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Título Original Mais Outra Copyright Lica Cecato, São Paulo, 2014 Reservam-se os direitos desta edição à: GIOSTRI EDITORA LTDA. São Paulo - SP - República Federativa do Brasil. Impresso no Brasil ISBN: 978-85-8108-631-6 CDD: B869-3 Editor Responsável Editor assistente Assistente editorial Capa Fechamento de Capa e Diagramação Idealização e Produção Revisão final de texto Alex Giostri Fábio Costa Bruna Miwa Flávio Morais Karolyna Papoy Amalia Tarallo Giostri Editora Ltda. Cacato, Lica Mais Outra 1ª Ed. São Paulo: GIOSTRI, 2014 1 - Literatura brasileira - crônicas 1º título: Mais Outra 1ª Edição Giostri Editora LTDA. Giostri Editora Dedico este livro ao Grupo Tozan, pelo apoio e carinho e para Amalia Rua Dona Avelina, 145 Vila Mariana - SP giostrieditora.blogspot.com.br São Paulo • SP • CEP: 04111-010 Tel.: (011) 2537-2764 facebook.com/giostrieditora contato@giostrieditora.com.br www.giostrieditora.com.br Tarallo, sem a qual eu nunca teria tido coragem de abrir meu baú. Sumário Prefácio..........................................................................9 Introdução....................................................................11 1 As pessoas antes dos capítulos..............................16 2 Capítulos depois de pessoas Capítulos que contêm pessoas......................................................................43 KRAPP’S LAST TAPE..................................................79 Ono no Komachi , Japão, ca. 825 ~ 900........85 Glossário......................................................................90 Agradecimentos...........................................................96 Álbum..........................................................................97 Prefácio O tempo é o que se faz dele Este é um livro sobre pontes e como o pensamento pode trabalhar para construí-las com o propósito de diminuir distâncias. Este é um livro sobre o tempo, a ausência do tempo e o segundo que separa o sonho do mundo. Este é um livro feito de páginas duplas, de duplas imagens, de uma só mente. Este é um livro sobre os elementos primordiais que fazem com que o mundo e nós mesmos pertençamos ao sumo fator unificador: a Natureza. Este é um livro de múltiplas vozes, onde o silêncio encontra seu reino imperial. Este é um livro de contradições à míngua, que se transformam na busca essencial, que leva à sede inextinguível de conhecimento. Este é um livro de sussurros ao vento, que, como o céu, unifica e protege a todos. Este é um livro de lições ensinadas, aprendidas e lições que ainda virão, como uma porta aberta numa noite breu. Este é um livro escrito por uma mulher, uma artista, uma compositora, uma cantora, uma pintora, uma fotógrafa, uma linguista... uma poeta. Este livro é um tesouro para ser guardado, mas também é um presente para se dar, como se fosse seu próprio trabalho. Este é um livro de paz. Paolo Maria Noseda Introdução Sou artista da área de música e viajo o Japão com meu violão debaixo do braço, cantando e tocando de norte a sul do país. Falo e escrevo a língua japonesa e tenho amigos que não só falam e escrevem português, mas que conhecem profundamente o Brasil e um idioma em particular (a música popular brasileira, MPB), tomam caipirinha e comem moqueca. Dito isso, adiciono que estou escrevendo do trem-bala Shinkansen Hayabusa, que nos leva, rápido e silencioso, de Hachinohe a Tokyo, no charme do design verde-rosa. Shinkansen vestido de escola de samba da Mangueira. A cabeça da gente é uma mistura danada e eu adoro me misturar, viver o Japão com paixão, de maneira sentimental. Há três anos eu não vinha, sendo a última vez um pouco antes da tsunami. Minha tour pelo Japão começou pelo norte e nordeste, de onde estou voltando agora. Estive em Ibaraki-ken, Hitachi, de onde se vê Fukushima do lado oposto, na outra margem. Depois de Ibaraki-ken, fui a Sendai e Hachinohe. O ponto não é a geografia, mas essa foi uma das partes mais atingidas pela tsunami e pelo estrago nuclear de Fukushima, que continua a fazer danos nesse silêncio sem sentido que permite a Tokyo receber os Jogos Olímpicos em 2020. que ficou em pedaços, que foi destroçada com mais de 25 mil mortos. Desses tantos mil, conheci de perto alguns que perderam tudo: família, casa, loja, trabalho, cidade, escola, hospital. M a is O utr a Existe pouca euforia sobre os Jogos nessa região do Japão, retângulos, fatias de vida, onde, corajosos, trabalham para uma 11 Hoje moram numa não terra cheia de não casas, pequenos reconstrução do futuro, onde for, como for, com afinco e dedi- Minha vivência com o Japão começa na infância, em São cação. Os japoneses sabem sorrir. Vi alguns programas de TV, Paulo, cidade feita pela maioria de imigrantes, e nós, pequenos com camponeses ao redor da área de Fukushima, mostrando frutos dessa mistura, nos frequentávamos, eu comendo sobá, como tudo secou, como a terra, que antes dava frutos e gerava tipo de macarrão feito de grão sarraceno, e meus amiguinhos ja- trabalho, se tornou uma terra seca e árida, uma terra de onde só poneses comendo pastasciutta, macarrão italiano! Desde pequena se quer fugir, mesmo que não se tenha para onde ir. Nos res- convivi com japoneses. taurantes, evitam-se certos peixes e algas, recebo e-mails, tweets, Meus padrinhos Corsina Corsini e Andreino Melani mora- SMSs de amigos do sul do Japão, pedindo que eu preste atenção vam em Mogi das Cruzes, cidade da região metropolitana de na comida, que eu evite isso ou aquilo, mas é difícil. O ar não tem São Paulo, onde eu passava as férias. Minha madrinha adorava fronteiras. Tem mais: caiu na água é pra se molhar, mesmo que for as lojas japonesas, que tinham bonequinhas, bolsinhas, guarda- radioativa. Desculpem a ironia e o sarcasmo. Viajo sem medo. chuvas, mas também objetos mais caros, imponentes e miste- Sigo munida do meu broche contra a energia nuclear, de- riosos para os olhos de uma garotinha italiana curiosa, que não senhado por Yamaguchi, um amigo que no passado desenha- compreendia, só olhava, pensando que fizessem parte da tradi- va roupas para os Rolling Stones, mas que virou pacifista e há ção oriental vivida em casa. Numa outra dimensão, nós também muitos anos se mudou e vive em Hachinohe. Seu blog se chama vivíamos o nosso pedacinho de terra longínqua; por exemplo, PEACE-LAND. aos seis anos, eu cantava em italiano para a grande família que imigração japonesa no Brasil, além de participar um ano antes um texto textura de um show realizado pela proprietária da Blue Tree Hotels, texto mater Chieko Aoki, em São Paulo, junto à cantora Machiko Watanabe um texto pintura e Marina Elali, eu fui cantar no Japão. Uma viagem de ida e volta texto pater sem fim? O primeiro navio com imigrantes japoneses, depois um texto padrão de anos de tentativas de acordo entre os dois países, chegou ao textosfera Brasil dia 18 de junho de 1908, levou dois meses para chegar. um texto gêmeo Hoje levamos 24 horas. Sem palavras. texto a 4 olhos um texto para você 12 um texto meu Assim como mudaram as perspectivas de quem viaja, seja M a is O utr a Qual é o ponto? para ir morar em outro país ou para visitar, mudaram os hábitos 13 L ica Ce ca to chorava a saudade da Itália. Em 2008, para o centenário da trastes imensos, a começar pelo geográfico, o dos hábitos, cos- ria. Os samurais tinham uma espécie de biógrafo, um secretário tumes e o linguístico. Como é que isso pôde acontecer? Como pessoal, chamado JISHI, que fazia um retrato escrito do que es- pudemos nos misturar assim? Chanpon-bunka? Chanpon significa cutava e via, com função similar à dos escribas no Antigo Egito. mistura, bunka significa cultura. Cultura de mistura? Mistura de Minhas fotos e textos aqui são uma espécie de registro, apesar cultura? Fora a bravura do imigrante japonês e dos imigrantes de não me considerar nem fotógrafa nem escritora. Visito o Ja- todos que chegaram ao Brasil com sua bagagem e tiveram que pão e estudo japonês há 32 anos. Considero um tanto bizarro se adaptar a uma nova realidade, acho fundamental enxergar o que mesmo o livro de viagens, em forma de diário, Oku No Ho- charme do presente, isto é, no que essa mistura se tornou. Hou- somichi, de 1689, do famoso mestre, considerado o maior escri- ve sem dúvida uma integração à mentalidade, ao clima tropical, tor de Haiku, Matsuo Bashô, tenha sido feito com poemas que à ginga do brasileiro, tanto é que se toca cavaquinho e se canta retratam a sua viagem junto aos seus discípulos e amigos poetas. Villa-Lobos e Pixinguinha muito bem na Tokyo de hoje. Minhas viagens ao Japão foram “autorretratadas” e são a leitura Meus retratos não são para mim, quero abrir meu baú a essa de uma alma brasileira, cigana, que olha, observa as mudanças família-mundo e mostrar de modo espontâneo minha viagem, sem julgar, procurando armazenar imagens, palavras, sensações. convidando o leitor a viajar comigo. Fazemos nossa história Hoje em dia há um certo “japonismo” em termos mundiais, hoje, juntos. Sem ser choojin ou super-homem, superpessoa, de é uma moda com visão muito superficial que, na maioria das gente para gente, a relação Japão-Brasil em quadrinhos fotográ- vezes, pode até deturpar e empobrecer o conteúdo de maneira ficos e escritos. Termino essa introdução com um ditado popu- geral, mas é uma tentativa de trazer o Japão para outras terras, de lar japonês, uma kotowasa se aproximar, e essa atração não é uma novidade. A cultura japo- wa nasake”: viajar em companhia torna o mundo melhor, não é nesa se difundiu muito nos últimos anos por todo o mundo, e só necessário se preocupar, pois um tem o outro como companhei- para citar uma curiosidade em termos arquitetônicos, em Vene- ro, se ajudam e se tranquilizam, fazendo o caminho ficar mais za, cidade em que moro, me encanto ao observar a arquitetura ameno. Dividindo minha história de uma maneira MANGA, de Carlo Scarpa (1906-1978), que viveu 15 anos no Japão e aca- continuo viajante, mas não mais sozinha. , tabi wa michizure yo bou falecendo em Sendai, ou, ainda mais recente, a reforma do assinado: Palazzo Grassi por Tadao Ando. No caso do Brasil, pensando ideogramas da palavra JISHI: samurai (homem templo) + nesses mais de cem anos do início da imigração japonesa e em como o povo japonês se adaptou ao país e vice-versa, me parece historia JISHINJISHI a autobiógrafa M a is O utr a L ica Ce ca to e os meios com os quais a pessoa registra sua viagem na memó- 15 14 incrível, pois somos o oposto da bola do mundo, temos con- do fundador da macrobiótica no mundo, George Osawa, e o professor Michio Kushi, que vivia nos Estados Unidos, para palestras sobre macrobiótica e sua cosmogonia. Com eles comecei a ampliar minha visão, estudar e me apaixonar pelo mundo oriental. 1 As pessoas antes dos capítulos EVA FURNARI Nasceu em Roma, Itália, chegou a São Paulo com dois anos e vive na capital paulista até hoje. Seus livros já foram publicados Escrever para mim é um exercício que faço desde menina. As no México, Equador, Guatemala, Bolívia e Itália, ganhou vários palavras estão todas lá, como as notas de uma música que ainda prêmios como desenhista, ilustradora e escritora, foi professora não foi composta. As letras nascem como um KOOAN zen, de artes no Museu Lasar Segall de 1974 a 1979 e é sua também uma experiência vivida. Depois dos primeiros choques culturais, a Bruxinha do jornal Folha de S. Paulo. Eva é antes de tudo uma tudo vai se amainando, se aquietando, mas o meu encontro com grande amiga, mas foi a primeira pessoa a acreditar no que eu fa- o Japão foi tão intenso e é tão lindo, que a palavra nasce sozinha, zia e pensava e o fez institucionalmente, pois me estimulou e me se desencaverna, vem à luz, nasce, cresce e morre num segundo, ajudou a arquitetar um ateliê para crianças em 1976, que mantive com a velocidade do vento que faz as notas soarem numa flauta. por dois anos, no Museu Lasar Segall, em São Paulo, com o qual A palavra solta, se engatilha como um vagão de trem deslizando ganhamos o prêmio de melhor atividade infantil do governo es- a um destino. A palavra tem destino e direção e a minha, hoje, tadual. Fazíamos atividades de teatro a pintura, usando liberdade é para você que me lê. Não existe uma ordem nem cronológica total de escolha, para trabalhar individualmente ou em grupo. nem de preferência nas PESSOAS nem nos CAPÍTULOS. Nossos encontros, desde que nos conhecemos até agora, são Eva aprendi muitas técnicas, inclusive a mais difícil, que é reco- Professor de macrobiótica, foi o responsável pela introdução nhecer o humor dentro do desenho, e a coragem de improvisar, da cultura japonesa na minha vida quando eu tinha 17 anos. Fui de acreditar no que pode parecer utópico, e tentar realizar. Num à inauguração de sua escola Musso, no interior de São Paulo, dos livros da Eva está uma tradução minha do texto dela em para onde ele levava professores de Aikido, músicos japoneses japonês, que apesar de ter sido somente uma brincadeira, foi que tocavam Kotô e Shamisen, e mesmo a senhora Osawa, esposa publicada. Quando nos conhecemos, eu era uma adolescente M a is O utr a TOMIO KIKUCHI 17 16 L ica Ce ca to cheios de humor e amor, desenhávamos juntas, ríamos, e com marginal, cheia de vontade e de ideias, e na época o marido da comidas para mim, Oniguiri, Kimpira e muitas outras delícias. Eva, o fotógrafo Hugo Gama, e ela, abriram as portas do que Ela não me dava beijinhos e era severa na correção dos ideogra- parecia fechado a sete chaves desde que nasci, e eu me sinto mas, mas com o gesto amoroso de viajar quase duas horas por agradecida até hoje. Quando os conheci, Eva estava grávida de semana me trazendo comida, ela me fazia sentir mais do que Cláudia Furnari, que acabou nascendo no mesmo dia, mês e em casa. Hideko faleceu de câncer em 2005, um mês depois hora que eu. O Paulinho, filho mais novo, é músico. Tutti buona que a minha mãe verdadeira faleceu no Brasil por ictus cerebral gente! La vita è bella! e erro médico. Lá se foram as duas mães, uma ítalo-brasileira e a outra japonesa. Amei igual. No dia 29 de novembro de 2004, HIDEKO NAKAJIMA, YAMAKI NOBUE, KEIKO Começo por Hideko, mãe de Keiko e Yoshiko Nakajima, em dedicado a ela; isto é, declarei em voz alta que o show era para arte, Yamaki Nobue, formada em Viena, Áustria, como con- ela, minha amada Hideko. A acústica do local era tão boa que certista de piano, e minha primeira amiga no Japão. Conheci a toquei sem nenhuma amplificação. Hideko, sempre elegante, família em 1983 em Veneza, na Itália, quando tinha começado no fim do show aplaudiu e depois secretamente, discretamente, a estudar a língua japonesa na Universidade Ca’ Foscari, onde pediu em tom confidencial a Yamaki Nobue e a mim, irmãs estudei até 1986, por quatro anos, até ir ao Japão pela primeira de opostos do mundo em geografia e em estilo musical, que vez e elas estavam me esperando no aeroporto. Hideko-sama foi fizéssemos um concerto juntas. Nós, filhas obedientes, fizemos primordial para a escrita a mão dos ideogramas e como alcançar no ano sucessivo uma apresentação maravilhosa no teatro Kioi o balanço e impulso corretos, legíveis e compreensíveis, mes- Hall, em Tokyo, muito conceituado para música clássica e para mo se escritos rapidamente. Escrevia cem vezes um ideograma canto lírico. No repertório, Villa-Lobos e alguns outros com- e ia mostrar a ela na esperança de um elogio, mas a resposta, positores clássicos brasileiros, sugeridos pela minha prima-irmã muitas vezes, era: , ou seja, “não tem balanço”. Suzette Ceccato, também concertista, filha do irmão mais velho Ela foi exigente e maravilhosa. Falam da frieza dos japoneses; do meu pai, Antonio Ceccato, que tocou na Sinfônica de São pois, recém-chegada ao Japão, fiquei morando na casa da famí- Paulo