Um outro herói modernista
M arco Aurélio Coelho de Paiva
O contraste entre os modos diferenciados de delineamento dos heróis do
romance/rapsódia Macunaíma , de Mário de Andrade, e do romance social
Terra de icamiaba , de Abguar Bastos, publicados, respectivamente, em 1928
e 1931, em muito revela a especificidade e o tipo de dinâmica a marcar e
determinar as múltiplas relações entre autores e obras culturais dentro desse
“mundo social” relativamente autônomo que é o campo literário. Se a aversão de Mário de Andrade, por exemplo, a qualquer tipo de regionalismo em
literatura ancorava-se na sua percepção de quase confinamento “de beco” a
que determinados escritores contentavam-se em permanecer, o que, em última instância e a despeito da ânsia demonstrada por tais autores em deslindar uma realidade peculiar, redundaria, ao revés, em uma deturpação da
própria realidade e da nacionalidade1, Abguar Bastos, por seu turno, buscou
contrapor-se a essa posição do autor de Paulicéia desvairada ao tentar reconciliar na sua prosa ficcional de estréia uma perspectiva modernista e uma visão regionalista da Amazônia.
Somente o entendimento, portanto, dessa sociologia singular a presidir
o processo de criação artística e literária pode nos fazer melhor dimensionar
o tipo de articulação a ser estabelecida entre uma obra cultural e o seu
tecido social próprio. Conforme salienta Bourdieu (1996b), uma sociologia pertinente das obras culturais não pode sucumbir às facilidades e aos
enganos de uma abordagem com pretensões de estabelecer relações diretas
1. “Regionalismo é mate
aqui, borracha ali [...]
pobreza sem humildade [...] caipirismo e saudosismo, comadrismo
que não sai do beco e,
o que é pior, se contenta com o beco. [...] Regionalismo, esse não
adianta nada nem para
a consciência da nacionalidade. Antes a conspurca e depaupera-lhe
estreitando por demais
o campo da manifestação e, por isso, a realidade. O regionalismo é
uma praga antinacional.
Tão praga como imitar
a música italiana ou ser
influenciado pelo estilo português” (Mário de
Andrade apud Leite,
1994, p. 669).
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entre o plano simbólico das obras e, por exemplo, o conjunto das demandas políticas e ideológicas dos diferentes grupos sociais. Da mesma forma,
também não é viável ater-se aos diferentes bens simbólicos e culturais como
se eles estivessem completamente apartados de uma série de ingerências de
ordem social que, de um modo ou de outro, tendem a interferir no processo de fatura das obras. Entendemos, nesse sentido, que o aparato conceitual
formulado por Bourdieu quanto à apreensão das obras culturais, e da obra
literária em particular, nutre-se e supera toda uma tradição de discussão
acerca do relacionamento entre, por exemplo, a crítica literária e uma sociologia da literatura (cf. Jurt, 2004, p. 51).
Ora, embora o contexto histórico-social da conjuntura brasileira do período compreendido entre os anos finais da década de 1920 e o início dos
anos de 1930 estivesse passando por um processo de conturbação política e
cultural (cf. Candido, 2000a) (fato que, por seu turno, não pode ser desconsiderado por qualquer análise sociológica, além de converter-se em fator decisivo no processo de constituição das próprias regras de seleção e
atuação no campo de produção simbólica ainda em estruturação), a interlocução entre Abguar Bastos e Mário de Andrade salta aos olhos justamente quando atinamos para a combinação entre os ditames externos da conjuntura sociocultural e os aspectos internos a definir a fatura das obras ora
em foco de ambos os autores. O modo de construção e a caracterização dos
heróis nas respectivas narrativas, dessa forma, apontam para a necessidade
de considerar, em combinação com aqueles fatores externos em ebulição,
os aspectos mais internos a definir os entrechos das obras e, com isso, buscar aí os recursos analíticos indispensáveis para uma reflexão acerca das
posições e das adesões estilísticas e políticas de um e de outro. É dessa forma que as questões referentes à nacionalidade e ao regionalismo surgem
como eixos centrais do diálogo e das contraposições do escritor paraense
diante do escritor paulista.
Com esse enfoque, Abguar Bastos destaca-se como um autor central de
um “regionalismo” amazônico renovado, isto é, um autor a encarnar uma
visão “de dentro” da Amazônia sem, no entanto, desatrelar-se das influências e dos vínculos das correntes modernistas que tão profundamente o
marcaram em seu período de formação no contexto cultural da cidade de
Belém. No quadro regional, Abguar Bastos e outros escritores e artistas
amazônicos atuaram como divulgadores entusiasmados das novidades estéticas propaladas a partir de São Paulo. Mas, é bom frisar, não se tratou de um
simples mimetismo no âmbito regional do que antes fora “encenado” e ex-
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perimentado por outros artistas e escritores nos centros culturais mais dinâmicos, onde, de certa forma, uma legitimação cultural ia se consolidando.
É conhecida a armação da rede de disseminação das idéias modernistas
pelas diversas regiões do país ao longo da década de 1920, após o evento
paulista2. Mesmo que um escritor como Joaquim Inojosa, por exemplo,
tenha assumido no Norte e no Nordeste o papel de porta-voz e divulgador
autorizado das novas idéias estéticas surgidas na “paulicéia”, e isso a ponto
de arvorar-se a mensurar o grau de adesão às novas idéias a partir de São
Paulo (cf. Inojosa, 1975), é bom salientar que na Amazônia tais idéias, de
alguma forma, já se faziam presentes nos pequenos círculos e cenáculos
artísticos e intelectuais, com dicção e lideranças locais3. O poeta Bruno de
Menezes, nesse sentido, é outro nome da Amazônia a ser destacado no bojo
das inovações estéticas perseguidas; e isso não só por sua origem social e
pela sua militância política anarquista, mas também pelo seu empenho consciente em produzir uma poesia livre das amarras do parnasianismo, apesar
de ainda preso, em um primeiro momento, ao simbolismo (cf. Figueiredo,
2001, p. 207).
Conforme demonstrado por Figueiredo (2001), os variados círculos literários regionais atingiram um grau de organização e certa consistência
intelectual a ponto de criarem revistas literárias que, mesmo sob patrocínio
oficial do poder público, tinham o objetivo de divulgar as novas idéias,
abrindo, assim, um confronto direto com os representantes de um passadismo ainda reinante. Embora a pesquisa de Figueiredo restrinja-se ao ambiente intelectual de Belém, de onde o autor generaliza suas conclusões
para a Amazônia como um todo, também seria possível identificar em
Manaus esse mesmo tipo de movimentação de uma intelectualidade “local” em busca de um “ajuste” estético. Nomes estreitamente associados ao
evento modernista paulista, como os de Menotti del Picchia e Raul Bopp,
por exemplo, faziam-se presentes nessas publicações então criadas não só
como meios de disseminação do novo ideário, conforme quer fazer crer
Figueiredo, mas também como um instrumento de diferenciação entre os
“novos” e os “antigos”. Revistas como Redenção e Equador, ambas editadas
em Manaus, e Belém Nova , editada na capital paraense, todas surgidas no
período de meados e final da década de 1920, foram exemplos concretos, a
um só tempo, de um empenho coletivo e de uma acirrada disputa intelectual por uma definição legítima da realidade regional amazônica4.
