Vinicius Modolo Teixeira
A Cooperação em Defesa na
América do Sul como Base para
a Integração do Continente
2014
A Cooperação em Defesa na América do Sul
como Base para a Integração do Continente
Vinicius Modolo Teixeira
2014
Copyright © 2014, Vinicius Modolo Teixeira.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 12/02/1998.
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ou editores.
Publicação sem fins lucrativos.
2014
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-Brasil Catalogação na Fonte
T266c
Teixeira, Vinicius Modolo
A cooperação em defesa na América do Sul como base para a
integração do continente. / Vinicius Modolo Teixeira. – Rio de Janeiro:
Cenegri, 2014.
257 f. : il. mapas, gráficos, tabelas.
ISBN 978-85-61336-16-5
1. Relações internacionais – América do Sul. 2. Integração América do Sul. 3. Política Internacional. I. Título. II. Teixeira, Vinicius
Modolo.
CDU 327 (8)
Catalogação na publicação: Rodrigo da Costa Aglinskas – CRB 8/8440
Índices para catálogo sistemático:
1. Relações internacionais: América do Sul 327 (8)
2. Integração: América do Sul 380.8 (8)
Revisão dos Textos: Autor
Capa: Cenegri Edições.
Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais – CENEGRI
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Para Kárita, pelo auxílio e carinho.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aqueles que direta e indiretamente
contribuíram para a realização desse trabalho. Aos amigos que
sempre estiveram presentes. Ao seleto grupo de Geopolíticos. À
família.
.Autor
V
inicius Modolo Teixeira é doutorando em Geografia
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e
membro do CENEGRI. Graduado em Geografia pela
Universidade Federal de Uberlândia, concluiu o Mestrado em
Geografia Humana pela mesma Universidade em 2013. Há quase
uma década dedica-se a pesquisa sobre Conflitos e Cooperação na
América do Sul.
SUMÁRIO
Prefácio .............................................................................. 11
Introdução.............................................................................................................. 15
Capitulo 1 – A Cooperação em Defesa e a Geopolítica SulAmericana ............................................................................................................ 21
1.1 Da Geopolítica ............................................................................................... 22
1.2 A América do Sul no Discurso (Geo)Político ................................... 26
1.3 Das Rivalidades à Cooperação em Defesa ........................................ 33
1.4 O Sistema Internacional e a Validade
de uma Estrutura Militar ................................................................................. 42
Capítulo 2 – A Cooperação em Defesa na América do Sul: Uma
perspectiva histórica das aproximações e rivalidades e a
influência da Defesa nessas relações ................................................... 51
2.1 A Rivalidade como Herança e a Formação dos “Arcos
Estratégicos” ......................................................................................................... 53
2.2 O Período Rio Branco e as Primeiras Intenções em Cooperação
Em Defesa ............................................................................................................... 65
2.3 Os conflitos territoriais da América do Sul entre a
Crise 1929 e a Segunda Guerra Mundial .................................................. 79
2.4 O Pós-Guerra, os Movimentos de Integração Econômica
concorrenciais e a importância das Forças Armadas nas relações
Brasil-Argentina .................................................................................................. 90
2.5 – A Guerra das Malvinas e a Aproximação Brasil e Argentina: a
importância da questão militar nesse processo................................. 115
Capítulo 3 – A Construção da Cooperação na América do Sul
na Virada do Século XXI ............................................................................. 135
3.1 - A Construção da Cooperação e o Arrefecimento das Hipóteses
de Confrontação entre Brasil e Argentina: da Cooperação
Estratégica à Cooperação Neoliberal na Nova Ordem Mundial. . 138
3.2 - Os Acordos de Base Neoliberal e a Perda do Caráter
Estratégico na Cooperação do Cone Sul ................................................. 151
3.3 – As Iniciativas de Integração no Século XXI: a Cooperação em
Defesa em Pauta ............................................................................................... 172
Capítulo 4 – A Disposição da Defesa no Subcontinente: Entre a
Dissuasão e a Cooperação Estratégica .............................................. 185
4.1 – A Estrutura da Defesa na América do Sul: os gastos ............. 188
4.2 – O Posicionamento das Bases Militares: A dissuasão ativa
frente aos parceiros comerciais ................................................................ 194
4.2.1 As Fronteiras do MERCOSUL ........................................................... 206
4.2.2 A Fronteira Chile-Bolívia-Peru ....................................................... 214
4.2.3 A Fronteira Venezuela-Colômbia................................................... 223
4.3 – As Possibilidades de Cooperação em Defesa ............................ 228
Considerações Finais .................................................................................. 237
Referências ....................................................................................................... 244
Prefácio
A
solidariedade ideológica e o apoio recíproco entre a
maioria dos governos da América do Sul, traduzidos
especialmente na busca da ampliação da margem de
manobra de suas diplomacias em relação à Washington, não tem
sido suficientes para vencer os desafios colocados ao
aprofundamento do processo integrativo regional, principalmente
quando se trata de política conjunta da defesa. Nesse sentido, a
dissertação de mestrado de Vinicius Modolo Teixeira, doravante
transformada em livro, lança problematizações importantes para
a concertação dos atores nacionais sul-americanos na área de
segurança e defesa, e que devem instigar um debate de maior
envergadura e coragem entre nossa diplomacia e classe política.
Apesar das retóricas diplomáticas deflagradas no Conselho de
Defesa Sul-Americano (CDS), no âmbito da UNASUL, o autor da
obra destaca que o principal impeditivo na construção de um
sistema regional de segurança coletiva reside na permanência de
desconfianças mútuas entre os países da região, geralmente
derivadas de disputas territoriais ainda não resolvidas, e que se
configura em "Arcos Estratégicos" que unem dois países sulamericanos contra um terceiro que também é obrigado a procurar
por aliado. Como equacionar esse passivo geopolítico é o principal
desafio para a materialização de um mecanismo de segurança
coletiva sul-americana.
Essa mais nova promessa da geopolítica brasileira ainda
desconstrói brilhantemente na obra o mito liberal do "mundo
plano", cuja isotropia se realizaria na abolição das fronteiras
nacionais. A globalização enquanto ideologia que anuncia o fim da
política enquanto campo autônomo de poder, prossegue o autor,
se oculta na tese geográfica da suplantação das fronteiras-linha
(defesa) pelas zonas fronteiriças de cooperação (comércio).
É verdade que as linhas de defesa justapostas às linhas de
fronteira perderam sentido com a comprovada ineficácia da
guerra de trincheira diante do avanço das divisões blindadas e da
aviação militar, mas também é verdadeiro que as fronteiras
nacionais continuam separando as esferas de autonomia nacional
e,
consequentemente,
exigindo
sistemas
de
defesa
territorializados. Diante disto, a afirmação da pax universal pelo
livre-comércio nada mais é que uma ideologia que visa ocultar a
diversidade de interesses entre os atores nacionais e tornar
inertes as fronteiras enquanto filtros de não mais de uma dezena
de economias hegemônicas.
Sem se deixar seduzir pelo canto da sereia, o autor demonstra
através de árduo levantamento e localização das unidades
militares das nações sul-americanas que as fronteiras continuam
militarizadas, inclusive a fronteira brasileiro-argentina apesar do
advento do Mercosul. Com efeito, mesmo as unidades militares
relocalizadas na fronteira amazônica e que visam transformá-la
em nossa nova "fronteira viva", para parafrasear o general e
geopolítico Golbery do Couto e Silva, são majoritariamente
originadas do Rio de Janeiro e não do Sul do país. Nesta última
região, ocorre a modernização das unidades de blindados e da
aviação militar, situadas em localidades mais distantes das linhas
de fronteira, mas próximas o suficiente para permitir uma pronta
reação em caso de ataque do país vizinho. Apesar das boas
relações comerciais e da ausência de menção específica em nossa
política de defesa, a Argentina nunca desapareceu das Hipóteses
de Confrontação de nosso planejamento militar, e nem teria
sentido um procedimento diferente diante do caráter mutável da
história.
O que poderíamos fazer de forma mais inteligente é a
desmilitarização das zonas de fronteira sem diminuir o poder
militar dos Estados da América do Sul e, ao mesmo tempo,
buscarmos resolver diplomaticamente os passivos territoriais da
região, afinal, a maioria destes envolve questões de fronteira.
Nesse sentido, ainda a experiência europeia de gestão conjunta
dos recursos minerais estratégicos também pode auxiliar os sulamericanos: a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço (CECA), logo no pós-guerra, logrou o congelamento das
disputas militares entre Alemanha e França até o presente. A
União Europeia nasceu justamente desse embrião em torno do
equacionamento dos passivos geopolíticos das duas potências
militares do continente europeu, mas no caso sul-americano, ao
contrário, até hoje não nos propusemos coletivamente a resolver
as disputas territoriais que comprometem a segurança regional
mais que qualquer inimigo externo real ou imaginado.
Natal, 05 de fevereiro de 2014.
Dr. Edu Silvestre de Albuquerque
Introdução
A
América do Sul vive um momento de grande importância
para sua geopolítica. Passados vinte anos do fim da
bipolaridade da Guerra Fria, os países localizados nessa
porção do globo adotam uma postura com objetivos voltados para
mudanças nas suas relações de dependência com outras nações,
vislumbrando a possibilidade de alcançarem um padrão mais
elevado de desenvolvimento social, econômico e político.
Mesmo que essas mudanças variem em relação a cada país,
estando desde a timidez e impossibilidade de recursos, até a
elaboração de projetos de potência e enlace continental, é notável
que a configuração mundial tenha também se alterado,
possibilitando novos espaços de diálogo e uma nova dinâmica
entre vários países. Essa nova configuração, entretanto, ainda é
substancialmente baseada na liderança das antigas potências
mundiais, que historicamente se apoiaram em suas forças
armadas para fazer valer seus interesses em torno do mundo.
As observações dessas mudanças nos aspectos geopolíticos que
envolveram a América do Sul nesses últimos anos, conjugado às
análises voltadas para as questões de defesa – parte essencial da
geopolítica – nos levaram a optar por um tema que apesar de não
ser novo nas ciências humanas, ainda carece de discussões mais
amplas e interdisciplinares.
A busca pela integração dos países sul-americanos é um projeto
de longa data, devendo-se remeter ao momento seguinte da
independência desses Estados nacionais de suas antigas
metrópoles. Os diversos projetos surgidos ao longo dos anos
visaram uma aproximação entre essas nações com origens
comuns, ao mesmo tempo em que se tornavam distintas.
Nas tentativas de aproximação, as questões de cunho comercial se
sobressaíram sobre os demais projetos, uma opção lógica de
países com atraso industrial e exportadores de matérias primas.
Entretanto, por diversas vezes essa opção se mostrou falha, já que
ao se apoiar em bases mercadológicas, esses países se expunham
ainda mais a influência de origem externa e às variações de preços
e compradores, na qual as sucessivas crises demonstravam sua
fragilidade.
Os diversos projetos rascunhados no intuito de aproximar os
países da América do Sul deixaram de lado, em grande parte,
questões mais profundas para a integração, relegando ao livre
mercado a sua principal opção. Dentro dessas questões de maior
relevância que não foram pleiteadas, ressaltamos projetos de
aproximação tecnológica e principalmente os baseados em defesa.
Poucos foram os projetos que de alguma forma incorporaram em
seu texto a pretensão de aproximar a América do Sul por essa
questão, ou mesmo somá-las aos entendimentos comerciais
pleiteados, para assegurar a estabilidade das relações entre os
países e prosseguir nas relações comerciais.
Em paralelo, a defesa sul-americana esteve durante o século XX
atrelada a relações com países europeus e os Estados Unidos. A
ausência de indústrias voltadas para a fabricação de
equipamentos no subcontinente fez com que as necessidades
bélicas fossem solucionadas com compras nesses países. No
entanto o que efetivamente ocorreu foi o envio de material
ultrapassado, em pouca quantidade, sempre correndo o risco de
ter a manutenção negada em caso de conflito, servindo apenas
para que esses exércitos mantivessem uma prontidão mínima e a
rivalidade acesa entre os vizinhos da região.
As rivalidades inseridas no continente, também oriundas do
período colonial, se firmaram como bastiões nacionais,
justificando a existência de nacionalidades por suas elites e sua
separação de outras nações, o que acarretou a formação de um
pensamento arraigado na divisão e busca de identidade, a qual
esteve ligada ao território e sua delimitação.
As rivalidades e os aparatos de defesa são indissociáveis, e no
cenário sul-americano representam uma possibilidade para a
eclosão de conflitos. Questões como a “balança de poder” e
“equilíbrio estratégico” povoaram as políticas externas desses
Estados para com seus congêneres regionais durante todo século
passado, sendo impensável para esses países incorrer no risco de
estarem defasados em número e tipo de material militar.
O equilíbrio almejado também se materializava no território, já
que o posicionamento desse material se fez ao longo de várias
décadas em zonas de prováveis combates e em fronteiras sob
disputa, concentrando tropas em regiões específicas desses
países. Essa busca constante pelo equilíbrio, entretanto, não
suscitou a criação de indústrias de defesa locais, havendo
raríssimas exceções no caso dos países do cone-sul, que acabaram
ruindo nos anos 1990.
Dessa maneira vislumbramos uma ligação estreita entre os
projetos de integração e o aparato de defesa, já que para a
consecução dos acordos comerciais pleiteados ao longo dos
últimos anos, a superação das rivalidades bélicas, com a retirada
de bases das fronteiras, traria a segurança para o
desenvolvimento desses blocos. Ao mesmo tempo em que, a busca
pelo desenvolvimento conjunto desses equipamentos poderia
garantir aos países envolvidos soluções regionais para suas forças
armadas com a industrialização e capacitação na área de defesa.
Esse livro buscou apontar a necessidade de considerar a defesa
na América do Sul como um ponto fulcral para o desenvolvimento
dos projetos de integração, a qual cada vez mais tem ganhado
espaço nos fóruns regionais, sendo a UNASUL o seu projeto mais
ambicioso nesse sentido. O objetivo principal desse trabalho foi
relacionar a evolução dos projetos de integração na América do
Sul, com a situação geopolítica do momento, demonstrando a
influência da defesa no desenvolvimento dos blocos regionais.
Através de um levantamento das principais iniciativas de
integração e cooperação na América do Sul, buscamos atentar
para as questões de defesa que envolvia os países pretendentes e
como elas de alguma maneira influenciaram na evolução das
propostas, assim como, criaram cenários de cooperação
estratégica, unindo países pela rivalidade a um terceiro.
A reflexão histórica traçada no presente trabalho busca elucidar
ainda a carência de propostas voltadas para a solução de
rivalidades e disputas militares, bem como a influência externa na
defesa dos países sul-americanos por países centrais,
demonstrando assim a debilidade desse setor como uma
fragilidade regional.
A atualidade desse trabalho se dá pelas propostas
contemporâneas de integração da América do Sul em diversos
cenários, como econômico, de infraestrutura, e mais recentemente
o de defesa. Entretanto, apontamos para a presente configuração
dos aparatos militares na região como um possível entrave para a
evolução da cooperação. Sendo assim, um dos objetivos desse
trabalho foi localizar o atual posicionamento de bases militares na
América do Sul, demonstrando que, tal como ocorria no passado, a
defesa de alguns países continua orientada para os vizinhos,
tornando válida a suspeita de que as hipóteses de conflito não
foram suplantadas e, de que isso poderá inviabilizar os projetos de
integração regional. Assim buscamos demonstrar a importância
da cooperação em defesa e do desenvolvimento tecnológico
regional nesse setor como a base para a condução da integração
sul-americana.
O presente trabalho encontra-se assim organizado.
No capítulo um, “A Cooperação em Defesa e a Geopolítica SulAmericana”, buscamos situar o tema escolhido para esse trabalho,
apresentando algumas ponderações sobre a opção de análise e os
caminhos trilhados que nos levaram a essa abordagem. Nesse
capítulo expomos nossas considerações a respeito da Geopolítica
e sua relação com a Geografia e os estudos em defesa, em uma
tentativa de esclarecer os motivos que a tem deixado a margem
dessa discussão. Nesse capítulo também apresentamos algumas
justificativas que nos levaram a esse estudo, como o processo de
integração europeu e a importância do setor de defesa, tanto para
os Estados nacionais na atualidade, como a sua representatividade
para o desenvolvimento tecnológico e econômico no mundo.
No segundo capítulo, intitulado “A Cooperação em Defesa na
América Do Sul – Uma Perspectiva Histórica das Aproximações e
Rivalidades e a Influência da Defesa Nessas Relações” buscamos
compreender a importância das forças armadas nas relações entre
os países sul-americanos em uma perspectiva histórica,
demonstrando a sua importância para o computo final das
políticas regionais. Esse capítulo, dividido em cinco momentos
históricos, se estrutura a partir do desenvolvimento das intenções
de cooperação entre os países sul-americanos e de como a
rivalidade entre esses Estados nacionais contribuiu para o
fracasso de propostas de integração, com o surgimento de alianças
estratégicas no subcontinente de países com inimigos em comum.
Dessa forma a defesa ganha um papel importante para entender a
dinâmica sul-americana de conflito e cooperação, desde o
surgimento de Estados independentes até o presente. Assim, esse
capítulo busca através de um levantamento histórico, abordar
diversos projetos de associação e a participação de questões
militares no seu desenvolvimento.
O capítulo três, “A Construção da Cooperação na América do Sul na
Virada do Século XXI”, ainda através de uma perspectiva histórica,
trata do processo de integração na América do Sul, a partir do
Conflito das Malvinas. Fez-se necessário a separação dessa
narrativa em um novo capítulo, dado que a situação na América do
Sul, principalmente no que concerne à integração e cooperação
em defesa, ganha novos rumos a partir desse conflito, sendo a
origem do principal bloco regional, o Mercosul. Dessa forma,
entendemos que esse conflito tem papel central para a
reformulação tanto das políticas de defesa na América do Sul,
quanto para o processo de integração, já que a partir dele ocorre a
aproximação de Brasil e Argentina, os dois principais rivais do
subcontinente, justamente a partir da construção de relações
militares confiáveis. Assim, esse capítulo tenta esclarecer esse
novo período pelo qual passou as relações entre os países do
continente, os avanços nos processos de integração e, também, a
manutenção de relações estratégicas e conflitos entre eles.
No capítulo quatro, “A Disposição da Defesa no Subcontinente –
Entre a Dissuasão e a Cooperação Estratégica”, chegamos aos
apontamentos de nossa pesquisa que ressaltam a opção pelo
tema, demonstrando a disposição das forças armadas no
subcontinente sul-americano. Levando em conta a histórica
dinâmica de conflito e integração na América do Sul, os dados
apresentados nesse capítulo propõem entendimento no sentido
da manutenção de pontos de tensão, baseados na concentração de
forças militares em áreas de fronteira. Essas concentrações
apontadas em mapas derivados do levantamento dessa pesquisa,
a nosso ver, revelam que as hipóteses de conflito entre alguns
países do continente ainda não foram totalmente superadas, o que
deve continuar a causar entraves no processo de integração
continental. Assim pontuamos a necessidade de integração em
defesa como um processo de base para o andamento dos vários
projetos de integração.
Por fim, apresentamos as considerações finais embasadas nos
levantamentos apresentados nos capítulos precedentes,
acreditando contribuir para a discussão dessa temática que tem se
apresentado de maneira contundente em várias ciências, mas,
sobretudo, pensando em contribuir para essa discussão por parte
da geografia.
1
A Cooperação em Defesa e a
Geopolítica Sul-Americana
Vinicius Modolo Teixeira
22
N
esse primeiro capítulo buscamos apontar nossas opções de
pesquisa através de considerações a respeito do
desenvolvimento do trabalho e das referências utilizadas
devido à escolha da temática. A opção pelo estudo da Geopolítica e
da delimitação do recorte espacial na América do Sul deve-se aos
recentes movimentos que o subcontinente vem apresentando no
sentido à integração, porém, sendo ainda permeados por ações
divergentes, que esboçam traços de antigas rivalidades forjadas
no período colonial e na formação dos Estados nacionais sulamericanos.
As constantes comparações encontradas ao longo da pesquisa,
entre o processo de integração sul-americano e o processo de
integração europeu, arquétipo para os modelos de integração,
suscitaram uma breve discussão sobre o caminho trilhado pela
Europa até a formação da atual União Europeia, aspectos que
consideramos relevantes para o seu relativo sucesso, e que no
nosso entendimento são concernentes à cooperação em defesa.
1.1 Da Geopolítica
A geopolítica é dentro da geografia um dos campos mais
controversos e que mais gerou discussões sobre seus objetivos
finais e sua real validade para a ciência geográfica moderna.
Temas relacionados a ela costumam causar tanto a aversão
quanto o deslumbre, pois são temas vinculados à guerra, sendo
assim um campo que trabalha com questões delicadas da
humanidade. Em nossa visão, essa relação com temas “perversos”,
e seu uso para justificá-los, como na geopolítica alemã do entre –
guerras levou a geografia ao afastamento desses estudos no
segundo pós-guerra, somente sendo retomada nos anos 1970 de
forma crítica, porém, mesmo assim sem ser totalmente aceita
dentro dos seus quadros acadêmicos.
Considerando os limites entre a Geografia Política e a Geopolítica
de difícil separação, como comenta Costa (2008), entendemos em
princípio que os limites da geografia política se atenham a análises
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
pautadas por questões relacionadas à administração e
organização do território, como os processos eleitorais, formação
entidades políticas, organizações governamentais etc. Já a
Geopolítica, para questões sobre guerra, poder e estratégia.
Segundo Mattos (2002), para Ratzel, a separação entre os dois
conceitos lhe parecia bastante simples, usando para isso uma
analogia, onde Geografia Política seria como a fotografia e a
Geopolítica como o cinema, sendo essa, produto da interação da
política, geografia e história. Essa diferença entre as duas, baseada
na ação, incorpora a estratégia ao escopo da segunda dando assim
a Geopolítica um caráter mais dinâmico e fluído, orientada para as
intenções do Estado, sendo assim, um modo de planejamento do
território. Por geopolítica, apreendemos algo que diga respeito às
disputas pelo espaço mundial, uma ciência que se atenha ao poder
e as suas aplicações, as dominações e a guerra, tanto orientado
para isso, como tecendo análises críticas sobre suas aplicações,
sendo dessa forma de emprego dual, não se limitando somente as
visões oficiais e parciais do Estado.
Para Costa (2008), a diferença entre ambas poderia residir no
nível de engajamento dos estudos. Em uma definição que poderia
satisfazer os menos exigentes, o autor as separa da seguinte
maneira:
É preciso reconhecer, entretanto, que parte da tradição
nesse setor identifica como geografia política o conjunto de
estudos sistemáticos mais afetos à geografia e restritos às
relações entre o espaço e o Estado, questões relacionadas à
posição, situação, características das fronteiras etc.,
enquanto à geopolítica caberia a formulação das teorias e
projetos de ação voltados às relações de poder entre os
Estados e as estratégias de caráter geral para os territórios
nacionais e estrangeiros, de modo que estaria mais próxima
das ciências políticas aplicadas, sendo assim mais
interdisciplinar e utilitarista que a primeira. (COSTA, 2008,
p.18)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
23
Vinicius Modolo Teixeira
24
Essa proximidade entre a geopolítica e as Ciências Políticas,
somado ao distanciamento não totalmente superado entre a
Geografia e a geopolítica, fez com que esses estudos tivessem se
mostrado mais interessantes a primeira ciência e também para as
Relações Internacionais, do que para o campo geográfico. Como
exemplo do longo tempo de afastamento da Geografia das análises
Geopolíticas, podemos exemplificar isso pelas poucas publicações
direcionadas exclusivamente para esse tema dentro dessa
disciplina, que a cada dia se mostra mais atual e carente de
análises bem fundamentadas. No Brasil ficou patente na última
década a pequena participação de Geógrafos e suas contribuições,
nos diversos eventos patrocinados pelo Ministério da Defesa e
Secretaria de Assuntos Estratégicos, assim como os realizados por
grupos de pesquisa.
Já os conceitos de Segurança e Defesa podem ser agrupados e
caracterizados de maneira mais simples como sendo temas
pertinentes à guerra, ou a conflitos, estando intimamente ligados,
porém, cada qual com sua especificidade e objetos de interesse,
mas ambos pertencendo assim ao escopo geopolítico. Falar desse
tema na Geografia como aponta Medeiros Filho (2005) é algo raro,
tendo sido temas abordados preponderantemente mais uma vez
pelas Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Avançando sobre esses conceitos, poderíamos considerar a Defesa
como sendo pertinente a uma questão estatal: a defesa de um
território. Uma forma de proteção contra ameaças que tentem
romper a sua unidade ou agredir sua soberania de alguma forma,
como intervenções estrangeiras, violações territoriais, bloqueios
etc, estando orientada de maneira geral para inimigos externos e a
defesa da unidade do Estado.
Já Segurança poderia ser compreendida como algo similar à
Defesa, porém voltado para o interior dessa unidade estatal,
relativos aos problemas domésticos e que dizem respeito
unicamente a esse Estado donde as escolhas para lidar com esses
problemas não interferem e não dependem, em princípio, do
relacionamento externo desse país. Poderíamos relatar como
problemas de Segurança, questões como banditismo, tráfico de
drogas, grupos subversivos ou separatistas, que atentem para a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
clivagem desse território (nesse caso podendo ser considerado ao
mesmo tempo como pertinente à Defesa).
Para Darc Costa (2009) Segurança poderia ser tratada também
como sendo um estado e defesa como sendo um ato. Para esse
autor questões de segurança precedem as de defesa, sendo
necessário antes, estabelecer as bases seguras de uma nação para
depois pensar em se defender. Existem ainda na literatura
especializada temas “universalizantes” como os de Segurança
humana, Segurança ambiental, Segurança jurídica etc, os quais
também são usados no âmbito geopolítico e que transpassam os
limites dos Estados, sendo abordados por organismos
supranacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU),
Organização dos Estados Americanos (OEA) etc, que, porém não
cabem como pontos desse trabalho.
A contribuição da geografia para esses trabalhos é muito mais
ampla do que somente o de espacializar essa questões, pois
fornece uma perspectiva única a partir do território. A Geografia,
como ciência, estuda o espaço e os seus movimentos, utilizando-se
dos estudos mais aprofundados de outras ciências para compor
seu panorama, como uma articuladora de escalas, enquanto as
outras ciências a fazem em profundidade. O que nem por isso, a
torna menos rica. O papel da geografia é de extrema importância,
costurando as análises para assim fazer suas proposições, e nessa
diferença está sua validade.
No nosso caso, o estudo da cooperação em defesa na América do
Sul se pauta pela localização das ameaças à integração do
continente sul-americano, com o posicionamento das forças
militares e as questões históricas envolvendo os países dessa
região, baseadas em disputas que se arrastam desde a sua
formação territorial, assim como o aproveitamento das
potencialidades desse território para o fomento da cooperação, o
que podem ser considerados como os pontos práticos a serem
trabalhados nessa pesquisa, concernentes a uma análise
geopolítica pela Geografia.
Em nossa análise consideramos o Estado como a unidade
privilegiada desse estudo, já que como aponta Costa (2008) o
A Cooperação em Defesa na América do Sul
25
Vinicius Modolo Teixeira
26
Estado ainda é a unidade primária e principal da política
internacional.
Quer optando pelo poderio, lastreado na força militar e na
“defesa-expansão” territoriais, quer escolhendo o caminho
da supremacia na economia, na tecnologia e no comércio
“civis”, os Estados contemporâneos, e as relações
internacionais, mantêm-se, no presente, como realidades
específicas do âmbito da política. Isso significa que a
dinâmica das relações de poder, em sua projeção externa,
continua pertencendo ao terreno exclusivo das políticas
dos Estados, no exercício permanente e contraditório das
suas respectivas soberanias. (COSTA, 2008, p.329).
A atual posição do Brasil nos rankings econômicos e a sua
declarada intenção de pertencer ao Conselho de Segurança da
ONU, um organismo regido basicamente pela força militar de seus
membros, aliado a um ambiente sul-americano variando entre a
cooperação e conflito, onde as forças militares desses países
podem ser a chave para ambos os casos, caracterizam um
ambiente propício para o estudo da geopolítica e dessa forma, de
questões de Segurança e Defesa a partir de uma perspectiva
geográfica.
1.2 A América do Sul no Discurso
(Geo)Político
O recorte espacial do presente trabalho tem como escolha a
América do Sul. A opção por esse espaço para a dissertar se deve,
além do alcance do tema, cooperação em defesa, também pelo
atual significado desse território para os projetos de integração,
que por hora se articulam através da configuração territorial do
subcontinente sul-americano.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A atual visão do Itamaraty, sobretudo no que diz respeito à
cooperação, se pauta por áreas bem delimitadas da América e
África. Com relação ao primeiro, a América do Sul tem sido o
principal território no qual a política externa oficial do Brasil tem
operado, tanto na formulação de projetos com objetivos
integracionistas, como em relações bi-laterais com foco comercial
e políticas mais abrangentes, o que suporta a escolha de nosso
recorte espacial. Dois termos, América Latina e América do Sul,
conviveram paralelamente na história do continente americano e
foram usados muitas vezes, de forma sinonímica, para aludir ao
conjunto de países americanos situados ao sul do Rio Grande
como indica Santos (2005). Mais recentemente a América Latina
foi costumeiramente usada para apontar arranjos que na
realidade eram compostos unicamente por países sul-americanos,
não tendo relações com demais países centro-americanos e
caribenhos, o que provoca confusão e uma generalização no trato
dos textos voltados para a América do Sul.
Historicamente, no discurso diplomático brasileiro, o termo
América Latina esteve presente quando se queria invocar a
questão identitária dos povos da região, associado a momentos de
distanciamento ou contraposição aos EUA, na tentativa de
reforçar os laços com os países que se identificavam com as
origens latinas. O apelo a uma “latinidade” foi exercido em alguns
momentos na política externa brasileira para plasmar uma ideia
de unidade entre os países pobres do continente, assim como
“países do Terceiro Mundo” e “subdesenvolvidos”. Dessa maneira,
o conceito de América Latina era usado, de acordo com Santos
(2005), como representação do “outro”, um contra conceito
assimétrico frente às virtudes estadunidense.
Ao longo dos últimos anos, a política externa brasileira substituiu
a América Latina pela América do Sul, sendo que o primeiro termo
já se encontrava em desuso nos discursos políticos, tanto pelo
improvável arrebatamento para intercâmbios dos países que
compõem esse sistema, quanto pela ineficiência dos diálogos
tentados através de uma união de países latino-americanos, já sem
força nos últimos anos. Contribui para essa redefinição de escalas
da política externa brasileira e erosão do termo “latinoA Cooperação em Defesa na América do Sul
27
Vinicius Modolo Teixeira
28
americano”, a associação do México ao NAFTA, em 1992,
carreando esse país em definitivo para órbita geopolítica dos EUA.
A América do Sul, porém, só ganha contornos mais claros na
política externa brasileira a partir dos anos 2000, após as
Reuniões dos Presidentes das 12 nações que compõem o
subcontinente, primeiramente em Brasília (2000) e em seguida
em Guayaquil (2002), formalizando as intenções brasileiras de ter
esse espaço mais restrito como seu foco de ação privilegiado no
continente.
Comparativamente à América Latina, a América do Sul tem como
vantagens a sua conformação em um território facilmente
delimitado, representada por um acidente geográfico coeso, e com
projetos com maior propensão ao êxito quando comparados a
América Latina. A proximidade dos países, somados aos atuais
projetos de reforço da infraestrutura, com criação de uma vasta
rede de transportes por todo o subcontinente através da Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
(IIRSA), ampliam as vantagens comparativas com o outro
conjunto de países.
Com isso, a América do Sul acopla-se aos debates sobre
regionalização e globalização. Por um lado, a contigüidade
geográfica é elemento determinante para impulsionar a
cooperação internacional na área de infraestrutura de
integração e em contraposição ao ideológico latinoamericano emerge a noção de um espaço sul-americano
integrado. (GALVÃO, 2008 P.65)
O território sul-americano se apresenta, dessa forma, muito mais
coeso e palpável para as futuras comunidades políticas e
econômicas se desenvolverem do que o “território” de uma
América Latina, que abarcaria uma região de difícil delimitação, a
começar pelas definições generalizadas que o termo encontra.
Para os países centro-americanos, principalmente para os
insulares, onde além da existência de países de origem
reconhecidamente não latina, perseveram ainda protetorados de
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
países europeus, transformando a América Latina em um
território descontinuo e necessário de um acerto primário relativo
à quais países se enquadrariam nessa definição. Ainda sob o uso
desse termo, vale pensar também, quais as vantagens de
pertencer ou não a uma “América Latina” e o que isso traria para o
país, tanto como trunfo, quanto como estigma político.
A adoção de uma proposta de comunidade que envolvesse a
América Latina encontraria, além disso, uma complexidade de
interesses que o termo esconde por trás de uma possível
homogeneidade:
América Latina como abstração geográfica desenvolveu-se
e ganhou força com o passar do tempo, chegando a
caracterizar linhas de estudos nas principais universidades
estadunidenses e vertentes de política externa direcionadas
para uma região como se esta fosse um só país. Entretanto,
as similitudes no que concerne a um passado histórico
colonial
e
a
necessidade
de
superação
do
subdesenvolvimento simplificam demasiadamente a
complexidade dos países que compartilham, dentro de uma
área de dimensões vastas, elementos culturais próprios e,
conseqüentemente,
interesses
nacionais
distintos.
(GALVÃO, 2008 P.64)
A própria evolução dos acordos comerciais e de blocos
econômicos iniciada na segunda metade do século XX apontam
para a substituição da América Latina por acordos de ordem
territorial mais coesa, centrados em regiões mais específicas,
como o Caribe e de alguns Estados limítrofes na América do Sul,
concebendo assim, acordos baseados em uma realidade voltada
para proximidade territorial, econômica e política (ou geopolítica)
em detrimento de um arranjo pautado preponderantemente por
questões culturais.
Não se trata aqui de excluir o fator cultural pelo qual se envolve a
América Latina para a construção desses arranjos de integração,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
29
Vinicius Modolo Teixeira
30
pois ele existe e também os compõem, mas sim pensá-lo como um
fator que acompanha esses arranjos apontados e não como um
fator que os sustenta e que pelo qual se construirá essa
integração. Em todos os blocos já citados a questão cultural
também é levada em conta, mas acompanha a proximidade
territorial e as relações econômicas. O “ser” sul-americano é
também “ser” latino-americano, mas as implicações geopolíticas a
nosso ver acabam orientando as opções de integração, tal como
por hora se apresentam nos blocos.
As primeiras tentativas para compor acordos econômicos tinham
a América Latina, ou países que a comporiam, como seu foco, na
qual surgiram as iniciativas da Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (ALALC) e Associação Latino Americana de
Integração (ALADI). Porém, dado o lento avanço e relativo
fracasso dessas iniciativas, logo surgiram blocos que se pautaram
pela continuidade territorial ou características territoriais comuns
que, mesmo sem ter alcançado grandes status, avançaram muito
mais do que os baseados em um enlaçamento vago e
territorialmente fragmentados. Rapidamente lembramos os
acordos da Comunidade Andina, Tratado de Cooperação
Amazônico e MERCOSUL, como exemplo de blocos que se
caracterizaram por apresentar uma configuração territorial mais
coesa, entretanto, o fator cultural também está presente.
Para esse trabalho a América Latina tem sua validade questionada
pelo tipo de estudo a que nos propusemos: a cooperação em
defesa. É inegável pensar que a esse tipo de cooperação resulta em
entendimentos muito mais profundos e de caráter “crítico”, por
relacionar as forças militares dos países envolvidos, atuando de
forma conjunta e tendo objetivos minimamente comuns para elas.
Ao pensar tal proposição para um ambiente latino americano,
acabamos por atingir uma área de limites com maior potência
militar do globo sendo bastante representativa a configuração de
tal tipo de acordo em uma área contigua ao seu território. Seria
demais pensarmos que os EUA não se posicionariam contrários a
tal construção política, como efetivamente fizeram ao longo do
século XX entre Brasil e Argentina, já que tal estrutura afetaria
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
diretamente seus interesses mais próximos podendo no futuro
ameaçar sua hegemonia ou dificultar a execução de seus planos.
Estaríamos, pois, a adentrar em um mare nostrum estadunidense
com grandes chances de fracassos de tal empreitada. Como
ressalta Medeiros Filho (2005) tal quadro de proximidade dos
países caribenhos e centro americanos dos EUA reduz em muito a
autonomia
estratégica
desses
países,
dificultando
o
estabelecimento de políticas regionais de cooperação, conduzidas
através de um “bloco latino americano”.
Na política externa brasileira a América do Sul sempre se
configurou como a área mais propícia aos seus empreendimentos
geopolíticos. Apesar de a América Latina ter figurado no discurso
oficial, ora por um uso generalista e vago, ora tendo como real
intenção de compor um bloco latino, os adeptos da Realpolitik
sempre vislumbraram os assuntos tratados ao norte do Panamá e
Venezuela como assuntos eminentemente da órbita de influência
dos EUA.
Deve-se atentar para a validade e importância da proximidade e
contiguidade territorial, já que a política externa brasileira no
século XIX e grande parte do século XX estiveram
preponderantemente ligadas à América do Sul tanto para a
resolução dos contenciosos fronteiriços, com os quais o país lidou
até o início do século XX, como com relação aos conflitos
deflagrados entre os países vizinhos, onde a diplomacia brasileira
sempre foi bastante ativa. Nesse aspecto é de pouca, ou mesmo
nula, a importância dos fatos ocorridos nos outros países “latinos
americanos”, para a política exterior do Brasil. Qual a importância
e o poder de influência do Brasil na Guerra entre Estados Unidos e
México? Ou nos diversos contenciosos ocorridos na América
Central, como a invasão de Granada, Guerra do Futebol, Belize e
etc? Logicamente, houve protestos e reuniões em órgãos como a
Organização dos Estados Americanos (OEA), assim como
recentemente países da América Central e Caribe recorreram ao
auxílio brasileiro, porém esses eventos não tiveram o peso das
contendas entre Equador e Peru, Bolívia e Paraguai e outras
questões diplomáticas em que o Brasil se fez mais presente e, em
A Cooperação em Defesa na América do Sul
31
Vinicius Modolo Teixeira
32
certos momentos decisivo, como na América do Sul. Entretanto
não se trata de excluir o conceito da política externa:
A América Latina continuará a ser um conceito útil em
diversos contextos – por exemplo, como grupo parlamentar
no âmbito de organizações internacionais. Não há nenhum
sentido prático em se pensar, por exemplo, na substituição
do Grupo Latino-Americano e do Caribe (Grulac) por um
grupo exclusivamente sul-americano. Nesse caso, essa troca
far-se-ia em detrimento dos interesses concretos da
atuação internacional do Brasil e dos países sulamericanos. (SANTOS, 2005, p.19)
Assim, a América do Sul emerge como cenário propício a esse
campo de estudos por possuir características mais interessantes
ao tema, tendo o respaldo de uma miríade de pesquisadores de
temas afins, como Costa (2009) e os diversos membros filiados a
Associação Brasileira de Estudos de Defesa, muitos dos quais aqui
referenciados, na qual a nossa proposição se assemelha. Optamos
assim, pela escolha do território da América do Sul, como mais
producente frente ao conceito de “América Latina” para a
composição de um estudo de Geopolítica.
Devemos ressaltar também que não excluímos a possibilidade de
inclusão dos países centro americanos e caribenhos a um sistema
de cooperação sul-americano, e sim, pensamos que o
fortalecimento da América do Sul em um primeiro plano,
favoreceria a adesão de novos participantes no futuro, quando
estivesse minimamente fortalecido, e não a criação de um bloco de
cooperação envolvendo uma enorme diversidade de países, mais
complexo, em primeiro lugar, já que as experiências passadas
demonstraram as dificuldades em se avançar em sistemas com
número elevados de participantes, com interesses dispersos.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
1.3 Das Rivalidades à Cooperação em
Defesa
A história das relações entre os estados sul-americanos é
reconhecidamente pautada por conflitos e cooperações, por
aproximações e rivalidades, cultivadas desde os primórdios da
colonização, e também, fomentadas por atores externos ao
continente, com objetivos claros de fragmentar a aproximação
entre esses países, como nos casos da Guerra do Paraguai e da
“Paridade Naval”.
No sentido de auxiliar a compreensão da configuração geopolítica
sul-americana baseada em conflitos e cooperações, buscamos
explicações na história e na geografia histórica, nas quais os
estudos sobre formação territorial da América do Sul contribuem
de maneira preponderante para esse entendimento. Para isso,
recorremos a dois autores com maior destaque dentro deste
trabalho, Antonio Carlos Robert Moraes e Luiz Alberto Moniz
Bandeira. O primeiro autor, que centraliza seu pensamento na
formação territorial do Brasil, diz que, a concepção do país como
um “espaço”, reflete as “vias” coloniais de desenvolvimento do
sistema capitalista na periferia da economia-mundo. “Nos países
de passado colonial a ideia do ‘nacional’ é muito acoplada a uma
visão territorial” (MORAES, 2000). Sendo assim, extrapolamos
esse pensamento para o restante do continente, devido ao seu
passado colonial comum, entendendo que os demais países
partilham do mesmo mecanismo de sustentação da nacionalidade,
o território. Nesse sentido os problemas de demarcação territorial
foram explorados em momentos de crise interna para suprimir
disputas na sociedade, orientando as atenções para um inimigo
externo, onde os casos que apresentaremos nesse trabalho
reforçam essa ideia. Ainda com relação ao Brasil, para o autor:
“Com a emancipação política em 1822 era necessário
consolidar o novo Estado nacional, numa situação em que
quase metade da população era constituída por escravos:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
33
Vinicius Modolo Teixeira
na dificuldade de identificar-se como uma nação, o Estado
brasileiro toma o território como centro de referência da
unidade nacional, vendo seu povoamento como a tarefa
básica a ser realizada no processo de construção do país.
Tal concepção espacialista enraíza-se na cultura política do
Brasil estimulando argumentações de forte conteúdo
geográfico que adentram pelo século XX, fundamentando
algumas das principais interpretações do país nas
primeiras décadas republicanas.” (MORAES, 2008, p.33)
34
Já Moniz Bandeira, em seu trabalho intitulado Brasil, Argentina e
Estados Unidos: Conflito e Integração na América do Sul (Conflito e
Integração na América do Sul: Da Tríplice Aliança ao Mercosul), nos
apresenta a história das relações entre o Brasil e a Argentina,
permeada pela influência dos EUA, sem deixar de lado o restante
da América do Sul, que é profundamente influenciado pelo que
ocorre entre os dois principais países do subcontinente. Esse
trabalho nos serve de argumento principal para sustentar aqui a
tese das relações sinuosas que se estabeleceram na América do
Sul, alternando entre momentos de aproximação, que tenderiam a
cooperação, para momentos da mais completa rivalidade, em que
a ameaça de conflitos desconstruíam as propostas de integração.
Partindo dessas ideias advém o interesse desse trabalho pela
Cooperação em Defesa entendida como sendo toda a cooperação
que tenha por princípio partilhar conhecimentos militares, sejam
eles doutrinários, operacionais, de armamento e industriais,
concebendo essas ações em mecanismos específicos, ou então
como parte de acordos com âmbitos mais extensos, nos quais essa
dimensão tenha sido levada em conta. Para o instrutor da Escola
de Comando e Estado Maior do Exército, General Rocha Paiva
(2011) a cooperação em defesa1 é realizada com as seguintes
ações:
1
Tratada pelo autor como Cooperação Militar.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A cooperação militar abrange: ajuda, apoio, parcerias, e
intercâmbios; reuniões e órgãos de defesa; exercícios e
missões combinadas; parcerias em outros campos da
ciência e tecnologia, desenvolvimento e indústria de defesa;
medidas de equilíbrio de poder, que desenvolvam a
confiança mútua; e controle de armas. (PAIVA, 2011,
p.38, grifo nosso.)
Como hipótese, temos que a Cooperação em Defesa é o caminho
que pode sustentar as cooperações tencionadas no subcontinente
sul-americano de forma efetiva, freando as rivalidades através do
intercâmbio entre as forças armadas dos países signatários desses
acordos, fomentando assim a confiança recíproca e esvaindo a
possibilidade de confrontação armada. Tal intento, já tencionado
algumas vezes durante a história sul-americana, e rejeitado por
motivos diversos (por vezes externos), pode sustentar as
cooperações nas áreas econômicas e políticas, contribuindo para a
coesão de um possível bloco regional. Nessa perspectiva nos
apoiamos em Héctor Luiz Saint-Pierre (2009) que entende que a
cooperação em defesa na América do Sul deve ser tratada como a
base capaz de sustentar a integração do subcontinente e não como
o teto, realizada após essa.
Ao pensarmos a cooperação sul-americana, não podemos deixar
de referir às suas expectativas de integração como a de
conformação de um Bloco Internacional de Poder, na assertiva de
Rogério Haesbaert (COSTA, 1991), os quais se apresentam como
uma possível reavaliação da divisão do mundo. Mesmo que em seu
estudo o autor tenha contemplado a América do Sul como
totalmente inserida em um sistema capitaneado pelos EUA, vemos
no atual momento a possibilidade de ruptura desse paradigma das
relações entre países sul-americanos e o seu “país líder”.
Queremos propor aqui que a América do Sul, com seus projetos de
integração, mesmo que difusos e vacilantes tem condições de
assumir no futuro, a forma de um bloco com características de um
“Bloco de Poder”, de maneira mais independente das relações com
os EUA.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
35
Vinicius Modolo Teixeira
36
Ainda com relação à Haesbaert (COSTA, 1991), o autor não
desvincula totalmente o fator militar da construção desses blocos,
citando a OTAN ao se referir ao projeto europeu e que para este
trabalho assume características estruturantes quando a União
Europeia (UE) é abordada de forma comparativa.
Quando tratamos de assuntos relativos à integração regional
torna-se impossível não pensar, ler e escrever sobre a União
Europeia. Esse Bloco econômico e político teve suas origens no
período imediato ao pós-guerra, premido pela necessidade de
reorganização de um continente abalado pela Segunda Guerra, o
evento mais representativo da nossa era e que certamente causou
as maiores destruições do século XX. O continente que havia sido
destruído pelo conflito, levando ao colapso não só a estrutura
produtiva, com a destruição de cidades e vias de comunicação,
mas principalmente, a perda irrecuperável de vidas. O novo
contexto que se apresentava, necessitava de uma recuperação
rápida,
com
entendimentos
que
propiciassem
seu
desenvolvimento de forma segura, sem mais ser assolado pela
rivalidade destrutiva que marcou a Europa por toda a história.
Esses entendimentos iniciais, entretanto, só foram consagrados
com a formação da UE após quatro décadas de negociações, sendo
que muitas ainda carecem de ajustes.
A recuperação do continente e surgimento de um sistema europeu
tem início na década de 1950, girando em torno de dois
mecanismos de cooperação econômica, representados pela
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e BENELUX. O
primeiro desses mecanismos de cooperação, surgido em 1951,
congregava as indústrias que tinham suas bases produtivas
ligadas à liga metálica, participando desse acordo França,
Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Já a
BENELUX foi o projeto de cooperação econômica instituído em
1958 entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo baseado em acordos
econômicos e financeiros entre esses membros fundadores. Esses
dois acordos de cooperação são à primeira vista a base para o
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
surgimento da Comunidade Econômica Europeia, e atualmente a
União Europeia2.
O sucesso dessa empresa no velho mundo ao conseguir unir
países com economias, políticas e sistemas tributários
diferenciados, tornou-se objeto de comparação para outras
iniciativas que se pautaram em cooperação e integração, com os
projetos sul-americanos não fugindo a regra. O sucesso relativo
desse bloco em proferir uma notável circulação de bens de
consumo, serviços e pessoas, em constituir uma estrutura
parlamentar, e a adoção de uma moeda única por quase todo o
bloco, é realmente inspirador para vários projetos em outras
partes do globo, principalmente quando pensamos na sua parte
mais visível e chamativa a esses interesses, o aspecto econômico.
Ao nos remetermos exclusivamente ao aspecto econômico e seu
sucesso dentro do sistema europeu de cooperação, e também aos
outros já mencionados, nos esquecemos, entretanto, de um
exercício de reflexão que aqui se apresenta como fundamental, e
que nesse trabalho é entendido como um dos aspectos mais
importantes para a estruturação da União Europeia, a cooperação
em defesa.
A cooperação em defesa no continente europeu, também iniciada
no pós-guerra, é anterior à consecução dos tratados de
cooperação econômica, sendo representado pela Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tratado celebrado por vários
dos países da Europa ocidental no ano de 1949 e até o presente
um dos maiores acordos militares já estabelecidos no mundo.
A situação do pós-guerra para a Europa não envolvia somente o
caos desencadeado pela destruição do conflito mundial, mas
também, a possibilidade da emersão de um novo conflito, agora
pautado pela disputa leste-oeste entre duas superpotências
separadas ideologicamente e com potencial de destruição nuclear.
Nesse cenário apocalíptico que começava a se delinear com a
Guerra Fria, o oeste do continente europeu (postado do lado
Para maiores esclarecimentos a respeito do processo de formação da
União Europeia ver: MAGNOLI, D. União Européia: História e Geopolítica.
9° Ed. Editora Moderna, São Paulo, 1995.
2
A Cooperação em Defesa na América do Sul
37
Vinicius Modolo Teixeira
38
ocidental da disputa) seria o primeiro a sofrer em caso da eclosão
da nova contenda.
A ameaça representada pela União Soviética baseada em seu
grande poder terrestre, capacidade de deslocamento de um
grande contingente de homens e máquinas, que seriam lançadas a
partir das fronteiras da Alemanha Oriental e de países da chamada
Cortina de Ferro promoveu análises catastróficas a respeito do
sucesso da resistência contra a grande estrutura militar
comunista, sendo que algumas análises desse período inicial da
Guerra Fria diziam que somente seria possível pensar em uma
reação a partir da península Ibérica, assumindo que todo o
restante da massa continental seria perdido pelo rápido
deslocamento das forças soviéticas sobre esse território.
Nesse cenário de ameaça a construção da cooperação em defesa a
partir da OTAN se estabeleceu como um quesito básico para a
sobrevivência desses países sob uma estrutura capitalista e
“livre”, aliando-se à outra superpotência ocidental, os EUA, para
prover sua segurança perante o “perigo do leste”.
No período subsequente a Segunda Guerra, a necessidade de
armamento para a segurança da Europa capitalista, ainda muito
debilitada e sem condição de produzir a nova geração de
equipamentos que surgira no pós-guerra, encontrou no apoio
militar dos EUA, somado ao Plano Marshall de auxílio econômico,
a resposta para suas necessidades. Dessa forma, a partir da OTAN
passou-se ao desenvolvimento de planos de defesa comuns,
baseados em uma grande estratégia para o cenário europeu, que
eram partilhados por todos os países signatários desse bloco
militar. Nessa estrutura, a condução da padronização de
equipamentos e a sua construção conjunta passaram a ser a
premissa básica para o sucesso no caso de um possível
enfrentamento contra o lado soviético, minimizando o caos
logístico que se apresentaria sem essa base comum.
Passado o período inicial da construção da OTAN com a ajuda
militar americana provendo parte das necessidades das forças
armadas da parte europeia do pacto, a visualização da
necessidade do desenvolvimento europeu desses equipamentos
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
de defesa, como forma de não depender unicamente dos EUA e de
fortalecer o desenvolvimento tecnológico, norteou as compras e
pesquisas desses países. Já na década de 1960, o desenvolvimento
conjunto de uma variada gama de sistemas militares suscitou a
fusão de grandes indústrias de defesa, primeiramente dentro das
fronteiras desses países, fortalecendo a indústria nacional, e
depois entre os países do bloco, sempre com o objetivo de poupar
esforços e recursos com a padronização de seus exércitos.
São inúmeros os exemplos que poderíamos citar aqui para
demonstrar a condução desse desenvolvimento conjunto no solo
europeu, como Airbus, Eurocopter, MBDA, Dassault. O certo é que
os grandes conglomerados de defesa baseados hoje em solo
europeu, e vários outros, têm na pressão exercida pelo contexto
da Guerra Fria e na organização da estrutura da OTAN suas
origens.
Ainda nesse sentido, para exemplificar a importância desse
mecanismo para a criação do bloco europeu, devemos levar em
consideração que a construção da segurança nas relações entre
esses países, por meio do Tratado Atlântico foi fundamental para a
superação das rivalidades entre os mesmos, mesmo que em
princípio, ela tenha sido forçosamente construída por uma
questão de sobrevivência comum. De um cenário europeu onde os
conflitos e as rivalidades entre as nações era a tônica desde um
passado imemorável, o pós-guerra pressionou a condução de uma
política pautada pela aceitação e superação da rivalidade entre
esses estados nacionais. O novo rearme alemão, por exemplo, mais
uma vez temido pela França, como aponta Kennedy (1989), se
concretizou através da confiança estabelecida dentro da OTAN,
tendo a URSS como inimigo comum. Não é demais lembrar que as
agressões entre França e Alemanha pelas regiões ricas em ferro e
carvão da Alsácia e Lorena, estiveram entre os assuntos mais
complexos das políticas bilaterais desses dois países por um longo
período, e que no pós-guerra, os dois países formaram, junto a
outros, a CECA, que envolvia justamente os minerais dessas
regiões alvo de disputa, o que demonstra a evolução das relações
entre esses países e da importância da construção confiança
mútua para o desenvolvimento da cooperação.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
39
Vinicius Modolo Teixeira
40
Deve-se considerar, Também, que dentro do sistema europeu, ao
menos no tocante ao escopo da União Europeia os conflitos
armados entre os estados partícipes foram excluídos e em relação
a OTAN há somente uma exceção, já que Turquia e Grécia ainda
possuem diferenças não superadas. Nesse ponto devemos fazer
uma ressalva. Os acordos da União Europeia e os da OTAN têm
abrangências territoriais distintas. Porém, o que queremos
salientar quando colocamos a OTAN como componente estrutural
para o surgimento da União Europeia é que esse primeiro acordo
suprimiu a possibilidade de desacertos militares entre os seus
membros que representavam o núcleo duro dos países
fundadores da aliança militar, onde surgiu o projeto de integração
europeu e que hoje temos como exemplo, já que ao menos
inicialmente, a composição dos países da CECA e BENELUX
encontravam-se totalmente inseridos na “Aliança Atlântica”. Ou
seja, no nosso entendimento, a OTAN contribuiu para que se
pudesse produzir um ambiente de segurança nas relações entre os
estados europeus, possibilitando a construção de mecanismos de
cooperação político-econômicos.
A partir da assinatura do Tratado Atlântico, o posicionamento dos
exércitos e os investimentos em defesa dos países membros, não
se tornaram ponto de conflito ou desconfianças, fatos que
poderiam danificar o processo de integração que estava se
constituindo nos anos 1960. De maneira geral, a organização das
forças armadas desses países passou a ser orientado de forma a
dissuadir o inimigo comum e não mais orientadas para os vizinhos
e parceiros da Comunidade Econômica. Também, as compras
militares desses países e o desenvolvimento de determinados
sistemas de armas não constituíram riscos para os vizinhos, e sim,
oportunidades para o desenvolvimento conjunto desses
equipamentos e uniformização do seu emprego.
Cada bloco – OTAN e EU – segue políticas distintas para a adesão
de novos membros e na condução das relações aos que já
aderiram a seus programas. Entretanto, há uma coincidência no
avanço desses dois blocos para os territórios do leste europeu,
antiga área de influência comunista, onde se situavam os estados
membros do Pacto de Varsóvia e União Soviética. A adesão ao
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
acordo da União Europeia de países como Polônia, Rep. Tcheca e
dos três Estados do Báltico – Letônia, Lituânia e Estônia – foi
precedida ou concomitante à adesão desses países ao bloco militar
ocidental, numa situação que pode ser considerada como
fundamental para sua aceitação ao Tratado europeu, como se a
adesão a OTAN tenha se tornado uma pré-condição não escrita
para sua incorporação ao sistema econômico comum. Esse
movimento para o leste, além de agregar mais países e mercados
para a UE, também implica na diminuição de poder da Federação
Russa, agindo no sentido de retirar de sua esfera de influência
seus antigos parceiros políticos e militares.
Devemos lembrar o caso turco como exceção a essa regra de
anexação OTAN-UE, já que esse país, membro da aliança militar já
a muitas décadas, segue pleiteando sua anexação ao sistema
econômico, porém suas especificidades – como o caso de disputa
com a Grécia, sistema judiciário e também religião – sejam mais
significativas para explicar os motivos dessa negação à entrada na
União Europeia.
Mesmo que a OTAN e EU sejam mecanismos distintos e, de o bloco
econômico ter um sistema próprio voltado para o âmbito da
defesa desde 1999 com a Política Europeia de Defesa e Segurança,
a OTAN continua a sustentar a adesão de novos membros do bloco
europeu, ao anexá-los militarmente à sua estrutura. Entretanto, a
OTAN também pode ser entendida como um freio às pretensões
europeias no campo militar, já que essa Organização continua sob
a liderança dos EUA. Para o embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães isso significa que:
Ainda que nunca exposta explicitamente, a prioridade
suprema da política exterior da União Européia é recuperar
o papel preeminente desempenhado pelos países da
Europa Ocidental na política mundial, perdido para os
Estados Unidos e a Rússia como resultado de duas Guerras
Mundiais. E para atingir esse objetivo é essencial recuperar
o controle militar sobre todo o território europeu. Esse
objetivo requer manobras extremamente complexas e
A Cooperação em Defesa na América do Sul
41
Vinicius Modolo Teixeira
42
delicadas em virtude da presença e da crescente afirmação
do poder da OTAN, da influência de círculos atlanticistas
(pró-americanos) que existem em cada país europeu,
especialmente no Reino Unido, e dos interesses dos países
europeus orientais na presença americana para
contrabalançar na região a disputa tradicional por
influência entre a Alemanha e a Rússia. (GUIMARÃES, 2006,
p.394)
Dessa forma, a existência da OTAN acaba por se tornar um
obstáculo às pretensões europeias de criar um sistema de
cooperação em defesa autóctone, rompendo de vez com gerencia
dos EUA em suas políticas militares. Entretanto, a continuidade da
OTAN como um sistema de cooperação fortalecido, no nosso
entendimento, tende a preservar a Europa ocidental como um
território livre de conflitos. A construção da confiança entre os
militares do continente e a variada gama de empreendimentos
comuns, com partes de um mesmo equipamento vindo de diversos
países do bloco, deverá servir de amalgama contra o surgimento
de rivalidades conflituosas, mesmo em uma época de crise
econômica, como a atual.
1.4 O Sistema Internacional e a Validade
de uma Estrutura Militar
O sistema internacional ainda carece das características por
muitos apontadas como de “união entre os povos” e estabilidade
entre as nações, e sim, mais parecidos com as dinâmicas do final
do século XIX, como se as nações ainda concorressem e
disputassem territórios militarmente, em uma situação da
“geopolítica das nações” (WALLERSTEIN, 2012). Para o autor,
vivemos um período de grande incerteza para as relações
internacionais, onde fatos recentes apontam que essa situação
tende a continuar muito mais num sentido do chamado “Espírito
de Davos”, com um mundo competitivo e desigual entre os países,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
do que no sentido de um mundo pautado pelo “Espírito de Porto
Alegre”, mais justo e igualitário.
Ao entendermos o mundo ainda suscetível a ameaças e jogos de
poder que sempre permearam as relações entre estados,
confiamos na necessidade do fortalecimento militar como
necessário para sobrevivência nesse sistema. As recentes
demonstrações de ingerência na soberania de Estados por meios
militares demonstram a falência de teorias neoliberais que
defendiam o esvaziamento de poder unilateral dos países
subdesenvolvidos, sobre a premissa de pacificação mundial.
Nesse sentido ao pensar a integração sul-americana, devemos
pensá-la como um todo, em todos os seus aspectos, onde além do
econômico, político, cultural existe também o militar, com a
integração em defesa. Não entendemos como suficientes a
consecução de mecanismos meramente econômicos ou de
supressão tributária como condizentes a projetos de integração
em territórios tão vastos como o da América do Sul, onde ainda se
figuram tensões e possibilidades de conflito.
Sendo assim, nosso estudo vai mo sentido de abordar essa
temática ainda pouco discutida, tanto nos meios acadêmicos como
no da política externa desses países, mas onde já se observam
mudanças significativas, que certamente poderão dar
encaminhamento a essas necessidades que consideramos fulcrais
para o desenvolvimento dos projetos de integração. A discussão a
respeito de questões militares envolvendo blocos sul-americanos
deverá se tornar mais ativa, já que delas devem depender a
autonomia regional:
No terreno militar, as duas questões básicas são o
desenvolvimento de uma capacidade autônoma de defesa,
tanto no campo convencional como no campo de
tecnologias altamente desenvolvidas, e a recusa serena de
qualquer tentativa de estabelecer bases militares
estrangeiras em território sul-americano. O êxito em lidar
com essas duas questões será essencial para a defesa dos
interesses do Mercosul no exterior e para o pleno exercício
A Cooperação em Defesa na América do Sul
43
Vinicius Modolo Teixeira
44
da soberania, num mundo de crescente instabilidade,
arbitrariedade e intervencionismo. (GUIMARÃES, 2006, p.
428)
A Cooperação em Defesa deste modo emerge como um
componente estratégico para a busca de um futuro equitativo para
os países sul-americanos no mundo, sem que isso possa parecer
ingênuo, já que entendemos que a ingenuidade reside em advogar
sobre o desarmamento das nações, a pacificação mundial pela
globalização e o sistema financeiro liberal.
Ao refletirmos sobre o que ocorre atualmente na América do Sul
podemos perceber uma grande distância para atingir objetivos de
integração, frente a obstáculos construídos pela rivalidade entre
os países, onde a manutenção das forças militares de alguns
estados está disposta para as fronteiras com os vizinhos, nas
quais, em passado recente experimentaram ocorrências de
guerras e incidentes diplomáticos. Permanecem assim inalteradas
as antigas estruturas de dissuasão, e que no nosso entendimento,
apontam para situações ainda não totalmente superadas entre
países que se propõem parceiros em vários projetos de
integração.
Já no tocante a aquisição de equipamentos militares na América
do Sul, isso tem se apresentado como ponto de discórdia e um
potencial de risco para as relações diplomáticas entre os estados
vizinhos, que costumeiramente apontam as compras de outros
países como de caráter belicista ou então, fomentador de uma
corrida armamentista com objetivo de desestabilizar a região.
Buscamos identificar os movimentos nesse sentido, onde a
modernização das forças militares de países como Brasil,
Venezuela e Chile, causou estremecimentos e desconfianças nas
relações sul-americanas.
A representatividade de certos tipos de armamentos em cenários
como a América do Sul, significa uma reformulação completa de
doutrinas e táticas, não só do país que os adquire, como também
dos vizinhos que já se sentem ameaçados por eles. Entender o
significado e a potencialidade desses armamentos é fundamental
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
para ter no escopo da América do Sul uma análise mais próxima
do real. Os planos de compra e as capacidades militares de cada
país têm significados não só para a geopolítica local, mas também,
no âmbito mundial, como no caso do Brasil, que busca ascender a
uma posição de representatividade nesse cenário, sendo um dos
seus pilares o seu fortalecimento militar. Porém, no cenário sulamericano, esses significados ganham maiores dimensões,
causando a fragmentação dos processos de integração.
No cenário mundial, pretensamente global e com discursos
diversos, onde se ressaltam temas universalizantes como os
direitos humanos e questões ambientais, esquecem-se
mecanismos que têm implicações muito mais perversas e que
costumeiramente são utilizados no âmbito desses outros. Temas
militares estão longe de perderem sua importância. Se estão com
ela diminuída em alguns campos da ciência, isso deve a opções
ideológicas e políticas, frente à atual realidade e relevância.
Pensar questões militares na atualidade não diz nada a respeito
do caráter e dos fins perversos com o qual elas já estiveram
relacionadas, e muito menos caráter antidemocrático que um dia
também já foi realidade na maior parte dos países da América do
Sul. Pelo contrário, a importância dessa temática deve ser
ressaltada no atual momento, necessitando de críticas quanto ao
seu emprego e sua importância para a geopolítica internacional,
sendo um assunto de extremo interesse para o futuro da região e
o seu desenvolvimento.
Em termos econômicos, o mercado mundial de defesa é um dos
mais expressivos em volume de dinheiro, garantindo a
sobrevivência de numerosas indústrias em países centrais ao
custo de vendas a países sem capacidade de fabricação desses
artefatos. No ano de 2011, segundo dados do Stockholm
International Peace Research Institute (SIPRI), esse mercado
atingiu 1,74 trilhões de dólares, onde somente os EUA, foram
responsáveis por 41% de todos esses gastos, aproximadamente
700 bilhões de dólares (GRÁFICO 1).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
45
Vinicius Modolo Teixeira
46
Gráfico 1: Despesas dos 10 maiores consumidores do mercado de defesa
em 2011. Fonte: STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH
INSTITUTE, 2011. Modificado por TEIXEIRA, 2013.
Na atualidade, pensar no estabelecimento de uma convivência
harmoniosa entre as nações, tal qual Kant propõe em sua paz
perpétua, significa congelar o atual sistema numa condição de
disparidade, com profundas assimetrias políticas, econômicas e
militares (GUIMARÃES, 2005). Conflitos recentes e intervenções
internacionais só ressaltam a importância de se discutir o tema de
defesa e, sobretudo, Cooperação em Defesa.
Os EUA não se manterão como potência econômica e militar de
grandeza insuperável. Mesmo que a ascensão da China e Europa
pareçam vacilar com previsões econômicas desfavoráveis na
dimensão militar, principalmente em relação ao primeiro, isso se
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
mostra bastante proeminente para alguns analistas. Nessa
primeira década do novo século, a China tornou-se uma ameaça
aos seus vizinhos marítimos, requisitando soberania sob vários
arquipélagos e passagens oceânicas.
A Rússia, que ainda se reestrutura economicamente para ascender
a patamares que foram ocupados pela antiga URSS, jamais perdeu
sua capacidade militar e ainda hoje, é a única a rivalizar com os
EUA em poderio nuclear. A Índia tem se mostrado sólida no
caminhar, com seus problemas internos ainda por resolver, mas
firme na sua ascensão mundial, também amparada por crescentes
investimentos em defesa.
Rússia, Índia e China, somados à África do Sul e Brasil formam
juntos os BRICS, sigla que virou referência aos países emergentes
com importância no sistema mundial. Desses países –
desconsiderando a África do Sul, que entrou para a sigla somente
recentemente e ainda assim sem consenso geral sobre sua
inclusão – o Brasil é o que menos investe no setor de Defesa. É o
mais fraco nesse ramo de desenvolvimento e mesmo com suas
perspectivas atuais de modernização, continuará distante dos
outros países da sigla, no qual se insere por critérios econômicos.
Também não é demais lembrar, que de todos eles – agora também
incluindo a África do Sul – o país foi o único a não possuir
armamento nuclear em sua história, assinando tratados que
teoricamente o impedem de prosseguir no desenvolvimento
desses artefatos. Está assim limitado em sua capacidade
estratégica.
Quando se analisa os investimentos em defesa por regiões, os
dados obtidos do SIPRI revelam que a América Latina – que aqui
tratamos unicamente de sua porção sul-americana – é uma das
regiões onde menos se investe em defesa, paralelamente à África e
Leste Europeu (GRÁFICO 2).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
47
Vinicius Modolo Teixeira
48
Gráfico 2: Gastos militares mundiais por regiões. Fonte: STOCKHOLM
INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE, 2011.
A formalização de acordos que envolvam a Cooperação em Defesa
cumprem assim, objetivos para que a estruturação de um Bloco
Econômico Regional possa avançar na sua institucionalização,
fomentando o desenvolvimento dos países signatários e
contribuindo para a superação da condição periférica da América
do Sul. A Cooperação em Defesa, além de neutralizar as ameaças
de confrontação entre os países sul-americanos, proveria
capacidade de resistência às pressões externas, possibilitando a
emergência da América do Sul como uma “região Geopolítica”,
como pensa Wanderley Messias da Costa, “isto é, uma entidade
política transnacional dotada de unidade mínima e arcabouço
institucional baseados em princípios e macro-objetivos comuns
nas relações internacionais” (COSTA, 2009, p.4).
Dessa maneira a América do Sul teria a capacidade de resistência
frente a pressões externas. Além disso, não compreendemos a
formação de um “bloco regional de poder” sem que haja a
formação de uma comunidade capaz de sustentar suas ambições
frente às ameaças e ingerências externas, o que nas palavras do
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
ex-ministro da defesa Nelson Jobim, seria a capacidade de “dizer
não” (GUIMARÃES, 2008), que para ele estaria sendo perseguida
pelo Brasil, e que poderíamos pensar como uma capacidade para
toda a região, caso o objetivo de avançar para uma comunidade de
defesa seja alcançado.
Em um cenário internacional, onde observamos o crescimento dos
investimentos em defesa, e no qual o Brasil busca se inserir,
pleiteando inclusive uma vaga no Conselho de Segurança da ONU,
isso só poderá ser realizado em conjunto com os outros países sulamericanos, tornando-os partícipes do processo. Aumentar os
investimentos em defesa no subcontinente, de maneira
colaborativa entre esses países, pode ser o caminho para o
sucesso da cooperação, ou ao menos, uma forma de minimizar
ameaças e as rivalidades internas.
O estudo da Cooperação em Defesa na América do Sul pode, assim,
aproximar o que foi mais marcante na história dos Estados do
subcontinente, o conflito e a cooperação, em um único ambiente e
prever as condições para a superação dessas relações oscilantes.
Diante desse quadro de incertezas e em circunstâncias
similares, o melhor caminho a escolher é o de evitar a
armadilha das dicotomias e conceber o sistema
internacional
atual
enquanto
uma
configuração
extremamente complexa, mutante e hierarquizada.
Significa vislumbrá-lo em sua natureza multidimensional
(para utilizar uma expressão de Raffestin), no qual se
encontram integrados às suas instituições e normas legais e
consuetudinárias de convivência, duas centenas de estados
que operam atualmente em um contexto de globalização
econômica acelerada. Reconhecer que nele também
gravitam e se posicionam inúmeras expressões e frações do
poder econômico, político e estratégico-militar. (COSTA,
2009, p.3)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
49
Vinicius Modolo Teixeira
50
Dessa forma, entendemos que a cooperação em defesa tende a
trazer ganhos políticos e a estabilidade para a América do Sul, um
entendimento necessário para a evolução da integração regional.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
2
A Cooperação em Defesa na América
do Sul: Uma perspectiva histórica
das aproximações e rivalidades e a
influência da Defesa nessas relações
Vinicius Modolo Teixeira
52
E
ste capítulo se estrutura a partir da premissa de que as
relações entre os países sul-americanos se desenvolveram
eminentemente sobre o viés dual da cooperação e da
rivalidade, da aproximação e da dissuasão. A história desses
estados revela fatos marcantes e indeléveis dessa situação, que
perdura até o presente, dissolvendo as estruturas que teriam por
interesse a condução de políticas integracionistas, num sistema
construção-desconstrução constantes. Dessa maneira, cabe-nos
apresentar pontos relevantes para a compreensão da América do
Sul como um espaço político envolto em situações que chegaram à
beira do colapso e agressão mútua, assim como, os projetos que
tinham o objetivo de lançar o subcontinente na construção de um
território desenvolvido e influente no sistema mundial.
Utilizamos como base para essa temática a obra de Moniz
Bandeira (2003), que tem justamente como tese a dinâmica de
conflitos e integração na América do Sul, auxiliado por outras
discussões de diversos autores, que situam no subcontinente sulamericano questões de conflito e cooperação em diferentes
épocas, buscando assim, levantar o histórico de propostas
regionais no sentido da integração e influência da rivalidade na
condução desses projetos.
Para tanto, foram eleitos cinco marcos históricos do século XIX e
XX na tentativa de demonstrar a importância das questões de
defesa no cenário sul-americano. Longe de esgotar o tema e na
tentativa de minimizar o risco da repetição de assuntos tão bem
trabalhados por outros autores, muitos dos quais nos ajudaram a
compor esse texto, buscamos identificar aqui questões levadas a
cabo no âmbito militar, que influenciaram sobremaneira as
relações entre vizinhos e, de maneira geral, o sistema sulamericano.
A construção da rivalidade que desencadeou inúmeros conflitos
passa assim, pela construção dos estados nacionais na América do
Sul pós-colonial, na qual a questão territorial é a chave para a
compreensão das contendas e das relações de cooperação.
Durante o século XX as intenções de aproximação, iniciadas pelo
Cone Sul, já identificavam as questões militares como um grande
problema a ser ultrapassado, para que se pudessem erigir
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
relações baseadas na confiança entre esses países. Porém, essas
intenções não foram levadas adiante, fato que permitiu o
retrocesso para hipóteses de conflito com o vizinho e, em alguns
casos, sua eclosão.
Esses vários conflitos desencadeados na América do Sul tiveram
papel importante para a formação de “alianças estratégicas” entre
os países que possuíam inimigos em comum, movimentando
tropas para as fronteiras e acordando apoio mútuo em caso de
agressão. Dessa forma, a cooperação militar atuou no sentido
contrário à integração regional, favorecendo a manutenção das
rivalidades, que em alguns casos persistem até hoje, dificultando a
construção de um sistema cooperativo no subcontinente.
2.1 A Rivalidade como Herança e a
Formação dos “Arcos Estratégicos”
A América do Sul inicia sua história com Estados independentes a
partir do século XIX, após a irrupção das Guerras Napoleônicas no
continente europeu propiciarem um momento incerto para a
continuidade das possessões de Portugal e Espanha na América.
Esse momento foi aproveitado pelas elites locais para lançarem as
bases dos futuros Estados Nacionais, trazendo à tona movimentos
que já se faziam sentir nas últimas décadas do século XVIII. No
entanto, com menor possibilidade de reação das forças imperiais,
principalmente com relação às possessões da Espanha, esse
momento é aproveitado pelas elites locais que iniciam uma longa
luta até sua total libertação das metrópoles. Já o Brasil, recebeu a
Família Real em suas terras, tornando-se assim sede da Coroa
Portuguesa. Dessa forma, além da posição do Brasil como sede, as
diferenças presentes nos projetos coloniais ibéricos acabaram
tornando-se decisivas para a posterior formação dos novos
Estados.
O processo de independência do Brasil, com participação da Corte
Portuguesa, logrou a manutenção de sua antiga colônia como um
único grande Estado, unindo uma grande massa territorial,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
53
Vinicius Modolo Teixeira
54
mesmo que essa fosse formada por diferentes regiões e
economias. Já a América espanhola não teve o mesmo destino,
esfacelando-se em uma porção de estados, como previa Simon
Bolívar em seus escritos sobre a clivagem da unidade espanhola,
previamente estabelecida pelo Império e, que iria dar origem a
outros estados menores. Porém, tanto o caso da descolonização do
Império Espanhol, como o caso Português, não são suficientes
para entender como se compuseram territorialmente os novos
estados.
Segundo Silveira (1992), Bolívar previa que a América Hispânica
se dividiria especificamente em 17 Estados, dada as condições e as
subdivisões estabelecidas pelo Império Espanhol durante a
ocupação da América. Esses números não se materializaram como
previa Bolívar, o que na proposição de Pimenta (2006), deveu-se a
não coincidência plena entre os países independentes e os
territórios coloniais americanos. Essa fragmentação da América
Hispânica em novos territórios independentes está ligada, além da
forma descentralizada de gestão do Reino Espanhol sobre seus
domínios na América do Sul, às características geográficas em que
se assentavam seus domínios na região, encontrando inúmeros
obstáculos naturais que, como observa Donghi (1975), são
compartimentos que acabaram favorecendo diferentes projetos
das elites locais.
Já em relação aos limites entre os dois Impérios Ibéricos na
América do Sul, estes estiveram em constante debate, permeados
por invasões, guerras e tratados ao longo de três séculos de
colonização. Com o esvaziamento dos dois Impérios, essa questão
não arrefeceu as lutas territoriais entre os novos Estados, ao
contrário, multiplicou-as a partir do número de novos territórios
independentes e das novas fronteiras que teriam de ser
demarcadas.
A região de maior atrito entre os dois impérios coloniais
estabeleceu-se próxima à foz do Rio da Prata, devido à disputa
pelo acesso a essa importante via de navegação ao interior do
continente e escoadouro da prata de Potosí. De um lugar
negligenciado por ambos os impérios no início da colonização,
onde não se encontravam as terras produtoras de açúcar e
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
extração do pau-brasil no caso português, e tampouco a
civilização, os tesouros e as minas do Peru e Caribe no caso
espanhol, essa região veio a se tornar alvo de grande atenção nos
séculos seguintes. Para o império português, a região sul do Brasil
significou uma área de constante tensão com o Império Espanhol,
muito bem representado pelo avanço e recuo da fronteira sulina e
os acordos firmados ao longo do século XVIII para seu
estabelecimento definitivo:
Mapa 1: Limites aproximados de tratados estabelecidos entre Portugal e Espanha
na Região Sul do Brasil. Fonte: TEIXEIRA; ANSELMO, 2012.
Essa movimentação na região sul levou à formação de uma área de
intenso contato entre os dois territórios, motivando novas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
55
Vinicius Modolo Teixeira
56
estratégias por parte de Portugal para assegurar sua posse e
alcançar seus interesses comerciais no Rio da Prata. A construção
de uma estrutura militarizada, com a participação de uma grande
parcela da população foi certamente central nesse plano, que além
de muito trabalhoso, não concretizou seu objetivo final de
assegurar o acesso à foz do Rio. Em compensação, na região
Amazônica, a “pacificação” dos indígenas e a identificação desses
com o Império Português, somado às fortificações dispersas por
esse território, conseguiram assegurar para o reino lusitano a
imensa região que hoje pertence ao Brasil, com a utilização de
poucos recursos, diferentemente do insucesso na Região Sul.
Dessa forma, a Região Sul se desenvolveu tendo íntima relação
com os conflitos com nossos vizinhos, moldando a dinâmica local
às estruturas ligadas a vida militar, seja através de grandes
construções fortificadas, ou da simbiose entre o soldado e o
camponês. Percebe-se que a figura do militar, seja ele de carreira
ou não, esteve presente no processo de formação territorial do Rio
Grande do Sul, dadas às circunstâncias com que se estabeleceram,
tendo sempre ao seu lado o espanhol, pronto para tomar as terras
(TEIXEIRA; ANSELMO, 2012).
Enquanto no Brasil os conflitos estiveram concentrados nessa
porção, o restante da América Hispânica foi responsável pela
maior parte das guerras após os processos de independência,
muitos dos quais se estenderam até o fim do século XX. Na
América do Sul, área de nossa pesquisa, os países de origem
hispânica se envolveram em diversas contendas, desde sua
independência até os dias atuais, fruto em sua maior parte, de
disputas territoriais e fronteiras não demarcadas, o que ainda é
uma questão importante quando se pensa na geopolítica sulamericana. Alguns desses conflitos, apesar de extintos, ainda
afastam vizinhos pela desconfiança e o ressentimento na perda de
tão importante fundamento da nacionalidade de seu país, como a
questão boliviana da saída para o mar.
Os centros administrativos estabelecidos pelo Império Espanhol,
segundo aponta Pimenta (2006), não se apresentaram como fator
aglutinante e tão pouco explicativo para o estabelecimento dos
estados nacionais que nasceram da retirada hispânica da América,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
apesar desses centros terem criado significados e alguns deles
terem se tornado capitais ou importantes cidades nos Estados
independentes. Ainda segundo esse autor, nenhuma dessas novas
unidades ao serem analisadas, representou uma unidade única ao
longo da regência pelo poder ibérico, donde se pode apreender
que nenhuma delas possuía um passado territorial
completamente definido a que se pudesse remeter, legitimando
assim a criação desse um novo Estado nação, territorial e
historicamente delimitado.
Já os conflitos, esses sim, bastante marcantes para a nascente
historiografia dos novos países, e também necessários no
arcabouço de sua criação devido à necessidade de formar um
passado heróico, emergem como bastiões firmes que serão
lembrados em momentos de incerteza, como forma de aglutinar
interesses diversos, formados por uma comunidade heterogênea e
com projetos diferentes para o mesmo território:
Área de conflitos duradouros, de intercâmbio e atividade
comercial, portanto de interligação entre os que nela
habitavam ou praticavam seus ofícios: tal o Rio da Prata nos
quadros do sistema colonial. Nela se observam a formação
de interesses que transcendiam as fronteiras imperiais que,
com a transformação dos eixos articuladores da política do
Antigo Regime, revela toda a sua heterogeneidade,
problema de fato para os projetos políticos (fossem
monárquicos, fossem republicanos) que pretendiam a
manutenção das partes até então integrantes dos impérios.
Afinal, surgiram outras alternativas, incompatíveis com
esta, e, nas lutas políticas que se seguiram, o passado dos
conflitos emergiu como suposta herança, reivindicada em
momentos em que a recorrência a uma tradição poderia
contribuir para o sucesso desta ou daquela parte.
(PIMENTA, 2006, p.60)
Dessa forma geral, a visão geral latino-americana de um país
ligado ao seu recorte territorial explica, para nós, as sucessivas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
57
Vinicius Modolo Teixeira
58
disputas que desencadearam os vários conflitos ao longo da
história desse continente, os quais, em sua maioria, motivados
pela demarcação de fronteiras, perdas territoriais ou conquista de
um espaço pertencente aos habitantes de um determinado país. O
uso de um agente externo, ligado à integridade territorial do
Estado, foi por diversas vezes utilizado na política interna como
engodo para problemas socioeconômicos, com relativo sucesso no
seu intento. Sendo assim, a formação territorial sul-americana, de
origem colonial, e continuada pelos seus descendentes, é base de
entendimento para a atualidade de problemas geopolíticos
importantes do atual território e fundamentais para sua análise.
Enfim, a dimensão territorial recorta importante campo de
condicionamento para a explicação das formações sociais
latino-americanas. Por isso, o exame dos processos
singulares de formação de cada território que compõem o
espaço do subcontinente revela-se caminho importante de
investigação para os que buscam interpretar este singular
capítulo da estruturação da economia-mundo capitalista.
(MORAES, 2000, p. 286)
Uma das primeiras contendas a eclodir entre esses novos estados
ocorreu no Cone Sul, a tradicional área de litígio entre os impérios
coloniais. A Guerra da Cisplatina foi desencadeada pela disputa da
província homônima, alvo de luta entre Argentina e Brasil nos
anos de 1825 a 1828, já que os habitantes da região não se
sentiam integrantes do Império brasileiro, que havia anexado a
Província, por possuírem língua e culturas diferentes. A Argentina,
buscando expandir seu território com a incorporação da área, deu
apoio ao movimento litigioso entrando em confronto com o Brasil.
Esse conflito teve fim com a arbitragem da Inglaterra, julgando
que a Província de Cisplatina não pertencia a nenhum dos dois
países, e, através do Tratado de Montevidéu, concedeu
independência ao Uruguai, favorecendo o interesse inglês, com
ambições no comércio da região.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
No conflito contra Oribe e Rosas (mandatários de Uruguai e
Argentina respectivamente), entre 1851 e 1852, a luta pela
hegemonia no Prata colocou novamente Brasil e Argentina em
lados opostos. O Brasil sentia-se ameaçado com a influência
argentina no Uruguai, temendo pelo surgimento de um Estado que
englobasse as antigas terras do Vice-Reinado do Prata, o que
ameaçaria o Rio Grande do Sul que também já fora parte desse
território espanhol e por ter ainda o litígio não resolvido pela
região das missões, porção estratégica desse território. A vitória
da aliança entre Brasil e Paraguai garantiu a estabilidade no sul do
Brasil a partir da manutenção de Uruguai e Paraguai como países
independentes. No entanto, a situação de aliança entre Brasil e
Paraguai não persistiu por muito tempo, tornando-se belicosa já
na década seguinte.
O que se viu foi o desenvolvimento do maior conflito que envolveu
os países da Bacia do Prata, a Guerra do Paraguai (1865-1870),
tendo Argentina, Brasil e Uruguai formado a Tríplice Aliança para
combater o país vizinho. A Guerra que figura na historiografia
militar brasileira com diversas passagens de demonstração de
coragem e bravura, foi a mais sangrenta e danosa ocorrida na
América do Sul, consumindo recursos humanos e materiais dos
três aliados e deixando o Paraguai em condição de penúria após o
findar das batalhas. A participação dos três aliados foi financiada
em grande parte por capital inglês, revelando a deficiência do
Império brasileiro em mobilizar suas forças para defender os
territórios invadidos e a falta de organização de seu exército, que
teve que contar com grande quantidade de escravos na condição
de civis, para ir à luta.
O resultado final foi uma extensa destruição do que antes poderia
ser considerado um país próspero e o endividamento dos aliados.
As despesas brasileiras durante o conflito foram muito maiores do
que a arrecadação de impostos do período, com seus gastos se
concentrando principalmente na compra de armas e no transporte
de homens até a frente de batalha. Já na Argentina, partes dos
empréstimos contraídos financiaram alguns setores que ajudaram
o país platino a obter melhores condições econômicas durante
algumas décadas, condições essas, no entanto, sempre atreladas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
59
Vinicius Modolo Teixeira
60
ao capital inglês, que comandava as operações de crédito no
mundo.
Além da clivagem do território espanhol, outro fator diferenciador
e que orientou as políticas sul-americanas no século XIX, foi o fato
de que esses novos estados de origem hispânica tivessem outras
formas de governo – em geral de modelo republicano –, ao
contrário do Brasil, que mantinha a monarquia no poder. Esse
fator alimentava as tensões entre o Brasil e os seus vizinhos, que
acreditavam em um expansionismo brasileiro sobre seus
territórios demarcados. Esse receio sobre as intenções
imperialistas ampliava o discurso antibrasileiro e fomentava
reações, como a da Argentina que por seu turno, tencionava a
união com Paraguai e Uruguai como forma de se contrapor ao
Brasil, revivendo o antigo Vice-Reino do Prata (MONIZ BANDEIRA,
2003).
Na vertente oeste, a Guerra do Pacífico, ocorrida entre 1879 e
1883, levou à batalha Chile, Peru e Bolívia pela posse das áreas
ricas em salitre e guano desses dois últimos. Essas importantes
reservas minerais, que serviam como fertilizantes, eram
exploradas por empresas chilenas, financiadas por bancos
ingleses, dentro dos territórios dos vizinhos. Quando esses dois
países tentaram nacionalizar a produção mineral nesses
territórios devido à crise econômica que presenciavam, o Chile
questionou tal decisão militarmente, invadindo as zonas
produtoras na Bolívia, o que levou esse país a invocar a aliança
secreta que era mantida com o Peru desde 1873, justamente para
contrapor-se ao vizinho (SANTOS, 2002).
A formação dessa cooperação bilateral, associada ao capital
predatório inglês orientando as ações chilenas, acabou sendo o
mote dessa Guerra.
Com uma situação econômica melhor, o Chile não teve muitas
dificuldades em dominar esses territórios, conseguindo se
sobressair tanto nas campanhas terrestres, quanto na campanha
naval contra os dois inimigos. A Argentina que nessa época
mantinha com o Chile uma disputa pelas terras da Patagônia foi
incitada a combater esse país, porém não se movimentou nesse
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
sentido por temer uma ação do Brasil, o que certamente alteraria
os rumos do conflito para o lado boliviano-peruano. Com a derrota
de Peru e Bolívia, os dois Estados perderam importantes reservas
minerais. Porém, para a Bolívia, isso significou também a perda de
sua saída soberana para o mar, relegando-a a uma condição
mediterrânea que ainda hoje é problemática para as relações com
o Chile. No caso peruano, permanece ativa a disputa pelos limites
marítimos, tendo causado nos últimos anos alguns incidentes
diplomáticos sérios (PIERI, 2011).
A vitória militar chilena contra os dois vizinhos do norte, mostrouse extremamente limitada em seus ganhos, já que o fruto da
disputa – as reservas de salitre do Atacama –, como observa
Santos (2002), recaíram todas sobre a mão do capital inglês, país
que incitara a decisão militar da contenda e, que mantinha as
empresas de exploração mineral na área. Cabe destacar que a
influência externa na vida política e nas relações com os vizinhos é
uma constante na história dos países sul-americanos, não só
através de governos de países como a Inglaterra, mas através de
suas empresas, que se apropriaram das “novas riquezas” sulamericanas, tal como os impérios ibéricos dos recursos
entesourados no subcontinente, porém, agora, com o
consentimento das elites desses novos Estados.
Em boa parte do século XIX e XX, Brasil e Argentina se colocaram
como os dois mais prósperos países dentro do contexto sulamericano e, com suas ações, sempre objetivaram tomar a
dianteira no continente. A disputa pela hegemonia dentro da
América do Sul levou os dois países a agirem no sentido de anular
as ações um do outro, de forma que quando um se sobressaía,
aquele que estava atrás na corrida lançava mão de algum trunfo
para que ao menos se igualassem as forças. A visão de uma guerra
no futuro era algo certo, tanto que em 1882, o general Julio A.
Roca, então presidente da Argentina julgara-a como “inevitável”,
uma “guerra fatal” (MONIZ BANDEIRA, 2003).
Essas disputas, originadas no período colonial e transplantadas
para os novos Estados, eram peças chave para a reafirmação de
questões nacionais, justificativas para as estratégias de Argentina,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
61
Vinicius Modolo Teixeira
62
Paraguai, Chile, Brasil etc, invocando o território como o símbolo
maior da nação fundada sobre a união de povos distintos.
A última disputa fronteiriça entre Brasil e Argentina se deu pela
posse do Território das Missões. O questionamento argentino foi
levado à arbitragem internacional, tendo sido escolhido como
mediador o presidente estadunidense Glover Cleveland. O Barão
do Rio Branco, após a morte de Aguiar de Andrada, chefiou a
defesa brasileira em Washington, conseguindo reunir grande
quantidade de documentos e mapas que substanciavam o
argumento brasileiro, o que levou a decisão favorável ao país,
tomada em 1895. Se a Argentina conseguisse ter parecer
favorável, formaria com seu novo território uma “cunha” sobre os
estados sulinos, o que se tornaria certamente um grande
problema para o Brasil. Essa disputa encerrou definitivamente a
questão de limites entre os dois Estados, iniciada pelos Impérios
Ibéricos e motivo de diversas guerras entre eles, restando, no
entanto, o ressentimento argentino, por mais uma parcela perdida
de seu território.
As percepções dos vizinhos como inimigos fomentavam por essa
época um intenso aparelhamento das forças armadas dos países
do Cone Sul, muito bem aproveitada por empresas estrangeiras,
ávidas em se beneficiar da disputa:
E embora nem a Argentina nem o Brasil pretendessem,
efetivamente, deflagrar a guerra por causa das Missões, a
corrida armamentista continuou, fomentada, em larga
medida, pelas indústrias de material bélico da Alemanha, e
a Schneider-Creusot da França, que competiam pelos
mercados da América Latina. (MONIZ BANDEIRA, 2003,
p.55)
A situação na América do Sul, na última década do século XIX
podia ser entendida como aponta Moniz Bandeira (2003), como
um “tabuleiro de xadrez”, no qual nenhum país poderia mover
livremente uma peça contra outro, sem sofrer um contra ataque
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
pela retaguarda. Essa situação de “intercalamento” das rivalidades
entre os países congelava as tensões, de certa maneira impedindo
a guerra, mas, mantendo ativa a rivalidade. Para alguns países, o
estabelecimento dessas “íntimas inteligências”, segundo o autor,
era essencial para o desenvolvimento de sua política externa. O
Chile, caso o Brasil estabelecesse algum acordo de cooperação
com a Argentina, ou simplesmente se desanuviassem as hipóteses
de conflito entre eles, ficaria isolado, não tendo aliados imediatos
para o enfrentamento dos contenciosos com seus vizinhos.
A Argentina sempre temera que o Brasil a atacasse por
causa das missões, caso ela se envolvesse em guerra com o
Chile. O Chile também evitava o confronto com a Argentina,
porquanto o Peru e a Bolívia poderiam intervir, a fim de
tentarem retomar Tacna e Arica. E o Peru, por sua vez,
receava que o Brasil o acometesse, através da Amazônia,
aproveitanto-se de qualquer outro conflito que se
desencadeasse com o Chile. Em tais circunstâncias,
portanto, os entendimentos entre o Brasil e a Argentina
acarretariam, naturalmente, profundas mudanças no
equilíbrio geopolítico do Cone Sul, com imensa
desvantagem para o Chile. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p. 6061)
Nesse cenário, ao qual podemos somar também os
questionamentos mantidos entre Equador e Peru por uma área,
que somada, resultaria o dobro do território equatoriano atual,
completava uma situação que configurava um sincronismo entre
as rivalidades, inviabilazando tanto as contendas, como também o
fim das ameaças ao sul da linha hemisférica. Para Santos (2002),
essa configuração de possíveis entendimentos estratégicos era
tida como um “caleidoscópio de alianças”, no qual, somente se
confirmaria a entente entre Peru e Bolívia que mantinham um
tratado secreto desde 1873, invocado contra o Chile.
Dessa maneira, a América do Sul internalizava dispustas
distribuídas de tal forma que não propiciariam uma solução fácil,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
63
Vinicius Modolo Teixeira
64
já que estavam ligadas não só por rivalidades históricas, mas
também, pelo caráter estratégico atribuído a elas pelos países.
Essas alianças formavam “arcos estratégicos”, já que os prováveis
aliados eram países que não mantinham fronteiras em comum
(Figura 1). Assim, a paz entre dois contendores ameaçaria a
segurança dos demais, arriscando desencadear um conflito
preventivo por alguma das partes que perderia o aliado, já que
não contaria mais com parceiros imediatos.
Figura 1: “Arcos estratégicos” - Prováveis conflitos e alianças na América
do Sul na década de 1890, com base em Moniz Bandeira (2003). Org:
TEIXEIRA, 2013.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Assim, o bojo da América do Sul concentrava laços bilaterais
baseados em princípios de cooperação em Defesa com vistas a
dissuasão de vizinhos, o que só aumentava a desagregação
continental, tornando-os sucetíveis à influências externas. Esses
princípios, visualizados ali basicamente como um amparo mútuo
em torno de inimigos comuns, acabaram nutrindo o sentimentos
de rivalidade, sedimentando essas ideias no imaginário regional.
Essa situação iria se arrastar pelas décadas seguintes,
influenciando as estratégias locais e as intenções de cooperação,
como veremos adiante.
2.2 O Período Rio Branco e as Primeiras
Intenções em Cooperação Em Defesa
A trajetória do Barão do Rio Branco como Chanceler, entre 1902 e
1912, logrou demarcar definitivamente as fronteiras do Brasil tal
qual as conhecemos atualmente. Sua gestão contornou problemas
com os países vizinhos, buscando soluções de forma conciliatória,
no intuito de tirar o país do isolamento em que se encontrava na
América do Sul, a essa época.
Certamente a disputa mais emblemática de sua carreira, e pela
qual é comumente lembrado, é a Questão Acreana, solucionada
junto à Bolívia, em 1903, pelo Tratado de Petrópolis. O território
do Acre foi adquirido em troca de conscessões ferroviárias,
indenizações e territórios no Mato Grosso, como compensação à
perda territorial boliviana. A Questão Acreana que já perdurava
desde o fim do século XIX, havia se tornado um imbróglio, no qual
além do Brasil e Bolívia, estavam envolvidos interesses dos
Estados Unidos e da Inglaterra, com volumosos investimentos por
parte destes sobre essas terras e seus seringais, importantíssimos
à época para a produção mundial de borracha.
Após a dissolução dos problemas fronteiriços com a Bolívia, a
gestão de Rio Branco viria ainda a fixar os limites com o Suriname
em 1906, com a Colômbia em 1907, com o Uruguai em 1908 –
A Cooperação em Defesa na América do Sul
65
Vinicius Modolo Teixeira
66
nesse caso cedendo parte do territótio, a Lagoa Mirim – e com o
Peru em 1909, marcando assim, o fim de pendências fronteiriças
com nossos vizinhos de uma vez por todas.
A partir desse momento o Brasil não mais se envolveu em
disputas oficiais em torno de questões que diziam repeito os
limites em qualquer ponto do território, fechando o longo ciclo de
conquista e expansão territorial iniciado na colonização.
Entretanto, isso não significou aproximação com os vizinhos
amazônicos, já que o Brasil manteve a atenção política e o
comércio eminentemente orientados para o Atlântico e,
diplomaticamente para o Cone Sul, em questões com a Argentina.
Apesar da orientação de Rio Branco para a manutenção da
prosperidade e estabilidade política dos países sul-americanos, a
rivalidade concentrada no Cone Sul atingiu limites preocupantes
na década de 1910, quando os três países, Brasil, Argentina e
Chile, se envolveram numa escalada de compras militares
(DORATIOTO, 2000). Essas compras, principalmente destinadas
às suas marinhas de guerra, se desenvolveram sempre com a
suspeita de que a aquisição de novas unidades por parte do
vizinho pudesse significar um conflito. A busca pelo equilíbrio de
poder entre essas marinhas era notória, sendo que sempre que
algum desses países encomendava um ou mais navios de guerra à
Europa, o outro o seguia tentando manter as forças equiparadas.
Essa questão de “paridade naval” e a compra de material para
equipar os seus exércitos eram também exploradas pelos países
europeus e os Estados Unidos, os fornecedores dos armamentos,
que ameaçavam os países sul-americanos com o corte de
empréstimos ou retirada de investimentos, caso os contratos de
compra não fossem acertados com os países que forneciam o
crédito. Esses países vendedores usavam também outros artifícios
como forma de convencimento das autoridades locais para que
seguissem com as encomendas, como subornos e “presentes” para
facilitar a realização dos negócios (MARTINS FILHO, 2010).
Havia na Europa, nesse período, uma intensa disputa entre os
grandes fabricantes de armamento, entre as quais destacamos a
Krupp da Alemanha, Vickers e Armstrong da Grã-Bretanha e
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Creusot da França. Buscando expandir seus lucros já bastante altos
com vendas de navios para o exterior, essas empresas ampliaram
seus campos de atuação, tornando-se verdadeiros impérios
industriais, contando também com grande visibilidade social e
política, já que algumas eram donas de jornais em grandes centros
da época e, seus donos vinham se transformando em verdadeiras
figuras mitológicas, como aponta Martins Filho (2010). Nessa
competição, porém, não se usavam métodos usuais, já que eram
comuns os subornos a pessoas de influência nos países a que essas
empresas “desejavam equipar” com seus navios e canhões,
recebendo-os em seus castelos com presentes de alto valor, como
aponta o autor.
Nesse jogo alguns acertos entre essas empresas eram feitos para
ampliar suas vendas, já que era mais interessante manter os
preços altos e dividir as encomendas em sistema de sorteio –
excluindo os países as quais pertenciam – do que entrar em
disputas que as levariam ao rebaixamento da margem de lucro:
Seguiam-se arranjos mais permanentes, com o fim de
atender os mercados externos, que tomaram o formato de
uma série de alianças ad hoc para a fixação de preços dos
contratos com o exterior. Já mencionamos que tais acordos
constituíram um mecanismo destinado a não permitir que a
concorrência entre duas grandes empresas baixasse suas
margens de lucro, num esquema que fortalecia a posição da
indústria britânica diante de seus concorrentes
estrangeiros. (MARTINS FILHO, 2010, p. 122)
No cenário sul-americano e, no tocante ao poder naval, o Brasil se
colocava nessa época atrás dos dois outros vizinhos, não tendo
renovado sua frota, enquanto que a dos demais crescia
vertiginosamente em tamanho. Segundo Moniz Bandeira (2003),
entre 1875 e 1900 a esquadra argentina saltou de 6.114 toneladas
para 94.891 toneladas em uma espantosa evolução de seu poderio
militar. Entretanto, as compras do país portenho não visavam
diretamente o Brasil, e sim, a disputa com maior risco de eclosão
A Cooperação em Defesa na América do Sul
67
Vinicius Modolo Teixeira
68
que nesse momento envolvia o Chile, sendo o mote mais uma vez
as questões relativas às demarcações fronteiriças, resquícios do
processo de formação desses Estados. Com essas questões em
aberto, corria-se o risco de que uma disputa deflagrada
extravasasse o Cone Sul envolvendo outros países, ainda
presentes no “tabuleiro de xadrez”. Dessa forma, recaiu sobre as
marinhas de guerra de Brasil, Argentina e Chile, o símbolo da
rivalidade entre eles por essa época:
E o presidente Roca, em 1900, advertiu que “a compra de
um navio pelo Chile seguir-se-á, qualquer que seja o
sacrifício, a compra de dois para a Argentina”. O Chile,
porém, aumentou ainda a sua esquadra com mais dois
destroyers, comprou o cruzador Armstrong e negociou a
venda de um encouraçado ao Equador, bem como outros
armamentos, para que, a pretexto de reivindicar territórios,
ele invadisse a fronteira do Peru, caso este país, juntamente
com a Bolívia, interviesse no conflito com a Argentina, a
aproveitar a situação com o objetivo de reconquistar Tacna
e Arica. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p. 63)
Nessa situação calamitosa para os orçamentos já bastante
limitados, os dois países assinaram em 1902, respectivamente em
Santiago e em Buenos Aires, o que ficou conhecido como de “os
Pactos de Mayo”, que segundo aponta Doratioto (2000),
congelavam as compras navais de ambos, numa tentativa de
arrefecer os ânimos e poupar os recursos que eram sugados pelo
clima de tensão que se instaurara.
O Brasil, ainda estando em desvantagem técnica e numérica frente
aos outros dois e prevendo a possibilidade de um cenário belicoso
à frente, apresentou em 1904, através do ministro da Marinha,
Júlio de Noronha, um ambicioso plano de rearmamento da
esquadra, que deveria elevar o poderio da Marinha Brasileira em
condições próximas das de uma potência europeia, ou até mesmo
superiores a elas, como veremos adiante.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Os planos elaborados por Júlio de Noronha, e aprovados pelo
Congresso Nacional, propunham a aquisição de uma variado leque
de navios (Ver quadro 1), suficiente para se equiparar aos
vizinhos do Cone Sul, no entanto, não foi seguido de maneira
planejada, sendo reelaborado em 1906 pelo Almirante
Alexandrino de Alencar.
Quadro 1: Navios previstos no plano de 1904. Org. TEIXEIRA, V. M. 2013
O novo plano de modernização da armada brasileira passou a ter
fulcro nos três grandes encouraçados que faziam parte desse
plano, porém, com maior tonelagem e outras modificações que
visavam dar maior poder de fogo a esses navios, transformandoos no símbolo da chamada “Esquadra de 1910”. Assim, essas
seriam até então, as naves de guerra com maior capacidade de
combate adquirida por um país da América do Sul.
Os motivos que levaram à revisão do plano e concentração da
atenção nesses navios deveram-se, fundamentalmente, à batalha
ocorrida no ano anterior nas águas do Pacífico, colocando em
xeque a validade das táticas e equipamentos até então utilizados.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
69
Vinicius Modolo Teixeira
70
Tal fato, ocorrido na Guerra entre Japão e Rússia, levou à derrota
da armada desta última, na Batalha do Estreito de Tsushima,
mostrando pela primeira vez o papel decisivo dos encouraçados
no campo de batalha e, inaugurando o início de uma nova era na
construção dessas belonaves, um verdadeiro marco na estratégia
naval. Isso demonstra a sintonia da Marinha brasileira com o que
ocorria no mundo nesse momento, vislumbrando suas
necessidades navais como as de um país central, ao se preparar
para um possível conflito com o que havia de mais moderno nos
estaleiros nessa época.
Os novos conceitos de construção advindos dos ensinamentos do
enfrentamento entre Japão e Rússia, foram absorvidos pela
indústria naval ocidental e materializados em um novo tipo navio
que passou a ser sinônimo do poder naval dessa era, o HMS
Dreadnought. Esse navio moldou os paradigmas a serem adotados
por todos os futuros projetos de grandes navios de combate,
transformando o nome Dreadnought em uma referência para
navios que fossem contemplados por essas novas soluções
técnicas e, principalmente, no tocante aos arranjos dos
armamentos.
Seguindo essa nova orientação, o plano de modernização de 1906
incluiu como sua pedra angular três desses poderosos navios,
transformando assim a Marinha do Brasil em uma das primeiras a
adotar o novo modelo de navio. Dadas às características
encomendadas, seria um dos mais poderosos navios já
construídos até aquele momento, o que colocaria a Marinha do
Brasil na vanguarda não só na América do Sul, mas do mundo.
Essa situação sui generis experimentada pelo Brasil, não ocorreu
sem que houvesse muita discussão a respeito da necessidade de
tais navios e sobre os reais fins dessas peças, que, ao mesmo
tempo eram tão valiosas do ponto de vista militar, como também
dispendiosas do ponto de vista econômico.
A importância de tal aquisição pelo Brasil merece ser mais
detalhada, já que tal fato alteraria a balança de poder não só na
região, mas também em outras partes do globo. A imprensa
internacional questionava se tais navios seriam mesmo
incorporados pelo Brasil ou se o país fazia parte de algum plano
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
secreto para despistar inimigos de alguma das potências de então.
Em uma extensa pesquisa sobre esse período vivenciado pela
Marinha do Brasil, João Roberto Martins Filho aponta para uma
matéria publicada pela imprensa da época, que ilustrava
justamente a desconfiança mundial quanto ao destino das
embarcações brasileiras:
A mais longa peça dedicada a nosso programa naval foi
publicada em agosto de 1908 na revista The Nineteenh
Century and After. Segundo a matéria, as características
tecnológicas dos navios provocaram reação semelhante a
um pânico naval de primeira grandeza, e a idéia de que
poderiam ser destinados a outra potência não era absurda.
Afinal, “os navios brasileiros, até onde se pode dizer pelos
sinais exteriores de potência estrutural, igualam os padrões
de qualquer Marinha do mundo”. Em vista disso, o artigo
considerava três hipóteses de venda. Cada uma delas teria
reflexos específicos sobre três blocos de rivalidades
regionais: Japão x EUA; Alemanha x Grã-Bretanha e Itália x
Áustria-Hungria. Em qualquer dos casos uma transferência
provocaria efeitos não desprezíveis sobre o equilíbrio
mundial. “Esses dreadnoughts brasileiros são, portanto, de
importância nova e terrível”, concluía o artigo. (MARTINS
FILHO, 2010, p.149-150)
O equilíbrio de poder na Europa, símbolo na qual se espelhava a
América do Sul para a supressão de suas contendas através da
mútua dissuasão poderia, assim, ser quebrado com o envio dessas
peças navais a um dos lados das rivalidades continentais postadas
no velho mundo. Na América do Sul, a compra dessas unidades
pelo Brasil causava o estremecimento inconteste da balança de
poder no Cone Sul.
Ainda que se mantivessem as dúvidas sobre as aquisições
brasileiras, elas realmente se efetivaram, recebendo a partir de
1910 dois dos planejados navios, o Minas Geraes e o São Paulo. O
recebimento do terceiro e maior dos navios, o Rio de Janeiro,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
71
Vinicius Modolo Teixeira
72
enfrentou uma série de problemas, com a falta de verbas e
tentativas de alteração de seu projeto, paralisando sua construção
por duas vezes até ser vendido à Turquia por falta de recursos
para sua conclusão e que a ela não seria entregue, sendo
confiscado pelos britânicos quando do início da Primeira Guerra
Mundial, um dia antes de ser entregue ao Império Otomano.
Mesmo não tendo concretizado os planos iniciais para o
rearmamento, com todos os navios planejados, os dois que foram
incorporados acabaram por elevar a tensão regional, pelo temor
da Argentina de que esses navios fossem usados contra sua
esquadra, que seria indefesa contra a nova arma, assim como para
o Brasil, que antes de recebê-los temeu ser atacado
preventivamente.
O clima predominante em Buenos Aires era de que a
modernização naval brasileira tinha fins hostis à Argentina.
Como resposta, para permitir a seu país fortalecer a
Marinha de Guerra, Zeballos denunciou o Pacto de
Equivalencia Naval, assinado com o Chile em 1902. Por esse
acordo, com validade de cinco anos, estipulou-se, para pôr
fim à corrida armamentista entre os dois países, a limitação
do armamento naval; a desativação de algumas unidades e
a renúncia à compra de outras. Em fins de 1908, quando
Zeballos já não mais era Chanceler, o Congresso argentino
promulgou uma nova lei de armamentos, permitindo ao
país modernizar-se militarmente. (DORATIOTO, 2000, p.
139)
Mesmo com toda a capacidade bélica alcançada na aquisição
desses “navios da discórdia” a estrutura militar da Marinha
Brasileira, que passara por um surto modernizante de relevância
mundial, retornou a uma condição precária, revelando uma
estrutura deficiente e pautada pelo imediatismo de compras
externas, sem relevar as reais necessidades operacionais e os
gastos que seriam necessárias para uma armada do tamanho que
havia se pleiteado. Os dois navios em operação logo foram
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
superados por projetos em andamento nos países europeus,
praticamente encerrando sua carreira durante a Segunda Guerra,
como baterias costeiras em portos do nordeste, já sem poder se
locomover e representar valor militar para então.
[...] O material humano existente na força marítima
brasileira estava aquém do equipamento adquirido, e a
dependência exterior para manutenção e reparos dos
navios tornou o poder naval nacional menor do que se
esperava. A esquadra de 1910, bem pouco tempo após sua
chegada, já não podia rivalizar com outras dotadas de
navios mais modernos, até mesmo na própria região. Após
alguns anos e ela já estava ultrapassada, tendo de ficar
grande parte do tempo parada em estaleiros para reforma
de algumas importantes unidades. [...] (ALVES, 2005, p.4-5)
A despeito da ameaça estratégica que o armamento de um vizinho
representava, alguns setores da sociedade argentina reconheciam
e denunciavam a ação de “agitadores” de opinião, tentando
envolver o país contra o Brasil, servindo a interesses de grupos
que lucrariam com as encomendas de armamento da Argentina
(DORATIORO, 2000). Mais uma vez nota-se a utilização dos meios
não “usuais” pelas empresas estrangeiras para conseguir
encomendas junto aos países em dissonância.
A influência estrangeira na rivalidade argentino-brasileira
também merece ser destacada, pois essa disputa beneficiaria a
vários grupos e países. Na América do Sul, Paraguai e Bolívia,
países “mediterrâneos” e com economias baseadas em exportação
de produtos primários e dependentes de saídas para o mar,
moviam-se pendularmente entre Brasil e Argentina, como forma
de conseguir benefícios econômicos e garantir certa
independência em suas ações, alternando com o tempo a
influência de cada um dos vizinhos em sua política interna.
Alguns países europeus, além dos Estados Unidos, também tinham
interesse em manter a “rivalidade” (MONIZ BANDEIRA, 2003), já
A Cooperação em Defesa na América do Sul
73
Vinicius Modolo Teixeira
74
que os fabricantes de armas possuíam importante papel nesse
sentido. Alemanha e França foram grandes exportadores de
armamento para Brasil e Argentina, e mantiveram acesa a
discórdia para que novas encomendas se realizassem. Já a
Inglaterra, financiava com grandes empréstimos a compra de
parte do armamento e era a fornecedora preferencial de suas
marinhas, assim como tinha um mercado garantido para seus
produtos industrializados.
Os Estados Unidos tinham um interesse particular em manter
separados os dois maiores países da América do Sul, já que, uma
aproximação entre eles afetaria a sua crescente influência na
região e poderia contrapor, de certa forma, seu poderio
econômico e militar. Sobre uma encomenda de armamentos
efetuada nesse período pela Argentina Moniz Bandeira (2003)
mostra com clareza essa situação:
[...] A Grã-Bretanha receberia a maior parte das
encomendas navais e a Alemanha, o fornecimento da
artilharia e dos fuzis. A França, que reclamava parcela das
encomendas para a construção de contratorpedeiros,
sentiu-se assim prejudicada, pois o dinheiro que ela
emprestava serviria para a compra de canhões alemães, e
os EUA fizeram pressão, ameaçando cortar vantagens
comerciais da Argentina, se não recebessem algumas
encomendas. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.123).
Para esses países a guerra entre Argentina e Brasil sempre se
apresentou como uma opção pouco vantajosa, já que a hipótese de
um conflito armado entre os dois países envolveria toda a região
na disputa, prejudicando os negócios estrangeiros e impedindo-os
de honrar suas dívidas. Essa exportação de capitais, atrelada à
contratação de encomendas nos países de origem do empréstimo,
principalmente para Brasil e Argentina, foi mencionada por
Lenine (2008) como mais uma ação de países imperialistas como
Alemanha e Inglaterra para beneficiar-se dos mercados desses
países e como instrumento de partilha do mundo. Nessas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
condições a “rivalidade”, sem que se chegasse às vias de fato,
sempre foi benéfica a interesses outros que não os de Brasil e
Argentina.
Nesse ínterim que incitava as nações vizinhas a se envolverem em
disputas fratricidas – mas sem nunca chegar a elas – os três países,
Argentina, Brasil e Chile, tencionaram uma proposta de aliança
política em 1909, que seria segundo Doratioto (2000) um “tratado
de cordial inteligência”, com origem na diplomacia chilena e com
apoio de Rio Branco. Essa proposta não obteve sucesso, sendo
esquecida ainda em 1909, entretanto, foi o preâmbulo de outra
proposta que se tornaria um símbolo para a cooperação no Cone
Sul.
Na visão de Rio Branco, “se conseguirmos firmar o ABC nas bases
desse tratado teremos assegurada para sempre a paz na América
do Sul” (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.129). Dessa forma essa
proposta, em princípio, pode ser considerada como uma das
primeiras iniciativas de cooperação em defesa entre esses países,
pautados por um realismo político frente a sua posição no sistema
mundial e de como a concorrência entre eles os levaria a sua
constante “inanição” econômica e política. Isso leva a
compreensão de que, apesar da rivalidade e desconfianças sempre
reinantes, os políticos dos três países, Argentina, Brasil e Chile,
sabiam que uma coordenação entre eles poderia resultar em
grande salto para o desenvolvimento e integração do continente,
rompendo com a rapina externa e fortalecendo-os perante o
restante do mundo. Esse entendimento levaria também a um
bloqueio sobre quaisquer influências negativa proveniente da
Europa e EUA, com vistas a manter separados os vizinhos.
Na Argentina, com a eleição de Roque Sáenz Peña para presidente,
a ideia de aproximação com o Brasil ganhou força, com propostas
que visavam reduzir a força das questões militares entre eles,
como envolvendo a paridade naval. Como parte constante para os
entendimentos, havia inclusive a ideia de troca de informações
sobre suas unidades navais, propiciando assim a segurança nas
relações bilaterais como prova de confiança mútua, porém, sem
esquecer-se da parte comercial:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
75
Vinicius Modolo Teixeira
76
Algo también puede pensarse sobre trigos e harinas y otros
importantes artículos de intercambio, pero conviene ante
todo un pacto que nos contenga en la carrera del
armamentismo, suprimir esta danza de millones [...] Uma
equivalência naval. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p. 128).
Esses esforços em empreender uma atitude amigável e
transparente entre os vizinhos acabaram por se tornar uma
proposta concreta através do Pacto de Não Agressão, Consulta e
Arbitragem, ou como ficou popularmente conhecido, o Pacto ABC.
Com as mortes de Rio Branco em 1912 e de Sáenz Peña em 1914,
o Pacto perdeu força e não conseguiu se firmar como gostariam
esses políticos, sendo ratificado apenas pelo Brasil em 1915, não
alcançando assim, o objetivo de congregar as três nações em torno
de um acordo que proveria segurança para suas relações.
Apesar de não ter sido levado adiante, o Pacto ABC figura como a
primeira tentativa oficial de integração entre as nações do Cone
Sul e também como a primeira proposta a envolver assuntos
relacionados à Defesa. A percepção de então, era que para a
construção da cooperação entre os três países, dever-se-ia antes
passar por conversações a respeito do poderio militar e suas
intenções, não deixando margens para a desconfiança nesse
aspecto, fato que já havia se mostrado de alta sensibilidade, e
então passar ao intercambio econômico. Entretanto, essa
clarividência para a construção da cooperação foi perdida ao
longo do século XX, podendo apenas encontrar resquícios de
tentativas nesse sentido. Entretanto, percebe-se que essa intenção
de configuração do Pacto ABC deixou um legado diplomático,
permanecendo como paradigma não oficial da política externa dos
três países até meados década de 1930.
É importante lembrar que esse Pacto tratava unicamente dos três
“grandes” do Cone Sul, excluindo o restante da América do Sul de
entendimentos que propiciariam a confiança mútua. Dessa forma,
os “arcos estratégicos” que mantinham congeladas as ações
ofensivas desapareceriam em uma parte do sub-continente,
permitindo a eclosão de conflitos bilaterais, já que, possíveis
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
atacantes teriam sua retaguarda segura, sem os possíveis aliados
de seu inimigo:
[...] o Tratado do ABC defrontou-se com forte oposição da
opinião pública na Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela,
Uruguai e Peru, cujos jornais sustentaram a tese de que
uma política pan-americana “não deveria fazer exclusões
nem fundar-se sobre preponderâncias inaceitáveis, mas
inspirar-se nos princípios do direito e do respeito mútuo.
(MONIZ BANDEIRA, 2003, p. 133).
Dessa forma, considerando os acordos que viriam a se
materializar ao longo do século XX, os quais também incluíam
apenas parte dos países sul-americanos, esses viriam a encontrar
problemas semelhantes ao do Pacto ABC. A exclusão de alguns
países causaria desconfortos e protestos que, de certa forma,
tornaria inviável a continuidade de tratados de livre comércio
celebrados apenas entre uns poucos países, reforçando a ideia da
necessidade de tratados que congregassem todos os países sulamericanos, sem exclusões.
Em relação à questão naval desenvolvida entre os países do ConeSul, deve-se considerar que se na Europa e nos EUA a compra dos
dreadnoughts despertou preocupações, no âmbito regional, a
dimensão de tal empreendimento quase levou ao conflito. Para
Martins Filho, reside basicamente na aquisição de tais navios a
origem da crise no Cone no Sul:
A nosso ver, o traço principal dessa crise não foram as
divergências de pessoas, nem a importação artificial de
idéias européias de poder naval, como defende até aqui a
historiografia das relações exteriores dos dois países.
Tampouco foi a pura ação dos interesses financeiros, como
sugerem outros autores. Ao contrário, tudo indica que os
programas navais brasileiros de 1904 e, principalmente, de
1906 representaram a importação para América do Sul dos
A Cooperação em Defesa na América do Sul
77
Vinicius Modolo Teixeira
78
efeitos desestabilizadores da corrida naval tecnológica,
devido ao desequilíbrio que as últimas tecnologias navais
eram então capazes de trazer para as relações de poder
entre as nações. (MARTINS FILHO, 2010, p.159)
Dessa forma, o apontamento do autor pode ser extrapolado para
diversas situações que vêm se apresentando na condução das
políticas dos países sul-americanos no decorrer do século XX e
XXI. A introdução de meios bélicos de elevada capacidade em um
cenário que sempre foi pautado pela debilidade de poder militar,
causaram embaraços e ameaças de retaliação por diversas outras
vezes. Da mesma forma que, anúncios de investimentos que
significavam a alavancagem dos países para patamares
econômicos e de desenvolvimento superiores, causaram
desconfianças e desequilíbrios na balança de poder regional.
A principal questão, para nós, pauta-se nas ações que associam
diretamente à condução dos meios militares por esses países,
genericamente chamada de Defesa, e que são capazes de causar
imbróglios a níveis regionais, solapando iniciativas de
aproximação. Nesse sentido, as iniciativas para bloquear a
influência das compras e atividades militares na América do Sul,
encontram um exemplo nesse passado distante com a iniciativa do
Pacto ABC. Esse Pacto, que pode ser considerado como uma protocooperação no sentido da Defesa. Apesar de pouco delineada, as
intenções documentadas têm grande valor histórico, por já
considerarem os efeitos danosos da desagregação entre os
vizinhos e os perigos de uma corrida armamentista, assim como o
potencial da defesa para os países sul-americanos, tanto para a
integração, como para a convivência pacífica entre as nações sulamericanas.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
2.3 Os conflitos territoriais da América
do Sul entre a Crise 1929 e a Segunda
Guerra Mundial
O início da década de 1930 continha as reverberações da crise
mundial de 1929 por todo o mundo, e essa situação não era
diferente nos países sul-americanos. No Brasil, a convulsão
política desencadeada pela crise, tendo a elite cafeeira em seu
centro, derrubou a República Velha e levou Getúlio Vargas à
presidência do Brasil, pondo fim a chamada política do “Café com
Leite”. Nos países vizinhos a grave crise desencadeou um dos
piores conflitos ocorridos no subcontinente, novamente por
questões fronteiriças originadas no período colonial.
Bolívia e Paraguai já haviam sofrido reveses no século anterior e
ambos estavam limitados à sua “continentalidade”, dependentes
dos outros países para alcançar o oceano, o que figurava como um
problema estratégico de primeira grandeza para ambos. Para a
Bolívia a questão da saída para o mar já se arrastava por 60 anos
sem solução. Após a perda dos territórios da margem do oceano
para o Chile, na Guerra do Pacífico, o país ainda não havia
encontrado uma solução para esse problema, e também não tinha
condições de reverter a perda por meios militares com esse
vizinho.
Além disso, havia perdido também o território do Acre para o
Brasil em 1903. Apesar de não ter sido através de combate, tal
episódio ceifou grande parte de seu território rico em
seringueiras, em troca de uma pequena indenização, alguns
pequenos territórios na fronteira e a promessa de uma ferrovia
que daria sua saída para o mar. Essa ferrovia teria, entretanto,
efeito etéreo, perdendo sua utilidade quando da crise da borracha
alguns anos depois.
O Paraguai também carecia de uma saída para o mar, tendo sido
esse um dos pontos deflagradores da Guerra do Paraguai,
entretanto, esse país se encontrava em melhor situação do que o
seu vizinho, por acessar trechos navegáveis da Bacia do Prata,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
79
Vinicius Modolo Teixeira
80
podendo assim, mesmo que de forma limitada, ter acesso ao
Oceano Atlântico por via fluvial.
O episódio que viria a deflagrar a crise entre Bolívia e Paraguai,
em 1932, fora uma suposta descoberta de petróleo no território
do Chaco Boreal, descoberta essa que aguçou a cobiça de ambos
em torno desse território, sem demarcação oficial, em pleno
século XX. Tal cobiça, levou-os ao enfrentamento pelas supostas
reservas de óleo, além da saída para o mar através dos rios da
região (MONIZ BANDEIRA, 2003).
O conflito foi marcado por intensos combates, permeados por
períodos de extremo imobilismo de ambas as partes, devido à
escassez de recursos e dificuldades em acessar o campo de
batalha. Dificuldades essas, enfrentadas principalmente pelo lado
boliviano, que não dispunha de rios para dar suporte logístico às
suas tropas, fato melhor aproveitado pelo Paraguai.
O Chaco, ambiente extremamente inóspito com altas
temperaturas e baixa umidade, acabaria por cobrar grande
parcela das mortes ocorridas no conflito, que chegaram a 90 mil
somando ambos os lados. Apesar de afetados pela crise do início
da década e serem os dois países mais pobres da América do Sul,
Bolívia e Paraguai tentaram empreender, sem sucesso, o uso de
novas armas que vinham sendo desenvolvidas desde a Primeira
Guerra. A aviação armada e pequenos tanques foram introduzidos,
mas, ambos em pouca quantidade para que realmente pudessem
ter efeitos significativos no campo de batalha.
Ambos os países fizeram esforços para arrastar Brasil e Argentina
para o conflito, apoio que seria certamente decisivo para o lado
que conseguisse esses aliados. Entretanto, a guerra não era de
interesse de nenhum desses dois países e, os acordos de paz
mediados acabaram por encerrar o conflito em 1935, com a
vitória do Paraguai, que conseguiu avançar seus limites por quase
todo o território em disputa. Para o Brasil era de extremo
interesse manter Paraguai e Bolívia distantes de uma influência
maciça da Argentina, sempre temendo que as pretensões
portenhas conseguissem refazer as antigas fronteiras do ViceReino do Prata, mesmo que através de entendimentos
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
diplomáticos, o que colocaria sérios impedimentos à geoestratégia
brasileira na região.
As relações entre Brasil e Argentina durante o conflito
conseguiram mais uma vez dar um passo em direção à superação
da rivalidade firmando em 1933 o Tratado Anti-Bélico de NãoAgressão e de Conciliação – também conhecido como Pacto
Saavedra-Lamas, embaixador argentino que fora seu proponente –
no que seria uma reedição do Tratado ABC. Tendo outra vez
enfoque em temas relativos ao que concebemos como princípios
da cooperação em defesa e construção da confiança mútua.
Esse tratado condenava todo conflito por agressão, devendo todas
as divergências ser solucionadas através do Direito Internacional.
Ele congregava além de Argentina e Brasil, também Chile,
Paraguai, Uruguai e México e permitia a adesão dos demais
Estados – sendo assim de amplitude mundial – ao qual aderiram
ainda, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, EUA, Costa
Rica, Itália, Bulgária, Portugal, Espanha, entre outros.
Segundo esse Tratado:
ARTICULO I. Las Altas Partes Contratantes declaran
solemnemente que condenan las guerras de agresión en sus
relaciones mutuas o con otros Estados, y que el arreglo de
los conflictos o divergencias de cualquier clase que se
susciten entre ellas, no deberá realizarse sino por los
medios pacíficos que consagra el Derecho Internacional.
ARTICULO II. Declaran que entre las Altas Partes
Contratantes las cuestiones territoriales no deben
resolverse por la violencia, y que no reconocerán arreglo
territorial alguno que no sea obtenido por medios pacíficos,
ni la validez de la ocupación o adquisición de territorios
que sea lograda por la fuerza de las armas. (ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, 1993)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
81
Vinicius Modolo Teixeira
82
A validade do Tratado para as relações dos pactuantes, apesar de
ter prazo indeterminado, pode ser posta em xeque, pois no
período imediato após a assinatura do mesmo, as divergências de
alguns desses Estados com seus vizinhos foram pautadas por
sérias agressões, como viria a demonstrar a Segunda Guerra. Na
América do Sul, Equador e Peru entraram em guerra na década
seguinte; o Chile teve um grave embate com a Argentina nos anos
1970; e as relações entre Venezuela e Colômbia se apresentaram
de alto teor bélico. Além disso, vários países sul-americanos
fizeram uso intenso de suas forças armadas para a solução de
entraves diplomáticos, sendo que a concentração de forças
militares nas fronteiras se manteve em alta em alguns deles
durante o restante do século XX, como clara dissuasão ao vizinho.
A isso se somava ainda a presença de países da América Central e
Europa na composição do Tratado, o que tornaria esse acordo
meramente figurativo, dada sua amplitude e composição, o qual
viria a ser contrariado diversas vezes por alguns de seus
contratantes. Entretanto, para o subcontinente sul-americano, as
intenções de não agressão, aliadas ao caráter anti-bélico contidas
no documento, reforçavam as ideias originais do Pacto ABC, no
qual somente através de entendimentos profundos e com a total
negação do uso do poder militar, principalmente no que constava
para Brasil e Argentina, as relações poderiam evoluir de maneira
concreta e propiciar entendimentos construtivos entre seus
membros. O que se passou nos anos seguintes, no entanto, não
propiciou esse entendimento.
As relações entre Brasil e Argentina, a respeito dessas iniciativas,
nunca foram realmente cordiais e cooperativas no campo militar.
Apesar das intenções documentadas e tentativas de aproximação
econômica, restava a apreensão militar do vizinho, o que acabava
por solapar as iniciativas favoráveis. Como resultado dessas
apreensões, cada país tomava suas providências, precavendo-se
de uma investida ou da necessidade do uso da força para que não
lhe ocorressem prejuízos irreversíveis. Em 1934, em uma carta
dirigida a Oswaldo Aranha, embaixador em Washington, Getúlio
Vargas dizia a respeito da política cordial com a Argentina:
“Devemos mantê-la, mas precisamos tomar precauções militares”
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
(MONIZ BANDEIRA, 2003, p.147), fato que ressalta a dicotomia
entre a cooperação/aproximação e as relações em defesa entre os
dois países. Getúlio teria solicitado ainda ao seu embaixador que
verificasse junto aos órgãos estadunidenses a possibilidade de
compra de armamentos, principalmente unidades navais, como
parte dessas precauções a serem tomadas em relação à Argentina.
A geopolítica brasileira, bastante ativa e influente nessa época,
traçava planos para assumir a dianteira do subcontinente e
impedir a possibilidade do vizinho em ameaçar esses planos. É de
grande importância destacar o papel exercido por Mário
Travassos nas décadas de 1930 e 1940 durante a “Era Vargas”.
O autor sugere em seus livros que seja dada uma atenção maior à
infraestrutura do setor de transporte como forma de garantir o
controle do Estado brasileiro sobre o território e, também de
servir aos interesses no continente. Segundo Vlach (2002/2003),
Travassos considerava a Argentina nessa época, em melhores
condições econômicas e com uma rede de transportes mais
estruturada e, para atingir seus objetivos regionais do Brasil,
dever-se-ia neutralizar a influência argentina sobre a Bacia do
Prata.
Para esse autor a Bolívia exercia papel central na geopolítica sulamericana, figurando tal qual a Heartland eurasiana de Mackinder,
sendo o ponto de soldadura do subcontinente, permitindo acesso
aos três principais sistemas geográficos, a Bacia Amazônia, a Bacia
Platina e a cadeia andina. O autor ressalta ainda a posição
geográfica de Colômbia, Peru e Equador, situados no noroeste da
América do Sul, e que, portanto, seriam presas fáceis para a
influência dos EUA na região (MEDEIROS FILHO, 2006).
Além das possíveis compras navais, as precauções militares se
refletiam também na área fronteiriça entre os dois Estados,
principalmente a que compreende hoje o Rio Grande do Sul, que
recebia, à época, especial atenção quanto às forças lá fixadas.
Historicamente militarizado, o estado sulino tinha a partir da
década de 1940, uma nova onda de fortificação, tal como a
ocorrida no século XVIII, sendo beneficiado pela leva de
armamentos que o Brasil recebera na década de 1940, quando as
A Cooperação em Defesa na América do Sul
83
Vinicius Modolo Teixeira
84
bases lá situadas passaram a ter importância central dentro da
organização militar brasileira na dissuasão da República
Argentina.
Uma das cidades que passou a contar com uma grande presença
militar é a cidade de Santa Maria, que se localiza na região central
do Estado. Como aponta Machado (2008), suas origens têm
relação com o tratado de delimitação de Santo Ildefonso (1777),
pois a cidade estava num ponto de passagem para a comissão
demarcadora dos limites estabelecidos entre Portugal e Espanha
por esse Tratado.
[...] Santa Maria surge com uma função estratégico-militar
apoiada sobre o posto avançado dos ferreiros e do
acampamento militar. A partir disso, torna-se o
acampamento também referencial geográfico-militar na
conquista do território, tendo por objetivo a tomada do
forte espanhol de São Martinho e, conseqüentemente, das
Missões. Para tanto, Santa Maria, já no seu nascimento,
desempenha uma função militar. (MACHADO, 2008, p. 76)
Essa “função militar” da cidade fora ressaltada durante todo o
século XX, com a criação e transferência de inúmeras organizações
militares para esta cidade, inclusive, com um Parque de Aviação
Militar, que foi criado para apoiar as atividades do 5° Regimento
de Artilharia Montada, e, consequentemente, criar os alicerces
para a instalação da atual Base Aérea de Santa Maria (BASM).
No início da década de 1940 a situação de beligerância entre
Brasil e Argentina mais uma vez misturava momentos de
apreensão quanto às intenções militares recíprocas, com
momentos de cooperação, dessa vez vislumbrando acordos no
campo econômico, que ainda sofria as consequências da crise que
os assolara na década anterior. O Tratado de Livre Intercâmbio
representou assim a primeira tentativa de formação de uma união
aduaneira entre Brasil e Argentina sendo limitado a esse aspecto,
e, não vislumbrando acordos na área militar.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
O Tratado sobre Livre Intercâmbio, datado de 1941, tinha como
intenção:
[...] o propósito de conseguir – estabelecer em forma
progressiva um regime de intercâmbio livre, que permita
chegar a uma união aduaneira... aberta à adesão dos países
limítrofes, o que não seria obstáculo a qualquer amplo
programa de reconstrução econômica que, sob a base da
redução ou eliminação de direitos e outras preferências
comerciais, viesse a desenvolver o comércio internacional,
baseado no princípio multilateral e incondicional da nação
mais desenvolvida. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.201)
A Segunda Guerra tem papel fundamental para a não
concretização desse Tratado, já que após o ataque de Pearl
Harbour, em dezembro do mesmo ano, o Brasil passa a ter grande
importância no esforço de guerra dos EUA, não só para envio de
suprimentos para os teatros europeus e africanos, utilizando o
promontório nordestino como escala, mas também pelo interesse
dos EUA nas reservas minerais estratégicas e, também na
borracha. Essa última de extrema importância, pois, as reservas
do sudeste asiático se encontravam sob domínio japonês,
impedindo o acesso aliado a esse material. Porém, o
reconhecimento de beligerância com os países do Eixo só viria a
ocorrer já bem avançado o ano de 1942, após o torpedeamento de
vários navios na costa brasileira e a morte de centenas de
tripulantes.
Já Argentina adota a opção de não envolvimento na beligerância e
continuidade de suas relações diplomáticas com a Alemanha
Nazista, separando-a assim do Brasil pela sua postura neutra,
juntamente com as intenções de integração.
No momento subsequente ao ataque aos EUA, esse país buscou
formar com o restante do continente americano um acordo de
cooperação em defesa, através da formação da Junta
Interamericana de Defesa (JID), de 1942, que tinha como tese
A Cooperação em Defesa na América do Sul
85
Vinicius Modolo Teixeira
86
principal que [...] “um atentado de um Estado não americano
contra a integridade ou a inviolabilidade do território, soberania
ou independência política de um Estado americano seria
considerado um ato de agressão contra todos […]"
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1993).
Essa organização tinha por fim estabelecer a Defesa do continente
contra ameaças que por ventura pudessem afetar qualquer país
presente no acordo. Ela deveria fomentar a colaboração entre os
Exércitos, Marinhas e Aeronáuticas dos respectivos países, para a
adoção de medidas comuns em caso de ataque, assim como ser um
órgão de consulta para a resolução dos problemas hemisféricos. A
organização não se mostrou atuante no seu sentido primário, nem
conseguiu atingir a colaboração desejada em seu texto, no entanto,
os interesses dos EUA se fizeram valer para a consecução desse
acordo, atrelando os demais estados americanos sob sua liderança
política. No âmbito das ações de cooperação, as trocas de
informação e formação de oficiais, as relações dos países
americanos se deram de maneira muito superior nas relações
bilaterais com os EUA, do que no intercâmbio entre os demais
países do hemisfério, o que reforça esse organismo de cooperação
como uma entidade vinculada unicamente aos interesses
estadunidenses, não colaborando assim para a construção da
cooperação regional.
O Brasil como aliado dos EUA e beligerante no conflito contra a
Alemanha, além de fornecer matérias primas e bases no litoral
nordestino, também tomaria parte das ações, iniciando a
preparação para o envio de tropas para a Europa, o que se
concretizou somente no fim de 1944, dada a situação precária dos
meios militares brasileiros. Para que o país aderisse ao esforço de
guerra, tanto na Europa, quanto no próprio litoral brasileiro, era
necessária uma completa reformulação doutrinária e de
equipamentos das forças armadas, com o exército ainda
organizado segundo a Missão Militar Francesa da década anterior
e, portando equipamentos de origem alemã.
No início de 1940 o Exército e a Marinha estavam distantes de
serem forças bem equipadas, possuindo ainda navios e canhões da
Primeira Guerra e treinamento inadequado para o momento. Já a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Força Aérea, criada em 1941, era equipada com antiquados aviões
originários das aviações do Exército e Marinha, em quantidades
insuficientes para os fins desejados. Para contornar a situação de
penúria, o Brasil passou a ser beneficiado pelo sistema de LendLease3, recebendo equipamentos novos para as três forças. O
armamento fornecido ao Brasil consistia em navios, aviões,
tanques e fuzis destinados a modernização e utilização em
combate, causando assim um surto – temporário – de
modernização.
[...] Em agosto de 1941, o Brasil criou a comissão de
Compras de Material Aeronáutico, sediada nos Estados
Unidos, para, com base na Lei de Empréstimos e
Arrendamentos, adquirir aviões e equipamentos para a
FAB.
Em 23 de maio de 1942, foi firmado o Convênio Político
Militar Brasil-Estados Unidos, em que este abria um crédito
de 200 milhões de dólares ao Brasil para a aquisição de
equipamentos militares, com desconto de 65% sobre o
valor real de cada item a ser adquirido. (ALAMINO, 2008,
p.28)
Além do compromisso do envio de tropas para o combate na
Europa, o esforço de guerra ocorria também em território
brasileiro. Como parte da chamada “Batalha do Atlântico”, o Brasil
forneceu bases aéreas no nordeste, sudeste e sul, para a realização
de missões de patrulha naval, regiões onde frequentemente eram
avistados submarinos inimigos. Durante a Segunda Guerra podiase notar três áreas de concentração da Força Aérea Brasileira no
território nacional, cada qual voltada para as necessidades locais.
3 Empréstimo e arrendamento. O Lend-Lease foi o programa
estadunidense aprovado em 1941 para o suprimento de nações aliadas
consideradas estratégicas, tendo fornecido além de armas, alimentos e
vestimentas para a URSS, França Livre, Inglaterra, China e outros aliados.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
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Vinicius Modolo Teixeira
88
No nordeste, a Base Aérea de Natal, fornecia apoio aos aviões
estadunidenses que utilizavam o Brasil como rota para chegar à
África e à Europa, assim como patrulhavam o mar a procura dos
U-boat´s do Eixo; No sudeste, onde se situavam São Paulo e a
Capital Federal, indo até a altura de Florianópolis, os aviões
protegiam essas cidades e também cumpriam missões de patrulha
marítima; E no Rio Grande do Sul, onde os meios aéreos não
tinham qualquer envolvimento direto nas patrulhas marítimas ou
com o conflito mundial, mantinham-se a postos para resguardar a
fronteira com a Argentina.
Com a relutância argentina em entrar na guerra, renovou-se o
medo brasileiro de um conflito armado com o país vizinho, o qual
também era partilhado pelos EUA, que viam a neutralidade
portenha como ameaça, usando esse argumento para influir no
distanciamento desse país com o Brasil. Do grande volume de
meios que eram fornecidos ao Brasil nessa época, principalmente
no que diz respeito aos aviões, parte deles foram destinados
diretamente para o sul, nesse caso para a Base Aérea de Canoas
(BACO). A partir de 1944 essa base passou a contar com o 1°
Grupo de Bombardeiros Leves, dotadas com Bombardeiros A-20K
e o 3° e 4° Grupos de Caça, equipados com caças P-40N, que eram
então os melhores equipamentos disponíveis para o Brasil,
demonstrando assim, a importância dessa região para o
pensamento geopolítico brasileiro, carecendo de meios de
dissuasão constantemente posicionados no local.
A Argentina que aproveitava sua neutralidade para vender seus
produtos agrícolas tanto para os aliados como para a Alemanha,
sofria um embargo de armamentos dos EUA, único país que tinha
condições de disponibilizar material bélico nesse momento, para
terceiros. Dessa forma, enquanto o Brasil se tornava aliado e com
isso conseguia boas somas de armamentos modernos, a Argentina
estava impossibilitada de modernizar suas Forças Armadas. Tal
situação perdurou para além de 1945, obrigando os comandantes
das armas a recorrerem a uma solução engenhosa para superar a
penúria do exército de meios modernos. Segundo Higuchi e Bastos
Jr. (2008), essa situação obrigou a Argentina a adquirir material
militar como sucata na Europa pós-guerra, como no caso da
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
compra de 360 tanques Sherman da Bélgica, comprados por U$
0,20 por quilo.
A cordialidade entre Brasil e Argentina sofria assim, com a
influência externa nas suas relações, onde as questões militares
eram sempre ressaltadas de tempos em tempos, intercaladas com
tentativas de entendimentos, já identificados como necessários ao
futuro desses dois países. Em uma fala atribuída à Perón, com
clarividência sobre essa situação, o mandatário argentino dizia: “O
ano 2000, nos encontrará unidos ou dominados!”.
Na porção noroeste da América do Sul, enquanto o restante do
globo estava envolto no conflito mundial, Peru e Equador
entraram em sua própria contenda em 1941, em disputa pela
fronteira ainda parcamente delimitada e muito questionada por
ambos os países. Mais uma vez, o imperativo para o conflito estava
situado no passado colonial desses estados, ambos de origem
hispânica, porém, pertencentes a dois Vice-Reinados diferentes, o
do Peru e de Nova Granada. Quando da independência de ambos,
suas fronteiras foram objeto de disputa já em 1828. Após a
retirada espanhola, a Grã-Colômbia, que veio a substituir o ViceReino de Nova Granada como estado independente, a qual havia
agregado também a Capitania Geral da Venezuela, acabou
esfacelando-se, formando por sua vez os estados do Equador,
Colômbia e Venezuela.
As demarcações fronteiriças pendentes entre Peru e Equador
acabaram por resultar no conflito de 1941, que veio a findar já no
ano seguinte, através do acordo de paz mediado pelo Brasil, com
ajuda de Argentina e Chile. As requisições Equatorianas sobre
territórios
posteriormente
acordados
como
peruanos,
representavam quase a mesma dimensão do atual Equador,
demonstrando a grandiosidade da contenda. Porém o documento
do Protocolo do Rio, que estabelecia o acordo de paz entre as
partes, limitava o território equatoriano a quase a mesmas
dimensões atuais.
A paz entre os dois vizinhos não permaneceu selada desde então,
pois como aponta Galastri (2005), uma missão de mapeamento da
região realizada na década de 1950, pela Força Aérea Americana,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
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Vinicius Modolo Teixeira
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viria a descobrir rios não mapeados na fronteira entre os países, o
que levaria o Equador a denunciar a nulidade do Protocolo do Rio
em 1961, motivando novos conflitos nos anos seguintes.
A partir desse momento a América do Sul passa a sofrer a
influência inconteste dos EUA, que com os prejuízos das outras
potências no conflito mundial, passaria a ter maior liberdade em
suas ações no continente, e, com a promulgação de acordos de
defesa com o continente, esse país findava com a possibilidade de
qualquer outro contestar seu poderio.
2.4 O Pós-Guerra, os Movimentos de
Integração Econômica concorrenciais e a
importância das Forças Armadas nas
relações Brasil-Argentina
A partir do conflito mundial, tem-se a emersão dos EUA como
superpotência militar e econômica, triunfando o projeto que vinha
sendo trabalhado desde o século anterior. A partir da Segunda
Guerra, sem ter sofrido com a destruição no seu território
continental e, com a construção de uma enorme estrutura
industrial voltada para fins militares, os EUA têm a oportunidade
de superar os demais países de forma inconteste. Além de sua
capacidade militar, naquele momento a única a deter o engenho
nuclear, os EUA passam a influir de maneira quase que exclusiva
na economia dos outros países americanos, retirando os últimos
resquícios do que sobrara do influente capital inglês.
O início da Guerra Fria e a bipolaridade do sistema mundial
levaram os países da Bacia do Atlântico Norte a promoverem o
maior entendimento no âmbito da cooperação em defesa até hoje
assinado, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Essa organização, criada para se contrapor ao poderio soviético e
arregimentar a defesa europeia sob uma base comum, promoveu
o fortalecimento dos mecanismos de defesa através da cooperação
entre os países membros. A OTAN desenvolveu sistemas de armas,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
tecnologias, doutrinas e etc, transformando as relações entre os
países do Atlântico Norte em um sistema equilibrado, porém
capitaneado pelos EUA, sem ameaças de conflitos entre seus
membros. A padronização dos equipamentos e códigos, como por
exemplo, a utilização de um calibre comum para as diversas armas
utilizadas pelo bloco, manuais técnicos e a denominação dos
equipamentos soviéticos através de um “padrão OTAN”, são
algumas das pequenas ações que serviram para a montagem do
aparelho defensivo da organização4.
Enquanto as relações dos EUA com a Europa ocidental se
fortaleciam no âmbito da cooperação em defesa, as relações desse
país com o restante do continente americano se pautaram pelo
fortalecimento de sua posição hegemônica, com o reforço de sua
liderança através de mecanismos de defesa, que ao contrário da
OTAN, foram pautados pelo enfraquecimento do poderio
continental, sob o pretexto da proteção benevolente da potência
ocidental.
Dessa maneira, as relações do eixo Leste-Oeste do Atlântico se
caracterizaram pelo aumento da capacidade de poder conjunto
entre as nações desse sistema, em contraposição à ameaça
soviética, no que pode ser entendido como uma relação
equilibrada – considerando as divergências ocasionais ali contidas
–, em comparação com as relações Norte-Sul do sistema
americano, em que as relações foram baseadas num
protecionismo “patriarcal” relegado aos EUA. Isso contribuiu para
o enfraquecimento do poder militar regional através de
mecanismos que promoveram a dependência da defesa
continental à estrutura industrial e organizacional desse país.
A adoção do calibre 7,62 como padrão dos rifles e metralhadoras buscou
superar a utilização de uma variada gama de calibres usados nos países
que compunham o bloco. Já os códigos de identificação, tinham como
objetivo utilizar uma palavra em inglês não usual em conversas, e através
de letras iniciais, proverem a identificação exata do equipamento
soviético, por exemplo, B para bombardeiros (Bear, Badger etc), C para
aeronaves de carga (Candid, Cossac etc), G, para mísseis anti-aéreos
(Guideline, Goa etc) e assim por diante.
4
A Cooperação em Defesa na América do Sul
91
Vinicius Modolo Teixeira
92
Essa relação que perdurou por 50 anos nas relações americanas,
levou a debilidade das estruturas de poder localizadas ao sul do
Rio Grande, minando qualquer possibilidade de contraposição
pelos países sul-americanos aos ideais estadunidenses e
enfraquecendo suas indústrias de defesa e o seu poder militar.
Através do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR), criado em 1947, que fora uma evolução da JID, os países
americanos passaram a colaborar com a geoestratégia dos EUA no
que passou a ser conhecido como “Política de Defesa Hemisférica”.
Esse tratado baseava-se na mesma ideia magna que fora a
fundadora da JID, a de que uma agressão a um país americano
significará uma agressão a todos os demais:
ARTICULO 3.°
1. Las Altas Partes Contratantes convienen en que un
ataque armado por parte de cualquier Estado contra un
Estado Americano, será considerado como un ataque
contra todos los Estados Americanos, y en consecuencia,
cada una de dichas Partes Contratantes se compromete a
ayudar a hacer frente al ataque, en ejercicio del derecho
inmanente de legítima defensa individual o colectiva que
reconoce el Artículo 51 de la Carta de las Naciones Unidas.
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1993)
A partir desse tratado, tem início a concepção de segurança
hemisférica que irá nortear as relações militares no invólucro do
continente americano, porém, assim como a JID, essas relações
serão executadas em sua maior parte no âmbito bilateral dos
demais países com os EUA. Para Martins Filho (2005), as relações
eminentemente desenvolvidas sobre acordos bilaterais e não
dentro do sistema de cooperação continental, tinham como
objetivo evitar o maior controle da OEA, o que demonstra o agudo
controle dos EUA sobre esses mecanismos de cooperação.
Esse país irá promover uma série de medidas, como a criação da
Escola das Américas, o envio de missões de instrução para
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
garantia da operacionalidade das forças armadas do continente e,
a transferência de equipamentos militares a baixo custo.
Entretanto, essas ações tiveram efeito comprometedor sob as
forças armadas dos outros países, praticamente transformando-as
em forças policiais, com no máximo relevância regional,
amputadas de seu caráter estratégico.
Na América do Sul, o fim da Segunda Guerra ainda demonstrava
uma situação de relativo equilíbrio entre as forças militares de
Brasil e Argentina para os seus pares de primeiro nível no mundo.
O Brasil, que ingressara ao lado dos Aliados ainda em 1942, havia
recebido grandes somas de equipamentos modernos e ainda os
conservava como uma poderosa força. Após o fim das hostilidades
do conflito mundial, que terminaram pouco após a Argentina
declarar Guerra ao Eixo, o país portenho se enveredou em um
ambicioso processo de modernização de suas forças armadas, em
que Força Aérea receberia principal destaque, superando assim o
longo período de embargo imposto pelos EUA.
Segundo Leonel Itaussu (1996), a Argentina, durante a Guerra,
viu aumentar a demanda externa pelos seus principais produtos
de exportação, a saber, trigo e carne, passando por um processo
de acumulação monetária que serviria o governo Perón para
promover a industrialização do país. Respaldado pelo bom
momento econômico, o processo de modernização fora pensado
para transformar a Força Aérea Argentina (FAA) na mais moderna
da América do Sul, colocando-a em condições próximas a dos
vencedores da Segunda Guerra.
Para tanto a Força Aérea Argentina encomendou junto à GrãBretanha uma centena dos novos jatos Gloster Meteor, tornandose o primeiro país latino a empregar aeronaves de combate à
reação. Na mesma época a FAA adquiriu no mesmo país 30
bombardeiros AVRO Lincoln e 15 bombardeiros AVRO Lancaster,
utilizando como parte do pagamento, uma dívida contraída pelos
britânicos durante a Guerra.
Até a década de 1950 as exportações argentinas estavam
eminentemente voltadas para a praça londrina, a qual lhe fornecia
créditos e comprava sua produção. Entretanto o pós-guerra
A Cooperação em Defesa na América do Sul
93
Vinicius Modolo Teixeira
94
acabaria por alterar essa situação, alterando o fluxo financeiro
para os EUA, o que acabaria por se traduzir em sucessivas crises
para o país portenho. Sendo que, uma das principais razões, a
produção competitiva entre seus principais produtos de
exportação, - cereais e produtos animais - com a produção local
nos EUA, impossibilitaram a manutenção de uma balança
comercial favorável à Argentina.
Nessa época a FAA tornou-se a mais bem equipada na América do
Sul, contando com uma poderosa força de combate e a única
dotada de um componente estratégico de ataque, representada
pela força de bombardeiros Lancaster/Lincoln. O bom momento
argentino chegou a prover condições de que o país instalasse uma
moderna indústria aeronáutica, inclusive projetando aviões a jato.
A construção desses aviões movidos a reação, com a ajuda da
expertise de alemães emigrados para a Argentina após o fim da
guerra, se transformou em preocupação para os EUA, já que o
domínio dessa tecnologia por outro país americano poderia
significar a perda de controle sob os sistemas de defesa do
continente e, o surgimento de uma potência regional.
O mecanismo utilizado pelos EUA para solapar as tentativas de
produção de material bélico no continente, sendo que as
iniciativas nessa área se mostraram mais prolíficas no Brasil e na
Argentina, foi o da pronta transferência de equipamentos a um
custo muito reduzido e em quantidades suficientes, para esses
países desistirem da produção local, já que a oferta imediata de
armas, no pensamento de certos grupos locais, não compensava o
elevado gasto no desenvolvimento autoctone, que seria em longo
prazo. Em curto prazo, essas ofertas conseguiam seduzir os
comandantes das forças militares, ávidos por equipamentos mais
modernos em seus exércitos que se encontravam bastante
obsoletos. Porém no longo prazo, isso significou a estagnação das
indústrias ligadas ao setor de defesa, sendo geralmente indústrias
voltadas à produção de tecnologia de ponta. Assim, com essas
ofertas de pronta entrega, os EUA conseguiam desarticular a
indústria de defesa local e reduzir a capacidade militar,
entregando
usualmente
equipamentos
tecnologicamente
defasados, porém, que serviam as forças militares latino-
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
americanas por representar um relativo salto na qualidade de seu
material.
Prova dessa iniciativa estadunidense de coibir o desenvolvimento
regional a partir do material de defesa é a reação à produção
argentina dos jatos Pulqui I e II nos anos 1950, que poderia
frutificar em uma indústria aeronáutica de ponta justamente no
Cone Sul, área que merecia atenção primordial nas Américas por
parte dos estrategistas dos EUA. Esses jatos deveriam se igualar
em desempenho aos jatos F-86 e Mig-15, então em uso na Guerra
da Coréia, transformando a Argentina em um dos poucos países a
produzir seu próprio caça a jato. Ante uma possível concorrência,
já que a construção de um polo aeronáutico no outro hemisfério
do continente poderia capacitar esse país na produção de outros
engenhos bélicos e civis, os EUA fizeram a oferta de aviões Sabres
à Argentina:
O Pulqui II não passou do estágio de protótipo e foram
construídos cinco que tiveram seu desenvolvimento
demorado, e quando sua produção em série estava para ser
iniciada, com uma previsão de cem exemplares, em 1956,
houve a derrubada do General Perón e uma oferta atribuída
aos norte americanos de cem jatos F-86 com turbinas
“Orenda” com entrega imediata, pelo Brigadeiro Ahrens
como justificativa para cancelar a produção do Pulqui II que
deveria demorar cinco anos. (BERTAZZO, 2006)
A oferta de entrega imediata que resultara no cancelamento desse
promissor programa aeronáutico, não se concretizou, sendo que
esse fora o argumento que o governo militar, substituto de Perón,
havia utilizado para justificar a escolha da oferta dos EUA ante a
possível demora de cinco anos para a entrega dos jatos argentinos.
Os caças F-86 somente foram entregues em 1960, sem as turbinas
mais potentes e em número de somente 28, sendo todos de
segunda mão. A retirada do governo peronista e sua substituição
por um governo militar, marcaria também, o “rodízio” que se
A Cooperação em Defesa na América do Sul
95
Vinicius Modolo Teixeira
96
estabeleceria nas décadas seguintes na presidência argentina,
entre civis e militares.
Nessa época torna-se mais evidente a macro estratégia militar dos
Estados Unidos desenvolvida na Guerra Fria, fortemente
influenciada pelos escritos de Nicholas Spykman, cujas teorias
seriam norteadoras para as políticas do período que se fazia à
frente. Escrevendo sua obra no período subsequente ao início da
Segunda Guerra e, quase concomitante à entrada dos EUA no
conflito, Spykman apreende que os escritos de Mackinder no
começo do século XX sobre a importância do Heartland já não se
faziam decisivos no contexto geopolítico de então, e sim, as
regiões de “dupla frente” que ele passa a denominar de Rimland,
que teriam contato tanto com o interior do continente quanto com
a orla marítima (COSTA, 2008).
A partir dessas proposições, que segundo Spykman teriam
condição de superar o Heartland, George Kennan em 1947 propõe
sua “Estratégia da Contenção” que em grande medida, coincide
com as áreas da Rimland de Spykman. Essa estratégia previa o
fortalecimento de posições no entorno estratégico da antiga URSS,
evitando assim a dispersão do comunismo para outras regiões do
globo, como também a tomada de uma posição soviética em um
oceano “quente”.
A linha da contenção, que se fazia circunferencial desde a Europa
até o extremo oriente, mantinha fora desse eixo estratégico a
América do Sul, uma região que para Spykman deveria ser alvo de
“todos os meios disponíveis” para persuadir suas nações a se
voltarem preferencialmente no âmbito comercial aos EUA
(COSTA, 2008). Para ele, os países que compõem o chamado A.B.C
(Argentina, Brasil e Chile) são as peças chave para a continuidade
da hegemonia norte-americana na região, sendo que uma aliança
antiamericana ali, não pode ser tolerada.
Para Spykman (2008), caso a hegemonia estadunidense seja
desafiada no A.B.C, a única resposta condizente seria a guerra.
Ainda segundo o autor, a visão dos EUA por como um perigo por
parte desses países, poderia suscitar uma ação comum e com o
uso de influências externas para contrabalancear os EUA:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Para nossos vizinhos abaixo do Rio Grande nós
permanecemos o "Colosso do Norte", que em um mundo de
políticas de poder só pode significar uma coisa, perigo. Boa
vontade é apreciável, mas um poder equilibrado é a maior
segurança. Isto significa que os países de fora da zona de
nossa predominância imediata, os estados maiores da
América do Sul, devem tentar contrabalançar a nossa força
através de uma ação comum e com o uso de pesos de fora
do hemisfério. (SPYKMAN, 2008, p.65, tradução nossa) 5
Dessa maneira, apartada da “rota” principal da geopolítica dos
EUA na Guerra Fria e estando em seu principal bolsão de
influência, a América do Sul sofreu ao mesmo tempo um excesso
de influência desse país e uma deterioração de suas capacidades
de defesa, perdendo a importância que tivera na Segunda Guerra e
tornando-se, naquele momento, secundária na contenção dos
comunistas. No nosso entendimento, essa política de
enfraquecimento estratégico da região, negando o acesso a
determinados tipos de tecnologias e, cerceando o desenvolvido
local, está totalmente vinculada ao pensamento formulado por
Spykman nos anos 1940 e, que naquele momento, podia se
realizar com toda a força na região.
Na execução da estratégia de contenção, os EUA foram hábeis em
arregimentar organizações de cooperação em defesa e defesa
mútua, tal como a OTAN. Nesse ínterim, formando uma barreira
de aliados através da Rimland, foram criadas em 1955 a Central
Treaty Organization (CENTO – Organização do Tratado Central,
primeiramente nomeado Pacto de Bagdá), composto por Turquia,
Iraque, Irã, Paquistão e Grã-Bretanha (pelos seus territórios
To our neighbors below Rio Grande we reamain the “Colossus of the
North” which in a world of power politics can mean only one thing,
danger. Good will is fine, but balanced power is a greater security. This
means that those countries outside the zone of our immediate
predominance, the larger states of South America, must try to
counterbalance our strength through common action and through the use
of weights from outside the hemisphere. (SPYKMAN, 2008, p.65)
5
A Cooperação em Defesa na América do Sul
97
Vinicius Modolo Teixeira
98
coloniais) e também no mesmo ano a South East Asia Treaty
Organization (SEATO – Organização do Tratado do Sudeste
Asiático), composta por Austrália, Filipinas, Tailândia, França,
Nova Zelândia, Paquistão, Grã-Bretanha e EUA.
Com esse formato, Turquia e Paquistão se tornavam pontos de
soldadura
entre
a
OTAN-CENTO
e
CENTO-SEATO
respectivamente, o que também explica a disposição de bases e
equipamentos importantes dos EUA nesses países, como mísseis
balísticos com ogivas nucleares no primeiro, e postos de vigilância
eletrônica e bases de aviões espiões U-2 no segundo.
No continente Americano, a organização mais próxima de um
modelo de cooperação em defesa, o TIAR, tinha apenas fins
defensivos, e sendo assim, somente formaliza a união dos países
latino-americanos sob a liderança dos EUA, sem significar
nenhuma vantagem em equipamentos e tecnologia transferida.
Pelo contrário, esses países passariam cada vez mais a receber
antigas armas dos EUA e a se tornarem mais dependentes da
indústria militar desse país.
Tementes da construção de governos orientados, mesmo que
levemente, para a esquerda, os EUA apoiaram firmemente através
de sua agência de inteligência, diversos golpes militares que
ocorreram na América Latina, transformando esses países em
apoiadores certos dos ideais partilhados por Washington, sem a
ameaça de um novo governo comunista em seu quintal, tal como
ocorria com Cuba naquele instante. Substituía assim, justificado
pela defesa da liberdade e contra a opressão comunista, governos
civis, em sua maioria legitimamente eleitos pelo povo, por
governos que nem perto chegavam de democráticos e tão, ou mais
opressores, do que aqueles que supostamente justificavam a
atitude golpista perpetrada naquele momento.
Os golpes que incorreram em todos os países sul-americanos
levaram ao fortalecimento das políticas de ajuda de Washington
aos governos militares, os quais partilhavam do pensamento de
defesa hemisférica, com uma visão oriunda da caserna, em que a
defesa continental seria liderada pelos EUA, seguida de perto
pelas forças do continente americano. Essa visão “cega” da
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
liderança dos EUA não será tomada como verdade para todos os
países e nem por todos os governos, ocorrendo digressões ao
longo do período mais duro dos regimes militares sul-americanos,
os quais irão levar Brasil e Argentina a lados opostos, tanto no
campo militar, sentindo-se como ameaças, quanto no
desenvolvimento das políticas internas desenvolvimentistas.
A política estadunidense de rebaixamento das forças militares sulamericanas, apesar da maior proximidade com os governos
militares, continuaria como a ordem do dia. Às forças navais de
todo o subcontinente foram negadas ao acesso a determinados
tipos de navios, somente sendo liberados os excedentes navais
que haviam combatido na Segunda Guerra e, que ainda
permaneciam em portos dos EUA aguardando o seu envio para
algum “aliado”.
Os navios que acabaram destinados a países como Brasil e
Argentina tinham a função primordial de luta anti-submarina,
tarefa que fora relegada pela Marinha dos EUA dentro de sua
geoestratégia ao restante das marinhas do continente,
representando uma função secundária a essas forças navais. O
porta-aviões adquirido pelo Brasil no fim dos anos 1950 da
Inglaterra – a despeito da disputa entre Marinha e Aeronáutica
pela operação do mesmo – ficou destinado exclusivamente a essa
função secundária, o que retirou todo o potencial desse navio para
a defesa antiaérea da esquadra. Assim forças navais sulamericanas foram transformadas em forças de apoio a OTAN em
caso de conflito contra o Pacto de Varsóvia, impedindo que os
submarinos dessa aliança bloqueassem as rotas de comércio das
matérias primas do subcontinente para as indústrias do norte.
Ressalta-se aí, a diferenciação entre as políticas de defesa
desenvolvidas no sistema do Atlântico Norte, levadas a cabo no
âmbito da OTAN, contra as políticas desenvolvidas no eixo nortesul do sistema americano.
Para manter o adestramento dessas marinhas na luta antisubmarina, os EUA passaram a organizar, a partir de 1959, o
exercício anual naval UNITAS, no qual uma Força Tarefa da
Marinha dos EUA circundava todo o continente americano ao
longo de nove meses do ano, realizando exercícios bilaterais com
A Cooperação em Defesa na América do Sul
99
Vinicius Modolo Teixeira
100
as marinhas dos países por onde passava, sendo ao mesmo tempo
uma força diplomática, com a realização de encontros entre os
comandantes das Task Forces, como também uma demonstração
de poder desse país aos demais, com a presença de seus navios ao
redor do continente.
Durante o período da Guerra Fria os EUA criaram mecanismos de
auxílio às forças armadas dos países aliados, contribuindo para
barrar o avanço da influência soviética e armar o “mundo livre”,
suprindo as suas necessidades de equipamentos, serviços e
treinamentos, garantindo assim, “níveis aceitáveis” para a sua
seguridade interna, que pode ser entendida como uma garantia de
combate a forças revolucionárias de esquerda. Dois programas se
destacaram para esses fins, o Military Assistence Program (MAP) e
o Foreign Military Sales (FMS). Esses programas tinham foco
principal na transferência facilitada de equipamentos, tais como
tanques, aviões e navios, sendo parte deles já retirada de serviço
nos EUA.
O Programa de Assistência Militar - MAP foi criado após o fim da
Segunda Guerra e diferia do mecanismo Lend-Lease usado durante
o conflito, não necessitando de contrapartidas financeiras pelos
equipamentos recebidos através desse programa de ajuda. Criado
durante a Guerra da Coréia, o MAP transferiu grande somas de
armamentos para os países europeus e asiáticos que necessitavam
recompor suas forças, esse plano estava associado ao Plano
Marshall de âmbito econômico, sendo que nesse momento,
somente os EUA tinham condições de suprir tais necessidades
bélicas de forma imediata no ocidente. No caso francês, envolvido
com a guerra de libertação na Indochina, essa ajuda foi
providencial, fornecendo grandes quantidades de aeronaves e
navios para uso nesse conflito.
Já o programa FMS atuava na venda direta dos equipamentos e
missões de treinamento para os países aliados requisitantes. A
venda desses equipamentos através do FMS era feita entre os
governos dos países que compravam o material e o governo
estadunidense, que atuava como intermediário na venda entre os
países e as suas indústrias de defesa. Esse tipo de programa de
venda, ainda ativo e bastante comum atualmente, necessitava de
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
aprovação do congresso para ser efetivada, sendo que os países
que receberiam a ajuda teriam que cumprir regras estritas, e, caso
houvesse o descumprimento de alguma cláusula, o país seria
impedido de conseguir peças de reposição e novos equipamentos,
ou mesmo ter bloqueado a entrega de equipamentos já pagos.
Mais uma vez, esse modelo de cooperação criado pelos EUA, não
se fazia homogêneo, diferenciando os equipamentos que
poderiam ser entregues aos países, segundo sua posição no globo,
proximidade política com os EUA e a sua geoestratégia.
Equipamentos classificados como estratégicos raramente eram
repassados aos países fora do pacto da OTAN. Países latinoamericanos e do sudeste asiático, como Vietnam, recebiam
equipamentos de segunda linha, bastante úteis em cenários de
combate a guerrilha, porém ineficazes para enfrentamentos
clássicos.
Já países que detinham um lugar privilegiado na política externa
estadunidense, situados dentro do arco da “Estratégia de
Contenção” de Kennan, como o Irã da era do Xá, conseguiam
acesso à equipamentos considerados extremamente sofisticados,
como os aviões F-14 e mísseis Phoenix, sendo que, somente esse
país receberia o avião além do próprio EUA. Novamente com
relação aos países latino-americanos, a política de transferência
de equipamentos militares para eles envolvia limitações no que
dizia respeito as suas capacidades, o que segundo as diretrizes de
sua política externa, deveria impedir esses estados de ter acesso a
armamentos avançados, não envolvendo assim a América Latina
em prováveis corridas armamentistas.
As restrições na venda e transferência de equipamentos militares
aos países sul-americanos conseguia assim, limitar seu potencial
de defesa, através do cerceamento a tecnologias de ponta,
limitando a capacidade bélica desses países. Como observa
Martins Filho (2005), o expediente de transferência de material
oriundo do conflito mundial se manteve até o início da década de
1960, quando ainda se transferiam materiais pesados aos países
latino-americanos, porém compostos em sua maioria de sobras do
conflito mundial. Em seguida, o material destinado a América
Latina passou a ser primordialmente destinado ao combate a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
101
Vinicius Modolo Teixeira
102
contra-insurgência, ou seja, material leve de combate a guerrilha.
Ainda segundo o autor, a subida ao poder de Fidel Castro, em
Cuba, foi o ponto deflagrador dessa nova fase da “ajuda” militar
dos EUA voltada para o combate interno, claramente inadequado
à defesa nacional.
Mas o impacto mais direto dos acontecimentos de Cuba foi
a ascensão da teoria da contra-insurreição. Nesse sentido,
podemos propor como um dos marcos divisórios da nova
política um documento preparado pela seção de
Planejamento de Políticas do Departamento de Estado em
janeiro de 1961, com o título: “A New Concept for
Hemispheric Defense and Development”. Em sua
proposição central ele sugeria substituir a idéia da defesa
coletiva do hemisfério contra um inimigo externo pelo
conceito de manutenção da ordem interna no hemisfério. A
teoria da “contra-insurreição” era o pilar dessa concepção.
(MARTINS FILHO, 2005, p.118-119)
A partir do planejamento da segurança hemisférica, da assinatura
do TIAR e do envio de material bélico para os aliados
estadunidenses no continente, ficou claro o cerceamento
tecnológico a que passaram a serem submetidos os países
americanos sob a égide hegemônica dos EUA. Na década de 1960
para substituição das aeronaves de caça da Força Aérea Brasileira,
vislumbrava-se a aquisição de aeronaves modernas e com
avançadas capacidades de combate para aquela época.
No processo de escolha do novo modelo de caça, a FAB havia
selecionado o modelo o McDonnell Douglas F-4 Phantom II
produzido nos EUA, aeronave que combatia nos céus do Vietnam e
era o principal caça dos Estados Unidos, dotado de um potente
radar e mísseis de longo alcance. Entretanto a compra desse
modelo foi vetada pelos EUA que não tencionavam a introdução
de um avião com tais características na América do Sul, o que
poderia resultar em corrida armamentista, principalmente
quando considerada a rivalidade com a Argentina. A venda dessas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
aeronaves também foi requisitada pela Venezuela em 1971, como
comprova um memorando entre o então assistente de assuntos de
segurança nacional Alexander Haig e o Presidente Richard Nixon.
Nesse documento é ressaltada a intenção de não se introduzir esse
tipo de armamento na região, que no caso Venezuelano afetaria as
relações com a Colômbia, já que, esses países mantinham
pendências fronteiriças:
A Colômbia, cujas relações com a Venezuela estão tensas
devido a uma disputa de fronteira, iria reagir bruscamente
para a venda de F-4 para a Venezuela. Eles iriam ver a
venda como favoritismo, particularmente desde que lhes
disse no ano passado que iria vendê-los apenas aviões da
geração do F-5/A-4. Apesar da ênfase do Presidente
Caldera sobre a natureza defensiva do F-4, eles tem a
capacidade de bombardear Bogotá.
Seria extremamente difícil de explicar para outros países
latinos, como o Brasil e a Argentina, porque estamos
fazendo uma exceção para a Venezuela quando rejeitamos
seus pedidos para F-4 previamente. (U.S DEPARTMENT OF
STATE, 1971, tradução nossa)6
Ainda nesse mesmo documento é revelada a intenção de liberar
pela primeira vez a venda de caças F-5E armados com mísseis, o
que seria a primeira venda do tipo para a região, que somente foi
Colombia, whose relations with Venezuela are currently strained over a
border dispute, would react sharply to the sale of F–4's to Venezuela.
They would view the sale as favoritism, particularly since we told them
last year that we would sell them planes of the F–5/A–4 generation only.
Despite President Caldera's emphasis on the defensive nature of the F–4,
it does have the capability to bomb Bogota.
It would be extremely awkward to explain to other Latin countries, such
as Brazil and Argentina, why we are making an exception for Venezuela
when we turned down their requests for F–4's previously. (U.S
DEPARTMENT OF STATE, 1971).
6
A Cooperação em Defesa na América do Sul
103
Vinicius Modolo Teixeira
104
permitida após a introdução de aeronaves francesas Mirage com
armamentos similares. Fica patente na leitura desse documento a
preocupação interna do Governo dos EUA em manter uma política
uniforme em relação aos países sul-americanos, não concedendo
privilégios a nenhum deles, contribuindo dessa forma para a
manutenção da balança de poder no subcontinente, realizada
através de um nivelamento marginal das capacidades militares
desses países.
A política limitante dos EUA com relação às armas sofisticadas
para esses países eram baseadas na emenda constitucional ConteLong e Symington, agregadas ao Foreign Assistance act de 1967
(MARTINS FILHO, 2005) que limitava a ajuda econômica a países
com altos gastos militares e, acabou levando a uma situação
contraditória para a política externa dos EUA, que nas décadas
anteriores via a ajuda militar originada nos EUA como uma forma
de conter as exportações de armas da Europa.
Com as limitações impostas pelo congresso estadunidense, os
países latino-americanos que a despeito das lutas internas para a
contenção de movimentos de esquerda, também vislumbravam a
aquisição de equipamentos mais condizentes para formação de
um aparato de defesa nacional, sentiram-se tentados a buscar
outros fornecedores para os seus requerimentos operacionais, e
estando fora de questão a aquisição de material soviético, essa
escolha recaiu sobre os fornecedores do velho continente. Sendo
assim, a partir dos anos 1970 os países da América do Sul que
buscaram se equipar com material relativamente moderno, foram
às compras em países como a França, Inglaterra e Itália,
adquirindo navios, submarinos, aviões e helicópteros com
tecnologia que antes seriam impossibilitadas de serem fornecidos
pelos EUA.
As políticas de cerceamento de tecnologia militar empreendida
pelos EUA não encontravam consenso na política interna, havendo
grupos que defendiam flexibilização nas listas de produtos que
poderiam ser oferecidos as nações aliadas (MARTINS FILHO,
2005). E assim como no seio da política estadunidense havia
divergências, na América do Sul, os países receptores da ajuda
militar, grupos nacionalistas dos governos militares já ansiavam
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
mais independência na aquisição e fabricação de aparatos com
maior poder de fogo, tendo aí o nascimento – em alguns casos o
fortalecimento – de complexos industriais militares, onde se
destacaram o Brasil e a Argentina, principalmente.
Com a proibição da venda de um vetor supersônico proveniente
dos EUA para a Força Aérea, a escolha do novo avião para a FAB
recaiu sobre o francês Mirage III, que começou a ser entregue a
partir de 1972, destinado a operar em Anápolis, próxima ao
Distrito Federal. Em conjunto com o novo avião, o governo
brasileiro adquiriu um moderno sistema de controle aéreo, que foi
implantado nas três regiões mais populosas do país, provendo
assim a modernização da estrutura comercial e militar do sistema
de transporte aéreo brasileiro, sistema este, que vinha
encontrando dificuldade de ser adquirido através de contratos
com os EUA.
Para os países europeus, as restrições impostas pelo governo dos
EUA não só a países da América Latina, mas como também para a
África e Ásia, abriu as portas para a venda de seus equipamentos
militares, que acabaram por se tornar símbolos desse complexo
industrial nessa época, ajudando a reerguer a produção militar
europeia. Os caças franceses Mirage, comprados pelo Brasil
também foram adquiridos por Argentina, Chile, Colômbia,
Venezuela, Equador e Peru. Para as marinhas, as fragatas italianas
e britânicas, os submarinos Oberon desta última e os alemães IKL209 também fizeram sucesso. Nos exércitos dos países sulamericanos, os fuzis de fabricação belga FN-FAL foram adotados
quase que como padrão, e os canhões suecos Bofors, tanques
franceses e sistemas de mísseis anti-blindados completavam parte
do quadro de sucesso obtido pelos europeus nas exportações de
armas para a América do Sul.
A intenção estadunidense de frear a importação de armas da
Europa e evitar possíveis corridas armamentista na região, e com
isso - supostamente - as rivalidades e conflitos entre os países, se
configuravam como um duplo fracasso. As tensões contidas
dentro do complexo regional sul-americano estiveram próximas
de encontros decisivos entre as forças armadas dos países
contentores, e como motivação, já que as históricas questões
A Cooperação em Defesa na América do Sul
105
Vinicius Modolo Teixeira
106
territoriais vieram mais uma vez à frente das políticas externas,
dessa vez com governos ditatoriais que viam a iniciativa militar
como a solução óbvia as disputas, permeados, além disso, por
iniciativas
de
cooperação
eminentemente
econômicas,
desprovidas de entendimentos de natureza estratégica.
O movimento sinuoso das relações entre Brasil e Argentina já
havia sido pauta nos encontros entre os chefes de Estado,
buscando afastar as desconfianças e perpetuar uma relação
amistosa, para prosseguirem uma forma de cooperação eficaz. Em
1961, o então presidente Jânio Quadros se encontrou com o seu
par argentino Arturo Frondizi, em Uruguaiana. As relações
bilaterais entre os dois países foi um dos temas da conversa, na
qual o presidente Frondizi, julgava necessário afastar as
desconfianças que os cercavam para se unirem em um esforço
comum, fazendo um dos últimos apelos a questões que envolviam
questões militares entre os dois países, para que promovessem a
confiança mútua necessária antes de acordos voltados a ganhos
econômicos. Segundo Moniz Bandeira os dois presidentes:
[...] Comprometeram-se então a retirarem respectivamente
as tropas estacionadas nas fronteiras entre os dois países,
que, dali por diante, não mais competiriam para influenciar
os vizinhos, como Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile e sim
coordenariam esforços para os desenvolver. (MONIZ
BANDEIRA, 1987, p.38).
Apesar do discurso cooperativo, no sentido de desmobilizar as
tropas que se aquartelavam em seus limites, os governos militares
que se seguiram no poder dos dois países não levaram adiante o
empreendimento, e, no caso do Brasil, o reforço nas guarnições do
Estado do Rio Grande do Sul continuou nas décadas seguintes,
tornando o estado mais militarizado do país, tal qual fora no
período colonial.
Entre as questões militares que suscitavam a rivalidade na
América do Sul, surgiam também intenções para o
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A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
desenvolvimento econômico conjunto da região. Criada em 1948
como uma das cinco comissões regionais da Organização das
Nações Unidas para esse fim, a Comissão Econômica para América
Latina, CEPAL, tinha como propósito monitorar as políticas
direcionadas ao desenvolvimento econômico da região,
assessorando as ações para prover o engrandecimento das
relações econômicas entre os países da região. Dessa maneira,
alguns acordos foram construídos entre uma seleção de países,
sob os auspícios da CEPAL, e passaram a ser chamados devido a
sua origem nessa comissão, de acordos “cepalinos”.
Nesse sentido os projetos baseados em intercâmbios econômicos
e supressões tarifárias entre os países membros, tiveram início na
década de 1960, com a criação da Associação Latino-Americana de
Livre-Comércio (ALALC), em que participaram países com a
intenção de formação de uma zona de livre comércio até o ano de
1973. Dentre os países que compunham esse acordo estavam, em
um primeiro momento, Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai,
Peru e México, aos quais ainda na década de 1960 seriam
agregados Venezuela, Bolívia, Colômbia e Equador, completando
assim os países sul-americanos, mais México.
As intenções de associação à ALALC, em 1960, eram de
estabelecer uma zona de livre comércio até 1972, através da
eliminação gradual de barreiras entre o comércio intra-regional.
Para que o prazo de 12 anos entre a assinatura do tratado com os
primeiros membros, e os objetivos finais planejados para 1972
fossem cumpridos, os países participantes da associação
formularam listas de produtos que deveriam ter seus impostos de
entrada nos outros países reduzidos, sendo que essas listas
seguiam ordens nacionais, comuns e especiais, as quais visavam
também o favorecimento das nações menos desenvolvidas do
bloco.
Nos seus primeiros anos a construção do projeto de cooperação
através das listas de produtos a terem seus impostos reduzidos
obteve relativo sucesso, chegando a um entrave, porém, já no fim
da década, associado aos golpes militares na maioria dos países da
região e a postura desses novos governos para com o futuro do
bloco. Dessa maneira esse primeiro projeto integracionista não
A Cooperação em Defesa na América do Sul
107
Vinicius Modolo Teixeira
108
logrou sucesso. A tentativa de dar mais fôlego ao comércio
regional com a entrada dos novos membros na década de 1970,
também não surtiu o efeito desejado, já que a sequencia infrutífera
de reuniões para dar seguimento à liberalização das tarifas
continuou de forma lenta e sem os resultados esperados.
Dada a impossibilidade de alcançar os objetivos planejados para o
ano de 1972, o ano de 1980 surgiu nessa época como a nova data
para atingir as metas se supressão tarifárias, ano no qual ocorreu
também a mudança de nome para Associação Latino Americana
de Integração (ALADI). Isso ocorreu como observa Silveira (1992),
na tentativa de superar os entraves, substituindo o acordo que
visava criar uma zona de livre-comércio, por outro de criação de
uma área de preferências econômicas, integrada por um conjunto
de mecanismos de predileções tarifárias de âmbito regional. O
desenvolvimento da proposta foi marcado por um começo
promissor, seguido de incompatibilidades, impasse e imobilismo,
dando margem para o surgimento de outras propostas de
integração marginais a essa, o que entendemos atuar de maneira
concorrencial a essa proposta original.
O surgimento de uma proposta que envolvia somente países sulamericanos, também baseado nas orientações “cepalinas” de
desenvolvimento comercial, se deu com a formação do Pacto
Andino7, que aparecia já em 1969, como alternativa regional à
ALALC, e que utilizava os limites geográficos da Cordilheira dos
Andes para a orientação do conjunto de países que comporiam o
projeto. Essa proposta iniciada no fim da década de 1960 tinha
como planos a formação de um mercado comum entre os países
membros. A proposta de criação desse bloco nascia assim, de
forma a concorrer com o projeto da ALALC, que já apresentava
sinais de desgaste e insatisfação de vários membros, promovendo
desconfianças quanto ao seu futuro e potencial de integração
regional.
Esse bloco, a despeito das intenções de integração mais
ambiciosas do que as contidas na ALALC, prevendo programas
industriais, agropecuários e de integração física, ainda assim era
7
Chamado a partir de 1996 de Comunidade Andina de Nações.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
baseado, sobretudo, em fundamentos econômicos, aos quais se
somavam antigas disputas e rivalidades entre seus países.
As antigas questões envolvendo a tríplice fronteira de Peru,
Bolívia e Chile sempre foi tema recorrente nas relações entre
esses países, levando o Chile, no período do governo Pinochet a
criar diversos campos minados nas regiões fronteiriças com o
Peru e Argentina, espalhando cerca de 180 mil artefatos
antipessoais e antitanque pelas planícies desérticas do Atacama,
nos campos austrais e em áreas da cordilheira, sendo esses os
campos minados situados a maior altitude no mundo.
As questões que envolviam Peru e Equador também se faziam
presentes nas relações bilaterais, os quais freqüentemente se
envolviam em combates na região não demarcada, com relatos de
diversos incidentes e incursões militares por parte de ambos os
países. A Venezuela – que aderiu ao bloco em 1973 – e a Colômbia,
que também fazia parte do Pacto, também mantinham até aquele
momento pendências territoriais, porém, em situação
relativamente mais calma do que a dos demais países.
Tal situação demonstrava a fragilidade do Bloco, que se assentava
sobre bases onde o potencial de conflito militar entre seus
membros era sabidamente elevado, e que nos anos seguintes se
mostrariam reais. Assim, como compreender a existência de
programas de construção de infraestruturas de transportes para
prover o trânsito entre os membros do bloco, se as fronteiras se
encontravam ainda por serem demarcadas ou eram tomadas
como inválidas por um dos lados? No nosso entendimento essas
questões se colocam como incompatíveis, ou mesmo no limite do
antagonismo entre esses Estados.
A perda da visibilidade sobre acordos que encerrassem em seus
documentos ações para a dissolução de contendas e aumento da
confiança mútua entre seus pares, em detrimento dos que se
concentravam sobre as trocas comerciais, não desfaziam os
possíveis laços estratégicos que haviam se formado no século XIX,
e que de alguma maneira, se sobressairiam sob os pretensos
acordos de bases econômicas no momento histórico que assim o
impelisse.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
109
Vinicius Modolo Teixeira
110
Como prova da fragilidade e da não inclusão de mecanismos de
elevação da confiança entre suas forças militares, o Chile anunciou
sua saída do bloco já em 1976, devido às incompatibilidades
econômicas adotadas pelo novo regime, de cunho liberalizante,
em oposição às medidas do bloco, pautadas pelo protecionismo.
Apesar da saída do Chile, principal economia do bloco,
mantiveram-se os laços estratégicos desse país com o Equador,
que viam o Peru como fonte de ameaça para ambos em suas
fronteiras. Havia também laços que ligavam o governo peruano
aos seus pares argentinos, como forma de contrabalançar o
poderio chileno. Com esses fatos, o Pacto Andino tomou rumos
morosos, semelhantemente ao que vinha acontecendo com a
ALALC/ALADI, que tinham motivado os países da cordilheira a
tomarem a iniciativa de construção de um mecanismo de
integração em separado.
As questões fronteiriças entre Peru e Equador viriam a explodir
de vez no início de 1981, quando o Peru avançou com seu exército
por sobre postos militares do Equador, iniciando um confronto
que contou com todo o potencial militar dos dois países para a
solução da contenda, sendo reportados diversos abates de aviões
pelos dois lados. Caíam por terra as possíveis intenções dos EUA
em evitar confrontação armadas entre países sul-americanos
através da proibição de venda de certos materiais a esses países,
já que nessa época, ambos utilizavam materiais de origem
europeia.
O Peru, contava também com equipamentos provenientes da
União Soviética, primeiro país sul-americano a buscar material
militar no bloco comunista, tendo em vista as proibições de
fornecimento impostas pelos estadunidenses.
Ficava claro com esse conflito que a construção de um bloco
econômico sem antes assegurar minimamente a emersão de um
conflito armado através da cooperação militar e construção da
confiança, tornava seu avanço impossível dado o contexto das
rivalidades sul-americanas.
Outro problema identificado com a construção do Pacto Andino é
a situação interna do subcontinente sul-americano, em que a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
participação limitada aos países da cordilheira demonstrava uma
fratura na integração do subcontinente e expunha a América do
Sul à concorrência dos outros países e de novos acordos.
Nesse sentido o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) surgiu
no fim da década de 1970 em um momento bastante intenso da
vida política dos países sul-americanos, devido à ocorrência de
conflitos, a manutenção de rivalidades diversas, e as intenções de
integração com origens na CEPAL. Como forma de inserção do
Brasil na região noroeste da América do Sul, as bases do TCA
foram lançadas de forma a superar a exclusão promovida pelo
Pacto Andino em relação ao Brasil, e também como possibilidade
para a execução de um plano para auxiliar o desenvolvimento de
sua região Amazônica, em crescente importância para o país
naquele momento, que contava ainda de certa maneira, com o
arrefecimento das tensões entre Brasil e Argentina na Bacia do
Prata.
A criação da Comunidade Andina de Nações buscando a
integração dos Países da região do Pacífico afetaria em grande
monta o envolvimento do Brasil na região Amazônica, o que seria
uma ameaça para sua economia e geoestratégia, principalmente
por esse bloco estar localizado na fronteira de sua região menos
desenvolvida.
O Pacto Amazônico foi certamente uma reação brasileira à criação
do Pacto Andino, na medida em que o Brasil era alijado de um
processo de integração feito às suas “costas”, e em uma área de
dificuldades de controle do território nacional. A proposição do
pacto em 1978 veio como resposta à Comunidade Andina e os
percalços que essa enfrentava, exemplificados pelas várias
concessões feitas ao Chile e sua posterior desvinculação do bloco.
O pacto veio ainda como uma resposta a demora venezuelana em
aceitar as condições das propostas para sua filiação. Aproveitando
o momento, o Brasil buscou com a formalização do TCA, sua
inserção na região noroeste da América do Sul, a partir de um
projeto de integração, de proposição própria, utilizando a
Amazônia como fator envolvente dos outros países, além de
excluir o Chile por questão física, importante economia
concorrente ao Brasil.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
111
Vinicius Modolo Teixeira
112
O Brasil pretendia não só diminuir receios dos vizinhos,
mas também impedir que a existência de um grupo
hispano-americano no norte da América do Sul (Pacto
Andino) levasse à exclusão do Brasil desse subsistema,
remetendo a diferenças com raízes nas disputas entre os
países ibéricos. O objetivo principal parece não ser
enfraquecer o Pacto Andino, como temiam seus membros,
mas apenas garantir a presença do Brasil nesse espaço subregional. [...] (ANTIQUERA, 2006, p.65)
Nessa época o governo militar começa também a se valer da
utilização do discurso da Pan-Amazônia para se referir à
Amazônia, definindo assim uma região multinacional. Desta
forma, buscava-se ampliar a visão desse território como área
pertencente a vários países, em contraposição à compreensão
reinante e sinonímica entre Brasil e Amazônia com que os
militares vinham se referindo à região, podendo a partir disso
fundamentar com mais segurança de aceitação a carta de
intenções aos outros parceiros.
O livro do General Meira Mattos, “Por uma Geopolítica PanAmazônica”, de 1980, traz esse discurso de forma clara,
argumentando fortemente sobre a importância da integração
dessa região como fator de autoproteção e preservação, que
deveria ser feita com a união de todos os países ali presentes,
frente à possibilidade de “ingerência” externa ao território da
floresta, o que sempre foi um fantasma a assombrar a Amazônia,
principalmente na visão da “caserna”. Apesar disso, uma proposta
envolvendo aspectos relativos à cooperação em Defesa foi
rejeitada desde o início, como observa Antiquera (2006). O TCA
tinha como objetivo final manter o Brasil como protagonista na
região.
A proposta do Tratado de Cooperação Amazônico teria um forte
argumento em seu favor e era de interesse de todos os envolvidos.
Tal projeto poderia incorporar definitivamente para a economia
dos países membros as áreas sobre o domínio da floresta
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
amazônica, o que para todos sem exceção, representava a parte do
país com os mais baixos níveis sociais e a porção menos ocupada
de seus territórios. A proposta representava desse modo a chance,
sobretudo, de integração nacional, em paralelo à realização da
integração internacional.
A continuidade de todos os projetos até então pensados não havia
sido interrompida, desenvolvendo-se concomitantemente a
ALADI, o Pacto Andino e o TCA, cada qual com objetivos
específicos e voltados para os interesses dos países agrupados,
diferenciando-se também pelos níveis de integração planejados e
os métodos para sua efetivação. De maneira geral, todos tinham
por base o mesmo intento, a busca por melhores condições de
desenvolvimento,
porém,
baseadas
principalmente
em
perspectivas de integração econômica e comercial, não
contemplando formas de superação de possíveis conflitos entre
seus membros. A execução concomitante desses projetos é
entendida como concorrente, já que não haveria a possibilidade
de atingir todos os objetivos planejados a todas as formas de
cooperação que até então se vislumbravam e se sobrepunham,
exaurindo assim as forças e as intenções de integração.
Esses acordos de origem econômica não foram suficientes para
alavancar a economia regional, e tampouco formalizaram a
construção de um bloco regional de forma efetiva. Além disso, as
diferenças e rivalidades contidas entre os países desses sistemas
de cooperação não foram superadas por esses tratados
comerciais, diferenças essas que voltaria a despontar nas relações
bilaterais de alguns deles, corroendo qualquer capacidade de
integração que as proposições econômicas pudessem conter.
Sendo assim, a construção de mecanismos de cooperação voltados
unicamente para o comércio regional, sem atentar para a
possibilidade de conflitos ainda latentes entre os países que
compunham os blocos, se mostraram frágeis e com pouca chance
de sobrevivência em médio prazo, o que, entretanto, não foi
apreendido pelas gestões posteriores que incorreram em erros
semelhantes.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
113
Vinicius Modolo Teixeira
114
Soma-se a essas questões, os acordos de defesa continental
firmados com os EUA, que mesmo restringindo o acesso a
determinados equipamentos, servia de argumento para a não
concepção de pactos regionais de defesa, contando certamente
com a influência desse país para que se algum grupo cogitasse tal
empreitada, ela não se efetivasse. A década de 1980 mostraria os
limites dos tratados firmados com essa potência e outras
perspectivas para a integração regional, na qual a cooperação em
defesa se mostraria primordial para os acordos a serem firmados,
inclusive, para a superação da maior rivalidade contida no sistema
regional, entre Brasil e Argentina.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
2.5 – A Guerra das Malvinas e a
Aproximação Brasil e Argentina: a
importância da questão militar nesse
processo.
Enquanto o Brasil se desenvolveu ao longo de sua formação
independente como um país praticamente delimitado, agregando
porções territoriais através de acordos e arbitragens
internacionais, sem se envolver em conflitos fronteiriços - como
foram as questões acreanas, a das Missões e os tratados
celebrados no início do século XX, com os países amazônicos que
colocaram fim a qualquer pendência territorial do país -, a
Argentina sentia-se espoliada de sua herança deixada pelos
espanhóis no findar da colonização.
As perdas territoriais sofridas pela Argentina são certamente as
maiores já sofridas entre os países sul-americanos, tendo cedido
territórios para todos seus vizinhos, além da perda das Ilhas
Malvinas. Dentro das requisições argentinas, essas áreas faziam
parte segundo seus argumentos, do antigo Vice-Reino do Rio da
Prata. Essas regiões perdidas para os países vizinhos
permaneceram no imaginário nacional, e enquanto o Brasil se
fazia um “país satisfeito” – segundo seu próprio discurso para não
intimidar os vizinhos – a Argentina se sentia prejudicada pelo
destino.
Na década de 1970, a situação com relação a questionamentos
fronteiriços se tornou intensa. Duas áreas em específico traduziam
com mais voracidade as pendências territoriais do país platino, o
Canal de Beagle e as Ilhas Falklands/Malvinas. Nessa época, no
ano de 1979, o General Juan Enrique Guglialmelli, militar e
geopolítico argentino, diretor da Escola Superior de Guerra
argentina e da revista de geopolítica Estrategia, publicou uma de
suas mais importantes obras, o livro “Geopolítica del Cono Sur”, em
que na capa e contracapa, figurava a imagem do mapa argentino
com todas as áreas perdidas pelo país, então sob o nome de
Virreinato del Rio de la Plata. Apesar de este autor reconhecer a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
115
Vinicius Modolo Teixeira
116
importância da integração regional, em específico com o Brasil na qual propunha a superação da rivalidade como única
alternativa para aumentar suas respectivas capacidades de
negociação frente aos órgãos econômicos e financeiros
internacionais - a publicação do livro com tal imagem, reforça a
ideia contida no imaginário popular argentino das perdas
territoriais sofridas, representando um ponto inquestionável do
fulcro patriótico portenho, muito bem aproveitado, poucos anos
depois.
Essas questões territoriais históricas, aliadas a possibilidade de
novas perdas com caráter estratégico para o Chile, juntamente
com as negativas do governo britânico em não negociar a
soberania das Ilhas Falklandas/Malvinas, levaram os governos
militares instituídos naquele momento, na Argentina, a optar
pelas armas.
Os anos anteriores aos conflitos ocorridos no Cone Sul foram
bastante conturbados para a Argentina e, de certa forma,
contribuíram para que a contenda histórica com o Chile tomasse
um rumo decisivo para o conflito e, para que a invasão das ilhas
no Atlântico Sul se efetivasse.
Em um período de pouco mais de 15 anos a Argentina enfrentou
dois golpes militares, intercalados pelo governo civil de Juan
Domingos Perón, que veio a falecer e foi substituído por sua viúva
Isabelita Perón, tornando a situação política mais dramática.
Tanto os governos militares quanto os governos peronistas não
conseguiram inverter a trajetória de declínio que enfrentava a
economia argentina originada nos anos 1950, sendo que as opções
realizadas por esses governos tiveram efeito inverso ao de salvar
a economia do país, ampliando as dificuldades, que ainda hoje são
sentidas.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
117
Figura 2: Figura que ilustra a capa do livro Geopolítica del Cone Sur de
Juan Enrique Guglialmelli (1979). Modificado por TEIXEIRA, 2013.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
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O golpe militar de 1966, chamado de “Revolução Argentina”, levou
ao governo o General Juan Carlos Onganía, o qual tentou
restabelecer a condição de preponderância argentina na Bacia do
Prata, dessa vez através da formação do vice-reino do Rio da Prata
por meio das teorias das “fronteiras ideológicas” (MONIZ
BANDEIRA, 2003). Essa política pregava que a influência sobre o
Paraguai, Uruguai e Bolívia fosse preponderantemente argentina,
o que a colocaria como a primeira potência da América Latina, no
pensamento dos militares, tornando-a também a primeira opção
dos EUA caso viessem a escolher um aliado privilegiado no
continente, sentindo-se então, em melhores condições do que o
Brasil para tal posto.
A situação que se delineou nos anos seguintes, entretanto, não foi
favorável para o governo argentino, na medida em que o apoio
brasileiro aos golpes de estado nos países vizinhos trouxe-os para
sua órbita de influência. Com isso, segundo Moniz Bandeira
(2003), o Brasil ampliou o desequilíbrio geopolítico na região em
seu favor, ao qual se somava o Chile pelas suas questões
fronteiriças com a Argentina, formando assim um cordão de
isolamento geopolítico, com posturas antagônicas, que não
favoreciam o pensamento argentino de inserção na América do
Sul.
O governo de Juan Domingos Perón, que sucedeu os militares, fez
um grande apelo ao seu governo passado, mas foi deficiente nas
tentativas de reverter a situação econômica do país. Essa situação
de crise ampliou-se com a sua morte e, durante o governo
chefiado por sua viúva predominaram altas taxas inflacionárias e
redução nas exportações.
A situação calamitosa permitiu mais uma vez aos militares
argentinos assumirem o controle do país, cada vez mais
perseguindo ações para colocar a Argentina como um país chave
para as políticas dos Estados Unidos. Na visão desse último, a
Argentina reuniria melhores condições do que o Brasil para ser o
aliado estratégico dos EUA no continente, já que nosso país
acabara de romper sua aliança com EUA, aderindo a um acordo de
cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Essa busca em se tornar um parceiro privilegiado dos EUA na
região era reforçada pela política brasileira de não mais se
envolver de forma dependente com os norte-americanos, a partir
de 1975, dada as inúmeras recusas de transferência tecnológica e
a mudança para a linha nacionalista dentro do governo militar
brasileiro, que acabaram gerando o afastamento entre os dois
governos e a ruptura de acordos militares em 1977.
Assim a solução encontrada pelos governantes, para
contrabalançar o perigo externo, foi buscar manter uma
relação “especial”, ou de “inserção subordinada” (Moneta,
1986, p. 188) com os Estados Unidos, atrelando os
interesses da Casa Rosada aos da Casa Branca, o que
significava o rompimento da política externa peronista,
conhecida como Terceira Posição, a qual pregava a busca de
benefícios políticos e econômicos pela “manutenção” de
uma eqüidistância entre as duas superpotências (Estados
Unidos e União Soviética). (ESPÓSITO NETO, 2006b, p.8)
Essa busca pela inserção subordinada aproximou os militares
argentinos de interesses estadunidenses na América Central, uma
vez que o governo militar portenho se envolveu no treinamento
de forças de combate a contra-insurgência, papel que cada vez
mais era atribuído aos militares sul-americanos no combate as
guerrilhas de esquerda. A violência imposta pelo novo governo
militar na argentina, ficaria marcada com o desaparecimento de
30 mil civis e inúmeros casos de atrocidades, como os “voos da
morte” e o sequestro de bebês pelos militares.
No âmbito de suas relações internacionais, a Argentina estava
envolvida em disputas diplomáticas envolvendo o Chile e o Brasil,
sempre com o eminente risco de que essas disputas se
enveredassem para a solução armada, porém nessa época, essa
hipótese foi mais considerada do que nunca.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
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Ao longo da ditadura argentina (de 1976 a 1983), a política
internacional do Estado argentino sofreu algumas
importantes alterações, quando comparada com a política
externa dos governos peronistas. Uma das principais foi o
aumento do emprego da dissuasão militar para resolver
problemas na área internacional, especialmente com países
lindeiros, o que tornou a Argentina protagonista de
diversos momentos de tensão e de conflito no Cone Sul.
(ESPÓSITO NETO, 2006b, p.1)
A disputa envolvendo o Brasil nessa altura era relativa à utilização
das águas do Rio Paraná e ao potencial hidroelétrico da Bacia do
Rio da Prata. No cerne da questão estava a construção da
hidroelétrica binacional de Itaipu na fronteira entre o Brasil e o
Paraguai, o que afetaria os planos do governo argentino na região.
Se concluída, a obra teria efeitos tanto para a economia argentina,
em franca decadência frente à brasileira que vivia seu milagre
econômico, quanto para a geopolítica da região, já que traria o
Paraguai definitivamente para a esfera de influência do Brasil
(MONIZ BANDEIRA, 2003).
Os interesses argentinos nas águas da Bacia do Rio da Prata
envolviam a construção de outra represa também com a
participação do Paraguai, denominada Corpus, e que, segundo o
governo, seria afetada pela represa de Itaipu, tornando-a inviável
do ponto de vista econômico, já que com a construção da mesma,
o Paraguai teria um enorme excedente energético, bastando para
o seu consumo interno, a energia de apenas algumas poucas
turbinas da nova usina.
O outro problema de vizinhança envolvia o Chile e o extremo sul
do continente onde os dois países disputavam três pequenas ilhas
de interesse estratégico para ambos, que seria assim, um dos
últimos limites a ser demarcado entre os mesmos, pondo fim ao
longo processo histórico percorrido desde a formação desses
Estados, estando justamente, no fim do continente americano. A
fronteira que havia sido estabelecida ao longo da história continha
inúmeros erros cartográficos que abriam margem para dúvidas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
quanto à soberania de determinadas áreas fronteiriças, existindo
ainda, nessa região, as várias ilhas que se formam no fim da Terra
do Fogo.
A disputa entre os dois países envolvia a posse de três pequenas
ilhas, inabitáveis e sem fonte de riquezas imediatas no extremo do
continente americano, as ilhas Picton, Lennox e Nueva. Entretanto,
dada a sua localização mais a leste da Terra do Fogo, a posse de
tais ilhas pelo Chile o tornaria um país bi-oceânico, possibilitandoo exigir o limite de 200 milhas, atlântico adentro. Essa
possibilidade seria desastrosa para a geopolítica argentina que
almejava o controle da passagem estratégica entre o Atlântico e o
Pacífico, assim como o controle sobre o mar territorial dessa área,
e o mais importante, uma faixa de terra sobre o continente
antártico, que também era lembrada no mapa de Guglialmelli
como um território argentino.
Nos anos anteriores, a busca pela solução final nessa questão de
limites foi tentada através de mecanismos internacionais, levando
à arbitragem internacional, tendo a Rainha da Inglaterra como
mediadora, incorrendo, talvez, no erro de relegar à Inglaterra a
função de árbitro na questão, já que esse país matinha interesses
muito próximos aos do Chile, podendo assim tê-lo favorecido em
sua decisão final.
A decisão inglesa foi realmente favorável ao Chile, a qual lhe
concedia a posse às três ilhas em questão, permitindo, no entanto,
a livre navegação de embarcações argentinas e o acesso a Ushuaia
(território no extremo sul argentino). Tal decisão não foi aceita
pelo governo militar argentino elevando as tensões entre os dois
vizinhos.
Com a recusa argentina em aceitar a decisão inglesa, as tensões
com o Chile cresceram, tendo os dois países se posicionado na
fronteira a espera de um ataque inimigo, donde ocorreram
diversos incidentes, como a invasão do espaço aéreo por voos de
reconhecimento dos dois lados. As tensões entre os dois chegaram
a um ponto decisivo em fins de 1978, quando a esquadra
argentina foi enviada para a área de conflito e as tropas do
exército mantiveram-se em prontidão nos quartéis da fronteira a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
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Vinicius Modolo Teixeira
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espera do sinal para a invasão de territórios no Chile. Em Punta
Arenas, principal cidade chilena próxima as zona de conflito,
telhados de hospitais eram pintados com a cruz vermelha, em
clara preparação para o conflito eminente, enquanto que os canais
do estreito de Magalhães eram patrulhados por lanchas da
Armada (HIGUCHI; BASTOS JUNIRO, 2012).