até velhinho. Meu avô paterno foi imigrado da Itália para lia Nakajima por um mês, tratada como filha, depois fui morar o Brasil nos anos 20, conheceu minha avó no navio e era maes- sozinha numa assim chamada Mansion, que, ao contrário de uma tro de música. Os filhos da Suzette não negam a linhagem, são mansão, é uma kitchenette de 14 metros quadrados. A Hideko, excelentes músicos, Sofia Ceccato, flautista e Mateus Ceccato, todas as semanas, no sábado, preparava uma mochila cheia de violoncelista. A vida é um círculo. Yamaki Nobue e eu oferecemos M a is O utr a num pequeno teatro ao lado da estação Harajuku, em Tokyo, 19 18 L ica Ce ca to NAKAJIMA quatro meses antes de ela falecer, fiz um solo de violão e voz o show à memória póstuma de Hideko Nakajima e somos muito que posso. Adoro estar com eles e, para quem não sabe e conhe- amigas ainda. No templo onde Hideko foi enterrada, na pedra ce, Kamakura é a cidade do grande Buddha e onde tem início o de sua lápide, que não se parece com as nossas porque são so- Zen Budismo no Japão, é repleta de templos e jardins da mais mente escritas em ideogramas em granitos ou mármores cinzas, antiga tradição, e eu os deixo imaginar a paisagem, que não só é estão os kanjis de suas três filhas, Yoshiko, Keiko e eu. La vita è bella. bela entre colinas com muito verde e mar, mas é forte, sente-se o gosto da história no ar e ainda por cima dá para ver o amado STEFANIA BALDI SATOH, YUICHIRO SATOH Monte Fuji. Simplesmente o máximo, a quarenta minutos do Conheci a Stefania no primeiro dia de aula da escola de en- centro de Tokyo. Stefania é não somente uma irmã para mim, sino da língua japonesa Saint Joseph Friary, em 1986, no centro mas o suporte da ponte que me liga ao Japão e ao Oriente. Eles de Tokyo, em Roppongi. Sentamos juntas, ficamos amigas ime- reservam para mim um quarto de tatami. Sem palavras. Através diatamente e estudamos vários anos nessa escola até nos diplo- dos olhos dessa pessoa estudiosa, inteligente e sensível de Siena marmos. Acabei morando com ela e o marido em vários lugares e de seu marido cientista, descendente de samurais, meu Japão de Tokyo a Nagoya, Sapporo e Kamakura, seguindo a profis- adquire um significado mais profundo. campo de substâncias para o combate ao câncer. O fato de que KO TANZAWA eles me acolheram e acolhem no Japão, considerando a falta de Através de Yuchiro Satoh, ainda nos anos 80, Stefania e eu espaço e o preço exorbitante do metro quadrado, fez com que conhecemos uma importante mentora da cultura japonesa, Ko fosse possível minha estadia e, em consequência, a continuidade Tanzawa, professora de ideogramas e do significado dos moti- dos meus estudos. Stefania hoje é fluente em japonês falado e vos gráficos nos kimonos, escrito, em nível de tradução simultânea e escrita de japonês – nas gravuras, como, por exemplo, tartaruga significa longevi- italiano. Fora isso, também conseguiu aprender chinês. Falamos dade, e assim por diante. Hoje a Prof. Tanzawa tem mais que e escrevemos a língua japonesa, mas ela tem obviamente um 80 anos e ainda viajamos com ela para aprender. Uma mulher nível superior ao meu, vivendo lá há quase trinta anos. Dividi- feminina, diminuta, mas muito forte. Foi casada com um cien- mos o mesmo amor e interesse pelo Japão e pela Ásia, viajamos tista por muitos anos e tiveram filhos, mas ela nunca deixou a juntas para Kompira, Naoshima, Kyoto, Vietnam, Malaysia, Sin- carreira acadêmica, ensinou muitos anos na Toodai University, gapura, Tainan, Taipei e por aí afora, visitando o que podemos e é dona de uma curiosidade notável. Em 2012 fomos juntas a de museus e teatros a templos e jardins. O casal hoje mora em Taiwan estudar chinês e ela, então com 80 anos, vibrava ao che- Kamakura, Gokurakuji, onde deixo meu violão e volto sempre gar ao nosso curso intensivo, na universidade. Quanto temos a M a is O utr a MOYOO, nas sedas e cerâmicas, 21 20 L ica Ce ca to são do Yuichiro, cientista que faz pesquisa principalmente no aprender que faz tão bem querer aprender? Quando estávamos o impulso, como se cada carta fosse uma partitura contemporâ- ainda no início do nosso estudo da língua e da cultura japone- nea, uma composição musical de uma pessoa a outra, um mapa sas, Tanzawa nos disse que se não cortássemos e costurássemos compreensível somente entre duas pessoas. O fio da meada da- um Yukata, espécie de kimono de verão, de algodão, nós nunca quelas cartas, estava enrolado naqueles mapas de dois, naquelas iríamos entender a importância da simetria e das proporções, comunicações sem fio, onde a escritura é a legitimidade do con- e assim, Stefania e eu, sem nenhum talento para costura, fize- teúdo, onde quem escreve e quem lê usa os cinco sentidos para mos a mão nosso Yukata e mais tarde compreendemos a razão. captar um significado mais amplo do que as próprias palavras, Tanzawa nos ajudou muito nos indicando leituras, conversando um jeito de escrever que indica com precisão a intenção daque- sobre tudo, viajando conosco para nos mostrar alguns desenhos les quadros aparentemente abstratos. Não são. A escritura tem na laca dos templos e das cerâmicas em museus, nos explicando direção. Quando você escreve um poema ou um haicai para uma o significado de cada motivo. Lembro-me do HANAIKADA, pessoa, aquela pessoa sabe que é para ela. Talvez seja como os um dos típicos motivos do templo zen Koodai-ji, da era Mo- rolos de papel na exposição de Tokyo, mas é claro que a partir moyama, do fim do século 16, em Higashiyama, perto de Kyoto. do momento que eles se tornam obra, que viram públicos, que Outra vez fomos as três a uma exposição em Tokyo, no museu transcendem o tempo e o espaço, deixam de existir como dire- nacional, Kokuritsu Bijutsukan, de cartas escritas a mão do tempo cionais e se tornam universais. As pessoas que lerão o poema dos samurais, eram rolos de cartas, metros de palavras. Sincera- ou escutarão a composição melódica encontrarão um pedacinho mente Stefania e eu não estávamos entendendo NADA. Meio de si naquilo, se projetarão, talvez assim como eu, maravilhada sem jeito, disse à Prof. Tanzawa que eu não estava entendendo perante uma escritura que eu não entendia. Quem faz nascer nenhum ideograma, e ela respondeu para meu espanto: “NEM boniteza nas palavras não é o escritor, é o elo que existe entre EU...”. Mas ela, que na época tinha 65 anos e era docente da quem escreve e quem lê. Agora isso já está virando poesia, já conceituada Toodai University, na minha cabeça, tinha que sa- está virando música e nós, alquimistas safados, ficamos conten- ber. A gente apanha para compreender as mensagens do Orien- tes! Viva Ko Tanzawa e tudo o que nos ensinou e ensina! TAKASHI HARA guerreiro, de um maestro de chá à sua concubina, e diz a lenda Em 1985, estava com minha mãe na estação Santa Lucia de que eles se entendiam. Provavelmente tudo contava, o respiro Veneza, Itália, e esperávamos uma amiga. Eu já estudava japo- de quem escreve no momento de desenhar determinados ideo- nês há três anos. Morei em Veneza por doze anos e o tempo gramas pensando naquela determinada pessoa, contam o gesto, continua sendo um mistério para mim, às vezes parece um ioiô, M a is O utr a palavras naqueles papéis eram direcionadas, de um samurai a um 23 22 L ica Ce ca to te. “Se oriente, rapaz!” – já dizia a canção do Gilberto Gil. As às vezes um elástico, e na realidade não se entende por que ele cidade construída na boca de um vulcão. Hasami é uma das ci- aumenta e diminui como quer. No caso, como sinto agora, faz dadezinhas de renome pela sua cerâmica. Foi muito interessante muito tempo que tudo isso aconteceu. Estava tomando um e a paisagem exótica, tipicamente oriental, do Oriente que se vê capuccino com minha mãe e vejo esse japonês com cara de estar retratado em quadros e fotos, com pinheiros nas colinas e fuma- em apuros no telefone. Ofereci-me para ajudá-lo, como tantas cinhas dos gêiseres. Quase todas as vezes que venho ao Japão vezes isso já havia acontecido comigo, e ele aceitou. nos vemos e tento ir tocar em Kumamoto e Fukuoka. Alguns Hara é um sujeito particular. Estudou economia e se especia- amigos são para sempre. tais de loucos e velhos que já perderam a consciência. Na Itália, YUKO SAKURADA o que o preocupava é que ele tinha marcado um encontro com Amiga de Stefania e de Yuichiro Satoh, teve uma galeria em o famoso Dr. Basaglia, que acabou com os manicômios no seu Yoyogi, Tokyo, que se chamava ARTESSE, onde me apresentei país, e não conseguia nem entender nem se fazer entender pela no Japão pela primeira vez em 1995. Yuko trazia arte contem- secretária do tal célebre psiquiatra. Consegui fazer com que as porânea italiana para o Japão e levava a japonesa para a Europa, coisas funcionassem para ele e desde então continuamos a cul- e ainda o faz. Toquei com o violonista Kohji Abe um repertório tivar nossa amizade. Uma noite, quando fui acompanhá-lo ao de chorinhos e não usamos nenhum microfone ou amplifica- hotel, na hora de nos despedirmos no pátio, dei a mão a ele e ção, pois a galeria tinha uma acústica ótima. Através da Yuko TSCHUM VUSCH, num piscar de olhos o cara deu um salto conheci Hiroyuki Nakajima, artista e shodoka, professor da arte mortal para trás e voltou para o nosso aperto de mão. Esses da escritura japonesa, usando pincel fudé e tinta nanquim sumí orientais são incríveis. No Ocidente, muitas vezes, os intelec- . Acabei morando no ateliê dele em Chiba vários meses e nos tuais não ligam para o seu físico e a tal máxima MENS SANO tornamos amigos. Os dois falam perfeitamente o idioma italia- CORPORAE SANO não funciona. O homem é feito de cabe- no. Admiro Yuko por nunca ter abandonado sua profissão, que ça, corpo e membros e todos mereceriam certa atenção, mas a nem sempre é profícua, e ter continuado com determinação, gente arranja mil maneiras de separar o que deveria ser um só. coragem e originalidade no olhar. Artistas precisam de galeristas e marchands como ela. bonequinhas de Fukuoka e cartões postais de agradecimento, fui a Fukuoka em 1995. Ele me levou a passeio em Kumamoto CHIEKO AOKI -ken, Asso San e lugares conhecidos pelas riquezas naturais, Empresária das mais competentes, mulher fascinante e única, cheios das famosas ONSEN ou SPAs naturais. Asso é uma proprietária da rede de hotéis Blue Tree, tem sido uma referencia M a is O utr a Voltando ao Hara, em todos esses anos, depois de receber 25 24 L ica Ce ca to lizou em management e planejamento arquitetônico, para hospi- há anos para mim na cidade de São Paulo. Em 2001, a artista em comemoração ao centenário da imigração japonesa no Bra- Lenora de Barros e o marido, Marcos Augusto Gonçalves, jor- sil e convidou a cantora japonesa Machiko Watanabe e Marina nalista brilhante e bem-humorado, me convidaram para ir ao Elali, além de mim. Festa! No ano passado, a mesma querida show do Ryuichi Sakamoto junto a Jaques Morelenbaum, num Chieko, em Tokyo, estava conversando com uma sua conhecida tributo ao Tom Jobim que resultou no disco chamado CASA. que lhe disse que tinha uma amiga que era música, brasileira e Lenora, linda e carismática, foi circundada pelos jornalistas, e que falava japonês. A moça que acabara de conhecer era Yuko eu fui ao bar tomar um champanhe enquanto esperava o show. Sakurada, que citei acima, e que estava tentando combinar uma Notei essa senhora japonesa belíssima e começamos a conver- performance e pintura do artista com quem trabalha, Hiroyuki sar em japonês. Foi divertido, pois ela estava usando um tailleur Nakajima, em São Paulo, e a brasileira a quem ela se referia era verde Versace que reconheci. Ela ficou surpresa, mas para mim eu. Vamos lembrar que Tokyo tem 25 milhões de habitantes? era comum, vivendo entre Milão, Colônia e Rio, afinal, era a Viva a Chieko Aoki! Viva a Yuko Sakurada e... Posso dizer um tendência do momento, impossível não reconhecer e confesso milhão de vezes? Viva a vida. MARCO ANTONIO NAKATA tões de visitas e a Chieko me deu o seu e me disse para ficar em Nós nos conhecemos em Tokyo e fizemos juntos muitos um de seus hotéis quando viesse a São Paulo, mas com a pressa eventos culturais, shows em museus e teatros, lançamentos de eu nem prestei muita atenção e vim a saber depois de quem se livros e revistas, exposições, chegamos até a fazer um disco gra- tratava. Foi bom termos nos conhecido informalmente. Quan- vado ao vivo na Embaixada do Brasil em Tokyo. Seria uma lista do o senhor Aoki ainda estava vivo, em cadeira de rodas, Chieko imensa se tivesse que enumerar o que fizemos, tudo feito com me pediu para que eu cantasse e tocasse violão para ele, na casa esmero e com o máximo prazer. deles. Dito e feito! Foi a única vez que encontrei o senhor Aoki. Realizamos shows no Hara Museum Shinagawa, Teatro MIR Quando vou a São Paulo, fico a maioria das vezes no Blue e Caffe Emporium de Moscou, Auditorium Parco della Musica Tree Paulista, onde sou tratada como rainha. No dia da festa em Roma, só para citar a excelência dos eventos. Homem in- para o senhor Aoki, me apresentaram Toru Iwasaki, pessoa afe- teligentíssimo, sensível e charmoso, de grande cultura em arte, tuosa e simples no trato, mas que vem de uma família de linha- literatura, música e política, somente para citar alguns dos cam- gem nobre, e é um grande profissional, dono da fazenda Tozan pos de interesse, o Conselheiro Marco Antonio Nakata é for- e produtor do Azuma Kirin, de molho de soja, shoyu, e pasta de mado pelo Instituto Rio Branco. Atuou como diplomata nas soja, misso, no Brasil. Em 2008 Chieko organizou um evento representações do Brasil em Londres, Tokyo, Moscou e Roma M a is O utr a idêntica. No fim da conversa simpática, rápida, trocamos car- 27 26 L ica Ce ca to que Antonio Dias, meu marido na época, tinha um blazer de cor e atualmente é chefe da Assessoria de Imprensa do Gabinete à arte, algo que eu nunca teria conseguido sozinha. É com essa do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Temos um maravilhosa bagagem amorosa que viajo. Herdei dessa família príncipe na nossa diplomacia. um passaporte com elementos fundamentais para conhecer países tão diferentes do nosso. Nos meus primeiríssimos anos de BETTY LEIRNER Europa, me apelidaram de Lua Branca e usei esse nome muitos Desde a adolescência Betty se tornou minha grande amiga, anos. Betty teve duas filhas, Lua, fotógrafa e performer e Lira, uma irmã de corpo e alma. Saímos cedo do Brasil, quase jun- Li Aurora, de quem sou madrinha e que é, por sua vez, artista tas, para ficarmos até agora entre lá e cá, ela nômade-poeta, eu multilateral e talentosa. De novo? La vita è bella! ANTONIO DIAS individual no MASP, “Squares of Light”, foi em 1978, quando Poucos meses após nos conhecermos, decidimos começar a ela era ainda menina. Em 1990 Jac, a irmã mais nova de Betty, vida juntos na Alemanha, em Colônia, onde acabamos ficando apresentou suas obras na Biennale di Venezia e veio junto com 23 anos. Antonio sempre respeitou meu amor pelo Japão e pela seu namorado na época, José Resende, grande escultor de São música, apoiou meus estudos e projetos, apresentou-me artis- Paulo. Os pais, Fulvia e Adolpho Leirner, também vieram para a tas e poetas incríveis como, por exemplo, Augusto de Campos abertura. Eu estava separada do primeiro casamento e vivendo e Haroldo de Campos, com quem pude dividir minha paixão em Veneza há 12 anos. Eles me apresentaram Antonio Dias, pela escritura, literatura e caligrafia japonesas. Adorava também artista com quem acabei me casando e vivendo junto duran- me encontrar com a Mitsuko, o Tomoshige, Electra e Geraldo te muitos anos. Devo dizer que, Betty em primeiro lugar, mas de Barros, Carmen Perlingeiro, Regina Silveira, Cildo Meireles, também sua família, foi fundamental na minha formação como Waltércio