Com o desdobramento do movimento modernista da sua fase hegemonicamente “estética” para outra mais “ideológica” (cf. Lafetá, 2000), o tema
2. Para uma abordagem contestadora dessa
visão hegemônica do
modernismo brasileiro
a partir do “modelito
paulicéia”, ver Velloso
(1988, 1996).
3. A respeito das reverberações e das redefinições do “movimento
modernista” na Amazônia, ver Figueiredo
(2001).
4. No caso específico de
Equador, revista editada
em Manaus a partir de
1929, é possível identificar no seu texto de
apresentação uma insatisfação dos escritores
locais com os rumos então tomados pelo modernismo em São Paulo.
Assim escrevia Clovis
Barbosa, o editor da revista, já na apresentação
do primeiro número:
“[...] Os antropófagos
paulistas andam numa
afoiteza braba de comer
tudo quanto é embromador que se veste no
couro de onça dum sistema estético bárbaro,
jovem só para disfarçar a
sua educação clássica. E
nós não podemos ficar
acocorados sem um entusiasmo fecundo [...]”
(grifos do autor). Ver
Barbosa (2001, p. 5).
Embora o editor da revista tente apontar os
descaminhos trilhados
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pelos modernistas de
São Paulo e identifique
os prováveis motivos de
tal fato, é bom salientar
que o conjunto variado
dos autores reunidos
nesse primeiro número
de Equador não estava
muito longe de uma
educação igualmente
clássica. As adesões ao
modernismo não estavam em uma dependência direta da formação recebida, massim de
uma atuação de ruptura
com vistasa ganhossimbólicos futuros dentro
de um quadro de redefinição do campo de produção cultural. Sobre o
redirecionamento de alguns autores paulistas
de uma produção literária tradicional para a estética modernista, ver
Miceli (2004).
5. “[...] Bruno de Menezes começava por definir o caráter coletivo
do movimento nortista, baseado na soma de
‘energias’ que pudessem dar um sentido
político e publicidade
a um novo veículo de
idéias – uma simples
‘revista de arte e literatura’. Essa lembrança era ainda mais importante porque se estava falando de Amazônia, uma terra [...]
que Bruno de Mene-
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do regionalismo não só ganhou realce e transformou-se em objeto de acirramento entre intelectuais de regiões diversas do país, como no caso de Gilberto Freyre ao contestar, ainda em meados da década de 1920, o monopólio
paulista acerca dos usos do termo “moderno” (cf. Freyre, 1967), mas também fez emergir diferenças e disputas internas a cada região. No caso do círculo de intelectuais e artistas reunidos em torno da revista Belém Nova , por
exemplo, isso fica evidenciado, conforme demonstra Figueiredo (2001), já
nos diferentes “manifestos artísticos e literários” então elaborados.
O regionalismo apregoado por Bruno de Menezes, por exemplo, contrastava com o de Abguar Bastos. Embora estivessem juntos no combate
ao passadismo e ambos, de maneira engajada, fossem filiados aos movimentos vanguardistas da época, a idéia do regional ganhava conotação diversa em um e em outro. Se para Bruno de Menezes o regionalismo amazônico deveria ser pensado em conformidade com o que vinha ocorrendo
nas demais regiões do país, especialmente no Sul5 , para Abguar Bastos um
“regionalismo amazônico” deveria ganhar contornos próprios e específicos, completamente dissociados, portanto, de possíveis outras influências
regionais e nacionais6.
Esse desacordo entre Bruno de Menezes e Abguar Bastos demonstra o
que estava de fato em disputa, isto é, o modo de representar literariamente
a Amazônia e, como decorrência, alçar a criação artística regional a um
novo patamar e, ao mesmo tempo, investir de legitimidade novos agentes
sociais7. A incorporação de novos elementos estéticos originários das vanguardas européias, mesmo que em parte filtrados e retraduzidos pelos modernistas paulistas, associou-se aos elementos endógenos da região tão bem
conhecidos pelos intelectuais locais. O primitivismo, por exemplo, tema
fulcral das variadas vanguardas8, casava-se perfeitamente com o cenário selvagem do ambiente amazônico.
Para melhor identificar os meandros percorridos por um autor como
Abguar Bastos na formulação de uma dada representação regional, portanto, faz-se necessário não só tomar contato com seus escritos iniciais, como,
por exemplo, o manifesto Flaminaçu, de 1927, e o seu romance de estréia
Terra de icamiaba , de 1931, mas também reunir a essas produções o contexto de acirramento intelectual e político que permeou a criação de tais
obras, seja no plano local, seja no nacional.
Quando sua posição como um “autor regional” conhecido e reconhecido localmente consolidou-se e, nesse sentido, o seu “manifesto aos intelectuais paraenses” converteu-se em um ato de afirmação dessa liderança, a
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publicação do seu primeiro romance, Terra de icamiaba , destinava-se claramente a contrapor-se ao arranjo estético contido no recém-publicado Ma-
cunaíma , de Mário de Andrade, revelando, assim, as aproximações e as rupturas presentes tanto no modo de conceber a relação do regional com o
nacional, como reforçar uma oposição entre um autor e outro no emaranhado de estratégias a dinamizar o campo literário naquele período. A posição de Abguar Bastos relativamente a outros “autores regionais”, dessa
forma, também obedecia a uma estratégia de aproximação e afastamento
com escritores considerados os líderes do modernismo paulista, Oswald de
Andrade e Mário de Andrade.
Abguar Bastos nasceu em Belém no dia 22 de novembro de 1902. Seus
estudos primário e secundário foram realizados em sua cidade natal, até
1921, quando ingressou na Faculdade de Direito em Manaus, bacharelando-se em 1925. Começou a trabalhar como bancário em Belém e, depois,
ocupou o posto de secretário da prefeitura da cidade de Coari, no interior
do Amazonas; em seguida, assumiu interinamente o cargo de prefeito. Entre 1926 e 1928 exerceu o ofício de tabelião em um cartório, tornando-se
logo depois, já em 1929, redator de debates da Assembléia Legislativa do
estado do Amazonas9. A atividade jornalística, por sua vez, marcou tanto o
seu ingresso no “mundo das letras” como a sua inevitável inserção nos pequenos círculos intelectuais de Manaus e de Belém. Seu auto-retrato de
juventude, então delineado com fortes traços de misticismo, anos depois,
quando do seu depoimento ao inquérito literário de Edgard Cavalheiro,
refletia, na realidade, as incertezas quanto à validade das diferentes correntes literárias e artísticas existentes no âmbito da realidade provinciana.
