Q U A L I D A D E P R O T É I C A D A DIETA C O N S U M I D A P O R P R É ESCOLARES DE UMA CRECHE DE MANAUS, AMAZONAS, BRASIL
L u c i a Κ. O . Y U Y A M A , A n a E . G U E R R E R O , R a h i l d a B .
RESUMOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
— A qualidade protéica da dieta consumida por pré-escolares de uma creche de Manaus
(AM) foi avaliada por meio de ensaio experimental com ratos machos da linhagem Wistar, recémdesmamados, por um período de 14 dias. Os índices utilizados foram: Cômputo Químico (CQ),
Coeficiente de Eficácia Protéica (CEP), Razão Protéica Líquida (RPL), Coeficiente de
Digestibilidade Aparente (CDap) e Digestibilidade Protéica Corrigida pelo Escore Aminoacídico
(PDCAAS). Do ponto de vista químico e biológico, a proteína da dieta testada apresentou
qualidade inferior à ração padrão à base de caseína, mas ao compará-la com a ração aprotéica,
apresentou melhor resultado. Isso indica a necessidade de melhoria na formulação dos cardápios
fornecidos, objetivando garantir a oferta adequada de todos os aminoácidos essenciais ao
crescimento e desenvolvimento das crianças.
Palavras-Chave: dieta infantil, valor biológico, proteína.
Protein Quality of Diet Supplied to Kindergarden Students at a School in Manaus,
Amazonas, Brazil.
ABSTRACT — The protein quality of a diet supplied to kindergarten students at one school in
Manaus — Amazonas, was evaluated experimentally using Wistar rats. The indexes used to evaluate
it were: Chemical Computing, Protein Efficiency Ratio, Net Protein Ratio, Coefficient of
and biological point of view, the protein of the tested diet showed lower quality than standard
(casein base). Is shows that it is necessary to change or to improve the diet provided to
kindergarder to guarantee the essencial aminoacid requirements for their development.
Key-Words: kindergarten diets, biological value, protein.
INTRODUÇÃO
As proteínas exercem papel
essencial em todos os processos
biológicos, participando de inúmeras
funções vitais como catalise enzimática,
transporte e armazenamento, proteção
imunitária, geração e transmissão de
impulsos nervosos, controle do
crescimento e diferenciação celular.
Essa gama de funções decorre da
versatilidade de combinações e
rearranjos inerentes aos vinte
aminoácidos que constituem todas as
proteínas (NAS/NRC, 1989).
Durante a síntese protéica se faz
necessária a presença de todos os
aminoácidos na proporção adequada,
pois o déficit ou a ausência de apenas
um deles pode interferir e até bloquear
o processo, levando à utilização de
proteínas endógenas na tentativa de
manter o equilíbrio d i n â m i c o do
organismo (Angelis, 1995). Portanto,
a qualidade protéica de um alimento
depende da quantidade, proporção e
biodisponibilidade dos aminoácidos,
da digestibilidade da proteína e da
presença de fatores antinutricionais
(Silva-Júnior & Demonte, 1997).
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Coordenação de Pesquisas em Ciências da Saúde.
E s t u d o s de a v a l i a ç ã o de
proteínas estão geralmente vinculados
à análise da sub-nutrição protéica que
d e c o r r e da i n g e s t ã o quali e
quantitativamente inadequada. Do
ponto de vista bioquímico, ocorre um
desequilíbrio no teor de aminoácidos,
resultando em inúmeras alterações
orgânicas,
como
retardo
no
crescimento físico e desenvolvimento
cerebral, redução da capacidade de
aprendizagem e compreensão das
crianças (Veloso, 1998).
pesando em m é d i a 44g ± 2 , 5 0 ,
provenientes do Biotério do INPA
(Instituto Nacional de Pesquisas da
A m a z o n i a ) . Os a n i m a i s foram
mantidos a uma
temperatura
aproximada de 23,9°C e ciclo
fotoperiódico de 12 horas.
Rações
As rações padrão, à base de
caseína (RC) e aproteica (RA), foram
elaboradas segundo as normas do
American Institute of Nutrition (Reeves zyx
et ai, 1993), sendo a segunda, conforme
sua denominação, isenta de proteína.
A ração teste (RT) foi formulada
a partir da substituição da caseína por
quantidade equivalente de proteínas
provenientes de um "pool" obtido de
amostras de refeições coletadas durante o n z e dias n u m a u n i d a d e
filantrópica de Manaus — AM.