Caldas e muitos outros. Certo, também conheci Toyo- pessoa, mas também em termos culturais e artísticos e não pos- ta, Tomie Ohtake, Leiko Ikemura, que maravilha! Nesse elenco, so imaginar o que seria minha vida sem eles. Eu era muito sim- vou citar alguns músicos que Antonio me apresentou e adorei: ples e eles num certo sentido me “adotaram”, me ajudando a Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Phill Glass, Lulu Santos, Ma- saciar a sede de saber que eu tinha. Betty me dava muitos livros ria Bethânia, Chico César, Zélia Duncan, Adriana Calcanhotto, para ler, exigia de mim mais estudo de inglês, de francês, de ci- Marisa Monte e os meninos da Conspiração Filmes. Muita gente nema, me abriu horizontes para músicas que eu não conhecia, legal, e a lista prosseguiria. Separamo-nos há alguns anos, mas o enfim, nenhum link direto com o Japão, mas um link de leitura e que vivemos juntos é inesquecível. No ano 2000, junto a Iole conhecimento, em vários âmbitos, principalmente com relação de Freitas e Vania Dantas Leite, arquitetamos Caleidocosmos, M a is O utr a artistas. Betty começou muito cedo e sua primeira exposição 29 28 L ica Ce ca to cigana-cibernética. A família Leirner é uma família de grandes espetáculo de multimeios que entrelaçava diferentes campos ar- minhas composições arranjadas por Manfred Schoof e tocadas tísticos e apresentado no MAM-RJ. Resumindo, a escultura da pela WDR Big Band, toquei inúmeras vezes e gravei um disco Iole foi o instrumento usado para a composição eletroacústica com Charlie Mariano, graças a Paul. La vita è bella. da Vania Dantas Leite, e foram escolhidos poemas que falavam ou de artistas ou de obras de artistas contemporâneos, dos ir- ATSUSHI KOSUGI, “SUSHI” mãos Augusto e Haroldo de Campos. Haroldo escreveu para Meu primeiro disco feito no Brasil e coproduzido com Ju- a ocasião um texto inédito sobre a obra da Iole. Gisela Maria nior Aguiar no ano 2000, foi mixado e masterizado no SOUN- Moreau participou dançando e coreografando, contracenando DTRACK STUDIO de New York, e viajamos, Junior e eu, para comigo, que cantei ou declamei os poemas, mas também usei a estarmos presentes na conclusão do trabalho. Dentre os músi- escultura da Iole de Freitas como instrumento de percussão. Foi cos que gravaram CONSTELÁRIO, meu primeiro CD brasilei- um dos mais bonitos frutos de colaboração com artistas que já ro, estava o Romero Lubambo, que vive em NY há muitos anos. realizei. Gracias a Antonio e gracias a la vida! Ele me apresentou o Sushi, que mora em NY há décadas. Na época, eu morava na Alemanha. Quando conheci o Sushi em PAUL SHIGIHARA NY, ele logo disse que tinha um amigo japonês, guitarrista, em Em Colônia, o primeiro músico com quem me apresentei Colônia. Claro, se tratava do Shigihara, e tornamo-nos amigos em público foi Paul Shigihara. Na época, o então diretor da par- imediatamente. Sushi produziu vários discos no Brasil, na Eu- te de cultura da cidade de Colônia era Winfried Gellner, que me ropa e nos EUA, com músicos brasileiros, para um selo que se apresentou Paul Shigihara e Mahi Ismail, sudanês que era diretor chamava AOSIS, junto a Toshiya Kamada e distribuição de JVC. da parte de música da Deutsche Welle. Colônia foi uma experiência Sempre nesse mesmo grupo de amigos, conheci Harada, que me riquíssima em termos de música. Paul é nascido em Tokyo, filho de mostrou e ainda mostra as noites de Tokyo. NOJIRI TAKUYA juntos, o disco PELE, em 1996, que ele arranjou, e ele é há alguns Nasceu em 1953 e cresceu em Osaka. Foi por muitos anos anos o primeiro guitarrista da WDR Big Band. Através de Paul Shi- dono de um RYOKAN e RYOTEI, tipo peculiar de hospedaria e gihara conheci vários músicos fantásticos, como também o poeta restaurante japonês de alta classe, que se chamava YUMEYA, que Nojiri Takuya, sobre quem escrevo mais à frente. Senti muito deixar significa “a casa dos sonhos”, em Nara, a antiga capital do Japão. Colônia por ele e Jennifer Kessler, sua esposa e música. Víamo-nos Como ele mesmo dizia, muitas vezes ele escapava para outros paí- com muita frequência. Cheguei a ter o imenso prazer de ouvir ses, e tinha preferência por Bangkok, fumando seu cachimbo e ouvindo M a is O utr a mãe me ensinou a arte de escrever cartas. Fizemos vários shows 31 30 L ica Ce ca to intelectuais japoneses, seu pai era calígrafo da corte japonesa e sua Clapton. Ele iniciou PROJECT Z, que era uma manifestação do cineasta John Dogget-Williams, que filmou muitas das nos- artística de entrelaço cultural que envolvia poesia, arquitetura, sas peripécias. De minha parte, fora uma adoração por Takuya, música, culinária, cerâmica, jardinagem, em suma, uma aventura com quem cheguei a conhecer extraordinários poetas em Nara, multifacetada, cultural, com participantes do Brasil, Tailândia, além de arquitetos e jardineiros, escrevi a sequência NARA Austrália, Japão, Índia, Itália, Camboja e Alemanha de diferen- DREAMS (sonhos de Nara) no ultimo dia de funcionamento tes setores artísticos. O músico japonês que vivia em Bangkok do YUMEYA, que era um típico hotel e restaurante japonês, ou e tinha um pequeno estúdio de gravação, Keiju Nakajima, foi o seja, um ryokan. No meio do ambiente mais tradicional do Ja- primeiro a gravar nosso projeto multimaluco. Takuya escreveu o pão, numa arquitetura impecável, e com a estranha sensação de livro de poemas HAIKU, DOORS, que foi publicado em 2002 estar dormindo dentro de uma casca de ovo vazia, sem núcleo. pela Collective Effort Press de Melbourne, Austrália, traduzido Dormi sozinha e foi a última noite de existência do lugar, antes por Sandy Caldow e TTO, com introdução de Dan Takasugi. de tudo desaparecer como se tivesse, na realidade, sido um so- Sandy Caldow, artista e escultora de Melbourne, era a melhor e nho. Sentimos falta de Takuya e descontinuamos o PROJECT mais antiga amiga de Takuya. O companheiro de Sandy, TTO, é Z, que envolvia muitos artistas, mas isto é já um outro capítulo um poeta de origem grega, crescido em Melbourne. A tradução que não consta deste livro. dos dois do livro DOORS é brilhante, intuitiva, sendo que eles não falam nem leem japonês, mas os desenhos de Takuya e as Haiku de Nojiri Takuya conversas que eles tiveram sobre os poemas, induziram à tradução, ou melhor, como diria o nosso saudoso Haroldo de Campos, à transcriação dos HAIKUs. Em 15 de novembro de 2010, AO DESABROCHAR por razões que não são claras até hoje, Takuya se suicidou no AS PÉTALAS DE SAKURA que ele chamava de “sua casa escondida de Bangkok”. Ele era NÃO PLANEJAM SEU VOO KEPEL KIMURA sor de regras, de certa maneira, abandonou a família, o trabalho, Conhecemo-nos em Tokyo, talvez no show do Djavan no os vínculos, para continuar sua arte. Um dos grandes escritores Blue Note, em 1995, mas viemos a ter mais contato depois do de HAIKU (HAIJIN) do seu tempo, seu espírito criativo e ener- ano 2000. Kepel teve uma loja por mais de 20 anos que im- gético, livre, fez, faz e fará muita falta. Ele deixou a esposa Kiyoe portava e distribuía discos, principalmente brasileiros, em nível Nojiri e seu filho Seiten. Extraí parte do texto sobre Takuya nacional, que se chamava La Musica Ibero-americana, que fechou M a is O utr a as disciplinas acima. Não teve medo de riscos, foi um transgres- 33 32 L ica Ce ca to um grande artista e inovador, cujo trabalho compreendia todas em 2006, no mesmo período que muitas outras lojas em Tokyo, são ótimos. No meio desses tantos músicos talentosos, no ano com o início da grande crise da indústria fonográfica. Somos, passado, o casal Hiroquinho (sax alto, contralto e clarinete) e antes de tudo, amigos. Ao mesmo tempo me ajudou e ajuda Masako Oda, cantora, me levaram a uma roda de choro incrível, muito profissionalmente, me apresentou Regina del Papa e He- numa casa típica japonesa, feita de madeira, com tatame no chão lios Molina em Paris, e com ela, fizemos um show no clube de em vez de carpete, Kyuyaguishitatei, jazz New Morning naquela cidade, e fora isso me apresentou de Yaguishita, à distribuidora Tratore, de São Paulo, que distribui meus CDs Meiji~Taisho, que lidava com cobre e ferro. Tem um profun- até hoje. Kepel é um personagem muito importante na cena da do conhecimento de choro e chorinho e não posso deixar de música brasileira no Japão e sua divulgação. Ele toca zabumba e citar percussão, tem um grupo de forró que tem no repertório, den- violino; Iwada Nobuo, bandolim; tre outros, Hermeto Paschoal e Egberto Gismonti, João Donato vaquinho; Obana Takeshi, sete cordas; e Gonzagão, enfim, faz shows e palestras sobre MPB no Japão Makoto, pandeiro; , e era a residência , um comerciante rico na época Koonosuke, bandolim; Okoshi Eriko, Kyadi, ca; Nishimura Tsuda Miyoko, pandeiro. YOSHIKO OKIYOSHI E HIROSHIMA GAIJIN (estrangeiro) pôs o pé. Os músicos com quem já me Desde a primeira vez que fui a Hiroshima, indicada pelo Ke- apresentei são muitos e os mais frequentes são sem dúvida Na- pel Kimura à Doi (Dorado), toquei no Clube Quatro e conheci gasawa e Matsumonica, Mika Mori, Hiraoka, em Tokyo e em Yoshiko Okiyoshi e seu marido, loucos por música e com uma Kumamoto, Kyushu, Kayo no piano e sanfona e Kuroda na ba- mentalidade muito aberta para culturas diferentes no mundo, teria. Tocamos juntos várias vezes. Tenho um profundo respeito tenho certeza de ter sido privilegiada na visita de Hiroshima. O pelo conhecimento de MPB e música latino-americana do Ke- museu da memória histórica dos horrores da bomba atômica pel, e me impressiona o fato de que ele não só é fluente no idio- me deixou pasma, triste, e parte de mim se desintegrava junto ma português brasileiro, como entendeu o humor e ainda por aos triciclos e tico-ticos das crianças fundidos aos capacetes dos cima tem cara de nordestino. Viva o Kepel, que abre portas para soldados, os copos de vidro nas prateleiras, fundidos aos peda- nossa música, que encurta a distância entre Oriente e Ocidente ços de paredes que sobraram, as imagens em filme das crian- e é tão querido por todos os músicos brasileiros que tocam na ças antes de serem trucidadas pela bomba. Esse mesmo país sua terra. Kepel me apresentou o casal Ito, que tem um barzinho construiu Fukushima e o dano do desastre nuclear hoje é ainda em Tokyo que se chama Copo do Dia, e lá entrei em contato incalculável. Mas o que me toca aqui é o lado humano. Fui ao com muitos músicos que gostam de MPB e chorinho, samba, museu sozinha e, se não fosse o fato de ter conhecido Yoshiko M a is O utr a especiais em várias cidades japonesas, inclusive onde nenhum 35 34 L ica Ce ca to inteiro e sou muito agradecida, pois me faz conhecer pessoas como terra. Em vez disso, me sinto orgulhosa desses seres humanos que não só sobreviveram aos horrores, mas que levantaram as cabeças para reconstruir suas vidas e conseguiram. Claro que meu ponto de vista é sempre pessoal, de viajante, mas conheci lugares e pessoas incríveis, fora Hiroshima, Miyajima, Nagasaki, profissionais que não deixaram morrer suas especializações tradicionais, como no âmbito da arquitetura a produtores de telhas, com fábrica de família, há mais de quinhentos anos, a as apresentações. Jo Takahashi foi uma pessoa fundamental no ANDRÉ VALLIAS É designer gráfico, poeta e produtor de mídia interativa. Conheci através da Betty Leirner e com ele acabei realizando três espetáculos que consistiam em poemas, poesia visual, música eletroacústica e eletrônica pré-gravada. Fizemos, além dos espetáculos juntos, Erratica, Sybabelia, a versão em português dos poemas de Ono no Komachi, que concluem este livro. Quando o poeta Haroldo de Campos faleceu, André me chamou para participar do show em sua homenagem, que foi feito no Teatro TUCA de São Paulo, GALÁXIAS HAROLDO. Eu apresentei um RAP nipo-português que compus com Haroldo chamado JapanRap. Nesse dia, Alice K. me ajudou a coreografar e a escolher o Uwagi, tipo um casaco para kimono, que não vai até os pés. Tenho alguns antigos que comprei em antiquários. Cid Campos, filho de Augusto de Campos e Lygia, me acompanhou na guitarra. Simetria, precisão, intenção no gesto, o palco é uma escola. Além de outras atividades, André publica online a revista de poesia visual e música ERRATICA. André é casado com Nelci Frangipani, que me confessa querer ir morar no Japão pelo estímulo para que eu continuasse minhas pesquisas. A ultima menos dois anos, diz que é seu sonho. Vamos sonhar juntas? confeitarias de doces típicos japoneses, a música no mais alto nível. Hoje, embora ainda me lembre daquele tico-tico derretido e daquela imagem da nuvem assassina estarrecedora, por causa da Yoshiko Okiyoshi, me lembro de uma Hiroshima ensolarada e de pessoas extremamente gentis. O homem destrói e constrói, é fato. JO TAKAHASHI E RACHEL ROSALEN Conheci Rachel Rosalen menina, muito novinha, em São Paulo, e ela já fazia um trabalho muito lindo de máscaras. Era amiga do Jo Takahashi, na época e por muitos anos diretor de projetos culturais da Fundação Japão em São Paulo. Através do Jô, me apresentei duas vezes na Fundação Japão. Uma delas era 36 L ica Ce ca to uma aula-show, programada junto a um dos professores de japonês. Usamos onomatopeias para memorizar algumas palavras e no final construímos um RAP in loco com os alunos. Rachel Rosalen, que tinha se tornado e ainda é uma videoartista, filmou M a is O utr a ideia sombria e triste como uma nuvem escura de Hiroshima seção desse livro, ou capítulo, é sobre a poeta Ono no Komachi, e Jo Takahashi publicou na web, no site dele, Jojoscope, assim que leu. Realizamos juntos eventos memoráveis, como o lançamento do Centro de Cultura Japonesa em Registro, no Paraná, com arquitetura de Lina Bo Bardi. Conversar com o Jo Takahashi é uma delícia, passava muitas vezes na Fundação Japão para irmos almoçar ou jantar juntos, e não há limites, podemos contar piadas ou ir aos pontos mais delicados, escondidos e difíceis de serem descobertos na cultura japonesa e no tesouro cultural que ela representa. 