Comecei místico como todo menino de província. Era supersticioso e tinha um
bruto medo do futuro. O “amanhã” preocupava-me até a fadiga. Atormentava-me,
por exemplo, até doer a cabeça, o que seria isso de ser “eterno” e isso de ser “infinito”. Meu cérebro se perdia nessa tormentosa viagem e dela eu regressava geralmente perplexo e abalado [...]
Quando me senti vacilante procurei apoio. Freqüentei a igreja dos católicos, dos
batistas e dos espiritistas. Bati uma vez às portas de um templo teosófico. Fui ao
Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. Andei nas ladainhas dos negros.
Rondei os batuques de Santa Bárbara. Em tudo eu encontrava um ar esquisito de
contrição forçada e via sempre o interesse profano ligado ao cenário litúrgico. Os
sacerdotes, os guias, pareciam fracos e vulgares, sem força capaz de deter o rebanho
que oscilava entre as práticas variadas da religião. Não compreendia sobretudo essa
zes acreditava ser o
eterno cenário da luta
entre a natureza e a cultura, o ambiente e seu
hóspede mais importante [...]”. “Bruno de
Menezes estava convicto [de] que tinha muito
a aprender com a experiência dos estados
do Sul, onde já era ‘flagrante o domínio de
uma forte corrente intelectual, semeadora do
bom gosto estético’. Já
havia por lá um ‘natural e louvável orgulho
em valorizar as publicações regionais’, o que
tanto se perseguia nas
redações paraenses. A
grande dificuldade,
apontava Bruno, estava na mentalidade de
publicistas e consumidores da terra que ainda optavam pelos matutinos e libretos, unicamente por ‘um princípio de boa e fácil digestão’ [...]”. Ver Figueiredo (2001, pp.
236-237).
6. “Confrontando aversão de Bruno de Menezes em Uma reação necessária, Abguar Bastos
lançara, na mesma edição de Belém Nova, outro manifesto questionando a preeminência
sulista ante as outras regiões do Brasil. À geração que surge possuía um
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texto bem mais contundente que os manifestos
anteriores, escrito na
forma de um libelo aos
jovens da terra. ‘É chegada para o Norte brasileiro a hora extraordinária de seu levantamento.
Ergamo-nos!.’ As palavras iniciais já davam o
tom do manifesto. A
idéia era inverter o rumo
dascoisas, transformando o Pará no ‘baluarte da
liberdade nortista’. A
justificativa parecia óbvia, pois o ‘sul’, queixava-se Abguar, ‘propositadamente, se esquece
de nós’. Por isso o manifesto”. Ver Figueiredo
(2001, p. 240).
disputa de Partidos religiosos em torno de um Chefe comum, indivisível e eterno:
Deus. Às vezes pensava que o velho conceito de dividir para reinar já era coisa velha
entre os Anjos das doze igrejas da Ásia.
Finalmente, fiquei como pára-quedista que vai caindo no meio de inimigos ocultos. E até cheguei a acreditar em Nietzsche (Cavalheiro, 1944, p. 17).
Quando desse seu depoimento, no início da década de 1940, Abguar
Bastos já desfrutava a posição de um autor de referência de uma literatura nortista, uma espécie de expressão legítima e legitimada de uma literatura amazônica. Sua carreira literária já havia, inclusive, desdobrado-se
em uma carreira política. Sua participação efetiva na Revolução de 1930
propiciou uma aproximação com os grupos políticos vitoriosos do movimento. Tornou-se, por conta disso, assessor direto do então interventor
no estado do Pará e parlamentar nos anos imediatamente correntes. Mas,
em função do seu engajamento político na Aliança Nacional Libertadora, a eclosão do Estado Novo em 1937 encurtou o seu mandato de deputado federal, e ele exerceu essa sua primeira experiência parlamentar somente de 1935 a 1936.
Como escritor relativamente reconhecido, a rememoração dos cami-
7. Sobre a relação entre
a formulação de uma
dada representação da
idéia de região e a mobilização de agentes sociaislegítimos, ver Bourdieu (1989).
nhos então possíveis de sua trajetória pôde ser vislumbrada, aí nesse breve
8. Acerca do “primitivismo” como temática
de fundo dos diversos
movimentos de vanguarda artística do começo do século XX, ver
Nunes (1979) e Amaral
(1997).
fecer as polêmicas intelectuais e artísticas das quais participou quando de-
9. D ados biográficos
extraídos de Beloch e
Abreu (1984) e Menezes (1978).
qual ele se instaurou no contexto amazônico foram reconstruídos por Abguar
relato, por meio de uma perspectiva distanciada e em conformidade com
a própria posição por ele já assumida no campo literário. Portanto, a reconstrução das suas preocupações intelectuais de juventude, quando ainda atuante no âmbito regional, ganhou essa versão quase sublimada de
misticismo e religiosidade. Não é difícil identificar uma tentativa de arremonstra, no depoimento, certa inquietação e incompreensão com relação
à disputa espiritual em torno de “partidos religiosos”. De fato, essa referência a realidades místicas e religiosas acaba convertendo-se em uma maneira bastante singular de expressar e perceber como “desencarnados” os
embates literários.
Mas o próprio significado do movimento modernista e o modo pelo
Bastos como um desdobramento necessário de outras correntes intelectuais
e literárias presentes no período de sua formação intelectual.
Na minha província a transição entre o parnasianismo e o “modernismo” se processou através do simbolismo. Colocávamos nossa fé em elementos de outras plagas:
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Eugênio de Castro, Cesário Verde, Mário de Sá Carneiro. O simbolismo entre nós
era muito rico de lirismo e não tinha a força, por assim dizer, impressionista da
poesia portuguesa.
O simbolismo, a meu ver, foi a etapa que serviu para triturar os restos parnasianos
e românticos e preparou o terreno que mais tarde recebeu o “modernismo”.
E qual a significação do “modernismo” para a mentalidade nacional que procurava
rumos ao meio da confusão universal decorrente da grande guerra?
O “modernismo” era uma justaposição das correntes ou escolas literárias que
irrompiam freneticamente na Europa. Era um fenômeno da inquietação mundial
que procurava naturalizar-se brasileiro para gozar de determinados privilégios.
Nascia dentre calamidades econômicas e morais que solicitavam reformas em todos os quadrantes das atividades práticas (Idem, p. 18).
Esse clima de inquietação intelectual reinante no começo do século XX,
e que então assolava não só a Europa e os principais centros culturais do
Brasil, mas também se refletia na Amazônia, transformava a poesia simbolista em uma primeira opção de demonstração de desagrado por parte de
jovens literatos com tudo o que estava ainda consolidado em termos de literatura. Mas, dadas a necessidade de agir de maneira mais contundente diante das “calamidades econômicas” e as possibilidades de renovação de todas
as “atividades práticas”, prevaleceu a atitude de reformar e remodelar tudo.
E como prova desse clima de mudança a incitar rebeliões, o próprio Abguar
Bastos reproduz em seu depoimento a Edgard Cavalheiro uma carta a ele
endereçada de outro autor também participante daquele ambiente: Raul
Bopp.
[...] Nós precisamos, é como eu escrevi há tempos, recrutar os fatores postos à
margem, forças escondidas e mal aplicadas. Demolir a velha sensibilidade (do bacharel, do literato fofo e palavroso). Tomar o pulso da terra. Consultar a floresta.
Você aí agite essa Amazônia em combinação com o pessoal do Pará. Hostilmente.
Intolerantemente. Não se pode fazer uma cruzada amena. Derrubada grande. Enforque o pessoal a cipó [...] (Idem, p. 20).
O tom desse trecho da carta de Raul Bopp não deixa dúvida quanto às
angústias que acometiam os jovens literatos da Amazônia durante a década
de 1920. Os tais “fatores postos à margem” pela literatura vigente, e ainda
comandada por uma “sensibilidade envelhecida”, precisavam ser resgatados. Uma literatura nova que retomasse os elementos nativos da Amazônovembro 2008
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nia como motivos principais de criação literária passou a ser uma espécie
de mote a guiar os novatos. Uma afinidade e aproximação literária, portanto, entre esse grupo de jovens intelectuais amazônicos e as figuras de
Oswald e Mário de Andrade eram inevitáveis. O próprio Abguar Bastos
reconhecia isso no momento que listou as influências mais marcantes naquele período:
O gesto de Graça Aranha, brigando com a Academia, valeu para nós como um
sinal atrevido de marcha.
Fomos deixando de lado Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa, Olegário... Elegíamos
novos nomes no altar da consagração: Guilherme de Almeida, Bopp, Ronald, Felipe
de O liveira, Tarsila, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Álvaro Moreira,
Drummond, Ascenso, Oswald...
Mas na minha terra, além de Graça Aranha e de Bopp, a influência crescia mais no
rumo de Mário e Oswald de Andrade.
Mário por via de seus sensacionais estudos sobre a arte moderna e de sua farta
contribuição ao movimento. Oswald por ter lançado o primeiro romance absurdo
do modernismo: Trilogia ao exílio. Ainda guardo os debates feridos em minha terra
em torno desse livro [...] (Idem, p. 21).
Se Mário de Andrade merecia alguma admiração por parte do autor de
Terra de icamiaba , isso ocorria de maneira mais tímida e em função da novidade representada por Paulicéia desvairada . Já quanto às influências de
Oswald de Andrade sobre a obra de Abguar Bastos, deve ser destacado aqui o
profundo impacto causado no autor paraense pelo “programa” reformador
da arte e da literatura nacional contido no Manifesto pau-brasil, de 1924. Foi
Oswald a figura que mais impressão lhe causou naquele momento, sendo
até mesmo o motivo de divergências com seu “confrade” Bruno de Menezes
(cf. Sena, 2002, p. 9). Daí a referência aos “debates feridos” em seu depoimento a Edgard Cavalheiro.
E foi sob esse impacto do Manifesto pau-brasil que o próprio Abguar
Bastos, em 1927, publicou na revista Belém Nova uma espécie de “versão
amazônica” do “programa oswaldiano”: o Flaminaçu, que em tupi (flami-
n’-assú, pela grafia original) significa “grande chama”. Sua pretensão com
esse manifesto era não só combater os representantes do passadismo literário da região, mas também convocar os intelectuais paraenses para o movimento renovador iniciado em São Paulo e que na Amazônia deveria ganhar
feições próprias, dadas as peculiaridades da própria natureza.
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OUVI :
Primeiramente vós, poetas e prosadores divinos da minha geração; depois de vós,
prosadores e poetas, apajelados à sombra das vossas tabas primitivas e que estais a
ver, espetados em paus sagrados, os despojos, as glórias, as caveiras – das vossas
escaladas às cordilheiras da ilusão. Àqueles a minha voz vai confinada. A estes ela se
intimida. Àqueles ela se recolhe como um zangão à sua colméia. A estes ela recalcitra.
Não que os receie no choque, mas, de fato, porque eles não procurarão, sem esforços dolorosos, metê-las em suas sacolas de Arte.
Assunto-vos agora o meu propósito de uma corrente de pensamento, cara a cara à
que se inicia no sul com esta pele genuína: “Pau-brasil” (Bastos, apud Jornal da
União Brasileira de Escritores, 2002, p. 9)
Foi a partir desse manifesto, endereçado não só aos jovens literatos interessados em encampar os novos princípios estéticos e políticos abertos pelo
movimento modernista, mas também destinado a combater todos os representantes de uma literatura passadista, que o próprio Abguar Bastos se viu
forçado a produzir um romance em conformidade com o programa então
esboçado.
[...] E desde esse momento eu esbocei o meu primeiro romance dentro do programa literário a que me filiara. Foi esse Amazônia que ninguém sabe que depois foi
editado no Rio com outro título: Terra de icamiaba . Esse livro, sendo um romance,
era também uma plataforma.
Porém o que não se evitava é que o movimento literário iniciado em 22 se transformasse em movimento político (Cavalheiro, 1944, p. 22).
Essa incompreensão quanto aos desdobramentos políticos de um movimento que se iniciou motivado por transformações estéticas estava na base
da distinção que o próprio Abguar Bastos fazia entre “nacionalismo” e
“brasilidade”. E é justamente essa diferenciação entre uma coisa e outra
que, a um só tempo, expressava o seu pensamento, ainda amarrado a um
ranço evolucionista, e a sua contestação e contraposição a Mário de Andrade quando da publicação de Macunaíma em 1928. Seu pensamento evolucionista, por exemplo, já aparecia no texto do artigo/manifesto Flaminaçu
quando, ao explicitar os objetivos almejados naquela “convocação”, tentava
manter o programa em aberto para futuras adaptações, mas referindo-se a
estas como “transformações evolutivas”. Na nota introdutória à edição do
livro de Craveiro Costa, A conquista do deserto ocidental, de 1940, Abguar
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Bastos também associava ao seu materialismo os ranços de um pensamento
evolucionista. Nesse sentido, ele entendia os mitos e as lendas amazônicos
como desdobramentos diretos dos modos e meios de produção que ciclica10. “[...] FLAMINAÇU não
é um estorvo aos grandes charivaris da civilização. Não! Ela admite
as transformações evolutivas. O seu fim especialíssimo e intransigente é dar um calço de legenda à grandeza natural do Brasil, do seu
povo, das suas possibilidades, da sua história.”
Ver Bastos (1937) e
também a introdução
de Abguar Bastos ao livro de Craveiro Costa
(1940, pp. 7-59).
mente assolavam a região10. Já as suas restrições quanto ao “herói sátiro”, e
então “mitificado” por Mário de Andrade em seu livro, ancoravam-se na
confusão instaurada, segundo ele, pelo próprio desdobramento do modernismo quando confundiu o “todo nacional” com uma “síntese brasileira”.
Em seu depoimento a Edgard Cavalheiro essa diferenciação foi longamente
esmiuçada:
Porque uma coisa era o “nacionalismo”, o todo “nacional”, e outra era a “brasilidade”,
a síntese “brasileira”.
Não sei se houve quem estudasse esta questão. Só sei que da confusão resultou um
como que desmoronamento do edifício.
O fastio por não se poder agarrar um herói levou Mário de Andrade à sátira do
Macunaíma, ímpar no gênero.
Então, que é que sucedia? O nacionalismo se convertia em pasta colorida na superfície do problema. Através da síntese do herói nacional que virava mito e por isso
mesmo servia de eixo apenas para a literatura simbólica e sumamente abstrata,
determinados grupos se deixaram exaltar pela simbologia exagerada, em torno não
do que havia de vivo na humanidade brasileira, mas justamente à roda do que
sobrava em abstração e mito.
O “verde-amarelismo” não teve outra intenção.
O movimento “pau-brasil” era mais sincero, ainda que nascesse singelamente pictórico. Mas o pau-brasil era brasilidade porque procurava resolver os problemas da
terra.
A diferença entre nacionalismo e brasilidade é que o primeiro era subjetivista e a
segunda objetivista. Um se apoiava na psicologia das massas, outra na ação delas.
O nacionalismo modernista cheirava a bacharelismo do império.
A brasilidade perdia a pose do bacharel, do sujeito que era brasileiro mas pensava
em latim. A brasilidade não se acanhava de andar de pé no chão atrás de mato,
índio, macumba, tajá, minhocão, uirapuru.
O nacionalismo insistia no erro de querer imprimir um caráter de programa às
nossas coisas. A brasilidade queria a sensibilidade pura, a índole, o Brasil em si.
O nacionalismo queria estratificar a consciência nacional brasileira com todas as
camadas falsas nela contidas. Não queria raspar a crosta pernóstica advinda de
influências que bloqueavam, há mais de um século, a verdadeira sensibilidade
nacional.
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A brasilidade, quando se refugiava nas nossas mais esquisitas tradições, não estava
retrogradando, estava protestando com a prata da casa na mão. Estava querendo
consciência sem crosta, desespartilhada, barriguda mas honesta.
O nacionalismo era aquele, como dizia Raul Bopp, que se envergonhava do jacaré.
Não queria que a gente pintasse nossos dramas de luta pela vida, que se falasse da
tragédia da seringa, do cacau, da cana-de-açúcar, do algodão e da castanha, em seus
terrores mais chegados ao brutal labor do nosso homem.
Não queria, porque isso era falar mal do Brasil! De maneira que o brasileiro havia
de solucionar os seus problemas sem conhecer a realidade deles! (Idem, pp. 23-24).
Era essa concepção de “brasilidade”, portanto, que, conforme Abguar
Bastos, deveria nortear a criação artística e literária de todos aqueles interessados e envolvidos na resolução prática dos problemas relacionados com a
realidade nacional do momento. A busca por um diagnóstico mais realista e
acertado das inúmeras mazelas sociais do país, nesse sentido, fazia-se necessária, e a arte e a literatura constituíam-se em instâncias primordiais para um
engajamento nessa tarefa. Algo muito diverso, como é fácil notar, da concepção corrente de “nacionalismo”, que, preocupada simplesmente em
erigir símbolos a expressar a “psicologia das massas”, negligenciava aquele
aspecto mais pragmático.
E foi justamente a partir dessa diferenciação e confrontação entre uma
corrente e outra, tão bem detalhada algum tempo depois (conforme seu
depoimento a Edgard Cavalheiro), que Abguar Bastos escreveu o seu primeiro romance em 1931: A Amazônia que ninguém sabe, cuja segunda edição, em 1934, teve o título alterado para Terra de icamiaba . O dado fundamental a ser ressaltado nessa narrativa é o delineamento do “herói regional”
da trama, em tudo divergente do “herói nacional” forjado por Mário de
Andrade11. Se Macunaíma, paradoxalmente, tinha como principal característica a ausência completa de “caráter”, entendido esse termo não no sentido estritamente moral, mas no sentido de não possuir uma “forma definitiva” e estável (daí as suas mudanças e andanças um tanto quanto desordenadas
ao longo da narrativa), Bepe, o herói de Terra de icamiaba , é dotado, inversamente, de um “caráter” fixo e rígido.
Em todas as regiões há um indivíduo que se destaca. É o gênio do lugar.
O de Badajós é o altaneiro, compacto e brônzeo.
Novo e possante Aniaoba, desafia, com o peito nu, a valentia das raças. Chama-se
Bepe.
11. Abguar Bastos prosseguiu ainda em seus
ataques a Mário de Andrade quando da publicação de seu romance
Safra , em 1937. Em
uma das passagens desse
romance, o narrador faz
uma referência um tanto quanto jocosa ao autor de Paulicéia desvairada, quando o descreve
de maneira pejorativa
como um mero secretário da Rainha do Café,
dona Olívia Guedes
Penteado. Mas em contradição com esse papel
de subalterno, o poeta
Mário d’Almada (referência direta ao nome de
Mário de Andrade) demonstra certa inquietação e decepção ao perceber que os habitantes da
pequena vila amazônica
o desconhecem completamente. Ver Bastos
(1937, pp. 179-180).
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Conhece o lago e os seus arredores. Conhece-os, dentro do meio-dia, com os olhos
profundos, ou, de tato, dentro da treva. Nem um fenômeno mesológico ou milagre geogênico lhe surpreende as décadas itinerantes. Os seus instintos adivinham
as metamorfoses do tempo, matematicamente, como os sábios. Adivinham as chuvas, os ventos, os rumos, as cheias.
Nas frentes difíceis o gênio de Badajós não muda.
Quando diz: eu vou e volto, volta mesmo.
O trabalho é a disciplina da sua força e a esperança disciplina-lhe o coração [...]
(Bastos, 1997, p. 2).
Embora também combata os poderosos e estrangeiros, Bepe alia-se claramente aos estratos sociais rebaixados e oprimidos da Amazônia, em atitude divergente, portanto, do herói pícaro de Mário de Andrade. Enquanto
Macunaíma sai das brenhas da floresta e ruma em direção à cidade de São
Paulo com o propósito de recuperar a “muiraquitã” das icamiabas, que então fora apropriada pelo gigante Piaimã (o peruano regatão/italiano industrial Venceslau Pietro Pietra), Bepe faz um percurso inverso, quando deixa
a cidade de Belém com seus modismos e opta por habitar nos recônditos da
selva. Lá ele lidera um punhado de caboclos, índios, negros e migrantes
nordestinos em uma rebelião contra os estrangeiros e poderosos da região,
e funda, utopicamente, ao final do romance, após peregrinar pela selva em
busca da “terra das icamiabas”, uma sociedade assentada na ausência de
desigualdades sociais e da exploração de uns sobre os outros. Caminhos
inversos, propostas divergentes e delineamentos opostos entre ambos os
heróis que em muito indicam os intentos de Abguar Bastos diante da corrente de nacionalidade incrustada na simbologia de Macunaíma .