Nesse contexto, destaca-se a
importância que os programas de
atendimento a pré-escolares assumem
diante das c o n t i n g ê n c i a s sociais
inerentes ao rápido p r o c e s s o de
urbanização e ao crescente ingresso
das mães no mercado de trabalho
(Silva & Sturion, 1998).
Considerando que a alimentação
Todas as rações experimentais foservida em creches e similares representa
a cobertura de grande parte das ram isocalóricas, isoprotéicas (com
recomendações protéico-energéticas diárias exceção da aproteica), e tiveram em
de crianças e que portanto pode exercer comum, qualitativa e quantitativamente
papel fundamental na prevenção de a colina, mistura vitamínica e mistura
doenças carenciais, o presente trabalho teve salina. Os constituintes das rações são
como principal objetivo avaliar a qualidade apresentados na Tabela 1.
Amostras em triplicata foram
protéica da dieta consumida por préescolares de uma unidade filantrópica de retiradas para realizar análise da
Manaus — AM, utilizando o rato como c o m p o s i ç ã o c e n t e s i m a l na qual
mensurou-se: umidade, teor de cinzas,
modelo experimental. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
extrato etéreo e proteína segundo a
MATERIAL Ε MÉTODOS
metodologia recomendada pela Association of Official Analytical Chemists
Animais
(AOAC, 1995).
Foram utilizados 24 ratos, maRotina Experimental
chos da linhagem Wistar, (Rattus
novergicus, variedade albinus RodenOs animais foram alojados dutia: Mammalia), recém desmamados, rante 14 dias em gaiolas individuais
Tabela 1.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Formulação das rações experimentais zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
6,25 para a conversão do teor de
TIPOS DE R A Ç Õ E S
CONSTITUINTES
R C (g)
Caseína
RA (q)
nitrogênio em proteína (AOAC, 1995).
RT (g)
Análise estatística
200,6
O delineamento experimental foi
inteiramente casualizado, consistindo
Sacarose
170,0
170,0
de três grupos de oito animais cada.
Óleo d e soje
119,0
119,0
Para as análises estatísticas dos dados
85,0
85.0
Fibra
85,0
utilizou-se o p r o g r a m a ESTAT —
59.5
Mistura salina
59,5
19,5
Sistema para Análises Estatísticas (V.
Mistura vitamínica
17,0
17,0
17,0
2.0), da Universidade Estadual de São
3.4 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L-cistina
Paulo ( U N E S P ) - F a c u l d a d e de
3,4
3,4
Colina
3,4
Ciências
Agrárias e Veterinárias. Para
Total
1700
1700
1700
efeito de comparação entre as médias
RC - raçâo com caseína: RA - ração aprotéic ); RT - raçâo teste
providas de bebedouros, comedouros dos grupos, optou-se pelo teste de
e bandejas de separação, para permitir Tukey ao nível de 0,05 (Pimentel
Gomes, 1987).
coleta de resíduos de ração e fezes.
1574,1
Dieta creche
Amido de milho
1042,1
1246,1
Todos os animais foram pesados
RESULTADOS Ε DISCUSSÃO
no início, no 7 dia e ao final do ensaio
Inicialmente foi realizada uma
biológico. O consumo da dieta foi
controlado d i a r i a m e n t e , sendo a avaliação da a l i m e n t a ç ã o geral
por
pré-escolares,
quantidade oferecida a u m e n t a d a c o n s u m i d a
gradativamente. Água destilada foi constatando-se desequilíbrio na sua
composição decorrente de ausência de
mantidazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"ad libitum". As fezes foram
coletadas durante os seis dias finais do hortaliças e ovos e q u a n t i d a d e s
experimento para posterior determinação reduzidas de carnes, leite, frutas e
excesso de leguminosas, conforme
do conteúdo de nitrogênio.
resultados apresentados na Tabela 2.
Avaliação da Qualidade Protéica
A Tabela 3 apresenta a
Para a avaliação da qualidade composição centesimal das rações
protéica u t i l i z o u - s e : C ô m p u t o experimentais, demonstrando padrão
Químico ( C Q ) , Coeficiente de isocalórico e isoprotéico (exceto a ração
Eficácia Protéica (CEP), Coeficiente aproteica), que garantiu o isolamento da
de Digestibilidade Aparente (CDap), variável "qualidade protéica".
