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 J. FARBIARZ • A. FARBIARZ • B. HEMAIS  Jackeline Lima Farbiarz • Alexandre Farbiarz Barbara Jane Wilcox Hemais organizadores DESIGN PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Jackeline Lima Farbiarz Alexandre Farbiarz Barbara Jane Wilcox Hemais (organizadores) Design para uma educação inclusiva Design para uma educação inclusiva © 2016 Jackeline Lima Farbiarz, Alexandre Farbiarz, Barbara Jane Wilcox Hemais (organizadores) Editora Edgard Blücher Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4° andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br Design para uma educação inclusiva [livro eletrônico]/ organização de Jackeline Lima Farbiarz, Alexandre Farbiarz, Barbara Jane Wilcox Hemais. –- São Paulo : Blucher, 2016. 228 p. : il. color; PDF. Bibliografia ISBN 978-85-803-9201-2 (e-book) ISBN 978-85-803-9200-5 (impresso) Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009. 1. Educação. 2. Inovações educacionais. 3. Tecnologia educacional. 4. Prática de ensino. 5. Estratégias de aprendizagem. 6. Ensino – Metodologia. I. Farbiarz, Jackeline Lima. 2. Farbiarz, Alexandre. 3. Hemais, Barbara Jane Wilcox. É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios, sem autorização escrita da Editora. 16-1199 Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda. Índice para catálogo sistemático: 1. Inovações educacionais CDD 370 Conteúdo PREFÁCIO ........................................................................................................... 07 PARTE I – MULTIMEIOS .......................................................................... 11 Capítulo 1 – Tecnologias & Espaços: mediações de ensino-aprendizagem ..................................................................... 13 Capítulo 2 – Tecnologias Digitais no Ensino Superior: das possibilidades e tendências à superação de barreiras e desafios ................................................................................................................. 25 Capítulo 3 – Dispositivos móveis em ambientes didáticos ................................................................................... 37 Capítulo 4 – A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem ............................................................. 47 Capítulo 5 – As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces dos sistemas instrucionais nas tecnologias das linguagens humanas ........................................................................ 79 PARTE II – MULTIMÍDIAS E MULTIMODOS.......................... 99 Capítulo 6 – Jogos Eletrônicos na Educação Formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas ............................................................ 101 Capítulo 7 – Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola ......................................................................... 117 4 Design para uma educação inclusiva PARTE III – MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS ................................ 129 Capítulo 8 – Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo ..................................................................... 131 Capítulo 9 – Formação do professor para a Educação Inclusiva.................................................................................. 147 PARTE IV – MÚLTIPLAS PRÁTICAS .............................................. 171 Capítulo 10 – Design & Educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas ............................................................................................................... 173 Capítulo 11 – São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto ..................................................................... 195 PREFÁCIO Este livro é o resultado de dez anos de reflexões sobre materiais, recursos e tecnologias digitais de informação e comunicação em espaços de ensino-aprendizagem nas fronteiras design-linguagem-educação. Nele estão reunidos artigos que sintetizam, discutem e propõem formas de ação em educação a partir das quatro edições do Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos1, organizado pelos Programas de Pós-Graduação em Design e em Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF). Durante as quatro edições do evento, grupos de trabalho foram se constituindo e se solidificando, sob a coordenação de professores e pesquisadores oriundos de instituições como CEFET-MG, Esdi-UERJ, Fiocruz, FGV, PUC-Rio, UEL, UEMG, UFF, UFRJ, Unespa e Unicamp. Mas, sem dúvida, foi a adesão de professores e pesquisadores dos diferentes segmentos de ensino (da educação infantil ao ensino 1 Os artigos apresentados nas quatro edições do evento estão disponíveis em: https://pt.scribd. com/doc/35152549/Textos-Selecionados-do-II-SILID-e-I-SIMAR; http://www.letras.puc-rio.br/ eventos_let/4silid/anais/III%20SILID%20II%20SIMAR.pdf; http://www.maxwell.vrac.puc-rio. br/rev_discurso.php?strSecao=input0; http://www.proceedings.blucher.com.br/article-list/v-silid-iv-simar-266/list#articles. 8 Design para uma educação inclusiva superior) de todas as regiões do país que trouxeram a maturidade necessária para assumirmos o desafio de repartir com o leitor a consolidação das discussões desenvolvidas nos grupos de trabalho. Certo é que a realização conjunta do evento tem oportunizado o intercâmbio entre professores das redes pública e particular de ensino básico e superior; pesquisadores de linguagem, educação, design e comunicação; profissionais de gestão em educação; dos mercados de comunicação, design de mídia digital e design gráfico; e também entre estudantes de graduação e pós-graduação interessados na troca de experiências. De onde partem nossas discussões? Por que decidimos repartir com o leitor os resultados dos debates desenvolvidos ao longo dos últimos sete anos? Nossa intenção é, compactuando com Howard Gardner (1983)2 por meio dos artigos aqui incluídos, favorecer práticas de ensino-aprendizagem que potencializem as inteligências múltiplas que participam da constituição dos indivíduos, sob a ótica da interdisciplinaridade. Decorre daí o título do presente livro Design para uma educação inclusiva. Nele, refletimos sobre meios, mídias, modos e práticas significativas para inteligências múltiplas. Multi é um prefixo que assumimos como palavra de ordem. Por isso, reunimos aqui multimeios, multimídias, multimodos, múltiplas práticas em prol da valorização das inteligências múltiplas. Só assim, entendemos ser possível a constituição, de fato, de uma educação inclusiva não no sentido de “repartir o espaço de ensino-aprendizagem com o diferente”, mas buscando entender que todos estão em situação de inclusão, pois os indivíduos carregam em si formas distintas de se constituírem como sujeitos, como cidadãos que precisam formar olhares capazes de aceitar a complexidade das situações reais sem reduzi-la, sintetizá-la ou livrá-la de suas contradições. Nossa proposição é a visita e a ação sobre o atual desenho da educação no Brasil. Consideramos que, como disciplina inscrita na contemporaneidade, o Design traz novas perspectivas para o desenvolvimento da capacidade dos alunos de lidar com a complexidade do mundo, desenvolvendo a competência para a resolução de problemas, como descrita por Edgar Morin (2003)3. Entendemos, recuperando Tatiana Tabak e Jackeline Farbiarz (2012)4, que o contexto de propensões e motivações do design, pela pluralidade de sua dimensão cultural, favorece a transcendência das dicotomias e a compreensão do aspecto fundamental da complexidade. 2 GARDNER, H. Frames of mind: the theory of multiple intelligences. New York: Basic,1983. 3 MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2003. 4 TABAK, T. (não) Resolução de (não) problemas: contribuições do design para os anseios da educação em um mundo complexo. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2012. Prefácio 9 Em suma, a presente publicação situa-se como um compartilhar de reflexões, experiências e vivências. Desejamos que sua leitura permita a reavaliação de práticas vigentes em ambientes de pesquisa e ensino. Sem dúvida o auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes-Brasil) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); a cooperação dos professores e pesquisadores dos comitês científicos e de organização de todas as edições do SIMAR; a colaboração dos coordenadores dos eixos temáticos e a adesão da comunidade têm sido fundamentais para o atendimento das metas dos eventos e, especificamente, para a concretização desta publicação. Tenham uma boa leitura. Jackeline Lima Farbiarz Barbara Jane Wilcox Hemais Alexandre Farbiarz PARTE I – MULTIMEIOS Lugares da tecnologia em espaços de ensino-aprendizagem Possibilidades dos espaços de ensino-aprendizagem frente às novas tecnologias de informação e comunicação Dispositivos móveis em ambientes didáticos A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem CAPÍTULO 1 Tecnologias & Espaços: mediações de ensinoaprendizagem Ricardo Artur P. Carvalho, Doutor, Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ESDI/UERJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Cynthia Macedo Dias, Mestre, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/Núcleo de Tecnologias Educacionais em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (NUTED-Fiocruz) INTRODUÇÃO: UMA QUESTÃO DE MEDIAÇÕES A reflexão sobre materiais e recursos didáticos nos leva a problematizar o papel mediador das tecnologias e dos espaços de ensino-aprendizagem. Quando tratamos de mediações, não mais pensamos as tecnologias e os espaços como elementos isolados em si mesmos, mas os implicamos em um sistema, uma ecologia de relações em que eles se inserem, discutindo, com isso, as ações e os agentes envolvidos. Portanto, ao tratarmos as tecnologias e os espaços como formas de mediação, abordaremos as relações com as práticas de ensino-aprendizagem e os contextos em que ocorrem. 14 Design para uma educação inclusiva Ainda que esta reflexão possa parecer autoevidente para alguns, não podemos deixar de destacar o impacto dos contextos e das relações sobre qualquer pensamento crítico acerca das tecnologias e dos espaços na educação. Concordamos com a preocupação da professora e pesquisadora Maria Apparecida Mamede-Neves (2013, informação verbal)1 ao constatar as poucas mudanças na sala de aula que, apesar da inserção de novas tecnologias, mantém as mesmas configurações e as mesmas práticas. Nesse sentido, antecipamos a conclusão de que mudanças arquitetônicas, no design do mobiliário, na reconfiguração dos espaços, bem como a inserção de novos dispositivos tecnológicos, podem se mostrar inócuas se não vierem acompanhadas por outras mudanças nas práticas. Tomamos como ponto de partida a filosofia da linguagem de Bakhtin, que tem como um dos princípios a noção de interação verbal. Bakhtin (2006 [1979]) entende que os significados e usos de uma palavra (seja na fala ou num texto) não são meramente pré-estabelecidos, mas ganham sentido no contexto em que se inserem por um princípio dialógico. Assim, a interação verbal entre os falantes (ou entre escritor e leitor) implica um processo dinâmico que envolve outros aspectos (história, cultura, hábitos) em que as palavras ganharão sentido. Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. Se algumas vezes temos a pretensão de pensar e de exprimir-nos urbi et orbi, na realidade é claro que vemos “a cidade e o mundo” através do prisma do meio social concreto que nos engloba. Na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito (Bakhtin, 2006, p. 113-114 [1979]). De maneira análoga, entendemos que os significados (e usos) conferidos às tecnologias e aos espaços arquitetônicos, bem como aos objetos que os povoam, também se inserem em relações dialógicas. O uso conferido a um tablet pode ser muito semelhante ao uso conferido a um livro impresso, assim como uma sala de aula futurística, sem paredes e equipada com mobiliário altamente tecnológico pode 1 Informação verbal apresentada na mesa redonda 3: MAMEDE-NEVES, M. A. A sala de aula do século XXI. In: IV SIMPÓSIO DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA; III SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS E MATERIAIS DIDÁTICOS, 2013, Rio de Janeiro. Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem 15 abrigar comportamentos similares àqueles do século XX (assim como usos inovadores de tecnologias em espaços tradicionais também são possíveis). A perspectiva dialógica bakhtiniana nos faz pensar as interações e, consequentemente, nos instiga a sermos críticos perante as falsas inovações, que parecem criar grandes mudanças, mas apenas reproduzem as mesmas práticas sob nova roupagem. Apesar de nossa desconfiança perante o otimismo vigente nos discursos que defendem as inovações tecnológicas e arquitetônicas, reconhecemos o imperativo de se rever as tecnologias e os espaços de ensino-aprendizagem como formas de transformar e potencializar as práticas de ensino-aprendizagem. Porém, precisamos ponderar para distinguir quando as mudanças são necessárias, quando são inócuas e quando podem se tornar obstáculos a processos já constituídos. Martín-Barbero identifica uma mudança cultural e política a partir da ascensão da cultura massificada na sociedade de consumo que subverte uma ordem anteriormente estabelecida e definida pelas oposições entre cultura erudita e popular. O autor reconhece que, apesar das diferenças de acesso aos bens culturais, os meios de comunicação em massa cumprem um papel na socialização ao fazer circular a comunicação entre os diferentes estratos sociais. Assim, identifica nos meios de comunicação massivos a função mediadora, outrora situada na família e na escola (MARTÍN-BARBERO, 2008 [1997], p. 66). Portanto, Martín-Barbero (2008 [1997]) destaca a importância das mediações, afirmando que estas assumiram um papel crucial no processo comunicacional. O autor defende a perspectiva das mediações, entendendo que elas levam a uma compreensão dos fenômenos massivos para além da abordagem culturalista que os converte, inevitavelmente, em processos de degradação cultural. Em vez de uma pesquisa centrada nos meios de comunicação – que, segundo o autor, se baseia na lógica produtor-receptor –, Martín-Barbero defende uma pesquisa centrada nas mediações, partindo dos “lugares dos quais provêm as construções que delimitam a materialidade social e a expressividade cultural” (p. 294). Como uma das origens da relação entre o massivo e o popular, o autor destaca o desenvolvimento da literatura dita “de cordel” na Espanha ou colportage na França que durante o século XVII, permitiu o acesso popular à cultura escrita. Para Martín-Barbero, trata-se não apenas de um novo meio, mas de uma forma de mediação, por criar uma literatura própria e com situações de consumo particulares, ainda que massificadas. Dentre as formas de consumo, por exemplo, estaria a apropriação da leitura oralizada e partilhada com pessoas analfabetas, o que coletiviza uma competência comumente entendida como individual. Ainda no que diz respeito às práticas de leitura, encontramos tanto em Chartier (1990) como em Goulemot (1996) a noção de que a leitura não é apenas uma habilidade de decodificar e compreender textos, mas envolve um conjunto de 16 Design para uma educação inclusiva práticas sociais e significados. Chartier (1990) critica o que chama de uma “abordagem abstrata da leitura” e identifica, mediante o exame das práticas e representações, que a leitura corresponde a diferentes formas de apropriação ao longo da história, sob influência de aspectos sociais e materiais e até mesmo de ações de diferentes agentes. Já Goulemot (1996) entende a leitura como uma prática que envolve uma série de elementos “fora-do-texto”, como as condições espaciais, corporais e históricas, entre outras. Ambos, Chartier e Goulemot, concentram suas investigações acerca do livro e da leitura para além dos meios, trazendo informações e tecendo reflexões sobre as mediações. As considerações produzidas por esses historiadores da leitura nos fornecem um ponto de partida para refletir sobre a arquitetura e a tecnologia na sala de aula: os meios em si não são suficientes, também precisamos observar as práticas. É a partir desse viés que entendemos e observamos as pesquisas apresentadas e discutidas no grupo grupo de trabalho (GT) “Tecnologias & Espaços: mediações de ensino-aprendizagem” que integra o evento SILID/SIMAR. Acreditamos que os trabalhos discutidos contribuem para aprofundar a investigação do papel das mediações nas práticas escolares, tanto no que se refere aos aspectos materiais quanto nos aspectos humanos. Imbuídos desta perspectiva, buscaremos sintetizar a seguir as perspectivas apresentadas e discutidas pelos participantes (pesquisadores e professores)2 ao longo do GT. ESPAÇO: ARQUITETURA, OCUPAÇÕES E MEDIAÇÕES Ao problematizarmos as relações no espaço, devemos considerar não apenas os responsáveis pelos projetos (arquitetos e designers), mas também os agentes e as ações que ali se realizam. Nesse sentido, entendemos o espaço no sentido conferido pelo geógrafo Milton Santos, que o define como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações” em interação (SANTOS, 2006 [1966], p. 12). Ou seja, adotamos uma perspectiva de interdependência entre os aspectos materiais e os aspectos sociais. No que tange à arquitetura, parte dos trabalhos apresentados no GT dá conta da importância da configuração espacial nas práticas de ensino-aprendizagem. As pesquisas expressam a preocupação com as relações interpessoais que se desenvolvem nesses espaços e, principalmente, com as concepções institucionais e 2 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos os autores de comunicação que participaram dos GT, os resumos de seus trabalhos poderão ser acessados em <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20 de%20Resumos%20V%20SILID%20IV%20SIMAR%202015.pdf>. Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem 17 pedagógicas que os fundam e/ou participam deles. A perspectiva corrobora a afirmação de Juarez Dayrell de que “o espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa” (DAYRELL, 1996, p. 147). Durante as discussões, foram descritas situações que problematizam o projeto arquitetônico, tanto em casos em que se pretende mobilizar mudanças nas práticas escolares quanto em casos em que as propostas contrariam e frustram as expectativas e necessidades de professores e alunos. Os casos apresentados sinalizam uma necessidade de maior diálogo entre os agentes envolvidos na concepção e no uso dos espaços, o que corrobora a reflexão de Kowaltowski (2011) de ser preciso que os projetistas possam ir além de suas próprias formações, aproximando-se, assim, da educação, para que o espaço escolar possa potencializar o ensino-aprendizagem. O estudo apresentado no GT por Adolfo Tanzi Neto analisa a questão do espaço arquitetônico da sala de aula a partir de casos no país e no exterior. O autor identifica como uma questão a pluralidade de projetos que buscam transformar a sala de aula tradicional por diversos meios: alterando a disposição dos objetos, o mobiliário, sua organização, sua estrutura e o projeto do próprio edifício. Porém, conforme observado, nem toda tentativa de mudança tem seu sucesso garantido, especialmente quando as mudanças espaciais não dialogam com os sujeitos envolvidos. Algumas pesquisas recentes demonstram que a qualidade de iluminação, ventilação, som e temperatura afetam diretamente o desempenho dos alunos (CANNON DESIGN; BRUCE MAU DESIGN; VC FURNITURE, 2010; CHERYAN et al., 2014). Apesar disso, algumas mudanças promovidas no espaço de sala de aula não são necessariamente compreendidas como bem-vindas. Um exemplo é a discussão acerca das salas de aulas sem paredes em instituições britânicas: embora haja a percepção de que as open schools promovem mudanças nas práticas de ensino-aprendizagem, como a redução da hierarquia e a ampliação da flexibilidade e interatividade entre professores e alunos, ainda há carência de estudos sobre a adaptação dos professores a esses espaços, considerando que, na maioria das vezes, eles não passaram por uma formação que os preparasse para o desenvolvimento de práticas na estrutura diferenciada proposta tampouco encontraram em suas formações espaço para a reflexão acerca dela. De acordo com Alteror e Deed (2013), há queixas dos professores não somente a respeito do grau de exposição e de interferência de barulho externo, como também da condição de perda de autoridade gerada pela ruptura com o espaço tradicional- queixas que se manifestam pelo senso de deslocamento e pela sensação de ansiedade relatados. Outra questão que envolve as mediações do espaço da sala de aula diz respeito às formas de ocupação. Nesse sentido, o estudo apresentado por Michel Montadon evidencia a regularidade e a repetição na proposição de ocupação do espaço escolar durante um curso de formação docente. 18 Design para uma educação inclusiva O trabalho também mostra a clara distinção hierárquica na constituição dos agrupamentos na hora de se sentar, ressaltando que a escolha de ocupação diferenciava os professores cursistas dos formadores. A pesquisa nos chama atenção para a cristalização de determinados comportamentos e para os usos conferidos ao espaço sala de aula, reproduzidos até mesmo pelos professores quando se encontram na condição de alunos. Aparentemente, alguns obstáculos que se interpõem à mudança de práticas não têm origem na ausência de condições materiais (como a falta de espaços e tecnologias adequadas), mas nos próprios hábitos e na consequente reprodução por parte dos professores de práticas já preestabelecidas, pois, conforme afirma Perrenoud (1999, p. 6), a relação educativa “obedece a uma trama bastante estável” e seu trabalho instala-se em rotinas. Como exemplo contrário, vemos no trabalho apresentado por João Paulo Cabrera a maneira como as relações de ensino e aprendizagem se transformam tanto no uso do espaço da sala de aula como na incorporação das tecnologias digitais. O pesquisador descreve sua experiência no ensino de Alta Política e mostra uma mudança na percepção sobre a atividade de ensino ao dividir as responsabilidades entre os alunos para simular o funcionamento de organismos internacionais. Durante a dinâmica, o espaço da sala de aula se descaracteriza: parte das tarefas é desenvolvida a distância com auxílio das tecnologias digitais, e a hierarquia professor-aluno é descontruída na medida em que os alunos assumem responsabilidades e delegam atividades. Com isso, a percepção dos alunos sobre a aula é alterada. O trabalho destaca como mudanças nas práticas de professores e alunos mediadas pelos espaços e tecnologias permitem alterar a percepção de ensino. Mais uma vez, não se trata apenas de uma transformação de ordem material e tecnológica, afinal o uso alternativo dos espaços e tecnologias não foi apresentado como protagonista da mudança. Trata-se, portanto, de uma mudança de práticas pedagógicas que, nesse caso, eram mediadas pelo uso conferido dos recursos disponíveis. O próprio pesquisador destacou que, fomentada pela vivência nas redes virtuais, a demanda dos alunos contemporâneos é por atividades mais participativas e colaborativas, portanto a educação deve se dar mediante a construção conjunta. Outra discussão empreendida no GT deu conta de que mesmo as gerações habituadas aos espaços virtuais não possuem, necessariamente, uma aversão pelas atividades físicas. O trabalho apresentado por Andreza Santana de Abreu Silva3 mostra que, apesar de os alunos estarem imersos na cultura digital, as expectativas de lazer não são estritamente relacionadas às tecnologias eletrônicas, 3 O artigo intitulado “As influências das transformações midiáticas e tecnológicas no tempo e espaço de lazer dos alunos na Escola Municipal São Luiz” está disponível em: <http://www. proceedings.blucher.com.br/article-details/as-influncias-das-transformaes-miditicas-e-tecnolgicas-no-tempo-e-espao-de-lazer-dos-alunos-na-escola-municipal-so-luiz-22584>. Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem 19 individualizadas e virtuais, mas que ainda há espaço para a atividade física e coletiva. Ao entrevistar seus alunos, a professora afirmou contrariar as próprias expectativas ao se deparar com resultados que afirmavam a diversidade de interesses dos estudantes. No caso apresentado notamos que a investigação contrariou as expectativas, além de destacar a importância de se estabelecer um diálogo mais próximo entre professores e alunos. As práticas de ensino e aprendizado são permeadas por discursos que, por vezes, são alheios à experiência escolar e podem reforçar, desnecessariamente, o imperativo da mudança pelo uso das novas tecnologias. Nesse sentido, frisamos o papel de atitudes críticas e práticas reflexivas, de modo a evitar a incorporação automática de noções que não encontram eco no cotidiano dos agentes envolvidos. Os estudos apresentados no GT dialogaram substancialmente com o conceito de espaço no sentido amplo conferido por Milton Santos (2006 [1966]), não se limitando apenas aos aspectos físicos, mas dizendo respeito tanto aos objetos que lá se inserem e aos usos que lhes são conferidos como às práticas que lá se realizam. TECNOLOGIAS: LEITURA, USOS E MEDIAÇÕES Se Milton Santos nos leva a refletir sobre o espaço num sentido amplo, também nos faz questionar o determinismo tecnológico. O geógrafo chama atenção sobre a técnica ao afirmar que “cada nova família de técnicas não expulsa completamente as famílias precedentes, convivendo juntas” (SANTOS, 2006 [1966], p. 125-126). Todavia, a “unicidade técnica” se daria pela hegemonia global de um sistema de técnicas que se impõem às demais. Apesar de a contaminação entre técnicas ter ocorrido desde que os primeiros grupos humanos entraram em contato, Santos (2006 [1966]) identifica a universalidade técnica como uma realidade. Tal universalidade seria um fenômeno contemporâneo que faz parte de todos os lugares sem defasagem notável; que dá lugar a ações com conteúdo também universal; e seus objetos técnicos, universalmente presentes, “existem numa situação de interdependência funcional, igualmente universal” (SANTOS, 2006 [1996] p. 126). Embora a ideia de Santos tenha sido apresentada em um contexto em que os computadores pessoais e a internet ainda não haviam se desenvolvido e popularizado, podemos fazer um paralelo dessa universalização de técnicas com a ideia da “sociedade em rede” de Castells (2002). Portanto, embora nem todas as pessoas estejam presentes em redes, estas influenciam a todos, globalmente. Assim, a unicidade técnica, especialmente com a disseminação global da conexão em redes, influencia diversos níveis da atuação social, entre elas, e principalmente, a educação. 20 Design para uma educação inclusiva Apesar da unicidade técnica que nos levou a uma sociedade em rede, na qual a cultura passou a ser mediada pela comunicação digital (ou cibercultura), devemos ter em perspectiva que o acesso e as formas de apropriação das tecnologias não se dão de maneira igualitária. De acordo com García-Canclini (2009 [2005]), os processos desiguais, pelos quais o chamado “multiculturalismo” se insere e reproduz, criam uma falsa impressão de convivência e inclusão promovida pela sociedade de consumo e pela comunicação de massa. O autor tece críticas a essa perspectiva, denunciando novas formas de marginalização e de conflitos e chamando atenção para os “diferentes, desiguais, desconectados” como uma parcela significativa que não deve ser ignorada. Além disso, as apropriações sobre a cultura digital se dão, muitas vezes, de maneiras desiguais. No estudo de Marcio José de Lima Winchuar vemos que, mesmo com acesso a recursos tecnológicos como os laboratórios de informática, há resistência dos professores em adotar novas práticas pedagógicas. O autor identifica, por um lado, algumas contradições, especialmente no que diz respeito ao ensino dos gêneros digitais como a comunicação via e-mail, que acabam sendo trabalhados pelos professores apenas nos livros, não sendo postos em prática nos seus contextos originais; por outro lado, ele sustenta que atividades que buscaram explorar esse potencial e se distanciam da expectativa tradicional de ensino, como ausência de notas no quadro de giz ou no caderno, implicam cobrança por parte dos pais dos alunos. A pesquisa nos leva a pensar a questão das mediações tecnológicas ao entendermos que, mesmo que os diferentes agentes (professores, pais e alunos) já estejam inseridos em uma cultura mediada pelas tecnologias digitais, ainda há resistência em incorporar essas práticas no cotidiano escolar. Parte da resistência encontra-se centrada na reprodução de práticas já consagradas pelos professores, que ainda não conseguem trazer para a sala de aula a esfera de suas vivências cotidianas. Outra parte da resistência reside nas expectativas de professores, pais e alunos no que diz respeito ao que se imagina ser a sala de aula, suas atividades, seus protocolos de uso preconcebidos. A interação entre professores e alunos por meio de tecnologias de comunicação mediadas por Computador enfrenta, ainda, o desafio da inserção institucional, que pode, em alguns casos, levar a um engessamento, e, em outros, à informalidade; esta última condição resulta no não reconhecimento que inviabiliza as ações, tendo em vista a intensa carga de atividades remuneradas de que o professor deve dar conta, enquanto as atividades mediadas por computador não são reconhecidas como parte de seu trabalho. Entretanto, as tecnologias envolvidas na mediação do ensino não estão somente na internet, nas redes, mas permeiam o cotidiano escolar, seja na forma de referências às tecnologias digitais utilizadas fora dos processos educativos, seja no uso de tecnologias diversas, mesmo aquelas que já fazem parte desse contexto há muitas décadas. Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem 21 Nesse viés, o trabalho de Renata Cadena e Solange Coutinho4 mostra que, além dos problemas de infraestrutura, os professores ainda são pouco preparados para lidar com o manejo das linguagens visuais, seja no quadro de giz, seja em apresentações digitais. O trabalho aponta, por um lado, para a reprodução de saberes já conhecidos pelos professores que legitimam o uso das formas analógicas, como o livro didático e o quadro, com seus benefícios para o aprendizado; por outro lado, alguns professores ainda se intimidam perante o uso das tecnologias digitais. Com isso, o trabalho reafirma a questão da resistência e da afinidade por parte de alguns professores quanto aos usos das tecnologias na sala de aula, em contraponto a outros que possuem mais afinidade e aderem à utilização dos recursos visuais digitais – por vezes, entretanto, sem a devida reflexão sobre a adequação do uso. Ainda nesse estudo, Cadena e Coutinho afirmam, para além da hegemonia do design para a qualidade material, a importância de uma formação em design para os professores. Em diversas situações de sala de aula, quem lida cotidianamente com a produção de informações visuais, por vezes com insegurança, são os próprios professores, e não os designers. Portanto, elas defendem o empoderamento dos professores mediante uma formação em design que lhes permita se sentirem mais à vontade para trabalhar com as linguagens visuais. Em articulação com esse pensamento o trabalho de Cristina Tinoco Teixeira aponta a necessidade de desenvolver nos alunos o letramento visual, ressaltando que tudo que se lê é visual. A leitura seria, portanto, composta de diversos modos que se completam numa gestalt, quase sempre percebida como um todo, mas cujos detalhes muitas vezes se perdem. A autora destaca a relevância de tal formação para os alunos, mas também evidencia o desconforto dos professores em lidar com essas competências devido à falta de capacitação. Nesse sentido, ela defende uma estrutura curricular que incorpore a leitura do visual às formas tradicionais praticadas. Com o estudo, vemos que os meios de comunicação digital não contribuem apenas para a circulação de textos, como também intensificam a circulação de imagens. Diante disso, surge a necessidade de capacitar alunos e professores para lidarem com a situação, a partir de uma formação crítica que fomente o olhar sobre o discurso imagético. Mais uma vez, a relação entre professores e outros agentes (artistas, fotógrafos, designers etc.) mostra-se importante para que possamos promover a partilha de conhecimentos acerca do discurso visual. Todavia, a preocupação com a educação e a formação de leitores não se concentra apenas nas disciplinas ligadas à educação e às letras, mas tem aparecido também 4 O artigo intitulado “O professor e a elaboração de materiais didáticos gráficos para a visualização coletiva de informações” está disponível em http: <// www.proceedings.blucher.com.br/ article-details/o-professor-e-a-elaboracao-de-materiais-didaticos-graficos-para-a-visualizacao-coletiva-de-informacoes-22537>. 22 Design para uma educação inclusiva em outras áreas. O estudo de Leonardo Martins e Jackeline Lima Farbiarz mostra as preocupações em torno da formação de leitores em dispositivos móveis nos campos do design, comunicação, ciência da informação e educação. O trabalho investiga as tendências da produção sobre o livro digital e identifica a preocupação com a inserção tecnológica ligada ao contexto de aprendizado e interesse pela leitura. Além de evidenciar as preocupações no que diz respeito à caracterização das novas tecnologias, o estudo aponta para uma aproximação dos campos do design, comunicação e ciência da informação com questões educacionais. Com isso, observamos um esforço de diferentes disciplinas voltado para a formação escolar e fomento à leitura, que incorpora outros agentes mediadores. Identificamos, a partir do estudo, o desafio de se promover uma maior interação entre estas iniciativas em um esforço interdisciplinar que favoreça o trânsito entre os conhecimentos, de forma que se tornem saberes mais integrados, complexos e ligados entre si, conforme advogava Morin (ALMEIDA, M. C.; CARVALHO, E. A.; MORIN, E., 2002). CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos um importante avanço para o SILID/SIMAR a inclusão do grupo de trabalho “Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem”. Em primeiro lugar, devido à introdução de um importante eixo de investigação acerca de materiais e recursos didáticos e por envolver diretamente as situações de ensino-aprendizagem. Em segundo lugar, por implicar, já em seu nome, a temática das mediações, que chama atenção para as práticas, os sujeitos e suas interações. Finalmente, em terceiro lugar, por favorecer a troca de informações, experiências e contatos entre os pesquisadores de diferentes áreas e instituições envolvidos na mesma temática. Ao longo do GT, identificamos convergências e divergências entre as pesquisas, mas principalmente uma complementaridade entre os trabalhos, em especial eixos transversais de interesse para se tratar a temática das tecnologias e espaços de ensino-aprendizagem. Dentre os aspectos observados nos trabalhos, destacamos: • a relação entre a disposição espacial, práticas pedagógicas e discurso institucional; • a crescente presença das tecnologias de comunicação digital nas escolas; • os usos diversificados e desiguais das ferramentas de comunicação digital; • as mediações tecnológicas nas práticas de ensino-aprendizagem; • a inserção dos multiletramentos na perspectiva curricular; • os desafios na elaboração dos materiais didáticos. Tecnologias & espaços: mediações de ensino-aprendizagem 23 Dentre os aspectos criticados nos trabalhos, destacamos: • a cristalização das práticas de ensino-aprendizagem; • a questão do engajamento entre os atores envolvidos na educação; • a subvalorização ou não reconhecimento de uma cultura digital; • os preconceitos e a falta de conhecimentos dos professores acerca de determinadas competências e das preferências de seus alunos; e • a desigualdade na distribuição dos recursos tecnológicos. Os estudos e discussões encontram-se em diferentes etapas de desenvolvimento e evidenciam mais casos particulares do que generalidades. Nesse sentido, dizem respeito à partilha de experiências docentes e de pesquisas concluídas ou em realização que favorecem a troca, a discussão e a reflexão. Frente aos resultados observados, acreditamos que a abordagem dos trabalhos sob o viés da mediação nos pareceu não apenas importante, mas também necessária. Um aspecto à parte que nos chamou atenção na discussão das tecnologias e espaços foi a questão da oferta/escassez. Ao contrário das expectativas, a grande maioria dos estudos não se ocupou de denunciar a presença ou a falta de recursos tecnológicos e arquitetônicos, mas sim de analisar os usos conferidos aos materiais e às interações criadas. Houve, inclusive, relatos acerca do subaproveitamento dos recursos tecnológicos e arquitetônicos, que se encontravam disponíveis mas não figuravam nas práticas de professores e alunos. Enxergamos na preocupação com as práticas e interações entre os sujeitos, em vez da denúncia sobre a falta de recursos, um aspecto positivo. Esse fator não implica afirmar que as condições arquitetônicas, o mobiliário e a oferta de recursos tecnológicos sejam satisfatórios, mas mostra uma perspectiva orientada às mediações. Entendemos que, para além da simples presença dos recursos tecnológicos, é importante investigar as práticas de ensino-aprendizagem e interações que se dão com o que já existe e está presente nas salas de aula. Portanto, defendemos a ampliação do diálogo entre os agentes envolvidos dentro da sala de aula (professores e alunos) e fora dela (arquitetos, designers, gestores, pais etc.). Acreditamos que o que ocorre no âmbito da sala de aula implica conhecimentos preciosos, que não devem ficar isolados. Do mesmo modo, o projeto e o planejamento dos espaços e materiais não devem acontecer em isolamento, pois corremos o risco de haver práticas que não se encontram representadas nos projetos e vice-versa. Logo, o diálogo, a pesquisa e o envolvimento entre os agentes mostrou-se tanto um ponto comum entre os trabalhos quanto um desafio a ser superado, que encontra nessas discussões uma importante contribuição. 24 Design para uma educação inclusiva REFERÊNCIAS MORIN E., ALMEIDA, M.C, CARVALHO, E.A. (Org.). Educação e complexidade: os Sete Saberes e outros ensaios. São Paulo. Cortez, 2002. ALTEROR, S.; DEED, C. Teacher adaptation to open learning spaces. Issues in Educational Research, v. 23, n. 3, p. 315-330, 10 out. 2013. Disponível em: <http://www.iier.org.au/iier23/alterator.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2015. BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec; 2006 [1. ed.: 1979]. 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São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006 [11. ed.: de 1966]. CAPÍTULO 2 Tecnologias Digitais no Ensino Superior: das possibilidades e tendências à superação de barreiras e desafios Cíntia Regina Lacerda Rabello, Doutora, Universidade Federal Fluminense (UFF) Kátia Cristina do Amaral Tavares, Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) INTRODUÇÃO As tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC), cada vez mais inseridas no nosso cotidiano, trazem enormes transformações e desafios para a sociedade contemporânea. Entre as transformações, temos a alteração da relação espaço-temporal permitida pelo ambiente virtual, assim como novas práticas comunicacionais e novas relações sociais marcadas pelos recursos eletrônicos (LEMOS, 2003). 26 Design para uma educação inclusiva Dentre os muitos desafios, vivemos o constante sentimento de defasagem ao tentar acompanhar todas as transformações tecnológicas e seus efeitos na sociedade contemporânea, como a sobrecarga de informação e o excedente cognitivo (SHIRKY, 2011), além de distúrbios como a hiperconexão1 (TAYLOR, 2014). Apesar desses desafios, as TDIC desempenham um papel fundamental na produção e distribuição da informação, assim como nas relações entre os indivíduos no espaço virtual, fato que abre diversas possibilidades do ponto de vista social, econômico e também educacional. O novo paradigma tecnológico emergente com a introdução da Web 2.0 permite que os usuários exerçam um papel mais ativo na busca, produção e compartilhamento de informação em direção à construção de conhecimento, permitindo que se vislumbrem novas abordagens educacionais advindas de maior interação e colaboração entre alunos e professores em comunidades virtuais no ciberespaço. No cenário contemporâneo de mudanças, a educação encontra um ambiente favorável para uma mudança de paradigmas. As TDIC contribuem para essas transformações uma vez que modificam radicalmente os ambientes e contextos de aprendizagem, fazendo com que espaços formais de educação como a escola e a universidade sejam repensados e ressignificados, proporcionando, assim, novas possibilidades e perspectivas para uma educação mais aberta, acessível e flexível. Ao mesmo tempo em que o avanço das TDIC abre novas possibilidades para processos de ensino-aprendizagem formais e informais, despertando o interesse por novas abordagens e aplicações educacionais para o novo ferramental da pós-modernidade, faz-se necessária a reflexão crítica sobre essas ferramentas e seus impactos na sociedade contemporânea, uma vez que as tecnologias não são neutras (LÉVY, 2010). Além disso, precisamos reconhecer que a mesma técnica assume diferentes recursos e potencialidades e, dependendo do uso que damos a ela, permite desvendar novos e promissores horizontes ou reproduzir antigos modelos e práticas sob nova roupagem. Bates e Sangrà (2011) destacam a tecnologia como componente essencial a qualquer instituição universitária moderna, não apenas como meio para facilitar processos administrativos, mas, principalmente, como forma de transformar os processos de ensino-aprendizagem. De acordo com os autores: Embora as missões centrais das faculdades e universidades sejam ainda mais relevantes nos dias de hoje, se estas quiserem responder adequadamente aos desafios que estão enfrentando, mudanças radicais são necessárias na sua organização e no 1 Taylor define esse distúrbio como caracterizado pelo sentimento de precisar estar conectado o tempo todo e pelo fato de, apesar das tecnologias, estarmos trabalhando cada vez mais e nada ser suficientemente rápido. Tecnologias digitais no Ensino Superior 27 desenho e entrega de ensino. A integração da tecnologia e seu uso para transformar o ensino e aprendizagem são estratégias-chave para tal mudança (Bates; Sangrà, 2011, p. xix, tradução nossa) No entanto, para assegurar que a integração das TDIC seja capaz de ocasionar a mudança no contexto universitário como proposto pelos autores, faz-se necessário conhecer as possibilidades, barreiras, desafios e tendências que se impõem a essa integração. Este artigo, vinculado a uma pesquisa de doutorado que buscou investigar a integração das tecnologias digitais em uma universidade federal (RABELLO, 2015), tem como objetivo refletir sobre algumas possibilidades, tendências, barreiras e desafios para a integração das tecnologias digitais no ensino superior de forma a promover mudanças significativas nos processos de ensino-aprendizagem na educação contemporânea. POSSIBILIDADES DAS TDIC PARA O ENSINO SUPERIOR Ao pensarmos a integração das tecnologias digitais no ensino superior, precisamos questionar, antes de tudo, quais as possibilidades e reais benefícios relacionados a ela. Uma das principais possibilidades apontadas por diversos autores (BATES; SANGRÀ, 2011; GIKAS; GRANT; POLLY, 2011; KELLNER, 2000; RENES; STRANGE, 2011) é o potencial transformador das TDIC, que possibilitam novas abordagens e pedagogias inovadoras, modificando as práticas de ensino-aprendizagem. A esse respeito, Laurillard (2007) ressalta a necessidade vigente de o ensino superior atender às demandas da sociedade do conhecimento ao aproveitar o máximo das possibilidades que as TDIC oferecem para conduzir o processo de ensino-aprendizagem a uma nova era. Bates e Sangrà (2011) defendem o uso da tecnologia no ensino superior visando atender três objetivos: (1) melhorar a qualidade do ensino; (2) ampliar o acesso à universidade; e (3) melhorar a relação entre custo e eficácia das universidades. Em relação às possibilidades para os processos de ensino-aprendizagem, os pesquisadores destacam quatro razões para a utilização das tecnologias digitais. A primeira delas seria melhorar a qualidade do ensino e aprendizagem ao exigir a construção de novos modelos baseados nas possibilidades que as tecnologias oferecem, e não apenas na utilização das novas tecnologias em velhas e tradicionais práticas de transmissão de conteúdo. A segunda razão seria atender ao estilo de aprendizagem dos alunos na sociedade contemporânea, que sofre grande impacto com a utilização das TDIC. A terceira razão diz respeito à ampliação do acesso às oportunidades de aprendizagem e aumento da flexibilidade para os estudantes, desafios fundamentais para a universidade na atualidade. E, por fim, como quarta razão, os autores alegam que as TDIC podem e devem ser utilizadas para desenvolver as habilidades e competências necessárias para 28 Design para uma educação inclusiva o século XXI, como o letramento digital e informacional, a comunicação interpessoal, o pensamento crítico e a solução de problemas, entre outros. Os autores destacam diferentes tecnologias que podem ser utilizadas de modo a transformar os modelos de ensino, como a internet, a comunicação mediada por computador (CMC), a web, os sistemas de gerenciamento da aprendizagem (SGA); tecnologias de comunicação síncrona como Skype e Adobe Connect; e ferramentas da Web 2.0, como blogs, wikis, redes sociais e colaborativas, arquivos multimídia e portfólios eletrônicos (e-portfolios), mundos virtuais, simulações e jogos, aprendizagem móvel e recursos educacionais abertos (REA). Os autores também apresentam uma análise das principais tecnologias da Web 2.0 sob uma perspectiva educacional, organizando-as conforme o caráter objetivista ou construtivista de cada ferramenta e a relação de poder em relação ao professor e ao aluno. Segundo os autores, por um lado, tecnologias como blogs, Facebook, YouTube, wikis, jogos, portfólios digitais, entre outras, permitem processos de ensino-aprendizagem mais informais a partir dos quais os alunos possuem maior controle sobre as ferramentas e a construção do conhecimento. Por outro lado, tecnologias como SGA (como Moodle), palestras online e simulações conferem maior controle ao professor sendo utilizadas de maneira mais formal e sob uma perspectiva objetivista. Assim, tecnologias que permitem um maior controle por parte do aluno e que seguem uma perspectiva construtivista do processo de aprendizagem são aquelas que, ao ampliar o espectro de interações, podem contribuir para processos de aprendizagem mais condizentes com as características da cibercultura, ou seja, comunicação, colaboração, compartilhamento de experiências, construção coletiva de conhecimento, entre outras. Mason e Rennie (2008) e Mattar (2013) reconhecem o quanto a Web 2.0 vem transformando os ambientes de aprendizagem e ampliando as possibilidades educacionais formais e informais. Os autores propõem a utilização de plataformas de redes sociais como ferramentas pedagógicas no ensino, considerando softwares sociais, como Wikipédia, marcadores, blogs, RSS, podcasts, e-portfolios e ferramentas síncronas de áudio e compartilhamento de tela, além dos sites de redes sociais (SRS); estas ferramentas são relevantes para a educação, uma vez que constituem meios para o desenvolvimento da inteligência coletiva, promovendo a interação e a criação de conteúdo pelo usuário. Essas características podem ser utilizadas no ensino superior de forma a promover o desenho de cursos presenciais, online, a distância ou híbridos que sejam centrados no aluno e que promovam a aprendizagem social e colaborativa. Moran (2013) destaca a utilização de tecnologias digitais para estimular alunos a realizarem pesquisas e atividades desafiadoras, combinando tarefas integradas dentro e fora da sala de aula, ampliando, assim, os locais e contextos Tecnologias digitais no Ensino Superior 29 de aprendizagem. O autor também defende a expansão da educação a distância como estratégia para a realização de mudanças profundas na educação, reduzindo “a defasagem educacional através do uso intensivo de tecnologias em rede, da flexibilização dos tempos e espaços de aprendizagem, da gestão integrada de modelos presenciais e digitais” (MORAN, 2013, p. 2). No entanto, apesar de reconhecerem o potencial das tecnologias digitais para a promoção de práticas inovadoras e transformação dos processos de ensino-aprendizagem no ensino superior, diversos autores (BATES; SANGRÀ, 2011; BLIN; MUNRO, 2008; KIRKWOOD; PRICE, 2014; LAURILLARD, 2007; SELWYN, 2007) reconhecem que, muitas vezes, essas tecnologias são subutilizadas, convergindo para a manutenção de velhas práticas. A esse respeito, Bates e Sangrà afirmam que Temos hoje um caldeirão fervendo com novas tecnologias, e o desenvolvimento tecnológico tem conduzido a novas abordagens para o ensino e aprendizagem. No entanto, percebemos que a reação das universidades e faculdades tem sido ultraconservadora, preocupando-se em proteger e aprimorar o modelo tradicional de ensino e aprendizagem, mesmo que o contexto da educação superior tenha mudado drasticamente (p. 51, tradução nossa). Dadas as inúmeras possibilidades de criação, colaboração, autoria e construção de conhecimento, cabe à universidade o desafio de quebrar a fixidez funcional2 de algumas tecnologias já utilizadas e buscar outras possibilidades, criando novos paradigmas, conforme veremos a seguir. PRINCIPAIS TENDÊNCIAS EM TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO SUPERIOR Ao pensar a integração das TDIC ao ensino superior, precisamos considerar que muitos alunos já utilizam essas tecnologias dentro e fora da sala de aula, tanto na vida pessoal quanto na acadêmica, mesmo que de forma superficial e inconsciente. Nesse sentido, a universidade precisa se adequar à realidade, utilizando as possibilidades e potencialidades de diferentes tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem. Dada a alta velocidade de transformação e avanços tecnológicos na era digital, faz-se necessário acompanhar as principais tendências sobre a utilização de TDIC pelos alunos e a sua incorporação à educação. A esse respeito, Lévy nos lembra que “muitas vezes, enquanto discutimos sobre os possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram” (2010, p. 26). Portanto, é essencial estarmos atentos às tendências e abertos às inovações. 2 Koehler e Mishra (2008) definem a fixidez funcional como “a maneira pela qual as ideias que temos sobre determinado objeto nos impedem de utilizá-lo para outra função” (p. 6). 30 Design para uma educação inclusiva O NMC Horizon Report é um relatório anual desenvolvido pelo New Media Consortim (NMC) em parceria com a EDUCAUSE Learning Initiative (ELI), que investiga as principais tendências em tecnologias e/ou práticas educacionais na educação básica e superior e na educação para museus em diferentes países. Em sua edição sobre ensino superior no ano de 2014 (ADAMS et al., 2014a), o relatório aponta seis tecnologias emergentes que terão grande impacto no ensino superior nos próximos cinco anos: a adoção da sala de aula invertida; a análise da aprendizagem por meio de dados gerados pelo usuário; a adoção de impressoras 3D; a utilização de jogos e a “gamificação” do ensino; e a utilização de tecnologias de quantified self3 e assistentes virtuais, permitindo maior personalização do ensino e aprendizagem. O relatório apresenta também seis tendências em metodologias para o ensino superior com base nos avanços tecnológicos. Duas tendências rápidas apontadas pelo documento, com previsão de adoção de até um ano, são a crescente ubiquidade das redes sociais, cada vez mais integradas à vida cotidiana dos estudantes e ao contexto universitário, e a integração do aprendizado online, híbrido e colaborativo. As tendências de médio alcance, com adoção entre dois e três anos, são o crescimento da aprendizagem e avaliação baseada em dados, intimamente relacionada aos avanços de tecnologias de análise da aprendizagem, e mudanças de alunos como consumidores para alunos como criadores, ou seja, em vez de apenas consumirem informações disponíveis na web, os alunos passam ao papel de autores, criando seus próprios conteúdos; essas duas tendências apontam para uma maior centralidade do estudante no processo de ensino-aprendizagem, que implica maior participação ativa e autorial. Por fim, uma tendência de longo alcance, com adoção prevista entre quatro e cinco anos, constitui abordagens ágeis para mudança, ou seja, a utilização de modelos de startup ágeis para a liderança institucional e currículo, de forma a promover mudanças e uma cultura de inovação. Outra tendência é a evolução do aprendizado online, que com o avanço de tecnologias como análise da aprendizagem e quantified self, poderá oferecer melhores oportunidades de aprendizagem personalizada e adaptativa. Já o Panorama Tecnológico NMC 2014 – Universidades Brasileiras (ADAMS et al., 2014b) apresenta doze tendências em termos de tecnologias para o ensino superior no contexto brasileiro. Verificamos grande correspondência entre as tendências apontadas pelo documento nacional e as tendências mundiais, como a metodologia de sala de aula invertida, a utilização de jogos e “gamificação” do 3 Tecnologias que coletam dados sobre o usuário de forma, acompanhando de perto as informações mais relevantes para suas atividades diárias, analisando métricas pessoais e oferecendo um maior controle sobre a gestão dessas atividades, por exemplo, vários aplicativos móveis utilizados em atividades físicas e dietas alimentares. No campo educacional, essas tecnologias podem oferecer aos alunos um maior controle sobre sua aprendizagem, monitorando atividades e desempenho e ajudando a traçar planos de estudos personalizados. Tecnologias digitais no Ensino Superior 31 processo de ensino-aprendizagem e a utilização de softwares de análise da aprendizagem e de assistentes pessoais. Outras tendências destacadas pelo documento que já são realidade em diversos países são a aprendizagem online e a aprendizagem móvel, a utilização de laboratórios remotos e virtuais, materiais de conteúdo aberto (recursos educacionais abertos – REA), softwares de realidade aumentada e de inteligência de localização (GPS) e a internet das coisas. Em consonância com as principais tendências mundiais, as aprendizagens online e híbrida apresentam-se com forte presença, demonstrando rápida evolução e crescimento no contexto brasileiro. Também o papel dos educadores é alterado, fazendo com que se repense a forma como as aulas são ministradas, a fim de promover práticas de ensino-aprendizagem mais ativas e independentes. Em médio prazo, a oferta de cursos online tende a se intensificar e diversificar e as redes sociais tendem a desempenhar um papel mais ativo nessa aprendizagem, transformando os estudantes criadores e autores de conteúdo, em vez de meros consumidores de informação. Por fim, no longo prazo, o documento prevê a adoção de modelos rápidos, tanto no desenvolvimento de currículos quanto na liderança institucional, a reinvenção do computador pessoal, que hoje se apresenta em formas mais compactas e portáteis como smartphones e tablets, e também novas formas multidisciplinares de pesquisa com tecnologias e metodologias inovadoras. BARREIRAS E DESAFIOS PARA A INTEGRAÇÃO DAS TDIC NO ENSINO SUPERIOR São muitas as barreiras que impedem ou dificultam a integração das TDIC na educação e no ensino superior. Rogers (2000) reconhece a existência de uma combinação de diferentes fatores socioculturais para a plena adoção das tecnologias digitais na educação e os classifica como oriundos de fontes internas e externas. Como barreiras internas, a autora inclui as atitudes ou percepções dos professores em relação à tecnologia e o nível de competência para seu uso. Já as barreiras externas incluem a disponibilidade e acessibilidade à infraestrutura necessária, a presença de suporte técnico especializado, apoio institucional, e programas de formação continuada de professores para utilização das TDIC. A autora inclui, ainda, dois fatores que atravessam as fontes internas e externas e dizem respeito à falta de tempo dos docentes para participarem de programas de formação continuada para esse fim e também para desenharem novas atividades, materiais e metodologias afinados com as tecnologias digitais. Nesse sentido, a autora conclui que, apesar de o investimento para inserção das tecnologias digitais constituir geralmente o principal foco de planejamento tecnológico das instituições, o investimento inadequado, voltado apenas para a compra de equipamentos tecnológicos, e não para o desenvolvimento profissional do cor- 32 Design para uma educação inclusiva po docente para sua utilização, é geralmente desperdiçado, contribuindo para atitudes negativas em relação à tecnologia, que, por fim, constituem a principal barreira para sua integração aos processos de ensino-aprendizagem. No contexto universitário, especificamente, Batson (2010) apresenta diferentes razões ou causas que conduzem à não utilização ou mesmo à utilização não apropriada das TDIC. Em primeiro lugar, o autor menciona o espaço físico da sala de aula, que, na maioria das universidades, é desenhado para aulas expositivas. Paralelamente, o autor destaca que os próprios alunos e responsáveis trazem expectativas desse tipo de aula tradicional, fazendo com que a mudança para outros modelos, menos convencionais e que exigem uma participação mais ativa dos alunos, seja considerada com descrença e suspeita por parte dos estudantes. Outro ponto que o autor levanta como importante contribuição para a não adoção da tecnologia é o currículo, que, muitas vezes, reflete métodos tradicionais de ensino, bem como os processos de revisão e avaliação pelo próprio corpo docente, que não favorecem ou reconhecem a inovação com o uso de tecnologias. Bates e Sangrà (2011) incluem duas outras barreiras significativas que envolvem especificamente a atividade docente universitária. A primeira diz respeito à valorização da pesquisa em detrimento do ensino nas universidades, o que leva ao baixo investimento na formação do corpo docente para o ensino e menos ainda para o ensino com tecnologias. Ou seja, uma vez que há uma grande demanda por pesquisas e publicações nas universidades, essas atividades são priorizadas em detrimento do ensino e do desenvolvimento profissional para este fim. A segunda barreira, também apontada por Pretto e Riccio (2010) e por Pesce e Bruno (2013), diz respeito à falta de formação pedagógica de muitos professores de nível superior, que, embora sejam especialistas no campo de conhecimento específico, na maioria das vezes não possuem formação mais sólida no campo educacional. Os autores ressaltam que esse desafio é ainda aumentado com o crescente envolvimento dos docentes na oferta de cursos a distância, em expansão em muitas universidades, sem que o professor tenha conhecimento sobre o ensino mediado por tecnologias ou mesmo nas áreas de docência online e educação a distância (EAD). Quanto à formação de professores para o uso das tecnologias, Bates e Sangrà ressaltam a necessidade de capacitação sistemática no ensino com tecnologias para todo o corpo docente. Essa capacitação, segundo os autores, deve ir além de saber utilizar as SGA ou plataformas de webconferência e o uso da tecnologia precisa ser combinado com uma compreensão profunda sobre educação (pedagogia) e análise de diferentes abordagens de aprendizagem e modelos de ensino adequados às TDIC. Nesse sentido, tanto a formação inicial quanto a continuada desempenham importante função na integração dessas tecnologias ao ensino superior. Como grande desafio à integração bem sucedida das tecnologias digitais no ensino superior, os autores reconhecem a resistência das instituições de nível superior em aceitar Tecnologias digitais no Ensino Superior 33 novos paradigmas, uma vez que o conceito de universidade tem permanecido inalterado por mais de 800 anos. Apesar de hoje a universidade enfrentar fortes pressões por mudanças mais profundas, os autores admitem que essas mudanças são lentas, principalmente nas instituições públicas, fato que também é observado no cenário brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na cultura contemporânea, na qual variadas tecnologias permeiam nosso cotidiano, impondo diversas mudanças na sociedade, fazem-se necessárias profundas transformações nos processos educacionais, a fim de empoderar os cidadãos para o uso das tecnologias digitais. Nesse sentido, Kenski (2013) reforça a necessidade de um novo modelo de formação docente, de forma que o avanço tecnológico seja articulado com mudanças no ensino, propiciando, assim, que a utilização das tecnologias digitais no contexto educacional leve à mudança de práticas e aos processos inovadores condizentes com as demandas da cibercultura. Sangrà (2012) reconhece que um dos grandes desafios que se coloca às universidades é aproveitar as potencialidades da web social para desenvolver novos modelos de ensino e aprendizagem baseados na colaboração e interação, oferecendo maior abertura e flexibilidade, sem abrir mão do rigor e da qualidade. Esse modelo, em vez de se fundamentar no conteúdo e materiais, como em cursos tradicionais, deverá se basear na interação e na relação entre os participantes. No entanto, é perceptível que muitas universidades no Brasil ainda se apresentam distantes do ideal de utilização e integração dessas tecnologias. Dificuldades de infraestrutura, como acesso à rede de internet sem fio (Wi-Fi) e compra de equipamentos como computadores, projetores multimídia e/ou quadros interativos, além da falta de formação docente apropriada para a utilização crítica dessas tecnologias, limitam seu uso, na maior parte das vezes, a processos de transmissão de conteúdos por meio de apresentações multimídia e/ou utilização de plataformas digitais como repositórios de materiais didáticos. Apesar das tendências apontadas pelo NMC Horizon Report, percebe-se ainda uma lenta inserção das tecnologias digitais no contexto universitário brasileiro, seja pela falta de investimento em infraestrutura e equipamentos ou pela falta de conhecimento acerca das possibilidades dessas tecnologias e da formação docente para essa integração. No entanto, não podemos negar que as tecnologias digitais se fazem cada vez mais necessárias nesse contexto. Com o processo de globalização e de internacionalização das universidades, precisamos estar atentos às tendências mundiais no setor, de forma a integrar as tecnologias e oferecer processos educacionais inovadores em consonância com as principais tendências internacionais. Para isso, Bates e Sangrà (2011) apontam para a necessidade de um plano estratégico, complexo que tenha como base três princípios: tecnologia, organiza- 34 Design para uma educação inclusiva ção e pedagogia. Portanto, apenas o investimento na compra de recursos tecnológicos como computadores e projetores multimídia não trará as mudanças de que a universidade precisa. É necessário o investimento em infraestrutura adequada (acesso à internet banda-larga, conexão Wi-fi de boa qualidade e suporte tecnológico adequado), mas, principalmente, no desenvolvimento profissional do corpo docente para a utilização pedagógica e crítica das tecnologias digitais nos processos de ensino-aprendizagem, de forma a criar processos de inovadores e transformadores, provocando mudanças significativas no ensino superior. REFERÊNCIAS BATES, A. W.; SANGRÀ, A. Managing technology in higher education: strategies for transforming teaching and learning. San Francisco: Jossey-Bass, 2011. 262 p. BATSON, T. Let the faculty off the hook. Campus Technology, 2010. Disponível em: <http://campustechnology.com/articles/2010/03/17/let-faculty-off-the-hook. aspx>. Acesso em: 7 jan. 2015. BLIN, F.; MUNRO, M. Why hasn’t technology disrupted academics’ teaching practices? Understanding resistance to change through the lens of activity theory. 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Pesquisar, criar, catalogar, armazenar e compartilhar dados são atividades frequentes em nosso dia a dia – dos primeiros computadores portáteis aos celulares inteligentes dos dias de hoje, chegamos a uma realidade onde nossa preocupação não está mais no meio físico de armazenamento das informações, mas em como acessá-las e compartilhá-las de modo eficiente e seguro sempre que necessário. É neste cenário que os atuais alunos de nossas escolas e universidades estão inseridos. Em seus cotidianos, estão acostumados a utilizar seus dispositivos móveis para compartilhar uma grande variedade de informações com amigos e familiares; e, em seus futuros profissionais, muitos trabalharão diariamente com ferramentas colaborativas digitais. 38 Design para uma educação inclusiva Os estudantes de hoje convivem com uma gama variada de tecnologias de comunicação digital, a partir da qual ferramentas que eram consideradas mera curiosidade passaram a fazer parte de nosso cotidiano. Gradativamente, essas ferramentas estão migrando da esfera do lazer para o ambiente profissional, otimizando os trabalhos colaborativos de um modo sem precedentes em nossa história. Entretanto, as metodologias de ensino habitualmente aplicadas no ambiente educacional não acompanharam o avanço das tecnologias de informação. Ainda é raro encontrarmos alunos orientados a aplicar em suas atividades acadêmicas os recursos oferecidos pelos serviços e equipamentos que utilizam em atividades de lazer e socialização. Ao avaliar o uso de tecnologia como ferramenta educacional para adultos, a pedagoga Andrea Filatro questiona, de modo geral, a relação entre o planejamento das atividades acadêmicas e a ineficiência do uso de tecnologia no ensino: Se a tecnologia vem para enriquecer e facilitar o processo de ensino-aprendizagem, e se os adultos são capazes, por si sós, aproveitar essas facilidades em sua prática profissional, nas atividades de lazer e até nas relações humanas mais íntimas, que fatores produzem índices tão críticos em se tratando de tornar a educação mais eficaz? E mais, se a tecnologia é boa para o trabalho, para a pesquisa, para o desenvolvimento de comunidades, para conhecer pessoas, e se os adultos são autônomos para utilizá-la em seu proveito das formas mais criativas possíveis, o gargalo está na maneira de planejar a utilização desta tecnologia para fins educacionais? (2004, p. 19) Filatro sugere o estudo da relação entre as tecnologias de informação e os métodos de ensino como forma de revitalizar a educação contemporânea: Compreender de que forma as tecnologias de informação e comunicação contribuem para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem representa uma oportunidade de redescobrir a natureza ímpar, insubstituível e altamente criativa da educação no processo de desenvolvimento humano e social (2004, p. 32). Em uma realidade onde os jovens permanecem em contato constante uns com os outros através de seus smartphones, as teorias de inteligência coletiva tornam-se cada vez mais palpáveis. Ao mesmo tempo, os métodos de ensino convencionais mostram-se pouco eficientes na preparação dos alunos para o aspecto prático da vida profissional. Projetos são desenvolvidos por um número crescente de mentes trabalhando em conjunto, conectadas através de redes digitais cada vez mais eficientes. A capacidade intelectual do indivíduo pode ser potencialmente ampliada quando as modernas ferramentas colaborativas o colocam em contato com o saber acumulado na nuvem computacional. Hoje, é irrelevante questionar se os dispositivos móveis prejudicam o aprendizado. Para a sociedade atual, não são mais novidades que poderão mudar a Dispositivos móveis em ambientes didáticos 39 forma como trabalhamos, eles já fazem parte de nosso cotidiano neste século XXI. Saber utilizar as tecnologias de informação de modo produtivo pode ser um importante diferencial na carreira de um profissional e o problema, portanto, está em como adaptar as metodologias tradicionais de ensino para que elas possam tirar proveito das ferramentas digitais de colaboração. O ALUNO, A SALA DE AULA E O PROFESSOR CONTEMPORÂNEOS: UMA RELAÇÃO INSTÁVEL A maioria dos alunos de hoje pertence à Geração Y ou Geração do Milênio (nascidos até 2004) e à geração posterior (nascidos a partir de 2005), ainda sem um nome definido. Segundo Scott Keeter e Paul Taylor, membros do quadro superior do Pew Research Center, a Geração Y é A primeira na história humana que considera comportamentos como tuitar e enviar mensagens de texto, junto com websites como Facebook, Youtube, Google e Wikipedia, não como inovações impressionantes da era digital, mas como partes diárias de suas vidas sociais e de sua busca por entendimento (Keeter e Taylor, 2009). Neil Howe e William Strauss definem as características dos jovens desta geração: Os membros da Geração do Milênio] nasceram em uma época em que as pessoas começaram a expressar atitudes mais positivas em relação às crianças. [...] Comparados com os membros da Geração X, os jovens de hoje são mais otimistas em relação ao mundo em que estão crescendo. Nove em dez se descreve como “feliz”, “confiante” e “positivo”. [...] Eles são jogadores cooperativos. Dos uniformes escolares, ao aprendizado em equipe e ao serviço comunitário, os membros desta geração estão gravitando em torno das atividades em grupo. [...] Eles aceitam a autoridade. A maior parte dos adolescentes afirmam se identificar com os valores de seus pais e noventa por cento deles afirma confiar e se sentir próximo deles. [...] Os jovens de hoje acreditam no futuro e enxergam a si próprios como à frente das outras gerações. Eles exibem fascinação e domínio das novas tecnologias. (Howe e Strauss, 2000) Ao observarmos os alunos contemporâneos em sala de aula, confirmamos a naturalidade com que são capazes de manterem-se conectados aos acontecimentos cotidianos por meio de inúmeros recursos tecnológicos. Acostumados a dividir sua atenção entre várias atividades simultâneas, muitas vezes são capazes de surpreender membros de gerações anteriores. O contato permanente com mecanismos de buscas, repositórios de informação e redes sociais transformou jovens naturalmente curiosos em fervorosos questionadores. No dia a dia escolar, os alunos mostram comportamentos ditos hiperativos e intermitentes, preocupando pais e professores. Querem estar no controle daquilo em que 40 Design para uma educação inclusiva se envolvem e não têm paciência para ouvir um professor explicar um mundo que ele já conhece com suas próprias convicções. Como se o aluno fosse digital e a escola analógica (Fonseca e Alquéres apud Ferraz, 2011). O modelo de sala de aula atual, fruto de uma época em que tecnologias digitais não estavam amplamente disponíveis, tornou-se incompatível com os alunos que a frequentam. “Nossas instituições de ensino mudaram muito mais lentamente que os modos de aprendizado inventivos, colaborativos e participativos oferecidos pela internet e por uma gama de tecnologias móveis contemporâneas.” (Davidson e Goldberg, 2009). Em seu cotidiano, os jovens saciam sua curiosidade através do acesso constante às fontes de informação digitais. Entretanto, mesmo no ambiente acadêmico de cursos mais recentes, os alunos encontram uma estrutura ultrapassada onde, enfileirados em silêncio em suas carteiras, devem focar toda a sua atenção no discurso do professor, sem acesso aos recursos interativos que fazem parte de seu cotidiano extraclasse. Além da estrutura ultrapassada dos métodos de ensino, a infraestrutura das salas de aula também se mostra inadequada para o uso das ferramentas colaborativas. Em seu artigo Preparing teachers for technology integration: creating a culture of inquiry in the context of use (Preparando professores para a integração tecnológica: criando uma cultura inquisidora no contexto de uso), as professoras canadenses Michelle Jacobsen, Pat Clifford e Sharon Friesen descrevem algumas das possíveis causas para as dificuldades encontradas no ambiente educacional contemporâneo: Aqueles em posições de liderança acadêmica geralmente possuem menos experiência com tecnologia que seus professores e, assim, nem sempre são capazes de prover o suporte necessário para as mudanças requeridas para a infusão efetiva de tecnologia nos locais de ensino. Quase sempre por padrão, visões de uso de tecnologia no ensino e na aprendizagem geralmente são criadas por especialistas em Tecnologia da Informação que não são educadores. Projetos de redes e sistemas de acesso por estudantes são determinados pelo que é padrão, fácil de manter e monitorar, e não por aquilo que é mais adequado para a educação (Jacobsen, Clifford e Friesen, 2002) Quando os alunos se deparam com um ritmo diferente daquele imposto pelo seu cotidiano, muitos sentem-se desmotivados. Eles necessitam de estímulos e desafios adequados a uma era de ubiquidade tecnológica e precisam de professores com quem possam dialogar em pé de igualdade. Entretanto, grande parte dos profissionais de ensino passaram por uma formação ainda considerada convencional, desprovida das tecnologias contemporâneas que são imprescindíveis para o ingresso no mercado de trabalho. Segundo a Dra. Maria Cândida Moraes, isso é causa de restrições a uma formação crítica e criativa: Embora quase todos percebam que o mundo ao redor está se transformando de forma contínua apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo o mun- Dispositivos móveis em ambientes didáticos 41 do, a grande maioria dos professores continua privilegiando a velha maneira como foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção do conhecimento que produz seres incompetentes, incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento (Moraes, 1997, p.16). A curiosidade dos jovens alunos de hoje não é diferente daquela dos jovens de gerações anteriores – o que muda em ritmo cada vez mais acelerado é a disponibilidade de novas tecnologias que permitem o acesso a uma quantidade de informação que cresce de forma exponencial. Afirmar simplesmente que o aluno contemporâneo não consegue manter sua atenção no professor é esquecer que, ontem, os alunos se distraiam durante as aulas trocando bilhetes às escondidas com meia dúzia de colegas, liam seus gibis escondidos nos livros didáticos e cochichavam sempre que os professores viravam as costas para escrever no quadro negro. Esses comportamentos naturais não são diferentes dos comportamentos dos jovens atuais. Os bilhetes foram substituídos pelos aplicativos de mensagens instantâneas, os gibis foram trocados pelo vasto conteúdo de entretenimento interativo disponível na internet e os cochichos cederam seus lugares às redes sociais acessadas a partir dos telefones inteligentes. Entretanto, enquanto os alunos evoluem rapidamente na medida em que novas tecnologias são introduzidas, a sala de aula e os métodos de ensino permanecem inalterados. A impressão de que o problema no ensino atual está na falta de interesse e capacidade de foco dos alunos mostra-se equivocada quando percebemos que, na prática, os jovens são extremamente adaptáveis aos avanços tecnológicos da sociedade – é a sala de aula que tem se mostrado incapaz de acompanhar o ritmo acelerado dos alunos que a frequentam. Há, por outro lado, um esforço de muitos professores para acompanhar a forma como seus alunos se comunicam. Vários deles publicam conteúdo de apoio em ferramentas colaborativas e mantêm contato com seus alunos através das redes sociais. Entretanto, os serviços digitais funcionam como um canal à parte do meio acadêmico convencional, um ambiente virtual para transmitir conteúdo adicional, não essencial à condução das disciplinas. Para esses professores, smartphones, tablets e computadores portáteis são fontes de distração que impedem que os alunos fixem sua atenção ao conteúdo lecionado e insistem que seus estudantes os usem como ferramentas de estudo apenas quando não estão em aula. Dessa forma, cada aula permanece uma atividade isolada, em que o professor assume o papel centralizador da informação enquanto demanda a atenção de seus alunos. Ainda assim, as tecnologias digitais de comunicação aumentaram consideravelmente o contato entre professores e alunos nos horários extraclasse. Segundo os professores Mark Piwinski, Mary Leidman e Mathew McKeague, da Universidade da Pennsylvania, “apesar de estudos indicarem que há benefícios sig- 42 Design para uma educação inclusiva nificativos na comunicação expandida entre docentes e estudantes, ela cria novas demandas enquanto obrigações e expectativas tradicionais se mantêm” (2010). Pesquisando o impacto do Facebook na comunicação entre professores e alunos, Piwinski e Leidman afirmam que: [...] os estudantes não usam o contato virtual de um modo muito diferente dos encontros cara-a-cara. Entretanto, os estudantes relataram que ficam mais satisfeitos com as interações online do que com aquelas presenciais. Hickerson e Gigolo (2009) argumentam que certas tecnologias, como as mensagens instantâneas, por exemplo, melhoram as experiências educacionais dos estudantes e melhoram a qualidade e a quantidade das interações com seus instrutores. [...] Os dados também sugerem que as mensagens instantâneas não reduzem as outras formas de comunicação. De um modo geral, estudantes e instrutores creem que elas funcionam com uma importante ferramenta educacional (2009) Os professores da atualidade precisam ser flexíveis para enfrentar os desafios de uma era em que seus alunos têm acesso ilimitado à informação. Mais do que simplesmente instruir os estudantes, eles agora precisam convencê-los a focar sua atenção nas tarefas demandadas, ensiná-los a lidar com as ferramentas de pesquisa e colaboração e ajudá-los desenvolver o pensamento crítico necessário para enfrentar um mundo competitivo em desenvolvimento acelerado. Um professor contemporâneo não pode mais se basear apenas em seu conhecimento acadêmico; ele precisa entender como seus alunos pensam para se antecipar às suas necessidades e, assim, prepará-los para lidar com tecnologias que ainda não foram desenvolvidas no exercício de carreiras que ainda não existem. CONCLUSÃO: A EVOLUÇÃO DA SALA DE AULA É evidente que vivemos, como em outras épocas de nossa história, um momento de transição que está mudando nossas relações com o ambiente, com o mercado, com a sociedade de maneira geral e, até mesmo, com nossos círculos familiares e de amizade. Segundo o Dr. Sugata Mitra, professor de Tecnologia da Educação na Universidade de Newcastle, uma das consequências mais importantes destas mudanças é a obsolescência do método tradicional de ensino. Mitra afirma que muitas das habilidades ensinadas nas salas de aula serão irrelevantes para as profissões exercidas nas próximas décadas e propõe um novo currículo como solução: O currículo só precisa de três elementos. Interpretação de textos é a habilidade mais crítica neste ponto da história para uma geração que lerá em telas para o resto de suas vidas. Habilidade de busca e recuperação de informação – se as pessoas souberem o que são palavras-chave ou se devem seguir um link, terão uma habilidade Dispositivos móveis em ambientes didáticos 43 importante. Se a aritmética é uma habilidade ultrapassada, esta é a que irá substituí-la. Finalmente, se uma criança sabe escrever e buscar informação, como ensiná-la a acreditar? Em nossas mentes adultas, cada um de nós tem um pequeno mecanismo que nos permite acreditar. Às vezes dizemos que algo é óbvio, às vezes é alguém que nos diz. Algumas vezes achamos que algo é besteira. O que é este mecanismo que existe em nossas mentes? Quão cedo na vida de uma criança podemos implantar este mecanismo em sua mente? Se pudermos fazer isso realmente cedo, então teremos armado essa criança contra a doutrina – não apenas a doutrina religiosa, mas em todas as suas formas. Acredito que o trabalho do educador neste mundo saturado de informação é dar às crianças uma armadura contra a doutrina, da mesma forma que outras gerações ensinaram seus filhos a usar uma espada ou a cavalgar (2011) Em muitas salas de aula, as mesmas tecnologias móveis que fazem parte do cotidiano dos jovens são barradas, tratadas como fontes de distração incapazes de agregar vantagens aos métodos de ensino consagrados. Aos alunos, muitas vezes, só resta o aprendizado autodidata – experimentando as ferramentas digitais, eles as integram às suas vidas extraclasse e, com pouco ou nenhum apoio formal da academia, levam-nas para o ambiente profissional. Sob a ótica acadêmica, esta é uma situação que carece de revisão. A cada ano, universidades formam novos profissionais que aprendem por conta própria a lidar com muitas das ferramentas digitais que passarão a utilizar em seus cotidianos. Este conhecimento está, cada vez mais, sendo acumulado fora das salas de aula e são passados adiante de maneira informal. O pesquisador Guilherme de Almeida Reis, após uma série de pesquisas de campo com profissionais da área de arquitetura da informação, destaca o impacto desse aprendizado informal no mercado: A primeira pesquisa de campo retratou um profissional jovem, que vive nos grandes centros metropolitanos, com formação predominante na área de Humanas e que desenvolveu seus conhecimentos sobre Arquitetura de Informação de maneira autodidata. Quase metade deles não segue qualquer metodologia nos seus projetos e, entre os que seguem, a maioria utiliza uma metodologia própria. [...] A formação autodidata que esses profissionais têm adotado, devido à falta de alternativas, não tem se mostrado eficiente (2007, p. 9). O meio educacional em nosso país deve considerar a formalização do uso das tecnologias que estão cada vez mais integradas às vidas dos alunos. Um ambiente acadêmico inovador, capaz de explorar o uso de metodologias participantes, do conhecimento interdisciplinar e, principalmente, do pensamento criativo como meios de produção, é imprescindível para que os futuros profissionais aprendam a lidar de modo crítico com a tecnologia que estará disponível em seu cotidiano. As ferramentas colaborativas da atualidade complementam muito bem as metodologias interdisciplinares que muitas escolas e cursos universitários come- 44 Design para uma educação inclusiva çam a aplicar. Além disso, a maior parte dos dispositivos móveis atuais possuem inúmeros sensores capazes de obter dados valiosos a respeito do ambiente que nos rodeia – esses sensores podem ser usados como ferramentas inovadoras para a geração de conhecimento, permitindo que cada aluno tenha acesso a um completo laboratório portátil para a realização de inúmeras experiências educacionais. Ao combinar as metodologias interdisciplinares com as tecnologias digitais disponibilizadas pelos dispositivos móveis da atualidade, o processo produtivo dos alunos pode ser otimizado, levando não apenas a resultados de qualidade, mas, acima de tudo, a uma melhor preparação para um mercado profissional cada vez mais exigente. Ao aprender a lidar de modo crítico com os avanços tecnológicos que nos rodeiam, os jovens reunirão subsídios poderosos para moldar nossa sociedade de um modo mais consciente. Começamos a viver a realidade de uma grande inteligência coletiva. Com o crescimento da conectividade, largura de banda e velocidade dos computadores, estamos começando a vislumbrar uma visão da biosfera como um processador de dados recapitulado, mas um milhão de vezes mais veloz e com milhões de agentes com intelecto humano (nós mesmos) (1993). Ensinar nossos alunos a lidar com o grande fluxo de conhecimento de forma crítica é um passo importante na criação de um saber verdadeiramente global. REFERÊNCIAS JACOBSEN, M.; CLIFFORD, P.; FRIESEN, S. Preparing teachers for technology integration: Creating a culture of inquiry in the context of use. Contemporary Issues in Technology and Teacher Education. Norfolk, VA: AACE, 2002. DAVIDSON, C.; GOLDBERG, D. The future of learning: Institutions in a Digital Age. Cambridge, MA: The MIT Press, 2009. FERRAZ, C.R. O aluno do século XXI - Desafios e perspectivas para o ensino de ciência e biologia. Brasil Escola. 2011. Disponível em <http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/o-aluno-seculo-xxidesafios-pespectivas-para-ensino-. htm>. Acesso em: maio 2012. FILATRO, A. Design Instrucional Contextualizado. São Paulo: SENAC, 2004. GONDIM, S. M .G. Perfil profissional e mercado de trabalho: relação com a formação acadêmica pela perspectiva de estudantes universitários. 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Tem sido possível perceber um processo que corresponde a uma passagem da utilização e consumo de tecnologias convencionais para um cenário de construção de recursos digitais e produção de conteúdos midiáticos. Tais mudanças têm gerado alterações e rupturas significativas nos padrões de comunicação e interação, além de afetar modelos e práticas educacionais. 48 Design para uma educação inclusiva O filósofo francês Jean-François Lyotard (2011), por exemplo, analisa as transformações ocorridas na sociedade, imprimindo um destaque para as mutações no âmbito do saber observadas nas sociedades mais desenvolvidas e influenciadas pela multiplicação das TDIC. Pela ótica de Lyotard, são expressivos os impactos gerados no âmbito da construção e da circulação dos saberes neste contexto de desenvolvimento e apropriação de tais tecnologias. Para o autor, as tecnologias da informação e da comunicação afetam e modificam de modo intenso “[...] a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez” (p. 4). Assim, há de se considerar a repercussão de tais impactos no âmbito da ciência, da literatura, das artes, do design, entre outros campos do conhecimento. De modo particular, no âmbito da educação, são notáveis as possibilidades de mudanças que as TDIC oferecem aos novos modos de aprender e ensinar. Conforme Lévy, as tecnologias favorecem o surgimento de novas formas de acesso à informação, como “navegação por hiperdocumentos, caça à informação através de mecanismos de pesquisa, [...] exploração contextual através de mapas dinâmicos de dados”. Também dessa maneira, permitem “[...] novos estilos de raciocínio e de conhecimento, como a simulação, verdadeira industrialização da experiência do pensamento”. Segundo o autor, tais práticas potencializam as trocas de informação entre os grupos humanos e a construção colaborativa de conhecimento, concretizando o potencial de “inteligência coletiva” no espaço digital em rede. Lévy (2007, p. 28) assevera que a inteligência coletiva é “[...] uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. Assim, a inteligência coletiva pode ser compreendida como uma inteligência que se dedica ao reconhecimento das habilidades de cada indivíduo e à coordenação dessas habilidades, de modo a contribuir para o crescimento mútuo das pessoas. O foco na perspectiva da inteligência coletiva é coordenar as habilidades individuais a serem utilizadas de modo favorável à coletividade. Neste particular, a ação de coordenar as habilidades e a inteligência coletiva torna-se possível por meio da utilização das TDIC. Desse modo, é possível reconhecer que as TDIC vêm assumindo uma interface com características interativas que permitem aos usuários participar cada vez mais diretamente na utilização de recursos digitais, ou mesmo assumirem o papel dinâmico de produtores de conteúdo e não apenas de consumidores de tecnologias. Observamos também iniciativas na produção de recursos capazes de favorecer a participação cada vez mais ativa dos usuários. Assim, destacamos a necessidade de se promover estudos que analisem os usos e produções de TDIC, bem como refletir acerca de tais recursos e do seu potencial, a serem utilizados em favor da construção de novos saberes. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 49 Nessa perspectiva, observamos que o aspecto fundamental para a produção coletiva de conhecimento não está apenas nos objetos técnicos que favorecem a construção do saber. Está também na habilidade de utilizar os dispositivos e recursos tecnológicos em favor da inteligência coletiva, sendo essencial a atenção aos modos como são utilizados e produzidos. A interseção entre as TDIC e as ações em design, educação e comunicação pode ser reconhecida como uma possibilidade, entre outras existentes, que pode contribuir para a produção de AVA, considerando aspectos relacionados à interface, criatividade e potencialidades de uso. OS AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM (AVA) Os AVA são plataformas de ensino usadas na internet que pretendem transpor o espaço de sala de aula presencial para o ambiente virtual. No entanto, apesar desta proposição, é preciso distinguir não só os recursos disponíveis, mas também as experiências vivenciadas por alunos e professores em cada um destes ambientes. Ainda que os conteúdos ofertados na sala presencial e na virtual possam ser os mesmos, ambos se referenciam em distintos gêneros discursivos. Em um ambiente presencial de aula, ainda é comum encontrarmos os alunos em um papel passivo de aquisição de conhecimentos, no que Freire (1970) chamou de educação bancária. Nos ambientes virtuais, no entanto, é esperado do aluno um papel ativo na busca do conhecimento, representado por uma diretriz ativa de navegação, muitas vezes definindo as prioridades dos links a serem clicados (FARBIARZ; FARBIARZ, 2008). Por conseguinte, em um AVA há uma maior potencialidade às formas de leitura não lineares, a partir de conexões associativas (hipertextuais) entre diferentes elementos. Chartier (1994, p. 13) destaca que é preciso levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto, estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status inéditos, tão logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua interpretação. Outra importante distinção entre os ambientes virtuais e presenciais de ensino está na relação tempo-espaço. Ainda que atrelado a um projeto pedagógico e tendo uma tutoria direcionada, o AVA permite maior flexibilidade aos alunos e professores, que podem acessar conteúdos e atividades a qualquer hora e lugar. Por outro lado, esta flexibilidade impõe responsabilidades acadêmicas, que também extrapolam a relação tempo-espaço presencial. Como destaca Daumau (apud MENDES; OLIVEIRA, 2009), Pode-se dizer que o aluno do ensino tradicional vai à faculdade, tem 4 horas de aula por semana com o professor e depois só volta a vê-lo na próxima semana. A Educação a Distância [na qual o AVA é um importante instrumento], por sua vez, exige que o professor ministre as aulas, responda a todos os e-mails enviados pelos participantes e tenha um contato interativo constante. 50 Design para uma educação inclusiva Conquanto a presença física do professor e dos alunos na sala de aula presencial possibilite uma interação face a face, assim como o desenvolvimento de sensibilidades e afinidades, os AVA podem possibilitar aos alunos maior liberdade para formular perguntas e respostas ou mesmo para manifestar opiniões sobre os conteúdos do curso por meio de fóruns e chats, sem a intimidação que a figura do professor e o espaço de sala possam trazer. Neste sentido, ao compreender que as relações interpessoais que permeiam um ambiente, seja ele presencial ou virtual, participam da composição dos sentidos ali produzidos, percebemos que os elementos do ambiente onde estas relações operam, assim como as ferramentas discursivas – e, no caso, pedagógicas – em uso, compõem uma arquitetura discursiva que precisa ser compreendida pelos sujeitos discursivos presentes (alunos e professores) e os não presentes (instituição, pedagogos, designers instrucionais, entre outros). ANÁLISE DAS TEMÁTICAS DAS SESSÕES DE COMUNICAÇÕES INDIVIDUAIS Para promover uma reflexão acerca das produções ligadas à relação entre design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC com enfoque nos AVA, no grupo de trabalho “ações interdisciplinares de design, comunicação e educação no uso e produção de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) em processos de ensino aprendizagem”1 do evento SIMAR foram realizados os seguintes procedimentos: a) Seleção de artigos que tratem da relação design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC com base em temáticas correlatas; b) Leitura sistematizada dos artigos selecionados e análise dos estudos; c) Apresentação de proposições e possíveis ações entre design, comunicação e educação com foco no uso e produção de TDIC. Neste sentido, foram selecionados 22 artigos completos, apresentados e publicados em edições do evento entre anos de 2008 e 2015, que continham os termos educação a distância, ambiente, tecnologia, mídia e digital no título e/ou no resumo, como indicado na Tabela 4.1. 1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos os autores de comunicação que participaram dos GT, os resumos de seus trabalhos poderão ser acessados em: <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/ Caderno%20de%20Resumos%20V%20SILID%20IV%20SIMAR%202015.pdf>. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 51 Tabela 4.1: Publicações, edições e a quantidade de artigos selecionados. Edição Ano Artigos aprovados Artigos selecionados I SIMAR 2008 20 02 II SIMAR 2010 116 11 III SIMAR 2013 94 03 IV SIMAR 2015 146 06 A análise qualitativa de dados foi realizada por meio da classificação hierárquica descendente (CHD) com auxílio do programa Iramuteq2, buscandodesenvolver análises estatísticas sobre corpus textuais baseado no algoritmo proposto por Max Reinert (1990) para o software Alceste. O Iramuteq também realiza análises léxicas, disponibilizando contextos e classes de discursos caracterizados por seus vocabulários (CAMARGO; JUSTO, 2013) e análises por similitude entre palavras e a respectiva apresentação dos elementos em nuvem de palavras. Como primeiro procedimento de análise, foi realizado o cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados, em que há incidência de ao menos um dos seguintes termos: educação a distância, ambiente, tecnologia, mídia e digital. Estudos e produções apresentadas no I SIMAR (2008) Na edição do ano de 2008, foi apresentado um total de 20 artigos. Destes, foram selecionados dois artigos em diferentes grupos de trabalho. Tabela 4.2: Artigos selecionados do I SIMAR3 Título do artigo Autores Os recursos de educação a distância e os desafios para escolas e universidades. Carlos Eduardo A. Miranda, Rogério Moura, Heitor Gribl A tecnologia como aliada às aulas presenciais de PE em contexto Offshore Jane Cristina Duarte dos Santos No primeiro artigo, intitulado “Os recursos de educação a distância e os desafios para escolas e universidades”, discute-se a produção de narrativas verbais e não 2 Interface de R pour les analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires. 3 Artigos na íntegra disponíveis em: >https://pt.scribd.com/doc/35152549/Textos-Selecionados-do-II-SILID-e-I-SIMAR>. 52 Design para uma educação inclusiva verbais e de relatos de vivências, por meio do ambiente colaborativo TelEduc, para promover a transição do aluno estagiário da condição de observador para a de ator como forma de superar a opacidade institucional entre a universidade e a escola. O segundo artigo, “A tecnologia como aliada às aulas presenciais de PE em contexto Offshore”, apresenta algumas atividades elaboradas a partir da Ferramenta de Autoria do Professor ELO, desenvolvida dentro do projeto de Ensino de Línguas Online da UCPel, com o objetivo de preencher a falta das aulas no período de desembarque dos alunos, apresentando diferentes gêneros textuais, unindo língua e cultura em continuidade aos estudos de português realizados durante o embarque. Tabela 4.3: Cálculo de frequência nos resumos dos artigos selecionados do I SIMAR Forma Frequência Tipo Como 3 Advérbio Universidade 2 Nome Escola 2 Nome Aula 2 Nome Atividade 2 Nome Apresentar 2 Verbo Vivência 1 Nome Verbal 1 Adjetivo Unir 1 Verbo Figura 4.1: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do I SIMAR A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 53 Estudos e produções apresentadas no II SIMAR (2010) Na edição do ano de 2010, foi apresentado um total de 116 artigos. Desses, foram selecionados 11 artigos em diferentes grupos de trabalho. Tabela 4.4: Artigos selecionados do II SIMAR4 Título do artigo Autores Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no Brasil: uma análise da plataforma Eureka Raiane Nogueira Gama e Alexandre Farbiarz Redes sociais e educação Mariana de Souza Coutinho e Juliana Maria Carvalho O letramento crítico em ambiente Web 2.0: o processo de coautoração Nelson Mitrano Neto O uso de uma ferramenta colaborativa da internet como recurso didático: relato de uma experiência didática inovadora em um curso superior de tecnologia. Adriana Netto Silva Hipertexto como material didático para letramento digital na educação de jovens e adultos Dafne Barboza Cortez e Heitor Garcia de Carvalho O uso do YouTube e de blogs como ferramentas complementares ao livro didático Raquel Rodrigues A divulgação do Livro Didático na mídia eletrônica: recursos comunicativos e linguísticos André Lima Cordeiro Identidade e hibridismo na formação dos designers: cultura e mediações Barbara Jane Necyk Hipertexto e hipermídia no livro didático de língua portuguesa das séries iniciais do ensino fundamental Geandro Rocha Texto e imagem no livro didático Marcelo Araujo Produção de aulas de língua portuguesa em suporte digital: desafios de quem produz Ynah de Souza Nascimento e Carla Alexandre Barboza de Sousa Fonte: Dados da Pesquisa, 2015. 4 Artigos na íntegra disponíveis em: <http://www.letras.puc-rio.br/eventos_let/4silid/anais/III%20 SILID%20II%20SIMAR.pdf>. 54 Design para uma educação inclusiva O artigo intitulado “Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no Brasil” apresenta um levantamento e mapeamento de AVA no Brasil. Os autores promovem uma análise exploratória de cursos a distância online e discutem aspectos da interface gráfica de AVA utilizando conceitos de comunicação visual e design. Já o artigo “Redes sociais e educação” promove um levantamento de indícios da utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos, buscando compreender o potencial deste ambiente em processos de ensino-aprendizagem. A reflexão aborda as possíveis interações que as redes sociais oferecem aliando os recursos a um status lúdico, mais próximo do repertório do jovem discente. O artigo “O letramento crítico em ambiente Web 2.0: o processo de coautoração” buscou delinear e exemplificar uma proposta de operacionalização de um modelo instrucional para língua estrangeira. A proposta visa contemplar um currículo apoiado nos conceitos de instrução com base em conteúdo, tarefas e interdisciplinaridade via um trabalho colaborativo, em coautoria entre o professor e alunos, em ambiente da Web 2.0. O artigo “O uso de uma ferramenta colaborativa da internet como recurso didático” teve como objetivo relatar o desenvolvimento de uma experiência inovadora de ensino com o uso de uma ferramenta colaborativa da internet por estudantes de um curso superior tecnológico. Apresentam-se as potencialidades e limitações do uso do recurso wiki como suporte para o desenvolvimento de um trabalho voltado para a produção coletiva de conteúdo. No artigo “Hipertexto como material didático para letramento digital na educação de jovens e adultos”, os autores argumentam que na atualidade há muitas pessoas que ainda não sabem utilizar as TIC, que pouco sabem ou que gostariam de saber mais acerca delas. O estudo afirma ainda que muitos desses indivíduos encontram-se inseridos na Educação de Jovens e Adultos. Os autores analisaram alguns hipertextos que podem ser utilizados como recursos pedagógicos e buscar uma forma de letramento digital eficiente e adequada àquele público. Já o artigo “O uso do YouTube e de blogs como ferramentas complementares ao livro didático” se dedicou a analisar tecnologias disponíveis ou compartilhadas através da Web 2.0 tais como: blogs, YouTube e vídeos digitais como complementação do livro didático no ensino de inglês. A finalidade foi promover empoderamento, agenciamento e oportunidades para encontrar a língua-alvo em contextos sociodiscursivos autênticos e usá-la em práticas socioculturais. O artigo “A divulgação do Livro Didático na mídia eletrônica: recursos comunicativos e linguísticos” promove uma análise comparativa das páginas eletrônicas destinadas à venda e/ou divulgação de livros lidáticos de Espanhol de quatro editoras de grande porte atuantes no Brasil. Abordam-se questões que envolvem o estudo do gênero discursivo, de estratégias da linguagem e relativas às estratégias de marketing. No artigo “Identidade e hibridismo na formação dos designers: cultura e mediações”, a autora verifica como o campo do design se constitui na sua origem como palco do embate característico de países periféricos apontado por Canclini: a paradoxal relação entre mo- A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 55 dernismo e modernização. O texto afirma, ainda, que na atualidade observa-se o campo do design diante de novos desafios num cenário profuso, midiático e multicultural. No artigo “Hipertexto e hipermídia no livro didático de língua portuguesa das séries iniciais do ensino fundamental”, o autor investiga as apropriações conceituais sobre hipertexto e hipermídia realizadas na coleção Pensar e Viver da Editora Ática (Língua Portuguesa das séries iniciais do EF – PNLD/2010). O estudo tem como objetivo contribuir para a discussão das apropriações conceituais realizadas pelos livros didáticos e seu papel no letramento digital de estudantes. Já no artigo “Texto e imagem no livro didático”, o autor reconhece o livro didático como uma ferramenta de multimídia que reúne texto, ilustração, infografia, e fotografia. Este estudo, afirma que a eficácia desses elementos para aquisição de conhecimentos depende da elaboração um projeto editorial que leve em conta os processos cognitivos do leitor e a interação entre seus canais verbal e visual. Finalmente, no artigo “Produção de aulas de língua portuguesa em suporte digital: desafios de quem produz” são analisados os relatos de integrantes da equipe multidisciplinar da empresa Educandus e também de autoras de aulas digitais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio. Neste particular, o estudo promove uma reflexão acerca da produção de materiais multimídia com interface amigável e que facilitasse a construção de conhecimento por estudantes. Tabela 4.5: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR Forma Frequência Tipos Como 8 Advérbio Livro_didático 6 Nome Digital 5 Adjetivo Uso 4 Nome Língua_Portuguesa 4 Nome Hipertexto 4 Nome Ferramenta 4 Nome Ambiente 4 Nome Web_2 3 Nome Utilizar 3 Verbo Tecnologia 3 Nome Recurso 3 Nome Processo 3 Nome Pretender 3 Verbo Letramento 3 Nome (continua) 56 Design para uma educação inclusiva Tabela 4.5: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR (continuação) Forma Frequência Tipos Experiência 3 Nome Estudo 3 Nome Ensino_Fundamental 3 Nome Didático 3 Adjetivo Design 3 Nome Desafio 3 Nome Colaborativo 3 Adjetivo Brasil 3 Nome Aula 3 Nome Ambientes_Virtuais_de_ Aprendizagem 3 Nome Aluno 3 Nome YouTube 2 Nome Texto 2 Nome Séries_Iniciais 2 Nome Figura 4.2: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do II SIMAR A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 57 Estudos e produções apresentadas no III SIMAR (2013) Na edição de 2013, foi apresentado um total de 94 artigos. Desses, foram selecionados três artigos em diferentes grupos de trabalho. Tabela 4.6: Artigos selecionados do III SIMAR5 Título do artigo Autores Material didático digital para ensino de literatura Marly Fernandes Gêneros discursivos no ensino de japonês: material autêntico, tecnologia digital e motivação nos níveis iniciais Flávio Ricardo Medina de Oliveira A controvérsia sobre a substituição de material didático impresso pelo tablet em um curso de EAD Carolina Sousa do Nascimento Rabelo e Renato Caixeta da Silva O artigo “Material didático digital para ensino de literatura” apresenta uma proposta de ensino de literatura, tendo por base os gêneros discursivos digitais (microcontos e poemas digitais), objetos culturais híbridos que contemplam diferentes linguagens multimodais e hipermidiáticas e que podem atender às perspectivas dos multiletramentos e dos novos letramentos. O artigo “Gêneros discursivos no ensino de japonês: material autêntico, tecnologia digital e motivação nos níveis iniciais” trata de um estudo sobre os recursos utilizados no ensino da língua japonesa. Os autores indicam como hipótese que os problemas no atual formato da vasta maioria dos materiais didáticos de língua japonesa teriam um papel central no alto grau de desistência nos níveis iniciais. Assim, os pesquisadores apontam possibilidades para a melhoria de tal quadro, envolvendo gêneros textuais, material autêntico e tecnologia digital. Já o artigo “A controvérsia sobre a substituição de material didático impresso pelo tablet em um curso de EAD” é um estudo que tem como objetivo analisar as razões que levaram os alunos de um curso de Letras a distância a recusarem o tablet e, consequentemente, a exigirem o retorno do material didático impresso. As respostas aos questionários foram analisadas sob uma perspectiva discursiva, com base na linguística sistêmico-funcional. 5 Artigos na íntegra disponíveis em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/rev_discurso.php?strSecao=input0>. 