Segundo Wilson Martins, Mário de Andrade havia falhado no propósito
de formular um romance com uma temática de revolução social. Mas o ambiente político das vésperas da Revolução de 1930, ainda segundo o crítico,
já incitava outros autores a empenhar-se nessa tarefa. Abguar Bastos teria
sido um desses autores:
Amazônia que ninguém sabe, no qual Bepe figura como porta-voz do autor, é o
Macunaíma que poderia ter sido ou o que Macunaíma desejaria ter sido, se imaginarmos que o projeto de Mário de Andrade era tomar o material folclórico como
metáfora de uma situação social. Romance modernista exemplar, o livro de Abguar
Bastos responde com extraordinário automatismo ao que a sua geração obscuramente se havia proposto como “programa de romance”, cujo primeiro modelo
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tinha sido O estrangeiro, logo modificado pela Bagaceira [...] (Martins, 1978, pp.
466-467).
Como é fácil notar, não é pouco o papel atribuído ao autor paraense em
função da sua obra de estréia.
Contudo, e apesar de tudo, o livro de Abguar Bastos parecia abrir a série do “romance amazônico”, assim como o de José Américo de Almeida lançara as fundações do futuro “romance nordestino” (ambos estavam no destino teórico e
programático do Modernismo). Pode-se pensar que o prestígio de Mário de Andrade, deslocando para uma obra malograda como Macunaíma (enquanto romance) o interesse que idealmente teria cabido ao Amazônia que ninguém sabe (título
horrendo, que terá certamente afugentado incontáveis leitores), frustrou o desenvolvimento de uma linha de ficção cuja “casa” já estava assinalada no quadro imaginário do gênero ( Idem, p. 467).
Como prova desse caráter inaugural de um gênero, o autor de Terra de
icamiaba , logo no pórtico do seu romance, explicita seus objetivos na elaboração daquela narrativa, insinuando de maneira clara o tipo de relação a
ser estabelecido entre a realidade e a sua respectiva expressão simbólica,
então devidamente ajustada:
Fiz um livro na Amazônia. Ajustei os símbolos à realidade. Procurei o homem na
paisagem da vida, mas fixei a vida no panorama da terra. Andei, vi, perscrutei. [...]
As histórias estão tatuadas nas gentes, talhadas nas pedras, calcadas nas árvores,
delineadas na terra, submersas nas águas. Todos podem lê-las convenientemente. É
questão de querer descer ao chão e escutar, com amor, os corações subterrâneos [...]
(Bastos, 1997, p. iii).
Sendo a Amazônia tradicionalmente representada como uma região
envolta por uma aura de mistérios e mitos, os intentos e as pretensões de
Abguar Bastos estavam focados em “desvelar” o substrato social a engendrar e dar corpo a essa variedade de legendas e mitificações. Note-se, no
entanto, que, apesar de lançar mão do fabulário e das mitologias disseminadas pela região na composição da narrativa, o seu modo de entender a
sociedade amazônica ancorava-se em certa prioridade conferida ao aspecto
econômico como instância de explicação válida, ganhando primazia, portanto, ante qualquer outra esfera ou dimensão da realidade social. Assim
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procedendo, ele acreditava conferir um diagnóstico mais consistente ao todo
regional. Seu projeto literário, nesse sentido, de fato não estava afastado da
fatura daquilo que viria a ser o “grosso” dos romances sociais surgidos ao
longo da década de 1930.
Embora esse seu primeiro trabalho literário de fôlego ainda pudesse ser
aproximado das resoluções estéticas propagadas pelo primeiro modernismo, o que chama a atenção da sua narrativa, entretanto, é a preocupação
com o “solo social” da região. O próprio nome do herói do romance, Bepe,
foi resgatado por Abguar Bastos da mitologia dos índios tarianos, habitantes do alto rio Negro, sem sofrer, no entanto, qualquer descaracterização
quanto ao seu perfil no âmbito da criação romanesca. Sabemos, nesse sentido, que o mito de Makunaima (com “k”) foi alterado substancialmente
por Mário de Andrade quando, aproveitando-se dos relatos mitológicos
dos índios taulipáng e arecuná da região de Roraima, e então compilados
pelo alemão Koch-Grünberg no início da década de 1910, moldou-os em
um formato picaresco em seu romance (cf. Kothe, 2004, p. 159). No caso
do romance do autor paraense, a figura mítica é transplantada integralmente para a composição do personagem.
Essa opção pela preservação das características do mito no interior da
armação romanesca já era uma indicação clara da não-satisfação de Abguar
Bastos com uma abordagem da realidade brasileira aos moldes de Mário
de Andrade em Macunaíma . Como sabido, a sociedade nacional de finais
da década de 1920, então apresentando sinais evidentes de modernização,
era representada literariamente pelo autor paulista por meio de um
enfoque nativista, no qual um mosaico de lendas, mitos e ditos populares
juntava-se no feitio de uma rapsódia a compor um todo inusitado e expressivo de uma nacionalidade brasileira já existente (cf. Sousa, 1979). A
não-definição do herói do romance e o seu caráter mutável, por seu turno, apontavam para esse aspecto ainda disforme a expressar um amálgama de raças (cf. Ribeiro, 1993).
Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando
nas brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que
matava os homens porém os homens é que mandavam na Máquina... Constatou
pasmo que os filhos da mandioca eram donos sem mistério e sem força da máquina sem mistério sem querer sem fastio, incapaz de explicar as infelicidades por si.
Estava nostálgico assim. Até que uma noite, suspenso no terraço dum arranha-céu
com os manos, Macunaíma concluiu:
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– Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta.
Há empate.
Não concluiu mais nada porque inda não estava acostumado com discursos porém
palpitava pra ele muito embrulhadamente muito! que a máquina devia de ser um
deus de que os homens não eram verdadeiramente donos só porque não tinham
feito dela uma Iara explicável mas apenas uma realidade do mundo [...] (Andrade,
1997, p. 31)12.