37 Okiyoshi, sua família, seus amigos, eu teria ficado com aquela uma das peças tradicionais e alguns diriam fashion do Teatro Nô, escrita por Motokiyo Zeami (1363-1443). Todas as vezes que vejo a peça no Japão, ou que leio o texto, imagino o Haroldo voando naquele manto de plumas brancas, se confundindo com as nuvens. Na tradução que ele me deu, as palavras: AUGUSTO DE CAMPOS Assim como para a arte contemporânea o mundo não seria o mesmo sem Marcel Duchamp, para mim o mundo da poesia não existe sem Augusto de Campos, sem a sua ampla visão sobre a poesia visual, concreta, ou mesmo a tradução, quando é feita de um poeta para outro poeta. Não consigo conceber minha vida sem Augusto de Campos. Ele estava em tudo que lia e amava, desde sempre, desde as músicas de Caetano até Caixa Preta e Julio Plaza. Fui visitar Augusto e Lygia em São Paulo várias vezes. Muito diferente das visitas que fiz a Haroldo, que era muito eloquente e eu tentava capturar cada palavra, mas fiquei longe disso, o Augusto ouve, pergunta e quer saber a resposta. Quando começamos a nos frequentar, Cid Campos era ainda adolescente. Hoje faz um lindo trabalho de música, e tive a chance de participar de alguns eventos com ele, adoro o que ele faz com o Augusto e mesmo com a Adriana Calcanhotto. Tive a chance de ver os três, Adriana, Cid e Augusto, no show intitulado POEMUSICA, no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, em 2010. Dono de uma elegância nobre, de M a is O utr a No oceano do céu Ondas de nuvens se elevam O barco da lua Num bosque de estrelas Vogando se esconde 39 L ica Ce ca to 38 HAROLDO DE CAMPOS Conheci os irmãos Campos e Décio Pignatari em Milão, em 1991, junto de suas esposas. Eles todos tinham ido a Milão, onde eu morava com o Antonio (Dias) para a exposição organizada pela Lenora de Barros e a Paula Mattoli, Poesia concreta in Brasile, na inauguração dos Arquivos da Nova Escritura. Estávamos todos conversando na sala, quando de repente Haroldo e eu começamos a viajar, literalmente, no mundo dos ideogramas, e estávamos tão absorvidos na escritura que acabamos entrando no ateliê do Antonio, deixamos a sala, e ficamos desenhando grandes ideogramas, sentados no chão. Não é saudosismo, é saudade. Haroldo faz falta. No mesmo ano, em outubro, Antonio expunha na Galeria Luisa Strina, em São Paulo, e sabia que iríamos nos encontrar de novo, todos, na abertura. Na época, fiz um livro-objeto, somente 30 cópias assinadas, de haicais com desenhos, e de capa cabeluda, chamei de SONGBOOK e dediquei ao Haroldo. Sem saber que eu levara o presente comigo na Strina, quando Haroldo chegou, me deu uma folha de papel assinada, dedicada a mim, e era uma transcriação de um dos poemas de Manyoshu, primeira coleção de poemas escritos do Japão, da era de Nara. Foi com esse poema-tanka e sua tradução que adicionei uma parte minha de onomatopeias e compus o JapanRap, que entrou no meu primeiro disco na Alemanha, PELE, em 1996, e para a comemoração dos 50 anos das Nações Unidas, representando o Japão (peço desculpas até hoje) em forma de CD, com a escolha de vários artistas internacionais, produzido pela Deutsche Welle e pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Haroldo de Campos escreveu vários livros sobre o Japão, dentre eles Ideogramas e Hagoromo, , O Manto de Plumas, 40 PAOLO MARIA NOSEDA Fiquei fascinada por Paolo assim que o conheci, em Milão, no atelier artístico e loja de Monica Castiglioni, filha de Achille Castiglioni, família de grandes artistas do design italiano. As joias esculturais de Monica são sublimes. Nosso amor à primeira vista resultou, além de uma grande amizade, em trabalho, e encenamos juntos o espetáculo multimídia inVENTO, poemas, vídeos e música que se relacionavam ao vento, para o festival de literatura e música COLLISIONI 2012, em Barolo, na Itália. Neste ano apresentavam-se Bob Dylan e Patty Smith, Don DeLillo, só para citar alguns, e os Marqueses de Barolo nos convidaram todos os dias para nos deliciarmos com a comida e o vinho, de produção própria, como conclusão dos nossos dias de trabalho. Nosso show foi arquitetado com dezessete artistas convidados, que nos enviaram vídeos, fotos e música do mundo inteiro, desde 101 Mobile Black History Museum de Detroit a Roberto Cecato, John Dogget-Williams, AyakoTakaishi, Arnaldo Antunes, a própria Monica Castiglioni, e muitos outros. Tem uma sinopse na internet, para os curiosos, e um resumo no glossário. AMALIA TARALLO Nos conhecemos em Roma, na Città Parco della Musica, em setembro de 2013, quando abri o show do Zeca Baleiro, junto ao violonista italiano Stefano Scutari. Eu havia sido convidada pela Embaixada do Brasil em Roma. Já no ensaio houve uma troca de boas energias e quando finalmente nos encontramos nos bastidores, sendo que ela acompanhava o show do Zeca Baleiro, fi- M a is O utr a L ica Ce ca to O mosquito entrou na Fissura da pele Como semente Na fissura da terra Ou como sonho Na fissura da mente Em relação à língua japonesa, com Paolo, fizemos versões italianas para Nojiri Takuya e Ono no Komachi, assim como Paolo traduziu meu texto sobre Bob Wilson e publicamos a versão italiana na revista web MicMag. Somente para contar um pouco da genialidade desse adorável nômade cibernético, Paolo Maria Noseda, por mais de trinta anos é intérprete oficial, de e para italiano, francês, inglês, alemão e espanhol, sendo que em português, chegou a interpretar Caetano Veloso e Sebastião Salgado, fora o próprio Mia Couto, com seu português de Moçambique. Na televisão RAI ou em festivais e conferências de literatura, já foi intérprete inúmeros de escritores – Cameron, Pennac, Yehoshua, mas também celebridades como Madonna, Michael Cimino, Naomi Campbell, a rainha da Inglaterra e por aí afora. Lançou um livro no ano passado que se chama La voce degli altri, Memorie di un interprete, em português “A voz dos outros, Memórias de um intérprete”, pela editora Sperling & Kupfer, no qual narra uma série de histórias dos bastidores, anedotas, choques de culturas com celebridades, e o título se refere obviamente à sua voz que em geral é emprestada a outros autores, atores, filósofos, palhaços, políticos. Paolo subiu ao palco comigo, no festival Collisioni, com sua própria voz, intérprete de si mesmo. 41 um humor inteligente e sutil, admiro sua capacidade de não se adaptar à mudança dos tempos, mas a preceder. Para ele, fiz o poema-canção: quei feliz ao saber que ela tinha gostado do meu trabalho. Neste dia Amalia me apresentou um dos ícones da canção italiana, ótima compositora e cantora, autora de “Per Amore”, Mariella Nava, que Amalia estava trazendo para o Brasil, onde no mês de abril de 2014 ela idealizou e produziu o show no Auditório Ibirapuera. Foi pelas mãos da Amalia e por sua eficiência outra composição de Mariella Nava, “Ci sono pensieri”, entrou em novela da TV Globo, Amor à Vida. Nossa amizade cresceu rapidamente e também a vontade de trabalharmos juntas. Por coincidência ou por destino, Amalia foi indicada para uma série de eventos do projeto Italia na Copa, idealizado pela Embaixada da Itália no Brasil e, aceitando, sugeriu a mim junto à outros artistas. Realizamos um show cheio de charme, OMAGGIO, em italiano e português, na casa de espetáculos Tom Jazz em São Paulo em maio de 2014. Eu, que até o ano passado, nunca tive um manager na minha carreira, estou adorando o fato de trabalhar junto a ela e, diga-se de passagem, este livro também é uma prova concreta do nosso trabalho juntas. Ela conhecia o Alex Giostri, dono da Giostri Editora, que está lançando este livro. Eu, que nunca teria ousado em pensar de realizar esse sonho por agora, me encontro com a estrelinha lá do céu, que brilha sobre nossa estrada e por mérito de trabalho e profissionalismo junto ao Alex, fará com que o livro saia em tempo record. La vita è bella! 2 Capítulos depois de pessoas Capítulos que contêm pessoas NARA DREAMS PRIMEIRO SONHO sua mão esboça caligramas na minha memória eu me esqueço temporariamente da onde venho pra onde vou eu me transformo naquele caligrama que você desenha diretamente pra minha memória manha, e minha galerista e amiga no Rio de Janeiro, MARTHA PAGY. o carro, o rumor da rua, o canto de um pássaro sua mão se deita na mesa imóvel enquanto uma abelha tenta entrar na sala ela, a abelha M a is O utr a Outros artistas, galeristas e músicos com os quais dividi momentos intensos e criativos, que não citei acima e com quem trabalharia de novo com grande prazer são Florent Jodelet, Armando Menicacci, Grima Grimaldi, Michael Heupel, Paulo Calasans, Dodô, Valtinho Anastácio, Idang Rasjidi, a família dos galeristas KOPPELMAN, de Colônia, Ale- 43 42 L ica Ce ca to e passa através do meu olho nada disso transforma e altera cobertas pelo pano do seu YUKATA o caligrama interno que você desenha e por um momento eu fico desejando ser o seu YUKATA com a sua mão cobrir a sua pele de um azul profundo solta, livre e brincar de fio em fio com cada ranhura da sua pele sua mão desenha um caligrama dentro do meu cérebro e enquanto eu penso tudo isso e a tinta, a gente toma SAKE, dá risada negra-sumí, o chá já esfriou e eu vou pegar mais um chazinho pra gente some e quando eu chego na sala e corre na minha veia você tinha desenhado a minha figura como se tudo fosse extremamente natural vestindo o YUKATA que você vestia SEGUNDO SONHO você está com YUKATA NARA, 23 de junho de 2006 e eu também fim de tarde, um pouco fresco, YUMEYA à noite a casa do sonho eu decido fazer um chá pra nós onde tudo começa trago o chá na casa do sonho e observo a linha do YUKATA azul-escuro onde tudo termina no seu pescoço na casa do sonho tocando a sua pele das linhas de algodão do seu YUKATA recomeço hoje depois de quarenta dias de Japão, imbuída de tocando sua pele imagens, sensações, presenças, ausências. Quarto de tatame você, distraído, sorri com shooji aberto, olhando a natureza, um pé de momiji ao vento. A bebe SAKE fotografia falada é uma fotografia muito difícil de se tornar visível. eu imagino as suas costas Aqui nesse ambiente todas as madeiras se encaixam perfeitamente M a is O utr a Finalizar esse livro pela metade, esse talking book, não é fácil, e 45 44 L ica Ce ca to e imagino o trançado e foram pensadas para serem assim. Tudo é extremamente cal- NARA DREAMS PALAVRAS ÚLCERAS culado, pensado, mas não é desumano, frio, muito pelo contrá- As palavras querem sair de mim como o sangue de uma úlcera rio. O cálculo não significa falta de comodidade ou calor, como Tem que ser expelido pela boca em algumas escolhas para a decoração interna da casa, ultra- Como as larvas de um vulcão tem que sair, como algo que minimalistas, mas angulosas demais, que te fazem sentir num não aguenta mais ficar dentro hospital, mais do que numa casa. Aliás, o adjetivo “calculista”, Eu não sei dessa vez O QUE são as palavras que pressupõe a frieza de uma pessoa que só procura o proveito Eu sei que as palavras querem sair e se tornar conhecidas próprio, não casa em nada com a ideia arquitetônica japonesa Querem sair porque tem que ser faladas, porque não aguen- tradicional, em particular a desse RYOTEI, pelo contrário, esse tam mais ser caladas tipo de construção é generoso com o ser humano, mesmo sen- Mas quais são as palavras, eu não sei do detalhista ao ponto de não precisar usar nem um prego, tal Viajo pelo tempo, viajo pelos dias, viajo pelas ruas a perfeição do encaixe, e o resultado final não é um ambiente E olhando pra dentro eu só vejo que tem um monte de pa- hostil. Não se trata de uma caixa de concreto gelada. O homem é colocado em contato direto com a natureza, dos pés à cabeça, no interior e no exterior das casas. Tem tudo para que o ser humano ganhe um acalanto, um lugar que o acolhe, que lhe dá paz, desde o perfume da madeira à cor, ao detalhe da janela translú- lavra querendo sair E essas palavras são a repetição de alguma coisa que eu desconheço E o desconhecido não tem palavra, o desconhecido é desconhecido cida que sugere uma visão impressionista do formato das folhas O desconhecido não consegue se definir e árvores tamisadas pelo sol. Com palavras NARA DREAMS E A BELEZA retrato falado. Então eu começo desse ponto, do ponto do meu Por mais que uma coisa seja bela, como, por exemplo, essa sonho, e continuo pelo ponto que é a questão de querer trans- casa onde estou, se ela não estiver ativa, viva, vivida, a beleza formar sentimentos e imagens em palavras, talvez num haicai dela não continua a existir. Os objetos vão quebrando, inevi- fosse mais fácil, ou mais difícil para uma pessoa que não é um tavelmente, mas a vida é dinâmica, e a beleza se acentua com a HAIJIN. Mesmo que o poema japonês seja muito conciso, de vida, do contrário, a estática e o abandono causam uma sensa- 5-7-5 sílabas, estou completamente vazia agora, incapacitada de ção de morte. Objeto não é gente, casa não é gente, mas parece criar versos. que a casa às vezes é o espelho de como está uma pessoa, isto M a is O utr a tratado de arquitetura, só observo, sinto e tento transmitir meu 47 46 L ica Ce ca to Mas não tenho intenção e nem pretensão de escrever um é, a vida afetiva começa a se quebrar, as coisas ao redor também estou saindo de Nara, cidade bela e tradicional, antiga, com quebram, tudo toma um aspecto de abandono, como um destino a Tokyo, cidade metropolitana fantástica. Tudo para laguinho lindo, mas sem água, um poço artesiano vazio, um pe- mim é um grande prazer, mesmo esses extremos em termos daço de parede quebrada, que nem é tão caro de consertar, mas de cidade e cultura. que fica ali, quebrada, um bocado de folhas secas acumuladas num canto do quintal, enfim, sintomas de que a coisa começa a Eu sinto que este tempo na Terra foi feito para mim, minha deixar de existir. O espaço tem que ser ocupado amorosamente vida é para mim e eu vivo com prazer o que me é permitido. A para alimentar a formosura da vida, as coisas por si mesmas vão vida passa num minuto, e neste minuto eu quero estar comple- vivendo, mas não vivem bem, são somente coisas. Quando a tamente dentro dela. Gostaria de passar os minutos dentro dos relação entre duas pessoas começa a ruir, tem-se a mesma sen- minutos, as horas dentro das horas, os dias nos dias, as noites sação que essa casa, que está para acabar. O fim existe. nas noites, gostaria de passar o tempo dentro do tempo e o espaço dentro do espaço, e eu, dentro de mim. Tudo isso é para NARA DREAMS LINGAM descobrir quem é a outra pessoa, o outro mundo, a outra cidade, Como se aquele momento de prazer pudesse entrar dentro o outro país. Se não se entende quem se é e onde se está, me da comida, como se depois a gente pudesse comer a comida parece um pouco inútil compreender todo o resto. Eu continuo com o prazer de dentro, tudo isso numa antropofagia que só a escrever este livro, que começou há dois anos, com o coração mesmo o amor é capaz de produzir. Você come o seu amor, daí repleto de alegria, sabendo que depois de tudo o que eu já passei você é comido por ele, daí você cozinha e o que você cozinhou e fui capaz de superar, nada mais pode me machucar a não ser a está cheio daquele amor, aí você, ipsis litteris, come o amor e aí o morte. Como disse um poeta ancião, verdadeiro HAIJIN, gran- amor se transforma no que for. Tudo enroscado. de mestre de HAIKU em Nara, “se é para morrer, se morre, não ro viver, não tenho tempo a perder. O Japão é uma história, para Deve ser o meu espírito cigano ou eu me perdi, não sei mim, inexplicável, dizem que eu talvez já tenha sido japonesa em que capítulo me encontro, no entanto, estou no trem e a em outra vida e eu aceito, dado o prazer que tenho de estar aqui. viagem é o prazer infinito de estar sempre com o pé na estra- Este capítulo é um trem de coisas que entram por uma porta e da. Me dá uma estranha sensação de alegria e liberdade saber saem por outra. Os costumes e hábitos não são a parte que mais que eu não pertenço a lugar nenhum, que estou bem com me atrai nessa terra. O viajante se adapta e aprende a linguagem todo mundo, mas que também estou bem sozinha. Agora e os gestos, mas a cultura abre-se num leque muito mais amplo. M a is O utr a NARA ESPÍRITO CIGANO 49 48 L ica Ce ca to há nada a fazer”, no entanto, se é para viver, eu estou aqui e que- Sou apenas uma cigana, viajando de canto em canto, cantando. estudar japonês praticamente grátis. Estudei de 1982 a 1986 com Certo que mesmo quando se fala, se lê e escreve em japonês, a prof. Ueda, de Kyushu, na Universidade Ca’ Foscari de Vene- é como estar em outro planeta, Saturno, Marte, ou o próprio za, na Itália. Eu nasci e cresci no Brasil e somos um país híbrido. Japão. Compreender e ser compreendido é maravilhoso, já fa- Estudei também no Instituto Cultural do Japão em Colônia, na zer parte ou se sentir parte desta sociedade é uma tarefa quase Alemanha. Não foi fácil, mas foi divertido aprender essa língua impossível e não é meu objetivo. Este é um capítulo escrito no em todos esses países, usando os métodos mais impensáveis. trem, com a cabeça vazia e as palavras que voam com a mesma velocidade do trem-bala. No silêncio da noite fico imaginando você, um olho na lua, o outro na melodia. AKEMASHITE, OMEDETOO GOZAIMASU! A diferença sobre usos e costumes se acentua quando, como estrangeiro, se vive no Japão. Eu que já era grande, virei gigante. Nas casas tradicionais japonesas, quando se entra, se tira o sapato, e existe sempre um chinelinho diferente para corredor, verdade a cultura ocidental e a oriental são completamente diferentes em muitos aspectos, e ainda há muito o que falar sobre como percebemos essas