J. FARBIARZ • A. FARBIARZ • B. HEMAIS
Jackeline Lima Farbiarz • Alexandre Farbiarz
Barbara Jane Wilcox Hemais
organizadores
DESIGN PARA UMA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Jackeline Lima Farbiarz
Alexandre Farbiarz
Barbara Jane Wilcox Hemais
(organizadores)
Design para uma
educação inclusiva
Design para uma educação inclusiva
© 2016 Jackeline Lima Farbiarz, Alexandre Farbiarz, Barbara Jane Wilcox Hemais (organizadores)
Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
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04531-934 – São Paulo – SP – Brasil
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Design para uma educação inclusiva [livro eletrônico]/ organização de
Jackeline Lima Farbiarz, Alexandre Farbiarz, Barbara Jane
Wilcox Hemais. –- São Paulo : Blucher, 2016.
228 p. : il. color; PDF.
Bibliografia
ISBN 978-85-803-9201-2 (e-book)
ISBN 978-85-803-9200-5 (impresso)
Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia
Brasileira de Letras, março de 2009.
1. Educação. 2. Inovações educacionais. 3. Tecnologia
educacional. 4. Prática de ensino. 5. Estratégias de
aprendizagem. 6. Ensino – Metodologia. I. Farbiarz, Jackeline
Lima. 2. Farbiarz, Alexandre. 3. Hemais, Barbara Jane Wilcox.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios,
sem autorização escrita da Editora.
16-1199
Todos os direitos reservados pela Editora
Edgard Blücher Ltda.
Índice para catálogo sistemático:
1. Inovações educacionais
CDD 370
Conteúdo
PREFÁCIO ...........................................................................................................
07
PARTE I – MULTIMEIOS ..........................................................................
11
Capítulo 1 – Tecnologias & Espaços: mediações
de ensino-aprendizagem .....................................................................
13
Capítulo 2 – Tecnologias Digitais no Ensino Superior: das
possibilidades e tendências à superação de barreiras e
desafios ................................................................................................................. 25
Capítulo 3 – Dispositivos móveis em
ambientes didáticos ...................................................................................
37
Capítulo 4 – A distância ou presencial: novos
ambientes de aprendizagem .............................................................
47
Capítulo 5 – As potencialidades pedagógicas e impactos
das interfaces dos sistemas instrucionais nas tecnologias
das linguagens humanas ........................................................................ 79
PARTE II – MULTIMÍDIAS E MULTIMODOS..........................
99
Capítulo 6 – Jogos Eletrônicos na
Educação Formal: fantasia e controle para
expectativas e perspectivas ............................................................
101
Capítulo 7 – Narrativa nos jogos: uma oportunidade para
autoria coletiva na escola ......................................................................... 117
4
Design para uma educação inclusiva
PARTE III – MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS ................................ 129
Capítulo 8 – Temas contemporâneos: campos de
conhecimento em diálogo .....................................................................
131
Capítulo 9 – Formação do professor para
a Educação Inclusiva..................................................................................
147
PARTE IV – MÚLTIPLAS PRÁTICAS .............................................. 171
Capítulo 10 – Design & Educação: objetos de
ensino-aprendizagem potencializando inteligências
múltiplas ...............................................................................................................
173
Capítulo 11 – São Tomé e Príncipe: um espaço
interdisciplinar de projeto .....................................................................
195
PREFÁCIO
Este livro é o resultado de dez anos de reflexões sobre materiais, recursos e
tecnologias digitais de informação e comunicação em espaços de ensino-aprendizagem nas fronteiras design-linguagem-educação. Nele estão reunidos artigos que
sintetizam, discutem e propõem formas de ação em educação a partir das quatro
edições do Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos1, organizado pelos Programas de Pós-Graduação em Design e em Estudos da Linguagem da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com o apoio do Programa de
Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Durante as quatro edições do evento, grupos de trabalho foram se constituindo e se solidificando, sob a coordenação de professores e pesquisadores oriundos de
instituições como CEFET-MG, Esdi-UERJ, Fiocruz, FGV, PUC-Rio, UEL, UEMG,
UFF, UFRJ, Unespa e Unicamp. Mas, sem dúvida, foi a adesão de professores e
pesquisadores dos diferentes segmentos de ensino (da educação infantil ao ensino
1 Os artigos apresentados nas quatro edições do evento estão disponíveis em: https://pt.scribd.
com/doc/35152549/Textos-Selecionados-do-II-SILID-e-I-SIMAR; http://www.letras.puc-rio.br/
eventos_let/4silid/anais/III%20SILID%20II%20SIMAR.pdf; http://www.maxwell.vrac.puc-rio.
br/rev_discurso.php?strSecao=input0; http://www.proceedings.blucher.com.br/article-list/v-silid-iv-simar-266/list#articles.
8
Design para uma educação inclusiva
superior) de todas as regiões do país que trouxeram a maturidade necessária para
assumirmos o desafio de repartir com o leitor a consolidação das discussões desenvolvidas nos grupos de trabalho.
Certo é que a realização conjunta do evento tem oportunizado o intercâmbio
entre professores das redes pública e particular de ensino básico e superior; pesquisadores de linguagem, educação, design e comunicação; profissionais de gestão em educação; dos mercados de comunicação, design de mídia digital e design
gráfico; e também entre estudantes de graduação e pós-graduação interessados na
troca de experiências.
De onde partem nossas discussões? Por que decidimos repartir com o leitor
os resultados dos debates desenvolvidos ao longo dos últimos sete anos? Nossa
intenção é, compactuando com Howard Gardner (1983)2 por meio dos artigos
aqui incluídos, favorecer práticas de ensino-aprendizagem que potencializem as
inteligências múltiplas que participam da constituição dos indivíduos, sob a ótica
da interdisciplinaridade.
Decorre daí o título do presente livro Design para uma educação inclusiva.
Nele, refletimos sobre meios, mídias, modos e práticas significativas para inteligências múltiplas. Multi é um prefixo que assumimos como palavra de ordem.
Por isso, reunimos aqui multimeios, multimídias, multimodos, múltiplas práticas em prol da valorização das inteligências múltiplas. Só assim, entendemos
ser possível a constituição, de fato, de uma educação inclusiva não no sentido
de “repartir o espaço de ensino-aprendizagem com o diferente”, mas buscando
entender que todos estão em situação de inclusão, pois os indivíduos carregam
em si formas distintas de se constituírem como sujeitos, como cidadãos que precisam formar olhares capazes de aceitar a complexidade das situações reais sem
reduzi-la, sintetizá-la ou livrá-la de suas contradições.
Nossa proposição é a visita e a ação sobre o atual desenho da educação no
Brasil. Consideramos que, como disciplina inscrita na contemporaneidade, o Design traz novas perspectivas para o desenvolvimento da capacidade dos alunos de lidar com a complexidade do mundo, desenvolvendo a competência para a resolução
de problemas, como descrita por Edgar Morin (2003)3. Entendemos, recuperando
Tatiana Tabak e Jackeline Farbiarz (2012)4, que o contexto de propensões e motivações do design, pela pluralidade de sua dimensão cultural, favorece a transcendência das dicotomias e a compreensão do aspecto fundamental da complexidade.
2 GARDNER, H. Frames of mind: the theory of multiple intelligences. New York: Basic,1983.
3 MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2003.
4 TABAK, T. (não) Resolução de (não) problemas: contribuições do design para os anseios da educação em um mundo complexo. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2012.
Prefácio
9
Em suma, a presente publicação situa-se como um compartilhar de reflexões,
experiências e vivências. Desejamos que sua leitura permita a reavaliação de práticas vigentes em ambientes de pesquisa e ensino.
Sem dúvida o auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes-Brasil) e da Fundação Carlos Chagas Filho de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); a cooperação dos professores e pesquisadores dos comitês científicos e de organização de todas as edições do SIMAR; a colaboração dos coordenadores dos eixos temáticos e a adesão
da comunidade têm sido fundamentais para o atendimento das metas dos eventos
e, especificamente, para a concretização desta publicação.
Tenham uma boa leitura.
Jackeline Lima Farbiarz
Barbara Jane Wilcox Hemais
Alexandre Farbiarz
PARTE I – MULTIMEIOS
Lugares da tecnologia em
espaços de ensino-aprendizagem
Possibilidades dos espaços de
ensino-aprendizagem frente às novas
tecnologias de informação e comunicação
Dispositivos móveis em ambientes didáticos
A distância ou presencial:
novos ambientes de aprendizagem
CAPÍTULO
1
Tecnologias & Espaços:
mediações de ensinoaprendizagem
Ricardo Artur P. Carvalho, Doutor, Escola Superior de Desenho Industrial da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ESDI/UERJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Cynthia Macedo Dias, Mestre, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio)/Núcleo de Tecnologias Educacionais em Saúde da Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (NUTED-Fiocruz)
INTRODUÇÃO: UMA QUESTÃO DE MEDIAÇÕES
A reflexão sobre materiais e recursos didáticos nos leva a problematizar o papel
mediador das tecnologias e dos espaços de ensino-aprendizagem. Quando tratamos
de mediações, não mais pensamos as tecnologias e os espaços como elementos isolados em si mesmos, mas os implicamos em um sistema, uma ecologia de relações em
que eles se inserem, discutindo, com isso, as ações e os agentes envolvidos. Portanto,
ao tratarmos as tecnologias e os espaços como formas de mediação, abordaremos
as relações com as práticas de ensino-aprendizagem e os contextos em que ocorrem.
14
Design para uma educação inclusiva
Ainda que esta reflexão possa parecer autoevidente para alguns, não podemos deixar de destacar o impacto dos contextos e das relações sobre qualquer
pensamento crítico acerca das tecnologias e dos espaços na educação. Concordamos com a preocupação da professora e pesquisadora Maria Apparecida Mamede-Neves (2013, informação verbal)1 ao constatar as poucas mudanças na sala
de aula que, apesar da inserção de novas tecnologias, mantém as mesmas configurações e as mesmas práticas. Nesse sentido, antecipamos a conclusão de que
mudanças arquitetônicas, no design do mobiliário, na reconfiguração dos espaços, bem como a inserção de novos dispositivos tecnológicos, podem se mostrar
inócuas se não vierem acompanhadas por outras mudanças nas práticas.
Tomamos como ponto de partida a filosofia da linguagem de Bakhtin, que
tem como um dos princípios a noção de interação verbal. Bakhtin (2006 [1979])
entende que os significados e usos de uma palavra (seja na fala ou num texto) não
são meramente pré-estabelecidos, mas ganham sentido no contexto em que se inserem por um princípio dialógico. Assim, a interação verbal entre os falantes (ou
entre escritor e leitor) implica um processo dinâmico que envolve outros aspectos
(história, cultura, hábitos) em que as palavras ganharão sentido.
Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo
representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a
um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma
pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia
social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai,
mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem
comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. Se algumas
vezes temos a pretensão de pensar e de exprimir-nos urbi et orbi, na realidade é claro
que vemos “a cidade e o mundo” através do prisma do meio social concreto que nos
engloba. Na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte
social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e
da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da
nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito (Bakhtin, 2006, p. 113-114 [1979]).
De maneira análoga, entendemos que os significados (e usos) conferidos às tecnologias e aos espaços arquitetônicos, bem como aos objetos que os povoam, também se inserem em relações dialógicas. O uso conferido a um tablet pode ser muito
semelhante ao uso conferido a um livro impresso, assim como uma sala de aula
futurística, sem paredes e equipada com mobiliário altamente tecnológico pode
1 Informação verbal apresentada na mesa redonda 3: MAMEDE-NEVES, M. A. A sala de aula do
século XXI. In: IV SIMPÓSIO DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA; III SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS E MATERIAIS DIDÁTICOS, 2013, Rio de Janeiro.
Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem
15
abrigar comportamentos similares àqueles do século XX (assim como usos inovadores de tecnologias em espaços tradicionais também são possíveis). A perspectiva
dialógica bakhtiniana nos faz pensar as interações e, consequentemente, nos instiga
a sermos críticos perante as falsas inovações, que parecem criar grandes mudanças,
mas apenas reproduzem as mesmas práticas sob nova roupagem.
Apesar de nossa desconfiança perante o otimismo vigente nos discursos que
defendem as inovações tecnológicas e arquitetônicas, reconhecemos o imperativo
de se rever as tecnologias e os espaços de ensino-aprendizagem como formas de
transformar e potencializar as práticas de ensino-aprendizagem. Porém, precisamos ponderar para distinguir quando as mudanças são necessárias, quando são
inócuas e quando podem se tornar obstáculos a processos já constituídos.
Martín-Barbero identifica uma mudança cultural e política a partir da ascensão da cultura massificada na sociedade de consumo que subverte uma ordem
anteriormente estabelecida e definida pelas oposições entre cultura erudita e popular. O autor reconhece que, apesar das diferenças de acesso aos bens culturais,
os meios de comunicação em massa cumprem um papel na socialização ao fazer
circular a comunicação entre os diferentes estratos sociais. Assim, identifica nos
meios de comunicação massivos a função mediadora, outrora situada na família
e na escola (MARTÍN-BARBERO, 2008 [1997], p. 66).
Portanto, Martín-Barbero (2008 [1997]) destaca a importância das mediações, afirmando que estas assumiram um papel crucial no processo comunicacional. O autor defende a perspectiva das mediações, entendendo que elas levam a
uma compreensão dos fenômenos massivos para além da abordagem culturalista
que os converte, inevitavelmente, em processos de degradação cultural. Em vez
de uma pesquisa centrada nos meios de comunicação – que, segundo o autor, se
baseia na lógica produtor-receptor –, Martín-Barbero defende uma pesquisa centrada nas mediações, partindo dos “lugares dos quais provêm as construções que
delimitam a materialidade social e a expressividade cultural” (p. 294).
Como uma das origens da relação entre o massivo e o popular, o autor destaca o desenvolvimento da literatura dita “de cordel” na Espanha ou colportage
na França que durante o século XVII, permitiu o acesso popular à cultura escrita.
Para Martín-Barbero, trata-se não apenas de um novo meio, mas de uma forma
de mediação, por criar uma literatura própria e com situações de consumo particulares, ainda que massificadas. Dentre as formas de consumo, por exemplo,
estaria a apropriação da leitura oralizada e partilhada com pessoas analfabetas, o
que coletiviza uma competência comumente entendida como individual.
Ainda no que diz respeito às práticas de leitura, encontramos tanto em Chartier (1990) como em Goulemot (1996) a noção de que a leitura não é apenas uma
habilidade de decodificar e compreender textos, mas envolve um conjunto de
16
Design para uma educação inclusiva
práticas sociais e significados. Chartier (1990) critica o que chama de uma “abordagem abstrata da leitura” e identifica, mediante o exame das práticas e representações, que a leitura corresponde a diferentes formas de apropriação ao longo
da história, sob influência de aspectos sociais e materiais e até mesmo de ações de
diferentes agentes. Já Goulemot (1996) entende a leitura como uma prática que
envolve uma série de elementos “fora-do-texto”, como as condições espaciais,
corporais e históricas, entre outras.
Ambos, Chartier e Goulemot, concentram suas investigações acerca do livro e da leitura para além dos meios, trazendo informações e tecendo reflexões
sobre as mediações. As considerações produzidas por esses historiadores da
leitura nos fornecem um ponto de partida para refletir sobre a arquitetura e a
tecnologia na sala de aula: os meios em si não são suficientes, também precisamos observar as práticas.
É a partir desse viés que entendemos e observamos as pesquisas apresentadas
e discutidas no grupo grupo de trabalho (GT) “Tecnologias & Espaços: mediações de ensino-aprendizagem” que integra o evento SILID/SIMAR. Acreditamos
que os trabalhos discutidos contribuem para aprofundar a investigação do papel
das mediações nas práticas escolares, tanto no que se refere aos aspectos materiais
quanto nos aspectos humanos. Imbuídos desta perspectiva, buscaremos sintetizar
a seguir as perspectivas apresentadas e discutidas pelos participantes (pesquisadores e professores)2 ao longo do GT.
ESPAÇO: ARQUITETURA, OCUPAÇÕES E MEDIAÇÕES
Ao problematizarmos as relações no espaço, devemos considerar não apenas
os responsáveis pelos projetos (arquitetos e designers), mas também os agentes
e as ações que ali se realizam. Nesse sentido, entendemos o espaço no sentido
conferido pelo geógrafo Milton Santos, que o define como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações” em interação (SANTOS, 2006
[1966], p. 12). Ou seja, adotamos uma perspectiva de interdependência entre os
aspectos materiais e os aspectos sociais.
No que tange à arquitetura, parte dos trabalhos apresentados no GT dá conta da importância da configuração espacial nas práticas de ensino-aprendizagem.
As pesquisas expressam a preocupação com as relações interpessoais que se desenvolvem nesses espaços e, principalmente, com as concepções institucionais e
2 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos
os autores de comunicação que participaram dos GT, os resumos de seus trabalhos poderão
ser acessados em <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20
de%20Resumos%20V%20SILID%20IV%20SIMAR%202015.pdf>.
Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem
17
pedagógicas que os fundam e/ou participam deles. A perspectiva corrobora a afirmação de Juarez Dayrell de que “o espaço arquitetônico da escola expressa uma
determinada concepção educativa” (DAYRELL, 1996, p. 147).
Durante as discussões, foram descritas situações que problematizam o projeto
arquitetônico, tanto em casos em que se pretende mobilizar mudanças nas práticas
escolares quanto em casos em que as propostas contrariam e frustram as expectativas e necessidades de professores e alunos. Os casos apresentados sinalizam uma
necessidade de maior diálogo entre os agentes envolvidos na concepção e no uso
dos espaços, o que corrobora a reflexão de Kowaltowski (2011) de ser preciso que
os projetistas possam ir além de suas próprias formações, aproximando-se, assim,
da educação, para que o espaço escolar possa potencializar o ensino-aprendizagem.
O estudo apresentado no GT por Adolfo Tanzi Neto analisa a questão do
espaço arquitetônico da sala de aula a partir de casos no país e no exterior. O
autor identifica como uma questão a pluralidade de projetos que buscam transformar a sala de aula tradicional por diversos meios: alterando a disposição
dos objetos, o mobiliário, sua organização, sua estrutura e o projeto do próprio
edifício. Porém, conforme observado, nem toda tentativa de mudança tem seu
sucesso garantido, especialmente quando as mudanças espaciais não dialogam
com os sujeitos envolvidos.
Algumas pesquisas recentes demonstram que a qualidade de iluminação, ventilação, som e temperatura afetam diretamente o desempenho dos alunos (CANNON DESIGN; BRUCE MAU DESIGN; VC FURNITURE, 2010; CHERYAN
et al., 2014). Apesar disso, algumas mudanças promovidas no espaço de sala de
aula não são necessariamente compreendidas como bem-vindas. Um exemplo é a
discussão acerca das salas de aulas sem paredes em instituições britânicas: embora
haja a percepção de que as open schools promovem mudanças nas práticas de
ensino-aprendizagem, como a redução da hierarquia e a ampliação da flexibilidade e interatividade entre professores e alunos, ainda há carência de estudos sobre
a adaptação dos professores a esses espaços, considerando que, na maioria das
vezes, eles não passaram por uma formação que os preparasse para o desenvolvimento de práticas na estrutura diferenciada proposta tampouco encontraram em
suas formações espaço para a reflexão acerca dela. De acordo com Alteror e Deed
(2013), há queixas dos professores não somente a respeito do grau de exposição e
de interferência de barulho externo, como também da condição de perda de autoridade gerada pela ruptura com o espaço tradicional- queixas que se manifestam
pelo senso de deslocamento e pela sensação de ansiedade relatados.
Outra questão que envolve as mediações do espaço da sala de aula diz respeito às formas de ocupação. Nesse sentido, o estudo apresentado por Michel
Montadon evidencia a regularidade e a repetição na proposição de ocupação do
espaço escolar durante um curso de formação docente.
18
Design para uma educação inclusiva
O trabalho também mostra a clara distinção hierárquica na constituição dos
agrupamentos na hora de se sentar, ressaltando que a escolha de ocupação diferenciava os professores cursistas dos formadores.
A pesquisa nos chama atenção para a cristalização de determinados comportamentos e para os usos conferidos ao espaço sala de aula, reproduzidos até mesmo
pelos professores quando se encontram na condição de alunos. Aparentemente, alguns obstáculos que se interpõem à mudança de práticas não têm origem na ausência
de condições materiais (como a falta de espaços e tecnologias adequadas), mas nos
próprios hábitos e na consequente reprodução por parte dos professores de práticas
já preestabelecidas, pois, conforme afirma Perrenoud (1999, p. 6), a relação educativa
“obedece a uma trama bastante estável” e seu trabalho instala-se em rotinas.
Como exemplo contrário, vemos no trabalho apresentado por João Paulo Cabrera a maneira como as relações de ensino e aprendizagem se transformam tanto
no uso do espaço da sala de aula como na incorporação das tecnologias digitais. O
pesquisador descreve sua experiência no ensino de Alta Política e mostra uma mudança na percepção sobre a atividade de ensino ao dividir as responsabilidades entre os alunos para simular o funcionamento de organismos internacionais. Durante
a dinâmica, o espaço da sala de aula se descaracteriza: parte das tarefas é desenvolvida a distância com auxílio das tecnologias digitais, e a hierarquia professor-aluno
é descontruída na medida em que os alunos assumem responsabilidades e delegam
atividades. Com isso, a percepção dos alunos sobre a aula é alterada.
O trabalho destaca como mudanças nas práticas de professores e alunos mediadas pelos espaços e tecnologias permitem alterar a percepção de ensino. Mais
uma vez, não se trata apenas de uma transformação de ordem material e tecnológica, afinal o uso alternativo dos espaços e tecnologias não foi apresentado como
protagonista da mudança. Trata-se, portanto, de uma mudança de práticas pedagógicas que, nesse caso, eram mediadas pelo uso conferido dos recursos disponíveis. O próprio pesquisador destacou que, fomentada pela vivência nas redes virtuais, a demanda dos alunos contemporâneos é por atividades mais participativas
e colaborativas, portanto a educação deve se dar mediante a construção conjunta.
Outra discussão empreendida no GT deu conta de que mesmo as gerações
habituadas aos espaços virtuais não possuem, necessariamente, uma aversão
pelas atividades físicas. O trabalho apresentado por Andreza Santana de Abreu
Silva3 mostra que, apesar de os alunos estarem imersos na cultura digital, as expectativas de lazer não são estritamente relacionadas às tecnologias eletrônicas,
3 O artigo intitulado “As influências das transformações midiáticas e tecnológicas no tempo e
espaço de lazer dos alunos na Escola Municipal São Luiz” está disponível em: <http://www.
proceedings.blucher.com.br/article-details/as-influncias-das-transformaes-miditicas-e-tecnolgicas-no-tempo-e-espao-de-lazer-dos-alunos-na-escola-municipal-so-luiz-22584>.
Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem
19
individualizadas e virtuais, mas que ainda há espaço para a atividade física e
coletiva. Ao entrevistar seus alunos, a professora afirmou contrariar as próprias
expectativas ao se deparar com resultados que afirmavam a diversidade de interesses dos estudantes.
No caso apresentado notamos que a investigação contrariou as expectativas, além de destacar a importância de se estabelecer um diálogo mais próximo
entre professores e alunos. As práticas de ensino e aprendizado são permeadas
por discursos que, por vezes, são alheios à experiência escolar e podem reforçar,
desnecessariamente, o imperativo da mudança pelo uso das novas tecnologias.
Nesse sentido, frisamos o papel de atitudes críticas e práticas reflexivas, de modo
a evitar a incorporação automática de noções que não encontram eco no cotidiano dos agentes envolvidos.
Os estudos apresentados no GT dialogaram substancialmente com o conceito
de espaço no sentido amplo conferido por Milton Santos (2006 [1966]), não se
limitando apenas aos aspectos físicos, mas dizendo respeito tanto aos objetos que
lá se inserem e aos usos que lhes são conferidos como às práticas que lá se realizam.
TECNOLOGIAS: LEITURA, USOS E MEDIAÇÕES
Se Milton Santos nos leva a refletir sobre o espaço num sentido amplo, também nos faz questionar o determinismo tecnológico. O geógrafo chama atenção
sobre a técnica ao afirmar que “cada nova família de técnicas não expulsa completamente as famílias precedentes, convivendo juntas” (SANTOS, 2006 [1966],
p. 125-126). Todavia, a “unicidade técnica” se daria pela hegemonia global de
um sistema de técnicas que se impõem às demais.
Apesar de a contaminação entre técnicas ter ocorrido desde que os primeiros
grupos humanos entraram em contato, Santos (2006 [1966]) identifica a universalidade técnica como uma realidade. Tal universalidade seria um fenômeno
contemporâneo que faz parte de todos os lugares sem defasagem notável; que dá
lugar a ações com conteúdo também universal; e seus objetos técnicos, universalmente presentes, “existem numa situação de interdependência funcional, igualmente universal” (SANTOS, 2006 [1996] p. 126).
Embora a ideia de Santos tenha sido apresentada em um contexto em que os
computadores pessoais e a internet ainda não haviam se desenvolvido e popularizado, podemos fazer um paralelo dessa universalização de técnicas com a ideia da
“sociedade em rede” de Castells (2002). Portanto, embora nem todas as pessoas
estejam presentes em redes, estas influenciam a todos, globalmente. Assim, a unicidade técnica, especialmente com a disseminação global da conexão em redes, influencia diversos níveis da atuação social, entre elas, e principalmente, a educação.
20
Design para uma educação inclusiva
Apesar da unicidade técnica que nos levou a uma sociedade em rede, na qual
a cultura passou a ser mediada pela comunicação digital (ou cibercultura), devemos ter em perspectiva que o acesso e as formas de apropriação das tecnologias
não se dão de maneira igualitária. De acordo com García-Canclini (2009 [2005]),
os processos desiguais, pelos quais o chamado “multiculturalismo” se insere e
reproduz, criam uma falsa impressão de convivência e inclusão promovida pela
sociedade de consumo e pela comunicação de massa. O autor tece críticas a essa
perspectiva, denunciando novas formas de marginalização e de conflitos e chamando atenção para os “diferentes, desiguais, desconectados” como uma parcela
significativa que não deve ser ignorada.
Além disso, as apropriações sobre a cultura digital se dão, muitas vezes, de
maneiras desiguais. No estudo de Marcio José de Lima Winchuar vemos que,
mesmo com acesso a recursos tecnológicos como os laboratórios de informática,
há resistência dos professores em adotar novas práticas pedagógicas. O autor
identifica, por um lado, algumas contradições, especialmente no que diz respeito
ao ensino dos gêneros digitais como a comunicação via e-mail, que acabam sendo
trabalhados pelos professores apenas nos livros, não sendo postos em prática nos
seus contextos originais; por outro lado, ele sustenta que atividades que buscaram
explorar esse potencial e se distanciam da expectativa tradicional de ensino, como
ausência de notas no quadro de giz ou no caderno, implicam cobrança por parte
dos pais dos alunos.
A pesquisa nos leva a pensar a questão das mediações tecnológicas ao entendermos que, mesmo que os diferentes agentes (professores, pais e alunos) já
estejam inseridos em uma cultura mediada pelas tecnologias digitais, ainda há
resistência em incorporar essas práticas no cotidiano escolar. Parte da resistência
encontra-se centrada na reprodução de práticas já consagradas pelos professores,
que ainda não conseguem trazer para a sala de aula a esfera de suas vivências
cotidianas. Outra parte da resistência reside nas expectativas de professores, pais
e alunos no que diz respeito ao que se imagina ser a sala de aula, suas atividades,
seus protocolos de uso preconcebidos. A interação entre professores e alunos por
meio de tecnologias de comunicação mediadas por Computador enfrenta, ainda,
o desafio da inserção institucional, que pode, em alguns casos, levar a um engessamento, e, em outros, à informalidade; esta última condição resulta no não reconhecimento que inviabiliza as ações, tendo em vista a intensa carga de atividades
remuneradas de que o professor deve dar conta, enquanto as atividades mediadas
por computador não são reconhecidas como parte de seu trabalho.
Entretanto, as tecnologias envolvidas na mediação do ensino não estão somente
na internet, nas redes, mas permeiam o cotidiano escolar, seja na forma de referências às
tecnologias digitais utilizadas fora dos processos educativos, seja no uso de tecnologias
diversas, mesmo aquelas que já fazem parte desse contexto há muitas décadas.
Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem
21
Nesse viés, o trabalho de Renata Cadena e Solange Coutinho4 mostra que,
além dos problemas de infraestrutura, os professores ainda são pouco preparados
para lidar com o manejo das linguagens visuais, seja no quadro de giz, seja em apresentações digitais. O trabalho aponta, por um lado, para a reprodução de saberes
já conhecidos pelos professores que legitimam o uso das formas analógicas, como o
livro didático e o quadro, com seus benefícios para o aprendizado; por outro lado,
alguns professores ainda se intimidam perante o uso das tecnologias digitais. Com
isso, o trabalho reafirma a questão da resistência e da afinidade por parte de alguns
professores quanto aos usos das tecnologias na sala de aula, em contraponto a outros que possuem mais afinidade e aderem à utilização dos recursos visuais digitais
– por vezes, entretanto, sem a devida reflexão sobre a adequação do uso.
Ainda nesse estudo, Cadena e Coutinho afirmam, para além da hegemonia
do design para a qualidade material, a importância de uma formação em design
para os professores. Em diversas situações de sala de aula, quem lida cotidianamente com a produção de informações visuais, por vezes com insegurança, são
os próprios professores, e não os designers. Portanto, elas defendem o empoderamento dos professores mediante uma formação em design que lhes permita se
sentirem mais à vontade para trabalhar com as linguagens visuais.
Em articulação com esse pensamento o trabalho de Cristina Tinoco Teixeira
aponta a necessidade de desenvolver nos alunos o letramento visual, ressaltando
que tudo que se lê é visual. A leitura seria, portanto, composta de diversos modos
que se completam numa gestalt, quase sempre percebida como um todo, mas cujos
detalhes muitas vezes se perdem. A autora destaca a relevância de tal formação para
os alunos, mas também evidencia o desconforto dos professores em lidar com essas
competências devido à falta de capacitação. Nesse sentido, ela defende uma estrutura curricular que incorpore a leitura do visual às formas tradicionais praticadas.
Com o estudo, vemos que os meios de comunicação digital não contribuem
apenas para a circulação de textos, como também intensificam a circulação de
imagens. Diante disso, surge a necessidade de capacitar alunos e professores para
lidarem com a situação, a partir de uma formação crítica que fomente o olhar
sobre o discurso imagético. Mais uma vez, a relação entre professores e outros
agentes (artistas, fotógrafos, designers etc.) mostra-se importante para que possamos promover a partilha de conhecimentos acerca do discurso visual.
Todavia, a preocupação com a educação e a formação de leitores não se concentra apenas nas disciplinas ligadas à educação e às letras, mas tem aparecido também
4 O artigo intitulado “O professor e a elaboração de materiais didáticos gráficos para a visualização coletiva de informações” está disponível em http: <// www.proceedings.blucher.com.br/
article-details/o-professor-e-a-elaboracao-de-materiais-didaticos-graficos-para-a-visualizacao-coletiva-de-informacoes-22537>.
22
Design para uma educação inclusiva
em outras áreas. O estudo de Leonardo Martins e Jackeline Lima Farbiarz mostra as
preocupações em torno da formação de leitores em dispositivos móveis nos campos
do design, comunicação, ciência da informação e educação. O trabalho investiga as
tendências da produção sobre o livro digital e identifica a preocupação com a inserção tecnológica ligada ao contexto de aprendizado e interesse pela leitura.
Além de evidenciar as preocupações no que diz respeito à caracterização
das novas tecnologias, o estudo aponta para uma aproximação dos campos do
design, comunicação e ciência da informação com questões educacionais. Com
isso, observamos um esforço de diferentes disciplinas voltado para a formação
escolar e fomento à leitura, que incorpora outros agentes mediadores. Identificamos, a partir do estudo, o desafio de se promover uma maior interação entre
estas iniciativas em um esforço interdisciplinar que favoreça o trânsito entre os
conhecimentos, de forma que se tornem saberes mais integrados, complexos e
ligados entre si, conforme advogava Morin (ALMEIDA, M. C.; CARVALHO, E.
A.; MORIN, E., 2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos um importante avanço para o SILID/SIMAR a inclusão do
grupo de trabalho “Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem”.
Em primeiro lugar, devido à introdução de um importante eixo de investigação
acerca de materiais e recursos didáticos e por envolver diretamente as situações de
ensino-aprendizagem. Em segundo lugar, por implicar, já em seu nome, a temática
das mediações, que chama atenção para as práticas, os sujeitos e suas interações.
Finalmente, em terceiro lugar, por favorecer a troca de informações, experiências
e contatos entre os pesquisadores de diferentes áreas e instituições envolvidos na
mesma temática.
Ao longo do GT, identificamos convergências e divergências entre as pesquisas, mas principalmente uma complementaridade entre os trabalhos, em especial
eixos transversais de interesse para se tratar a temática das tecnologias e espaços
de ensino-aprendizagem.
Dentre os aspectos observados nos trabalhos, destacamos:
• a relação entre a disposição espacial, práticas pedagógicas e discurso
institucional;
• a crescente presença das tecnologias de comunicação digital nas escolas;
• os usos diversificados e desiguais das ferramentas de comunicação digital;
• as mediações tecnológicas nas práticas de ensino-aprendizagem;
• a inserção dos multiletramentos na perspectiva curricular;
• os desafios na elaboração dos materiais didáticos.
Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem
23
Dentre os aspectos criticados nos trabalhos, destacamos:
• a cristalização das práticas de ensino-aprendizagem;
• a questão do engajamento entre os atores envolvidos na educação;
• a subvalorização ou não reconhecimento de uma cultura digital;
• os preconceitos e a falta de conhecimentos dos professores acerca de determinadas competências e das preferências de seus alunos; e
• a desigualdade na distribuição dos recursos tecnológicos.
Os estudos e discussões encontram-se em diferentes etapas de desenvolvimento e evidenciam mais casos particulares do que generalidades. Nesse sentido,
dizem respeito à partilha de experiências docentes e de pesquisas concluídas ou
em realização que favorecem a troca, a discussão e a reflexão. Frente aos resultados observados, acreditamos que a abordagem dos trabalhos sob o viés da mediação nos pareceu não apenas importante, mas também necessária.
Um aspecto à parte que nos chamou atenção na discussão das tecnologias e
espaços foi a questão da oferta/escassez. Ao contrário das expectativas, a grande
maioria dos estudos não se ocupou de denunciar a presença ou a falta de recursos
tecnológicos e arquitetônicos, mas sim de analisar os usos conferidos aos materiais e às interações criadas. Houve, inclusive, relatos acerca do subaproveitamento dos recursos tecnológicos e arquitetônicos, que se encontravam disponíveis
mas não figuravam nas práticas de professores e alunos.
Enxergamos na preocupação com as práticas e interações entre os sujeitos,
em vez da denúncia sobre a falta de recursos, um aspecto positivo. Esse fator não
implica afirmar que as condições arquitetônicas, o mobiliário e a oferta de recursos tecnológicos sejam satisfatórios, mas mostra uma perspectiva orientada às
mediações. Entendemos que, para além da simples presença dos recursos tecnológicos, é importante investigar as práticas de ensino-aprendizagem e interações
que se dão com o que já existe e está presente nas salas de aula.
Portanto, defendemos a ampliação do diálogo entre os agentes envolvidos
dentro da sala de aula (professores e alunos) e fora dela (arquitetos, designers,
gestores, pais etc.). Acreditamos que o que ocorre no âmbito da sala de aula implica conhecimentos preciosos, que não devem ficar isolados. Do mesmo modo,
o projeto e o planejamento dos espaços e materiais não devem acontecer em
isolamento, pois corremos o risco de haver práticas que não se encontram representadas nos projetos e vice-versa. Logo, o diálogo, a pesquisa e o envolvimento
entre os agentes mostrou-se tanto um ponto comum entre os trabalhos quanto
um desafio a ser superado, que encontra nessas discussões uma importante contribuição.
24
Design para uma educação inclusiva
REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO
2
Tecnologias Digitais no
Ensino Superior:
das possibilidades e tendências
à superação de barreiras e
desafios
Cíntia Regina Lacerda Rabello,
Doutora, Universidade Federal Fluminense (UFF)
Kátia Cristina do Amaral Tavares,
Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
INTRODUÇÃO
As tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC), cada vez mais
inseridas no nosso cotidiano, trazem enormes transformações e desafios para a sociedade contemporânea. Entre as transformações, temos a alteração da relação espaço-temporal permitida pelo ambiente virtual, assim como novas práticas comunicacionais e novas relações sociais marcadas pelos recursos eletrônicos (LEMOS, 2003).
26
Design para uma educação inclusiva
Dentre os muitos desafios, vivemos o constante sentimento de defasagem ao tentar
acompanhar todas as transformações tecnológicas e seus efeitos na sociedade contemporânea, como a sobrecarga de informação e o excedente cognitivo (SHIRKY,
2011), além de distúrbios como a hiperconexão1 (TAYLOR, 2014).
Apesar desses desafios, as TDIC desempenham um papel fundamental na
produção e distribuição da informação, assim como nas relações entre os indivíduos no espaço virtual, fato que abre diversas possibilidades do ponto de vista
social, econômico e também educacional. O novo paradigma tecnológico emergente com a introdução da Web 2.0 permite que os usuários exerçam um papel
mais ativo na busca, produção e compartilhamento de informação em direção à
construção de conhecimento, permitindo que se vislumbrem novas abordagens
educacionais advindas de maior interação e colaboração entre alunos e professores em comunidades virtuais no ciberespaço.
No cenário contemporâneo de mudanças, a educação encontra um ambiente
favorável para uma mudança de paradigmas. As TDIC contribuem para essas
transformações uma vez que modificam radicalmente os ambientes e contextos
de aprendizagem, fazendo com que espaços formais de educação como a escola e
a universidade sejam repensados e ressignificados, proporcionando, assim, novas
possibilidades e perspectivas para uma educação mais aberta, acessível e flexível.
Ao mesmo tempo em que o avanço das TDIC abre novas possibilidades para
processos de ensino-aprendizagem formais e informais, despertando o interesse por novas abordagens e aplicações educacionais para o novo ferramental da
pós-modernidade, faz-se necessária a reflexão crítica sobre essas ferramentas e
seus impactos na sociedade contemporânea, uma vez que as tecnologias não são
neutras (LÉVY, 2010). Além disso, precisamos reconhecer que a mesma técnica
assume diferentes recursos e potencialidades e, dependendo do uso que damos
a ela, permite desvendar novos e promissores horizontes ou reproduzir antigos
modelos e práticas sob nova roupagem.
Bates e Sangrà (2011) destacam a tecnologia como componente essencial a
qualquer instituição universitária moderna, não apenas como meio para facilitar
processos administrativos, mas, principalmente, como forma de transformar os
processos de ensino-aprendizagem. De acordo com os autores:
Embora as missões centrais das faculdades e universidades sejam ainda mais relevantes nos dias de hoje, se estas quiserem responder adequadamente aos desafios
que estão enfrentando, mudanças radicais são necessárias na sua organização e no
1 Taylor define esse distúrbio como caracterizado pelo sentimento de precisar estar conectado o
tempo todo e pelo fato de, apesar das tecnologias, estarmos trabalhando cada vez mais e nada
ser suficientemente rápido.
Tecnologias digitais no Ensino Superior
27
desenho e entrega de ensino. A integração da tecnologia e seu uso para transformar
o ensino e aprendizagem são estratégias-chave para tal mudança (Bates; Sangrà,
2011, p. xix, tradução nossa)
No entanto, para assegurar que a integração das TDIC seja capaz de ocasionar a mudança no contexto universitário como proposto pelos autores, faz-se necessário conhecer as possibilidades, barreiras, desafios e tendências que se
impõem a essa integração. Este artigo, vinculado a uma pesquisa de doutorado
que buscou investigar a integração das tecnologias digitais em uma universidade
federal (RABELLO, 2015), tem como objetivo refletir sobre algumas possibilidades, tendências, barreiras e desafios para a integração das tecnologias digitais no
ensino superior de forma a promover mudanças significativas nos processos de
ensino-aprendizagem na educação contemporânea.
POSSIBILIDADES DAS TDIC PARA O ENSINO SUPERIOR
Ao pensarmos a integração das tecnologias digitais no ensino superior, precisamos questionar, antes de tudo, quais as possibilidades e reais benefícios relacionados a ela. Uma das principais possibilidades apontadas por diversos autores
(BATES; SANGRÀ, 2011; GIKAS; GRANT; POLLY, 2011; KELLNER, 2000;
RENES; STRANGE, 2011) é o potencial transformador das TDIC, que possibilitam novas abordagens e pedagogias inovadoras, modificando as práticas de
ensino-aprendizagem. A esse respeito, Laurillard (2007) ressalta a necessidade
vigente de o ensino superior atender às demandas da sociedade do conhecimento
ao aproveitar o máximo das possibilidades que as TDIC oferecem para conduzir
o processo de ensino-aprendizagem a uma nova era.
Bates e Sangrà (2011) defendem o uso da tecnologia no ensino superior
visando atender três objetivos: (1) melhorar a qualidade do ensino; (2) ampliar
o acesso à universidade; e (3) melhorar a relação entre custo e eficácia das universidades. Em relação às possibilidades para os processos de ensino-aprendizagem, os pesquisadores destacam quatro razões para a utilização das tecnologias
digitais. A primeira delas seria melhorar a qualidade do ensino e aprendizagem
ao exigir a construção de novos modelos baseados nas possibilidades que as tecnologias oferecem, e não apenas na utilização das novas tecnologias em velhas e
tradicionais práticas de transmissão de conteúdo. A segunda razão seria atender
ao estilo de aprendizagem dos alunos na sociedade contemporânea, que sofre
grande impacto com a utilização das TDIC. A terceira razão diz respeito à ampliação do acesso às oportunidades de aprendizagem e aumento da flexibilidade
para os estudantes, desafios fundamentais para a universidade na atualidade.
E, por fim, como quarta razão, os autores alegam que as TDIC podem e devem
ser utilizadas para desenvolver as habilidades e competências necessárias para
28
Design para uma educação inclusiva
o século XXI, como o letramento digital e informacional, a comunicação interpessoal, o pensamento crítico e a solução de problemas, entre outros.
Os autores destacam diferentes tecnologias que podem ser utilizadas de modo
a transformar os modelos de ensino, como a internet, a comunicação mediada
por computador (CMC), a web, os sistemas de gerenciamento da aprendizagem
(SGA); tecnologias de comunicação síncrona como Skype e Adobe Connect; e ferramentas da Web 2.0, como blogs, wikis, redes sociais e colaborativas, arquivos
multimídia e portfólios eletrônicos (e-portfolios), mundos virtuais, simulações e
jogos, aprendizagem móvel e recursos educacionais abertos (REA).
Os autores também apresentam uma análise das principais tecnologias da
Web 2.0 sob uma perspectiva educacional, organizando-as conforme o caráter
objetivista ou construtivista de cada ferramenta e a relação de poder em relação
ao professor e ao aluno. Segundo os autores, por um lado, tecnologias como blogs, Facebook, YouTube, wikis, jogos, portfólios digitais, entre outras, permitem
processos de ensino-aprendizagem mais informais a partir dos quais os alunos
possuem maior controle sobre as ferramentas e a construção do conhecimento.
Por outro lado, tecnologias como SGA (como Moodle), palestras online e simulações conferem maior controle ao professor sendo utilizadas de maneira mais
formal e sob uma perspectiva objetivista.
Assim, tecnologias que permitem um maior controle por parte do aluno e
que seguem uma perspectiva construtivista do processo de aprendizagem são
aquelas que, ao ampliar o espectro de interações, podem contribuir para processos de aprendizagem mais condizentes com as características da cibercultura, ou
seja, comunicação, colaboração, compartilhamento de experiências, construção
coletiva de conhecimento, entre outras.
Mason e Rennie (2008) e Mattar (2013) reconhecem o quanto a Web 2.0 vem
transformando os ambientes de aprendizagem e ampliando as possibilidades educacionais formais e informais. Os autores propõem a utilização de plataformas de
redes sociais como ferramentas pedagógicas no ensino, considerando softwares sociais, como Wikipédia, marcadores, blogs, RSS, podcasts, e-portfolios e ferramentas
síncronas de áudio e compartilhamento de tela, além dos sites de redes sociais (SRS);
estas ferramentas são relevantes para a educação, uma vez que constituem meios para
o desenvolvimento da inteligência coletiva, promovendo a interação e a criação de
conteúdo pelo usuário. Essas características podem ser utilizadas no ensino superior
de forma a promover o desenho de cursos presenciais, online, a distância ou híbridos
que sejam centrados no aluno e que promovam a aprendizagem social e colaborativa.
Moran (2013) destaca a utilização de tecnologias digitais para estimular
alunos a realizarem pesquisas e atividades desafiadoras, combinando tarefas integradas dentro e fora da sala de aula, ampliando, assim, os locais e contextos
Tecnologias digitais no Ensino Superior
29
de aprendizagem. O autor também defende a expansão da educação a distância
como estratégia para a realização de mudanças profundas na educação, reduzindo “a defasagem educacional através do uso intensivo de tecnologias em rede,
da flexibilização dos tempos e espaços de aprendizagem, da gestão integrada de
modelos presenciais e digitais” (MORAN, 2013, p. 2).
No entanto, apesar de reconhecerem o potencial das tecnologias digitais para a
promoção de práticas inovadoras e transformação dos processos de ensino-aprendizagem no ensino superior, diversos autores (BATES; SANGRÀ, 2011; BLIN; MUNRO, 2008; KIRKWOOD; PRICE, 2014; LAURILLARD, 2007; SELWYN, 2007)
reconhecem que, muitas vezes, essas tecnologias são subutilizadas, convergindo
para a manutenção de velhas práticas. A esse respeito, Bates e Sangrà afirmam que
Temos hoje um caldeirão fervendo com novas tecnologias, e o desenvolvimento
tecnológico tem conduzido a novas abordagens para o ensino e aprendizagem. No
entanto, percebemos que a reação das universidades e faculdades tem sido ultraconservadora, preocupando-se em proteger e aprimorar o modelo tradicional de ensino
e aprendizagem, mesmo que o contexto da educação superior tenha mudado drasticamente (p. 51, tradução nossa).
Dadas as inúmeras possibilidades de criação, colaboração, autoria e construção de conhecimento, cabe à universidade o desafio de quebrar a fixidez funcional2 de algumas tecnologias já utilizadas e buscar outras possibilidades, criando
novos paradigmas, conforme veremos a seguir.
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS EM TECNOLOGIAS DIGITAIS
NO ENSINO SUPERIOR
Ao pensar a integração das TDIC ao ensino superior, precisamos considerar
que muitos alunos já utilizam essas tecnologias dentro e fora da sala de aula, tanto
na vida pessoal quanto na acadêmica, mesmo que de forma superficial e inconsciente. Nesse sentido, a universidade precisa se adequar à realidade, utilizando as
possibilidades e potencialidades de diferentes tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem. Dada a alta velocidade de transformação e avanços tecnológicos na
era digital, faz-se necessário acompanhar as principais tendências sobre a utilização
de TDIC pelos alunos e a sua incorporação à educação. A esse respeito, Lévy nos
lembra que “muitas vezes, enquanto discutimos sobre os possíveis usos de uma
dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram” (2010, p. 26). Portanto,
é essencial estarmos atentos às tendências e abertos às inovações.
2 Koehler e Mishra (2008) definem a fixidez funcional como “a maneira pela qual as ideias que
temos sobre determinado objeto nos impedem de utilizá-lo para outra função” (p. 6).
30
Design para uma educação inclusiva
O NMC Horizon Report é um relatório anual desenvolvido pelo New Media
Consortim (NMC) em parceria com a EDUCAUSE Learning Initiative (ELI), que
investiga as principais tendências em tecnologias e/ou práticas educacionais na educação básica e superior e na educação para museus em diferentes países. Em sua edição
sobre ensino superior no ano de 2014 (ADAMS et al., 2014a), o relatório aponta seis
tecnologias emergentes que terão grande impacto no ensino superior nos próximos
cinco anos: a adoção da sala de aula invertida; a análise da aprendizagem por meio
de dados gerados pelo usuário; a adoção de impressoras 3D; a utilização de jogos e a
“gamificação” do ensino; e a utilização de tecnologias de quantified self3 e assistentes
virtuais, permitindo maior personalização do ensino e aprendizagem.
O relatório apresenta também seis tendências em metodologias para o ensino
superior com base nos avanços tecnológicos. Duas tendências rápidas apontadas pelo
documento, com previsão de adoção de até um ano, são a crescente ubiquidade das
redes sociais, cada vez mais integradas à vida cotidiana dos estudantes e ao contexto
universitário, e a integração do aprendizado online, híbrido e colaborativo. As tendências de médio alcance, com adoção entre dois e três anos, são o crescimento da aprendizagem e avaliação baseada em dados, intimamente relacionada aos avanços de tecnologias de análise da aprendizagem, e mudanças de alunos como consumidores para
alunos como criadores, ou seja, em vez de apenas consumirem informações disponíveis
na web, os alunos passam ao papel de autores, criando seus próprios conteúdos; essas
duas tendências apontam para uma maior centralidade do estudante no processo de
ensino-aprendizagem, que implica maior participação ativa e autorial. Por fim, uma
tendência de longo alcance, com adoção prevista entre quatro e cinco anos, constitui
abordagens ágeis para mudança, ou seja, a utilização de modelos de startup ágeis para
a liderança institucional e currículo, de forma a promover mudanças e uma cultura de
inovação. Outra tendência é a evolução do aprendizado online, que com o avanço de
tecnologias como análise da aprendizagem e quantified self, poderá oferecer melhores
oportunidades de aprendizagem personalizada e adaptativa.