Mas, de fato, o desagrado por parte do autor paraense em relação à obra
12. Acerca da “disformidade” de Macunaíma, ver Bastide (1983).
de Mário de Andrade, conforme já salientado, residia no excesso de simbolismo e na “palidez” da realidade. Embora reconhecesse a importância e o
papel das máquinas como um dado característico do “mundo moderno”,
com todos os seus respectivos desdobramentos econômicos e culturais,
Abguar Bastos também considerava esse aspecto fundamental para uma
compreensão moderna da Amazônia, mesmo que em seu romance um retorno à natureza fosse insinuado. Mas esse retorno ocorria em função, justamente, da necessidade de considerar a especificidade da natureza amazônica como uma instância primordial no entendimento da realidade social
da região. É assim que o narrador, de maneira um tanto quanto alegórica,
explicita essa valorização da natureza diante de artefatos culturais modernos quando, no início do entrecho da trama, descreve a casa onde Bepe
reside no interior da floresta.
Bepe não mora sozinho.
Tem um amigo: o cão.
Tem um bobo: o macaco sabido, que monta no cão.
Tem um adulador: o papagaio, que canta para o cão, porque o cão é forte e dorme
embaixo da gaiola. O papagaio fica mudo para o macaco, porque o macaco sabido
pode aprender a falar.
Na sala de Bepe o gramofone, também, como os bichos, mostra as suas habilidades.
Papagaio se fizesse papel de gente seria duas coisas: político e professor de lógica.
O homem, deus dos bichos, aparou o prestígio do papagaio: inventou o fonógrafo.
Papagaio pensou: se ensinasse o macaco a falar matava o fonógrafo.
Pensou de novo: se a voz do macaco acabasse com o fonógrafo quem ia para a sala
era o macaco.
Ora, antes ficar assim. Macaco não vai à sala. Por isto não pode aprender com o
fonógrafo e fica, sempre, no quintal.
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Papagaio não morre de desgosto. Acredita que tem uma vantagem sobre o seu
concorrente: não precisa de corda, nem disco. Tem, para isto, a chuva e a voz do
dono (Bastos, 1997, pp. 5-6).
Apesar de ser produto da engenhosidade do homem, o fonógrafo é
equiparado aos demais bichos na convivência com Bepe em sua casa. Embora, inicialmente, o prestígio do papagaio tenha sido diminuído pelo som
produzido pela máquina, a natureza ainda era detentora de largas vantagens diante daquele artefato, mesmo que a fala do papagaio estivesse na
dependência relativa da voz humana. É assim que, por meio do “raciocínio lógico” do papagaio, a natureza valoriza-se por não necessitar de constantes intervenções do homem. Mas, por outro lado, é em função da presença do fonógrafo que o papagaio é capaz de “formular” a sua lógica na
concorrência com os demais animais, principalmente ante a alegada argúcia do macaco. Ora, o enfrentamento aí esboçado entre a natureza (o papagaio) e um dado artefato de cultura (o fonógrafo) é presidido por uma
lógica de concorrência dentro da própria natureza, entre os bichos. O papagaio precisa precaver-se do macaco a fim de preservar o seu privilégio de
continuar habitando a sala.
Nesse seu primeiro romance, portanto, Abguar Bastos tendia a representar literariamente a Amazônia a partir de uma mistura de elementos
oriundos da mitologia e da natureza, mas em conexão com uma realidade
social já marcada pela mecanização. A presença por si só do fonógrafo na
sala determina, de certa forma, o comportamento dos demais bichos. Portanto, insinua-se no início do romance uma conclusão possível: não se trata de tomar a natureza como instância explicativa da realidade social, mas
sim de utilizá-la como instrumento eficaz no desvelamento dessa mesma
realidade e promover, ao fim, a sua transformação. Daí o sentido da lógica
e da argúcia entre os bichos.
Mas a caracterização de Bepe como um “herói regional”, e em tudo
divergente do perfil picaresco de Macunaíma, também explicita a estratégia adotada por Abguar Bastos nesse intrincado “jogo social” de conquista e consolidação de uma posição no campo literário. Eleger a realidade
regional como tema prioritário de suas narrativas e, ao mesmo tempo,
filiar-se a uma corrente literária empenhada de maneira quase militante
na promoção de mudanças sociais converteram-se em lances decisivos
para a sua conseqüente trajetória como escritor. O entrecho de Terra de
icamiaba , portanto, não deve ser abstraído da lógica de funcionamento
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do próprio campo literário e dos anseios de seu autor em tornar-se um
escritor reconhecido.
Após estudar e destacar-se como aluno brilhante em um seminário em
Belém, o herói do romance desilude-se com a vida levada na cidade e principalmente com as diversas correntes literárias por ele então conhecidas. As
aventuras e desventuras amorosas dos companheiros de Bepe na capital
paraense – Reginaldo, o poeta lírico, e Jeremias, o poeta romântico – satirizam não só as posturas literárias passadistas, mas também convencem o
herói da frivolidade do ambiente urbano:
Logicamente Bepe teria de escolher entre um lirismo estúpido e um romantismo
decadente.
Culpa dos panoramas.
Entrou confiadamente n’alma de muitas mulheres.
Trouxe a sua parte no que lhe convinha do aparato do corpo. Só!
Disse loucuras com juízo.
Não desejou nem uma das almas exposta. Para quê?
Depois do Reginaldo e do Jeremias teve medo do amor, na Cidade Grande.
Teve medo do ambiente.
As cigarras ainda estavam cantando, os sinos ainda estavam dobrando. E Bepe não
quis o amor (Bastos, 1997, p. 29).
A opção de Bepe pelos mistérios da selva e sua recusa tanto do amor
romântico (o amor puro) como do meio urbano conferem à sua personalidade uma caracterização peculiar: é o “gênio do lugar” dotado de senso de
justiça, perspicácia e rigidez moral suficientes para o enfrentamento dos
problemas e das injustiças que acometem os estratos sociais rebaixados da
região. Os personagens estrangeiros que compõem o entrecho do romance,
nesse sentido, são os alvos da ação vingativa de Bepe. Na medida em que o
judeu Calabar, o marroquino Amar e o holandês Lazaril são apresentados
ao longo da trama como os vilões a espoliar a população do interior amazônico, em conluio com determinados políticos locais, a armação do romance ganha um desenho a separar dois pólos opostos: os bons contra os maus,
os fracos contra os fortes. Do lado dos fracos, e arregimentados pelo herói,
aparecem o caboclo Mauro, o índio Columbu e o negro Catulê. Bepe, por
sua vez, por ter trilhado o caminho da cidade para a selva e por ter na sua
genealogia ascendência nordestina e guarani, não só encarna em si essas três
raças, como também parece desfrutar de uma “posição intermédia” entres
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esses pólos. Mas essa posição intermediária não o isenta de tomar partido
do “pólo fraco” diante do “pólo forte”, liderando, assim, uma rebelião dos
oprimidos no combate aos estrangeiros e exploradores.