diferenças. Aprender a língua japonesa é tarefa árdua e meus estudos até um diploma de proficiency duraram pelo menos quinze anos, sendo que no início os livros eram muito pesados e minha bagagem, para viajar, era cheia deles. No entanto, o problema do peso inicial se desfaz quando considero que agora posso dialogar com qualquer pessoa nessa terra 50 L ica Ce ca to encantadora. A língua japonesa pode ser usada em lugares que não se imagina, por exemplo, tinha uma massagista na Coreia, que não falava inglês, mas nos entendíamos em japonês. Em sala e banheiro. Cheguei em dezembro e logo era Natal. O primeiro erro cometi dentro do banheiro, que tinha tantos botões de descarga escritos em ideogramas que eu ainda não lia, que a água veio toda na minha cara e alaguei o chão. Limpei tudo direitinho antes de sair do banheiro, era a noite da ceia de Natal. Ainda atrapalhada com o que tinha acabado de acontecer, entrei na sala de jantar com os chinelos do banheiro. Todo mundo riu muito! Que família carinhosa! Todas as noites, durante um mês e secretamente, a mãe da Yoshiko, vendo o meu tamanho, colocava uma almofada adicional ao futon, (tipo de colchão que se usa para dormir no chão de tatami) porque meus pés ficavam para fora. O Natal se vai, o Ano Novo se aproxima, todo mundo se Boston, nos Estados Unidos, fiz uma troca do ensino de inglês prepara. Para ter a chance de vestir um kimono no Ano Novo, eu a japoneses que não compreendiam o inglês da Berklee College tinha que agir rápido, de modo a comprar a tempo as sandálias of Music, onde estudávamos, e assim, na base da troca, consegui Zoori do meu tamanho em Asakusa. Para os estrangeiros é uma M a is O utr a O tema do Japão visto por estrangeiros é comum, mas na 51 HAJIMEMASHITE inesquecível. No dia 3 de janeiro, fora os templos de Kamakura Eu era a primeira estrangeira a visitar Kenmori. Deve ter sido que já havíamos visitado nos dias 1 e 2, fomos, com a família muito engraçado para o povo local quando eu, do alto dos meus Nakajima, em direção a Nagoya, onde o pai trabalhava, conhe- 1,85m (com salto), participei dos jogos todos que eles fizeram. cer um dos mais famosos santuários do Japão, Ise Jingu. O ôni- Sinto muito voltar para o problema de tamanho, mas não tem bus e o trem estavam lotados, abarrotados, viajamos horas sem jeito. Até o Jô Soares, quando participei do programa dele em fim. Foi o primeiro soco na cara que tomei ao entender que eu 2001, me entrevistando a respeito do Japão, fez piada do meu não sabia nada da cultura oriental e que a minha cultura oci- tamanho em relação aos japoneses. dental era extremamente barroca em relação à deles. As igrejas Voltando à festa, várias coisas não se encontram na cidade do Ocidente são decoradas, têm esculturas, mosaicos, pinturas. grande. Por exemplo, como fazer bolinho de arroz ou o MOCHI, Quando cheguei ao Santuário de Ise, fiquei procurando algu- que é batido numa espécie de pilão, com ritmo repetitivo e preciso, ma coisa, depois da longa viagem, que justificasse a nossa ida. por mais de uma pessoa, apresentação de uma dança típica e fol- A resposta era simples: não havia nada do que eu procurava. clórica, comes e bebes. A festa estava animada quando, de repente, A razão da existência de Ise Jingu é espiritual. Conseguíamos o moderador me chamou ao palco. Assim que eu disse Feliz Ano ver somente o topo dos tetos e na nossa frente um muro de Novo em japonês, ou melhor, AKEMASHITE, OMEDETOO arbustos e um grande pano branco de algodão estirado como GOZAIMASU, no microfone, todos me aplaudiram com vonta- se fossem portas, mas a passagem não é permitida, portas que de. Convidaram-me para um jogo interessante chamado Fukuwarai não abrem, portas brancas como uma ausência de portas, um (Risada da Sorte”, ou seja, tem um grande rosto branco vazio pre- buraco branco na cena, que é respeitado como um papel no qual gado na parede, e o jogo consiste em fixar as partes que faltam no a história se escreve com tinta transparente, uma não porta num rosto, olhos, sobrancelhas, nariz e boca, de olhos vendados. Claro lugar não lugar. Tudo era sacro e eu fiquei estonteada de tanto que eles me chamaram para que eu vencesse e ganhei uma garrafa nada. Lições impagáveis. enorme de saquê. No jornal da cidade, no dia seguinte, via-se só Fomos convidados depois para a festa numa cidadezinha do uma cabeça que saía do tamanho geral das pessoas, como uma gi- campo, bem perto de Ise. Por se tratar de uma ocasião especial, rafa num zoológico: eu. Quando depois do Ano Novo me mudei eu, sem a menor noção do que era Japão e vindo da Itália, pensei para o microapartamento, tive que me adaptar e mesmo sem me em usar um vestido de lã elegante, rosa choque, e sapato de sal- casar com um japonês e sem conseguir encurtar meu tamanho, gos- to. Lembro ao leitor que se trata de 1986, que tenho 1,79m e que to do Japão e, mesmo batendo a cabeça nas portas o tempo todo, M a is O utr a com salto sou uma Godzilla, ainda mais num pequeno vilarejo. 53 L ica Ce ca to 52 experiência rara, eu me senti uma gueixa e foi bem divertido, eu os respeito e me sinto respeitada, e o Japão se tornou para mim pelo visual é a mesma, a paisagem é a mesma, Tokyo só cresceu, mais do que um estudo de língua, se tornou o estudo da vida. mas não mudou radicalmente. Entre le rêve et le monde Il n’y a qu’une seconde Il n’y a qu’une seconde INÍCIO DE NOVEMBRO, SEM METRÔNOMO Se uma nota musical é tão importante como um desenho do Entre o Sonho e o Mundo Só tem um Segundo Só tem um Segundo Between a Dream and the World There’s only a Second Only a Second som, e se o trabalho grupal é baseado na percepção do instante, na relação imediata de quem toca e de quem ouve, de quem atua e do público, para mim, que estudei música com notação ocidental, que tive a chance de estudar algumas partituras contemporâneas, mas sempre ocidentais, a descoberta da contemporaneidade da notação musical japonesa, desde o século 8, foi uma Yume to Sekai no aida ni Ippun shika nai Ippun shika nai revolução. Fui convidada pela Yamaki Nobue a ir ao Palácio Real sa, com forte influência chinesa, tocada há mais de um milênio Votos de felicidade no mar de pessoas no meio do país ob- na corte imperial. Um amigo de Yamaki toca SHO, um tipo de cecado por imagens. No metrô de Tokyo, o rapaz que tem um flauta de bambu, na orquestra, que se apresenta numa espécie ar inteligente lê MANGÁ, para a desilusão de quem já havia de tablado, um ringue, como um palco alto, central e quadrado, decidido que ele parecia um filósofo. Não existe uma cultura com o público sentado ao redor. Inicialmente, fiquei pasma ao pop japonesa sem mangá e videogames. Cada um de dentro do constatar que não havia um maestro, ninguém regia a orques- vagão e provavelmente de todos os vagões, que são muitos, olha tra de vinte elementos, a concentração era enorme, o grupo era para dentro de si mesmo e dorme ou olha para o que suas pu- líder do grupo, todos juntos e sincronizados, no início, meio e pilas elegeram para serem completamente capturadas, para que fim de cada peça musical. Quando acabou o concerto, fomos ao todos sejam absolvidos e libertados da realidade cinza dos dias backstage, encontrar seu amigo musicista, e quando pedi para ver que se sucedem aparentemente iguais, com todo mundo com- a partitura daquela noite, para meu espanto, em vez de uma pau- portado, suportando o empurrão da multidão que procura um sa precisa, que se conta, estava o ideograma AIDA ฀, isto é, o lugar qualquer, onde possa ficar na bola, uma-pessoa-como-to- momento entre um evento e outro, sendo na música, uma pausa das e entrar no ciclo social pré-determinado. Hoje os MANGÁS indefinida, que não se conta, entre uma nota e outra. Piorou foram substituídos pelos smart-phones ou i-Pads, mas a atração muito o meu estado de perplexidade, quando perguntei como M a is O utr a MANGÁ E VÍDEO GAMES 55 54 L ica Ce ca to de Tokyo, para um concerto de Gagaku, música clássica japone- faziam para saber quando começar e em que ritmo, e ele respon- e imagino que a repetição de peças tradicionais faz com que o deu que depende do que acontece no momento, da reação do hábito ajude na decisão da duração do intervalo de tempo e de público e dos músicos, entre si, sendo que a precisão do tempo espaço indicado no ideograma AIDA ฀, mas a abstração neces- encarada dessa maneira exige muito mais absorção e percepção sária para isso demonstra um aguçar dos sentidos e que a histó- do indivíduo em relação ao grupo, e vice-versa, do que a divisão ria, mesmo se repetindo milhões de vezes, a cada apresentação tradicional ocidental, que é padronizada. Não é possível com- vai ter um tempo e espaço diferentes, como um respiro, onde a parar. Foi uma grande lição saber que existem outros métodos quantidade de ar que entra ou sai depende das circunstâncias e diametralmente opostos ao nosso. Para quem não é músico, não da emotividade do momento. é familiar ao nosso sistema de escritura, basta pensar, por exemplo, numa valsa, mesmo para dançar, conta-se 1, 2, 3, e todo mundo en- 56 HAKATA um ocidental, cria-se o hábito de saber-se mais ou menos qual é o Neste momento me encontro no trem, indo de Fukuoka a andamento de uma valsa 3/4, quantas batidas por segundo no me- Tokyo. Acabo de voltar de uma experiência fantástica, vivida trônomo, dependendo da tonalidade, os acidentes nas claves, quan- desta vez também com o apoio deste gentleman samurai, que é tas barras, um movimento que se intensifica num certo momento e mestre de Aikido e consultor de quatro hospitais em Hakata, o vai morrendo no final, com indicações em italiano ao longo da par- Takashi Hara. Para conseguir transmitir esta experiência, tenho titura e mesmo sinais que músicos profissionais do mundo inteiro que usar uma linguagem solta, sem me amarrar na narrativa, e lá reconhecem. Na música contemporânea, claramente existem ou- vai: enquanto o cara de trás do meu banco de gurinsha, primeira tros tipos de partituras, mesmo que a interpretação seja mais livre, e classe, come peixe seco e chupa os dentes. Hara pediu que eu não me considero apta e nem tenho a intenção de fazer um tratado tocasse para os loucos e os seus médicos, umas setenta pessoas, de música, mas arrisco um tratado amoroso por convivência, em num manicômio de Hakata, Fukuoka, que é muito distante de relação à música e à performance musical e, pessoalmente, nunca Tokyo, mesmo com o trem-bala. Cheguei ao hotel, tinha pouco tinha visto um sistema tão ousado contemporâneo. O que me faz tempo para me preparar e ir tocar, sem microfone nem ampli- pensar em quantos sistemas devem existir com os quais não temos ficação, e admito que a escolha da roupa foi radical. Peguei a nenhum contato nem noção. blusa mais extravagante que tinha, de Issey Miyake, um jeans Soube mais tarde que se usa o mesmo princípio e a mesma meio dourado, coloquei um óculos escuros de Thierry Mugler notação musical de Gagaku, nos teatros Nô, Bunraku, Kabuki, e decidi fazer um repertório de standards, somente músicas M a is O utr a L ica Ce ca to ção, claro, mas a execução ocorre de maneira muito diferente. Para 22/11/04 – SEISHINBYOOIN – MANICÔMIO DE 57 tende. Ambos os métodos de leitura envolvem grande concentra- muito conhecidas, mas sem letra, com a esperança que no fun- VERSO E REVERSO do de cada mente, perdida em si mesma, ainda existisse um Japonismo. As palmas unidas, olhos unidos, sons unidos, fio de memória, de união, que os pudesse embalar com a can- mundos distantes, curiosa geometria, nossos pontos cruzando. ção, para que houvesse um diálogo musical entre nós, afinal, Em qual arquitetura bizarra cabe o nosso encontro? A estrada o cantor pede ouvidos. Era uma missão quase impossível, longínqua entre os “mins” da gente se encurtou. O amor através mas eu não acredito em impossibilidades. Fui buscando ca- da música derrubou fronteiras, criou novos aromas, abriu um minhos através do amor e o amor cura tudo, ilumina todas túnel no céu. O tempo foi segmentado em segundos, as várias as situações. As emoções são enormes e eu não tenho tempo camadas de ontem, hoje e amanhã transformaram o que é UM de escrever enquanto me preparo. Cantar neste manicômio, em UM. Neste átimo, o divórcio entre o homem e o homem se onde o olho das pessoas não mora mais dentro delas, onde acabou. Na areia, cada grão brilha e se apaga sozinho, mas tudo mesmo o pra-fora-do-mundo mora pra-dentro, como se o é areia, tudo é mar. A gente virou grão que vive junto, a gente olho estivesse embrulhado dentro do corpo, e o corpo guar- foi nadar no mesmo mar, e deixou que a marola nos levasse e dasse em si memórias, universos, que não fazem mais parte trouxesse num embalo natural. dessa atmosfera, do que a gente está vivendo aqui, seja o que L ica Ce ca to pessoas no hospital e um pequeno sorriso no canto da boca HACHINOHE, SAULE BRANCHE CAFFE E A TSUNAMI de alguns, uma mãozinha que acompanha a música batendo Em 2004, quando cheguei à estação de trem-bala de Hachi- com a mão no joelho, nossa comunicação possível somente nohe, nordeste do Japão, enviada especial de Kepel Kimura, vi através da música, me deram uma alegria inexplicável. uma turma com bandeirinhas brasileiras, todos com uma ca- De volta ao hotel, quieta, sozinha e sem público, senti que miseta igual, e quando desci do trem olhei pra trás para ver se essa felicidade é só minha, de ver os olhos deles, chamados lou- tinha algum jogador de futebol brasileiro acenando, pois essa cos, sonhando com os meus. A canção conseguiu atravessar to- turma estava dando tchauzinho, e eu nunca pensei que fosse das as paredes da impossibilidade e gentilmente tocou o coração para mim, mas era... Era o pessoal do Saule Branche Caffe, com de cada um, trazendo-me de volta uma tal quantidade de amor quem fiz muita música, muita comida, muitas viagens e progra- verdadeiro que fiquei atrapalhada. Segura, coração. Foi muito in- mas de rádio, além dos shows, que fui com a intenção de tocar tenso. Os olhos infelizes e distantes sorriram um pouco e aquele sozinha e acabei tocando com Takushi Yoshikawa e YAM, na pouco foi o sol inteiro para mim, com todos os seus raios. maior alegria. Fica difícil imaginar que numa cidade de interior, M a is O utr a seja. Aqueles olhos distantes e o presente, os olhos tristes das 59 58 pequena como Hachinohe, existam pessoas tão livres, artistas tão rativa, OMitsusan é a chef de cozinha e a esposa de Taku-chan. mos, dentre outras, duas versões para o japonês de uma música No primeiro andar, fechado para o público, eles têm um estúdio de Caetano Veloso, “De manhã”, e “Meditação” de Gilberto de som e fazem um programa de rádio semanal, há dez anos, Gil. Charlie foi para mim muito mais que somente um grande com música ao vivo. Os shows são abarrotados de gente que músico, foi um grande amigo, esse ítalo-americano visionário, participa, canta junto, bebe junto, come junto, tudo muito junto. que muito antes do conceito de world music nascer já enca- Quando houve a tsunami em 2011 e vi no telejornal os barcos rava a sua realidade musical como um mundo sem fronteiras, sobre as casas em Hachinohe, além de outras localidades onde onde a vivência musical em palco e em discos é perfeitamente eu havia tocado como Sendai, nos informando que cidades in- possível e a riqueza que essa mistura traz está registrada no que teiras haviam sido destruídas, muitos mortos e desaparecidos, se faz como música; quer dizer, ele não precisou teorizar, mas não deixando nenhum vestígio de que ali um dia houvera uma viveu isso, foi precursor. Era o melhor amigo de Paul Shigihara. cidade, tive muito medo pelos meus amigos, mas dias depois Digo isso porque Charlie faleceu em junho de 2009 e entrei em consegui saber que eles estavam vivos e muito bem, como ainda contato com todas as suas filhas, e com Monday Michiru; tro- estão. Se o meu susto foi grande, imagina os sustos que eles le- camos discos e e-mails, pois ela era a única filha que se tornou varam. Observo a força que une essas pessoas na reconstrução música profissional. Quando fui tocar em Aomori, sabia que do que perderam e tomo como lição. Em novembro de 2013, ela também estava no programa. Como ela vive em New York quando fui a Hachinohe e outras áreas do norte e nordeste para nunca tínhamos nos encontrado. Seu show estava programado tocar, depois de três anos de ausência, aconteceu mais um en- para muitas horas depois do nosso e as viagens são longas entre contro mágico que me provou que o mundo está unido por elos Aomori e Hachinohe, estávamos numa turma bem grande, não e que formamos uma grande corrente, pelo menos dentro da teríamos podido esperar. Quando estávamos nos despedindo, música e da arte. A Zodiac Nova Pop Machine and Contem- depois de nossa apresentação, já na saída, chegou Monday Mi- porary System de Hachinohe me convidou para tocar em Hiro- chiru e com grande emoção nos abraçamos longamente. Hoje, saki, Aomori, num festival de música, e fui como guest. Volto a em outubro de 2014, estou finalizando o texto deste livro num Colônia e a Paul Shigihara, com quem fiz meu primeiro CD na hotel em Hachinohe e fizemos um evento chamado Viva Bossa! Alemanha, em 1996, com Jeff Hamilton, Paulo Bellinati, John Goldsby, Hubert Nuß e Charlie Mariano, grande saxofonista, EMBRULHINHOS JAPONESES que por sua vez foi casado com Toshihiko Akiyoshi, maestra de Tudo o que eu tenho pensado a respeito dos embrulhinhos, sua homônima orquestra de jazz. Eles tiveram uma filha que se dos saquinhos, dos envelopes é engraçado porque aqui se inventa M a is O utr a chama Monday Michiru. No CD, que se intitulava PELE, grava- 61 L ica Ce ca to 60 incríveis. O clube de música é pequeno, a estrutura é de coope- que o chão fique quente para que seus pés fiquem bem dentro Oniguiri, kimono, norimaki, chapéus e lencinhos de homens de onde você está, na estação do ano em que está. Inventa-se a e mulheres, e depois mais longe, num devaneio romântico, as privada quente para que se fique bem onde se está sentado, mas casas, os jardins e, obviamente, as escadas rolantes de Tokyo. a questão do invólucro contém um perigo: seus olhos vão virar Somos pequenos invólucros envolvidos pelo pacotinho-escada, para dentro e cada vez menos vai-se precisar olhar para fora. nos alinhamos como num filme de Chaplin, máquinas perfeitas Dentro do SEU invólucro, se sentindo bem no SEU invólucro, que escondem no paletó uma emoção. Dessa vez vamos pensar não é mais necessário sair. O invólucro como casa, como um no pacotinho-kimono. Só vesti kimono uma vez, e eram quatro embrulho e o uso do papel de embrulho, tudo bem embalado, camadas entre sedas e algodão, quando o normal na festa do bem apresentável, bem dobrado em tudo o que se embrulha. Ano Novo são seis. Cada camada tem uma cor e um significa- Fico curiosa pelo fato disto estar relacionado com a felicidade. do que ignoramos, seja como linguagem cênica ou mesmo seu Às vezes o embrulho é mais importante que o conteúdo. Se a significado intrínseco. Os ocidentais creem possuir tudo; donos natureza do homem [ocidental] é procurar a felicidade, então da verdade e polícia do mundo, também creem que já domi- a natureza do homem [oriental-japonês] provavelmente, não naram o Oriente. Essa prepotência pode impedir o estudo e a é procurar a felicidade, partindo-se do princípio do yin-yang, observação profundos de outras culturas, pode fazer perder os onde todo o bem inclui todo o mal e todo o mal inclui todo o melhores sabores e experiências em vários campos sensoriais, bem, mas os mistérios são muitos e o embrulhinho é somente inclusive estéticos. um deles. Eu sinto que esses pacotinhos todos, tudo muito bem Vou enumerar umas delícias que fazem parte do meu paco- dobrado, os oniguiris, o chão quente, a privada quente, a roupa, tinho de memórias. Enrolar um pedacinho de atum com um os sushis, o kimono, os invólucros, a beleza do ikebana e dos pedacinho de abacate e depois enrolar tudo isso numa natinha jardins, talvez sejam parte de uma só fonte de pensamento. de soja, colocar os embrulhinhos deliciosos em cima de uma com um leito de gelo batido hiperlimpo, um jardim de gelo, um 8 de dezembro de 2007 leito essencial para o peixe cru. Ouvir shamisen, instrumento de Paz. Corre-corre de manhã, mala sempre cheia, corro do jei- cordas para quem não conhece, que vem desmontadinho, numa to que corre Tokyo, pessoas apressadas no metrô e escadas ro- caixa de madeira, de onde como mágica sai um instrumento in- lantes imensas, embrulhando a gente. Andei pensando no mun- teiro, tudo encaixa e ressoa, enquanto a performer nos desem- do do pacotinho. Aleatoriamente, posso indicar alguns motivos brulha histórias e lendas antigas. Ir embora, no final, é como dessa ideia meio curiosa, que na verdade nasceu de um sonho. chegar. O momento é aquele belo NADA e a gente tem que M a is O utr a TOKYO PARIS RIO 63 62 L ica Ce ca to micromesa construída de um fragmento de bambu, e decorada do dedão em 1963 e no Cildo, Zero Cruzeiro, Zero Dollar e fecham num embrulho de si mesmo, revelando traços sutis em Zero Centavo de 1974-1978. Tenho certeza que um não sabe uma quase indiferença, que só não cola e dá para perceber que do outro, mas a refinada ironia do pensamento é a mesma. Com todos estão ligados, porque todos acertam a estação em que vão Akasegawa Genpei aprendi um pouco mais sobre o amor pelo descer. Adoro o povo japonês. Volto à história do pacotinho detalhe e como isso se acentua no pós-guerra, quando as condi- e da comida. Nos dois últimos dias comi muito bem, mas um ções de vida eram péssimas, mas ao mesmo tempo, sem relação particular me marcou: um dos peixes caros que comi em sashimi com a economia, sobre a tendência japonesa a mesmerizar-se veio com uns pedacinhos da borda externa do peixe, que em com a natureza, como a figura linguística do conceito de since- geral está colada no osso, e a parte foi delicadamente retirada ridade que se compara à ponta da pétala da SAKURA (flor de e servida como um lixo nobre, belamente cortado, carne perto cerejeira). Questões como por que no primor da sofisticação da do osso, gostosa, pequena, mínima, pode-se dizer um resto chi- cozinha japonesa, a Kaiseki Ryoori, se usa um prato grande e uma que, ou mesmo a estética do tudo incluído. Um amigo meu me quantidade de comida muito reduzida. Por que num vaso grande, a disse que os japoneses se baseiam numa economia da pobreza ikebana usa uma só flor, ou poucas, num arranjo minimalista cheio para cozinhar. Mais uma contradição? Quase me confirma isso de significados, e assim por diante. Essência e prazer. Na pintura outro prato de peixe que comi esses dias, grelhado, que veio japonesa, o vazio do branco do papel é tão importante quanto a com pedacinhos finíssimos da pele (nodoguro), pois é tão caro imagem desenhada ou pintada. Segundo suas palavras referindo-se que aproveita-se tudo. Não adianta achar uma chave única para à cozinha, são prezados o aspecto suave, um cheiro quase inócuo e esta cultura, mas a minha vontade, já que tenho acesso a ela, é o preparo baseado na essência. CozinhARTE. O dia estava enso- transmitir o que consigo. Na busca de pontos de vista diferentes larado e foi a primeira vez que mantive um meu centro de paixão e interessantes sobre a cultura japonesa, me deparei com um pela cidade sem despencar em abismos inúteis de choros de adeus. historiador, um crítico, um artista e um curador de arte con- Separar-me de Tokyo assim foi bem estranho, como a gente faz temporânea, não traduzido em português; é Akasegawa Genpei, com parentes. Ontem fui ao Museu Hara de Shinagawa e conheci o nascido em 1937 em Yokohama, dono de uma visão simples- Izosaki Arata e sua esposa… Continuo amanhã. estranha coincidência, fez um trabalho de arte contemporânea THOMASSON que se relaciona muito com o trabalho do artista brasileiro Cildo Durante os anos 50 e 60, Akasegawa Genpei envolveu-se Meirelles, nascido em 1948, um trabalho com o dinheiro, no no movimento Neo-Dada, avant-garde, junto à Ushio Shinohara, Genpei 1000 YEN vira ZERO YEN somado a uma sua digital Shusaku Arakawa e Masanobu Yoshimura. Ele formou o Hi-red M a is O utr a mente extraordinária sobre a arte japonesa. Em 1963, por uma 65 L ica Ce ca to 64 gastar tempo com isso. Os olhos apenas entram no metrô, se Center com Jiro Takamatsu e Natsuyuki Nakanishi, e fizeram produtor musical de uma grande empresa, mas, para mim, é o exposições marcantes em grupo e performances, no Japão. Na amigo que me mostrou Tokyo underground. Concentramo-nos década de 1970 ele usou a ideia de Hyper-Art (chōgeijutsu), con- em Shinjuku, Golden-Gai, como posso descrever? Funciona siderando um objeto de rua, comum, mas sem função específi- a noite inteira, são pequenos bares e karaokês, mas pequenos ca, inútil, como uma obra de arte conceitual. Ele chamou essas de um jeito em que às vezes cabem somente cinco pessoas. O coisas Thomassons, e a história é realmente muito engraçada. melhor que se pode encontrar para uma curiosa como eu, que No pós-guerra, para reconstruir o Japão e por uma questão de procura se misturar de verdade. Com Harada, visitei inúmeros prestígio, para estimular o esporte, o time de beisebol Yomiuri restaurantes noturnos com sashimi, yakisobas e sushis divinos, o Giants chamou o jogador americano Gary Thomasson, que era melhores sakes e shochus com chawari, bebidas alcoólicas mistura- lindo, com cara de super-homem, rosto quadrado, cheio de mús- das com chá. Com frequência sou a única estrangeira! Curioso é culos, mas que na realidade foi um fiasco total, pois jogava mui- que mesmo que seja somente para um lanche, grelhado, cozido, to mal, não acertava uma. Akasegawa batizou de Thomasson a cru, ou uma bebidinha, a sugestão do sushiman ou barman é série de fotografias de objetos inúteis, principalmente na arqui- fundamental e a sensação de que ele está cortando o sashimi fres- tetura das ruas e casas, e as fotos foram publicadas pela primeira co para você é impagável. O menu é escrito em grandes placas vez na revista Shashin Jidai e mais tarde em livros de arte e DVD. de madeira verticais ou em papéis pregados na parede. A cidade Inteligência, ousadia, humor e ironia, adoro esse personagem e ferve de noite e o contraste entre as ruas escuras, silenciosas, e o seus livros. Uma viagem dentro da viagem. individualismo exacerbado da metrópole, e o barulho, a vivacidade, e a descontração desses lugares, impressiona. Tokyo pulsa TOKYO BY NIGHT WITH HARADA de noite com um coração frenético. Harada-san, arigatô! HERMETO PASCHOAL E A PLATEIA CANTANDO se transformar em sonho, embriaguez e alegria, até o extremo BAIÃO | KOICHI MAKIGAMI & CYRO BAPTISTA | que às vezes se nota em pessoas solitárias e bêbadas que vão VOZ DE CORVO & ALQUIMISTA DO SOM dormir em hotéis-cápsulas, pois não conseguem voltar para Essa história é verdadeira, ou pelo menos é como meus casa. Talvez seja o prazer do que é escondido, a vontade de sair olhos veem, como meu coração sentiu. Cheguei a Tokyo no dia das regras rígidas que a dura metrópole impõe. Tenho essa mes- 3 de novembro de 2004, vinda do Rio de Janeiro, e ensaiei três ma sensação na Alemanha. Os dias cinzas têm que se descul- dias sem descanso para a apresentação que desejava fazer. Fiquei par perante a vida por serem tão cinzas. Harada trabalha como quietinha na minha MANSION, ou “mansão” de, no total, 14 M a is O utr a balho acinzentado do dia, quando acaba, tem que magicamente 67 66 L ica Ce ca to As noites de Tokyo são lindas, decadentes e intensas. O tra- rai quando saía à rua era aparentemente muito demorado. Saía- coisa diferente porque tinham anunciado um dueto o um duelo se para morrer ou para viver e sempre pronto à luta. Usando entre o Cyro e o Hermeto que não aconteceu porque o Hermeto, um espírito parecido, me preparei para meu solo, voz e violão, que havia ficado viúvo e conhecera Aline Morena recentemente, com algumas músicas conhecidas e uma fluência de ritmos que tocou pela primeira vez com sua bela nova musa, e o Cyro tocou pulsassem de maneira gostosa durante os 40 minutos de minha com o Koichi, com quem já havia tocado. Um show emocio- apresentação. Sabe-se que grandes nomes da música brasileira nado e emocionante, no qual Hermeto fez com que a plateia são bem-vindos na terra do sol nascente. Por exemplo, Egberto japonesa cantasse a base rítmica para que ele “cantasse” a melo- Gismonti me disse no ano passado que nas últimas décadas vem dia em cima, com flauta, chaleira, vidros. Só o Hermeto mesmo se dedicando a composições de peças sinfônicas para a Filar- para conseguir fazer um baião com base nas palmas japonesas. mônica de Tokyo. Fenomenal! Palmas para ele! Eles fizeram duas sessões e minha apresentação Meu show desse dia foi programado para ser num prédio em estava de sanduíche, no meio e intervalo entre as duas deles. Tokyo que se chama Daikan-Yama, muito badalado. Tem dois Nesse dia, acabei minha parte, guardei o violão e corri para ver locais de música nele, um se chama UNIT e o outro UNICE. o show deles, que estava supercheio, muita gente jovem, todo Fui convidada pelo então adido cultural da Embaixada do Bra- mundo participando e gostando. Eu estava com Jin Nakahara, sil, Marco Antonio Nakata, e pelo editor da revista +81, Satoru que é um jornalista, crítico de música, amante da música brasi- Yamashita, a fazer o show de lançamento da revista, em edição leira e grande conhecedor, ao ponto extremo de ter aprendido especial contendo somente o Brasil, com entrevistas de Miguel português e fazer as entrevistas na nossa língua. Pessoas incrí- Rio Branco, Oscar Niemeyer, Fratelli Campana, Revista S/N e veis. Também estavam perto o Seigen Ono e a Rachel Rosalen, outros. A tradução simultânea da entrevista feita com Niemeyer, que fez um vídeo sobre minha apresentação e é uma querida que na época tinha 97 anos, é minha, feita no Rio de Janeiro, em amiga e artista. No final eu fui falar com o Cyro no backstage e Copacabana, onde ele tinha seu escritório. Na noite de 6 de no- conheci ambos, o Cyro que só conhecia através de e-mail e do vembro, lá fomos, eu e o violão, de roupa dourada, para a tarefa que o Romero Lubambo conta sobre o trabalho dele, em suma, alegre. Na mesma noite estavam tocando no UNIT Hermeto fantástico (vide Beat the Donkey!), e esse maravilhoso cantor e Paschoal e a Aline Morena, e o Cyro Baptista estava se apresen- performer que é o Koichi Makigami, que tem uma voz... Não, tando com um cantor, um performer excepcional, genial, que é ele não tem uma voz, ele tem várias vozes, canta em over tones, o Koichi Makigami, que, além de já ter feito tour mundial com tem uns harmônicos incríveis na voz, faz uns sons metálicos, Laurie Anderson, vai muito para a Mongólia estudar técnicas enfim, uma voz excepcional, múltipla. Quando fui falar com o M a is O utr a de canto impressionantes. Na verdade, estava-se esperando uma 69 L ica Ce ca to 68 metros quadrados, ou seja, quatro tatamis. O preparo do samu- uma pena, pois ia tocar sozinho em Kyoto no dia seguinte, já ter um hotel para ficar, para escrever para as pessoas e poder que Koichi não podia ir, e nessa eu me ofereci. Cyro me disse botar pra fora um pouco de felicidade, porque não está cabendo que esse não era meu campo e eu expliquei minha esquizofrenia mais no meu coração! Amém! Axé! Alegria! profissional, de um lado pop brazuca e de outro poesia e música Voltando ao Koichi, peguei um cartão de visita dele e dei experimental, música instantânea. Eu podia ir, tinha passagem um meu (escrito CANTORA FAMOSA, de