58 Design para uma educação inclusiva Tabela 4.7: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do III SIMAR Forma Frequência Tipos Material 6 Nome Digital 5 Adjetivo Didático 4 Adjetivo Gênero 3 Nome Ensino 3 Nome Discursivo 3 Adjetivo Tecnologia 2 Nome Tablet 2 Nome Perspectiva 2 Nome Nível 2 Nome Literatura 2 Nome Japonês 2 Adjetivo Inicial 2 Adjetivo Impresso 2 Adjetivo Base 2 Nome Autêntico 2 Adjetivo Artigo 2 Nome Vasto 1 Adjetivo Textual 1 Adjetivo Tender 1 Verbo A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 59 Figura 4.3: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do III SIMAR Estudos e produções apresentadas no IV SIMAR (2015) Na edição do ano de 2015, foram apresentados 146 artigos. Destes, foram selecionados os seis artigos apresentados no GT 6.3 – “Ações interdisciplinares de design, comunicação e educação no uso e produção de TDIC em processos de ensino-aprendizagem”, coordenado por Alexandre Farbiarz e Alecir Francisco de Carvalho. Tabela 4.8: Artigos selecionados do IV SIMAR Título do artigo Autores As perspectivas interdisciplinares do Design e da Educação a Distância na produção de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) Alecir Francisco de Carvalho; Jackeline Lima Farbiarz e Alexandre Farbiarz Análise de um livro de “Português Instrumental” em curso EAD de Pedagogia: gêneros textuais, hipertexto e intertextualidade em perspectiva dialógica Jefferson Evaristo do Nascimento Silva A constante presença do Facebook no espaço escolar Fernanda Ribeiro Barros e Alexandre Farbiarz A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo de caso do projeto GENTE Wagner da Silveira Bezerra e Alexandre Farbiarz PNLD Ciências: uma análise sobre a dificuldade de inclusão de objetos digitais de aprendizagem nas coleções didáticas do ensino fundamental Marcos André Franco Martins e Alice Garcia Gomes Paráfrase e polissemia nas diferentes apropriações de tecnologia digital na escola pública em Campinas/SP Davi Faria De Conti 60 Design para uma educação inclusiva No artigo “As perspectivas interdisciplinares do Design e da Educação a Distância na produção de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs)”, os autores promovem uma reflexão acerca da relação entre design, educação e comunicação, e buscam analisar a abrangência do design na produção de TDIC. Discutem as metodologias do design e da educação a distância com vistas a otimizar a produção de AVA destinados ao ensino presencial e a distância. São analisados AVA utilizados em quarenta universidades internacionais e adiantam parte da pesquisa em que consideram como pressuposto certo grau de isolamento entre o design e a educação a distância em metodologias de produção de AVA. No artigo “Análise de um livro de ‘Português Instrumental’ em curso EAD de Pedagogia: gêneros textuais, hipertexto e intertextualidade em perspectiva dialógica”, o autor analisa e problematiza o livro didático da disciplina de Português Instrumental do curso de Pedagogia a distância, oferecido pela UNIRIO, observando sua constituição dialógica, hipertextual e intertextual a partir de seus gêneros textuais e elementos multi(inter)semióticos. O autor explicita que pesquisas sobre materiais didáticos são, ainda hoje, uma ação necessária e atual, por sua importância teórico-metodológica. Já no artigo “A constante presença do Facebook no espaço escolar” os autores apresentam o cotidiano de uma escola estadual em Niterói quanto ao uso do Facebook pelos alunos por meio dos dispositivos móveis, considerando conceitos e aspectos comunicacionais como espaço e ciberespaço, cotidiano, lugar e não lugar. A pesquisa se desenvolve por meio de observações dos alunos e entrevistas com professoras da escola. Como principal resultado, é confirmada uma presença considerável de celulares no espaço da escola e, por meio deste recurso, o acesso ao Facebook tem se tornado cada vez mais constante. Por fim, é destacada a preocupação de como a escola está lidando com os impactos desta realidade nos processos de ensino-aprendizagem. O artigo “A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo de caso do projeto GENTE” discute alguns aspectos das interconexões entre os campos da comunicação e da educação em diálogo com outros que atuam nas áreas da mídia educação e educomunicação, a partir dos resultados de investigação sobre a adaptabilidade de educandos e educadores frente à reconfiguração tecnológica que ocorre com a presença das TIC utilizadas enquanto ferramenta pedagógica no ambiente de ensino-aprendizagem do Projeto GENTE (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias) da SME–RJ. A pesquisa de cunho qualitativo teve como aparato metodológico a observação participativa e entrevistas em profundidade; os dados coletados foram analisados com base na técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 61 No artigo “PNLD Ciências: uma análise sobre a dificuldade de inclusão de objetos digitais de aprendizagem nas coleções didáticas do ensino fundamental”6, os autores destacam que no ano de 2013 um grande número de objetos digitais de aprendizagem foi reprovado por não cumprir os critérios do Guia de Livros Didáticos: PNLD 2014, do Ministério da Educação. Tal fato prejudicou o anexo de conteúdo no formato digital aos livros de Ciências do Ensino Fundamental. O estudo contribui para amenizar a dificuldade no cumprimento dos critérios a partir da análise destes à luz de referências bibliográficas sobre design da interação, sistemas colaborativos, investigação científica e teorias da aprendizagem. Um conjunto de recomendações é elaborado para orientar a produção de objetos de aprendizagem e são apresentados exemplos de objetos reais que cumprem ou não os critérios analisados. E, finalmente, o artigo “Paráfrase e polissemia nas diferentes apropriações de tecnologia digital na escola pública em Campinas/SP” expôs o resultado de uma pesquisa de doutorado sobre o papel de tecnologias digitais nas relações educacionais. Seu objetivo foi analisar as apropriações de dispositivos digitais que os sujeitos promovem e como eles refletem, deslocam e ressignificam relações de poder que permeiam a sala de aula. Os dados foram gerados em 2014 com entrevistas de professores e observação de espaços e práticas orientados por uma metodologia qualitativa. A abordagem do corpus embasou-se na análise de discurso materialista, destacando como professores, alunos, instituição e espaço significam usos de dispositivos digitais como uma negociação de seus papéis na sala de aula. Tabela 4.9: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR Forma Frequência Tipos Como 8 Advérbio Digital 6 Adjetivo Design 6 Nome Produção 5 Nome Pesquisa 5 Nome Espaço 5 Nome (Continua) 6 O artigo intitulado “PNLD Ciências: Um estudo para auxiliar o cumprimento dos critérios exigidos para a inclusão de objetos digitais de aprendizagem em coleções didáticas do ensino fundamental” está disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/download-pdf/266/22582>. 62 Design para uma educação inclusiva Tabela 4.9: Cálculo de frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR (continuação) Forma Frequência Tipos Ao 5 Advérbio Escola 4 Nome Comunicação 4 Nome Análise 4 Nome Ambientes_Virtuais_de_ Aprendizagem 4 Nome Aluno 4 Nome Resultado 3 Nome Relação 3 Nome Professor 3 Nome Presença 3 Nome Partir 3 Verbo Observação 3 Nome Objeto 3 Nome Não 3 Advérbio Metodologia 3 Nome Material 3 Nome Facebook 3 Nome Entrevista 3 Nome Educação_a_Distância 3 Nome Dispositivo 3 Nome Discutir 3 Verbo Critério 3 Nome Analisar 3 Verbo Analisado 3 Adjetivo Utilizar 2 Verbo Uso 2 Nome Textual 2 Adjetivo Tecnologias_digitais 2 Nome A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 63 Figura 4.4: Nuvem de palavras dos resumos dos artigos selecionados do IV SIMAR Perspectivas na interseção entre design, comunicação e educação Para obtermos uma visão geral das temáticas privilegiadas nos 22 artigos selecionados, promovemos primeiro uma análise de conteúdo categorial (BARDIN, 1977), reconfigurando as unidades de registro em “forma” de categorias por similaridade semântica. Tabela 4.10: Frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados Categorias Frequência Tipo % ∆% Ambiente (AVA’s; Espaço; Escola; Universidade) 24 Nome 9% 9% Tecnologia (Tecnologias_digitais; Digital 23 Nome 8% 17% (continua) 64 Design para uma educação inclusiva Tabela 4.10: Frequência de palavras nos resumos dos artigos selecionados (continua) Categorias Frequência Tipo % ∆% Como 19 Advérbio 7% 24% Material (Livro_didático) 15 Nome 5% 29% Ferramenta (Facebook; Youtube; Web_2) 12 Nome 4% 34% Uso (Utilizar) 11 Nome 4% 38% Ensino (Ensino_Fundamental; Séries_ Iniciais; Educação_a_Distância) 11 Nome 4% 42% Sujeitos (Aluno; Professor) 10 Nome 4% 45% Análise (Analisar; Analisado) 10 Nome 4% 49% Design 9 Nome 3% 52% Didático 9 Adjetivo 3% 55% Disciplinas (Japonês; Língua_ Portuguesa; Literatura 8 Adjetivo 3% 58% Pesquisa (Estudo) 8 Nome 3% 61% Atividade (Aula) 7 Nome 3% 64% Dispositivo (Tablet) 5 Nome 2% 65% Produção 5 Nome 2% 67% Texto (Textual) 5 Nome 2% 69% Comunicação 4 Nome 1% 70% Hipertexto 4 Nome 1% 72% A título de recorte, estabelecemos como base as categorias com frequência maior ou igual a 10, tendo em vista representarem cerca de 50% do total de registros, dentre os 277 levantados. Nota-se, assim, que os 22 estudos selecionados, dentre os 376 apresentados nas quatro edições do SIMAR, privilegiaram a discussão dos ambientes de aprendizagem, virtuais e presenciais; o uso das TDIC e dos materiais didáticos, sejam impressos ou digitais. Percebe-se, também, uma grande preocupação em “como” “utilizar” tais recursos no ensino e a necessidade de estudos e análises a este respeito. Apesar de estar entre as categorias destacadas, merece preocupação que os sujeitos diretamente envolvidos no processo de ensino-aprendizagem tenham uma frequência de valor 10, representando somente 4% da frequência total do levantamento. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 65 Pretendemos, então, apresentar um panorama do surgimento de novos ambientes no contexto de desenvolvimento e incorporação de TDIC em processos educativos, tendo em vista estabelecermos as bases para uma discussão acerca da relevância de se pensar ações que envolvam a relação entre as áreas do design, comunicação e educação no uso e na construção de ambientes virtuais de aprendizagem em processos educativos presenciais e a distância. O surgimento de novos AVA Existem diversos ambientes virtuais em uso no mundo. Particularmente no Brasil há uma diversidade de ambientes criados por instituições nacionais ou desenvolvidos no exterior e traduzidos. Em 2009, Oliveira e Mendes listaram os mais conhecidos então: Tabela 4.11: Principais AVA utilizados no mundo Moodle OLAT TelEduc Blackboard Sakai CLE WordCircle ATutor Learn Loop AulaNet Ilias Lon-Capa Eureka Claroline .LRN Lotus LMS Dokeos Site@School WebCT Fonte: Oliveira e Mendes (2009). Sete anos depois, tem sido possível notar o surgimento de novos AVA, bem como novas proposições de práticas educativas mediadas por tecnologias da informação e da comunicação. Para citar alguns exemplos, temos Moodle e Blackboard, que são os principais ambientes em uso no mundo, e os ambientes Edmodo, edX, Coursera e Udacity, que surgem como ambientes díspares aos já tradicionais e que vêm sendo amplamente utilizados em propostas de cursos na modalidade a distância. As plataformas Moodle7 e Blackboard podem ser classificadas como learning management system (LMS)8 ou plataformas de e-learning. Esses sistemas disponibilizam 7 Modular object oriented distance learning, ou educação a distância modular orientada por objeto. 8 Sistemas de gestão da aprendizagem. 66 Design para uma educação inclusiva recursos não somente com propósitos educacionais, mas também de gestão de cursos, professores e alunos. Além desses, temos ambientes como o EdX, Coursera e Udacity, que são plataformas utilizadas em massive open online courses (MOOC)9. Tais cursos se caracterizam pelo grande volume de estudantes envolvidos em uma proposta de formação conduzida por modelos de autoavaliação. Normalmente são cursos abertos, sem certificado e gratuitos. Já o Edmodo é definido como “[...] uma rede social educacional dedicada a estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio” (2015, n. p.). Os LMS Os learning management system (LMS)10 são plataformas normalmente desenvolvidas por instituições com recursos e ferramentas semelhantes aos de escolas e universidades, permitindo o controle de acesso e o acompanhamento das atividades realizadas por alunos e professores nos cursos. Elas se caracterizam por possuírem dois componentes básicos: o pedagógico e o administrativo. O componente pedagógico se refere à abordagem na qual a plataforma foi criada, o que normalmente transparece nos recursos didáticos disponíveis. Já o componente administrativo se refere aos recursos que Permitem o gerenciamento de cursos e atividades; o acompanhamento da trajetória de alunos; a publicação e acesso a conteúdos, atividades e avaliações; a reunião de alunos e professores em turmas e a utilização de diversas ferramentas de comunicação entre outras funcionalidades (FARBIARZ; FARBIARZ, 2008, p. 1). O ambiente virtual de aprendizagem Blackboard O Blackboard11 é um sistema comercial de fonte fechada, originalmente desenvolvido em inglês pela empresa Blackboard Inc., que atua como produtora e fornecedora de softwares e serviços para a educação online. Trata-se de um ambiente de caráter proprietário que demanda que as instituições que o utilizam estabeleçam um contrato de licença. Ele apresenta recursos para gestão de cursos, suporte de instrução, meios de comunicação e gerenciamento de conteúdo em uma estrutura não modular de configuração limitada. Em uma rápida investigação, é possível perceber que o sistema é bastante funcional, sendo que todas telas de interação têm estruturas muito semelhantes, tanto na disposição dos elementos quanto no uso de cores. Segundo informação de seus desenvolvedores 9 Cursos online abertos e massivos. 10 Sistemas de gestão da aprendizagem (SGA) 11 http://blackboard.grupoa.com.br/ A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 67 [...] é líder no setor de soluções de e-learning, atendendo 72% das 200 maiores universidades do mundo. Sediada em Washington, DC, e criada em 1997, a Blackboard conta com escritórios na América do Norte, Europa, Ásia, Austrália e América do Sul (BLACKBOARD, 2016). A partir de uma análise da plataforma, Farbiarz e Farbiarz (2008) perceberam que, estruturalmente, todas as telas do ambiente são organizadas em molduras, o que, por um lado, permite uma boa organização espacial e, consequentemente, dos seus recursos; mas, por outro lado, esta estrutura limita a personalização do aspecto visual-gráfico. Neste sentido, transparece uma estrutura de baixa flexibilidade, associando indiretamente sua proposta pedagógica a um ensino pouco flexível, mais tradicional. O ambiente virtual de aprendizagem Moodle Já o Moodle12, ainda que pertença à mesma categoria que o Blackboard, é um software livre13 open source14 desenvolvido pelo educador norte-americano Martin Dougiamas, com base no Construcionismo Social (Pulino Filho, 2007, p. 5). Ele é definido como “uma plataforma de aprendizagem projetada para fornecer aos educadores, administradores e alunos um sistema integrado onde é possível criar ambientes de aprendizagens personalizados” (MOODLE, 2015). O Moodle tem como objetivo o gerenciamento do aprendizado e do trabalho colaborativo em ambiente virtual, permitindo a criação e administração de cursos online, grupos de trabalho e comunidades de aprendizagem. Segundo Rasera e Japur (2005, p. 21), partindo de um conjunto de críticas ao fazer científico, as propostas construcionistas buscam ressaltar a especificidade cultural e histórica das formas de conhecermos o mundo, a primazia dos relacionamentos humanos na produção e sustentação do conhecimento, a interligação entre conhecimento e ação e a valorização de uma postura crítica e reflexiva. Como observam Farbiarz e Farbiarz (2008, p. 10), o Moodle “é um programa modular altamente configurável em sua instalação”, oferecido gratuitamente 12 https://moodle.org/?lang=pt_br 13 A Free Software Foundation considera um software como livre quando atende aos quatro tipos de liberdade para os usuários: 1) a liberdade para executar o programa para qualquer propósito; 2) a liberdade de estudar o software; 3) a liberdade de redistribuir cópias do programa de modo que você possa ajudar o seu próximo; 4) a liberdade de modificar o programa e distribuir estas modificações, de modo que toda a comunidade se beneficie. Fonte: https://www.fsf.org/pt-br. 14 Fonte aberta, código aberto, ou código livre, acessível a todos para utilização gratuita e modificações. 68 Design para uma educação inclusiva na internet e sustentado por uma comunidade de usuários que desenvolve e disponibiliza correções e atualizações em várias línguas. Além disso, enquanto outros SGCs15 se estruturam em um modelo de conteúdo que encoraja os professores a carregar uma infinidade de conteúdos estáticos, o ambiente Moodle enfoca o trabalho em ferramentas para discussão e compartilhamento de experiências. Assim, a ênfase está não em distribuir informação, mas em compartilhar idéias e engajar os alunos na construção do conhecimento. (Pulino Filho, 2007, p. 5-6). Farbiarz e Farbiarz (2008, p. 10) observaram que, com base em sua proposta pedagógica, neste ambiente há um enfoque na disponibilização de recursos interativos e comunicacionais. Por outro lado, apesar da flexibilidade na sua configuração, as janelas também são estruturadas em molduras, limitando a personalização visual gráfica do ambiente. Os MOOC Os MOOC surgiram no ano de 2008, a partir da iniciativa do educador e pesquisador George Siemens e do designer Stephen Downes, que ministraram um curso online sobre conectivismo e conhecimento conectivo para cerca de 2.300 estudantes a partir de um curso pago para 25 alunos da Universidade de Manitoba, em (Winnipeg, Canadá). A iniciativa se diferenciou dos cursos tradicionais na modalidade a distância pelo fato de atingir uma quantidade superior de estudantes em relação aos cursos a distância tradicionais. Além disso, a proposta também não seguia os padrões de agrupamento em pequenas turmas, como usados nos cursos presenciais. No entanto, foi Dave Cormier, pesquisador, advogado online e líder do Projeto de Gestão de Relacionamento com o Estudante na universidade de Prince Edward Island (Charlottetown, Canadá), quem cunhou o termo MOOC. Em sua concepção, os ambientes utilizados pelos MOOC são plataformas que demandam características para a formação de um grande volume de estudantes, dedicadas a um formato de cursos abertos, fundamentados na teoria do aprendizado conectivista de George Siemens (2005). Para o pesquisador, conectivismo é a integração de princípios explorados pelo caos, rede, e teorias da complexidade e auto-organização. A aprendizagem é um processo que ocorre dentro de ambientes nebulosos onde os elementos centrais 15 Sistemas de Gestão de Cursos, outra designação para SGA. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 69 estão em mudança – não inteiramente sob o controle das pessoas. A aprendizagem (definida como conhecimento acionável) pode residir fora de nós mesmos (dentro de uma organização ou base de dados), é focada em conectar conjuntos de informações especializados, e as conexões que nos capacitam a aprender mais são mais importantes que nosso estado atual de conhecimento. (p. 5, tradução nossa). A grande quantidade de alunos envolvidos em um curso no formato MOOC demanda uma intensa interação entre os estudantes. Diferentemente dos moldes da educação a distância convencional, o modelo de avaliação em cursos MOOC ocorre usualmente a partir da realização de exercícios com questões objetivas, avaliações de postagens em fóruns e correção de atividades por pares e por especialistas, com a possibilidade de envio de comentários. Conforme Glance, Forsey e Riley (2013), as características que os cursos MOOC apresentam incluem a participação massiva de estudantes; acesso online e aberto, palestras formatadas em vídeos curtos combinados com quizzes16; avaliação e autoavaliação automatizadas; avaliação por pares e fóruns online como apoio à discussão. Alguns dos ambientes mais utilizados mundialmente como representantes dos MOOC são EdX (2015), Coursera (2015) e Udacity (2015). O ambiente virtual de aprendizagem edX O ambiente virtual edX17 foi criado em 2012 e é mantido pela Universidade de Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos. Seu objetivo é oferecer cursos e estudos abertos e online, em formato open source (edX, 2015). A oferta de cursos ocorre por meio da associação com outras instituições, em um formato de consórcio chamado de xConsortium, composto pelas universidades de Toronto, Berkeley, Hong Kong e Seul, entre outras 36 instituições. Por meio da plataforma EdX, as universidades e as instituições de ensino podem hospedar e oferecer cursos autorais e disponibilizá-los ao público em geral. Além disso, as instituições associadas também utilizam a plataforma para pesquisar como os estudantes aprendem e como as tecnologias podem aprimorar os processos de ensino-aprendizagem Os mantenedores da edX explicitam que os objetivos desta plataforma estão alicerçados em torno da proposta de torná-la um recurso no qual estudantes possam aprender de modo colaborativo e abrangente na internet. Expõe, assim, 16 Trívias, conjuntos de perguntas sobre conhecimentos gerais, normalmente utilizados em jogos sociais. 17 https://www.edx.org/ 70 Design para uma educação inclusiva seus objetivos: “Expandir o acesso à educação para todos, melhorar o ensino e a aprendizagem presencial e online e ensino e aprendizagem avançada através da investigação” (EDEX, 2015). Já os princípios estabelecidos são “sem fins lucrativos, plataforma de código aberto, colaborativa, financeiramente sustentável”. O ambiente virtual de aprendizagem Coursera O ambiente Coursera18 foi criado pelas universidades norte-americanas de Stanford, Princeton, Michigan e Pennsylvania, possuindo atualmente cerca de 90 instituições associadas à proposta. No Brasil, temos a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afiliadas à proposta e ofertando cursos gratuitos a distância em diversas áreas do conhecimento (COURSERA, 2015, s/n). De modo geral, os cursos oferecidos no ambiente Coursera são disponibilizados no formato de videoaulas gravadas e veiculadas de modo linear por meio da transferência de arquivo (streaming19). São realizados testes online automatizados, no formato de pergunta-resposta, e avaliações por estudantes matriculados e por professores dos cursos. O desenvolvimento de avaliações por estudantes colegas é uma técnica adotada nos cursos com o objetivo de promover a interação entre os estudantes-usuários e viabilizar a correção das atividades. Segundo o consórcio institucional (COURSERA, 2015), a proposta de cursos nesta plataforma é baseada em métodos de ensino delimitados em quatro fundamentos: a eficácia da “aprendizagem online”; “pedagogia de domínio”; “avaliação entre colegas” e a “educação mista”. No caso da aprendizagem online, os idealizadores afirmam que este formato de ensino é mais eficaz que os métodos tradicionais de ensino. A pedagogia de domínio preconiza que os estudantes necessitam dominar determinado tema antes de passar para temas mais avançados. Nesse caso, se um conceito não for compreendido pelo aluno, o feedback é imediato e sequencialmente são oferecidas atividades em versões alternativas, de modo que o estudante possa fazer e refazer as tarefas até dominar o conteúdo. A avaliação entre colegas é baseada no fato de que muitos cursos possuem atividades significativas que não podem ser corrigidas automaticamente por computadores. Neste caso, o ambiente utiliza um método no qual os estudantes podem avaliar e enviar seus comentários acerca dos trabalhos uns dos outros. Finalmente, a educação mista fundamenta-se na ideia de que a parceria entre a metodologia 18 https://pt.coursera.org/ 19 Fluxo de mídia, forma de distribuição de dados, especialmente vídeos, em que os arquivos ficam hospedados em um servidor, não sendo transferidos por meio de pacotes de informação para o computador do usuário, permitindo o acesso do usuário às imagens enquanto são transferidas. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 71 específica das instituições associadas é capaz de proporcionar aos estudantes uma experiência significativa de aprendizado, ampliando o envolvimento, a frequência e seu desempenho. Avaliando a plataforma, notamos que as funcionalidades e as estratégias adotadas revelam a necessidade de um perfil de estudante com habilidade em se adaptar a um modelo de ensino diferente do formato convencional, como: disciplina com os estudos, comprometimento com as atividades, autonomia e capacidade de gerenciamento do ritmo de seu aprendizado. O ambiente Edmodo como uma rede social educacional O ambiente Edmodo20 foi construído no ano de 2008 e, embora seja de caráter proprietário, possibilita o acesso e uso gratuito de suas funcionalidades. Trata-se de um ambiente no qual os docentes e estudantes têm a possibilidade de publicar e compartilhar imagens, textos e arquivos de áudio e vídeo, promovendo a hipertextualidade. O Edmodo permite a inclusão de links, textos, enquetes e quizzes, em áreas de destaque do seu layout, facilitando a interação entre os usuários. O ambiente possui uma interface similar à das redes sociais digitais, tal como o Facebook, sendo de simples navegação. A plataforma possibilita o acompanhamento das atividades realizadas pelos estudantes-usuários e permite a atribuição de notas de aproveitamento nas atividades propostas. Alguns dos limites percebidos no ambiente Edmodo são a impossibilidade da produção colaborativa de textos, como o uso de wikis21, além da ausência de recursos de comunicação síncrona, como chats em tempo real, conversação e visualização de participantes com o uso de webcam. O ambiente dispõe de um espaço para montagem de uma biblioteca virtual, possibilitando ao educador disponibilizar arquivos e materiais educacionais a serem utilizados pelos estudantes-usuários. Por meio de um levantamento preliminar, constatamos que o Edmodo é uma plataforma que obteve entre os anos de 2012 e 2015 um crescimento exponencial no número de usuários cadastrados. O Gráfico 4.1 expõe a classificação dos AVA mais populares internacionalmente segundo os critérios de classificação realizados pelo diretório Capterra22 (2016), que classifica softwares seguindo critérios diversos, como quantidade de usuários e vínculo em redes sociais. Conforme a pesquisa, o Edmodo passou de 10 milhões de usuários em outubro de 2012 para 49 milhões em dezembro de 2015. 20 https://www.edmodo.com/?language=pt-br 21 Conjunto de páginas ou documentos online que podem ser acessados, editados e alterados coletivamente e sem custos. 22 www.capterra.com 72 Design para uma educação inclusiva Gráfico 4.1: Variação no número de usuários nos principais AVA Fonte: Capterra (2016), elaboração própria. Considerações sobre os AVA: dos modelos tradicionais às novas proposições É possível reconhecer que os ambientes virtuais Moodle e Blackboard são as plataformas que mais oferecem recursos voltados para uma concepção construtivista e interacionista de aprendizagem. Apesar de suas limitações, são os que apresentam características mais flexíveis quanto à configuração de seu layout e disponibilidade de funcionalidades. Consideramos a flexibilidade de código aberto do Moodle, que possibilita a configuração da plataforma sob demanda pelos gestores de cursos, uma funcionalidade que permite viabilizar uma interface gráfica simples e amigável aos tutores e estudantes-usuários. Estes ambientes oferecem a possibilidade de organização personalizada do espaço, tanto na inserção de recursos e funcionalidades quanto na colocação das atividades dos cursos. Há, também, uma variedade de recursos e ferramentas para a avaliação do aprendizado dos estudantes. Paralelamente, notamos características relevantes nos ambientes virtuais de aprendizagem mais recentes, como o Edmodo, edX e Coursera, que revelam aprimoramentos de interface e novas possibilidades de comunicação e interação. Nestes ambientes, não se encontra a flexibilidade da configuração e organização do layout como nos ambientes Moodle e Blackboard. Entretanto, os ambientes MOOC não demandam a manutenção de servidor próprio em sua hospedagem. A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 73 É possível observar, por exemplo, as funcionalidades oferecidas pelo ambiente Edmodo, que propiciam uma facilidade de aprendizagem na sua utilização e na localização de recursos, uma vez que este AVA possui uma interface semelhante àquelas utilizadas em redes sociais digitais. Além disso, o ambiente similar ao das redes sociais favorece ações de compartilhamento, comentários e curtidas das postagens de professores e estudantes. De modo especial, o Edmodo é utilizado na Educação Básica, possibilitando aos pais criarem um perfil de usuário associado aos cursos para acompanharem a evolução do aprendizado de seus filhos. Embora se encontrem algumas vantagens no ambiente Edmodo, também é necessário sinalizar seus limites. Além da rigidez quanto à possibilidade de reconfiguração de seu layout, notamos uma dificuldade em localizar atividades e materiais postados a longo prazo, em virtude da sobreposição de postagens no formato de timeline23. Os ambientes edX e Coursera, por serem plataformas criadas para um perfil de público de cursos massivos, apresentam características limitadas quanto à flexibilidade e navegabilidade. Nesses ambientes, predominam as características de atividades seguindo uma linguagem linear, estrutura discursiva característica de materiais didáticos impressos adotados no ensino presencial. A emergência de estudos relacionados à construção de ambientes virtuais de aprendizagem Diferentes estudos apresentados nas edições do SIMAR tiveram como intuito compreender os processos de construção de AVA, bem como as possibilidades de confluência da educação a distância, da comunicação e do design, em processos de aprimoramento da interface, do projeto pedagógico e das potencialidades de interação em tais plataformas. Para citar alguns, temos o estudo realizado por Miranda, Moura e Gribl (2008), que discute os recursos de educação a distância e os desafios para escolas e universidades; as reflexões de Gama e Farbiarz (2010)24, que dialogam com o panorama dos AVA no Brasil, analisando a plataforma Eureka; e as contribuições de Carvalho; Farbiarz e Farbiarz (2015) que se dedicam a compreender a relação entre design, educação e comunicação na construção de AVA. 23 Linha do Tempo, muito usual em redes sociais, apresenta as postagens de conteúdos e comentários em um mural vertical, no qual as postagens mais recentes são posicionadas acima das mais antigas, que acabam não sendo mais visualizadas pelo usuário. 24 O artigo na íntegra, intitulado “Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no Brasil: uma análise da plataforma Eureka” está disponível em: <http://www.letras.puc-rio.br/eventos_ let/4silid/anais/III%20SILID%20II%20SIMAR.pdf.>. 74 Design para uma educação inclusiva O estudo desenvolvido por Miranda, Moura e Gribl, (2008) teve como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a utilização do ambiente colaborativo TelEduc25, destinado à educação a distância e ao apoio ao ensino presencial em disciplinas de estágio supervisionado de formação de professores da Faculdade de Educação da Unicamp. O ambiente TelEduc é uma plataforma de ensino a distância desenvolvida pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) e pelo Instituto de Computação (IC) da Universidade Estadual de Campinas. O ambiente foi desenvolvido mediante a disposição de uma variedade de funcionalidades de comunicação, como correio eletrônico, grupos de discussão, mural, portfólio, diário de bordo, bate-papo, além de ferramentas e recursos para consulta às informações produzidas em um curso e visibilidade dos trabalhos desenvolvidos, como intermap e acessos. Os autores discutem três dimensões importantes que emergiram da experiência de trabalho com o ambiente colaborativo, sendo: 1) A possibilidade de abertura para reconstrução da relação institucional universidade/escola através da utilização, pelos alunos de licenciatura, de instrumentos de pesquisa qualitativa a partir de texto, som e imagem, por meio do ambiente colaborativo do TelEduc. 2) O surgimento e o fortalecimento no ambiente colaborativo TelEduc de uma interação entre professor (orientador de estágio), formador (PED – Programa de Estágio Didático para alunos de pós-graduação da Universidade) e alunos, fundamentada em narrativas verbais e não verbais, as quais propiciam uma nova postura de supervisão de estágio que reconfigura tempos e espaços educativos. 3) Uma primeira reflexão sobre os aspectos pedagógicos de formação de professores que emergem das narrativas construídas pelos alunos estagiários através das ferramentas de interação do ambiente colaborativo TelEduc (Ibid., p. 225). Por meio do estudo realizado, eles constataram que ambiente colaborativo, os recursos e os materiais de apoio contribuem significativamente para dilatar no tempo e no espaço o processo de formação de estudantes de licenciatura, realocando-os efetivamente para fora da sala de aula presencial tradicional. Já o estudo realizado por Gama e Farbiarz (2010) teve como mote o levantamento e mapeamento de AVA no Brasil. A partir da análise exploratória de cursos a distância online os autores pretenderam discutir aspectos da interface gráfica de AVA, utilizando conceitos de comunicação visual e design. O ambiente Eureka26 foi desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) como um recurso de mediação pedagógica e apoio à aprendizagem, 25 http://www.teleduc.org.br/ 26 https://eureka.pucpr.br/entrada/index.php?acao=carregando A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 75 ampliando a sala de aula no espaço e no tempo. De acordo com seus desenvolvedores “o Eureka permite a comunicação entre os participantes, a organização das tarefas, o depósito de trabalhos, o acesso aos conteúdos digitais, entre outros” (EUREKA, 2016). No estudo, os pesquisadores constataram que, na elaboração de um curso a distância online, é importante ampliar os esforços para o aprimoramento de aspectos referentes à interface gráfica e ao potencial de navegação do ambiente, superando a ênfase que é dada normalmente à produção de conteúdos verbais. E, além disso, eles observaram a necessidade de explorar a potencialidade da internet por meio do uso de hipertextos e hipermídias, proporcionando situações que possibilitem uma interação ampliada entre os usuários e o conteúdo. Finalmente, o estudo realizado por Carvalho, Farbiarz e Farbiarz (2015) teve como objetivo discutir a relação entre design e educação a distância com vistas a otimizar a produção de AVA. O estudo revelou ser um ponto positivo os AVAapresentem certa flexibilidade na configuração de sua interface, permitindo aos usuários adequá-los às suas necessidades, como no caso do Moodle e do Blackboard. Ademais, os autores acreditam ser importante que os AVA disponibilizem uma quantidade moderada de funcionalidades e recursos educativos, de modo a propiciar certa de facilidade de uso. Outra recomendação foi que os ambientes apresentem certa simplicidade de utilização, com um layout simples e amigável, defendendo a aproximação interdisciplinar entre os campos do design e da EaD com vistas a otimizar estratégias de construção de AVA favoráveis aos processos de ensino-aprendizagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando contrapomos os resultados da análise de frequência dos artigos selecionados das quatro edições do SIMAR e a discussão empreendida pelos autores destacados, frente ao referencial teórico e à análise da “evolução” dos ambientes virtuais de aprendizagem, é possível perceber algumas concordâncias e outras discordâncias. Se lembrarmos que os estudos selecionados privilegiaram uma discussão sobre os ambientes de aprendizagem, tanto virtuais quanto presenciais, assim como o uso das TDIC e dos materiais didáticos, igualmente os impressos e os digitais, parece incongruente percebermos que apenas três artigos dentre estes se dedicaram especificamente a analisar e discutir as possiblidades destas plataformas de ensino. A preocupação apontada entre os pesquisadores dos estudos - também professores – em como utilizar tais recursos no ensino e a necessidade de realizar pesquisas a este respeito, soma-se a esta incongruência, especificamente no âmbito do SIMAR. A realidade que bate à porta – ou à sala – dos professores das sociedades contemporâneas, urbanas e industrializadas, no que se refere à presença 76 Design para uma educação inclusiva das TDIC no espaço escolar e mediando os processos de ensino-aprendizagem, encontra eco entre diversos autores, alguns citados neste texto. Especificamente nos três artigos com enfoque em AVA, apresentados no SIMAR, a questão da cooperação, colaboração e interação esteve presente nas discussões sobre estes ambientes. Sua importância parece central mesmo para usuários e desenvolvedores de ambientes virtuais, haja vista o crescimento da participação dos MOOC, como ambiente de aprendizagem massiva e, em especial, o Edmodo, que obteve o maior crescimento em número de usuários desde 2014 e que reproduz a lógica das redes sociais, com foco na interação. Por outro lado, esses novos ambientes virtuais apresentam uma interface padrão com limitadas possibilidades de configuração, seja pelos alunos-usuários, seja pelos docentes-desenvolvedores. Esta constatação vai de desencontro às constatações dos autores dos três artigos com enfoque em AVA, que indicaram a necessidade de interfacesgráficas e de navegação amigáveis, mas também significativas e alinhadas às temáticas dos cursos nelas hospedados. Parece curioso pensarmos que, enquanto os espaços de ensino presenciais vêm caminhando em direção a propostas de humanização, personalização e flexibilidade, os espaços virtuais caminham no sentido oposto, privilegiando a massificação e pasteurização dos ambientes. Novamente, merece preocupação que, dentre as categorias destacadas na análise dos artigos apresentada neste texto, os sujeitos diretamente envolvidos no processo de ensino-aprendizagem representem somente 4% das preocupações dos pesquisadores. Neste sentido, cabe recuperar a pesquisa de Farbiarz e Farbiarz (2008) A educação a distância online: a dicotomia no ciberespaço, em que eles destacam que o aluno-usuário não somente acompanha o projeto didático de um curso EaD online pelo verbal como pode ser levado a uma imersão virtual através dos elementos gráficos que compõem o sistema de navegação e ambientação do curso. [...] O aluno-usuário é instigado e estimulado a buscar conteúdos, a explorar as atividades e tarefas não só por seu interesse e objetivos acadêmicos, mas pelo envolvimento multiparticipativo em um ambiente projetado visualmente, em seus aspectos gráficos e de navegação, que integrem o sentido do texto (Ibid., p. 13). O papel do design em associação com a educação e a comunicação parece central neste processo, mas representa somente 3% das preocupações dos autores selecionados no SIMAR, enquanto a comunicação representa somente 1% destas mesmas preocupações, como apresentado na Tabela 4.10. Enquanto não for fortalecida a relação entre estas três grandes áreas do saber, no que se refere ao uso e configuração das TDIC’s nos espaços de ensino- A distância ou presencial: novos ambientes de aprendizagem 77 -aprendizagem, sejam eles presenciais ou virtuais, será difícil promover mudanças nesta realidade. Cabe aos pesquisadores desenvolverem estudos nesta área que contemplem os sujeitos e os suportes em interação, levando em conta o papel dos agentes envolvidos neste processo e suas responsabilidades na promoção de espaços contemporâneos de aprendizagem. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BLACKBOARD. Sobre a BB. Disponível em: <http://blackboard.grupoa.com.br/ sobre-a-bb/>. Acesso em: 18 mai. 2016. CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia. Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513518, dez. 2013. 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CAPÍTULO 5 As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces dos sistemas instrucionais nas tecnologias das linguagens humanas Vicente Aguimar Parreiras, Doutor, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) Christiane Louise Leão, Mestre, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) INTRODUÇÃO Neste artigo debatemos as potencialidades pedagógicas e os impactos que as interfaces dos sistemas instrucionais baseados nas TDIC podem ter nas tecnologias das linguagens humanas, tema discutido em grupo de trabalho de mesmo nome, vinculado ao evento SILID/SIMAR. A finalidade de refletirmos sobre os 80 Design para uma educação inclusiva papéis de alunos, professores, tutores presenciais e a distância e das ferramentas disponibilizadas pelas TDIC no gerenciamento de ambientes de ensino e de aprendizagem presencial e a distância com vistas ao desenvolvimento das competências linguísticas e comunicativas de estudantes de diversos níveis de proficiência linguística nos âmbitos da produção e recepção escrita e oral de línguas. São notórios os impactos das interfaces que os sistemas instrucionais baseados nas tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC) têm nas tecnologias das linguagens humanas e são evidentes as potencialidades pedagógicas dessas TDIC na atual sociedade globalizada da informação. Consideramos que tais impactos refletem nos papéis de alunos, professores, tutores presenciais e a distância e das ferramentas disponibilizadas pelas TDIC no gerenciamento de ambientes de ensino e de aprendizagem presencial e a distância. Consequentemente, esses impactos afetam o desenvolvimento das competências linguísticas e comunicativas de estudantes de diversos níveis de proficiência linguística nos âmbitos da produção e recepção escrita e oral de línguas. Nessa perspectiva, a nossa reflexão neste artigo parte dos conceitos de ensino e de aprendizagem para discutir como estes interconectam-se com as TDIC disponíveis na sociedade da informação e impactam os ambientes de ensino e de aprendizagem. A noção de ensino pressupõe o conceito de aprendizagem e possibilita analisar diferentes abordagens de ensino dependentes de contextos variados que exigem letramentos específicos. Essas análises implicam também os perfis e papéis do professor em várias situações e modalidades de ensino e geram discussões e insights sobre a função do professor nos ambientes de aprendizagem presenciais e a distância, bem como sobre as teorias de aquisição e sobre a necessidade de o professor procurar ter uma prática informada para ser bem-sucedido. A interação e a construção social do conhecimento têm sido questões recorrentes nos estudos sobre aquisição de línguas e a agilidade da comunicação no meio digital pode ser atribuída às múltiplas formas de codificação da informação e de transmissão das mensagens que esse meio disponibiliza ao usuário. Enquanto Piaget defendia que a inteligência era desenvolvida internamente, conforme a evolução da aprendizagem, Vigotsky argumentava que o desenvolvimento sucedia à aprendizagem. Uma de suas convicções é a de que qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro, no nível social, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (intersubjetivo) e, então, internamente na criança (intrasubjetivo). Todas as funções superiores se originam das relações reais entre indivíduos. O meio ambiente aparece como ponto principal nas postulações de Freire. Refletindo sobre o processo de interação do homem com o meio, a partir da sociedade As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 81 brasileira, Freire (1987, p. 73) enfatiza a importância da contextualização dos tópicos a serem abordados de forma interativa na sala de aula de acordo com o cotidiano e com os valores dos alunos. Nesse sentido, o autor afirma que “o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos, pela realidade, portanto, na intercomunicação”. Essa noção de educação opõe-se ao modelo que o autor denomina “educação bancária”, em que o professor é detentor do saber e o aprendiz é um receptor passivo. As implicações da teoria sociocultural para o ensino e aprendizagem de línguas apontam a interatividade como sendo a finalidade do processo pedagógico. Na concepção desses autores, a interatividade possibilita a interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento mediados por “instrumentos técnicos, mecânicos e psicológicos” (VYGOTSKY, 1984). E é neste processo interativo que, segundo Vigostsky, a aprendizagem se dá. Pesquisadores dos processos de aprendizagem reconhecem, também, que quando há produção de output compreensível, há também aquisição de conhecimento (SWAIN, 1985). A autora (ibid.) defende que ao responderem perguntas do professor ou dos colegas, ao levantarem questionamentos e tecerem comentários, os aprendizes se envolvem ativamente na negociação de significado. A atribuição de significados aos insumos recebidos pelo aprendiz torna esse input compreensível, o que é de grande importância para que a aquisição do conhecimento se dê (KRASHEN, 1985). DISCUSSÕES Tendo em vista que as teorias de aquisição, aprendizagem e produção de conhecimentos são unânimes em afirmar que a interação é um fator sine qua non para a aprendizagem, e considerando também que há consenso sobre a importância do input significativo bem como da produção para que ocorram aprendizagens bem-sucedidas, as discussões neste artigo se dão sob as perspectivas construtivista e sócio-interacionista de ensino, conforme preconizam Piaget, Vygotsky, Freire, Ellis (interactional hypothesis), Krashen (input hypothesis) e Swain (output hypothesis). Assume-se como base de interpretação os designs instrucionais utilizados em dois contextos de aprendizagem: um a distância – disciplina Práticas de Letramentos: identidade e formação do professor, ofertada na modalidade EaD na Pós-Graduação Stricto Sensu em Estudos de Linguagens do CEFET-MG (SCHYRA, 2016); e outro presencial – disciplina Língua Inglesa na Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG. Ambas as disciplinas foram ministradas pelo Professor Vicente Aguimar Parreiras utilizando o Modelo Interacional Adaptativo Complexo de Aprendizagem (MIACA) (PARREIRAS, 2015) na perspectiva do conceito de flipped classroom. 