Quanto ao aspecto estritamente político do romance, não há dúvidas
em relação à perspectiva de Abguar Bastos. A região amazônica não poderia
continuar sendo explorada segundo os interesses estrangeiros em detrimento da população local. Seu nacionalismo militante era então expresso por
um regionalismo quase empedernido. Já quanto ao aspecto literário, no
entanto, o seu nacionalismo aparecia nessa obra exatamente no enfrentamento de personagens nacionais contra personagens estrangeiros, como,
aliás, também ocorria em Macunaíma . Mas, diferentemente deste último,
lá tudo passa pelo filtro da região.
O mosaico de mitos e lendas que compõe o romance é todo de origem
local e articula-se em conformidade com uma realidade projetada pelas crenças políticas encampadas pelo autor. É nesse sentido que, no desfecho do
romance, logo após a vitória da rebelião/revolução, Bepe, de posse de um
muiraquitã a ele presenteado por um índio, lidera todo o contingente de
revoltosos/revolucionários em uma peregrinação pelo interior da selva na busca
da “terra das icamiabas”. É de posse desse lendário amuleto que uma nova
sociedade pode ser fundada no coração da Amazônia. Uma resolução literária, portanto, distinta daquela de Mário de Andrade, que, ao utilizar o
muiraquitã como motivo de peregrinação de Macunaíma pelo Brasil, pretendia fazer emergir a singularidade de uma realidade já existente. Abguar
Bastos, inversamente, formula o seu romance com os olhos voltados para a
mudança, daí a utopia da “terra das icamiabas”.
Então Bepe olhou a multidão e falou para ela:
– Eu nada quero para mim. A felicidade alheia faço-a minha e só ela é um conforto. Vamos vencer milhares de léguas; as rosas-dos-ventos girarão nos seus pontos
cardeais, tantas vezes os nossos olhos as interroguem com aflição. Sei que muitos
temores e dúvidas procurarão seduzir a confiança que está nestes corpos e nestas
almas. Sei que o silêncio amadurecerá pensamentos importunos. Mas as surpresas
não farão recuar os homens que me acompanham, porque sabem eles quão terrível
é este labirinto de rios e florestas, onde a vida é improdutiva, o amor bárbaro, a
piedade é falsa e o sorriso é inglório. Onde o homem se acaba, antes de compreender o colorido das coisas. Onde o trabalho vibra sem recompensa, o dia se estagna
sem curso e as vozes amolecem sem remédio, tal a vertigem da solidão. Tudo é
farto, exuberante, alegórico mesmo. No entanto, todos os esforços são anônimos,
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todas as lutas são impessoais, todas as atribulações nascem e desaparecem, como
relâmpagos na treva. Você, homem, derruba a cachoeira, fende o rio, torce a floresta, come a praga, bebe o veneno e quebra os cornos dos bichos ferozes. Você carrega a família às costas e atravessa as torrentes; desarvora as palafitas e escora os
barrancos; entra no peito dos repiquetes e espreme as caudais nos desfiladeiros;
engole moléstias piores que o raio; desalaga os pântanos, devora com os passos
andejos os caminhos apertados. Onde há um buraco você faz uma cidade. Onde
há uma barreira de mato puro, amanhã é picada, depois é chão limpo, por onde a
civilização vai passar. Você, homem, faz tudo isto. Contudo ninguém o conhece,
você morre na miséria, sem teto e sem consolo. Você desanima, some-se e o seu
nome fica perdido por aí, como os ventos. A terra é cada vez maior e mais bonita.
O estrangeiro cada vez mais vai caçoando de você. Ora! Um dia, quando estas
paragens mudarem de panorama e tudo for um alucinado esplendor, palavra, ninguém falará nos obscuros pioneiros que fizeram a obra gigantesca da exploração.
Acordemos. Vamos para mais longe e façamos, nós mesmos, a nossa história (Bastos, 1997, pp. 165-166).
A despeito dos mistérios, dos labirintos e dos perigos oferecidos pela floresta, é o trabalho e o esforço não reconhecido dos habitantes da região, em
última instância, a ser valorizado por Bepe nesse seu discurso de convencimento para a busca e a construção de uma nova sociedade amazônica. A
natureza não surge como uma espécie de empecilho maior para a implantação de qualquer projeto civilizador em plena selva. Os entraves são de ordem social, assentados na exploração e no esquecimento corriqueiro dessa
população regional.
Diferentemente do último conto do livro de Alberto Rangel, Inferno
verde, publicado em 1908, aqui não é a natureza que fecha a obra em um
discurso eloqüente a vaticinar a impossibilidade de uma civilização na
Amazônia. Bepe é o herói visionário a combater os poderosos e conhecedor
dos segredos da floresta. Seu nome, retirado da mitologia indígena, o autoriza a construir um outro mundo. Se, por um lado, entre a obra de Alberto
Rangel e a de Abguar Bastos, essa clara mudança de foco quanto aos eventuais fatores a criar algum tipo de empecilho para a consolidação de uma
civilização na Amazônia revela a própria alteração na dinâmica a reger o
campo de produção simbólica no Brasil, por outro lado o delineamento do
herói da trama de Abguar Bastos demonstra o novo tipo de embate a ser
travado no âmbito do campo intelectual e literário. A oposição entre Bepe
e Macunaíma reproduz no plano da criação romanesca as linhas de força
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que então permeavam os diferentes escritores desigualmente posicionados
no interior desse espaço social peculiar que é o campo literário.
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Resumo
Um out ro herói modernist a
A partir da análise do romance de estréia de Abguar Bastos, Terra de icamiaba , o texto
intenta demonstrar como a cisão do movimento modernista em diferentes vertentes
estéticas e políticas foi apreendida por autores de regiões mais distantes dos centros
culturais do país. Se o movimento de 1922 representou uma pretensa ruptura com o
passadismo literário, ele acabou por converter-se em um momento decisivo para a
formação de um campo literário no Brasil. O romance inaugural de Abguar Bastos
ganha importância em função da sua divergência com Mário de Andrade quanto às
temáticas da nacionalidade e do regionalismo, fazendo reverberar por outras regiões e
cenáculos literários os debates acerca dos rumos do movimento.
Palavras-chave: Campo literário; Criação literária; Nacionalidade; Regionalismo.
Abstract
Anot her modernist hero
Based on the analysis of the debut novel by Abguar Bastos, Terra de icamiaba , this
article attempts to show how the splitting of the modernist movement into different
aesthetic and political tendencies was apprehended by authors from regions located far
from the country’s cultural centres. While the 1922 movement represented an attempted rupture with literary nostalgia, it ended up becoming a decisive moment in
the formation of a literary field in Brazil. Abguar Bastos’s first novel acquires importance here because of its divergence from Mário de Andrade in relation to the themes
of nationality and regionalism, allowing the debates over the movement’s directions to
reverberate in other regions and other literary circles.
Keyw ords: Literary Field; Literary Creation; Nationality/Regionalism.
Texto recebido em 8/
2/2007 e aprovado em
20/3/2008.
Marco Aurélio Coelho
de Paiva é professor do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas. E-mail: macp40
@ufam.edu.br.
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Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 20, n. 2