Já o Panorama Tecnológico NMC 2014 – Universidades Brasileiras (ADAMS et al., 2014b) apresenta doze tendências em termos de tecnologias para o ensino superior no contexto brasileiro. Verificamos grande correspondência entre as
tendências apontadas pelo documento nacional e as tendências mundiais, como
a metodologia de sala de aula invertida, a utilização de jogos e “gamificação” do
3 Tecnologias que coletam dados sobre o usuário de forma, acompanhando de perto as informações
mais relevantes para suas atividades diárias, analisando métricas pessoais e oferecendo um maior
controle sobre a gestão dessas atividades, por exemplo, vários aplicativos móveis utilizados em
atividades físicas e dietas alimentares. No campo educacional, essas tecnologias podem oferecer
aos alunos um maior controle sobre sua aprendizagem, monitorando atividades e desempenho e
ajudando a traçar planos de estudos personalizados.
Tecnologias digitais no Ensino Superior
31
processo de ensino-aprendizagem e a utilização de softwares de análise da aprendizagem e de assistentes pessoais. Outras tendências destacadas pelo documento
que já são realidade em diversos países são a aprendizagem online e a aprendizagem móvel, a utilização de laboratórios remotos e virtuais, materiais de conteúdo
aberto (recursos educacionais abertos – REA), softwares de realidade aumentada
e de inteligência de localização (GPS) e a internet das coisas.
Em consonância com as principais tendências mundiais, as aprendizagens online e híbrida apresentam-se com forte presença, demonstrando rápida evolução
e crescimento no contexto brasileiro. Também o papel dos educadores é alterado,
fazendo com que se repense a forma como as aulas são ministradas, a fim de promover práticas de ensino-aprendizagem mais ativas e independentes. Em médio
prazo, a oferta de cursos online tende a se intensificar e diversificar e as redes
sociais tendem a desempenhar um papel mais ativo nessa aprendizagem, transformando os estudantes criadores e autores de conteúdo, em vez de meros consumidores de informação. Por fim, no longo prazo, o documento prevê a adoção de
modelos rápidos, tanto no desenvolvimento de currículos quanto na liderança institucional, a reinvenção do computador pessoal, que hoje se apresenta em formas
mais compactas e portáteis como smartphones e tablets, e também novas formas
multidisciplinares de pesquisa com tecnologias e metodologias inovadoras.
BARREIRAS E DESAFIOS PARA A INTEGRAÇÃO DAS TDIC
NO ENSINO SUPERIOR
São muitas as barreiras que impedem ou dificultam a integração das TDIC
na educação e no ensino superior. Rogers (2000) reconhece a existência de uma
combinação de diferentes fatores socioculturais para a plena adoção das tecnologias digitais na educação e os classifica como oriundos de fontes internas e
externas. Como barreiras internas, a autora inclui as atitudes ou percepções dos
professores em relação à tecnologia e o nível de competência para seu uso. Já
as barreiras externas incluem a disponibilidade e acessibilidade à infraestrutura
necessária, a presença de suporte técnico especializado, apoio institucional, e
programas de formação continuada de professores para utilização das TDIC. A
autora inclui, ainda, dois fatores que atravessam as fontes internas e externas e
dizem respeito à falta de tempo dos docentes para participarem de programas
de formação continuada para esse fim e também para desenharem novas atividades, materiais e metodologias afinados com as tecnologias digitais. Nesse sentido, a autora conclui que, apesar de o investimento para inserção das tecnologias digitais constituir geralmente o principal foco de planejamento tecnológico
das instituições, o investimento inadequado, voltado apenas para a compra de
equipamentos tecnológicos, e não para o desenvolvimento profissional do cor-
32
Design para uma educação inclusiva
po docente para sua utilização, é geralmente desperdiçado, contribuindo para
atitudes negativas em relação à tecnologia, que, por fim, constituem a principal
barreira para sua integração aos processos de ensino-aprendizagem.
No contexto universitário, especificamente, Batson (2010) apresenta diferentes razões ou causas que conduzem à não utilização ou mesmo à utilização não
apropriada das TDIC. Em primeiro lugar, o autor menciona o espaço físico da
sala de aula, que, na maioria das universidades, é desenhado para aulas expositivas. Paralelamente, o autor destaca que os próprios alunos e responsáveis trazem
expectativas desse tipo de aula tradicional, fazendo com que a mudança para
outros modelos, menos convencionais e que exigem uma participação mais ativa
dos alunos, seja considerada com descrença e suspeita por parte dos estudantes.
Outro ponto que o autor levanta como importante contribuição para a não adoção da tecnologia é o currículo, que, muitas vezes, reflete métodos tradicionais de
ensino, bem como os processos de revisão e avaliação pelo próprio corpo docente,
que não favorecem ou reconhecem a inovação com o uso de tecnologias.
Bates e Sangrà (2011) incluem duas outras barreiras significativas que envolvem especificamente a atividade docente universitária. A primeira diz respeito à
valorização da pesquisa em detrimento do ensino nas universidades, o que leva ao
baixo investimento na formação do corpo docente para o ensino e menos ainda
para o ensino com tecnologias. Ou seja, uma vez que há uma grande demanda
por pesquisas e publicações nas universidades, essas atividades são priorizadas
em detrimento do ensino e do desenvolvimento profissional para este fim. A segunda barreira, também apontada por Pretto e Riccio (2010) e por Pesce e Bruno
(2013), diz respeito à falta de formação pedagógica de muitos professores de nível
superior, que, embora sejam especialistas no campo de conhecimento específico,
na maioria das vezes não possuem formação mais sólida no campo educacional.
Os autores ressaltam que esse desafio é ainda aumentado com o crescente envolvimento dos docentes na oferta de cursos a distância, em expansão em muitas universidades, sem que o professor tenha conhecimento sobre o ensino mediado por
tecnologias ou mesmo nas áreas de docência online e educação a distância (EAD).
Quanto à formação de professores para o uso das tecnologias, Bates e Sangrà
ressaltam a necessidade de capacitação sistemática no ensino com tecnologias para
todo o corpo docente. Essa capacitação, segundo os autores, deve ir além de saber
utilizar as SGA ou plataformas de webconferência e o uso da tecnologia precisa ser
combinado com uma compreensão profunda sobre educação (pedagogia) e análise de diferentes abordagens de aprendizagem e modelos de ensino adequados às
TDIC. Nesse sentido, tanto a formação inicial quanto a continuada desempenham
importante função na integração dessas tecnologias ao ensino superior.
Como grande desafio à integração bem sucedida das tecnologias digitais no ensino
superior, os autores reconhecem a resistência das instituições de nível superior em aceitar
Tecnologias digitais no Ensino Superior
33
novos paradigmas, uma vez que o conceito de universidade tem permanecido inalterado por mais de 800 anos. Apesar de hoje a universidade enfrentar fortes pressões por
mudanças mais profundas, os autores admitem que essas mudanças são lentas, principalmente nas instituições públicas, fato que também é observado no cenário brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na cultura contemporânea, na qual variadas tecnologias permeiam nosso
cotidiano, impondo diversas mudanças na sociedade, fazem-se necessárias profundas transformações nos processos educacionais, a fim de empoderar os cidadãos para o uso das tecnologias digitais. Nesse sentido, Kenski (2013) reforça a
necessidade de um novo modelo de formação docente, de forma que o avanço tecnológico seja articulado com mudanças no ensino, propiciando, assim, que a utilização das tecnologias digitais no contexto educacional leve à mudança de práticas
e aos processos inovadores condizentes com as demandas da cibercultura.
Sangrà (2012) reconhece que um dos grandes desafios que se coloca às universidades é aproveitar as potencialidades da web social para desenvolver novos
modelos de ensino e aprendizagem baseados na colaboração e interação, oferecendo maior abertura e flexibilidade, sem abrir mão do rigor e da qualidade.
Esse modelo, em vez de se fundamentar no conteúdo e materiais, como em cursos
tradicionais, deverá se basear na interação e na relação entre os participantes. No
entanto, é perceptível que muitas universidades no Brasil ainda se apresentam
distantes do ideal de utilização e integração dessas tecnologias. Dificuldades de
infraestrutura, como acesso à rede de internet sem fio (Wi-Fi) e compra de equipamentos como computadores, projetores multimídia e/ou quadros interativos,
além da falta de formação docente apropriada para a utilização crítica dessas tecnologias, limitam seu uso, na maior parte das vezes, a processos de transmissão de
conteúdos por meio de apresentações multimídia e/ou utilização de plataformas
digitais como repositórios de materiais didáticos.
Apesar das tendências apontadas pelo NMC Horizon Report, percebe-se ainda uma lenta inserção das tecnologias digitais no contexto universitário brasileiro,
seja pela falta de investimento em infraestrutura e equipamentos ou pela falta de
conhecimento acerca das possibilidades dessas tecnologias e da formação docente
para essa integração. No entanto, não podemos negar que as tecnologias digitais se
fazem cada vez mais necessárias nesse contexto. Com o processo de globalização
e de internacionalização das universidades, precisamos estar atentos às tendências
mundiais no setor, de forma a integrar as tecnologias e oferecer processos educacionais inovadores em consonância com as principais tendências internacionais.
Para isso, Bates e Sangrà (2011) apontam para a necessidade de um plano
estratégico, complexo que tenha como base três princípios: tecnologia, organiza-
34
Design para uma educação inclusiva
ção e pedagogia. Portanto, apenas o investimento na compra de recursos tecnológicos como computadores e projetores multimídia não trará as mudanças de que
a universidade precisa. É necessário o investimento em infraestrutura adequada
(acesso à internet banda-larga, conexão Wi-fi de boa qualidade e suporte tecnológico adequado), mas, principalmente, no desenvolvimento profissional do
corpo docente para a utilização pedagógica e crítica das tecnologias digitais nos
processos de ensino-aprendizagem, de forma a criar processos de inovadores e
transformadores, provocando mudanças significativas no ensino superior.
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CAPÍTULO
3
Dispositivos móveis em
ambientes didáticos
Marcelo Fernandes Pereira,
Doutor, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
INTRODUÇÃO
O acelerado progresso tecnológico em que estamos inseridos nos apresenta
novas possibilidades de colaboração interpessoal. Pesquisar, criar, catalogar, armazenar e compartilhar dados são atividades frequentes em nosso dia a dia – dos
primeiros computadores portáteis aos celulares inteligentes dos dias de hoje, chegamos a uma realidade onde nossa preocupação não está mais no meio físico de
armazenamento das informações, mas em como acessá-las e compartilhá-las de
modo eficiente e seguro sempre que necessário.
É neste cenário que os atuais alunos de nossas escolas e universidades estão inseridos. Em seus cotidianos, estão acostumados a utilizar seus dispositivos
móveis para compartilhar uma grande variedade de informações com amigos e
familiares; e, em seus futuros profissionais, muitos trabalharão diariamente com
ferramentas colaborativas digitais.
38
Design para uma educação inclusiva
Os estudantes de hoje convivem com uma gama variada de tecnologias de
comunicação digital, a partir da qual ferramentas que eram consideradas mera
curiosidade passaram a fazer parte de nosso cotidiano. Gradativamente, essas ferramentas estão migrando da esfera do lazer para o ambiente profissional, otimizando os trabalhos colaborativos de um modo sem precedentes em nossa história.
Entretanto, as metodologias de ensino habitualmente aplicadas no ambiente educacional não acompanharam o avanço das tecnologias de informação.
Ainda é raro encontrarmos alunos orientados a aplicar em suas atividades acadêmicas os recursos oferecidos pelos serviços e equipamentos que utilizam em
atividades de lazer e socialização.
Ao avaliar o uso de tecnologia como ferramenta educacional para adultos,
a pedagoga Andrea Filatro questiona, de modo geral, a relação entre o planejamento das atividades acadêmicas e a ineficiência do uso de tecnologia no ensino:
Se a tecnologia vem para enriquecer e facilitar o processo de ensino-aprendizagem, e
se os adultos são capazes, por si sós, aproveitar essas facilidades em sua prática profissional, nas atividades de lazer e até nas relações humanas mais íntimas, que fatores
produzem índices tão críticos em se tratando de tornar a educação mais eficaz? E
mais, se a tecnologia é boa para o trabalho, para a pesquisa, para o desenvolvimento
de comunidades, para conhecer pessoas, e se os adultos são autônomos para utilizá-la em seu proveito das formas mais criativas possíveis, o gargalo está na maneira de
planejar a utilização desta tecnologia para fins educacionais? (2004, p. 19)
Filatro sugere o estudo da relação entre as tecnologias de informação e os
métodos de ensino como forma de revitalizar a educação contemporânea:
Compreender de que forma as tecnologias de informação e comunicação contribuem
para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem representa uma oportunidade de redescobrir a natureza ímpar, insubstituível e altamente criativa da educação no processo de desenvolvimento humano e social (2004, p. 32).
Em uma realidade onde os jovens permanecem em contato constante uns com os
outros através de seus smartphones, as teorias de inteligência coletiva tornam-se cada
vez mais palpáveis. Ao mesmo tempo, os métodos de ensino convencionais mostram-se
pouco eficientes na preparação dos alunos para o aspecto prático da vida profissional.
Projetos são desenvolvidos por um número crescente de mentes trabalhando em conjunto, conectadas através de redes digitais cada vez mais eficientes. A capacidade intelectual
do indivíduo pode ser potencialmente ampliada quando as modernas ferramentas colaborativas o colocam em contato com o saber acumulado na nuvem computacional.
Hoje, é irrelevante questionar se os dispositivos móveis prejudicam o aprendizado. Para a sociedade atual, não são mais novidades que poderão mudar a
Dispositivos móveis em ambientes didáticos
39
forma como trabalhamos, eles já fazem parte de nosso cotidiano neste século
XXI. Saber utilizar as tecnologias de informação de modo produtivo pode ser um
importante diferencial na carreira de um profissional e o problema, portanto, está
em como adaptar as metodologias tradicionais de ensino para que elas possam
tirar proveito das ferramentas digitais de colaboração.
O ALUNO, A SALA DE AULA E O PROFESSOR
CONTEMPORÂNEOS: UMA RELAÇÃO INSTÁVEL
A maioria dos alunos de hoje pertence à Geração Y ou Geração do Milênio
(nascidos até 2004) e à geração posterior (nascidos a partir de 2005), ainda sem
um nome definido. Segundo Scott Keeter e Paul Taylor, membros do quadro superior do Pew Research Center, a Geração Y é
A primeira na história humana que considera comportamentos como tuitar e enviar
mensagens de texto, junto com websites como Facebook, Youtube, Google e Wikipedia, não como inovações impressionantes da era digital, mas como partes diárias de
suas vidas sociais e de sua busca por entendimento (Keeter e Taylor, 2009).
Neil Howe e William Strauss definem as características dos jovens desta geração:
Os membros da Geração do Milênio] nasceram em uma época em que as pessoas
começaram a expressar atitudes mais positivas em relação às crianças. [...] Comparados com os membros da Geração X, os jovens de hoje são mais otimistas em
relação ao mundo em que estão crescendo. Nove em dez se descreve como “feliz”,
“confiante” e “positivo”. [...] Eles são jogadores cooperativos. Dos uniformes escolares, ao aprendizado em equipe e ao serviço comunitário, os membros desta geração
estão gravitando em torno das atividades em grupo. [...] Eles aceitam a autoridade.
A maior parte dos adolescentes afirmam se identificar com os valores de seus pais e
noventa por cento deles afirma confiar e se sentir próximo deles. [...] Os jovens de
hoje acreditam no futuro e enxergam a si próprios como à frente das outras gerações.
Eles exibem fascinação e domínio das novas tecnologias. (Howe e Strauss, 2000)
Ao observarmos os alunos contemporâneos em sala de aula, confirmamos
a naturalidade com que são capazes de manterem-se conectados aos acontecimentos cotidianos por meio de inúmeros recursos tecnológicos. Acostumados a
dividir sua atenção entre várias atividades simultâneas, muitas vezes são capazes
de surpreender membros de gerações anteriores.
O contato permanente com mecanismos de buscas, repositórios de informação e
redes sociais transformou jovens naturalmente curiosos em fervorosos questionadores.
No dia a dia escolar, os alunos mostram comportamentos ditos hiperativos e intermitentes, preocupando pais e professores. Querem estar no controle daquilo em que
40
Design para uma educação inclusiva
se envolvem e não têm paciência para ouvir um professor explicar um mundo que
ele já conhece com suas próprias convicções. Como se o aluno fosse digital e a escola
analógica (Fonseca e Alquéres apud Ferraz, 2011).
O modelo de sala de aula atual, fruto de uma época em que tecnologias digitais não estavam amplamente disponíveis, tornou-se incompatível com os alunos que
a frequentam. “Nossas instituições de ensino mudaram muito mais lentamente que os
modos de aprendizado inventivos, colaborativos e participativos oferecidos pela internet e por uma gama de tecnologias móveis contemporâneas.” (Davidson e Goldberg,
2009). Em seu cotidiano, os jovens saciam sua curiosidade através do acesso constante
às fontes de informação digitais. Entretanto, mesmo no ambiente acadêmico de cursos
mais recentes, os alunos encontram uma estrutura ultrapassada onde, enfileirados em
silêncio em suas carteiras, devem focar toda a sua atenção no discurso do professor, sem
acesso aos recursos interativos que fazem parte de seu cotidiano extraclasse.
Além da estrutura ultrapassada dos métodos de ensino, a infraestrutura das salas de aula também se mostra inadequada para o uso das ferramentas colaborativas.
Em seu artigo Preparing teachers for technology integration: creating a culture of
inquiry in the context of use (Preparando professores para a integração tecnológica:
criando uma cultura inquisidora no contexto de uso), as professoras canadenses
Michelle Jacobsen, Pat Clifford e Sharon Friesen descrevem algumas das possíveis
causas para as dificuldades encontradas no ambiente educacional contemporâneo:
Aqueles em posições de liderança acadêmica geralmente possuem menos experiência
com tecnologia que seus professores e, assim, nem sempre são capazes de prover o
suporte necessário para as mudanças requeridas para a infusão efetiva de tecnologia
nos locais de ensino. Quase sempre por padrão, visões de uso de tecnologia no ensino
e na aprendizagem geralmente são criadas por especialistas em Tecnologia da Informação que não são educadores. Projetos de redes e sistemas de acesso por estudantes
são determinados pelo que é padrão, fácil de manter e monitorar, e não por aquilo
que é mais adequado para a educação (Jacobsen, Clifford e Friesen, 2002)
Quando os alunos se deparam com um ritmo diferente daquele imposto pelo
seu cotidiano, muitos sentem-se desmotivados. Eles necessitam de estímulos e desafios adequados a uma era de ubiquidade tecnológica e precisam de professores
com quem possam dialogar em pé de igualdade. Entretanto, grande parte dos
profissionais de ensino passaram por uma formação ainda considerada convencional, desprovida das tecnologias contemporâneas que são imprescindíveis para
o ingresso no mercado de trabalho. Segundo a Dra. Maria Cândida Moraes, isso
é causa de restrições a uma formação crítica e criativa:
Embora quase todos percebam que o mundo ao redor está se transformando de forma contínua apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo o mun-
Dispositivos móveis em ambientes didáticos
41
do, a grande maioria dos professores continua privilegiando a velha maneira como
foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de
construção do conhecimento que produz seres incompetentes, incapazes de criar,
pensar, construir e reconstruir conhecimento (Moraes, 1997, p.16).
A curiosidade dos jovens alunos de hoje não é diferente daquela dos jovens
de gerações anteriores – o que muda em ritmo cada vez mais acelerado é a disponibilidade de novas tecnologias que permitem o acesso a uma quantidade de
informação que cresce de forma exponencial. Afirmar simplesmente que o aluno
contemporâneo não consegue manter sua atenção no professor é esquecer que, ontem, os alunos se distraiam durante as aulas trocando bilhetes às escondidas com
meia dúzia de colegas, liam seus gibis escondidos nos livros didáticos e cochichavam sempre que os professores viravam as costas para escrever no quadro negro.
Esses comportamentos naturais não são diferentes dos comportamentos
dos jovens atuais. Os bilhetes foram substituídos pelos aplicativos de mensagens
instantâneas, os gibis foram trocados pelo vasto conteúdo de entretenimento
interativo disponível na internet e os cochichos cederam seus lugares às redes
sociais acessadas a partir dos telefones inteligentes. Entretanto, enquanto os alunos evoluem rapidamente na medida em que novas tecnologias são introduzidas,
a sala de aula e os métodos de ensino permanecem inalterados. A impressão de
que o problema no ensino atual está na falta de interesse e capacidade de foco
dos alunos mostra-se equivocada quando percebemos que, na prática, os jovens
são extremamente adaptáveis aos avanços tecnológicos da sociedade – é a sala de
aula que tem se mostrado incapaz de acompanhar o ritmo acelerado dos alunos
que a frequentam.
Há, por outro lado, um esforço de muitos professores para acompanhar a
forma como seus alunos se comunicam. Vários deles publicam conteúdo de apoio
em ferramentas colaborativas e mantêm contato com seus alunos através das redes sociais. Entretanto, os serviços digitais funcionam como um canal à parte
do meio acadêmico convencional, um ambiente virtual para transmitir conteúdo
adicional, não essencial à condução das disciplinas. Para esses professores, smartphones, tablets e computadores portáteis são fontes de distração que impedem
que os alunos fixem sua atenção ao conteúdo lecionado e insistem que seus estudantes os usem como ferramentas de estudo apenas quando não estão em aula.
Dessa forma, cada aula permanece uma atividade isolada, em que o professor assume o papel centralizador da informação enquanto demanda a atenção
de seus alunos. Ainda assim, as tecnologias digitais de comunicação aumentaram
consideravelmente o contato entre professores e alunos nos horários extraclasse.
Segundo os professores Mark Piwinski, Mary Leidman e Mathew McKeague, da
Universidade da Pennsylvania, “apesar de estudos indicarem que há benefícios sig-
42
Design para uma educação inclusiva
nificativos na comunicação expandida entre docentes e estudantes, ela cria novas
demandas enquanto obrigações e expectativas tradicionais se mantêm” (2010).
Pesquisando o impacto do Facebook na comunicação entre professores e
alunos, Piwinski e Leidman afirmam que:
[...] os estudantes não usam o contato virtual de um modo muito diferente dos encontros cara-a-cara. Entretanto, os estudantes relataram que ficam mais satisfeitos
com as interações online do que com aquelas presenciais. Hickerson e Gigolo (2009)
argumentam que certas tecnologias, como as mensagens instantâneas, por exemplo,
melhoram as experiências educacionais dos estudantes e melhoram a qualidade e a
quantidade das interações com seus instrutores. [...] Os dados também sugerem que
as mensagens instantâneas não reduzem as outras formas de comunicação. De um
modo geral, estudantes e instrutores creem que elas funcionam com uma importante
ferramenta educacional (2009)
Os professores da atualidade precisam ser flexíveis para enfrentar os desafios
de uma era em que seus alunos têm acesso ilimitado à informação. Mais do que
simplesmente instruir os estudantes, eles agora precisam convencê-los a focar sua
atenção nas tarefas demandadas, ensiná-los a lidar com as ferramentas de pesquisa e colaboração e ajudá-los desenvolver o pensamento crítico necessário para
enfrentar um mundo competitivo em desenvolvimento acelerado. Um professor
contemporâneo não pode mais se basear apenas em seu conhecimento acadêmico;
ele precisa entender como seus alunos pensam para se antecipar às suas necessidades e, assim, prepará-los para lidar com tecnologias que ainda não foram desenvolvidas no exercício de carreiras que ainda não existem.
CONCLUSÃO: A EVOLUÇÃO DA SALA DE AULA
É evidente que vivemos, como em outras épocas de nossa história, um
momento de transição que está mudando nossas relações com o ambiente, com
o mercado, com a sociedade de maneira geral e, até mesmo, com nossos círculos
familiares e de amizade. Segundo o Dr. Sugata Mitra, professor de Tecnologia da
Educação na Universidade de Newcastle, uma das consequências mais importantes destas mudanças é a obsolescência do método tradicional de ensino. Mitra
afirma que muitas das habilidades ensinadas nas salas de aula serão irrelevantes
para as profissões exercidas nas próximas décadas e propõe um novo currículo
como solução:
O currículo só precisa de três elementos. Interpretação de textos é a habilidade mais
crítica neste ponto da história para uma geração que lerá em telas para o resto de
suas vidas. Habilidade de busca e recuperação de informação – se as pessoas souberem o que são palavras-chave ou se devem seguir um link, terão uma habilidade
Dispositivos móveis em ambientes didáticos
43
importante. Se a aritmética é uma habilidade ultrapassada, esta é a que irá substituí-la. Finalmente, se uma criança sabe escrever e buscar informação, como ensiná-la a
acreditar? Em nossas mentes adultas, cada um de nós tem um pequeno mecanismo
que nos permite acreditar. Às vezes dizemos que algo é óbvio, às vezes é alguém que
nos diz. Algumas vezes achamos que algo é besteira. O que é este mecanismo que
existe em nossas mentes? Quão cedo na vida de uma criança podemos implantar este
mecanismo em sua mente? Se pudermos fazer isso realmente cedo, então teremos
armado essa criança contra a doutrina – não apenas a doutrina religiosa, mas em
todas as suas formas. Acredito que o trabalho do educador neste mundo saturado
de informação é dar às crianças uma armadura contra a doutrina, da mesma forma
que outras gerações ensinaram seus filhos a usar uma espada ou a cavalgar (2011)
Em muitas salas de aula, as mesmas tecnologias móveis que fazem parte do
cotidiano dos jovens são barradas, tratadas como fontes de distração incapazes de
agregar vantagens aos métodos de ensino consagrados. Aos alunos, muitas vezes,
só resta o aprendizado autodidata – experimentando as ferramentas digitais, eles
as integram às suas vidas extraclasse e, com pouco ou nenhum apoio formal da
academia, levam-nas para o ambiente profissional.
Sob a ótica acadêmica, esta é uma situação que carece de revisão. A cada ano,
universidades formam novos profissionais que aprendem por conta própria a lidar
com muitas das ferramentas digitais que passarão a utilizar em seus cotidianos.
Este conhecimento está, cada vez mais, sendo acumulado fora das salas de aula e
são passados adiante de maneira informal. O pesquisador Guilherme de Almeida
Reis, após uma série de pesquisas de campo com profissionais da área de arquitetura da informação, destaca o impacto desse aprendizado informal no mercado:
A primeira pesquisa de campo retratou um profissional jovem, que vive nos grandes centros metropolitanos, com formação predominante na área de Humanas e
que desenvolveu seus conhecimentos sobre Arquitetura de Informação de maneira
autodidata. Quase metade deles não segue qualquer metodologia nos seus projetos
e, entre os que seguem, a maioria utiliza uma metodologia própria. [...] A formação
autodidata que esses profissionais têm adotado, devido à falta de alternativas, não
tem se mostrado eficiente (2007, p. 9).
O meio educacional em nosso país deve considerar a formalização do uso das
tecnologias que estão cada vez mais integradas às vidas dos alunos. Um ambiente
acadêmico inovador, capaz de explorar o uso de metodologias participantes, do
conhecimento interdisciplinar e, principalmente, do pensamento criativo como
meios de produção, é imprescindível para que os futuros profissionais aprendam
a lidar de modo crítico com a tecnologia que estará disponível em seu cotidiano.
As ferramentas colaborativas da atualidade complementam muito bem as
metodologias interdisciplinares que muitas escolas e cursos universitários come-
44
Design para uma educação inclusiva
çam a aplicar. Além disso, a maior parte dos dispositivos móveis atuais possuem
inúmeros sensores capazes de obter dados valiosos a respeito do ambiente que nos
rodeia – esses sensores podem ser usados como ferramentas inovadoras para a
geração de conhecimento, permitindo que cada aluno tenha acesso a um completo laboratório portátil para a realização de inúmeras experiências educacionais.
Ao combinar as metodologias interdisciplinares com as tecnologias digitais
disponibilizadas pelos dispositivos móveis da atualidade, o processo produtivo
dos alunos pode ser otimizado, levando não apenas a resultados de qualidade,
mas, acima de tudo, a uma melhor preparação para um mercado profissional
cada vez mais exigente. Ao aprender a lidar de modo crítico com os avanços tecnológicos que nos rodeiam, os jovens reunirão subsídios poderosos para moldar
nossa sociedade de um modo mais consciente.
Começamos a viver a realidade de uma grande inteligência coletiva.
Com o crescimento da conectividade, largura de banda e velocidade dos computadores, estamos começando a vislumbrar uma visão da biosfera como um processador
de dados recapitulado, mas um milhão de vezes mais veloz e com milhões de agentes
com intelecto humano (nós mesmos) (1993).
Ensinar nossos alunos a lidar com o grande fluxo de conhecimento de forma
crítica é um passo importante na criação de um saber verdadeiramente global.
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CAPÍTULO
4
A distância ou presencial:
novos ambientes
de aprendizagem
Alexandre Farbiarz, Doutor, Universidade Federal Fluminense (UFF)
Alecir Carvalho,
Doutorando, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
INTRODUÇÃO
No contexto atual, as TDIC têm proporcionado significativas transformações nas esferas social, econômica e cultural, assim como têm assumido um papel cada vez mais influente nas relações sociais. Tem sido possível perceber um
processo que corresponde a uma passagem da utilização e consumo de tecnologias convencionais para um cenário de construção de recursos digitais e produção de conteúdos midiáticos. Tais mudanças têm gerado alterações e rupturas
significativas nos padrões de comunicação e interação, além de afetar modelos
e práticas educacionais.
48
Design para uma educação inclusiva
O filósofo francês Jean-François Lyotard (2011), por exemplo, analisa as transformações ocorridas na sociedade, imprimindo um destaque para as mutações no
âmbito do saber observadas nas sociedades mais desenvolvidas e influenciadas pela
multiplicação das TDIC. Pela ótica de Lyotard, são expressivos os impactos gerados
no âmbito da construção e da circulação dos saberes neste contexto de desenvolvimento e apropriação de tais tecnologias. Para o autor, as tecnologias da informação e
da comunicação afetam e modificam de modo intenso “[...] a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens
(transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez” (p. 4). Assim, há de
se considerar a repercussão de tais impactos no âmbito da ciência, da literatura, das
artes, do design, entre outros campos do conhecimento.
De modo particular, no âmbito da educação, são notáveis as possibilidades de
mudanças que as TDIC oferecem aos novos modos de aprender e ensinar. Conforme
Lévy, as tecnologias favorecem o surgimento de novas formas de acesso à informação, como
“navegação por hiperdocumentos, caça à informação através de mecanismos de pesquisa, [...] exploração contextual através de mapas dinâmicos de dados”. Também
dessa maneira, permitem “[...] novos estilos de raciocínio e de conhecimento, como a
simulação, verdadeira industrialização da experiência do pensamento”.
Segundo o autor, tais práticas potencializam as trocas de informação entre os
grupos humanos e a construção colaborativa de conhecimento, concretizando o potencial de “inteligência coletiva” no espaço digital em rede.
Lévy (2007, p. 28) assevera que a inteligência coletiva é “[...] uma inteligência
distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real,
que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. Assim, a inteligência coletiva pode ser compreendida como uma inteligência que se dedica ao reconhecimento das habilidades de cada indivíduo e à coordenação dessas habilidades, de modo a
contribuir para o crescimento mútuo das pessoas. O foco na perspectiva da inteligência coletiva é coordenar as habilidades individuais a serem utilizadas de modo favorável à coletividade. Neste particular, a ação de coordenar as habilidades e a inteligência
coletiva torna-se possível por meio da utilização das TDIC.
Desse modo, é possível reconhecer que as TDIC vêm assumindo uma interface
com características interativas que permitem aos usuários participar cada vez mais diretamente na utilização de recursos digitais, ou mesmo assumirem o papel dinâmico
de produtores de conteúdo e não apenas de consumidores de tecnologias. Observamos
também iniciativas na produção de recursos capazes de favorecer a participação cada
vez mais ativa dos usuários. Assim, destacamos a necessidade de se promover estudos
que analisem os usos e produções de TDIC, bem como refletir acerca de tais recursos e
do seu potencial, a serem utilizados em favor da construção de novos saberes.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
49
Nessa perspectiva, observamos que o aspecto fundamental para a produção
coletiva de conhecimento não está apenas nos objetos técnicos que favorecem a
construção do saber. Está também na habilidade de utilizar os dispositivos e recursos tecnológicos em favor da inteligência coletiva, sendo essencial a atenção aos
modos como são utilizados e produzidos. A interseção entre as TDIC e as ações em
design, educação e comunicação pode ser reconhecida como uma possibilidade,
entre outras existentes, que pode contribuir para a produção de AVA, considerando aspectos relacionados à interface, criatividade e potencialidades de uso.
OS AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM (AVA)
Os AVA são plataformas de ensino usadas na internet que pretendem transpor o espaço de sala de aula presencial para o ambiente virtual. No entanto,
apesar desta proposição, é preciso distinguir não só os recursos disponíveis, mas
também as experiências vivenciadas por alunos e professores em cada um destes
ambientes. Ainda que os conteúdos ofertados na sala presencial e na virtual possam ser os mesmos, ambos se referenciam em distintos gêneros discursivos.
Em um ambiente presencial de aula, ainda é comum encontrarmos os alunos
em um papel passivo de aquisição de conhecimentos, no que Freire (1970) chamou de educação bancária. Nos ambientes virtuais, no entanto, é esperado do
aluno um papel ativo na busca do conhecimento, representado por uma diretriz
ativa de navegação, muitas vezes definindo as prioridades dos links a serem clicados (FARBIARZ; FARBIARZ, 2008). Por conseguinte, em um AVA há uma maior
potencialidade às formas de leitura não lineares, a partir de conexões associativas
(hipertextuais) entre diferentes elementos. Chartier (1994, p. 13) destaca que é
preciso levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto, estável
por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status inéditos, tão
logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua interpretação.
Outra importante distinção entre os ambientes virtuais e presenciais de ensino
está na relação tempo-espaço. Ainda que atrelado a um projeto pedagógico e tendo
uma tutoria direcionada, o AVA permite maior flexibilidade aos alunos e professores,
que podem acessar conteúdos e atividades a qualquer hora e lugar. Por outro lado, esta
flexibilidade impõe responsabilidades acadêmicas, que também extrapolam a relação
tempo-espaço presencial. Como destaca Daumau (apud MENDES; OLIVEIRA, 2009),
Pode-se dizer que o aluno do ensino tradicional vai à faculdade, tem 4 horas de
aula por semana com o professor e depois só volta a vê-lo na próxima semana. A
Educação a Distância [na qual o AVA é um importante instrumento], por sua vez,
exige que o professor ministre as aulas, responda a todos os e-mails enviados pelos
participantes e tenha um contato interativo constante.
50
Design para uma educação inclusiva
Conquanto a presença física do professor e dos alunos na sala de aula presencial possibilite uma interação face a face, assim como o desenvolvimento de
sensibilidades e afinidades, os AVA podem possibilitar aos alunos maior liberdade para formular perguntas e respostas ou mesmo para manifestar opiniões
sobre os conteúdos do curso por meio de fóruns e chats, sem a intimidação que
a figura do professor e o espaço de sala possam trazer.
Neste sentido, ao compreender que as relações interpessoais que permeiam
um ambiente, seja ele presencial ou virtual, participam da composição dos sentidos ali produzidos, percebemos que os elementos do ambiente onde estas relações
operam, assim como as ferramentas discursivas – e, no caso, pedagógicas – em
uso, compõem uma arquitetura discursiva que precisa ser compreendida pelos sujeitos discursivos presentes (alunos e professores) e os não presentes (instituição,
pedagogos, designers instrucionais, entre outros).
ANÁLISE DAS TEMÁTICAS DAS
SESSÕES DE COMUNICAÇÕES INDIVIDUAIS
Para promover uma reflexão acerca das produções ligadas à relação entre
design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC com enfoque nos
AVA, no grupo de trabalho “ações interdisciplinares de design, comunicação e
educação no uso e produção de tecnologias digitais de informação e comunicação
(TDIC) em processos de ensino aprendizagem”1 do evento SIMAR foram realizados os seguintes procedimentos: a) Seleção de artigos que tratem da relação design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC com base em temáticas
correlatas; b) Leitura sistematizada dos artigos selecionados e análise dos estudos;
c) Apresentação de proposições e possíveis ações entre design, comunicação e
educação com foco no uso e produção de TDIC.
Neste sentido, foram selecionados 22 artigos completos, apresentados e publicados em edições do evento entre anos de 2008 e 2015, que continham os termos educação a distância, ambiente, tecnologia, mídia e digital no título e/ou no
resumo, como indicado na Tabela 4.1.
1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos os autores de comunicação que participaram dos GT, os resumos de seus trabalhos poderão ser acessados em: <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/
Caderno%20de%20Resumos%20V%20SILID%20IV%20SIMAR%202015.pdf>.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
51
Tabela 4.1: Publicações, edições e a quantidade de artigos selecionados.
Edição
Ano
Artigos aprovados
Artigos selecionados
I SIMAR
2008
20
02
II SIMAR
2010
116
11
III SIMAR
2013
94
03
IV SIMAR
2015
146
06
A análise qualitativa de dados foi realizada por meio da classificação hierárquica descendente (CHD) com auxílio do programa Iramuteq2, buscandodesenvolver análises estatísticas sobre corpus textuais baseado no algoritmo proposto por
Max Reinert (1990) para o software Alceste. O Iramuteq também realiza análises
léxicas, disponibilizando contextos e classes de discursos caracterizados por seus
vocabulários (CAMARGO; JUSTO, 2013) e análises por similitude entre palavras
e a respectiva apresentação dos elementos em nuvem de palavras.
Como primeiro procedimento de análise, foi realizado o cálculo de frequência
de palavras nos resumos dos artigos selecionados, em que há incidência de ao menos
um dos seguintes termos: educação a distância, ambiente, tecnologia, mídia e digital.
Estudos e produções apresentadas no I SIMAR (2008)
Na edição do ano de 2008, foi apresentado um total de 20 artigos.
Destes, foram selecionados dois artigos em diferentes grupos de trabalho.
Tabela 4.2: Artigos selecionados do I SIMAR3
Título do artigo
Autores
Os recursos de educação a distância e os
desafios para escolas e universidades.
Carlos Eduardo A. Miranda, Rogério
Moura, Heitor Gribl
A tecnologia como aliada às aulas
presenciais de PE em contexto Offshore
Jane Cristina Duarte dos Santos
No primeiro artigo, intitulado “Os recursos de educação a distância e os desafios para escolas e universidades”, discute-se a produção de narrativas verbais e não
2 Interface de R pour les analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires.
3 Artigos na íntegra disponíveis em: >https://pt.scribd.com/doc/35152549/Textos-Selecionados-do-II-SILID-e-I-SIMAR>.
52
Design para uma educação inclusiva
verbais e de relatos de vivências, por meio do ambiente colaborativo TelEduc, para
promover a transição do aluno estagiário da condição de observador para a de ator
como forma de superar a opacidade institucional entre a universidade e a escola.
O segundo artigo, “A tecnologia como aliada às aulas presenciais de PE em
contexto Offshore”, apresenta algumas atividades elaboradas a partir da Ferramenta
de Autoria do Professor ELO, desenvolvida dentro do projeto de Ensino de Línguas
Online da UCPel, com o objetivo de preencher a falta das aulas no período de desembarque dos alunos, apresentando diferentes gêneros textuais, unindo língua e cultura
em continuidade aos estudos de português realizados durante o embarque.
Tabela 4.3: Cálculo de frequência nos resumos dos artigos selecionados do I SIMAR
Forma
Frequência
Tipo
Como
3
Advérbio
Universidade
2
Nome
Escola
2
Nome
Aula
2
Nome
Atividade
2
Nome
Apresentar
2
Verbo
Vivência
1
Nome
Verbal
1
Adjetivo
Unir
1
Verbo
Figura 4.1: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do I SIMAR
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
53
Estudos e produções apresentadas no II SIMAR (2010)
Na edição do ano de 2010, foi apresentado um total de 116 artigos. Desses,
foram selecionados 11 artigos em diferentes grupos de trabalho.
Tabela 4.4: Artigos selecionados do II SIMAR4
Título do artigo
Autores
Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem
no Brasil: uma análise da plataforma Eureka
Raiane Nogueira Gama e
Alexandre Farbiarz
Redes sociais e educação
Mariana de Souza Coutinho e
Juliana Maria Carvalho
O letramento crítico em ambiente Web 2.0: o
processo de coautoração
Nelson Mitrano Neto
O uso de uma ferramenta colaborativa da
internet como recurso didático: relato de uma
experiência didática inovadora em um curso
superior de tecnologia.
Adriana Netto Silva
Hipertexto como material didático para letramento
digital na educação de jovens e adultos
Dafne Barboza Cortez e Heitor
Garcia de Carvalho
O uso do YouTube e de blogs como ferramentas
complementares ao livro didático
Raquel Rodrigues
A divulgação do Livro Didático na mídia eletrônica:
recursos comunicativos e linguísticos
André Lima Cordeiro
Identidade e hibridismo na formação dos designers:
cultura e mediações
Barbara Jane Necyk
Hipertexto e hipermídia no livro didático de
língua portuguesa das séries iniciais do ensino
fundamental
Geandro Rocha
Texto e imagem no livro didático
Marcelo Araujo
Produção de aulas de língua portuguesa em suporte
digital: desafios de quem produz
Ynah de Souza Nascimento e
Carla Alexandre Barboza de
Sousa
Fonte: Dados da Pesquisa, 2015.
4 Artigos na íntegra disponíveis em: <http://www.letras.puc-rio.br/eventos_let/4silid/anais/III%20
SILID%20II%20SIMAR.pdf>.
54
Design para uma educação inclusiva
O artigo intitulado “Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no
Brasil” apresenta um levantamento e mapeamento de AVA no Brasil. Os autores
promovem uma análise exploratória de cursos a distância online e discutem aspectos da interface gráfica de AVA utilizando conceitos de comunicação visual e
design. Já o artigo “Redes sociais e educação” promove um levantamento de indícios da utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos, buscando compreender o potencial deste ambiente em processos de ensino-aprendizagem. A
reflexão aborda as possíveis interações que as redes sociais oferecem aliando os
recursos a um status lúdico, mais próximo do repertório do jovem discente.
O artigo “O letramento crítico em ambiente Web 2.0: o processo de coautoração” buscou delinear e exemplificar uma proposta de operacionalização de um modelo instrucional para língua estrangeira. A proposta visa contemplar um currículo
apoiado nos conceitos de instrução com base em conteúdo, tarefas e interdisciplinaridade via um trabalho colaborativo, em coautoria entre o professor e alunos, em
ambiente da Web 2.0. O artigo “O uso de uma ferramenta colaborativa da internet
como recurso didático” teve como objetivo relatar o desenvolvimento de uma experiência inovadora de ensino com o uso de uma ferramenta colaborativa da internet
por estudantes de um curso superior tecnológico. Apresentam-se as potencialidades
e limitações do uso do recurso wiki como suporte para o desenvolvimento de um
trabalho voltado para a produção coletiva de conteúdo.
No artigo “Hipertexto como material didático para letramento digital na
educação de jovens e adultos”, os autores argumentam que na atualidade há
muitas pessoas que ainda não sabem utilizar as TIC, que pouco sabem ou que
gostariam de saber mais acerca delas. O estudo afirma ainda que muitos desses
indivíduos encontram-se inseridos na Educação de Jovens e Adultos. Os autores
analisaram alguns hipertextos que podem ser utilizados como recursos pedagógicos e buscar uma forma de letramento digital eficiente e adequada àquele público.
Já o artigo “O uso do YouTube e de blogs como ferramentas complementares ao
livro didático” se dedicou a analisar tecnologias disponíveis ou compartilhadas
através da Web 2.0 tais como: blogs, YouTube e vídeos digitais como complementação do livro didático no ensino de inglês. A finalidade foi promover empoderamento, agenciamento e oportunidades para encontrar a língua-alvo em contextos
sociodiscursivos autênticos e usá-la em práticas socioculturais.
O artigo “A divulgação do Livro Didático na mídia eletrônica: recursos comunicativos e linguísticos” promove uma análise comparativa das páginas eletrônicas
destinadas à venda e/ou divulgação de livros lidáticos de Espanhol de quatro editoras de
grande porte atuantes no Brasil. Abordam-se questões que envolvem o estudo do gênero
discursivo, de estratégias da linguagem e relativas às estratégias de marketing. No artigo
“Identidade e hibridismo na formação dos designers: cultura e mediações”, a autora
verifica como o campo do design se constitui na sua origem como palco do embate
característico de países periféricos apontado por Canclini: a paradoxal relação entre mo-
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
55
dernismo e modernização. O texto afirma, ainda, que na atualidade observa-se o campo
do design diante de novos desafios num cenário profuso, midiático e multicultural.
No artigo “Hipertexto e hipermídia no livro didático de língua portuguesa das séries iniciais do ensino fundamental”, o autor investiga as apropriações
conceituais sobre hipertexto e hipermídia realizadas na coleção Pensar e Viver da
Editora Ática (Língua Portuguesa das séries iniciais do EF – PNLD/2010). O estudo tem como objetivo contribuir para a discussão das apropriações conceituais
realizadas pelos livros didáticos e seu papel no letramento digital de estudantes.
Já no artigo “Texto e imagem no livro didático”, o autor reconhece o livro didático como uma ferramenta de multimídia que reúne texto, ilustração, infografia,
e fotografia. Este estudo, afirma que a eficácia desses elementos para aquisição de
conhecimentos depende da elaboração um projeto editorial que leve em conta os
processos cognitivos do leitor e a interação entre seus canais verbal e visual.
Finalmente, no artigo “Produção de aulas de língua portuguesa em suporte
digital: desafios de quem produz” são analisados os relatos de integrantes da equipe multidisciplinar da empresa Educandus e também de autoras de aulas digitais
de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio. Neste particular, o
estudo promove uma reflexão acerca da produção de materiais multimídia com
interface amigável e que facilitasse a construção de conhecimento por estudantes.
Tabela 4.5: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR
Forma
Frequência
Tipos
Como
8
Advérbio
Livro_didático
6
Nome
Digital
5
Adjetivo
Uso
4
Nome
Língua_Portuguesa
4
Nome
Hipertexto
4
Nome
Ferramenta
4
Nome
Ambiente
4
Nome
Web_2
3
Nome
Utilizar
3
Verbo
Tecnologia
3
Nome
Recurso
3
Nome
Processo
3
Nome
Pretender
3
Verbo
Letramento
3
Nome
(continua)
56
Design para uma educação inclusiva
Tabela 4.5: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR (continuação)
Forma
Frequência
Tipos
Experiência
3
Nome
Estudo
3
Nome
Ensino_Fundamental
3
Nome
Didático
3
Adjetivo
Design
3
Nome
Desafio
3
Nome
Colaborativo
3
Adjetivo
Brasil
3
Nome
Aula
3
Nome
Ambientes_Virtuais_de_
Aprendizagem
3
Nome
Aluno
3
Nome
YouTube
2
Nome
Texto
2
Nome
Séries_Iniciais
2
Nome
Figura 4.2: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
57
Estudos e produções apresentadas no III SIMAR (2013)
Na edição de 2013, foi apresentado um total de 94 artigos. Desses, foram
selecionados três artigos em diferentes grupos de trabalho.
Tabela 4.6: Artigos selecionados do III SIMAR5
Título do artigo
Autores
Material didático digital para ensino de literatura
Marly Fernandes
Gêneros discursivos no ensino de japonês: material
autêntico, tecnologia digital e motivação nos níveis iniciais
Flávio Ricardo Medina
de Oliveira
A controvérsia sobre a substituição de material didático
impresso pelo tablet em um curso de EAD
Carolina Sousa do
Nascimento Rabelo e
Renato Caixeta da Silva
O artigo “Material didático digital para ensino de literatura” apresenta
uma proposta de ensino de literatura, tendo por base os gêneros discursivos
digitais (microcontos e poemas digitais), objetos culturais híbridos que contemplam diferentes linguagens multimodais e hipermidiáticas e que podem atender
às perspectivas dos multiletramentos e dos novos letramentos. O artigo “Gêneros discursivos no ensino de japonês: material autêntico, tecnologia digital e
motivação nos níveis iniciais” trata de um estudo sobre os recursos utilizados
no ensino da língua japonesa. Os autores indicam como hipótese que os problemas no atual formato da vasta maioria dos materiais didáticos de língua
japonesa teriam um papel central no alto grau de desistência nos níveis iniciais.
Assim, os pesquisadores apontam possibilidades para a melhoria de tal quadro,
envolvendo gêneros textuais, material autêntico e tecnologia digital.
Já o artigo “A controvérsia sobre a substituição de material didático impresso pelo tablet em um curso de EAD” é um estudo que tem como objetivo analisar
as razões que levaram os alunos de um curso de Letras a distância a recusarem o
tablet e, consequentemente, a exigirem o retorno do material didático impresso.
As respostas aos questionários foram analisadas sob uma perspectiva discursiva,
com base na linguística sistêmico-funcional.
5 Artigos na íntegra disponíveis em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/rev_discurso.php?strSecao=input0>.
