve
dar conta de casos envolvendo ofensas e palavrões também. Aparentemente, a teoria funcionou para os palavrões. Basta lembrar
do exemplo com o verbo “foder”.
Sennet e Copp, porém, afirmam que a generalização do externalismo combinatorial para os pejorativos não procede (Sennet;
Copp, 2014, p. 1100). Supostamente, esta seria a razão em função
da qual Hom abandonou suas teorias anteriores e propôs a inocência semântica juntamente com May. Aqui, penso que o movimento
teórico, por assim dizer, é um pouco mais complexo. Imediatamente após generalizar o externalismo combinatorial, Hom
20
A primeira formulação está em Hom (2008), depois em Hom (2010; 2012).
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percebeu que injúrias não poderiam ser analisadas verofuncionalmente, pois elas têm ocorrências ortodoxas. Logo, elas só podem ser analisadas enquanto implicaturas convencionais. Isso é
uma mudança significativa em relação à primeira formulação do
externalismo combinatorial para a qual injúrias são analisadas
verofuncionalmente. Se isso está correto, então injúrias são colocadas em uma perspectiva de análise que parece insatisfatória. Se
foi ou não, de fato, por isso ou por causa da falha de generalização
que Hom abandou seus externalismos não importa, pois a pertinência da crítica de Sennet e Copp não depende da razão em função da qual os externalismos foram abandonados. Segundo a falha
de generalização, o externalismo não generaliza porque não se
aplica para certos pejorativos. Este é o caso do termo “honkey”, que
é um pejorativo para depreciar americanos brancos. Portanto, uma
injúria racial. Em “The Racial Slur Database”21, são descritas quatro
origens possíveis para este termo. Uma é que ele derivou do nome
de um tipo de música country chamada “Honky Tonk”. Outra explicação para sua origem diz que ele é derivado de “Hunky” e
“Bohunk”, ambas expressões para referir-se aos imigrantes Eslavos
e Húngaros. Uma terceira explicação para a origem de honkey diz
que ele derivou da palavra “Hong” que, na língua Wolof, significa
vermelho ou rosa e era usada para referir-se a pessoas brancas. Por
último, “honkey” pode ter derivado do fato que, nos anos vinte, no
Harlem, os homens brancos buzinavam (honking) as buzinas
(horns) dos seus carros para chamar as prostitutas. Seja qual for a
origem da palavra, no passado, ela foi usada para depreciar homens brancos. Atualmente, porém, não existem instituições racistas para com brancos que sustentem o significado de “honkey”. Se
o significado de um termo é derivado de instituições sociais, então
é necessário que existam tais instituições. No entanto, se elas não
existem, segue-se que o termo não tem significado. Logo, é isso
que se passa com honkey. Portanto, dada a teoria de Hom,
“honkey” é carente de significado. Como há, pelo menos, um termo
21
Disponível em http://www.racialslurs.com.
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para o qual a teoria não fornece explicação, então ela não pode ser
generalizada.
Creio que o argumento acima é plausível, mas Sennet e Copp
ignoram um aspecto importante do externalismo combinatorial
estendido. Pejorativos possuem dez propriedades importantes. Eles
possuem força expressiva, variabilidade da força depreciativa, proibitividade, variabilidade histórica, variabilidade sintática, inefabilidade, o problema da dedução, restrição à construção balanceada,
restrição a não fixação e a dicotomia de conteúdo. Estas propriedades são apresentadas e explicadas por Hom em “Pejoratives”
(Hom, 2010). Elas são distinguidas em três grupos. As quatro primeiras visam a descrever as propriedades complexas e expressivas
dos pejorativos. A quinta e a sexta descrevem propriedades sintáticas e semânticas e as últimas descrevem problemas que surgem
para os pejorativos (Hom, 2010, p. 164). A importância dessas
características é que elas servem como um critério de adequação
para teorias dos pejorativos. Desse modo, seja uma teoria semântica seja uma teoria não semântica, ela deve levar em conta estas
características sob pena de fracasso explicativo. Aqui, recorro às
quatro primeiras características para mostrar como não é um
problema o fato de um termo pejorativo perder sua força depreciativa.