82 Design para uma educação inclusiva Essas disciplinas foram idealizadas sob as óticas construtivistas piagetiana e vygotskiana para promover a construção social do conhecimento através da interação dos participantes. Seus preceitos teóricos atuam nos contextos de aprendizagem virtual ou presencial em que os recursos pedagógicos destinam-se ao desenvolvimento de atividades coletivas. As interações com o meio e/ou com os participantes do processo de ensino e aprendizagem promovem assimilações, acomodações e constantes (des)equilíbrações nos esquemas mentais dos alunos. Segundo Piaget (1978), a interação do indivíduo com o meio promove o conhecimento, pois, em contato com o desconhecido, busca suas estruturas mentais para identificar o que é novo. Tal processo é definido como assimilação, em que o sujeito incorpora novas informações a conhecimentos preexistentes. Impossibilitado de assimilar o novo, o indivíduo modifica seus esquemas mentais para acomodar o desconhecido a uma nova estrutura cognitiva. A partir desse instante, há a transformação do conhecimento prévio em novo, com o equilíbrio entre a assimilação e acomodação – fenômeno definido como equilibração. Por sua vez, Vygotsky (1979) preconiza que o conhecimento advém de interações sociais através da linguagem, que permite desenvolver pensamentos e ações, atuando como uma ferramenta cultural dessas interações em sociedade. Segundo esse pesquisador russo, a interação de um aprendiz com um indivíduo mais competente ocorre com a atuação deste sobre a zona de desenvolvimento próxima daquele. Frente a habilidades novas ou além da capacidade do aluno, o educador interage com o educando para promover a realização de uma tarefa. A zona de desenvolvimento proximal, de acordo com Vygotsky, é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma-se determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas em colaboração com indivíduos mais capazes. Dessa forma, ao internalizar as informações advindas do par mais hábil, o discípulo amplia seu potencial cognitivo para utilizá-lo em ações futuras. Wood, Bruner e Ross (1976) desenvolveram o conceito de scaffolding (andaime) a partir das definições da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky. Para os autores, o termo remete à ideia de construção de um andaime por se tratar de uma estrutura temporária, utilizada para facilitar o acesso a um ponto superior, gradualmente retirada quando não mais necessária. Nesse cenário, Wells (In: Daniels, H., 2003) reformula a própria concepção inicial da ZDP para estendê-la para todo aprendiz, independente da idade ou do estabelecimento de uma interação novato-especialista. Para esse estudioso, a ZDP constitui um potencial para o aprendizado que é criado na interação entre participantes em um contexto específico, sendo uma “uma oportunidade para aprender As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 83 com e através dos outros, que se aplica potencialmente a todos os participantes e não simplesmente para os menos hábeis ou informados”1 (p. 249). Nesse sentido, Puntambekar e Hübscher (2005) desenvolveram um estudo evolutivo sobre scaffolding, de forma a ampliar o conceito original para além do aprendizado entre pais e filhos e/ou professores e alunos. Para os autores, a aprendizagem em sala de aula requer a análise das necessidades e dificuldades dos alunos para a escolha do scaffolding a ser utilizado pelo educador. A partir desse diagnóstico, o professor promove atividades que estimulem a interação e raciocínio dos estudantes, tornando possível que o próprio educador ou o educando possam ajudar coletivamente na realização de determinada tarefa. Ademais, Puntambekar e Hübscher (2005) relatam que o scaffolding pode ser prestado de vários modos, com uso de distintas ferramentas, indo além do apoio do professor ou do(s) colega(s), já que materiais didáticos e recursos tecnológicos também são formas de apoio em uma sala de aula. Isso particularmente representa um avanço na aplicabilidade do scaffolding, já que, em múltiplos formatos, o suporte pode atuar em diferentes ZDP existentes no ambiente estudantil e, consequentemente, diferentes estilos de aprendizagem. Nessa perspectiva, a o scaffolding pode ser utilizado na educação a distância para motivar os alunos dessa modalidade educacional, facilitando o desenvolvimento da autonomia dos aprendizes. ZDP e scaffolding são úteis ao considerar as necessidades dos alunos no fornecimento de estruturas que permitam apoiar e motivar o grupo. Ao promover a interação dos participantes para a realização de atividades de aprendizagem que de outra forma não seriam viáveis, o educador permite que, gradualmente, os aprendizes absorvam responsabilidades, internalizando e dominando habilidades inerentes ao desenvolvimento cognitivo, o que promove a autonomia dos estudantes e um potencial para o sucesso em um ambiente de ensino a distância (CHEN; DENG; YEN, 2005; DUNLAP; LUDWIG-HARDMAN, 2003; MARSHALL; MCLOUGHLIN, 2000). Nessa perspectiva, Parreiras (2005), ao relacionar o conceito de ZDP com a autonomia do aprendiz, prolata: Conforme a autonomia do indivíduo cresce, esta distância se encurta. O desenvolvimento potencial de hoje pode se tornar o desenvolvimento real de amanhã. Este processo de desenvolvimento da autonomia não é automático. À medida que o indivíduo interage com as coisas à sua volta, ele reflete, produz movimentos internos de processamento das informações adquiridas através de mediação (p. 66). McLoughlin e Marshall (2000) ao trabalharem scaffolding em ambiente online, ressaltam questões motivacionais e de autonomia do aprendiz. Para as pesquisa1 Original: … an opportunity for learning with and from others that applies potentially to all participants, and not simply to the less skillful or knowledgeable 84 Design para uma educação inclusiva doras, o scaffolding concebido pelo educador deve atender à proposta pedagógica, com desenvolvimento de elementos de design instrucional que motivem o estudante, ajudando-o nas diretrizes das tarefas e na interação com o grupo, para que tenha um desempenho independente e satisfatório. A motivação é o desejo que move uma pessoa a alcançar algum objetivo. Nesse sentido, Oliveira (2010, p. 221) declara que a autonomia decorre de “um processo construído a partir de estratégias emancipadoras e coparticipativas que levem o aluno à autoaprendizagem”, ou seja, o indivíduo necessita da mediação do outro para instituir sua autonomia. Nesse sentido, Fiuza, Matuzawa e Martins (2001, p. 3) declaram que a autonomia se caracteriza essencialmente na EaD pela capacidade de o aluno prover o estudo independente. Assim, a educação presencial ou a distância deve ser planejada de forma a estimular trocas interacionais entre os atores do processo educacional. Através do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), desenvolvem-se ambientes educacionais digitais que permitem o diálogo e experiências afetivas, fatores que atuam na manutenção do interesse dos alunos e no sentimento de pertencimento ao grupo, de forma a sentirem-se comprometidos e motivados a prosseguir com seus estudos (FÁVERO; FRANCO, 2006). Pavesi e Oliveira (2012), ao fundamentarem seu trabalho em Almeida (2009) e Almeida e Ildete (2008), descrevem que a tutoria tem papel relevante na motivação, uma vez que auxilia e estimula o aprendiz a interagir com o grupo, influenciando a permanência dos alunos nos cursos. Ademais, as pesquisadoras abordam Koshino (2011) para ressaltar que a abordagem pedagógica promotora de atividades em grupo é fator motivador que propicia uma melhor aprendizagem dos alunos. Conforme Filatro (2008, p. 21), design instrucional é o “[...] processo (conjunto de atividades) de identificar um problema (uma necessidade) de aprendizagem e desenhar, implementar e avaliar uma solução para esse problema”. No caso da disciplina Práticas de Letramentos: Identidade e Formação do Professor, evidencia-se a importância do design de interface para a interação humana com o computador e para as interações e interatividades que ocorrem entre os alunos, professores e objetos de aprendizagem da disciplina em atividades colaborativas. Podemos observar que os contextos e padrões de utilização das novas tecnologias da disciplina visam a compreensão do aprendizado online como um sistema inserido em um contexto mais amplo, que extrapola a própria situação didática em si, uma vez que objetivos de aprendizagem, papéis, atores, ambientes, métodos e resultados estão sempre impregnados de influências sociopolíticas, histórico-culturais e tecnoeconômicas. Nesse sentido, na disciplina Práticas de Letramento, ministrada a distância no Mestrado em Estudos de Linguagens, pela “Linha III: linguagem, ensino, aprendizagem e tecnologia”, o Professor Vicente Parreiras validou a sua proposta 85 As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces do MIACA levando para o ambiente digital uma modelagem interacional que garantisse oportunidades significativas de interação, conforme descritas no Quadro 5.12. Como resultado, houve a promoção da capacidade de reflexão do aluno sobre o conteúdo trabalhado e, consequentemente, sobre seu próprio letramento e aprendizado, além da criação de oportunidades para a construção coletiva do conhecimento, com base em uma estrutura metodológica dinâmica e desafiadora. Quadro 5.1: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Práticas de Letramento: Identidade e Formação do Professor DINÂMICA DOS CICLOS DA DISCIPLINA (cada ciclo tem duração de três semanas) Indicação de bibliografia básica para subsidiar debate no fórum de discussões do ciclo. Indicação dos grupos de trabalho do ciclo e seus respectivos líderes. ATIVIDADE: ler a bibliografia básica indicada, responder às perguntas encaminhadas pelo professor/monitor e discuti-las dentro do grupo até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). O líder deverá conduzir uma discussão (inbox) no seu grupo sobre as questões encaminhadas até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). SEG-1 O líder deve registrar os consensos e descensos no seu grupo em um relatório e encaminhar a todos os membros do seu grupo até na QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). Todos os membros do grupo devem participar ativamente das discussões internas do seu grupo (inbox) e das discussões informais gerais no Facegroup [as discussões no Facegroup poderão fomentar as reflexões e as discussões inbox do grupo e o líder do grupo poderá utilizá-las para complementar o seu relatório, desde que devidamente referenciadas (dando os créditos)]. OBS.: O líder deve manter organizados os registros das discussões tanto do seu grupo quanto do Facegroup para utilizá-los no relatório e no ensaio colaborativo que deverá coordenar para ser entregue ao final do ciclo. Um debate informal sobre o assunto será conduzido no Facegroup sobre o tópico da bibliografia básica e todos estão convidados a participar. (continua) 2 A dinâmica das aulas do Prof. Heitor pode ser estudada de forma mais detalhada em Christiane Leão (2014 ,p. 69) 86 Design para uma educação inclusiva Quadro 5.1: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Práticas de Letramento: Identidade e Formação do Professor (continuação) Cada aluno recebe um texto complementar para ser resenhado. Cada aluno grava a sua resenha em um videocast legendado com duração de 1 a 2 minutos. ATIVIDADES: ler o texto complementar indicado, responder às perguntas encaminhadas pelo professor/monitor e discuti-las dentro do grupo até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). Gravar a resenha do texto complementar em um videocast legendado (1 a 2 minutos) e postá-lo no Facegroup até a QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). Deve-se referenciar o texto base. QUA-1 OBS.: estou encaminhando por e-mail um arquivo contendo instruções sobre como elaborar uma resenha. A discussão ocorrerá inbox e no Facegroup em continuidade e integrando-se ao debate sobre a bibliografia básica que já estava em andamento. O líder deve continuar a registrar as discussões do seu grupo no relatório a ser encaminhado a todos os membros do seu grupo até na QUA-2 (quarta-feira da segunda semana do ciclo). Debater o texto complementar com o grupo de trabalho (inbox) e no Facegroup estabelecendo relações com a leitura do texto base. ATÉ QUA-2 Postar videocast legendado relativo à RESENHA do texto complementar (1 a 2 minutos). Enviar a resenha ESCRITA do texto complementar ao líder do grupo. Cada aluno assiste 15 videocasts (à escolha de cada um), anota aqueles mais relacionados aos seus interesses e cita-os em suas intervenções nos debates inbox e no Facegroup. Postar um comentário sobre o conteúdo de cada um dos videocasts assistidos. ATÉ DOM-2 O líder de cada grupo organiza em forma de ensaio as resenhas dos colegas e a sua própria e encaminha para os comentários eletrônicos dos colegas do grupo (apenas os membros que enviaram resenhas recebem o ensaio). OBS.: estou encaminhando pelo Facegroup um arquivo contendo instruções sobre como elaborar uma resenha. A FAZER ATÉ QUA-3: (3ª quarta-feira do ciclo): Cada componente do grupo avalia o ensaio encaminhado pelo líder, seguindo as dicas de elaboração de ensaio. Inclui comentários/sugestões eletrônicas e REENCAMINHA AO LÍDER DO SEU GRUPO com cópia inbox para o professor sob o título FDBK01-ENSAIO-01. Fonte: arquivos do professor da disciplina. ATÉ QUA-3 As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 87 Os trabalhos da disciplina eram divididos em ciclos de três semanas que começavam sempre às segundas-feiras com a indicação da bibliografia básica (comum a todos) e a definição do líder do grupo. Os grupos contavam com a média de quatro componentes, selecionados de acordo com os interesses acadêmicos indicados numa planilha de interesses disponibilizada no Google Doc. Tanto o líder como os outros componentes do grupo deveriam ler a bibliografia básica, responder às perguntas disponibilizadas pelo professor e realizar a discussão (inbox) até a quarta-feira da semana seguinte, quando eram registrados pelo líder os consensos e dissensos e encaminhados aos componentes do grupo. Após receberem os textos complementares, os alunos deveriam elaborar uma resenha que contemplasse, também, os textos básicos e gravá-la em um videocast legendado. O Professor Vicente Parreiras encaminhou via e-mail um arquivo com instruções sobre como elaborar uma resenha. A cada três semanas, a dinâmica da disciplina se repetia, ou seja, a discussão das leituras (inbox) e registro pelo líder acerca dos consensos e dissensos aconteciam até a quarta-feira seguinte. Em seguida, eram disponibilizadas aos membros do grupo a resenha complementar escrita e em forma de videocast legendado. Até o domingo seguinte, os alunos assistiam a quinze videocasts, anotando aqueles mais relacionados aos seus interesses e citando-os nas intervenções e nos debates inbox e no Facegroup. Posteriormente, postavam comentários sobre o conteúdo de cada videocast assistido. A partir disso, os líderes dos grupos organizavam em forma de ensaio as resenhas dos colegas e a sua própria, encaminhando para os colegas comentarem. Na disciplina Língua Inglesa, ministrada presencialmente em quatro turmas da educação profissional e tecnológica EPT do CEFET-MG, o Professor Vicente Parreiras (2015) validou a sua proposta do MIACA ao levar para o ambiente presencial a modelagem interacional que garantisse oportunidades significativas de interação conforme descritas no Quadro 5.2. Nesse caso, mesclou-se no design instrucional da disciplina o trabalho com gênero textual combinado com o trabalho com o LD de língua inglesa, conforme pode ser observado no Quadro 5.2. De modo geral, a avaliação do professor e dos alunos foi que o MIACA propiciou oportunidades significativas, contextualizadas e motivadoras para aprendizagem da língua inglesa. 88 Design para uma educação inclusiva Quadro 5.2: Design instrucional para gerenciamento das interações na disciplina Língua Inglesa em quatro turmas da Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG em 2015 DESIGN INSTRUCIONAL DA DISCIPLINA LÍNGUA INGLESA – EPT/CEFET-MG • Indicação de bibliografia individual sobre o gênero discursivo do bimestre para subsidiar debate no fórum de discussões do ciclo. • Indicação de páginas de atividades do LD a serem resolvidas individualmente para subsidiar os trabalhos colaborativos durante o bimestre e no fórum de discussões do ciclo. • Indicação dos grupos de trabalho do ciclo conforme Quadro 5.3. • • SEMANAS 1, 2 e 3 • • ATIVIDADES: Ler a bibliografia individual (link individual) sobre o gênero discursivo; responder às perguntas indicadas pelo professor. Reunir em grupos (A, B, C, D...); relatar aos colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor sobre o gênero textual em estudo; anotar e avaliar as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação. Reunir em grupos (1, 2, 3, 4...); relatar aos colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D...) sobre o gênero textual em estudo; elaborar uma lista com as principais características do gênero textual em estudo e avaliar as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação. Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, decidir as características fundamentais do gênero textual em estudo; definir os critérios de elaboração e de avaliação do gênero discursivo; definir os grupos de trabalho para produção do gênero discursivo a ser apresentado oralmente ao final do bimestre. Extraclasse: elaborar o gênero discursivo em grupo conforme critérios definidos na plenária. ATIVIDADES: • Resolver individualmente as páginas de atividades do LD para subsidiar os trabalhos colaborativos durante o bimestre e na plenária do bimestre. • Reunir em grupos (A, B, C, D...); relatar aos colegas as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor; anotar e avaliar as apreSEMANAS sentações dos colegas; avaliar a própria apresentação. 4, 5, 6 e 7 • Reunir em grupos (1, 2, 3, 4...); relatar aos colegas as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D ...) e avaliar as apresentações dos colegas; avaliar a própria apresentação. • Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, apresentar as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor. SEMANA 8 Apresentação do gênero Textual produzido no bimestre Fonte: arquivos do professor da disciplina. As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 89 As atividades desenvolvidas em cada bimestre contemplam a elaboração de um gênero discursivo definido pela Assembleia da Coordenação de Línguas Estrangeiras do CEFET-MG e de atividades de desenvolvimento das competências comunicativas de produção e recepção escrita e oral em língua inglesa, com base em atividades propostas em um livro didático adotado. Os grupos de trabalho foram formados de acordo com o Quadro 5.3. Cada aluno recebeu um link para um texto versando sobre as características do gênero discursivo que foi focalizado no bimestre para ser lido e servir de base para responder às perguntas indicadas pelo professor. Em seguida, os alunos reuniram-se em grupos (A, B, C, D...), relataram aos colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor sobre o gênero textual em estudo, anotaram e avaliaram as apresentações dos colegas e avaliaram a própria apresentação. Na etapa seguinte, os alunos reuniram-se em novos grupos (1. 2, 3, 4...), em que havia um componente de cada um dos grupos anteriores; relataram aos colegas as respostas dadas às questões indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D...) sobre o gênero textual em estudo; elaboraram uma lista com as principais características do gênero textual em estudo e avaliaram as apresentações dos colegas e a própria apresentação. Ao final dessa etapa, cada aluno havia apresentado o seu texto duas vezes e ouvido o relato de todos os demais textos lidos pelos colegas da turma. Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, decidiram as características fundamentais do gênero textual em estudo; definiram os critérios de elaboração e de avaliação do gênero discursivo, definiram os grupos de trabalho para produção do gênero discursivo que foi apresentado oralmente ao final do bimestre e avaliado pelos colegas e pelo professor de acordo com os critérios definidos na plenária. Entre a quarta e a sétima semanas do bimestre, os alunos trabalharam com o livro didático dentro dos pressupostos do MIACA (Quadro 5.3), resolvendo individualmente as páginas de atividades do LD para subsidiar os trabalhos colaborativos durante o bimestre e na plenária do bimestre. Após o trabalho individual, reuniram-se em grupos (A, B, C, D...), relataram aos colegas as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor, anotaram e avaliaram as apresentações dos colegas e avaliaram a própria apresentação. Em seguida, reuniram-se em grupos (1, 2, 3, 4...), relataram aos colegas as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor e as respostas dadas pelos colegas conforme anotações nos grupos (A, B, C, D...) e avaliaram as apresentações dos colegas e as próprias apresentações. Em plenária na sala de aula presidida pelo professor, apresentaram as respostas dadas às atividades das páginas indicadas pelo professor. Nesse momento, o professor tirou as dúvidas que surgiram relativas à pronúncia de palavras, vocabulário e gramática e conduziu as atividades de conversação e de listening. 90 Design para uma educação inclusiva Quadro 5.3 – Modelo interacional adaptativo complexo de aprendizagem MIACA (PARREIRAS, 2015) B C D E ... Links sobre gêneros discursivos – individual Alunos Pág. LD individual A Aluno 01 de 13 a 15 1 http://www... Aluno 02 de 16 a 17 2 http://www... Aluno 03 de 18 a 19 3 http://www... Aluno 04 de 20 a 21 4 http://www... Aluno 05 de 22 a 23 1 http://www... Aluno 06 de 24 a 25 2 http://www... Aluno 07 de 26 a 27 3 http://www... Aluno 08 de 28 a 29 4 http://www... Aluno 09 de 30 a 31 1 http://www... Aluno 10 de 32 a 33 2 http://www... Aluno 11 de 34 a 35 3 http://www... Aluno 12 de 36 a 37 1 http://www... Aluno 13 de 38 a 39 2 http://www... Aluno 14 de 40 a 41 3 http://www... Aluno 15 de 42 a 43 4 http://www... Aluno 16 de 44 a 45 1 http://www... Aluno 17 de 46 a 47 2 http://www... Aluno 18 de 48 a 49 3 http://www... Aluno 19 de 50 a 51 4 http://www... Fonte: Arquivos do professor da disciplina Percebe-se, ainda, que os designs instrucionais das dinâmicas das aulas nas modalidades a distância e presencial, conforme descritas nos Quadros 5.1 e 5.2 respectivamente, privilegiam as interações dos alunos com o conteúdo de acordo com os seus interesses individuais, bem como a colaboração dos alunos entre si. Nesse formato de aula, o foco é o aprendiz e o seu processo de aprendizagem por meio de uma dinâmica interacional meticulosamente planejada. Cabe ao professor o importante papel de gerenciar essas interações, saindo completamente do centro do processo pedagógico. As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 91 Nesse cenário, como principal resultado deste estudo, concluímos que o design instrucional desenvolvido para gerenciamento das interações em ambientes de aprendizagem com propósitos pedagógicos mostrou-se adequado às modalidades presencial e a distância. Enfatizamos também que o modelo interacional adaptativo complexo de aprendizagem MIACA (PARREIRAS, 2015) presta-se a variados conteúdos e níveis de ensino numa perspectiva dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem, não apenas de línguas, mas de quaisquer disciplinas. Ademais, acreditamos que a dinâmica das interações analisadas sob o ponto de vista da complexidade permitiu enfatizar a emergência de autonomia e motivação dos alunos concluintes, mesmo apresentando características de field dependence. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados analisados neste artigo relativos às disciplinas oferecidas presencialmente e a distância evidenciaram que, ao contrário das sociedades industriais, em que a organização se dá pela lógica linear, de causa e efeito, a partir dos meios de produção, na “sociedade da informação” essa organização ocorre através das TDIC, cujas influências provocam mudanças nas formas de lidar com o conhecimento nos espaços de aprendizagem, privilegiando a lógica não linear dos sistemas adaptativos complexos. Ficou evidente que as principais potencialidades pedagógicas dos modelos instrucionais utilizados nos contextos apresentados neste artigo referem-se à riqueza de possibilidades interativas e aos níveis de significância dos ambientes de aprendizagem apresentados. Lévy demonstrou que a sociedade moderna vive um momento de transformações desencadeadas pelas TDIC e que a educação precisa se adaptar a essa nova sociedade, abandonando o modelo linear e hierarquizado para adotar um modelo dinâmico com ênfase na relação do aprendiz com o seu contexto social, tendo a língua como elemento mediador. Nesse contexto, o saber deixa de ser uma posse do professor que o transmite aos alunos e passa a ser construído colaborativamente pelos participantes dos processos de ensino e de aprendizagem. Os alunos deixam de ser receptores passivos desse conhecimento e passam a ser, em colaboração com o professor, sujeitos da aprendizagem. Isso pressupõe iniciativas de construção do conhecimento mais descentralizadas, flexíveis e interativas. Assim, o ambiente de aprendizagem integrativo das TDIC apresenta-se como uma alternativa de espaço para construção social de conhecimento, em que as informações podem ser acessadas com facilidade e de forma contextualizada, isto é, próxima à realidade dos alunos. As redes de interações que se formam na sala de aula integrativa das TDIC sugerem um processo de aprendizagem não linear, sem uma ordem ou uma hierarquia preestabelecida. 92 Design para uma educação inclusiva Essa perspectiva de ensino e de aprendizagem apresenta aspectos em comum com a hipótese interacional de Ellis (1999) ao defender uma nova subjetividade que se oponha ao modelo linear de produção de conhecimento utilizado pela escola. Assim, o ambiente de aprendizagem integrativo das TDIC pode ser um espaço de construção não linear e dinâmica do conhecimento, conforme proposto por Ellis (1999) e Morin (1995). Nesse contexto, os alunos, os professores, as TDIC na aprendizagem e os demais agentes educacionais envolvidos no processo de educação passam a assumir novos papéis em que a integração das TDIC às necessidades dos aprendizes passa a ser importante para o sucesso da aprendizagem. A relação do aluno com a sociedade, nesse contexto, se apresenta como um desafio ao professor, convidando-o a refletir sobre a sua prática, a deixar de apresenta-se como o “detentor dos saberes” e a compreender que sua função é a de colaborador no processo de construção do conhecimento dentro da perspectiva do conceito de inteligência coletiva (LÉVY:1999). Esse design instrucional baseado nos diversos tipos de interações demanda um professor que seja facilitador do processo de se criar laços entre os aprendizes entre si e destes com o próprio professor, promovendo a interação e, consequentemente, o conhecimento. Nesse contexto, o saber que o professor precisará possuir será o de que o conhecimento é construído através de interações, e que essas interações podem ser, conforme Ellis (1999), intrapessoais, interpessoais e com o objeto da aprendizagem. A aprendizagem, portanto, dá-se colaborativamente. O professor deve, então, atuar como um elemento motivador das inteligências coletivas, promotor de reflexões sobre o conhecimento construído, no sentido de que os aprendizes se tornem agentes da sua própria formação. Tal concepção de ensino e de aprendizagem pode ter implicações também no gerenciamento dos ambientes de aprendizagem integrativos das TDIC, especialmente no que se refere à abordagem de ensino utilizada pelo professor, pois essa abordagem pode ajudar a quebrar o paradigma dos modelos tradicionais de ensino baseados na linearidade behaviorista do estímulo-resposta, ainda adotados por professores e instituições de ensino em geral e de línguas em particular. Os ambientes digitais de aprendizagem integrativos das TDIC ainda precisam de modelos apropriados, que se sobreponham aos tradicionais e que promovam a aprendizagem fundamentada na construção social do conhecimento. Essa ideia está implícita no conceito de auto-organização, próprio dos sistemas complexos, e parece ser capaz de trazer a inovação necessária para satisfazer as expectativas de aprendizagem tanto dos professores quanto dos aprendizes. Os nossos dados enfatizam, também, a ideia de que a desestabilização, própria dos sistemas complexos, e a improvisação que as intervenções do professor demandam estão presentes e interagem na sala de aula, fazendo com que o ambiente de aprendizagem pareça desnorteado. A questão é saber qual o grau de As potencialidades pedagógicas e impactos das interfaces 93 perturbação e de improvisação é necessário para manter a rede interacional em crescimento constante e com identidade própria. Por isso, na “sociedade da informação”, a interpretação adequada das necessidades específicas de um grupo de aprendizes no seu conjunto e de cada aprendiz como indivíduo dentro desse grupo é importante para o estabelecimento dos critérios para o gerenciamento da aprendizagem e para as tomadas de decisões pedagógicas sobre as intervenções mais adequadas a cada situação de aprendizagem. Os resultados das nossas análises endossam a afirmativa da professora Solange Vereza de que “o uso das novas tecnologias [em relação aos conteúdos nos LD] deve ter o universo em expansão, sem limitações, como metáfora”3. Consideramos que essa metáfora se aplica também à sala de aula integrativa das TDIC, numa perspectiva dos sistemas complexos adaptativos em oposição à linearidade da causa e efeito predominante ainda hoje. Os produtores de livros didáticos e de materiais e recursos didáticos, bem como os professores na condição de gestores das suas salas de aula, parecem ainda não ter percebido as mudanças que já ocorreram em seus contextos e estão adotando a metáfora inadequada. Apesar de as redes sociais apontarem para a metáfora do universo em expansão, os LD e MRD também continuam sendo editados como sendo sistemas lineares. De modo geral, o professor também continua gerenciando sua sala de aula como um sistema linear. Se a complexidade interacional das redes sociais digitais não for rapidamente incorporada aos LD e MRD e às práticas pedagógicas, seremos professores “imigrantes digitais” surpreendidos por alunos “nativos digitais” com necessidades e expectativas específicas dessa geração e sem condições de atendê-los. No nosso entendimento, o professor tem o papel de gestor de interações e de produtor de metáforas. Um bom professor é aquele capaz de produzir boas metáforas para gerenciar as interações reflexivas nos ambientes de aprendizagem. As interações reflexivas produzem motivação que, por sua vez, produz autonomia, gerando novas interações. Isso se torna um círculo virtuoso ideal nos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, tanto professores quanto tecnologias digitais devem trabalhar em função de formar leitores críticos. Essa é a principal função de todos os envolvidos nos processos educativos que contam com o modelo interacional adaptativo complexo de Aprendizagem MIACA (Parreiras, 2015), mostra-se adequado a variados conteúdos e demandas de diferentes níveis de ensino numa perspectiva dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem. 3 Notas tomadas na palestra de abertura do IV SILID – III SIMAR (PUC-Rio – 2013). 94 Design para uma educação inclusiva REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. E. B. As teorias principais da andragogia e heutagogia. In: FORMIGA, M.; LITTO, F. (Org.). 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Acesso em 6 ago. 2015 PARTE II – MULTIMÍDIAS E MULTIMODOS Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas Narrativas no jogo: uma oportunidade de autoria coletiva nas escolas CAPÍTULO 6 Jogos Eletrônicos na Educação Formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas Guilherme Xavier, Doutor, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Jackeline Lima Farbiarz, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) INTRODUÇÃO Icebergs são montanhas de gelo flutuantes, tradicionalmente reconhecidos como uma apresentação material acima de uma superfície, sob a qual esconde sua maior porção. Assim também podem ser metaforizados os jogos eletrônicos na educação: há mais do que inicialmente se percebe e se explora. E, sendo praxe começar com uma história que possa contemplar o jogo no tempo e no espaço, de modo a clarificar suas origens, convido o leitor a voltar 102 Design para uma educação inclusiva centenas de milhares de anos no passado, em busca das primeiras manifestações sistemáticas do lúdico entre os humanos primitivos. Encontraremos uma mistura fértil de ritos e ampla produção de sentido: competição, sorte, imitação, vertigem… Ali, entre a caçada, a coleta e a fogueira, estão os primeiros jogos, como forma de lidar com o mistério do mundo, como forma de transcender os ciclos de dia e noite, de vida e morte que regem os destinos desde sempre. No ensaiar e no brincar sobre o que há além, naquilo que o indivíduo não conhece, mas experimenta o espírito, surge a noção de que as escolhas podem ser antecipadas para o benefício da sobrevivência. Advêm das primeiras organizações sociais as primeiras aldeias e cidades. Delas oriundam as primeiras palavras escritas e também os primeiros jogos materializados em tabuleiros e miniaturas, como forma de aplacar tentações de poder e de buscar a atenção dos deuses. Para o espírito, há arte. Para a mente, há técnica. O estudo da arte e da técnica e seus resultados práticos é o que hoje entendemos como tecnologia. Avançando mais em nossa história, chegamos às primeiras costuras entre aldeias e cidades, já regidas pelas tecnologias do conhecimento. Surgem os primeiros reinos e depois os primeiros estados, que, como forma de manutenção, estruturam-se em torno de uma cultura. Sendo os jogos profundos o suficiente para demonstrar talentos físicos e remediar conflitos, surgem os esportes como brincadeiras mediadas por regras, determinando resultados mensuráveis. Mais próximos da nossa contemporaneidade, o trabalho organizado dá origem aos excedentes de produção, liberando mãos e mentes do colapsante fardo diário do cultivo e da manufatura, permitindo os jogos das ideias e das políticas. Após o labor, o ócio é ocupado pela liberdade de escolher entre atividades. Eis o entretenimento: o espaço para o aprendizado pelo ensaio e pelo desenvolvimento de atividades simbólicas. Vencer. Perder. Tentar. Uma breve consideração de todos os jogos, em um parágrafo – a despeito da ousadia e da improbabilidade de tal meta – resume-se em compreender que mesmo indefiníveis ao absoluto, são meios resultantes de um contexto espaço-temporal que sejam e de tecnologias aplicadas na tradução de conceitos em sistemas, que , uma vez participados, fazem de seus participantes indivíduos melhores pela experiência. É sobre isso que versam todos os jogos. Em linhas gerais, eles enaltecem uma persistência acumulativa para o momento presente e para o futuro, e o fazem com base nos conhecimentos adquiridos no passado. Como se relacionam com os espaços de ensino-aprendizagem? Pela defesa de que se há conhecimento, pode haver educação. Docentes perceberam os notórios ganhos do uso de jogos na educação há muito tempo. Entretanto, esta percepção origina-se, na grande maioria das vezes, de experiências e esforços individuais. É necessário, agora, mais do que propostas de Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 103 uso intuitivas: é premente uma formação que desenvolva competências e habilidades que sustentem os docentes para a proposição, análise, avaliação e crítica da experiência com jogos em espaços de ensino-aprendizagem. É necessário o desenvolvimento de metodologia que diferencie experiências que funcionam de outras que são tão canhestras que, em vez de aproximar o alunato interessado, o repele-o. Apesar da percepção de que há ganhos com o uso de jogos na educação, há um desconforto diante da certeza de que sua proposição e uso carecem ainda do pleno entendimento de suas possibilidades. Falta respeito e reconhecimento do que são capazes de atingir e do que viabilizam que o aluno conquiste. Mesmo os docentes ditos nativos de uma realidade onde jogos e educação coexistem sentem-se imigrantes em decorrência da lacuna na formação que vivenciaram. Há ainda os que tomam os jogos eletrônicos como frutos diabólicos da corrida armamentista da Guerra-Fria, dado o caráter belicoso de suas origens. Há os que os entendem como diversão dos alienados tipificados da contracultura popular, conforme fizeram suas primeiras aparições midiáticas na década de 1970. É bem provável que seus discursos tenham sustentação em uma mídia tradicional que, muitas das vezes, agiu com o intuito de demonizar o jogo eletrônico, por ser um potencial competidor da televisão comercial. No entanto, há também os que, sem a força ditadora de outrora – graças à rede mundial de computadores, com seu inesgotável conteúdo acessível à ponta dos dedos – buscam entretenimento ativo e interativo, entendendo os jogos eletrônicos como uma possibilidade de retomada consciente do “entusiasmo competente e ativo” que precisa invadir os espaços de ensino-aprendizagem, por carregarem desde sempre, em sua essência, a possibilidade de experimentação da “fantasia sob controle”. Representando o último caso, encontram-se aqueles docentes anteriormente mencionados, que, por esforço individual e experiência particular, buscam práticas de ensino que tenham nos jogos um potencial para um aprendizado baseado na colaboração. Certo é que, se antes jogos eletrônicos eram contidos ao momento ritualístico da missa diante do altar do “deus-tevê” ou nos computadores que invadiram as residências com promessas de futuro profissional, agora eles vagam soltos, na maioria dos bolsos e bolsas, na forma de aplicativos ou programas dedicados para dispositivos portáteis que, sem descanso, convidam para a participação em qualquer momento, seja ele oportuno ou inoportuno. Lutar contra isso é lutar contra a atualização da sociedade informativa. É como culpar a gravidade pelo tombo. Não há volta. Não há pausa. Não há como proibi-los pois os jogos não estão nas coisas eletrônicas: estão na mente dos seus jogadores, na forma de ideias e experiências vívidas. E, por mais enfático e apaixonado que o presente artigo pareça ser, ele sustenta que não se deve proibir ideias e experiências vívidas. De onde vem a ênfase? Qual a necessidade de extrapolar a paixão? Entendemos que não há como se obter sucesso com práticas de ensino que se mantém an- 104 Design para uma educação inclusiva coradas nos modelos de sempre, nos quais os pais dos alunos inscritos nas escolas de hoje foram educados. Modelos nos quais meios como a televisão não foram explorados em práticas de ensino-aprendizagem por nossos professores e professoras, embora essa tecnologia fosse entendida como um poder, provavelmente pela insegurança decorrente das condições de formação. A ênfase e a paixão vêm da certeza de que todos perdemos: eles, alunos; nós, docentes e pesquisadores; a sociedade. Como perdemos também, em seguida, com as mídias ópticas e seus aparelhos de DVD, que, adquiridos sem programa coerente para aplicação, ainda empoeiram em depósitos sem o uso devido e prometido. Foi desse lugar de valoração do jogo eletrônico em espaços de ensino-aprendizagem que surgiu o grupo de trabalho (GT) jogos na educação1, no evento SILID/SIMAR, com o objetivo de discutir questões relacionadas ao uso, criação e desenvolvimento de jogos e recursos de entretenimento como objetos de ensino-aprendizagem em espaços de ensino-aprendizagem. Os pressupostos para a discussão pautaram-se no entendimento da mídia jogo, de sua tecnologia e participação como oportunidade de motivação, mediação e inovação no desenvolvimento de práticas colaborativas de ensino-aprendizagem. As comunicações apresentadas versaram sobre jogos em situações de ensino-aprendizagem na visão de alunos e professores para crianças e jovens, em língua materna ou estrangeira, como caminho para práticas colaborativas que têm o entretenimento como vetor inicial para projetos de ensino-aprendizagem. A partir delas, foram discutidas as seguintes questões: como instalar? Como usar? Como jogar? Quando propor? Como propor? Quais os benefícios e malefícios do jogar? Entre outras questões que foram discutidas no GT, sobre algumas das quais nos debruçamos no presente artigo. AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO FORMAL Podemos dizer que as relações humanas são premeditadas conforme interesses. Um deles é o de que é possível transmitir experiências na forma de informação para o conhecimento – mas sabemos que a realidade é um pouco mais complicada do que parece. 1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um determinado grupo de trabalho (GT, os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20 Resumos%20V%20SILID%. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Oficinas e jogos de variação linguística” está disponível em:< http:// www.proceedings.blucher.com. br/ article-details/oficinas-e-jogos-de-variao-lingustica-22592>. O artigo apresentado no GT intitulado “Construção de jogo como dispositivo para a aprendizagem colaborativa: algumas estratégias” está disponível em: >http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/construo-de-jogo-como-dispositivo-para-a-aprendizagem-colaborativa-algumas-estratgias-22590>. Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 105 Em uma visão simplista e desmerecedora da educação, os alunos ainda são vistos como tábula-rasa, nos quais, hipoteticamente, tenta-se colocar “coisas na cabeça”; como consequência, depara-se com um problema de espaço, pois as cabeças dos discentes não estão e nunca estiveram vazias. Estabelece-se, assim, um primeiro hiato comunicacional. Em linhas gerais, apesar de muitas práticas de ensino-aprendizagem não adotarem isso como pressuposto, há muito na cabeça dos discentes e a não possibilidade de colocar interesses desvinculados dos lá já existentes não necessariamente deveria ser visto como um problema de atenção como muitas vezes ocorre, mas sim como uma oportunidade de trabalho. Aprender é também isso: ser capaz de considerar novos interesses em relação a interesses já existentes, incrementando o conjunto. As teorias de aprendizagem promovem os recursos para alcançar objetivos didáticos esperados, mas a realidade educacional brasileira dá conta de que muitas ainda estão distantes de certos crivos que somente as realidades contextuais promovem. Ou, em outras palavras, numa prática contextualizada, a teoria provavelmente seria outra. Desde a Grécia Antiga, a questão do aprendizado é vista como um problema a ser resolvido. São muitas as abordagens, mas as consideradas principais têm como destaque os trabalhos de Piaget e Vygotsky e, especificamente, as noções bem articuladas de que o aprendizado é um acúmulo de experiências valoradas e de que interações com outros e com o meio são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Nossa sociedade aprendeu a prezar pela participação das crianças junto aos centros educacionais formais como garantia de sucesso na vida adulta, sobretudo tendo como referência os pensamentos desenvolvidos pelos dois autores – mesmo quando utilizados equivocadamente. Os trabalhos de Piaget e Vygotsky podem ser considerados excepcionais, apresentam-se quase como consenso, mas o momento presente, o aqui e o agora, torna urgente uma constatação: seus pensamentos foram constituídos em outro tempo e em outro espaço, desconsiderando, obviamente, o que podemos entender como uma sociedade informativa bem poderosa em termos de estímulos no âmbito das promessas e expectativas. Estímulos são como combustível de uma motivação que, muitas vezes, desaparece em salas de aula, quando não são pensados para engajar e emocionar, mas para organizar e manter ouvidos e olhos atentos aos fatos. E, atualmente, como em pleno ano de 1815, ainda encontra-se a situação de termos um professor médio em uma caixa média com janelas médias diante de uma grade ordenada de móveis (imóveis) fazendo-se importante por suas palavras e não tanto por suas ações.2 O espaço de ensino-aprendizagem denuncia, ainda em 2015, o pensamento de como a escola foi 2 O artigo de Carvalho e Dias, que integra o presente livro, dedica-se à questão do espaço de ensino-aprendizagem. 106 Design para uma educação inclusiva criada para produzir massas consumidoras capazes de atender à Revolução Industrial: um misto de fábrica e hospital, mantido na desconfiança de que o sistema entraria em colapso caso não existisse daquela forma. E, pedindo licença para retomar o entusiasmo e a paixão, por que, mesmo com as teorias de aprendizagem mais atuais, o pensamento industrial pouco muda? Afinal, historicamente, se muito já foi tentado para aperfeiçoar o ensino-aprendizado, por que esse modelo é mantido sacro? Consideremos a vida adulta, para a qual os discentes são preparados desde muito novinhos: a vida adulta implora por partilha, o que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes ainda é visto como trapaça. A vida adulta implora por autonomia, o que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes ainda é visto como anarquia. A vida adulta implora por criatividade na solução de problemas, o que nos espaços de ensino-aprendizagem muitas vezes é tolida pela implacável manutenção formulária… Por isso, é preciso reconhecer, de fato, que alunos não são tabulae rasae, é preciso possibilitar a vivência por parte do futuro professor (e a experimentação constante do professor) de práticas de ensino-aprendizagem calcadas na colaboração, coparticipação e coautoria. Uma leitura atual da teoria da atividade de Engeström, baseada em Vygostky, Leont’ev, Luria e Rubinstein (Engeström, 1999), entende que o aprendizado é uma conquista das relações sociais de troca de experiências e conhecimentos por contato; algo amplificado pelas tecnologias de informação e conhecimento, do que Bandura chama de aprendizagem social. Concordando com Downes (2007), quando afirma que “ensinar é modelar e demonstrar, aprender é praticar e refletir”, entendemos, a partir das comunicações discutidas no GT, ser necessário ao professor uma formação profissional que o habilite a um entendimento prático da atuação (bem) além do conhecimento fatual, que doravante o coloca como entidade-repertório, abaixo de qualquer rápida consulta ao Google. O professor e a professora devem, em suas formações, capacitarem-se para a ação da mediação. Um dos caminhos possíveis para potencializar o encontro com realidades muitas vezes antagônicas – a formação do professor e a demanda do aluno – denomina-se conectivismo. Esta é uma abordagem que se baseia no fenômeno do comportamento de aprendizagem. Na perspectiva do conectivismo, ela se dá a partir de interconexões entre unidades mais simples, geralmente mediadas por recursos tecnológicos. Por esse viés, ele é entendido como uma teoria de aprendizagem para a era digital, que se baseia em “nós e links”, e, especialmente, na diferença de força e intensidade que eles guardam entre si, fazendo uso de quaisquer modelos conceituais possíveis. Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 107 Com a tecnologia digital garantida pela eletrônica, novas formas de empreender sobre conteúdos apareceram e, com isso, novas formas de lidar com conhecimentos formais e informais. As (já não tão) novas formas distanciam a educação da possibilidade de deixar prevalecer a ideia de que existem momentos compartimentados para o aprendizado e de que o ensinar é uma atividade solitária, isenta de conexão com um mundo repleto de estímulos além dos muros das instituições de ensino-aprendizagem e de suas paredes. Como explicado por Downes, em essência, “conectivismo é a tese de que o conhecimento é distribuído por uma rede de conexões e o aprendizado consiste na habilidade de construir e percorrer essas redes” (2007). Para percorrer essas redes, é preciso interação. E para interagir, é preciso uma boa história e uma boa mídia, caminhos ressaltados pelas comunicações discutidas no GT. INTERATIVIDADE PARA UMA NARRATIVIDADE Algumas palavras contemporâneas são tão repetidas que passam a guardar verdades, mas suas definições carecem de certa simplicidade argumentativa. Interação é uma delas. Desde meados do século XIX, a palavra interação, associada à tecnologia, já frequenta alguns livros em inglês. Mas somente com a aproximação entre artistas e cientistas da computação ao final dos anos de 1960 foi que ela recebeu o sentido em que normalmente pensamos quando aparece nas nossas conversas. Isso porque os cientistas da computação capturaram o termo dos físicos, quando falavam da relação entre partículas: partículas interagem, partículas interferem umas nas outras. Enfim, quando os programas de computador começaram a depender da sua relação com os usuários e os usuários começaram a mudar suas perspectivas de mundo pela arte emergente presente, em alguns softwares, a palavra interatividade ganhou o status que hoje ostenta: capacidade de estabelecer reciprocidade entre ações de pessoas e/ou objetos e/ou sistemas. Assim, quando dizemos que algo é interativo, estamos afirmando que aquilo reage às nossas intervenções, da mesma forma que nós reagimos aos resultados obtidos de nosso agenciamento. Interatividade é, assim, uma ação perfumada de características dialógicas, na qual está implícita uma participação ativa das partes envolvidas, ativa, vale o destaque. Muitos pensadores e pensadoras, especialmente de áreas como engenharia, arquitetura e psicologia, debruçam-se hoje sobre o termo na busca de seu entendimento profundo e chegam a certas convicções. Uma delas é a de que algo interativo (ou capaz de convidar a reação, manipulação e (re)configuração) parece mais intenso e imediato do que algo que não traz os mesmos poderes. Outra é a de que as pessoas parecem aprender melhor a usar recursos quando são atuantes sobre eles, e não somente quando sabem tudo sobre eles. Imagine uma porta sem maçaneta: deve ser empurrada, puxada ou arrastada para o lado? 108 Design para uma educação inclusiva A interatividade do mundo nos convida ao aprendizado e, sempre diante de uma novidade, buscamos na manipulação certezas mínimas do que se trata e para o que serve. Esse diálogo constante entre coisas (e não coisas) com as pessoas e das pessoas entre si pelas coisas (e não coisas) chamamos interatividade, e sobre ela educadores e educadoras devem dedicar a máxima atenção em espaços de ensino-aprendizagem. Eis um primeiro pilar. Interatividade é poder de controle e de escolha, duas coisas que desafiam a realidade educacional. Lembremo-nos do tema proposto no GT, motivador do presente artigo: os jogos na educação. Nele, interatividade foi a palavra de ordem. Interatividade deve surgir como um convite à descoberta. Por isso, os jogos eletrônicos podem ser tão interativos e prazerosos, uma vez que, como sistemas de solução de problemas, partem de uma lacuna, e não de uma ocupação de certezas anteriores. Há neles história e emoção. Há fantasia como verdade. Uma experiência publicada em 1944 por Heider utilizou um filme de animação com triângulos, uma área quadrangular e uma bola atravessando a tela de modo sistemático e cumprindo certo roteiro. Ao final da exibição, os pesquisadores perguntavam do que se tratava o que havia sido assistido. E, por mais elaboradas que fossem as exposições dos participantes do experimento, nenhuma delas dizia o óbvio: que eram simples figuras geométricas percorrendo um espaço visual de modo sistemático. Todos, sem exceção, viam relações além das meras aproximações e distanciamentos das formas. Viam relações humanas de causa e efeito. Em suma, as figuras estavam vivas. Eis o poder da narrativa: qualquer sequência de fatos será mais do que uma sequência de fatos, pois será tratada pelas emoções de quem assiste na busca da compreensão. Narratividade, portanto, é uma característica de como a sequência de eventos passíveis de serem declarados logicamente permitem a produção de sentido (STURGESS, 1992). Histórias são processos pelos quais conhecimentos são transmitidos, consoantes com uma predisposição para a finalidade de tornar o que é dito um valor. Por isso são tão poderosas na articulação de mensagens e por isso foram, durante milênios, a forma mais poderosa de propagar cultura e experiências. Conforme a tecnologia gráfica tirou da oralidade o monopólio pela manutenção dos saberes, consideramos a importância da tecnologia para que gerações futuras se abastecessem dos acontecimentos passados como tesouros a serem aproveitados. Tal (re)vivência é inestimável e sobre ela a educação se organizou, transformando crenças em conhecimentos que se perpetuam como verdades momentâneas. Para que os conhecimentos fossem mais bem saboreados, normalmente, eram embutidos em narrativas, que fundamentaram certos sintagmas que hoje compreendemos como sendo pilares para o entendimento da mensagem. Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 109 O ato de registrar em narrativa o mítico e o lógico da situação histórico-social é o ato de torná-los presentes e reais, para o momento e para além. Por isso, a tecnologia deve ser usada na educação quando necessária, e não como obrigação do momento histórico – Isso partindo da premissa de que o momento histórico consegue sempre conjugar o velho e o novo e torná-lo atual e promissor. O que a discussão no GT demonstrou foi que jogos eletrônicos aguardam essa oportunidade, dada sua especialidade de trazer aos jogadores um reflexo das culturas nos quais são criados e desenvolvidos. Para isso, eles usam e abusam de recursos audiovisuais interativos ao convocar a participação em suas histórias, sejam as que trazem embutidas, sejam as que surgem pelo agenciamento dos jogadores em suas fantasias. No GT foi ressaltado o valor da fantasia como construção da autonomia do aluno. Fantasia é uma verdade mentirosa para o contexto, mas nem por isso ruim, pois é uma verdade em si. E como dependemos tanto de verdades momentâneas como de expectativas, a fantasia tem papel fundamental para que certas verdades sejam reconhecidas como verdadeiras. O detalhe é como a verdade e a fantasia são anunciadas e como os crivos estão sendo estabelecidos para que sejam compreendidas como tais. Quando desenvolvida em sua potência, a fantasia é libertadora, pois é comburente da criatividade. O jogo eletrônico foi visto como um caminho para a criatividade e a aptidão para a resolução de problemas, uma vez que não é possível pensar em soluções somente com as verdades existentes em um repertório que ignore fantasias como possibilidades a serem testadas. Fantasias são janelas e verdades são portas. Como atravessar com segurança se não é possível ver o que há além? Com o uso do jogo eletrônico e com a experiência do jogar, vive-se a narrativa como uma constante atualização dos discursos do mundo, tendo em vista que a narratividade é a qualidade dos discursos, profundamente dependente do receptor e de seu estofo. Pelo jogo, ampliam-se as possibilidades de convencimento à participação do aluno. Convencer é vencer junto jamais uma imposição, mas um estado de aceite, um contrato semelhante ao do jogador com o jogo. PARA CADA INSTRUMENTO UMA METODOLOGIA “Todas as famílias felizes são iguais, cada família infeliz,é infeliz à sua maneira”: o aforismo que inaugura a obra Anna Kariênina de Liev Tolstói também se aplica aos métodos de ensino. Diríamos que todo método de ensino feliz é feliz como os que são felizes em cumprir seus objetivos. Mas os métodos que não funcionam, não funcionam cada qual por um motivo diferente. Ao longo dos séculos, professores e professoras fiaram-se na própria sapiência como forma de manter os papéis do teatro-aula com seus respectivos atores. Um indivíduo ensina, os outros aprendem, como se conhecimento fosse uma transferência 110 Design para uma educação inclusiva de quem tem mais para quem tem menos (FREIRE, 1970). Seja qual for o método educativo – se direto ou indireto, expositivo, instrucional ou programado, se Montessori, se Waldorf, se Freinet… – o importante é o atendimento ao aluno em suas necessidades de expressão, o que invariavelmente passa pelo deslumbramento com o ápice da técnica humana por seu estudo, ou seja, com a tecnologia. Metodologia, portanto, é um estudo do método em si, e não a escolha de um sobre os demais. Métodos são caminhos para se chegar a um certo lugar, e o estudo dos melhores caminhos é o que podemos entender pelo termo metodologia (BASTOS; KELLER, 1997). Usar de recursos audiovisuais interativos em espaços de ensino-aprendizagem não é, por si, um caminho, mas uma forma de se percorrer um determinado caminho mais íngreme de modo mais ágil. Assim, antes de se perguntar qual o melhor método, que se pergunte qual a melhor maneira de se escolher um método. Importante que haja método, pois tentar chegar a qualquer destino sem usar um caminho declarado é aventura pioneira e, por isso, perigosa. E se o caminho escolhido estiver demasiadamente cerrado, um bom mapa será fundamental. Se o caminho é o método, o mapa é o plano de práticas. O quê? Quando? Onde? Como? Por quê? E mais, muito mais importante: para quem? Fazer essas perguntas a cada conteúdo a ser trabalhado com os discentes é criar no mapa marcações importantes, pontos a serem visitados nos quais será possível deter-se para outras explorações. Mas como relacionar o conteúdo a ser trabalhado com um plano de práticas? Se interatividade e narratividade, como controle e fantasia, determinam um novo paradigma de exposição (e não mais de imposição), como saber se o que está sendo considerado junto aos alunos e alunas reflete aquilo que deve ser ensinado conforme instâncias superiores determinam? Questões como essas percorreram toda a discussão na qual se concentraram os participantes do GT jogos na educação e refletem a insegurança dos professores diante da falta do desenvolvimento de habilidades e competências em suas formações para o uso do jogo eletrônico como recurso participante de práticas de ensino-aprendizado. Para isso, crivos de análises são necessários. Crivo é o que torna a peneira um filtro. A parte mais importante da peneira é, paradoxalmente, justamente onde não há peneira alguma. O mesmo pode-se dizer de um determinado conteúdo a ser trabalhado pelo docente com seus discentes: nos interstícios, e não somente no cerne. Daí os modelos serem tão importantes, pois sem modelos comparativos não há como antecipar os controles e a fantasia desmorona. Nada pior para um aluno estimulado pelas mídias a participar e tomar decisões de vida ou morte, das quais depende o destino da galáxia ou de um reino invadido por criaturas do mal do que ter de “aturar” tarefas muitas vezes pouco atrativas, como um conjunto de exercícios de fixação descontextualizado. Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 111 Cabe, então, entender quais filtros usam os jogos para fazer avançar mesmo o mais preguiçoso dos jogadores por horas e horas, em busca da satisfação de uma meta inexistente na sua realidade social, em muitos casos, sem qualquer outra perspectiva de reconhecimento e de auto-(re)conhecimento. Jogos eletrônicos tendem a ser avaliados como produtos por sua capacidade de retorno comercial, que decorre de interesses particulares e coletivos de consumo e também de sua essência interativa e audiovisual para a promoção de experiências. Não podemos medir a qualidade do ensino com a mesma régua, pois os retornos e recursos envolvidos são bem diferentes. Além de pensar neles como produto, podemos medir jogos eletrônicos como processos, e aí sim chegar a comparativos analíticos interessantes. Esses se tornam nossos crivos de análise. Como processos, jogos são participados pelo mesmo público que atende às aulas e que garante ao jogo valores de engajamento, lealdade, influência, dedicação e multiplicação, sendo: • engajamento por atuar ativamente na fantasia do jogo, cumprindo suas regras, conforme procedimentos informados e descobertos em busca de solucionar problemas objetivos; • lealdade por manter-se adepto ao jogo e ao que representa em seu repertório, como bem simbólico, do qual pode obter inspiração e reconhecimento público; • influência por ser capaz de incutir em outros o mesmo interesse pela prática do jogo, servindo como arauto de uma fantasia que passa a ser uma partilha entre amizades e comuns; • dedicação por passar tempo suficiente para ter o jogo como atividade de produção de sentido, concorrendo-o com outras atividades que passam a ser consideradas intervalares da satisfação alcançada com o entretenimento principal; e • multiplicação por ser capaz de transitar informações adquiridas no jogo em outros jogos na forma de conhecimento construído e em situações semelhantes, tornando-se competente em controlar outras fantasias. Nossos crivos de análise, como filtros de sucesso, devem atentar para a capacidade dos conteúdos a serem trabalhados como oportunidades de despertar esses valores: seja jogando, fazendo jogos ou mesmo usando jogos como assunto de mediação entre indivíduos, docentes e discentes. PROPRIEDADES E APROPRIAÇÕES Por mais que se diga isso ou aquilo dos jogos eletrônicos, verdade dita e ressaltada no GT é que faltam estudos de sua prática e falta formação profissional para seu uso em espaços de ensino-aprendizagem, especialmente dos mais interessados em detratá-los como superficialidade alienante ou catalisador de violência. 112 Design para uma educação inclusiva Sabemos que jogos eletrônicos, como sistemas interativos construídos por modelos simbólicos convidativos à resolução de problemas pelo aprendizado, entretêm. E sabemos como isso acontece psicologicamente. No entanto, embora não sejam comprovadamente capazes de deixar as pessoas mais inteligentes, uma vez que inteligência é uma medida da capacidade de resolução de problemas contextuais conforme os recursos e não um rótulo que gostamos de colar nas testas uns dos outros, jogos eletrônicos são capazes de deixar as pessoas mais espertas. Isso é resultado de pesquisas científicas sérias na psicologia e na medicina, realizadas por estudiosos que investigam percepção, coordenação e habilidade visomotora: jogadores de videogame obtiveram melhores notas se comparados aos não jogadores de videogame em avaliações metrificadas (ENGELS; GRANIC; LOBEL 2013). Memória e pensamento lateral (a capacidade de solucionar certos problemas de modo alternativo ou inusitado) também são beneficiados por jogos eletrônicos a médio e longo prazos. Outras propriedades interessantes também merecem atenção, não por serem singulares aos jogos eletrônicos, mas por terem neles amplificação na constituição de competências que serão refletidas em comportamentos e posturas diante de situações de ensino-aprendizagem. Raciocínio lógico é uma delas, muito útil para compreensão de certas regras e conceitos em diversas disciplinas, especialmente as que lidam com formulações e abstrações. Além de raciocínio lógico, tolerância ao fracasso e mutabilidade perspectiva também garantem aos jogos benquistas propriedades para docentes. Como erros mínimos não impedem o progresso com fracasso frustrante, eles sinalizam que as táticas de solução devem ser revistas sempre que necessário. A busca pela melhor solução passa a ser uma constante retroalimentada, criando no jogador a mesma sensação de investigação de um cientista. Saber que se pode tentar novamente e de outras formas é um ganho situacional. Socialização e convivência também são propriedades importantes, uma vez que o jogador está inserido em um grupo de referência no qual pode compartilhar e produzir significado. Embora no passado muitos jogos eletrônicos tenham sido criados em torno do automatismo de respostas conferidas pela computação e, assim, dando vez aos jogadores solitários; hoje os jogos eletrônicos existem como reunião de muitos jogadores simultâneos, que costuram uma rede de influências e interdependências. Muitos jogos eletrônicos, especialmente os mais atuais, estão baseados no princípio da manutenção mutualística e, por isso, apresentam relações sociais complexas em suas regras e procedimentos. Talvez a propriedade mais importante seja a concentração. Poucas atividades engajam seus participantes de modo tão compenetrado e envolvido, no qual tempo e espaço se dissolvem como em uma pintura surrealista. Horas passam como minutos para quem se dedica a solução de um problema “mais cabeludo”, como passar de uma fase ou encontrar um item escondido em um cenário que parece se estender ao Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 113 infinito. E a mesma concentração observada no ato de jogar falta para muitos espaços de ensino-aprendizagem e suas atividades, muitas vezes por não terem, como os jogos, as mesmas garantias de satisfação no desafio de sua intelectualidade. Portanto, devido a essas interessantes propriedades, não deveria ser um problema para o educador da atualidade implantar o jogo eletrônico como objeto de aprendizagem, uma vez que este não seria de todo diferente de outros objetos de aprendizagem por seus benefícios. No entanto, sendo o jogo eletrônico um processo cuja essência é a diversão, pode haver uma dissonância cognitiva entre discentes e a formação docente em relação à finalidade do entretenimento se nesse momento forem penduradas outras responsabilidades. Entretenimento educacional, portanto, seria mais um conjunto de estratégias de reconhecimento de propriedades com outras formas de avaliação de progresso, não uma mera substituição de um modelo tradicional por outro inovador. O novo não é adequado por ser novo, mas por se abastecer na releitura e ressignificação do anterior. Daí a necessidade de o educador e a educadora estarem aptos a se apoiarem dessa mídia tão expressiva e impressionante, algo que as comunicações demonstraram manter-se um problema, por conta da precariedade da formação para a docência. O desafio do educador é encontrar um bom modelo e demonstrar interesse em sua adequação de conteúdo informal em um conteúdo formal. Conforme a apropriação, o processo pode resultar em risadas com traços de balbúrdia, claro, mas também no reconhecimento de similitudes importantes entre o que é apropriado e o que é referenciado na estratégia principal. Assim sendo, a apropriação de jogos eletrônicos para constituição de um entretenimento educacional vai depender dos interesses prévios de um projeto e da realização de sua interação pelos envolvidos, discentes e também docentes. Afinal, se a formação do professor não contempla o desenvolvimento de habilidades e competências para o uso da mídia jogo em sala de aula; se o professor ou a professora usam intuitivamente jogos em sala de aula, sem o real conhecimento de sua potência; ou ainda se eles propõem práticas de ensino com o uso de jogos eletrônicos, mas desconhecem o jogar; por que, então, suas proposições mereceriam a confiança, colaboração, proatividade dos alunos? Jogos eletrônicos de entretenimento, como já dito, originalmente não trazem o exato que precisa ser ensinado, caso contrário seriam jogos eletrônicos educativos. Não precisamos de jogos eletrônicos educativos porque, partindo do que as reflexões do GT demonstraram, temos interesse no desenvolvimento de uma metodologia diferente, que faz uso de jogos eletrônicos de entretenimento e de sua receptividade. Por isso, para que a apropriação se estabeleça, o modelo deve destacar aspectos pontuais, e não a obra integralmente. Ver a obra integralmente é o óbvio, tomar a obra desintegrada, aos pedaços e conforme a oportunidade e 114 Design para uma educação inclusiva o interesse, é o inusitado, aquilo que os alunos e alunas não esperam e que por isso, lhes parecerá extraordinário. Pense em como o mágico entretêm e, por isso, diverte sua plateia, distraindo-a de onde o truque será realizado para atentá-la aos resultados inacreditáveis. Tome-se como exemplo de decomposição um jogo famoso, qualquer que seja do reconhecimento da maioria. Esse jogo poderá ser apropriado, pois terá placares que podem aludir a operações matemáticas, terá saltos e piruetas que podem aludir à física mecânica, terá tiros e explosões que poderão aludir à química, terá textos e símbolos que poderão aludir à língua em sua comunicação escrita e oral, terá moedas e outras preciosidades que poderão aludir à economia e à história; cenários podem ser úteis para conceitos de geografia e diferentes personagens, úteis para ecologia e biologia... Formas podem ser geometrizadas e narrativas podem ser decompostas… A navalha de utilidade estará nas mãos do professor, que poderá seccionar esse e qualquer jogo para trabalhar seus interesses, ferindo a essência do entretenimento envolvido e, pior, como colateralidade, ferindo o afeto do aluno por seus jogos eletrônicos favoritos. Isso seria pecaminoso, e acontece quando se usa o jogo por sua obviedade audiovisual e interativa. A apropriação deve ir além do óbvio, ir além do que imediatamente é visto na tela na forma de um boneco que corre e salta para ganhar pontos e avançar de fase. Isso é o que há na superfície. Lembremos do iceberg... Há mais, muito mais, abaixo da superfície. Basta ter o seu direito a uma formação de qualidade resguardado para estar preparado, para motivar a busca. REFERÊNCIAS BANDURA, A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. New Jersey: Prentice Hall, 1986. BASTOS, C.; KELLER, V. Aprendendo a aprender: introdução à metodologia científica. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1997. DOWNES, S. An introduction to connective knowledge (Web log post). 2005. Disponível em: <www.downes.ca/cgi-bin/page.cgi?post=33034>. Acesso em: 20 jun. 2015. _______. What connectivism is. 2007. Disponível em: <http://halfanhour.blogspot.com/2007/02/what-connectivism-is.html>. Acesso em: 20 jun. 2015. ENGESTRÖM, Y. Activity theory and individual and social transformation. In. ENGESTRÖM, Yrjö et al. Perspectives on activity theory. 3.ed. New York: Cambridge University Press, 1999. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra, 1970. Jogos eletrônicos na educação formal: fantasia e controle para expectativas e perspectivas 115 GRANIC, I.; LOBEL, A.; ENGELS, R. C. M. E. The Benefits of Playing Video Games. 2013. Disponível em: <http://www.apa.org/pubs/journals/releases/amp-a0034857.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2015. HEIDER, F. & SIMMEL, M. An experimental study of apparent behavior. In. The American Journal of Psychology, v. 57, 1944, p. 243-259. POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1993. SCHELL, Jesse. A Arte do Game Design: o livro original. Campus, 2010. STURGESS, P. J. M. Narrativity: Theory and Practice. Oxford: Clarendon Press, 1992. CAPÍTULO 7 Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola Arthur Protasio Jorge de Oliveira, Mestre, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/ Fundação Getulio Vargas (FGV) Cynthia Macedo Dias, Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/ Núcleo de Tecnologias Educacionais em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (Nuted-Fiocruz) INTRODUÇÃO A presença dos jogos na educação já não é nova e apresenta-se por meio de diversas estratégias, como a aplicação de jogos ditos “educativos”, a utilização de jogos comerciais com a finalidade de disparar debates sobre determinados conteúdos, a leitura crítica de jogos, a produção de jogos (ou a modificação de jogos existentes) com alunos e a própria “gamificação”, como aplicação de elementos de jogos em situações 118 Design para uma educação inclusiva outras (MATTAR, 2010). Cada estratégia utiliza-se de diferentes concepções do que são jogos, de qual o seu lugar na escola e seu potencial nesse contexto, bem como de quais dos seus elementos são mais relevantes em cada momento. Neste artigo, vamos dar ênfase a uma visão dos jogos como produtos culturais e objetos de design, que engendram processos interativos e podem confirmar ou questionar sentidos e valores que permeiam a cultura onde se encontram (FARBIARZ; OLIVEIRA, 2014). A partir desse olhar, pretendemos investigar a relevância da narrativa como elemento integrante de um jogo (eletrônico, digital ou analógico), como ela se reflete nas práticas de uso, análise e construção de jogos e como pode potencializá-las na escola. Ao destacar a função ou papel da narrativa e as distinções que se manifestam em razão dessa abordagem, colocamos nosso foco no aspecto narrativo dos jogos e na sua construção, que não desconsidera, mas, pelo contrário, se alimenta da estrutura das regras e da estética dos jogos. A NARRATIVA COMO ATIVIDADE HUMANA Ricoeur (1994) estabelece que as narrativas são formas de criar representações da vida humana e apaziguar nossos anseios como indivíduos impotentes diante da passagem do tempo. Fazendo alusão à mimese, que Aristóteles reconhece sempre como uma representação produtora, Ricoeur traça uma categorização por etapas. Cada uma delas, na sua visão, constrói diferentes tipos de representações e a formação de todos eles completaria um círculo, gerando uma espiral sem fim. O autor explica que há sempre um momento anterior à criação de uma narrativa: a mimese 1 seria a representação desse momento pré-narrativo ou do mundo prático que antecede a narração. Mas, para que este seja representado, é necessário haver algum tipo de pré-compreensão: a aceitação de um mundo já dotado de sentidos e significado, mas que é imbuído de discordância. A partir da pré-compreensão dessa representação já existente (a mimese 1), ocorre a mimese 2, que é a tessitura da intriga propriamente dita. Nesse momento, é elaborada uma trama para imprimir sentido e unidade dramática aos fatos. Ao transformá-los em eventos, cria-se uma nova realidade que visa promover uma releitura sobre a anterior. Embora a intriga tenha tido grande relevância na Grécia Antiga, esse modelo ainda se aplica nos dias atuais a qualquer criação narrativa, que sempre se apropria de uma realidade que serve como base para a criação de novos eventos. No entanto, uma vez que a intriga é tecida pelo narrador, ela chega ao leitor. A leitura é realizada e ocorre a recepção da narrativa. Essa leitura inevitavelmente afeta a intriga (da mimese 2) com base na realidade pré-narrativa (mimese 1) e garante um novo sentido aos eventos narrados. Afinal, não só todos os seres humanos são inerentemente diferentes como o leitor não participou do processo de tessitura da intriga e, dessa forma, sua base de conhecimento e perspectiva diverge Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola 119 da do narrador. A mimese 3 simboliza a etapa final de um processo em espiral contínuo de representações humanas, quando ocorre a “refiguração” da intriga, uma nova configuração de sentido dada a partir da interpretação do leitor. Esse entendimento não é exclusivo de Ricoeur (1994). Goulemot (1996) afirma que qualquer leitura é uma leitura comparativa, contato do livro com outros livros. Assim como existe dialogismo e intertextualidade, no sentido que Bakthin dá ao termo, há dialogismo e intertextualidade da prática da própria leitura. Entretanto, não há nada aqui que seja mensurável. Estamos no campo das hipóteses e do provável. Ler será, portanto, fazer emergir a biblioteca viva, quer dizer, a memória de leituras anteriores e de dados culturais. (Goulemot Apud Chartier, 1996, p. 113). Para Goulemot, essa “biblioteca” é a memória de leituras anteriores e dados culturais, e essa definição se assemelha muito à realidade pré-narrativa da mimese 1 de Ricoeur. Assim, qualquer leitura realizada sempre apresentará uma “refiguração” de sentidos diferente da anterior, pois a todo o momento o leitor incorpora mais elementos à sua biblioteca a partir de constantes leituras. Esse entendimento é crucial para fechar o ciclo do processo em espiral, pois após a mimese 3 uma nova mimese 1 se forma. Afinal, se a interpretação da intriga (mimese 3) já foi consolidada, é chegada a hora de encará-la como uma nova realidade pré-narrativa (mimese 1) que servirá de base para a construção de intrigas posteriores. Ao final, gera-se um novo início para que o atual leitor possa, futuramente, tecer uma nova narrativa mediante a intriga (mimese 2), para explicar os eventos que lhe causem angústia diante da temporalidade. Logo, concretiza-se um processo ilustrativo de por que o humano narra. Gottschall (2012) faz uma interessante complementação ao processo de mimeses descrito por Ricoeur (1994) ao notar que narrativas são como simuladores de voo. Assim como o simulador, muitas vezes as histórias permitem que indivíduos sejam preparados e treinados para grandes desafios da vida. A ficção é capaz de gerar problemas paralelos aos que são vividos e projetar o indivíduo em uma realidade alternativa, em que ele é capaz de testar diversos limites e verificar seus resultados sem ser diretamente afetado no mundo real. O autor continua, afirmando que a ficção é uma poderosa e antiga tecnologia de realidade virtual que simula os dilemas da vida humana. O ato de ouvir, ler ou assistir uma história é algo arrebatador, capaz de promover tamanha empatia com seus personagens ao ponto de o leitor poder sentir os eventos como se estivessem realmente acontecendo com ele. Para além de uma preparação para o “futuro”, consideramos que a narrativa atua também como espaço de troca de perspectivas e um deslocamento político, como forma de conhecer outras realidades. Evidentemente, como essas, existem 120 Design para uma educação inclusiva outras abordagens teóricas e conceituais em relação à narrativa, mas vamos nos ater às apresentadas até aqui para, em seguida, desdobrá-las em relação aos jogos. A NARRATIVA APLICADA AOS JOGOS Diversos autores já se detiveram na definição do que seriam os jogos, utilizando diferentes ênfases em cada abordagem; dentre eles, o próprio artigo que nos antecede neste livro dedica-se a esta tarefa, a partir das discussões estabelecidas no grupo de trabalho (GT) jogos na educação no evento SILID/SIMAR3, que integramos. Assim, contribuindo para a compilação, com base nos estudos de Huizinga (1971), Parlett (1999), Caillois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Juul e Crawford (2002 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Salen e Zimmerman (2003), acreditam que um jogo pode ser melhor definido a partir de elementos norteadores, identificados em variadas definições de jogos. Para eles, jogos são (1) uma atividade, processo ou evento que (2) possui regras que limitam os jogadores; (3) objetivos; (4) estabelecem conflitos ou competições; (5) envolvem tomada de decisões; (6) são artificiais; (7) e voluntários. Frasca (1999) menciona o método estruturalista de classificação das atividades lúdicas desenvolvido por Roger Callois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN,, 2003) e a definição de jogo de Huizinga (1971), porém apresenta uma preocupação com a ênfase na sua estrutura ludológica, ou seja, as regras e elementos que compõem o cerne da experiência interativa. Para Frasca (1999), os jogos são detentores de elementos narrativos, e por isso suas regras podem ser abertas o suficiente para permitir que o jogador determine a forma como quer participar da experiência. Apesar de não se tornarem autores da estrutura, a liberdade dada confere a eles a autoria das ações realizadas, diferente de uma narrativa tradicional onde a intriga é fechada e imutável. Dessa forma, ele acredita que a narrativa complemente o jogo na medida em que, ao apresentar elementos críveis e identificáveis, será possível estimular o pensamento crítico por parte do jogador e caracterizar o jogo como uma mídia ideal para discutir e explorar questões pessoais e sociais. Ao passo que os conceitos de narrativa se aplicam à estrutura dos jogos, eles o fazem sob condições diferenciadas. Conforme Salen e Zimmerman (2003), ao jogar, o jogador interage com e dentro de um universo representacional, um espaço de possibilidades repleto de dimensões narrativas. Segundo os autores, quando comparados 3 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em: <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/ Caderno%20 de%20Resumos%20V%20SILID%>. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Construção de jogo como dispositivo para a aprendizagem colaborativa: algumas estratégias” serve como exemplo de experiência de construção colaborativa de jogo e pode ser acessado em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/construo-de-jogo-como-dispositivo-para-a-aprendizagem-colaborativa-algumas-estratgias-22590>. Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola 121 à estrutura clássica de uma história, muitos jogos também contêm um início, desenvolvimento e conclusão. A diferença está no fato de que este paralelismo não necessariamente se dá em relação a personagens e um enredo, mas em relação à estrutura do jogo como compêndio de regras, e os eventos são desencadeados a partir do jogar. Os jogos e as representações presentes neles não existem de maneira isolada do restante da cultura. Pelo contrário, há uma série de elementos que derivam de outras mídias e, por isso, exibem elementos que frequentemente são familiares para os jogadores. Afinal, se adotarmos os estudos de Ricoeur (1994) e Goulemot (1996) como base, entenderemos que o ser humano lê situações e histórias a todo momento ao longo de sua vida, o que resulta em um contínuo acréscimo da biblioteca pessoal e criação de novas mimeses. Precisamente por isso é que Salen e Zimmerman (2003) afirmam que a criação de narrativas de jogos significa brincar e jogar com os campos da cultura, bem como convenções da cultura popular, literatura, entretenimento, arte e mídias em geral. Nenhuma representação é neutra e, em um jogo, quanto mais relevantes elas forem, maior a chance de estimularem uma experiência convidativa e engajante. Entretanto, segundo Bissell (2010), embora muitos jogos eletrônicos sejam comparados com filmes, suas formas de contar histórias são significativamente diferentes. O cinema é capaz de escolher exatamente o que mostrar em tela e, assim, comprime suas histórias;já os jogos não costumam impor esta determinação sobre seus jogadores e ganhando valor ao demonstrarem a importância de observar uma constelação em vez de uma única estrela. Por isso, muitas convenções tradicionalmente utilizadas para contar histórias acabam por não se sustentar quando aplicadas à estrutura dos jogos. Bissell (2010) reforça que os padrões operados são significativamente diferentes e frequentemente carecem das mecânicas de participação que são tão importantes para os jogos. Ele reforça que jogos, filmes e romances são economias distintas e separadas que lidam com a moeda corrente histórias. Grip (2012) acrescenta que jogos podem ter o mesmo impacto que outras mídias, mas podem se adaptar ao jogador, oferecendo conteúdo que se conforme às suas escolhas. Nesse sentido, jogos são capazes de estimular uma profunda reflexão no jogador quanto ao seu ser e, por isso, distinguem-se de outras mídias que contam histórias. Gomes (2009) também traz luz a essa discussão ao identificar este dilema narrativo vivido pelos jogos: de um lado, a tentativa de dar ao interator toda liberdade que o meio pode lhe propiciar e, de outro, a necessidade de circunscrever suas atitudes a um mínimo de estrutura dramática na experiência do game. (Gomes, 2009, p.67) Jogos convidam indivíduos para seus mundos virtuais, nos quais permitem que cada jogador molde seu ser a partir de suas decisões e sinta tristeza, amor ou admiração. Isto, contudo, só é possível com a valorização da presença do jogador dentro do universo do sistema e, em muitos aspectos, aproxima-se do conceito de participação significativa. 122 Design para uma educação inclusiva Salen e Zimmerman (2003) apresentam uma distinção que ajuda a pensar essa dinâmica de dupla autoria e de um dilema narrativo nos jogos, bem como ajudam a verificar o potencial para a participação significativa neles. Estas seriam as duas formas de compreender como o sistema de um jogo é capaz de produzir narrativa: a narrativa embutida e a narrativa emergente. A narrativa embutida é a história inserida no sistema do jogo que confere sentido e contexto às regras, de autoria do criador do jogo. Ações simplesmente inerentes às mecânicas de interação poderiam soar abstratas e destituídas de propósito. Assim, a narrativa embutida visa conferir uma participação significativa ao jogador por meio de elementos do enredo, como premissa da história, personagens e sequência de eventos que conferem uma unidade dramática às interações e jornada do jogador. Salen e Zimmerman (2003) afirmam, inclusive, que a narrativa embutida tende a se parecer com os elementos típicos das experiências narrativas que mídias tradicionais, como livros e filmes, costumam oferecer – como um roteiro. Um determinado diálogo entre personagens, um texto específico a ser lido, uma música, um confronto ou essencialmente qualquer elemento que seja imutável e pré-estabelecido, como também as representações visuais e as mecânicas de interação, contribuem diretamente para a experiência narrativa nos jogos. Contudo, como destacado anteriormente, há outra possibilidade narrativa de extrema importância para a mídia do jogo eletrônico: a narrativa emergente, a história que é criada a partir da experiência interativa do jogador. A sua base também é planejada pelo produtor do jogo, mas é impossível prever todos os seus desdobramentos. Isso se dá em função de os eventos criados serem uma consequência orgânica da liberdade exercida pelo jogador diante das mecânicas de jogo e sua produção de sentidos como usuário. A narrativa emergente depende não só da ação do jogador, mas também do que está ocorrendo no sistema naquele exato momento, pois as circunstâncias/contexto no sistema não são necessariamente as mesmas. A ênfase da narrativa emergente está na forma como o jogador interage com o sistema do jogo e cria a sua própria e única sequência de fatos. O resultado de suas ações e a sequência de eventos criada – planejados ou não pelo criador da obra – geram uma narrativa da qual o jogador se sente autor. Salen e Zimmerman (2003) acreditam que as duas modalidades de narrativa, além de serem inerentes a toda experiência de jogo, quando bem trabalhadas, atingem uma forma de simbiose. Quando coexistindo em equilíbrio, as narrativas embutida e emergente promovem uma relação mutuamente vantajosa de comunicação e colaboração, que permite a criação de experiências narrativas únicas. Ao oferecer uma participação significativa, por sua vez, pode-se vir a promover uma simbiose entre o jogo e o jogador. Dessa forma, fica claro que a narrativa nos jogos definitivamente não se resume a pedaços de uma história que existem para atrair o jogador a progredir, mas uma atividade contínua que promove engajamento com as mecânicas de Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola 123 interação por meio de escolhas. Elementos como a incerteza diante de situações futuras e a chance de se expressar por meio de decisões morais, por exemplo, são situações que encorajam o envolvimento do jogador. Por fim, ao discutir a articulação de estruturas de mecânicas de participação e narrativa nos jogos, vale mencionar Krawczyk e Novak (2006). As autoras demonstram que, além de poderem ter diversos gêneros, uos jogos podem se assumir numa variedade de estruturas narrativas. A maioria dos jogos eletrônicos é linear. Boa parte dos estágios, personagens e enredos em jogos são apresentados de forma que haja um início, meio e fim claramente estabelecidos. Há alguma liberdade que diz respeito especificamente às mecânicas de interação, para remover os obstáculos que se apresentam adiante – inimigos ou eventos dramáticos –, mas frequentemente trata-se de um trilho bem definido, pois qualquer desvio não previsto é impedido pelas limitações do sistema ou recepcionado com uma tela de “game over”. Jogos que conferem ao jogador a possibilidade de escolher quais destes caminhos ele deseja percorrer são considerados jogos ramificados. Naturalmente, em retrospecto, trata-se de um jogo linear – afinal, apenas um caminho, ainda que composto por diversos caminhos menores, foi percorrido – mas a lógica é que o jogador teve a oportunidade de optar. Assim, a história e seus personagens podem assumir novas facetas. É possível seguir adiante ainda que figuras importantes morram ou que o jogador fracasse em determinadas missões, o que é computado como um “sucesso alternativo”, já que um fracasso tradicional resultaria no fim do jogo. Assim, cria-se uma estrutura muito parecida com um fluxograma que prevê todas as trajetórias possíveis diante de decisões previstas pelo desenvolvedor do sistema. Há, também, um terceiro tipo de história que não é completamente diferente dos dois primeiros, mas apresenta uma espécie de “evolução”, a história aberta, enredo que permite ao jogador habitar o mundo ficcional de maneira livre, sem ser pressionado para prosseguir. É comum que existam motivos que incentivem o jogador a seguir em frente, uma trama com objetivos a cumprir ou mesmo uma linearidade na história, mas o sistema não irá penalizar o jogador por explorar o universo no seu próprio tempo e determinar seus próprios objetivos durante toda duração do jogo ou durante um momento específico da experiência4. NARRATIVAS NOS JOGOS E APRENDIZAGEM A partir dos autores apresentados, podemos dizer que os jogos (especialmente os digitais, mas não apenas estes), assim como os filmes e demais produtos au4 Em inglês, este modelo de história e estrutura interativa é identificado pelo termo sandbox, que é o equivalente a uma caixa de areia onde crianças geralmente brincam. A ênfase nessa proposta está em permitir que o jogador crie sua própria história a partir de suas decisões. 124 Design para uma educação inclusiva diovisuais, são mídias que participam de um ecossistema cultural, com a diferença de que os jogos convidam à participação e à autoria conjunta dos jogadores em níveis mais aprofundados das narrativas. Algumas abordagens que associam jogos à educação alinham-se a essa forma de vê-los como produtos culturais, portadores e potencializadores de narrativas. Na área da educomunicação ou educação midiática, os jogos são vistos como meios a serem conhecidos e explorados, compondo uma “ludoliteracia”, cujo domínio estaria para além dos jogos estritamente definidos, incluindo processos “gamificados” e o que os autores chamam de uma tendência geral da sociedade digital para processos “lúdicos” (JUÁREZ; MARTÍNEZ; SÁNCHES-NAVARRO, 2014). A importância dessa literacia estaria na possibilidade de ampliar o controle de crianças, jovens e adultos em relação ao consumo desses meios, e sua concretização dependeria de considerar o “lúdico digital” como “um meio distinto dos demais, que gera significados, prazeres e requer competências analíticas e criativas próprias” (Ibid., p. 223). Para Zagal (2010, p. 24), essa literacia seria composta de três habilidades: 1) habilidade de jogar; 2) habilidade de entender os significados em relação com os jogos; e 3) habilidade de criar jogos. Albuquerque (2014) defende um “letramento eletrolúdico”, com a finalidade de que os estudantes não só conheçam os mecanismos da indústria e os sentidos presentes nos jogos, mas também reflitam sobre sua relação com eles, conhecendo diferentes modos de jogar e suas potenciais consequências, favorecendo a decisão consciente sobre suas atitudes em relação ao jogar. É evidente, como Salen e Zimmerman (2013) apontam, que quanto mais ricas forem as narrativas emergentes e quanto mais estas promoverem um equilíbrio com a potencial construção de narrativas emergentes por parte dos jogadores, mais significativa torna-se essa participação e, consequentemente, maior a sensação de autoria compartilhada por parte dos jogadores. Por isso, para aproveitar um dos potenciais para os jogos na escola, torna-se relevante a busca e a experimentação de jogos que possibilitem diferentes experiências narrativas: lineares, ramificadas ou abertas. A partir daí, possibilidades de trabalho seriam provocar a reflexão sobre as experiências vividas, sobre a abertura de possibilidades, pensar a criação de novos caminhos para narrativas fechadas; e a discussão da opção por determinados caminhos e os sentidos contidos em cada caminho ou na multiplicidade deles. É importante ressaltar também que, independentemente de haver uma intenção “educativa”, qualquer experiência de jogo pode se configurar em uma ressignificação do sujeito e sua posição como coautor do jogo. A experimentação da narrativa dos jogos (mimeses 2 construídas pelos produtores dos jogos a partir da mimese 1 dos elementos do mundo) pode propiciar a construção de uma mimese 3, fruto da experiência de jogo. Essa mimese pode estar representada em um debate sobre a experiência, uma produção textual ou imagética, um depoimento ou mesmo nas trocas e diálogos durante a sessão de jogo. Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola 125 Em um nível ainda mais aprofundado, a construção de jogos por alunos pode ser entendida como um exercício do momento da mimese 2, de tessitura de uma intriga: a partir da experiência do mundo e/ou de novos conhecimentos adquiridos, ou mesmo da experiência de jogar um jogo, tece-se uma nova narrativa interativa coletiva, que articula a discordância, o desafio, a dificuldade, a inquietação, o desequilíbrio. Essa autoria coletiva pode construir regras, objetivos para o jogador, enredo, elementos narrativos, visuais e de regras, provocando a necessidade de dar sentidos coletivos aos elementos da realidade acessados, questioná-los e de buscar novos conhecimentos. Entretanto, na qualidade de autores de jogos, professores e alunos devem, ainda, buscar aproveitar o potencial dessa mídia ao pensar em uma participação significativa dos futuros jogadores. Dessa forma, refletir sobre as decisões adotadas, procurando articular a narrativa embutida no enredo e nas regras com a promoção da narrativa emergente. Que tipos de caminhos as regras do jogo permitem? Quais os sentidos que esses caminhos e que as próprias regras apontam? As regras e o que elas pedem dos jogadores encontram ressonância nos discursos presentes no enredo, na narrativa embutida construída? Elas servem para suscitar reflexões sobre questões da realidade? Quais as possibilidades de escolha do jogador para a construção de sua própria narrativa emergente? Essas possibilidades de escolha acrescentam aos sentidos já presentes na narrativa embutida? CONSIDERAÇÕES FINAIS A meta principal deste artigo foi entender a narrativa conforme as limitações e peculiaridades da mídia do jogo e apontar possibilidades de como ela se reflete nas práticas de uso, análise e construção de jogos, potencializando-as na escola. Por isso, diante da compreensão estabelecida para a narrativa em um plano mais geral, foi crucial identificar a multiplicidade de visões de autores referentes ao segmento dos jogos eletrônicos. Em síntese, os termos utilizados por Salen e Zimmerman tornaram-se nossas referências para identificar nos jogos as duas modalidades narrativas que apontam os eventos que foram criados e fornecidos pelo desenvolvedor na condição de criador (narrativa embutida) e os eventos criados pelas ações do jogador durante o momento de interação (narrativa emergente). Ao mesmo tempo, os conceitos de mimese de Ricoeur e as visões de Goulemot sobre a leitura e de Gottschall sobre a narrativa como “simulador de voo” colocam-se como parâmetros para pensar as narrativas de jogos na escola. Conclui-se que os jogos operam narrativas de forma diferente de muitas mídias e a sua inerente interação altera padrões substanciais. Alerta-se aqui para o fato de que não levar em conta a participação do jogador (ou subestimá-la) pode levar à criação de uma experiência muito próxima de outras mídias e muito aquém do potencial das 126 Design para uma educação inclusiva mídias digitais interativas. Pensar no planejamento da narrativa de um jogo desvinculada de seu sistema é desconsiderar as particularidades da mídia. Afinal, se há o processo de design de jogos, logo, há também o design de sua narrativa. Em suma, a intenção deste artigo é, aprofundando um dos tópicos discutidos no GT Jogos na educação do evento SILID/SIMAR, que o conhecimento em relação à narrativa aplicada aos jogos seja valorizado na formação docente para sua consequente utilização nas escolas, em qualquer situação de uso ou produção de jogos (analógicos ou digitais) ou narrativas interativas. O presente artigo não se trata de um manual de regras ou práticas, mas da exploração de conceitos que norteiem uma linha de pensamento. Afinal, acredita-se que a eficaz utilização da narrativa em um jogo é capaz não só de valorizá-lo como um projeto de design, mas especialmente de aperfeiçoar a sua relação com o jogador, potencializando a construção de narrativas e destacando a aprendizagem embutida no processo. Se um escritor escreve para seu leitor, um criador de um jogo não deve subestimar ou se esquecer de seu jogador. O jogador também é o autor, autor de uma obra criativa, construída a partir dos fundamentos oferecidos pelo produtor. O resultado é uma tela preparada pelo desenvolvedor, mas pintada pelo jogador, de forma a demonstrar a individualidade de cada experiência. Por mais similares e lineares que as experiências possam ser, a mínima participação de cada jogador é o suficiente para caracterizar o jogo como um canal de comunicação de ideias e consolidar sua narrativa como uma criação única de cada pessoa. Enxergar essas particularidades é poder ver alunos e professores não apenas como coautores ao jogar, mas como potenciais construtores de narrativas expressas nas narrativas embutidas nos jogos e nas possibilidades previstas de narrativas emergentes. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, R. M. Letramento eletrolúdico como conscientização: bases teóricas para educar o jogar. Currículo sem Fronteiras, v. 14, n. 2, p. 57-74, maio/ ago 2014. BISSEL, T. Extra lives: why video games matter. Nova York: Pantheon Books, 2010. Livro eletrônico. FRASCA, G. Ludology meets narratology: similitude and differences between (vídeo)games and narrative. Ludology.org, 1999. Disponível em: <http://www. ludology.org/articles/ludology.htm>. Acesso em: 1 jul. 2013. GOMES, R. Shenmue e o dilema narrativo. In: SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna. Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009. GOULEMOT, J. M. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Ro- Narrativa nos jogos: uma oportunidade para autoria coletiva na escola 127 ger (org.). Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p. 107-116. GOTTSCHALL, J. The storytelling animal: how stories make us human. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2012. Livro eletrônico. GRIP, T. The self, presence and storytelling. In the games of madness, 20 ago. 2012. Disponível em: <http://frictionalgames.blogspot.com.br/2012/08/the-self-presence-and-storytelling.html> Acesso em: 22 nov. 2013. HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: EDUSP, 1971. KRAWCZYK, M.; NOVAK, J. Game development essentials: game story & chatacter development. Clifton Park: Thomson Delmar Learning. 2006. MATTAR, J. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. OLIVEIRA, A. P. J.; FARBIARZ, J. L. Jogando histórias : refletindo sobre a narrativa dos jogos eletrônicos. 2014. Dissertação (Mestrado)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2014 Disponível em : <http://www.dbd.pucrio.br/pergamum/biblioteca/php/mostrateses.php?open=1&arqtese=1213338_2014_ Indice.html>. Acesso em : 1 mai. 2016. PARLETT, D. The Oxford History of Board Games. Oxford: Oxford University Press, 1999. RICOEUR, P. Tempo e narrativa – Tomo I. tradução de Constança Marcondes César. Campinas: Papirus, 1994. SALEN, K. ZIMMERMAN, E. Rules of play: game design fundamentals. Cambridge: MIT Press, 2003. Livro eletrônico. SÁNCHEZ-NAVARRO, J.; JUÁREZ, D. A.; MARTÍNEZ, Silvia S. El juego digital e internet como ecosistema lúdico. Jerarquía de medios para ele entretenimiento y alfabetizaciones emergentes. In: Agentes e Vozes: um panorama da mídia-educação no Brasil, Portugal e Espanha.Yearbook 2014. Ilana Eleá (Org.). Portuguese/Spanish edition. Taberg, Sweden: The International Clearinghouse on Children, Youth and Media, 2014. ZAGAL, J. P. (2010). Ludoliteracy: Defining, Understanding, And Supporting Games Education. ETC Press, paper 4. Disponível em http://press.etc.cmu.edu/ files/Ludoliteracy-JoseZagal-web.pdf. Acesso em 11/09/2015. PARTE III – MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo Formação do professor para a educação inclusiva CAPÍTULO 8 Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo Marcia Bastos de Sá, Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Andréa Costa da Silva, Doutora, Universidade da Força Aérea (UNIFA) INTRODUÇÃO O grupo de trabalho (GT) Livro, materiais e recursos didáticos: diálogos com temas contemporâneos1 participou pela segunda vez do Simpósio sobre o Livro Didático de Língua Materna e Língua Estrangeira (SILID) e do Simpósio 1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em: <http://www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20Resumos%20 V%20SILID%>. Neste caso específico, o artigo apresentado no GT intitulado “Livros didáticos de Língua Portuguesa e identidades étnico-raciais” está disponível em: <http://www.proceedings.blucher. com.br/article-details/livros-didticos-de-lngua-portuguesa-e-identidades-tnico-raciais-22593>. 132 Design para uma educação inclusiva sobre Materiais e Recursos Didáticos (SIMAR). A disponibilização desse GT foi possível devido à interdisciplinaridade proposta pelo evento, organizado por grupos de pesquisa que desenvolvem estudos e pesquisas voltados para o conhecimento de questões em torno do livro didático e de materiais e recursos didáticos utilizados na formação educacional e cultural contemporânea e, mais especificamente, em relação às novas tecnologias de comunicação e informação. A proposta desse GT teve por objetivo promover debates a respeito de como questões consideradas importantes para a constituição de identidades – como sexualidade, gênero, raça, etnia e cidadania – são agenciadas por livros, materiais e recursos didáticos (vídeos, jogos, quadrinhos, livros paradidáticos, cartilhas, folderes, manuais etc.) em instituições (de educação ou de saúde) e situações educativas (formais ou informais, presenciais ou a distância) nos diferentes níveis de ensino. Tal proposta buscou privilegiar: 1) O entendimento de que identidades são “produtos” sempre provisórios, resultado de negociações de cada sujeito com as muitas faces da sociedade – outros sujeitos, grupos sociais, instituições, valores, princípios, códigos etc. –, o que aponta tanto para a coexistência de várias identidades em cada sujeito (HALL, 2006) como para um permanente exercício de encontro/confronto dos sujeitos em relações de poder (FOUCAULT, 1982). 2) A aceitação do pressuposto de que materiais e recursos didáticos podem interferir na constituição de identidades, porque, de algum modo, interpelam os sujeitos em relação às crenças e conhecimentos que possuem de si mesmos (SILVA, 2003). Sob essa perspectiva, pretendemos, a partir do diálogo entre a pesquisa acadêmica e a prática cotidiana, aprofundar reflexões sobre fenômenos considerados de urgência social – como a intolerância e a violência em suas diversas formas de manifestação, o uso de drogas, gravidez e aborto em jovens, paternidade e maternidade, dentre outros –, tendo por objetivo último a discussão sobre como os diversos espaços e situações educativas, assim como os recursos e materiais didáticos podem interferir ou interferem na constituição de identidades. Esta perspectiva nos interessa pois como pesquisadoras do campo de educação em ciências e saúde, investimos em observar livros, textos, materiais e recursos didáticos, bem como as mediações exercidas com tais artefatos como discursos, ou seja, os discursos, sua circulação e a maneira como eles aparecem nos interessam – pois os entendemos como construções pertencentes à determinada historicidade – nas palavras de Veyne, Longe de serem ideologias enganadoras, os discursos cartografam aquilo que as pessoas fazem e pensam realmente, e sem o saberem. Foucault nunca estabeleceu uma relação de causa e efeito num sentido ou no outro entre os discursos e o resto da realidade. (2008, p. 34) Sob esse enfoque, consideramos a linguagem em sua historicidade, ou seja, a linguagem em seu uso e em seu funcionamento histórico. No percurso Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 133 da obra foucaultiana, o autor se interessa pela linguagem e a percebe para além da distinção significante e significado: no desdobramento do conceito que envolve o plano discursivo, não é o “ser da linguagem” que tem o foco – ao que Castro acrescenta: mas sim, o seu uso e sua prática, no contexto de outras práticas que não são de caráter linguístico. Foucault já não se ocupará somente ou primariamente das práticas discursivas, mas também das ‘práticas’ com as quais se exerce o poder, das ‘práticas éticas’. A relação entre o discursivo e o não discursivo haverá de se converter, desse modo, em uma via de acesso à análise histórica dos usos da linguagem. (2009, p. 251). Assim, discurso e prática, para Foucault, não são elementos estáticos: eles funcionam em inter-relações dinâmicas. Ao debater sobre a atividade discursiva, o autor invariavelmente menciona o enunciado, e neste ponto fica claro que para ele o enunciado não trata de uma unidade menor contida dentro do discurso: seu caráter é muito mais amplo e transversal e funcionaria atravessando a linguagem. Referindo-se ao enunciado, Foucault nos diz: “ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos no tempo e no espaço” (2007, p.98). Veiga-Neto exemplifica e esclarece ainda mais o conceito: “um horário de trens, uma fotografia ou um mapa podem ser um enunciado, desde que funcionem como tal, ou seja, desde que sejam tomados como manifestações de um saber e que por isso, sejam aceitos, repetidos e transmitidos.” (2004, p. 113) Partindo da consideração de que práticas e ações estariam imbricadas aos mecanismos discursivos, cremos ser mais produtivo concentrar o foco sobre como a realidade se constrói por dentro de uma trama discursiva e, para acessar este jogo complexo de significações que percorrem textos e práticas do tecido social, escolhemos a perspectiva foucaultiana, sendo ele mesmo um “historiador do presente”, levando em conta que os discursos “verdadeiros” estão mergulhados em relações de poder, produzidas discursivamente e, ao mesmo tempo, produtoras de discursos, de saberes e de verdades. Ao trabalhar com livros, incorporando suas imagens e textos, em materiais e recursos didáticos buscamos analisá-los pelas possibilidades discursivas que geram. Ou ainda, levando em conta a dimensão da cultura, Stuart Hall nos diz: “Não é que não haja nada além do discurso, mas toda prática social tem o seu caráter discursivo.” (1997, p. 33). Tomando por base tal perspectiva, apresentamos a seguir algumas considerações teóricas que permeiam nossos estudos e contribuem para análise do material observado, e, em seguida, delineamos um panorama sobre os trabalhos apresentados no GT. Nosso objetivo não é meramente expor os dados que levantamos a partir dos artigos e apresentações dos autores, mas, especialmente, 134 Design para uma educação inclusiva tentar entender a partir desses dados por que o nosso GT, e não qualquer outro, foi eleito para acolher os trabalhos nele apresentados. Além disso, procuramos discriminar os temas, as metodologias, os referenciais teóricos e autores adotados e, por fim, se e em sob qual perspectiva nosso GT poderá contribuir para o avanço das discussões sobre os temas de interesse dos autores que direcionam seus trabalhos para nós. A emergência das “diferenças” na pauta contemporânea Com o aporte de Foucault, descobrimos que certos enunciados possuem mais “força” que outros – não de uma maneira casual e despreocupada, mas devido a contingências de seu surgimento e circulação. Tais contingências indicam como nossos objetos são construídos e, assim, ao nos preocuparmos em como as temáticas contemporâneas são veiculadas nos materiais e recursos didáticos e em como estes temas emergem, a tônica recai sobre as condições de possibilidade de existência de determinado discurso em relação a outro, como também sobre as lacunas existentes no plano discursivo. Ao discorrer sobre o regime de formação dos objetos, Foucault assinala que o discurso jamais se desvincula de questões e jogos de poder, e com isto devemos não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos e representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever (2007, p. 55) Com tal observação, voltamos à questão de considerarmos a evidente inter-relação entre discursos e práticas. Assim, são evidenciados os processos de inclusão e exclusão discursiva, onde os interditos são produtos de um sistema de relações de poder/saber na sociedade. Deste modo, cultura e relações de poder possuem uma relação indissociável e “deriva dessas relações de poder a significação do que é relevante culturalmente para cada grupo” (VEIGA-NETO, 2000, p. 40). Complementando esse pensamento o autor afirma que “para os Estudos Culturais, não há sentido dizer que a espécie humana é uma espécie cultural sem dizer que a cultura e o próprio processo de significá-la é um artefato social submetido a permanentes tensões e conflitos de poder” (ibid). Assim, seria simplista perceber este movimento de maneira polarizada; muito mais interessante seria pensar a natureza relacional do poder e em como tais pressupostos são oriundos de um modo de pensar a educação ou de um Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 135 modo de conceber a prática educacional que se insere na perspectiva de pensar o ser humano como sujeito da própria história, capaz de transformar o mundo a partir da tomada de consciência, reúne essas duas concepções: tudo se passaria como se, percebendo a dominação, a força do outro, o sujeito pudesse lutar e chegar, talvez um dia, à condição paradisíaca (e originária) de sujeito uno, pleno de poder (FISCHER, 2001, p. 207). Esse sujeito uno, herança da concepção de sujeito da modernidade, se depara com o descentramento do sujeito pós-moderno, uma perspectiva que está muito mais preocupada em pensá-lo a partir de suas práticas discursivas. Discurso e sujeito estariam, assim, interligados em processos de constituição e reconhecimento através de mecanismos de saber-poder presentes nos discursos enunciados nos materiais e recursos que circulam na escola ou no currículo que viabiliza a sua utilização. Como um mecanismo que se retroalimenta, essas ações adquirem visibilidade nas práticas que investem em dar voz aos saberes originalmente “excluídos” da pauta escolar. Desta forma, tomando a perspectiva foucaultiana: tudo está imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, ou seja, enunciados e visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais por definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam (FISCHER, 2001, p. 200). A necessidade pedagógica de trazer à baila a subjetividade daqueles que estão nos bancos escolares para direcionar as ações pedagógicas revela uma preocupação que não é nova e nos lembra novamente de que não existe uma exterioridade ao poder, pois as práticas educacionais também são elementos de disputa na arena buscando espaço de significação e, “nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado é negociado e fixado” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER,2003, p.38). Avançando nesta perspectiva, Rodrigues e Abramowicz assinalam que: A partir da década de 1990, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais presente no contexto político brasileiro, motivada pela pressão internacional de cumprimento dos acordos internacionais de combate às desigualdades raciais, de gênero e outras, bem como por um contexto interno de intensas reivindicações. (2013, p. 25). As autoras analisam a maneira pela qual os conceitos de diferença e diversidade têm sido utilizados no debate contemporâneo brasileiro em educação e nas políticas públicas da área, e com este empreendimento percebem o avanço da temática “diversidade” na agenda pública. Entretanto, apontam que seria necessário um deslocamento do campo da retórica para o campo da prática, visando 136 Design para uma educação inclusiva efetuação das intenções. Este investimento repercute na esfera escolar, tendo em vista que muitas vezes o/a docente procura determinado livro para seu trabalho em sala de aula, tendo como estopim a demanda do currículo, seja ela explícita ou implícita, como no caso da incorporação dos temas transversais. Currículo e escola são entrelaçados por movimentos diversos que deixam transparecer as marcas de significação que lhes são próprias, apontando lugares, valores, produzindo efeitos e indicando determinada ação pedagógica. Silva (2003) alega que as políticas curriculares constroem “um léxico próprio”, estabelecendo um mecanismo de instituição e constituição do “real” que supostamente lhes servem de referente. O currículo escolar, portanto, é central na construção das hierarquias e não é um dispositivo neutro com eixo apenas na transmissão de conhecimentos concebidos como fatos, como informação. Com esta perspectiva, Zucchetti, Klein e Sabat (2007) analisam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas. Elas argumentam que estes documentos, que compõem as políticas públicas nacionais “em conjunto, dão visibilidade a uma ordem do discurso sobre a inclusão social em nosso país na contemporaneidade” (2007, p. 78). Com esta análise, podemos perceber que sujeitos e discursos recebem a interferência das políticas analisadas, podendo ser constituídos por elas e, assim as autoras apontam que: a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), um número significativo de documentos foi elaborado no sentido de atender às prerrogativas da inclusão e do respeito à diversidade. Exemplo disso são os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, estabelecidos pelo Governo Federal através do Ministério da Educação, desde 1999, trazendo para o âmbito escolar discussões em torno de temáticas como pluralidade cultural, ética e sexualidade, sob a forma de Temas Transversais. Cabe ressaltar, também, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente que, entre outras prerrogativas, dá amparo legal aos projetos socioeducativos a partir de uma proposta de diálogo entre os processos de ensino-aprendizagem (políticas educacionais) e as ações de proteção (políticas de assistência social), visando à inclusão social de crianças e adolescentes considerados em situação de vulnerabilidade social. Assim, questões ligadas à diversidade como raça, gênero, necessidades educacionais especiais e geração, entre outras, ganharam visibilidade nos currículos escolares e nas Políticas Públicas (2007, p. 76). A legislação apontada constrói processos de legitimação nas esferas que nela se amparam. No que diz respeito ao currículo, Silva (2003) evidencia a relação entre as práticas de significação e as praticas produtivas, e, neste caminho, Zucchetti, Klein e Sabat mais uma vez assinalam: Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 137 Enquanto materialidade discursiva, esses documentos das políticas públicas não só dão encaminhamentos às garantias de direitos dos indivíduos e grupos pelos quais se organizam, como também [...] constituem os saberes e as práticas dos docentes envolvidos na educação nos espaços escolares e não-escolares (2007, p. 85), Ao estabelecer esta reflexão levando em conta os elementos da cultura, Costa, Silveira e Sommer observam: Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo de rock, por exemplo, não são apenas manifestações culturais. Eles são artefatos produtivos, são práticas de representação inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas (2003, p. 38). Assim, os objetos culturais se inserem em um contexto amplo de posições ocupadas, em que poder e reconhecimento são sempre negociados, e com este pensamento observamos os trabalhos apresentados. Panorama Na edição de 2013, primeira da qual participamos, doze trabalhos foram aprovados, mas apenas oito (66,66%) foram apresentados em duas sessões do GT; já nesta última edição de 2015, dezessete trabalhos foram aprovados, quinze (88,23%) dos quais apresentados em quatro sessões. Primeiro dado: houve crescimento de 17,25% no número de trabalhos aprovados e de 30,43% no número de trabalhos apresentados no GT, o que parece indicar que, em linhas gerais, os temas são de interesse crescente dos autores. A seguir comentamos tópicos fundamentais sobre os trabalhos apresentados: tema abordado; material ou recurso didático utilizado ou desenvolvido; estratégia metodológica; e suporte teórico. Tais dados foram coletados dos artigos enviados pelos autores ou, no caso de não terem sido disponibilizados, apenas dos resumos submetidos para o processo de seleção. Para facilitar o entendimento de nossas considerações, apresentamos tabelas ou quadros com as informações sobre os tópicos indicados acima. Devido ao espaço consumido por estes recursos, não incluímos os dados referidos aos dois últimos tópicos dos trabalhos de 2013. 1. Temas abordados pelos trabalhos Pode-se observar na tabela 8.1 que: a) trabalhos sobre questões de gênero só foram apresentados na edição de 2013; b) trabalhos sobre questões identitárias e culturais ocorreram em ambas as edições, com crescimento percentual nos dois 138 Design para uma educação inclusiva temas e expressivo aumento de interesse em relação ao tema cultura; c) dois trabalhos sobre temas não diretamente vinculados ao GT participaram dos debates nas duas edições. Tabela 8.1: Distribuição dos trabalhos por tema. Temas em 2013 N.° de trabalhos % Temas em 2015 N° de trabalhos % Questões culturais 2 25 Questões culturais 8 53 Questões identitárias 2 25 Questões identitárias 5 33 Questões de gênero 2 25 Potencial pedagógico 1 7 Letramento literário 1 12,5 Formação do leitor 1 7 Representações sociais 1 12,5 Fonte: Dados da Pesquisa, 2016. Interessante destacar que sob as designações genéricas “questões culturais’ ou “questões identitárias’, os trabalhos de 2015 abordam os muitos assuntos de interesse do GT, como raça, etnia, gênero e classe, privilegiando uma investigação de estereótipos e preconceitos ou implantando propostas pedagógicas visando um enfrentamento desses. Dentre todos os assuntos tratados, observamos interesse significativo pela investigação da “brasilidade”, ou seja, da noção de “cultura brasileira”, aspecto abordado por quatro trabalhos. Finalmente, em relação a este tópico, contamos ainda com a apresentação de um trabalho com foco sobre pessoas com necessidades especiais, também alvo de preconceito e discriminação na sociedade, e de um trabalho sobre representações de família. Na Tabela 8.2, apresentamos as questões culturais e identitárias abordadas em 2015. Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 139 Tabela 8.2: Trabalhos referidos a questões culturais e questões identitárias. Questões culturais Culturas africanas (dois trabalhos) Noção de “cultura brasileira” em livro de PLE (dois trabalhos) Noção de “cultura brasileira” com foco na formação de professores de PLE Representações de cultura em LD de inglês Influência visual francesa nas cartilhas de alfabetização brasileiras Família em LD de língua estrangeira – inglês Questões identitárias Identidade e representação das pessoas com necessidades especiais em LD de língua portuguesa Identidade para a população brasileira no Canal Futura Identidades étnico-raciais Identidades sociais de raça, gênero e classe em LD de língua estrangeira e formação de professores Representações de identidade no LD “Big Picture B1” Fonte: Dados da Pesquisa, 2016. 2. Material ou recurso didático analisado e/ou desenvolvido Em relação a materiais, recursos ou propostas analisados e/ou desenvolvidos, podemos destacar que: a) o livro didático (LD) foi o recurso mais estudado nos dois eventos correspondendo a 62,5% dos trabalhos apresentados e a 60% deles em 2015; b) a investigação sobre temas em materiais impressos – livros de qualquer espécie, cartilhas, almanaques – predomina sensivelmente sobre qualquer outro tipo de recurso, correspondendo estes últimos a apenas dois trabalhos apresentados em 2015, um classificado como proposta didático-pedagógica e outro sobre análise de canal de TV. Observe na Tabela 8.3, os detalhes da distribuição dos trabalhos. 140 Design para uma educação inclusiva Tabela 8.3: Distribuição dos trabalhos por material ou recurso didático Materiais em 2013 Nº. de trabalhos % Materiais em 2015 Nº. de trabalhos % LD de inglês 3 37,5 PLE/PFOL 4 26,67 LD de francês 1 12,5 LD de inglês 3 20 LD de espanhol 1 12,5 LD de português 2 13,33 Curso de espanhol 1 12,5 Proposta didáticopedagógica 2 13,33 Materiais didáticos impressos em Saúde 1 12,5 Canal de TV 1 6,66 Livros de literatura para formação de professores 1 12,5 Cartilha de alfabetização 1 6,66 Almanaque 1 6,66 Livros ficcionais 1 6,66 Fonte: Dados da Pesquisa, 2016. Quanto aos livros didáticos, vale a pena destacar que: a) o número de trabalhos sobre LDs de inglês aumentou sensivelmente do evento de 2013 (três) para o de 2015 (sete), ou seja, houve um incremento de mais de cem por cento, por conta dos quatro trabalhos dedicados aos livros de português língua estrangeira (PLE) e português para falantes de outras línguas (PFOL); b) trabalhos sobre LD de francês e de espanhol só foram apresentados em 2013 e de português apenas em 2015. 3. Estratégia metodológica Na Tabela 8.4, apresentamos as estratégias metodológicas utilizadas para a realização dos objetivos de cada trabalho apresentado no GT apenas na edição de 2015. Depois, tecemos algumas considerações de síntese dos dados. Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 141 Tabela 8.4: Estratégias metodológicas desenvolvidas pelos trabalhos. 2015 Análise de atividades de leitura, escrita e fala sobre temática de unidade didática. Análise de imagens e de atividades de listening e speaking em coleção de LDs. Análise de imagens de tarefas propostas em LDs de PLE. Análise de alternativas de respostas de tarefas em LD de PLE. Analise de representações de identidades em LD de PLE (imagens e textos). Análise de aspectos interculturais de estereótipos da cultura brasileira (imagens e textos). Análise de como temas culturais são propostos em livro (imagens e textos) + levantamento das opiniões de usuários do livro a respeito do tema proposto Análise descritiva de projeto de identidade corporativa de Canal de TV (imagens e textos). Análise descritiva e comparativa de aspectos gráfico-editoriais de publicações brasileiras e francesas. Análise discursiva. Análise de discurso + análise documental e de conteúdo. Desenvolvimento de sequência didática (2). Não menciona (2). Fonte: Dados da Pesquisa, 2016. Observamos que onze trabalhos (73,33%) se dedicaram a alguma modalidade ou à combinação de mais de uma modalidade de análise; dois (13,33%), à elaboração e realização de uma proposta pedagógica; e três (20%) não disponibilizaram a informação. Quanto ao tipo de análise praticada na elaboração dos trabalhos, distinguimos que: 1) dois desenvolvem análise de atividades – um, exclusivamente e o outro, conjugando-a à análise de imagens; 2) um realiza análise de alternativa de respostas a tarefas; 3) dois praticam análise de discurso, um deles associando-a à análise documental e análise de conteúdo; 4) cinco realizam análises que envolvem consideração de imagens e textos. Em relação aos trabalhos que desenvolvem sequência didática (dois): um deles parte da análise de documentos oficiais e do contexto onde o trabalho seria desenvolvido para elaborar e realizar a proposta pedagógica; o outro começa com 142 Design para uma educação inclusiva análise de projeto incluído em publicação do MEC e da análise do contexto onde o trabalho seria desenvolvido para elaborar, realizar e avaliar a proposta. 4. Referencial teórico e autores Por fim, o último tópico a ser considerado no presente artigo, o referencial teórico e os autores que fundamentam os trabalhos apreciados. Na Tabela 8.5 essas informações são apresentadas. Conforme referido anteriormente, os dados foram coletados do material que os autores nos enviaram – artigos ou apenas os resumos. A partir dessas fontes, podemos afirmar que: a) não foi possível encontrar qualquer informação sobre os tópicos em três trabalhos; b) foi possível estabelecer a abordagem teórica de doze trabalhos e os autores utilizados em oito deles. A seguir, apresentamos a Tabela 8.5 com os dados dos quinze trabalhos apresentados. As células em referem-se referem aos dados não obtidos. Tabela 8.5: Referencial teórico e autores explicitados nos trabalhos. Abordagem teórica Autores Análise crítica (sem referencial especifico) - Analise crítica do discurso, Linguística sistêmico-funcional (LSF) Análise crítica do discurso Fairclough, N. Van Dijk, T. A. Conceitos de identidade aberta ou fechada e de convivência dialética ou emissão unidirecional Bertalanffy, K. L. Estudo do discurso Bakhtin, M. Conceito de cultura no ensino de línguas e de idiomas; conceito antropológico de cultura; interculturalidade no ensino de línguas estrangeiras Godoi, E.; Laraia, R. B. Análise de discurso crítica Gramática sistêmico funcional Gramática de design visual Cantoni, M. G. S. Barroso, C. Halliday, M. Kress, G.; Leeuwen, T. V. História das cartilhas de alfabetização Le Men, S.; Choppin, A. Linguística sociocultural Bucholtz, M.; Hall, K. (continua) Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 143 Tabela 8.5: Referencial teórico e autores explicitados nos trabalhos (continuação) Abordagem teórica Literatura negra; identidades culturais; letramentos de reexistência Autores Duarte, E. A.; Hall, S.; Souza, A. L. S. Princípios interculturais Kramsch, C. Teorias oriundas dos campos da leitura, da literatura e da cultura - Não indica (2) - Não menciona (1) - Fonte: Dados da Pesquisa, 2016. Sobressai nesse tópico tanto a ausência (já referida acima) ou pouco esclarecimento sobre o referencial teórico quanto a variedade de referenciais utilizados. O pouco esclarecimento se refere a dois trabalhos que indicam abordagens que por si sós nada esclarecem sobre o percurso teórico do trabalho – “Análise crítica” e “Teorias oriundas dos campos da leitura, da literatura e da cultura”, posto que uma extensa lista de referências caberia sob tais designações; também pouco elucidativo é o trabalho que informa como referencial teórico os “conceitos de identidade aberta ou fechada e de convivência dialética ou emissão unidirecional”, muito embora, posteriormente, após acesso à dissertação do autor, tenhamos entendido que tais conceitos estão vinculados à teoria geral dos sistemas elaborada por Karl L. Bertalanffy. Em relação aos referenciais indicados adequadamente – oito trabalhos, observamos que metade se dedica ao estudo ou análise do discurso: um lançando mão de contribuições de Mikhail Bakhtin; outro, utilizando a análise crítica do discurso (ACD) indicando como referência Norman Fairclough e Teun A. Van DIJK; um terceiro que pratica uma triangulação teórica lançando mão da análise de discurso crítica, da gramática sistêmico funcional e da gramática de design visual, referindo Michael Halliday, Gunther Kress e Van Leeuwen; e o último que associa ACD e linguística sistêmico-funcional (LSF), sem, contudo, explicitar nome de autores. Os outros quatro trabalhos se concentram sobre questões culturais, realizando revisão de conceitos de cultura, fazendo uso de princípios da interculturalidade ou retomando contribuições da linguística sociocultural. Estes referiram Marry Bucholtz, Kira Hall, Stuart Hall, Claire Kramsch, entre outros. 144 Design para uma educação inclusiva CONSIDERAÇÕES Finalizamos o presente artigo investindo em sob qual perspectiva nosso GT poderá contribuir para avanço das discussões sobre os temas de interesse dos autores que direcionam seus trabalhos para nós, bem como buscando interlocução com nossos pares no constructo de estudos e pesquisas. Neste ponto, podemos assegurar que as questões contemporâneas evidenciadas em nosso GT emergem no contexto dos discursos que circulam buscando visibilidade sobre as “diferenças”, ou seja, estes temas emergem dentro dessa normalização dos discursos “vigentes”, do que o senso comum chama hoje de “politicamente correto”, por vezes polarizando as discussões entre o que pode ou não pode ser dito. Assim, como parte do desdobramento da inclusão dos temas transversais no currículo e também nos materiais didáticos, como já discutimos, surgem temáticas visando debater as “diferenças”, encontrando portas abertas na discussão escolar. A produção de material voltada para esse público espelha esse movimento e potencializa a exaltação de ideais igualitários com a caça aos estereótipos de todos os tipos. Este conhecimento, muito mais do que ligado à dimensão pedagógica do conhecimento, está imbricado em processos de legitimação dos grupos minoritários que repercutem na esfera sociocultural e ecoam na escola. O aparato saber-poder produz o discurso do verdadeiro. Neste ponto, seria importante clarificar, mais uma vez, que nosso interesse será sempre o de perceber como estes discursos circulam e observar as condições de possibilidade de sua existência. A atualidade e emergência das discussões e a procura pelo nosso GT apontam que, muito mais que um novo modismo da escola ou da academia, tais observações e estudos evidenciam novas pautas em que materiais e recursos didáticos reverberam. No entanto, a luta pelo preconceito invade a cena didática, produzindo armadilhas sempre que desconsideramos suas condições de circulação e produção. Por esta via, recebemos a excelente oportunidade de exercitar a interlocução entre campos distintos como educação, letras e design, em que os estudos culturais têm se apresentado como um campo produtivo de análise das pedagogias culturais na constituição de sujeitos, na composição de identidades, na disseminação de práticas e condutas, ou seja, na observação, no estudo e na pesquisa de formas de ser e viver na contemporaneidade. O SILID e o SIMAR oferecem o palco de interlocução de primeira grandeza para a atuação desses atores, campos que protagonizam a arena educacional – em espaços formais ou não formais – mas que invariavelmente não dialogam, restringindo-se às suas fronteiras de saber. O deslocamento que se faz necessário representa o exercício que poderá contribuir de forma significativa para nos aproximar das questões centrais dos nossos tempos com suas diversas, múltiplas, inter/multidisciplinares, mas, acima de tudo, complexas demandas. Muito trabalho nos espera! Temas contemporâneos: campos de conhecimento em diálogo 145 REFERÊNCIAS RODRIGUES, T. C.; ABRAMOWICZ, A. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisas em educação. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 1, mar. 2013. CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. COSTA, M. V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L. H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a03. Acesso em: 20 set. 2015. FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cad. Pesquisa, São Paulo, n. 114, nov. 2001. FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. ______. (1982) O sujeito e o poder . In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p p. 231-249. HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v. 22, n. 2, jul./dez. 1997. ZUCCHETTI, D. T.; KLEIN, M.; SABAT, R. Marcas das diferenças nas Políticas de Inclusão Social. Educação e Realidade, UFRGS, v. 32, n. 1, 2007. ______. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. SILVA, T. T. O currículo como fetiche. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. ______. Michel Foucault e os estudos culturais. In: COSTA, M. V. (Org.). Estudos culturais em educação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p p. 37-69. VEYNE, P. Foucault: o pensamento, a pessoa. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2008. CAPÍTULO 9 Formação do professor para a Educação Inclusiva Jackeline Lima Farbiarz, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) INTRODUÇÃO O presente artigo visa sintetizar as discussões desenvolvidas no grupo de trabalho (GT) “Formação do professor, práticas de ensino-aprendizagem, produção e uso de materiais, recursos e tecnologias assistivas com foco na educação inclusiva” que se reuniu no evento SILID/SIMAR1, cujo objetivo era o de 1 Tanto neste quanto nos outros artigos que compõem o presente livro, quando mencionarmos um determinado Grupo de Trabalho (GT), os resumos das comunicações dos autores poderão ser acessados em http: <//www.designnaleitura.net.br/silid-simar/caderno_resumos/Caderno%20de%20 Resumos%20V%20SILID%>. Neste caso específico, os seguintes artigos podem ser acessados em: “Discutindo estratégias para o ensino de literatura no contexto de educação de jovens e adultos surdos” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/discutindo-estratgias-para-o-ensino-de-literatura-no-contexto-de-educao-de-jovens-e-adultos-surdos-22594>. “Práticas singulares de formação” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/ article-details/prticas-singulares-de-formao-22595>. “Roteiro Para Avaliação E Seleção De Atividades Didáticas De Língua Inglesa Na Compreensão Escrita” – disponível em: <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/roteiro-para-avaliao-e-seleo-de-atividades-didticas-de-lngua-inglesa-na-compreenso-escrita-22596>. 148 Design para uma educação inclusiva fomentar discussões interdisciplinares que ancorassem a formação/qualificação do professor nesse contexto. Entende-se aqui que a educação inclusiva demanda, por parte da sociedade civil e do Estado, o compromisso com a formação e qualificação do educador. Essas devem voltar-se para práticas que abarquem metodologias, materiais, recursos e tecnologias assistivas que promovam a redução das desigualdades educacionais com respeito às diferenças. Embora o discurso vigente nas políticas públicas para à Educação Inclusiva valorize a diversidade e a promoção do bem-estar do aluno, conforme já abordado no Capítulo 82, sob a perspectiva da constituição da identidade, o cotidiano das salas de aula traz para o professor desafios reais que geram inúmeras incertezas concretizadas em questionamentos e posicionamentos controvertidos. Alunos com déficit de atenção, hiperatividade, autismo, síndrome de down; alunos cegos, surdos, com comprometimento motor e ainda alunos privados do saber básico, como os vinculados à educação de jovens adultos, entre outros transtornos, deficiências e injustiças estão nas salas de aula, mas não necessariamente participam delas. Práticas, metodologias, materiais, livros, recursos e tecnologias, muitas vezes, mantêm a segregação em detrimento à inclusão, percebida como promotora do direito efetivo à escolarização. Inicialmente, este artigo adota como percurso metodológico um convite ao leitor para participar de sua tessitura em busca de situações de inclusão na rememoração de seu cotidiano escolar/acadêmico. Ele apresenta, também, uma pesquisa bibliográfica com vistas a traçar um panorama da política de inclusão no cenário nacional. Nele estão sintetizadas, ainda, as discussões desenvolvidas no GT. E, finalmente, há aqui a proposição do design social participativo-inclusivo como eixo condutor da interdisciplinaridade necessária para abordar a inclusão. PREÂMBULO Observe a imagem abaixo: Figura 9.1: Simulação 3D da figura geométrica dodecaedro. Fonte: LINC-Design 2 Silva e Bastos tratam de questões para a constituição de identidades com foco nas diferenças no Capítulo 8 deste livro. Formação do professor para a educação inclusiva 149 Trata-se de uma representação tridimensional de um dodecaedro. O que ele traz de especial? Platão (427 a.C – 347 a.C), no livro Timaeus, afirma que o dodecaedro, como elemento geométrico, é o símbolo da Harmonia Cósmica. Nas palavras do filósofo, a ordem do universo constituiu-se por intermédio de formas e números essenciais que atuavam como conexão entre o reino superior e o inferior a partir do caos primordial. Por essa perspectiva, os elementos essenciais seriam aqueles cujas arestas e ângulos internos fossem iguais, cabendo a estes a composição dos elementos básicos da natureza: cubo = terra; tetraedro = fogo; octaedro = ar; icosaedro = água; e dodecaedro = éter (considerado a quinta essência, o elemento mais importante). Figura 9.2: Sólidos de Platão. Fonte: http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/PoliedrosPlatao2.jpg Segundo Platão, o dodecaedro, pelo valor que alcançam as aberturas de seus ângulos, é o sólido que mais se aproxima da perfeição da superfície esférica. Suas doze faces pentagonais seriam representativas da proporção áurea que se repete em toda natureza. Somando-se as questões de simetria e proporcionalidade, o próprio número doze, quantidade de pentágonos regulares que compõem o dodecaedro, tem representação singular e mítica ao longo da história da humanidade: doze meses no ano, doze signos no horóscopo ocidental, doze signos no horóscopo chinês, doze tribos de Israel, doze conselhos do Dalai Lama, doze apóstolos de Cristo, doze cavaleiros da Távola Redonda e etc. Antes de Platão, Pitágoras (570 a.C – 490 a.C), em sua cosmogonia, já havia sustentado que o dodecaedro seria a quintessência criadora dos quatro elementos responsáveis pelo universo em sua forma: água, terra, ar e fogo. De acordo com o também filósofo e matemático, esse sólido carregaria consigo o valor de ser o único poliedro regular capaz de inscrever todos os demais poliedros. No século XVI, o astrônomo Kepler, estudando o sistema solar, usou os cinco sólidos num modelo para explicar os movimentos dos planetas – sólidos que, para ele, correspondiam à perfeição geométrica absoluta. 150 Design para uma educação inclusiva É no século XX, contudo, que, considerando que os cinco sólidos estavam inscritos na circunsfera, o inventor, designer e arquiteto Buckminster Fuller (1979) demonstra que, apesar das pessoas aprenderem que a terra não é plana e apesar de terem desenvolvido conhecimentos em distintas disciplinas, elas continuam a pensar e a produzir em e para um mundo planificado. Utilizando-se de uma situação para explicar seu posicionamento, ele pede para um menino desenhar um triângulo no chão e, ao fazê-lo, pede ao mesmo menino que explique o que vê. Fuller constata a limitação na estrutura do pensamento do meninopor este não identificar que ao desenhar um triângulo, na verdade está desenhando quatro e atuando na circunsfera (não apenas na planificação, como pensa). Figura 9.3: Estrutura planificada. Fonte: LINC-Design A partir do exemplo, ele enfatiza que: Se realmente fosse um plano, avançando infinitamente para todos os lados, então haveria infinito espaço para se poluir e infinitos recursos para substituir aqueles já exauridos. De fato, é esta a forma como parecia ser no passado, e nós ainda estamos nesta estrutura mental. Da mesma forma, ainda vemos o sol descendo à noite e subindo de manhã, apesar de sabermos, há 500 anos, que ele não está fazendo isso. Nossos sentidos podem estar muito desencaixados com o que ‘sabemos’ teoricamente. (1979, p. 9-10. Tradução Julia Teles). Dessa perspectiva, ele defende uma grande mudança no pensamento, de forma a termos a sinergia em mente e pensarmos nas relações entre todas as coisas. Fundamentalmente, em sua concepção, para que a humanidade sobreviva no planeta é Formação do professor para a educação inclusiva 151 preciso quebrar a estrutura planificada de pensamento, refletindo sobre o todo sempre, para que seja possível a criação de um sistema que inclua toda a humanidade, sob a pena de seu padecimento. Pressuposição e objetivo Inscrição de todos num todo: harmonia A recuperação de informações acerca da investigação da dimensão essencial e ontológica do mundo real mostra que data de antes de Cristo a busca pela razão de ser do homem no planeta Terra e pela forma perfeita para a sua inscrição. Uma rápida procura no dicionário de sinônimos do editor de textos Microsoft Word pela definição da palavra harmonia leva aos seguintes resultados: acordo, beleza, coerência, coesão, composição, concordância, elegância, equilíbrio, proporção, reciprocidade. Estes termos podem gerar uma leitura em que a harmonia cósmica representada no dodecaedro inscrito na circunsfera — sua capacidade de inscrição de todos num todo —, carregaria consigo a potência da inclusão. Em linhas gerais, o encontro com os estudos citados, com a compreensão da forma representativa dessa harmonia, poderia desencadear o sentimento de pertencimento pelo somatório de proporção, coesão e reciprocidade. Isso mesmo cientes, e cabe aqui o reparo, de que Platão compactuava com o procedimento vigente em Esparta e Atenas de eliminar ou abandonar pessoas com deficiências como forma de equilíbrio demográfico, principalmente quando a pessoa em questão fosse dependente economicamente. O pensamento se justifica, pois naquela época predominava a visão de serem os deficientes sub-humanos e, como tais, considerados dissociados da dimensão essencial do mundo real; assim, eles não ocupavam o lugar da exclusão ou da negação, mas sim o não lugar da inexistência. Fato é que séculos e mais séculos se passaram desde que foram realizados os estudos que reconhecem um poliedro harmônico e, consequentemente, inclusivo. Porém, também é fato que a potência criativa e inovadora do ser humano da atualidade parece, em muitos sentidos, constituir-se, ainda hoje, em dissonância com os preceitos de harmonia e inclusão. Muitas das ações experimentadas encontram-se restritas a formas tidas como não universais e imperfeitas, como exclusivas, pressuposição esta que motivou a constituição do GT aqui apresentado, por demandar troca de experiências, investigação e ação. É a partir desse viés que o presente artigo visa reunir olhares e ações sobre a educação inclusiva apresentados nos simpósios, para fomentar discussões interdisciplinares que ancorem a formação/qualificação do professor nesse contexto. 152 Design para uma educação inclusiva Delimitação Inscrição de todos em todos excludentes: desarmonia. Observe, agora, o seu local de leitura do presente artigo. Procure representá-lo graficamente: Figura 9.4: Espaço para representação. Fonte LINC-Design A não ser que você esteja desvirtuando protocolos de leitura institucionalizados, decorrentes da produção de sentidos da leitura (GOULEMOT; In: CHARTIER, 1999), é bastante provável que esteja sentado em uma cadeira, segurando o livro ou apoiando-o em uma mesa para possíveis anotações no texto; ou, ainda, é possível que esteja lendo este artigo por meio de uma tela de computador, um “tablet” ou “ebook reader”. Veja se você não está circunscrito em formas próximas ao sólido cubo, envolto por ângulos retos, dentre os apresentados por Platão ao discutir os elementos essenciais. Pense agora nos ambientes formais que participaram da constituição de sua formação: pense no lugar onde você mora; na escola que frequentou ou frequenta, nos consultórios dos seus médicos; pense em cidades; concentre-se naquelas que mantêm viva a experiência com a natureza; mesmo assim, ângulos e mais ângulos retos, “caixas e mais caixas”, limites, domínios, disciplinas e fragmentações provavelmente participaram da composição de sua imaginação. Veja, por exemplo, se a Figura 9.5, caso você seja morador de uma grande cidade, não lhe traz a possibilidade de reconhecimento: Formação do professor para a educação inclusiva 153 Figura 9.5: Barra da Tijuca, cidade do Rio de Janeiro. Fonte: http://og.infg.com.br/rio/13857646-3cd-1aa/FT150 0A/550/2014-748982733-2014090535456.jpg_20140905.jpg Certo é que, mesmo após a passagem de tantos séculos, as cidades foram se constituindo por meio de poliedros que mantêm os indivíduos “encaixotados”, organizados em “cubículos”. A constatação é a de estar limitado por formas que, dentre os elementos essenciais, a partir dos quais Platão desenvolve a sua reflexão, mais se aproximam da forma cúbica, associada pelo filósofo ao elemento terra, em sua busca pela composição dos elementos essenciais da natureza e em seu subsequente encontro com o dodecaedro (modelo do universo). Pense, então, nesse elemento terra como essencial da natureza. Em uma composição de várias das definições a ele agregadas, o elemento pode ser entendido como a massa que se distancia dos oceanos e da atmosfera por sua solidez e que abriga o mundo da natureza física. Na composição de seu conceito, agregam-se valores como “ter os pés na terra” e como sustentar-se na realidade material em oposição às ações espirituais, etéreas, abstratas e imaginativas. Ele, engloba, ainda a neutralidade que caracteriza o fio neutro de uma instalação elétrica, sendo a cautela e o equilíbrio a sua força motriz em prol da eficiência no suprimento de necessidades básicas. A predominância dessa força e a solidez do elemento, trazem como característica o ceticismo e a resistência a mudanças, além da valorização da análise e da perseverança. Encaixotados, envoltos por ângulos retos, limitados, concisos, cientes de si mesmos, distantes do universo anunciado no dodecaedro. Os termos mencionados poderiam facilmente ter participado (e alguns participaram participaram) do histórico Seminário sobre Interdisciplinaridade nas Universidades, realizado 154 Design para uma educação inclusiva em 1970 em Nice, na França. No evento, houve um avanço, embora ainda relativo, no sentido de trazer precisão para os termos e conceitos utilizados com a finalidade de expressar os diferentes tipos e formas da pesquisa e da prática interdisciplinar. Lá discutiram-se as principais tendências vigentes na percepção de pesquisadores de áreas e países diversos, como Boisot (França), Heckhausen (Alemanha), Jantsch (Áustria) e Piaget (Suíça). Independente da perspectiva ou da ênfase, certo é que os debatedores, em especial Heckhausen, adotaram como um dos caminhos para se discutir o tema do Seminário a delimitação do conceito de disciplinaridade sintetizado a seguir, por Japiassu (1977, p. 60) e Fazenda (1979, p. 29): • domínio material, constituído pelo conjunto de objetos de que se ocupa uma disciplina; • domínio de estudo, definido pelo ângulo específico a partir do qual a disciplina delimita seu domínio material; • níveis de integração teórica dos conceitos fundamentais e unificadores de uma disciplina; • métodos próprios para apreender e transformar os fenômenos; • instrumentos de análise que levam em conta a estratégia lógica, os raciocínios matemáticos e a construção de modelos; • aplicações; e • contingências históricas. A opção dos pesquisadores contribuiu para a associação da disciplinaridade com palavras como especificidade, unificação, domínio, aplicação e modelo – palavras estas que dialogam favoravelmente com termos como limites, localização e exclusão – palavras que se distanciam da inscrição de todos num todo, da harmonia validada na forma dodecaedro, tal qual conceituada por Pitágoras e Platão; palavras que perduraram no contexto educacional por vários séculos. Especificamente no Brasil, foram vivenciados momentos históricos perversos onde aquilo que fugia ao modelo, que distorcia um domínio material, quando muito, ocupava lugares marginalizados de exclusão social. A implantação da roda dos expostos, onde crianças com deficiência eram abandonadas para serem cuidadas por freiras nos séculos XVIII e XIX serve de exemplo. Surge no século XVIII, conforme apresentado a seguir no gráfico de proporção de crianças entregues em rodas brasileiras entre 1745 e 1829, o processo de institucionalização/ disciplinaridade dessas crianças: Formação do professor para a educação inclusiva 155 Figura 9.6: Dados Roda dos Expostos 1745-1829. Fonte: MARCÍLIO, M. In: FREITAS, M., 1999, p. 72 Perdurou como norma, um cenário de valorização da fragmentação, da limitação em detrimento da harmonia, da coesão e do equilíbrio. No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1824 privava do direito político o incapacitado físico ou moral. No contexto da disciplinaridade e da institucionalização, em 1874, o Hospital Juliano Moreira é criado como espaço específico para atendimento a pessoas com deficiência mental. Em 1903, é aberto no Rio de Janeiro o Pavilhão Bourneville, primeira escola especial para crianças anormais. Priorizava-se, então, uma visão higienista atrelada à medicina. Inscrição de todos em todos excludentes + inscrição de todos em partes de um mesmo todo É somente a partir da década de 1930, com a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) no Brasil, que ao contexto da exclusão e da fragmentação opõem-se conceitos como respeito à individualidade e atenção à diversidade para, a partir de sua função democratizadora, busca-se propiciar a igualdade de oportunidades. Há, então, uma mudança de paradigma, na qual a visão médico-higienista cede lugar à visão psicológica sobre a sociedade. Apesar deste significativo avanço, no qual a inscrição de todos em todos excludentes cedeu lugar à inscrição de todos em partes de um mesmo todo, também (e ainda) no novo cenário não se chegou positivamente à inscrição de todos num todo, entendida como harmonia. Em alguns casos, oportunidades iguais são ofertadas em um mesmo todo configurado a partir de domínios, limites específicos. Surgem, no novo modelo, as chamadas classes especiais, formadas idealmente a partir da aplicação de testes cognitivos desenvolvidos principalmente com a chegada ao Brasil da educadora e psicóloga Helena Antipoff. O novo paradigma, entretanto, não elimina a ideologia anteriormente predominante, de inscrição de todos em todos excludentes. Coexistem, assim, 156 Design para uma educação inclusiva instituições com classes especiais e instituições com foco exclusivo na educação especial. Escolas públicas, privadas, beneficentes, filantrópicas – vários domínios, vários rótulos, diferentes “caixas” assumem, cada uma a seu modo, um lugar na Educação Especial, em comum a segregação em um mesmo todo revestido do conceito de integração, ou em todos excludentes com valores disciplinares solidificados. Significação Inscrição de todos no todo Somente na década de 1970 é constituído o Cenesp – Centro Nacional de Educação Especial, encarregado da definição da política da Educação Especial para o país. E é da década de 1980 a diretriz para a integração do “aluno excepcional” nas salas de aula “regulares”, como direito às oportunidades iguais. Na mesma década, documentos mundiais que visam a inclusão social, como a Convenção de Direitos da Criança (1989) e a Declaração sobre Educação para Todos, são assinados. Mas é na década de 1990, com a assinatura de documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na Espanha, que diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social tomam forma. A partir de então, com a chegada do século XXI, políticas e programas de inclusão que tornam as escolas públicas e privadas responsáveis também por esses processos têm se fortalecido no Brasil. Decretos publicados em sequência demonstram a atenção dada à educação, não mais tida como especial, mas sim como inclusiva: Somado ao cenário apresentado, o Estado Brasileiro, como signatário da Organização das Nações Unidas (ONU) assumiu em 2008, através da Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência (p. 7), o compromisso de assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis. Com isso, os eixos instituídos foram: • constituição de um arcabouço político e legal fundamentado na concepção de educação inclusiva; • institucionalização de uma política de financiamento para a oferta de recursos e serviços para a eliminação das barreiras no processo de escolarização; e • orientações específicas para o desenvolvimento das práticas pedagógicas inclusivas. Formação do professor para a educação inclusiva 2007 Decreto 6.253 Institui o atendimento educacional especializado (AEE) com caráter complementar para crianças com necessidades especiais, que também deveriam frequentar a escola regular. Introduz o dispositivo do duplo repasse de verba para os matriculados nas duas escolas. 2008 Decreto 6.571 Estabelece que o AEE poderia ser oferecido pelos sistemas públicos de ensino ou pelas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o poder público. 2010 PNE – primeira versão Meta número 4 prevê universalização do atendimento escolar para estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. 2011 Decreto 7.611 Afirma que o poder público estimulará o acesso ao AEE de forma complementar ou suplementar ao ensino regular, assegurando a dupla matrícula. Em contrapartida, estabelece que serão consideradas, para a educação especial, tanto as matrículas na rede regular de ensino como nas escolas especiais ou especializadas. 2011 PNE – relatório substitutivo O novo texto da meta número quatro introduz o conceito de que o atendimento escolar deve ser feito “preferencialmente” na rede regular de ensino, já que o atendimento educacional em escolas especializadas deve ser considerado sempre que “não for possível”a integração do aluno nas classes comuns. 2015 Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015 157 Lei Brasileira de inclusão da pessoa com deficiência. Figura 9.7: Revista Educação online. Principais decretos da educação inclusiva nos últimos anos Percorrendo esse caminho, entre 2007 e 2013, por exemplo, segundo o Censo da Educação Básica realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a porcentagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação matriculados em salas de aula regulares cresceu de 46,8% para 76,9%. 158 Design para uma educação inclusiva Figura 9.8: Dados do INEP de percentual de matrícula de alunos com deficiência. Fonte: MEC/Ineep/DEED/Censo Escolar AÇÃO Agora feche seus olhos. Recupere suas lembranças como estudante. Nas salas de aula frequentadas por você havia crianças/jovens com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação? Mantenha-se de olhos fechados e pense no seu espaço escolar/acadêmico: havia classes especiais? No caso de respostas afirmativas, a escola/universidade estava preparada para acolher integralmente as crianças/jovens em questão? Registre suas impressões a partir de suas lembranças: Figura 9.9: Espaço para reflexão. Fonte: LINC-Design Formação do professor para a educação inclusiva 159 Provavelmente, se você, assim como a autora deste artigo, frequentou escolas nas décadas de 1960-1970 ou mesmo na década de 1980, haverá muita chance de precisar deixar o espaço acima em branco. Salvo raríssimas exceções, a inscrição de todos num todo não correspondia à ideologia predominante. É justamente esta constatação que mobiliza a escrita do presente artigo e que mobilizou a inserção do GT que o originou. Como mencionado anteriormente, fundamentalmente, tínhamos por objetivo trocar experiências no sentido de reunir olhares e ações sobre a educação inclusiva, para fomentar discussões interdisciplinares que ancorassem a formação/qualificação de um professor que, muitas das vezes, não vivenciou a experiência da Educação Inclusiva ao longo de toda sua formação, desde a educação infantil até o Ensino Superior. Ainda durante a seleção dos resumos aprovados para o evento, foi possível observar a abrangência do tema inclusão na perspectiva dos autores (professores e pesquisadores). A associação dos resumos à temática educação inclusiva tomava por base critérios distintos como: • influências ambientais – diferenças culturais (preconceitos e estereótipos/ instrução insuficiente ou inapropriada); • transtornos de conduta – irritabilidade, explosões temperamentais e agressividade exagerada; • transtornos emocionais – ansiedade, depressão, fobia, psicose; • transtornos de aprendizagem – transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), dislexia, discalculia; • transtornos globais – espectro autista, síndrome de Asperger, síndrome de Kanner, síndrome de Rett; e • deficiência – física, visual, auditiva, mental. Também foi possível identificar resumos que apresentavam relatos de experiências que propiciaram práticas de ensino “bem-sucedidas”, entendidas como aquelas que despertaram e/ou mantiveram a motivação dos participantes. Esses, em linhas gerais, partiam do pressuposto de que na escola de hoje todos estão excluídos, havendo, então, metodologias, estratégias e práticas que propiciam momentos de inclusão. Os trabalhos foram selecionados buscando tornar representativa a diversidade das propostas. Com isso, os trabalhos apresentados contemplaram os seguintes objetivos na relação com os critérios mencionados: 160 Design para uma educação inclusiva Tabela 9.1: Propostas Critérios Objetivos influências ambientais analisar livros didáticos (LD) para EJA, demonstrando que a hipertextualidade constitutiva do LD encontra-se, em alguns casos, em dissonância com os documentos oficiais da EJA, comprometendo assim sua utilização em práticas pedagógicas adequadas a um processo de aprendizagem significativo; propor roteiro orientador de professores na avaliação e seleção de atividades e materiais didáticos para o ensino-aprendizagem na EJA, participando da reinserção no sistema escolar brasileiro jovens e adultos com trajetórias escolares truncadas. transtornos globais demonstrar carências na formação do professor nos eixos subjetividade, linguagem e corpo, constatadas a partir da observação de práticas de sala de aula, para propor a aproximação psicologia e educação, com vistas ao atendimento educacional especializado e inclusivo; situar o Teatro como disciplina de sensibilização na formação do professor e de potencialização da ação frente/junto a transtornos globais a partir da análise de práticas teatrais desenvolvidas em projetos de extensão; apontar, a partir da apresentação de vídeos demonstrativos, a manutenção de barreiras emocionais, físicas e estruturais que atuam de encontro ao conceito de educação inclusiva como um movimento para todos; descrever metodologia de design no desenvolvimento e observação de uso do método de construção de bonecos com o reaproveitamento criativo de resíduos sólidos para validar o boneco (e o teatro de bonecos) como forma expressiva de construção de conhecimento para grupo com transtorno global; situar o design inclusivo como área específica de desenvolvimento de tecnologia assistiva apta a desenvolver projetos em parceria com os agentes participantes da educação inclusiva (alunos, professores, pais, gestores). deficiência demonstrar que livros didáticos desenvolvidos para o ensino da língua portuguesa como segunda língua para a educação de surdos encontram-se em dissonância com os processos de alfabetização e letramento, vistos como partes indissociáveis no processo de leitura e escrita nos primeiros anos de ensino. O uso de traduções em libras, em recursos multimodais, muitas das vezes tem foco na alfabetização, vista como aquisição de tecnologia, e distancia-se do letramento, visto como prática social referenciada nas condições de aquisição e uso, do momento de aprendizagem do indivíduo; (continua) 161 Formação do professor para a educação inclusiva Tabela 9.1: Propostas (continua) Critérios Objetivos deficiência apresentar recurso didático em libras que associa alfabetização e letramento desenvolvido por professor como complemento a livro didático para educação de surdos, com vistas a minimizar as deficiências observadas nos livros didáticos disponíveis quando se prioriza o letramento; apresentar materiais e recursos didáticos entendidos como tecnologia assistiva, desenvolvidos para transtornos e deficiências em disciplinas de projeto do curso de Design da PUC-Rio, com vistas a inserir o design em parceria como uma metodologia efetiva de desenvolvimento de materiais e recurso com foco na inclusão. Em linhas gerais, o GT constitui-se como um espaço de: 1) Reflexão sobre a dificuldade dos formadores quando materiais, recursos, tecnologias, estruturas e ambientes apresentam questões concretas que tornam inapropriado seu uso/ocupação por desconhecimento ou favorecimento da exclusão em detrimento a inclusão. 2) Proposição de uma formação profissional interdisciplinar, envolvendo, pelo menos, psicologia, teatro, design, estudos da linguagem e educação. 3) Reflexão sobre a necessidade de sensibilização para as diferenças, ressaltando que o professor de hoje foi formado em ambientes de exclusão. 4) Reflexão sobre a precariedade da inclusão atual (inscrição de todos num todo) como raiz de manutenção de discursos que valorizam a inscrição de todos em todos excludentes. CONSIDERAÇÕES DESENVOLVIDAS A PARTIR DO GRUPO DE TRABALHO Enfim diferente dos princípios da escola nova – nos quais, como já mencionado, (1) há a valorização da diversidade e o consequente favorecimento da inclusão; (2) há um entendimento de escola como vida, em detrimento de um sentido de preparação para a vida; (3) há o objetivo de propiciar a reconstrução constante da experiência e da aprendizagem no contexto da vida cotidiana – o que ainda se observa após a apresentação das comunicações no grupo de trabalho é a manutenção da estigmatização da figura dos indivíduos marcados como em situação de inclusão. Foram claras, por exemplo, as diferenças entre professores oriundos de espaços de exclusão vinculados à inscrição de todos em todos excludentes, como os profes- 162 Design para uma educação inclusiva sores do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), e professores oriundos de espaços inclusivos, no âmbito da inscrição de todos em partes de um mesmo todo, como os professores vinculados a escolas públicas e particulares do ensino regular da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto os primeiros apresentavam familiarização com o “para quem” desenvolviam metodologias e práticas de ensino decorrentes da “vivência com”, os segundos oscilavam entre um discurso otimista, decorrente de iniciativas individuais que resultavam em processos satisfatórios e prazerosos, e um discurso cético, oriundo da constatação de carências na formação para lidar com as diferenças e desfamiliarização com sujeitos, práticas, recursos e materiais. Em ambos os casos, contudo, houve ênfase na valorização da democratização do ensino e da diversidade com respeito à individualidade, mas em muitos casos foi possível constatar que os docentes formadores foram formados “para a vida”, em vez de “para vivenciarem a vida”. Em suma, a formação docente foi o ponto central para os diferentes posicionamentos. No âmbito da inscrição de todos em todos excludentes, o tempo de dedicação ao trabalho inclusivo das instituições de ensino, por exemplo, os quase dois séculos de existência do INES, propiciou uma preparação vivencial, no sentido vida-experiência dos formadores, amparada pela própria instituição de ensino da qual eles fazem parte, levando-os a assumirem um olhar otimista frente à inclusão, mas cético frente à inscrição de todos em partes de um mesmo todo na configuração em que ela vem se apresentando em cenário nacional. Já no âmbito da inscrição de todos em partes de um mesmo todo, foi visível a diferença entre os docentes oriundos das licenciaturas regulares, em especial Letras (por ser o foco dos seminários, livros e materiais de língua materna e estrangeira), e os docentes oriundos dos campos do design e das artes cênicas, pois enquanto os últimos expuseram suas formações vivenciais e experimentais, no sentido de terem desenvolvido em suas formações competências e habilidades vinculadas à representação e projetação, como fundamentos sólidos para o desenvolvimento de metodologias e práticas de ensino no contexto escolar com foco na inclusão, os primeiros ressaltaram que em sua formação docente e, sobretudo, em suas práticas de estágio supervisionado, pouco vivenciaram a inclusão. Foi notória a preocupação com o “como fazer uso de” como ressaltado pela prevalência de comunicações que versaram sobre a inadequação de propostas inseridas em livros e materiais didáticos, quase que exclusivamente com proposições concretas de reformulação das atividades e manutenção das mídias, com excessão de uma comunicação que propunha a inserção da mídia boneco3 como recurso didático. 3 Tese de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Design da PUC-Rio, no laboratório linguagem, interação e construção de sentidos, sob a orientação de Jackeline Lima Farbiarz. Previsão de defesa: 2017. Formação do professor para a educação inclusiva 163 A despeito dos simpósios terem em suas titulações as palavras livro, materiais e recursos, apenas em comunicações vinculadas à Educação de Jovens e Adultos – como, por exemplo, a que questionava ser o livro didático na EJA uma ferramenta para certificação ou para um processo de ensino-aprendizagem significativo – houve a clara alusão à pertinência de se trabalhar com livros didáticos que não contemplam o contexto situacional/perfil cultural do público-alvo. Assim, o “como fazer uso de” prevaleceu sobre os “o quê” e “por quê” utilizá-los. Ficou claro, assim, que, apesar das diferentes e bem-sucedidas iniciativas apresentadas – como a que propunha uma releitura sobre as atividades propostas em livro didático para a educação de surdos, que resultou no desenvolvimento de um novo vídeo para uma das atividades do livro – ainda se trabalha na esfera cúbica para suprir necessidades em detrimento de se buscar abstração, criação e imaginação pressupostas pela harmonia cósmica decorrente do dodecaedro4. A situação nos leva a questionar o quanto em suas formações os docentes são preparados para não apenas refletir sobre livros, materiais e recursos didáticos, no sentido da funcionalidade e usabilidade, mas para propor soluções que entendam os objetos de uso e sistemas de informação como “objetos vivos”, que, ao serem usados pelos sujeitos criam e comunicam suas identidades. Os livros e materiais discutidos nas comunicações revelaram o desconhecimento frente ao público-alvo a que se destinam, e a inadequação das propostas contribuiu para a rotulação dos usuários de “incapacitados”, no sentido de não terem adquirido habilidades necessárias para desenvolver as competências esperadas naquele momento de formação (Coleman, 1999). Situações como a presença de uma fotografia de um casal de aparência nórdica correndo pela areia em direção às águas cristalinas de uma praia como contextualização para uma atividade em que alunos de EJA deveriam aprimorar a capacidade de trazerem suas experiências cotidianas para a sala de aula, apresentando a si mesmos e suas ações, servem como ilustração5. Desconsidera-se, ainda hoje, que o prazer psíquico participa da formação e é pré-condição para o estabelecimento da empatia; sobretudo, desconsideram-se os níveis diferentes de experiência e de habilidade cognitiva dos envolvidos nas situações de ensino-aprendizagem e, consequentemente, atua-se em descompasso com uma visão holística das pessoas, dos produtos e das relações. Foi possível constatar, também, a consciência das famílias acerca da falta de orientação para a constituição de uma escola inclusiva na esfera da inscrição de todos 4 Trabalho apresentado nos V SILID e IV SIMAR por Luciana Aparecida Guimarães de Freitas, intitulado “O livro didático na educação dos surdos: uma releitura sobre atividades propostas”. 