58
Design para uma educação inclusiva
Tabela 4.7: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do III SIMAR
Forma
Frequência
Tipos
Material
6
Nome
Digital
5
Adjetivo
Didático
4
Adjetivo
Gênero
3
Nome
Ensino
3
Nome
Discursivo
3
Adjetivo
Tecnologia
2
Nome
Tablet
2
Nome
Perspectiva
2
Nome
Nível
2
Nome
Literatura
2
Nome
Japonês
2
Adjetivo
Inicial
2
Adjetivo
Impresso
2
Adjetivo
Base
2
Nome
Autêntico
2
Adjetivo
Artigo
2
Nome
Vasto
1
Adjetivo
Textual
1
Adjetivo
Tender
1
Verbo
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
59
Figura 4.3: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do III SIMAR
Estudos e produções apresentadas no IV SIMAR (2015)
Na edição do ano de 2015, foram apresentados 146 artigos. Destes, foram selecionados os seis artigos apresentados no GT 6.3 – “Ações interdisciplinares de design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC em processos de ensino-aprendizagem”, coordenado por Alexandre Farbiarz e Alecir Francisco de Carvalho.
Tabela 4.8: Artigos selecionados do IV SIMAR
Título do artigo
Autores
As perspectivas interdisciplinares do Design e da Educação
a Distância na produção de Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVAs)
Alecir Francisco de
Carvalho; Jackeline
Lima Farbiarz e
Alexandre Farbiarz
Análise de um livro de “Português Instrumental” em curso EAD
de Pedagogia: gêneros textuais, hipertexto e intertextualidade
em perspectiva dialógica
Jefferson Evaristo do
Nascimento Silva
A constante presença do Facebook no espaço escolar
Fernanda Ribeiro Barros
e Alexandre Farbiarz
A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo
de caso do projeto GENTE
Wagner da Silveira
Bezerra e
Alexandre Farbiarz
PNLD Ciências: uma análise sobre a dificuldade de inclusão
de objetos digitais de aprendizagem nas coleções didáticas do
ensino fundamental
Marcos André Franco
Martins e
Alice Garcia Gomes
Paráfrase e polissemia nas diferentes apropriações de
tecnologia digital na escola pública em Campinas/SP
Davi Faria De Conti
60
Design para uma educação inclusiva
No artigo “As perspectivas interdisciplinares do Design e da Educação a Distância na produção de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs)”, os autores
promovem uma reflexão acerca da relação entre design, educação e comunicação,
e buscam analisar a abrangência do design na produção de TDIC. Discutem as
metodologias do design e da educação a distância com vistas a otimizar a produção de AVA destinados ao ensino presencial e a distância. São analisados AVA
utilizados em quarenta universidades internacionais e adiantam parte da pesquisa
em que consideram como pressuposto certo grau de isolamento entre o design e a
educação a distância em metodologias de produção de AVA.
No artigo “Análise de um livro de ‘Português Instrumental’ em curso EAD
de Pedagogia: gêneros textuais, hipertexto e intertextualidade em perspectiva dialógica”, o autor analisa e problematiza o livro didático da disciplina de Português
Instrumental do curso de Pedagogia a distância, oferecido pela UNIRIO, observando sua constituição dialógica, hipertextual e intertextual a partir de seus gêneros textuais e elementos multi(inter)semióticos. O autor explicita que pesquisas
sobre materiais didáticos são, ainda hoje, uma ação necessária e atual, por sua
importância teórico-metodológica.
Já no artigo “A constante presença do Facebook no espaço escolar” os autores apresentam o cotidiano de uma escola estadual em Niterói quanto ao uso do
Facebook pelos alunos por meio dos dispositivos móveis, considerando conceitos
e aspectos comunicacionais como espaço e ciberespaço, cotidiano, lugar e não
lugar. A pesquisa se desenvolve por meio de observações dos alunos e entrevistas
com professoras da escola. Como principal resultado, é confirmada uma presença
considerável de celulares no espaço da escola e, por meio deste recurso, o acesso ao Facebook tem se tornado cada vez mais constante. Por fim, é destacada a
preocupação de como a escola está lidando com os impactos desta realidade nos
processos de ensino-aprendizagem.
O artigo “A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo
de caso do projeto GENTE” discute alguns aspectos das interconexões entre os
campos da comunicação e da educação em diálogo com outros que atuam nas
áreas da mídia educação e educomunicação, a partir dos resultados de investigação sobre a adaptabilidade de educandos e educadores frente à reconfiguração
tecnológica que ocorre com a presença das TIC utilizadas enquanto ferramenta
pedagógica no ambiente de ensino-aprendizagem do Projeto GENTE (Ginásio
Experimental de Novas Tecnologias) da SME–RJ. A pesquisa de cunho qualitativo teve como aparato metodológico a observação participativa e entrevistas
em profundidade; os dados coletados foram analisados com base na técnica do
Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
61
No artigo “PNLD Ciências: uma análise sobre a dificuldade de inclusão de
objetos digitais de aprendizagem nas coleções didáticas do ensino fundamental”6,
os autores destacam que no ano de 2013 um grande número de objetos digitais
de aprendizagem foi reprovado por não cumprir os critérios do Guia de Livros
Didáticos: PNLD 2014, do Ministério da Educação. Tal fato prejudicou o anexo
de conteúdo no formato digital aos livros de Ciências do Ensino Fundamental.
O estudo contribui para amenizar a dificuldade no cumprimento dos critérios a
partir da análise destes à luz de referências bibliográficas sobre design da interação, sistemas colaborativos, investigação científica e teorias da aprendizagem. Um
conjunto de recomendações é elaborado para orientar a produção de objetos de
aprendizagem e são apresentados exemplos de objetos reais que cumprem ou não
os critérios analisados.
E, finalmente, o artigo “Paráfrase e polissemia nas diferentes apropriações de tecnologia digital na escola pública em Campinas/SP” expôs o resultado de uma pesquisa de doutorado sobre o papel de tecnologias digitais
nas relações educacionais. Seu objetivo foi analisar as apropriações de dispositivos digitais que os sujeitos promovem e como eles refletem, deslocam e
ressignificam relações de poder que permeiam a sala de aula. Os dados foram
gerados em 2014 com entrevistas de professores e observação de espaços e
práticas orientados por uma metodologia qualitativa. A abordagem do corpus
embasou-se na análise de discurso materialista, destacando como professores,
alunos, instituição e espaço significam usos de dispositivos digitais como uma
negociação de seus papéis na sala de aula.
Tabela 4.9: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR
Forma
Frequência
Tipos
Como
8
Advérbio
Digital
6
Adjetivo
Design
6
Nome
Produção
5
Nome
Pesquisa
5
Nome
Espaço
5
Nome
(Continua)
6 O artigo intitulado “PNLD Ciências: Um estudo para auxiliar o cumprimento dos critérios exigidos
para a inclusão de objetos digitais de aprendizagem em coleções didáticas do ensino fundamental”
está disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/download-pdf/266/22582>.
62
Design para uma educação inclusiva
Tabela 4.9: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR (continuação)
Forma
Frequência
Tipos
Ao
5
Advérbio
Escola
4
Nome
Comunicação
4
Nome
Análise
4
Nome
Ambientes_Virtuais_de_
Aprendizagem
4
Nome
Aluno
4
Nome
Resultado
3
Nome
Relação
3
Nome
Professor
3
Nome
Presença
3
Nome
Partir
3
Verbo
Observação
3
Nome
Objeto
3
Nome
Não
3
Advérbio
Metodologia
3
Nome
Material
3
Nome
Facebook
3
Nome
Entrevista
3
Nome
Educação_a_Distância
3
Nome
Dispositivo
3
Nome
Discutir
3
Verbo
Critério
3
Nome
Analisar
3
Verbo
Analisado
3
Adjetivo
Utilizar
2
Verbo
Uso
2
Nome
Textual
2
Adjetivo
Tecnologias_digitais
2
Nome
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
63
Figura 4.4: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR
Perspectivas na interseção entre design,
comunicação e educação
Para obtermos uma visão geral das temáticas privilegiadas nos 22 artigos
selecionados, promovemos primeiro uma análise de conteúdo categorial (BARDIN, 1977), reconfigurando as unidades de registro em “forma” de categorias
por similaridade semântica.
Tabela 4.10: Frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados
Categorias
Frequência
Tipo
%
∆%
Ambiente (AVA’s; Espaço; Escola;
Universidade)
24
Nome
9%
9%
Tecnologia (Tecnologias_digitais; Digital
23
Nome
8%
17%
(continua)
64
Design para uma educação inclusiva
Tabela 4.10: Frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados (continua)
Categorias
Frequência
Tipo
%
∆%
Como
19
Advérbio
7%
24%
Material (Livro_didático)
15
Nome
5%
29%
Ferramenta (Facebook; Youtube;
Web_2)
12
Nome
4%
34%
Uso (Utilizar)
11
Nome
4%
38%
Ensino (Ensino_Fundamental; Séries_
Iniciais; Educação_a_Distância)
11
Nome
4%
42%
Sujeitos (Aluno; Professor)
10
Nome
4%
45%
Análise (Analisar; Analisado)
10
Nome
4%
49%
Design
9
Nome
3%
52%
Didático
9
Adjetivo
3%
55%
Disciplinas (Japonês; Língua_
Portuguesa; Literatura
8
Adjetivo
3%
58%
Pesquisa (Estudo)
8
Nome
3%
61%
Atividade (Aula)
7
Nome
3%
64%
Dispositivo (Tablet)
5
Nome
2%
65%
Produção
5
Nome
2%
67%
Texto (Textual)
5
Nome
2%
69%
Comunicação
4
Nome
1%
70%
Hipertexto
4
Nome
1%
72%
A título de recorte, estabelecemos como base as categorias com frequência maior
ou igual a 10, tendo em vista representarem cerca de 50% do total de registros, dentre
os 277 levantados. Nota-se, assim, que os 22 estudos selecionados, dentre os 376 apresentados nas quatro edições do SIMAR, privilegiaram a discussão dos ambientes de
aprendizagem, virtuais e presenciais; o uso das TDIC e dos materiais didáticos, sejam
impressos ou digitais. Percebe-se, também, uma grande preocupação em “como” “utilizar” tais recursos no ensino e a necessidade de estudos e análises a este respeito. Apesar
de estar entre as categorias destacadas, merece preocupação que os sujeitos diretamente
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem tenham uma frequência de valor 10,
representando somente 4% da frequência total do levantamento.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
65
Pretendemos, então, apresentar um panorama do surgimento de novos ambientes no contexto de desenvolvimento e incorporação de TDIC em processos
educativos, tendo em vista estabelecermos as bases para uma discussão acerca da
relevância de se pensar ações que envolvam a relação entre as áreas do design,
comunicação e educação no uso e na construção de ambientes virtuais de aprendizagem em processos educativos presenciais e a distância.
O surgimento de novos AVA
Existem diversos ambientes virtuais em uso no mundo. Particularmente no
Brasil há uma diversidade de ambientes criados por instituições nacionais ou desenvolvidos no exterior e traduzidos. Em 2009, Oliveira e Mendes listaram os
mais conhecidos então:
Tabela 4.11: Principais AVA utilizados no mundo
Moodle
OLAT
TelEduc
Blackboard
Sakai CLE
WordCircle
ATutor
Learn Loop
AulaNet
Ilias
Lon-Capa
Eureka
Claroline
.LRN
Lotus LMS
Dokeos
Site@School
WebCT
Fonte: Oliveira e Mendes (2009).
Sete anos depois, tem sido possível notar o surgimento de novos AVA,
bem como novas proposições de práticas educativas mediadas por tecnologias
da informação e da comunicação. Para citar alguns exemplos, temos Moodle e
Blackboard, que são os principais ambientes em uso no mundo, e os ambientes
Edmodo, edX, Coursera e Udacity, que surgem como ambientes díspares aos já
tradicionais e que vêm sendo amplamente utilizados em propostas de cursos na
modalidade a distância.
As plataformas Moodle7 e Blackboard podem ser classificadas como learning management system (LMS)8 ou plataformas de e-learning. Esses sistemas disponibilizam
7 Modular object oriented distance learning, ou educação a distância modular orientada por objeto.
8 Sistemas de gestão da aprendizagem.
66
Design para uma educação inclusiva
recursos não somente com propósitos educacionais, mas também de gestão de cursos,
professores e alunos. Além desses, temos ambientes como o EdX, Coursera e Udacity,
que são plataformas utilizadas em massive open online courses (MOOC)9. Tais cursos se caracterizam pelo grande volume de estudantes envolvidos em uma proposta de
formação conduzida por modelos de autoavaliação. Normalmente são cursos abertos,
sem certificado e gratuitos. Já o Edmodo é definido como “[...] uma rede social educacional dedicada a estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio” (2015, n. p.).
Os LMS
Os learning management system (LMS)10 são plataformas normalmente desenvolvidas por instituições com recursos e ferramentas semelhantes aos de escolas e universidades, permitindo o controle de acesso e o acompanhamento das
atividades realizadas por alunos e professores nos cursos. Elas se caracterizam por
possuírem dois componentes básicos: o pedagógico e o administrativo.
O componente pedagógico se refere à abordagem na qual a plataforma foi
criada, o que normalmente transparece nos recursos didáticos disponíveis. Já o
componente administrativo se refere aos recursos que
Permitem o gerenciamento de cursos e atividades; o acompanhamento da trajetória
de alunos; a publicação e acesso a conteúdos, atividades e avaliações; a reunião de
alunos e professores em turmas e a utilização de diversas ferramentas de comunicação entre outras funcionalidades (FARBIARZ; FARBIARZ, 2008, p. 1).
O ambiente virtual de aprendizagem Blackboard
O Blackboard11 é um sistema comercial de fonte fechada, originalmente desenvolvido em inglês pela empresa Blackboard Inc., que atua como produtora
e fornecedora de softwares e serviços para a educação online. Trata-se de um
ambiente de caráter proprietário que demanda que as instituições que o utilizam
estabeleçam um contrato de licença. Ele apresenta recursos para gestão de cursos,
suporte de instrução, meios de comunicação e gerenciamento de conteúdo em
uma estrutura não modular de configuração limitada.
Em uma rápida investigação, é possível perceber que o sistema é bastante funcional,
sendo que todas telas de interação têm estruturas muito semelhantes, tanto na disposição
dos elementos quanto no uso de cores. Segundo informação de seus desenvolvedores
9 Cursos online abertos e massivos.
10 Sistemas de gestão da aprendizagem (SGA)
11 http://blackboard.grupoa.com.br/
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
67
[...] é líder no setor de soluções de e-learning, atendendo 72% das 200 maiores universidades do mundo. Sediada em Washington, DC, e criada em 1997, a Blackboard
conta com escritórios na América do Norte, Europa, Ásia, Austrália e América do Sul
(BLACKBOARD, 2016).
A partir de uma análise da plataforma, Farbiarz e Farbiarz (2008) perceberam
que, estruturalmente, todas as telas do ambiente são organizadas em molduras,
o que, por um lado, permite uma boa organização espacial e, consequentemente,
dos seus recursos; mas, por outro lado, esta estrutura limita a personalização do
aspecto visual-gráfico. Neste sentido, transparece uma estrutura de baixa flexibilidade, associando indiretamente sua proposta pedagógica a um ensino pouco
flexível, mais tradicional.
O ambiente virtual de aprendizagem Moodle
Já o Moodle12, ainda que pertença à mesma categoria que o Blackboard, é
um software livre13 open source14 desenvolvido pelo educador norte-americano
Martin Dougiamas, com base no Construcionismo Social (Pulino Filho, 2007,
p. 5). Ele é definido como “uma plataforma de aprendizagem projetada para
fornecer aos educadores, administradores e alunos um sistema integrado onde é
possível criar ambientes de aprendizagens personalizados” (MOODLE, 2015).
O Moodle tem como objetivo o gerenciamento do aprendizado e do trabalho
colaborativo em ambiente virtual, permitindo a criação e administração de cursos online, grupos de trabalho e comunidades de aprendizagem. Segundo Rasera e Japur (2005, p. 21),
partindo de um conjunto de críticas ao fazer científico, as propostas construcionistas
buscam ressaltar a especificidade cultural e histórica das formas de conhecermos o
mundo, a primazia dos relacionamentos humanos na produção e sustentação do conhecimento, a interligação entre conhecimento e ação e a valorização de uma postura
crítica e reflexiva.
Como observam Farbiarz e Farbiarz (2008, p. 10), o Moodle “é um programa
modular altamente configurável em sua instalação”, oferecido gratuitamente
12 https://moodle.org/?lang=pt_br
13 A Free Software Foundation considera um software como livre quando atende aos quatro tipos de
liberdade para os usuários: 1) a liberdade para executar o programa para qualquer propósito; 2) a
liberdade de estudar o software; 3) a liberdade de redistribuir cópias do programa de modo que você
possa ajudar o seu próximo; 4) a liberdade de modificar o programa e distribuir estas modificações, de
modo que toda a comunidade se beneficie. Fonte: https://www.fsf.org/pt-br.
14 Fonte aberta, código aberto, ou código livre, acessível a todos para utilização gratuita e modificações.
68
Design para uma educação inclusiva
na internet e sustentado por uma comunidade de usuários que desenvolve e
disponibiliza correções e atualizações em várias línguas.
Além disso, enquanto outros SGCs15 se estruturam em um modelo de conteúdo
que encoraja os professores a carregar uma infinidade de conteúdos estáticos, o
ambiente Moodle enfoca o trabalho em ferramentas para discussão e compartilhamento de experiências. Assim, a ênfase está não em distribuir informação,
mas em compartilhar idéias e engajar os alunos na construção do conhecimento.
(Pulino Filho, 2007, p. 5-6).
Farbiarz e Farbiarz (2008, p. 10) observaram que, com base em sua proposta
pedagógica, neste ambiente há um enfoque na disponibilização de recursos interativos e comunicacionais. Por outro lado, apesar da flexibilidade na sua configuração, as janelas também são estruturadas em molduras, limitando a personalização
visual gráfica do ambiente.
Os MOOC
Os MOOC surgiram no ano de 2008, a partir da iniciativa do educador e
pesquisador George Siemens e do designer Stephen Downes, que ministraram
um curso online sobre conectivismo e conhecimento conectivo para cerca de
2.300 estudantes a partir de um curso pago para 25 alunos da Universidade de
Manitoba, em (Winnipeg, Canadá). A iniciativa se diferenciou dos cursos tradicionais na modalidade a distância pelo fato de atingir uma quantidade superior de estudantes em relação aos cursos a distância tradicionais. Além disso, a
proposta também não seguia os padrões de agrupamento em pequenas turmas,
como usados nos cursos presenciais. No entanto, foi Dave Cormier, pesquisador, advogado online e líder do Projeto de Gestão de Relacionamento com o
Estudante na universidade de Prince Edward Island (Charlottetown, Canadá),
quem cunhou o termo MOOC.
Em sua concepção, os ambientes utilizados pelos MOOC são plataformas
que demandam características para a formação de um grande volume de estudantes, dedicadas a um formato de cursos abertos, fundamentados na teoria do
aprendizado conectivista de George Siemens (2005).
Para o pesquisador,
conectivismo é a integração de princípios explorados pelo caos, rede, e teorias da complexidade e auto-organização. A aprendizagem é um processo que ocorre dentro de ambientes nebulosos onde os elementos centrais
15 Sistemas de Gestão de Cursos, outra designação para SGA.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
69
estão em mudança – não inteiramente sob o controle das pessoas. A aprendizagem (definida como conhecimento acionável) pode residir fora de nós mesmos (dentro de uma organização ou base de dados), é focada em conectar
conjuntos de informações especializados, e as conexões que nos capacitam a
aprender mais são mais importantes que nosso estado atual de conhecimento.
(p. 5, tradução nossa).
A grande quantidade de alunos envolvidos em um curso no formato MOOC
demanda uma intensa interação entre os estudantes. Diferentemente dos moldes
da educação a distância convencional, o modelo de avaliação em cursos MOOC
ocorre usualmente a partir da realização de exercícios com questões objetivas,
avaliações de postagens em fóruns e correção de atividades por pares e por especialistas, com a possibilidade de envio de comentários.
Conforme Glance, Forsey e Riley (2013), as características que os cursos
MOOC apresentam incluem a participação massiva de estudantes; acesso online e
aberto, palestras formatadas em vídeos curtos combinados com quizzes16; avaliação
e autoavaliação automatizadas; avaliação por pares e fóruns online como apoio à
discussão. Alguns dos ambientes mais utilizados mundialmente como representantes dos MOOC são EdX (2015), Coursera (2015) e Udacity (2015).
O ambiente virtual de aprendizagem edX
O ambiente virtual edX17 foi criado em 2012 e é mantido pela Universidade de Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos
em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos. Seu objetivo é oferecer cursos
e estudos abertos e online, em formato open source (edX, 2015). A oferta de
cursos ocorre por meio da associação com outras instituições, em um formato de
consórcio chamado de xConsortium, composto pelas universidades de Toronto,
Berkeley, Hong Kong e Seul, entre outras 36 instituições.
Por meio da plataforma EdX, as universidades e as instituições de ensino
podem hospedar e oferecer cursos autorais e disponibilizá-los ao público em geral. Além disso, as instituições associadas também utilizam a plataforma para
pesquisar como os estudantes aprendem e como as tecnologias podem aprimorar
os processos de ensino-aprendizagem
Os mantenedores da edX explicitam que os objetivos desta plataforma estão alicerçados em torno da proposta de torná-la um recurso no qual estudantes
possam aprender de modo colaborativo e abrangente na internet. Expõe, assim,
16 Trívias, conjuntos de perguntas sobre conhecimentos gerais, normalmente utilizados em jogos sociais.
17 https://www.edx.org/
70
Design para uma educação inclusiva
seus objetivos: “Expandir o acesso à educação para todos, melhorar o ensino e a
aprendizagem presencial e online e ensino e aprendizagem avançada através da
investigação” (EDEX, 2015). Já os princípios estabelecidos são “sem fins lucrativos, plataforma de código aberto, colaborativa, financeiramente sustentável”.
O ambiente virtual de aprendizagem Coursera
O ambiente Coursera18 foi criado pelas universidades norte-americanas de
Stanford, Princeton, Michigan e Pennsylvania, possuindo atualmente cerca de 90
instituições associadas à proposta. No Brasil, temos a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afiliadas à proposta e ofertando cursos gratuitos a distância em diversas áreas do conhecimento
(COURSERA, 2015, s/n).
De modo geral, os cursos oferecidos no ambiente Coursera são disponibilizados
no formato de videoaulas gravadas e veiculadas de modo linear por meio da
transferência de arquivo (streaming19). São realizados testes online automatizados, no formato de pergunta-resposta, e avaliações por estudantes matriculados
e por professores dos cursos. O desenvolvimento de avaliações por estudantes
colegas é uma técnica adotada nos cursos com o objetivo de promover a interação
entre os estudantes-usuários e viabilizar a correção das atividades.
Segundo o consórcio institucional (COURSERA, 2015), a proposta de cursos nesta plataforma é baseada em métodos de ensino delimitados em quatro fundamentos: a eficácia da “aprendizagem online”; “pedagogia de domínio”; “avaliação entre colegas” e a “educação mista”. No caso da aprendizagem online, os
idealizadores afirmam que este formato de ensino é mais eficaz que os métodos
tradicionais de ensino. A pedagogia de domínio preconiza que os estudantes necessitam dominar determinado tema antes de passar para temas mais avançados. Nesse caso, se um conceito não for compreendido pelo aluno, o feedback é
imediato e sequencialmente são oferecidas atividades em versões alternativas, de
modo que o estudante possa fazer e refazer as tarefas até dominar o conteúdo.
A avaliação entre colegas é baseada no fato de que muitos cursos possuem
atividades significativas que não podem ser corrigidas automaticamente por computadores. Neste caso, o ambiente utiliza um método no qual os estudantes podem
avaliar e enviar seus comentários acerca dos trabalhos uns dos outros. Finalmente,
a educação mista fundamenta-se na ideia de que a parceria entre a metodologia
18 https://pt.coursera.org/
19 Fluxo de mídia, forma de distribuição de dados, especialmente vídeos, em que os arquivos ficam
hospedados em um servidor, não sendo transferidos por meio de pacotes de informação para o
computador do usuário, permitindo o acesso do usuário às imagens enquanto são transferidas.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
71
específica das instituições associadas é capaz de proporcionar aos estudantes uma
experiência significativa de aprendizado, ampliando o envolvimento, a frequência
e seu desempenho. Avaliando a plataforma, notamos que as funcionalidades e as
estratégias adotadas revelam a necessidade de um perfil de estudante com habilidade em se adaptar a um modelo de ensino diferente do formato convencional,
como: disciplina com os estudos, comprometimento com as atividades, autonomia
e capacidade de gerenciamento do ritmo de seu aprendizado.
O ambiente Edmodo como uma rede social educacional
O ambiente Edmodo20 foi construído no ano de 2008 e, embora seja de
caráter proprietário, possibilita o acesso e uso gratuito de suas funcionalidades.
Trata-se de um ambiente no qual os docentes e estudantes têm a possibilidade
de publicar e compartilhar imagens, textos e arquivos de áudio e vídeo, promovendo a hipertextualidade. O Edmodo permite a inclusão de links, textos,
enquetes e quizzes, em áreas de destaque do seu layout, facilitando a interação
entre os usuários.
O ambiente possui uma interface similar à das redes sociais digitais, tal como
o Facebook, sendo de simples navegação. A plataforma possibilita o acompanhamento das atividades realizadas pelos estudantes-usuários e permite a atribuição
de notas de aproveitamento nas atividades propostas. Alguns dos limites percebidos no ambiente Edmodo são a impossibilidade da produção colaborativa
de textos, como o uso de wikis21, além da ausência de recursos de comunicação
síncrona, como chats em tempo real, conversação e visualização de participantes
com o uso de webcam. O ambiente dispõe de um espaço para montagem de uma
biblioteca virtual, possibilitando ao educador disponibilizar arquivos e materiais
educacionais a serem utilizados pelos estudantes-usuários.
Por meio de um levantamento preliminar, constatamos que o Edmodo é uma
plataforma que obteve entre os anos de 2012 e 2015 um crescimento exponencial
no número de usuários cadastrados. O Gráfico 4.1 expõe a classificação dos AVA
mais populares internacionalmente segundo os critérios de classificação realizados pelo diretório Capterra22 (2016), que classifica softwares seguindo critérios
diversos, como quantidade de usuários e vínculo em redes sociais. Conforme a
pesquisa, o Edmodo passou de 10 milhões de usuários em outubro de 2012 para
49 milhões em dezembro de 2015.
20 https://www.edmodo.com/?language=pt-br
21 Conjunto de páginas ou documentos online que podem ser acessados, editados e alterados coletivamente e sem custos.
22 www.capterra.com
72
Design para uma educação inclusiva
Gráfico 4.1: Variação no número de usuários nos principais AVA
Fonte: Capterra (2016), elaboração própria.
Considerações sobre os AVA: dos modelos tradicionais
às novas proposições
É possível reconhecer que os ambientes virtuais Moodle e Blackboard
são as plataformas que mais oferecem recursos voltados para uma concepção
construtivista e interacionista de aprendizagem. Apesar de suas limitações, são
os que apresentam características mais flexíveis quanto à configuração de seu
layout e disponibilidade de funcionalidades. Consideramos a flexibilidade de
código aberto do Moodle, que possibilita a configuração da plataforma sob
demanda pelos gestores de cursos, uma funcionalidade que permite viabilizar
uma interface gráfica simples e amigável aos tutores e estudantes-usuários. Estes
ambientes oferecem a possibilidade de organização personalizada do espaço,
tanto na inserção de recursos e funcionalidades quanto na colocação das atividades dos cursos. Há, também, uma variedade de recursos e ferramentas para a
avaliação do aprendizado dos estudantes.
Paralelamente, notamos características relevantes nos ambientes virtuais
de aprendizagem mais recentes, como o Edmodo, edX e Coursera, que revelam
aprimoramentos de interface e novas possibilidades de comunicação e interação.
Nestes ambientes, não se encontra a flexibilidade da configuração e organização
do layout como nos ambientes Moodle e Blackboard. Entretanto, os ambientes
MOOC não demandam a manutenção de servidor próprio em sua hospedagem.
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
73
É possível observar, por exemplo, as funcionalidades oferecidas pelo ambiente
Edmodo, que propiciam uma facilidade de aprendizagem na sua utilização e na
localização de recursos, uma vez que este AVA possui uma interface semelhante
àquelas utilizadas em redes sociais digitais. Além disso, o ambiente similar ao das
redes sociais favorece ações de compartilhamento, comentários e curtidas das
postagens de professores e estudantes. De modo especial, o Edmodo é utilizado na
Educação Básica, possibilitando aos pais criarem um perfil de usuário associado
aos cursos para acompanharem a evolução do aprendizado de seus filhos.
Embora se encontrem algumas vantagens no ambiente Edmodo, também é
necessário sinalizar seus limites. Além da rigidez quanto à possibilidade de reconfiguração de seu layout, notamos uma dificuldade em localizar atividades e
materiais postados a longo prazo, em virtude da sobreposição de postagens no
formato de timeline23.
Os ambientes edX e Coursera, por serem plataformas criadas para um perfil
de público de cursos massivos, apresentam características limitadas quanto à flexibilidade e navegabilidade. Nesses ambientes, predominam as características de
atividades seguindo uma linguagem linear, estrutura discursiva característica de
materiais didáticos impressos adotados no ensino presencial.
A emergência de estudos relacionados à construção de
ambientes virtuais de aprendizagem
Diferentes estudos apresentados nas edições do SIMAR tiveram como intuito compreender os processos de construção de AVA, bem como as possibilidades de confluência da educação a distância, da comunicação e do design,
em processos de aprimoramento da interface, do projeto pedagógico e das potencialidades de interação em tais plataformas. Para citar alguns, temos o estudo realizado por Miranda, Moura e Gribl (2008), que discute os recursos de
educação a distância e os desafios para escolas e universidades; as reflexões de
Gama e Farbiarz (2010)24, que dialogam com o panorama dos AVA no Brasil,
analisando a plataforma Eureka; e as contribuições de Carvalho; Farbiarz e
Farbiarz (2015) que se dedicam a compreender a relação entre design, educação
e comunicação na construção de AVA.
23 Linha do Tempo, muito usual em redes sociais, apresenta as postagens de conteúdos e comentários em um mural vertical, no qual as postagens mais recentes são posicionadas acima das mais
antigas, que acabam não sendo mais visualizadas pelo usuário.
24 O artigo na íntegra, intitulado “Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no Brasil:
uma análise da plataforma Eureka” está disponível em: <http://www.letras.puc-rio.br/eventos_
let/4silid/anais/III%20SILID%20II%20SIMAR.pdf.>.
74
Design para uma educação inclusiva
O estudo desenvolvido por Miranda, Moura e Gribl, (2008) teve como objetivo
apresentar algumas reflexões sobre a utilização do ambiente colaborativo TelEduc25,
destinado à educação a distância e ao apoio ao ensino presencial em disciplinas de
estágio supervisionado de formação de professores da Faculdade de Educação da
Unicamp. O ambiente TelEduc é uma plataforma de ensino a distância desenvolvida
pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) e pelo Instituto de Computação (IC) da Universidade Estadual de Campinas. O ambiente foi desenvolvido
mediante a disposição de uma variedade de funcionalidades de comunicação, como
correio eletrônico, grupos de discussão, mural, portfólio, diário de bordo, bate-papo,
além de ferramentas e recursos para consulta às informações produzidas em um curso
e visibilidade dos trabalhos desenvolvidos, como intermap e acessos.
Os autores discutem três dimensões importantes que emergiram da experiência de trabalho com o ambiente colaborativo, sendo:
1) A possibilidade de abertura para reconstrução da relação institucional universidade/escola através da utilização, pelos alunos de licenciatura, de instrumentos de
pesquisa qualitativa a partir de texto, som e imagem, por meio do ambiente colaborativo do TelEduc.
2) O surgimento e o fortalecimento no ambiente colaborativo TelEduc de uma interação entre professor (orientador de estágio), formador (PED – Programa de Estágio
Didático para alunos de pós-graduação da Universidade) e alunos, fundamentada em
narrativas verbais e não verbais, as quais propiciam uma nova postura de supervisão
de estágio que reconfigura tempos e espaços educativos.
3) Uma primeira reflexão sobre os aspectos pedagógicos de formação de professores
que emergem das narrativas construídas pelos alunos estagiários através das ferramentas de interação do ambiente colaborativo TelEduc (Ibid., p. 225).
Por meio do estudo realizado, eles constataram que ambiente colaborativo,
os recursos e os materiais de apoio contribuem significativamente para dilatar no
tempo e no espaço o processo de formação de estudantes de licenciatura, realocando-os efetivamente para fora da sala de aula presencial tradicional.
Já o estudo realizado por Gama e Farbiarz (2010) teve como mote o levantamento e mapeamento de AVA no Brasil. A partir da análise exploratória de cursos
a distância online os autores pretenderam discutir aspectos da interface gráfica de
AVA, utilizando conceitos de comunicação visual e design.
O ambiente Eureka26 foi desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR) como um recurso de mediação pedagógica e apoio à aprendizagem,
25 http://www.teleduc.org.br/
26 https://eureka.pucpr.br/entrada/index.php?acao=carregando
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
75
ampliando a sala de aula no espaço e no tempo. De acordo com seus desenvolvedores
“o Eureka permite a comunicação entre os participantes, a organização das tarefas, o
depósito de trabalhos, o acesso aos conteúdos digitais, entre outros” (EUREKA, 2016).
No estudo, os pesquisadores constataram que, na elaboração de um curso
a distância online, é importante ampliar os esforços para o aprimoramento de
aspectos referentes à interface gráfica e ao potencial de navegação do ambiente,
superando a ênfase que é dada normalmente à produção de conteúdos verbais. E,
além disso, eles observaram a necessidade de explorar a potencialidade da internet por meio do uso de hipertextos e hipermídias, proporcionando situações que
possibilitem uma interação ampliada entre os usuários e o conteúdo.
Finalmente, o estudo realizado por Carvalho, Farbiarz e Farbiarz (2015) teve
como objetivo discutir a relação entre design e educação a distância com vistas
a otimizar a produção de AVA. O estudo revelou ser um ponto positivo os AVAapresentem certa flexibilidade na configuração de sua interface, permitindo aos
usuários adequá-los às suas necessidades, como no caso do Moodle e do Blackboard. Ademais, os autores acreditam ser importante que os AVA disponibilizem
uma quantidade moderada de funcionalidades e recursos educativos, de modo a
propiciar certa de facilidade de uso. Outra recomendação foi que os ambientes
apresentem certa simplicidade de utilização, com um layout simples e amigável,
defendendo a aproximação interdisciplinar entre os campos do design e da EaD
com vistas a otimizar estratégias de construção de AVA favoráveis aos processos
de ensino-aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando contrapomos os resultados da análise de frequência dos artigos
selecionados das quatro edições do SIMAR e a discussão empreendida pelos
autores destacados, frente ao referencial teórico e à análise da “evolução” dos
ambientes virtuais de aprendizagem, é possível perceber algumas concordâncias
e outras discordâncias.
Se lembrarmos que os estudos selecionados privilegiaram uma discussão sobre
os ambientes de aprendizagem, tanto virtuais quanto presenciais, assim como o uso
das TDIC e dos materiais didáticos, igualmente os impressos e os digitais, parece
incongruente percebermos que apenas três artigos dentre estes se dedicaram especificamente a analisar e discutir as possiblidades destas plataformas de ensino.
A preocupação apontada entre os pesquisadores dos estudos - também professores – em como utilizar tais recursos no ensino e a necessidade de realizar
pesquisas a este respeito, soma-se a esta incongruência, especificamente no âmbito do SIMAR. A realidade que bate à porta – ou à sala – dos professores das sociedades contemporâneas, urbanas e industrializadas, no que se refere à presença
76
Design para uma educação inclusiva
das TDIC no espaço escolar e mediando os processos de ensino-aprendizagem,
encontra eco entre diversos autores, alguns citados neste texto.
Especificamente nos três artigos com enfoque em AVA, apresentados no
SIMAR, a questão da cooperação, colaboração e interação esteve presente nas
discussões sobre estes ambientes. Sua importância parece central mesmo para
usuários e desenvolvedores de ambientes virtuais, haja vista o crescimento da participação dos MOOC, como ambiente de aprendizagem massiva e, em especial, o
Edmodo, que obteve o maior crescimento em número de usuários desde 2014 e
que reproduz a lógica das redes sociais, com foco na interação.
Por outro lado, esses novos ambientes virtuais apresentam uma interface
padrão com limitadas possibilidades de configuração, seja pelos alunos-usuários,
seja pelos docentes-desenvolvedores. Esta constatação vai de desencontro às constatações dos autores dos três artigos com enfoque em AVA, que indicaram a necessidade de interfacesgráficas e de navegação amigáveis, mas também significativas e alinhadas às temáticas dos cursos nelas hospedados.
Parece curioso pensarmos que, enquanto os espaços de ensino presenciais
vêm caminhando em direção a propostas de humanização, personalização e flexibilidade, os espaços virtuais caminham no sentido oposto, privilegiando a massificação e pasteurização dos ambientes. Novamente, merece preocupação que,
dentre as categorias destacadas na análise dos artigos apresentada neste texto, os
sujeitos diretamente envolvidos no processo de ensino-aprendizagem representem
somente 4% das preocupações dos pesquisadores.
Neste sentido, cabe recuperar a pesquisa de Farbiarz e Farbiarz (2008) A educação
a distância online: a dicotomia no ciberespaço, em que eles destacam que
o aluno-usuário não somente acompanha o projeto didático de um curso EaD online pelo verbal como pode ser levado a uma imersão virtual
através dos elementos gráficos que compõem o sistema de navegação e
ambientação do curso. [...] O aluno-usuário é instigado e estimulado a
buscar conteúdos, a explorar as atividades e tarefas não só por seu interesse e objetivos acadêmicos, mas pelo envolvimento multiparticipativo em um ambiente projetado visualmente, em seus aspectos gráficos
e de navegação, que integrem o sentido do texto (Ibid., p. 13).
O papel do design em associação com a educação e a comunicação parece
central neste processo, mas representa somente 3% das preocupações dos autores
selecionados no SIMAR, enquanto a comunicação representa somente 1% destas
mesmas preocupações, como apresentado na Tabela 4.10.
Enquanto não for fortalecida a relação entre estas três grandes áreas do saber, no que se refere ao uso e configuração das TDIC’s nos espaços de ensino-
A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem
77
-aprendizagem, sejam eles presenciais ou virtuais, será difícil promover mudanças
nesta realidade. Cabe aos pesquisadores desenvolverem estudos nesta área que
contemplem os sujeitos e os suportes em interação, levando em conta o papel
dos agentes envolvidos neste processo e suas responsabilidades na promoção de
espaços contemporâneos de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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BLACKBOARD. Sobre a BB. Disponível em: <http://blackboard.grupoa.com.br/
sobre-a-bb/>. Acesso em: 18 mai. 2016.
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CAPÍTULO
5
As potencialidades
pedagógicas e impactos das
interfaces dos sistemas
instrucionais nas tecnologias
das linguagens humanas
Vicente Aguimar Parreiras, Doutor, Centro Federal de Educação Tecnológica de
Minas Gerais (CEFET-MG)
Christiane Louise Leão, Mestre, Centro Federal de Educação Tecnológica de
Minas Gerais (CEFET-MG)
INTRODUÇÃO
Neste artigo debatemos as potencialidades pedagógicas e os impactos que
as interfaces dos sistemas instrucionais baseados nas TDIC podem ter nas tecnologias das linguagens humanas, tema discutido em grupo de trabalho de mesmo
nome, vinculado ao evento SILID/SIMAR. A finalidade de refletirmos sobre os
80
Design para uma educação inclusiva
papéis de alunos, professores, tutores presenciais e a distância e das ferramentas
disponibilizadas pelas TDIC no gerenciamento de ambientes de ensino e de aprendizagem presencial e a distância com vistas ao desenvolvimento das competências
linguísticas e comunicativas de estudantes de diversos níveis de proficiência linguística nos âmbitos da produção e recepção escrita e oral de línguas.
São notórios os impactos das interfaces que os sistemas instrucionais baseados nas tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC) têm nas
tecnologias das linguagens humanas e são evidentes as potencialidades pedagógicas dessas TDIC na atual sociedade globalizada da informação. Consideramos
que tais impactos refletem nos papéis de alunos, professores, tutores presenciais
e a distância e das ferramentas disponibilizadas pelas TDIC no gerenciamento
de ambientes de ensino e de aprendizagem presencial e a distância. Consequentemente, esses impactos afetam o desenvolvimento das competências linguísticas
e comunicativas de estudantes de diversos níveis de proficiência linguística nos
âmbitos da produção e recepção escrita e oral de línguas.
Nessa perspectiva, a nossa reflexão neste artigo parte dos conceitos de ensino e de aprendizagem para discutir como estes interconectam-se com as TDIC
disponíveis na sociedade da informação e impactam os ambientes de ensino e de
aprendizagem. A noção de ensino pressupõe o conceito de aprendizagem e possibilita analisar diferentes abordagens de ensino dependentes de contextos variados
que exigem letramentos específicos.
Essas análises implicam também os perfis e papéis do professor em várias
situações e modalidades de ensino e geram discussões e insights sobre a função
do professor nos ambientes de aprendizagem presenciais e a distância, bem como
sobre as teorias de aquisição e sobre a necessidade de o professor procurar ter
uma prática informada para ser bem-sucedido.
A interação e a construção social do conhecimento têm sido questões recorrentes nos estudos sobre aquisição de línguas e a agilidade da comunicação no
meio digital pode ser atribuída às múltiplas formas de codificação da informação
e de transmissão das mensagens que esse meio disponibiliza ao usuário.
Enquanto Piaget defendia que a inteligência era desenvolvida internamente,
conforme a evolução da aprendizagem, Vigotsky argumentava que o desenvolvimento sucedia à aprendizagem. Uma de suas convicções é a de que qualquer
função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro, no
nível social, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (intersubjetivo)
e, então, internamente na criança (intrasubjetivo). Todas as funções superiores se
originam das relações reais entre indivíduos.
O meio ambiente aparece como ponto principal nas postulações de Freire. Refletindo sobre o processo de interação do homem com o meio, a partir da sociedade
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
81
brasileira, Freire (1987, p. 73) enfatiza a importância da contextualização dos tópicos
a serem abordados de forma interativa na sala de aula de acordo com o cotidiano e
com os valores dos alunos. Nesse sentido, o autor afirma que “o pensar do educador
somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos, pela realidade, portanto, na intercomunicação”. Essa noção de educação
opõe-se ao modelo que o autor denomina “educação bancária”, em que o professor
é detentor do saber e o aprendiz é um receptor passivo.
As implicações da teoria sociocultural para o ensino e aprendizagem de línguas apontam a interatividade como sendo a finalidade do processo pedagógico.
Na concepção desses autores, a interatividade possibilita a interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento mediados por “instrumentos técnicos, mecânicos
e psicológicos” (VYGOTSKY, 1984). E é neste processo interativo que, segundo
Vigostsky, a aprendizagem se dá.
Pesquisadores dos processos de aprendizagem reconhecem, também, que
quando há produção de output compreensível, há também aquisição de conhecimento (SWAIN, 1985). A autora (ibid.) defende que ao responderem perguntas
do professor ou dos colegas, ao levantarem questionamentos e tecerem comentários, os aprendizes se envolvem ativamente na negociação de significado. A atribuição de significados aos insumos recebidos pelo aprendiz torna esse input compreensível, o que é de grande importância para que a aquisição do conhecimento
se dê (KRASHEN, 1985).
DISCUSSÕES
Tendo em vista que as teorias de aquisição, aprendizagem e produção de
conhecimentos são unânimes em afirmar que a interação é um fator sine qua non
para a aprendizagem, e considerando também que há consenso sobre a importância do input significativo bem como da produção para que ocorram aprendizagens
bem-sucedidas, as discussões neste artigo se dão sob as perspectivas construtivista
e sócio-interacionista de ensino, conforme preconizam Piaget, Vygotsky, Freire,
Ellis (interactional hypothesis), Krashen (input hypothesis) e Swain (output hypothesis). Assume-se como base de interpretação os designs instrucionais utilizados
em dois contextos de aprendizagem: um a distância – disciplina Práticas de Letramentos: identidade e formação do professor, ofertada na modalidade EaD na Pós-Graduação Stricto Sensu em Estudos de Linguagens do CEFET-MG (SCHYRA,
2016); e outro presencial – disciplina Língua Inglesa na Educação Profissional e
Tecnológica do CEFET-MG. Ambas as disciplinas foram ministradas pelo Professor Vicente Aguimar Parreiras utilizando o Modelo Interacional Adaptativo
Complexo de Aprendizagem (MIACA) (PARREIRAS, 2015) na perspectiva do
conceito de flipped classroom.
82
Design para uma educação inclusiva
Essas disciplinas foram idealizadas sob as óticas construtivistas piagetiana e vygotskiana para promover a construção social do conhecimento através
da interação dos participantes. Seus preceitos teóricos atuam nos contextos de
aprendizagem virtual ou presencial em que os recursos pedagógicos destinam-se
ao desenvolvimento de atividades coletivas. As interações com o meio e/ou com
os participantes do processo de ensino e aprendizagem promovem assimilações,
acomodações e constantes (des)equilíbrações nos esquemas mentais dos alunos.
Segundo Piaget (1978), a interação do indivíduo com o meio promove o conhecimento, pois, em contato com o desconhecido, busca suas estruturas mentais
para identificar o que é novo. Tal processo é definido como assimilação, em que
o sujeito incorpora novas informações a conhecimentos preexistentes. Impossibilitado de assimilar o novo, o indivíduo modifica seus esquemas mentais para
acomodar o desconhecido a uma nova estrutura cognitiva. A partir desse instante,
há a transformação do conhecimento prévio em novo, com o equilíbrio entre a
assimilação e acomodação – fenômeno definido como equilibração.
Por sua vez, Vygotsky (1979) preconiza que o conhecimento advém de interações sociais através da linguagem, que permite desenvolver pensamentos e
ações, atuando como uma ferramenta cultural dessas interações em sociedade.
Segundo esse pesquisador russo, a interação de um aprendiz com um indivíduo mais competente ocorre com a atuação deste sobre a zona de desenvolvimento próxima daquele. Frente a habilidades novas ou além da capacidade
do aluno, o educador interage com o educando para promover a realização de
uma tarefa. A zona de desenvolvimento proximal, de acordo com Vygotsky, é
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma-se determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas em colaboração com
indivíduos mais capazes. Dessa forma, ao internalizar as informações advindas do par mais hábil, o discípulo amplia seu potencial cognitivo para utilizá-lo em ações futuras.
Wood, Bruner e Ross (1976) desenvolveram o conceito de scaffolding (andaime) a partir das definições da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky.
Para os autores, o termo remete à ideia de construção de um andaime por se tratar
de uma estrutura temporária, utilizada para facilitar o acesso a um ponto superior, gradualmente retirada quando não mais necessária.
Nesse cenário, Wells (In: Daniels, H., 2003) reformula a própria concepção
inicial da ZDP para estendê-la para todo aprendiz, independente da idade ou do
estabelecimento de uma interação novato-especialista. Para esse estudioso, a ZDP
constitui um potencial para o aprendizado que é criado na interação entre participantes em um contexto específico, sendo uma “uma oportunidade para aprender
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
83
com e através dos outros, que se aplica potencialmente a todos os participantes e
não simplesmente para os menos hábeis ou informados”1 (p. 249).
Nesse sentido, Puntambekar e Hübscher (2005) desenvolveram um estudo
evolutivo sobre scaffolding, de forma a ampliar o conceito original para além
do aprendizado entre pais e filhos e/ou professores e alunos. Para os autores, a
aprendizagem em sala de aula requer a análise das necessidades e dificuldades dos
alunos para a escolha do scaffolding a ser utilizado pelo educador. A partir desse
diagnóstico, o professor promove atividades que estimulem a interação e raciocínio dos estudantes, tornando possível que o próprio educador ou o educando
possam ajudar coletivamente na realização de determinada tarefa.
Ademais, Puntambekar e Hübscher (2005) relatam que o scaffolding pode
ser prestado de vários modos, com uso de distintas ferramentas, indo além do
apoio do professor ou do(s) colega(s), já que materiais didáticos e recursos tecnológicos também são formas de apoio em uma sala de aula. Isso particularmente
representa um avanço na aplicabilidade do scaffolding, já que, em múltiplos formatos, o suporte pode atuar em diferentes ZDP existentes no ambiente estudantil
e, consequentemente, diferentes estilos de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a o scaffolding pode ser utilizado na educação a distância
para motivar os alunos dessa modalidade educacional, facilitando o desenvolvimento da autonomia dos aprendizes. ZDP e scaffolding são úteis ao considerar
as necessidades dos alunos no fornecimento de estruturas que permitam apoiar e
motivar o grupo. Ao promover a interação dos participantes para a realização de
atividades de aprendizagem que de outra forma não seriam viáveis, o educador permite que, gradualmente, os aprendizes absorvam responsabilidades, internalizando
e dominando habilidades inerentes ao desenvolvimento cognitivo, o que promove
a autonomia dos estudantes e um potencial para o sucesso em um ambiente de ensino a distância (CHEN; DENG; YEN, 2005; DUNLAP; LUDWIG-HARDMAN,
2003; MARSHALL; MCLOUGHLIN, 2000). Nessa perspectiva, Parreiras (2005),
ao relacionar o conceito de ZDP com a autonomia do aprendiz, prolata:
Conforme a autonomia do indivíduo cresce, esta distância se encurta. O desenvolvimento potencial de hoje pode se tornar o desenvolvimento real de amanhã. Este
processo de desenvolvimento da autonomia não é automático. À medida que o indivíduo interage com as coisas à sua volta, ele reflete, produz movimentos internos de
processamento das informações adquiridas através de mediação (p. 66).