A estratégia argentina estava colocada dentro do plano chamado
“Operação Soberania” que previa a invasão de diversos pontos do
território chileno, como a região próxima a capital Santiago e a
Puerto Monte, não se limitando a simples retomada das ilhas.
Tendo ainda em aberto as questões envolvendo a construção da
hidrelétrica de Itaipu, o segundo Exército argentino ficou a postos
na fronteira do Brasil, contígua ao Rio Grande do Sul, a espera de
um possível revide brasileiro, no que poderia ser a formalização
do antigo “arco estratégico” que envolvia Brasil e Chile contra a
Argentina.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
123
Figura 3: Mapa com a descrição das ações argentinas programadas para a
“Operação Soberania”. (HIGUCHI; BASTOS JUNIOR, 2012, p. 57)
Nesse momento da história, portanto, a Argentina abria duas
frentes de disputas diplomáticas que poderiam evoluir para um
conflito armado. Com o Brasil, a possibilidade de conflito era
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
124
cogitada devido à “rivalidade” histórica e à grande quantidade de
quartéis localizados na fronteira entre os dois países. Com o Chile,
além da rivalidade com esse país, a questão envolvia os futuros
planos geopolíticos argentinos de conseguir um território no
continente antártico e, o completo domínio dos mares do Atlântico
Sul. Apesar de ter um poderio militar comparativamente menor
do que o Brasil, além de uma maior dificuldade em defender seu
território, o Chile se mostrava muito mais propenso a se envolver
no conflito com a Argentina, demonstrando tal qual esse país, a
propensão para o uso de suas forças militares para a solução da
contenda.
A disputa envolvendo o aproveitamento energético da Bacia do
Prata com o Brasil, apresentava-se como o mais fácil a ser
resolvido pelos meios diplomáticos. Nesse sentido, as discussões
avançaram com o objetivo de anular uma confrontação armada,
favorecendo o projeto brasileiro em um acordo que seria
definitivamente selado no ano seguinte. O que pode ser entendido
como o resguardo de sua retaguarda frente a uma possível
evolução bélica tal qual se dava com o Chile naquele momento.
[...] A partir daí, os entendimentos para compatibilizar a
construção de Itaipu, em andamento, com o projeto de
Corpus progrediram favoravelmente ao Brasil, na mesma
medida em que a disputa pelo canal de Beagle se aguçava.
Assim, quando já ultimava os preparativos para a guerra
contra o Chile, que lhe parecia cada vez mais inevitável e
iminente, a Argentina, entre outubro e dezembro de 1978,
cedeu e aceitou que Corpus ficasse com a cota de 105m,
muito abaixo da que o próprio Azeredo da Silveira
oferecera ao chanceler Alberto J. Vignes durante o governo
de Maria Estela de Perón, (...) E, em 19 de outubro de 1979,
os dois países, juntamente com o Paraguai, firmaram o
Acordo Tripartite, com que superaram finalmente suas
divergências sobre o aproveitamento hidroelétrico do Alto
Paraná. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p. 435)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A Crise do Canal de Beagle realmente por pouco não deflagrou a
guerra final entre Chile e Argentina, com o Vaticano se
apresentando como mediador da contenda horas antes do que se
planejava ser a hora marcada para o início da Operação Soberania
e a tomada dos territórios chilenos. O Papa João Paulo II
apresentou uma nova proposta que mantinha as ilhas sobre o
domínio chileno, porém, negando que este país acessasse o
Atlântico (MELLO, 1996) pela requisição de uma provável ZEE
nesse oceano. Apesar dessa nova mediação, a Argentina não
aceitou de imediato tal acordo, mantendo com o Chile as relações
em um estado de animosidade.
Com a assinatura do Acordo Tripartite, em 1979, as relações entre
Brasil e Argentina encontraram um novo patamar, possibilitando
melhores trocas comerciais e acordos de cooperação assentados
sobre uma relativa tranquilidade. Esse primeiro momento de
mudança nas relações Brasil-Argentina, propiciou que os dois
países buscassem maiores entendimentos também no campo
militar, ressaltando a importância dessas relações para o
desenvolvimento conjunto. No ano anterior, a Marinha do Brasil
junto a Armada Argentina, iniciou a condução de exercícios navais
de maneira bilateral, chamados Operação Fraterno, sendo essa a
primeira aproximação militar realizada pelas Forças Armadas
desses países de forma autônoma 8, como aponta Moraes (2010).
Mesmo que o desenvolvimento conjunto de exercícios militares
não contemple de forma um acordo de cooperação em defesa de
maneira mais ampla, essa primeira aproximação, feita de maneira
independente pelas forças navais, sinalizava a possível mudança
de paradigmas nas relações dos dois países, tendo como
sustentáculo, a formação de uma base de confiança mútua entre
suas forças armadas.
A aproximação entre Brasil e Argentina vinha sendo talhada de
maneira gradual, tendo contribuído para isso como aponta
Exercícios envolvendo as marinhas dos dois países eram realizados já
anteriormente, como no caso das operações UNITAS, porém, nesse caso a
iniciativa para a sua realização era por parte unicamente dos dois países
sul-americanos, e não dos EUA como no outro exercício mencionado.
8
A Cooperação em Defesa na América do Sul
125
Vinicius Modolo Teixeira
126
Medeiros Filho (2010), o afastamento do Brasil dos EUA no ano
anterior, já que na medida em que o Brasil se afastava da potência
ocidental, ele fazia um movimento contrário rumo ao seu rival
regional. Por outro lado, o recrudescimento das relações entre o
Brasil e os EUA abriria as portas para que a Argentina assumisse a
posição de aliado privilegiado desse país, apontando assim, mais
uma vez, para opções de enlace com os EUA. Já o Chile continuava
a demandar atenção da junta militar argentina, mantendo tropas
ao longo de sua fronteira como prevenção ao conflito não
totalmente superado pela proposta papal.
Estando a questão do aproveitamento energético com o Brasil
resolvido e a disputa com o Chile colocada em “panos quentes”, a
Argentina teve que se voltar para o problema interno, referente à
crise econômica e à insatisfação popular quanto ao governo
militar do país. Os militares argentinos começaram, então, a mirar
outro objetivo que fazia parte do seu plano de controle do
Atlântico Sul. Por trás da geopolítica, a questão da soberania das
Ilhas Malvinas cumpria outra função, que era a de desviar a
atenção da população para um novo inimigo externo, no caso a
Inglaterra, buscando assim a união nacional em torno desse
problema de cunho territorial.
As ilhas Malvinas, localizadas a cerca de 500 milhas da costa da
Argentina, foram objeto de disputa entre França, Inglaterra e
Espanha nos séculos passados por se localizarem próximas da
passagem do oceano Atlântico para o Pacífico, sendo de especial
interesse para esses países coloniais. No momento da
Independência, em 1810, as Ilhas passaram às mãos dos
argentinos como herança do espólio espanhol na América do Sul.
Em 1833, a Inglaterra apoderou-se das Ilhas, desembarcando
tropas do navio Clio e seu capitão, J. J. Onslow, tendo sido enviado
com a missão de tomar posse das ilhas, ordenou que os argentinos
ali presentes se retirassem. A ocupação foi feita sem nenhum
disparo. Logo em seguida, a Argentina enviou um comunicado aos
países vizinhos, no qual informava sobre os acontecimentos,
passando a protestar contra a ocupação britânica das ilhas, já que
estes se consideravam herdeiros diretos da Espanha (DUARTE,
1986). Passados quase 150 anos da ocupação inglesa das Ilhas,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
essas se desenvolviam como uma pequena colônia britânica,
esquecida no Atlântico Sul.
Como forma de garantir a unidade nacional, a continuação dos
planos geopolíticos argentinos, e também do regime militar que
enfrentava a cada dia mais oposição interna frente à crise
econômica, o plano de recuperação das Ilhas Malvinas foi
elaborado antes que se concretizasse o aniversário de 150 anos de
ocupação inglesa. O plano argentino consistia em recuperar as
Ilhas de forma rápida, forçando o governo britânico a devolver as
Malvinas à Argentina, contando com a “vista grossa” dos EUA, que
não deveriam entrar no mérito da questão, já que tanto a
Inglaterra quanto a Argentina eram seus aliados e, o assunto
apenas aos dois caberia.
No pensamento militar argentino, o alinhamento das políticas
argentinas às de Washington, o apoio a sua posição de
confrontação com os soviéticos e o treinamento de tropas de
contra-insurgência na América Central, colocavam assim, a
Argentina em uma posição de enlace com os EUA. Com esse
pensamento, os militares argentinos enquadravam seu país em
uma posição de igualdade para com a Inglaterra no tocante à sua
importância para os EUA.
A intenção argentina era que a nomeada Operação Rosário, plano
de ataque para a retomada das Ilhas fosse efetivada nos meses de
inverno no hemisfério sul, dificultando uma reação inglesa por
mar, porém com o agravamento da crise política na Argentina, os
planos foram antecipados para o dia 2 de Abril. A retomada deu-se
com poucos enfretamentos entre os soldados britânicos e os
soldados argentinos que desembarcavam dos navios e veículos
anfíbios. Em poucas horas a bandeira portenha era hasteada na
capital das Ilhas.
Os planos argentinos tiveram sucesso no que tange a retomada do
arquipélago e na união nacional em torno da questão, sendo que,
manifestações foram organizadas em comemoração à iniciativa do
governo militar em recuperar parte de seu território. Dessa forma,
a invocação pelo governo militar argentino do território perdido
no Atlântico Sul, como artifício ante aos problemas internos,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
127
Vinicius Modolo Teixeira
128
reforça nossas proposições iniciais, baseadas na formação
territorial como símbolo maior para a identidade nacional dos
países sul-americanos.
[...] A população de Buenos Aires teve ciência da operação
nas Malvinas nas primeiras horas da manhã daquela
mesma jornada de 2 de abril, por uma cadeia de rádio e TV.
O povo em festa correu a reunir-se em frente à Casa
Rosada, Plaza de Mayo, como nos tempos do Vice-Reinado
do Rio da Prata, aguardando um pronunciamento do
Presidente General Leopoldo Galtieri, portando faixas e
cartazes, cantando hinos. O próprio CGT que, havia duas
jornadas, promovera manifestações contrárias ao Governo,
convocou os trabalhadores a embandeirar a cidade e a
comparecer à Plaza de Mayo [...] (DUARTE, 1986 p.94).
No que tange ao não envolvimento estadunidense e a reação
inglesa, que previa se limitar a um protesto internacional, os
argentinos não tiveram a mesma sorte, errando em grau e
número. O governo do presidente Ronald Reagan tentou mediar a
questão enviando por mais de uma vez para as capitais dos dois
países envolvidos, o agora secretário de Estado, Alexander Haig,
na tentativa de convencer os Argentinos a se retirarem das Ilhas e
a Inglaterra a abrir negociações a respeito da soberania das
mesmas. Dado o fracasso nas negociações, os EUA se
posicionaram ao lado dos britânicos, fornecendo apoio material e
logístico para a empreitada militar das Malvinas, possibilitando
que essas fossem retomadas após 74 dias do desembarque
argentino em Port Stanley.
Ao mesmo tempo em que a crise política e econômica afetava o
governo militar argentino, havia insatisfação em relação ao
governo da primeira ministra Margareth Thatcher na Inglaterra.
Assim o conflito das Malvinas pôs à prova os dois governos em
crise, encurtando o fim dos militares argentinos e fortalecendo o
governo inglês.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A participação de terceiros no conflito não se limitou aos EUA,
sendo que na América do Sul, Peru, Chile e Brasil tiveram um
envolvimento além do campo diplomático na contenda anglo argentina.
O Chile, que mantinha em aberto a disputa sobre o Canal de
Beagle, esteve presente no conflito de maneira provocativa,
movimentando tropas na fronteira com a Argentina, o que
obrigava esse país a manter guarnições de prontidão no
continente, como fez durante todo o conflito com a Inglaterra,
temendo o oportunismo chileno de aproveitar o momento para
ocupar os territórios austrais em disputa. O governo chileno, ante
a aproximação do Brasil com a Argentina e consequente
desaparecimento dos laços estratégicos, manteve uma posição
favorável aos ingleses, mesmo havendo indícios que este forneceu
suas bases militares no extremo sul, de onde operaram aviões e
helicópteros britânicos transportando tropas com o objetivo de
sabotar os aviões argentinos responsáveis pelos ataques aos
navios ingleses.
[...] O Chile encarava a presença inglesa no Atlântico SulOcidental como um freio às ambições navais argentinas e
opunha-se à devolução das Malvinas, que considerava um
risco à sua segurança nacional e um empecilho ao seu
projeto hegemônico no “conjunto estratégico chileno”.
(CHILD, 1987 apud MELLO, 1996)
O Peru além de fornecer apoio diplomático em favor da Argentina,
também, transferiu armas para apoiar os combates nas ilhas,
fornecendo mísseis antiaéreos russos e uma dezena de aviões
Mirage 5P de origem francesa recebidos ainda durante as
hostilidades, como forma de recompor as graves perdas sofridas
durante os combates e, superar o bloqueio militar imposto pela
Comunidade Econômica Europeia, que impedia o país de acessar
peças de reposição para essas aeronaves.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
129
Vinicius Modolo Teixeira
130
Essa postura deveu-se em parte por sua rivalidade com o Chile
que, no século XIX, ao findar a Guerra do Pacífico, tomou parte do
território peruano rico em reservas de salitre e guano. A atitude
peruana também pode ser considerada como o último lampejo da
aliança não escrita com a Argentina, na forma dos arcos
estratégicos, sendo que após o conflito, as alterações na política
exterior do país portenho não mais permitiram aproximações com
esse país motivadas pela rivalidade comum com o Chile.
A Venezuela foi outro país que deu apoio à reivindicação da
Argentina, a qual também mantinha uma disputa com a Inglaterra,
pela posse da região de Essequibo na Guiana Inglesa. A lógica por
trás desse apoio era de que, se a Inglaterra cedesse na questão das
ilhas Malvinas, abriria precedente para a devolução da região de
Essequibo à Venezuela. Para a Inglaterra, antiga potência colonial,
o risco da perda das Malvinas tornava-se ainda mais complexo
para a sua geopolítica, pois assim, outras questões territoriais
envolvendo suas possessões em outras partes do globo viriam à
tona, como de Gibraltar que envolvia a Espanha e Hong Kong com
China continental, o que também reforçava a postura dura por
parte dos britânicos na manutenção de seus pontos estratégicos.
Por sua vez, o Brasil estava em uma situação delicada, o que
implicava em ações calculadas, pois se incorresse em erro poderia
ter graves resultados para a sua economia e política externa. A
posição brasileira, porém, já se mostrava favorável à Argentina
antes do conflito ter início, refletindo uma melhora nas relações
entre os dois países que vinha desde a assinatura do Acordo
Tripartite em 1979. No período entre a assinatura do Acordo e a
eclosão do Conflito foram realizados diversos encontros entre as
autoridades dos dois países e em um desses, como mostra Tomaz
Espósito (2006a), o Ministério das Relações Exteriores deixou
claro o apoio à Argentina nas discussões sobre a soberania das
Ilhas. Sendo assim, o Brasil não poderia declinar de sua posição, já
que o que estava em jogo era a consolidação das relações entre
Brasil e Argentina. Sobre a questão, diversos autores se referem a
ela como “Neutralidade Ativa”, “Omissão Pragmática” e
“Neutralidade Imperfeita”.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Apesar de oficialmente assumir uma postura neutra, quando a
Inglaterra e a Argentina romperam as relações diplomáticas, o
Brasil assumiu a responsabilidade pela defesa dos interesses
argentinos em Londres, “o que na prática significou um apoio à
posição argentina”, (ESPÓSITO NETO, 2006a p. 114). Além disso,
havia o interesse brasileiro na retirada do poder naval inglês das
águas do Atlântico Sul, que tinha nas ilhas Malvinas a sua principal
base de apoio, sustentando assim o restante do cordão meso
Atlântico formado por Tristão da Cunha, Santa Helena, Georgias e
Ascensão. Locais estes, que ao contrario de suas possessões no
Caribe, não prestam serviços financeiros, mantendo posições
estratégicas em zonas de importantes rotas comerciais.
Para o Brasil, a saída do império britânico das águas austrais
representaria um trunfo maior para sua geopolítica, mesmo que
para isso, a Argentina sobressaísse com uma vitória militar.
As ações empreendidas pelo Brasil durante o Conflito, e que se
mostraram contrárias ao discurso de neutralidade, vão além da
defesa dos interesses argentinos em Londres. A Comunidade
Econômica Europeia (CEE) em apoio à Coroa Inglesa aprovou um
embargo de exportação de armas para a Argentina, freando a
entrega de produtos encomendados antes do Conflito, como no
caso dos mísseis Exocet franceses, além de sanções econômicas a
produtos com origem no país sul-americano. A partir disso, o
Brasil passou a exercer o papel de intermediário nas exportações
argentinas, que eram operadas por empresas brasileiras para
países que apoiavam o embargo contra os produtos argentinos,
ajudando a diminuir o enorme prejuízo que o país platino teve.
Segundo Moniz Bandeira (2003), o Brasil pouco se beneficiou
dessa condição, já que poderia ter ocupado o lugar da Argentina
dentro da CEE, como fornecedor de grãos e carne bovina. Para o
autor:
[...] O que interessava não era competir e obter,
circunstancialmente, o aumento da receita cambial, mas,
sim, suprimir o sentimento de rivalidade, estabelecer
confiança e fomentar as condições para ulterior integração
A Cooperação em Defesa na América do Sul
131
Vinicius Modolo Teixeira
132
da Argentina ao seu espaço econômico. Por isto, a
orientação do governo Figueiredo foi no sentido de
oferecer também facilidades para que a Argentina pudesse
escoar parte de sua produção agropecuária através dos
portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande [...] (MONIZ
BANDEIRA, 2003 p.449).
A posição inversa nas transações comerciais, porém, foram
afetadas e o Brasil aproveitou esse momento para ampliar a
presença no país vizinho como fornecedor de produtos
manufaturados, ocupando o lugar de empresas europeias
(ESPÓSITO NETO, 2006a).
No campo militar a situação brasileira não foi menos complicada e
teve maior repercussão na mídia por se tratar de um dos casos
mais sensíveis ao Itamaraty, em que a “neutralidade” brasileira foi
posta à prova. A esquadra inglesa ao iniciar sua jornada até as
Ilhas no Atlântico Sul teve vetada a utilização dos portos
brasileiros para reabastecimento, restando-lhes somente a Ilha de
Ascensão no meio do Oceano Atlântico como alternativa. Uma
única exceção foi dada a um navio inglês que transportava feridos.
Já a sua atitude em relação à Argentina foi positiva com relação à
ajuda despendida.
As forças armadas argentinas estavam bem equipadas, porém, a
força aérea precisava com urgência de um avião para realizar
patrulhas marítimas e localizar a Força Tarefa inglesa. A solução
para esse problema partiu do Brasil. No momento em que se
desenvolviam os combates nos mares do sul, a Força Aérea
Brasileira retirou de operação dois aviões de patrulha marítima
EMB-111, conhecidos como “Bandeirulhas”, encaminhando-os
para a Embraer em São José dos Campos, onde foi feita a
preparação para o envio de tais aeronaves para a Argentina, sendo
eles repintados nas cores da Armada daquele país.
As aeronaves foram encaminhadas à Argentina sob regime de
empréstimo sendo que, após findar o Conflito, foram devolvidas e
reincorporadas à FAB. Tal fato não passou despercebido junto ao
governo britânico que protestou em relação a essa negociação. O
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
governo brasileiro encontrou justificativa no fato de que esses
aviões se destinavam ao controle marítimo e não possuíam
armamento, além de que não havia uma resolução na ONU que
impedisse a negociação realizada entre eles (ESPÓSITO NETO,
2006a). Sobre esse fato recai ainda uma história pitoresca, onde
segundo consta, o embaixador brasileiro em Londres, teria sido
chamado para dar explicações sobre o empréstimo dos aviões
durante o conflito, e teria respondido que o governo brasileiro
estava em condições de fazer o mesmo à Inglaterra, caso fosse
solicitado, preservando assim a neutralidade e imparcialidade no
trato para com os dois combatentes.
Outro fato que encontrou repercussão na imprensa foi o pouso de
um avião inglês com problemas no aeroporto do Galeão, no Rio de
Janeiro. O avião bombardeiro AVRO Vulcan realizava uma missão
de ataque nas Ilhas Malvinas e no seu retorno à Ilha de Ascensão
teve problemas no reabastecimento em voo, sendo obrigado a
pousar em solo brasileiro. O governo do Brasil reteve a aeronave e
sua carga por vários dias e, ao liberá-lo, manteve o míssil que
carregava, no Brasil. Apesar de não prejudicar a empreitada
britânica de retomar as Ilhas, esse fato colocou mais uma vez o
Brasil em uma posição complicada, uma vez que a Argentina
exigia a retenção da aeronave e, a Inglaterra, a sua imediata
liberação.
A “neutralidade imperfeita” ou “ativa” do Brasil não logrou em
ressentimentos por parte da Inglaterra já que esta saiu vitoriosa
do Conflito. Um prejuízo tido pelo Brasil e que pode se relacionar
ao Conflito foi a diminuição do fluxo de crédito internacional e a
crise financeira brasileira, mas a esse fato estão associados outros
fatores como a crise mexicana (ESPÓSITO NETO, 2006a) e a
Guerra Irã-Iraque que influenciava na produção de petróleo do
Oriente Médio, entre outras coisas. Em relação à Argentina, a
posição como parceira comercial do Brasil foi fortalecida e desfezse o sentimento de “rivalidade” com o país platino. Segundo um
alto assessor da armada argentina: “O conflito estava servindo
para medir os verdadeiros amigos da Argentina” (ESPÓSITO
NETO, 2006).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
133
Vinicius Modolo Teixeira
134
A derrota argentina no conflito tornou insustentável a condição da
ditadura militar no país, a qual já sofria um desgaste antes dos
eventos, sendo que a tragédia selou em definitivo o destino desse
governo. A capacidade militar do país portenho, que antes do
conflito era tida como o mais bem equipado dentre os países da
América do Sul, foi bastante reduzida com as perdas sofridas nas
batalhas e a negativa de vendas pelos países europeus de novos
equipamentos. Logo em seguida ao fim dos combates, tal como
fizera o Peru, o Brasil cedeu 11 aeronaves de treinamento Xavante
para repor as perdas da aviação da Armada Argentina.
A superação da rivalidade e das hipóteses de conflito entre os dois
países tem assim, nos fatos desencadeados pelo Conflito das
Malvinas, parte importante de suas explicações. A aproximação
entre os dois governos, já ensaiada desde 1979 quando da
superação das questões que envolviam o aproveitamento
energético junto ao Paraguai, que também era levado a cabo no
campo militar – com o desenvolvimento de exercícios entre suas
marinhas –, era ainda mais reforçada pela conduta brasileira ao
apoiar, mesmo que de maneira velada, as ações bélicas de seu
vizinho platino.
Para esse trabalho, mais do que a aproximação política do acordo
Tripartite de 1979, a aproximação militar desenvolvida durante
conflito, e a débâcle argentina, reduziram as hipóteses de conflito
entre os dois países, possibilitando assim a construção da
confiança mútua, que evoluiria na década de 1980, até a formação
do MERCOSUL nos anos 1990, mais uma vez, demonstrando a
estreita ligação entre o conflito e a cooperação na América do Sul.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
3
A Construção da Cooperação na
América do Sul na Virada do Século
XXI
Vinicius Modolo Teixeira
136
A
construção da cooperação entre Brasil e Argentina, fator
que desvencilhou parte das relações de rivalidades sulamericanas, têm dois momentos como pontos cruciais para
esse processo: primeiro, o processo de aproximação política a
partir do Acordo Tripartite de 1979 que, em certa medida, foi
influenciado pelas questões geopolíticas daquele momento,
considerando a situação de beligerância da Argentina com o Chile;
e em segundo, a “débâcle” militar da Argentina no Conflito das
Malvinas, que gerou uma aproximação devido à postura de ajuda
do Brasil ao governo argentino durante a crise, com contribuições
notadamente na área militar, o que favoreceu a elevação do grau
de confiança mútua e o posterior retraimento das hipóteses de
conflito entre os dois países.
Considerando o retrospecto das tentativas de aproximação entre
esses países no século XX, onde a rivalidade e o poderio militar
foram considerados como pontos chave nas discussões que
tinham como objetivo engendrar uma aproximação econômica e
intercâmbios comerciais, os fatos ocorridos com a participação de
Chile e Inglaterra, no limiar dos anos 1970 e 1980, adquirem
importância fundamental para as análises da cooperação entre as
duas principais economias da América do Sul.
A perda de iniciativas no sentido da superação das questões
militares entre os países sul-americanos a partir da segunda
metade do século XX, transformando a integração em um assunto
pautado simplesmente por aspectos econômicos e de balança
comercial, demonstrou a incapacidade dessas propostas em gerir
a aproximação da maioria dos países, e menos ainda, da superação
de questões históricas de cunho territorial, inseridas no seio do
pensamento dessas nações de origem colonial.
Os conflitos e incidentes que se desenvolveram nesse período
foram desencadeados, fundamentalmente, por revisões de limites
fronteiriços, levando a batalhas dentro dos blocos de integração,
apresentando assim a dualidade entre conflito e cooperação, a
qual entendemos ter continuado até o presente devido a ausência
de propostas no âmbito da aproximação militar entre os membros
dos blocos econômicos, que nesse sentido, favoreceriam a solução
das contendas históricas e redução das hipóteses de conflito.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A aproximação entre Brasil e Argentina, os dois países mais
prósperos e que disputavam uma condição hegemônica na
América do Sul, caracterizou assim, um novo período na
geopolítica sul-americana, ocasionando também a divisão desse
território em duas frentes, uma mais propensa a aproximação e
condução de mecanismos de cooperação e outra, que também
continha mecanismos de integração, porém, permeados por
situações de tensão que foram exaltados até as últimas
consequências em disputas militares, como no caso entre Peru e
Equador.
Assim, MERCOSUL, Comunidade Andina, UNASUL e outros
mecanismos de cooperação com vistas à integração sul-americana
merecem destaque em separado, por se constituírem como a
segunda fase da integração da América do Sul. Apesar do relativo
sucesso desses blocos, quando se comparado às antigas iniciativas
discutidas no Capítulo 2, esses novos processos não conseguiram
superar importantes questões contidas no sistema sul-americano,
como a construção da confiança mútua entre suas forças armadas
e a retirada de forças militares das antigas zonas de litígio
fronteiriças.
Apesar de separados, as construções dos blocos econômicos do
Pacífico e Atlântico encontraram dificuldades parecidas, e mais
recentemente a volta de antigos assuntos desarticuladores
baseados na esfera militar, demonstrando que esses assuntos não
estão superados no subcontinente, e mais do que nunca, tornamse necessários a sua discussão, ao se projetar um novo processo
de integração.
Deve-se deixar claro que o objetivo desse capítulo é a discussão
das intenções de cooperação em defesa e acertos estratégicos
desenvolvidos na América do Sul e que estão ou não inseridos nos
novos blocos criados a partir dos anos 1990. Dessa forma, esses
mecanismos merecem maior destaque nesse trabalho, e não os
processos que levaram a estruturação desses blocos e os seus
ganhos econômicos, extensamente discutidos por outros autores e
que aqui são utilizados como subsídio à compreensão desses
mecanismos.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
137
Vinicius Modolo Teixeira
138
3.1 - A Construção da Cooperação e o
Arrefecimento
das
Hipóteses
de
Confrontação entre Brasil e Argentina:
da Cooperação Estratégica à Cooperação
Neoliberal na Nova Ordem Mundial.
As relações entre Brasil e Argentina no contexto pós-Malvinas
foram bastante prósperas, com a formalização de vários objetivos
para a construção de um projeto de integração, que tinham como
preceitos além da articulação entre as duas economias, que
podiam ser entendidas como complementares – principalmente
no tocante à produção agrícola – à busca pela construção de uma
parceria estratégica, no que se ressalta a cooperação na área
nuclear. Nesse contexto, o processo de redemocratização de
ambos os países até a metade da década de 1980 deu grande
impulso às conversações, despidos da retórica militar que antes
acompanhava as tomadas de decisões.
As relações diplomáticas, que já haviam estabelecido as bases
para a troca de informações nos projetos das usinas nucleares em
1980, foram intensificadas. A partir disso, as negociações sobre a
formação de um bloco econômico passaram do projeto à fase de
implantação, com a posterior participação do Paraguai e Uruguai,
os quais mantinham suas economias bastante ligadas a Brasil e
Argentina. Esses dois países dificilmente poderiam se esquivar
dos entendimentos entre os seus vizinhos, tanto pela importância
dos seus saldos comerciais com eles, como pela questão
geopolítica, que no caso da união aduaneira entre os dois últimos,
tornava a situação dos países menores incerta.
Os países menores, como o Uruguai, Paraguai e Bolívia,
perderam o espaço em que balouçavam, exercitando uma
política pendular a fim de explorar a rivalidade entre o
Brasil e a Argentina e assim obterem vantagens econômicas
e comerciais. (MONIZ BANDEIRA, 2003 p. 469)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A aproximação entre o Brasil e a Argentina teve início quando da
solução do conflito diplomático que envolvia a construção da
Represa de Itaipu, abrindo assim possibilidades para o
desenvolvimento conjunto. Porém o Conflito das Malvinas, a
despeito do seu caráter trágico, teve o papel de fortalecer enlace
momentâneo pelo qual passavam os dois países, aproximando-os
a partir de suas relações militares e de forma decisiva na
economia.
[...] Em razão da guerra pelas Falklands/Malvinas, a
Argentina perdeu seus parceiros políticos e econômicos
(Estados Unidos e Comunidade Econômica Européia), o que
resultou num processo de “mudança” de rota de sua
política internacional. A ênfase, no pós-guerra das
Falklands/Malvinas, era nas relações com os países
vizinhos, entre eles o Brasil [...] (ESPÓSITO NETO, 2006b,
p.21).
A derrota no Conflito das Malvinas teve consequências não só
para as Forças Armadas do país platino, como também a política
local, ainda na mão da ditadura militar, a qual tentara reverter seu
declínio no poder com o apelo a retomada dos territórios do
Atlântico Sul. A cortina de fumaça que o Conflito lançou sobre a
memória dos argentinos contrários ao governo em poucos dias se
dissipou. Quando a esses se somaram também os descontentes
com o fracasso na operação militar, a população argentina
retomou com ainda mais vigor os protestos contra o governo
argentino, que além da crise econômica, tinha que arcar com
também com a vida de quase 700 soldados. Nas palavras de
Silveira, “Estranhamente, a tragédia das Malvinas representa um
fato decisivo para a aproximação argentino brasileira”
(SILVEIRA,1992, p. ).
O Conflito das Malvinas tem importância também nas relações
entre os EUA e os países sul-americanos. O apoio militar à
A Cooperação em Defesa na América do Sul
139
Vinicius Modolo Teixeira
140
Inglaterra durante o conflito foi um claro descumprimento do
acordo do TIAR, preterido frente ao acordo militar do Atlântico
Norte, revelando assim os limites da política de defesa dos EUA
para a região e de como os países sul-americanos estavam
postados em uma região periférica no mundo, trazendo as
análises geopolíticas desses países para uma visão realista. Após o
conflito, principalmente no Brasil, as lições da guerra foram
tomadas no sentido de reverter sua posição dependente e buscar
independência nas relações globais, no qual o programa nuclear
ganha importância nesse sentido, com a elaboração do projeto do
submarino com essa propulsão, porém, ainda sob o viés de um
programa paralelo.
Na Argentina, durante o governo militar, de 1976 a 1983, e
especialmente após o Conflito, a crise econômica fora amplificada.
Uma das escolhas que teve maior peso sobre o desempenho da
economia argentina foi a decisão da retirada de incentivos à
indústria. Como aponta Moniz Bandeira (2003), o pensamento dos
militares naquele momento no poder indicava que a Argentina
deveria se dedicar ao que “fazia de melhor”, ou seja, ao seu
potencial agrícola e agropecuário, devendo importar os demais
produtos industrializados que necessitava. Dessa maneira, os
militares apontavam para que o futuro do país na Divisão
Internacional do Trabalho se estabelecesse como produtor de
commodities, baseando a economia do país em um setor de alta
volatilidade. Essa atitude estava dentro do Processo de
Reorganização Nacional que a Junta Militar programava naquele
momento, mantendo o câmbio supervalorizado, permitindo a
entrada de produtos estrangeiros no país. Para Rogelio Frigelio,
ex-ministro do presidente Arturo Frondizi, essa situação tornou o
caso argentino impar na história, já que “A Argentina foi o único
país no mundo a caminhar no sentido inverso da história da
humanidade: desindustrializou-se” (FRIGÉLIO, 1983 apud MONIZ
BANDEIRA, 2003 p. 440).
As forças armadas do país platino, que outrora fora uma das mais
bem equipadas da América do Sul, sofreu com o embargo imposto
pela Comunidade Econômica Europeia, da qual grande parte de
seu material bélico provinha, sendo a Inglaterra uma das
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
fornecedoras de navios e aeronaves. A falta de manutenção e as
pesadas perdas sofridas no Conflito fizeram com que se
buscassem alternativas para recompor sua frota, porém as forças
armadas nunca mais alcançariam o status que tinham antes do
conflito, não podendo mais rivalizar em igualdade com as forças
vizinhas. A Força Aérea Argentina, que se orgulhava de ter a
principal força de ataque da América do Sul, contanto com uma
frota bem equipada e moderna para a época, perdeu quase 60
aeronaves na batalha pelas ilhas. Já a Armada sofrera com a perda
de alguns de seus navios, dentre os quais o ARA General Belgrano,
seu principal navio, além de um submarino e outras embarcações
menores.
Essa situação se mostrou impossível de ser contornada nos anos
posteriores com a aquisição de novas peças, dado as dificuldades
econômicas que a década de 1980 impôs aos países sulamericanos. A ajuda do Brasil e Peru nos momentos seguintes ao
conflito contribuiu para que o país mantivesse suas atividades
militares operacionais. Do lado brasileiro, essa ajuda no
fornecimento de material militar deve ser entendida como o
rompimento das históricas situações de ameaças com que se viam
os dois vizinhos, pela primeira vez intercambiando material de
defesa. Já ajuda do Peru pode ser vista pela ótica da manutenção
dos históricos laços estratégicos que ligavam esses países em
torno da rivalidade com o Chile.
Nesse aspecto deve-se ponderar que, para o Brasil a situação da
derrota militar argentina tornava o convívio na comunidade sulamericana mais promissor, com seu principal oponente militar
sem condições de rivalizar pela força, porém, sendo ele um
importante parceiro comercial. Ao Brasil interessava assim a
aproximação, como um ato estratégico, facilitada pela suspensão
da ameaça militar argentina. Dessa maneira, mais uma vez recai
sobre a questão de defesa um marco importante para a
compreensão dos processos de integração América do Sul e o
processo de aproximação que transformou Brasil e Argentina em
parceiros comerciais.
A economia argentina, que desde os anos 1950 vinha em ritmo
lento, sofrera pesadas perdas na década de 1980, quando os
A Cooperação em Defesa na América do Sul
141
Vinicius Modolo Teixeira
142
saldos das políticas de desindustrialização se mostraram mais
danosos, somados a uma sobrevalorização da moeda local que
beneficiava produtos manufaturados de origem externa e,
também, ao protecionismo que os países da Comunidade
Econômica Europeia aplicavam aos seus produtos agrícolas, na
qual, as exportações argentinas de cereais penetravam cada vez
menos, o que só se agravou com o desgaste da guerra com a
Inglaterra.
O Brasil, apesar da recessão, desfrutava de uma posição melhor do
que a da Argentina na década de 1980, sendo que as exportações
de produtos industrializados para o país vizinho cresciam na
medida em que sua indústria se tornava menos competitiva sem
os incentivos do governo argentino.
As economias dos dois países se encontravam em condições
diferentes naquele momento. A Argentina que até a década de
1950 era a maior economia da América do Sul perdeu fôlego
paulatinamente, enfrentando dificuldades desde então. Já o Brasil,
que enfrentara um surto desenvolvimentista, “evoluiu”
economicamente, industrializando-se e ultrapassando o país
portenho na segunda metade do século XX. No início década de
1980 a economia do Brasil já somava três a da Argentina, e mesmo
com a crise e superinflação pela qual ambos passavam, o Brasil
obteve melhores retornos na década, terminando o decênio com o
PIB em cinco vezes o valor do argentino.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
143
Quadro 2: Evolução dos PIBs de Brasil e Argentina na Década de
1980. Fonte: THE WORLD BANK, 2012, Org. TEIXEIRA, 2013.
Os investimentos brasileiros em ciência e tecnologia, mesmo que
comparativamente limitados com os países centrais, e fortemente
orientados pelo Estado, conseguiram um sucesso excepcional no
desenvolvimento de centros de tecnologia, base da indústria da
ponta, associados com centros de pesquisa das Forças Armadas.
As opções realizadas nos governos anteriores tornaram o país
mais industrializado, mais dinâmico e também partícipe do
comércio de alta tecnologia, do qual o setor de defesa se projetava
como expoente nesse período com o anúncio de grandes vendas
para mercados da América, Oriente Médio e África.
Dentre as empresas que tinham sua produção vinculada ao setor
de defesa, a EMBRAER, ENGESA, Bernardini, Moto Peças S/A e
Avibras estão entre as mais conhecidas. Essas empresas
localizadas no eixo Rio – São Paulo, onde a cidade de São José dos
Campos é o locus desse modelo desenvolvimentista, estavam
associadas aos centros de pesquisa da Aeronáutica e Exército. O
afastamento político entre Brasil e EUA na década de 1970,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
144
deflagrado pelos acordos nucleares com a Alemanha e o
rompimento definitivo dos acordos bilaterais de defesa em 1977,
deram impulso ao desenvolvimento nacional de tecnologias
militares, onde os aviões e tanques tiveram grande destaque nesse
ínterim. Ficava claro naquele momento para a classe militar do
Brasil que estando sob a tutela dos Estados Unidos a
disponibilidade de equipamentos modernos seria escassa e rara, e
vislumbrando a possibilidade de desenvolvimento local, associado
à industrialização de tecnologias de ponta, esse setor conseguiu se
sobressair durante um breve momento.
A produção bélica alcançou nesse período níveis elevados,
levando o país a participar por um curtíssimo tempo como um dos
dez maiores fabricantes de armas do mundo, o que também gerou
alguns mitos sobre a capacidade de nossa indústria militar, dentre
os quais, que essa posição alcançada perdurou por toda a década
de 1980.
O bom momento de nossa indústria era reflexo do
recrudescimento da Guerra Fria para um novo momento de
tensão, perpetrada pelo governo Reagan contra a União Soviética
e, mais uma vez, o embargo que os EUA estabeleciam no comércio
de armas a países não alinhados, o que levava ao aumento das
encomendas de fornecedores como o Brasil, que não restringiam
suas vendas a nenhum país.
A produção local de pequenos aviões de treinamento, veículos
blindados e dos sistemas de artilharia de foguetes Astros II
obtiveram um bom número de encomendas, despontando no
cenário internacional a frente de concorrentes estadunidenses e
europeus. No Oriente Médio, a Guerra entre Irã e Iraque pelos
limites costeiros no Golfo Pérsico aumentou a demanda por tais
equipamentos, com o Brasil fornecendo armas para ambos. A
venda de sistemas Astros II para o Iraque foi uma das mais bem
sucedidas para esse equipamento, que também alcançou vendas
em outros países da região como Bahrein, Qatar e Arábia Saudita.
Já a Argentina não conseguira o mesmo sucesso industrial, o que
se refletia também no desenvolvimento de seus equipamentos
militares. O país que teve nos anos 1950 um início próspero para a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
sua indústria de aviação, não deu sequencia aos projetos
sofisticados que a tornaria uma importante concorrente nesse
cenário. Dos projetos de que ainda mantinha em desenvolvimento
na década de 1980, somente um avião de ataque leve conseguiu
um número de vendas limitadas na América do Sul, com os demais
projetos paralisados pela falta de verbas e impossibilidade do
próprio governo em apoiá-los.
Com a eleição do presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) na
Argentina e a do presidente José Sarney 9 (1985-1989) para o
governo do Brasil, a aproximação entre os dois países se postou
como ponto principal para suas políticas externas. Nos anos
seguintes, esses presidentes se tornariam os dois mandatários que
mais vezes haviam se encontrado até então na história das
relações bilaterais. Com as frequentes visitas, instituiu-se um novo
regime de aproximação, tendo como marco principal do processo
de cooperação, o encontro de 1985 na cidade de Foz do Iguaçu,
onde se produziu a declaração de mesmo nome, na qual se
postulava o objetivo de integrar os dois países. No entanto, dado a
debilidade em que se encontravam as duas economias frente à
crise dos anos 1980, alguns entendimentos referentes ao
intercambio comercial tiveram caráter emergencial, avançando
por fora do projeto em vista.
As propostas que foram abordadas e acertadas em diversos
memorandos de entendimento nas reuniões seguintes
propunham, também, acordos com caráter estratégico, o que
representava o maior salto nas relações bilaterais dos dois países,
fatos impensáveis poucos anos antes. Dentre os temas
estratégicos que estavam pleiteados nesses acordos, os referentes
à energia nuclear merecem especial destaque, pois estão
associados a um alto nível tecnológico e a possibilidade de uso
militar desses conhecimentos, demonstrando assim, o grau de
confiança elevado com que se construía a integração naquele
momento pós-Malvinas.
9 Vice-Presidente, o qual assumiu a vaga deixada pelo presidente eleito
Tancredo Neves, falecido antes da posse em março de 1985.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
145
Vinicius Modolo Teixeira
146
Deve-se considerar ainda, que em ambos os governos militares, e
após a queda desses, com as instituições militares já sobre o
controle civil, mantinham programas nucleares paralelos, com o
objetivo de alcançar a fabricação de artefatos nucleares e a
construção de submarinos propulsados com essa energia,
constituindo-se em segredos de Estado e que deveriam estar sob
rígido controle. As várias visitas às instalações nucleares que
foram realizadas por técnicos de ambos os países e as proposições
de cooperação para o desenvolvimento conjunto de reatores a
base de plutônio ressaltam ainda mais o grau de confiança
adquirido nesse período (OLIVEIRA, 1998).
Entre 1980 e 1990, os dois governos assinaram nove acordos e
declarações conjuntas a respeito do intercambio e
desenvolvimento partilhado de tecnologias na área nuclear, e que
até o ano 2000, chegariam a 22 acordos e declarações. Na década
seguinte, porém, as conversações foram ampliadas para a
comunidade internacional, fato derivado da visão política dos
governos nos anos 1990, o que levou a perda de foco nas ações
bilaterais e tornaram o processo mais lento, como veremos mais
adiante.
Os acordos firmados na década de 1980 tinham como objetivos
principais, a cooperação para o desenvolvimento de energia
nuclear para fins pacíficos; ampliar a autonomia de seus
programas nucleares; o desenvolvimento conjunto de
combustíveis nucleares; o desenvolvimento de um reator do tipo
fast breeder; tornar os programas nucleares dos dois países
complementares, com o intercâmbio de equipamentos e materiais;
intensificar a prática do intercâmbio de visitas, informações e
consultas sobre aspectos relativos ao desenvolvimento
tecnológico, à segurança e proteção radiológica e a outras
questões relevantes dos respectivos programas nucleares.
Já os programas nucleares “paralelos”, operados pelas forças
armadas de cada país e entre elas de forma independente, não
foram contemplados nesses acordos. Apesar da destinação do uso
da energia nuclear para fins pacíficos estar presente em
praticamente todas as declarações e acordos conjuntos, os
militares mantinham pesquisas de cunho secreto que se
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
destinavam à construção do artefato atômico e do submarino de
propulsão nuclear. No Brasil, cada força armada mantinha um
projeto paralelo independente, com objetivos e estratégias
particulares para alcançar seguimentos diferentes do setor
nuclear.
Na Argentina, tanto as pesquisas civis para a geração de energia,
quanto os projetos militares secretos, estavam mais avançados do
que os do Brasil. As usinas de Atucha I e Embalse Rio Tercero
foram concluídas e operadas muito antes das brasileiras,
fornecendo experiência para o avanço do programa argentino, do
qual o Brasil só conseguiria igualar no fim dos anos 1980, quando
já entravam em vigor os acordos de cooperação.
O projeto do submarino nuclear, tal qual no Brasil, era um dos
elementos chave com os quais os militares argentinos estavam
envoltos, e também um dos mais complexos. Sua continuidade,
entretanto, enfrentou sérios problemas após a guerra com a
Inglaterra e a crise econômica, praticamente paralisando os
estaleiros onde seriam construídos os submarinos da Armada
argentina.
Na década de 1970, o geopolítico Juan Enrique Guglialmelli já
vislumbrava a integração na área nuclear entre Brasil e Argentina,
entretanto, suas teses não haviam encontrado guarida no governo
militar que então se firmava, tendo que esperar as reviravoltas da
década seguinte e um governo civil, para que suas ideias se
efetivassem.
Brasil e Argentina, dessa maneira, antes de formalizarem os
acordos de cooperação econômica nos anos 1990, conduziram um
processo de aproximação técnico-científico e de caráter
estratégico na década anterior, o que inverteu de forma decisiva a
condicionante da rivalidade militar entre os dois países, que por
mais de um século influenciou a postura dos governos e suas
relações bilaterais. A aproximação econômica, assim, tornou-se
natural, tendo como salva-guardas os acordos de cooperação
nuclear e a retirada da retórica militar, o que proporcionou
finalmente um espaço para a condução de uma aproximação na
América do Sul.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
147
Vinicius Modolo Teixeira
148
Em 1986, após a assinatura da Ata de Foz do Iguaçu no ano
anterior, deu-se início ao Programa de Integração e Cooperação
Econômica, PICE, celebrado pela nova Ata De Integração BrasilArgentina, que visava organizar o intercambio comercial entre os
dois países. Esse acordo colocou em vigor uma série de protocolos
que tinham como função tornar a integração um ato continuo e
harmônico, que nas palavras utilizadas na ata deveria ser baseado
em flexibilidade, gradualismo, simetria e equilíbrio dinâmico.
Dando sequencia ao processo de integração, os presidentes
Alfonsín e Sarney, assinaram em 1988 o Tratado de Integração
Cooperação e Desenvolvimento, evolução natural do PICE e que
celebrou 24 protocolos em diversas áreas de economia, como,
transportes, siderurgia, automotivo, alimentício, bens de capital e
cooperação nuclear, passando a ter como meta formal, a criação
de uma área de livre comércio entre os dois países, com o prazo
máximo de dez anos almejado para sua total implementação.
A cooperação evoluía rapidamente, tanto no sentido estratégico,
com os acordos nucleares que serviam de sustentação para a
confiança recíproca, como no setor econômico, certamente a que
proporcionava maior visibilidade os atos de integração. Segundo
Moniz Bandeira (2003), os acordos econômicos firmados tinham
como cláusula, que se mantivesse o equilíbrio comercial entre
suas trocas comerciais, e, caso se ultrapassasse um determinado
valor de déficit entre as partes, o outro país agiria na compra de
produtos do vizinho como forma de amenizar o saldo negativo na
balança comercial.
No setor militar a aproximação entre as instituições avançava de
forma mais lenta. As duas Marinhas, que já realizavam
treinamentos conjuntos desde 1978, deram continuidade ao
exercício anual batizado de Fraterno, mantendo os laços de
amizade entre as duas forças. Já o Exército e Aeronáutica de
ambos, como indica Moraes (2010), só iriam iniciar atividades
conjuntas, de proposição própria, nos anos 1990, sendo que os
exercícios entre as Forças Aéreas só se tornaria realidade nos
últimos anos do século.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A despeito dessa falta de interoperabilidade, isso não impediu que
em 1986 o governo argentino confirmasse a compra de 30
aeronaves da Embraer, modelo EMB-312 Tucano, para
treinamento avançado de seus pilotos. Essa compra foi a primeira
compra direta de equipamento militar realizada pelo país platino
do Brasil, desconsiderando-se o empréstimo dos aviões de
patrulha marítima durante a Guerra das Malvinas e, também, a
posterior doação pela FAB de 11 aviões Xavante.
Ainda no mesmo ano, e a pedido do comandante da Fuerza Aerea
Argentina, iniciaram-se as conversações para o desenvolvimento
conjunto de uma aeronave de pequeno porte, fabricada pelas
respectivas indústrias aeronáuticas de cada país. A construção
conjunta desse avião demonstrava mais uma vez a boa condução
das relações bilaterais, articulando os recentes sucessos da
empresa brasileira à ociosidade da indústria argentina, o que
poderia traduzir-se em um importante conglomerado na área
aeroespacial. As empresas de ambos os países eram mantidas sob
controle estatal, sendo que a Fabrica Militar de Aviones (FMA) da
Argentina, era uma empresa controlada diretamente pela Forçar
Aérea Argentina e dependente de seus recursos, e a Embraer, uma
empresa estatal, porém com maior autonomia e recursos
financeiros.
Nesse mesmo ano, os presidentes dos respectivos países
assinaram o acordo para a construção conjunta da nova aeronave,
que teria uma divisão societária da ordem de 80% para o Brasil e
20% para a Argentina, com o nome escolhido para o novo avião
sendo CBA-123, na qual a sigla significava Cooperação BrasilArgentina, e o número, uma sequencia dos projetos realizados
pela Embraer.
A construção dos mecanismos de cooperação econômica e
também a maior proximidade dos governos em setores
estratégicos, com as forças armadas não mais observando o
vizinho como o provável inimigo não significou, entretanto, a
construção formal de um mecanismo de cooperação em defesa,
restringindo-se a apenas algumas nuances do que entendemos
como sendo uma efetiva cooperação nessa área. Como observa
Moniz Bandeira a respeito da Ata de Integração assinada em 1986,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
149
Vinicius Modolo Teixeira
150
esse entrave teria partido das Forças Armadas do Brasil, dado o
relativo grau de independência e força política que cada arma
ainda conservava para si:
Só não firmaram o protocolo sobre Cooperação na
Produção para a Defesa, que inauguraria a colaboração
entre as indústrias bélicas dos dois países, no momento em
que as fábricas militares argentinas passavam a ser
empresas de capital misto, em vez de órgãos do Ministério
da Defesa. As dificuldades, aparentemente, partiram das
Forças Armadas brasileiras, devido às suas próprias
disputas internas, na Marinha, Aeronáutica e Exército, em
torno de prioridades para tecnologia e produção de seus
respectivos armamentos. (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.459)
A falta de perspectivas para a formalização de acordos na área de
defesa deixou desguarnecida uma importante área para o
desenvolvimento da cooperação no Cone-Sul. Dessa forma, a
perda da oportunidade naquele momento, acabou por não
concretizar um objetivo que no início do século já havia sido
apontado como fundamental para a construção da integração e
convivência dos dois países. A importância de se firmar um acordo
no setor de defesa entre os dois parceiros era ainda mais
importante no fim dos anos 1980 devido ao desequilíbrio de
poder que se apresentava em favor do Brasil.
O descompasso entre os PIB na década de 1980 e a manutenção
de uma estrutura militar focada na Bacia do Prata, com mais
recursos e sem ter sofrido desgaste por uma derrota em conflito,
despontavam o Brasil de forma decisiva à frente da Argentina.
Esse desequilíbrio na balança de poder, entretanto, não pode ser
encarado como benéfico para o Brasil, já que ai residia à disputa
entre os antigos rivais, e que certamente não poderia ser apagada
simplesmente do escopo geopolítico. Na década seguinte, as
provas quanto à perda da oportunidade de se firmar um acordo
em defesa e suas consequências seriam irrefutáveis.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
3.2 - Os Acordos de Base Neoliberal e a
Perda do Caráter Estratégico na
Cooperação do Cone Sul
O período de aprofundamento das relações entre Brasil e
Argentina atravessou uma fase crítica da geopolítica e história
mundial. De um lado, a crise que se arrastou por toda a década de
1980, transformando-a na “década perdida”, e por outro, a queda
do Muro de Berlim e a consequente dissolução da União Soviética,
os quais fundamentaram novas concepções sobre uma Nova
Ordem Mundial vigente, acabou dando vazão a uma “ideologia dos
vencedores”, apontando o capitalismo de ordem neoliberal como a
“única” escolha possível para o mundo, fator que moldaria boa
parte das ações dos países nos anos 1990, estabelecendo o que
seria conhecido como o “Consenso de Washington”, receituário
para o desenvolvimento macroeconômico de países em
dificuldade.
Na América do Sul, a aproximação no Cone Sul a partir dos
entendimentos Brasil-Argentina levou o Paraguai e o Uruguai a
aproximarem-se desses dois atores, pleiteando a sua participação
no processo de integração econômica que se esboçava. Já as
relações entre a Argentina e Chile entraram em um processo de
distensão das relações políticas. As questões territoriais que quase
levaram ao conflito em 1979 foram superadas, sendo que ambas
as partes aceitaram a oferta de resolução do conflito, em 1984,
proposta pelo Papa João Paulo II, pondo fim às históricas questões
territoriais.
As alianças que orientavam as políticas externas desses países, e
que eram baseadas em entendimentos estratégicos não
formalizados de forma a equilibrar a balança de poder na região,
sustentadas pelas “rivalidades” intercaladas do continente, como
eram as relações Brasil-Chile e Argentina-Peru, se desfizeram,
sendo então substituída por uma proposta de integração no eixo
Brasil-Argentina.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
151
Vinicius Modolo Teixeira
152
Com a rivalidade no Cone Sul superada, a região ingressou em
uma nova fase, na qual se vislumbrava a possibilidade de não ter
questões relativas ao poder militar como fator influente nas
tomadas de decisões dos governos locais, e sim, uma aproximação
que finalmente fizesse valer as intenções de aproximação política
e econômica que desde o início do século XX já haviam tencionado.
A construção da cooperação a partir dos anos 1980, com a
elaboração de um projeto baseado nas duas principais economias
da região, entretanto, não avançou para um projeto de integração
regional que abarcasse os outros países sul-americanos,
resumindo-se ao Cone Sul apenas. Dessa maneira, a América do
Sul passava a ter nesse momento duas configurações regionais
distintas. Uma delas, com vistas à integração com possibilidade de
uma aproximação estratégica, onde a ameaça armada havia sido
aparentemente superada; e outra ainda sobre o permanente
antagonismo entre conflito e cooperação. Dessa maneira, a partir
do fim dos anos 1980 com a aproximação no Cone Sul, começa a se
configurar uma divisão que Héctor Saint-Pierre (s/d apud
MEDEIROS FILHO, 2008) observa como compartimentalizada em
dois arcos: um sobre um regime de estabilidade através de seu
projeto de integração e distensão da rivalidade; e outro ainda sob
a influência da rivalidade e da possibilidade de conflitos:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
153
Figura 4: Arcos da Estabilidade e Instabilidade no entendimento de
Medeiros Filho (2008).
Esse apontamento encontra similaridade na proposta de Buzan e
Weaver (2003), aproximando-se dessa configuração a partir de
uma perspectiva construtivista das Relações Internacionais, os
quais entendem a América do Sul como um Complexo Regional de
Segurança (RSC – Regional Security Complex). Na visão desses
autores, há uma fratura dentro desse RSC, representada pela
região noroeste do subcontinente, ou região do Norte Andino,
dividindo assim a América do Sul em dois sub-complexos de
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
154
segurança, com Uruguai, Bolívia e Equador servindo de zonas de
“amortecimento”.
O processo de integração econômica entre Brasil e Argentina, que
depois agregou de forma oficial Paraguai e Uruguai, e também
Chile e Bolívia como associados, para Buzan e Weaver (2003),
levou à constituição gradual de um processo de securitização
entre esses estados, apontando para a construção de uma
comunidade de segurança. Em contrapartida, a Região Andina
continuou a conviver com os antigos problemas de rivalidade
entre seus estados sob, a cada vez mais ineficiente, Comunidade
Andina figurando como uma tentativa de formalização de um
bloco econômico. Para os autores, existe uma visível
reorganização das forças militares no Cone Sul – que discordamos
em parte, como demonstraremos no próximo capítulo – para uma
postura defensiva, comparativamente ao que ocorre no Norte
Andino, reforçando a divisão em dois sub-complexos de
segurança.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
155
Figura 5: Complexos regionais de segurança no continente americano,
segundo Buzan e Waever. Fonte: MONTEIRO, 2011, p.12
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
156
Demonstrando essa diferenciação, a possibilidade de conflitos
entre os países região noroeste da América do Sul não se esvaiu,
levando a novos confrontos no período recente. O Conflito entre
Equador e Peru no ano de 1995 trouxe a tona mais uma vez a
indissolubilidade das disputas fronteiriças na região andina,
sendo essa a terceira vez no século XX em que esses dois países
recorriam às armas para solucionar os seus problemas de limites.
O Equador que havia tido resultados desfavoráveis nos outros
dois conflitos dessa vez havia se preparado, posicionando tropas e
sistemas de defesa na fronteira, obtendo assim a vitória militar no
conflito.
A situação econômica peruana era de penúria no início dos anos
1990, tendo enfrentado grave crise econômica da qual ainda
tentava se reerguer, não se encontrando em condições de
enfrentar uma nova contenda (GALASTRI, 2005). Entretanto, a
manutenção por ambos os lados de tropas próximas a fronteira
em litígio, contribuiu para a eclosão do conflito entre Equador e
Peru.
Em janeiro de 1995 após breves encontros de patrulhas
equatorianas com soldados peruanos ocorreram trocas de tiros
entre as guarnições, e em seguida os dois países atacaram-se com
o auxílio de helicópteros, promovendo a escalada do conflito, que
levou a cerca de 500 baixas em pouco mais de um mês de
confrontação. Apesar do curto período, o conflito avançou para o
uso da aviação militar, ocasionando alguns combates aéreos entre
as aeronaves de caça e o bombardeio de posições inimigas,
demonstrando disposição para o enfrentamento em que se
encontravam os dois países. Também nesse caso, a localização das
bases aéreas com esquadrões de ataque na proximidade das
fronteiras foi outro fator que agregou força ao conflito,
possibilitando o envio imediato para o cenário do conflito desses
aviões.
Nos acordos posteriormente firmados entre os dois países, com a
mediação empreendida pela Missão de Observadores Militares
Equador-Peru (MOMEP), ficou reconhecido a influência das tropas
na proximidade da fronteira em litígio para a eclosão do conflito
(ORTIZ, 1999), sendo que um dos pontos definidos nesses acordos
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
foi a retirada de efetivos militares da região da Cordilheira do
Condor, com vistas a evitar a possibilidade de incidentes e a
escalada de um novo conflito.
Outra questão que contribuiu para o confronto foram os baixos
níveis de aceitação dos presidentes dos dois países, sendo que no
Peru, Alberto Fujimori preparava a campanha para tentar a
reeleição, tornando a opção pela demonstração de força militar
viável, tal como ocorrera na Argentina em 1982.
A colaboração da MOMEP para a solução do contencioso levou a
criação de uma série de mecanismos para o estabelecimento de
uma balança de poder militar entre os dois países. Segundo
Ramón Ortiz (1999), esses acordos previam a comunicação
bilateral prévia de manobras militares e da compra de
armamentos, através de uma comissão estabelecida para tal. Mas
como ressalta o autor, essa comissão logo se mostrou limitada,
dado a iniciativa peruana de repor suas aeronaves militares com a
compra de caças Mig-29 e Sukhoi-25, fator que “aqueceu” os
ânimos novamente das relações com o Equador.
Esse último confronto desenvolvido entre Equador e Peru em
1995, provara mais uma vez que os mecanismos pautados em
intercâmbios comerciais, como eram os que fundamentavam a
CAN, não eram suficientes para garantir a elevação do nível de
segurança entre os Estados membros, principalmente em regiões
onde se concentravam disputas históricas e que ainda permeiam o
pensamento popular. O uso político do conflito, com objetivo de
aumentar a popularidade através da resolução bélica das antigas
contendas pode se tornar alvo fácil para investidas de grupos
políticos, como fora o caso de Fujimori. Ainda assim, ressaltamos o
papel da construção do imaginário nacional baseados na
dimensão territorial em países de origem colonial, tal qual nos
apresenta Moraes (2000). Além disso, os militares na América do
Sul tem uma forte ligação com a pátria, sendo o seu guardião
inconteste:
Nesse ambiente regional, os exércitos nacionais jogam um
papel fundamental. Nele, os militares constituem agentes
A Cooperação em Defesa na América do Sul
157
Vinicius Modolo Teixeira
158
“securitizadores” historicamente privilegiados. Na América
do Sul, a história de formação dos Estados Nacionais possui
forte relação com a história de seus exércitos, a ponto dos
militares se autoidentificarem como a própria “encarnação
da pátria”. Tais aspectos têm credenciado os militares como
atores centrais na elaboração da “grande estratégia”, o que
inclui elementos da política externa. (MEDEIROS FILHO,
2010, p.198-199)
A rivalidade entre Equador e Peru, ainda nessa perspectiva, que
por diversas vezes no século XX evoluíra para o confronto aberto,
estaria ligado mais a uma questão simbólica, do que a questões
econômicas alocadas ao território em disputa. Para Bonilla (1999
apud GALASTRI, 2005, p.85) a motivação para o conflito entre os
dois países “estaria na questão territorial como fonte de
identidade nacional e, portanto, como instrumento de legitimação
do próprio Estado”. Ramón Ortiz observa que isso foi um dos
pontos que tiveram relevância nos acordos de paz, reconhecendo
a influência simbólica no conflito:
Además, los acuerdos alcanzados prestan especial atención
a los aspectos simbólicos del conflicto. De hecho, durante el
último medio siglo, la confrontación ecuato-peruana estuvo
alimentada más por la relevancia política del conflicto en
ambos países que por la importancia en términos
estratégicos y económicos del espacio geográfico en juego.
De hecho, el margen de 78 kilómetros de trazado
fronterizo pendiente de demarcar era suficientemente
reducido como para que el triunfo de las tesis de uno u otro
contendiente no supusiese una modificación territorial
sustantiva. Por otro lado, el valor económico del territorio
era muy escaso. Los rumores sobre la existencia de
importantes yacimientos de oro, petróleo o uranio en la
frontera demostraron carecer de fundamento. Además,
incluso si Quito conseguía el ansiado puerto amazónico, su
relevancia económica sería mínima ante la carencia de una
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
infraestructura de comunicaciones que conectase este
enclave con las regiones más desarrolladas del país.
(ORTIZ, 1999, p.1).
Mesmo sendo estados participes do processo de integração da
Comunidade Andina de Nações, isso não impediu a eclosão do
conflito entre esses possíveis parceiros comerciais. Bonilla (1999
apud GALASTRI, 2005, p.86) descreve que no momento da eclosão
do conflito a interdependência econômica entre Peru e Equador
era quase nula, representando menos de 1% das exportações do
primeiro para o segundo, e que após o conflito a fronteira entre os
dois países permaneceu fechada para o comércio bilateral por seis
meses, sem grandes prejuízos observados. A ausência de
interdependência econômica é um fator que deve ser observado
com atenção, já que ambos se enquadravam como membros
oficiais da CAN desde 1969, o que de fato, representa resultados
pífios dessa organização para o comércio bilateral entre esses dois
países com disputas territoriais, revelando a prevalência de
questões de rivalidade militar sobre as intenções de integração
econômica. A condução do processo de integração econômica
vislumbrado pela CAN ficava assim bastante prejudicada pelo
clima de beligerância promovido entre seus membros, sendo que
o processo iniciado no fim da década de 1960, já havia se tornado
moroso, praticamente encontrando seu fim no início dos anos
2000.
Torna-se impraticável, a nosso ver, a construção de mecanismos
de cooperação econômica sobre bases conflituosas entre seus
sócios, carecendo de acordos no âmbito político e militar para
minimizar possíveis tensões e lograr sucesso em outros campos
da integração.
Outra situação de disputa, mas que não chegou a desencadear um
conflito foi o incidente entre Venezuela e Colômbia em agosto de
1987, conhecido como o incidente da Corveta Caldas, também
entre membros da Comunidade Andina. O incidente em questão
ocorreu quando uma corveta da Armada Colombiana ingressou
nas águas do Golfo da Venezuela, local onde até então não existia
A Cooperação em Defesa na América do Sul
159
Vinicius Modolo Teixeira
160
acordo sobre os limites marítimos entre os dois países. O ato
desencadeou uma séria crise, com a mobilização imediata das
forças armadas colombianas, já que a corveta Caldas, navio que
adentrara nas águas em disputa, fora sobrevoada por aeronaves
venezuelanas e confrontada por unidades da Armada desse país, o
que no entendimento da Venezuela, respondia a provocação do
envio do navio por parte da Colômbia.
Durante a crise, que durou cerca de 10 dias, os dois países
mobilizaram seus exércitos para a fronteira comum, movimento
facilitado pela concentração de importantes unidades de ambos os
países próximo à região do incidente. Mais uma vez, a
proximidade de unidades militares da zona em questão teve
relevância para entender a rápida evolução da crise que, porém,
não se tornou um confronto aberto devido à mediação da OEA e
do presidente argentino Raúl Alfonsín, prevalecendo, entretanto, a
animosidade entre os dois países. Esses fatos contribuem para o
entendimento da diferenciação com que passou a contar a
América do Sul, já que na região noroeste prevalecem as hipóteses
de confrontação armada.
Comentando sobre a situação específica dessa região, Medeiros
Filho (2008) lembra que, um dos fatores que contribuem para a
manutenção da situação de “instabilidade”, seria a influência
externa com que sofrem os países do setor noroeste da América
do Sul. Nesse sentido, como aponta o autor, a influência dos
Estados Unidos na “instabilidade” foi primeiramente discutida por
Mario Travassos, na década de 1930:
Cumpre destacar que, já na década de 1930, Travassos se
referia a “instabilidade geográfica do canto noroeste do
continente”. Na segunda parte de seu livro (signos de
inquietação política), Travassos escreve o capítulo VI –
Influência norteamericana, em que procura demonstrar
que a influência que o potencial yankee exerce sobre os
países americanos obedece a fatores puramente
geográficos. Para ele a instabilidade estaria diretamente
relacionada à influência dos Estados Unidos e teria causas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
puramente geopolíticas: “justo porque está numa das
extremidades da massa continental, se mostra presa fácil a
influências extra-continentais”. (MEDEIROS FILHO, 2004, p.
15)
Escrito na década de 1930, o livro de Travassos se mantém atual
nesse sentido, na medida em que a interferência estadunidense na
região continua ativa e tem justamente nessa porção do
continente a sua maior inserção de militar.
Com relação à região definida por Saint-Pierre como “Arco da
Estabilidade”, a cooperação entre Brasil e Argentina ganhou
contornos oficiais no início da década de 1990, sendo que em
1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, foi estabelecido o
MERCOSUL, e em 1994 com o Tratado de Ouro Preto, o Bloco
passou a ter personalidade jurídica e a ser reconhecido
internacionalmente como organização, marcando o início da
segunda fase da cooperação sul-americana.
A cooperação pretendida no documento assinado em Assunção,
entretanto, deixava de conter o caráter estratégico com o qual se
havia flertado nos anos 1980, não inserindo como parte desse
acordo os entendimentos de cooperação nuclear, construção
aeronáutica e demais questões discutidas no fim dessa década e
que caso tivessem se institucionalizado a partir do novo bloco,
teriam contribuído para elevar a confiança bilateral e o processo
de integração.
Dessa maneira, no momento decisivo de aprofundamento dos
tratados celebrados no fim dos anos 1980, deixava-se de incluir
outras questões de ordem política e industrial, para obter foco sob
uma cooperação exclusivamente econômica. Da mesma forma, em
nenhum momento se propõe iniciativas com vistas à construção
da confiança recíproca entre as partes do Tratado, como medidas
de intercâmbio militar, abertura de informações sobre as forças
armadas ou publicação de livros brancos de defesa.
Em comparação aos tratados assinados nos governos SarneyAlfonsín em 1986 e 1988, em relação ao Tratado de Assunção,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
161
Vinicius Modolo Teixeira
162
segundo aponta Almeida (2011), houve uma passagem de um
modelo de cooperação baseado em “complementaridade gradual”,
para um modelo econômico liberal e livre-cambista. O autor
aponta ainda que tal mudança aparece primeiramente na Ata de
Buenos Aires de 1990, sendo que o Tratado de Assunção faz uma
cópia ipsis litteris de suas intenções, transformando o projeto de
integração que antes era baseado em um modelo “dirigista
industrializante”, em um “comercialista liberalizante”.
Repetiam-se em grande parte, as intenções em que se baseavam
as iniciativas da CEPAL, na qual o projeto de integração figurava
eminentemente sob as bases de “trocas comerciais”, com a
redução de tarifas aduaneiras, porém, naquele momento no
contexto do pós-Guerra Fria, na qual a corrente neoliberal
tornara-se praticamente hegemônica na condução das políticas
estatais do ocidente. Como diferenciação do modelo cepalino, as
novas bases da integração sul-americana, lançadas pelo
MERCOSUL e pela reformulação do Pacto Andino, buscaram
orientar suas economias para o exterior, atraindo investimentos
externos, funcionando como um canal de inserção na economia
internacional (SARAIVA; TEDESCO, 2001).
Ao atrelar o processo de integração a bases puramente
econômicas, Brasil e Argentina, ao qual também se associaram
Paraguai e Uruguai, relegaram a pretendida cooperação a fatores
que naquele momento, com a adoção de medidas neoliberais pelos
governos Menem e Collor de Melo, ficavam a mercê de fluxos que
a princípio esses Estados não teriam controle, privatizando dessa
forma a integração. Soma-se a isso a falta de associabilidade dos
processos produtivos entre os países do bloco, o que iria se
revelar um dos fatores limitantes para as intenções de integração
já nos anos 1990.
A convergência ideológica dos Presidentes Collor e Menem
foi determinante para a aceleração das políticas de
liberalização comercial. A integração bilateral, concebida no
período Sarney-Alfonsín como projeto de integração de
unidades produtivas para a formação de empreendimentos
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
regionais de larga escala, transformou-se em um projeto
concentrado na abertura comercial. O “espaço econômico
comum” previsto pelo Tratado de 1988 foi lido sob a ótica
de mercado ampliado para fins comerciais, sem
necessariamente uma complementaridade estratégica de
setores. (CANDEAS, 2010, p.221)
Em relação aos aspectos da política de Defesa adotados pelos
governos de Brasil e Argentina, o que se notou nos governos
eleitos nos anos 1990 foi a subordinação estratégica aos EUA,
concordando espontaneamente com seu cerceamento militar e
capacidade de dissuasão, perdendo dessa forma a iniciativa
independentista vislumbrada no momento após a Guerra das
Malvinas.
No Brasil a crescente indústria de Defesa que havia conseguido
alguma relevância comercial na década de 1980, sucumbiu aos
erros de gestão e a falta de apoio dos governos civis. Os governos
Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso,
respectivamente, revelaram e abdicaram de um programa nuclear
com fins militares. Mesmo sendo participe do Tratado de
Tlateloco de 1967, que preconizava uma América Latina livre de
armas nucleares, o Brasil mantinha um programa nuclear
paralelo, o qual foi definitivamente encerrado após ser revelado
pelo presidente Fernando Collor. Anos depois durante o governo
de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil assinou o Tratado de Não
Proliferação de armas nucleares (TNP), o que na prática
significava o congelamento do poderio nuclear aos países já
possuidores desses engenhos, e quase ao mesmo tempo foi
seguido pela Argentina, que buscava demonstrar suas intenções
pacíficas frente à comunidade internacional.
Nesse sentido, no governo Menem (1989 – 1999) o país portenho
cancelou o projeto do míssil balístico Condor II, que teria cerca de
mil quilômetros de alcance, e privatizou sua Fábrica Militar de
Aviões. Além disso, ambos os países assinaram o acordo
internacional sobre mísseis balísticos MTCR (Missile Technology
Control Regime). Esses pontos demonstraram a permissividade
A Cooperação em Defesa na América do Sul
163
Vinicius Modolo Teixeira
164
dos dois países a mecanismos de cerceamento tecnológicos
unilaterais, já que restringiam o acesso de países emergentes a
tecnologias de uso dual (de caráter tanto civil como militar), como
eram os programas nucleares e de veículos lançadores de
satélites, sobre o signo da não proliferação de armas estratégicas e
preservação da paz.
Excetuando a postura similar frente a esses tratados
internacionais, as políticas externas de ambos demonstraram a
falta de associabilidade, o que se tornou um fator negativo para a
consumação do processo de integração. Nesse sentido, questões
relativas à Defesa mais uma vez vieram a tona, levando a
divergências na política externa já no início dos anos 1990.
A Argentina que desde a Guerra das Malvinas passava por um
declínio nas suas forças armadas procurou novamente sua
inserção subordinada aos EUA, objetivando com isso recuperar
seu poderio perdido no conflito dos anos 1980, partilhando do
novo contexto da política mundial como um dos parceiros
privilegiados dos Norte-Americanos. Para isso, ao assumir o novo
governo chefiado por Carlos Menem, uma das primeiras
iniciativas de sua gestão foi alterar seu posicionamento na ONU de
forma a coincidir seus votos com o dos EUA (SARAIVA; TEDESCO,
2001), levando a divergências com o Brasil. Essas posturas
conflitantes entre os parceiros do bloco são reveladas na posição
favorável do governo argentino à intervenção estadunidense no
Haiti, em 1994, e no lançamento da candidatura argentina a uma
vaga no Conselho de Segurança da ONU, concomitante e
concorrente à do Brasil (MONIZ BANDEIRA, 2003), o que deve ser
entendida como tentativa de manter-se equiparada ao vizinho.
Uma das nuances da nova política externa argentina levada a cabo
pelo governo Menem, foi a retomada dos contatos bilaterais com a
Inglaterra, o qual beneficiava de maneira direta o relacionamento
da Argentina com os EUA e a Comunidade Europeia. Essa postura
visava tornar a Argentina mais atrativa para o mercado
internacional, tranquilizando os investidores quanto às intenções
do país no cenário internacional, principalmente os de origem
estadunidenses e europeus.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Quando da eclosão do conflito entre Iraque e Kuwait, em 1990, as
posturas dos membros do MERCOSUL tornaram a se opor.
Enquanto o Brasil ainda detinha estreitas ligações com o governo
de Sadam Hussein, sendo esse um dos principais parceiros no
Oriente Médio e com uma extensa lista de importações e serviços
adquiridos, o Brasil manteve uma postura neutra durante boa
parte do conflito que se iniciava. Já a Argentina, que não mantinha
relações comerciais com o Iraque como o Brasil, logo aderiu aos
protestos internacionais ao lado dos EUA e Europa, condenando a
postura iraquiana na invasão de seu vizinho.
Uma das iniciativas mais inusitadas no sentido de apoiar a postura
enérgica da coalizão liderada pelos EUA para retirar as forças
iraquianas do Kuwait, foi o envio por parte da Argentina de dois
navios de guerra para o Golfo Pérsico, decisão unilateral da
presidência, sem consultar o congresso e países:
Durante o período o feito mais controvertido foi, sem
dúvida a participação argentina na Guerra do Golfo. O
presidente Menem decidiu enviar os navios de guerra sem
consultar previamente o Congresso e os países vizinhos. O
Chanceler Cavallo argumentou que esta decisão ajudaria a
integração da economia argentina no mundo,
incrementaria os níveis de investimento estrangeiro e,
portanto, significava uma continuidade das reformas
econômicas domésticas (Clarín, 19/9/90:5). Neste caso, a
política externa aparecia, novamente, atada à estratégia
econômica. (SARAIVA; TEDESCO, 2001, p.133).
A diferença na condução das políticas externas dentro do
MERCOSUL certamente foi um dos fatores desagregadores com
que o Bloco recém criado teve que conviver. Apesar de um cenário
internacional no qual a ideologia em voga apostava no fim dos
conflitos inter-estatais, e consequentemente, na não necessidade
de investimentos nos setores de Defesa, o que se notou foi a
continuidade de conflitos em outras partes do globo, pautado pelo
A Cooperação em Defesa na América do Sul
165
Vinicius Modolo Teixeira
166
poderio dos EUA/OTAN contra Estados nomeados como “fracos”
ou fracassados.
No fim da década de 1990 o Brasil já havia alcançado a
superioridade econômica e militar sobre a Argentina. No fim desse
período, a grave crise econômica que se abateu primeiro sobre o
Brasil e depois mais fortemente sobre a Argentina, foram reflexos
de processos externos que vinham assolando a Ásia e Rússia, e
reverberaram fortemente na América do Sul, ocasionando
sobressaltos internos, principalmente com relação ao valor
cambial entre a moeda norte-americana e os valores do Real e a
manutenção da conversibilidade do Peso.
As políticas adotadas em momento anterior haviam valorizado
artificialmente essas moedas nacionais, possibilitando a
importação de insumos e materiais industrializados de fora com
grande vantagem. Porém, o caminho inverso dos produtos
brasileiro e argentino, ou seja, a exportação era fortemente
prejudicada pelo elevado valor dessas moedas, tornando os
produtos produzidos nesses países menos competitivos com
congêneres de outros. Apesar do relativo sucesso do MERCOSUL
na elevação do comércio bilateral, que em grande parte foi mais
benéfico para o Brasil do que para a Argentina, ambos os países
sofreram com a crise econômica que se apresentou no fim da
década.
Ao mesmo tempo, a política externa do governo Carlos Menem
continuou a buscar sua inserção no novo sistema internacional
através da subordinação estratégica ao governo dos EUA. Em
1996 em visita a capital dos EUA o presidente Menem solicitou a
elevação do status da Argentina ao patamar de Aliado Preferencial
Extra-OTAN (Major non-NATO Ally – MNNA).
Essa disfunção entre a iniciativa de integração com o Brasil, por
vias econômicas, e a iniciativa de aderir a um sistema de
benefícios militares voltado para os EUA, tem sérias implicações
para a consecução da cooperação na América do Sul. A questão
mais importante é a não inclusão de mecanismos de confiança
mútua no escopo do sistema do MERCOSUL. Sendo as questões
militares um dos fatores que reconhecidamente mais
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
influenciaram as posições divergentes entre Brasil e Argentina ao
longo de suas relações, pode-se concluir que essas questões ainda
tendiam a afetar o equilíbrio regional, principalmente em um
momento em que a balança de poder, que historicamente se
mantivera equilibrada, passava a pender decisivamente para o
Brasil.
Leonel Itaussu Mello, ao discutir a situação do equilíbrio de poder
no Cone Sul destaca a posição brasileira como preponderante
nesse momento. Segundo Mello, o Brasil assumiu na América do
Sul não uma posição de hegemonia, mas de preponderância, pois a
posição hegemônica no continente americano continuava a
pertencer aos EUA. A preponderância brasileira, segundo o autor,
é resultado da convergência da política de poder desse país na
região platina e de sua modernização conservadora. Para tanto,
Mello se utiliza do pensamento de Raymond Aron, na qual a ideia
de preponderância é estabelecida como uma posição
intermediária entre o equilíbrio e a hegemonia:
Por outras palavras, o que tipifica a preponderância é que o
peso ou a influência superiores de uma certa unidade não
lhe conferem, necessária ou automaticamente, uma posição
de supremacia ou de comando nas suas relações com as
unidades mais fracas que integram a constelação política
(MELLO, 1996 p. 49).
Estando a Argentina em situação de declínio no sistema sulamericano, uma aliança privilegiada com a potência hegemônica
do continente voltava a figurar como uma possibilidade real,
assim como fora tencionado no fim dos anos 1970, quando a
ditadura militar planejava tornar o país o principal aliado dos EUA
no continente. Dessa maneira, a intenção argentina com a
solicitação de sua inclusão em um sistema de benefícios militares
deve ser entendida como a estratégia do país para recuperar o
status quo que fora perdido, mesmo que isso significasse
desentendimentos entre os membros do MERCOSUL,
estabelecendo assim, uma preferência por um acordo militar com
A Cooperação em Defesa na América do Sul
167
Vinicius Modolo Teixeira
168
a superpotência e relegando o projeto de integração econômica
regional a um segundo plano.
O objetivo de tornar um país Aliado Extra-OTAN para os EUA era
condicionar em sua estrutura de poder pontos de apoio à sua
estratégia de ação global. Dessa maneira foi instituída essa
categoria de parceria em 1989, pelo governo George Bush, com
vista principalmente ao fortalecimento militar do país a que fosse
concedida essa condição, sendo que os primeiros países a serem
elevados a esse nível de parceria estratégica foram Austrália,
Japão, Coréia do Sul, Israel e Egito, hot spots da geopolítica
estadunidense. Com isso as empresas dos EUA - com o aval préestabelecido pelo congresso – poderiam fornecer materiais
estratégicos, serviços e parcerias em pesquisa e desenvolvimento,
sem passar pelos obstáculos legais que circundam essas vendas na
legislação dos EUA, e que somente era anteriormente liberado aos
aliados da OTAN. No entanto, o país receptor e designado como
aliado prioritário dos benefícios deveria demonstrar a sua
importância na promoção da geoestratégia dos EUA, e também de
que forma a melhora na sua capacidade militar contribuiria para
essa promoção.
Dentre outros benefícios que poderiam ser concedidos aos Major
non-NATO Ally estavam: a compra de munição de urânio
empobrecido; a prioridade na entrega de suprimentos; a
possibilidade de manutenção de estoque de material militar para
guerra (material dos EUA estocado no país aliado); e a
possibilidade de importação de tecnologias espaciais (UNITED
STATES PRINTING OFFICE, 2012). Assim, o governo argentino
ambicionava transformar seu país em receptor de materiais de
defesa de forma preferencial, recuperando seu poderio militar
perdido nos anos 1980, e se equiparando a países como Israel,
Japão e Coréia do Sul na estratégia militar norte-americana.
A tentativa de associação argentina a um mecanismo que tem
como premissa o fornecimento de treinamento e material militar
de forma prioritária, causou reações imediatas do governo
brasileiro. O então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995
– 2002), teria reagido com a declaração “E é aliado dos EUA contra
quem?” (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.503). Já o ex-presidente e
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
então senador José Sarney, em artigo publicado em Abril de 1997
no Jornal O Globo, declarou de forma aberta a ameaça dos EUA
através de sua pressão militar ao MERCOSUL, transformando a
Argentina em aliado preferencial de suas vendas de material de
defesa, o que, associado ao oferecimento de aviões e mísseis ao
Chile, teria como função isolar o Brasil, deflagrar uma corrida
armamentista no Cone Sul e dividir os países em seu projeto de
integração (SARNEY, 1997). Com uma opinião bastante incisiva
sobre essa questão e abordada de forma aberta na imprensa
brasileira, o ex-presidente comentou:
Acredito que vamos entrar numa área de turbulência e
pressões ao Mercosul. As investidas citadas já são indícios,
mas há algo mais. Estamos ameaçados de investidas mais
sérias para dividir-nos. Estas vão desde o aliciamento dos
nossos parceiros, para participar do Nafta, sem o Brasil, até
convites para figurar no Bloco Militar da Otan. Esta última
manobra é cruel.
O que isto significa? O Chile acaba de mover-se para compra
de armamentos estratégicos, aviões de última geração que
afetam o equilíbrio militar da área. A Argentina é oferecido
ser "aliado preferencial, não participante da Otan". Isto
significa o fornecimento de equipamento militar,
treinamento, acesso a tecnologias bélicas de ponta.
(SARNEY, 1997, p.7).
Os EUA, dessa maneira, passavam a acenar para o Cone Sul com
propostas de enlace econômico e militar de forma particular em
cada país, buscando conquistá-los aos seus projetos de
cooperação, oferecendo “regalias” militares, como forma de não
permitir a integração desses países. Continuava a valer, assim, os
escritos de Nicholas Spykman (2008) sobre a possibilidade de
emersão de um sistema antagônico aos EUA no continente
americano. Caso viesse a surgir um sistema combinado entre os
países do Cone Sul, esse deveria ser respondido pela potência do
A Cooperação em Defesa na América do Sul
169
Vinicius Modolo Teixeira
170
norte de maneira decisiva, sem se deixar ser desafiada em sua
área imediata de influência.
Nesse sentido a Área de Livre Comércio das Américas também
teria a função de desarticular o processo de integração centrado
na América do Sul, com a CAN e MERCOSUL, e orientar esses
países diretamente para os EUA, tornando-os fornecedores de
matérias primas e receptores de tecnologia desse país,
fortalecendo a dependência externa do subcontinente.
Em 1999, em nova visita a Washington, o presidente argentino
solicitou a inclusão do país como membro efetivo da Organização
do Tratado do Atlântico Norte, revelando mais uma vez as suas
intenções de participar formalmente de um sistema de
cooperação militar, e mais uma vez sem consultar os países
vizinhos membros do MERCOSUL. As reações quanto a essa
proposição foram imediatas, tornando a intenção argentina
polêmica. Na Europa, as intenções argentinas se apresentaram
como risíveis, já que não havia sentido a adesão do país fora do
eixo do Atlântico Norte a um sistema de cooperação que a ele se
restringia, pela simples posição geográfica desse país. No Brasil,
mais uma vez a decisão argentina foi apresentada com surpresa,
reagindo através do Itamaraty com a seguinte nota:
Caso eventualmente venha a se concretizar, a vinculação
formal da Argentina a OTAN introduziria elementos
estranhos no contexto de segurança regional sulamericano. Teria, portanto, conseqüências palpáveis para o
Brasil, que estarão sendo analisadas em todos os seus
aspectos de natureza política e militar. (EMBAIXADA
ARGENTINA, 1999)
O que se apreende sobre a política platina de buscar a inserção em
um sistema de cooperação militar tal como a OTAN, ou ser elevada
ao nível de aliada preferencial dos EUA é de que Argentina
militarmente enfraquecida não era concebível para sua elite, sob a
qual sempre residira certo prestígio do país e o equilíbrio com
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
seus vizinhos. Mesmo estando inserida em um bloco econômico
com o Brasil e sem disputa territorial com o Chile, a ausência de
um sistema de cooperação em defesa que garantisse um equilíbrio
de forças no sistema sul-americano, a nosso ver, impeliu a tomada
de decisão argentina de buscar filiação à OTAN naquele momento,
numa tentativa frustrada de recuperar sua capacidade militar
perdida nos anos 1980.
O período dos governos Menem-Cardoso demonstrou a
possibilidade de dissenso do projeto de integração BrasilArgentina dado a busca desse segundo em recuperar sua
capacidade militar. Essas questões são frutos do abandono da
concepção estratégica de integração dos anos 1980 e sua
substituição pelas preferências comerciais, o que acabou se
tornando limitado para o aprofundamento da integração e ainda
possibilitando o entrave em questões de defesa.
A associação de base econômica para a condução da integração
apresentava também a suscetibilidade quanto às tensões externas,
tendo parte significativa das diferenças conflituosas do bloco com
origem nas crises russa e asiática. Dessa forma, Hector SaintPierre deixa claro em sua proposição que o processo de integração
não deve ser relegado somente ao aspecto financeiro, deixando-o
aos “humores de Hermes10” (SAINT-PIERRE, 2009). Tal processo
deve ser entendido a outros acordos e questões políticas, e que o
autor propõe para ser à base de um sistema de integração, a
Cooperação em Defesa:
Construir la casa sudamericana sobre pilares comerciales
es entregarla a los cambiantes humores de Hermes: los
intereses que darán la dirección sólida a esa construcción
no pueden ser los comerciales, siempre sujetos al lucro.
Solo el convencimiento de que la seguridad de las naciones
sudamericanas estará en buenas manos si estas fuesen
sudamericanas, fraguado en la confianza mutua y la
disuasión que brinda la transparencia, dará la fortaleza
10
Deus grego associado ao comércio, dentre outras divindades.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
171
Vinicius Modolo Teixeira
172
necesaria a aquellos cimientos y vigas para soportar la
construcción de la integración subregional. (SAINT-PIERRE,
2009, p.19)
Mesmo acumulando um significativo crescimento no mercado
interno, o bloco já no fim da década de 1990 se viu envolto em
uma série de reclamações e restrições de importação por parte da
Argentina, levando a conflitos comerciais, em um bloco que tinha
como interesse principal e liberalização econômica e liberdade
alfandegária progressiva. As limitações intra-bloco, demonstradas
por esses reveses e pela possibilidade de dolarização da economia
argentina no fim da década, deixaram marcas para o processo de
integração do MERCOSUL, praticamente tirando das pautas dos
governos partícipes sua prioridade, o que ocasionou
reformulações no projeto integracionista sul-americano e a
possibilidade ainda não descartada naquele momento de
associação com os EUA através da ALCA.
3.3 – As Iniciativas de Integração no
Século XXI: a Cooperação em Defesa em
Pauta
No início do novo século o contínuo processo de formulação de
novos projetos de integração para o subcontinente sul-americano
se manteve. As novas iniciativas que se apresentaram vieram
acompanhadas das mudanças significativas tanto no cenário
internacional como no regional.
A grave crise enfrentada pela Argentina a partir de 2001, com
rápida sucessão presidencial e uma série de imposições
unilaterais por esse país para tentar conter a evasão de divisas,
como calotes internos e insolvência externa, levaram ao
retrocesso no comércio intra-bloco, afastando ainda mais os
países dos objetivos iniciais propostos no Tratado de Assunção, e
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
a partir daí, sem apresentar um retorno aos números que haviam
sido alcançados nos anos iniciais de sua criação (ALMEIDA, 2011).
Como aspectos relevantes a essa pesquisa, a partir da primeira
década do novo século dois fenômenos passam a orientar
decisivamente a postura regional com relação à integração: O
primeiro deles foi a chegada ao poder de partidos com visões
políticas vinculadas à esquerda em vários países da América do
Sul, todos eles frutos de processos eleitorais democráticos. Esses
partidos, com diversas vertentes de posição à esquerda, tiveram
como ponto em comum o choque com projetos dos EUA para a
região, e também com alguns países vizinhos, onde partidos com
orientação à direita se perseveraram; O segundo fenômeno foi a
escalada dos gastos militares na região, representada em parte
pela não alteração da perspectiva de extinção de conflitos, tal
como apregoadas pelas vertentes liberais de paz do pós-Guerra
Fria, mas com maior razão para as necessidades de recuperação e
renovação dos aparatos de defesa da região. Em sua grande
maioria, o começo dos anos 2000 marcou o limite para a
substituição de armamentos adquiridos nos anos 1970, que
encontraram o fim de sua vida útil no começo dessa década,
tornando o período propício para compras das diversas forças da
região. Para a Venezuela, a renovação de seu arsenal encontrou
fundamento no embargo estadunidense imposto ao país, fruto de
sua agressiva guinada à esquerda, impossibilitando o acesso a
peças e manutenção de seus equipamentos, praticamente todos
com origem ou tecnologias dos EUA.
Os partidos de esquerda que assumiram no Brasil, Argentina e
Venezuela se apresentaram ferrenhamente contrários ao projeto
de integração econômica planejado pelos EUA, passando a se opor
de forma decisiva na paralisação da ALCA, até ter definitivamente
“implodido” as negociações em 2005, na Cúpula das Américas
(ALMEIDA, 2011). Em contrapartida, os partidos da Argentina e
Brasil passaram a adotar novas intenções para o MERCOSUL,
retomando antigas pretensões político/estratégicas que foram
postas de lado na assinatura do Tratado de Assunção, aumentando
a participação estatal nas decisões, ao mesmo tempo em que
aumentaram as restrições comerciais internas por parte da
A Cooperação em Defesa na América do Sul
173
Vinicius Modolo Teixeira
174
Argentina, impedindo a entrada irrestrita de certos produtos
vindos do Brasil.
Os EUA, após fracassarem nas proposições em torno da ALCA,
passaram a agir de forma a cooptar alguns países sul-americanos
com propostas de acordos bilaterais de supressão tarifária, numa
agressiva postura diplomática (COSTA, 2009), a que também se
seguiram sua permissão ao acesso a materiais militares. O Chile
que durante a década de 1990 estudou a sua associação com esse
país, finalmente assinou o acordo de livre comércio em junho de
2003 (BBC BRASIL, 2003). Já o Uruguai, membro pleno do
MERCOSUL, assinou em 2007 um tratado considerado como passo
anterior à contratação de um mecanismo de livre comércio, não
efetivando esse acordo de maior amplitude devido às limitações
impostas pelo do acordo no Cone Sul (BBC BRASIL, 2007). O
Equador, que pleiteou sua associação, só não seguiu adiante nessa
proposição devido à eleição de um presidente também ligado a
esquerda e, contrário ao alinhamento com os EUA.
Esses acordos foram concomitantes ao aceno dos EUA de acesso
de material militar para esses países, necessários à reestruturação
de suas forças armadas, o que para o Chile significou a aquisição
de caças F-16 e mísseis de longo alcance, e para o Uruguai a
promessa não efetivada de doação de aeronaves de patrulha
marítima (BONILLA, 2009). Já o Equador, mesmo não tendo
progredido na formalização do acordo bilateral, mantinha em seu
território uma importante base dos EUA, localizada na cidade de
Manta, a qual era usada por aviões dos EUA para controle do
tráfego marítimo e aéreo no Pacífico. A Defesa demonstra-se
assim como um dos pontos de cooptação das unidades sulamericanas para os projetos dos EUA, e como um dos pontos
frágeis para a volta de rivalidades no proposto sistema de
integração.
A negativa de associação ao projeto da ALCA liderada pelos
governos classificados como de esquerda da América do Sul gerou,
também, a proposição de mais um mecanismo com intenção
integracionista, a princípio conhecida como Comunidade Sul
Americana de Nações (CASA). Proposta pelo Brasil, esse novo
projeto, lançado em 2004 e posteriormente re-denominada como
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), significou, ainda que
de forma propositiva, avanços no campo da integração política da
América do Sul, tornando a integração econômica como um
aspecto derivado dos outros processos de cooperação.
Se por um lado o novo projeto apresentou avanços, por outro –
pelo menos até o momento – a proposta da UNASUL não agregou
ao seu escopo os outros projetos de integração sul-americanos
que continuaram a caminhar paralelamente, como é o caso do
MERCOSUL e CAN, assim como o projeto de integração física do
subcontinente, materializado na forma da Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).
Dessa forma, passaram a conviver na América do Sul uma nova
miríade de projetos voltados para a integração, encampando cada
qual, aspectos e composição nacionais diferentes, esvaindo a
energia despendida nesse sentido por diversos caminhos.
Como forma distintiva, o projeto de criação da UNASUL foi o
primeiro a ser composto pela totalidade de países da América do
Sul, retirando o véu de competitividade que havia entre os
diferentes blocos regionais que, entretanto, ainda coexistem.
Outro ponto ímpar, e que torna esse projeto de extrema relevância
para esse trabalho, é o entendimento da importância da
cooperação em defesa para a integração sul-americana, finalmente
traduzida pela criação do Conselho de Defesa Sul-Americano
(CDS), que como observa Medeiros Filho (2010), se caracterizou
por um “ineditismo geopolítico”. Assim, a América do Sul passou a
contar com um documento acerca dos assuntos militares do
subcontinente, tornando-se a última grande região do globo a
contar com tal mecanismo.
A importância da alocação do tema de cooperação em defesa ao
escopo das intenções de integração, por via da UNASUL, deveu-se
a um novo aumento das tensões entre os países do setor noroeste
do subcontinente, buscando por meio da criação do conselho um
instrumento de solução interna de contenciosos, na tentativa de
frear a influência externa e tornar o processo de integração mais
independente. A proposta de criação desse Conselho partiu
diretamente do Brasil, representado pelo então ministro da defesa
A Cooperação em Defesa na América do Sul
175
Vinicius Modolo Teixeira
176
Nelson Jobim (2007-2011) após mais um incidente entre
Colômbia e Equador em Março de 2008.
As divergências entre Colômbia e Equador já haviam sido
reveladas no tocante às divergências políticas em relação ao
movimento guerrilheiro colombiano, em seu tratamento como
grupo terrorista e quanto à possibilidade desses grupos utilizarem
territórios vizinhos como esconderijo e rotas de fuga. Entretanto a
situação se tornou crítica após um ataque da Força Aérea
Colombiana a um acampamento das FARC localizado em solo
equatoriano, ato que resultou na morte de 17 guerrilheiros, entre
os quais, um dos líderes do movimento.
A ação tornou-se um sério incidente diplomático, já que as forças
colombianas haviam bombardeado o país vizinho e entrado
armadas nesse território com a missão de recuperar
equipamentos e corpos dos guerrilheiros mortos. Após protesto
oficial do presidente equatoriano Rafael Correa, a crise aumentou
com o apoio do presidente venezuelano Hugo Chávez, que reagiu
de forma mais enérgica. Tal medida se explica pelas repetidas
acusações colombianas de que os mesmos movimentos
guerrilheiros utilizam o território venezuelano como esconderijo,
o que também poderia ocasionar um ataque a esse país.
De forma a demonstrar o apoio ao Equador e impedir tal tipo de
ação em seu país, o governo venezuelano enviou para sua
fronteira com a Colômbia cerca de 10 batalhões, aumentando a
tensão entre os três países (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008) Como
veremos no capítulo seguinte, essa movimentação foi facilitada
pelo posicionamento dos tanques venezuelanos na fronteira com a
Colômbia, tendo em vista que essa é uma das áreas onde
permanece o risco de um conflito fronteiriço.
Após a solução das tensões, o governo brasileiro agiu de forma
proposital na apresentação do então Conselho de Defesa SulAmericano, fato que desagradou alguns países vizinhos, colocando
em dúvida as intenções brasileiras. Apesar de que a proposta de
formalização de um pacto voltado para assuntos em Defesa já
estar em gestão no ano de 2007, e em 2006 ter se realizado a
primeira reunião com ministros da defesa sul-americanos, a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
proposta somente foi encaminhada aos países vizinhos após esse
recente casus belli. Uma das questões que pesaram sobre a
iniciativa brasileira foi a de não consultar os vizinhos para a
formulação do documento, entregando a proposta pronta para a
Junta Interamericana de Defesa no dia 22 de Março e, na
sequência, para os países vizinhos na reunião de cúpula dos
presidentes sul-americanos no mês de abril de 2008, menos de
um mês após o incidente entre Equador e Venezuela.
A iniciativa, apesar de oportunista, não previa a formação de uma
aliança militar nos moldes da OTAN, e sim de um ambiente para
fomentar a confiança mútua entre os Estados membros, com um
dispositivo para resolução de crises, como a recentemente
enfrentada, com somente a participação dos países do
subcontinente. Em uma de suas falas à imprensa, o ministro
Nelson Jobim deixou claras as intenções de circunscrever aos
limites continentais tal conselho, que segundo ele seria “uma coisa
nossa, da América do Sul e não permitiremos interferências”
(GUIMARÃES, 2008). Na mesma fala, o ministro ressaltou o novo
momento sul-americano, na qual seria a hora de “dizer não” frente
a interferências externas.
A formalização de um acordo que previsse a colaboração conjunta
entre os países sul-americanos e a elevação no nível de confiança
se demonstrava extremamente necessária, principalmente para os
países da região andina. Mesmo esses países estando inseridos em
vários blocos de cooperação regional, ainda persistiam as
colaborações em “arcos estratégicos”, em torno de inimigos
comuns. Com a eleição de presidentes de vertentes de esquerda,
isso foi adicionado às rivalidades, colaborando para a
formalização de alianças, como no caso de Venezuela e Equador, e
Venezuela e Bolívia, ao passo que as relações entre Venezuela e
Colômbia ficaram sujeitas à confrontação, já que nesse país
permaneceu vinculado a um governo de extrema direita. O
Suriname mantinha em comum com a Venezuela questionamentos
junto à Guiana com relação à demarcação territorial, sendo que a
demanda venezuelana representa cerca de cinquenta por cento do
país vizinho, território conhecido como Essequibo.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
177
Vinicius Modolo Teixeira
178
O Equador ao colaborar politicamente com a Venezuela, tornou-se
um apoiador de sua política externa e aliado contra ações
colombianas e sua ligação com os EUA. Além disso, esse país
continuou a receber ajuda chilena, revelando a permanência de
laços estratégicos entre esses países contra o Peru, como será
exposto no Capítulo 4. Dessa maneira, a situação das rivalidades
no noroeste da América do Sul encontrou no Equador um ponto
de apoio para a manutenção de “arcos estratégicos”, tornando-o
um pivô de rivalidades. Ao fim da primeira década desse século, a
situação geopolítica na América do Sul poderia ser representada
pela figura 6:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
179
Figura 6: Situação das Rivalidades na América do Sul na primeira década
do século XXI. Org: TEIXEIRA, V. M.. 2012.
A construção da cooperação em defesa através do Conselho de
Defesa Sul-Americano se mostrou em um primeiro momento uma
tarefa complicada, já que a aprovação conjunta de todos os países
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
180
não se seguiu de maneira uniforme. O principal país a se opor a
um acordo de defesa sul-americano foi a Colômbia, país que
mantém estreita relação com os EUA, o qual fornece
equipamentos militares, treinamento e recursos para o combate
aos movimentos de guerrilha no país. Esse país se posicionou
veementemente contra esse acordo por entender que não seria
necessário, já que há outros acordos no âmbito continental que
prevêem sistemas de cooperação similar, como a Junta
Interamericana de Defesa.