5 Trabalho apresentado nos V SILID e IV SIMAR por Janine Marta Pereira Antunes da Silva, intitulado “O livro didático na Educação de Jovens e Adultos (EJA): ferramenta para certificação ou para um processo de ensino/aprendizagem significativo?”. 164 Design para uma educação inclusiva em partes de um mesmo todo. Tanto na mesa redonda que precedeu a reunião do grupo de trabalho quanto na atividade do grupo foi significativo o fato de o movimento de aproximação com o tema inclusão dever-se, na maioria das vezes, à presença de parente ou amigo com transtorno/deficiência. Filhos, netos e amigos desencadearam o foco na atividade docente e no desenvolvimento de pesquisas em educação inclusiva. Embora os motivos não tenham sido explicitados, ao longo das comunicações ficou claro que a opção pela pesquisa no tema partiu da necessidade de, por um lado, se instrumentalizar para lidar com a inclusão (que teve como resultado a frustração da percepção de que o cenário tem carências sérias) e, por outro, de familiarizar os sujeitos inscritos em contextos pedagógicos de inclusão. Neste sentido, foi significativa a comunicação práticas singulares de formação, na qual problematizou-se a relação de passividade frente a situações sociais, como o autismo por meio de práticas teatrais desenvolvidas junto aos docentes6. Em linhas gerais, foi consenso que ainda prevalece o entendimento de que o indivíduo em situação de inclusão é visto como receptor dependente e passivo na maioria dos casos. Assim, a ele são ofertados livros, materiais, objetos, práticas e ambientes que buscam atender ao que pressupõem que lhes falta em detrimento de potencializar o que eles trazem e o que lhes é essencial. Busca-se a adequação a um modelo em consonância com o paradigma da incapacidade, impossibilitando-os de fortalecerem suas competências e habilidades. CONSIDERAÇÕES E PROPOSIÇÕES Sem dúvida, o GT demonstrou que muito se conquistou, mas também que muito se tem a conquistar. Causou impacto a frase apresentada pela diretora do Instituto Helena Antipof, proferida por um menino com deficiência intelectual na qual traça um questionamento acerca de seu lugar na escola, afirmando “se a escola não tem condições de acolhê-lo, deficiente é ela...”. Sem dúvida, vive-se um momento de mudança de paradigma no qual é preciso pensar a formação do professor no contexto da interdisciplinaridade, habilitando-o para o conceito de que os processos de inclusão, educacionais ou não, dão-se no âmbito social. Propondo o diálogo com a perspectiva de Bourdieu (1989) – a partir da qual o não domínio de códigos dominantes da comunicação em um determinado contexto inscreve o indivíduo em uma cultura “estrangeira” – constata-se, em linhas gerais, a partir dos trabalhos apresentados no GT, que no contexto educacional, a despeito dos avanços na legislação, há uma valorização da dificuldade do in6 Trabalho apresentado nos V SILID/IV SIMAR por Andréa Maria Favilla Lobo e Rafael Auler de Almeida Prado, intitulado “Práticas singulares de formação”. Formação do professor para a educação inclusiva 165 divíduo a partir dos materiais e objetos de ensino-aprendizagem propostos. Há, por esse viés, o reforço das noções de capacidade/incapacidade e a consequente desvalorização das múltiplas inteligências que integram os indivíduos ao mundo. Ainda na concepção de Bourdieu, o capital cultural estaria intimamente ligado ao sucesso escolar do indivíduo, partindo do princípio de que a escola e seus sistemas esperariam do aluno um tipo determinado de comportamento e um conhecimento linguístico que, por princípio, já no começo do processo educativo seria “excludente”. Assim sendo, faz-se necessário reconsiderar o que a sociedade e a cultura escolar têm como referência de sucesso escolar, para que, deste modo, todos possam ser incluídos neste(s) critério(s). A partir do momento em que os indivíduos em situação escolar não se sentem pertencente ao grupo dos “bem-sucedidos”, eles tendem a não se integrar e/ou criar resistência e até mesmo abandonar a escola. Consideramos, desta forma, que as ações envolvidas no processo inclusivo educacional deveriam focar nas múltiplas inteligências7 e não nas deficiências da criança. Acreditamos ser necessário um olhar interdisciplinar por parte dos atores envolvidos e atuações multidisciplinares. É nesta perspectiva que ganha relevância o termo “arquitetônica”, cunhado por Mikhail Bakhtin em escritos de 1919, 1920 e 1924. a arquitetônica [...] entende que a diversidade que constitui o mundo resulta de um movimento interativo da própria diversidade. Em vez da arquitetura do edifício situado no espaço e pronto para ser usado, a arquitetônica exprime a qualidade das relações que não se oferecem diretamente ao olhar, mas se manifestam como projeção. Enquanto a mecânica mostra os posicionamentos, a arquitetônica persegue os fluxos e seus pontos de vista projetados sob forma de diferentes interações. [...] Nesse caso, a interação pressuposta no diálogo deve ser configurada na triangulação conceitual em que: arquitetura (construção) > mecânica (movimento) > arquitetônica (interação) = resposta (sentido) (Machado; In: PAULA (Org.), 2010, s/p). Pelo viés deste conceito, quer seja a concepção de práticas de ensino-aprendizagem, quer seja a concepção e eleição de objetos, recursos e tecnologias para ensino-aprendizagem, elas partem de agentes mediadores (gestores, professores) situados num espaço e tempo único e singular para os alunos inscritos em situação de inclusão, também situados num espaço e tempo únicos e singulares na existência. Assim, qualquer proposição terá lugar no encontro em um ponto específico, na tensão dinâmica da relação eu-outro, na interação em espaço-tempo determinado de singularidades, e é tanto consequência das subjetividades atuantes na interação quanto é produtor de subjetividades. Os usos resultantes das proposições dos agentes mediadores (detentores de um campo de visão determinado por um 7 Gardner, Howard. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. New York: Basic,1983. 166 Design para uma educação inclusiva posicionamento no espaço-tempo) e da resposta dos alunos (detentores de outro campo de visão, também determinado por um posicionamento no espaço-tempo) sobre a proposição em comum, assim como os aspectos em jogo no campo de visão de “eu” e de “outro”, não são coincidentes, mas sim relacionais. As proposições situam-se no âmbito da construção de sentidos, mantendo-se inacabadas frente ao potencial de respostas que só se esgotam no findar da sociedade. Sendo assim, participar da projetação de proposições para espaços potencialmente inclusivos, entre outros aspectos, significa reconhecer que o campo de visão do “agente mediador” se constitui tanto na projeção conceitual/imagem desse “aluno” para o qual se destina o projeto – projeção fundamentada em backgroud e horizonte de expectativas (ISER, 1996) – quanto no encontro e no diálogo em um ponto específico (espaço-tempo determinado), com esse “outro”, durante o uso ou a ação do ou sobre a proposição projetada. Logo, a projetação sustenta-se no aceitar da diversidade, no reconhecer dos pré-conceitos e, fundamentalmente, numa mudança de concepção do projetar “para” o outro para o projetar “com” o “outro” como pré-condição para uma ação em constante ressignificação. Por este viés, o reconhecimento das noções de pertencimento, identificação e apropriação torna-se fundamental na dinâmica do processo da situação de projeto e nas distintas análises de uso, noções que participam da constituição dos campos de visão do “mediador” e do “aluno” com quem se projeta em uma dinâmica adaptável e cambiante de ressignificações (Bakhtin, 2003). A reflexão acerca das discussões desencadeadas pelos trabalhos apresentados no GT demonstra que a formação do professor para a inclusão tem na arquitetônica o fio condutor para a interdisciplinaridade. Os trabalhos apresentados sob as óticas do teatro-design-educação-linguagem demonstraram isso. Em suma, foi a busca por “olhar, reconhecer e agir sobre os “fluxos que constituem um evento” que foram entendidas como potencializadoras das múltiplas inteligências que tornam os sujeitos singulares e constituem a diversidade. Para a educação inclusiva, é preciso um novo desenho em um movimento para todos. Por este viés, a disciplina design, desenvolvedora de objetos, sistemas e serviços, entendida em sentido restrito como interface entre o produto que se cria e o usuário, apresenta-se como importante elemento na perspectiva interdisiciplinar por lidar com o vasto leque de preferências e capacidades individuais a partir de um olhar sobre as múltiplas inteligências. Nesse percurso, ela se insere como valor de projetação para questões plurais nas esferas histórica, política, econômica, social, antropológica, tecnológicas e ergonômica. É neste viés que ela encontra a coesão e a coerência com a inteligência do usuário e suas expectativas, agindo como desenvolvedora de objetos, sistemas e serviços facilitadores de nossa participação em um mundo construído que nos insere em “caixas”. Sem o novo desenho para a educação, sustentado por um de- Formação do professor para a educação inclusiva 167 sign participativo inclusivo, os espaços de ensino-aprendizagem, seus recursos e tecnologias correm o risco de se manterem privilegiando a estigmatização, via valorização da “limitação” em detrimento ao pertencimento. Em suma, é oriundo deste cenário que o professor se encontra em sala de aula hoje na condição de docente. Rever sua formação é viabilizar o atendimento às novas diretrizes, pois a imposição de leis em dissonância com um projeto de formação do docente e dos gestores gera resultados extremamente prejudiciais, como os discutidos no GT. Na realidade brasileira, gestores e professores, em linhas gerais, não são formados para o diálogo com as novas demandas. Na realidade brasileira, espaços, materiais e recursos não são construídos e desenvolvidos em consonância com as novas demandas, salvo raras exceções. O GT demonstrou que, de fato, é urgente seguir a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de fortalecer e apoiar a pesquisas com objetivo de aumentar a “compreensão pública sobre questões relacionadas à deficiência”, “a oferta de informações para a elaboração de programas e políticas dedicados à deficiência”, e “a alocação eficiente de recursos para a construção de massa crítica de pesquisadores na área”. Recuperando os pressupostos da Escola Nova, a função da escola deve ser a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro da vida do aluno. Sem isso, não há democracia ou os direitos de oportunidades iguais perante a lei. O GT demonstrou um conjunto de boas intenções, mas uma carência de ação, realização e concretização política, que, conforme entendemos, deverá percorrer um caminho cada vez mais multidisciplinar. REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. O poder simbólico. São Paulo: Editora Bertrand, 1989. BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 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PARTE IV – MÚLTIPLAS PRÁTICAS Design em parceria com portadores de deficiência – o diálogo e a necessidade relativa Plano pedagógico para a primeira infância na República Democrática de São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto CAPÍTULO 10 Design & Educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas Jackeline Lima Farbiarz, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Julia Teles da Silva, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Luciana dos Santos Claro, Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Daniela Marçal, Doutoranda, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Eduardo de Andrade Oliveira, Doutorando, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) 174 Design para uma educação inclusiva INTRODUÇÃO O presente artigo complementa as discussões desenvolvidas no grupo de trabalho (GT) “Formação do professor, práticas de ensino-aprendizagem, produção e uso de materiais, recursos e tecnologias assistivas com foco na Educação Inclusiva” que se reuniu no evento SILID/SIMAR, cujo objetivo era fomentar discussões interdisciplinares que ancorassem a formação e qualificação do professor nesse contexto. Ele também dialoga com as comunicações apresentadas no grupo de trabalho “Design e educação: abordagens, materiais e métodos aplicados ao ensino”, pois aborda o design pelo viés social, para demonstrar como o desenvolvimento de uma metodologia inclusiva e participativa potencializa as inteligências múltiplas dos sujeitos envolvidos no processo educacional e constrói o redesenho da educação com vistas à inclusão de todos, conforme apontado anteriormente no presente livro. O artigo aprofunda o debate em algumas questões que essas parcerias nos trazem, como o diálogo com o usuário – um diálogo essencial que vamos discutir nos remetendo a Bakhtin (2006 [1979]) – e o conceito de necessidade do usuário a partir de Ortega y Gasset (1939). Objetivamos refletir sobre a formação e a prática do professor e contribuir trazendo exemplos de diferentes materiais/objetos de ensino-aprendizagem desenvolvidos pelo laboratório linguagem, interação e construção de sentidos (LINC-Design), vinculado ao Programa de pós-graduação em design da PUC-Rio. Entendemos que pelo viés interdisciplinar, parceria design-educação, é possível potencializar situações de ensino-aprendizagem. Propomos a inserção do design tanto no contexto da formação do professor quanto no contexto de sua atuação, como mais um mediador/catalisador em situações de ensino-aprendizagem, por meio do desenvolvimento de ações/práticas educacionais e da concepção, desenvolvimento e produção de recursos/materiais/objetos de ensino aprendizagem. CONTEXTUALIZAÇÃO Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) está previsto que o aluno seja preparado para lidar com a complexidade do mundo. Ele deve tornar-se um cidadão apto a vivenciar as diferentes situações impostas pelo cotidiano e espera-se que esse aprendizado ocorra no âmbito escolar. Nos PCN’do 6º ao 9º ano, por exemplo, enfatiza-se, em especial, que o aluno deva ser preparado para o exercício da cidadania. Para tanto, ele deve ter uma formação completa, em que compreenda seu entorno e seja capaz de agir nas situações impostas pela vida, exercendo sua competência no lidar com a complexidade. Contudo, o objetivo não tem sido alcançado, pois, embora a realidade do século XXI aponte para a necessidade do desenvolvimento de competências e Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 175 habilidades,como formas de atuação em um mundo complexo, em muitas escolas ainda perduram projetos pedagógicos que se concretizam na fragmentação de problemas, na resolução de questões pontuais e, em última instância, no treinamento do aluno para a realização de avaliações. Há uma valorização/adequação de um modelo de ensino no qual cabe ao professor transmitir e ao aluno absorver os conteúdos transmitidos. Por esse viés, o desenvolvimento de habilidades e competências tal qual previsto nos PCN fica, pelo menos, em segundo plano. Na verdade, continuam a prevalecer modelos que dão ênfase ao ensino de procedimentos rotineiros que pouco mais exigem dos alunos do que a reprodução de informação previamente transmitida. Continuam a prevalecer modelos de avaliação pouco integrados ao ensino e à aprendizagem e, sobretudo, orientados para atribuir classificações (FERNANDES, 2009, p. 20). Para além da questão da inadequação entre os objetivos de projetos pedagógicos das escolas e os objetivos dos PCN, há também o problema da formação do professor, partindo do pressuposto de ser ele um dos mediadores no processo de ensino-aprendizagem. Isto se dá pois também é indicado nos PCN, que a formação do professor na atualidade não consegue prepará-lo para o cotidiano da sala de aula. Ficam assim comprometidos: o desenvolvimento de práticas de ensino-aprendizagem; a escolha/concepção de recursos, materiais e objetos de ensino aprendizagem; e a proposição de estratégias de integração entre as diversas disciplinas. A situação se agrava pois, além de uma formação com sérias lacunas, o professor tem uma rotina que o sobrecarrega. Em linhas gerais, ele exerce sua função em diversas salas de aula; usa os intervalos das aulas como espaço efetivo para as correções de exercícios e provas e para a preparação das referidas aulas; e assume em sua rotina jornada de trabalho dupla ou até tripla, a fim de complementar seus vencimentos. Com essa realidade, o professor tem pouco tempo para se atualizar, para refletir sobre os caminhos, estratégias e recursos a serem adotados e desenvolvidos, respeitando as especificidades de cada turma sob a sua regência. Uma abordagem condizente com as necessidades específicas de cada turma constitui-se, em suma, como uma dificuldade. Em linhas gerais, o professor acaba limitando sua ação ao âmbito técnico-especialista em detrimento do âmbito didático-pedagógico. (...) é imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que desejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status de técnicos especializados dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam seus objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997, p. 158). 176 Design para uma educação inclusiva O cenário contemporâneo revela, a despeito das exceções, que a atuação docente atende a uma demanda pelo cumprimento de metas para alcance de resultados nos rankings, o que Giroux chama de “pedagogia do gerenciamento” (1997: p.160). Isto ocorre sem necessariamente haver a integração dessas metas com abordagens diferenciadas ou empreitadas interdisciplinares que, no cenário mundial, demonstram potencializar o pensamento crítico do aluno e sua autonomia, porque este fica focado no “como fazer” e não na compreensão dos problemas que integram seu cotidiano. Participando de uma política que nos parâmetros estabelecidos, constitui-se como avanço – no sentido de propor um modelo de educação sustentado em competências e habilidades para lidar com o mundo complexo – mas vivenciando uma realidade de proletarização do professor, na qual, para a sobrevivência, a qualidade é comprometida, o que o aluno tem à sua disposição, grosso modo, é a massificação do ensino e a prevalência de práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem que se situam como sistemas apostilados (MARCONDES; MORAES, 2013). Estes tanto são fornecidos pelo sistema educacional, a partir das políticas públicas para a educação vigentes, quanto são desenvolvidos por professores com formação inadequada e sobrecarga de tarefas em seus cotidianos. Na maioria das vezes, há, a partir das políticas, a apresentação de guias de referência, como o Guia do Livro Didático originário do Plano Nacional do Livro Didático1, por exemplo, para guiar o professor na escolha do livro didático, e há, também, o desenvolvimento-escolha-uso de ações, práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem por parte do professor, independente das especificidades de cada grupo de alunos inserido em uma determinada sala de aula. Isso por ser atribuída a ele, como requisito para a formação, a habilidade de desenvolver ações/práticas, recursos e materiais/objetos de ensino-aprendizagem. Em suma, o que se apresenta como problema é que ações, práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem estão pouco calcados no conceito de inteligências múltiplas dos sujeitos desenvolvido por Gardner (1994), a despeito de ser uma demanda dos PCN disponibilizar materiais didáticos multimodais, por exemplo. A concepção, desenvolvimento e produção de/para uma aula precisariam ser determinados por fatores como: (a) contexto onde serão utilizados; (b) características do usuário final (aluno); (c) objetivos daquele que o utiliza (professor); (d) viabilidade técnica de sua construção; e (e) tempo disponível para a sua 1 Mesmo considerando que os avaliadores que participam da seleção do Guia são selecionados em universidades com pesquisas sólidas na temática, não contemplam em suas formações competências e habilidades para todos os critériosconsiderados pertinentes para a situação de avaliação. A esse respeito, ver: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/biblioteca/php/mostrateses. php?open=1&arqtese=1113310_2013_Indice.html>. Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 177 produção. Entretanto, vive-se a frustração de se experimentar uma realidade em que tantos fatores acabam por favorecer o replicar de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem em diferentes contextos para diferentes finalidades, a despeito das especificidades de cada turma/aluno. Isso porque via de regra, os professores precisam assumir para si a tarefa de elaborar esses materiais e objetos, tarefa para a qual poucos estão devidamente preparados (GUIBERT: 1994). Além disso, os aparatos tecnológicos e os materiais disponíveis para a produção de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem constituem mais um fator de suma importância. Nas escolas das redes pública e privada não há unidade no que tange à presença de aparatos e materiais. Há defasagem em algumas e atualidade em outras. Por isso, o professor, inseguro acerca dos recursos à sua disposição e sobrevivendo em uma realidade na qual a repetição da aula para diferentes grupos e espaços é um fato, acaba, muitas das vezes, por repetir uma mesma abordagem para diferentes contextos e/ou por limitar a utilização de recursos em suas aulas com a finalidade de evitar surpresas tecnológicas negativas. Diante da complexidade da questão e fundamentalmente ciente do ainda presente hiato entre as intenções dos PCN e o cotidiano de professores e alunos, amplifica-se, por um lado, a necessidade de uma formação continuada que instrumentalize o professor para uma vivência cotidiana em sala de aula com qualidade de vida e, por outro lado, que assegure ao aluno uma educação que dialogue e potencialize com/as inteligências múltiplas (GARDNER, 1994). Em linhas gerais, mesmo cientes de que a situação da educação no Brasil estabelece-se entre políticas, ações e agentes e, fundamentalmente, requer um olhar abrangente, que considere a pluralidade de demandas e as inter-relações estabelecidas, fato é que o cotidiano das salas de aula, com vistas à qualidade de vida, anseia por ações específicas e consistentes. DESIGN EM AÇÃO: OBJETOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM USO Desenvolver ações e contribuir para as existentes é tarefa também do design como campo de conhecimento de vocação interdisciplinar e natureza tecnológica (COUTO, R; OLIVEIRA, O,1999) Nesta perspectiva a associação design-educação contribui para “tangibilizar ideias e transformar circunstâncias existentes em outras mais almejadas” (FRASCARA: 2000) e para “a configuração de formas poéticas do vir-a-ser [...] pelo convívio e a compreensão da trama cultural, o locus em que a persona se identifica no seu estar no mundo” (BOMFIM, G: 1999). É desta perspectiva que podemos ressaltar a importância da inserção do design tanto no contexto da formação do professor quanto no contexto de sua atuação, como mais um mediador e catalisador nas situações de ensino-aprendizagem, par- 178 Design para uma educação inclusiva ticipando do desenvolvimento de ações e práticas educacionais e da concepção, desenvolvimento e produção de recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem. Esta proposição tem origem na constituição do currículo de graduação em Design da PUC-Rio, que, no início da década de 1980, buscou associar disciplinas de projeto ao Design Social a partir da metodologia design participativo, com a preocupação de aproximar os projetos em desenvolvimento pelos estudantes do universo real. Os atuais cursos de Design, nas décadas de 1970 e 1980, eram denominados cursos de Desenho Industrial. A princípio, eles tinham um caráter desenvolvimentista, focados na demanda de uma produção industrial que ainda estava se estabelecendo. Mas na PUC-Rio a formação humanística característica da universidade prevaleceu, trazendo a necessidade de outra abordagem. O resultado do projeto de design não poderia ser desenhado levando-se em conta apenas aspectos estéticos e funcionais – ele deveria ser projetado a partir da interação com o usuário, desde o princípio. Por este viés, os alunos de design foram estimulados a projetar não apenas dentro de suas salas de aula, com pensamento focado em um mercado ideal, mas no extramuros, em contextos específicos, a partir do pré-requisito de o projeto dever ser focado no usuário e desenvolvido com ele. Na época, este tipo de abordagem recebeu grande influência, dentre outros, do pensamento de Victor Papanek, que ficou conhecido por seu livro Design for the Real World, publicado em 1971, no qual fez críticas ao desenho industrial como vinha sendo feito. Ele enfatizava a responsabilidade social do design e a importância de se perceber quais eram, de fato, as contribuições que ele ainda podia trazer para a sociedade, em vez de continuar a produzir por produzir – o que, em sua concepção, levava à destruição do planeta. O autor propunha que se produzisse para os marginalizados – as populações pobres dos países periféricos, as pessoas com necessidades especiais –, setores da população que vinham sendo ignorados pelos designers até então. Ele também criticava o design visando o lucro e, quando criava um objeto que considerava que poderia ajudar muitas pessoas, como um objeto para um portador de deficiência, disponibilizava os desenhos gratuitamente para quem quisesse reproduzi-lo (Papanek, 1971). Papanek já havia proposto também o quehavia denominado de “design germinativo”. Segundo essa teoria, o designer passaria a habitar, por um tempo, o contexto onde seria desenvolvido o projeto e formaria um grupo de colaboradores da população local para gerá-lo. A participação da comunidade na concepção e desenvolvimento do projeto garantiria a continuidade da sua produção e a sua manutenção após a partida do designer daquele contexto específico. No mesmo sentido proposto por Papanek, no curso de Design da PUC-Rio foram se estabelecendo parcerias com grupos pouco atendidos pela indústria, como, por exemplo, o CVI – Centro de Vida Independente, a ABBR – Associação Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 179 Brasileira de Reabilitação, o INES – Instituto Nacional do Surdos, e o IHA o Instituto Helena Antipoff. Nesses projetos, o diálogo direto com o usuário, parceiro, grupo /ou comunidade foi fundamental para o entendimento do desejo daquele(s) com quem se estabeleceria a situação de projetação. Nos diversos projetos realizados em parceria com o CVI, notamos um aspecto muito importante e singular: a necessidade trazida pelas pessoas. É a partir desta informação que o projeto segue adiante. Por meio do contato direto com o outro, com o futuro usuário, o designer passa a ser um instrumento de realização de um desejo; como observamos na fala de Ripper2: “Lembro de um projeto que desenvolvemos com uma menina que não podia mover as mãos e queria pegar um picolé e passar batom sem ajuda” (DAL BIANCO, 2007, p. 30). A partir daí, o “ouvir o parceiro” constituiu-se como etapa metodológica fundamental do Design Social na PUC-Rio e a meta tornou-se desenvolver ações, serviços, recursos, materiais e objetos “com” em detrimento de “para” o usuário. Em suma, o exercício metodológico de projetar junto com os usuários específicos constituiu um corpo de alunos aptos a compreenderem necessidade como um termo relativo, no sentido das diversas possibilidades de hierarquização que o termo congrega. A vivência e convivência demonstrou que o que é necessário para um pode não ser necessário para outro. Desejo, demanda, necessidade e oportunidade flutuaram na concepção dos parceiros de projeto entre o fundamental e o supérfluo. A função da técnica e o conceito necessidade As considerações de Ortega y Gasset ,em seu livro Meditação sobre a técnica (1939), sobre a função da técnica e o que é necessário para o homem, constituíram-se como fundamentação teórica para a prevalência do projetar “com” em detrimento do projetar “para” na formação do aluno de design no âmbito do Design Social da PUC-Rio. O autor explica que a compreensão imediata que se tem acerca da técnica é que seu objetivo consiste em satisfazer as necessidades humanas. Na sua perspectiva, o homem sempre buscou satisfazer suas necessidades básicas – alimentar-se, aquecer-se, abrigar-se... –, sendo sua necessidade primordial a vontade de viver. E como o homem, diferentemente dos outros animais, tem a capacidade de modificar a natureza para satisfazer suas necessidades, a técnica foi por ele definida como a transformação que o homem faz na natureza para que a satisfação das necessidades básicas deixe de ser um problema. No entanto, o autor ressalta que o ser humano sabe que a técnica criada pelo homem não se limita a satisfazer as necessidades básicas, pois, desde o prin2 Professor Emérito do Departamento de Artes & Design da PUC Rio, José Luiz Mendes Ripper. Professor pioneiro no desenvolvimento da metodologia design social em parceria com a PUC-Rio. 180 Design para uma educação inclusiva cípio, ela também se desenvolveu para coisas supérfluas. O autor enfatiza que isso é consequência de o homem ser um ser para o qual não basta o básico – o supérfluo também é necessário. Assim, exemplificando, o autor aponta que tão antigo quanto o fazer fogo para se aquecer é o ato de embriagar-se (ibid.), já que o homem não se contenta com a satisfação de suas necessidades – não lhe basta sobreviver. Para Ortega y Gasset, o homem precisa alcançar estados de prazer, precisa do bem-estar, proporcionado pelo supérfluo. Na formação em Design na PUC-Rio, na perspectiva do design social, desenvolveu-se também a noção de que o viver, no sentido biológico, é uma noção unívoca, definida. Já a noção de bem-viver, ou bem-estar, é equívoca – é uma noção variável, que se modifica ao longo do tempo e é diferente para cada sociedade. Assim, as experiências projetuais vivenciadas pelos alunos calcaram-se no conceito de que, adaptando-se às ideias de bem-estar, a técnica está em constante transformação. Nessa perspectiva, a técnica emerge como o que possibilita poupar esforço e tempo do homem com as tarefas que se impõem a ele primariamente. Assim, facilitando a satisfação das necessidades básicas, a técnica possibilita a ele vivenciar seu lado “não natureza”, realizar seu programa de existência, sua pretensão de ser, que poderá lhe trazer o bem-estar almejado. Isso pois, para Gasset y Ortega (ibid.), o homem se caracteriza por esta capacidade de construir projetos de vida, sendo esta a principal característica que o diferencia dos animais. Para o autor, diferentemente dos animais, o homem não coincide plenamente com a natureza. Uma metade é natureza e vive; a outra metade transcende a natureza e para ela não basta viver, é preciso o bem-estar. A metade “não natureza” é a que consideramos nosso verdadeiro ser, nossa personalidade, mas é algo não realizado, é um projeto, algo que quer ser. Nossa vida é o afã de realizar determinado programa de existência – o homem é uma pretensão de ser. Enquanto os outros animais já nascem sendo, o homem tem que se “autofabricar”, tem que se esforçar para que exista o que ainda não existe. É por esse viés que no curso de Graduação em Design da PUC-Rio, na perspectiva do design social, privilegia-se o conceito de que a técnica nasce daquilo que um povo ou pessoa deseja ser. Trata-se de um desejo original pré-técnico que está na base de toda invenção – primeiro, o homem deve saber o que quer se tornar. Em nome desse desejo, é desenvolvida a técnica. Assim, a origem da técnica reside no desejo humano de construir um projeto de vida que lhe trará o bem-estar (ibid.). Ações, práticas, recursos, materiais/objetos de ensino aprendizagem são adotando essa perspectiva, o resultado da técnica, são o esforço do homem no sentido de viabilizar aquilo que ele quer ser. Eles se constituem na ação. Contudo, atualmente, a realidade da educação no Brasil infelizmente continua longe de ter em si a clareza mais do que sobre o que quer que escolas, professores e alunos sejam, mas sobre como potencializar que eles sejam. Falta clareza dos cursos de Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 181 formação de professores acerca do reconhecimento do que o futuro professor, como aluno em formação, deseja ser. Falta clareza da escola acerca do projeto pedagógico que potencialize o desejo de ser que emerge da relação professor-aluno-instituição. E falta clareza dos professores formadores de alunos acerca do que o aluno quer, poderia se tornar. Isso, sem mencionar os projetos políticos que estabelecem-se no hiato dicotômico discurso/ação. É especialidade do Design conceber, desenvolver e aprimorar técnicas ou , repetindo o anteriormente mencionado, participar do desejo humano de construir um projeto de vida que lhe trará o bem-estar. Assim, está entre suas habilidades projetar para as inteligências múltiplas que compõem contextos específicos de ensino-aprendizagem; isso sempre na valorização da perspectiva de que não cabe ao designer julgar o que é necessário ou não, mas escutar o usuário e entender o que pode melhorar o seu bem-estar ou o que se apresenta na situação real, no contexto específico de uma determinada situação de ensino-aprendizagem. O diálogo com o usuário Na perspectiva do design social o usuário é sujeito e é importante observar como ele interage com práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem ao longo de seu desenvolvimento para a proposição de uma construção coletiva, ação conjunta de concepção, desenvolvimento e produção do projeto. Ao participar das distintas etapas, as pessoas envolvidas sentem-se responsáveis pela existência do resultado do projeto, tendo outra relação com ele durante seu uso (DAL BIANCO, 2007, p. 69). Assim, os futuros usuários são coautores do projeto. Para Bakhtin, a linguagem é fruto do contexto social, que é algo equívoco, pois está em constante transformação e está para além do indivíduo: “qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (BAKHTIN, 2006 [1979], p. 112. No design, lidamos com objetos e com enunciados verbais produzidos acerca deles. Da mesma forma, não podemos pensar o resultado do projeto como um elemento isolado, definido de forma abstrata por suas características formais, virtuais ou materiais. Tampouco podemos vê-lo como resultado do gênio criativo do designer. Todo objeto está inserido em um contexto maior que o determina. Podemos chamar este contexto de socioambiental: o ambiental dizendo respeito às características materiais. E o social sendo ativado pelos interlocutores/usuários. Assim, da mesma forma que o enunciado verbal é determinado pelo contexto social, o objeto de design é determinado pelo contexto socioambiental – e o designer, ao projetar, está sempre em diálogo tanto com o usuário quanto com o meio ambiente. Assim, na concepção e desenvolvimento do projeto, o importante não é um olhar exclusivo sobre a situação ou o objeto em si, mas, sim, sobre as verbalizações ativadas 182 Design para uma educação inclusiva a partir deles, ou sobre as relações que os usuários estabelecem com eles – o que só pode ser expresso e entendido a partir da verbalização. Na perspectiva bakhtiniana, o projetar origina-se em um “eu” circunscrito em um espaço e tempo único e singular e destina-se para um “outro” interlocutor/ respondente, também circunscrito num espaço-tempo único e singular na existência. O resultado do projeto de design tem lugar no encontro entre locutores (designer do projeto/resultado do projeto-usuário) em um ponto específico ou situação de uso, na tensão/interação dinâmica da relação eu-outro, em espaço-tempo determinado de singularidades. Ele tanto é resultado das subjetividades atuantes na interação quanto é seu produtor. Cada objeto está inserido em um contexto social e cada usuário tem uma história de vida única. A interação entre o objeto e o usuário pode ser entendida da mesma maneira que Bakhtin concebe a interação verbal: ele ensina que a língua não é estanque, mas é sempre atualizada na interação verbal, sendo única, dependendo dos interlocutores e do momento. E quando dois falantes interagem, cada um com seu histórico social, ambos se adaptam perante aquela interlocução. Da mesma forma, a interação entre uma pessoa e o resultado do projeto é sempre única – e a pessoa pode tanto modificar o objeto quanto ser modificada por ele. É a partir da verbalização que o usuário poderá exprimir a sua apreensão do resultado do projeto, da técnica em ação, das práticas, recursos, materiais e objetos desenvolvidos para as situações de ensino-aprendizagem. Em resumo, Ripper e Farbiarz (2010) enfatizam que “a criação, o objeto de design, constitui-se quando os elementos são postos juntos na ação, no meio”, na interação das singularidades e, justamente por isso, é sempre inacabado, equívoco. Nesta perspectiva, os usos resultam da projeção do “eu” designer (com um campo de visão determinado por um posicionamento no espaço-tempo) sobre a resposta do “outro” usuário (detentor de outro campo de visão também circunscrito por um posicionamento no espaço-tempo) sobre um ponto (objeto/resultado do projeto) em comum. O que está em jogo no campo de visão de “eu” e de “outro” não é coincidente, é relacional, pois o resultado do projeto circunscreve-se na construção de sentidos, mantendo-se inacabado diante do potencial de respostas dos sujeitos inscritos na sociedade. Sendo assim, projetar objetos, sistemas e serviços com foco na inclusão, na esfera do design em parceria, requer o reconhecimento de que o campo de visão do designer se constitui nas projeções conceitual e imagética do usuário; projeção fundamentada em background e horizonte de expectativas (ISER, 1996); e no encontro e no diálogo em um ponto específico (espaço-tempo determinado) com esse usuário, durante o uso ou a ação do/sobre o objeto projetado. Neste sentido o ato de projetar sustenta-se na vivência da diversidade, no autorreconhecimento de pré-conceitos e, essencialmente, na ênfase do projetar “com” o outro em detrimento do projetar “para” o usuário como condição prévia para uma ação em constante ressignificação. É desta perspectiva que emerge o reconhecimento das noções de pertencimento, identificação e apropriação fundamentais para a constituição da autonomia dos sujeitos. É esta a perspectiva fundamental na dinâmica Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 183 do processo projetual e nas diferentes análises de uso, em uma dinâmica adaptável e cambiante de ressignificações (Bakhtin, 2006 [1979])3. Como vimos, o objeto só existe a partir do diálogo, da interação, da inserção no meio, o que nos remete também ao geógrafo Milton Santos. O autor nos apresenta a ideia de que o espaço seria um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Estes dois sistemas não devem ser vistos isoladamente, mas em interação um com o outro. Esta interação leva ao movimento que transforma o espaço continuamente. De um lado, sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e de outro, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra sua dinâmica e se transforma (SANTOS, 2002, p. 63). Para o geógrafo, se objetos e ações são vistos isoladamente, perdem seu sentido. Nesta perspectiva, defendemos que uma realidade educacional que evidencia, como anteriormente mencionado, a proletarização do professor, com o consequente comprometimento da qualidade do ensino, via massificação sem a apropriação crítica de currículos condizentes com objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997), deveria ser repensada em uma perspectiva interdisciplinar. A inserção do design como parceiro na formação do professor e no desenvolvimento de ações para situações de ensino-aprendizagem é uma possibilidade concreta e já experimentada em situações específicas. PROJETOS DESENVOLVIDOS NA PARCERIA DESIGN & EDUCAÇÃO NO LINC-DESIGN Os projetos desenvolvidos pelo LINC-Design para situações de ensinoaprendizagem ancoram-se no conceito de inteligências múltiplas desenvolvido por Gardner (1994). A partir de estudos sobre as habilidades humanas, o autor enfatiza a importância de se entender o leque de inteligências que compõem um indivíduo e o tempo e as etapas diferenciadas que cada um apresenta no processo de aprendizagem. Em sua percepção, não é apenas a inteligência linguística que deve balizar o entendimento social acerca do que é um indivíduo competente e hábil intelectualmente: “...uma competência intelectual humana deve apresentar um conjunto de habilidades de resolução de problemas – capacitando o indivíduo a resolver problemas ou dificuldades genuínos que ele encontra e, quando adequado, a criar um produto eficaz - e deve também apresentar o potencial para encontrar ou criar problemas – por meio disso propiciando o lastro para aquisição de conhecimento novo” (pg.46). 3 Proposição ressaltada por Farbiarz na proposição da interdisciplinaridade design-educação como elemento fundamental para uma proposta de educação inclusiva para todos, discutida no Capítulo 9. 184 Design para uma educação inclusiva Em seu livro Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas (1994), Garner apresenta sete tipos inteligência: inteligência verbal ou linguística; inteligência lógico-matemática; inteligência musical; inteligência visual ou espacial; inteligência corporal ou cinestésica; inteligência interpessoal; inteligência intrapessoal. Alguns anos depois, inclui na lista mais dois tipos: inteligência naturalista e inteligência existencialista. Na concepção de Gardner são essas nove inteligências que participam da constituição dos sujeitos. Cabe, assim, a sociedade o aprendizado acerca do desenvolvimento de técnicas que permitam o aprimoramento dessas inteligências. Na proposição do autor, cada inteligência contempla características específicas, a saber: Tabela10.1: Inteligências múltiplas,segundo Gardner (1994)4 Inteligência linguística e verbal: habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Inteligência musical: habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Discriminação de sons; percepção de temas musicais; sensibilidade para ritmos, texturas e timbre; e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. Inteligência lógico-matemática: habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los. Sensibilidade para padrões através da manipulação de objetos ou símbolos e para a experimentação de forma controlada; Inteligência espacial: habilidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. Capacidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das perceções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição numa representação visual ou espacial. Inteligência cinestésica: habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do uso de parte ou de todo o corpo. Uso da coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas; controle dos movimentos do corpo e manipulação de objetos com destreza. Inteligência interpessoal: habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas. (continua) 4 Quadro resumido de José Paz Rodrigues (2014). http://pgl.gal/as-inteligencias-multiplas-do-ser-humano-segundo-howard-gardner/ Acessado em 3/3/2016 Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 185 Tabela10.1: Inteligências múltiplas,segundo Gardner (1994) (continuação) Inteligência intrapessoal: habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. Reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios; capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas, ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas. Inteligência naturalista: habilidade do ser humano desfrutar de tudo aquilo que envolve a natureza: animais, plantas, flores, ecologia. Foco nas relações entre os seres vivos. Inteligência existencialista: habilidade de ajuda ao próximo. Relaciona-se com a afetiva e emocional. Com sua pesquisa, Gardner (1994) constata que há muitos modos de se perceber, apreender e elaborar as experiências e os conhecimentos construídos a partir das interações, e o LINC-Design atua no sentido de desenvolver com os usuários práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem que participem da potencialização dessas inteligências múltiplas. Para além do conceito de Gardner, na elaboração de projetos para situações de ensino-aprendizagem, o LINC-Design sustenta-se também no conceito de arquitetônica desenvolvido por Mikhail Bakhtin (apudHOLQUIST; LIAPUNOV, 1990). Segundo o autor, a arquitetônica entende que a diversidade que constitui o mundo resulta de um movimento interativo da própria diversidade. Assim, em sua proposição, é preciso considerar que em vez da arquitetura do edifício situado no espaço e pronto para ser usado, deve ser considerada a arquitetônica. Isto pois ela exprime a qualidade das relações que não se oferecem diretamente ao olhar, mas se manifestam como projeção. Ela persegue os fluxos e seus pontos de vista projetados sob forma de diferentes interações e não os posicionamentos que constituem determinado espaço. Trata-se, na verdade, de alcançar uma dimensão do movimento que Bakhtin considera fundamental para a construção dos sentidos. Nesse caso, a interação pressuposta no diálogo deve ser configurada na triangulação conceitual em que é em um olhar conjunto sobre a arquitetura (construção), a mecânica (movimento) e a arquitetônica (interação), que se encontram os sentidos produzidos nas interações (MACHADO, I. apud PAULA (Org.), 2010, s/p). Também é premissa do LINC-Design desenvolver projetos cujos resultados devem refletir todas as etapas de produção, incluindo a preocupação com o desuso para uma sustentabilidade ambiental e, fundamentalmente, para uma ética sustentável. Isto ocorre pois, da mesma forma que o enunciado ver- 186 Design para uma educação inclusiva bal é determinado pelo contexto social, o objeto de design é determinado pelo contexto socioambiental – e o designer, ao projetar, está sempre em diálogo tanto com o usuário quanto com o meio ambiente. Exemplos de projetos desenvolvidos por pesquisadores do LINC-Design Objeto de ensino aprendizagem: Moléculas gramaticais Moléculas gramaticais foi uma proposta de jogo, desenvolvida para o ensino da língua portuguesa no Ensino Médio pelos pesquisadores Luciana França, Guilherme Xavier, Eduardo Oliveira e Gabriel Batista, em especial para a revisão do módulo sintaxe – termos da oração. Ele buscou integrar à inteligência linguística, quase que exclusivamente utilizada para a apresentação desse conteúdo no sistema educacional brasileiro, as inteligências espacial, lógico-matemática e corporal, em uma aplicação da proposição de Gardner (1994) acerca das inteligências múltiplas que integram o indivíduo e que não são igualmente valorizadas em situações de ensino-aprendizagem. Na proposta do jogo, a manipulação do objeto para a formulação de hipóteses e tomada de decisão com foco na interação potencializou uma situação de ensino-aprendizagem inclusiva, no sentido de fazer emergir a potência e inteligência de cada aluno envolvido no processo. Acreditava-se que poucas ações lúdicas eram propostas para alunos de Ensino Médio, tendo estes uma educação mais tradicional e formal. Os pesquisadores confiavam que o jogo engajaria os alunos no aprendizado, ampliando o espectro de ações de ensino em sala de aula. O jogo teria seu uso integrado com os conteúdos para o ano letivo em questão, ou seja, ele poderia ser apresentado gradualmente aos alunos durante os anos do Ensino Médio, tornando-se mais complexo conforme a evolução do conteúdo na relação com as competências e habilidades exigidas para cada ano letivo. O jogo teve por objetivo ensinar as diversas classificações das palavras que compõem uma frase de uma forma predominantemente visual. Para tal, foram escolhidas as seis classes de palavras mais utilizadas para serem trabalhadas: artigo (definido e indefinido), substantivo (simples, composto, primitivo, derivado, concreto e abstrato), adjetivo (simples, composto, primitvo e derivado), verbo (estado, ocorrência, ação, fenômeno natural e desejo) e advérbio (lugar, tempo, modo, afirmação, negação, intensidade e dúvida) (CLARO et al., 2008, p. 5). Assim, através dos átomos (classes de palavras), assumiu-se como objetivo que o aluno construísse uma molécula gramatical, conseguindo compreender tanto a importância da ordem das palavras numa composição frasal quanto os sentidos diversos que composições diferenciadas podem fazer emergir. A mecânica do jogo consiste na construção da molécula a partir da seleção de uma “carta atividade” Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 187 que apresenta a tarefa que o aluno deve executar. Na sequência, o aluno sorteia as “cartas classe” que trarão a ordem das categorias. E, finalmente, o aluno constrói a molécula e uma frase pautada nela. Nem sempre as frases têm sentido e esta consequência é proposital, pois assim o aluno pode compreender como a ordem das palavras/classes altera o sentido da frase e a importância do posicionamento dos elementos para a construção do sentido almejado. verbos substantivos advérbios adjetivos Figura 10.1: Moléculas gramaticais, desenvolvido a partir do livro Construindo com PET - Fundação Ciência Jovem. Autor: Eduardo Andrade.Fonte: LINC-Design.. 188 Design para uma educação inclusiva A opção pela utilização de garrafas PET tomou por base o fato de ser um material facilmente encontrado em contextos situacionais diversos e de ser um objeto em situação de reuso, contribuindo, assim, para a sustentabilidade ambiental. Além disso, a opção por um material que se descaracteriza de sua condição primeira de funcionamento permite ao professor mediador potencializar discussões que incluam a inteligência existencial na arquitetônica das relações. Nesta perspectiva, os projetos do LINC-Desing defendem uma formação do professor com a habilidade técnica para pensar o potencial de cada aluno a partir do diálogo com sua inteligência mais evidente e do desenvolvimento das que ainda não encontraram espaço para emergir. Objeto de ensino-aprendizagem: Dodecaedro mundi O Dodecaedro mundi foi desenvolvido pela pesquisadora Daniela Marçal a partir de sua pesquisa de doutorado, na qual busca sustentar a tecnologia calma como princípio de design promotor do desenvolvimento dos padrões de comunicação e interações sociais do sujeito com autismo em situações de ensino-aprendizagem. Partiu-se do pressuposto de que, ao lidar com essa realidade em situações de ensino-aprendizagem, devemos considerar diferentes modos de comunicação e interação, somando a inteligência linguística, em especial, à inteligência espacial, visto que pesquisas demonstram ser o indivíduo com autismo um pensador visual. Como na situação específica de desenvolvimento do projeto o indivíduo observado interagia melhor com as informações apresentadas quando o uso de imagens (gráficos, mapas, calendários, fotos, vídeos) mediava a apresentação de determinado conteúdo e como ele apresentava um interesse especial por geografia e ciências, foi projetado um objeto de ensino-aprendizado multifuncional para potencializar a inteligência espacial que ele demonstrava, com vistas a contribuir para a aquisição do conhecimento. Denominado Dodecaedro mundi, apresentou a seguinte composição: Criamos um objeto, um hexágono, composto por pentágonos (figura abaixo) que funcionou como suporte para que o aluno pudesse explorar o mapa mundi através de um quebra cabeça. Deste modo através de seu interesse e potência seria possível trabalhar alguns conceitos de fração como: divisão a partir de algo; parcela de um todo; porção. O aluno não só verbalizou tais conceitos de modo espontâneo como interagiu com o objeto indo além do objetivo, pois pegou uma caneta e desenhou em cima do mapa para marcar países e cidades (MARÇAL, 2016. p 91). Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 189 Figura 10.2: Pentágonos de papelão como suporte de interação – Autora: Daniela Marçal .Fonte: LINC-Design. Mais uma vez, a opção foi por um material em situação de reuso (caixa de papelão) e de um resultado fácil de ser alcançado, pela simplificação das etapas de produção (no lugar de desenhar o mapa, por exemplo, ele poderia ser colado em cada uma das partes do dodecaedro). A opção corrobora o fato de no LINC-Design ser sustentado que a atribuição de novas funcionalidades a elementos existentes no cotidiano individual de professores e alunos aumenta a fluência, flexibilidade e originalidade de professores e alunos, pois os leva a uma exploração sensível e estética de uma nova relação dialógica. 