McLoughlin e Marshall (2000) ao trabalharem scaffolding em ambiente online, ressaltam questões motivacionais e de autonomia do aprendiz. Para as pesquisa1 Original: … an opportunity for learning with and from others that applies potentially to all participants, and not simply to the less skillful or knowledgeable
84
Design para uma educação inclusiva
doras, o scaffolding concebido pelo educador deve atender à proposta pedagógica,
com desenvolvimento de elementos de design instrucional que motivem o estudante, ajudando-o nas diretrizes das tarefas e na interação com o grupo, para que tenha
um desempenho independente e satisfatório.
A motivação é o desejo que move uma pessoa a alcançar algum objetivo. Nesse sentido, Oliveira (2010, p. 221) declara que a autonomia decorre de “um processo construído a partir de estratégias emancipadoras e coparticipativas que levem
o aluno à autoaprendizagem”, ou seja, o indivíduo necessita da mediação do outro
para instituir sua autonomia. Nesse sentido, Fiuza, Matuzawa e Martins (2001, p.
3) declaram que a autonomia se caracteriza essencialmente na EaD pela capacidade
de o aluno prover o estudo independente.
Assim, a educação presencial ou a distância deve ser planejada de forma a
estimular trocas interacionais entre os atores do processo educacional. Através do
uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), desenvolvem-se ambientes educacionais digitais que permitem o diálogo e experiências afetivas, fatores que atuam na manutenção do interesse dos alunos e no sentimento
de pertencimento ao grupo, de forma a sentirem-se comprometidos e motivados
a prosseguir com seus estudos (FÁVERO; FRANCO, 2006).
Pavesi e Oliveira (2012), ao fundamentarem seu trabalho em Almeida (2009) e
Almeida e Ildete (2008), descrevem que a tutoria tem papel relevante na motivação,
uma vez que auxilia e estimula o aprendiz a interagir com o grupo, influenciando a
permanência dos alunos nos cursos. Ademais, as pesquisadoras abordam Koshino
(2011) para ressaltar que a abordagem pedagógica promotora de atividades em
grupo é fator motivador que propicia uma melhor aprendizagem dos alunos.
Conforme Filatro (2008, p. 21), design instrucional é o “[...] processo (conjunto de atividades) de identificar um problema (uma necessidade) de aprendizagem e desenhar, implementar e avaliar uma solução para esse problema”.
No caso da disciplina Práticas de Letramentos: Identidade e Formação do Professor, evidencia-se a importância do design de interface para a interação humana com o
computador e para as interações e interatividades que ocorrem entre os alunos, professores e objetos de aprendizagem da disciplina em atividades colaborativas. Podemos
observar que os contextos e padrões de utilização das novas tecnologias da disciplina
visam a compreensão do aprendizado online como um sistema inserido em um contexto mais amplo, que extrapola a própria situação didática em si, uma vez que objetivos
de aprendizagem, papéis, atores, ambientes, métodos e resultados estão sempre impregnados de influências sociopolíticas, histórico-culturais e tecnoeconômicas.
Nesse sentido, na disciplina Práticas de Letramento, ministrada a distância no Mestrado em Estudos de Linguagens, pela “Linha III: linguagem, ensino,
aprendizagem e tecnologia”, o Professor Vicente Parreiras validou a sua proposta
85
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
do MIACA levando para o ambiente digital uma modelagem interacional que
garantisse oportunidades significativas de interação, conforme descritas no Quadro 5.12. Como resultado, houve a promoção da capacidade de reflexão do aluno
sobre o conteúdo trabalhado e, consequentemente, sobre seu próprio letramento
e aprendizado, além da criação de oportunidades para a construção coletiva do
conhecimento, com base em uma estrutura metodológica dinâmica e desafiadora.
Quadro 5.1: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Práticas de Letramento: Identidade
e Formação do Professor
DINÂMICA DOS CICLOS DA DISCIPLINA
(cada ciclo tem duração de três semanas)
Indicação de bibliografia básica para subsidiar debate no fórum de
discussões do ciclo.
Indicação dos grupos de trabalho do ciclo e seus respectivos líderes.
ATIVIDADE: ler a bibliografia básica indicada, responder às perguntas
encaminhadas pelo professor/monitor e discuti-las dentro do grupo até a QUA-2
(quarta-feira da segunda semana do ciclo).
O líder deverá conduzir uma discussão (inbox) no seu grupo sobre as questões
encaminhadas até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo).
SEG-1
O líder deve registrar os consensos e descensos no seu grupo em um relatório
e encaminhar a todos os membros do seu grupo até na QUA-2 (quarta-feira da
segunda semana do ciclo).
Todos os membros do grupo devem participar ativamente das discussões internas
do seu grupo (inbox) e das discussões informais gerais no Facegroup [as discussões
no Facegroup poderão fomentar as reflexões e as discussões inbox do grupo e o
líder do grupo poderá utilizá-las para complementar o seu relatório, desde que
devidamente referenciadas (dando os créditos)].
OBS.: O líder deve manter organizados os registros das discussões tanto do seu
grupo quanto do Facegroup para utilizá-los no relatório e no ensaio colaborativo
que deverá coordenar para ser entregue ao final do ciclo.
Um debate informal sobre o assunto será conduzido no Facegroup sobre o tópico
da bibliografia básica e todos estão convidados a participar.
(continua)
2 A dinâmica das aulas do Prof. Heitor pode ser estudada de forma mais detalhada em Christiane
Leão (2014 ,p. 69)
86
Design para uma educação inclusiva
Quadro 5.1: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Práticas de Letramento: Identidade
e Formação do Professor (continuação)
Cada aluno recebe um texto complementar para ser resenhado.
Cada aluno grava a sua resenha em um videocast legendado com duração de 1 a 2 minutos.
ATIVIDADES: ler o texto complementar indicado, responder às perguntas
encaminhadas pelo professor/monitor e discuti-las dentro do grupo até a QUA-2
(quarta-feira da segunda semana do ciclo).
Gravar a resenha do texto complementar em um videocast legendado (1 a 2
minutos) e postá-lo no Facegroup até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana
do ciclo). Deve-se referenciar o texto base.
QUA-1
OBS.: estou encaminhando por e-mail um arquivo contendo instruções sobre
como elaborar uma resenha.
A discussão ocorrerá inbox e no Facegroup em continuidade e integrando-se ao
debate sobre a bibliografia básica que já estava em andamento.
O líder deve continuar a registrar as discussões do seu grupo no relatório a ser
encaminhado a todos os membros do seu grupo até na QUA-2 (quarta-feira da
segunda semana do ciclo).
Debater o texto complementar com o grupo de trabalho (inbox) e no Facegroup
estabelecendo relações com a leitura do texto base.
ATÉ
QUA-2
Postar videocast legendado relativo à RESENHA do texto complementar
(1 a 2 minutos).
Enviar a resenha ESCRITA do texto complementar ao líder do grupo.
Cada aluno assiste 15 videocasts (à escolha de cada um), anota aqueles mais
relacionados aos seus interesses e cita-os em suas intervenções nos debates inbox
e no Facegroup.
Postar um comentário sobre o conteúdo de cada um dos videocasts assistidos.
ATÉ
DOM-2 O líder de cada grupo organiza em forma de ensaio as resenhas dos colegas e a
sua própria e encaminha para os comentários eletrônicos dos colegas do grupo
(apenas os membros que enviaram resenhas recebem o ensaio).
OBS.: estou encaminhando pelo Facegroup um arquivo contendo instruções sobre
como elaborar uma resenha.
A FAZER ATÉ QUA-3: (3ª quarta-feira do ciclo):
Cada componente do grupo avalia o ensaio encaminhado pelo líder, seguindo
as dicas de elaboração de ensaio. Inclui comentários/sugestões eletrônicas e
REENCAMINHA AO LÍDER DO SEU GRUPO com cópia inbox para o professor
sob o título FDBK01-ENSAIO-01.
Fonte: arquivos do professor da disciplina.
ATÉ
QUA-3
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
87
Os trabalhos da disciplina eram divididos em ciclos de três semanas que
começavam sempre às segundas-feiras com a indicação da bibliografia básica (comum a todos) e a definição do líder do grupo.
Os grupos contavam com a média de quatro componentes, selecionados de
acordo com os interesses acadêmicos indicados numa planilha de interesses disponibilizada no Google Doc. Tanto o líder como os outros componentes do grupo
deveriam ler a bibliografia básica, responder às perguntas disponibilizadas pelo
professor e realizar a discussão (inbox) até a quarta-feira da semana seguinte,
quando eram registrados pelo líder os consensos e dissensos e encaminhados aos
componentes do grupo.
Após receberem os textos complementares, os alunos deveriam elaborar uma
resenha que contemplasse, também, os textos básicos e gravá-la em um videocast
legendado. O Professor Vicente Parreiras encaminhou via e-mail um arquivo com
instruções sobre como elaborar uma resenha.
A cada três semanas, a dinâmica da disciplina se repetia, ou seja, a
discussão das leituras (inbox) e registro pelo líder acerca dos consensos e
dissensos aconteciam até a quarta-feira seguinte. Em seguida, eram disponibilizadas aos membros do grupo a resenha complementar escrita e em forma
de videocast legendado.
Até o domingo seguinte, os alunos assistiam a quinze videocasts, anotando
aqueles mais relacionados aos seus interesses e citando-os nas intervenções e nos
debates inbox e no Facegroup. Posteriormente, postavam comentários sobre o
conteúdo de cada videocast assistido.
A partir disso, os líderes dos grupos organizavam em forma de ensaio as
resenhas dos colegas e a sua própria, encaminhando para os colegas comentarem.
Na disciplina Língua Inglesa, ministrada presencialmente em quatro turmas
da educação profissional e tecnológica EPT do CEFET-MG, o Professor Vicente
Parreiras (2015) validou a sua proposta do MIACA ao levar para o ambiente
presencial a modelagem interacional que garantisse oportunidades significativas
de interação conforme descritas no Quadro 5.2.
Nesse caso, mesclou-se no design instrucional da disciplina o trabalho com
gênero textual combinado com o trabalho com o LD de língua inglesa, conforme
pode ser observado no Quadro 5.2. De modo geral, a avaliação do professor e dos
alunos foi que o MIACA propiciou oportunidades significativas, contextualizadas
e motivadoras para aprendizagem da língua inglesa.
88
Design para uma educação inclusiva
Quadro 5.2: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Língua Inglesa em quatro turmas da
Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG em 2015
DESIGN INSTRUCIONAL DA DISCIPLINA LÍNGUA INGLESA – EPT/CEFET-MG
• Indicação de bibliografia individual sobre o gênero discursivo do bimestre para subsidiar debate no fórum de discussões do ciclo.
• Indicação de páginas de atividades do LD a serem resolvidas individualmente para subsidiar os trabalhos colaborativos durante o bimestre e no
fórum de discussões do ciclo.
• Indicação dos grupos de trabalho do ciclo conforme Quadro 5.3.
•
•
SEMANAS
1, 2 e 3
•
•
ATIVIDADES:
Ler a bibliografia individual (link individual) sobre o gênero discursivo;
responder às perguntas indicadas pelo professor.
Reunir em grupos (A, B, C, D...); relatar aos colegas as respostas dadas às
questões indicadas pelo professor sobre o gênero textual em estudo; anotar e
avaliar as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação.
Reunir em grupos (1, 2, 3, 4...); relatar aos colegas as respostas dadas às
questões indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos colegas conforme
anotações nos grupos (A, B, C, D...) sobre o gênero textual em estudo; elaborar
uma lista com as principais características do gênero textual em estudo e avaliar
as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação.
Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, decidir as características
fundamentais do gênero textual em estudo; definir os critérios de elaboração e
de avaliação do gênero discursivo; definir os grupos de trabalho para produção do gênero discursivo a ser apresentado oralmente ao final do bimestre.
Extraclasse: elaborar o gênero discursivo em grupo conforme critérios definidos
na plenária.
ATIVIDADES:
• Resolver individualmente as páginas de atividades do LD para subsidiar
os trabalhos colaborativos durante o bimestre e na plenária do bimestre.
• Reunir em grupos (A, B, C, D...); relatar aos colegas as respostas dadas às
atividades das páginas indicadas pelo professor; anotar e avaliar as apreSEMANAS
sentações dos colegas; avaliar a própria apresentação.
4, 5, 6 e 7 • Reunir em grupos (1, 2, 3, 4...); relatar aos colegas as respostas dadas às
atividades das páginas indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos
colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D ...) e avaliar as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação.
• Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, apresentar as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor.
SEMANA 8
Apresentação do gênero Textual produzido no bimestre
Fonte: arquivos do professor da disciplina.
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
89
As atividades desenvolvidas em cada bimestre contemplam a elaboração de
um gênero discursivo definido pela Assembleia da Coordenação de Línguas Estrangeiras do CEFET-MG e de atividades de desenvolvimento das competências
comunicativas de produção e recepção escrita e oral em língua inglesa, com base
em atividades propostas em um livro didático adotado.
Os grupos de trabalho foram formados de acordo com o Quadro 5.3. Cada
aluno recebeu um link para um texto versando sobre as características do gênero
discursivo que foi focalizado no bimestre para ser lido e servir de base para responder às perguntas indicadas pelo professor.
Em seguida, os alunos reuniram-se em grupos (A, B, C, D...), relataram aos
colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor sobre o gênero
textual em estudo, anotaram e avaliaram as apresentações dos colegas e avaliaram a própria apresentação.
Na etapa seguinte, os alunos reuniram-se em novos grupos (1. 2, 3, 4...), em
que havia um componente de cada um dos grupos anteriores; relataram aos colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor e as respostas dadas
pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D...) sobre o gênero textual em estudo; elaboraram uma lista com as principais características do gênero
textual em estudo e avaliaram as apresentações dos colegas e a própria apresentação. Ao final dessa etapa, cada aluno havia apresentado o seu texto duas vezes e
ouvido o relato de todos os demais textos lidos pelos colegas da turma.
Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, decidiram as características fundamentais do gênero textual em estudo; definiram os critérios de elaboração
e de avaliação do gênero discursivo, definiram os grupos de trabalho para produção
do gênero discursivo que foi apresentado oralmente ao final do bimestre e avaliado
pelos colegas e pelo professor de acordo com os critérios definidos na plenária.
Entre a quarta e a sétima semanas do bimestre, os alunos trabalharam com
o livro didático dentro dos pressupostos do MIACA (Quadro 5.3), resolvendo
individualmente as páginas de atividades do LD para subsidiar os trabalhos colaborativos durante o bimestre e na plenária do bimestre.
Após o trabalho individual, reuniram-se em grupos (A, B, C, D...), relataram aos
colegas as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor, anotaram
e avaliaram as apresentações dos colegas e avaliaram a própria apresentação.
Em seguida, reuniram-se em grupos (1, 2, 3, 4...), relataram aos colegas as
respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor e as respostas
dadas pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D...) e avaliaram as
apresentações dos colegas e as próprias apresentações.
Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, apresentaram as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor. Nesse momento, o
professor tirou as dúvidas que surgiram relativas à pronúncia de palavras, vocabulário e gramática e conduziu as atividades de conversação e de listening.
90
Design para uma educação inclusiva
Quadro 5.3 – Modelo interacional adaptativo complexo de aprendizagem MIACA (PARREIRAS, 2015)
B
C
D
E
...
Links sobre gêneros
discursivos – individual
Alunos
Pág. LD individual
A
Aluno 01
de 13 a 15
1
http://www...
Aluno 02
de 16 a 17
2
http://www...
Aluno 03
de 18 a 19
3
http://www...
Aluno 04
de 20 a 21
4
http://www...
Aluno 05
de 22 a 23
1
http://www...
Aluno 06
de 24 a 25
2
http://www...
Aluno 07
de 26 a 27
3
http://www...
Aluno 08
de 28 a 29
4
http://www...
Aluno 09
de 30 a 31
1
http://www...
Aluno 10
de 32 a 33
2
http://www...
Aluno 11
de 34 a 35
3
http://www...
Aluno 12
de 36 a 37
1
http://www...
Aluno 13
de 38 a 39
2
http://www...
Aluno 14
de 40 a 41
3
http://www...
Aluno 15
de 42 a 43
4
http://www...
Aluno 16
de 44 a 45
1
http://www...
Aluno 17
de 46 a 47
2
http://www...
Aluno 18
de 48 a 49
3
http://www...
Aluno 19
de 50 a 51
4
http://www...
Fonte: Arquivos do professor da disciplina
Percebe-se, ainda, que os designs instrucionais das dinâmicas das aulas nas
modalidades a distância e presencial, conforme descritas nos Quadros 5.1 e 5.2
respectivamente, privilegiam as interações dos alunos com o conteúdo de acordo
com os seus interesses individuais, bem como a colaboração dos alunos entre si.
Nesse formato de aula, o foco é o aprendiz e o seu processo de aprendizagem por
meio de uma dinâmica interacional meticulosamente planejada. Cabe ao professor o importante papel de gerenciar essas interações, saindo completamente do
centro do processo pedagógico.
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
91
Nesse cenário, como principal resultado deste estudo, concluímos que o design instrucional desenvolvido para gerenciamento das interações em ambientes de
aprendizagem com propósitos pedagógicos mostrou-se adequado às modalidades
presencial e a distância. Enfatizamos também que o modelo interacional adaptativo complexo de aprendizagem MIACA (PARREIRAS, 2015) presta-se a variados
conteúdos e níveis de ensino numa perspectiva dinâmica dos processos de ensino
e de aprendizagem, não apenas de línguas, mas de quaisquer disciplinas. Ademais,
acreditamos que a dinâmica das interações analisadas sob o ponto de vista da complexidade permitiu enfatizar a emergência de autonomia e motivação dos alunos
concluintes, mesmo apresentando características de field dependence.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados analisados neste artigo relativos às disciplinas oferecidas presencialmente e a distância evidenciaram que, ao contrário das sociedades industriais,
em que a organização se dá pela lógica linear, de causa e efeito, a partir dos
meios de produção, na “sociedade da informação” essa organização ocorre através das TDIC, cujas influências provocam mudanças nas formas de lidar com o
conhecimento nos espaços de aprendizagem, privilegiando a lógica não linear dos
sistemas adaptativos complexos. Ficou evidente que as principais potencialidades pedagógicas dos modelos instrucionais utilizados nos contextos apresentados
neste artigo referem-se à riqueza de possibilidades interativas e aos níveis de significância dos ambientes de aprendizagem apresentados.
Lévy demonstrou que a sociedade moderna vive um momento de transformações desencadeadas pelas TDIC e que a educação precisa se adaptar a essa
nova sociedade, abandonando o modelo linear e hierarquizado para adotar um
modelo dinâmico com ênfase na relação do aprendiz com o seu contexto social,
tendo a língua como elemento mediador.
Nesse contexto, o saber deixa de ser uma posse do professor que o transmite aos alunos e passa a ser construído colaborativamente pelos participantes
dos processos de ensino e de aprendizagem. Os alunos deixam de ser receptores passivos desse conhecimento e passam a ser, em colaboração com o professor, sujeitos da aprendizagem. Isso pressupõe iniciativas de construção do
conhecimento mais descentralizadas, flexíveis e interativas. Assim, o ambiente
de aprendizagem integrativo das TDIC apresenta-se como uma alternativa de
espaço para construção social de conhecimento, em que as informações podem
ser acessadas com facilidade e de forma contextualizada, isto é, próxima à realidade dos alunos. As redes de interações que se formam na sala de aula integrativa das TDIC sugerem um processo de aprendizagem não linear, sem uma ordem
ou uma hierarquia preestabelecida.
92
Design para uma educação inclusiva
Essa perspectiva de ensino e de aprendizagem apresenta aspectos em comum
com a hipótese interacional de Ellis (1999) ao defender uma nova subjetividade
que se oponha ao modelo linear de produção de conhecimento utilizado pela
escola. Assim, o ambiente de aprendizagem integrativo das TDIC pode ser um
espaço de construção não linear e dinâmica do conhecimento, conforme proposto
por Ellis (1999) e Morin (1995).
Nesse contexto, os alunos, os professores, as TDIC na aprendizagem e os demais
agentes educacionais envolvidos no processo de educação passam a assumir novos
papéis em que a integração das TDIC às necessidades dos aprendizes passa a ser importante para o sucesso da aprendizagem. A relação do aluno com a sociedade, nesse
contexto, se apresenta como um desafio ao professor, convidando-o a refletir sobre a
sua prática, a deixar de apresenta-se como o “detentor dos saberes” e a compreender
que sua função é a de colaborador no processo de construção do conhecimento dentro da perspectiva do conceito de inteligência coletiva (LÉVY:1999).
Esse design instrucional baseado nos diversos tipos de interações demanda
um professor que seja facilitador do processo de se criar laços entre os aprendizes
entre si e destes com o próprio professor, promovendo a interação e, consequentemente, o conhecimento. Nesse contexto, o saber que o professor precisará possuir será o de que o conhecimento é construído através de interações, e que essas
interações podem ser, conforme Ellis (1999), intrapessoais, interpessoais e com o
objeto da aprendizagem. A aprendizagem, portanto, dá-se colaborativamente. O
professor deve, então, atuar como um elemento motivador das inteligências coletivas, promotor de reflexões sobre o conhecimento construído, no sentido de que
os aprendizes se tornem agentes da sua própria formação.
Tal concepção de ensino e de aprendizagem pode ter implicações também
no gerenciamento dos ambientes de aprendizagem integrativos das TDIC, especialmente no que se refere à abordagem de ensino utilizada pelo professor, pois
essa abordagem pode ajudar a quebrar o paradigma dos modelos tradicionais de
ensino baseados na linearidade behaviorista do estímulo-resposta, ainda adotados por professores e instituições de ensino em geral e de línguas em particular.
Os ambientes digitais de aprendizagem integrativos das TDIC ainda precisam de
modelos apropriados, que se sobreponham aos tradicionais e que promovam a
aprendizagem fundamentada na construção social do conhecimento. Essa ideia
está implícita no conceito de auto-organização, próprio dos sistemas complexos,
e parece ser capaz de trazer a inovação necessária para satisfazer as expectativas
de aprendizagem tanto dos professores quanto dos aprendizes.
Os nossos dados enfatizam, também, a ideia de que a desestabilização, própria dos sistemas complexos, e a improvisação que as intervenções do professor
demandam estão presentes e interagem na sala de aula, fazendo com que o ambiente de aprendizagem pareça desnorteado. A questão é saber qual o grau de
As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces
93
perturbação e de improvisação é necessário para manter a rede interacional em
crescimento constante e com identidade própria. Por isso, na “sociedade da informação”, a interpretação adequada das necessidades específicas de um grupo
de aprendizes no seu conjunto e de cada aprendiz como indivíduo dentro desse
grupo é importante para o estabelecimento dos critérios para o gerenciamento da
aprendizagem e para as tomadas de decisões pedagógicas sobre as intervenções
mais adequadas a cada situação de aprendizagem.
Os resultados das nossas análises endossam a afirmativa da professora Solange Vereza de que “o uso das novas tecnologias [em relação aos conteúdos nos
LD] deve ter o universo em expansão, sem limitações, como metáfora”3. Consideramos que essa metáfora se aplica também à sala de aula integrativa das TDIC,
numa perspectiva dos sistemas complexos adaptativos em oposição à linearidade
da causa e efeito predominante ainda hoje.
Os produtores de livros didáticos e de materiais e recursos didáticos, bem
como os professores na condição de gestores das suas salas de aula, parecem
ainda não ter percebido as mudanças que já ocorreram em seus contextos e estão
adotando a metáfora inadequada. Apesar de as redes sociais apontarem para a
metáfora do universo em expansão, os LD e MRD também continuam sendo
editados como sendo sistemas lineares.
De modo geral, o professor também continua gerenciando sua sala de aula
como um sistema linear. Se a complexidade interacional das redes sociais digitais
não for rapidamente incorporada aos LD e MRD e às práticas pedagógicas, seremos
professores “imigrantes digitais” surpreendidos por alunos “nativos digitais” com
necessidades e expectativas específicas dessa geração e sem condições de atendê-los.
No nosso entendimento, o professor tem o papel de gestor de interações e
de produtor de metáforas. Um bom professor é aquele capaz de produzir boas
metáforas para gerenciar as interações reflexivas nos ambientes de aprendizagem. As interações reflexivas produzem motivação que, por sua vez, produz
autonomia, gerando novas interações. Isso se torna um círculo virtuoso ideal
nos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, tanto professores quanto tecnologias digitais devem trabalhar em função de formar leitores
críticos. Essa é a principal função de todos os envolvidos nos processos educativos que contam com o modelo interacional adaptativo complexo de Aprendizagem MIACA (Parreiras, 2015), mostra-se adequado a variados conteúdos
e demandas de diferentes níveis de ensino numa perspectiva dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem.
3 Notas tomadas na palestra de abertura do IV SILID – III SIMAR (PUC-Rio – 2013).
94
Design para uma educação inclusiva
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PARTE II – MULTIMÍDIAS E
MULTIMODOS
Jogos eletrônicos na educação formal:
fantasia e controle para expectativas e
perspectivas
Narrativas no jogo: uma oportunidade de
autoria coletiva nas escolas
CAPÍTULO
6
Jogos Eletrônicos na
Educação Formal:
fantasia e controle para
expectativas e perspectivas
Guilherme Xavier,
Doutor, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Jackeline Lima Farbiarz,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
INTRODUÇÃO
Icebergs são montanhas de gelo flutuantes, tradicionalmente reconhecidos
como uma apresentação material acima de uma superfície, sob a qual esconde sua
maior porção. Assim também podem ser metaforizados os jogos eletrônicos na
educação: há mais do que inicialmente se percebe e se explora.
E, sendo praxe começar com uma história que possa contemplar o jogo no
tempo e no espaço, de modo a clarificar suas origens, convido o leitor a voltar
102
Design para uma educação inclusiva
centenas de milhares de anos no passado, em busca das primeiras manifestações
sistemáticas do lúdico entre os humanos primitivos. Encontraremos uma mistura fértil de ritos e ampla produção de sentido: competição, sorte, imitação,
vertigem… Ali, entre a caçada, a coleta e a fogueira, estão os primeiros jogos,
como forma de lidar com o mistério do mundo, como forma de transcender os
ciclos de dia e noite, de vida e morte que regem os destinos desde sempre. No
ensaiar e no brincar sobre o que há além, naquilo que o indivíduo não conhece,
mas experimenta o espírito, surge a noção de que as escolhas podem ser antecipadas para o benefício da sobrevivência.
Advêm das primeiras organizações sociais as primeiras aldeias e cidades. Delas oriundam as primeiras palavras escritas e também os primeiros jogos materializados em tabuleiros e miniaturas, como forma de aplacar tentações de poder e
de buscar a atenção dos deuses. Para o espírito, há arte. Para a mente, há técnica.
O estudo da arte e da técnica e seus resultados práticos é o que hoje entendemos
como tecnologia.
Avançando mais em nossa história, chegamos às primeiras costuras entre
aldeias e cidades, já regidas pelas tecnologias do conhecimento. Surgem os primeiros reinos e depois os primeiros estados, que, como forma de manutenção,
estruturam-se em torno de uma cultura. Sendo os jogos profundos o suficiente
para demonstrar talentos físicos e remediar conflitos, surgem os esportes como
brincadeiras mediadas por regras, determinando resultados mensuráveis.
Mais próximos da nossa contemporaneidade, o trabalho organizado dá origem aos excedentes de produção, liberando mãos e mentes do colapsante fardo
diário do cultivo e da manufatura, permitindo os jogos das ideias e das políticas.
Após o labor, o ócio é ocupado pela liberdade de escolher entre atividades. Eis o
entretenimento: o espaço para o aprendizado pelo ensaio e pelo desenvolvimento
de atividades simbólicas. Vencer. Perder. Tentar.
Uma breve consideração de todos os jogos, em um parágrafo – a despeito da
ousadia e da improbabilidade de tal meta – resume-se em compreender que mesmo
indefiníveis ao absoluto, são meios resultantes de um contexto espaço-temporal que
sejam e de tecnologias aplicadas na tradução de conceitos em sistemas, que , uma
vez participados, fazem de seus participantes indivíduos melhores pela experiência.
É sobre isso que versam todos os jogos. Em linhas gerais, eles enaltecem uma
persistência acumulativa para o momento presente e para o futuro, e o fazem com base
nos conhecimentos adquiridos no passado. Como se relacionam com os espaços de
ensino-aprendizagem? Pela defesa de que se há conhecimento, pode haver educação.
Docentes perceberam os notórios ganhos do uso de jogos na educação há muito tempo. Entretanto, esta percepção origina-se, na grande maioria das vezes, de
experiências e esforços individuais. É necessário, agora, mais do que propostas de
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
103
uso intuitivas: é premente uma formação que desenvolva competências e habilidades que sustentem os docentes para a proposição, análise, avaliação e crítica da
experiência com jogos em espaços de ensino-aprendizagem. É necessário o desenvolvimento de metodologia que diferencie experiências que funcionam de outras
que são tão canhestras que, em vez de aproximar o alunato interessado, o repele-o.
Apesar da percepção de que há ganhos com o uso de jogos na educação, há
um desconforto diante da certeza de que sua proposição e uso carecem ainda do
pleno entendimento de suas possibilidades. Falta respeito e reconhecimento do
que são capazes de atingir e do que viabilizam que o aluno conquiste. Mesmo os
docentes ditos nativos de uma realidade onde jogos e educação coexistem sentem-se imigrantes em decorrência da lacuna na formação que vivenciaram.
Há ainda os que tomam os jogos eletrônicos como frutos diabólicos da corrida armamentista da Guerra-Fria, dado o caráter belicoso de suas origens. Há os
que os entendem como diversão dos alienados tipificados da contracultura popular, conforme fizeram suas primeiras aparições midiáticas na década de 1970. É
bem provável que seus discursos tenham sustentação em uma mídia tradicional
que, muitas das vezes, agiu com o intuito de demonizar o jogo eletrônico, por ser
um potencial competidor da televisão comercial. No entanto, há também os que,
sem a força ditadora de outrora – graças à rede mundial de computadores, com
seu inesgotável conteúdo acessível à ponta dos dedos – buscam entretenimento
ativo e interativo, entendendo os jogos eletrônicos como uma possibilidade de
retomada consciente do “entusiasmo competente e ativo” que precisa invadir os
espaços de ensino-aprendizagem, por carregarem desde sempre, em sua essência,
a possibilidade de experimentação da “fantasia sob controle”. Representando o
último caso, encontram-se aqueles docentes anteriormente mencionados, que, por
esforço individual e experiência particular, buscam práticas de ensino que tenham
nos jogos um potencial para um aprendizado baseado na colaboração.
Certo é que, se antes jogos eletrônicos eram contidos ao momento ritualístico da missa diante do altar do “deus-tevê” ou nos computadores que invadiram
as residências com promessas de futuro profissional, agora eles vagam soltos, na
maioria dos bolsos e bolsas, na forma de aplicativos ou programas dedicados para
dispositivos portáteis que, sem descanso, convidam para a participação em qualquer momento, seja ele oportuno ou inoportuno. Lutar contra isso é lutar contra a
atualização da sociedade informativa. É como culpar a gravidade pelo tombo. Não
há volta. Não há pausa. Não há como proibi-los pois os jogos não estão nas coisas
eletrônicas: estão na mente dos seus jogadores, na forma de ideias e experiências
vívidas. E, por mais enfático e apaixonado que o presente artigo pareça ser, ele sustenta que não se deve proibir ideias e experiências vívidas.
De onde vem a ênfase? Qual a necessidade de extrapolar a paixão? Entendemos que não há como se obter sucesso com práticas de ensino que se mantém an-
104
Design para uma educação inclusiva
coradas nos modelos de sempre, nos quais os pais dos alunos inscritos nas escolas
de hoje foram educados. Modelos nos quais meios como a televisão não foram
explorados em práticas de ensino-aprendizagem por nossos professores e professoras, embora essa tecnologia fosse entendida como um poder, provavelmente
pela insegurança decorrente das condições de formação. A ênfase e a paixão vêm
da certeza de que todos perdemos: eles, alunos; nós, docentes e pesquisadores; a
sociedade. Como perdemos também, em seguida, com as mídias ópticas e seus
aparelhos de DVD, que, adquiridos sem programa coerente para aplicação, ainda
empoeiram em depósitos sem o uso devido e prometido.
Foi desse lugar de valoração do jogo eletrônico em espaços de ensino-aprendizagem que surgiu o grupo de trabalho (GT) jogos na educação1, no evento
SILID/SIMAR, com o objetivo de discutir questões relacionadas ao uso, criação
e desenvolvimento de jogos e recursos de entretenimento como objetos de ensino-aprendizagem em espaços de ensino-aprendizagem. Os pressupostos para a
discussão pautaram-se no entendimento da mídia jogo, de sua tecnologia e participação como oportunidade de motivação, mediação e inovação no desenvolvimento de práticas colaborativas de ensino-aprendizagem.
As comunicações apresentadas versaram sobre jogos em situações de ensino-aprendizagem na visão de alunos e professores para crianças e jovens, em língua materna ou
estrangeira, como caminho para práticas colaborativas que têm o entretenimento como
vetor inicial para projetos de ensino-aprendizagem. A partir delas, foram discutidas as
seguintes questões: como instalar? Como usar? Como jogar? Quando propor? Como
propor? Quais os benefícios e malefícios do jogar? Entre outras questões que foram
discutidas no GT, sobre algumas das quais nos debruçamos no presente artigo.
AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM NOS ESPAÇOS
DE EDUCAÇÃO FORMAL
Podemos dizer que as relações humanas são premeditadas conforme interesses. Um
deles é o de que é possível transmitir experiências na forma de informação para o conhecimento – mas sabemos que a realidade é um pouco mais complicada do que parece.
1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um
determinado grupo de trabalho (GT, os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20
Resumos%20V%20SILID%. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Oficinas e jogos de variação linguística” está disponível em:< http:// www.proceedings.blucher.com.
br/ article-details/oficinas-e-jogos-de-variao-lingustica-22592>. O artigo apresentado no GT intitulado “Construção de jogo como dispositivo para a aprendizagem colaborativa: algumas estratégias” está disponível em: >http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/construo-de-jogo-como-dispositivo-para-a-aprendizagem-colaborativa-algumas-estratgias-22590>.
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
105
Em uma visão simplista e desmerecedora da educação, os alunos ainda são
vistos como tábula-rasa, nos quais, hipoteticamente, tenta-se colocar “coisas na
cabeça”; como consequência, depara-se com um problema de espaço, pois as cabeças dos discentes não estão e nunca estiveram vazias. Estabelece-se, assim, um
primeiro hiato comunicacional.
Em linhas gerais, apesar de muitas práticas de ensino-aprendizagem não
adotarem isso como pressuposto, há muito na cabeça dos discentes e a não
possibilidade de colocar interesses desvinculados dos lá já existentes não necessariamente deveria ser visto como um problema de atenção como muitas vezes
ocorre, mas sim como uma oportunidade de trabalho. Aprender é também isso:
ser capaz de considerar novos interesses em relação a interesses já existentes,
incrementando o conjunto.
As teorias de aprendizagem promovem os recursos para alcançar objetivos
didáticos esperados, mas a realidade educacional brasileira dá conta de que muitas ainda estão distantes de certos crivos que somente as realidades contextuais
promovem. Ou, em outras palavras, numa prática contextualizada, a teoria provavelmente seria outra.
Desde a Grécia Antiga, a questão do aprendizado é vista como um problema a
ser resolvido. São muitas as abordagens, mas as consideradas principais têm como
destaque os trabalhos de Piaget e Vygotsky e, especificamente, as noções bem articuladas de que o aprendizado é um acúmulo de experiências valoradas e de que
interações com outros e com o meio são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Nossa sociedade aprendeu a prezar pela participação das crianças junto aos
centros educacionais formais como garantia de sucesso na vida adulta, sobretudo
tendo como referência os pensamentos desenvolvidos pelos dois autores – mesmo
quando utilizados equivocadamente. Os trabalhos de Piaget e Vygotsky podem ser
considerados excepcionais, apresentam-se quase como consenso, mas o momento
presente, o aqui e o agora, torna urgente uma constatação: seus pensamentos foram
constituídos em outro tempo e em outro espaço, desconsiderando, obviamente, o
que podemos entender como uma sociedade informativa bem poderosa em termos
de estímulos no âmbito das promessas e expectativas.
Estímulos são como combustível de uma motivação que, muitas vezes, desaparece em salas de aula, quando não são pensados para engajar e emocionar, mas para
organizar e manter ouvidos e olhos atentos aos fatos. E, atualmente, como em pleno
ano de 1815, ainda encontra-se a situação de termos um professor médio em uma
caixa média com janelas médias diante de uma grade ordenada de móveis (imóveis)
fazendo-se importante por suas palavras e não tanto por suas ações.2 O espaço de
ensino-aprendizagem denuncia, ainda em 2015, o pensamento de como a escola foi
2 O artigo de Carvalho e Dias, que integra o presente livro, dedica-se à questão do espaço de ensino-aprendizagem.
106
Design para uma educação inclusiva
criada para produzir massas consumidoras capazes de atender à Revolução Industrial: um misto de fábrica e hospital, mantido na desconfiança de que o sistema entraria em colapso caso não existisse daquela forma.
E, pedindo licença para retomar o entusiasmo e a paixão, por que, mesmo
com as teorias de aprendizagem mais atuais, o pensamento industrial pouco
muda? Afinal, historicamente, se muito já foi tentado para aperfeiçoar o ensino-aprendizado, por que esse modelo é mantido sacro? Consideremos a vida
adulta, para a qual os discentes são preparados desde muito novinhos: a vida
adulta implora por partilha, o que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes ainda é visto como trapaça. A vida adulta implora por autonomia,
o que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes ainda é visto como
anarquia. A vida adulta implora por criatividade na solução de problemas, o
que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes é tolida pela implacável
manutenção formulária…
Por isso, é preciso reconhecer, de fato, que alunos não são tabulae rasae, é
preciso possibilitar a vivência por parte do futuro professor (e a experimentação
constante do professor) de práticas de ensino-aprendizagem calcadas na colaboração, coparticipação e coautoria.
Uma leitura atual da teoria da atividade de Engeström, baseada em Vygostky, Leont’ev, Luria e Rubinstein (Engeström, 1999), entende que o aprendizado é
uma conquista das relações sociais de troca de experiências e conhecimentos por
contato; algo amplificado pelas tecnologias de informação e conhecimento, do
que Bandura chama de aprendizagem social.
Concordando com Downes (2007), quando afirma que “ensinar é modelar
e demonstrar, aprender é praticar e refletir”, entendemos, a partir das comunicações discutidas no GT, ser necessário ao professor uma formação profissional que
o habilite a um entendimento prático da atuação (bem) além do conhecimento
fatual, que doravante o coloca como entidade-repertório, abaixo de qualquer rápida consulta ao Google. O professor e a professora devem, em suas formações,
capacitarem-se para a ação da mediação.
Um dos caminhos possíveis para potencializar o encontro com realidades
muitas vezes antagônicas – a formação do professor e a demanda do aluno – denomina-se conectivismo. Esta é uma abordagem que se baseia no fenômeno do
comportamento de aprendizagem. Na perspectiva do conectivismo, ela se dá a
partir de interconexões entre unidades mais simples, geralmente mediadas por
recursos tecnológicos. Por esse viés, ele é entendido como uma teoria de aprendizagem para a era digital, que se baseia em “nós e links”, e, especialmente, na diferença de força e intensidade que eles guardam entre si, fazendo uso de quaisquer
modelos conceituais possíveis.
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
107
Com a tecnologia digital garantida pela eletrônica, novas formas de empreender
sobre conteúdos apareceram e, com isso, novas formas de lidar com conhecimentos
formais e informais. As (já não tão) novas formas distanciam a educação da possibilidade de deixar prevalecer a ideia de que existem momentos compartimentados para
o aprendizado e de que o ensinar é uma atividade solitária, isenta de conexão com um
mundo repleto de estímulos além dos muros das instituições de ensino-aprendizagem
e de suas paredes. Como explicado por Downes, em essência, “conectivismo é a tese
de que o conhecimento é distribuído por uma rede de conexões e o aprendizado consiste na habilidade de construir e percorrer essas redes” (2007).
Para percorrer essas redes, é preciso interação. E para interagir, é preciso uma boa
história e uma boa mídia, caminhos ressaltados pelas comunicações discutidas no GT.
INTERATIVIDADE PARA UMA NARRATIVIDADE
Algumas palavras contemporâneas são tão repetidas que passam a guardar
verdades, mas suas definições carecem de certa simplicidade argumentativa. Interação é uma delas.
Desde meados do século XIX, a palavra interação, associada à tecnologia, já frequenta alguns livros em inglês. Mas somente com a aproximação entre artistas e cientistas da computação ao final dos anos de 1960 foi que ela recebeu o sentido em que
normalmente pensamos quando aparece nas nossas conversas. Isso porque os cientistas
da computação capturaram o termo dos físicos, quando falavam da relação entre partículas: partículas interagem, partículas interferem umas nas outras. Enfim, quando os
programas de computador começaram a depender da sua relação com os usuários e os
usuários começaram a mudar suas perspectivas de mundo pela arte emergente presente,
em alguns softwares, a palavra interatividade ganhou o status que hoje ostenta: capacidade de estabelecer reciprocidade entre ações de pessoas e/ou objetos e/ou sistemas.
Assim, quando dizemos que algo é interativo, estamos afirmando que aquilo
reage às nossas intervenções, da mesma forma que nós reagimos aos resultados
obtidos de nosso agenciamento. Interatividade é, assim, uma ação perfumada de
características dialógicas, na qual está implícita uma participação ativa das partes
envolvidas, ativa, vale o destaque.
Muitos pensadores e pensadoras, especialmente de áreas como engenharia, arquitetura e psicologia, debruçam-se hoje sobre o termo na busca de seu
entendimento profundo e chegam a certas convicções. Uma delas é a de que
algo interativo (ou capaz de convidar a reação, manipulação e (re)configuração)
parece mais intenso e imediato do que algo que não traz os mesmos poderes.
Outra é a de que as pessoas parecem aprender melhor a usar recursos quando
são atuantes sobre eles, e não somente quando sabem tudo sobre eles. Imagine
uma porta sem maçaneta: deve ser empurrada, puxada ou arrastada para o lado?
108
Design para uma educação inclusiva
A interatividade do mundo nos convida ao aprendizado e, sempre diante de uma
novidade, buscamos na manipulação certezas mínimas do que se trata e para o
que serve. Esse diálogo constante entre coisas (e não coisas) com as pessoas e das
pessoas entre si pelas coisas (e não coisas) chamamos interatividade, e sobre ela
educadores e educadoras devem dedicar a máxima atenção em espaços de ensino-aprendizagem. Eis um primeiro pilar. Interatividade é poder de controle e de
escolha, duas coisas que desafiam a realidade educacional.
Lembremo-nos do tema proposto no GT, motivador do presente artigo: os jogos na educação. Nele, interatividade foi a palavra de ordem. Interatividade deve
surgir como um convite à descoberta. Por isso, os jogos eletrônicos podem ser tão
interativos e prazerosos, uma vez que, como sistemas de solução de problemas,
partem de uma lacuna, e não de uma ocupação de certezas anteriores. Há neles
história e emoção. Há fantasia como verdade.
Uma experiência publicada em 1944 por Heider utilizou um filme de animação com triângulos, uma área quadrangular e uma bola atravessando a tela
de modo sistemático e cumprindo certo roteiro. Ao final da exibição, os pesquisadores perguntavam do que se tratava o que havia sido assistido. E, por mais
elaboradas que fossem as exposições dos participantes do experimento, nenhuma
delas dizia o óbvio: que eram simples figuras geométricas percorrendo um espaço
visual de modo sistemático. Todos, sem exceção, viam relações além das meras
aproximações e distanciamentos das formas. Viam relações humanas de causa e
efeito. Em suma, as figuras estavam vivas.
Eis o poder da narrativa: qualquer sequência de fatos será mais do que uma
sequência de fatos, pois será tratada pelas emoções de quem assiste na busca da
compreensão. Narratividade, portanto, é uma característica de como a sequência de eventos passíveis de serem declarados logicamente permitem a produção
de sentido (STURGESS, 1992). Histórias são processos pelos quais conhecimentos são transmitidos, consoantes com uma predisposição para a finalidade
de tornar o que é dito um valor. Por isso são tão poderosas na articulação de
mensagens e por isso foram, durante milênios, a forma mais poderosa de propagar cultura e experiências.
Conforme a tecnologia gráfica tirou da oralidade o monopólio pela manutenção dos saberes, consideramos a importância da tecnologia para que gerações futuras se abastecessem dos acontecimentos passados como tesouros a serem
aproveitados. Tal (re)vivência é inestimável e sobre ela a educação se organizou,
transformando crenças em conhecimentos que se perpetuam como verdades momentâneas. Para que os conhecimentos fossem mais bem saboreados, normalmente, eram embutidos em narrativas, que fundamentaram certos sintagmas que
hoje compreendemos como sendo pilares para o entendimento da mensagem.
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
109
O ato de registrar em narrativa o mítico e o lógico da situação histórico-social
é o ato de torná-los presentes e reais, para o momento e para além. Por isso, a tecnologia deve ser usada na educação quando necessária, e não como obrigação do
momento histórico – Isso partindo da premissa de que o momento histórico consegue
sempre conjugar o velho e o novo e torná-lo atual e promissor. O que a discussão
no GT demonstrou foi que jogos eletrônicos aguardam essa oportunidade, dada sua
especialidade de trazer aos jogadores um reflexo das culturas nos quais são criados e
desenvolvidos. Para isso, eles usam e abusam de recursos audiovisuais interativos ao
convocar a participação em suas histórias, sejam as que trazem embutidas, sejam as
que surgem pelo agenciamento dos jogadores em suas fantasias.
No GT foi ressaltado o valor da fantasia como construção da autonomia
do aluno. Fantasia é uma verdade mentirosa para o contexto, mas nem por isso
ruim, pois é uma verdade em si. E como dependemos tanto de verdades momentâneas como de expectativas, a fantasia tem papel fundamental para que certas
verdades sejam reconhecidas como verdadeiras. O detalhe é como a verdade e a
fantasia são anunciadas e como os crivos estão sendo estabelecidos para que sejam compreendidas como tais. Quando desenvolvida em sua potência, a fantasia
é libertadora, pois é comburente da criatividade.
O jogo eletrônico foi visto como um caminho para a criatividade e a aptidão
para a resolução de problemas, uma vez que não é possível pensar em soluções
somente com as verdades existentes em um repertório que ignore fantasias como
possibilidades a serem testadas. Fantasias são janelas e verdades são portas. Como
atravessar com segurança se não é possível ver o que há além?
Com o uso do jogo eletrônico e com a experiência do jogar, vive-se a narrativa como uma constante atualização dos discursos do mundo, tendo em vista que
a narratividade é a qualidade dos discursos, profundamente dependente do receptor e de seu estofo. Pelo jogo, ampliam-se as possibilidades de convencimento à
participação do aluno. Convencer é vencer junto jamais uma imposição, mas um
estado de aceite, um contrato semelhante ao do jogador com o jogo.
PARA CADA INSTRUMENTO UMA METODOLOGIA
“Todas as famílias felizes são iguais, cada família infeliz,é infeliz à sua maneira”: o aforismo que inaugura a obra Anna Kariênina de Liev Tolstói também
se aplica aos métodos de ensino. Diríamos que todo método de ensino feliz é feliz
como os que são felizes em cumprir seus objetivos. Mas os métodos que não funcionam, não funcionam cada qual por um motivo diferente.
Ao longo dos séculos, professores e professoras fiaram-se na própria sapiência
como forma de manter os papéis do teatro-aula com seus respectivos atores. Um indivíduo ensina, os outros aprendem, como se conhecimento fosse uma transferência
110
Design para uma educação inclusiva
de quem tem mais para quem tem menos (FREIRE, 1970). Seja qual for o método
educativo – se direto ou indireto, expositivo, instrucional ou programado, se Montessori, se Waldorf, se Freinet… – o importante é o atendimento ao aluno em suas
necessidades de expressão, o que invariavelmente passa pelo deslumbramento com o
ápice da técnica humana por seu estudo, ou seja, com a tecnologia.
Metodologia, portanto, é um estudo do método em si, e não a escolha de
um sobre os demais. Métodos são caminhos para se chegar a um certo lugar, e o
estudo dos melhores caminhos é o que podemos entender pelo termo metodologia
(BASTOS; KELLER, 1997).
Usar de recursos audiovisuais interativos em espaços de ensino-aprendizagem não é, por si, um caminho, mas uma forma de se percorrer um determinado
caminho mais íngreme de modo mais ágil. Assim, antes de se perguntar qual o
melhor método, que se pergunte qual a melhor maneira de se escolher um método.
Importante que haja método, pois tentar chegar a qualquer destino sem usar
um caminho declarado é aventura pioneira e, por isso, perigosa. E se o caminho
escolhido estiver demasiadamente cerrado, um bom mapa será fundamental. Se o
caminho é o método, o mapa é o plano de práticas. O quê? Quando? Onde? Como?
Por quê? E mais, muito mais importante: para quem? Fazer essas perguntas a cada
conteúdo a ser trabalhado com os discentes é criar no mapa marcações importantes,
pontos a serem visitados nos quais será possível deter-se para outras explorações.
Mas como relacionar o conteúdo a ser trabalhado com um plano de práticas?
Se interatividade e narratividade, como controle e fantasia, determinam um novo
paradigma de exposição (e não mais de imposição), como saber se o que está
sendo considerado junto aos alunos e alunas reflete aquilo que deve ser ensinado
conforme instâncias superiores determinam? Questões como essas percorreram
toda a discussão na qual se concentraram os participantes do GT jogos na educação e refletem a insegurança dos professores diante da falta do desenvolvimento
de habilidades e competências em suas formações para o uso do jogo eletrônico
como recurso participante de práticas de ensino-aprendizado.