Razão Protéica Líquida (RPL) e
A análise da composição
Digestibilidade Protéica Corrigida aminoacídica da proteína em teste
pelo
Escore
A m i n o a c í d i c o revelou a presença de alguns
(PDCAAS), de acordo com a Tabela aminoácidos em quantidades inferiores
da FAO (1970). O teor de proteína foi à proteína padrão, sendo o triptofano
determinado segundo método de Mi- apontado como limitante (Tab. 4). Tal
cro-Kjeldahl para nitrogênio total, cujo situação pode gerar um desequilíbrio
valor obtido foi multiplicado pelo fator orgânico de aminoácidos, que após um zyxwv
o
Qualidade prot éica da diet a consum ida p o r .
543
TabelazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2. P r o p o r ç ã o de a l i m e n t o s na
selecionar os alimentos (Angelis,
composição da ração teste
1995).
No caso da ração em teste, seria
indicado a adição de leite e ovos no
G R U P O S DE
% RAÇÃO
ALIMENTOS
cardápio para suprir esta necessidade.
O consumo de ração e o ganho de
7,3
Carnes
peso dos animais, durante os 14 dias de
3,4
Leite
experimento, foram significativamente
18,2
Leguminosas
menores (p< 0.05) nos grupos RT e RA
em relação ao grupo RC (Tab. 5). Tais
37,5
Cereais
resultados estão de acordo com os
Frutas
0,5
estudos realizados por (Arayazyxwvutsrq
et al,
1979), sobre a capacidade seletiva dos
Doces
1,3
animais em relação a rações
Gordura
1,7
desbalanceadas. Osborne et al. (1919),
Bebidas*
8,9
desde o início do século, demonstraram
que a variação do peso corporal poderia
2 1 , 2 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
Outros**
• Refrescos de (rutas e refrigerantes na proporção 1:2
refletir de maneira global a atuação de
" Mingaus e bolos na proporção 1:2
proteína ingerida.
breve
período
de
adaptação
homeostática,
teria
sérias
conseqüências, resultando em atraso
de c r e s c i m e n t o e a l t e r a ç õ e s no
organismo (Miller & Payne, 1964). No
entanto, o Cômputo Químico fornece
somente uma estimativa do valor
p r o t é i c o , pois não considera a
digestão, absorção e metabolização
dos aminoácidos pelo organismo.
A deficiência de triptofano, precursor da serotonina, pode acarretar sérios
prejuízos ao animal, influenciando entre outras coisas, a capacidade de
Os valores de PER e NPR,
encontrados para a ração teste (RT),
c o r r e s p o n d e m a 3 8 % e 2 1 % dos
obtidos para a ração padrão à base de
caseína (RC). Esses dois índices
avaliam a capacidade da proteína em
proporcionar o crescimento e a
manutenção corporal (Angelis, 1995).
Apesar da boa v a l i d a d e d e s s e s
métodos, ambos são criticados pela
impossibilidade de diferenciar a
composição do ganho de peso, ou seja,
de indicar se a ração teste promove
ganho de peso pela incorporação de
Tabela 3 . Composição centesimal das rações experimentais
RAÇÕES
UMIDADE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
EXTRATO
PROTEÍNAS NIFEXT
CALORIAS
CINZAS
ETÉREO (%)
(Cal)
(%)
(%)
(%)
(%)
RC
5,4
2,4
7,0
10,4
74,8
403,6
RA
5,5
2,2
7,2
0,3
84,8
405,1
RT
2,5
3,7
7,0
10,3
76,8
410,2
RC = ração com caseína; RA = ração aproteica; RT = raçâo teste
TabelazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
4. Compute- Químico das rações
pelo organismo por um dado período
experimentais em relação ao padrão FAO (1970).