brincadeira, ób- de Shinkansen (trem-bala) e a vontade, isto é, a grande vonta- vio, que copiei do poeta grego australiano TTO) e quando de de ir me apresentar com o maravilhoso Cyro Baptista, livre, chequei os e-mails no dia seguinte, lá estava ele dando um feliz, me achando capaz de [do it or die] viver ou morrer [kaku- OI e eu então perguntei se ele não dava aulas ou workshops gô]. O samurai sai pronto para a vida e para a morte, acho que de canto e ele respondeu que sim, que eu poderia participar todos sabem disso. Dessa vez no Japão vivi alguns dias nesse no dia seguinte, e eu fui. Foi muito bonita minha experiência estado, senti que estava apta a aceitar a vida como água. Antes com ele. da minha vinda, eu tinha um objetivo e seguia uma reta, agora O workshop era de duas horas. Na primeira meia hora ele eu deixo que os lados me atraiam e distraiam; não esqueço o ob- deu uma espécie de ginástica para relaxar os ombros, as per- jetivo, mas me deixo levar flexível, às vezes o percurso supera o nas, os ligamentos todos e foi excelente; depois começamos a alvo, às vezes esqueço o alvo, às vezes estou dentro do alvo e às trabalhar em grupo, trabalhar as vogais ó, é ó, cara de corvo, vr vezes continuo desviando sem nunca chegar. Hoje sou mais fe- br zzzzz, vários sons, vogais rapidamente. Ele tem uma luz no liz. Neste desvio, acabei fazendo florescer esse encontro que foi olhar incrível e para explicar para as pessoas como ele canta, mesmo muito impactante. Fui a Kyoto para me apresentar com ele fala: “Eu canto como um corvo”. Essa máscara de pássaro o Cyro no clube NOWN. Meia hora antes do show, sentamos na própria cara ou a vida do pássaro dentro do próprio cantor no hotel para decidir o que tocar juntos, sem ensaio, e ele esco- é muito engraçada, porque os pássaros são potentes. O que a lheu começar com um solo, depois me chamar, e quis que eu gente consegue provavelmente fazer com a voz, a gente pode entrasse com o violão, começando com uma cançãozinha tipo aprender com eles. Hoje tem um concerto dele e eu vou, depois bossa nova pra depois quebrar tudo. E assim foi, todo mundo eu continuo essa história, apesar de que eu quero dizer mais é da suingando! Tinha muita gente, o Cyro é muito bem-humorado, alegria dos olhos dele. Nesse grupo de vinte pessoas, tinha um performer bárbaro, criativo ao extremo da palavra mesmo, tive- menino débil mental, que conseguia cantar muito bem e eu me mos momentos muito bons e a gente não se conhecia, acabamos lembrei muito de Kenzaburo Oe, que ganhou um Prêmio Nobel nos conhecendo no palco. Foi muito bacana e estou tão feliz hoje de literatura, escrevendo sobre seu filho autista que virou composi- M a is O utr a que me sentei nesse pequeno internet-café em Kyoto, ainda sem 71 L ica Ce ca to 70 Cyro no backstage, depois do show deles, Cyro me disse que era tor de música clássica ocidental. Viva quem enxerga outras vias TOKYO WALKING BOOK possíveis de comunicação, fora as tradicionais. Teve uma hora 18 de novembro de 2004 que ele nos sugeriu exercícios de improvisações em duo, e eu Uma e meia, noite. Nós estávamos no metrô, todos ensaca- chamei esse menino para cantar comigo, mas ele ficou com dos, com aquela chuva horrível de fim de maio, e aqui em Tokyo vergonha e eu emiti as cinco vozes… Brincadeira que faço quando a gente entra num supermercado, numa loja, eles dão desde criança. Ele então topou, e fez peripécias com a voz. um saquinho para guardar o guarda-chuva molhado, então siste- Nesse grupo de pessoas tem uma cantora/contadora de his- maticamente os nossos guarda-chuvas estavam todos dentro de tórias, que se acompanha no shamisen, Koharu, e o restante seu saquinho, molhados e apertados, nós também molhados e é um grupo de cantores que desenvolvem esse tipo de pes- apertados dentro do trem. Tinha também esse homem, um se- quisa vocal, Hikashu, superinteressante, inusitado. Tudo me nhor muito cinza. Ele não estava triste, mas não tinha nenhuma toca, mas a felicidade do Koichi transborda dos olhos dele. alegria, nenhuma tristeza. Tinha, sim, um saco, e dentro do saco Cantar provavelmente é felicidade pra esse moço que passou tinha vários bilhetes usados de trem, provavelmente bilhetes que a fronteira entre esse mundo careta, em que nos obrigaram ele mesmo já tinha usado ou que ele achou em algum lugar, ou a viver, o mundo dos homens assim chamados “normais”, talvez seja o tesouro que ele quer deixar depois da morte para desinteressante, e ficou perto da natureza. Ele é um pedaço alguém. Esses bilhetes curiosos eram tratados por ele com a de madeira, ele é o vento nas folhas, ele é chuva, ele é o som minúcia dos segundos, que se transformam em minutos, que são de uma vara de bambu, ele é o Koichi e eu fiquei muito feliz as horas, os anos e que são aquele trem e nós mesmos, dentro de conhecê-lo. Eu fico querendo chamá-lo de Koe Ichi, que dele. Ele estava pondo cada um dentro de um saquinho indi- significam KOE voz e ICHI um. Uma voz, um coração. vidual, e no meio dessa trágica tarefa chata e de barulhinho de TOKYO 2004 WALKING BOOK saquinhos, cheio de bilhetes velhos, com uma cara de desinte- Voltando para casa num trecho a pé, no coração de Tokyo, resse total. Ao lado dele dois brotinhos japoneses, ela muito mo- em Roppongi, me deparo com um bicho morto num aquário. rena de lâmpada e ele com cara de ídolo, de cabelo comprido e Um arrepio. Esse lugar deserto, ilhas e mais ilhas, lugar vas- topete, ela estava fazendo um SMS no telefone celular e dormiu to, prédio imenso, lugar desolado, o lugar-espaço mais caro do no meio da mensagem, enquanto ele, o ídolo, já estava dormin- mundo, e nós humanos também assim, peixes mortos no meio do o tempo inteiro. Aí a gente fica assim como os saquinhos do desta ilha, ninguém fala com ninguém. cara, todos querendo dormir, nós saquinhos dentro daquele saco M a is O utr a L ica Ce ca to papel chato, ele dormiu com uma mão dentro do saco, cheio de 73 72 imenso do trem e acho que na nossa memória provavelmente não sobra nada daquele momento, mas deve ter alguém para quem uma janela incógnita nos víamos, nos reuníamos para dividir o aquele momento presente é importante. Aqueles bilhetes usa- cinza do tempo, o olhar envenenado que diz tudo sem nem mes- dos para o homem cinza, que talvez fossem tão secretos, que ele mo existir, numa cidade como esta, cruel, áspera e bela. Prosti- tivesse que colocar num lugar muito especial, para ninguém ver, tutas de Tokyo, cidade cadela, que não deixa rastros de amor ou para que ninguém note, ou se notar, para que ninguém mexa. ódio, não importa. Vazios todos, Tokyo e eu, junto a um monte Provavelmente, só ele sabia da razão daquela catalogação em de gente em todos os lugares, nós, vazios e infames como um celofane e da importância que têm alguns bilhetes gastos de me- dicionário sem palavras. O que sinto de voltar para o Ocidente trô. Boa noite, Tokyo. daqui a pouco? Bom e mau, tudo junto. Um pertence a outro e vai me custar uma vida inteira para aprender a não existir. Estou TREM bem. Todo mundo lê algo no trem, quem sabe por que, talvez tirar Nesse trem todos são japoneses, e eu continuo a escrever o acinzentado da vida. O espelho falante diz que você é a mais bo- o meu livro on the streets e estou indo para o campo, para o sul nita do mundo, que você é interessante e que não é uma pessoa co- do Japão. As cidades por onde estou passando são bonitas, casas mum, um qualquer, um como somos todos nós, eu incluída. Aqui pequenas, casinhas, plantações de chá, de arroz, peixe secando em você pode virar nada e ser nada, se faz parte do sistema. Se não faz, esteiras ao sol. Sinto-me bem entre as pessoas do campo, ninguém nem nada se pode ser. Quanto mais alto o envolvimento com o me estranha, sou uma espécie de gigante loira que passeia entre sistema, mais livre te permitem ser. Contradições. análise, nem eu quero analisar mais nada. Estou indo para o campo, Homem, terra que quer água pra brotar. só que aqui nesse trem existe uma diferença enorme com os trens Tudo apagado menos a memória e a melhor memória é a de Tokyo, onde as pessoas já estão bastante atípicas, infectadas de música, nossa musa, que paira no ar por um instante e sempre, metrópole. De Kyoto pra baixo existem ainda japoneses de cabelo e a pele, que em silêncio traça as linhas do nosso destino, cruza, preto, liso e daquele jeito de Japão que a gente conhece e que se não descruza, brinca... O verdadeiro amor se esquece de que é amor! conhece imagina, aquele arquétipo que era comum há vinte anos. Dia desses, há de ser, de a gente se cruzar de novo, mas jeito da gente conceber, vale o perfume. EXPOSIÇÃO DO TOYOTA EM TOKYO, 1995 A exposição foi ótima, adorei rever os amigos e o trabalho do Toyota. Voltando pra casa no metrô noturno. Através de 74 como tudo já foi pra trás e vai pra frente, neste para sempre sem Vou sair cedo pra tentar recuperar alguma coisa, talvez um M a is O utr a Então lá vou eu pra Hakata, hoje é dia 21 de novembro de 2004. tico de sanidade! 75 L ica Ce ca to eles tranquilamente, sem nenhuma distância. Sem distância não há o corpo pede Escritos com um giz dentro de um balão o sonho sonha No cimento do chão mas Tablados e tablados sentir falta Nossos jogos na mesa é Não sinto vontade de jogar estar no oco Deixo que a vida me leve Escorregando na água como folhas NASCI EM SÃO PAULO Que caem num rio SONHO COM HAVANA Nos dias de vento do outono VIVI EM TOKYO E é verão TENHO PASSAPORTE ITALIANO NASCI EM TOKYO É DO AVESSO DE MIM TENHO PASSAPORTE CUBANO SONHO COM RIO DE JANEIRO QUE TE FALO DO VAZIO DE MIM VIVO NA ITÁLIA NASCI EM RUANDA QUE TE BUSCO DO SILÊNCIO DE MIM TENHO PASSAPORTE JAPONÊS SONHO COM HAVANA QUE TE OUÇO DA TRISTEZA DE MIM VIVO EM SÃO PAULO QUE TE PRECISO QUEM VAI NEGAR? VERSO VERSO De ter vindo até aqui E RE Pulando quadrados VERSO Saltando um Me desequilibrando na trama No silêncio da noite o barulho da lâmpada, a certeza que M a is O utr a Me acho privilegiada Somente para chegar ao céu ou inferno 76 ERRE corrói os seres sós e insones, que de sós, silentes e suados, surtam. 77 L ica Ce ca to Jogo de amarelinha Sussurra a rã e a menina ingênua de Lewis Carroll, enquanto alguns sonhos sem esperança morrem nos céus. A lua inteira de sua pessoa ilumina na moita. Certo, tão sozinho o ser, olhos aquém, vibram os cílios. Seus quadris estreitos, à espreita do vento morno e descuidado que o dia se esqueceu de controlar. Japão está nos meus olhos de cabeça para baixo, verde, rosa, claro, o escuro dos cabelos de seda negra. Alguns vêm, alguns vão passar, alguns, muitos, num piscar de olhos, de alguma forma. Um beijo ótico, você veio, você foi, você voou e eu me senti soberba, forte, cheia de bênçãos. Você pode não entender como voar faz tão feliz quem só fica escrevendo sobre as folhas que começam a cair no outono. Na verdade, pode-se acrescentar ao pé da página: sua para sempre, e terminar o que é simplesmente um caminho sem fim, sorrindo singela para alguém solto no ar. KRAPP’S LAST TAPE de SAMUEL BECKETT encenado e representado por ROBERT WILSON Athénée Théâtre Louis-Jouvet, Paris, dezembro de 2011 Na cena o desenho de um IDEOGRAMA: MA um espetáculo sem pausas, sem entre-actes, feito e composto de pausas e entre-actes M a is O utr a o personagem que observa, e vice-versa 79 78 L ica Ce ca to definição de pausa, de momento-entre, o objeto observado, 80 gritinho histérico num momento clue). Eu sou tu. homem só, desenhado em texto por Samuel Beckett, desenha- Bob Wilson é arquiteto de formação. Eu viajo nas várias ar- do em cena e personificado por Bob Wilson. Um Bob Wilson quiteturas, como, por exemplo, a do texto, onde Beckett é in- refinado, um lorde da loucura, gestos medidos e pornografia trigante e hipermoderno e a arquitetura do personagem criado num traço de Shun-Ga (ilustrações eróticas japonesas). Gestos por Bob Wilson, permeado das arquiteturas de suporte como as “Kabukianos” para descrever sentimentos atuais, congelados luzes, o som e o cenário. Não posso deixar de citar o teatro de em frações de segundo, possibilitando ao olho do público ter o gosto barroco, quase uma caixinha de joias, que foi escolhido para a tempo de incorporar o desenho no ar. Se a principal característica encenação dessa peça em Paris, o Athenée Theatre Louis-Jouvet. Que cênica do teatro japonês Kabuki é exageração e a solidão que enorme contraste das poltronas setecentistas e do cenário árido, existe no texto de Beckett para esta peça é tão radical, a escolha seco, da secura e rigor que só poucos artistas plásticos como Hi- “japonista” da interpretação de Bob Wilson casa perfeitamente roshi Sugimoto ou Aurelie Nemours podem compreender, que com o texto. Transparecem tanto no autor quanto no ator um só a obsessão de Yayoi Kusama pode suportar. Eu sou tu. Bob forte sense of humour, usado com parcimônia, em pequenas do- Wilson e Buster Keaton se confundem, me vêm à mente conti- ses, muito eficazes. O espetáculo propõe uma viagem no tempo nuamente cenas do filme experimental mudo de 1965, realizado -espaço e até aí, nada de novo... MAS existe algo de desconcer- por Alan Schneider, escrito por Beckett, no qual Keaton atua tante, nada à toa, picante, como pode ter sido o momento em esplendidamente. Nas duas situações, na peça La dernière bande que Lucio Fontana decidiu cortar a primeira tela, o momento – last tape e no filme, as cenas de um homem só, isolado, que da belo e trágico do corte da tela, a mudança da história por causa sociedade só tem lembranças banais. Um homem só, com suas do corte da tela. No caso deste espetáculo, os contrastes chegam recordações que, apesar de banais são só suas, indivisíveis com o a doer. Dentro do seu rigor em branco e preto, as poucas cores outro. O único OUTRO que pode observar a obsessão solitária conseguem se sobressair de maneira marcante, cortam a cena a de ambos os personagens é o público. Mais um contraste? Bob boca aberta vermelha que solta gritinhos, ou as meias soquetes Keaton ou Buster Wilson, e o dono do tabuleiro de xadrez é vermelho vivo, como moldura exótica de uma roupa qualquer, Samuel Beckett. Um parêntese: meu pai sempre dizia que se a de um ser cinza, quase um ser qualquer, não fossem essas pe- gente, ao interpretar uma canção, coloca ênfase em toda a exten- quenas exagerações que escapam da jaula como pássaros livres, são da canção, a gente não vai conseguir obter efeito nenhum, rebeldes, única chance de respiro face à pressão social, que nos ênfase nenhuma em nenhum lugar. Bob Wilson é rei do chia- coloca todos em gaiolas. O corpo do ator é um objeto cênico roscuro, do fortíssimo-pianíssimo e é rei do tempo e espaço que M a is O utr a L ica Ce ca to branco e preto. Obsessiva simetria “engaiolante” e dentro dela o e vale frisar que NADA é feito sem ser proposital (incluindo o 81 A mise-en-scène perfeita, sóbria gaiola contemporânea em ele trabalha na elasticidade do tempo usando a luz e o som que crivaninha. Sabendo que o título da peça é A última fita de Krapp, começa do nada e volta ao nada no fim do espetáculo, abrindo pensa-se nas fitas, no gravador e puff! Ficamos desconcertados e fechando um ciclo que a gente é induzido a acreditar que du- quando o tabefe na cara chega ao ver que em vez da fita que ele rará para sempre. O homem só, que quando se encontra só, fica manuseia com pavor, o HOMEM pega uma banana, volta a sair aflito de ver sua solidão cíclica, mas que cai nela, é deglutido por de perto do gaveteiro, e representa, aqui sim completamente, ela e desaparece no aglomerado de homens sós, que sós no seus uma cena absurda do prazer da sacanagem, de teatro Kabuki cantos, se pensam únicos. Pausas definidas, congelamento de ação, com cabaré de travestis. Descasca a banana com graça, joga fora do objeto cênico HOMEM são intermediadas