Para isso, crivos de análises são necessários. Crivo é o que torna a peneira um
filtro. A parte mais importante da peneira é, paradoxalmente, justamente onde
não há peneira alguma. O mesmo pode-se dizer de um determinado conteúdo a
ser trabalhado pelo docente com seus discentes: nos interstícios, e não somente
no cerne. Daí os modelos serem tão importantes, pois sem modelos comparativos
não há como antecipar os controles e a fantasia desmorona. Nada pior para um
aluno estimulado pelas mídias a participar e tomar decisões de vida ou morte, das
quais depende o destino da galáxia ou de um reino invadido por criaturas do mal
do que ter de “aturar” tarefas muitas vezes pouco atrativas, como um conjunto
de exercícios de fixação descontextualizado.
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
111
Cabe, então, entender quais filtros usam os jogos para fazer avançar mesmo
o mais preguiçoso dos jogadores por horas e horas, em busca da satisfação de
uma meta inexistente na sua realidade social, em muitos casos, sem qualquer outra perspectiva de reconhecimento e de auto-(re)conhecimento.
Jogos eletrônicos tendem a ser avaliados como produtos por sua capacidade de retorno comercial, que decorre de interesses particulares e coletivos de
consumo e também de sua essência interativa e audiovisual para a promoção de
experiências. Não podemos medir a qualidade do ensino com a mesma régua,
pois os retornos e recursos envolvidos são bem diferentes. Além de pensar neles
como produto, podemos medir jogos eletrônicos como processos, e aí sim chegar
a comparativos analíticos interessantes. Esses se tornam nossos crivos de análise.
Como processos, jogos são participados pelo mesmo público que atende às
aulas e que garante ao jogo valores de engajamento, lealdade, influência, dedicação e multiplicação, sendo:
• engajamento por atuar ativamente na fantasia do jogo, cumprindo suas
regras, conforme procedimentos informados e descobertos em busca de solucionar problemas objetivos;
• lealdade por manter-se adepto ao jogo e ao que representa em seu repertório,
como bem simbólico, do qual pode obter inspiração e reconhecimento público;
• influência por ser capaz de incutir em outros o mesmo interesse pela prática do jogo, servindo como arauto de uma fantasia que passa a ser uma
partilha entre amizades e comuns;
• dedicação por passar tempo suficiente para ter o jogo como atividade de produção de sentido, concorrendo-o com outras atividades que passam a ser consideradas intervalares da satisfação alcançada com o entretenimento principal; e
• multiplicação por ser capaz de transitar informações adquiridas no jogo
em outros jogos na forma de conhecimento construído e em situações semelhantes, tornando-se competente em controlar outras fantasias.
Nossos crivos de análise, como filtros de sucesso, devem atentar para a capacidade dos conteúdos a serem trabalhados como oportunidades de despertar
esses valores: seja jogando, fazendo jogos ou mesmo usando jogos como assunto
de mediação entre indivíduos, docentes e discentes.
PROPRIEDADES E APROPRIAÇÕES
Por mais que se diga isso ou aquilo dos jogos eletrônicos, verdade dita e ressaltada no GT é que faltam estudos de sua prática e falta formação profissional para
seu uso em espaços de ensino-aprendizagem, especialmente dos mais interessados
em detratá-los como superficialidade alienante ou catalisador de violência.
112
Design para uma educação inclusiva
Sabemos que jogos eletrônicos, como sistemas interativos construídos por modelos simbólicos convidativos à resolução de problemas pelo aprendizado, entretêm.
E sabemos como isso acontece psicologicamente. No entanto, embora não sejam
comprovadamente capazes de deixar as pessoas mais inteligentes, uma vez que inteligência é uma medida da capacidade de resolução de problemas contextuais conforme os recursos e não um rótulo que gostamos de colar nas testas uns dos outros,
jogos eletrônicos são capazes de deixar as pessoas mais espertas. Isso é resultado de
pesquisas científicas sérias na psicologia e na medicina, realizadas por estudiosos que
investigam percepção, coordenação e habilidade visomotora: jogadores de videogame obtiveram melhores notas se comparados aos não jogadores de videogame em
avaliações metrificadas (ENGELS; GRANIC; LOBEL 2013). Memória e pensamento
lateral (a capacidade de solucionar certos problemas de modo alternativo ou inusitado) também são beneficiados por jogos eletrônicos a médio e longo prazos.
Outras propriedades interessantes também merecem atenção, não por serem
singulares aos jogos eletrônicos, mas por terem neles amplificação na constituição
de competências que serão refletidas em comportamentos e posturas diante de
situações de ensino-aprendizagem. Raciocínio lógico é uma delas, muito útil para
compreensão de certas regras e conceitos em diversas disciplinas, especialmente
as que lidam com formulações e abstrações.
Além de raciocínio lógico, tolerância ao fracasso e mutabilidade perspectiva
também garantem aos jogos benquistas propriedades para docentes. Como erros
mínimos não impedem o progresso com fracasso frustrante, eles sinalizam que as
táticas de solução devem ser revistas sempre que necessário. A busca pela melhor
solução passa a ser uma constante retroalimentada, criando no jogador a mesma
sensação de investigação de um cientista. Saber que se pode tentar novamente e
de outras formas é um ganho situacional.
Socialização e convivência também são propriedades importantes, uma vez
que o jogador está inserido em um grupo de referência no qual pode compartilhar
e produzir significado. Embora no passado muitos jogos eletrônicos tenham sido
criados em torno do automatismo de respostas conferidas pela computação e,
assim, dando vez aos jogadores solitários; hoje os jogos eletrônicos existem como
reunião de muitos jogadores simultâneos, que costuram uma rede de influências e
interdependências. Muitos jogos eletrônicos, especialmente os mais atuais, estão
baseados no princípio da manutenção mutualística e, por isso, apresentam relações sociais complexas em suas regras e procedimentos.
Talvez a propriedade mais importante seja a concentração. Poucas atividades
engajam seus participantes de modo tão compenetrado e envolvido, no qual tempo e
espaço se dissolvem como em uma pintura surrealista. Horas passam como minutos
para quem se dedica a solução de um problema “mais cabeludo”, como passar de
uma fase ou encontrar um item escondido em um cenário que parece se estender ao
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
113
infinito. E a mesma concentração observada no ato de jogar falta para muitos espaços de ensino-aprendizagem e suas atividades, muitas vezes por não terem, como os
jogos, as mesmas garantias de satisfação no desafio de sua intelectualidade.
Portanto, devido a essas interessantes propriedades, não deveria ser um problema para o educador da atualidade implantar o jogo eletrônico como objeto
de aprendizagem, uma vez que este não seria de todo diferente de outros objetos
de aprendizagem por seus benefícios. No entanto, sendo o jogo eletrônico um
processo cuja essência é a diversão, pode haver uma dissonância cognitiva entre
discentes e a formação docente em relação à finalidade do entretenimento se nesse
momento forem penduradas outras responsabilidades.
Entretenimento educacional, portanto, seria mais um conjunto de estratégias de
reconhecimento de propriedades com outras formas de avaliação de progresso, não
uma mera substituição de um modelo tradicional por outro inovador. O novo não é
adequado por ser novo, mas por se abastecer na releitura e ressignificação do anterior.
Daí a necessidade de o educador e a educadora estarem aptos a se apoiarem dessa mídia tão expressiva e impressionante, algo que as comunicações demonstraram
manter-se um problema, por conta da precariedade da formação para a docência.
O desafio do educador é encontrar um bom modelo e demonstrar interesse
em sua adequação de conteúdo informal em um conteúdo formal. Conforme a
apropriação, o processo pode resultar em risadas com traços de balbúrdia, claro,
mas também no reconhecimento de similitudes importantes entre o que é apropriado e o que é referenciado na estratégia principal.
Assim sendo, a apropriação de jogos eletrônicos para constituição de um
entretenimento educacional vai depender dos interesses prévios de um projeto
e da realização de sua interação pelos envolvidos, discentes e também docentes.
Afinal, se a formação do professor não contempla o desenvolvimento de habilidades e competências para o uso da mídia jogo em sala de aula; se o professor ou
a professora usam intuitivamente jogos em sala de aula, sem o real conhecimento
de sua potência; ou ainda se eles propõem práticas de ensino com o uso de jogos
eletrônicos, mas desconhecem o jogar; por que, então, suas proposições mereceriam a confiança, colaboração, proatividade dos alunos?
Jogos eletrônicos de entretenimento, como já dito, originalmente não trazem
o exato que precisa ser ensinado, caso contrário seriam jogos eletrônicos educativos. Não precisamos de jogos eletrônicos educativos porque, partindo do que
as reflexões do GT demonstraram, temos interesse no desenvolvimento de uma
metodologia diferente, que faz uso de jogos eletrônicos de entretenimento e de
sua receptividade. Por isso, para que a apropriação se estabeleça, o modelo deve
destacar aspectos pontuais, e não a obra integralmente. Ver a obra integralmente
é o óbvio, tomar a obra desintegrada, aos pedaços e conforme a oportunidade e
114
Design para uma educação inclusiva
o interesse, é o inusitado, aquilo que os alunos e alunas não esperam e que por
isso, lhes parecerá extraordinário. Pense em como o mágico entretêm e, por isso,
diverte sua plateia, distraindo-a de onde o truque será realizado para atentá-la aos
resultados inacreditáveis.
Tome-se como exemplo de decomposição um jogo famoso, qualquer que seja
do reconhecimento da maioria. Esse jogo poderá ser apropriado, pois terá placares que podem aludir a operações matemáticas, terá saltos e piruetas que podem
aludir à física mecânica, terá tiros e explosões que poderão aludir à química, terá
textos e símbolos que poderão aludir à língua em sua comunicação escrita e oral,
terá moedas e outras preciosidades que poderão aludir à economia e à história;
cenários podem ser úteis para conceitos de geografia e diferentes personagens,
úteis para ecologia e biologia... Formas podem ser geometrizadas e narrativas
podem ser decompostas… A navalha de utilidade estará nas mãos do professor,
que poderá seccionar esse e qualquer jogo para trabalhar seus interesses, ferindo a
essência do entretenimento envolvido e, pior, como colateralidade, ferindo o afeto
do aluno por seus jogos eletrônicos favoritos. Isso seria pecaminoso, e acontece
quando se usa o jogo por sua obviedade audiovisual e interativa.
A apropriação deve ir além do óbvio, ir além do que imediatamente é visto
na tela na forma de um boneco que corre e salta para ganhar pontos e avançar de
fase. Isso é o que há na superfície.
Lembremos do iceberg...
Há mais, muito mais, abaixo da superfície. Basta ter o seu direito a uma
formação de qualidade resguardado para estar preparado, para motivar a busca.
REFERÊNCIAS
BANDURA, A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. New Jersey: Prentice Hall, 1986.
BASTOS, C.; KELLER, V. Aprendendo a aprender: introdução à metodologia
científica. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
DOWNES, S. An introduction to connective knowledge (Web log post). 2005.
Disponível em: <www.downes.ca/cgi-bin/page.cgi?post=33034>. Acesso em: 20
jun. 2015.
_______. What connectivism is. 2007. Disponível em: <http://halfanhour.blogspot.com/2007/02/what-connectivism-is.html>. Acesso em: 20 jun. 2015.
ENGESTRÖM, Y. Activity theory and individual and social transformation. In.
ENGESTRÖM, Yrjö et al. Perspectives on activity theory. 3.ed. New York: Cambridge University Press, 1999.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra, 1970.
Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas
115
GRANIC, I.; LOBEL, A.; ENGELS, R. C. M. E. The Benefits of Playing Video
Games. 2013. Disponível em: <http://www.apa.org/pubs/journals/releases/amp-a0034857.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2015.
HEIDER, F. & SIMMEL, M. An experimental study of apparent behavior. In.
The American Journal of Psychology, v. 57, 1944, p. 243-259.
POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1993.
SCHELL, Jesse. A Arte do Game Design: o livro original. Campus, 2010.
STURGESS, P. J. M. Narrativity: Theory and Practice. Oxford: Clarendon Press,
1992.
CAPÍTULO
7
Narrativa nos jogos:
uma oportunidade para
autoria coletiva
na escola
Arthur Protasio Jorge de Oliveira, Mestre, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/ Fundação Getulio Vargas (FGV)
Cynthia Macedo Dias, Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/ Núcleo de Tecnologias Educacionais em Saúde da Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (Nuted-Fiocruz)
INTRODUÇÃO
A presença dos jogos na educação já não é nova e apresenta-se por meio de diversas estratégias, como a aplicação de jogos ditos “educativos”, a utilização de jogos
comerciais com a finalidade de disparar debates sobre determinados conteúdos, a leitura crítica de jogos, a produção de jogos (ou a modificação de jogos existentes) com
alunos e a própria “gamificação”, como aplicação de elementos de jogos em situações
118
Design para uma educação inclusiva
outras (MATTAR, 2010). Cada estratégia utiliza-se de diferentes concepções do que
são jogos, de qual o seu lugar na escola e seu potencial nesse contexto, bem como de
quais dos seus elementos são mais relevantes em cada momento.
Neste artigo, vamos dar ênfase a uma visão dos jogos como produtos culturais
e objetos de design, que engendram processos interativos e podem confirmar ou
questionar sentidos e valores que permeiam a cultura onde se encontram (FARBIARZ; OLIVEIRA, 2014). A partir desse olhar, pretendemos investigar a relevância da narrativa como elemento integrante de um jogo (eletrônico, digital ou
analógico), como ela se reflete nas práticas de uso, análise e construção de jogos e
como pode potencializá-las na escola. Ao destacar a função ou papel da narrativa e
as distinções que se manifestam em razão dessa abordagem, colocamos nosso foco
no aspecto narrativo dos jogos e na sua construção, que não desconsidera, mas,
pelo contrário, se alimenta da estrutura das regras e da estética dos jogos.
A NARRATIVA COMO ATIVIDADE HUMANA
Ricoeur (1994) estabelece que as narrativas são formas de criar representações
da vida humana e apaziguar nossos anseios como indivíduos impotentes diante da
passagem do tempo. Fazendo alusão à mimese, que Aristóteles reconhece sempre
como uma representação produtora, Ricoeur traça uma categorização por etapas.
Cada uma delas, na sua visão, constrói diferentes tipos de representações e a formação de todos eles completaria um círculo, gerando uma espiral sem fim.
O autor explica que há sempre um momento anterior à criação de uma
narrativa: a mimese 1 seria a representação desse momento pré-narrativo ou do
mundo prático que antecede a narração. Mas, para que este seja representado,
é necessário haver algum tipo de pré-compreensão: a aceitação de um mundo já
dotado de sentidos e significado, mas que é imbuído de discordância.
A partir da pré-compreensão dessa representação já existente (a mimese 1),
ocorre a mimese 2, que é a tessitura da intriga propriamente dita. Nesse momento,
é elaborada uma trama para imprimir sentido e unidade dramática aos fatos. Ao
transformá-los em eventos, cria-se uma nova realidade que visa promover uma releitura sobre a anterior. Embora a intriga tenha tido grande relevância na Grécia Antiga,
esse modelo ainda se aplica nos dias atuais a qualquer criação narrativa, que sempre
se apropria de uma realidade que serve como base para a criação de novos eventos.
No entanto, uma vez que a intriga é tecida pelo narrador, ela chega ao leitor.
A leitura é realizada e ocorre a recepção da narrativa. Essa leitura inevitavelmente
afeta a intriga (da mimese 2) com base na realidade pré-narrativa (mimese 1) e
garante um novo sentido aos eventos narrados. Afinal, não só todos os seres humanos são inerentemente diferentes como o leitor não participou do processo de
tessitura da intriga e, dessa forma, sua base de conhecimento e perspectiva diverge
Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola
119
da do narrador. A mimese 3 simboliza a etapa final de um processo em espiral
contínuo de representações humanas, quando ocorre a “refiguração” da intriga,
uma nova configuração de sentido dada a partir da interpretação do leitor.
Esse entendimento não é exclusivo de Ricoeur (1994). Goulemot (1996) afirma que
qualquer leitura é uma leitura comparativa, contato do livro com outros livros. Assim como existe dialogismo e intertextualidade, no sentido que Bakthin dá ao termo,
há dialogismo e intertextualidade da prática da própria leitura. Entretanto, não há
nada aqui que seja mensurável. Estamos no campo das hipóteses e do provável. Ler
será, portanto, fazer emergir a biblioteca viva, quer dizer, a memória de leituras anteriores e de dados culturais. (Goulemot Apud Chartier, 1996, p. 113).
Para Goulemot, essa “biblioteca” é a memória de leituras anteriores e dados
culturais, e essa definição se assemelha muito à realidade pré-narrativa da mimese
1 de Ricoeur. Assim, qualquer leitura realizada sempre apresentará uma “refiguração” de sentidos diferente da anterior, pois a todo o momento o leitor incorpora
mais elementos à sua biblioteca a partir de constantes leituras.
Esse entendimento é crucial para fechar o ciclo do processo em espiral, pois
após a mimese 3 uma nova mimese 1 se forma. Afinal, se a interpretação da intriga (mimese 3) já foi consolidada, é chegada a hora de encará-la como uma nova
realidade pré-narrativa (mimese 1) que servirá de base para a construção de intrigas posteriores. Ao final, gera-se um novo início para que o atual leitor possa, futuramente, tecer uma nova narrativa mediante a intriga (mimese 2), para explicar
os eventos que lhe causem angústia diante da temporalidade. Logo, concretiza-se
um processo ilustrativo de por que o humano narra.
Gottschall (2012) faz uma interessante complementação ao processo de mimeses descrito por Ricoeur (1994) ao notar que narrativas são como simuladores
de voo. Assim como o simulador, muitas vezes as histórias permitem que indivíduos sejam preparados e treinados para grandes desafios da vida. A ficção é capaz
de gerar problemas paralelos aos que são vividos e projetar o indivíduo em uma
realidade alternativa, em que ele é capaz de testar diversos limites e verificar seus
resultados sem ser diretamente afetado no mundo real.
O autor continua, afirmando que a ficção é uma poderosa e antiga tecnologia de realidade virtual que simula os dilemas da vida humana. O ato de ouvir, ler ou assistir uma história é algo arrebatador, capaz de promover tamanha
empatia com seus personagens ao ponto de o leitor poder sentir os eventos como
se estivessem realmente acontecendo com ele.
Para além de uma preparação para o “futuro”, consideramos que a narrativa
atua também como espaço de troca de perspectivas e um deslocamento político,
como forma de conhecer outras realidades. Evidentemente, como essas, existem
120
Design para uma educação inclusiva
outras abordagens teóricas e conceituais em relação à narrativa, mas vamos nos
ater às apresentadas até aqui para, em seguida, desdobrá-las em relação aos jogos.
A NARRATIVA APLICADA AOS JOGOS
Diversos autores já se detiveram na definição do que seriam os jogos, utilizando
diferentes ênfases em cada abordagem; dentre eles, o próprio artigo que nos antecede
neste livro dedica-se a esta tarefa, a partir das discussões estabelecidas no grupo de
trabalho (GT) jogos na educação no evento SILID/SIMAR3, que integramos. Assim,
contribuindo para a compilação, com base nos estudos de Huizinga (1971), Parlett
(1999), Caillois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Juul e Crawford (2002
apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Salen e Zimmerman (2003), acreditam que um
jogo pode ser melhor definido a partir de elementos norteadores, identificados em variadas definições de jogos. Para eles, jogos são (1) uma atividade, processo ou evento
que (2) possui regras que limitam os jogadores; (3) objetivos; (4) estabelecem conflitos
ou competições; (5) envolvem tomada de decisões; (6) são artificiais; (7) e voluntários.
Frasca (1999) menciona o método estruturalista de classificação das atividades lúdicas desenvolvido por Roger Callois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN,, 2003) e a
definição de jogo de Huizinga (1971), porém apresenta uma preocupação com a ênfase
na sua estrutura ludológica, ou seja, as regras e elementos que compõem o cerne da experiência interativa. Para Frasca (1999), os jogos são detentores de elementos narrativos,
e por isso suas regras podem ser abertas o suficiente para permitir que o jogador determine a forma como quer participar da experiência. Apesar de não se tornarem autores
da estrutura, a liberdade dada confere a eles a autoria das ações realizadas, diferente de
uma narrativa tradicional onde a intriga é fechada e imutável. Dessa forma, ele acredita
que a narrativa complemente o jogo na medida em que, ao apresentar elementos críveis e
identificáveis, será possível estimular o pensamento crítico por parte do jogador e caracterizar o jogo como uma mídia ideal para discutir e explorar questões pessoais e sociais.
Ao passo que os conceitos de narrativa se aplicam à estrutura dos jogos, eles o
fazem sob condições diferenciadas. Conforme Salen e Zimmerman (2003), ao jogar,
o jogador interage com e dentro de um universo representacional, um espaço de possibilidades repleto de dimensões narrativas. Segundo os autores, quando comparados
3 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um
determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser
acessados em: <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/ Caderno%20
de%20Resumos%20V%20SILID%>. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Construção de jogo como dispositivo para a aprendizagem colaborativa: algumas estratégias” serve como exemplo de experiência de construção colaborativa de jogo e pode ser acessado
em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/construo-de-jogo-como-dispositivo-para-a-aprendizagem-colaborativa-algumas-estratgias-22590>.
Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola
121
à estrutura clássica de uma história, muitos jogos também contêm um início, desenvolvimento e conclusão. A diferença está no fato de que este paralelismo não necessariamente se dá em relação a personagens e um enredo, mas em relação à estrutura
do jogo como compêndio de regras, e os eventos são desencadeados a partir do jogar.
Os jogos e as representações presentes neles não existem de maneira isolada do restante da cultura. Pelo contrário, há uma série de elementos que derivam de outras mídias
e, por isso, exibem elementos que frequentemente são familiares para os jogadores. Afinal, se adotarmos os estudos de Ricoeur (1994) e Goulemot (1996) como base, entenderemos que o ser humano lê situações e histórias a todo momento ao longo de sua vida, o
que resulta em um contínuo acréscimo da biblioteca pessoal e criação de novas mimeses.
Precisamente por isso é que Salen e Zimmerman (2003) afirmam que a criação de narrativas de jogos significa brincar e jogar com os campos da cultura, bem
como convenções da cultura popular, literatura, entretenimento, arte e mídias em
geral. Nenhuma representação é neutra e, em um jogo, quanto mais relevantes elas
forem, maior a chance de estimularem uma experiência convidativa e engajante.
Entretanto, segundo Bissell (2010), embora muitos jogos eletrônicos sejam
comparados com filmes, suas formas de contar histórias são significativamente
diferentes. O cinema é capaz de escolher exatamente o que mostrar em tela e,
assim, comprime suas histórias;já os jogos não costumam impor esta determinação sobre seus jogadores e ganhando valor ao demonstrarem a importância de
observar uma constelação em vez de uma única estrela.
Por isso, muitas convenções tradicionalmente utilizadas para contar histórias acabam por não se sustentar quando aplicadas à estrutura dos jogos. Bissell (2010) reforça que os padrões operados são significativamente diferentes e
frequentemente carecem das mecânicas de participação que são tão importantes
para os jogos. Ele reforça que jogos, filmes e romances são economias distintas e
separadas que lidam com a moeda corrente histórias.
Grip (2012) acrescenta que jogos podem ter o mesmo impacto que outras mídias, mas podem se adaptar ao jogador, oferecendo conteúdo que se conforme às suas
escolhas. Nesse sentido, jogos são capazes de estimular uma profunda reflexão no
jogador quanto ao seu ser e, por isso, distinguem-se de outras mídias que contam histórias. Gomes (2009) também traz luz a essa discussão ao identificar este dilema narrativo vivido pelos jogos: de um lado, a tentativa de dar ao interator toda liberdade
que o meio pode lhe propiciar e, de outro, a necessidade de circunscrever suas atitudes
a um mínimo de estrutura dramática na experiência do game. (Gomes, 2009, p.67)
Jogos convidam indivíduos para seus mundos virtuais, nos quais permitem que
cada jogador molde seu ser a partir de suas decisões e sinta tristeza, amor ou admiração.
Isto, contudo, só é possível com a valorização da presença do jogador dentro do universo
do sistema e, em muitos aspectos, aproxima-se do conceito de participação significativa.
122
Design para uma educação inclusiva
Salen e Zimmerman (2003) apresentam uma distinção que ajuda a pensar
essa dinâmica de dupla autoria e de um dilema narrativo nos jogos, bem como
ajudam a verificar o potencial para a participação significativa neles. Estas seriam
as duas formas de compreender como o sistema de um jogo é capaz de produzir
narrativa: a narrativa embutida e a narrativa emergente.
A narrativa embutida é a história inserida no sistema do jogo que confere sentido e contexto às regras, de autoria do criador do jogo. Ações simplesmente inerentes
às mecânicas de interação poderiam soar abstratas e destituídas de propósito. Assim,
a narrativa embutida visa conferir uma participação significativa ao jogador por meio
de elementos do enredo, como premissa da história, personagens e sequência de eventos que conferem uma unidade dramática às interações e jornada do jogador.
Salen e Zimmerman (2003) afirmam, inclusive, que a narrativa embutida
tende a se parecer com os elementos típicos das experiências narrativas que mídias tradicionais, como livros e filmes, costumam oferecer – como um roteiro.
Um determinado diálogo entre personagens, um texto específico a ser lido, uma
música, um confronto ou essencialmente qualquer elemento que seja imutável e
pré-estabelecido, como também as representações visuais e as mecânicas de interação, contribuem diretamente para a experiência narrativa nos jogos.
Contudo, como destacado anteriormente, há outra possibilidade narrativa de extrema importância para a mídia do jogo eletrônico: a narrativa emergente, a história que
é criada a partir da experiência interativa do jogador. A sua base também é planejada
pelo produtor do jogo, mas é impossível prever todos os seus desdobramentos. Isso se dá
em função de os eventos criados serem uma consequência orgânica da liberdade exercida pelo jogador diante das mecânicas de jogo e sua produção de sentidos como usuário.
A narrativa emergente depende não só da ação do jogador, mas também do que
está ocorrendo no sistema naquele exato momento, pois as circunstâncias/contexto no
sistema não são necessariamente as mesmas. A ênfase da narrativa emergente está na
forma como o jogador interage com o sistema do jogo e cria a sua própria e única sequência de fatos. O resultado de suas ações e a sequência de eventos criada – planejados
ou não pelo criador da obra – geram uma narrativa da qual o jogador se sente autor.
Salen e Zimmerman (2003) acreditam que as duas modalidades de narrativa, além
de serem inerentes a toda experiência de jogo, quando bem trabalhadas, atingem uma
forma de simbiose. Quando coexistindo em equilíbrio, as narrativas embutida e emergente promovem uma relação mutuamente vantajosa de comunicação e colaboração,
que permite a criação de experiências narrativas únicas. Ao oferecer uma participação
significativa, por sua vez, pode-se vir a promover uma simbiose entre o jogo e o jogador.
Dessa forma, fica claro que a narrativa nos jogos definitivamente não se
resume a pedaços de uma história que existem para atrair o jogador a progredir, mas uma atividade contínua que promove engajamento com as mecânicas de
Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola
123
interação por meio de escolhas. Elementos como a incerteza diante de situações
futuras e a chance de se expressar por meio de decisões morais, por exemplo, são
situações que encorajam o envolvimento do jogador.
Por fim, ao discutir a articulação de estruturas de mecânicas de participação
e narrativa nos jogos, vale mencionar Krawczyk e Novak (2006). As autoras
demonstram que, além de poderem ter diversos gêneros, uos jogos podem se assumir numa variedade de estruturas narrativas.
A maioria dos jogos eletrônicos é linear. Boa parte dos estágios, personagens
e enredos em jogos são apresentados de forma que haja um início, meio e fim
claramente estabelecidos. Há alguma liberdade que diz respeito especificamente
às mecânicas de interação, para remover os obstáculos que se apresentam adiante – inimigos ou eventos dramáticos –, mas frequentemente trata-se de um trilho
bem definido, pois qualquer desvio não previsto é impedido pelas limitações do
sistema ou recepcionado com uma tela de “game over”.
Jogos que conferem ao jogador a possibilidade de escolher quais destes caminhos ele deseja percorrer são considerados jogos ramificados. Naturalmente, em
retrospecto, trata-se de um jogo linear – afinal, apenas um caminho, ainda que
composto por diversos caminhos menores, foi percorrido – mas a lógica é que o
jogador teve a oportunidade de optar. Assim, a história e seus personagens podem
assumir novas facetas. É possível seguir adiante ainda que figuras importantes morram ou que o jogador fracasse em determinadas missões, o que é computado como
um “sucesso alternativo”, já que um fracasso tradicional resultaria no fim do jogo.
Assim, cria-se uma estrutura muito parecida com um fluxograma que prevê todas
as trajetórias possíveis diante de decisões previstas pelo desenvolvedor do sistema.
Há, também, um terceiro tipo de história que não é completamente diferente
dos dois primeiros, mas apresenta uma espécie de “evolução”, a história aberta,
enredo que permite ao jogador habitar o mundo ficcional de maneira livre, sem
ser pressionado para prosseguir. É comum que existam motivos que incentivem o
jogador a seguir em frente, uma trama com objetivos a cumprir ou mesmo uma
linearidade na história, mas o sistema não irá penalizar o jogador por explorar o
universo no seu próprio tempo e determinar seus próprios objetivos durante toda
duração do jogo ou durante um momento específico da experiência4.
NARRATIVAS NOS JOGOS E APRENDIZAGEM
A partir dos autores apresentados, podemos dizer que os jogos (especialmente os digitais, mas não apenas estes), assim como os filmes e demais produtos au4 Em inglês, este modelo de história e estrutura interativa é identificado pelo termo sandbox, que
é o equivalente a uma caixa de areia onde crianças geralmente brincam. A ênfase nessa proposta
está em permitir que o jogador crie sua própria história a partir de suas decisões.
124
Design para uma educação inclusiva
diovisuais, são mídias que participam de um ecossistema cultural, com a diferença
de que os jogos convidam à participação e à autoria conjunta dos jogadores em
níveis mais aprofundados das narrativas.
Algumas abordagens que associam jogos à educação alinham-se a essa forma de
vê-los como produtos culturais, portadores e potencializadores de narrativas. Na área
da educomunicação ou educação midiática, os jogos são vistos como meios a serem
conhecidos e explorados, compondo uma “ludoliteracia”, cujo domínio estaria para
além dos jogos estritamente definidos, incluindo processos “gamificados” e o que os
autores chamam de uma tendência geral da sociedade digital para processos “lúdicos” (JUÁREZ; MARTÍNEZ; SÁNCHES-NAVARRO, 2014). A importância dessa
literacia estaria na possibilidade de ampliar o controle de crianças, jovens e adultos
em relação ao consumo desses meios, e sua concretização dependeria de considerar o
“lúdico digital” como “um meio distinto dos demais, que gera significados, prazeres
e requer competências analíticas e criativas próprias” (Ibid., p. 223).
Para Zagal (2010, p. 24), essa literacia seria composta de três habilidades: 1)
habilidade de jogar; 2) habilidade de entender os significados em relação com os
jogos; e 3) habilidade de criar jogos. Albuquerque (2014) defende um “letramento
eletrolúdico”, com a finalidade de que os estudantes não só conheçam os mecanismos da indústria e os sentidos presentes nos jogos, mas também reflitam sobre sua
relação com eles, conhecendo diferentes modos de jogar e suas potenciais consequências, favorecendo a decisão consciente sobre suas atitudes em relação ao jogar.
É evidente, como Salen e Zimmerman (2013) apontam, que quanto mais ricas
forem as narrativas emergentes e quanto mais estas promoverem um equilíbrio
com a potencial construção de narrativas emergentes por parte dos jogadores, mais
significativa torna-se essa participação e, consequentemente, maior a sensação de
autoria compartilhada por parte dos jogadores. Por isso, para aproveitar um dos
potenciais para os jogos na escola, torna-se relevante a busca e a experimentação de
jogos que possibilitem diferentes experiências narrativas: lineares, ramificadas ou
abertas. A partir daí, possibilidades de trabalho seriam provocar a reflexão sobre
as experiências vividas, sobre a abertura de possibilidades, pensar a criação de
novos caminhos para narrativas fechadas; e a discussão da opção por determinados
caminhos e os sentidos contidos em cada caminho ou na multiplicidade deles.
É importante ressaltar também que, independentemente de haver uma
intenção “educativa”, qualquer experiência de jogo pode se configurar em uma
ressignificação do sujeito e sua posição como coautor do jogo. A experimentação
da narrativa dos jogos (mimeses 2 construídas pelos produtores dos jogos a partir
da mimese 1 dos elementos do mundo) pode propiciar a construção de uma
mimese 3, fruto da experiência de jogo. Essa mimese pode estar representada em
um debate sobre a experiência, uma produção textual ou imagética, um depoimento ou mesmo nas trocas e diálogos durante a sessão de jogo.
Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola
125
Em um nível ainda mais aprofundado, a construção de jogos por alunos
pode ser entendida como um exercício do momento da mimese 2, de tessitura
de uma intriga: a partir da experiência do mundo e/ou de novos conhecimentos
adquiridos, ou mesmo da experiência de jogar um jogo, tece-se uma nova narrativa interativa coletiva, que articula a discordância, o desafio, a dificuldade, a
inquietação, o desequilíbrio. Essa autoria coletiva pode construir regras, objetivos
para o jogador, enredo, elementos narrativos, visuais e de regras, provocando a
necessidade de dar sentidos coletivos aos elementos da realidade acessados, questioná-los e de buscar novos conhecimentos.
Entretanto, na qualidade de autores de jogos, professores e alunos devem,
ainda, buscar aproveitar o potencial dessa mídia ao pensar em uma participação
significativa dos futuros jogadores. Dessa forma, refletir sobre as decisões adotadas, procurando articular a narrativa embutida no enredo e nas regras com a
promoção da narrativa emergente. Que tipos de caminhos as regras do jogo permitem? Quais os sentidos que esses caminhos e que as próprias regras apontam?
As regras e o que elas pedem dos jogadores encontram ressonância nos discursos
presentes no enredo, na narrativa embutida construída? Elas servem para suscitar
reflexões sobre questões da realidade? Quais as possibilidades de escolha do jogador para a construção de sua própria narrativa emergente? Essas possibilidades
de escolha acrescentam aos sentidos já presentes na narrativa embutida?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A meta principal deste artigo foi entender a narrativa conforme as limitações
e peculiaridades da mídia do jogo e apontar possibilidades de como ela se reflete
nas práticas de uso, análise e construção de jogos, potencializando-as na escola.
Por isso, diante da compreensão estabelecida para a narrativa em um plano mais
geral, foi crucial identificar a multiplicidade de visões de autores referentes ao
segmento dos jogos eletrônicos.
Em síntese, os termos utilizados por Salen e Zimmerman tornaram-se nossas referências para identificar nos jogos as duas modalidades narrativas que apontam os
eventos que foram criados e fornecidos pelo desenvolvedor na condição de criador
(narrativa embutida) e os eventos criados pelas ações do jogador durante o momento de
interação (narrativa emergente). Ao mesmo tempo, os conceitos de mimese de Ricoeur
e as visões de Goulemot sobre a leitura e de Gottschall sobre a narrativa como “simulador de voo” colocam-se como parâmetros para pensar as narrativas de jogos na escola.
Conclui-se que os jogos operam narrativas de forma diferente de muitas mídias e
a sua inerente interação altera padrões substanciais. Alerta-se aqui para o fato de que
não levar em conta a participação do jogador (ou subestimá-la) pode levar à criação
de uma experiência muito próxima de outras mídias e muito aquém do potencial das
126
Design para uma educação inclusiva
mídias digitais interativas. Pensar no planejamento da narrativa de um jogo desvinculada de seu sistema é desconsiderar as particularidades da mídia. Afinal, se há o
processo de design de jogos, logo, há também o design de sua narrativa.
Em suma, a intenção deste artigo é, aprofundando um dos tópicos discutidos no GT Jogos na educação do evento SILID/SIMAR, que o conhecimento em
relação à narrativa aplicada aos jogos seja valorizado na formação docente para
sua consequente utilização nas escolas, em qualquer situação de uso ou produção
de jogos (analógicos ou digitais) ou narrativas interativas. O presente artigo não
se trata de um manual de regras ou práticas, mas da exploração de conceitos que
norteiem uma linha de pensamento. Afinal, acredita-se que a eficaz utilização da
narrativa em um jogo é capaz não só de valorizá-lo como um projeto de design,
mas especialmente de aperfeiçoar a sua relação com o jogador, potencializando
a construção de narrativas e destacando a aprendizagem embutida no processo.
Se um escritor escreve para seu leitor, um criador de um jogo não deve subestimar ou se esquecer de seu jogador. O jogador também é o autor, autor de uma
obra criativa, construída a partir dos fundamentos oferecidos pelo produtor. O
resultado é uma tela preparada pelo desenvolvedor, mas pintada pelo jogador, de
forma a demonstrar a individualidade de cada experiência. Por mais similares e
lineares que as experiências possam ser, a mínima participação de cada jogador é
o suficiente para caracterizar o jogo como um canal de comunicação de ideias e
consolidar sua narrativa como uma criação única de cada pessoa.
Enxergar essas particularidades é poder ver alunos e professores não apenas como
coautores ao jogar, mas como potenciais construtores de narrativas expressas nas narrativas embutidas nos jogos e nas possibilidades previstas de narrativas emergentes.
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Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola
127
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HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: EDUSP, 1971.
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MATTAR, J. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo:
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de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2014 Disponível em : <http://www.dbd.pucrio.br/pergamum/biblioteca/php/mostrateses.php?open=1&arqtese=1213338_2014_
Indice.html>. Acesso em : 1 mai. 2016.
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Press, 1999.
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SÁNCHEZ-NAVARRO, J.; JUÁREZ, D. A.; MARTÍNEZ, Silvia S. El juego digital e internet como ecosistema lúdico. Jerarquía de medios para ele entretenimiento y alfabetizaciones emergentes. In: Agentes e Vozes: um panorama da
mídia-educação no Brasil, Portugal e Espanha.Yearbook 2014. Ilana Eleá (Org.).
Portuguese/Spanish edition. Taberg, Sweden: The International Clearinghouse on
Children, Youth and Media, 2014.
ZAGAL, J. P. (2010). Ludoliteracy: Defining, Understanding, And Supporting
Games Education. ETC Press, paper 4. Disponível em http://press.etc.cmu.edu/
files/Ludoliteracy-JoseZagal-web.pdf. Acesso em 11/09/2015.
PARTE III – MÚLTIPLAS
INTELIGÊNCIAS
Temas contemporâneos:
campos de conhecimento em diálogo
Formação do professor para
a educação inclusiva
CAPÍTULO
8
Temas contemporâneos:
campos de conhecimento
em diálogo
Marcia Bastos de Sá, Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Andréa Costa da Silva, Doutora, Universidade da Força Aérea (UNIFA)
INTRODUÇÃO
O grupo de trabalho (GT) Livro, materiais e recursos didáticos: diálogos
com temas contemporâneos1 participou pela segunda vez do Simpósio sobre o
Livro Didático de Língua Materna e Língua Estrangeira (SILID) e do Simpósio
1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em:
<http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20Resumos%20
V%20SILID%>. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Livros didáticos de
Língua Portuguesa e identidades étnico-raciais” está disponível em: <http://www.proceedings.blucher.
com.br/article-details/livros-didticos-de-lngua-portuguesa-e-identidades-tnico-raciais-22593>.
132
Design para uma educação inclusiva
sobre Materiais e Recursos Didáticos (SIMAR). A disponibilização desse GT foi
possível devido à interdisciplinaridade proposta pelo evento, organizado por grupos de pesquisa que desenvolvem estudos e pesquisas voltados para o conhecimento de questões em torno do livro didático e de materiais e recursos didáticos utilizados na formação educacional e cultural contemporânea e, mais especificamente, em
relação às novas tecnologias de comunicação e informação.
A proposta desse GT teve por objetivo promover debates a respeito de como
questões consideradas importantes para a constituição de identidades – como
sexualidade, gênero, raça, etnia e cidadania – são agenciadas por livros, materiais
e recursos didáticos (vídeos, jogos, quadrinhos, livros paradidáticos, cartilhas,
folderes, manuais etc.) em instituições (de educação ou de saúde) e situações educativas (formais ou informais, presenciais ou a distância) nos diferentes níveis de
ensino. Tal proposta buscou privilegiar:
1) O entendimento de que identidades são “produtos” sempre provisórios,
resultado de negociações de cada sujeito com as muitas faces da sociedade
– outros sujeitos, grupos sociais, instituições, valores, princípios, códigos
etc. –, o que aponta tanto para a coexistência de várias identidades em
cada sujeito (HALL, 2006) como para um permanente exercício de encontro/confronto dos sujeitos em relações de poder (FOUCAULT, 1982).
2) A aceitação do pressuposto de que materiais e recursos didáticos podem interferir na constituição de identidades, porque, de algum modo, interpelam os sujeitos
em relação às crenças e conhecimentos que possuem de si mesmos (SILVA, 2003).
Sob essa perspectiva, pretendemos, a partir do diálogo entre a pesquisa acadêmica e a prática cotidiana, aprofundar reflexões sobre fenômenos considerados
de urgência social – como a intolerância e a violência em suas diversas formas de
manifestação, o uso de drogas, gravidez e aborto em jovens, paternidade e maternidade, dentre outros –, tendo por objetivo último a discussão sobre como os diversos
espaços e situações educativas, assim como os recursos e materiais didáticos podem
interferir ou interferem na constituição de identidades. Esta perspectiva nos interessa pois como pesquisadoras do campo de educação em ciências e saúde, investimos
em observar livros, textos, materiais e recursos didáticos, bem como as mediações
exercidas com tais artefatos como discursos, ou seja, os discursos, sua circulação e
a maneira como eles aparecem nos interessam – pois os entendemos como construções pertencentes à determinada historicidade – nas palavras de Veyne,
Longe de serem ideologias enganadoras, os discursos cartografam aquilo que as pessoas fazem e pensam realmente, e sem o saberem. Foucault nunca estabeleceu uma relação de causa e efeito num sentido ou no outro entre os discursos e o resto da realidade. (2008, p. 34)
Sob esse enfoque, consideramos a linguagem em sua historicidade, ou
seja, a linguagem em seu uso e em seu funcionamento histórico. No percurso
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
133
da obra foucaultiana, o autor se interessa pela linguagem e a percebe para
além da distinção significante e significado: no desdobramento do conceito
que envolve o plano discursivo, não é o “ser da linguagem” que tem o foco –
ao que Castro acrescenta:
mas sim, o seu uso e sua prática, no contexto de outras práticas que não são de caráter
linguístico. Foucault já não se ocupará somente ou primariamente das práticas discursivas, mas também das ‘práticas’ com as quais se exerce o poder, das ‘práticas éticas’.
A relação entre o discursivo e o não discursivo haverá de se converter, desse modo, em
uma via de acesso à análise histórica dos usos da linguagem. (2009, p. 251).
Assim, discurso e prática, para Foucault, não são elementos estáticos: eles
funcionam em inter-relações dinâmicas. Ao debater sobre a atividade discursiva, o autor invariavelmente menciona o enunciado, e neste ponto fica claro
que para ele o enunciado não trata de uma unidade menor contida dentro do
discurso: seu caráter é muito mais amplo e transversal e funcionaria atravessando a linguagem. Referindo-se ao enunciado, Foucault nos diz: “ele não é em si
mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas
e de unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos
no tempo e no espaço” (2007, p.98). Veiga-Neto exemplifica e esclarece ainda
mais o conceito: “um horário de trens, uma fotografia ou um mapa podem ser
um enunciado, desde que funcionem como tal, ou seja, desde que sejam tomados como manifestações de um saber e que por isso, sejam aceitos, repetidos e
transmitidos.” (2004, p. 113)
Partindo da consideração de que práticas e ações estariam imbricadas aos
mecanismos discursivos, cremos ser mais produtivo concentrar o foco sobre como
a realidade se constrói por dentro de uma trama discursiva e, para acessar este
jogo complexo de significações que percorrem textos e práticas do tecido social,
escolhemos a perspectiva foucaultiana, sendo ele mesmo um “historiador do presente”, levando em conta que os discursos “verdadeiros” estão mergulhados em
relações de poder, produzidas discursivamente e, ao mesmo tempo, produtoras de
discursos, de saberes e de verdades. Ao trabalhar com livros, incorporando suas
imagens e textos, em materiais e recursos didáticos buscamos analisá-los pelas
possibilidades discursivas que geram. Ou ainda, levando em conta a dimensão
da cultura, Stuart Hall nos diz: “Não é que não haja nada além do discurso, mas
toda prática social tem o seu caráter discursivo.” (1997, p. 33).
Tomando por base tal perspectiva, apresentamos a seguir algumas considerações teóricas que permeiam nossos estudos e contribuem para análise do
material observado, e, em seguida, delineamos um panorama sobre os trabalhos
apresentados no GT. Nosso objetivo não é meramente expor os dados que levantamos a partir dos artigos e apresentações dos autores, mas, especialmente,
134
Design para uma educação inclusiva
tentar entender a partir desses dados por que o nosso GT, e não qualquer outro,
foi eleito para acolher os trabalhos nele apresentados. Além disso, procuramos
discriminar os temas, as metodologias, os referenciais teóricos e autores adotados e, por fim, se e em sob qual perspectiva nosso GT poderá contribuir para o
avanço das discussões sobre os temas de interesse dos autores que direcionam
seus trabalhos para nós.
A emergência das “diferenças” na pauta contemporânea
Com o aporte de Foucault, descobrimos que certos enunciados possuem
mais “força” que outros – não de uma maneira casual e despreocupada, mas devido a contingências de seu surgimento e circulação. Tais contingências indicam
como nossos objetos são construídos e, assim, ao nos preocuparmos em como as
temáticas contemporâneas são veiculadas nos materiais e recursos didáticos e em
como estes temas emergem, a tônica recai sobre as condições de possibilidade de
existência de determinado discurso em relação a outro, como também sobre as
lacunas existentes no plano discursivo. Ao discorrer sobre o regime de formação
dos objetos, Foucault assinala que o discurso jamais se desvincula de questões e
jogos de poder, e com isto devemos
não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que
remetem a conteúdos e representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas
o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os
torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é preciso fazer aparecer
e que é preciso descrever (2007, p. 55)
Com tal observação, voltamos à questão de considerarmos a evidente inter-relação entre discursos e práticas. Assim, são evidenciados os processos de inclusão e exclusão discursiva, onde os interditos são produtos de um sistema de
relações de poder/saber na sociedade.
Deste modo, cultura e relações de poder possuem uma relação indissociável
e “deriva dessas relações de poder a significação do que é relevante culturalmente
para cada grupo” (VEIGA-NETO, 2000, p. 40). Complementando esse pensamento o autor afirma que “para os Estudos Culturais, não há sentido dizer que a
espécie humana é uma espécie cultural sem dizer que a cultura e o próprio processo de significá-la é um artefato social submetido a permanentes tensões e conflitos
de poder” (ibid).
Assim, seria simplista perceber este movimento de maneira polarizada;
muito mais interessante seria pensar a natureza relacional do poder e em como
tais pressupostos são oriundos de um modo de pensar a educação ou de um
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
135
modo de conceber a prática educacional que se insere na perspectiva de pensar
o ser humano como
sujeito da própria história, capaz de transformar o mundo a partir da tomada de
consciência, reúne essas duas concepções: tudo se passaria como se, percebendo a dominação, a força do outro, o sujeito pudesse lutar e chegar, talvez um dia, à condição
paradisíaca (e originária) de sujeito uno, pleno de poder (FISCHER, 2001, p. 207).
Esse sujeito uno, herança da concepção de sujeito da modernidade, se depara
com o descentramento do sujeito pós-moderno, uma perspectiva que está muito
mais preocupada em pensá-lo a partir de suas práticas discursivas. Discurso e
sujeito estariam, assim, interligados em processos de constituição e reconhecimento através de mecanismos de saber-poder presentes nos discursos enunciados
nos materiais e recursos que circulam na escola ou no currículo que viabiliza a
sua utilização. Como um mecanismo que se retroalimenta, essas ações adquirem
visibilidade nas práticas que investem em dar voz aos saberes originalmente “excluídos” da pauta escolar. Desta forma, tomando a perspectiva foucaultiana:
tudo está imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, ou
seja, enunciados e visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas
sociais por definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que
as supõem e as atualizam (FISCHER, 2001, p. 200).
A necessidade pedagógica de trazer à baila a subjetividade daqueles que estão
nos bancos escolares para direcionar as ações pedagógicas revela uma preocupação
que não é nova e nos lembra novamente de que não existe uma exterioridade ao
poder, pois as práticas educacionais também são elementos de disputa na arena buscando espaço de significação e, “nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado é negociado e fixado” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER,2003,
p.38). Avançando nesta perspectiva, Rodrigues e Abramowicz assinalam que:
A partir da década de 1990, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais
presente no contexto político brasileiro, motivada pela pressão internacional de
cumprimento dos acordos internacionais de combate às desigualdades raciais, de
gênero e outras, bem como por um contexto interno de intensas reivindicações.
(2013, p. 25).