O documento de criação do CDS como já dito, não ambicionava a
criação de um mecanismo similar à OTAN, e sim, um instrumento
para a resolução e fortalecimento da confiança entre os países sulamericanos. A seguir, selecionamos os pontos contidos no Artigo 3
do estatuto de criação do Conselho, que define os seus princípios e
que são de relevância para esse trabalho, configurando iniciativas
de cooperação em defesa tal qual aludidas no Capítulo 1:
c) Promove a paz e a resolução pacífica de controvérsias.
d) Fortalece o diálogo e o consenso em matéria de defesa
mediante a promoção de medidas de confiança e
transparência.
i) Promove a redução das assimetrias existentes entre os
sistemas de defesa dos Estados Membros da UNASUL de
modo de fortalecer a capacidade da região no campo da
defesa. (UNASUR, 2008)
E aqui, seus objetivos específicos, localizadas no Artigo 5, que
compactuam em sua quase totalidade com as perspectivas
propostas:
a) Avançar gradualmente na análise e discussão dos
elementos comuns de uma visão conjunta em matéria de
defesa.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
b) Promover a troca de informação e análise sobre a
situação regional e internacional, com o objetivo de
identificar os fatores de riscos e ameaças que possam afetar
a paz regional e mundial.
c) Contribuir para a articulação de posições conjuntas da
região em foros multilaterais sobre defesa, no marco do
artigo 14 do Tratado Constitutivo da UNASUL.
d) Avançar na construção de uma visão compartilhada a
respeito das tarefas da defesa e promover o diálogo e a
cooperação preferencial com outros países da América
Latina e o Caribe.
e) Fortalecer a adoção de medidas de fomento da confiança
e divulgar as lições aprendidas.
f) Promover o intercâmbio e a cooperação no âmbito da
indústria de defesa.
g) Incentivar o intercâmbio em matéria de formação e
capacitação militar, facilitar processos de treinamento
entre as Forças Armadas e promover a cooperação
acadêmica dos centros de estudos de defesa.
h) Compartilhar experiências e apoiar ações humanitárias
tais como a desminagem, prevenção, mitigação e
assistência às vítimas dos desastres naturais.
i) Compartilhar experiências em operações de manutenção
da paz das Nações Unidas.
j) Trocar experiências a respeito dos processos de
modernização dos Ministérios da Defesa e das Forças
Armadas.
k) Promover a incorporação da perspectiva de gênero no
âmbito da defesa.
(UNASUR, 2008)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
181
Vinicius Modolo Teixeira
182
Mesmo sendo uma demanda regional, o documento do CDS,
apresentou-se de forma vaga, não estabelecendo o seu modo
operativo e por onde caminharia a cooperação sul-americana em
Defesa. O posicionamento colombiano contrário a adesão imediata
abriu caminho para o questionamento de outros países,
desconfiados das intenções brasileiras, devido à rapidez com que
foi gestado o acordo e a pouca clareza nas intenções alocadas a
esse mecanismo.
Prevendo o insucesso da construção de uma cooperação em
defesa através de um mecanismo geral para a América do Sul, o
Brasil logo em seguida à proposição do CDS, se movimentou para
o arrebatamento dos países do subcontinente através de
mecanismos bilaterais de cooperação em defesa. Tal iniciativa
pode ser interpretada como de que as intenções brasileiras serem
a promoção de sua política externa, angariando apoio para sua
inclusão em uma possível reforma no Conselho de Segurança das
Nações Unidas, e também o da viabilização de canais facilitadores
de exportação de seu parque industrial de defesa.
Quadro 3: Acordos Bi-laterais de Cooperação em Defesa promovidos pelo
Brasil. Org. TEIXEIRA, 2013.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Wanderley Messias da Costa (2009) aponta que as assimetrias
contidas no MERCOSUL – as quais podemos sem muito esforço,
ampliá-las para o conjunto da UNASUL – refletem a principal
causa de sua fragilidade. O autor aponta que essas assimetrias
estão não só nos PIBs e rendimentos de suas populações, mas em
suas consequências políticas e sociais. A esses fatores, associamos
também as disparidades militares, entendendo que congregam um
grande potencial de instabilidade regional, dependendo da forma
como são trabalhadas pelos países da região, e que no Capítulo 4
serão expostas de forma mais clara no intuito de compreender o
seu potencial desagregador no contexto sul-americano.
A questão do equilíbrio aparece como um dos princípios a ser
trabalhado no documento do CDS, figurando no inciso “i” do
Artigo 3, que diz promover a redução das assimetrias dos sistemas
de Defesa na América do Sul. Apesar de bem intencionado, não há
alusão de como será feita tal redução, já que o que se observa no
subcontinente é a ampliação do desequilíbrio, principalmente em
relação do Brasil aos demais países, o que pode se figurar um
problema para o avanço da cooperação num futuro próximo. A
falta de clareza na proposição do CDS, a série de anúncios de
investimentos militares e reorganização da indústria de Defesa e a
falta de um documento até pouco tempo que esclarecesse as
intenções brasileiras, como o livro Branco da Defesa lançado em
2012, colocavam o Brasil mais como “suspeito” do que como
parceiro na América do Sul. Adaptando a frase de Raymond Aron
(1986) ao contexto brasileiro, “o ‘país preponderante’ que não
proclama objetivos definidos se torna suspeito de ambições
ilimitadas.”
As intenções brasileiras, mesmo tendo sido declaradas no recente
documento do Livro Branco, lançado no intuito justamente de
desvelar seus objetivos, não foram ainda totalmente aceitas pelos
outros países, e caso realmente se concretize o plano de
rearmamento brasileiro, não devem ser. A capacidade militar de
potência almejada pelo Brasil deve ser vista com desconfiança no
futuro pelos vizinhos e com isso, deverá afetar o sistema sulamericano, caso não haja consenso e ampliação das capacidades
militares dos vizinhos também.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
183
Vinicius Modolo Teixeira
184
Em cada sistema existe um optimum de forças que, se for
ultrapassado, provocará uma inversão dialética. Um
aumento de força, por parte de uma unidade, leva ao seu
enfraquecimento relativo, devido aos aliados que se
transferem para uma posição de neutralidade, e os neutros
que se passam para o campo adversário. (ARON, R. 1986,
p.128-129)
Mesmo tendo se estabelecido um mecanismo de cooperação entre
todos os países, o Conselho de Defesa Sul-Americano,
institucionalizado pelo processo de integração da UNASUL, o que
tem se notado nos últimos anos é a ausência da cooperação em
defesa entre os países da América do Sul, demonstrando
iniciativas de dissuasão frente aos parceiros do subcontinente, tal
qual era experimentado ao longo de todo o século XX. A
manutenção dos aparatos militares em regiões de antigos litígios e
outras ações que demonstram a ausência de cooperação em
defesa serão abordadas no próximo capítulo.
Como conclui Raymond Aron (1986, p.125), “Se os Estados
quisessem ser poderosos para poder ter segurança, seriam
vítimas de uma estranha ilusão; por outro lado, através da
história, a grandeza coletiva tem sido a recompensa de si própria”.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
4
A Disposição da Defesa no
Subcontinente: entre a Dissuasão e a
Cooperação estratégica
Vinicius Modolo Teixeira
186
N
este capítulo apresentaremos algumas considerações
sobre os aspectos atuais dos aparatos de Defesa na
América do Sul, os quais entendemos como relevantes
para a consecução da cooperação em defesa no subcontinente. A
América do Sul com seu passado de rivalidades entre seus Estados
nacionais ainda concentra, em grande parte, estruturas
responsáveis pela manutenção de aspectos de desconfiança entre
países vizinhos. Assim, nossos levantamentos apontam que a
localização das bases militares de alguns países da América do
Sul11, estão orientadas para regiões de conflito, na dissuasão de
seus vizinhos. O posicionamento de forçar militares nas fronteiras
de alguns Estados têm sido responsáveis por incidentes
envolvendo as atividades militares na região, permeadas por
recentes acusações de uma corrida armamentista. O uso dessas
forças militares em momentos de crise política – como na tensão
envolvendo Equador, Colômbia e Venezuela – continua a
demonstrar a relevância da defesa nas relações diplomáticas entre
esses vizinhos, o que entendemos serem ações localizadas no
“limite do antagonismo” como aponta Costa (2009).
A manutenção da rivalidade, principalmente entre os países da
costa do Pacífico, é demonstrada pela disposição em áreas
fronteiriças de unidades do exército e aeronáutica, notadamente
com os seus equipamentos militares mais importantes, o que
denota desconfianças ainda não superadas em relação às
intenções dos vizinhos. No caso do Brasil, mesmo após vinte anos
da formalização das intenções de integração com a Argentina, as
forças militares do país se concentram nos estados sulinos,
fronteira com os vizinhos do MERCOSUL.
Outras questões que se apresentaram nos últimos anos, como o
aumento dos investimentos em Defesa e a insatisfação por parte
de alguns países quanto aos gastos militares de seus vizinhos,
apontam para a possibilidade de paralisação nos processos de
integração, demonstrando a dissociação entre as intenções de
11Exceção
concedida às Guianas e Suriname, por conceberem suas forças
armadas como forças de auto-defesa, pelo seu tamanho diminuto e pela
relativa dependência de suas ex-metrópoles nesses assuntos, sendo que a
Guiana Francesa não é um país independente.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
cooperação de cunho economicista e as estratégias militares de
cada país.
As concentrações militares em áreas fronteiriças, comuns em
épocas de conflito e de rivalidade aberta, não foram
desmobilizadas. Pelo contrário. As informações aqui apresentadas
indicam um reforço nas guarnições militares em algumas regiões,
com a transferência de unidades de alto valor para próximo dos
limites com os países vizinhos, em áreas que em algum momento
foram contestadas por uma das partes.
Regiões como o Atacama e o Sul do Brasil, apresentam uma alta
concentração de unidades, fatos que demonstram a relevância das
recentes acusações de chefe de Estado de uma corrida
armamentista na América do Sul. A não concentração de tropas
nas fronteiras é um fator essencial para que se consolide a
construção da confiança mútua entre os Estado sul-americanos, o
que segundo o General Rocha Paiva (2011) é um dos fatores
essenciais para a Cooperação em Defesa. Ainda nesse aspecto, ao
analisar a percepção das agências de Defesa na América do Sul,
Oscar Medeiros Filho a partir de entrevista com um oficial
argentino coletou a opinião o seguinte:
Os países deveriam evitar colocar suas tropas na fronteira,
caso contrário, estas serão percebidas como ameaça para o
vizinho, Devem deixar as fronteiras para as forças de
segurança. Se querem gerar confiança, devem-se
concentrar suas forças nos centros, a exemplo da Europa.
(MEDEIROS FILHO, 2010, p.127)
Na intenção de demonstrar onde estão localizadas as bases de
cada país e a influência recente das atividades militares na região,
realizamos o levantamento apresentado a seguir.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
187
Vinicius Modolo Teixeira
188
4.1 – A Estrutura da Defesa na América
do Sul: os gastos
Como abordado no capítulo anterior, a primeira década do século
XX apresentou uma elevação nos gastos em defesa em toda a
região sul-americana. Parte desses gastos se deveu a renovação
dos equipamentos de combate pelas Forças Armadas da região, na
qual a maioria havia sido adquirida entre as décadas de 1970 e
1980. No entanto, alguns desses países apresentaram um plano de
renovação “agressivo”, o que motivou posicionamentos contrários
de países vizinhos.
Essa década marcou também a introdução de novos tipos de
armas na América do Sul, que antigamente tinham a venda
restringida, principalmente pelos EUA. Com a introdução pelo
Peru de mísseis de longo alcance adquiridos de países do leste
europeu, os EUA liberaram o fornecimento de pequenas
quantidades de seus similares, o que foi aproveitado logo em
seguida pelo Chile.
A recomposição militar da Venezuela foi a mais noticiada, tanto
pela sua dimensão, como pelo claro posicionamento antiestadunidense de seu governo. Após a eleição de Hugo Chávez em
1999, o governo dos EUA decretou um embargo no fornecimento
de componentes militares ao país sul-americano, levando a quase
paralisação das Forças Armadas da Venezuela. A proibição
restringiu a aquisição de peças de reposição para sua antiga frota
de origem estadunidense e de novos equipamentos ocidentais
com peças também fabricadas no país norte-americano. Dessa
forma, o governo venezuelano se voltou para fornecedores russos
e chineses, praticamente substituindo suas armas por novas
desses dois países. As aquisições envolveram desde fuzis de
assalto AK-103 e veículos blindados, até aviões de caça Sukhoi e
radares de controle aéreo. Essa renovação foi apontada pelo
governo dos EUA como um incitamento à corrida armamentista
regional.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A evolução dos gastos nos últimos anos demonstra que até mesmo
os pequenos países da região elevaram seus orçamentos
destinados à Defesa (Quadro 4 e Gráfico 3):
Quadro 4: Gastos em Defesa na América do Sul em Bi de US$. Fonte:
RESDAL, 2012. Org. TEIXEIRA, 2013.
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Gráfico 3: Gráfico de Gastos Totais em Defesa na América do Sul em Bi de
US$ (2006 - 2012). Fonte: RESDAL, 2012. Org. TEIXEIRA, 2013.
De maneira geral todos os países da América do Sul apresentaram
grandes elevações nos seus gastos de Defesa, entretanto, isso não
chegou a se configurar como uma corrida armamentista na região.
Uma análise divulgada em um relatório emitido pelo CDS,
comparando o crescimento dos gastos em defesa ao crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB) da região, demonstra que a
relação porcentual entre eles praticamente se manteve estável nos
últimos anos:
“A evolução dos orçamentos de defesa da Unasul não
registra variações significativas no período analisado e não
permite estabelecer uma tendência armamentismo ou uma
militarização da região", aponta o relatório. Mais ainda o
indicador mostra a América do Sul está bem abaixo de
outras regiões do mundo. (MERCOPRESS, 2012, tradução
nossa)12
“The evolution of Unasur defence budgets does not register significant
variations in the period analyzed and does not enable to establish an
armamentism tendency or a militarization of the region”, points out the
12
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Outro fator que argumenta contra a propalada “corrida
armamentista regional” é o porcentual dos gastos militares
regionais revertidos para investimentos reais nas forças armadas.
Essa questão se explica pela situação da composição interna dos
gastos de cada país com seu aparato militar, na qual a maior parte
é destinada ao pagamento dos militares e de suas aposentadorias,
restringindo as aquisições de material militar e treinamento
(QUADRO 5).
Quadro 5: Distribuição dos Gastos Militares na América do Sul
(%). Fonte: RESDAL, 2012. Org: TEIXEIRA, 2013
report. Further more the indicator shows South America is well below
other regions of the world. (MERCOPRESS, 2012).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
191
Vinicius Modolo Teixeira
192
O elevado percentual de despesas com o custeio de pessoal acaba
minimizando os investimentos em outros setores, como a parte
operacional, de pesquisa e de treinamentos dos efetivos. Porém,
um dos itens de maior relevância para a construção da confiança
mútua entre os países sul-americanos é a questão do sigilo dos
gastos militares realizados por alguns de seus países. Mesmo
reconhecendo que certas despesas militares devem ser mantidas
sobre sigilo, Carlos Almeida (2008) aponta que a necessidade de
sigilo deve ser ponderada, pois envolve gastos públicos. Além
disso, o gasto com material de defesa é fator de influência para as
relações regionais:
Do ponto de vista das relações externas, as despesas
reservadas têm o terrível potencial de gerar desconfiança
internacional. Os países vizinhos, em particular, são os mais
afetados por este efeito colateral do gasto militar sob um
manto de segredo. Em um ambiente onde o crescimento
das medidas de confiança mútua cada vez mais prevalece, a
existência de despesas reservadas emerge como um
importante obstáculo a superar. Não por outra razão os
representantes diplomáticos, no ano de 2006, na reunião da
Comissão de Segurança Hemisférica realizada pela
Organização dos Estados Americanos, chegaram à
conclusão de que a falta de transparência nos gastos
militares dos países continentais é uma das principais
barreiras para o desenvolvimento pleno de confiança entre
os países americanos. (ALMEIDA, 2008, p.52, tradução
nossa)13.
13 From the point of view of foreign relations, reserved expenses has the
awful potential to generate international distrust. Neighbouring countries
in particular, are the most affected by this collateral effect of the military
spending under a blanket of secrecy. In an atmosphere where the growth
of mutual trust measures increasingly prevails, the existence of reserved
expenses emerges as an important hurdle to overcome. For no other
reason the diplomatic representatives, in the 2006 meetings held by the
Organization of American States Committee on Hemispheric Security,
came to the conclusion that the lack of transparency in military spending
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Até o ano de 2012, um dos principais questionamentos
direcionados ao Brasil era a ausência de um documento que
apontasse as intenções militares do país de maneira geral.
Reconhecendo a necessidade de esclarecer os vizinhos e a
comunidade nacional, o governo brasileiro lançou a primeira
edição do seu Livro Branco da Defesa, tornando-se um dos últimos
países a disponibilizá-lo. Mesmo que contando com informações e
participação popular limitada, esse documento preenche uma
lacuna que era apontada como falha grave ao país proponente do
Conselho de Defesa Sul-Americano.
Países como Chile, Colômbia e Venezuela são exceções nos gastos
investidos em renovação militar. Somente esses países investiram
somas significativas em equipamentos militares, com destaque
para os montantes chilenos, constantemente acima dos vinte por
cento. Não por acaso, esses países tem encontrado situações
complicadas com seus vizinhos. Somados ao Brasil, que
apresentou um plano de modernização de longo prazo e com
características singulares para a região, esses países representam
os que se enveredaram por um processo de renovação mais
“agressivo” de seu arsenal. Considerando a América do Sul como
uma das regiões menos militarizadas do planeta, mesmo que o
orçamento destinado à aquisição de material seja uma pequena
parte do montante destinado às Forças Armadas desses países, as
compras de novas armas e, sobretudo, o posicionamento desse
material no território, continua a ter grande influência na política
regional, sendo capaz de provocar crises diplomáticas e incidentes
entre esses países como se observa a seguir.
in the continental countries is one of the main barriers to the full
development of trust among the American countries. (ALMEIDA, 2008,
p.52)
A Cooperação em Defesa na América do Sul
193
Vinicius Modolo Teixeira
194
4.2 – O Posicionamento das Bases
Militares: A dissuasão ativa frente aos
parceiros comerciais
A partir da proposição de estudos sobre a Cooperação em Defesa
na América do Sul, uma das questões levantadas durante a
composição deste trabalho foi o posicionamento das bases
militares na América do Sul e de seus significados para a
construção da confiança mútua e da cooperação entre esses
Estados. Acreditando ser o posicionamento das bases militares um
indicativo de áreas de tensão, ou de preocupação por parte das
forças armadas desses países, esse estudo aponta para a
manutenção, e em alguns casos para o reforço das guarnições em
áreas de fronteira, contribuindo para críticas dos países vizinhos e
para movimentos no sentido de equilibrar a balança de poder na
região, levando também ao reforço de sua fronteira pelo outro
país. Sendo assim, a partir dos dados obtidos e da elaboração de
mapas da estrutura da defesa na América do Sul, procuramos
demonstrar como as bases militares e seus equipamentos estão
orientados para a dissuasão dos vizinhos sul-americanos. Além
disso, o posicionamento de certos tipos de armamentos nas
fronteiras tem como motivo a sua contraparte do outro lado da
fronteira, simbolizando a manutenção da desconfiança nas
relações entre os países na América do Sul e da divergência entre
as intenções políticas e das intenções militares no âmbito da
integração.
Prova do distanciamento entre o pensamento sul-americano de
integração, em todas as suas frentes e blocos criados, e o
pensamento militar, ainda focado na dissuasão mútua, é a
ausência de exercícios militares conjuntos, uma das formas
básicas de cooperação em defesa. Mesmo que a execução de
exercícios militares se realize com frequência anual entre alguns
parceiros e Forças Armadas da região, nunca se planejou a
execução de tais intercâmbios práticos sob a bandeira de blocos
regionais, como o MERCOSUL ou Comunidade Andina, e nem
mesmo foram compostos por todos os países de um mesmo bloco.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A execução de exercícios com a participação de países que ainda
mantém desconfianças recíprocas geralmente tem sido feita sob o
convite de um terceiro país, geralmente Brasil e EUA, não sendo
assim uma proposição dos rivais. Exemplos são os exercícios
UNITAS entre as marinhas, promovido pelos EUA, e o exercício
entre forças aéreas Cruzeiro do Sul, criado pelo Brasil.
Esse distanciamento institucional é sintomático da ausência do
pensamento de defesa dentro dos blocos comerciais sulamericanos, e em certa medida, do receio dos militares de alguns
países em submeter suas instituições ao controle, mesmo que
relativo, de uma organização supra-estatal, perdendo assim a sua
independência de ação. O pensamento militar sul-americano,
ainda focado na dissuasão interna do subcontinente, é dessa
maneira, um entrave ao avanço de uma cooperação de caráter
estratégico na América do Sul.
O mapeamento da disposição das bases militares a partir de
localidades já demonstra onde se situam as concentrações dos
exércitos da região, os “hot spots” da estrutura militar, que em
grande parte coincidem com antigas áreas de disputa entre os
Impérios Coloniais e os Estados recém independentes do século
XIX. Entretanto, somente a localização de quartéis não exemplifica
os níveis de concentração que buscamos identificar em nosso
trabalho. Dessa maneira buscamos qualificar o posicionamento
das bases militares com o desmembramento das cinco armas de
combate em que são divididos e organizados geralmente os
exércitos sul-americanos atualmente: Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia e Comunicação.
A partir desse desmembramento entre as armas podemos
demonstrar com maior precisão onde estão localizadas as
unidades militares por seus tipos, sendo que diversas localidades
abrigam mais de uma organização militar e também mais de um
tipo de arma. Entretanto, devido à complexidade que envolve um
trabalho dessa dimensão, não foi possível quantificar essas
posições, e também não seria interessante para essa avaliação
preliminar.
Os dados levantados não nos dão condições de aferir com precisão
as quantidades exatas de homens e equipamentos em cada
A Cooperação em Defesa na América do Sul
195
Vinicius Modolo Teixeira
196
localidade. Mesmo que os exércitos utilizem nomes semelhantes
para se referir as suas unidades (regimento, pelotão, grupo e etc),
eles não são compostos pelo mesmo número de homens e também
são usados para designar agrupamentos de tamanhos diversos,
não podendo assim ser utilizado como unidade de referência para
quantificar a presença no território. Também entendemos que
seria um engano uma comparação de unidades pelo tamanho, já
que induziria a estabelecer valores que não são reais para esse
tipo de organização. Como observa Aron (1986), mesmo que
equipadas de mesmo modo, duas divisões não se equivalem.
Entendendo que a mesma proposição tenha um valor relativo
para o armamento, que um equipamento empregado por um
exército não possa se equivaler ao mesmo empregado por outro
em quantidade semelhante, o mapeamento que se segue deve ser
entendido no sentido de apontar a presença das forças armadas
em determinadas regiões e sua ausência em outras e a partir disso
questionar seu significado.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
197
Mapa 2: Disposição das Unidades Militares de Infantaria na América do
Sul. Org. TEIXEIRA, 2013.
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Mapa 3: Disposição das Unidades Militares de Cavalaria na América do
Sul. Org. TEIXEIRA, 2013.
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199
Mapa 4: Disposição das Unidades Militares de Artilharia na América do
Sul. Org. TEIXEIRA, 2013.
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200
Mapa 5: Disposição das Unidades Militares de Engenharia na América do
Sul. Org. TEIXEIRA, 2013
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201
Mapa 6: Disposição das Unidades Militares de Comunicação na
América do Sul. Org. TEIXEIRA, 2013.
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Vinicius Modolo Teixeira
202
Observando os mapas apresentados podemos estabelecer
algumas relações básicas com o posicionamento adotado pela
maioria dos exércitos da região. De maneira geral, as
concentrações de unidades militares nos países sul-americanos se
localizam sob três objetivos: em torno de sua capital federal,
ponto de defesa mais importante; nas cercanias de regiões
industriais, como o Vale do Paraíba; e em regiões fronteiriças com
os antigos rivais.
A defesa da capital nacional continua a ser uma premissa básica
ainda nos dias de hoje, sendo assim, facilmente compreensível a
disposição de forças militares em sua proximidade, como também
de suas indústrias locais. Já as áreas fronteiriças são a parte de
contato com outras nações, necessitando assim de vigilância sobre
seus fluxos, garantindo a segurança da nação. Entretanto, observase uma disposição desigual de estruturas e material militar sobre
os territórios desses países, indicando as áreas de preocupação
imediata do pensamento militar desses países.
Com relação à disposição da defesa aérea na América do Sul, as
forças aéreas também mantêm próximas as suas fronteiras
litigiosas. O posicionamento desses meios, entretanto, se encontra
a uma distância relativamente maior dos limites nacionais do que
as bases dos exércitos. Isso se deve ao alcance e velocidade com
que as aeronaves se deslocam, necessitando apenas que para suas
operações a sua base se encontre dentro de seus limites
operacionais.
Pode-se observar no mapa abaixo que regiões como as fronteiras
de Chile, Bolívia a Peru, Equador e Peru, assim como a de
Argentina e Brasil ocorre a confluência de bases aéreas equipadas
com aeronaves de caça de grande desempenho:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
203
Mapa 7: Bases Aéreas na América do Sul. Org. TEIXEIRA, 2013.
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204
A estrutura militar da América do Sul, dessa forma, está
distribuída em íntima relação ao histórico secular de conflitos
fronteiriços que se desenvolveram na região. Entretanto, o que
ressalta de forma significativa a militarização de algumas
fronteiras que aqui abordaremos, não é o número de bases e
unidades aí localizado, mas sim, o que essas bases abrigam em
termos de equipamentos militares, estando ai o significado da
dissuasão e da denotação do não abandono das hipóteses de
conflitos clássicos entre os Estados sul-americanos.
As concentrações em regiões fronteiriças com potencial de
conflito estão geralmente equipadas com o que há de mais
moderno no acervo das forças armadas dos países analisados.
Além dos equipamentos, destaca-se toda a estrutura de apoio
necessária a sua operação, treinamento e manutenção, contando
com organizações militares específicas para esses serviços, as
quais se somam à concentração, nutrindo os números absolutos
das forças militares na fronteira.
Nos mapas apresentados, essa situação é demonstrada
observando-se a consecução de unidades de armas diferentes, nas
mesmas regiões. Nas áreas onde se observa a concentração de
maior numero de organizações militares, são encontradas
unidades pertencentes às cincos armas de combate, perfazendo
assim, uma estrutura militar completa, sem a necessidade de
deslocamento de forças de outras regiões.
As unidades pertencentes à infantaria, arma básica dos exércitos,
são as mais numerosas em todos os exércitos sul-americanos, e a
que está mais bem distribuída pelos territórios desses países. Na
Colômbia, o país que atualmente possui o maior exército em
números absolutos na região, é a arma com melhor distribuição
pelo território, estando presente em todas as suas regiões sem
concentração aparente. Sua distribuição também está relacionada
com o conflito interno que se arrasta desde a década de 1960.
Devido ao combate à guerrilha, o exército colombiano se
especializou em ações chamadas de contra-insurgência, o que
confere a esse exército um maior destaque as tropas de infantaria
e operações especiais. No Brasil, essa é a arma que está mais
presente na região amazônica e também melhor distribuída.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Devemos deixar registrado que optamos por não relacionar
nesses mapas o posicionamento das bases das marinhas de guerra
da região. Tal opção deve-se ao fato de a maior parte dessas
marinhas estarem com sua frota concentrada em apenas um
porto, geralmente o mais importante do país, orientada para fora
do continente e não para as fronteiras internas. Apesar dessas
marinhas em sua maioria possuírem componentes terrestres –
fuzileiros navais – e aéreos, elas representam apenas uma
pequena parcela de suas forças, cabendo às forças terrestres e
aéreas desses países a responsabilidade por essas operações.
Além disso, no que tange às marinhas de guerra, o que poderia nos
interessar seria a posição de navios e frotas e não as suas bases,
porém isso não poderia ser apresentado em mapas devido ao
constante movimento dessas embarcações.
A partir da primeira metade da década desse novo século, a
América do Sul experimentou um aumento sensível nos
orçamentos militares da região que, porém, não foram
acompanhados por todos os países no que tange aos
investimentos, o que ocasionou “tremores” na região, suscitando o
perigo do retrocesso nos planos de integração e mais uma vez
demonstrando a importância de mecanismos colaborativos nesse
aspecto para o avanço seguro das relações entre os países do
subcontinente.
Outro fato bastante representativo da organização das unidades
militares nas regiões fronteiriças como forma de dissuasão dos
vizinhos, além das cidades onde estão posicionadas, é a
coincidência de tipos de equipamentos dos dois lados das
fronteiras, sendo que em alguns casos, a fixação de certos
dispositivos tem total ligação com as equipagens do exército
vizinho, sendo assim, mais uma prova da falta de confiança nos
círculos militares dos países da região com relação às ações de
seus parceiros nos blocos comerciais.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
205
Vinicius Modolo Teixeira
4.2.1 As Fronteiras do MERCOSUL
206
Brasil e Argentina, como apresentado, representaram a primeira
escala das rivalidades contidas no continente sem, porém, terem
tido um embate frontal de magnitude. As suas forças militares
também representaram as mais bem equipadas e organizadas da
região, equilíbrio somente perdido após a Guerra das Malvinas.
Como relatado, por diversas vezes, encontros entre presidentes e
diplomatas dos dois países tencionaram acordos bilaterais nos
quais questões relativas ao poderio militar eram postas como
fatores importantes para a conciliação e efetivação de um tratado
de amizade. Apesar desse reconhecimento sobre a influência das
questões de defesa nas suas relações, até próximo ao advento do
conflito no Atlântico Sul em 1982 as relações militares
encontravam-se em oposição.
Após a Guerra, com o recrudescimento das hipóteses de conflito e
o início da cooperação bilateral, as questões militares que influíam
nas relações dos dois países foram postas em segundo plano.
Parte dessa atitude deveu-se ao retorno de presidentes civis aos
governos locais, minimizando investimentos nas áreas de defesa
até toda a década seguinte praticamente. Isso permitiu a evolução
da cooperação econômica sem que se encontrassem muitos
obstáculos com origem na caserna, à exceção das iniciativas
argentinas de filiação à OTAN.
A primeira década do século 21, entretanto, trouxe para o Brasil
uma retomada de seus projetos mundiais, onde a América do Sul
estaria colocada como sua base de apoio. Dessa forma, antigos
projetos militares foram colocados como parte do plano
emergente do país, reconhecendo a importância do aparato
militar para a projeção mundial do Brasil. Esse plano de
crescimento militar foi acompanhado de críticas na região, sempre
desconfiada do imperialismo brasileiro que reside por trás de
ações como a formulação unilateral do Conselho de Defesa SulAmericano. Nesse aspecto, a Argentina foi um dos países que
observou com atenção os movimentos do Brasil, justamente o seu
principal parceiro comercial no MERCOSUL.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
A situação argentina desde o fim do Conflito das Malvinas, após
sucessivas crises econômicas não permitiu a renovação de suas
forças militares. Seu contingente foi reduzido e o serviço militar
obrigatório abolido, tornando o exército composto apenas de
profissionais. Seus equipamentos na maior parte, entretanto,
continuam a ser os mesmo operados no momento pretérito ao
embate inglês, demonstrando um alto grau de obsolescência e
reduzida capacidade de combate. Nessas últimas décadas foram
raros os anúncios de compras militares pelo país portenho.
A Força Aérea Argentina (FAA) e a Armada têm sofrido
constantemente com a falta de operacionalidade de seus meios.
Recentemente foram comemorados os quarenta anos de operação
de sua frota de caças supersônicos Mirage III, que em breve serão
aposentados sem que se tenha em vista a sua substituição por um
avião mais recente. O Brasil nesse aspecto acompanha seu vizinho,
estando a quase vinte anos envolvido em um processo de
substituição de sua frota sem que tenha tido indicação de modelo
vencedor da concorrência, constantemente postergada. No
entanto, a situação argentina se mostra a beira de um colapso já
que em recente reportagem divulgada pelo periódico Clarin,
baseando-se em relatório de um grupo parlamentar do país,
aponta que somente 17% da frota da encontra-se disponível,
situação que vem se degradando desde o fim do conflito com a
Inglaterra.
O relatório dos deputados da UCR alerta também sobre a
sensível falta de condições para que a FAA exerça
adequadamente o controle do espaço aéreo do país. Essa
decadência iniciou-se nos anos de 1980 após a Guerra das
Malvinas e se aprofundou nos últimos dez anos, aponta o
relatório. No período 2001-2003, a FAA contava com uma
disponibilidade de aeronaves ao redor de 50%. Entre 2003
e 2005 esse índice baixou para 40% e chegou a 30% entre
2005 e 2010. (PLAVETZ, 2013)
A Armada tem encontrado dificuldades em diversas áreas. Sua
folha de pagamentos assume elevados custos com seu pessoal,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
207
Vinicius Modolo Teixeira
208
representando 81% de seus recursos totais (INFOBAE.COM,
2013). Desprovida de um porta-aviões desde 1990, sua aviação
naval fez uso do navio aeródromo brasileiro para manter suas
atividades, o que teve de ser interrompido devido à reforma nesse
porta-aviões, ocasionando a perda da proficiência em operações
com esse tipo de embarcação. Aos seus navios de combate não se
tem permitido muitas surtidas de adestramento. Outras notícias
recentes, que demonstram tanto o estado de obsolescência dos
navios como o das finanças do país foi a da retenção da fragata de
instrução ARA Liberdad, da quebra da corveta Espora em águas
sul-africanas e o afundamento do fragata Santísima Trinidad
quando o mesmo estava ancorado para reparos no porto de Mar
del Plata (INFOBAE.COM, 2013).
Sua arma submarina está reduzida à apenas três unidades de
submarinos as quais contam com idade considerável. Um fato
significativo que indica a observação, dos movimentos brasileiros
por parte desse país foi a declaração da ministra da defesa
argentina Nilda Garré, em 2010, sobre as intenções de seu país
construir um submarino de propulsão nuclear, tal qual o Brasil
planeja. Segundo a ministra, “A Argentina não pode ficar à
margem dessa tecnologia” e que o seu país “nunca renunciou à
posse de um submarino atômico” (CARNEIRO, 2012, p.12). As
declarações demonstram o interesse argentino em não perder de
vista o Brasil na área militar, porém lhe restam dificuldades para
efetivar seus planos. Segundo Mário Carneiro (2012), os planos
argentinos de equipar um casco de seus atuais submarinos com
um reator nuclear teriam como principais dificuldades a dimensão
do casco desses submarinos, pequenos demais para comportar
um maquinário desse tipo que seja eficiente; a falta de um reator
nacional pequeno e com potência para impulsionar o navio; e o
custo elevado de tal empreitada, que a Argentina não teria
condições de suportar nesse momento.
São nas forças terrestres, entretanto, que encontramos a nossa
situação problema e desequilíbrio entre os dois países e que pode
ter influência no processo de integração entre os dois países.
Desde pelo menos trinta anos, o Brasil tem ressaltado a
importância da Amazônia para o país e de sua defesa soberana,
fazendo uso de argumentos de “cobiça externa” para alertar a
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
população sobre a necessidade de sua proteção (MARQUES,
2010). Essa situação, entretanto, não está sendo acompanhada
pela mobilização das forças armadas para a proteção desse
território que compreende mais da metade do país. Como observa
Hector Saint-Pierre:
Sin embargo, y para agravar la situación de seguridad de la
región amazónica, la reorientación estratégica brasileña,
por la que se cambió el foco de las preocupaciones de la
defensa del sur del país (coherente con la vieja hipótesis de
guerra con la Argentina) para el norte, no se acompañó de
la debida reestructuración de las fuerzas ni de la tecnología
militar necesaria para las especificidades de la región, lo
que se refleja en los reclamos de los militares ante la falta
de recursos para la eficaz vigilancia de la Amazonia.
(SAINT-PIERRE, 2009, p.5)
A fronteira entre Brasil e Argentina, que historicamente fora o
alvo de remarcações e expedições militares no período colonial,
continuou a preservar suas forças militares mesmo após o aceno
formalizado da cooperação na Bacia do Prata. Além disso, as
forças militares que já se encontravam fortemente concentradas
na região passaram a receber reforços que não são
compreensíveis para o atual contexto de distensão das
rivalidades.
A partir de 2004, o Exército Brasileiro divulgou suas intenções de
transferência de unidades militares, através de seu Plano Básico
de Reestruturação do Exército. Esse documento preconizava a
transferência de unidades blindadas de grandes centros urbanos,
para a proximidade de campos de instrução, propiciando a
melhora na instrução dessas unidades e economia com a logística,
reunindo em uma mesma brigada material de mesmo tipo (SAINTPIERRE, 2009). A transferência que se efetivou, entretanto, foi
feita entre unidades sediadas na região Sudeste para novos
destinos na região Sul. Por exemplo, os 1° e 2° Regimentos de
Carros de Combate, sediados respectivamente nas cidades do Rio
de Janeiro – RJ e Pirassununga – SP, unidades dotadas com os
A Cooperação em Defesa na América do Sul
209
Vinicius Modolo Teixeira
210
principais tanques do exército, foram transferidas cada qual para
Santa Maria – RS e Ponta Grossa – PR. Além dessas, houve a
concentração de mais unidades blindadas sob a responsabilidade
do Comando Militar do Sul (CMS). O principal argumento para a
transferência de unidades blindadas para o Sul do país segundo o
exército, é que a condição de terreno propicia a evolução de
treinamento com esse tipo de arma (HIGUCHI, BASTOS Jr, 2009).
Entretanto, as condições de terreno plano que propiciam o melhor
treinamento e operação com veículos blindados são encontradas
em outras áreas do país, em todas as regiões, o que torna
questionável o argumento da força terrestre brasileira para
concentração dessas unidades na região sul.
Segundo Expedito Bastos, a concentração de tropas num país de
dimensões continentais como o nosso, longe das regiões mais
importantes e mais populosas é algo temerário:
O centro principal envolvendo carros de combate será o Rio
Grande do Sul, deslocando desta maneira um grande efetivo
para as fronteiras sul do país, num momento em que as
antigas tensões pareciam ter sido definitivamente
extirpadas. Caso estas mudanças realmente ocorram, ficará
evidente que os nossos inimigos estão no sul, países com os
quais mantemos boas relações e que sem dúvida reagirão a
esta grande concentração de forças próximos à sua
fronteira. (BASTOS, 2003, p.1)
A concentração das unidades de Cavalaria, dotadas de veículos
blindados, fica evidente quando analisado o Mapa 3. Nota-se a
ausência dessas unidades em regiões de relevância para o país,
como a região norte e o promontório nordestino. As poucas
unidades encontradas nessas regiões são compostas de poucas
peças no seu inventário de veículos, já que são classificadas como
esquadrões. Na organização clássica de unidades militares, são
necessários três esquadrões para a composição de um regimento,
que são as unidades mais comuns no sul e sudeste.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Entende-se a dificuldade de operação de tanques pesados em
terrenos como o da região amazônica e em outros de relevo
íngreme, porém, grande parte dos veículos blindados de
transporte de pessoal utilizados pelo exército é dotada de
capacidade anfíbia – M-113 e Urutu – tornando-os aptos a
operação na região norte. Além das unidades de Cavalaria, outras
unidades do exército que se encontram na região sul, também
estão dotadas de veículos de combate blindado, mesmo
pertencendo a outras armas, como no caso das unidades de
comunicações
blindadas
e
engenharia
de
combate,
majoritariamente postadas nessa região. No tocante à arma de
infantaria, de seus cinco batalhões de infantaria blindados, quatro
estão na região sul, e o último tem sede no Rio de Janeiro como
demonstrado no Apêndice B.
A arma de Artilharia também tem suas principais forças
concentradas na região, como aponta o Mapa 4. Muitas dessas
unidades também estão dotadas de veículos blindados, como no
caso das unidades equipadas com os obuseiros alto-propulsados
M-108 e M-109, as peças mais importantes do inventário dessa
arma.
A dotação de todas essas unidades com veículos blindados
demonstra a importância das tarefas atribuídas a essas unidades e
o grau de dificuldade dos combates a que estão preparadas.
Mantendo-as concentradas no Rio Grande do Sul e as fortalecendo,
certamente aponta para uma questão que pode vir um dia a
ganhar relevância nas relações bilaterais. Concentrar forças em
uma fronteira gera desconfortos e animosidades. Segundo o site
DEFESANET (2011) o Comando Militar do Sul conta com 90% dos
blindados, 100% da Artilharia Autopropulsada, 75% da Artilharia,
75% da Engenharia e 75% da Cavalaria Mecanizada do Brasil.
As recentes aquisições de veículos blindados pelo Brasil da
Alemanha, cerca de 250 tanques Leopard modelo 1A5, foram
prontamente enviadas para a modernização dos Regimentos de
Carros de Combate, dois no Paraná e dois no Rio Grande do Sul.
Notícias recentes apontam a possível aquisição pelo Exército de
blindados antiaéreos Gepard, os quais muito provavelmente serão
enviados ao sul caso se concretize a negociação. Essa
A Cooperação em Defesa na América do Sul
211
Vinicius Modolo Teixeira
possibilidade deve-se a similaridade desse veículo com os tanques
Leopard, facilitando a manutenção e logística operacional.
212
Outro fator que leva a entendimentos semelhantes aos do exército
é a destacada presença da FAB no estado gaúcho. Das cinco
unidades da Força Aérea equipadas com jatos de combate, duas se
localizam no estado. Essa posição singular é ressaltada pela
presença de um esquadrão de caça e de dois esquadrões de
ataque, sendo mais de um terço das aeronaves desses modelos. O
esquadrão de caça criado mais recentemente foi o 1°/4° Grupo de
Aviação, transferido de Natal para Manaus no fim do ano de 2010.
As aeronaves que compõe esse esquadrão foram retiradas do 1°
Grupo de Aviação de Caça, com sede no Rio de Janeiro, sendo
enviados apenas 6 caças F-5 para a Amazônia. Números como esse
revelam questões latentes na estrutura militar brasileira, as quais
deverão ser dadas mais atenção caso o interesse pela cooperação
regional se fortaleça.
A pujança militar dos planos de modernização brasileira
incomodou a alta cúpula do governo argentino em 2009, mesmo
que as orientações políticas de seus governos apresentem
similaridades. As preocupações argentinas estavam baseadas na
condução da política externa do Brasil, aproximando-se como
interlocutor do Irã e abrindo uma embaixada na Coréia do Norte
(ESTADÃO, 2012), países que contam com programas nucleares
secretos, sendo que o segundo é sabidamente detentor de armas
nucleares.
Um dos riscos vislumbrados pelo governo argentino era a
tentativa de equiparação militar do Brasil com os seus congêneres
do BRIC, através da adoção de meios estratégicos nucleares. A
possibilidade de o Brasil construir uma arma atômica teria sérias
consequências para a geopolítica local, mas principalmente para o
país portenho, relegando-o a um patamar ainda mais distante do
apresentado atualmente. Apesar do forte reaparelhamento do
Chile, esse país não foi visto como um problema, já que algumas
medidas de confiança recíproca foram estabelecidas entre esses
países:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Ainchil e Dojas descreveram a reação da Argentina a
vizinhos capazes de gastar muito mais que a Argentina na
modernização militar. No caso do Chile, o governo da
Argentina (GOA) entendia que as receitas da exploração do
cobre ofereciam um orçamento fixo para aquisições
militares, mas que o Chile havia adotado medidas para
amenizar qualquer temor da Argentina de ser superada em
tecnologia militar. Uma delas era o compromisso do Chile
de desenvolver um batalhão de paz conjunto com a
Argentina, o Cruz del Sur. A segunda era o foco do Chile em
retirar as minas de sua fronteira com a Argentina, um sinal
impressionante de confiança na relação bilateral.
(ESTADÃO, 2012)
Uma questão que pode auxiliar na compreensão da visão
argentina ser mais amena com relação ao Chile e dotada de
desconfianças com o Brasil é justamente o posicionamento militar
fronteiriço em relação ao país portenho. Enquanto o Brasil
mantém suas forças direcionadas ao seu parceiro comercial, o
Chile tem claramente prioridade em sua fronteira norte,
minimizando sua presença militar na fronteira com a Argentina,
sendo Punta Arenas uma exceção e, além disso, equipada com os
equipamentos mais antigos das Forças Armadas chilenas, como
observado nos mapas.
A possibilidade de o Brasil construir um artefato nuclear foi
relatada no mesmo ano em que o governo argentino firmou suas
preocupações. Uma pesquisa desenvolvida no Instituto Militar de
Engenharia conseguiu aferir com elevado grau de precisão o
funcionamento de um modelo de bomba nuclear estadunidense.
Segundo as reportagens veiculadas (QUADROS, 2009), um
pesquisador brasileiro conseguiu determinar com sucesso os
cálculos de dimensão e a potência da ogiva do arsenal norte
americano W-87, o que em teoria poderia conferir a capacidade de
montagem pelo país de um objeto semelhante. Nesse mesmo ano,
segundo foi revelado pela organização wikileaks, a Argentina
temeu as ambições na área nuclear com os projetos desenvolvidos
pelo Brasil, lavando em consideração, além do submarino e
construção de novas usinas, a aproximação entre esse país e o Irã
A Cooperação em Defesa na América do Sul
213
Vinicius Modolo Teixeira
e a Coréia do Norte, países que mantém programas nucleares sob
suspeita da ONU (ESTADÃO, 2012)
214
A Argentina ao demonstrar sua preocupação com a possibilidade
do Brasil conseguir armas estratégicas, submarinos de propulsão
nuclear, suas pretensões recentes em pertencer à comunidade de
defesa do Atlântico Norte e a configuração do aparato militar
brasileiro na fronteira com esse país, indicam que as questões de
defesa que envolve os antigos rivais estão longe de estarem
totalmente superadas, abrindo-se a possibilidade de regressão das
iniciativas de integração pelas antigas vias de rivalidade na região.
4.2.2 A Fronteira Chile-Bolívia-Peru
Apesar de não se envolverem em conflitos desde o término da
Guerra do Pacífico no século XIX, atualmente, essa é a fronteira
onde observamos um dos maiores riscos de retrocesso a um
conflito clássico, tendo em vista os recentes protestos de Bolívia e
Peru, tanto em relação à revisão dos limites com o Chile, como ao
armamento mobilizado por esse país para a região fronteiriça.
O Chile, um dos países que mais investiu em armamentos na
última década, fato que tem relação com os recursos
disponibilizados pela “Lei do Cobre” 14, metal que a partir da
década de 2000, passou a contar com uma cotação bastante
elevada no mercado mundial, possibilitando uma soma de
recursos para as FFAA chilenas que foram aproveitadas na
compra de diversos materiais. A partir dessa mesma década, o
exército chileno reformulou a distribuição de suas unidades sobre
seu território, buscando concentrar unidades que estavam
dispersas em menos localidades, tornando menos onerosa a
manutenção de suas forças e possibilitando a criação de unidades
completas, providas de todas as armas de combate.
14 Ley Reservada del Cobre, criada em 1958 durante o governo Carlos
Ibáñez Del Campo. A Lei previa que 10% do montante arrecadado com a
venda do metal fossem destinados às Forças Armadas do país. A Lei foi
recentemente extinta pelo congresso.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
215
Figura 7: A transformação e modernização do Exército chileno a partir
dos anos 2000. Fonte: EJÉRCITO DE CHILE, 2013a
Segundo o site do Exército do Chile, essa alteração na disposição
física de suas unidades transformou essa força de um exército
territorial, para um exército operacional, possibilitando maior
capacidade de projeção sem a necessidade de grandes
mobilizações. Em sua página na internet o Exército chileno
destaca que:
Hoy, el ejército operacional, en cambio, se plantea como
una Fuerza Terrestre polivalente, con la capacidad para
realizar múltiples tareas con la misma estructura, con
unidades completas y alta capacidad de proyección; con
menor dependencia de la movilización (traslado geográfico
de personal de apoyo en caso de crisis o conflicto) y
con sistemas operativos que le dan mayor operacionalidad,
lo que le otorga potencia, poder de choque y flexibilidad a la
fuerza. (EJÉRCITO DE CHILE, 2013a)
A sua reorganização coincidiu com um período de fortes
investimentos na modernização de seus equipamentos, dessa
maneira, o Chile passou a ser um dos países que mais concentram
suas forças de combate em região fronteiriça, notadamente
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
216
próxima à tríplice fronteira com Peru e Bolívia, palco da Guerra do
Pacífico, e constante alvo de protestos por parte desses dois
vizinhos para a revisão de seu traçado. Considerando o envio da
maior parte de seus blindados e artilharia para as cidades de
Iquique, Arica e Antofagasta, antigos territórios peruanos e
boliviano, somados ao significado que o exército chileno atribui ao
termo de dissuasão, que é “el efecto mediante el cual se pretende
inhibir cualquier intención adversaria de actuar coercitivamente
contra los intereses vitales propios” (EJÉRCITO DE CHILE, 2013b),
entendemos que na visão chilena, Peru e Bolívia ainda são
considerados hipoteticamente como potenciais adversários
militares.
Dentre as unidades que estão estacionadas nessas três cidades,
destacamos as 1°, 2° e 3° Brigadas Acorazadas, as quais compõem
as mais importantes unidades equipadas do Chile. Tais unidades
estão dotadas com os tanques principais Leopard II, obuseiros M109, grupos de artilharia antiaérea dotados de mísseis e veículos
blindados de transporte de tropas. Estando três das quatro
brigadas encouraçadas situadas ao norte, a representatividade
dessa fronteira para o pensamento militar chileno fica assim
assinalada de forma contundente. A unidade restante, a 4° Brigada
Acorazada, situa-se em Punta Arenas, no extremo sul, próximo a
antiga zona de litígio com a Argentina, no entanto, essa brigada
não dispõe dos mesmos equipamentos que estão destinadas às
localizadas ao norte, estando equipadas com os antigos tanques
Leopard 1V, denotando assim maior importância das outras sobre
essa. Nos mapas apresentados, nota-se a concentração das
unidades de cavalaria do Chile na região norte.
A criação das 1° e 2° brigadas deu-se em 2007, já seguindo as
novas determinações da nova estrutura organizacional, e as 3° e
4° foram inauguradas em 2009. Além dos equipamentos já
destacados, todas as brigadas são compostas por unidades de
infantaria, unidades de reconhecimento aéreo, de comunicação e
de engenharia. Já os equipamentos que foram destinados para
essas novas unidades, fazem parte de sucessivos lotes de
comprados a partir da segunda metade da década passada. Da
Alemanha foram comprados 132 carros de combate Leopard 2A4,
em 2005, da Suíça e EUA entre 2006 e 2009 foram recebidos 48
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
obuseiros M-109, além de equipamentos de apoio como jipes,
radares, peças de manutenção, dentre outros.
Já a Força Aérea Chilena (FACh) levou a cabo uma completa
renovação de sua frota de combate, adquirindo 46 caças F-16 dos
EUA e Holanda, em três lotes entre 2000 e 2009, representando
hoje o equipamento mais modernos em operação na FACh. Todos
esse aviões foram enviados para três grupos de aviação baseados
no norte do país, o Grupo de Aviação 3, baseado em Iquique,
operando com os 10 jatos mais novos recebidos dos EUA, e os
Grupos 7 e 8, baseados em Antofagasta, operando os 36 aviões
restantes comprados de segunda mão da Holanda. A única outra
unidade a operar aviões de caça da FACh sedia-se em Punta
Arenas, operando os antigos caças F-5, que anteriormente se
encontravam na região norte, tendo sido enviados ao sul depois
da compra dos equipamentos mais modernos. Dessa forma, a
Força Aérea Chilena também destaca suas mais importantes
unidades de combate para a região fronteiriça com Peru e Bolívia,
fato que não tem passado despercebido por ambos vizinhos.
Esses dois países que se localizam na fronteira norte do Chile tem
apresentados protestos quanto à crescente disposição de armas
chilenas próximos aos seus limites. As perdas territoriais causadas
pela Guerra do Pacífico ainda são a base da discórdia entre esses
vizinhos.
A Bolívia não mantém relações diplomáticas com o Chile desde
1978, sendo o motivo principal a falta de resolução para a questão
da saída para o mar, o assunto mais importante da política externa
boliviana. O Governo Evo Moralez tem sido especialmente
insistente com a questão da saída externa, um forte fator de
aglutinação da social. Sistematicamente esse assunto tem sido
abordado pelo governo boliviano, renovando o protesto
anualmente junto a OEA. Na última conferência em 2012, depois
de feito o pedido para renegociação dos limites da atual fronteira,
estabelecida em 1904 em acordo bilateral, o questionamento
boliviano obteve como resposta do representante chileno que "O
Chile é um país que está estabelecido em suas fronteiras há muitos
anos, essa realidade do que é o Chile hoje não vai mudar, não vai
mudar" (QUIROGA; NEJANKIS; BACHEGA, 2012).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
217
Vinicius Modolo Teixeira
218
Mais recentemente, em outubro de 2012, o presidente boliviano
retornou ao assunto durante a cúpula de países sul-americanos e
países árabes, em Lima, sendo enfático ao apontar o Chile como
ameaça regional, "Chile não é apenas uma ameaça para a Bolívia,
mas também para o Peru. O Chile é um perigo para a região
porque estamos em época de integração.” (MARILUZ, 2012). A
reação boliviana caminha, segundo a notícia acima, para o
protesto formal na Corte Internacional de Haia, o que deve se
confirmar em 2013, caso o Chile continue a recusar as negociações
bilaterais.
Nesse mesmo ínterim, o Chile já enfrenta outra apelação no
mesmo tribunal, apresentada pelo Peru em 2008, relativo aos
limites marítimos entre eles. Essa questão também com origem no
conflito do século XIX, e refere-se a uma área de
aproximadamente 40.000 km² da fronteira marítima entre eles. A
disputa territorial entre os dois países tem sido marcada por
incidentes diplomáticos e acusações por parte do Peru, de que o
Chile estaria promovendo uma corrida armamentista na região.
Em novembro de 2009, a missão diplomática peruana abandonou
a reunião da APEC em Cingapura, após acusações de que o Chile
estaria envolvido com a espionagem de instalações militares
peruanas, tendo aliciado um oficial da Força Aérea do Peru para
fornecer informações para suas contrapartes chilenas (JARA,
2009). Em fevereiro de 2012 o Peru divulgou nota de protesto
contra a invasão de militares chilenos em seu território, que a
principio, teriam como missão a desativação de minas terrestres
plantadas pelo Chile no governo Pinochet, as quais teriam sido
carreadas por fortes chuvas para o lado peruano da fronteira.
Entretanto, um caso bastante alarmante a respeito das relações
Peru-Chile, foi a declaração do ex-ministro do exército do Peru, em
2009, para que os peruanos se preparassem para o confronto com
o Chile por causa dos limites marítimos. Esse mesmo militar foi
retirado do comando do Exército em 2008, após a divulgação de
um vídeo onde aparecia demonstrando durante treinamento
como matar soldados chilenos, caso estes ingressassem em
território peruano (EL ECONOMISTA, 2009).
Da mesma maneira, um vídeo recentemente divulgado na internet
no Chile mostra um pelotão com cerca de 50 soldados da marinha
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
do país em uma praia em Viña del Mar, correndo e cantando
palavras xenófobas contra os países vizinhos, "argentinos matarei,
bolivianos mutilarei, peruanos degolarei" (G1, 2013). O episódio
foi colocado sob investigação pela marinha do país, já que em sua
declaração oficial essa organização diz que o fato não representa
as boas relações com os vizinhos. Mesmo que um caso isolado, o
vídeo pode indicar um claro sinal de pensamento baseado na
confrontação por parte dos soldados em treinamento.
O Peru, entretanto, não tem se limitado ao protesto com relação
aos gastos militares e posicionamento das bases chilenas,
buscando através de um programa de modernização equilibrar a
balança de poder na região, entretanto, atuando no sentido
inverso do fortalecimento da confiança recíproca.
Observando a disposição das unidades de cavalaria e artilharia do
exército peruano, bem como os equipamentos com que elas estão
dotadas, percebe-se uma tentativa de contrabalancear a
concentração de tropas do lado chileno. A disponibilidade e tipo
de equipamentos com que está servido o exército do Peru não se
comparam com o material mais recente recebido pelo seu vizinho,
estando equipado com tanques principais T-55 e tanques leves
AMX-13, com quase cinquenta anos de uso e no limite de suas
vidas úteis. As unidades de cavalaria peruana, como observado no
Mapa 3, estão orientadas de maneira muito clara para as
fronteiras equatorianas e chilenas. Entre essas duas, os limites
com o Chile ganham especial atenção, sendo que das oito unidades
equipadas com carros de combate, cinco estão situadas nessa
região fronteiriça. Os 311° e 211° Batalhões de tanque, situados
respectivamente em Locumba e Moqueguá estão equipados com
os tanques pesados T-55. Em Tacna se situam duas unidades
equipadas com os veículos AMX-13, assim com uma em Pomata, as
margens do Lago Titicaca. Com relação às outras três unidades,
duas situam-se na capital, Lima, e a restante em Tumbés, fronteira
com o Equador.
Além das unidades de cavalaria, importantes unidades de
artilharia também estão deslocadas para essas duas regiões
fronteiriças, contando com veículos lançadores de foguetes,
mísseis e blindados antiaéreos, respectivamente em Arequipa,
Monqueguá. Ainda na fronteira com o Chile se localizam unidades
A Cooperação em Defesa na América do Sul
219
Vinicius Modolo Teixeira
equipadas com mísseis antitanque, as quais serão descritas mais à
frente.
220
Um fator relevante são compras de armamentos realizadas por
esses dois países, as quais, ocasionadas em períodos muito
próximos, demonstram uma situação de competição entre eles.
Outro indício são os tipos de armas, apontando para uma estreita
ligação com a aquisição realizada pelo país vizinho, sendo que as
ações peruanas têm sucedido as chilenas como reações em busca
do equilíbrio de poder militar regional. Dessa maneira, as
atividades militares que se encontram relacionadas têm início no
ano de 2004, coincidindo com a ascensão dos gastos em defesa
nos dois países. Em janeiro desse ano o Chile anunciou a
renovação de sua esquadra, adquirindo da Holanda 4 fragatas de
segunda mão, o que logo foi seguido pelo Peru, com o anúncio da
aquisição de 4 navios semelhantes da Itália.
O Equador também tem papel fundamental nesse processo,
devido a aspectos de uma aliança informal com o Chile, assim
como apontado no final do século XIX, como um arco estratégico
que uniria esses dois países em torno de seus problemas com o
Peru.
Seguindo com o seu processo de modernização naval, o Chile
providenciou uma nova compra de oportunidade, adquirindo 3
fragatas da Inglaterra, possibilitando a retirada de serviço de 2
unidades mais antigas. Dessa maneira, as duas fragatas da Classe
Leander foram vendidas ao Equador por preços e condições de
pagamento mais favoráveis, modernizando a pequena marinha
desse país. O recebimento dos navios comprados da Inglaterra foi
feito entre fins de 2007 e outubro de 2008, quando foi entregue o
terceiro e último navio. Em outubro também foi realizada a
entrega da segunda e última fragata retirada de serviço ao
Equador.
Dois meses após o incremento das marinhas vizinhas, em
dezembro de 2008, o Peru destacou 15 navios de combate para a
realização de um exercício naval de grandes proporções, ocasião
em que testou um míssil anti-navio Otomat, atingindo um alvo a
150 km de distância, quebrando o recorde sul-americano nesse
tipo de armamento. Considerando o valor unitário do míssil,
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
estimado entre 500 e 700 milhões de dólares, e de que a marinha
peruana recebeu 40 exemplares do mesmo, esse exercício pode
ser interpretado como uma “mensagem” da Armada do Peru para
os países vizinhos, assim como a aquisição de aeronaves de
patrulha marítima, que são utilizadas para guiar esse tipo de
míssil, realizadas em 2010, também estão relacionadas com o
aumento do poder naval na região.
A aquisição de blindados pelo Chile e a venda de seus antigos
tanques para o Equador, também foram acompanhas de compras
em sentido de “resposta” por parte do Peru, com a aquisição de
duas levas de mísseis anticarro em um período muito próximo ao
dos anúncios das compras dos vizinhos. Em resposta ao acréscimo
de aeronaves da FACh, a Força Aérea peruana anunciou o
processo de modernização de seus caças, aumentando a vida útil
dessas aeronaves.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
221
Vinicius Modolo Teixeira
222
Quadro 6: As Atividades Militares Relacionadas de Chile, Peru e Equador.
Org. TEIXEIRA, 2013.
Dessa forma, as atividades militares envolvendo esses países
podem ser consideradas como as localizadas no limite do
antagonismo como aponta Costa (2009). O futuro da região passa
a depender de como será absorvido as atividades militares
desenvolvidas sobre o prisma do Conselho de Defesa SulAmericano.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Além disso, recentemente foi anunciado que Chile, Peru, Colômbia
e México formalizaram suas intenções para a criação de um bloco
chamado Aliança do Pacífico. Esse bloco, além de se situar na
região que ainda concentra tensões na América do Sul, é uma
reação à UNASUL, sendo considerada uma iniciativa orientada
pela direita política do continente, em resposta ao bloco
“esquerdista” (BONIS, 2012).
Essas e outras questões tendem a afetar o futuro pleiteado pelas
iniciativas de integração por hora vigente, podendo tornar mais
uma o processo moroso, assim como as outras diversas iniciativas
lançadas desde os anos 1960.
4.2.3 A Fronteira Venezuela-Colômbia
As crises entre Venezuela e Colômbia noticiadas pelos canais de
imprensa foram frequentes na primeira década do século XXI.
Seus governos postados diametralmente opostos no campo
ideológico, assim como sua postura frente aos EUA, foram fatores
agravantes de suas divergências fronteiriças.
A eleição do presidente Hugo Chávez em 1999 levou a Venezuela
para o caminho do “socialismo do século XXI”, postura que entrou
em conflito com interesses de classes dominantes em seu país e
com os EUA na política externa. Como o maior produtor de
petróleo das Américas e com uma das maiores reservas
conhecidas do mundo, a Venezuela mantinha estreitas relações
com os EUA, sendo um dos principais fornecedores de
combustível para esse país desde os anos cinquenta, o que a
induziu a estabelecer uma relação preferencial com esse país
sobre os demais da América do Sul, o que pode ser entendida
como uma postura isolacionista (CERVO, 2001).
Com a revisão de sua política interna e a mudança de postura
internacional, as relações entre os dois países se desgastaram
principalmente no que cabe ao petróleo e ao comando da
companhia petrolífera nacional venezuelana. O petróleo como
sendo a principal fonte de recursos do país foi o principal alvo da
A Cooperação em Defesa na América do Sul
223
Vinicius Modolo Teixeira
224
política “chavista” para a obtenção de recursos, adotando medidas
para direcionar seus lucros para investimentos internos e
reformas no seu aparato de defesa, o que desagradou à elite local
e influenciou as relações com os Estados Unidos. Na medida em
que as relações Venezuela-EUA se deterioraram, as relações da
vizinha Colômbia com esse mesmo país foram estreitadas, sendo
um dos pontos principais a ajuda no combate às guerrilhas de
esquerda e a produção de drogas.
Essa ajuda começou a fluir com maior vigor a partir dos anos 2000
com a assinatura do Plano Colômbia, criado em conjunto com os
Estado Unidos e esse país, que tinha como objetivo o combate ao
tráfico de cocaína associado às guerrilhas em solo colombiano.
Esse plano contribuiu para a elevação de gastos em defesa na
Colômbia, sendo que parte dos recursos provinha diretamente dos
EUA em forma de treinamento, assessores militares e
equipamentos. Dessa maneira, com o distanciamento da
Venezuela das políticas norte-americanas para a região e a
Colômbia se tornando o principal parceiro desse país na região, as
suas políticas não tardaram a se tornar conflitantes.
Os embates entre a Venezuela e os EUA foram amplificados após o
fracassado golpe de Estado em 2002 na Venezuela. Os norteamericanos decretaram um embargo de armas e materiais
relacionados ao país sul-americano, impedindo a manutenção de
seus equipamentos, o que afetou diretamente uma venda que o
Brasil faria ao país, já que componentes de aviões da Embraer
provinham de fontes estadunidenses. Em contrapartida, a
Venezuela estreitou suas relações com países incluídos no
chamado “Eixo do Mal” pelo governo George W. Bush, como Síria e
Irã. Nas Américas, sua aproximação com Cuba e Bolívia criou um
elo ideológico em torno do “bolivarianismo” e da contestação das
políticas estadunidenses para a região, ao qual se juntou o
Equador, país que cancelou os acordos com os Estados Unidos de
permissão de uso da Base Aérea de Manta, principal presença
militar dos EUA na região.
Frente à presença estadunidense na região e a sua tomada de
posição política rumo à esquerda, as tensões regionais foram
amplificadas. O embargo sobre a Venezuela e a impossibilidade de
continuar a operar equipamentos norte americanos levou esse
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
país a se voltar para a Rússia e China em busca de renovação
militar. Um dos pontos chave do regime “chavista” se baseia
justamente no fortalecimento de seu aparato de defesa, em vista
das intervenções dos EUA em outros países, e estando o país
postado como contestador de sua política, na visão do governo
cresce a possibilidade de uma intervenção, tal qual a tentada em
2002.
O fornecimento de equipamento militar da Rússia foi certamente o
mais pujante na história recente da América do Sul. Dada a
necessidade de renovação de todo seu aparato bélico, os anúncios
de compras se sucederam com certa rapidez, o que levou a
declarações do secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, a
alegar que esse país promovia uma corrida armamentista regional
(G1, 2006). Nos primeiros anos as compras de equipamento
militar tiveram como destaque a aquisição de 100 mil fuzis de
assalto AK-103, 24 aviões de caça Sukhoi-30 e 53 helicópteros de
vários tipos. A compra desses aviões foi certamente a mais
significativa, pois seu desempenho e sua capacidade de armas até
o presente são únicos na região, representando assim um novo
patamar para as forças aéreas da região.
Em contrapartida, a vizinha Colômbia também obteve um
aumento nos seus gastos militares (Quadro 4), sendo inclusive
superiores aos gastos venezuelanos. Entretanto, a situação
colombiana no que tange ao ambiente interno, forçou que esse
aumento nos gastos em defesa fossem orientandos
preponderantemente para o combate às guerrilhas de esquerda.
Uma rápida visualização sobre a composição do aparato militar
colombiano corrobora com essa análise.
A estrutura militar da Colômbia está fortemente alicerçada em
tropas de infantaria e em sistemas destinados ao combate de
contra-insurgência. A distribuição de seu pessoal no território é
representada por unidades dessa arma. Já no que tange à
distribuição das armas de Cavalaria e Artilharia, entretanto, conta
com uma maior orientação para a Venezuela, na região do lago
Maracaíbo, de onde é retirado o petróleo desse país e onde
ocorreu o incidente da corveta Caldas, em 1987.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
225
Vinicius Modolo Teixeira
226
A exceção do exército, que atualmente é o maior em número de
militares da América do Sul, as outras forças armadas da Colômbia
têm tamanhos bastante reduzidos, assim como poucos
equipamentos destinados à dissuasão externa. De suas duas bases
aéreas com aeronaves de combate, uma se localiza próximo à
capital Bogotá, e outra ao norte, próxima a fronteira venezuelana.
Sua principal força reside sob a grande quantidade de
helicópteros Blackhawk, destinados ao transporte de tropas para
as áreas de montanha e combate à guerrilha, sendo a Colômbia um
dos principais operadores do modelo.
Apesar de ter relativamente pouca presença militar em suas
fronteiras, Colômbia e Venezuela têm se enfrentado no campo
diplomático na última década, o que confere um alto potencial de
conflito para o norte andino, já que suas forças armadas são os
instrumentos que são empregados nesses momentos.
Aas relações entre os dois governos tornaram-se particularmente
tensas entre 2004 e 2009, no mandato do colombiano Álvaro
Uribe. Esse presidente, ligado a setores mais conservadores da
elite colombiana, foi o responsável pelo acirramento do combate
às guerrilhas, apoiado pelos EUA. Nesse ínterim, o presidente
Uribe acusou os presidentes dos vizinhos Equador e Venezuela de
manterem relações com as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia, desencadeando uma crise com ambos em 2008, após o
ataque a um acampamento guerrilheiro em solo equatoriano.
As relações com a Venezuela tornou-se a recrudescer após a
assinatura de um novo acordo militar entre a Colômbia e os EUA
para a instalação de bases desse país, fato visto por Hugo Chávez
como ameaça à paz regional. Essa nova crise fez com que Caracas
convocasse o seu embaixador ao mesmo tempo e que congelou as
transações comerciais com o vizinho (BBC, 2010). Nesse mesmo
período as declarações de Hugo Chávez diziam para os
venezuelanos se “prepararem para a guerra” (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2009). A Venezuela se desfiliou da CAN em 2006
propondo sua entrada no Mercosul, levou o comércio bilateral
com o vizinho a níveis irrisórios, mostrando mais uma vez a
fragilidade dos mecanismos de cooperação nessa região.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Ao fim do mandato do presidente colombiano em 2010 um novo
momento de tensão surgiu, quando a Venezuela mobilizou suas
forças armadas para a fronteira vizinha, temendo uma ação nos
últimos dias de Uribe no comando (FOLHA DE SÃO PAULO, 2010).
As declarações ofensivas entre Chávez e Uribe continuaram
mesmo após a saída do segundo da presidência, quando em 2012
o ex-presidente colombiano afirmou não ter tido tempo em seu
mandato para atacar possíveis bases das FARC na Venezuela, o
que foi prontamente respondida de maneira rude por Chávez
(VALOR ECONÔMICO, 2012).
As relações venezuelanas em suas fronteiras, entretanto, não
estão somente orientadas para preocupações com a Colômbia, já
que há demandas sobre seu vizinho de leste, a Guiana.
Particularmente, a demanda venezuelana sobre a Guiana remete à
década de 1960, período da retirada da administração britânica
sobre esse território, porém, o governo Chávez foi o responsável
pela reabertura de maneira bastante incisiva desse litígio que
estava latente na América do Sul, requerendo praticamente
metade do território guianense, a região conhecida como
Essequibo.
Essa situação condiciona o norte andino e caribe a figurar como
uma das regiões do subcontinente ainda a conviver sob o espectro
do conflito e rivalidade. A recente eleição do presidente
colombiano Juan Manoel Santos, ex-ministro da defesa de Uribe,
no entanto, inverteu momentaneamente as previsões conflituosas
entre seu país e a Venezuela, conseguindo em pouco tempo
retomar as conversações bilaterais de forma amistosa e até o
momento sem sobressaltos similares aos encontrados com o
antigo governo (BBC BRASIL, 2010).
As relações regionais, entretanto, foram balançadas pelo
falecimento do mandatário venezuelano no começo de 2013,
lançando incertezas tanto sobre o processo revolucionário em
curso no país, como na diplomacia com os vizinhos, já que pairam
muitas incertezas sobre o futuro da Venezuela sem Hugo Chávez,
presidente durante 14 anos.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
227
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228
4.3 – As Possibilidades de Cooperação
em Defesa
As atuais perspectivas de defesa na América do Sul estão pautadas
tanto pela possibilidade de conflito, através da disposição de
grandes quantidades de forças nas fronteiras de alguns países a
espera de um enfrentamento clássico, como também pela
tentativa de instaurar um mecanismo de cooperação, simbolizado
pelo Conselho de Defesa Sul-Americano, até o momento a
proposta mais proeminente nesse sentido no continente, assim
como, por diversas propostas de cooperação bilaterais entre
diversos países.
No sentido da cooperação, a construção conjunta de armamentos
é uma área ainda pouco explorada entre governos. Apesar de
haver projetos similares em alguns países, a opção tem sido pelo
desenvolvimento independente frente à possibilidade de
colaboração com seu par, tanto na construção e projeto, como na
manutenção e modernização desses equipamentos. Nesse aspecto,
cabe ressaltar como comparação a colaboração dos países
europeus e os EUA na divisão dos óbices de projetos de defesa há
pelo menos meio século.
Como citado no primeiro capítulo, o sistema de cooperação em
defesa instituído pela OTAN imprimiu a necessidade de comunhão
básica entre os exércitos da Europa ocidental e os EUA para evitar
o caos logístico em tempos de conflito. Essa necessidade avançou
para a construção conjunta de equipamentos de defesa em solo
europeu que buscassem equipar o maior número possível de
países, reduzindo o custo por unidade e a sua posterior
manutenção. Dessa forma, principalmente no que diz respeito aos
aviões de combate, surgiram projetos destinados a equipar o
maior número possível de forças aéreas, como foi o caso da
construção de modelos estadunidenses F-104 na década de 19601970 e do F-16 na década seguinte. O caça F-104 Starfighter foi
fabricado na Europa por empresas dos países baixos, Alemanha e
Itália e visava dotar esses países com um vetor supersônico
moderno e a capacidade de produção no continente desses caças.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Além dos países produtores, Dinamarca, Noruega, Grécia, Espanha
e Turquia utilizaram o avião, tornando-se o caça padrão da OTAN
na década de 1970.
Já o F-16, foi adotado somente por Noruega, Dinamarca, Holanda e
Bélgica, e fabricado em um consórcio por esses países visando
substituir justamente o antigo F-104. A falta de maior incisão no
mercado europeu do F-16 quando comparado ao projeto do
Starfighter se deve ao fato de no fim da década de 1970 e início
dos anos 1980 outros países europeus, como Inglaterra, França,
Alemanha, Itália e Espanha estarem envolvidos em projetos
autóctones, com a colaboração conjunta em vários deles,
demonstrando dessa forma o interesse em investimentos
próprios, evitando a compra direta dos EUA. Aviões como o
SEPECAT Jaguar, o Eurofighter Typhoon e helicópteros Tiger são
frutos de projetos conjuntos datados dessa época e que ajudaram
a formar o atual conglomerado europeu de defesa, diminuindo
custos de produção e pesquisa, como também ampliando as
exportações desses materiais.
A produção conjunta de armamento leva a outros benefícios além
da economia de recursos e das divisas de possíveis exportações
desses equipamentos. Os acordos para a produção comum de
armas e tecnologia em defesa têm como objetivo, sobretudo, a
construção da confiança mútua através do desenvolvimento de
tecnologias sensíveis, ou estratégicas. Essa cooperação tem como
premissa básica a improbabilidade de uma agressão por parte de
um país com o qual se coopere no desenvolvimento desse tipo de
tecnologia, já que tal feita afetaria o próprio país atacante, sendo
assim um claro prejuízo para ele. A associação da base industrial
de defesa leva a um entendimento de ordem estratégica que une
também os militares desses países através de uma indução por
acordos feitos na esfera civil. Para Medeiros Filho (2010) a
aproximação dos militares depende do controle civil e facilitaria a
aproximação de forças com valores comuns:
Ao considerar os agentes de defesa como atores de
destaque no processo de integração regional, ganha
relevância a analisa das percepções militares. À primeira
A Cooperação em Defesa na América do Sul
229
Vinicius Modolo Teixeira
230
vista, a possibilidade de uma “diplomacia militar” torna-se
inviável, afinal, como sugere o realismo clássico, as relações
entre atores estatais tendem a ser pautadas por elementos
de hipocrisia. Alguns traços da mentalidade militar, como o
primado nacional, a cultura do sigilo e o conservadorismo,
poderiam servir de óbice às tentativas de ações
cooperativas. Neste caso, o avanço da cooperação em
defesa dependeria da ampliação do controle civil nos
moldes democráticos, o que tenderia a tornar os processo
[sic] mais transparentes. Não se deve, entretanto, desprezar
o fato de que os militares compartilham um conjunto de
valores comuns, gerador de sentimentos de camaradagem e
de pertença, que tende a facilitar as negociações entre
Estados-Maiores. (MEDEIROS FILHO, 2010, p.199)
A construção conjunta de equipamentos de defesa, entretanto, não
é uma questão simples, mesmo na Europa. O desenvolvimento de
um avião de caça comum na década de 1980, baseado no jato
Eurofighter, tinha como participantes Itália, França, Alemanha,
Reino Unido e Espanha. Porém divergências iniciais quanto ao
objetivo final do novo caça fizeram com que a França buscasse
uma alternativa independente, que culminou com o projeto do
caça Rafale: “o Reino Unido almejava uma aeronave de ataque ao
solo, a Itália, um interceptador, enquanto os franceses, uma
plataforma multimissão” (SILVA, 2010).
A condução do projeto até sua execução e entrada em serviço do
equipamento é um longo trajeto que requer uma série de
compromissos e aceitação das limitações que um projeto conjunto
impõe ao objeto. Porém, até o momento, a solução conjunta de
desenvolvimento no caso da aeronave Eurofighter se mostrou
mais vantajosa do que o desenvolvimento autônomo da França,
obtendo um preço mais baixo por avião e tendo conquistado
algumas encomendas externas. Atualmente esse é o maior
programa militar europeu, com mais de 700 aeronaves
contratadas, contribuindo para a manutenção de uma indústria de
defesa europeia independente, frente as suas congêneres
estadunidenses. Essa também seria a saída para evitar a
dependência tecnológica dos EUA:
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
Em virtude dos orçamentos de defesa europeus
praticamente estagnados e dos altos custos e complexidade
crescentes dos mais sofisticados equipamentos militares,
dificilmente os países da UE conseguirão se contrapor ao
poder científico-tecnológico militar dos EUA, e suas
influências políticas e econômicas, caso não invistam em
soluções cooperativas mais amplas em produtos de defesa.
(SILVA, 2010, p.286)
Assim como a Europa, a América do Sul como forma de fomentar a
sua integração regional, deveria orientar a cooperação em defesa
do continente para a fabricação e aquisição conjunta de
equipamentos militares, diminuindo os custos relativos por
unidade e manutenção e, também, diminuindo a dependência
externa desse tipo de material de alta tecnologia. Para a Europa,
que mantém uma proximidade estratégica a partir da OTAN, a
dependência militar dos EUA é uma de suas principais fraquezas.
Já a América do Sul, que não mantém nenhum pacto para
fornecimento e operação militar conjunta, a dependência externa
de fontes estadunidense é mais ressaltada, já que além da
dependência de peças para a manutenção, a pouca quantidade de
armamentos, a restrição com relação a certos tipos de armas e sua
obsolescência agravam as deficiências da defesa do continente,
tendo consequências nefastas para a superação da condição de
subdesenvolvimento da região.
Nesse aspecto, o desenvolvimento conjunto de armamentos na
América do Sul tem caminhado de maneira bastante tímida nesse
novo século. As parcerias que tem sido estabelecida para a
consecução de alguns armamentos são bastante enxutas frente às
possibilidades que tem se apresentado, como a união de projetos
na mesma área que estão sendo desenvolvidos por diferentes
países.
Um dos poucos exemplos que encontramos na cooperação em
defesa é a construção conjunta do veículo leve Gaúcho, feito em
parceria entre o Brasil e a Argentina. Esse veículo tem
características para uso em todo tipo de terreno, podendo ser
A Cooperação em Defesa na América do Sul
231
Vinicius Modolo Teixeira
232
facilmente transportado por aeronaves de carga, servindo
inclusive como reboque de artilharia. Entretanto, deve-se destacar
o longo período para a formatação do projeto, que até o momento
não entrou em operação em nenhum dos dois exércitos. A
fabricação conjunta do veículo tem início ainda nos anos 1980,
sendo que os protótipos só ficaram prontos na década de 2000. A
produção do veículo e sua adoção pelos exércitos ainda é incerta,
já que não há a contratação de nenhuma empresa para a sua
fabricação em série. Outro fator que põem em dúvida sua adoção
pelo Brasil é a existência de outra viatura na mesma categoria,
chamada Chivunk, e que deverá disputar a entrada em serviço com
o veículo feito em parceria (BASTOS, 2009).
No ano de 2012, entretanto, o Conselho de Defesa Sul-Americano
anunciou a intenção de iniciar as conversações para a construção
conjunta de um avião da categoria de treinador primário, visando
a sua adoção pelas forças aéreas da região. Assim como outros
equipamentos militares empregados na região, os aviões de
treinamento leve da maioria das forças sul-americanas estão
sendo operados no limite de sua vida útil, e assim como os outros
equipamentos, esses aviões necessitam de uma substituição num
breve horizonte. Dessa forma alguns países da região se
manifestaram no sentido de conceber um avião em construção
comunitária visando, sobretudo a capacitação regional nessa área.
Essa proposta foi revelada primeiramente no Plano de Ação do
CDS para o ano de 2012, onde também se revela a intenção
brasileira de constituir um grupo de trabalho para a construção de
veículos aéreos não tripulados, conhecidos pela sigla VANT
(UNASURCDS, 2012). Durante a terceira reunião de trabalho do
Plano de Ação 2012, realizada em Buenos Aires, ficou acertado
que a proposta de desenvolvimento conjunto da aeronave seria
levada a cabo utilizando-se como base o avião argentino IA-73
(Figura 8), o qual passou a ser chamado UNASUR I
(INFODEFENSA.COM, 2012).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
233
Figura 8: Projeto do avião UNASUR I. Fonte: infodefensa.com, 2012
Os países que participaram da reunião de trabalho e aceitaram
desenvolver o projeto foram Brasil, Equador, Peru, Colômbia,
Paraguai, Uruguai, Chile, Venezuela e Argentina, demonstrando
elevado interesse regional.
Uma das questões que deve ser tratada na construção de
equipamentos de defesa voltados para os países do continente é a
completa produção de itens no continente, evitando embargos de
determinados itens impostos a países da região. Essa situação é
relevante quando se nota que recentemente alguns países do
continente romperam com políticas estadunidenses para a região,
principalmente os países do eixo “bolivariano”, o que significou o
embargo de componentes de defesa para eles, enquanto outros
como o Brasil sofreram imposições para cancelar vendas para
esses países, sob ameaças de represálias comerciais, tal como
acontecera em 2005, quando a Venezuela rompera com as
políticas da Direção Americana Antidrogas (DEA):
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Vinicius Modolo Teixeira
234
Em fins deste mesmo ano, Brasil foi surpreendido com a
notícia de que os EUA decidiram vetar a venda de aviões
militares da Embraer para a Venezuela. Este País compraria
da Embraer 12 aviões AMX-T e 24 aviões de patrulha Super
Tucano, por um valor de cerca US$ 470 milhões. De acordo
com as fontes, se o governo brasileiro ousasse dar
continuidade a negociação, o Departamento de Estado
proibiria as empresas estadunidenses a fornecer os
componentes tecnológicos à Embraer. (CORRÊA, 2013)
Outro avião que conta com a parceria regional é o transporte
militar KC-390. Esse novo avião criado pela EMBRAER deverá
servir como substituto ao avião cargueiro C-130 Hercules, um dos
principais produtos dos EUA com mais de cinquenta anos de
produção ativa. Entretanto, a participação regional não é
majoritária, sendo que a empresa brasileira escolheu algumas
companhias europeias e estadunidenses como parceiras de risco
no projeto. No entanto, na América do Sul alguns países já
demonstraram interesse no avião e participando como
fornecedores de algumas peças do modelo. Até o momento foram
firmadas encomendas por Argentina, 6 aviões, Chile, 6, e
Colômbia com 12, onde todos eles deverão fabricar componentes
para cargueiro (BERTAZZO, 2013).
Esse desenvolvimento incipiente de equipamentos militares na
região deverá passar por alguns obstáculos, comuns em projetos
de cooperação como esse, situação conhecida da experiência
europeia nesse sentido. Um dos principais problemas deverá ser a
incorporação de objetivos regionais sobre objetivos nacionais
sem, no entanto, significar a perda de controle ou independência
por parte dos países concordantes. O desenvolvimento e a compra
desses materiais deverá levar em conta o beneficio comum da
comunidade sul-americana, promovendo o spin-off de empresas
de defesa regional. Nesse sentido algumas reações no sentido
contrário ao fortalecimento regional têm sido notadas.
O Peru recentemente revelou suas intenções de compra de 20
aviões de treinamento sul-coreanos KT-1, muito similar ao modelo
Super Tucano brasileiro que concorria para a venda. Pelo contrato
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
assinado ao menos 16 treinadores deverão ser montados no país
(MINISTERIO DE DEFENSA DEL PERÚ, 2012), o que certamente
significou uma vantagem frente ao concorrente brasileiro, que
seriam todos entregues depois da fabricação no Brasil, sem
benefícios ao país andino.
Já com relação ao Brasil, apesar de ser um dos propositores do
avião UNASUR I, não há indicações de que irá participar
ativamente do projeto ou mesmo adquiri-lo. Isso se deve ao
recorrente anuncio na imprensa especializada do país da provável
aquisição – não confirmada – do avião Tx Pilgrim fabricado pela
empresa nacional NOVAER, instalada em Santa Catarina. Esse
avião tem sido anunciado como o provável substituto do avião de
treinamento usado pelo Brasil T-25 Universal, já com mais de 40
anos de uso.
Caso se concretize a opção pelo modelo brasileiro, seria esse um
passo atrás dos incentivos a cooperação regional, principalmente
por ser o Brasil o seu idealizador. Outra possibilidade seria a
aquisição do avião argentino AT-63 Pampa II para o treinamento
avançado, já que segundo Salvatore (2011), caso o Brasil lance
uma concorrência para a aquisição de jatos de treinamento, com
pequenas modificações esse jato poderia servir aos requisitos
operacionais da FAB.
Além disso, a compra de um modelo argentino para equipar a
força aérea brasileira poderia ser entendida como a inversão da
posição majoritária de vendedor para a de comprador, sinalizando
intenções de cooperar e não somente vender seus produtos de
defesa, facilitando assim o diálogo entre a comunidade militar sulamericana. Uma exceção nesse sentido foi a recém anunciada
compra pelo Brasil de quatro lanchas de patrulha fluvial de
fabricação colombiana (CAIAFA, 2012). Essas lanchas de patrulha
são uma exceção na trajetória brasileira de vendedor de material
militar na América do Sul. A interpretação desse caso, no entanto,
nos leva a crer que a compra dessas lanchas da Colômbia tenha
intenções de atrair esse país para as políticas regionais de defesa,
desvinculando-o paulatinamente dos EUA, já que esse país é
justamente o mais próximo da potência do norte e o que
sistematicamente tem resistido a uma articulação com os vizinhos.
A Cooperação em Defesa na América do Sul
235
Vinicius Modolo Teixeira
236
Certamente o posicionamento nacional de parte da comunidade
militar, assim como o lobby de indústrias locais no sentido de
barrar compras de produtos que poderiam ser fabricados no país,
principalmente no caso do Brasil, são obstáculos de maior
envergadura que teriam de ser transpassados para a consecução
da cooperação em defesa. Esses assuntos já se encontram
inseridos na agenda de discussões do Plano de Ações do ano de
2012, no qual uma das intenções é a integração da chamada Base
Industrial de Defesa, estando inserida no Eixo 3, “Industria e
Tecnologia da Defesa” (UNASURCDS, 2012).
Além da construção conjunta de equipamentos militares, uma das
iniciativas regionais que mais se destacaram nos últimos anos no
campo da cooperação em defesa foi a formação da Força de Paz
Binacional Cruz del Sur, envolvendo Chile e Argentina. A criação
dessa força conjunta entre os dois países tem como objetivo atuar
em missões de paz sob a tutela da ONU, sendo uma das iniciativas
mais positivas no âmbito da cooperação militar bilateral no
continente, principalmente quando se leva em conta o histórico de
tensão vivido por esses dois vizinhos.
Essa força de paz, em formação desde 2006, surgiu do manifesto
interesse desses dois países em promover sua aproximação por
essa via no ano de 2003, criando uma força combinada para atuar
nos mais diversos cenários ao redor do mundo, sendo formada na
atualidade por cerca de mil militares dos dois países, um navio e
oito helicópteros, sendo o comando da força alternada
anualmente entre eles. No exercício realizado no ano de 2012 o
Brasil participou como observador, sendo aventada a
possibilidade futura de sua participação na unidade (DEFESANET,
2012).
A Cooperação em Defesa na América do Sul
Considerações Finais
Vinicius Modolo Teixeira
238
O
cenário sul-americano aponta cada vez mais para a
opção pela integração regional, com o aumento dos
ambientes de discussão e a criação de mecanismos
geradores de confiança. Nesse aspecto, a cooperação em
defesa aparenta ter sido finalmente incorporada ao discurso
integracionista dos países sul-americanos, reconhecendo-a
como um passo importante para a evolução de uma de suas
últimas propostas nesse sentido, a UNASUL. Ainda que
incipiente, os avanços no processo de cooperação que o
Conselho de Defesa Sul-Americano deverá proporcionar, já
começam a se materializar e devem se tornar o eixo condutor
desse mecanismo de cooperação regional.
No século XX, as diversas propostas de blocos de integração que
foram apresentadas foram superadas por momentos de crise, ou
mesmo guerras, o que demonstrou um movimento de alternância,
que se iniciava com uma aproximação e logo retornava para
posições de rivalidade. O longo histórico das tumultuadas relações
entre os países sul-americanos que ao mesmo tempo em que
reconheciam a necessidade de se integrarem, mantinham
pensamentos bélicos entre si, expressa a necessidade de um órgão
capaz de diminuir a desconfiança nas atividades militares entre
eles.
O afloramento de rivalidades em momentos de afirmação dos
blocos econômicos, assim como a ligação da política externa com
as estratégias militares contra vizinhos rivais, acabou penalizando
os diversos entendimentos firmados para a aproximação. Em
contrapartida, a formação de “arcos estratégicos” fomentou
cooperações em defesa entre países com inimigos em comum, com
vistas a sua dissuasão, o que demonstrou a fragilidade de alguns
blocos frente às desconfianças recíprocas entre os parceiros sulamericanos.
Mesmo em um bloco como a CAN que durante muito tempo esteve
presente nas negociações entre países sul-americanos, o que se
notou foi a insuficiência desse mecanismo de trocas comerciais
para superar as contendas históricas entre Peru e Equador, e
Colômbia e Venezuela. Como demonstrado, o comércio bilateral
entre esses supostos parceiros era praticamente inexistente no
primeiro caso, e foi profundamente afetado pela crise diplomática
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
entre os presidentes Chávez e Uribe em 2010, no segundo. Os
conflitos entre Peru e Equador, somados ao apoio do Chile ao
segundo país e a morosidade no processo de integração do bloco
andino, acabaram relegando essa comunidade a um pequeno
papel no sistema sul-americano, o que se agravou ainda mais com
a saída Venezuelana em 2006, para se juntar ao Mercosul. A saída
do Chile logo no início da criação do bloco, colocou em cheque a
estabilidade da região para desenvolvimento de uma proposta de
integração, já que sua rivalidade com o Peru e a estreita ligação
estratégica com o Equador continuaram a ser pontos de extrema
relevância geopolítica na região.
Na atualidade, o que se apresenta é o retorno do discurso
integracionista voltado para a inclusão da totalidade dos países do
continente através da UNASUL, ao mesmo tempo em que se
manifesta um cenário de renovação dos envelhecidos aparatos
militares da região, incluindo novos vetores bélicos de avançada
capacidade. Ao mesmo tempo, as questões sobre defesa no
subcontinente estão cada vez mais presentes na mídia, sendo que
alguns projetos de modernização regional chamaram a atenção
pelo volume incomum de investimentos, despertando novamente
proposições conflituosas, contrárias à iniciativa de integração.
Nesse cenário de renovação bélica, outro fator foi a recente
introdução de meios militares que antes eram restritos aos países
da região, como mísseis, aviões e artilharia terrestre e antiaérea
de longo alcance, aumentando as capacidades de projeção de força
e inserindo a América do Sul em uma nova realidade militar. Com
isso, mais uma vez as relações entre alguns países tornaram a se
estremecer devido a questões envolvendo defesa e gastos
militares, sobressaltos que sem dúvida poderiam ser evitados a
partir de um ambiente de comunicação e cooperação sulamericano para assuntos de defesa. Exemplos disso foram as
recentes compras de equipamentos militares por parte da
Venezuela, Chile e Brasil, extremamente representativas para a
mudança do cenário militar na região.
Como apontado, a importância conferida aos aparatos militares na
América do Sul foi de grande relevância ao longo do século XX
para a condução de aproximações ou distanciamentos entre
alguns países rivais, sendo também responsáveis por diversas
A Cooperação em Defesa na América do Sul
239
Vinicius Modolo Teixeira
crises e imbróglios diplomáticos, e, com toda certeza, continua a
ser um fator que continua a requerer atenção no momento atual.
240
A existência de forças militares em “equilíbrio antagônico”,
principalmente entre os países do Cone Sul, foi durante boa parte
desse período um exemplo de como a rivalidade e desconfiança no
continente atuava na condução das estratégias e posturas dos
países da região. O aumento do poder militar por qualquer
membro do sistema levava a uma imediata reformulação das
defesas de seus vizinhos, ou quando se careciam de recursos, a
protestos que denunciavam o armamentismo do rival. Esse fator
for sabiamente aproveitado por outras potências para manter
separadas essas nações, frente às inúmeras tentativas de
aproximação comercial. Dessa forma, a defesa atuou como ponto
crítico para a exploração da rivalidade e fator de divergência entre
possíveis parceiros.
Ainda que no atual momento os debates sobre a necessidade de
cooperação em defesa tenham sido incorporados ao discurso
oficial dos diversos países da região, os mapas apresentados
apontam para a existência de concentrações de forças militares
em regiões fronteiriças, tal qual em épocas passadas, quando a
rivalidade era a tônica das relações. Nesse cenário, a continuidade
da militarização desses espaços não colabora para o avanço dos
projetos de integração, podendo reavivar antigos discursos
belicistas. Nesse ponto, a questão mais complexa certamente recai
sobre a situação apresentada pela fronteira Chile – Bolívia – Peru,
espaço que continua a fomentar análises conflituosas.
A intensa concentração das forças militares chilenas, a tentativa
do Peru em se precaver no sentido contrário e a retomada dos
pedidos de revisão fronteiriça de forma mais incisiva por parte da
Bolívia, tentando reaver sua saída para o mar, demonstram que a
possibilidade de uma crise na América do Sul ainda não foi
extirpada. Além disso, os problemas dos limites marítimos entre
Chile e Peru e o constante intercâmbio entre as forças do primeiro
com o Equador, revelam a continuidade do “arco estratégico” que
liga esses dois países em torno das rivalidades com o segundo.
No que se refere aos investimentos em defesa, as compras de
material militar por esses países, como apresentado, se mostram
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
intimamente relacionadas, já que o aumento da capacidade
chilena, somado à transferência de seus antigos equipamentos
para o Equador, levou o Peru a empreender compras na tentativa
de equilibrar as forças na região, em um movimento de dissuasão.
Dessa forma, a configuração das forças armadas desses países se
posta de forma claramente interligadas aos seus vizinhos, fazendo
com que o movimento de um seja imediatamente acompanhado
pelo outro.
Surpreende, entretanto, o recente anúncio de um bloco
envolvendo Peru e Chile, a chamada “Aliança do Pacífico”, o que
coloca mais uma vez esses países em uma dinâmica ligada ao
conflito e integração, já que o novo bloco corre o risco de esbarrar
na retórica militar ainda não solucionada e nos constantes
incidentes diplomáticos que os dois recorrentemente apresentam.
Além disso, esse novo bloco tem sido encarado como uma
resposta desses países à ampliação do Mercosul, o que a mídia
tem tentado plasmar como blocos com ideologias divergentes, em
um suposto embate entre correntes de direita e esquerda na
América do Sul. Outro fator é a participação do Equador como
candidato a membro pleno do Mercosul, o que poderia tornar
mais complexa a sua relação com o Peru, assim como com o Chile,
seu parceiro estratégico.
Os acontecimentos envolvendo esses países e os discursos de
autoridades em toda América do Sul revelam também que, mesmo
Brasil e Argentina ainda não estabeleceram relações
completamente harmônicas, já que a configuração das forças
armadas brasileiras está totalmente voltada para o vizinho
platino, e continua a ser reforçada, sem sinais de uma distribuição
de suas unidades militares para outras áreas do país. Como
exemplo da não completa harmonização das relações, os discursos
do ministério da defesa argentino envolvendo a construção do
submarino nuclear por parte do Brasil, projeto que no início dos
anos 1990 chegou a pleitear a Argentina como parceira, indica que
o país vizinho ressente a perda de seu poder militar frente ao
Brasil.
A falta de um mecanismo no Mercosul para o intercâmbio de
defesa, a demora do Brasil em revelar seu Livro Branco e os
projetos para o aumento de seu poderio militar, certamente são
A Cooperação em Defesa na América do Sul
241
Vinicius Modolo Teixeira
242
pontos notáveis em que podem esbarrar o efetivo estabelecimento
da integração nesse bloco. Como resultado, a Argentina poderá se
afastar do Brasil na área de defesa, procurando em outros países
soluções que satisfaçam seus anseios militares, como já
demonstram os recentes informes da mídia sobre possíveis
contratos de produção conjunta de aviões e helicópteros com a
China. Nesse caso, um possível distanciamento entre as forças
armadas desses países pode ser esperado.
Na Europa do pós-guerra, a construção conjunta de equipamentos
e doutrina militar entre antigos rivais, envolvidos no cenário
conflituoso da Guerra Fria, obrigou a formação de parcerias para a
sustentação de uma indústria europeia de defesa, fazendo frente
tanto ao avanço das corporações americanas, como ao poderio
soviético que colocava a Europa na linha de frente no caso de
eclosão de conflito. Essa aproximação induzida por esses fatores
externos e inserida na OTAN, colocou a Europa ocidental como um
território improvável ao surgimento de conflitos internos. Em um
cenário onde os enfrentamentos se tornavam cada vez mais
impensáveis, a evolução de um bloco econômico se mostrou mais
estável, favorecendo a construção dos vários níveis de integração
até a formalização da União Européia.
Logicamente, diversas crises e retrocessos se apresentaram no
caminho para a formação da União Europeia, assim como no que
concerne a OTAN, porém nenhum deles recaiu sobre as antigas
rivalidades que o cenário europeu abrigava.
No que concerne a América do Sul, acreditamos que a construção
de um bloco econômico na região, seja ele a UNASUL, envolvendo
a totalidade dos Estados sul-americanos; o Mercosul, atual ou de
forma ampliada no escopo de seus sócios; ou a recente Aliança do
Pacífico, envolvendo a região com maior potencial de conflitos,
deverá levar em conta a defesa como uma questão estratégica
para a evolução de seus acertos políticos e econômicos.
Em contrapartida, integrar não deve significar desarmar. Não se
deve confundir a integração sul-americana em defesa como um
processo de desmonte das forças armadas da região, já que essas
aparentemente não seriam mais necessárias, ao ter vizinhos
partilhando de uma interdependência política e econômica. A
A Cooperação em Defesa na América do Sul
A Cooperação em Defesa e a Geopolítica Sul-Americana
possibilidade de integração, vislumbrando também a defesa deve,
pelo contrário, propiciar um ambiente seguro, no qual os
investimentos em defesa não mais representariam riscos para
continuidade das políticas regionais, mas também, criar a
possibilidade de investimentos conjuntos nesse campo
tecnológico altamente estratégico para esses países.
Os membros partícipes de um projeto de cooperação nessa área
devem ter por objetivo a interdependência (aliada à
independência externa) na construção de seus mecanismos de
defesa. Com certeza, um ambiente de construção conjunta de
equipamentos militares, com as encomendas mínimas garantidas
pelos países participantes, tornaria o processo de
desenvolvimento mais seguro, com aporte necessário ao
desenvolvimento desses sistemas, assim como seria gerador de
confiança regional. Como observado, deve-se evitar a “compra de
oportunidade” de material de defesa em fontes externas, o que em
épocas passadas foram instrumentos de cerceamento tecnológico
para a região. Ao invés disso, deve-se ter por objetivo, sua
construção local o que ampliaria a independência na política
internacional, no qual a defesa acaba por ser parte essencial dessa
postura frente a ingerências.
A construção da cooperação sul-americana é um pensamento que
deverá ser executado no longo prazo, mas que, no entanto, possui
raízes antigas. Para que se realize a contento esse projeto, as
forças armadas da região deverão se tornar partícipes desse
processo, tornando-o mais complexo em sua abrangência, ao
mesmo tempo em que minimizam os antigos efeitos das
rivalidades, entendendo que não há mais espaço para essas
situações em um continente que visa à integração. Dessa forma, os
países proponentes dos projetos de integração veriam uns aos
outros como parceiros nessa área, e não mais como possíveis
inimigos no futuro.
As forças armadas da região deverão
também se enxergar como parceiros, tanto para a condução de
exercícios e operações conjuntas, como para sua defesa comum. A
atual estrutura militar da América do Sul, como apontado nos
mapas, não demonstra isso, e sim que as posturas ainda são de
possibilidade de confrontação. Dessa feita, deve-se repensar a
defesa sul-americana para prover sustentação aos projetos de
A Cooperação em Defesa na América do Sul
243
Vinicius Modolo Teixeira
integração, e os estudos em cooperação em defesa deverão ser
essenciais para o seu avanço continente.
244
Referências
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