190 Design para uma educação inclusiva Objeto de aprendizagem: PupPEt – bonecos de PET Os PupPEts – bonecos de PET, originam-se de uma metodologia de desenvolvimento de bonecos com o reuso do material PET. A metodologia foi desenvolvida pelo pesquisador Eduardo Oliveira e explicitada em dissertação de mestrado. Ela gerou uma cartilha com foco no reaproveitamento criativo das embalagens PET como bonecos. A confecção e uso dos bonecos por professores e alunos integra diferentes situações, disciplinas e propostas de ensino-aprendizagem. Contudo, independente da proposta, sempre há como fundamento básico a sensibilização para a questão da preservação ambiental através da arte. Por ser um material potencialmente nocivo ao meio ambiente, a utilização do PET como matéria prima para construção de bonecos, numa ressignificação de sua forma em objeto lúdico e educativo, coloca o fazer design dentro de uma visão engajada com os atuais conceitos de sustentabilidade. Além disso, ele é um material facilitador para o desenvolvimento de objetos de ensino-aprendizagem, pois, ao elegê-lo como material de base, o professor elimina etapas como moldar ou esculpir a matéria prima para chegar a uma forma inicial. A variedade de formas de garrafas disponíveis no mercado é tanta que se torna possível ter acesso a um repertório material bastante grande para a confecção de personagens. Utilizar personagens desenvolvidos no material base garrafas PET, desde sua confecção coletiva, até o desenvolvimento de narrativas, a partir dele, atende a potencialização das inteligências naturalista, cinestésica e espacial, dentre outras. Agrega-se assim, a inteligência linguística novas possibilidades de apreensão e ressignificação de conteúdos, com foco nas competências e habilidades. Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 191 Figura 10.3: PupPEts, bonecos de interação. Autor:Eduardo Andrade. Fonte: LINC-Design. Sobre os exemplos Em suma, os exemplos demonstram a participação do design na formação de professores e na esfera do desenvolvimento de ações em situações de ensino-aprendizagem. Os exemplos corroboram o entendimento de que práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem são escolhas efetivadas por sujeitos que deveriam ser pensadas como “técnica em ação”. Na perspectiva do LINC-Design, elas devem partir do pressuposto de que as escolhas ganham sentido em contextos espaço-temporais específicos e potencializam formas diferenciadas de envolvimento e interação. Isso pois o laboratório atua sobre, para e com sujeitos e suportes em interação no meio, com o objetivo de construção de seus sentidos na sociedade. Além disso, as escolhas condensam o legado cultural e o futuro da sociedade, uma vez que chancelam (quando eleitos) ou não (quando descartados) práticas, recursos, materiais e objetos de ensino-aprendizagem. Preparar o professor para a projetação, produção e uso de objetos que contemplem o presente e o futuro e que respeitem a diversidade e a inclusão dos sujeitos tem lugar na interdisciplinaridade, sendo o Design uma das disciplinas aptas para a colaboração. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas diferentes acepções sobre “o que é design”, podemos identificar sua aptidão para a resolução de problemas. O designer, em sua formação, apreende conhecimentos de diversas áreas, como filosofia, história, comunicação, tecnologia, antropologia etc., por ser um campo de vocação interdisciplinar. O designer é preparado para lidar com um mundo, com uma sociedade complexa, em que cada indivíduo ou grupo apresenta características e necessidades específicas. Assim, o designer pode propor novos olhares/ações no âmbito 192 Design para uma educação inclusiva escolar, no que tange a construção de materiais/objetos de ensino-aprendizagem, para potencializar a ação docente. Entende-se que o alunado, conforme sua idade, características psicofísicas e ano escolar, tem necessidades, características e percepções individuais e específicas sobre os conteúdos e sobre a vida, o que gera um descompasso entre suas demandas e um ensino que privilegia o global em detrimento do específico. Giroux, ilustrando a questão declara ser uma “(...) suposição errônea de que todos os estudantes podem aprender a partir dos mesmos materiais, técnicas de ensino em sala de aula e modos de avaliação” (1997, p.161). Entre a formação do professor e as demandas do aluno, certo é que para tentar alcançar os objetivos propostos nos PCNs é necessário rever a relação entre o repertório do professor e o cotidiano da sala de aula. Morin vem alertando que “a educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver problemas e, correlativamente estimular o pleno emprego da inteligência geral” (MORIN, 2003, p.22). Propôs-se então a colaboração entre Design e Educação, através do desenvolvimento de práticas, recursos, materiais/objetos de ensino-aprendizagem que privilegiem as necessidades especificas de cada grupo e/ou aluno, em vistas à alcançar um ensino mais dinâmico e integrado. Ressalta-se aqui que o profissional de Design baseia sua atuação nas práticas aplicadas em diferentes áreas do saber, nos diferentes conhecimentos existentes, para desenvolver seus produtos/soluções. O Design, nessa perspectiva, auxilia na compreensão de um problema e torna-se gerador estratégias metodológicas para otimização da atuação docente, especificamente objetos de ensino-aprendizagem, neste caso. O Design é um saber social, que busca compreender o mundo, suas particularidades, quais as reais necessidades dos indivíduos e como alcançá-las. Sendo assim, o Design, por sua natureza tecnológica, tem condição de contribuir com a otimização de projetos de desenvolvimento de práticas didáticas, pensados na relação com diferentes métodos/abordagens de ensino-aprendizagem e as demandas do sistema educacional. Em suma, demonstra-se neste artigo que o Design pode otimizar as práticas de ensino-aprendizagem em colaboração com a Educação, numa ação conjunta entre designers-professores e alunos no contexto da sala-de-aula. Com isso, acredita-se que haverá uma maior fundamentação para a passagem de um modelo de ensino de base transmissão de conhecimento, para um modelo com ênfase na resolução de problemas. A experiência de Design em parceria trouxe o aprendizado prático de que o designer não é detentor de um conhecimento capaz de apresentar um produto Design & educação: objetos de ensino-aprendizagem potencializando inteligências múltiplas 193 pronto para o usuário. Vimos, com Bakhtin, a importância do reconhecimento do diálogo do “fluxo que constitui o evento” e o entendimento de que a fala nunca é fruto unicamente da individualidade do falante. Há sempre a interação e toda fala está inserida em um contexto maior. Como vimos com Ortega y Gasset, a técnica sempre vai além da necessidade básica, na busca pelo bem-estar. E a noção de bem-estar varia de pessoa para pessoa, é preciso ouvir cada usuário para entender o que ele considera que lhe trará maior bem-estar. Assim, entendemos que, no Design em parceria se potencializa a ideia de que o diálogo com o outro é essencial e que o design não parte do pressuposto de uma necessidade idealizada, mas da certeza de que o projetar oportuniza o ressaltar das inteligências múltiplas do usuário pela compreensão e ativação da sua voz na construção colaborativa de práticas, recursos, materiais/objetos de ensino-aprendizagem. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. V. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12a edição. São Paulo: Hucitec. 2006. [1ª edição 1979]. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12657%3Apa rametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o-series&catid=195%3Aseb-educacao-basica&Itemid=859>. Acesso em: 09 abr. 2014. CLARO, L.; XAVIER, G.; ANDRADE, E.; BATISTA, G. Moléculas Gramaticais. In: Revista Pesquisas em Discurso Pedagógico. Rio de Janeiro, n. 1, 2008. COUTO, R. M. S.; FARBIARZ, J. L., NOVAES, L. e OLIVEIRA, A. J. (Orgs). Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB: PUC, Dep. de Artes e Design, 2014. DAL BIANCO, B.; DAMAZIO, V. Departamento de Artes e Design. 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CAPÍTULO 11 São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto Rita Maria Couto, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Flávia Nizia Ribeiro, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Roberta Portas, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Karla Portas, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Maria Apparecida Mamede-Neves, Doutora, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) 196 Design para uma educação inclusiva APRESENTAÇÃO Tendo como ponto de partida um Memorando de Entendimento de Cooperação Técnica e Científica celebrado em 20121 entre o Ministério de Educação, Cultura e Ciência de São Tomé e Príncipe (MECC/STP), o Fundo das Nações Unidas para a Infância – Escritório São Tomé e Príncipe – (Unicef) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) foi assinado com o Laboratório Interdisciplinar de Design Educação do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio, (LIDE/ DAD/PUC-Rio), um acordo de cooperação a nível institucional para o desenvolvimento de um plano pedagógico para a educação de primeira infância em STP. A República Democrática de São Tomé e Príncipe é um pequeno país situado a trezentos quilômetros da costa ocidental da África, próximo das costas do Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e Nigéria, formado por duas ilhas principais com área total de 1.001 km2 e que tem em torno de 160 mil habitantes. Foi colônia portuguesa até 1975 e sua língua oficial é o português. No âmbito do citado acordo foram definidas inúmeras metas a serem alcançadas, das quais destacam-se no presente artigo as ações relacionadas à elaboração de conteúdos curriculares para a Educação Infantil para as faixas etárias de quatro e cinco anos, assim como o desenvolvimento de metodologias de ensino e produção de materiais didáticos de apoio aos conteúdos do currículo. Adotou-se na elaboração do plano pedagógico acima referenciado uma perspectiva eminentemente interdisciplinar, tendo por base um estreito relacionamento entre as áreas do design e da educação, prática comum aos projetos que são desenvolvidos no LIDE/DAD/PUC-Rio2. O LIDE/DAD/PUC-Rio tem como coordenadora a professora doutora Rita Maria de Souza Couto do Departamento de Artes & Design (DAD/PUC-Rio) e conta com a presença entre seus pesquisadores da professora doutora Maria Apparecida Campos Mamede-Neves, professora Emérita do Departamento de Educa- 1 O projeto teve início em janeiro de 2013 e tem término previsto para o ano de 2017, com a universalização dos currículos de quatro e cinco anos em todos os jardins de infância das ilhas de São Tomé e de Príncipe. 2 No Laboratório Interdisciplinar de Design Educação são desenvolvidas investigações no âmbito da sublinha de pesquisa “Design em Situações de Ensino-aprendizagem” sobre ensino de design – currículo de graduação e de pós-graduação, formação docente, formação pós-graduada de designers brasileiros; e o design no ensino – iniciação universitária em Design, Design nos âmbitos da Educação Infantil, Ensinos Médio e Fundamental; Design em Parceria, Design Social, criatividade e interdisciplinaridade. O LIDE reúne professores, pesquisadores, bolsistas de Iniciação Científica e alunos mestrandos e graduandos. Funciona nas dependências do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio. O LIDE pertence à linha de pesquisa do PPGDesign intitulada “Design: tecnologia, educação e sociedade”. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 197 ção (EDU/PUC-Rio). A equipe permanente de projeto do LIDE/DAD/PUC-Rio é composta por seis professores pesquisadores que têm formação interdisciplinar nas áreas de design, pedagogia, educação, psicopedagogia, comunicação, letras e artes. Além da equipe permanente, um grupo de consultores ad hoc integra o cadastro dos docentes habilitados a contribuir com as atividades de ensino e produção de materiais didáticos neste laboratório de pesquisa. A interação entre os membros da equipe de trabalho da PUC-Rio e da equipe de STP permitiu um maior entendimento do contexto real e garantiu a abordagem de problemas identificados e definidos em conjunto com esse grupo. Essa prática favoreceu a geração de soluções em consonância com os anseios e necessidades do país no tocante à implantação do projeto de educação de primeira infância. Permitiu, ainda, a configuração de uma proposta pedagógica de bases metodológicas e de objetos guiados por um processo aberto e realizado em parceria. O presente artigo relata o trabalho realizado entre os anos de 2013 e 2015, que resultou na elaboração do plano pedagógico e dos conteúdos curriculares para a Educação Infantil para a faixa etária de quatro anos. EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESPAÇO INTERDISCIPLINAR DE PROJETO A Educação Infantil tem papel social importante no desenvolvimento humano e social. A prioridade geralmente está centrada na escola fundamental, com acesso e permanência das crianças e aquisição de conhecimentos, mas a luta pela Educação Fundamental não contraria a importância da Educação Infantil – primeira etapa na Educação Básica (KRAMER, 1999). Experiências demonstraram que as crianças que frequentam estabelecimentos do ensino Educação Infantil desenvolvem com maior facilidade a autoestima e outras qualidades e aptidões que lhes permitem estar melhor adaptadas, emocional e intelectualmente, ao ingresso no ensino básico. Entretanto, as dificuldades do período pós-independência na República Democrática de São Tomé e Príncipe fizeram com que esse ensino fosse relegado a segundo plano durante os últimos trinta anos. Sua revitalização passa pela afirmação de uma vontade política para o setor e a adoção de medidas e políticas robustas, nomeadamente a garantia da universalidade e gratuidade de acesso ao ensino Educação Infantil de qualidade (Portal MECC-STP-2012). A melhoria da qualidade de aprendizagem na Educação Infantil é uma prioridade do MECC-STP, que fixou como objetivos em seu plano decenal para a educação a formação e capacitação de educadores, auxiliares, gestores e inspetores para este ciclo de ensino; a formação e capacitação de educadores especializados em NEE; a melhoria da qualidade de acolhimento nas instala- 198 Design para uma educação inclusiva ções da Educação Infantil, nomeadamente da qualidade física dos estabelecimentos, da qualidade da alimentação escolar e da adequação de materiais lúdicos e pedagógicos destinados à aprendizagem das crianças, com vista a garantir a retenção destas em condições aceitáveis de aprendizagem; a meta de um número adequado de crianças por educador e auxiliar (de quinze a vinte alunos); a elaboração de um currículo mínimo nacional com os respectivos manuais e guias de orientação; e adequar um quadro legal necessário ao seu desenvolvimento, consecução e cumprimento. Os indicadores de desempenho em 2012 e as metas estabelecidas para 2022 encontram-se resumidas: Tabela 11.1 – Indicadores e metas Indicadores Taxa líquida de escolarização Situação em 2012 54% (3-5 anos) Metas fixadas para 2022 100% Taxa de cobertura (0-2 anos) 6,7% 10% Taxa de admissão de crianças com NEE nd 50% % de infraestruturas adaptadas para crianças com NEE 0 25% % de educadores especializados em NEE 0 50% N.º salas existentes 170 +171 N.º de educadores e auxiliares existentes 348 +301 % de educadores especializados em diferentes domínios nd 50% Rácio crianças/educador e auxiliar nd 40 Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio A presente proposta teve por base as metas definidas pelo MECC-STP, acima apresentadas e que compõem as recomendações presentes na Lei nº 2/2003, Lei de Bases do Sistema Educativo e no Referencial Curricular para a Educação de Infância (Creche e Jardim de Infância) na República Democrática de São Tomé e Príncipe, desenvolvido pela Universidade de Aveiro. No citado documento, a práxis pedagógica, tônica do trabalho docente com a Educação Infantil, apresenta uma base teórica conceitual relativa ao desenvolvimento e à aprendizagem de crianças de três a seis anos. Sobre ela, portanto, se São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 199 assentará toda a docência a ser desenvolvida na Educação Infantil da República Democrática de São Tomé e Príncipe, considerando que: a) O homem é um ser social e todo o seu desenvolvimento – da concepção até a morte – se constrói pelas sucessivas trocas com o meio externo. Por consequência, a aprendizagem tem seu significado estruturado e confirmado pelo código cultural do meio em que ela se inscreve. O meio cultural se define por ser o entorno que constrói a estrutura do sujeito e determina as suas ações, dando-lhes uma marca própria de seu tempo e seu lugar. A relação do homem com seu meio cultural é uma relação de reciprocidade e, do mesmo modo, a relação entre seus pares é e será sempre de trocas. b) Em relação à pessoa humana, fala-se de um sujeito concreto, o que pressupõe um conjunto de estruturas articuladas entre si, quais sejam: estrutura física (corpo e organismo – a base psicofísica), estrutura racional (pensamento e cognição) e estrutura motivacional (situando o conjunto num contexto histórico-político-social determinado e vivendo um momento específico do seu ciclo vital). Por isso, o trabalho pedagógico só tem sentido se realizado levando-se em conta como se constituem e como se integram as diferentes dimensões desse ser: além da estrutura física, a dimensão racional, a dimensão motivacional e a dimensão social, sendo que esta se desdobra em dimensão contextual e interpessoal. c) A aprendizagem é um conceito que implica em duas significações: como processo e como produto. d) Como processo, refere-se à organização das estruturas mentais em níveis que vão se construindo em complexidade crescente e atuando nas diferentes dimensões. É fundamental, portanto, que o professor conheça a evolução desse processo para poder organizar de forma adequada o que ensina, como ensina e até onde pode ir quando ensina. Como produto, a aprendizagem não é um processo único, mas se traduz pelas mudanças no comportamento observável que se dá na mudança na rede do conhecimento com diferenciação progressiva na sua complexidade; mudança de interesse (motivações positivas ou negativas) que se constrói pela relação entre o sujeito e as áreas que o atraem ou fazem-no recuar, não desejar; mudança de valores como resultado da identificação da criança com seus pais, membros da família, professores ou encarregados, portanto, em princípio apenas com os que o rodeiam e que lhe ensinam as crenças, os modos de se comportar, os mitos e as normas do seu contexto. Mais tarde, esse círculo vai se abrindo para novas experiências e o contato com outros contextos, ainda dentro do país ou pelas trocas internacionais que vão acontecendo. e) A aprendizagem como um conceito complexo tem como ponto principal a percepção. Perceber não é, apenas, perceber objetos concretos. Percebemos 200 Design para uma educação inclusiva além desses objetos concretos, objetos ideais, fruto de nossa construção imaginária e, sobretudo, percebemos relações entre pessoas, fatos, fenômenos, etc. Assim sendo, o comportamento humano é o resultado de como o homem percebe o mundo e de como ele se percebe no mundo. Esse é um ponto fundamental para o campo pedagógico, porque o professor deve levar o aluno a perceber, a propor possíveis relações entre os fenômenos, mais do que apenas ensiná-lo a repetir o que ele disse ou escreveu no quadro. A aprendizagem pode se dar de dois modos diferentes, mas inter-relacionados – modos direto e indireto – independentemente do momento do desenvolvimento em que o ser humano esteja. Aprende-se de modo direto quando a aprendizagem é o resultado de vivências concretas e pessoais de quem aprende. Aprende-se de modo indireto através das informações fornecidas pelas pessoas que foram ou são para nós modelos significativos na nossa compreensão do mundo, na construção do nosso conhecimento. Neste grupo de pessoas estão incluídos os pais, os mestres, os encarregados, os amigos e companheiros de idade, enfim, todos aqueles que nos permitem apreender o legado do contexto social em que estamos inseridos. Essas figuras são responsáveis, principalmente, pela aprendizagem dos interesses, de regras sociais e morais que regem nosso comportamento, porque, ao realizarem a tarefa de nos ensinar, estão passando também seus valores e crenças. DESCRIÇÃO DAS BASES PEDAGÓGICAS DO TRABALHO A proposta político-pedagógica elaborada propõe uma estrutura ancorada nas bases conceituais acima descritas, valorizando as relações entre os conteúdos e as possíveis significações que estes tenham para os alunos, apresentando conteúdos vivos e concretos, portanto, indissociáveis da realidade social dos alunos e baseada em desdobramentos metodológicos necessários para cada área de saber que compõe a estrutura curricular. Trata-se, assim, de uma proposta pedagógica que segue a linha AÇÃO <> DIÁLOGO <> PARTICIPAÇÃO, baseada nas experiências do aluno, como também e sempre, na competência do professor. A conduta metodológica que norteou a definição de conteúdos, o desenho do currículo e as atividades propostas utilizou predominantemente os termos propostos por Pólya (1957), uma espécie de estratégia de ensinar adotada por Mamede-Neves (2012), desenvolvida de forma individual ou em pequenos grupos, na qual há uma grande ênfase na compreensão de como o indivíduo pensa São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 201 e como aprende quando está diante de uma situação de impasse, seja ela simples ou complexa. Ela se centra na observação das ações da criança, em suas formulações, em como se expressa para explicar de que modo chegou a determinados resultados, porque agiu de tal modo etc. Por isso, considera-se que esta forma didática de conduzir a aprendizagem na Educação Infantil é essencial porque leva os alunos a terem interesse pelo que está sendo proposto, irem além do que é ensinado, desenvolverem ao mesmo tempo a autonomia e a aprendizagem colaborativa, mais preparados, portanto, para usar convenientemente as estruturas de conhecimento. Tal proposta encontra ressonância nas ideias de Schön (2000) sobre a reflexão na ação. A prática de refletir sobre suas ações torna o “aprendente” dono de sua própria performance, orientando-o a fazer diferente e melhor, a construir teorias, novas técnicas, testar hipóteses e modificar suas ações. Tomando por diretrizes as bases conceituais acima expostas, no âmbito da proposta pedagógica que norteia a elaboração dos conteúdos curriculares para a Educação Infantil para as faixas etárias de quatro e cinco anos, foi considerado o trabalho por competência, como a capacidade de atuação para chegar a um resultado em uma situação concreta: são ações ou desempenhos que se executam e se adquirem como práticas habituais. Sob esta perspectiva, uma competência é: uma capacidade – é uma atitude de desempenhar-se; de atuação – não é só uma atitude teórica, mas desemboca em ações; para chegar a um resultado – está sempre dirigida a um objetivo; em uma situação concreta – não se limita a aprender um procedimento que se repete igualmente todas as vezes, mas exige adaptações, ajustes e mudanças oportunas de acordo com as mudanças das circunstâncias. Em suma, competência é uma capacidade necessária para desempenhar uma ação. Enumeram-se como principais benefícios da educação baseada em competências as possibilidades de relacionar conhecimentos, valores e aplicações práticas, facilitando a conexão da teoria com a vida prática; a possibilidade de realizar uma seleção de saberes que têm mais incidência na prática, superando a formação só teórica ou apenas de noções vagas; a possibilidade de utilizar referenciais de avaliação que vão além do levantamento de simples conhecimentos; e a possibilidade de centrar a avaliação sobre a aprendizagem do indivíduo. A aplicação dos elementos da educação por competência que norteou a elaboração dos conteúdos curriculares para a Educação Infantil para a faixa etária de quatro anos, acima referenciada, pode ser visualizada na Figura 11.2. 202 Design para uma educação inclusiva São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto Figura 11.1 e 11.2: Competências cognitivas e habilidades a serem trabalhadas no currículo de quatro anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio 203 204 Design para uma educação inclusiva A ESTRATÉGIA OPERACIONAL A estratégia operacional da proposta elaborada pelo LIDE/DAD/PUC-Rio para a definição dos conteúdos concernentes à Educação Infantil e do desenho da proposta curricular considerou que a relação entre esses dois níveis se dá de forma orgânica, uma vez que são interdependentes. A abordagem e elaboração da proposta de currículo foi participativa e colaborativa, envolvendo os atores sociais (educadores, auxiliares, metodólogos, pedagogos e gestores de STP) integrando com os grupos de trabalho para debater a educação no período da primeira infância. Criou-se um espaço aberto e legítimo de investigação, fomentando a formação de uma rede intercultural entre os participantes na construção de uma política pública legítima. Para consecução dos objetivos definidos foi escolhida como diretriz metodológica a pesquisa qualitativa, definida por Vieira (2004, p.17) “[...] como a que se fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise de dados”. Segundo Alasuutari (1975, p. 7 apud VIEIRA, 2004), a análise qualitativa é aquela em que a lógica e a coerência da argumentação não são baseadas apenas em relações estatísticas entre variáveis. Contudo, vale ressaltar que a não utilização de técnicas estatísticas não significa que as análises qualitativas sejam meramente especulações subjetivas. Esse tipo de análise, de acordo com Vieira, tem por base conhecimentos teóricos empíricos que permitem atribuir-lhe cientificidade. Desse modo, é frequente a presença de dados quantitativos como fundamento de análises qualitativas. Sob essa perspectiva, a pesquisa qualitativa não implica exclusão de análises quantitativas de dados qualitativos. Ela permite a exploração de paradoxos e contradições, apontando para um caminho promissor ao se estudar a realidade como um fenômeno socialmente construído, que muitas vezes não pode ser apreendida em sua plenitude por estudos que se baseiem unicamente em desenhos quantitativos de pesquisa. A pesquisa qualitativa representa um modo específico de análise do mundo empírico, que busca a compreensão dos fenômenos sociais a partir das experiências e pontos de vista dos atores sociais e o entendimento dos significados que estes atribuem às suas ações, crenças e valores. Ou seja, busca saber o que sabem os atores, o que veem e compreendem. Sua principal força deriva de sua flexibilidade e capacidade de aprofundamento na análise de processos sociais não suscetíveis de serem abordados por meio de métodos fechados e de conhecer elementos, processos, significados, características e circunstâncias que não podem ser medidos apenas em termos de quantidade, frequência e intensidade. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 205 Tendo por base as orientações acima apresentadas, foi escolhida como diretriz a pesquisa-ação que, conforme Franco (2005) é um viés metodológico que considera a voz do sujeito, sua perspectiva, seu sentido, mas não apenas para registro posterior e interpretação do pesquisador, uma vez que a voz do sujeito fará parte da tessitura da metodologia da investigação. Neste caso, a metodologia não se faz por meio das etapas de um método, mas se organiza pelas situações relevantes que emergem do processo. Segundo Tripp (2005), a pesquisa-ação é um dos tipos de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pela alternância entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação. Também segundo Tripp (2005), a pesquisa-ação deve ser contínua, pois deve ser um trabalho regularmente desenvolvido para melhorar algum aspecto dela, sendo pró-ativa nas mudanças, dado que suas mudanças são ações baseadas na compreensão alcançada por meio da análise das informações de pesquisa onde os julgamentos devem ser feitos com base nas melhores evidências que se possa produzir. A pesquisa-ação é participativa e colaborativa, na medida que envolve todos os que dela participam. Adotada e perspectiva da pesquisa-ação, o trabalho foi pautado por inúmeras ações brevemente descritas a seguir, que foram marcadas por uma parceria permanente e produtiva. MISSÕES NO TERRENO Constituíram-se oito missões presenciais de membros da equipe do LIDE/ DAD/PUC-Rio, com duração de sete dias cada, em São Tomé e em Príncipe. O desenvolvimento do trabalho foi baseado na observação da dinâmica escolar em visitas no terreno, em cursos de formação, oficinas de produção de materiais didáticos, conversas formais e informais com educadores, auxiliares, metodólogos, pedagogos e dirigentes. Teve como iniciativa estratégica, entre outras, produzir um levantamento da situação e da cartografia escolar, contemplando, inclusive, uma investigação dos recursos naturais de São Tomé e Príncipe que pudessem ser utilizados na produção de material didático e/ou recursos pedagógicos. Os programas das missões no terreno incluíram, dentre outras atividades, as seguintes: palestras 206 Design para uma educação inclusiva sobre estratégias e metodologias de Educação Infantil; aulas de formação com conteúdos específicos sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças, articulando teoria, currículo e prática docente; oficinas com dinâmicas de natureza prática para capacitar educadores e auxiliares em relação a técnicas, desenvolvimento, produção e utilização de materiais didáticos. Imersões de educadores na PUC-Rio Os dois programas de imersão realizados em 2014 e 2015 contemplaram a formação presencial dos professores de STP na PUC-Rio durante quinze dias cada. Os programas das imersões incluíram, dentre outras atividades, as seguintes: palestras ministradas por convidados com expressão na área de Educação Infantil; aulas de formação com conteúdos específicos, articulando teoria, currículo e prática docente; formação/oficinas com dinâmicas de natureza prática que tiveram por objetivo capacitar os educadores e auxiliares em relação a técnicas, desenvolvimento, produção e utilização de materiais didáticos; visitas a escolas, nas quais os educadores puderam ter contato com outras vivências pedagógicas. Elaboração das bases curriculares no LIDE/DAD/PUC-Rio O processo de parceria entre a equipe do LIDE e a equipe de STP marcou os trabalhos de elaboração de um referencial curricular e a construção de uma metodologia de ensino condizente com as características do país e de seus habitantes, bem como com as metas definidas pelo MECC-STP presentes Lei de Bases do Sistema Educativo e no Referencial Curricular para a Educação de Infância desenvolvido pela Universidade de Aveiro, como mencionado anteriormente. A metodologia empregada no desenvolvimento do referencial curricular para quatro anos e os objetos criados para suportar os conteúdos são os seguintes: detalhamento de conteúdos e das atividades previstas para o currículo; desenvolvimento, testagem e universalização de um currículo referencial; elaboração, validação e revisão de documentação atinente ao currículo referencial; projeto e produção gráfica do currículo referencial; revisão do material impresso; validação do material final; elaboração de relatório de validação do material. Apresenta-se a seguir, na Figura 11.3, um quadro-resumo das atividades realizadas entre os anos de 2012 e 2006. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto Figura 11.3: Linha do tempo. Fonte: Karla Portas. 207 208 Design para uma educação inclusiva O CURRÍCULO EM UM ESPAÇO INTERDISCIPLINAR DE PROJETO A ideia de Educação Infantil que embasa o currículo que foi proposto tem por norte a crença de que no espaço de ensino-aprendizagem deve haver lugar para a construção de conhecimento aliada à fantasia, ao brincar e ao cuidar, de modo que a criança possa transformar a escola e se transformar por meio dela, cultivando o gosto pela sensibilidade, o desenvolvimento de habilidades sociais, o domínio do espaço, do corpo, das modalidades expressivas, da curiosidade, do desafio e da oportunidade para a investigação e resolução de problemas. De acordo com estas ideias, o objetivo da proposta pedagógica do currículo está em promover experiências que favoreçam prioritariamente a construção do sujeito e a construção de diferentes linguagens pela criança. A partir da definição de cinco áreas de conhecimento - linguagem, matemática, meio físico e social, expressões (arte e expressão) e movimento - os educadores poderão organizar seu trabalho educativo e refletir sobre a abrangência das experiências que irão propiciar às crianças. A proposta de currículo contempla a realização de atividades dedicadas à integração das áreas de conhecimento, que têm lugar diariamente em dois momentos. A realização das atividades tem por diretriz a articulação de pelo menos três diferentes áreas. Ao trabalharmos na organização do material, procuramos alternativas que pudessem explicitar o caráter interdisciplinar do conteúdo e a abordagem pela resolução de problemas. Sendo assim, buscamos um sistema de informação que pudesse dar visualidade às possíveis articulações das áreas de conhecimento e que permitisse o entendimento da essência da atividade proposta por meio de um diagrama. O currículo se baseia na articulação de cinco áreas de conhecimento e estas estão presentes em todas atividades, porém com pesos diferentes. Sendo assim, partimos da geometria de um pentagrama, reforçando cinco áreas coligadas, tendo como ponto de encontro o centro da figura. Desta forma, conseguimos demonstrar que as cinco áreas estão interligadas e sempre presentes. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 209 Figura 11.4: Pentagrama dividido por áreas de conhecimento contidas no currículo. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO) Para reforçar as áreas de conhecimento, construímos uma paleta de cor de matizes saturados e luminosos em quatro regiões equidistantes do espectro visível. Para a quinta cor, subdividimos um dos quadrantes e alteramos a luminosidade. O conjunto de cores permite o destaque das três áreas, criando limites visuais. Figura 11.5: Paleta de cor adotada para o pentagrama. Quatro matizes equidistantes e uma subdivisão entre um dos quadrantes. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO) A partir dessa estrutura geométrica, subdividimos cada fatia do pentagrama (áreas de conhecimento) em três níveis de intensidade, partindo do centro para fora da figura geométrica. Dessa forma, é possível trabalhar com a composição de três áreas (mínimo para cada atividade) considerando um nível de intensidade diferente para cada uma delas. 210 Design para uma educação inclusiva Figura 11.6: Pentagrama dividido em cinco áreas de conhecimento e subdividido em três níveis de intensidade para cada área. (Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO) Quando da montagem dos pentagramas para ilustrar as atividades de integração das áreas de conhecimento, percebeu-se que quando as áreas não estão destacadas visualmente cria-se um ruído na informação. Apesar de uma atividade não ter ênfase em uma determinada área de conhecimento, esta continua presente, não reforçar sua geometria, passa a mensagem de que aquela área não está contemplada na atividade. Esse entendimento fica em oposição à proposta pedagógica do currículo. Para solucionar esta questão, optou-se por deixar sempre visível a figura do pentagrama e preencher as áreas que não estão recebendo ênfase em cinza neutro. Considerando a paleta escolhida, a aplicação dessa cor se baseia no Sistema de Munsell e atende ao critério de manter o matiz da área de conhecimento e alterar sua saturação para valor igual a zero e nivelar seu brilho a 50. Para reforçar a existência das áreas de conhecimento, adicionamos a legenda alinhada à fatia do pentagrama com o nome respectivo a cada uma delas. Figura 11.7: Pentagrama sem o reforço visual das cinco áreas de conhecimento e com o reforço visual em cinza neutro. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 211 No currículo, propõem-se três modelos de diagramas que ilustram as possibilidades de integração das áreas de conhecimento, a saber: 1) Um modelo completo, no qual são apresentadas três áreas de conhecimento (uma principal e duas complementares) a atividade a ser realizada, a metodologia que guiará a atividade e sugestões de materiais didáticos. Nesse modelo, a atividade está completa. 2) Um modelo parcial, no qual é apresentada apenas uma área de conhecimento para que o educador escolha outras duas áreas complementares: são sugeridos objetivos a serem alcançados, presentes na relação de habilidades e competências da unidade. Ao usar esse modelo, o educador parte de uma sugestão, mas necessita escolher duas outras áreas para dialogar e desenvolver uma nova atividade. 3) Um modelo livre, no qual o educador tem a possibilidade de criar seu próprio plano de aula, escolhendo as áreas, atividades e metodologia. Para criar o pentagrama da atividade, o educador o preenche com as cores das áreas de conhecimento presentes na atividade que está sendo criada. Na proposta curricular, propõe-se que o educador crie livremente a atividade inicial a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos. Sugere-se que ele documente por meio de textos e desenhos as atividades idealizadas e as metodologias empregadas. Com essa providência, sua vivência em sala de aula ganhará um registro importante: o pentagrama, objeto discutido neste trabalho, que incentivará o educador a criar e registrar suas experiências para uso futuro, por ele ou por outros colegas. Figura 11.8: Exemplo de modelos de pentagramas utilizados no currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. 212 Design para uma educação inclusiva Esta sistemática de distribuição ilustrada nos diagramas guia as atividades a serem realizadas diariamente e funciona como um balizador da presença e peso de cada área de conhecimento para cada atividade que compõe o currículo. Pode-se afirmar que o diagrama é uma síntese visual de grande riqueza gráfica, pois por meio dele é possível representar de forma direta e simplificada a ideia de integração de conteúdos que deve nortear o trabalho na Educação Infantil. Para além dessa ideia, ele traduz visualmente a possibilidade de realização de um trabalho efetivamente interdisciplinar, apelando para a construção de metodologias e dinâmicas que vão ao encontro, em sua essência, de uma efetiva integração de áreas de conhecimento. Operacionalização do currículo Em termos de duração, o currículo desdobra-se da seguinte forma: OITO MESES LETIVOS. OITO UNIDADES de conteúdo, sendo uma para cada MÊS LETIVO. Cada unidade de conteúdo engloba QUATRO SEMANAS. Cada semana engloba CINCO DIAS. Cada dia engloba SETE MÓDULOS DE ATIVIDADES. Em termos de conteúdo, as unidades do currículo desdobram-se da seguinte forma: Cada uma das oito UNIDADES traz o seguinte conteúdo:  Ênfase da unidade  Quadro de distribuição de unidades pelas ÁREAS DE CONHECIMENTO: linguagem, matemática, meio físico e social e expressões (arte e expressões) e movimento.  Quadro de conteúdos das áreas de conhecimento para a faixa etária em foco.  Quadro de conteúdos de habilidades e competências. Para cada UNIDADE, foram sugeridas atividades para o dia a dia, segundo os conteúdos das áreas de conhecimento, levando-se em consideração as competências e habilidades definidas. Em termos de modularização, o currículo desdobra-se da seguinte forma: Cada dia da semana é composto por sete MÓDULOS DE ATIVIDADES, a saber: ATIVIDADE LIVRE – Desdobra-se em tempo livre de recreação antes do ingresso dos alunos na sala de aula. ACOLHIMENTO – Neste momento, o educador ajuda os alunos na higiene diária e, a seguir, promove à entrada na sala e a acomodação nas mesas e cadeiras. Pode, ainda, realizar uma atividade de relaxamento, que pode ser feita com cantos, movimentos com o corpo e etc. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 213 ATIVIDADE INICIAL – A rodinha de conversa na Educação Infantil é uma atividade de fundamental importância para incentivar a participação dos alunos em situações de intercâmbio social nas quais ele possa contar suas vivências, ouvir as de outras pessoas, elaborar e responder perguntas etc. Propicia o uso da linguagem oral para conversar, brincar, comunicar, expressar desejos, necessidades, opiniões, ideias e sentimentos. As atividades diárias podem incluir, ainda, canto de acolhida com educadores, auxiliares e alunos; apresentação do calendário para situar o aluno no tempo e no espaço; chamada do nome dos alunos utilizando fichas de nomes; apresentação das atividades do dia escritas no quadro de giz ou em painel preparado pelo educador; marcação no calendário dos nomes dos aniversariantes do mês, entre outras. No currículo propõe-se, ainda, que o educador crie livremente a atividade inicial, a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos. Sugere-se que o educador documente por meio de textos e desenhos as atividades idealizadas e as metodologias empregadas. Com essa providência, sua vivência em sala de aula ganhará um registro importante para uso futuro por ele ou por outros colegas. ATIVIDADE DE INTEGRAÇÃO DE ÁREAS DE CONHECIMENTO – São atividades que têm lugar diariamente em dois momentos e servem de referência para trabalhar com o conteúdo. Elas inspiraram atividades que promoverão a aproximação da criança com os temas do currículo. Essas atividades são aderentes às competências e habilidades que se espera sejam desenvolvidas e é facultado ao educador criar livremente atividades de integração de conteúdos a partir da sua experiência pedagógica e das características de seus alunos. No currículo, propõem-se três modelos de atividades de integração das áreas de conteúdo, a saber: 1) Um modelo completo, no qual são apresentadas três áreas de conhecimento (uma principal e duas complementares), a atividade a ser realizada, a metodologia que guiará a atividade e sugestões de materiais didáticos. 2) Um modelo parcial, no qual é apresentada apenas uma área de conhecimento para que o educador escolha outras duas áreas complementares, são sugeridos objetivos a serem alcançados, presentes na relação de habilidades e competências da unidade. 3) Um modelo livre, no qual o educador tem a possibilidade de criar seu próprio plano de aula, escolhendo as áreas, atividades e metodologia. LANCHE – Momento de pausa para alimentação das crianças. ATIVIDADE EXTERNA GUIADA – Esta atividade tem por objetivo propiciar ao alunos um tempo de recreação livre, mas com a presença de meios que os incentivem a brincar com brinquedos diversos, livros, jogos, cantigas etc. Pode ser desenvolvida no parque, no pátio, na biblioteca, na área externa da escola ou na sala de multimeios. A partir do que foi exposto anteriormente, exemplifica-se como é montada a estrutura do currículo. 214 Design para uma educação inclusiva Figuras 11.9 e 11.10: Exemplo de uma unidade de 4 anos..Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto Figura 11.11: Exemplo de um dia de aula. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio.. 215 216 Design para uma educação inclusiva Figura 11.12: Exemplo de página diagramada a partir do conteúdo em tabela para a Unidade 2 semana 1 do currículo de 4 anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. MATERIAL DE APOIO AO EDUCADOR A partir da estrutura curricular com seus conteúdos e das bases pedagógicas do currículo definidas, a equipe LIDE sentiu a necessidade de construir um material didático para o educador, para que ele tivesse em mãos um guia prático e de fácil compreensão da proposta curricular. A proposta partiu, então, das seguintes questões norteadoras para o desenvolvimento da publicação: que o material gráfico traduzisse a abordagem interdisciplinar do currículo; que a apresentação do conteúdo convidasse ao uso; que a organização formal dos conteúdos contribuísse para a precisão da mensagem; que o uso contribuísse para a autonomia do educador. Definiu-se, então, como partido gráfico para o material de apoio didático uma estrutura aberta que permite o manuseio dos conteúdos considerando a divisão do currículo em unidades (acima exemplificada). Essa divisão, além de proporcionar que mais de um educador esteja utilizando o material ao mesmo tempo, contribui para a revisão e reimpressão das unidades sem afetar as demais. Considerando a possível escassez de recursos para impressão, a divisão do material em fascículos é uma solução para revisar e atualizar o conteúdo permanentemente. A partir dos estudos, modelos e protótipos, definimos que o objeto deveria ser uma pasta para abrigar todos os materiais impressos e que ficará disponível em cada sala de aula. A pasta contém nove cadernos e 320 cartas, sendo um caderno com a apresentação das bases teóricas do currículo e o sistema de informação que articula os eixos temáticos contidos em cada unidade e oito cadernos São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 217 que equivalem aos oito meses letivos. Cada carta representa uma atividade de integração das áreas de conhecimento. Considerando que são duas atividades diárias dessa natureza, temos dez cartas por semana, quarenta cartas por unidade/ mês, totalizando as 320 cartas do currículo. Apresentam-se abaixo imagens do protótipo que foi construído para apresentação e validação do material pelo Unicef e pelo MECC. Figura 11.13: Pasta que abriga todo o material que compõe o currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. Figura 11.14: Protótipo do conjunto de peças gráficas que compõem o currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. 218 Design para uma educação inclusiva Figura 11.15 e 11.16: Protótipo do conjunto de cadernos – oito unidades – que compõem o currículo e do guia pedagógico com as bases teóricas do currículo. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. A proposta de uso das atividades de integração das áreas de conhecimento em formato carta tem como objetivo montar um quadro de atividades da semana que fique visível na sala de aula permitindo, que todos os educadores e auxiliares envolvidos nas turmas possam acompanhar as atividades semanais. Figura 11.17: Protótipo do conjunto de cartas do currículo para 4 anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 219 Figura 11.18: Exemplo de cartas com atividade do currículo para 4 anos. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio. Para que as cartas possam ser exibidas, foi projetado um quadro de atividades em vinil com bolsos transparentes, onde elas são inseridas, como visto a seguir. Figura 11.19: Protótipo do quadro de atividades – suporte para cartas. Fonte: LIDE/ADA/PUC-Rio. 220 Design para uma educação inclusiva Os oito cadernos que equivalem aos oito meses letivos têm seu formato fechado em A4. Cada unidade tem quatro semanas, cada uma representada em uma folha com duas dobras que quando é aberta triplica o formato. Esta folha apresenta em uma face os sete módulos diários de atividades com os seus conteúdos sugeridos e, na outra face, um desenho ilustrativo do resumo das atividades para a semana, contribuindo, assim, para que o educador possa ter um entendimento global da semana com uma rápida visualização. Figura 11. 20: Protótipo do miolo do caderno que apresenta os diagramas das áreas de conhecimento. Fonte: LIDE/DAD/PUC-Rio As 32 ilustrações foram produzidas pela doutoranda vinculada ao LIDE, Professora Monica Lopes Nogueira, com o auxílio dos bolsistas da pesquisa. As ilustrações foram feitas a partir do entendimento da tônica dada para a semana de atividades e à medida que iam sendo produzidas elas eram apresentadas para a equipe LIDE, que fazia as observações e ajustes necessários antes de seguir para os bolsistas, que faziam a parte de colorização e finalização das ilustrações. São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto Figura 11.21: Exemplo de miolo do caderno que apresenta desenho-resumo das atividades da semana. Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO. Figura 11.22: Miolo do caderno que apresenta desenho-resumo das atividades da semana. Fonte: LIDE/DAD/PUC-RIO. 221 222 Design para uma educação inclusiva À GUISA DE CONCLUSÃO O design possui um grande leque de tendências e visões que ora privilegiam aspectos puramente técnicos da atividade, ora destacam aspectos sociais, econômicos e culturais. Encontra-se em permanente processo de questionamento sobre sua natureza e seus objetivos. Não é socialmente neutro, mas uma atividade que influencia e é influenciada pelo balanço de interesses entre diferentes grupos sociais que participam do seu processo e que lidam com objetos ou sistemas. O sesign é basicamente um processo de integração social (COUTO, 1997). Por mais interdisciplinar que seja o campo do design e por mais versáteis que sejam suas ferramentas, não se pode negar e nem ofuscar sua importância social, pois o design não é imparcial – pelo contrário, é um campo marcado pelos entornos sociais que conformam sua metodologia. Por meio do design, o homem agrega experiências a seu universo subjetivo e, com isso, abre possibilidades e visões expansíveis sobre a realidade. Portanto, o design pode levar o homem a uma reflexão que o conduzirá a inúmeros dilemas e facetas apresentados pelo mundo, justapondo sua capacidade de raciocínio e suas habilidades perceptivas, consentindo ao homem as expressões de agir, conhecer e transformar, mas, sobretudo, a dimensão de dialogar com a realidade. O desenvolvimento desta proposta de projeto, por meio de um diálogo interdisciplinar entre design e educação, busca apresentar de que maneira a atividade do design pode participar da formação de professores, dos processos de ensino-aprendizagem e da configuração de materiais pedagógicos, potencializando o processo de aquisição de conhecimento através da configuração de artefatos, ambientes e sistemas educacionais. Nesta perspectiva, cada solução de design representa a busca de equilíbrio entre interesses e necessidades do professor e do aluno, como também das instituições educacionais. Tendo por base a vasta experiência no desenvolvimento de projetos à luz do design em situações de ensino-aprendizagem, pode-se criar projetos de acordo com cada conteúdo programático escolar ou projetos temáticos que despertem o interesse dos alunos, de modo a possibilitar o reforço do conteúdo acadêmico enquanto aprendem novas habilidades. Merece destaque a partir do projeto desenvolvido, que a adoção da metodologia do design em parceria no desenvolvimento de artefatos educacionais mostra-se especialmente adequada, pois um processo de configuração de um determinado objeto, quando exposto a criterioso método de validação pelos futuros usuários, promove ao produto final uma maior efetividade na obtenção de seus objetivos. Pode-se dizer que ao analisar a aplicação desta metodologia no âmbito educativo é possível perceber seu mérito ao engajar as diferentes instâncias envolvidas na construção do conhecimento – alunos, professores, profissionais especializados, São Tomé e Príncipe: um espaço interdisciplinar de projeto 223 consultores e patrocinadores – em torno de um objetivo comum. Quando se incorpora, no objeto final ideias de todos os atores envolvidos possibilita-se o amadurecimento e o enriquecimento da situação de uso. Enfatizamos a inserção do design na educação devido a sua vocação interdisciplinar e por intermédio de sua metodologia de design em parceria. Na contemporaneidade, a epistemologia do design caminha em direção a questões sociais, não se restringindo somente aos conteúdos da estética, como condição epistemológica. Ela está condizente com mudança de paradigma em relação ao ensino e à aprendizagem, em que o pensar e o agir geram necessidades as quais às escolas, professores e alunos precisam se adaptar, uma vez que a ênfase do paradigma atual da educação está na aprendizagem, e não no ensino na construção de conhecimento, e não na instrução. REFERÊNCIAS BROWN, T. Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. COUTO, R. O Ensino da Disciplinas de Projeto Básico Sob o Enfoque do Design Social. Rio de Janeiro: Departamento de Educação - PUC/Rio (dissertação de mestrado), 1991. COUTO, R. M. S.; MAMEDE-NEVES,M. A. C.; PORTAS, R. G. R; RIBEIRO, F. N. F. Material didático para Educação Infantil: uma proposta em ação sob o olhar do Design. In: Anais do 7º Congresso Internacional de Design da Informação. São Paulo: Blucher Design Proceeedings, 2015. v. 2. p. 317-331. CRISPIM, C. C., et al. Coleção Ciranda: 4 anos. 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