As autoras analisam a maneira pela qual os conceitos de diferença e diversidade têm sido utilizados no debate contemporâneo brasileiro em educação e nas
políticas públicas da área, e com este empreendimento percebem o avanço da
temática “diversidade” na agenda pública. Entretanto, apontam que seria necessário um deslocamento do campo da retórica para o campo da prática, visando
136
Design para uma educação inclusiva
efetuação das intenções. Este investimento repercute na esfera escolar, tendo em
vista que muitas vezes o/a docente procura determinado livro para seu trabalho
em sala de aula, tendo como estopim a demanda do currículo, seja ela explícita ou
implícita, como no caso da incorporação dos temas transversais. Currículo e escola são entrelaçados por movimentos diversos que deixam transparecer as marcas
de significação que lhes são próprias, apontando lugares, valores, produzindo
efeitos e indicando determinada ação pedagógica. Silva (2003) alega que as políticas curriculares constroem “um léxico próprio”, estabelecendo um mecanismo
de instituição e constituição do “real” que supostamente lhes servem de referente.
O currículo escolar, portanto, é central na construção das hierarquias e não
é um dispositivo neutro com eixo apenas na transmissão de conhecimentos concebidos como fatos, como informação. Com esta perspectiva, Zucchetti, Klein
e Sabat (2007) analisam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas. Elas argumentam que
estes documentos, que compõem as políticas públicas nacionais “em conjunto,
dão visibilidade a uma ordem do discurso sobre a inclusão social em nosso país
na contemporaneidade” (2007, p. 78). Com esta análise, podemos perceber que
sujeitos e discursos recebem a interferência das políticas analisadas, podendo
ser constituídos por elas e, assim as autoras apontam que:
a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), um número significativo de documentos foi elaborado no sentido de atender às prerrogativas da
inclusão e do respeito à diversidade. Exemplo disso são os Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN, estabelecidos pelo Governo Federal através do Ministério da Educação, desde 1999, trazendo para o âmbito escolar discussões em torno de temáticas
como pluralidade cultural, ética e sexualidade, sob a forma de Temas Transversais.
Cabe ressaltar, também, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente que, entre outras prerrogativas, dá amparo legal aos projetos socioeducativos a
partir de uma proposta de diálogo entre os processos de ensino-aprendizagem (políticas educacionais) e as ações de proteção (políticas de assistência social), visando
à inclusão social de crianças e adolescentes considerados em situação de vulnerabilidade social. Assim, questões ligadas à diversidade como raça, gênero, necessidades
educacionais especiais e geração, entre outras, ganharam visibilidade nos currículos
escolares e nas Políticas Públicas (2007, p. 76).
A legislação apontada constrói processos de legitimação nas esferas que nela
se amparam. No que diz respeito ao currículo, Silva (2003) evidencia a relação
entre as práticas de significação e as praticas produtivas, e, neste caminho, Zucchetti, Klein e Sabat mais uma vez assinalam:
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
137
Enquanto materialidade discursiva, esses documentos das políticas públicas não só dão encaminhamentos às garantias de direitos dos indivíduos e grupos pelos quais se organizam,
como também [...] constituem os saberes e as práticas dos docentes envolvidos na educação
nos espaços escolares e não-escolares (2007, p. 85),
Ao estabelecer esta reflexão levando em conta os elementos da cultura,
Costa, Silveira e Sommer observam:
Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo de rock, por exemplo, não são apenas manifestações culturais. Eles
são artefatos produtivos, são práticas de representação inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são
estabelecidas (2003, p. 38).
Assim, os objetos culturais se inserem em um contexto amplo de posições
ocupadas, em que poder e reconhecimento são sempre negociados, e com este
pensamento observamos os trabalhos apresentados.
Panorama
Na edição de 2013, primeira da qual participamos, doze trabalhos foram
aprovados, mas apenas oito (66,66%) foram apresentados em duas sessões do
GT; já nesta última edição de 2015, dezessete trabalhos foram aprovados, quinze
(88,23%) dos quais apresentados em quatro sessões. Primeiro dado: houve crescimento de 17,25% no número de trabalhos aprovados e de 30,43% no número
de trabalhos apresentados no GT, o que parece indicar que, em linhas gerais, os
temas são de interesse crescente dos autores.
A seguir comentamos tópicos fundamentais sobre os trabalhos apresentados: tema abordado; material ou recurso didático utilizado ou desenvolvido;
estratégia metodológica; e suporte teórico. Tais dados foram coletados dos artigos enviados pelos autores ou, no caso de não terem sido disponibilizados,
apenas dos resumos submetidos para o processo de seleção. Para facilitar o
entendimento de nossas considerações, apresentamos tabelas ou quadros com
as informações sobre os tópicos indicados acima. Devido ao espaço consumido
por estes recursos, não incluímos os dados referidos aos dois últimos tópicos
dos trabalhos de 2013.
1. Temas abordados pelos trabalhos
Pode-se observar na tabela 8.1 que: a) trabalhos sobre questões de gênero só
foram apresentados na edição de 2013; b) trabalhos sobre questões identitárias
e culturais ocorreram em ambas as edições, com crescimento percentual nos dois
138
Design para uma educação inclusiva
temas e expressivo aumento de interesse em relação ao tema cultura; c) dois trabalhos sobre temas não diretamente vinculados ao GT participaram dos debates
nas duas edições.
Tabela 8.1: Distribuição dos trabalhos por tema.
Temas em 2013
N.° de
trabalhos
%
Temas em 2015
N° de
trabalhos
%
Questões culturais
2
25
Questões culturais
8
53
Questões identitárias
2
25
Questões
identitárias
5
33
Questões de gênero
2
25
Potencial
pedagógico
1
7
Letramento literário
1
12,5
Formação do leitor
1
7
Representações sociais
1
12,5
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.
Interessante destacar que sob as designações genéricas “questões culturais’ ou “questões identitárias’, os trabalhos de 2015 abordam os muitos assuntos de interesse do GT, como raça, etnia, gênero e classe, privilegiando
uma investigação de estereótipos e preconceitos ou implantando propostas
pedagógicas visando um enfrentamento desses. Dentre todos os assuntos tratados, observamos interesse significativo pela investigação da “brasilidade”,
ou seja, da noção de “cultura brasileira”, aspecto abordado por quatro trabalhos. Finalmente, em relação a este tópico, contamos ainda com a apresentação de um trabalho com foco sobre pessoas com necessidades especiais, também alvo de preconceito e discriminação na sociedade, e de um trabalho sobre
representações de família. Na Tabela 8.2, apresentamos as questões culturais
e identitárias abordadas em 2015.
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
139
Tabela 8.2: Trabalhos referidos a questões culturais e questões identitárias.
Questões culturais
Culturas africanas (dois trabalhos)
Noção de “cultura brasileira” em livro de PLE (dois trabalhos)
Noção de “cultura brasileira” com foco na formação de professores de PLE
Representações de cultura em LD de inglês
Influência visual francesa nas cartilhas de alfabetização brasileiras
Família em LD de língua estrangeira – inglês
Questões identitárias
Identidade e representação das pessoas com necessidades especiais em LD de
língua portuguesa
Identidade para a população brasileira no Canal Futura
Identidades étnico-raciais
Identidades sociais de raça, gênero e classe em LD de língua estrangeira e formação de
professores
Representações de identidade no LD “Big Picture B1”
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.
2. Material ou recurso didático analisado e/ou desenvolvido
Em relação a materiais, recursos ou propostas analisados e/ou desenvolvidos,
podemos destacar que: a) o livro didático (LD) foi o recurso mais estudado nos dois
eventos correspondendo a 62,5% dos trabalhos apresentados e a 60% deles em
2015; b) a investigação sobre temas em materiais impressos – livros de qualquer espécie, cartilhas, almanaques – predomina sensivelmente sobre qualquer outro tipo
de recurso, correspondendo estes últimos a apenas dois trabalhos apresentados em
2015, um classificado como proposta didático-pedagógica e outro sobre análise de
canal de TV. Observe na Tabela 8.3, os detalhes da distribuição dos trabalhos.
140
Design para uma educação inclusiva
Tabela 8.3: Distribuição dos trabalhos por material ou recurso didático
Materiais em 2013
Nº. de
trabalhos
%
Materiais em 2015
Nº. de
trabalhos
%
LD de inglês
3
37,5
PLE/PFOL
4
26,67
LD de francês
1
12,5
LD de inglês
3
20
LD de espanhol
1
12,5
LD de português
2
13,33
Curso de espanhol
1
12,5
Proposta didáticopedagógica
2
13,33
Materiais didáticos
impressos em Saúde
1
12,5
Canal de TV
1
6,66
Livros de literatura para
formação de professores
1
12,5
Cartilha de
alfabetização
1
6,66
Almanaque
1
6,66
Livros ficcionais
1
6,66
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.
Quanto aos livros didáticos, vale a pena destacar que: a) o número de
trabalhos sobre LDs de inglês aumentou sensivelmente do evento de 2013
(três) para o de 2015 (sete), ou seja, houve um incremento de mais de cem por
cento, por conta dos quatro trabalhos dedicados aos livros de português língua estrangeira (PLE) e português para falantes de outras línguas (PFOL); b)
trabalhos sobre LD de francês e de espanhol só foram apresentados em 2013
e de português apenas em 2015.
3. Estratégia metodológica
Na Tabela 8.4, apresentamos as estratégias metodológicas utilizadas para a
realização dos objetivos de cada trabalho apresentado no GT apenas na edição de
2015. Depois, tecemos algumas considerações de síntese dos dados.
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
141
Tabela 8.4: Estratégias metodológicas desenvolvidas pelos trabalhos.
2015
Análise de atividades de leitura, escrita e fala sobre temática de unidade didática.
Análise de imagens e de atividades de listening e speaking em coleção de LDs.
Análise de imagens de tarefas propostas em LDs de PLE.
Análise de alternativas de respostas de tarefas em LD de PLE.
Analise de representações de identidades em LD de PLE (imagens e textos).
Análise de aspectos interculturais de estereótipos da cultura brasileira (imagens e textos).
Análise de como temas culturais são propostos em livro (imagens e textos) +
levantamento das opiniões de usuários do livro a respeito do tema proposto
Análise descritiva de projeto de identidade corporativa de Canal de TV (imagens e textos).
Análise descritiva e comparativa de aspectos gráfico-editoriais de publicações
brasileiras e francesas.
Análise discursiva.
Análise de discurso + análise documental e de conteúdo.
Desenvolvimento de sequência didática (2).
Não menciona (2).
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.
Observamos que onze trabalhos (73,33%) se dedicaram a alguma modalidade ou
à combinação de mais de uma modalidade de análise; dois (13,33%), à elaboração e realização de uma proposta pedagógica; e três (20%) não disponibilizaram a informação.
Quanto ao tipo de análise praticada na elaboração dos trabalhos, distinguimos que: 1) dois desenvolvem análise de atividades – um, exclusivamente e o
outro, conjugando-a à análise de imagens; 2) um realiza análise de alternativa de
respostas a tarefas; 3) dois praticam análise de discurso, um deles associando-a à
análise documental e análise de conteúdo; 4) cinco realizam análises que envolvem consideração de imagens e textos.
Em relação aos trabalhos que desenvolvem sequência didática (dois): um
deles parte da análise de documentos oficiais e do contexto onde o trabalho seria
desenvolvido para elaborar e realizar a proposta pedagógica; o outro começa com
142
Design para uma educação inclusiva
análise de projeto incluído em publicação do MEC e da análise do contexto onde
o trabalho seria desenvolvido para elaborar, realizar e avaliar a proposta.
4. Referencial teórico e autores
Por fim, o último tópico a ser considerado no presente artigo, o referencial
teórico e os autores que fundamentam os trabalhos apreciados. Na Tabela 8.5
essas informações são apresentadas. Conforme referido anteriormente, os dados
foram coletados do material que os autores nos enviaram – artigos ou apenas
os resumos. A partir dessas fontes, podemos afirmar que: a) não foi possível encontrar qualquer informação sobre os tópicos em três trabalhos; b) foi possível
estabelecer a abordagem teórica de doze trabalhos e os autores utilizados em oito
deles. A seguir, apresentamos a Tabela 8.5 com os dados dos quinze trabalhos
apresentados. As células em referem-se referem aos dados não obtidos.
Tabela 8.5: Referencial teórico e autores explicitados nos trabalhos.
Abordagem teórica
Autores
Análise crítica (sem referencial especifico)
-
Analise crítica do discurso,
Linguística sistêmico-funcional (LSF)
Análise crítica do discurso
Fairclough, N.
Van Dijk, T. A.
Conceitos de identidade aberta ou fechada e de
convivência dialética ou emissão unidirecional
Bertalanffy, K. L.
Estudo do discurso
Bakhtin, M.
Conceito de cultura no ensino de línguas e de idiomas;
conceito antropológico de cultura; interculturalidade no
ensino de línguas estrangeiras
Godoi, E.; Laraia, R. B.
Análise de discurso crítica
Gramática sistêmico funcional
Gramática de design visual
Cantoni, M. G. S.
Barroso, C.
Halliday, M.
Kress, G.; Leeuwen, T. V.
História das cartilhas de alfabetização
Le Men, S.; Choppin, A.
Linguística sociocultural
Bucholtz, M.; Hall, K.
(continua)
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
143
Tabela 8.5: Referencial teórico e autores explicitados nos trabalhos (continuação)
Abordagem teórica
Literatura negra; identidades culturais;
letramentos de reexistência
Autores
Duarte, E. A.;
Hall, S.;
Souza, A. L. S.
Princípios interculturais
Kramsch, C.
Teorias oriundas dos campos da leitura,
da literatura e da cultura
-
Não indica (2)
-
Não menciona (1)
-
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.
Sobressai nesse tópico tanto a ausência (já referida acima) ou pouco esclarecimento sobre o referencial teórico quanto a variedade de referenciais utilizados. O pouco esclarecimento se refere a dois trabalhos que indicam abordagens
que por si sós nada esclarecem sobre o percurso teórico do trabalho – “Análise
crítica” e “Teorias oriundas dos campos da leitura, da literatura e da cultura”,
posto que uma extensa lista de referências caberia sob tais designações; também
pouco elucidativo é o trabalho que informa como referencial teórico os “conceitos de identidade aberta ou fechada e de convivência dialética ou emissão
unidirecional”, muito embora, posteriormente, após acesso à dissertação do
autor, tenhamos entendido que tais conceitos estão vinculados à teoria geral dos
sistemas elaborada por Karl L. Bertalanffy.
Em relação aos referenciais indicados adequadamente – oito trabalhos,
observamos que metade se dedica ao estudo ou análise do discurso: um lançando mão de contribuições de Mikhail Bakhtin; outro, utilizando a análise
crítica do discurso (ACD) indicando como referência Norman Fairclough e
Teun A. Van DIJK; um terceiro que pratica uma triangulação teórica lançando mão da análise de discurso crítica, da gramática sistêmico funcional e da
gramática de design visual, referindo Michael Halliday, Gunther Kress e Van
Leeuwen; e o último que associa ACD e linguística sistêmico-funcional (LSF),
sem, contudo, explicitar nome de autores. Os outros quatro trabalhos se concentram sobre questões culturais, realizando revisão de conceitos de cultura,
fazendo uso de princípios da interculturalidade ou retomando contribuições
da linguística sociocultural. Estes referiram Marry Bucholtz, Kira Hall, Stuart
Hall, Claire Kramsch, entre outros.
144
Design para uma educação inclusiva
CONSIDERAÇÕES
Finalizamos o presente artigo investindo em sob qual perspectiva nosso GT
poderá contribuir para avanço das discussões sobre os temas de interesse dos autores que direcionam seus trabalhos para nós, bem como buscando interlocução
com nossos pares no constructo de estudos e pesquisas. Neste ponto, podemos
assegurar que as questões contemporâneas evidenciadas em nosso GT emergem
no contexto dos discursos que circulam buscando visibilidade sobre as “diferenças”, ou seja, estes temas emergem dentro dessa normalização dos discursos
“vigentes”, do que o senso comum chama hoje de “politicamente correto”, por
vezes polarizando as discussões entre o que pode ou não pode ser dito. Assim,
como parte do desdobramento da inclusão dos temas transversais no currículo
e também nos materiais didáticos, como já discutimos, surgem temáticas visando debater as “diferenças”, encontrando portas abertas na discussão escolar. A
produção de material voltada para esse público espelha esse movimento e potencializa a exaltação de ideais igualitários com a caça aos estereótipos de todos os
tipos. Este conhecimento, muito mais do que ligado à dimensão pedagógica do
conhecimento, está imbricado em processos de legitimação dos grupos minoritários que repercutem na esfera sociocultural e ecoam na escola. O aparato saber-poder produz o discurso do verdadeiro. Neste ponto, seria importante clarificar,
mais uma vez, que nosso interesse será sempre o de perceber como estes discursos
circulam e observar as condições de possibilidade de sua existência.
A atualidade e emergência das discussões e a procura pelo nosso GT apontam que, muito mais que um novo modismo da escola ou da academia, tais observações e estudos evidenciam novas pautas em que materiais e recursos didáticos reverberam. No entanto, a luta pelo preconceito invade a cena didática,
produzindo armadilhas sempre que desconsideramos suas condições de circulação e produção. Por esta via, recebemos a excelente oportunidade de exercitar a
interlocução entre campos distintos como educação, letras e design, em que os
estudos culturais têm se apresentado como um campo produtivo de análise das
pedagogias culturais na constituição de sujeitos, na composição de identidades,
na disseminação de práticas e condutas, ou seja, na observação, no estudo e na
pesquisa de formas de ser e viver na contemporaneidade. O SILID e o SIMAR oferecem o palco de interlocução de primeira grandeza para a atuação desses atores,
campos que protagonizam a arena educacional – em espaços formais ou não formais – mas que invariavelmente não dialogam, restringindo-se às suas fronteiras
de saber. O deslocamento que se faz necessário representa o exercício que poderá
contribuir de forma significativa para nos aproximar das questões centrais dos
nossos tempos com suas diversas, múltiplas, inter/multidisciplinares, mas, acima
de tudo, complexas demandas. Muito trabalho nos espera!
Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo
145
REFERÊNCIAS
RODRIGUES, T. C.; ABRAMOWICZ, A. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisas em educação. Educ. Pesqui., São
Paulo, v. 39, n. 1, mar. 2013.
CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e
autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
COSTA, M. V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L. H. Estudos culturais, educação
e pedagogia. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a03. Acesso em: 20 set. 2015.
FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cad. Pesquisa,
São Paulo, n. 114, nov. 2001.
FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2007.
______. (1982) O sujeito e o poder . In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel
Foucault. Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p p. 231-249.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso
tempo. Educação & Realidade, v. 22, n. 2, jul./dez. 1997.
ZUCCHETTI, D. T.; KLEIN, M.; SABAT, R. Marcas das diferenças nas Políticas
de Inclusão Social. Educação e Realidade, UFRGS, v. 32, n. 1, 2007.
______. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
SILVA, T. T. O currículo como fetiche. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
______. Michel Foucault e os estudos culturais. In: COSTA, M. V. (Org.). Estudos
culturais em educação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p p. 37-69.
VEYNE, P. Foucault: o pensamento, a pessoa. Lisboa: Edições Texto e Grafia,
2008.
CAPÍTULO
9
Formação do professor para
a Educação Inclusiva
Jackeline Lima Farbiarz,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa sintetizar as discussões desenvolvidas no grupo de
trabalho (GT) “Formação do professor, práticas de ensino-aprendizagem, produção e uso de materiais, recursos e tecnologias assistivas com foco na educação inclusiva” que se reuniu no evento SILID/SIMAR1, cujo objetivo era o de
1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um
determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em http: <//www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20
Resumos%20V%20SILID%>. Neste caso específico, os seguintes artigos podem ser acessados em:
“Discutindo estratégias para o ensino de literatura no contexto de educação de jovens e adultos
surdos” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/discutindo-estratgias-para-o-ensino-de-literatura-no-contexto-de-educao-de-jovens-e-adultos-surdos-22594>.
“Práticas singulares de formação” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/
article-details/prticas-singulares-de-formao-22595>.
“Roteiro Para Avaliação E Seleção De Atividades Didáticas De Língua Inglesa Na Compreensão
Escrita” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/roteiro-para-avaliao-e-seleo-de-atividades-didticas-de-lngua-inglesa-na-compreenso-escrita-22596>.
148
Design para uma educação inclusiva
fomentar discussões interdisciplinares que ancorassem a formação/qualificação
do professor nesse contexto.
Entende-se aqui que a educação inclusiva demanda, por parte da sociedade civil e do
Estado, o compromisso com a formação e qualificação do educador. Essas devem voltar-se para práticas que abarquem metodologias, materiais, recursos e tecnologias assistivas
que promovam a redução das desigualdades educacionais com respeito às diferenças.
Embora o discurso vigente nas políticas públicas para à Educação Inclusiva valorize a diversidade e a promoção do bem-estar do aluno, conforme já abordado no
Capítulo 82, sob a perspectiva da constituição da identidade, o cotidiano das salas
de aula traz para o professor desafios reais que geram inúmeras incertezas concretizadas em questionamentos e posicionamentos controvertidos. Alunos com déficit de
atenção, hiperatividade, autismo, síndrome de down; alunos cegos, surdos, com comprometimento motor e ainda alunos privados do saber básico, como os vinculados
à educação de jovens adultos, entre outros transtornos, deficiências e injustiças estão
nas salas de aula, mas não necessariamente participam delas. Práticas, metodologias,
materiais, livros, recursos e tecnologias, muitas vezes, mantêm a segregação em detrimento à inclusão, percebida como promotora do direito efetivo à escolarização.
Inicialmente, este artigo adota como percurso metodológico um convite ao
leitor para participar de sua tessitura em busca de situações de inclusão na rememoração de seu cotidiano escolar/acadêmico. Ele apresenta, também, uma pesquisa bibliográfica com vistas a traçar um panorama da política de inclusão no
cenário nacional. Nele estão sintetizadas, ainda, as discussões desenvolvidas no
GT. E, finalmente, há aqui a proposição do design social participativo-inclusivo
como eixo condutor da interdisciplinaridade necessária para abordar a inclusão.
PREÂMBULO
Observe a imagem abaixo:
Figura 9.1: Simulação 3D da figura geométrica dodecaedro. Fonte: LINC-Design
2 Silva e Bastos tratam de questões para a constituição de identidades com foco nas diferenças no
Capítulo 8 deste livro.
Formação do professor para a educação inclusiva
149
Trata-se de uma representação tridimensional de um dodecaedro. O que ele
traz de especial?
Platão (427 a.C – 347 a.C), no livro Timaeus, afirma que o dodecaedro, como
elemento geométrico, é o símbolo da Harmonia Cósmica. Nas palavras do filósofo,
a ordem do universo constituiu-se por intermédio de formas e números essenciais
que atuavam como conexão entre o reino superior e o inferior a partir do caos primordial. Por essa perspectiva, os elementos essenciais seriam aqueles cujas arestas
e ângulos internos fossem iguais, cabendo a estes a composição dos elementos básicos da natureza: cubo = terra; tetraedro = fogo; octaedro = ar; icosaedro = água;
e dodecaedro = éter (considerado a quinta essência, o elemento mais importante).
Figura 9.2: Sólidos de Platão. Fonte: http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/PoliedrosPlatao2.jpg
Segundo Platão, o dodecaedro, pelo valor que alcançam as aberturas de seus
ângulos, é o sólido que mais se aproxima da perfeição da superfície esférica. Suas
doze faces pentagonais seriam representativas da proporção áurea que se repete
em toda natureza. Somando-se as questões de simetria e proporcionalidade, o
próprio número doze, quantidade de pentágonos regulares que compõem o dodecaedro, tem representação singular e mítica ao longo da história da humanidade:
doze meses no ano, doze signos no horóscopo ocidental, doze signos no horóscopo chinês, doze tribos de Israel, doze conselhos do Dalai Lama, doze apóstolos de
Cristo, doze cavaleiros da Távola Redonda e etc.
Antes de Platão, Pitágoras (570 a.C – 490 a.C), em sua cosmogonia, já havia
sustentado que o dodecaedro seria a quintessência criadora dos quatro elementos
responsáveis pelo universo em sua forma: água, terra, ar e fogo. De acordo com
o também filósofo e matemático, esse sólido carregaria consigo o valor de ser o
único poliedro regular capaz de inscrever todos os demais poliedros.
No século XVI, o astrônomo Kepler, estudando o sistema solar, usou os cinco sólidos num modelo para explicar os movimentos dos planetas – sólidos que,
para ele, correspondiam à perfeição geométrica absoluta.
150
Design para uma educação inclusiva
É no século XX, contudo, que, considerando que os cinco sólidos estavam
inscritos na circunsfera, o inventor, designer e arquiteto Buckminster Fuller (1979)
demonstra que, apesar das pessoas aprenderem que a terra não é plana e apesar
de terem desenvolvido conhecimentos em distintas disciplinas, elas continuam a
pensar e a produzir em e para um mundo planificado.
Utilizando-se de uma situação para explicar seu posicionamento, ele pede para
um menino desenhar um triângulo no chão e, ao fazê-lo, pede ao mesmo menino
que explique o que vê. Fuller constata a limitação na estrutura do pensamento do
meninopor este não identificar que ao desenhar um triângulo, na verdade está desenhando quatro e atuando na circunsfera (não apenas na planificação, como pensa).
Figura 9.3: Estrutura planificada. Fonte: LINC-Design
A partir do exemplo, ele enfatiza que:
Se realmente fosse um plano, avançando infinitamente para todos os lados, então
haveria infinito espaço para se poluir e infinitos recursos para substituir aqueles já
exauridos. De fato, é esta a forma como parecia ser no passado, e nós ainda estamos nesta estrutura mental. Da mesma forma, ainda vemos o sol descendo à noite e
subindo de manhã, apesar de sabermos, há 500 anos, que ele não está fazendo isso.
Nossos sentidos podem estar muito desencaixados com o que ‘sabemos’ teoricamente. (1979, p. 9-10. Tradução Julia Teles).
Dessa perspectiva, ele defende uma grande mudança no pensamento, de forma
a termos a sinergia em mente e pensarmos nas relações entre todas as coisas. Fundamentalmente, em sua concepção, para que a humanidade sobreviva no planeta é
Formação do professor para a educação inclusiva
151
preciso quebrar a estrutura planificada de pensamento, refletindo sobre o todo sempre, para que seja possível a criação de um sistema que inclua toda a humanidade,
sob a pena de seu padecimento.
Pressuposição e objetivo
Inscrição de todos num todo: harmonia
A recuperação de informações acerca da investigação da dimensão essencial e ontológica do mundo real mostra que data de antes de Cristo a busca
pela razão de ser do homem no planeta Terra e pela forma perfeita para a sua
inscrição. Uma rápida procura no dicionário de sinônimos do editor de textos
Microsoft Word pela definição da palavra harmonia leva aos seguintes resultados: acordo, beleza, coerência, coesão, composição, concordância, elegância,
equilíbrio, proporção, reciprocidade. Estes termos podem gerar uma leitura
em que a harmonia cósmica representada no dodecaedro inscrito na circunsfera — sua capacidade de inscrição de todos num todo —, carregaria consigo
a potência da inclusão.
Em linhas gerais, o encontro com os estudos citados, com a compreensão da forma representativa dessa harmonia, poderia desencadear o sentimento
de pertencimento pelo somatório de proporção, coesão e reciprocidade. Isso
mesmo cientes, e cabe aqui o reparo, de que Platão compactuava com o procedimento vigente em Esparta e Atenas de eliminar ou abandonar pessoas com
deficiências como forma de equilíbrio demográfico, principalmente quando a
pessoa em questão fosse dependente economicamente. O pensamento se justifica, pois naquela época predominava a visão de serem os deficientes sub-humanos e, como tais, considerados dissociados da dimensão essencial do mundo
real; assim, eles não ocupavam o lugar da exclusão ou da negação, mas sim o
não lugar da inexistência.
Fato é que séculos e mais séculos se passaram desde que foram realizados os
estudos que reconhecem um poliedro harmônico e, consequentemente, inclusivo.
Porém, também é fato que a potência criativa e inovadora do ser humano da
atualidade parece, em muitos sentidos, constituir-se, ainda hoje, em dissonância com os preceitos de harmonia e inclusão. Muitas das ações experimentadas
encontram-se restritas a formas tidas como não universais e imperfeitas, como exclusivas, pressuposição esta que motivou a constituição do GT aqui apresentado,
por demandar troca de experiências, investigação e ação. É a partir desse viés que
o presente artigo visa reunir olhares e ações sobre a educação inclusiva apresentados nos simpósios, para fomentar discussões interdisciplinares que ancorem a
formação/qualificação do professor nesse contexto.
152
Design para uma educação inclusiva
Delimitação
Inscrição de todos em todos excludentes: desarmonia.
Observe, agora, o seu local de leitura do presente artigo. Procure representá-lo graficamente:
Figura 9.4: Espaço para representação. Fonte LINC-Design
A não ser que você esteja desvirtuando protocolos de leitura institucionalizados, decorrentes da produção de sentidos da leitura (GOULEMOT; In:
CHARTIER, 1999), é bastante provável que esteja sentado em uma cadeira,
segurando o livro ou apoiando-o em uma mesa para possíveis anotações no
texto; ou, ainda, é possível que esteja lendo este artigo por meio de uma tela de
computador, um “tablet” ou “ebook reader”. Veja se você não está circunscrito
em formas próximas ao sólido cubo, envolto por ângulos retos, dentre os apresentados por Platão ao discutir os elementos essenciais.
Pense agora nos ambientes formais que participaram da constituição de sua
formação: pense no lugar onde você mora; na escola que frequentou ou frequenta, nos consultórios dos seus médicos; pense em cidades; concentre-se naquelas
que mantêm viva a experiência com a natureza; mesmo assim, ângulos e mais ângulos retos, “caixas e mais caixas”, limites, domínios, disciplinas e fragmentações
provavelmente participaram da composição de sua imaginação.
Veja, por exemplo, se a Figura 9.5, caso você seja morador de uma grande
cidade, não lhe traz a possibilidade de reconhecimento:
Formação do professor para a educação inclusiva
153
Figura 9.5: Barra da Tijuca, cidade do Rio de Janeiro. Fonte: http://og.infg.com.br/rio/13857646-3cd-1aa/FT150
0A/550/2014-748982733-2014090535456.jpg_20140905.jpg
Certo é que, mesmo após a passagem de tantos séculos, as cidades foram se
constituindo por meio de poliedros que mantêm os indivíduos “encaixotados”,
organizados em “cubículos”. A constatação é a de estar limitado por formas que,
dentre os elementos essenciais, a partir dos quais Platão desenvolve a sua reflexão,
mais se aproximam da forma cúbica, associada pelo filósofo ao elemento terra,
em sua busca pela composição dos elementos essenciais da natureza e em seu subsequente encontro com o dodecaedro (modelo do universo).
Pense, então, nesse elemento terra como essencial da natureza. Em uma composição de várias das definições a ele agregadas, o elemento pode ser entendido
como a massa que se distancia dos oceanos e da atmosfera por sua solidez e que
abriga o mundo da natureza física. Na composição de seu conceito, agregam-se
valores como “ter os pés na terra” e como sustentar-se na realidade material em
oposição às ações espirituais, etéreas, abstratas e imaginativas. Ele, engloba, ainda a neutralidade que caracteriza o fio neutro de uma instalação elétrica, sendo
a cautela e o equilíbrio a sua força motriz em prol da eficiência no suprimento
de necessidades básicas. A predominância dessa força e a solidez do elemento,
trazem como característica o ceticismo e a resistência a mudanças, além da valorização da análise e da perseverança.
Encaixotados, envoltos por ângulos retos, limitados, concisos, cientes de si
mesmos, distantes do universo anunciado no dodecaedro. Os termos mencionados poderiam facilmente ter participado (e alguns participaram participaram)
do histórico Seminário sobre Interdisciplinaridade nas Universidades, realizado
154
Design para uma educação inclusiva
em 1970 em Nice, na França. No evento, houve um avanço, embora ainda relativo, no sentido de trazer precisão para os termos e conceitos utilizados com
a finalidade de expressar os diferentes tipos e formas da pesquisa e da prática
interdisciplinar. Lá discutiram-se as principais tendências vigentes na percepção
de pesquisadores de áreas e países diversos, como Boisot (França), Heckhausen
(Alemanha), Jantsch (Áustria) e Piaget (Suíça).
Independente da perspectiva ou da ênfase, certo é que os debatedores, em
especial Heckhausen, adotaram como um dos caminhos para se discutir o tema
do Seminário a delimitação do conceito de disciplinaridade sintetizado a seguir,
por Japiassu (1977, p. 60) e Fazenda (1979, p. 29):
• domínio material, constituído pelo conjunto de objetos de que se ocupa
uma disciplina;
• domínio de estudo, definido pelo ângulo específico a partir do qual a disciplina delimita seu domínio material;
• níveis de integração teórica dos conceitos fundamentais e unificadores de
uma disciplina;
• métodos próprios para apreender e transformar os fenômenos;
• instrumentos de análise que levam em conta a estratégia lógica, os raciocínios matemáticos e a construção de modelos;
• aplicações; e
• contingências históricas.
A opção dos pesquisadores contribuiu para a associação da disciplinaridade com palavras como especificidade, unificação, domínio, aplicação e
modelo – palavras estas que dialogam favoravelmente com termos como limites, localização e exclusão – palavras que se distanciam da inscrição de todos
num todo, da harmonia validada na forma dodecaedro, tal qual conceituada
por Pitágoras e Platão; palavras que perduraram no contexto educacional por
vários séculos.
Especificamente no Brasil, foram vivenciados momentos históricos perversos onde aquilo que fugia ao modelo, que distorcia um domínio material, quando muito, ocupava lugares marginalizados de exclusão social. A implantação da
roda dos expostos, onde crianças com deficiência eram abandonadas para serem
cuidadas por freiras nos séculos XVIII e XIX serve de exemplo. Surge no século
XVIII, conforme apresentado a seguir no gráfico de proporção de crianças entregues em rodas brasileiras entre 1745 e 1829, o processo de institucionalização/
disciplinaridade dessas crianças:
Formação do professor para a educação inclusiva
155
Figura 9.6: Dados Roda dos Expostos 1745-1829. Fonte: MARCÍLIO, M. In: FREITAS, M., 1999, p. 72
Perdurou como norma, um cenário de valorização da fragmentação, da
limitação em detrimento da harmonia, da coesão e do equilíbrio. No Brasil,
por exemplo, a Constituição de 1824 privava do direito político o incapacitado físico ou moral. No contexto da disciplinaridade e da institucionalização,
em 1874, o Hospital Juliano Moreira é criado como espaço específico para
atendimento a pessoas com deficiência mental. Em 1903, é aberto no Rio de
Janeiro o Pavilhão Bourneville, primeira escola especial para crianças anormais. Priorizava-se, então, uma visão higienista atrelada à medicina.
Inscrição de todos em todos excludentes + inscrição de todos em
partes de um mesmo todo
É somente a partir da década de 1930, com a divulgação do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (1932) no Brasil, que ao contexto da exclusão e da
fragmentação opõem-se conceitos como respeito à individualidade e atenção à
diversidade para, a partir de sua função democratizadora, busca-se propiciar a
igualdade de oportunidades. Há, então, uma mudança de paradigma, na qual a
visão médico-higienista cede lugar à visão psicológica sobre a sociedade. Apesar
deste significativo avanço, no qual a inscrição de todos em todos excludentes
cedeu lugar à inscrição de todos em partes de um mesmo todo, também (e ainda)
no novo cenário não se chegou positivamente à inscrição de todos num todo,
entendida como harmonia. Em alguns casos, oportunidades iguais são ofertadas
em um mesmo todo configurado a partir de domínios, limites específicos. Surgem,
no novo modelo, as chamadas classes especiais, formadas idealmente a partir da
aplicação de testes cognitivos desenvolvidos principalmente com a chegada ao
Brasil da educadora e psicóloga Helena Antipoff.
O novo paradigma, entretanto, não elimina a ideologia anteriormente
predominante, de inscrição de todos em todos excludentes. Coexistem, assim,
156
Design para uma educação inclusiva
instituições com classes especiais e instituições com foco exclusivo na educação especial. Escolas públicas, privadas, beneficentes, filantrópicas – vários
domínios, vários rótulos, diferentes “caixas” assumem, cada uma a seu modo,
um lugar na Educação Especial, em comum a segregação em um mesmo todo
revestido do conceito de integração, ou em todos excludentes com valores
disciplinares solidificados.
Significação
Inscrição de todos no todo
Somente na década de 1970 é constituído o Cenesp – Centro Nacional de
Educação Especial, encarregado da definição da política da Educação Especial
para o país. E é da década de 1980 a diretriz para a integração do “aluno excepcional” nas salas de aula “regulares”, como direito às oportunidades iguais.
Na mesma década, documentos mundiais que visam a inclusão social, como a
Convenção de Direitos da Criança (1989) e a Declaração sobre Educação para
Todos, são assinados.
Mas é na década de 1990, com a assinatura de documento elaborado na
Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na Espanha,
que diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas
educacionais de acordo com o movimento de inclusão social tomam forma.
A partir de então, com a chegada do século XXI, políticas e programas de
inclusão que tornam as escolas públicas e privadas responsáveis também por
esses processos têm se fortalecido no Brasil. Decretos publicados em sequência
demonstram a atenção dada à educação, não mais tida como especial, mas sim
como inclusiva:
Somado ao cenário apresentado, o Estado Brasileiro, como signatário da
Organização das Nações Unidas (ONU) assumiu em 2008, através da Convenção
sobre os direitos da pessoa com deficiência (p. 7), o compromisso de assegurar um
sistema educacional inclusivo em todos os níveis.
Com isso, os eixos instituídos foram:
• constituição de um arcabouço político e legal fundamentado na concepção de educação inclusiva;
• institucionalização de uma política de financiamento para a oferta de recursos e serviços para a eliminação das barreiras no processo de escolarização; e
• orientações específicas para o desenvolvimento das práticas pedagógicas
inclusivas.
Formação do professor para a educação inclusiva
2007
Decreto 6.253
Institui o atendimento educacional especializado (AEE) com
caráter complementar para crianças com necessidades
especiais, que também deveriam frequentar a escola
regular. Introduz o dispositivo do duplo repasse de verba
para os matriculados nas duas escolas.
2008
Decreto 6.571
Estabelece que o AEE poderia ser oferecido pelos sistemas
públicos de ensino ou pelas instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com
atuação exclusiva na educação especial, conveniadas
com o poder público.
2010
PNE – primeira
versão
Meta número 4 prevê universalização do atendimento
escolar para estudantes com deficiências, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação na rede regular de ensino.
2011
Decreto 7.611
Afirma que o poder público estimulará o acesso ao AEE
de forma complementar ou suplementar ao ensino regular,
assegurando a dupla matrícula. Em contrapartida,
estabelece que serão consideradas, para a educação
especial, tanto as matrículas na rede regular de ensino
como nas escolas especiais ou especializadas.
2011
PNE – relatório
substitutivo
O novo texto da meta número quatro introduz o conceito de
que o atendimento escolar deve ser feito “preferencialmente”
na rede regular de ensino, já que o atendimento educacional
em escolas especializadas deve ser considerado sempre que
“não for possível”a integração do aluno nas classes comuns.
2015
Lei n.º 13.146, de
6 de julho de 2015
157
Lei Brasileira de inclusão da pessoa com deficiência.
Figura 9.7: Revista Educação online. Principais decretos da educação inclusiva nos últimos anos
Percorrendo esse caminho, entre 2007 e 2013, por exemplo, segundo o Censo
da Educação Básica realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a porcentagem de estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação matriculados em salas de aula regulares cresceu de 46,8% para 76,9%.
158
Design para uma educação inclusiva
Figura 9.8: Dados do INEP de percentual de matrícula de alunos com deficiência. Fonte: MEC/Ineep/DEED/Censo Escolar
AÇÃO
Agora feche seus olhos. Recupere suas lembranças como estudante. Nas salas de
aula frequentadas por você havia crianças/jovens com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação? Mantenha-se de olhos fechados e pense no seu espaço escolar/acadêmico: havia classes especiais? No caso de respostas afirmativas, a escola/universidade estava preparada para acolher integralmente
as crianças/jovens em questão? Registre suas impressões a partir de suas lembranças:
Figura 9.9: Espaço para reflexão. Fonte: LINC-Design
Formação do professor para a educação inclusiva
159
Provavelmente, se você, assim como a autora deste artigo, frequentou escolas
nas décadas de 1960-1970 ou mesmo na década de 1980, haverá muita chance de
precisar deixar o espaço acima em branco. Salvo raríssimas exceções, a inscrição
de todos num todo não correspondia à ideologia predominante.
É justamente esta constatação que mobiliza a escrita do presente artigo
e que mobilizou a inserção do GT que o originou. Como mencionado anteriormente, fundamentalmente, tínhamos por objetivo trocar experiências no
sentido de reunir olhares e ações sobre a educação inclusiva, para fomentar
discussões interdisciplinares que ancorassem a formação/qualificação de um
professor que, muitas das vezes, não vivenciou a experiência da Educação
Inclusiva ao longo de toda sua formação, desde a educação infantil até o
Ensino Superior.
Ainda durante a seleção dos resumos aprovados para o evento, foi possível
observar a abrangência do tema inclusão na perspectiva dos autores (professores
e pesquisadores). A associação dos resumos à temática educação inclusiva tomava
por base critérios distintos como:
• influências ambientais – diferenças culturais (preconceitos e estereótipos/
instrução insuficiente ou inapropriada);
• transtornos de conduta – irritabilidade, explosões temperamentais e
agressividade exagerada;
• transtornos emocionais – ansiedade, depressão, fobia, psicose;
• transtornos de aprendizagem – transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), dislexia, discalculia;
• transtornos globais – espectro autista, síndrome de Asperger, síndrome de
Kanner, síndrome de Rett; e
• deficiência – física, visual, auditiva, mental.
Também foi possível identificar resumos que apresentavam relatos de experiências que propiciaram práticas de ensino “bem-sucedidas”, entendidas como
aquelas que despertaram e/ou mantiveram a motivação dos participantes. Esses,
em linhas gerais, partiam do pressuposto de que na escola de hoje todos estão
excluídos, havendo, então, metodologias, estratégias e práticas que propiciam
momentos de inclusão.
Os trabalhos foram selecionados buscando tornar representativa a diversidade das propostas. Com isso, os trabalhos apresentados contemplaram os seguintes objetivos na relação com os critérios mencionados:
160
Design para uma educação inclusiva
Tabela 9.1: Propostas
Critérios
Objetivos
influências
ambientais
analisar livros didáticos (LD) para EJA, demonstrando que a
hipertextualidade constitutiva do LD encontra-se, em alguns casos, em
dissonância com os documentos oficiais da EJA, comprometendo assim
sua utilização em práticas pedagógicas adequadas a um processo de
aprendizagem significativo;
propor roteiro orientador de professores na avaliação e seleção de
atividades e materiais didáticos para o ensino-aprendizagem na EJA,
participando da reinserção no sistema escolar brasileiro jovens e
adultos com trajetórias escolares truncadas.
transtornos
globais
demonstrar carências na formação do professor nos eixos subjetividade,
linguagem e corpo, constatadas a partir da observação de práticas de
sala de aula, para propor a aproximação psicologia e educação, com
vistas ao atendimento educacional especializado e inclusivo;
situar o Teatro como disciplina de sensibilização na formação do
professor e de potencialização da ação frente/junto a transtornos
globais a partir da análise de práticas teatrais desenvolvidas em
projetos de extensão;
apontar, a partir da apresentação de vídeos demonstrativos, a manutenção
de barreiras emocionais, físicas e estruturais que atuam de encontro ao
conceito de educação inclusiva como um movimento para todos;
descrever metodologia de design no desenvolvimento e observação de uso
do método de construção de bonecos com o reaproveitamento criativo de
resíduos sólidos para validar o boneco (e o teatro de bonecos) como forma
expressiva de construção de conhecimento para grupo com transtorno global;
situar o design inclusivo como área específica de desenvolvimento de tecnologia
assistiva apta a desenvolver projetos em parceria com os agentes participantes
da educação inclusiva (alunos, professores, pais, gestores).
deficiência
demonstrar que livros didáticos desenvolvidos para o ensino da língua
portuguesa como segunda língua para a educação de surdos encontram-se em
dissonância com os processos de alfabetização e letramento, vistos como partes
indissociáveis no processo de leitura e escrita nos primeiros anos de ensino.
O uso de traduções em libras, em recursos multimodais, muitas das vezes tem
foco na alfabetização, vista como aquisição de tecnologia, e distancia-se do
letramento, visto como prática social referenciada nas condições de aquisição e
uso, do momento de aprendizagem do indivíduo;
(continua)
161
Formação do professor para a educação inclusiva
Tabela 9.1: Propostas (continua)
Critérios
Objetivos
deficiência
apresentar recurso didático em libras que associa alfabetização
e letramento desenvolvido por professor como complemento a
livro didático para educação de surdos, com vistas a minimizar as
deficiências observadas nos livros didáticos disponíveis quando se
prioriza o letramento;
apresentar materiais e recursos didáticos entendidos como tecnologia
assistiva, desenvolvidos para transtornos e deficiências em disciplinas de
projeto do curso de Design da PUC-Rio, com vistas a inserir o design em
parceria como uma metodologia efetiva de desenvolvimento de materiais e
recurso com foco na inclusão.
Em linhas gerais, o GT constitui-se como um espaço de:
1) Reflexão sobre a dificuldade dos formadores quando materiais, recursos,
tecnologias, estruturas e ambientes apresentam questões concretas que
tornam inapropriado seu uso/ocupação por desconhecimento ou favorecimento da exclusão em detrimento a inclusão.
2) Proposição de uma formação profissional interdisciplinar, envolvendo, pelo
menos, psicologia, teatro, design, estudos da linguagem e educação.
3) Reflexão sobre a necessidade de sensibilização para as diferenças, ressaltando que o professor de hoje foi formado em ambientes de exclusão.
4) Reflexão sobre a precariedade da inclusão atual (inscrição de todos num
todo) como raiz de manutenção de discursos que valorizam a inscrição de
todos em todos excludentes.
CONSIDERAÇÕES DESENVOLVIDAS A PARTIR DO GRUPO
DE TRABALHO
Enfim diferente dos princípios da escola nova – nos quais, como já mencionado, (1) há a valorização da diversidade e o consequente favorecimento da inclusão;
(2) há um entendimento de escola como vida, em detrimento de um sentido de preparação para a vida; (3) há o objetivo de propiciar a reconstrução constante da experiência e da aprendizagem no contexto da vida cotidiana – o que ainda se observa
após a apresentação das comunicações no grupo de trabalho é a manutenção da
estigmatização da figura dos indivíduos marcados como em situação de inclusão.
Foram claras, por exemplo, as diferenças entre professores oriundos de espaços
de exclusão vinculados à inscrição de todos em todos excludentes, como os profes-
162
Design para uma educação inclusiva
sores do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), e professores oriundos
de espaços inclusivos, no âmbito da inscrição de todos em partes de um mesmo todo,
como os professores vinculados a escolas públicas e particulares do ensino regular da
cidade do Rio de Janeiro. Enquanto os primeiros apresentavam familiarização com o
“para quem” desenvolviam metodologias e práticas de ensino decorrentes da “vivência com”, os segundos oscilavam entre um discurso otimista, decorrente de iniciativas
individuais que resultavam em processos satisfatórios e prazerosos, e um discurso
cético, oriundo da constatação de carências na formação para lidar com as diferenças
e desfamiliarização com sujeitos, práticas, recursos e materiais.
Em ambos os casos, contudo, houve ênfase na valorização da democratização do ensino e da diversidade com respeito à individualidade, mas em muitos
casos foi possível constatar que os docentes formadores foram formados “para a
vida”, em vez de “para vivenciarem a vida”.
Em suma, a formação docente foi o ponto central para os diferentes posicionamentos. No âmbito da inscrição de todos em todos excludentes, o tempo de dedicação ao trabalho inclusivo das instituições de ensino, por exemplo, os quase dois
séculos de existência do INES, propiciou uma preparação vivencial, no sentido vida-experiência dos formadores, amparada pela própria instituição de ensino da qual
eles fazem parte, levando-os a assumirem um olhar otimista frente à inclusão, mas
cético frente à inscrição de todos em partes de um mesmo todo na configuração em
que ela vem se apresentando em cenário nacional. Já no âmbito da inscrição de todos
em partes de um mesmo todo, foi visível a diferença entre os docentes oriundos das
licenciaturas regulares, em especial Letras (por ser o foco dos seminários, livros e materiais de língua materna e estrangeira), e os docentes oriundos dos campos do design
e das artes cênicas, pois enquanto os últimos expuseram suas formações vivenciais e
experimentais, no sentido de terem desenvolvido em suas formações competências e
habilidades vinculadas à representação e projetação, como fundamentos sólidos para
o desenvolvimento de metodologias e práticas de ensino no contexto escolar com
foco na inclusão, os primeiros ressaltaram que em sua formação docente e, sobretudo, em suas práticas de estágio supervisionado, pouco vivenciaram a inclusão.
Foi notória a preocupação com o “como fazer uso de” como ressaltado
pela prevalência de comunicações que versaram sobre a inadequação de propostas inseridas em livros e materiais didáticos, quase que exclusivamente com
proposições concretas de reformulação das atividades e manutenção das mídias,
com excessão de uma comunicação que propunha a inserção da mídia boneco3
como recurso didático.
3 Tese de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Design da PUC-Rio, no
laboratório linguagem, interação e construção de sentidos, sob a orientação de Jackeline Lima
Farbiarz. Previsão de defesa: 2017.
Formação do professor para a educação inclusiva
163
A despeito dos simpósios terem em suas titulações as palavras livro, materiais e recursos, apenas em comunicações vinculadas à Educação de Jovens e
Adultos – como, por exemplo, a que questionava ser o livro didático na EJA uma
ferramenta para certificação ou para um processo de ensino-aprendizagem significativo – houve a clara alusão à pertinência de se trabalhar com livros didáticos
que não contemplam o contexto situacional/perfil cultural do público-alvo. Assim, o “como fazer uso de” prevaleceu sobre os “o quê” e “por quê” utilizá-los.
Ficou claro, assim, que, apesar das diferentes e bem-sucedidas iniciativas
apresentadas – como a que propunha uma releitura sobre as atividades propostas
em livro didático para a educação de surdos, que resultou no desenvolvimento
de um novo vídeo para uma das atividades do livro – ainda se trabalha na esfera
cúbica para suprir necessidades em detrimento de se buscar abstração, criação e
imaginação pressupostas pela harmonia cósmica decorrente do dodecaedro4. A
situação nos leva a questionar o quanto em suas formações os docentes são preparados para não apenas refletir sobre livros, materiais e recursos didáticos, no
sentido da funcionalidade e usabilidade, mas para propor soluções que entendam
os objetos de uso e sistemas de informação como “objetos vivos”, que, ao serem
usados pelos sujeitos criam e comunicam suas identidades.
Os livros e materiais discutidos nas comunicações revelaram o desconhecimento frente ao público-alvo a que se destinam, e a inadequação das propostas contribuiu para a rotulação dos usuários de “incapacitados”, no sentido de não terem
adquirido habilidades necessárias para desenvolver as competências esperadas naquele momento de formação (Coleman, 1999). Situações como a presença de uma
fotografia de um casal de aparência nórdica correndo pela areia em direção às águas
cristalinas de uma praia como contextualização para uma atividade em que alunos
de EJA deveriam aprimorar a capacidade de trazerem suas experiências cotidianas
para a sala de aula, apresentando a si mesmos e suas ações, servem como ilustração5. Desconsidera-se, ainda hoje, que o prazer psíquico participa da formação e é
pré-condição para o estabelecimento da empatia; sobretudo, desconsideram-se os
níveis diferentes de experiência e de habilidade cognitiva dos envolvidos nas situações de ensino-aprendizagem e, consequentemente, atua-se em descompasso com
uma visão holística das pessoas, dos produtos e das relações.
Foi possível constatar, também, a consciência das famílias acerca da falta de
orientação para a constituição de uma escola inclusiva na esfera da inscrição de todos
4 Trabalho apresentado nos V SILID e IV SIMAR por Luciana Aparecida Guimarães de Freitas,
intitulado “O livro didático na educação dos surdos: uma releitura sobre atividades propostas”.
5 Trabalho apresentado nos V SILID e IV SIMAR por Janine Marta Pereira Antunes da Silva, intitulado “O livro didático na Educação de Jovens e Adultos (EJA): ferramenta para certificação
ou para um processo de ensino/aprendizagem significativo?”.
164
Design para uma educação inclusiva
em partes de um mesmo todo. Tanto na mesa redonda que precedeu a reunião do grupo de trabalho quanto na atividade do grupo foi significativo o fato de o movimento
de aproximação com o tema inclusão dever-se, na maioria das vezes, à presença de
parente ou amigo com transtorno/deficiência. Filhos, netos e amigos desencadearam
o foco na atividade docente e no desenvolvimento de pesquisas em educação inclusiva. Embora os motivos não tenham sido explicitados, ao longo das comunicações
ficou claro que a opção pela pesquisa no tema partiu da necessidade de, por um lado,
se instrumentalizar para lidar com a inclusão (que teve como resultado a frustração
da percepção de que o cenário tem carências sérias) e, por outro, de familiarizar os sujeitos inscritos em contextos pedagógicos de inclusão. Neste sentido, foi significativa
a comunicação práticas singulares de formação, na qual problematizou-se a relação
de passividade frente a situações sociais, como o autismo por meio de práticas teatrais
desenvolvidas junto aos docentes6.
Em linhas gerais, foi consenso que ainda prevalece o entendimento de que
o indivíduo em situação de inclusão é visto como receptor dependente e passivo na maioria dos casos. Assim, a ele são ofertados livros, materiais, objetos,
práticas e ambientes que buscam atender ao que pressupõem que lhes falta em
detrimento de potencializar o que eles trazem e o que lhes é essencial. Busca-se
a adequação a um modelo em consonância com o paradigma da incapacidade,
impossibilitando-os de fortalecerem suas competências e habilidades.
CONSIDERAÇÕES E PROPOSIÇÕES
Sem dúvida, o GT demonstrou que muito se conquistou, mas também que
muito se tem a conquistar. Causou impacto a frase apresentada pela diretora do
Instituto Helena Antipof, proferida por um menino com deficiência intelectual
na qual traça um questionamento acerca de seu lugar na escola, afirmando “se a
escola não tem condições de acolhê-lo, deficiente é ela...”.
Sem dúvida, vive-se um momento de mudança de paradigma no qual é
preciso pensar a formação do professor no contexto da interdisciplinaridade,
habilitando-o para o conceito de que os processos de inclusão, educacionais ou
não, dão-se no âmbito social.
Propondo o diálogo com a perspectiva de Bourdieu (1989) – a partir da qual
o não domínio de códigos dominantes da comunicação em um determinado contexto inscreve o indivíduo em uma cultura “estrangeira” – constata-se, em linhas
gerais, a partir dos trabalhos apresentados no GT, que no contexto educacional,
a despeito dos avanços na legislação, há uma valorização da dificuldade do in6 Trabalho apresentado nos V SILID/IV SIMAR por Andréa Maria Favilla Lobo e Rafael Auler de
Almeida Prado, intitulado “Práticas singulares de formação”.
Formação do professor para a educação inclusiva
165
divíduo a partir dos materiais e objetos de ensino-aprendizagem propostos. Há,
por esse viés, o reforço das noções de capacidade/incapacidade e a consequente
desvalorização das múltiplas inteligências que integram os indivíduos ao mundo.
Ainda na concepção de Bourdieu, o capital cultural estaria intimamente ligado ao sucesso escolar do indivíduo, partindo do princípio de que a escola e
seus sistemas esperariam do aluno um tipo determinado de comportamento e um
conhecimento linguístico que, por princípio, já no começo do processo educativo
seria “excludente”. Assim sendo, faz-se necessário reconsiderar o que a sociedade
e a cultura escolar têm como referência de sucesso escolar, para que, deste modo,
todos possam ser incluídos neste(s) critério(s).
A partir do momento em que os indivíduos em situação escolar não se sentem
pertencente ao grupo dos “bem-sucedidos”, eles tendem a não se integrar e/ou criar
resistência e até mesmo abandonar a escola. Consideramos, desta forma, que as ações
envolvidas no processo inclusivo educacional deveriam focar nas múltiplas inteligências7 e não nas deficiências da criança. Acreditamos ser necessário um olhar interdisciplinar por parte dos atores envolvidos e atuações multidisciplinares.
É nesta perspectiva que ganha relevância o termo “arquitetônica”, cunhado
por Mikhail Bakhtin em escritos de 1919, 1920 e 1924.
a arquitetônica [...] entende que a diversidade que constitui o mundo resulta de um
movimento interativo da própria diversidade. Em vez da arquitetura do edifício situado no espaço e pronto para ser usado, a arquitetônica exprime a qualidade das relações que não se oferecem diretamente ao olhar, mas se manifestam como projeção.
Enquanto a mecânica mostra os posicionamentos, a arquitetônica persegue os fluxos
e seus pontos de vista projetados sob forma de diferentes interações. [...] Nesse caso,
a interação pressuposta no diálogo deve ser configurada na triangulação conceitual
em que: arquitetura (construção) > mecânica (movimento) > arquitetônica (interação) = resposta (sentido) (Machado; In: PAULA (Org.), 2010, s/p).
Pelo viés deste conceito, quer seja a concepção de práticas de ensino-aprendizagem, quer seja a concepção e eleição de objetos, recursos e tecnologias para
ensino-aprendizagem, elas partem de agentes mediadores (gestores, professores)
situados num espaço e tempo único e singular para os alunos inscritos em situação
de inclusão, também situados num espaço e tempo únicos e singulares na existência. Assim, qualquer proposição terá lugar no encontro em um ponto específico,
na tensão dinâmica da relação eu-outro, na interação em espaço-tempo determinado de singularidades, e é tanto consequência das subjetividades atuantes na interação quanto é produtor de subjetividades. Os usos resultantes das proposições
dos agentes mediadores (detentores de um campo de visão determinado por um
7 Gardner, Howard. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. New York: Basic,1983.
166
Design para uma educação inclusiva
posicionamento no espaço-tempo) e da resposta dos alunos (detentores de outro
campo de visão, também determinado por um posicionamento no espaço-tempo)
sobre a proposição em comum, assim como os aspectos em jogo no campo de
visão de “eu” e de “outro”, não são coincidentes, mas sim relacionais. As proposições situam-se no âmbito da construção de sentidos, mantendo-se inacabadas
frente ao potencial de respostas que só se esgotam no findar da sociedade.
Sendo assim, participar da projetação de proposições para espaços potencialmente inclusivos, entre outros aspectos, significa reconhecer que o campo de
visão do “agente mediador” se constitui tanto na projeção conceitual/imagem
desse “aluno” para o qual se destina o projeto – projeção fundamentada em
backgroud e horizonte de expectativas (ISER, 1996) – quanto no encontro e no
diálogo em um ponto específico (espaço-tempo determinado), com esse “outro”,
durante o uso ou a ação do ou sobre a proposição projetada. Logo, a projetação
sustenta-se no aceitar da diversidade, no reconhecer dos pré-conceitos e, fundamentalmente, numa mudança de concepção do projetar “para” o outro para o
projetar “com” o “outro” como pré-condição para uma ação em constante ressignificação. Por este viés, o reconhecimento das noções de pertencimento, identificação e apropriação torna-se fundamental na dinâmica do processo da situação
de projeto e nas distintas análises de uso, noções que participam da constituição
dos campos de visão do “mediador” e do “aluno” com quem se projeta em uma
dinâmica adaptável e cambiante de ressignificações (Bakhtin, 2003).
A reflexão acerca das discussões desencadeadas pelos trabalhos apresentados
no GT demonstra que a formação do professor para a inclusão tem na arquitetônica o fio condutor para a interdisciplinaridade. Os trabalhos apresentados sob
as óticas do teatro-design-educação-linguagem demonstraram isso. Em suma, foi
a busca por “olhar, reconhecer e agir sobre os “fluxos que constituem um evento” que foram entendidas como potencializadoras das múltiplas inteligências que
tornam os sujeitos singulares e constituem a diversidade.
Para a educação inclusiva, é preciso um novo desenho em um movimento
para todos. Por este viés, a disciplina design, desenvolvedora de objetos, sistemas e serviços, entendida em sentido restrito como interface entre o produto
que se cria e o usuário, apresenta-se como importante elemento na perspectiva
interdisiciplinar por lidar com o vasto leque de preferências e capacidades individuais a partir de um olhar sobre as múltiplas inteligências. Nesse percurso, ela
se insere como valor de projetação para questões plurais nas esferas histórica,
política, econômica, social, antropológica, tecnológicas e ergonômica. É neste
viés que ela encontra a coesão e a coerência com a inteligência do usuário e
suas expectativas, agindo como desenvolvedora de objetos, sistemas e serviços
facilitadores de nossa participação em um mundo construído que nos insere
em “caixas”. Sem o novo desenho para a educação, sustentado por um de-
Formação do professor para a educação inclusiva
167
sign participativo inclusivo, os espaços de ensino-aprendizagem, seus recursos
e tecnologias correm o risco de se manterem privilegiando a estigmatização, via
valorização da “limitação” em detrimento ao pertencimento.
Em suma, é oriundo deste cenário que o professor se encontra em sala de
aula hoje na condição de docente. Rever sua formação é viabilizar o atendimento
às novas diretrizes, pois a imposição de leis em dissonância com um projeto de
formação do docente e dos gestores gera resultados extremamente prejudiciais,
como os discutidos no GT.
Na realidade brasileira, gestores e professores, em linhas gerais, não são formados para o diálogo com as novas demandas. Na realidade brasileira, espaços,
materiais e recursos não são construídos e desenvolvidos em consonância com as
novas demandas, salvo raras exceções.
O GT demonstrou que, de fato, é urgente seguir a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de fortalecer e apoiar a pesquisas com objetivo
de aumentar a “compreensão pública sobre questões relacionadas à deficiência”,
“a oferta de informações para a elaboração de programas e políticas dedicados à
deficiência”, e “a alocação eficiente de recursos para a construção de massa crítica
de pesquisadores na área”.
Recuperando os pressupostos da Escola Nova, a função da escola deve ser
a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem
dentro da vida do aluno. Sem isso, não há democracia ou os direitos de oportunidades iguais perante a lei. O GT demonstrou um conjunto de boas intenções, mas
uma carência de ação, realização e concretização política, que, conforme entendemos, deverá percorrer um caminho cada vez mais multidisciplinar.
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Design para uma educação inclusiva
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<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ManifestoPioneiros>.
Acessado em: 15/05/2016.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL (Subchefia para Assuntos Jurídicos). Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência. Decreto Nº 6.949,
de 25 de agosto de 2009.
GOVERNO DE SÃO PAULO. Relatório sobre deficiência. 2012. Disponível em:
<http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/ultimas-noticias/relatorio-mundial-sobre-a-deficiencia-apresenta-nove-recomendacoes>. Acesso em: 15 maio 2016.
PARTE IV – MÚLTIPLAS
PRÁTICAS
Design em parceria com portadores de
deficiência – o diálogo e a necessidade relativa
Plano pedagógico para a primeira infância
na República Democrática de São Tomé e
Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
CAPÍTULO
10
Design & Educação:
objetos de
ensino-aprendizagem
potencializando
inteligências múltiplas
Jackeline Lima Farbiarz,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Julia Teles da Silva,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Luciana dos Santos Claro,
Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Daniela Marçal,
Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Eduardo de Andrade Oliveira,
Doutorando, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
174
Design para uma educação inclusiva
INTRODUÇÃO
O presente artigo complementa as discussões desenvolvidas no grupo de trabalho (GT) “Formação do professor, práticas de ensino-aprendizagem, produção
e uso de materiais, recursos e tecnologias assistivas com foco na Educação Inclusiva” que se reuniu no evento SILID/SIMAR, cujo objetivo era fomentar discussões
interdisciplinares que ancorassem a formação e qualificação do professor nesse
contexto. Ele também dialoga com as comunicações apresentadas no grupo de
trabalho “Design e educação: abordagens, materiais e métodos aplicados ao ensino”, pois aborda o design pelo viés social, para demonstrar como o desenvolvimento de uma metodologia inclusiva e participativa potencializa as inteligências
múltiplas dos sujeitos envolvidos no processo educacional e constrói o redesenho
da educação com vistas à inclusão de todos, conforme apontado anteriormente
no presente livro.
O artigo aprofunda o debate em algumas questões que essas parcerias nos
trazem, como o diálogo com o usuário – um diálogo essencial que vamos discutir
nos remetendo a Bakhtin (2006 [1979]) – e o conceito de necessidade do usuário
a partir de Ortega y Gasset (1939).
Objetivamos refletir sobre a formação e a prática do professor e contribuir trazendo exemplos de diferentes materiais/objetos de ensino-aprendizagem desenvolvidos pelo laboratório linguagem, interação e construção de sentidos (LINC-Design),
vinculado ao Programa de pós-graduação em design da PUC-Rio. Entendemos que
pelo viés interdisciplinar, parceria design-educação, é possível potencializar situações de ensino-aprendizagem. Propomos a inserção do design tanto no contexto da
formação do professor quanto no contexto de sua atuação, como mais um mediador/catalisador em situações de ensino-aprendizagem, por meio do desenvolvimento de ações/práticas educacionais e da concepção, desenvolvimento e produção de
recursos/materiais/objetos de ensino aprendizagem.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) está previsto
que o aluno seja preparado para lidar com a complexidade do mundo. Ele deve
tornar-se um cidadão apto a vivenciar as diferentes situações impostas pelo cotidiano e espera-se que esse aprendizado ocorra no âmbito escolar. Nos PCN’do 6º
ao 9º ano, por exemplo, enfatiza-se, em especial, que o aluno deva ser preparado
para o exercício da cidadania. Para tanto, ele deve ter uma formação completa,
em que compreenda seu entorno e seja capaz de agir nas situações impostas pela
vida, exercendo sua competência no lidar com a complexidade.
Contudo, o objetivo não tem sido alcançado, pois, embora a realidade do
século XXI aponte para a necessidade do desenvolvimento de competências e
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
175
habilidades,como formas de atuação em um mundo complexo, em muitas escolas
ainda perduram projetos pedagógicos que se concretizam na fragmentação de problemas, na resolução de questões pontuais e, em última instância, no treinamento do
aluno para a realização de avaliações. Há uma valorização/adequação de um modelo
de ensino no qual cabe ao professor transmitir e ao aluno absorver os conteúdos
transmitidos. Por esse viés, o desenvolvimento de habilidades e competências tal qual
previsto nos PCN fica, pelo menos, em segundo plano.
Na verdade, continuam a prevalecer modelos que dão ênfase ao ensino de procedimentos rotineiros que pouco mais exigem dos alunos do que a reprodução de informação previamente transmitida. Continuam a prevalecer modelos de avaliação
pouco integrados ao ensino e à aprendizagem e, sobretudo, orientados para atribuir
classificações (FERNANDES, 2009, p. 20).
Para além da questão da inadequação entre os objetivos de projetos pedagógicos das escolas e os objetivos dos PCN, há também o problema da formação do
professor, partindo do pressuposto de ser ele um dos mediadores no processo de ensino-aprendizagem. Isto se dá pois também é indicado nos PCN, que a formação do
professor na atualidade não consegue prepará-lo para o cotidiano da sala de aula.
Ficam assim comprometidos: o desenvolvimento de práticas de ensino-aprendizagem; a escolha/concepção de recursos, materiais e objetos de ensino aprendizagem;
e a proposição de estratégias de integração entre as diversas disciplinas.
A situação se agrava pois, além de uma formação com sérias lacunas, o
professor tem uma rotina que o sobrecarrega. Em linhas gerais, ele exerce sua
função em diversas salas de aula; usa os intervalos das aulas como espaço efetivo
para as correções de exercícios e provas e para a preparação das referidas aulas;
e assume em sua rotina jornada de trabalho dupla ou até tripla, a fim de complementar seus vencimentos. Com essa realidade, o professor tem pouco tempo
para se atualizar, para refletir sobre os caminhos, estratégias e recursos a serem
adotados e desenvolvidos, respeitando as especificidades de cada turma sob a sua
regência. Uma abordagem condizente com as necessidades específicas de cada
turma constitui-se, em suma, como uma dificuldade. Em linhas gerais, o professor acaba limitando sua ação ao âmbito técnico-especialista em detrimento do
âmbito didático-pedagógico.
(...) é imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para
o que desejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status de técnicos especializados dentro da burocracia escolar,
cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais
do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam seus
objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997, p. 158).
176
Design para uma educação inclusiva
O cenário contemporâneo revela, a despeito das exceções, que a atuação docente atende a uma demanda pelo cumprimento de metas para alcance de resultados nos rankings, o que Giroux chama de “pedagogia do gerenciamento” (1997:
p.160). Isto ocorre sem necessariamente haver a integração dessas metas com
abordagens diferenciadas ou empreitadas interdisciplinares que, no cenário mundial, demonstram potencializar o pensamento crítico do aluno e sua autonomia,
porque este fica focado no “como fazer” e não na compreensão dos problemas
que integram seu cotidiano.
Participando de uma política que nos parâmetros estabelecidos, constitui-se
como avanço – no sentido de propor um modelo de educação sustentado em
competências e habilidades para lidar com o mundo complexo – mas vivenciando
uma realidade de proletarização do professor, na qual, para a sobrevivência, a
qualidade é comprometida, o que o aluno tem à sua disposição, grosso modo, é
a massificação do ensino e a prevalência de práticas, recursos, materiais e objetos
de ensino-aprendizagem que se situam como sistemas apostilados (MARCONDES; MORAES, 2013). Estes tanto são fornecidos pelo sistema educacional, a
partir das políticas públicas para a educação vigentes, quanto são desenvolvidos
por professores com formação inadequada e sobrecarga de tarefas em seus cotidianos. Na maioria das vezes, há, a partir das políticas, a apresentação de guias
de referência, como o Guia do Livro Didático originário do Plano Nacional do
Livro Didático1, por exemplo, para guiar o professor na escolha do livro didático, e há, também, o desenvolvimento-escolha-uso de ações, práticas, recursos,
materiais e objetos de ensino-aprendizagem por parte do professor, independente
das especificidades de cada grupo de alunos inserido em uma determinada sala de
aula. Isso por ser atribuída a ele, como requisito para a formação, a habilidade de
desenvolver ações/práticas, recursos e materiais/objetos de ensino-aprendizagem.
Em suma, o que se apresenta como problema é que ações, práticas, recursos,
materiais e objetos de ensino-aprendizagem estão pouco calcados no conceito de
inteligências múltiplas dos sujeitos desenvolvido por Gardner (1994), a despeito
de ser uma demanda dos PCN disponibilizar materiais didáticos multimodais, por
exemplo. A concepção, desenvolvimento e produção de/para uma aula precisariam ser determinados por fatores como: (a) contexto onde serão utilizados; (b)
características do usuário final (aluno); (c) objetivos daquele que o utiliza (professor); (d) viabilidade técnica de sua construção; e (e) tempo disponível para a sua
1 Mesmo considerando que os avaliadores que participam da seleção do Guia são selecionados
em universidades com pesquisas sólidas na temática, não contemplam em suas formações competências e habilidades para todos os critériosconsiderados pertinentes para a situação de avaliação. A esse respeito, ver: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/biblioteca/php/mostrateses.
php?open=1&arqtese=1113310_2013_Indice.html>.
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
177
produção. Entretanto, vive-se a frustração de se experimentar uma realidade em
que tantos fatores acabam por favorecer o replicar de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem em diferentes contextos para diferentes finalidades,
a despeito das especificidades de cada turma/aluno. Isso porque via de regra, os
professores precisam assumir para si a tarefa de elaborar esses materiais e objetos,
tarefa para a qual poucos estão devidamente preparados (GUIBERT: 1994).
Além disso, os aparatos tecnológicos e os materiais disponíveis para a produção de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem constituem mais
um fator de suma importância. Nas escolas das redes pública e privada não há
unidade no que tange à presença de aparatos e materiais. Há defasagem em algumas e atualidade em outras. Por isso, o professor, inseguro acerca dos recursos à
sua disposição e sobrevivendo em uma realidade na qual a repetição da aula para
diferentes grupos e espaços é um fato, acaba, muitas das vezes, por repetir uma
mesma abordagem para diferentes contextos e/ou por limitar a utilização de recursos em suas aulas com a finalidade de evitar surpresas tecnológicas negativas.
Diante da complexidade da questão e fundamentalmente ciente do ainda
presente hiato entre as intenções dos PCN e o cotidiano de professores e alunos,
amplifica-se, por um lado, a necessidade de uma formação continuada que instrumentalize o professor para uma vivência cotidiana em sala de aula com qualidade
de vida e, por outro lado, que assegure ao aluno uma educação que dialogue e
potencialize com/as inteligências múltiplas (GARDNER, 1994).
Em linhas gerais, mesmo cientes de que a situação da educação no Brasil estabelece-se entre políticas, ações e agentes e, fundamentalmente, requer um olhar
abrangente, que considere a pluralidade de demandas e as inter-relações estabelecidas, fato é que o cotidiano das salas de aula, com vistas à qualidade de vida,
anseia por ações específicas e consistentes.
DESIGN EM AÇÃO:
OBJETOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM USO
Desenvolver ações e contribuir para as existentes é tarefa também do design
como campo de conhecimento de vocação interdisciplinar e natureza tecnológica
(COUTO, R; OLIVEIRA, O,1999) Nesta perspectiva a associação design-educação contribui para “tangibilizar ideias e transformar circunstâncias existentes em
outras mais almejadas” (FRASCARA: 2000) e para “a configuração de formas
poéticas do vir-a-ser [...] pelo convívio e a compreensão da trama cultural, o locus
em que a persona se identifica no seu estar no mundo” (BOMFIM, G: 1999).
É desta perspectiva que podemos ressaltar a importância da inserção do design
tanto no contexto da formação do professor quanto no contexto de sua atuação,
como mais um mediador e catalisador nas situações de ensino-aprendizagem, par-
178
Design para uma educação inclusiva
ticipando do desenvolvimento de ações e práticas educacionais e da concepção, desenvolvimento e produção de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem.
Esta proposição tem origem na constituição do currículo de graduação em Design
da PUC-Rio, que, no início da década de 1980, buscou associar disciplinas de projeto
ao Design Social a partir da metodologia design participativo, com a preocupação de
aproximar os projetos em desenvolvimento pelos estudantes do universo real.
Os atuais cursos de Design, nas décadas de 1970 e 1980, eram denominados
cursos de Desenho Industrial. A princípio, eles tinham um caráter desenvolvimentista, focados na demanda de uma produção industrial que ainda estava se estabelecendo. Mas na PUC-Rio a formação humanística característica da universidade
prevaleceu, trazendo a necessidade de outra abordagem. O resultado do projeto
de design não poderia ser desenhado levando-se em conta apenas aspectos estéticos e funcionais – ele deveria ser projetado a partir da interação com o usuário,
desde o princípio. Por este viés, os alunos de design foram estimulados a projetar
não apenas dentro de suas salas de aula, com pensamento focado em um mercado
ideal, mas no extramuros, em contextos específicos, a partir do pré-requisito de o
projeto dever ser focado no usuário e desenvolvido com ele.
Na época, este tipo de abordagem recebeu grande influência, dentre outros,
do pensamento de Victor Papanek, que ficou conhecido por seu livro Design for
the Real World, publicado em 1971, no qual fez críticas ao desenho industrial
como vinha sendo feito. Ele enfatizava a responsabilidade social do design e a
importância de se perceber quais eram, de fato, as contribuições que ele ainda
podia trazer para a sociedade, em vez de continuar a produzir por produzir – o
que, em sua concepção, levava à destruição do planeta. O autor propunha que
se produzisse para os marginalizados – as populações pobres dos países periféricos, as pessoas com necessidades especiais –, setores da população que vinham
sendo ignorados pelos designers até então. Ele também criticava o design visando
o lucro e, quando criava um objeto que considerava que poderia ajudar muitas
pessoas, como um objeto para um portador de deficiência, disponibilizava os desenhos gratuitamente para quem quisesse reproduzi-lo (Papanek, 1971).
Papanek já havia proposto também o quehavia denominado de “design germinativo”. Segundo essa teoria, o designer passaria a habitar, por um tempo, o
contexto onde seria desenvolvido o projeto e formaria um grupo de colaboradores da população local para gerá-lo. A participação da comunidade na concepção
e desenvolvimento do projeto garantiria a continuidade da sua produção e a sua
manutenção após a partida do designer daquele contexto específico.
No mesmo sentido proposto por Papanek, no curso de Design da PUC-Rio
foram se estabelecendo parcerias com grupos pouco atendidos pela indústria,
como, por exemplo, o CVI – Centro de Vida Independente, a ABBR – Associação
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
179
Brasileira de Reabilitação, o INES – Instituto Nacional do Surdos, e o IHA o Instituto Helena Antipoff. Nesses projetos, o diálogo direto com o usuário, parceiro,
grupo /ou comunidade foi fundamental para o entendimento do desejo daquele(s)
com quem se estabeleceria a situação de projetação.
Nos diversos projetos realizados em parceria com o CVI, notamos um aspecto muito importante e singular: a necessidade trazida pelas pessoas. É a partir
desta informação que o projeto segue adiante. Por meio do contato direto com o
outro, com o futuro usuário, o designer passa a ser um instrumento de realização
de um desejo; como observamos na fala de Ripper2: “Lembro de um projeto que
desenvolvemos com uma menina que não podia mover as mãos e queria pegar um
picolé e passar batom sem ajuda” (DAL BIANCO, 2007, p. 30).
A partir daí, o “ouvir o parceiro” constituiu-se como etapa metodológica
fundamental do Design Social na PUC-Rio e a meta tornou-se desenvolver ações,
serviços, recursos, materiais e objetos “com” em detrimento de “para” o usuário.
Em suma, o exercício metodológico de projetar junto com os usuários específicos
constituiu um corpo de alunos aptos a compreenderem necessidade como um termo relativo, no sentido das diversas possibilidades de hierarquização que o termo
congrega. A vivência e convivência demonstrou que o que é necessário para um
pode não ser necessário para outro. Desejo, demanda, necessidade e oportunidade
flutuaram na concepção dos parceiros de projeto entre o fundamental e o supérfluo.
A função da técnica e o conceito necessidade
As considerações de Ortega y Gasset ,em seu livro Meditação sobre a técnica
(1939), sobre a função da técnica e o que é necessário para o homem, constituíram-se como fundamentação teórica para a prevalência do projetar “com” em
detrimento do projetar “para” na formação do aluno de design no âmbito do
Design Social da PUC-Rio. O autor explica que a compreensão imediata que se
tem acerca da técnica é que seu objetivo consiste em satisfazer as necessidades humanas. Na sua perspectiva, o homem sempre buscou satisfazer suas necessidades
básicas – alimentar-se, aquecer-se, abrigar-se... –, sendo sua necessidade primordial a vontade de viver. E como o homem, diferentemente dos outros animais, tem
a capacidade de modificar a natureza para satisfazer suas necessidades, a técnica
foi por ele definida como a transformação que o homem faz na natureza para que
a satisfação das necessidades básicas deixe de ser um problema.
No entanto, o autor ressalta que o ser humano sabe que a técnica criada
pelo homem não se limita a satisfazer as necessidades básicas, pois, desde o prin2 Professor Emérito do Departamento de Artes & Design da PUC Rio, José Luiz Mendes Ripper.
Professor pioneiro no desenvolvimento da metodologia design social em parceria com a PUC-Rio.
180
Design para uma educação inclusiva
cípio, ela também se desenvolveu para coisas supérfluas. O autor enfatiza que
isso é consequência de o homem ser um ser para o qual não basta o básico – o
supérfluo também é necessário. Assim, exemplificando, o autor aponta que tão
antigo quanto o fazer fogo para se aquecer é o ato de embriagar-se (ibid.), já que
o homem não se contenta com a satisfação de suas necessidades – não lhe basta
sobreviver. Para Ortega y Gasset, o homem precisa alcançar estados de prazer,
precisa do bem-estar, proporcionado pelo supérfluo.
Na formação em Design na PUC-Rio, na perspectiva do design social, desenvolveu-se também a noção de que o viver, no sentido biológico, é uma noção unívoca, definida. Já a noção de bem-viver, ou bem-estar, é equívoca – é uma noção
variável, que se modifica ao longo do tempo e é diferente para cada sociedade.
Assim, as experiências projetuais vivenciadas pelos alunos calcaram-se no conceito de que, adaptando-se às ideias de bem-estar, a técnica está em constante transformação. Nessa perspectiva, a técnica emerge como o que possibilita poupar
esforço e tempo do homem com as tarefas que se impõem a ele primariamente.
Assim, facilitando a satisfação das necessidades básicas, a técnica possibilita a ele
vivenciar seu lado “não natureza”, realizar seu programa de existência, sua pretensão de ser, que poderá lhe trazer o bem-estar almejado. Isso pois, para Gasset
y Ortega (ibid.), o homem se caracteriza por esta capacidade de construir projetos
de vida, sendo esta a principal característica que o diferencia dos animais.
Para o autor, diferentemente dos animais, o homem não coincide plenamente
com a natureza. Uma metade é natureza e vive; a outra metade transcende a natureza e para ela não basta viver, é preciso o bem-estar. A metade “não natureza”
é a que consideramos nosso verdadeiro ser, nossa personalidade, mas é algo não
realizado, é um projeto, algo que quer ser. Nossa vida é o afã de realizar determinado programa de existência – o homem é uma pretensão de ser. Enquanto os
outros animais já nascem sendo, o homem tem que se “autofabricar”, tem que se
esforçar para que exista o que ainda não existe.
É por esse viés que no curso de Graduação em Design da PUC-Rio, na perspectiva do design social, privilegia-se o conceito de que a técnica nasce daquilo que
um povo ou pessoa deseja ser. Trata-se de um desejo original pré-técnico que está
na base de toda invenção – primeiro, o homem deve saber o que quer se tornar. Em
nome desse desejo, é desenvolvida a técnica. Assim, a origem da técnica reside no
desejo humano de construir um projeto de vida que lhe trará o bem-estar (ibid.).
Ações, práticas, recursos, materiais/objetos de ensino aprendizagem são adotando essa perspectiva, o resultado da técnica, são o esforço do homem no sentido de viabilizar aquilo que ele quer ser. Eles se constituem na ação. Contudo,
atualmente, a realidade da educação no Brasil infelizmente continua longe de ter
em si a clareza mais do que sobre o que quer que escolas, professores e alunos
sejam, mas sobre como potencializar que eles sejam. Falta clareza dos cursos de
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
181
formação de professores acerca do reconhecimento do que o futuro professor,
como aluno em formação, deseja ser. Falta clareza da escola acerca do projeto
pedagógico que potencialize o desejo de ser que emerge da relação professor-aluno-instituição. E falta clareza dos professores formadores de alunos acerca do que
o aluno quer, poderia se tornar. Isso, sem mencionar os projetos políticos que
estabelecem-se no hiato dicotômico discurso/ação.
É especialidade do Design conceber, desenvolver e aprimorar técnicas ou ,
repetindo o anteriormente mencionado, participar do desejo humano de construir
um projeto de vida que lhe trará o bem-estar. Assim, está entre suas habilidades
projetar para as inteligências múltiplas que compõem contextos específicos de
ensino-aprendizagem; isso sempre na valorização da perspectiva de que não cabe
ao designer julgar o que é necessário ou não, mas escutar o usuário e entender
o que pode melhorar o seu bem-estar ou o que se apresenta na situação real, no
contexto específico de uma determinada situação de ensino-aprendizagem.
O diálogo com o usuário
Na perspectiva do design social o usuário é sujeito e é importante observar
como ele interage com práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem ao longo de seu desenvolvimento para a proposição de uma construção coletiva, ação conjunta de concepção, desenvolvimento e produção do projeto. Ao
participar das distintas etapas, as pessoas envolvidas sentem-se responsáveis pela
existência do resultado do projeto, tendo outra relação com ele durante seu uso
(DAL BIANCO, 2007, p. 69). Assim, os futuros usuários são coautores do projeto.
Para Bakhtin, a linguagem é fruto do contexto social, que é algo equívoco,
pois está em constante transformação e está para além do indivíduo: “qualquer
que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação
social mais imediata” (BAKHTIN, 2006 [1979], p. 112.
No design, lidamos com objetos e com enunciados verbais produzidos acerca
deles. Da mesma forma, não podemos pensar o resultado do projeto como um elemento isolado, definido de forma abstrata por suas características formais, virtuais
ou materiais. Tampouco podemos vê-lo como resultado do gênio criativo do designer. Todo objeto está inserido em um contexto maior que o determina. Podemos
chamar este contexto de socioambiental: o ambiental dizendo respeito às características materiais. E o social sendo ativado pelos interlocutores/usuários.
Assim, da mesma forma que o enunciado verbal é determinado pelo contexto
social, o objeto de design é determinado pelo contexto socioambiental – e o designer,
ao projetar, está sempre em diálogo tanto com o usuário quanto com o meio ambiente. Assim, na concepção e desenvolvimento do projeto, o importante não é um olhar
exclusivo sobre a situação ou o objeto em si, mas, sim, sobre as verbalizações ativadas
182
Design para uma educação inclusiva
a partir deles, ou sobre as relações que os usuários estabelecem com eles – o que só
pode ser expresso e entendido a partir da verbalização.
Na perspectiva bakhtiniana, o projetar origina-se em um “eu” circunscrito
em um espaço e tempo único e singular e destina-se para um “outro” interlocutor/
respondente, também circunscrito num espaço-tempo único e singular na existência. O resultado do projeto de design tem lugar no encontro entre locutores (designer do projeto/resultado do projeto-usuário) em um ponto específico ou situação
de uso, na tensão/interação dinâmica da relação eu-outro, em espaço-tempo determinado de singularidades. Ele tanto é resultado das subjetividades atuantes na
interação quanto é seu produtor.
Cada objeto está inserido em um contexto social e cada usuário tem uma
história de vida única. A interação entre o objeto e o usuário pode ser entendida
da mesma maneira que Bakhtin concebe a interação verbal: ele ensina que a língua não é estanque, mas é sempre atualizada na interação verbal, sendo única,
dependendo dos interlocutores e do momento. E quando dois falantes interagem,
cada um com seu histórico social, ambos se adaptam perante aquela interlocução.
Da mesma forma, a interação entre uma pessoa e o resultado do projeto é sempre
única – e a pessoa pode tanto modificar o objeto quanto ser modificada por ele.
É a partir da verbalização que o usuário poderá exprimir a sua apreensão do resultado do projeto, da técnica em ação, das práticas, recursos, materiais e objetos
desenvolvidos para as situações de ensino-aprendizagem.
Em resumo, Ripper e Farbiarz (2010) enfatizam que “a criação, o objeto de design, constitui-se quando os elementos são postos juntos na ação, no meio”, na interação das singularidades e, justamente por isso, é sempre inacabado, equívoco. Nesta
perspectiva, os usos resultam da projeção do “eu” designer (com um campo de visão
determinado por um posicionamento no espaço-tempo) sobre a resposta do “outro”
usuário (detentor de outro campo de visão também circunscrito por um posicionamento no espaço-tempo) sobre um ponto (objeto/resultado do projeto) em comum. O
que está em jogo no campo de visão de “eu” e de “outro” não é coincidente, é relacional, pois o resultado do projeto circunscreve-se na construção de sentidos, mantendo-se inacabado diante do potencial de respostas dos sujeitos inscritos na sociedade.
Sendo assim, projetar objetos, sistemas e serviços com foco na inclusão, na
esfera do design em parceria, requer o reconhecimento de que o campo de visão
do designer se constitui nas projeções conceitual e imagética do usuário; projeção
fundamentada em background e horizonte de expectativas (ISER, 1996); e no
encontro e no diálogo em um ponto específico (espaço-tempo determinado) com
esse usuário, durante o uso ou a ação do/sobre o objeto projetado. Neste sentido
o ato de projetar sustenta-se na vivência da diversidade, no autorreconhecimento
de pré-conceitos e, essencialmente, na ênfase do projetar “com” o outro em detrimento do projetar “para” o usuário como condição prévia para uma ação em
constante ressignificação. É desta perspectiva que emerge o reconhecimento das
noções de pertencimento, identificação e apropriação fundamentais para a constituição da autonomia dos sujeitos. É esta a perspectiva fundamental na dinâmica
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
183
do processo projetual e nas diferentes análises de uso, em uma dinâmica adaptável e cambiante de ressignificações (Bakhtin, 2006 [1979])3.
Como vimos, o objeto só existe a partir do diálogo, da interação, da inserção no meio, o que nos remete também ao geógrafo Milton Santos. O autor nos
apresenta a ideia de que o espaço seria um conjunto indissociável de sistemas de
objetos e sistemas de ações. Estes dois sistemas não devem ser vistos isoladamente, mas em interação um com o outro. Esta interação leva ao movimento que
transforma o espaço continuamente.
De um lado, sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações
e de outro, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre
objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra sua dinâmica e se transforma (SANTOS, 2002, p. 63).
Para o geógrafo, se objetos e ações são vistos isoladamente, perdem seu sentido. Nesta perspectiva, defendemos que uma realidade educacional que evidencia,
como anteriormente mencionado, a proletarização do professor, com o consequente comprometimento da qualidade do ensino, via massificação sem a apropriação crítica de currículos condizentes com objetivos pedagógicos específicos
(GIROUX, 1997), deveria ser repensada em uma perspectiva interdisciplinar. A
inserção do design como parceiro na formação do professor e no desenvolvimento de ações para situações de ensino-aprendizagem é uma possibilidade concreta
e já experimentada em situações específicas.
PROJETOS DESENVOLVIDOS NA PARCERIA DESIGN &
EDUCAÇÃO NO LINC-DESIGN
Os projetos desenvolvidos pelo LINC-Design para situações de ensinoaprendizagem ancoram-se no conceito de inteligências múltiplas desenvolvido por Gardner (1994). A partir de estudos sobre as habilidades humanas, o autor enfatiza a importância de se entender o leque de inteligências que compõem um indivíduo e o tempo
e as etapas diferenciadas que cada um apresenta no processo de aprendizagem. Em
sua percepção, não é apenas a inteligência linguística que deve balizar o entendimento
social acerca do que é um indivíduo competente e hábil intelectualmente:
“...uma competência intelectual humana deve apresentar um conjunto de habilidades
de resolução de problemas – capacitando o indivíduo a resolver problemas ou dificuldades genuínos que ele encontra e, quando adequado, a criar um produto eficaz - e
deve também apresentar o potencial para encontrar ou criar problemas – por meio
disso propiciando o lastro para aquisição de conhecimento novo” (pg.46).
3 Proposição ressaltada por Farbiarz na proposição da interdisciplinaridade design-educação
como elemento fundamental para uma proposta de educação inclusiva para todos, discutida no
Capítulo 9.
184
Design para uma educação inclusiva
Em seu livro Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas (1994),
Garner apresenta sete tipos inteligência: inteligência verbal ou linguística; inteligência lógico-matemática; inteligência musical; inteligência visual ou espacial; inteligência corporal ou cinestésica; inteligência interpessoal; inteligência intrapessoal. Alguns anos depois, inclui na lista mais dois tipos: inteligência naturalista e
inteligência existencialista. Na concepção de Gardner são essas nove inteligências
que participam da constituição dos sujeitos. Cabe, assim, a sociedade o aprendizado acerca do desenvolvimento de técnicas que permitam o aprimoramento
dessas inteligências. Na proposição do autor, cada inteligência contempla características específicas, a saber:
Tabela10.1: Inteligências múltiplas,segundo Gardner (1994)4
Inteligência linguística e verbal: habilidade para usar a linguagem para
convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias.
Inteligência musical: habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça
musical. Discriminação de sons; percepção de temas musicais; sensibilidade para
ritmos, texturas e timbre; e habilidade para produzir e/ou reproduzir música.
Inteligência lógico-matemática: habilidade para lidar com séries de raciocínios,
para reconhecer problemas e resolvê-los. Sensibilidade para padrões através da
manipulação de objetos ou símbolos e para a experimentação de forma controlada;
Inteligência espacial: habilidade para perceber o mundo visual e espacial de
forma precisa. Capacidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir
das perceções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição numa representação
visual ou espacial.
Inteligência cinestésica: habilidade para resolver problemas ou criar produtos
através do uso de parte ou de todo o corpo. Uso da coordenação grossa ou
fina em esportes, artes cênicas ou plásticas; controle dos movimentos do corpo e
manipulação de objetos com destreza.
Inteligência interpessoal: habilidade para entender e responder adequadamente a
humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas.
(continua)
4
Quadro resumido de José Paz Rodrigues (2014). http://pgl.gal/as-inteligencias-multiplas-do-ser-humano-segundo-howard-gardner/ Acessado em 3/3/2016
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
185
Tabela10.1: Inteligências múltiplas,segundo Gardner (1994) (continuação)
Inteligência intrapessoal: habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos
e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais.
Reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios;
capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e habilidade para
usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais
pessoal de todas, ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras
inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas.
Inteligência naturalista: habilidade do ser humano desfrutar de tudo aquilo que
envolve a natureza: animais, plantas, flores, ecologia. Foco nas relações entre os
seres vivos.
Inteligência existencialista: habilidade de ajuda ao próximo. Relaciona-se com
a afetiva e emocional.
Com sua pesquisa, Gardner (1994) constata que há muitos modos de se
perceber, apreender e elaborar as experiências e os conhecimentos construídos
a partir das interações, e o LINC-Design atua no sentido de desenvolver com os
usuários práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem que participem da potencialização dessas inteligências múltiplas.
Para além do conceito de Gardner, na elaboração de projetos para situações
de ensino-aprendizagem, o LINC-Design sustenta-se também no conceito de arquitetônica desenvolvido por Mikhail Bakhtin (apudHOLQUIST; LIAPUNOV,
1990). Segundo o autor, a arquitetônica entende que a diversidade que constitui
o mundo resulta de um movimento interativo da própria diversidade. Assim, em
sua proposição, é preciso considerar que em vez da arquitetura do edifício situado
no espaço e pronto para ser usado, deve ser considerada a arquitetônica. Isto pois
ela exprime a qualidade das relações que não se oferecem diretamente ao olhar,
mas se manifestam como projeção. Ela persegue os fluxos e seus pontos de vista
projetados sob forma de diferentes interações e não os posicionamentos que constituem determinado espaço. Trata-se, na verdade, de alcançar uma dimensão do
movimento que Bakhtin considera fundamental para a construção dos sentidos.
Nesse caso, a interação pressuposta no diálogo deve ser configurada na triangulação conceitual em que é em um olhar conjunto sobre a arquitetura (construção),
a mecânica (movimento) e a arquitetônica (interação), que se encontram os sentidos produzidos nas interações (MACHADO, I. apud PAULA (Org.), 2010, s/p).
Também é premissa do LINC-Design desenvolver projetos cujos resultados devem refletir todas as etapas de produção, incluindo a preocupação
com o desuso para uma sustentabilidade ambiental e, fundamentalmente, para
uma ética sustentável. Isto ocorre pois, da mesma forma que o enunciado ver-
186
Design para uma educação inclusiva
bal é determinado pelo contexto social, o objeto de design é determinado pelo
contexto socioambiental – e o designer, ao projetar, está sempre em diálogo
tanto com o usuário quanto com o meio ambiente.
Exemplos de projetos desenvolvidos por pesquisadores
do LINC-Design
Objeto de ensino aprendizagem: Moléculas gramaticais
Moléculas gramaticais foi uma proposta de jogo, desenvolvida para o ensino da língua portuguesa no Ensino Médio pelos pesquisadores Luciana França,
Guilherme Xavier, Eduardo Oliveira e Gabriel Batista, em especial para a revisão
do módulo sintaxe – termos da oração. Ele buscou integrar à inteligência linguística, quase que exclusivamente utilizada para a apresentação desse conteúdo
no sistema educacional brasileiro, as inteligências espacial, lógico-matemática e
corporal, em uma aplicação da proposição de Gardner (1994) acerca das inteligências múltiplas que integram o indivíduo e que não são igualmente valorizadas
em situações de ensino-aprendizagem. Na proposta do jogo, a manipulação do
objeto para a formulação de hipóteses e tomada de decisão com foco na interação
potencializou uma situação de ensino-aprendizagem inclusiva, no sentido de fazer
emergir a potência e inteligência de cada aluno envolvido no processo.
Acreditava-se que poucas ações lúdicas eram propostas para alunos de Ensino
Médio, tendo estes uma educação mais tradicional e formal. Os pesquisadores confiavam que o jogo engajaria os alunos no aprendizado, ampliando o espectro de ações de
ensino em sala de aula. O jogo teria seu uso integrado com os conteúdos para o ano letivo em questão, ou seja, ele poderia ser apresentado gradualmente aos alunos durante os
anos do Ensino Médio, tornando-se mais complexo conforme a evolução do conteúdo
na relação com as competências e habilidades exigidas para cada ano letivo.
O jogo teve por objetivo
ensinar as diversas classificações das palavras que compõem uma frase de uma forma
predominantemente visual. Para tal, foram escolhidas as seis classes de palavras mais utilizadas para serem trabalhadas: artigo (definido e indefinido), substantivo (simples, composto, primitivo, derivado, concreto e abstrato), adjetivo (simples, composto, primitvo e
derivado), verbo (estado, ocorrência, ação, fenômeno natural e desejo) e advérbio (lugar,
tempo, modo, afirmação, negação, intensidade e dúvida) (CLARO et al., 2008, p. 5).
Assim, através dos átomos (classes de palavras), assumiu-se como objetivo
que o aluno construísse uma molécula gramatical, conseguindo compreender tanto
a importância da ordem das palavras numa composição frasal quanto os sentidos
diversos que composições diferenciadas podem fazer emergir. A mecânica do jogo
consiste na construção da molécula a partir da seleção de uma “carta atividade”
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
187
que apresenta a tarefa que o aluno deve executar. Na sequência, o aluno sorteia as
“cartas classe” que trarão a ordem das categorias. E, finalmente, o aluno constrói
a molécula e uma frase pautada nela. Nem sempre as frases têm sentido e esta consequência é proposital, pois assim o aluno pode compreender como a ordem das
palavras/classes altera o sentido da frase e a importância do posicionamento dos
elementos para a construção do sentido almejado.
verbos
substantivos
advérbios
adjetivos
Figura 10.1: Moléculas gramaticais, desenvolvido a partir do livro Construindo com PET - Fundação Ciência Jovem.
Autor: Eduardo Andrade.Fonte: LINC-Design..
188
Design para uma educação inclusiva
A opção pela utilização de garrafas PET tomou por base o fato de ser um
material facilmente encontrado em contextos situacionais diversos e de ser um
objeto em situação de reuso, contribuindo, assim, para a sustentabilidade ambiental. Além disso, a opção por um material que se descaracteriza de sua condição primeira de funcionamento permite ao professor mediador potencializar
discussões que incluam a inteligência existencial na arquitetônica das relações.
Nesta perspectiva, os projetos do LINC-Desing defendem uma formação do
professor com a habilidade técnica para pensar o potencial de cada aluno a partir
do diálogo com sua inteligência mais evidente e do desenvolvimento das que ainda não encontraram espaço para emergir.