de tempo, sendo fator importante na
biodisponibilidade (Canolti & Koong,
RAÇÕES
AMINOÁCIDOS
1978; Cozzolino & Colli, 1990). Este
RA
RT
RC
coeficiente
também
foi
1,9 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
boleucina zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1,1
significativamente inferior na ração teste
e as diferenças tornaram-se ainda mais
0,2
0,8
Loci na
1,4
críticos quando corrigiu-se a
Usina
1.4
1,1
Digestibilidade
pelo
Escore
rvfetiorina + Cistina
0,8
1,3
1,1
Aminoácidico (PDCAAS), método
3,1
Hstidina
1,5
indicado pela FAO para determinar as
necessidades
de aminoácidos essenciais
0,9
Ferilalarina + Tirosina
1,7
para crianças de 2 a 5 anos de idade e
Treorina
0,6
1,4
12
no qual o aminoácido limitante na
0.4
Triptofano
1,3
05*
proteína teste é o utilizado para corrigir
a digestibilidade da mesma (FAO,
Valina
4,7
2,1
1,0 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
RC = ração com caseína; R A = ração aproteica; RT = ração teste
1970). Os resultados desses coeficientes
• Aminoácido mais limitante
encontram-se na Tabela 6.
nitrogênio corporal ou pelo aumento
de tecido adiposo (FAO/WHO, 1991).
O t e m p o sugerido para a
experimentação utilizando o método
c o n h e c i d o como Coeficiente de
Eficácia Protéica (CEP) ou Protein
Efficiency Ratio (PER) é de quatro
semanas, fato que poderia explicar a
expressiva inadequação das duas
rações em relação à ração padrão
observada em apenas 14 dias.
O Coeficiente de Digestibilidade
aparente da proteína (CDap) leva em
consideração a retenção nitrogenada
CONCLUSÕES
N a s c o n d i ç õ e s do p r e s e n t e
estudo e diante dos r e s u l t a d o s
encontrados, considera-se que:
. Cômputo Químico indicou a
presença de aminoácidos limitantes na
proteína testada.
. a ração teste não foi capaz de
proporcionar crescimento adequado
nos animais.
. houve diferença significativa
entre os valores de PER, NPR, CDap,
e PDCAAS.
Tabela 5. índices de avaliação da qualidade protéica das rações experimentais
RAÇÃO
P E S O INICIAL
(g)
GANHO DE
P E S O (g)*
RC
43,9 ± 2,7
64,4 ± 4,8
RA
43,9 ± 2,7
-7,7 ± 1,6
RT
44,0 ± 2,5
15,2 ± 3,7
GRUPOS
a
C
b
CONSUMO
(g)*
CALORIAS
(Cal)*
a
5 8 5 , 8 ± 21,9
c
214,7 ± 24,2
1 4 5 , 1 ± 5,4
53,1 ±6,2
b
8 8 , 9 ± 17,8
a
C
b
3 6 4 , 9 ± 73,2
RC = ração com caseína; RA = ração aproteica; RT = ração teste;" As mesmas letras no sentido vertical não diferem
pelo teste de Tukey a 5 % .
Qualidade prot éica da diet a consum ida por
545
Tabela 6. Comparativo entre os coeficientes utilizados para avaliar a qualidade protéica
GRUPOS
PER
NPR
CDap*
PDCAAS
RC
4,26 ± 0 , 1 8
3,80 ± 0 , 2 4
9 5 , 6 7 ± 0,56
0,96
RT
1,60 ± 0 , 1 8
0,80 ± 0 , 5 0
66,16 ± 2 , 8 6
0,31
zyxw
RC = raçâo com caseína; RA = ração aproteica; RT = ração teste; PER = Coeficiente d e Effficácia Protéica; NPR = Razão
Protéica Líquida; CDap = Coeficiente de Digestibilidade aparente da proteína; PDCAAS = Digestibilidade Protéica Corrigida
pelo Score Aminoacídico.' Unidade do CDap = %
de la desnutrición en ratas: autoselección dc
. a projeção desses resultados para
energia y proteínas. Arch. Lalinoam. Nutr.
humanos deve ser realizada com muita
29 (3): 354-373.
cautela, pois a ração teste não representa
Canolty, N. L.; Koong, L. J. 1978. Evaluating
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efetivamente pelos pré-escolares.
deposition coefficients. J. Nutr. 108:
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Em síntese, o achado central do
experimento consiste na constatação Cozzolino, S. M. F.; Colli, C. 1990. Valor
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essenciais, especialmente o triptofano. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
FAO/WHO. 1991. Report of the joint FAO/
AGRADECIMENTOS
Os a u t o r e s a g r a d e c e m à
pesquisadora Risonilce Souza pelos
subsídios e apoio técnico na realização
deste trabalho e ao Dr. Charles R.
Clement pela revisão do abstract.
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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb