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GUIA DE ESTUDOS 2016 GUIA DE ESTUDOS 2016 UFRGSMUNDI unindo vozes, transformando o mundo PORTO ALEGRE, v. 4, n.3, AGO. 2016 ISSN 2318 6003 Prof. Carlos Alexandre Netto Gabriela Dorneles Ferreira da Costa; Gabriela Freitas dos Santos; Maria Gabriela Vieira; Patrícia Graeff Machry; Thaís Jesinski Batista Maria Gabriela Vieira e Marcela Ávila Prof. Hélio Henkin Luísa Acauan Lorentz Profa. Jacqueline Haffner Pró-Reitoria de Extensão; Faculdade de Ciências Econômicas; Centro Estudantil de Relações Internacionais; Relações Internacionais para Educadores (RIPE); UFRGSMUN; UFRGSMUN Back In School (BIS) Sônia Ranincheski Profa. Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS); Prof. André da Silva Reis (UFRGS); Prof. Érico Esteves Duarte (UFRGS); Prof. Henrique de Castro (UFRGS); Profa. Jacqueline Haffner (UFRGS); Prof. José Miguel Quedi Martins (UFRGS); Prof. Luiz Augusto Faria (UFRGS); Prof. Marco Aurélio Cepik (UFRGS); Prof. Paulo Visentini (UFRGS); Profa. Sônia Ranincheski Os materiais publicados no guia de estudos UFRGSMUNDI são de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução parcial e total dos trabalhos, desde que citada a fonte. Os artigos assinalados refletem o ponto de vista de seus autores e não necessariamente a opinião dos editores desse periódico. Anselmo Otavio (UFRGS, Brasil); Bruna Jaeger (UFRGS, Brasil); Bruno Gomes Guimarães (UFRGS, Brasil); Giovana Esther Zucatto (UERJ, Brasil); Helena Marcon Terres (UFRGS, Brasil); Jéssica Da Silva Höring (USP, Brasil); Matheus Machado Hoscheidt (UFRGS, Brasil); Natália Maraschin (University of Denver, Estados Unidos); Vanessa Schinke (PUCRS, Brasil); Willian Moraes Roberto (PPG San Tiago Dantas) Faculdade de Ciências Econômicas (FCE/UFRGS) Av. João Pessoa, 52, Campus Centro, CEP 90040-000, Porto Alegre, RS - Brasil. Email: ufrgsmundi@gmail.com http://www.ufrgs.br/ufrgsmundi Carolina Carvalho Trindade, Eduardo Rius, Luiza Dorneles e Rafaela Venturella de Negri Douglas de Quadros Rocha, Eduarda Fontana, Luiza Bender Lopes, Raíssa Mattana e Rodrigo Brites João Vitor Corrêa, Rodrigo Milagre, Taciele Vieira e Valeska Ferazza Monteiro Amabilly Bonacina, Elisa Felber Eichner, Priscila Gonçalves Schelp, Sérgio Minuzzi Tessuto, Vitória Kramer de Oliveira e Yuri Pinheiro Aline de Ávila Rocha, Amanda Santos Martins Pinto, Isabela Souza Julio, Larissa Maria Zimnoch e Roberta Preussler dos Santos Maísa de Moura, Marcos Antônio Zaffari Jr., Ricardo Augusto Glesse, Ricardo Chiapin Pechansky e Thiago Silveira Bruna Oliveira, Caroline Chagas de Assis, Diego Luís Bortoli, Juliana Figueira Freitas e Victória Cristina Franza Carvalho Bruno Palombini Gastal, Felipe Bressan Giordani, Joana Soares Cordeiro Lopes, João Paulo Alves e Patrícia Graeff Machry Alice Saute Leitão, Gabriela Dorneles Ferreira da Costa, João Estevam dos Santos Filho, Laura Castro Gonçalves, Letícia di Maio Tancredi, Rodrigo dos Santos Cassel Bruna Leão Lopes Contieri, Bruna Moresco Silveira, Gabriela Raymundi dos Santos, Julia Kelbert Griebler, Julio César Veiga Bezerra Alexandra de Borba Oppermann, Katiele Rezer Menger, Mariana Pires Theodoro, Rafaela Pinto Serpa, Victor Abreu Menezes Graduanda do 3° semestre de Relações Internacionais na UFRGS Graduando do 5° semestre de Relações Internacionais na UFRGS Graduando do 5° semestre de Relações Internacionais na UFRGS Graduando do 7° semestre de Relações Internacionais na UFRGS Graduanda do 7° semestre de Relações Internacionais na UFRGS ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é o principal órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo responsável pela manutenção da paz e da segurança internacional, como determinado pelo artigo 24, capítulo V da Carta da ONU (ONU, 1945). A característica mais importante do Conselho, diferenciando-o dos outros órgãos das Nações Unidas, é o fato de este ser o único comitê capaz de impor resoluções obrigatórias para todos os Estados e de autorizar o uso da força. O CSNU é formado por quinze membros: cinco permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e dez rotativos selecionados pela Assembleia Geral, tendo por base critérios regionais, para períodos de dois anos. Cada um dos cinco membros permanentes possui “poder de veto”, o que significa que, quando qualquer um desses países votar contra uma resolução ou cláusula, ela é automaticamente rejeitada. As decisões do Conselho são bastante importantes para a manutenção da paz, afetando não apenas os Estados, mas também a vida de populações diretamente envolvidas nos conflitos discutidos. No UFRGSMUNDI 2016, será simulada a sessão do CSNU do dia 16 de setembro de 2011. Nesse contexto, a intervenção na Líbia já tinha sido realizada e o país, ao invés de ter sido estabilizado com a queda de Gaddafi, fragmentou-se em vários núcleos de poder — colocando a própria integridade territorial líbia em risco. O radicalismo político se alastrou pelos grupos que lutavam pelo poder e uma solução definitiva para o conflito não estava no horizonte. Nesse sentido, cabe aos delegados decidir qual é o papel da ONU na estabilização da Líbia, propondo soluções que aliviem a situação humanitária do país e que criem condições políticas e materiais para a sua reconstrução. O território que hoje conhecemos como Líbia foi alvo de cobiça e conquista de diversos povos desde a Antiguidade. Passando pelas mãos de gregos, fenícios, romanos, árabes1, otomanos, italianos, britânicos e franceses, a região da Líbia atravessou várias transformações culturais, religiosas e políticas, que impactaram na criação de seu Estado e na formação da identidade de seu povo. Dividido pelo deserto, o próprio território desenvolveu-se em três partes distintas que pouco se identificavam, até que a unidade formal em 1963 as colocou juntas sob uma mesma nação (METZ, 1987). A Líbia está localizada na costa norte do continente africano, sendo banhada pelo Mar Mediterrâneo e pelo Golfo de Sidra. O Estado líbio faz fronteira a oeste com Tunísia e Argélia, ao sul com Níger e Chade e a leste com Sudão e Egito. Quarto maior país em território da África e com uma população de apenas 6,5 milhões de habitantes, predomina na região o clima árido e semiárido, o que explica sua grande escassez de terras férteis e sua baixa densidade populacional – cerca de 90% da população líbia habita as regiões costeiras ao norte, principalmente a província da Tripolitânea. Além disso, a Líbia possui a maior reserva de petróleo do continente e a quarta maior reserva mundial, aumentando consideravelmente a importância estratégica e energética do país nas relações internacionais (VISENTINI, 2012; MELOS; CLOSS; LUBASZEWSKI, 2015). As três áreas que hoje formam a Líbia - Cirenaica, Tripolitânia e Fezã - tinham pouco em comum além da população que as ocupava, os berberes2, povo nômade que habitou a totalidade da África do Norte por mais de 9 mil anos e agrupava-se em clãs (LUGAN, 2000). Historicamente, tais regiões vieram a ter uma evolução bastante distinta. 1 Os árabes são os povos originários da Península Árabe e que falam o idioma árabe. O mundo árabe, portanto, é o território geográfico que compreende os países que falam esse idioma. É importante notar que não se trata de um conceito religioso e, portanto, não confundir árabes com muçulmanos, que são os seguidores do Islã como religião. 2 Os berberes são um povo muito antigo vindo da Ásia. Na África do Norte, agrupavam-se em tribos ou clãs e eram, na sua maioria, nômades que viviam do comércio de caravana feito através de camelos. Atualmente, estão concentrados principalmente no Marrocos e na Argélia e falam as línguas berberes. Os berberes, contudo, preferem se referir a si mesmos como Amazigh e ao seu idioma como Tamazight. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 A Cirenaica, a maior delas, foi ocupada pelos gregos ainda antes de Cristo e permaneceu sob sua influência por um longo período. Do outro lado da faixa desértica que separa as duas regiões está a Tripolitânia, a qual mantinha relações muito próximas com a cidade fenícia de Cártago, na atual Tunísia. A terceira região, Fezã, era ocupada por diversas tribos do deserto que mantinham laços políticos, religiosos e comerciais com as áreas onde hoje se localizam o Chade e o Sudão (ST JOHN, 2006). Apesar de características distintas, todas as províncias foram atingidas igualmente por um fator de enorme impacto: a chegada dos árabes na África do Norte, vindos do Oriente Médio, e a islamização dessa parcela do continente. A introdução do Islã e a arabização da região, concluída no século XI, levaram a um longo período de prosperidade econômica e cultural (METZ, 1989; LUGAN, 2015). Em 1551, os turco-otomanos, também islâmicos, conquistaram a região e a uniram ao seu Império, cuja dominação se constituía quase que exclusivamente da coleta de impostos. Essa fraca presença do Império assegurou certa autonomia às províncias e deu prosseguimento à falta de interação entre as três regiões. Depois de mais de 200 anos sob o domínio desse império, as regiões da atual Líbia começaram a despertar o interesse de potências europeias como França e Inglaterra, devido a seus desejos expansionistas. Isso motivou o Império Otomano a exercer um controle mais efetivo na região o que causou revoltas na Tripolitânia e em Fezã (VANDEWALLE, 2012). Enquanto isso, na Cirenaica, emerge um movimento religioso de resistência que virá a ter muita influência nos eventos subsequentes da história líbia: a Ordem Sanussi. Pregando noções de solidariedade, essa ordem conquistou ampla influência e autoridade política sobre as tribos do deserto (MCKENNA, 2010). Apesar da oposição interna e da ameaça europeia, o domínio turco-otomano sobre a Líbia resistiu até 1911, quando a Itália conquistou militarmente o território, reprimindo a população e realizando grandes investimentos em infraestrutura (METZ, 1987; VANDEWALLE, 2012). Somente a partir do ano de 1934 o país foi nomeado oficialmente como Líbia. Durante a Segunda Guerra Mundial, a oposição ao colonialismo voltou a se manifestar. Nacionalistas da Tripolitânia se uniram com os Sanussi para lutar ao lado dos Aliados3 na guerra e adquirir apoiadores para a tentativa de independência. Com o fim do conflito, a Itália perdeu a posse de suas colônias, e tropas britânicas e 3 Durante a Segunda Guerra Mundial, os oposicionistas qual a Itália fazia parte. líbios se uniram com as forças dos Aliados, pois essa aliança lutou contra o Eixo, do ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 francesas ficaram encarregadas de administrar o território líbio até que, em 1949, decidiu-se na Assembleia Geral das Nações Unidas que a Líbia se tornaria, enfim, um país independente (VISENTINI; QUAGLIA, 2012). A formação do Reino da Líbia em 1951, cuja liderança ficou a cargo do monarca nomeado pelas potências ocidentais Idris al-Sanussi, não foi suficiente para estabelecer uma unidade entre as três províncias que constituíam o país. A Líbia passou da fase colonial para a independência sob a sujeição e proteção das Grandes Potências mundiais, e a monarquia não conseguiu desenvolver um interesse nacional4 e uma ideologia que unificasse a sociedade líbia (VANDEWALLE, 2006). O regime de monarquia federalista5 adotado manteve um elevado grau de autonomia das províncias: cada uma delas possuía seu próprio parlamento, com orçamentos separados, responsáveis pela execução de suas próprias leis (MELOS; CLOSS; LUBASZEWSKI, 2015). Além disso, o novo governo extinguiu os partidos políticos, eliminou qualquer oposição ao reinado e abriu espaço para a predominância dos interesses de famílias tribais e de oligarquias6. Os primeiros anos da Líbia independente foram marcados por uma forte dependência desta com os países do campo ocidental, principalmente com os Estados Unidos e o Reino Unido. Um dos países mais pobres da África, sem uma atividade econômica primária e com uma população extremamente reduzida, desqualificada e concentrada no norte do território, o Reino Sanussi dependia imensamente de contratos com potências estrangeiras de arrendamento de bases militares e de auxílios financeiros externos, principalmente ingleses e norte-americanos (VISENTINI; QUAGLIA, 2012). Fazendo contraste ao predomínio ocidental, a partir de 1952, observa-se a escalada do nacionalismo árabe7 em inúmeros países do Oriente Médio, através dos discursos do grande líder egípcio Gamal Abdul Nasser8. Tal ideologia, que pregava autonomia e independência e que, portanto, adquiriu um tom antiocidental, exerceu notável influência principalmente entre as gerações mais novas da sociedade líbia (METZ, 1987). Contudo, no final da década de 1950, foram descobertas vastas reservas petrolíferas no país – especialmente no território da Cirenaica –, fato que trouxe mudanças significativas para o Reino. Ainda que dependente desse único produto, a Líbia passou a figurar entre os países mais ricos da África em termos de PIB per capita9 (MELOS; CLOSS; LUBASZEWSKI, 2015). Uma combinação de fatores – como proximidade com o continente europeu, fácil extração, qualidade e quantidade do produto – fez com que o petróleo líbio tivesse uma grande procura mundial, atraindo inúmeras empresas estrangeiras para sua exploração e venda. A importância crescente da Líbia no mercado petrolífero mundial resultou na entrada do país na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)10, em 1962, e a necessidade de gerir nacionalmente os lucros do petróleo fez com que o país finalmente completasse o processo de unificação política de suas três províncias, em 1963 (VANDEWALLE, 2006). 4 Interesse nacional são as metas e os objetivos que uma sociedade nacional estabelece para si mesma relativas à sua política exterior, resultado de negociações entre vários grupos populacionais que reivindicam suas aspirações e necessidades. É aquilo que os formuladores políticos e os tomadores de decisão consideram melhor para a nação. 5Uma monarquia federalista é a forma de governo no qual organizações políticas, como estados e províncias, unem-se para formar uma Federação mais ampla sob o comando de um único monarca, geralmente de família nobre e/ou religiosa. 6 A palavra “oligarquia” significa “governo de poucos”. Normalmente são pequenos grupos de interesse, geralmente pertencentes a uma mesma família, partido político ou grupo econômico, que controla as políticas econômicas e sociais de forma a beneficiar apenas seus próprios interesses. 7Ideologia nacionalista que celebra a civilização, cultura e língua árabe, que defende a união política dos países de origem árabe. Tem como premissa central que os povos do mundo árabe constituem uma só nação unificada pelo patrimônio histórico, cultural, linguístico e religioso comum. 8 Segundo presidente do Egito, ocupou o cargo de 1956 até sua morte em 1970. Destacou-se como um dos principais líderes do movimento do chamado Terceiro Mundo - que propunha a resistência política ao imperialismo das nações capitalistas - e por possuir uma forte ideologia nacionalista, fomentando o movimento pan-arabista entre as nações muçulmanas. 9 O PIB per capita é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada nação e num determinado período de tempo divididos pela população do país. 10 Organização criada em 1960 com o intuito de coordenar as políticas econômicas dos grandes Estados produtores e exportadores de petróleo, a fim de se fortalecerem frente aos países compradores do óleo. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 A organização de um governo central dominante, encabeçado pelo monarca Idris, e o crescimento econômico derivado do petróleo não foram suficientes, porém, para suavizar o descontentamento popular com a monarquia, crescente na década de 1960. A ausência de um apoio sólido à causa árabe no conflito árabe-israelense11, a má distribuição da renda petrolífera e o avanço do nacionalismo árabe aumentaram a insatisfação político-social da população (VISENTINI; QUAGLIA, 2012). A monarquia líbia estava próxima do seu fim. Em setembro de 1969, um golpe de Estado realizado por um grupo de jovens militares, liderados pelo Coronel Muammar al-Gaddafi, derrubou a monarquia Sanussi e instaurou a República Árabe Líbia, governada pelo Conselho do Comando Revolucionário12 (CCR), tratando de criar e fortificar novas estruturas políticas na Líbia (VANDEWALLE, 2006). Seguindo uma ideologia completamente diferente do período anterior, Gaddafi rejeitou o sistema político-econômico capitalista ocidental e o comunismo e propôs a Terceira Teoria Universal: uma filosofia 11 Longo conflito político e militar entre o Estado de Israel e inúmeros países árabes da região do Oriente Médio. Tem suas raízes no século XIX a partir do choque de interesses do movimento Sionista judeu - que defende o direito de autodeterminação e a constituição do Estado Nacional do povo judeu - e do nacionalismo árabe aliado à causa palestina, que também busca pela composição de seu Estado Nacional na mesma região. 12 Órgão composto por doze militares e chefiado por Gaddafi que constituiu o principal corpo de governo líbio após o golpe, proclamando a República Árabe Líbia (METZ, 1987). O CCR foi oficialmente abolido em 1977, quando foi estabelecido, também pelo Coronel Gaddafi, o “Estado das massas” (Jamahiriyya). ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 política alternativa que tinha como base o socialismo árabe somado a uma democracia verdadeiramente popular, integrando princípios do Islamismo e do Pan-Arabismo13 (SHILLINGTON, 2004). Em síntese, o novo regime buscou sua legitimidade através: I) de um discurso antiocidental – já no primeiro ano da República são removidas todas as bases militares norte-americanas e britânicas remanescentes, bem como são expulsas comunidades italianas e judias que ainda habitavam o país; II) da busca por uma unidade árabe; III) da apropriação de aspectos progressistas do Islã como parte do processo revolucionário; e IV) de investimentos dos lucros do petróleo em setores básicos como saúde e educação (MCKENNA, 2011; VANDEWALLE, 2006). É a partir de 1973 que os projetos políticos, sociais e econômicos do Coronel Gaddafi começam a entrar em vigor, através do lançamento do seu Programa de Cinco-Pontos. Nele eram declaradas, basicamente, a suspensão de todas as leis existentes, a implementação da Sharia (Lei Islâmica) e a criação de milícias populares armadas para proteger a recém imposta Revolução Cultural e Popular (ELJAHMI, 2006). Tal Revolução foi sustentada e instrumentalizada pelas ideias contidas no famoso Livro Verde14 de Gaddafi, publicado em 1975, que buscava a instituição de um sistema de “democracia direta” e de “governo do povo”. A evolução deste novo sistema político proposto por Gaddafi foi consolidada em 1977, através da proclamação da Jamahiriyya15 Árabe Popular Socialista da Líbia, o “Estado das massas”, cuja principal instituição consistia no Congresso Popular Geral (METZ, 1987). O líder acreditava que a proclamação da Jamahiriyya seria o único meio de alcançar uma verdadeira democracia popular, onde o povo seria governado pelo próprio povo. Contudo, a população permaneceu relativamente alheia à vida política, o que instigou Gaddafi a centralizar o poder em sua pessoa através dos Comitês Revolucionários, pelos quais ele controlava áreaschave do Estado, como a polícia, a política externa, o exército, o setor petrolífero e o orçamento estatal (MELOS; CLOSS; LUBASZEWSKI, 2015). No âmbito econômico, as receitas provenientes do comércio de petróleo foram de importância chave para a realização da Revolução. Seguindo o Livro Verde de Gaddafi, o qual afirmava que a exploração privada do petróleo líbio constituía uma grande forma de extorsão e deveria ser abolida, o novo governo iniciou um forte processo de nacionalização do setor petrolífero (AL-GADDAFI, 1976). Isso, aliado aos altos preços do combustível na década de 1970, possibilitou que o governo revolucionário realizasse grandes melhorias na qualidade de vida da sociedade líbia, principalmente nas áreas de moradia, educação e saúde. No entanto, este quadro aumentava a dependência líbia da exportação do petróleo e não resolvia um dos maiores problemas estruturais do país: a falta imediata de mão de obra qualificada, tendo esta que ser importada de outras nações (SPOHR ET AL., 2011; METZ, 1987). No início dos anos 1980, as reformas feitas por Gaddafi mostravam resultados: os níveis gerais de educação, de serviços sociais e de saúde estavam entre os mais altos da África (METZ, 1987). Entretanto, a queda da demanda por petróleo no comércio mundial começou a pesar sobre o regime de Gaddafi, uma vez que a desaceleração da economia impediu a continuada mudança social e fez emergir um descontentamento entre a população. Movimentos de oposição realizavam ataques esporádicos contra Gaddafi e seus aliados, que respondiam com prisões e assassinatos (MCKENNA, 2010). Internacionalmente, o governo de Gaddafi financiava grupos revolucionários, como o Partido dos Panteras Negras e a Nação do Islã, nos Estados Unidos, e o Exército Republicano Irlandês, grupo separatista armado da Irlanda do Norte. Os Estados Unidos classificavam alguns desses grupos como terroristas e condenavam a Líbia por financiamento ilegal de grupos terroristas. Além disso, os Estados Unidos ainda acusavam o governo de Gaddafi de causar atritos na África Subsaariana16, de boicotar os processos de paz no Oriente Médio e até de tentar produzir armas de destruição em massa (MCKENNA, 2010). Apesar dos estadunidenses continuarem importando petróleo líbio, as relações entre os dois países declinaram drasticamente nessa época. Um episódio que marcou essa 13 Vinculado ao nacionalismo árabe, o pan-arabismo é um movimento político-social que tem como principal objetivo reunir países de língua e civilização árabes em uma grande comunidade unificada. Ele se opõe, dessa forma, às concepções colonialistas dos países ocidentais. Teve como um de seus expoentes mais importantes o líder populista egípcio Gamal Abdel Nasser, fundador do Nasserismo. 14 Breve livro dividido em três partes onde Gaddafi expõe sua ideologia e filosofia política, pautada na Terceira Teoria Universal e nas suas ideias de “democracia popular”. Serviu como um guia político, econômico e social para a Revolução (SHILLINGTON, 2004, p.835). 15 Termo cunhado por Gaddafi, geralmente traduzido por “Estado das massas”. A ideia seria de “criar um país diretamente governado pelos seus cidadãos, sem a interferência de intermediários” (VANDEWALLE, 2006, p.96). 16 Corresponde a toda a parcela do continente africano situada ao sul do Deserto do Saara. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 confrontação foi o incidente do Golfo de Sidra, o qual a Líbia declarou como uma baía fechada, ameaçando de morte quem violasse sua soberania17, e os Estados Unidos consideravam a área como sendo de águas internacionais (METZ, 1987; OTMAN; KARLBERG, 2007). Um enfrentamento entre jatos inimigos resultou no abatimento de dois caças líbios e, depois disso, as relações entre os dois países só pioraram. Viagens de cidadãos americanos para a Líbia foram proibidas e o corpo diplomático líbio foi expulso dos Estados Unidos. Em março de 1982, as exportações de petróleo bruto da Líbia começaram a sofrer embargo18 estadunidense. A Europa, apesar de desconfiar do envolvimento líbio em atos terroristas, não havia tomado medidas práticas contra o país e inclusive manteve as relações comerciais intactas. Porém, em 1984, o comportamento europeu começou a mudar. Durante um protesto contra Gaddafi em Londres, um tiro disparado da embaixada líbia acertou e matou uma policial inglesa, Yvonne Fletcher. A sua morte causou uma reação europeia contra a Líbia e marcou o começo dos esforços para isolar o país diplomaticamente – mas não economicamente (VANDEWALLE, 2012). No final de 1985, os Estados Unidos, em sua busca por apoio internacional para isolar a Líbia, decretaram uma extensão do embargo, passando a banir também as importações de produtos derivados de petróleo refinado (OTMAN; KARLBERG, 2007). Logo depois disso, ataques terroristas em Roma e em Viena foram atrelados a uma organização relacionada ao regime de Gaddafi. Em resposta, os Estados Unidos proibiram as transações financeiras de todos os cidadãos estadunidenses com a Líbia e interromperam todos os empréstimos e crédito ao país norteafricano (VANDEWALLE, 2012). Diante das investidas norte-americanas, via-se pouca ou nenhuma mudança na postura da Líbia. Em 1986, os Estados Unidos, através de uma de suas bases no Reino Unido, empreenderam ataques aéreos sobre algumas das principais cidades líbias, como Trípoli e Bengazi. Os ataques chegaram muito próximos a Gaddafi, causando inclusive a morte de uma de suas filhas adotivas (MCKENNA, 2010). Ao mesmo tempo em que os bombardeios o fortaleceram, reforçando seu discurso contra o imperialismo americano, toda a conjuntura fez com que a ofensiva tenha sido encarada pela população com quase total indiferença. No entanto, o isolamento diplomático e a desarticulação da economia aumentavam a insatisfação com o regime (OTMAN; KARLBERG, 2007). A partir desse momento, Gaddafi percebeu que precisaria realizar mudanças. Logo após o ataque, Gaddafi clamou por uma “extensão da revolução” que, dessa vez, significava a suspensão de suas medidas políticas e econômicas mais rejeitadas. Os seus novos ajustes incluíam a criação de um comitê para investigar acusações de corrupção e de abusos de poder por parte dos Comitês Revolucionários, a expansão da liberalização política, livre entrada e saída da Líbia. Essas mudanças simbólicas foram essenciais para permitir ao regime um espaço de manobra que não existia antes (VANDEWALLE, 2012). Entretanto, uma série de eventos a partir de 1988 começam a acirrar as relações entre a Líbia e o Ocidente novamente. Nesse ano, o avião Pan Am 103 explodiu sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia, tendo como vítimas fatais não apenas passageiros, mas também pessoas em terra (AL JAZEERA, 2014). Em 1989, houve a explosão de um segundo avião, o francês UTA 772, sobre o deserto do Saara no Níger (REYNOLDS, 2003). Ambos os atentados foram associados a oficiais líbios e, em 1991, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido indiciaram os suspeitos e pediram sua rendição. Foi a partir desse momento que a ONU, através do seu Conselho de Segurança, começou a pressionar a Líbia (VANDEWALLE, 2012). Foram aprovadas as Resoluções 731 (1992) e 748 (1992) pedindo a extradição dos suspeitos, o que a Líbia negou ao alegar que significaria uma violação de sua soberania nacional. Em resposta, o Conselho de Segurança decretou a proibição de voos internacionais para o país e embargo à venda de armamentos. Devido a irredutível postura líbia, em novembro de 1993, o CSNU aprovou a Resolução 883 (1993) que adicionava ao embargo a venda de tecnologia e equipamentos relacionados à exploração do petróleo (VANDEWALLE, 2012). Em 1996, os Estados Unidos, que esperavam um embargo total ao produto líbio, aprovaram em seu Congresso uma medida drástica: o Ato de Sanções 17 A soberania é o direito exclusivo do Estado de exercer todos os seus poderes sobre o território, como o monopólio de legislação, regulamentação e jurisdição. 18 Embargo é a proibição do comércio com um determinado país, como forma de punir os políticos, as políticas ou os atos do país em questão. A sua natureza econômica frequentemente levanta dúvidas sobre os verdadeiros interesses para os quais a proibição serve. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 Irã-Líbia (Iran-Libya Sanctions Act - ILSA), que condenava empresas não americanas que investissem dinheiro no Irã ou na Líbia (OTMAN; KARLBERG, 2007). Bloqueado economicamente e isolado diplomaticamente, o regime de Gaddafi chegou ao fim do milênio desgastado. Além do mais, o preço do petróleo, fonte da quase totalidade das receitas líbias, estava, desde 1986, numa baixa poucas vezes vista, debilitando fortemente a frágil economia líbia. Assim, sobrava pouca margem para que Gaddafi sustentasse a sua postura de combate para com o Ocidente, de modo que se viu forçado a realizar radicais mudanças na política externa líbia. Um dos primeiros e principais sinais da mudança se deu em 1998, quando, após uma década de divergências com o Ocidente e acusações mútuas, o governo líbio aceitou extraditar os dois suspeitos pelo atentado de Lockerbie (VISENTINI, 2012). Por sua parte, Gaddafi exigia que seu julgamento se desse em um país neutro 19 — condição reforçada por declarações da Liga Árabe e da Organização da União Africana e relutantemente aceita por EUA e Reino Unido —, sendo escolhida para tal a Holanda. Com esse sinal de cooperação por parte do líder líbio, o Conselho de Segurança aprova a Resolução 1192 (1998), reafirmando que as sanções seriam interrompidas se os suspeitos fossem entregues, o que efetivamente ocorreu no ano seguinte (VANDEWALLE, 2012). O resultado do julgamento foi anunciado em janeiro de 2001, concluindo-se que, dos dois suspeitos, apenas um era culpado, sendo o outro absolvido. Além do mais, o governo líbio mostrava sinais de que buscava uma melhora nas relações com França e Reino Unido ao prometer compensações financeiras para os familiares da policial britânica Yvonne Fletcher e para as vítimas do atentado ao voo francês UTA 722. Os EUA, por outro lado, não se mostraram tão dispostos a melhorar as relações com o país africano (VANDEWALLE, 2012). Ainda que aceitassem a suspensão das sanções multilaterais impostas pela ONU sobre a Líbia, os EUA recusavam-se a retirar as suas sanções unilaterais sem que o governo líbio assumisse diretamente a responsabilidade pelo atentado de Lockerbie (o que não havia ocorrido até então) e concedesse compensações para os familiares das vítimas do ocorrido. Com efeito, as relações entre esses dois países não mostraram uma imediata melhora mesmo após o julgamento, dado que no mesmo ano foi renovado o Ato de Sanções sobre a Líbia e o Irã (ILSA) (KATZMAN, 2006). Depois dos atentados ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, as relações entre Líbia e EUA começaram a melhorar de forma mais acelerada. Imediatamente após os episódios em Nova Iorque, Gaddafi declarou seu repúdio aos atos e mostrou-se pronto para cooperar com o governo Bush, inclusive compartilhando informações de inteligência sobre terrorismo com a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) (CFR, 2003). Além da necessidade urgente que tinha de se aproximar dos EUA para que esse país retirasse suas sanções, a participação da Líbia na “Guerra ao Terror”20 se explica porque Gaddafi sofria desde a década de 1990 uma oposição de caráter terrorista e islamita21 cada vez mais forte, tendo inclusive escapado de uma tentativa de assassinato realizada por um grupo desse tipo. Além do mais, Gaddafi temia que as acusações ocidentais de que o Estado líbio patrocinava o terrorismo poderiam servir como justificativa para uma intervenção contra o seu governo — de forma semelhante ao que ocorreu no Afeganistão (CFR, 2005). Dois empecilhos, entretanto, se situavam no caminho da normalização das relações entre os dois países, ambos solucionados em 2003. O primeiro dizia respeito à compensação exigida pelas famílias das vítimas do atentado aéreo 19 Ou seja, que não estivesse diretamente envolvido na questão. 20 Conceito originado dos discursos do Presidente Bush como resposta aos ataques do 11 de Setembro, que designa o conjunto de ações globais destinadas a eliminar grupos terroristas ao redor do mundo e punir os Estados que os apoiavam. Sua primeira ação efetiva foi a invasão do Afeganistão, cujo governo — liderado pelo partido radical islâmico Talibã — foi acusado de patrocinar as ações do Al Qaeda, responsável pelos ataques. 21 Que busca aplicar o direito islâmico (chamado também de Sharia) no Estado, seja de maneira radical (como o Al Qaeda) ou mais moderada (como, por exemplo, o grupo conhecido como Irmandade Muçulmana), em contraposição a ideia de Estado secular (separado da religião). Ainda que Gaddafi defenda a influência do islamismo na estrutura do Estado, esses grupos opositores consideram sua versão do Islã demasiado excêntrica, motivo pelo qual lutavam por sua queda. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 de Lockerbie, resolvida quando elas chegaram a um acordo com o governo líbio sobre a quantia a ser paga por esse, que chegou próxima a um total de 2,7 bilhões de dólares. Já o segundo seriam as acusações de que Gaddafi estaria desenvolvendo armas de destruição em massa22 (ADMs) — assunto mais delicado (VANDEWALLE, 2012). Marcadas por incertezas, essas alegações existiam desde meados da década de 1980, quando instalações de produção de armas químicas foram supostamente detectadas por forças estadunidenses, questão que gerou fortes atritos entre os dois países ao longo das décadas seguintes. Gaddafi, ainda que defendesse a soberania nacional líbia na produção de armas, abriu mão de tal posição em prol de uma melhor relação com os EUA. Assim, em dezembro de 2003, o governo líbio anunciou que abriria mão de todas suas pretensões em desenvolver ADMs, aceitando inclusive que inspetores estrangeiros visitassem o país para verificar o cumprimento de tal compromisso (CFR, 2003). Abriu-se, assim, definitivamente o caminho para a normalização das relações entre EUA e Líbia. O ano de 2004 se apresentou como decisivo nesse processo: as relações diplomáticas entre os países foram parcialmente retomadas (relações plenas só se dariam em 2006, quando a Líbia foi retirada da lista de Estados apoiadores do terrorismo) e as sanções estadunidenses foram revogadas, dando maior possibilidade para o desenvolvimento líbio (VANDEWALLE, 2012). A União Europeia, por sua vez, terminou com as sanções econômicas e com a proibição da venda de armamentos à Líbia, o que possibilitou uma maior cooperação entre as partes no controle do fluxo de imigrantes para a Europa, tradicionalmente intenso entre Líbia e Itália (THE GUARDIAN, 2004). Na medida em que a Líbia finalmente começava a romper com seu isolamento internacional e a moderar suas ambições revolucionárias, o país passou a voltar-se mais para seus problemas internos, principalmente econômicos. Em 2003, o desemprego chegava à enorme taxa de aproximadamente 30%, problema causado principalmente pela dependência da exploração de petróleo — atividade que, por mais que fornecesse quase que a totalidade dos recursos líbios, não era capaz de absorver toda mão-de-obra, mesmo que qualificada. Além do mais, o setor petrolífero carecia de investimentos e novas tecnologias que o Estado líbio não era capaz de fornecer (VANDEWALLE, 2012). Para contornar essa situação, uma série de medidas de caráter liberal foi pensada de modo a atrair investimentos estrangeiros, sendo seus dois principais apoiadores o filho do líder líbio, Saif al-Islam al-Gaddafi, e Shukri Ghanem, que foi Primeiro-Ministro de 2003 até 2006. Em resumo, as medidas consistiam na desvalorização da moeda líbia, a privatização de empresas estatais e a liberalização do setor petrolífero (VANDEWALLE, 2012). As reformas atraíram diversas empresas europeias para a economia líbia, consolidando o processo já em curso de aproximação entre o país africano e o continente vizinho. Nesse período, inclusive, Gaddafi chegou a desenvolver relações pessoais com importantes líderes europeus, como Tony Blair (Reino Unido), Silvio Berlusconi (Itália) e Nicolas Sarkozy (França) (BOYLE, 2011). Entretanto, principalmente depois da crise econômica de 2008, as relações entre a Líbia e os países europeus passaram a esfriar. Devido às dificuldades que se seguiram à crise (especialmente intensas na Europa), o governo líbio empreendeu um esforço de diversificação dos seus parceiros econômicos. No setor de petróleo, por exemplo, investidores como a França e o Reino Unido perderam espaço para empresas de países como o Brasil (a Petrobras), Argélia, Índia e mesmo dos EUA (que ao longo do período se aproximou de Gaddafi). Além do mais, a Líbia planejava deslocar seus recursos financeiros de bancos europeus para bancos chineses. Esse conjunto de ações acabou por gerar uma grande insatisfação por parte dos velhos aliados europeus da Líbia (VISENTINI, 2012). Essas reformas econômicas, ainda que gerassem certa melhora na condição material da população em relação a décadas anteriores, não mudaram as estruturas mais profundas da Jamahiriyya. As privatizações, mesmo que tenham permitido a entrada de mais recursos no país, não solucionaram o problema crônico do desemprego, que se manteve alto durante toda a década de 2000. Isso era especialmente verdade entre a população jovem que, mesmo com níveis altos de qualificação profissional (a educação na Líbia era um destaque positivo), não encontrava emprego — problema alimentado pelo rápido crescimento populacional no país, que fazia com que a população jovem fosse muito grande. Além do mais, essas tentativas de abertura econômica aumentavam a pressão por 22 São comumente chamadas assim armas de tipo nuclear, químico, biológico ou qualquer outro que apresente a capacidade de gerar um número muito alto de vítimas. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 reformas políticas mais ousadas — criando-se, assim, as condições para a eclosão de protestos contra o governo (VANDEWALLE, 2012; VISENTINI, 2012). O ano de 2011 começou com a eclosão de uma série de revoltas e protestos em diversos países do mundo árabe, primeiramente na Tunísia e se irradiando, depois, por países como o Egito, a Síria, o Iêmen e também a Líbia. O episódio ficou conhecido como Primavera Árabe. O termo “primavera” já havia sido utilizado antes, em outras ocasiões da História, para fazer referência a momentos em que a ordem vigente fora desafiada e modificada, passando uma ideia de esperança e renovação após um período de “inverno”, ou seja, após um período de governos tirânicos ou ditaduras. Em 1848, os europeus se levantaram contra as monarquias tradicionais em uma série de protestos e revoltas que acabaram ficando conhecidos como “Primavera dos Povos” (ROSE, 2016). Já em 1968, foi a vez de o povo da Tchecoslováquia viver seu momento de esperança, quando tentou-se promover reformas para modernizar o Estado, liberalizar a economia e aumentar as liberdades individuais, transformando um governo que, sob o domínio da União Soviética, havia se tornado extremamente burocrático e opressor. Apesar de as reformas terem fracassado e o país ter sofrido uma invasão militar meses depois, esse momento de euforia e esperança ficou conhecido na história como “Primavera de Praga” (FERABOLLI, 2012). De maneira semelhante, a “Primavera Árabe” também passou aos povos árabes, ao menos no momento em que se iniciou, um sentimento positivo de expectativa por dias melhores, que viriam caso os movimentos dessem certo. De maneira geral, é possível afirmar que os protestos da Primavera Árabe tinham algumas características em comum: na maioria dos países em que ocorreram, a insatisfação popular com governos autoritários e corruptos que já estavam no poder há décadas somou-se ao descontentamento resultante do aumento de preços dos alimentos e de altas taxas de desemprego. Contudo, mesmo que, à primeira vista, as revoltas pareçam ter tido um padrão comum, não se deve cair na tentação de generalizá-las. Em cada um dos países existiram especificidades, seja com relação às razões que levaram pessoas às ruas, seja com relação às respostas dadas pelos governantes e pelo resto do mundo. Assim, para entender como a Primavera Árabe influenciou a atual situação em que se encontra a Líbia, é importante compreender como ela começou. Apesar de 2011 ser o ano em que se iniciaram as revoltas, as raízes daquilo que seria a Primavera começam ainda em 17 de dezembro de 2010, em Sidi Bouzid, uma cidade no centro da Tunísia. Mohammed Bouazizi, um jovem tunisiano de 26 anos desempregado, vendia frutas e legumes ilegalmente em uma banca, quando foi surpreendido por uma policial que exigia que parasse suas atividades, já que não possuía licença oficial apropriada para exercêlas. O jovem, sentindo-se humilhado, jogou gasolina no próprio corpo e ateou fogo em si mesmo, gritando “Como vocês esperam que eu me sustente? ”, como um gesto de protesto e fazendo referência à difícil situação socioeconômica pela qual passava o país (PRASHAD, 2012; VISENTINI, 2012; OLIVEIRA, 2015) – e que todos os países afetados pela Primavera Árabe também enfrentavam. Os países do Oriente Médio vinham passando por um significativo crescimento populacional e intensa urbanização nos últimos anos, mas devido à forte concentração das riquezas desses países nas mãos das classes mais altas da sociedade, grande parte da população acabava vivendo nos limites da extrema pobreza23. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), o preço dos alimentos e da energia subiu no mundo inteiro no ano de 2010, provavelmente ainda como consequência da crise econômica mundial de 2008, e as populações mais pobres eram as mais severamente afetadas por essas altas. No Norte da África, onde começaram as manifestações da Primavera Árabe, os dados mostram que o preço dos alimentos aumentou cerca de 30% na segunda metade de 2010, e o preço dos grãos, especificamente, subiu 60%. Esses valores, naturalmente, tratam-se de médias entre todos os produtos, e alguns exemplos isolados demonstram o quanto esses aumentos foram significativos na vida das pessoas: o preço do milho aumentou 75%, o do trigo 84% e o do açúcar 77%. Como se não bastasse, subia também o preço da energia: É comum considerar que vive no “limite” ou no “limiar” da pobreza a pessoa que vive com apenas 2 dólares por dia, e abaixo do limite da pobreza, ou seja, na extrema pobreza, aquela que vive com um valor inferior a este (JOFFÉ, 2011). 23 ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 entre 2009 e 2010, havia aumentado quase 30%, e à época em que começaram os protestos, as previsões eram de que subisse ainda mais (JOFFÉ, 2011; PRASHAD, 2012; GOLDSTONE, 2011). Além da situação envolvendo o aumento dos preços, havia também o grande problema do desemprego, já citado anteriormente. Alguns dos países do Norte da África apresentavam bons índices de educação, mesmo em vésperas da Primavera: as taxas de alfabetização na Líbia eram de 90%, e a educação na Tunísia era uma das melhores da África, com o número de estudantes universitários tendo triplicado neste país e quadruplicado no Egito nos anos que antecederam as revoltas, em razão de políticas modernizadoras dos governos, as quais ampliaram o acesso à educação (GOLDSTONE, 2011; PRASHAD, 2012). Apesar disso, como foi visto, os governos não conseguiam responder a esse aumento no número de pessoas escolarizadas com um aumento proporcional na oferta de empregos. Estimase que, entre os anos de 2010 e 2011, a média de desemprego nos países do Norte da África e do Oriente Médio aproximava-se dos 20% (o dobro da média global). Entre a população jovem (de 15 a 29 anos), os números saltavam enormemente: quase 40% na Tunísia e quase 50% no Iêmen, por exemplo (ANDERSON, 2011; GOLDSTONE, 2011; PRASHAD, 2012). Assim, não é difícil de imaginar por que a reclamação a respeito do desemprego era uma das principais entre a população mais jovem que foi às ruas. Tendo em mente todos esses fatores, é possível compreender por que a autoimolação24 de Mohammed Bouazizi causou tanta comoção na Tunísia. Após esse episódio, o jovem foi internado, mas acabou morrendo no dia 4 de janeiro de 2011. Milhares de pessoas compareceram ao seu funeral e, a partir desse dia, protestos começaram a se espalhar pelo país, manifestando revolta à situação socioeconômica degradante que afetava inúmeros tunisianos e que levara o jovem Bouazizi ao suicídio. Os manifestantes iam às ruas segurando baguetes – simbolizando a luta contra a fome – e pediam pela saída do presidente Zine el-Abidine Ben Ali do posto da presidência. Ben Ali estava no poder desde 1987, e a corrupção que assolava seu governo já causava descontentamento entre os tunisianos há bastante tempo. Essa corrupção era percebida tanto pelos excessivos luxos e gastos por parte da família do presidente, quanto pelo controle que o mesmo exercia sobre o setor privado da economia, através dos íntimos laços que mantinha com membros da alta elite e do empresariado. Além da corrupção, o autoritarismo do governo que conseguira manter-se por 23 anos no poder também causava descontento na população e nos raros movimentos sociais que ele permitia existir. O impacto dos protestos e a rapidez com que se espalharam pelo país foram tão grandes que, já no dia 14 de janeiro, dez dias depois do funeral de Bouazizi, o presidente Ben Ali e sua família fugiram para a Arábia Saudita em exílio, e no dia 6 de fevereiro, seu partido foi dissolvido por um tribunal tunisiano (JOFFÉ, 2011; PRASHAD, 2012 VISENTINI, 2012; MONIZ BANDEIRA, 2013). A revolução na Tunísia, porém, não se limitou às suas fronteiras. O mundo inteiro tomou conhecimento dos protestos e não demorou para que eles atingissem países vizinhos. No Egito, os problemas relativos a preços de alimentos e desemprego assemelhavam-se aos dos tunisianos, e o governo egípcio parecia ser indiferente a essa situação. O presidente, Hosni Mubarak, estava há três décadas no poder (desde 1981), e não faltavam acusações de que suas eleições eram fraudulentas. Os abusos de poder também eram frequentes: alguns movimentos sociais defensores de liberdade de expressão e direitos humanos eram perseguidos e reprimidos com violência, e o caso de um blogueiro que havia sido espancado até a morte pela polícia egípcia já havia se tornado conhecido dois anos antes da Primavera (JOFFÉ, 2011). Para completar, Mubarak parecia ter planos de que seu filho, Gamal Mubarak, pouco popular entre os egípcios devido ao consumismo escancarado em que vivia, fosse seu sucessor no cargo de presidência, causando indignação popular (JOFFÉ, 2011; VISENTINI, 2012). No dia 25 de janeiro de 2011, aproveitando-se da insatisfação e indignação acumulada por anos, e tendo os eventos na Tunísia como inspiração, protestos se organizaram na Praça Tahrir, no Cairo, a capital do país. A polícia tentou pôr fim às manifestações, mas elas continuaram nos dias que se seguiram e ficaram cada vez maiores, contando com a participação de egípcios de diversas cidades. Mubarak renunciou à presidência duas semanas após o início das manifestações, deixando a cargo do Exército a função de remodelar o país (JOFFÉ, 2011; ANDERSON, 2011; PRASHAD, 2012). É importante mencionar que, no Egito, membros da elite econômica também apoiaram as manifestações, uma vez que se preocupavam com a deteriorante situação econômica que afetava seu mercado consumidor. Além disso, os Estados Unidos também 24 O ato de atear fogo no próprio corpo. É normalmente visto como forma de protesto ou martírio. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 apoiaram a saída de Mubarak, por temerem a instabilidade em um dos países mais importantes para seus interesses no Oriente Médio (PRASHAD, 2012; VISENTINI, 2012). Depois da Tunísia e do Egito, a Primavera Árabe irradiou-se por inúmeros outros países da região, com diferentes desenvolvimentos em cada um deles. Houveram manifestações na Argélia e no Marrocos, muito influenciadas pelas manifestações da Tunísia, uma vez que também tinham como pano de fundo dificuldades sociais e econômicas. Nesses dois países, porém, os protestos não pediam pela renúncia do governante: na Argélia, ainda era muito viva na lembrança da população a longa e violenta Guerra de Independência (1954-1962) e a guerra civil dos anos 1990 (que acabara em 2002), o que fazia com que os argelinos não desejassem desafios tão fortes ao governo que pudessem levar a uma nova onda de violência; no Marrocos, a figura do rei era ainda bastante popular e seu regime tinha legitimidade aos olhos da população. Assim, os governantes conseguiram contornar relativamente bem a situação, respondendo de maneira rápida aos protestos: em ambos os países, implantaram-se medidas econômicas que, no caso da Argélia, possibilitaram a baixa nos preços de alguns alimentos, e, no Marrocos, o aumento do salário mínimo nacional. Além disso, foram prometidas reformas constitucionais que poderiam atender às reivindicações políticas dos manifestantes (JOFFÉ, 2011). No Iêmen, os protestos começaram ainda em janeiro, inspirados pelos eventos na Tunísia, e a principal demanda dos protestantes – além de melhores condições econômicas e maior democracia – era a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh. O presidente fez diversas concessões, prometendo que nem ele nem seu filho seriam candidatos nas próximas eleições, mas os manifestantes não acreditaram e continuaram nas ruas. Assim, no mês de fevereiro, esses protestos começaram a ser brutalmente reprimidos pelas forças do governo, aumentando em grande escala o nível de violência naquilo que pode vir a se transformar em uma verdadeira guerra civil. A situação segue instável e o descontentamento popular só tende a crescer, não parecendo haver saída para o presidente (VISENTINI, 2012). No Bahrein também houve protestos, e os manifestantes clamavam por maior participação política. O desemprego no país era fortemente concentrado entre a parcela xiita da população, que se sentia também subrepresentada politicamente. Contudo, a Arábia Saudita, temerosa da instabilidade que assombrava seu vizinho, interveio no país, enviando suas tropas para evitar que o rei do Bahrein, Hamad, fosse tirado do poder pelos protestantes (VISENTINI, 2012; PRASHAD, 2012). Na Síria, os protestos eclodiram em março e se espalharam por várias das principais cidades do país. Os manifestantes pediam por uma maior abertura política, que permitisse maior participação popular, com a legalização de partidos considerados ilegais e com o afrouxamento do autoritarismo. O exército conteve as manifestações com muita violência, e o presidente Bashar al-Assad, apesar de atender a algumas das reivindicações do povo, não manifestou nenhuma disposição em afastar-se do poder (VISENTINI, 2012). Assim, após compreender a rapidez e a intensidade com as quais essas revoltas se espalharam pelo mundo árabe, não é difícil imaginar que elas também teriam chegado na Líbia, onde o presidente no poder já ocupava o cargo há 40 anos, em um governo severamente corrupto e com crescentes dificuldades em administrar a economia do país. Em janeiro, quando os protestos eclodiram nos países vizinhos, o presidente líbio declarou-se fortemente contra as manifestações, e afirmou seu apoio ao regime do aliado Ben Ali, da Tunísia. Com medo de que propagandas políticas negativas se espalhassem, ele bloqueou as redes sociais, como Facebook e Twitter, e sites como o Youtube. Em discurso, disse que a população não deveria acreditar no que era lido na internet, uma vez que qualquer pessoa - ou, nas suas palavras, qualquer bêbado, qualquer drogado, qualquer demente ou qualquer pessoa inútil (PRASHAD, 2012) - poderia publicar o que bem entendesse nas redes. Contudo, no final do mês, provavelmente ao perceber que seria difícil impedir que a onda de protestos chegasse à Líbia, Gaddafi assumiu uma postura de apoio à liberdade de expressão, em uma tentativa de colocar-se como um bom governante ao lado de seu povo. Porém, parecia ser tarde demais: os levantes populares começaram a desafiar o regime líbio, clamando por instituições mais democráticas, o que necessariamente envolveria a saída do presidente do poder (VISENTINI, 2012). O primeiro levante popular na Líbia ocorreu no dia 15 de fevereiro, e foi causado devido à prisão do advogado e ativista de direitos humanos, Fathi Terbil Salwa, e do escritor Idris al-Mesmari pelas forças do governo. O evento causou grande comoção popular, levando pessoas a protestarem em frente ao quartel-general da polícia, que tentou conter a população. No entanto, a tentativa foi falha: mesmo com Terbil tendo sido solto, o povo recusou-se a dispersar, e as notícias sobre essa manifestação chegaram a outras cidades do país. Estava dada a largada para a ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 onda de protestos que se espalharia por todo o Estado, e boatos já ocorriam sobre a organização de um grande protesto na cidade de Bengazi (ABDURRAHMAN, 2011; PRASHAD, 2012). De fato, após este primeiro protesto, o povo líbio organizou-se para ir às ruas no dia 17 de fevereiro, em várias cidades do país. O “dia da fúria”, como ficou conhecido, foi articulado, em grande parte, através de mensagens SMS que espalhavam o pensamento de que o povo líbio era livre e que Gaddafi deveria sair25. No dia 21 do mesmo mês, a cidade já estava nas mãos dos rebeldes, e os homens de confiança de Gaddafi se deslocaram para Tripoli (VISENTINI, 2012; PRASHAD, 2012). Diferentemente dos outros países, contudo, é importante ressaltar que os protestos na Líbia já foram violentos desde o começo, não apenas por parte do governo repressivo, mas inclusive por parte dos próprios manifestantes, oriundos, principalmente, de bandos armados do leste do país e que eram opositores de longa data do regime gaddafista (ANDERSON, 2011). Ao longo de seu governo, Gaddafi não tinha delegado muito poder às Forças Armadas da Líbia, para evitar que uma possível oposição ao seu governo pudesse surgir de dentro de quadros do próprio exército - e esse receio fazia sentido, visto que, quando eclodiram os protestos, membros dissidentes das Forças Armadas também foram às ruas. Porém, apesar disso, o presidente contava com a ajuda de soldados mercenários e com algumas lealdades tribais, que o ajudaram a manter-se no poder apesar desses defeitos no exército – os quais tornariam insustentável a sua permanência no poder (ANDERSON, 2011; GOLDSTONE, 2011). A resistência do governo e seu uso da força atraíram atenção especial da comunidade internacional. Diversos países, em especial os do Atlântico Norte, como Estados Unidos, França e Reino Unido, manifestaram-se fortemente descontentes com a situação na Líbia. Esses países também tiveram sua influência na região deteriorada nos demais países por onde alastrou-se a Primavera Árabe, mas em nenhum outro manifestaram disposição em intervir em apoio aos protestantes da mesma maneira que fizeram com relação à Líbia (PRASHAD, 2012). Poucos dias após a tomada de Bengazi, a comunidade internacional já manifestava descontento com a atitude do governo líbio. As reações, contudo, eram ainda um pouco exageradas, a exemplo da fala do ministro das relações exteriores de Luxemburgo que afirmou que a repressão na Líbia era um caso de genocídio. De acordo com Vijay Prashad (2012), tratava-se de uma tentativa dos poderes Atlânticos de criar um tom alarmista - uma vez que, ao menos em Bengazi, o controle governamental estava bastante limitado - e transformar as rebeliões em um massacre, o que justificaria uma intervenção militar na Líbia, um país dotado de uma quantidade de petróleo que muito interessava estes países. Os setores mais letrados da população, como ativistas de direitos humanos e advogados, que participavam assiduamente das manifestações, mostraram-se, desde o começo, fortemente contra quaisquer possibilidades de intervenção militar externa. Em fevereiro, o ativista e advogado Abdul Hafiz Ghoga anunciou em Bengazi que era “completamente contra intervenção estrangeira. O resto da Líbia será libertada pelo povo e as forças de Gaddafi serão eliminadas pelo povo líbio” (PRASHAD, 2012, p. 97). Apesar disso, com a escalada da violência nos protestos e com o aumento da repressão do regime líbio, criou-se um sentimento internacional de que era necessária uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir a situação (ERLANGER, 2011). Ao longo dos primeiros meses de 2011, parcelas da população que ansiavam pela derrubada de Gaddafi chocaram-se com as forças que ainda lutavam pela resistência do governo. Isso levou ao surgimento de discussões em âmbito internacional, advogadas principalmente por França e Reino Unido, relacionadas à necessidade de se haver uma intervenção armada no país (ANDERSON, 2011; ERLANGER, 2011). Posteriormente, seus discursos se tornariam concretos em uma operação militar comandada por tropas da Organização Tratado Atlântico Norte (OTAN) para efetuar a retirada do então Chefe de Estado do poder. O movimento de repressão por parte do governo de Gaddafi teve sucesso imediato na tarefa de conter a onda de protestos. Essa repressão, contudo, foi responsável por fomentar um processo de radicalização por parte da oposição, que em pouco tempo conseguiu dominar a cidade de Bengazi e outras cidades da região da Cirenaica. 25Na Líbia, os protestos não tiveram o mesmo tom forte de reivindicações socioeconômicas como no Egito ou na Tunísia. Apesar de setores desejosos de reformas econômicas terem participado dos protestos, o foco principal era a contrariedade e o descontentamento com o governo de Gaddafi, considerado opressor, autoritário e antidemocrático (PRASHAD, 2012). ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 Frente a esse fortalecimento, Gaddafi organizou-se para uma nova resposta à altura. Em pouco tempo, o governo lançou-se em direção à região oriental do país, através de uma série de campanhas militares de combate aos insurgentes que, graças a uma evidente superioridade organizacional e tática, mostraram-se em sua maioria bemsucedidas. No entanto, a partir dessa tentativa de retomada de Bengazi, a comunidade internacional passa a ver com maus olhos as demonstrações de força do governo central, acusando-lhe de uso da violência contra civis e outros crimes de guerra26. Em vista disso, é levado à Corte Criminal Internacional um processo contra Muammar al Gaddafi, formando-se as condições morais necessárias para uma ação internacional conjunta (GONZÁLEZ, 2011). Em fevereiro de 2011, o Conselho de Segurança aprovou unanimemente a resolução 1970, impondo sanções econômicas à Líbia, dentre elas o embargo de armamentos, a proibição de viagens e o congelamento de bens dos membros da família Gaddafi e altos funcionários do governo (UNSC, 2011a). A resolução, contudo, não foi suficiente para conter a escalada da violência e dos abusos de poder no país, nem mesmo sendo reconhecida pelo governo líbio. Isso levou à aprovação, em março, da Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que criou uma Zona de Exclusão Aérea (ZEA)27 no país e autorizou que fossem tomadas “todas as medidas necessárias” para garantir a proteção de civis. Entretanto, a resolução excluía a ocupação estrangeira de qualquer forma e em qualquer parte do território líbio (UNITED NATIONS, 2011b). Assim, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN28), com amplo suporte de alguns países da Liga Árabe como Catar, Emirados Árabes Unidos e Jordânia, iniciou a chamada Operação Protetor Unificado, com o intuito de fazer cumprir as determinações da ONU. As campanhas militares, envolvendo desde monitoramento aéreo até apoio às tropas terrestres e bombardeios a partir de navios na costa do país, buscariam retirar Gaddafi do poder em prol da ascensão dos grupos de oposição (VISENTINI, 2012; OTAN, 2011). A formação de uma coalizão com fins de combate, no entanto, foi muito além do que fora proposto na resolução de março de 2011, na medida em que, como mostra Moniz Bandeira (2013) “[...] operações militares aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas só poderiam ocorrer caso fossem necessárias para manter ou restabelecer a paz e segurança internacionais” (MONIZ BANDEIRA, 2013, p.278). Na prática, houve um esforço dos Estados Unidos e demais países da OTAN em formar uma ligação indireta e encoberta com os grupos armados domésticos na linha de frente contra o regime de Gaddafi. Assim, ocorreu o fornecimento de recursos financeiros, armamentos e assistência logística aos rebeldes líbios – estendendo-se o apoio, inclusive, a grupos fundamentalistas islâmicos, como antigos mujahidins do Afeganistão. Quanto à ação direta desses países, houve um real empreendimento de guerra contra a Líbia, mediante constantes ataques aéreos. Nesse sentido, aeronaves francesas e submarinos britânicos e estadunidenses conduziram uma série de bombardeios ao território do país, destruindo completamente suas capacidades de defesa. Vale ressaltar, porém, que enquanto a intervenção tinha como objetivo a proteção de civis e a defesa de Bengazi contra as supostas agressões de Gaddafi, a sua concretização envolveu uma ação muito mais extensa, chegando a ocorrência de diversos bombardeios em Trípoli. As tropas rebeldes gradualmente avançaram até a capital, conquistando-a e forçado a fuga de Gaddafi (MONIZ BANDEIRA, 2013). De fato, a intervenção estrangeira não estava prevista pelo mandato estabelecido na reunião de março do Conselho de Segurança, visto que as manifestações líbias podiam ser caracterizadas como assuntos de ordem doméstica. No entanto, o que serviu como base para a execução da invasão liderada pelos países europeus e pelos 26 Relatórios da ONU apontam para uma estimativa de 2.000 civis mortos durante esse conflito (OTAN, 2011). A criação de uma zona de exclusão aérea (ZEA) significa a imposição de um banimento para quaisquer voos que possam passar num determinado espaço aéreo – excetuando-se voos tendo como único propósito a ajuda humanitária ou na retirada de civis do combate (UNITED NATIONS, 2011). A ZEA é, portanto, a área sobre a qual são proibidos os voos de aeronaves. No caso da Líbia, foram banidos todos os vôos na totalidade do espaço aéreo do país. 28A OTAN é uma aliança militar de países do hemisfério norte – nominalmente Norte Americanos e Europeus – que pode executar operações militares internacionais conforme as determinações de seu comando central. Nesse caso, teve como desencadeador de suas ações a autorização por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A organização foi criada durante a Guerra Fria pelas potências ocidentais europeias e norte-americanas, formada para funcionar como uma cooperação militar para defesa mútua entre os países membros, todos pertencentes ao bloco capitalista. Existiu por muito tempo em oposição ao Pacto de Varsóvia, que tinha uma lógica semelhante, mas do lado do mundo soviético. O Pacto foi extinto com o final da Guerra Fria, mas a OTAN ainda existe e cresce em importância no mundo contemporâneo. 27 ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 Estados Unidos foi o princípio conhecido como “Responsabilidade de Proteger” (R2P, na sigla em inglês). Esse conceito, comumente estudado nas Relações Internacionais, deriva de duas grandes noções muito em voga atualmente: a de que uma governança livre e democrática garante a manutenção da paz; e a de que são necessárias cada vez mais ações humanitárias conjuntas que garantam a proteção de diferentes comunidades no globo. Em outras palavras, a validade da soberania de um Estado está invariavelmente ligada à sua capacidade de proteger seus cidadãos. O R2P, portanto, significa uma terceira via entre a omissão frente a um conflito e a intervenção militar indiscriminada, sendo um discurso de legitimação de ações internacionais dentro da autoridade de um Estado qualquer (PUREZA, 2012). Não obstante, a despeito desse discurso político, as motivações verdadeiras por trás da operação encontram-se visíveis somente através de uma análise mais profunda do evento. O crescimento econômico e diplomático da Líbia que tomou forma durante o governo de Gaddafi revela que o país se tornou uma potencial ameaça aos interesses do Ocidente como um todo. Tendo isso em mente, muito argumenta-se que a OTAN tinha amplos interesses de ordem econômica – pela apropriação dos recursos líbios como petróleo e gás por empresas europeias, além do controle dos fundos monetários do governo por Bancos Centrais estrangeiros – e de ordem política - pela anulação do projeto de integração africana que Gaddafi buscou promover e pela sua eliminação enquanto representante de um movimento de contestação às estruturas internacionais de poder (POUGALA, 2011). Como resultado real do R2P e, consequentemente, da operação, tem-se que a proteção dos não combatentes e da população civil serviu como uma cobertura pouco convincente do que foi, na verdade, uma operação de troca de regime. Segundo autores que defendem essa visão, como Pureza (2012), de forma similar ao que ocorreu em locais como Iraque e Afeganistão, notam-se duas tendências que acompanham as ações internacionais contra regimes “hostis”: a exportação de um modelo de organização social que visa à pacificação de conflitos através de processos de liberalização política e econômica; e a utilização de uma linguagem moralizadora para encobrir objetivos geopolíticos reais de alguns Estados (PUREZA, 2012). Das consequências imediatas do colapso do regime e da queda de Gaddafi, é importante que se percebam os severos impactos de ordem econômica e política que passam a assolar a Líbia desde então. A economia do país sofreu uma pesada reversão do crescimento que havia tomado forma após o levantamento das sanções e a normalização das relações com os países europeus. Em termos de produção de petróleo, que historicamente contou por 95% das exportações e 99% do orçamento do governo, observou-se uma brusca queda, de 1,77 milhões de barris por dia no período anterior à queda do governo, para 22 mil barris por dia em meados de 2011. Ademais, os recursos não petrolíferos do país também foram afetados, tendo uma baixa produtiva de 50%, na medida em que a infraestrutura e o sistema bancário foram seriamente comprometidos (FMI, 2012). Após a saída do Chefe de Estado, formou-se o chamado Conselho Nacional de Transição sob o comando das forças de oposição, com o intuito de organizar internamente o país até a criação de uma nova Constituição e a realização de eleições gerais, previstas para 2012 (ROBERTO, 2015). No entanto, o Conselho na verdade se configurou como um estimulante das já existentes deficiências estruturais do Estado líbio, principalmente no que se refere à divisão interna do país. Isso é reflexo de sua constituição por grupos advindos das duas grandes regiões historicamente desagregadas e com interesses distintos na condução da política líbia pós-Gaddafi. Logo no início da administração provisória houve sinais de uma falta de coerência e coesão nas forças políticas - e consequentemente de segurança - do Estado líbio em reconstrução. Os rebeldes que destronaram Gaddafi, anteriormente unidos por essa causa comum, tinham uma ligação fraca e fictícia representada pelo “exército de oposição”, mas que logo se dissipou (CHIVVIS; MARTINI, 2014). A partir disso, tem sido trazida cada vez mais à tona a antiga problemática da separação histórica entre Trípoli e Cirenaica enquanto regiões quase independentes. Por um lado, existem as forças do Exército Rebelde Oficial, organizadas pelos desertores do regime nos primeiros dias de tumulto político e localizada principalmente na região Leste em torno da cidade de Bengazi. Por outro, existem as forças que emergiram de forma orgânica na região Oeste do país em um período posterior, mas que permitiram o fortalecimento do processo de derrubada do governante a partir da cidade de Misrata e da região das montanhas de Nafusa. Ademais, mesmo internamente a esses macrogrupos, existem divisões e divergências entre pequenas brigadas e milícias armadas, que demonstram ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 resistência em submeter-se a um poder central e confirmar seu desarmamento, inclusive enfrentando-se em batalhas na cidade de Trípoli (CHIVVIS; MARTINI, 2014). É evidente que os problemas de ordem interna e externa foram determinantes para que o regime de Muammar al Gaddafi chegasse ao fim. Os protestos por mais transparência e liberdade em termos políticos, no entanto, dominaram somente o cenário inicial da situação na Líbia. Foi com a intervenção estrangeira, justificada pelos preceitos humanitários e de proteção de civis, que a crise no país assumiu dimensões significativas no plano internacional. De forma questionável, a OTAN foi responsável pela derrubada de mais um dos ditadores de longa data na região do norte da África. Como legado, a Operação Protetor Unificado deixa a Líbia como um Estado prestes a fragmentar-se, destruído economicamente e ingovernável por suas diversas facções e milícias armadas. Como visto, a comunidade internacional se posicionou diversas vezes sobre a situação na Líbia ao longo do ano de 2011. As violações de direitos humanos que lá estavam acontecendo foram seriamente condenadas pelo Conselho de Direitos Humanos da Nações Unidas (CDHNU), pela Liga Árabe, pela União Africana (UA) e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). No dia 25 de fevereiro, o Conselho de Direitos Humanos se reuniu para discutir a situação de calamidade na Líbia. Na resolução aprovada unanimemente, o Conselho, além de condenar a sistemática violação de direitos humanos, clamou para que o governo da Líbia cumprisse sua responsabilidade de proteger a população, garantisse a segurança de todos os civis e respeitasse a vontade e as demandas populares. Também foi criada a Comissão Internacional de Investigação para averiguar violações de direitos humanos no país, além de ser requisitada à Assembleia Geral a suspensão da filiação da Líbia no Conselho de Direitos Humanos (OHCHR, 2011). Alguns dias mais tarde, o pedido do Conselho foi atendido e a Líbia foi suspensa deste, marcando a primeira vez que um membro foi removido do órgão (UNITED NATIONS, 2011a). No dia seguinte, o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1970 impondo sanções à Líbia. O documento pedia o fim imediato da violência, a tomada de medidas para resolver as demandas legítimas da população e o encaminhamento da situação na Líbia à Corte Penal Internacional para o julgamento de crimes lá cometidos desde o começo dos protestos (UNSC, 2011a). A resposta do governo líbio foi a rejeição oficial da resolução, além de expressar um “profundo pesar” em relação a posição do Conselho de Segurança (XINHUA NEWS AGENCY, 2011). Como resultado da investigação, o promotor encarregado do caso líbio na Corte Internacional Penal, Luis Moreno Ocampo, pediu a prisão de Gaddafi, de seu filho mais velho, Seif al-Islam, e do chefe dos serviços de inteligência do país, Abdullah Senussi, por crimes contra a humanidade. Ocampo denunciou os ataques deliberados contra civis, disparos de arma de fogo contra manifestantes, uso de armamento pesado em funerais e utilização de francoatiradores nos protestos. As investigações, divulgadas em maio, estimavam que entre quinhentos e setecentos civis foram mortos pelo exército do líder líbio que pessoalmente ordenou tais ataques (UOL, 2011). Na esfera regional, a União Africana propôs um plano de ação para acabar com o conflito líbio pedindo um cessarfogo, a chegada de ajuda humanitária, um acordo de paz e a reforma política. A posição defendida pela organização é a de que somente através do diálogo atingir-se-ia uma solução duradoura para a Líbia e de que qualquer tipo de intervenção militar é totalmente indesejável. A União Africana pedia para que a comunidade internacional apoiasse sua busca por uma solução diplomática e que a unidade territorial da Líbia e sua soberania fossem respeitadas (AU, 2011). Por sua vez, a Liga Árabe, que já havia suspendido a participação da Líbia em futuros encontros desde fevereiro, emitiu sua posição sobre os acontecimentos no país. No documento, foi pedido ao Conselho de Segurança para tomar as medidas necessárias no intuito de criar uma Zona de Exclusão Área (ZEA) sob a coordenação da União Africana e da Liga Árabe (LEAGUE OF ARAB STATES, 2011). Como citado anteriormente, o Conselho de Segurança, então, atendeu a esse pedido. No dia 17 de março, a resolução 1973, aprovada por 10 votos a favor e nenhum contra, com 5 abstenções (Brasil, China, Alemanha, Índia e Rússia), demandava cessar fogo imediato, o fim de ataques contra civis - considerados no documento como crimes contra a humanidade - e a ZEA em cooperação com a Liga Árabe (UNITED NATIONS, 2011b). ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 A República Francesa foi, juntamente com o Reino Unido, uma das maiores apoiadoras da resolução que autorizou a ação militar na Líbia. Mesmo antes do estabelecimento da zona de exclusão aérea, porém, o governo francês já manifestava disposição em intervir e garantia que suas forças militares estavam prontas para uso na Líbia tão logo fosse necessário (ERLANGER, 2011; UNITED NATIONS, 2011b). A França não apenas votou favoravelmente à intervenção no âmbito do Conselho de Segurança, como também contou com apoio generalizado por parte da população e de partidos políticos franceses. Além disso, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, reconheceu o governo proclamado pelos rebeldes líbios como legítimo (THE GUARDIAN, 2011; THE ECONOMIST, 2011). A França tem desempenhado um papel crucial nas operações da OTAN na Líbia, sendo os aviões franceses, junto com os do Reino Unido, responsáveis por cerca de um terço dos ataques aéreos (DAALDER, STRADIVIS, 2011; THE GUARDIAN, 2011; BORGER, MACALISTER, 2011). O Reino Unido foi um dos principais idealizadores da intervenção militar em 2011. Após uma campanha de condenação das atitudes do regime na supressão dos protestos populares, foi o principal idealizador do grupo conhecido como Grupo de Contato na Líbia, um coletivo de países mobilizado com o intuito de derrubar o governo líbio (SHARMA, 2011). Assim, o Reino Unido não só liderou a chamada Operação Protetor Unificado para a retirada de Gaddafi, mas também tem se mostrado interessado em promover a estabilidade do país a fim de criar um ambiente propício para a reinserção de suas companhias extrativistas, sendo o idealizador da Zona de Exclusão Aérea e legitimando o poder nas mãos dos rebeldes líbios (MACALISTER, 2009). Ademais, Londres mostra-se proponente de eventuais esforços para a reconstrução da ordem política e legal do país, especialmente