Objeto de ensino-aprendizagem: Dodecaedro mundi
O Dodecaedro mundi foi desenvolvido pela pesquisadora Daniela Marçal
a partir de sua pesquisa de doutorado, na qual busca sustentar a tecnologia
calma como princípio de design promotor do desenvolvimento dos padrões de
comunicação e interações sociais do sujeito com autismo em situações de ensino-aprendizagem. Partiu-se do pressuposto de que, ao lidar com essa realidade
em situações de ensino-aprendizagem, devemos considerar diferentes modos de
comunicação e interação, somando a inteligência linguística, em especial, à inteligência espacial, visto que pesquisas demonstram ser o indivíduo com autismo
um pensador visual.
Como na situação específica de desenvolvimento do projeto o indivíduo
observado interagia melhor com as informações apresentadas quando o uso de
imagens (gráficos, mapas, calendários, fotos, vídeos) mediava a apresentação de
determinado conteúdo e como ele apresentava um interesse especial por geografia
e ciências, foi projetado um objeto de ensino-aprendizado multifuncional para
potencializar a inteligência espacial que ele demonstrava, com vistas a contribuir
para a aquisição do conhecimento.
Denominado Dodecaedro mundi, apresentou a seguinte composição:
Criamos um objeto, um hexágono, composto por pentágonos (figura abaixo) que
funcionou como suporte para que o aluno pudesse explorar o mapa mundi através
de um quebra cabeça. Deste modo através de seu interesse e potência seria possível
trabalhar alguns conceitos de fração como: divisão a partir de algo; parcela de um
todo; porção. O aluno não só verbalizou tais conceitos de modo espontâneo como
interagiu com o objeto indo além do objetivo, pois pegou uma caneta e desenhou em
cima do mapa para marcar países e cidades (MARÇAL, 2016. p 91).
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
189
Figura 10.2: Pentágonos de papelão como suporte de interação – Autora: Daniela Marçal .Fonte: LINC-Design.
Mais uma vez, a opção foi por um material em situação de reuso (caixa de
papelão) e de um resultado fácil de ser alcançado, pela simplificação das etapas de
produção (no lugar de desenhar o mapa, por exemplo, ele poderia ser colado em
cada uma das partes do dodecaedro). A opção corrobora o fato de no LINC-Design
ser sustentado que a atribuição de novas funcionalidades a elementos existentes
no cotidiano individual de professores e alunos aumenta a fluência, flexibilidade
e originalidade de professores e alunos, pois os leva a uma exploração sensível e
estética de uma nova relação dialógica.
190
Design para uma educação inclusiva
Objeto de aprendizagem: PupPEt – bonecos de PET
Os PupPEts – bonecos de PET, originam-se de uma metodologia de desenvolvimento de bonecos com o reuso do material PET. A metodologia foi desenvolvida
pelo pesquisador Eduardo Oliveira e explicitada em dissertação de mestrado. Ela
gerou uma cartilha com foco no reaproveitamento criativo das embalagens PET
como bonecos. A confecção e uso dos bonecos por professores e alunos integra
diferentes situações, disciplinas e propostas de ensino-aprendizagem. Contudo,
independente da proposta, sempre há como fundamento básico a sensibilização
para a questão da preservação ambiental através da arte.
Por ser um material potencialmente nocivo ao meio ambiente, a utilização
do PET como matéria prima para construção de bonecos, numa ressignificação
de sua forma em objeto lúdico e educativo, coloca o fazer design dentro de uma
visão engajada com os atuais conceitos de sustentabilidade. Além disso, ele é um
material facilitador para o desenvolvimento de objetos de ensino-aprendizagem,
pois, ao elegê-lo como material de base, o professor elimina etapas como moldar
ou esculpir a matéria prima para chegar a uma forma inicial. A variedade de formas de garrafas disponíveis no mercado é tanta que se torna possível ter acesso a
um repertório material bastante grande para a confecção de personagens.
Utilizar personagens desenvolvidos no material base garrafas PET, desde sua
confecção coletiva, até o desenvolvimento de narrativas, a partir dele, atende a
potencialização das inteligências naturalista, cinestésica e espacial, dentre outras.
Agrega-se assim, a inteligência linguística novas possibilidades de apreensão e
ressignificação de conteúdos, com foco nas competências e habilidades.
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
191
Figura 10.3: PupPEts, bonecos de interação. Autor:Eduardo Andrade. Fonte: LINC-Design.
Sobre os exemplos
Em suma, os exemplos demonstram a participação do design na formação de
professores e na esfera do desenvolvimento de ações em situações de ensino-aprendizagem. Os exemplos corroboram o entendimento de que práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem são escolhas efetivadas por sujeitos que
deveriam ser pensadas como “técnica em ação”. Na perspectiva do LINC-Design,
elas devem partir do pressuposto de que as escolhas ganham sentido em contextos
espaço-temporais específicos e potencializam formas diferenciadas de envolvimento e interação. Isso pois o laboratório atua sobre, para e com sujeitos e suportes
em interação no meio, com o objetivo de construção de seus sentidos na sociedade. Além disso, as escolhas condensam o legado cultural e o futuro da sociedade,
uma vez que chancelam (quando eleitos) ou não (quando descartados) práticas,
recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem. Preparar o professor para a
projetação, produção e uso de objetos que contemplem o presente e o futuro e que
respeitem a diversidade e a inclusão dos sujeitos tem lugar na interdisciplinaridade,
sendo o Design uma das disciplinas aptas para a colaboração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas diferentes acepções sobre “o que é design”, podemos identificar sua
aptidão para a resolução de problemas. O designer, em sua formação, apreende
conhecimentos de diversas áreas, como filosofia, história, comunicação, tecnologia, antropologia etc., por ser um campo de vocação interdisciplinar.
O designer é preparado para lidar com um mundo, com uma sociedade
complexa, em que cada indivíduo ou grupo apresenta características e necessidades específicas. Assim, o designer pode propor novos olhares/ações no âmbito
192
Design para uma educação inclusiva
escolar, no que tange a construção de materiais/objetos de ensino-aprendizagem, para potencializar a ação docente.
Entende-se que o alunado, conforme sua idade, características psicofísicas
e ano escolar, tem necessidades, características e percepções individuais e específicas sobre os conteúdos e sobre a vida, o que gera um descompasso entre suas
demandas e um ensino que privilegia o global em detrimento do específico. Giroux, ilustrando a questão declara ser uma “(...) suposição errônea de que todos
os estudantes podem aprender a partir dos mesmos materiais, técnicas de ensino
em sala de aula e modos de avaliação” (1997, p.161).
Entre a formação do professor e as demandas do aluno, certo é que para
tentar alcançar os objetivos propostos nos PCNs é necessário rever a relação entre
o repertório do professor e o cotidiano da sala de aula. Morin vem alertando que
“a educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver
problemas e, correlativamente estimular o pleno emprego da inteligência geral”
(MORIN, 2003, p.22).
Propôs-se então a colaboração entre Design e Educação, através do desenvolvimento de práticas, recursos, materiais/objetos de ensino-aprendizagem que
privilegiem as necessidades especificas de cada grupo e/ou aluno, em vistas à alcançar um ensino mais dinâmico e integrado.
Ressalta-se aqui que o profissional de Design baseia sua atuação nas práticas
aplicadas em diferentes áreas do saber, nos diferentes conhecimentos existentes,
para desenvolver seus produtos/soluções.
O Design, nessa perspectiva, auxilia na compreensão de um problema e torna-se gerador estratégias metodológicas para otimização da atuação docente, especificamente objetos de ensino-aprendizagem, neste caso.
O Design é um saber social, que busca compreender o mundo, suas particularidades, quais as reais necessidades dos indivíduos e como alcançá-las. Sendo
assim, o Design, por sua natureza tecnológica, tem condição de contribuir com a
otimização de projetos de desenvolvimento de práticas didáticas, pensados na relação com diferentes métodos/abordagens de ensino-aprendizagem e as demandas
do sistema educacional.
Em suma, demonstra-se neste artigo que o Design pode otimizar as práticas
de ensino-aprendizagem em colaboração com a Educação, numa ação conjunta
entre designers-professores e alunos no contexto da sala-de-aula. Com isso, acredita-se que haverá uma maior fundamentação para a passagem de um modelo
de ensino de base transmissão de conhecimento, para um modelo com ênfase na
resolução de problemas.
A experiência de Design em parceria trouxe o aprendizado prático de que
o designer não é detentor de um conhecimento capaz de apresentar um produto
Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas
193
pronto para o usuário. Vimos, com Bakhtin, a importância do reconhecimento do
diálogo do “fluxo que constitui o evento” e o entendimento de que a fala nunca é
fruto unicamente da individualidade do falante. Há sempre a interação e toda fala
está inserida em um contexto maior. Como vimos com Ortega y Gasset, a técnica
sempre vai além da necessidade básica, na busca pelo bem-estar. E a noção de
bem-estar varia de pessoa para pessoa, é preciso ouvir cada usuário para entender
o que ele considera que lhe trará maior bem-estar.
Assim, entendemos que, no Design em parceria se potencializa a ideia de
que o diálogo com o outro é essencial e que o design não parte do pressuposto
de uma necessidade idealizada, mas da certeza de que o projetar oportuniza o
ressaltar das inteligências múltiplas do usuário pela compreensão e ativação da
sua voz na construção colaborativa de práticas, recursos, materiais/objetos de
ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO
11
São Tomé e Príncipe:
um espaço interdisciplinar
de projeto
Rita Maria Couto,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Flávia Nizia Ribeiro,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Roberta Portas,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Karla Portas,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Maria Apparecida Mamede-Neves,
Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
196
Design para uma educação inclusiva
APRESENTAÇÃO
Tendo como ponto de partida um Memorando de Entendimento de Cooperação Técnica e Científica celebrado em 20121 entre o Ministério de Educação, Cultura e Ciência de São Tomé e Príncipe (MECC/STP), o Fundo das Nações Unidas para
a Infância – Escritório São Tomé e Príncipe – (Unicef) e a Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) foi assinado com o Laboratório Interdisciplinar de Design Educação do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio, (LIDE/
DAD/PUC-Rio), um acordo de cooperação a nível institucional para o desenvolvimento de um plano pedagógico para a educação de primeira infância em STP.
A República Democrática de São Tomé e Príncipe é um pequeno país situado a trezentos quilômetros da costa ocidental da África, próximo das costas do
Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e Nigéria, formado por duas ilhas principais
com área total de 1.001 km2 e que tem em torno de 160 mil habitantes. Foi colônia portuguesa até 1975 e sua língua oficial é o português.
No âmbito do citado acordo foram definidas inúmeras metas a serem alcançadas, das quais destacam-se no presente artigo as ações relacionadas à elaboração de conteúdos curriculares para a Educação Infantil para as faixas etárias de
quatro e cinco anos, assim como o desenvolvimento de metodologias de ensino e
produção de materiais didáticos de apoio aos conteúdos do currículo.
Adotou-se na elaboração do plano pedagógico acima referenciado uma perspectiva eminentemente interdisciplinar, tendo por base um estreito relacionamento entre as áreas do design e da educação, prática comum aos projetos que são
desenvolvidos no LIDE/DAD/PUC-Rio2.
O LIDE/DAD/PUC-Rio tem como coordenadora a professora doutora Rita
Maria de Souza Couto do Departamento de Artes & Design (DAD/PUC-Rio) e
conta com a presença entre seus pesquisadores da professora doutora Maria Apparecida Campos Mamede-Neves, professora Emérita do Departamento de Educa-
1 O projeto teve início em janeiro de 2013 e tem término previsto para o ano de 2017, com a universalização dos currículos de quatro e cinco anos em todos os jardins de infância das ilhas de
São Tomé e de Príncipe.
2 No Laboratório Interdisciplinar de Design Educação são desenvolvidas investigações no âmbito
da sublinha de pesquisa “Design em Situações de Ensino-aprendizagem” sobre ensino de design
– currículo de graduação e de pós-graduação, formação docente, formação pós-graduada de designers brasileiros; e o design no ensino – iniciação universitária em Design, Design nos âmbitos
da Educação Infantil, Ensinos Médio e Fundamental; Design em Parceria, Design Social, criatividade e interdisciplinaridade. O LIDE reúne professores, pesquisadores, bolsistas de Iniciação
Científica e alunos mestrandos e graduandos. Funciona nas dependências do Departamento de
Artes & Design da PUC-Rio. O LIDE pertence à linha de pesquisa do PPGDesign intitulada
“Design: tecnologia, educação e sociedade”.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
197
ção (EDU/PUC-Rio). A equipe permanente de projeto do LIDE/DAD/PUC-Rio é
composta por seis professores pesquisadores que têm formação interdisciplinar nas
áreas de design, pedagogia, educação, psicopedagogia, comunicação, letras e artes.
Além da equipe permanente, um grupo de consultores ad hoc integra o cadastro
dos docentes habilitados a contribuir com as atividades de ensino e produção de
materiais didáticos neste laboratório de pesquisa.
A interação entre os membros da equipe de trabalho da PUC-Rio e da equipe
de STP permitiu um maior entendimento do contexto real e garantiu a abordagem
de problemas identificados e definidos em conjunto com esse grupo. Essa prática
favoreceu a geração de soluções em consonância com os anseios e necessidades do
país no tocante à implantação do projeto de educação de primeira infância. Permitiu, ainda, a configuração de uma proposta pedagógica de bases metodológicas
e de objetos guiados por um processo aberto e realizado em parceria.
O presente artigo relata o trabalho realizado entre os anos de 2013 e 2015,
que resultou na elaboração do plano pedagógico e dos conteúdos curriculares
para a Educação Infantil para a faixa etária de quatro anos.
EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESPAÇO INTERDISCIPLINAR DE
PROJETO
A Educação Infantil tem papel social importante no desenvolvimento humano e social. A prioridade geralmente está centrada na escola fundamental, com
acesso e permanência das crianças e aquisição de conhecimentos, mas a luta pela
Educação Fundamental não contraria a importância da Educação Infantil – primeira etapa na Educação Básica (KRAMER, 1999).
Experiências demonstraram que as crianças que frequentam estabelecimentos do ensino Educação Infantil desenvolvem com maior facilidade a autoestima e
outras qualidades e aptidões que lhes permitem estar melhor adaptadas, emocional e intelectualmente, ao ingresso no ensino básico. Entretanto, as dificuldades
do período pós-independência na República Democrática de São Tomé e Príncipe
fizeram com que esse ensino fosse relegado a segundo plano durante os últimos
trinta anos. Sua revitalização passa pela afirmação de uma vontade política para
o setor e a adoção de medidas e políticas robustas, nomeadamente a garantia da
universalidade e gratuidade de acesso ao ensino Educação Infantil de qualidade
(Portal MECC-STP-2012).
A melhoria da qualidade de aprendizagem na Educação Infantil é uma
prioridade do MECC-STP, que fixou como objetivos em seu plano decenal
para a educação a formação e capacitação de educadores, auxiliares, gestores
e inspetores para este ciclo de ensino; a formação e capacitação de educadores
especializados em NEE; a melhoria da qualidade de acolhimento nas instala-
198
Design para uma educação inclusiva
ções da Educação Infantil, nomeadamente da qualidade física dos estabelecimentos, da qualidade da alimentação escolar e da adequação de materiais
lúdicos e pedagógicos destinados à aprendizagem das crianças, com vista a
garantir a retenção destas em condições aceitáveis de aprendizagem; a meta de
um número adequado de crianças por educador e auxiliar (de quinze a vinte
alunos); a elaboração de um currículo mínimo nacional com os respectivos
manuais e guias de orientação; e adequar um quadro legal necessário ao seu
desenvolvimento, consecução e cumprimento.
Os indicadores de desempenho em 2012 e as metas estabelecidas para 2022
encontram-se resumidas:
Tabela 11.1 – Indicadores e metas
Indicadores
Taxa líquida de escolarização
Situação em
2012
54% (3-5
anos)
Metas fixadas
para 2022
100%
Taxa de cobertura (0-2 anos)
6,7%
10%
Taxa de admissão de crianças com NEE
nd
50%
% de infraestruturas adaptadas para crianças com NEE
0
25%
% de educadores especializados em NEE
0
50%
N.º salas existentes
170
+171
N.º de educadores e auxiliares existentes
348
+301
% de educadores especializados em diferentes domínios
nd
50%
Rácio crianças/educador e auxiliar
nd
40
Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio
A presente proposta teve por base as metas definidas pelo MECC-STP, acima
apresentadas e que compõem as recomendações presentes na Lei nº 2/2003, Lei
de Bases do Sistema Educativo e no Referencial Curricular para a Educação de
Infância (Creche e Jardim de Infância) na República Democrática de São Tomé e
Príncipe, desenvolvido pela Universidade de Aveiro.
No citado documento, a práxis pedagógica, tônica do trabalho docente com
a Educação Infantil, apresenta uma base teórica conceitual relativa ao desenvolvimento e à aprendizagem de crianças de três a seis anos. Sobre ela, portanto, se
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
199
assentará toda a docência a ser desenvolvida na Educação Infantil da República
Democrática de São Tomé e Príncipe, considerando que:
a) O homem é um ser social e todo o seu desenvolvimento – da concepção
até a morte – se constrói pelas sucessivas trocas com o meio externo. Por
consequência, a aprendizagem tem seu significado estruturado e confirmado pelo código cultural do meio em que ela se inscreve. O meio cultural
se define por ser o entorno que constrói a estrutura do sujeito e determina
as suas ações, dando-lhes uma marca própria de seu tempo e seu lugar. A
relação do homem com seu meio cultural é uma relação de reciprocidade
e, do mesmo modo, a relação entre seus pares é e será sempre de trocas.
b) Em relação à pessoa humana, fala-se de um sujeito concreto, o que pressupõe um conjunto de estruturas articuladas entre si, quais sejam: estrutura física (corpo e organismo – a base psicofísica), estrutura racional
(pensamento e cognição) e estrutura motivacional (situando o conjunto
num contexto histórico-político-social determinado e vivendo um momento específico do seu ciclo vital). Por isso, o trabalho pedagógico só
tem sentido se realizado levando-se em conta como se constituem e como
se integram as diferentes dimensões desse ser: além da estrutura física, a
dimensão racional, a dimensão motivacional e a dimensão social, sendo
que esta se desdobra em dimensão contextual e interpessoal.
c) A aprendizagem é um conceito que implica em duas significações: como
processo e como produto.
d) Como processo, refere-se à organização das estruturas mentais em níveis
que vão se construindo em complexidade crescente e atuando nas diferentes
dimensões. É fundamental, portanto, que o professor conheça a evolução
desse processo para poder organizar de forma adequada o que ensina, como
ensina e até onde pode ir quando ensina. Como produto, a aprendizagem
não é um processo único, mas se traduz pelas mudanças no comportamento observável que se dá na mudança na rede do conhecimento com diferenciação progressiva na sua complexidade; mudança de interesse (motivações
positivas ou negativas) que se constrói pela relação entre o sujeito e as áreas
que o atraem ou fazem-no recuar, não desejar; mudança de valores como
resultado da identificação da criança com seus pais, membros da família,
professores ou encarregados, portanto, em princípio apenas com os que o
rodeiam e que lhe ensinam as crenças, os modos de se comportar, os mitos
e as normas do seu contexto. Mais tarde, esse círculo vai se abrindo para
novas experiências e o contato com outros contextos, ainda dentro do país
ou pelas trocas internacionais que vão acontecendo.
e) A aprendizagem como um conceito complexo tem como ponto principal a
percepção. Perceber não é, apenas, perceber objetos concretos. Percebemos
200
Design para uma educação inclusiva
além desses objetos concretos, objetos ideais, fruto de nossa construção
imaginária e, sobretudo, percebemos relações entre pessoas, fatos, fenômenos, etc. Assim sendo, o comportamento humano é o resultado de
como o homem percebe o mundo e de como ele se percebe no mundo.
Esse é um ponto fundamental para o campo pedagógico, porque o professor deve levar o aluno a perceber, a propor possíveis relações entre
os fenômenos, mais do que apenas ensiná-lo a repetir o que ele disse ou
escreveu no quadro.
A aprendizagem pode se dar de dois modos diferentes, mas inter-relacionados – modos direto e indireto – independentemente do momento do desenvolvimento em que o ser humano esteja. Aprende-se de modo direto quando a
aprendizagem é o resultado de vivências concretas e pessoais de quem aprende.
Aprende-se de modo indireto através das informações fornecidas pelas pessoas
que foram ou são para nós modelos significativos na nossa compreensão do
mundo, na construção do nosso conhecimento. Neste grupo de pessoas estão
incluídos os pais, os mestres, os encarregados, os amigos e companheiros de
idade, enfim, todos aqueles que nos permitem apreender o legado do contexto
social em que estamos inseridos. Essas figuras são responsáveis, principalmente,
pela aprendizagem dos interesses, de regras sociais e morais que regem nosso
comportamento, porque, ao realizarem a tarefa de nos ensinar, estão passando
também seus valores e crenças.
DESCRIÇÃO DAS BASES PEDAGÓGICAS DO TRABALHO
A proposta político-pedagógica elaborada propõe uma estrutura ancorada
nas bases conceituais acima descritas, valorizando as relações entre os conteúdos
e as possíveis significações que estes tenham para os alunos, apresentando conteúdos vivos e concretos, portanto, indissociáveis da realidade social dos alunos e
baseada em desdobramentos metodológicos necessários para cada área de saber
que compõe a estrutura curricular.
Trata-se, assim, de uma proposta pedagógica que segue a linha AÇÃO <>
DIÁLOGO <> PARTICIPAÇÃO, baseada nas experiências do aluno, como também e sempre, na competência do professor.
A conduta metodológica que norteou a definição de conteúdos, o desenho
do currículo e as atividades propostas utilizou predominantemente os termos
propostos por Pólya (1957), uma espécie de estratégia de ensinar adotada por
Mamede-Neves (2012), desenvolvida de forma individual ou em pequenos grupos, na qual há uma grande ênfase na compreensão de como o indivíduo pensa
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
201
e como aprende quando está diante de uma situação de impasse, seja ela simples
ou complexa.
Ela se centra na observação das ações da criança, em suas formulações, em
como se expressa para explicar de que modo chegou a determinados resultados,
porque agiu de tal modo etc. Por isso, considera-se que esta forma didática de
conduzir a aprendizagem na Educação Infantil é essencial porque leva os alunos a
terem interesse pelo que está sendo proposto, irem além do que é ensinado, desenvolverem ao mesmo tempo a autonomia e a aprendizagem colaborativa, mais preparados, portanto, para usar convenientemente as estruturas de conhecimento.
Tal proposta encontra ressonância nas ideias de Schön (2000) sobre a reflexão na ação. A prática de refletir sobre suas ações torna o “aprendente” dono
de sua própria performance, orientando-o a fazer diferente e melhor, a construir
teorias, novas técnicas, testar hipóteses e modificar suas ações.
Tomando por diretrizes as bases conceituais acima expostas, no âmbito da
proposta pedagógica que norteia a elaboração dos conteúdos curriculares para
a Educação Infantil para as faixas etárias de quatro e cinco anos, foi considerado o trabalho por competência, como a capacidade de atuação para chegar
a um resultado em uma situação concreta: são ações ou desempenhos que se
executam e se adquirem como práticas habituais. Sob esta perspectiva, uma
competência é: uma capacidade – é uma atitude de desempenhar-se; de atuação
– não é só uma atitude teórica, mas desemboca em ações; para chegar a um resultado – está sempre dirigida a um objetivo; em uma situação concreta – não se
limita a aprender um procedimento que se repete igualmente todas as vezes, mas
exige adaptações, ajustes e mudanças oportunas de acordo com as mudanças
das circunstâncias.
Em suma, competência é uma capacidade necessária para desempenhar uma
ação. Enumeram-se como principais benefícios da educação baseada em competências as possibilidades de relacionar conhecimentos, valores e aplicações práticas, facilitando a conexão da teoria com a vida prática; a possibilidade de realizar
uma seleção de saberes que têm mais incidência na prática, superando a formação
só teórica ou apenas de noções vagas; a possibilidade de utilizar referenciais de
avaliação que vão além do levantamento de simples conhecimentos; e a possibilidade de centrar a avaliação sobre a aprendizagem do indivíduo.
A aplicação dos elementos da educação por competência que norteou a elaboração dos conteúdos curriculares para a Educação Infantil para a faixa etária
de quatro anos, acima referenciada, pode ser visualizada na Figura 11.2.
202
Design para uma educação inclusiva
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
Figura 11.1 e 11.2: Competências cognitivas e habilidades a serem trabalhadas no currículo de quatro anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio
203
204
Design para uma educação inclusiva
A ESTRATÉGIA OPERACIONAL
A estratégia operacional da proposta elaborada pelo LIDE/DAD/PUC-Rio
para a definição dos conteúdos concernentes à Educação Infantil e do desenho da
proposta curricular considerou que a relação entre esses dois níveis se dá de forma
orgânica, uma vez que são interdependentes.
A abordagem e elaboração da proposta de currículo foi participativa e colaborativa, envolvendo os atores sociais (educadores, auxiliares, metodólogos,
pedagogos e gestores de STP) integrando com os grupos de trabalho para debater
a educação no período da primeira infância. Criou-se um espaço aberto e legítimo
de investigação, fomentando a formação de uma rede intercultural entre os participantes na construção de uma política pública legítima.
Para consecução dos objetivos definidos foi escolhida como diretriz metodológica a pesquisa qualitativa, definida por Vieira (2004, p.17) “[...] como a que se
fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise de dados”.
Segundo Alasuutari (1975, p. 7 apud VIEIRA, 2004), a análise qualitativa é
aquela em que a lógica e a coerência da argumentação não são baseadas apenas
em relações estatísticas entre variáveis. Contudo, vale ressaltar que a não utilização de técnicas estatísticas não significa que as análises qualitativas sejam meramente especulações subjetivas. Esse tipo de análise, de acordo com Vieira, tem
por base conhecimentos teóricos empíricos que permitem atribuir-lhe cientificidade. Desse modo, é frequente a presença de dados quantitativos como fundamento
de análises qualitativas. Sob essa perspectiva, a pesquisa qualitativa não implica
exclusão de análises quantitativas de dados qualitativos.
Ela permite a exploração de paradoxos e contradições, apontando para um
caminho promissor ao se estudar a realidade como um fenômeno socialmente
construído, que muitas vezes não pode ser apreendida em sua plenitude por estudos que se baseiem unicamente em desenhos quantitativos de pesquisa.
A pesquisa qualitativa representa um modo específico de análise do mundo
empírico, que busca a compreensão dos fenômenos sociais a partir das experiências e pontos de vista dos atores sociais e o entendimento dos significados que estes atribuem às suas ações, crenças e valores. Ou seja, busca saber o que sabem os
atores, o que veem e compreendem. Sua principal força deriva de sua flexibilidade
e capacidade de aprofundamento na análise de processos sociais não suscetíveis
de serem abordados por meio de métodos fechados e de conhecer elementos, processos, significados, características e circunstâncias que não podem ser medidos
apenas em termos de quantidade, frequência e intensidade.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
205
Tendo por base as orientações acima apresentadas, foi escolhida como diretriz a pesquisa-ação que, conforme Franco (2005) é um viés metodológico que
considera a voz do sujeito, sua perspectiva, seu sentido, mas não apenas para
registro posterior e interpretação do pesquisador, uma vez que a voz do sujeito
fará parte da tessitura da metodologia da investigação. Neste caso, a metodologia
não se faz por meio das etapas de um método, mas se organiza pelas situações
relevantes que emergem do processo.
Segundo Tripp (2005), a pesquisa-ação é um dos tipos de investigação-ação,
que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se
aprimora a prática pela alternância entre agir no campo da prática e investigar
a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança
para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a
respeito da prática quanto da própria investigação.
Também segundo Tripp (2005), a pesquisa-ação deve ser contínua, pois deve
ser um trabalho regularmente desenvolvido para melhorar algum aspecto dela,
sendo pró-ativa nas mudanças, dado que suas mudanças são ações baseadas na
compreensão alcançada por meio da análise das informações de pesquisa onde
os julgamentos devem ser feitos com base nas melhores evidências que se possa
produzir. A pesquisa-ação é participativa e colaborativa, na medida que envolve
todos os que dela participam.
Adotada e perspectiva da pesquisa-ação, o trabalho foi pautado por inúmeras ações brevemente descritas a seguir, que foram marcadas por uma parceria
permanente e produtiva.
MISSÕES NO TERRENO
Constituíram-se oito missões presenciais de membros da equipe do LIDE/
DAD/PUC-Rio, com duração de sete dias cada, em São Tomé e em Príncipe. O
desenvolvimento do trabalho foi baseado na observação da dinâmica escolar em
visitas no terreno, em cursos de formação, oficinas de produção de materiais didáticos, conversas formais e informais com educadores, auxiliares, metodólogos,
pedagogos e dirigentes. Teve como iniciativa estratégica, entre outras, produzir um
levantamento da situação e da cartografia escolar, contemplando, inclusive, uma
investigação dos recursos naturais de São Tomé e Príncipe que pudessem ser utilizados na produção de material didático e/ou recursos pedagógicos. Os programas
das missões no terreno incluíram, dentre outras atividades, as seguintes: palestras
206
Design para uma educação inclusiva
sobre estratégias e metodologias de Educação Infantil; aulas de formação com
conteúdos específicos sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças, articulando
teoria, currículo e prática docente; oficinas com dinâmicas de natureza prática
para capacitar educadores e auxiliares em relação a técnicas, desenvolvimento,
produção e utilização de materiais didáticos.
Imersões de educadores na PUC-Rio
Os dois programas de imersão realizados em 2014 e 2015 contemplaram
a formação presencial dos professores de STP na PUC-Rio durante quinze
dias cada. Os programas das imersões incluíram, dentre outras atividades,
as seguintes: palestras ministradas por convidados com expressão na área de
Educação Infantil; aulas de formação com conteúdos específicos, articulando
teoria, currículo e prática docente; formação/oficinas com dinâmicas de natureza prática que tiveram por objetivo capacitar os educadores e auxiliares
em relação a técnicas, desenvolvimento, produção e utilização de materiais
didáticos; visitas a escolas, nas quais os educadores puderam ter contato com
outras vivências pedagógicas.
Elaboração das bases curriculares no LIDE/DAD/PUC-Rio
O processo de parceria entre a equipe do LIDE e a equipe de STP marcou
os trabalhos de elaboração de um referencial curricular e a construção de uma
metodologia de ensino condizente com as características do país e de seus habitantes, bem como com as metas definidas pelo MECC-STP presentes Lei de Bases
do Sistema Educativo e no Referencial Curricular para a Educação de Infância
desenvolvido pela Universidade de Aveiro, como mencionado anteriormente.
A metodologia empregada no desenvolvimento do referencial curricular
para quatro anos e os objetos criados para suportar os conteúdos são os seguintes: detalhamento de conteúdos e das atividades previstas para o currículo; desenvolvimento, testagem e universalização de um currículo referencial; elaboração,
validação e revisão de documentação atinente ao currículo referencial; projeto e
produção gráfica do currículo referencial; revisão do material impresso; validação do material final; elaboração de relatório de validação do material.
Apresenta-se a seguir, na Figura 11.3, um quadro-resumo das atividades realizadas entre os anos de 2012 e 2006.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
Figura 11.3: Linha do tempo. Fonte: Karla Portas.
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208
Design para uma educação inclusiva
O CURRÍCULO EM UM ESPAÇO
INTERDISCIPLINAR DE PROJETO
A ideia de Educação Infantil que embasa o currículo que foi proposto tem
por norte a crença de que no espaço de ensino-aprendizagem deve haver lugar
para a construção de conhecimento aliada à fantasia, ao brincar e ao cuidar, de
modo que a criança possa transformar a escola e se transformar por meio dela,
cultivando o gosto pela sensibilidade, o desenvolvimento de habilidades sociais,
o domínio do espaço, do corpo, das modalidades expressivas, da curiosidade,
do desafio e da oportunidade para a investigação e resolução de problemas. De
acordo com estas ideias, o objetivo da proposta pedagógica do currículo está em
promover experiências que favoreçam prioritariamente a construção do sujeito e
a construção de diferentes linguagens pela criança.
A partir da definição de cinco áreas de conhecimento - linguagem, matemática, meio físico e social, expressões (arte e expressão) e movimento - os educadores
poderão organizar seu trabalho educativo e refletir sobre a abrangência das experiências que irão propiciar às crianças.
A proposta de currículo contempla a realização de atividades dedicadas
à integração das áreas de conhecimento, que têm lugar diariamente em dois
momentos. A realização das atividades tem por diretriz a articulação de pelo
menos três diferentes áreas.
Ao trabalharmos na organização do material, procuramos alternativas
que pudessem explicitar o caráter interdisciplinar do conteúdo e a abordagem
pela resolução de problemas. Sendo assim, buscamos um sistema de informação que pudesse dar visualidade às possíveis articulações das áreas de conhecimento e que permitisse o entendimento da essência da atividade proposta por
meio de um diagrama.
O currículo se baseia na articulação de cinco áreas de conhecimento e estas
estão presentes em todas atividades, porém com pesos diferentes. Sendo assim,
partimos da geometria de um pentagrama, reforçando cinco áreas coligadas, tendo como ponto de encontro o centro da figura. Desta forma, conseguimos demonstrar que as cinco áreas estão interligadas e sempre presentes.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
209
Figura 11.4: Pentagrama dividido por áreas de conhecimento contidas no currículo. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO)
Para reforçar as áreas de conhecimento, construímos uma paleta de cor de
matizes saturados e luminosos em quatro regiões equidistantes do espectro visível. Para a quinta cor, subdividimos um dos quadrantes e alteramos a luminosidade. O conjunto de cores permite o destaque das três áreas, criando limites visuais.
Figura 11.5: Paleta de cor adotada para o pentagrama. Quatro matizes equidistantes e uma subdivisão entre um dos
quadrantes. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO)
A partir dessa estrutura geométrica, subdividimos cada fatia do pentagrama
(áreas de conhecimento) em três níveis de intensidade, partindo do centro para
fora da figura geométrica. Dessa forma, é possível trabalhar com a composição
de três áreas (mínimo para cada atividade) considerando um nível de intensidade
diferente para cada uma delas.
210
Design para uma educação inclusiva
Figura 11.6: Pentagrama dividido em cinco áreas de conhecimento e subdividido em três níveis de intensidade para
cada área. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO)
Quando da montagem dos pentagramas para ilustrar as atividades de integração
das áreas de conhecimento, percebeu-se que quando as áreas não estão destacadas
visualmente cria-se um ruído na informação. Apesar de uma atividade não ter ênfase
em uma determinada área de conhecimento, esta continua presente, não reforçar sua
geometria, passa a mensagem de que aquela área não está contemplada na atividade.
Esse entendimento fica em oposição à proposta pedagógica do currículo.
Para solucionar esta questão, optou-se por deixar sempre visível a figura do
pentagrama e preencher as áreas que não estão recebendo ênfase em cinza neutro.
Considerando a paleta escolhida, a aplicação dessa cor se baseia no Sistema de
Munsell e atende ao critério de manter o matiz da área de conhecimento e alterar
sua saturação para valor igual a zero e nivelar seu brilho a 50. Para reforçar a
existência das áreas de conhecimento, adicionamos a legenda alinhada à fatia do
pentagrama com o nome respectivo a cada uma delas.
Figura 11.7: Pentagrama sem o reforço visual das cinco áreas de conhecimento e com o reforço visual em cinza neutro.
Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
211
No currículo, propõem-se três modelos de diagramas que ilustram as possibilidades de integração das áreas de conhecimento, a saber:
1) Um modelo completo, no qual são apresentadas três áreas de conhecimento (uma principal e duas complementares) a atividade a ser realizada,
a metodologia que guiará a atividade e sugestões de materiais didáticos.
Nesse modelo, a atividade está completa.
2) Um modelo parcial, no qual é apresentada apenas uma área de conhecimento para que o educador escolha outras duas áreas complementares:
são sugeridos objetivos a serem alcançados, presentes na relação de habilidades e competências da unidade. Ao usar esse modelo, o educador
parte de uma sugestão, mas necessita escolher duas outras áreas para dialogar e desenvolver uma nova atividade.
3) Um modelo livre, no qual o educador tem a possibilidade de criar seu
próprio plano de aula, escolhendo as áreas, atividades e metodologia.
Para criar o pentagrama da atividade, o educador o preenche com
as cores das áreas de conhecimento presentes na atividade que está
sendo criada.
Na proposta curricular, propõe-se que o educador crie livremente a atividade
inicial a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos.
Sugere-se que ele documente por meio de textos e desenhos as atividades idealizadas e as metodologias empregadas. Com essa providência, sua vivência em sala
de aula ganhará um registro importante: o pentagrama, objeto discutido neste
trabalho, que incentivará o educador a criar e registrar suas experiências para uso
futuro, por ele ou por outros colegas.
Figura 11.8: Exemplo de modelos de pentagramas utilizados no currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
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Design para uma educação inclusiva
Esta sistemática de distribuição ilustrada nos diagramas guia as atividades a
serem realizadas diariamente e funciona como um balizador da presença e peso de
cada área de conhecimento para cada atividade que compõe o currículo.
Pode-se afirmar que o diagrama é uma síntese visual de grande riqueza gráfica, pois por meio dele é possível representar de forma direta e simplificada a ideia
de integração de conteúdos que deve nortear o trabalho na Educação Infantil.
Para além dessa ideia, ele traduz visualmente a possibilidade de realização
de um trabalho efetivamente interdisciplinar, apelando para a construção de metodologias e dinâmicas que vão ao encontro, em sua essência, de uma efetiva
integração de áreas de conhecimento.
Operacionalização do currículo
Em termos de duração, o currículo desdobra-se da seguinte forma:
OITO MESES LETIVOS.
OITO UNIDADES de conteúdo, sendo uma para cada MÊS LETIVO.
Cada unidade de conteúdo engloba QUATRO SEMANAS.
Cada semana engloba CINCO DIAS.
Cada dia engloba SETE MÓDULOS DE ATIVIDADES.
Em termos de conteúdo, as unidades do currículo desdobram-se da seguinte
forma:
Cada uma das oito UNIDADES traz o seguinte conteúdo:
Ênfase da unidade
Quadro de distribuição de unidades pelas ÁREAS DE CONHECIMENTO: linguagem, matemática, meio físico e social e expressões (arte e expressões) e movimento.
Quadro de conteúdos das áreas de conhecimento para a faixa etária em foco.
Quadro de conteúdos de habilidades e competências.
Para cada UNIDADE, foram sugeridas atividades para o dia a dia, segundo os conteúdos das áreas de conhecimento, levando-se em consideração as
competências e habilidades definidas.
Em termos de modularização, o currículo desdobra-se da seguinte forma:
Cada dia da semana é composto por sete MÓDULOS DE ATIVIDADES, a saber:
ATIVIDADE LIVRE – Desdobra-se em tempo livre de recreação antes do
ingresso dos alunos na sala de aula.
ACOLHIMENTO – Neste momento, o educador ajuda os alunos na higiene
diária e, a seguir, promove à entrada na sala e a acomodação nas mesas e cadeiras. Pode, ainda, realizar uma atividade de relaxamento, que pode ser feita com
cantos, movimentos com o corpo e etc.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
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ATIVIDADE INICIAL – A rodinha de conversa na Educação Infantil é uma
atividade de fundamental importância para incentivar a participação dos alunos
em situações de intercâmbio social nas quais ele possa contar suas vivências, ouvir
as de outras pessoas, elaborar e responder perguntas etc. Propicia o uso da linguagem oral para conversar, brincar, comunicar, expressar desejos, necessidades,
opiniões, ideias e sentimentos.
As atividades diárias podem incluir, ainda, canto de acolhida com educadores,
auxiliares e alunos; apresentação do calendário para situar o aluno no tempo e no
espaço; chamada do nome dos alunos utilizando fichas de nomes; apresentação das
atividades do dia escritas no quadro de giz ou em painel preparado pelo educador;
marcação no calendário dos nomes dos aniversariantes do mês, entre outras.
No currículo propõe-se, ainda, que o educador crie livremente a atividade inicial,
a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos. Sugere-se
que o educador documente por meio de textos e desenhos as atividades idealizadas
e as metodologias empregadas. Com essa providência, sua vivência em sala de aula
ganhará um registro importante para uso futuro por ele ou por outros colegas.
ATIVIDADE DE INTEGRAÇÃO DE ÁREAS DE CONHECIMENTO – São
atividades que têm lugar diariamente em dois momentos e servem de referência
para trabalhar com o conteúdo. Elas inspiraram atividades que promoverão a
aproximação da criança com os temas do currículo.
Essas atividades são aderentes às competências e habilidades que se espera sejam
desenvolvidas e é facultado ao educador criar livremente atividades de integração de
conteúdos a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos.
No currículo, propõem-se três modelos de atividades de integração das áreas
de conteúdo, a saber:
1) Um modelo completo, no qual são apresentadas três áreas de conhecimento (uma principal e duas complementares), a atividade a ser realizada, a
metodologia que guiará a atividade e sugestões de materiais didáticos.
2) Um modelo parcial, no qual é apresentada apenas uma área de conhecimento para que o educador escolha outras duas áreas complementares, são sugeridos objetivos a serem alcançados, presentes na relação de
habilidades e competências da unidade.
3) Um modelo livre, no qual o educador tem a possibilidade de criar seu próprio plano de aula, escolhendo as áreas, atividades e metodologia.
LANCHE – Momento de pausa para alimentação das crianças.
ATIVIDADE EXTERNA GUIADA – Esta atividade tem por objetivo propiciar ao
alunos um tempo de recreação livre, mas com a presença de meios que os incentivem
a brincar com brinquedos diversos, livros, jogos, cantigas etc. Pode ser desenvolvida
no parque, no pátio, na biblioteca, na área externa da escola ou na sala de multimeios.
A partir do que foi exposto anteriormente, exemplifica-se como é montada
a estrutura do currículo.
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Design para uma educação inclusiva
Figuras 11.9 e 11.10: Exemplo de uma unidade de 4 anos..Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
Figura 11.11: Exemplo de um dia de aula. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio..
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Design para uma educação inclusiva
Figura 11.12: Exemplo de página diagramada a partir do conteúdo em tabela para a Unidade 2 semana 1 do currículo de 4 anos.
Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
MATERIAL DE APOIO AO EDUCADOR
A partir da estrutura curricular com seus conteúdos e das bases pedagógicas
do currículo definidas, a equipe LIDE sentiu a necessidade de construir um material didático para o educador, para que ele tivesse em mãos um guia prático e de
fácil compreensão da proposta curricular.
A proposta partiu, então, das seguintes questões norteadoras para o desenvolvimento da publicação: que o material gráfico traduzisse a abordagem interdisciplinar do currículo; que a apresentação do conteúdo convidasse ao uso; que
a organização formal dos conteúdos contribuísse para a precisão da mensagem;
que o uso contribuísse para a autonomia do educador.
Definiu-se, então, como partido gráfico para o material de apoio didático
uma estrutura aberta que permite o manuseio dos conteúdos considerando a divisão do currículo em unidades (acima exemplificada). Essa divisão, além de proporcionar que mais de um educador esteja utilizando o material ao mesmo tempo,
contribui para a revisão e reimpressão das unidades sem afetar as demais. Considerando a possível escassez de recursos para impressão, a divisão do material em
fascículos é uma solução para revisar e atualizar o conteúdo permanentemente.
A partir dos estudos, modelos e protótipos, definimos que o objeto deveria
ser uma pasta para abrigar todos os materiais impressos e que ficará disponível
em cada sala de aula. A pasta contém nove cadernos e 320 cartas, sendo um
caderno com a apresentação das bases teóricas do currículo e o sistema de informação que articula os eixos temáticos contidos em cada unidade e oito cadernos
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
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que equivalem aos oito meses letivos. Cada carta representa uma atividade de
integração das áreas de conhecimento. Considerando que são duas atividades diárias dessa natureza, temos dez cartas por semana, quarenta cartas por unidade/
mês, totalizando as 320 cartas do currículo.
Apresentam-se abaixo imagens do protótipo que foi construído para apresentação e validação do material pelo Unicef e pelo MECC.
Figura 11.13: Pasta que abriga todo o material que compõe o currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
Figura 11.14: Protótipo do conjunto de peças gráficas que compõem o currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
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Design para uma educação inclusiva
Figura 11.15 e 11.16: Protótipo do conjunto de cadernos – oito unidades – que compõem o currículo e do guia pedagógico com as bases teóricas do currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
A proposta de uso das atividades de integração das áreas de conhecimento
em formato carta tem como objetivo montar um quadro de atividades da semana
que fique visível na sala de aula permitindo, que todos os educadores e auxiliares
envolvidos nas turmas possam acompanhar as atividades semanais.
Figura 11.17: Protótipo do conjunto de cartas do currículo para 4 anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
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Figura 11.18: Exemplo de cartas com atividade do currículo para 4 anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.
Para que as cartas possam ser exibidas, foi projetado um quadro de atividades
em vinil com bolsos transparentes, onde elas são inseridas, como visto a seguir.
Figura 11.19: Protótipo do quadro de atividades – suporte para cartas. Fonte: LIDE/ADA/PUC-Rio.
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Design para uma educação inclusiva
Os oito cadernos que equivalem aos oito meses letivos têm seu formato fechado em A4. Cada unidade tem quatro semanas, cada uma representada em uma
folha com duas dobras que quando é aberta triplica o formato. Esta folha apresenta em uma face os sete módulos diários de atividades com os seus conteúdos
sugeridos e, na outra face, um desenho ilustrativo do resumo das atividades para
a semana, contribuindo, assim, para que o educador possa ter um entendimento
global da semana com uma rápida visualização.
Figura 11. 20: Protótipo do miolo do caderno que apresenta os diagramas das áreas de conhecimento. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio
As 32 ilustrações foram produzidas pela doutoranda vinculada ao LIDE,
Professora Monica Lopes Nogueira, com o auxílio dos bolsistas da pesquisa. As
ilustrações foram feitas a partir do entendimento da tônica dada para a semana
de atividades e à medida que iam sendo produzidas elas eram apresentadas para
a equipe LIDE, que fazia as observações e ajustes necessários antes de seguir para
os bolsistas, que faziam a parte de colorização e finalização das ilustrações.
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
Figura 11.21: Exemplo de miolo do caderno que apresenta desenho-resumo das atividades da semana. Fonte:
LIDE/DAD/PUC-RIO.
Figura 11.22: Miolo do caderno que apresenta desenho-resumo das atividades da semana. Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO.
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Design para uma educação inclusiva
À GUISA DE CONCLUSÃO
O design possui um grande leque de tendências e visões que ora privilegiam aspectos puramente técnicos da atividade, ora destacam aspectos sociais,
econômicos e culturais. Encontra-se em permanente processo de questionamento
sobre sua natureza e seus objetivos. Não é socialmente neutro, mas uma atividade
que influencia e é influenciada pelo balanço de interesses entre diferentes grupos
sociais que participam do seu processo e que lidam com objetos ou sistemas. O
sesign é basicamente um processo de integração social (COUTO, 1997).
Por mais interdisciplinar que seja o campo do design e por mais versáteis que
sejam suas ferramentas, não se pode negar e nem ofuscar sua importância social,
pois o design não é imparcial – pelo contrário, é um campo marcado pelos entornos sociais que conformam sua metodologia.
Por meio do design, o homem agrega experiências a seu universo subjetivo e,
com isso, abre possibilidades e visões expansíveis sobre a realidade. Portanto, o
design pode levar o homem a uma reflexão que o conduzirá a inúmeros dilemas e
facetas apresentados pelo mundo, justapondo sua capacidade de raciocínio e suas
habilidades perceptivas, consentindo ao homem as expressões de agir, conhecer e
transformar, mas, sobretudo, a dimensão de dialogar com a realidade.
O desenvolvimento desta proposta de projeto, por meio de um diálogo interdisciplinar entre design e educação, busca apresentar de que maneira a atividade
do design pode participar da formação de professores, dos processos de ensino-aprendizagem e da configuração de materiais pedagógicos, potencializando
o processo de aquisição de conhecimento através da configuração de artefatos,
ambientes e sistemas educacionais. Nesta perspectiva, cada solução de design representa a busca de equilíbrio entre interesses e necessidades do professor e do
aluno, como também das instituições educacionais.
Tendo por base a vasta experiência no desenvolvimento de projetos à luz do
design em situações de ensino-aprendizagem, pode-se criar projetos de acordo
com cada conteúdo programático escolar ou projetos temáticos que despertem
o interesse dos alunos, de modo a possibilitar o reforço do conteúdo acadêmico
enquanto aprendem novas habilidades.
Merece destaque a partir do projeto desenvolvido, que a adoção da metodologia do design em parceria no desenvolvimento de artefatos educacionais mostra-se especialmente adequada, pois um processo de configuração de um determinado
objeto, quando exposto a criterioso método de validação pelos futuros usuários,
promove ao produto final uma maior efetividade na obtenção de seus objetivos.
Pode-se dizer que ao analisar a aplicação desta metodologia no âmbito educativo
é possível perceber seu mérito ao engajar as diferentes instâncias envolvidas na
construção do conhecimento – alunos, professores, profissionais especializados,
São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto
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consultores e patrocinadores – em torno de um objetivo comum. Quando se incorpora, no objeto final ideias de todos os atores envolvidos possibilita-se o amadurecimento e o enriquecimento da situação de uso.
Enfatizamos a inserção do design na educação devido a sua vocação interdisciplinar e por intermédio de sua metodologia de design em parceria. Na contemporaneidade, a epistemologia do design caminha em direção a questões sociais,
não se restringindo somente aos conteúdos da estética, como condição epistemológica. Ela está condizente com mudança de paradigma em relação ao ensino e à
aprendizagem, em que o pensar e o agir geram necessidades as quais às escolas,
professores e alunos precisam se adaptar, uma vez que a ênfase do paradigma
atual da educação está na aprendizagem, e não no ensino na construção de conhecimento, e não na instrução.
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