A força expressiva é a característica segundo a qual termos
pejorativos expressam atitudes psicológicas negativas de quem os
enuncia. A força depreciativa, por sua vez, pode variar de pejorativo para pejorativo. Alguns podem ter uma força depreciativa
maior ou mais intensa que outros. O termo “droga” tem menor
força depreciativa que “filho de uma puta”, por exemplo. Dois fatores contribuem para compreender a proibitividade de pejorativos.
Por um lado, o grau de formalidade do contexto em que o pejorativo é enunciado. Pense, por exemplo, na diferença que existe
entre gritar “filho de uma puta” em um campo de futebol brasileiro
e em uma igreja. Por outro lado, também é importante a força
expressiva do pejorativo enunciado. Em determinados contextos,
dizer “porra” não tem uma força expressiva significativa. Isso é o
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caso, por exemplo, de dizer-se esta palavra em uma mesa de bar
durante uma rodada de discussão entre amigos sobre determinado
assunto. Mas a característica relevante para a crítica de Sennet e
Copp é a variabilidade histórica. A força depreciativa de pejorativos pode variar com o tempo e de acordo com as mudanças sociais das instituições que as sustentam. Dois exemplos significativos
são os termos “mulato” e “sapatão”. O primeiro surgiu no período
escravagista22, com uma carga altamente depreciativa para distinguir os mestiços com determinados direitos e privilégios dos mestiços sem direitos e privilégios. Com o passar dos anos e com as
mudanças sociais, esta expressão perdeu muito de sua força depreciativa e foi incorporada no vocabulário brasileiro contemporâneo
quase desprovida de força depreciativa. No caso de “sapatão”, é o
contrário23. O termo surgiu por volta da década de setenta e rapidamente adquiriu uma força depreciativa para injuriar lésbicas e
mantém sua força depreciativa até os dias de hoje. Os exemplos
citados por Hom (2010, p. 166) são “wetback” e “beaner”, ambos
pejorativos para depreciar latinos, cuja força depreciativa aumentou muito nos últimos anos por causa do aumento da influência
dos latinos nos Estados Unidos da América. Dado isso, se “honkey”
perdeu sua força depreciativa nos dias de hoje porque não existem
instituições sociais que sustentem seu significado, então isso não é
um problema para o externalismo combinatorial, pois ele não apenas suporta como explica esse tipo de dinâmica no significado das
expressões. Desse modo, a falha na generalização não é uma crítica procedente.
Há, no entanto, outro problema que considero mais premente
para o externalismo combinatorial estendido. Trata-se da inexistência de contrapartes neutras para determinados pejorativos. A
explicação extensionalista combinatorial do significado de pejorativos necessita da contraparte neutra destes, pois, só assim, tem-se
um termo com extensão nula e outro com extensão não nula. Exis22
23
Para maiores detalhes ver Lara (2012).
Ver Mott (1987).
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tem certos pejorativos, no entanto, que não possuem contrapartes
neutras. Por exemplo, qual a contraparte neutra de “idiota”, “filho
da puta” ou “pau no cu”? Não se trata de um termo que expresse o
significado contrário ao termo pejorativo, mas que seja neutro tal
como ocorre com “mulato” e “afrobrasileiro” e “foder” e “ter relações sexuais”. Na falta de uma contraparte neutra, a explicação
combinatorial fica comprometida, uma vez que existe o termo
pejorativo sem que exista a contraparte neutra correlata. No
esquema usado por Hom, o correlato neutro aparece no final da
fórmula. No esquema para representar o pejorativo “foder”, por
exemplo, N* representa o valor semântico do correlato neutro “ter
relação sexual”. Este sempre terá um valor semântico verdadeiro,
ao passo que seu correlato pejorativo sempre terá um valor semântico falso. Assim, se estamos analisando o pejorativo filho da puta,
N* representará o valor semântico do correlato neutro de filho da
puta. Mas, neste caso, ele não existe. Dada a tese da extensionalidade neutra, o correlato neutro sempre será verdadeiro. Se,
porém, não existe correlato neutro, ele não terá uma extensão
falsa nem carente de valor semântico, mas será apenas e tão
somente inexistente. Consequentemente, a extensionalidade neutra fica comprometida. Este parece ser um problema mais grave
que a falha de generalização para o externalismo combinatorial
estendido, uma vez que invalida a tese da extensionalidade nula
que é central na explicação combinatorial.
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Artigo recebido em 30/07/2015, aprovado em 22/01/2016
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