de luz/sombra do a casca-que-virou-flor, num sinal de transgressão, enfia a banana ambiente, jogo esse que chega a ser maldoso de tão perfeito. na boca e num gesto fálico e eficaz, em termos cênicos, deixa a Chove, tempestade, relâmpagos. Um homem imóvel senta- banana pendurada na boca, STOP, para, deixa que todos “engu- do em sua escrivaninha. A cena inteira é desenhada por riscos lam” a cena para depois começar a comer a banana com apetite de luz na cena Black&White, como pinceladas de luz na grande e ritmos normais. No meio da comédia, a tragédia implícita da sombra que cai sobre este homem. Uma chuva de verão, SAMI- solidão exacerbada e do medo de ouvir o que está gravado na DARE (em japonês), muito usada nas gravuras de Hiroshige. fita, aquela tatuagem do tempo. O ritual da banana se repete. Uma sala retangular PB, com mesas cinzas laterais e três lumi- Quando já estamos desistindo que o HOMEM vai ter coragem nárias de almoxarifado em cima de cada prateleira, iluminando de ouvir a fita, ele nos surpreende de novo, pega a fita e começa as pilhas ordenadas de papéis e as caixinhas. Um painel traseiro a ouvir. A primeira parte do espetáculo, que ao todo tem 70 mi- sugere uma livraria que me lembra o mapa das casas de Dogville nutos sem pausa, é MUDA. Algumas poucas expressões de sus- (Lars von Trier), traços de luz branca desenhados à perfeição so- to ou de gozo são expressas na voz com sons ou onomatopeias. bre o painel negro. Pelo menos dez minutos sem nenhuma ação, O rumor forte da tempestade só cessa quando o HOMEM de- a não ser a da luz e a sonoridade do grande temporal atemporal. cide e aceita de ouvir a fita que está na caixa três, fita número Nenhuma ação a não ser um pedaço de olho, o canto da boca, cinco, e a partir desse momento começa o processo de fusão e as mãos, quase que acidentais, permeados pela luz dos raios da de consequente CON-fusão entre o HOMEM que está na cena tempestade. Quando a luz se acende, ou melhor, quando a som- e o HOMEM que está na fita gravada, que é o mesmo, mas é bra sai de cima do HOMEM, vê-se um gravador de rolo tipo outro. De novo a matéria cênica se entrelaçando entre o COR- Revox, e do outro lado uma pilha de papel e um livro. O homem PO como objeto cênico e a VOZ DA FITA como coadjuvante, tem medo do seu passado. Toma coragem. Levanta-se, segue ou o contrário. Eu sou tu. A voz gravada na fita provoca reações M a is O utr a lentamente, arrastando os pés no chão, até o gaveteiro de sua es- 83 L ica Ce ca to 82 rege com cautela, dedicação e atenção. Extremamente musical, entre reconhecimento, recusa, embriaguez e ódio. O diálogo com o passado. Atrás do painel traseiro, o som de uma garrafa da qual ele supostamente tira a rolha e bebe vinho, brandy, uísque? O bêbado critica o bêbado, o bêbado ama e odeia o bêbado. Eles se casam e se divorciam inúmeras vezes. A VOZ DA FITA, ora como objeto-em-si ora como parte daquele corpo Ono no Komachi , Japão, ca. 825 ~ 900 que a observa e escuta. Nesses todos, HOMENS multiplicados, estamos nós, está o reconhecimento de nossas solidões, os nossos espelhos escondidos, os olhos do outro que não queremos que Transcriação* de 7 poemas por André Vallias e Lica Cecato veja a nossa solidão, se depositam assustadoramente em frente a * transcriação é um neologismo inventado pelo poeta Haroldo de Cam- nós mesmos, como na última cena do filme com Buster Keaton. pos, que ajuda e estimula uma tradução intuitiva e sensitiva do poema Incomoda saber que todos nós temos um “last tape” escondido nas nossas gavetas. Infinitamente pessoal, sinto que nessa chave mora 1. 113 a dualidade mor dessa peça, o publico faz parte da cena, a cena faz parte do público e naquele momento ninguém usa celular. Fusão, confusão e ORDEM-TRANSGRESSÃO. No Kabuki a gente torce pelo personagem preferido, gritando seu nome. No teatro de Bob Wilson, todos gritavam “Bob, bravo!!”. E eu concordo. Texto Samuel Beckett 84 L ica Ce ca to Cenografia Yashi Tabassomi Iluminação A.J.Weissbard Som Peter Cerone Colaboração com a mise-en-scène Sue Jane Stoker Assistente Charles Chemin, assistant lumières Xavier Baron Fotografias de Lucie Jansch A flor perdendo a cor. Efêmera, eu mesma Esmaeço, Olhando a chuva Que rasura sem fim. M a is O utr a Interpretação e direção Bob Wilson HANA NO IRO WA UTSU NI KERI NA ITAZURA NI WAGAMI YO NI FURU NAGAME SESHIMANI 85 Teathre Athenée Louis-Jouvet IRO MIE DE 2. UTSUROHU MONO WA YO NO NAKA NO HITO NO KOKORO NO HANA NIZO ARIKERU OMOI TSUTSU Vendo a cor descorar. NUREBA YA Dentro do mundo, HITO NO MIETSURAMU Coração-flor dos homens YUME TO SHIRISEBA Descora em coro. SAMEZARAMASHI WO 4. Perdida em pensamentos Adormeço. Vejo quem não vejo. Dissesse que era sonho, Jamais teria acordado HITO NI AWAMU TSUKI NO NAKI NI WA 3. ( 797) OMOHI OKITE MUNE HASHIRI HI NI KOKORO YAKE WO RI O desejo me desperta. Coração, batendo Em chamas. M a is O utr a Numa noite sem lua. 87 86 L ica Ce ca to Ele que não encontro 5. ( 1360) YORU NO KOROMO WO KAHESHITE ZO KIRU Saudade imensa. No breu da noite, Visto meu kimono Pelo avesso. HANA SAKITE MINARANU MONO WA 7. WATATSU UMI NO KAZASHI NI SASERU OKITSU SHIRANAMI As flores se abrindo. Entretanto, as ondas, YUMEJI NI WA Guirlanda dos deuses, ASHI MO YASUMEZU Não irão disseminar. KAYOEDOMO UTSUTSU NI HITOME 6. MISHI GOTO WA ARAZU No caminho do sonho, Os meus pés não descansam: Nele, nem os olhos ponho ITO SEMETE KOISHIKI TOKI WA NUBATAMANO M a is O utr a Para vê-lo; acordada, 89 88 L ica Ce ca to Vou onde quer que seja Gêiser — nascente termal que entra em erupção periodicamente, lançando uma coluna de água quente e vapor para o ar. Godzilla — monstro do Oceano Pacífico criado para o filme homônimo de 1954, dirigido por Ishirô Honda Gurinsha — primeira classe dos trens-bala no Japão Hai-jin — poeta especializado em haicais ou haikus Glossário Haikai , ou Haiku — poema conciso japonês com métri- ca de 5-7-5 sílabas, usando metáforas com referência à natureza Aikido — luta marcial japonesa AKEMASHITE, OMEDETOO GOZAIMASU — Feliz Ano Novo HANAIKADA — um desenho em laca ou tecido, típico da era Momoyama, que indica uma espécie de jangada, ou troncos Tokyo. É famoso pelo Senso-ji, um templo budista dedicado ao unidos por uma corda, que era a maneira de transporte fluvial bodhisattva Kannon e o maior local de entretenimento da cidade usado na época. HANA, que é flor, neste caso, indica a jangada Ikebana — arte de arranjo de flores com base a regras e Bunka — cultura simbolismos estabelecidos. A palavra é formada por dois ideo- Caligrama — texto, em geral poético, cuja disposição tipo- gramas, VIDA e FLOR. gráfica evoca ou figura um tema inVENTO: — Espetáculo multimídia idealizado por Paolo Chanpon — tipo de macarrão produzido em Nagasaki, fei- Maria Noseda e Lica Cecato em 2012, com edição de vídeos por to com legumes e carne ou peixe. Diz-se também da mistura de Nicolò Piacentino. Músicas: Paulo Calasans, Arnaldo Antunes, culturas: Chanpon + Bunka (cultura) Paulo Tatit, Sandra Perez, Junior Aguiar, Lica Cecato, Mikhail Choojin — super-homem Malt, E. Gragnaniello, Michael Heupel, Gilvan Chavez, Fernan- Città dela Musica, Auditorium Parco dela Musica — do Luiz, Alcir Pires Vermelho, Villa-Lobos, Simon Diaz, Mo- complexo de teatros em Roma construído por Renzo Piano nobloco Live. Piano: Teodoro Curcio. Textos: John Cage, Lica Fudé — pincel oriental usado para escritura, desenho e pintura Cecato, Jaques Darras, Luis Guimarães Filho, Ferreira Gullar, Futon — tipo de colchão feito de algodão em camadas Hanna Moore, Paolo Maria Noseda, Nojiri Takuya, Jean de la Gaijin — estrangeiro Ville Mirmont. Traduções: Paolo Maria Noseda, Lica Cecato, M a is O utr a tante na prática do haicai ou haikai permeada de flores, indicando a primavera 91 Bashô, Matsuo — 1644 a 1694, foi o mestre mais impor- L ica Ce ca to Hakata — distrito de Fukuoka — é um bairro do município de Taito, em Asakusa 90 e palavras que indicam as estações partir de caracteres chineses, da época da Dinastia Han, que se tano Dias, Roberto Cecato, John-Doggett Williams e Nicolò utilizam para escrever japonês junto com os caracteres silabários Piacentino. Artista e mestre calígrafo: Hiroyuki Nakajima. Com- japoneses katakana e hiragana. posições inéditas: Paulo Calasans e Lica Cecato. Figurino: Yossi Kimono — vestimenta tradicional japonesa utilizada por Cohen. Joias: Monica Castiglioni. Fotografia: Khalid el_Hakim, mulheres, homens e crianças. A palavra kimono, no seu sentido Marcello Donatelli, Ayako Takaishi, Roberto Cecato. Ilustra- literal, significa “coisa para usar” (ki = “usar” e mono = “coisa”) rios xintoístas japoneses, dedicado à deusa do sol, Amaterasu, e está situado na cidade de Ise, na província de Mie. Jishi — o biógrafo ou secretário, que escrevia a história do samurai Kaiseki Ryoori — cozinha sofisticada e rica, servida em pequenas porções e em cerâmicas especiais, geralmente em sala com chão de tatami, decorada com kakemono, que é uma pintura Kimpira — comida feita com cenoura e bardana, cortada bem fininha e cozida com óleo de gergelim Koan Zen — histórias ou provérbios Zen utilizados para concentrar a consciência Kompira — o nome indica o deus dos navegantes comerciantes, mas também se diz de lugar, na Montanha Kotohira, província de Kagawa. Koto — instrumento japonês do tipo cítara, de forma retangular, e feito de ma- deira ou caligrafia japonesa geralmente sobre seda, pendurada na sala Kotowasa — provérbio, dito popular de jantar dentro de uma alcova especialmente concebida para a Kumamoto-ken — província do Japão localizada na ilha visualização de objetos preciosos, que se chama tokonoma Kakugô — resolução de Kyushu Kyoto — cidade no centro sul do país, fundada no século 1, foi Kamakura — cidade localizada na província de Kanagawa, a capital do Japão Imperial, sendo substituída por Tokyo em 1868. a 50 km a sudoeste de Tokyo, conhecida pelo Grande Buda, estátua Mangá — histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês monumental de bronze do Buda Amitaba, localizada no pátio do MENS SANA IN CORPORE SANO — ditado em latim Templo Kotoku-in. De acordo com os registros do Templo, sua construção data de 1252, durante o período Kamakura, o primeiro dos três grandes períodos do xogunato japonês. Kamakura, Gokurakuji — cidade fundada em 1259 por Ninshô, de mar e colina, de onde também se vê o Monte Fuji — mente sã num corpo são Mochi ou moti — é um bolinho feito de arroz glutinoso, moído em pasta e depois moldado. Embora seja consumido durante o ano todo, é comido tradicionalmente no Shogatsu (Ano Novo) M a is O utr a Ise Jingu — Grande Santuário de Ise, principal dos santuá- L ica Ce ca to — são caracteres da língua japonesa adquiridos a Vallias, Lica Cecato, Marcella Vanzo, Monica Castiglioni, Cae- ções: Flavio Morais 92 Kanji e em ocasiões especiais como nos nascimentos e casamentos 93 Florent Jodelet, TTO and Sandy Caldow. Vídeo/Clipes: André yukata. As diárias incluem o desjejum e o jantar típicos da região, Naoshima — esta ilha faz parte da Prefeitura de Kagawa, servidos no quarto. museus de arte contemporânea. Por exemplo, o Museu de Arte Ryotei — são restaurantes tradicionais japoneses, enquanto casas de chá são o-chaya Chichu abriga uma série de instalações site-specific por James Tur- Saquê ou Sake rell, Walter De Maria, Hiroshi Sugimoto e pinturas de Claude fermentação do arroz — é uma bebida tradicional, fabricada pela Monet, dentre outros. Desenhado por Tadao Ando, ele está lo- Sashimi — peixe cru em fatias fininhas calizado em um dos pontos mais altos da ilha. Outro museu Shamisen — literalmente, três cordas de sabor, é um contemporâneo e hotel de luxo é o Benesse House, também de instrumento musical de três cordas, geralmente fabricado com Ando, inaugurado em 1992. O Museu de Arte de Naoshima, Fuku- couro de cobra, gato ou cachorro, e madeira take, tem um jardim de esculturas ao ar livre, fora inúmeras obras, Shinagawa e Shinjuku — bairros de Tokyo galerias e pequenos museus ao redor da ilha inteira. Uma maravilha. Shinkansen — trem-bala Nara — capital do Japão de 710 a 784, anterior a Kyoto. A corte difundiu o budismo e a cultura chinesa e de consequência a fundação de vários templos budistas. Nodoguro — nome de um tipo de peixe Norimaki (ou maki sushi) — É o mais conhecido dos sushis e se trata uma porção de arroz avinagrado com algum recheio, enrolado numa folha de alga chamada nori, daí o nome. On the streets — na rua Oniguiri L ica Ce ca to tes dormem em quartos em um futon, no tatami, vestidos com o Momoyama — a era Azuchi-Momoyama vai de 1573 até 1603 localizada no mar interno de Seto. Conhecida por seus muitos subi — também conhecido como niguiri ou omu- , é um bolinho de arroz japonês geralmente em forma de triângulo, ou de forma ovalada, envolto por uma folha de alga seca do tipo nori Onsen — é o termo japonês para águas termais Pastasciutta — macarrão, em italiano 94 — é uma hospedaria típica japonesa. Os visitan- Shodo — “Caminho da escritura” é a caligrafia japonesa Shodo-ka — mestre em caligrafia japonesa, calígrafo Shôji — porta de correr feita de madeira e papel de arroz Sobá — macarrão japonês de trigo sarraceno, tipo espaguete Sumi — tinta tipo nanquim japonesa, usada na escritura e na pintura Talking book — “livro falado”, em inglês Tatami — tipo de esteira rígida usada no pavimento de casas tradicionais japonesas, feitos de palha de arroz Yumeya — era um Ryokan que existia em Nara e o nome significa Casa dos Sonhos. Todai-ji — literalmente, Grande Templo Oriental, é um complexo budista na cidade de Nara Yukata — é uma vestimenta japonesa de verão. Zoori — tipo de chinelo japonês M a is O utr a que fica com folhas vermelhas no outono Ryokan 95 Momiji (Acer palmatum), ou Bordo japonês — é uma árvore Agradecimentos Kepel Kimura, Stefania Baldi, Yuichiro Satoh, Yamaki Nobue, Keiko e os pais Kenzaburo e Hideko Nakajima, Ko Tanzawa, Kimiko e Yukio Miyakawa, Mayumi Hisatune, Yuko Sakurada, Toru Iwasaki, Chieko Aoki, por me abrir muitas portas no Japão em termos de música, de cultura e de amizade. Grata às minhas amigas, Donatella Castellani e família, Stefano Scutari, Lorella Agosto e família que me acolheram na Itália, cuidando de mim e da minha casa nas minhas longas ausências, ÁLBUM e que outras vezes ainda aceitaram morarmos juntos e trocar casas. Betty Leirner e Marcia Penteado Candido Gomes, pela nossa amizade e amor profundo desde a adolescência. Miyoko Ohtani, Florence Sekito, Beth Dantas, Miriam Felzen e Patricia Faur, por cuidarem da minha saúde. Meus irmãos Roberto, Alexandre, Carla e Daniele. Antonio Dias, Nina Dias e Rara Dias, Luis Marcelo Mendes e Bento pela força. À família Leirner, pelo amor e suporte. Agradecimento especial ao Alex Giostri pela velocidade na eficácia e por ter cuidado com carinho desse sonho. Na verdade, deveria fazer um livro que contivesse somente agradecimentos, mas a lista faz com que eu precise de mais M a is O utr a L ica Ce ca to decisão de realização e à toda equipe da Giostri Editora, pela MUITO OBRIGADA a todos. 97 96 de mil páginas, então vai um ARIGATÔ GOZAIMASU e um 98 L ica C eca t o 99 M ais O u tr a 100 L ica C eca t o 101 M ais O u tr a 102 L ica C eca t o 103 M ais O u tr a 104 L ica C eca t o 105 M ais O u tr a 106 L ica C eca t o 107 M ais O u tr a 108 L ica C eca t o 109 M ais O u tr a 110 L ica C eca t o 111 M ais O u tr a 112 L ica C eca t o 113 M ais O u tr a 114 L ica C eca t o 115 M ais O u tr a 116 L ica C eca t o 117 M ais O u tr a 118 L ica C eca t o 119 M ais O u tr a 120 L ica C eca t o 121 M ais O u tr a 122 L ica C eca t o 123 M ais O u tr a 124 L ica C eca t o 125 M ais O u tr a 126 L ica C eca t o 127 M ais O u tr a Para receber nossas novidades envie e-mail para: contato@giostrieditora.com.br