através de drásticas mudanças no modelo de governança nacional. Os Estados Unidos da América foram um dos principais defensores da queda de Gaddafi desde a eclosão dos protestos e da violência que a eles se seguiu. Os EUA demoraram mais que França e Reino Unido para reconhecer o Conselho Nacional de Transição como autoridade legítima, fazendo-o em julho, e atuaram na coalizão da OTAN com menos destaque do que esses dois países citados. O país foi um dos principais proponentes de que parte das sanções impostas ao governo de Gaddafi fossem aliviadas com o advento do novo governo (UNITED NATIONS, 2011g). Os EUA defendem uma cooperação ativa entre os novos líderes do país e a comunidade internacional, com participação direta da ONU no processo de estabilização do país. A Bósnia-Herzegovina encontra-se tradicionalmente alinhada aos interesses dos demais países europeus, principalmente daqueles pertencentes à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Apesar de não ter interesses explícitos no processo de transição do regime na Líbia, o país se posiciona como advogado dos direitos humanos e do fim do uso da violência. Assim, percebe que é necessária uma ação conjunta para estabilizar o país, reconhecendo os grupos rebeldes como a real autoridade nacional para a consolidação da paz (UNITED NATIONS, 2011; KLIX, 2011). A República da Colômbia votou a favor da Resolução 1973 do CSNU, descrevendo-a como de caráter “humanitário”, na medida em que a criação de uma zona de exclusão aérea protegeria os civis líbios, atacados por um governo sem legitimidade alguma (UNITED NATIONS, 2011f). O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, reconheceu em fins de agosto o Conselho Nacional de Transição como o representante legítimo do Estado líbio, destacando seu compromisso com os direitos humanos e com a legalidade do processo de transição rumo à democracia plena no país (VANGUARDIA, 2011). Um dos idealizadores da Resolução 1973, o Líbano defende o estabelecimento do cessar-fogo e da ZEA, com a finalidade de proteger os civis líbios. Condenando a continuação das ações violentas de Gaddafi mesmo após a advertência da ONU através da resolução de fevereiro, as autoridades libanesas ressaltaram a perda de legitimidade do governo da Líbia, que passou a perseguir civis e utilizar armas pesadas e munições cluster contra eles (UNSC, 2011e). Nawaf Salam, representante libanês na ONU, enfatizou a defesa da soberania da Líbia e, também, a necessidade de uma completa cooperação entre as Nações Unidas e a Liga Árabe (UNSC, 2011f). A República Portuguesa votou de maneira favorável à resolução 1973 do Conselho de Segurança com a justificativa de que os ataques contra civis haviam continuado mesmo após a adoção da resolução 1970, e, portanto, a situação do país seguia piorando. Até o momento de elaboração da resolução, o país vinha afirmando que a intervenção militar deveria ser o último recurso na Líbia, apenas sob aprovação da ONU e caso os recursos ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 diplomáticos tivessem falhado. Portugal se manifesta totalmente disponível para auxiliar missões da ONU que visem a proteção do povo líbio, e não prestou nenhum apoio militar à intervenção da OTAN, sendo, além da Alemanha, o único país da Europa ocidental a não se envolver militarmente. (UNITED NATIONS, 2011b; BBC, 2011) A Nigéria sublinha a necessidade de chegar a um consenso acerca da situação de crise humanitária e perturbação da paz que assola a Líbia, de forma a assegurar a proteção de seus civis. O governo nigeriano em inúmeras ocasiões repudiou as ações e políticas tomadas por Gaddafi, condenando suas violações da Resolução 1970 e defendendo o estabelecimento da Zona de Exclusão Aérea (ZEA) conforme a Resolução 1973. O país fez coro aos discursos da Liga Árabe e da União Africana reprovando as atrocidades cometidas pelo regime; porém, a Primeira Ministra nigeriana Joy Ogwu alertou que “a ocupação estrangeira não é uma opção para assegurar a paz” na região (AFROL NEWS, 2011; UNSC, 2011f). A África do Sul, que manteve uma relação de amizade e cooperação com o regime de Gaddafi por muito tempo, foi um dos países que mais defendeu a política de “soluções africanas para problemas africanos” (THE ECONOMIST, 2011b). O país do presidente Zuma culpa a OTAN pelo não funcionamento do plano de paz proposto pela União Africana que era baseado no diálogo e na não intervenção. A África do Sul votou a favor da resolução 1973 para que os civis líbios fossem protegidos, entretanto, o modo como ela foi implementada, na visão sul-africana, fez com que a Líbia fosse o mais novo exemplo de como as grandes potências não respeitam o continente africano (MELDRUM, 2011). O Gabão, assim como a União Africana, condena a violência contra os civis na Líbia e defende a busca por uma solução política do conflito. O país reprova a intervenção militar, pois esta violou o que foi acordado na resolução 1973. Além disso, o Gabão apoia os esforços da União Africana em realizar encontros para discutir a situação líbia e suas reivindicações por cessar-fogo (DEWAAL, 2012). A Alemanha apresenta uma política externa flexível e moderada em relação ao assunto. A sua abstenção na votação de março de 2011 (Resolução 1973), que deu origem à Operação Protetor Unificado, é reflexo de sua preferência por iniciativas político-econômicas e diplomáticas, como o uso de sanções sobre o governo da Líbia. Dessa forma, Guido Westerwelle, Ministro das Relações Exteriores alemão, condenou abertamente a utilização da situação interna como pretexto para uma intervenção militar e confirmou que a Alemanha não contribuiria com tropas para a execução da operação (HARDING, 2011). A República da Índia se mostrou desde o início bastante crítica da intervenção realizada em solo líbio. Na votação da Resolução 1973 do CSNU, a delegação índia se absteve, ao lado de Rússia, Brasil, China e Alemanha. Seu principal argumento para tal era que a resolução impunha medidas muitos severas com base em informações insuficientes, além de afirmar que poderia provocar maiores instabilidades na região (THE DAILY BEAST, 2011; UNITED NATIONS, 2011e). A Índia ainda alega que a intervenção direta da OTAN no país excedeu o mandato autorizado pela Resolução 1973, afirmando que deveriam ser priorizadas medidas de caráter político, não militar (UNITED NATIONS, 2011f). Por outro lado, a Índia reconhece a legitimidade do Conselho Nacional de Transição como representante do povo líbio. A República Federativa do Brasil expressa-se de maneira bastante preocupada com a situação deteriorante na Líbia, e lamenta que a mensagem passada pela resolução 1970 não tenha sido atendida. Mesmo assim, o país foi uma das nações que se absteve na votação da Resolução 1973 do Conselho de Segurança, por considerar que tal resolução dava margem para que uma intervenção militar fosse usada de forma desvirtuada. Assim como a Índia e a Alemanha, o Brasil reiterou a necessidade de encontrar formas pacíficas para resolver o conflito, e chamou a atenção para as consequências não planejadas que podem ocorrer devido a intervenções militares. Assim, o governo brasileiro vem condenando fortemente os bombardeios realizados pela OTAN na Líbia, lamentando pelas inúmeras perdas civis e pedindo pelo cessar-fogo e pelo início de negociações de paz (UNITED NATIONS, 2011b; VAN LINDERT, VAN TROOST, 2014; FELLET, 2011). A Federação Russa manteve relações diplomáticas com a Líbia mesmo durante o conflito e sempre prezou por uma solução política. O país absteve-se na votação da Resolução 1973, o que a fez ser aprovada. Essa decisão da Rússia se deve ao pedido da Liga Árabe pelo estabelecimento de uma ZEA e à necessidade de proteger os civis (KACZMARSKI, 2011). Assim, logo após a intervenção, a Rússia reprovou a má interpretação proposital e a aplicação expandida da resolução pelos países ocidentais e defendeu que o uso de forças armadas estava muito longe do que foi acordado. Além disso, também acusou a OTAN de exceder seu mandato – que seria somente para proteger civis. ISSN: 2318-6003 | v.4, 2016 | p. 170-191 A Federação Russa concorda que Gaddafi perdeu sua legitimidade e não deve mais governar. Todavia, o país não acredita que a intervenção seja capaz de trazer paz à Líbia e ressalta que é necessário buscar maneiras para evitar futuras desestabilizações no norte da África (RAPOZA, 2011). As relações da Líbia com a República Popular da China intensificaram-se nas últimas décadas, principalmente através de investimentos chineses no setor petrolífero. Apesar da China concordar com a necessidade de resolver o conflito, o país não acredita que o melhor meio para isso seja através de medidas coercitivas contra o governo de Gaddafi, pois a comunidade internacional deve respeitar a soberania e a integridade territorial líbia. (UNSC, 2011g). A China – assim como Rússia, Brasil, Índia e Alemanha – absteve-se na votação da Resolução 1973, pois considerou que o documento não expressava com clareza como e por quem a ZEA seria estabelecida, bem como seus limites. O Representante Permanente da China na ONU, Li Baodong, expôs que o país não utilizou seu poder de veto para bloquear o documento apenas em consideração à importância dos pedidos da Liga Árabe e da União Africana. No entanto, logo após as intervenções executadas pela OTAN, a China expressou arrependimento diante de sua decisão (THE GUARDIAN, 2011; UNSC, 2011f). a. O que pode ser feito para dar fim à guerra civil que tem vitimado cidadãos líbios desde o começo de 2011? b. Qual tem sido a efetividade da intervenção militar em curso na Líbia em ajudar a população e minimizar os efeitos perversos da guerra civil? c. Que propostas podem ser feitas visando uma transição política pacífica e quais as possibilidades reais de acordo entre as partes envolvidas no conflito? d. Qual o papel da Organização das Nações Unidas e do Conselho de Segurança na prevenção e solução de conflitos e como isso se reflete no caso líbio? e. Como podem os países do Conselho de Segurança assegurarem a estabilidade da Líbia sem violarem sua soberania, auxiliando na reconstrução do Estado e provendo a ajuda humanitária necessária? Como criar as condições políticas para esse processo? ABDURRAHMAN, Najla. What If Libya Staged a Revolution and Nobody Came? Foreign Policy, 17 fev. 2011. Disponível em <http://foreignpolicy.com/2011/02/17/what-if-libya-staged-a-revolution-and-nobody-came-2>. Acesso em: 07 abr. 2016. AFROL NEWS (Noruega). Africa Defies AU Chief’s Support for Ghaddafi. 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