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1 Alencar, Valeria Peixoto...........................................................................................................7 Almeida, Teresa.....................................................................................................................13 Amann, Atxu..........................................................................................................................20 Assis, Sissa Aneleh...............................................................................................................27 Bacalhau, Daniela.................................................................................................................33 Cabeleira, Joao.....................................................................................................................39 Caldas, Jose..........................................................................................................................44 Camile, Adriane.....................................................................................................................50 Cardoso, Ana.........................................................................................................................54 Cardoso, Vasco.....................................................................................................................59 Carvalho, Graça....................................................................................................................65 Casian, Silvia.........................................................................................................................71 Celeste, Estela Bonci_Mirian.................................................................................................76 Costa, Fabio Jose Rodrigues.................................................................................................83 Demarchi, Rita.......................................................................................................................90 Dias, Luciano Melo................................................................................................................95 Ficha Técnica: II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Comissão Organizadora do 2EI_EA (org) i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (Editor) e.book Produção: Tiago Pinho Eça, Teresa Torres...............................................................................................................100 Fernandes, Paulo.................................................................................................................107 Ferreira, Ines........................................................................................................................113 Gabre, Solange....................................................................................................................120 Gama, Manuel.....................................................................................................................125 Guimaraes, Leda.................................................................................................................132 ISBN: 978-989-97856-4-9 2 Jesus, Joaquim....................................................................................................................139 3 Leandro, Cristina Rebelo.............................................................................................146 Louçã, Joana sofia Neuparth.......................................................................................152 Marcondes, Virginia Vieira...........................................................................................159 Martins, Graça.............................................................................................................164 Monteiro, Ricardo.........................................................................................................171 Nogueira, Susana........................................................................................................177 Oliveira, Ronaldo Fernando Stratico............................................................................184 Orloski,Erick.................................................................................................................191 Pinho, Ricardo.............................................................................................................197 Pinto, Julia Rocha........................................................................................................204 Reis, Ricardo...............................................................................................................210 Siebert, Emanuele Cristina..........................................................................................217 Silva, José Carlos........................................................................................................223 Silva, Mariana..............................................................................................................227 Os textos que agora se publicam correspondem aos textos reescritos após a sua apresentação no 2º Encontro Internacional sobre Educação Artística (2ei_ea), realizado no Porto, de 2 a 4 de Abril de 2012, pelos respectivos autores. Era objectivo dos organizadores que o 2ei_ea se realizasse num ambiente de partilha de experiências e de debate aberto capaz de construir reflexões críticas decorrentes de cada acção. Partir para um encontro com a vontade de discussão implicava que todos os participantes aceitassem formas alternativas de questionamento que lhes permitissem um descentramento e um deslocamento dos lugares de conforto que cada um, inevitavelmente, vai ocupando. Terminado o encontro, foi lançado o convite, a cada interveniente, de reescrita do seu texto, tendo em consideração o debate ocorrido e, nomeadamente, as forças que se geraram e que atravessaram o seu pensamento. Os textos aqui reunidos são, assim, o resultado do novo desafio e respondem à vontade de partilhar, em formato digital, os textos que nos foram chegando. São publicados tal como enviados pelos seus autores, não tendo sido sujeitos a intervenção alguma pela comissão organizadora do 2ei_ea, mesmo do ponto de vista da sua organização gráfica. Após a publicação deste e.book, dar-se-á continuidade à implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas em educação artística, tema que preencheu o 2ei_ea, com uma nova publicação, em livro. Silva, Susana Santos..................................................................................................232 Silva, Susete Rodrigues..............................................................................................237 Souza, Ana Paula Abrahamian....................................................................................244 Torres, Fabiano Ramos...............................................................................................249 Vasconcelos, Flavia.....................................................................................................255 Vidal, Fabiana..............................................................................................................262 Vidal, Luisa..................................................................................................................268 Xavier, Robson............................................................................................................274 4 5 O MEDIADOR CULTURAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO EDUCATIVO EM MUSEUS E EXPOSIÇÕES DE ARTE Valéria Peixoto de Alencar1 atividade profissional paralela ao trabalho de mediador e, na maioria, trabalhos na área de Educação e Arte (ALENCAR, 2008)3. A transitoriedade é uma característica deste trabalho, daí 26% destes profissionais serem estudantes de graduação, muitas vezes contratados como estagiários, contudo, dentre os 74 que possuíam graduação concluída, 42% eram pós-graduados e pós-graduandos que foram agrupados entre cursos de especialização, mestrado e doutorado, a maioria na área de É experiência aquilo que nos passa, ou nos toca, ou nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação. (Jorge Larrosa)2 Artes, o que demonstra um perfil profissional especializado. O questionário, como instrumento de coleta de dados, possibilitou traçar um perfil desse profissional assim como possibilitou dar voz aos mediadores já que, na maior parte, as questões eram abertas e foram analisadas tendo como base, de forma análoga, autores que tratam da formação e profissionalização docente, tais como António Nóvoa, Donald Schön, Ana Neste artigo apresentarei algumas reflexões surgidas em minha pesquisa de Mestrado (ALENCAR, 2008), realizada no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA/UNESP), sob a orientação da professora Dra. Rejane Galvão Coutinho, na qual procurei traçar um perfil dos mediadores culturais que atuam em museus e exposições de Arte na cidade de São Paulo. Foi um levantamento extenso do qual tratarei aqui apenas de algumas considerações sobre o entendimento que os educadores têm sobre o próprio trabalho. E, após quatros anos desde a defesa da dissertação, procurarei apresentar também novos questionamentos a partir de novo olhar sobre educação em museus. O problema desta pesquisa surgiu a partir de minha própria experiência como educadora em exposições desde 1996, reflexões sobre a formação e a atuação em conversas, muitas vezes informais, com colegas, tais como: o que é ser educadora em uma exposição de Artes? Minha formação inicial é suficiente? Que profissão é esta? Qual seu futuro? Assim, procurei traçar um perfil dos mediadores culturais que atuavam nos museus e exposições de Artes em São Paulo no período de setembro de 2006 a fevereiro de 2007. Eram 302 profissionais ao todo, destes, 100 responderam ao questionário elaborado por mim; tal Mae Barbosa, entre outros. Nestas análises é possível tecer considerações sobre o trabalho educativo em museus de arte a partir do ponto de vista dos próprios educadores. Cabe ainda ressaltar que foi verificado na pesquisa que o processo de formação continuada4 do trabalho educativo em museus envolve reflexões sobre o conteúdo das exposições e sobre o processo de mediação. Não houve discordância sobre a importância da formação continuada no trabalho de mediação cultural, talvez pela diversidade de exposições com a qual muitos mediadores se deparam num curto período, ou pela sensação de que a formação inicial é importante como um alicerce mas não suficiente, o fato é que Durante a formação contínua podemos exercer a reflexão sobre a reflexão-na-ação (Schön, 2000). É na reflexão surgida sobre e a partir dos problemas, conflitos e sucessos do trabalho no dia-a-dia que é possível (utilizando a idéia de possibilidade do professor Fusari) suprir questionamentos e dúvidas, melhorar o trabalho, como foi dito pelos educadores além de compartilhar as experiências, expressão tantas vezes repetida. A mediação pelos mediadores questionário procurava investigar quatro temas: formação inicial, experiência profissional, formação continuada e a percepção sobre a área de mediação cultural como campo profissional. Vejamos alguns dados: a média de idade entre os mediadores culturais é de 28,15 anos, a maioria de mulheres (78%), 70% possui formação em Artes, 71% possuem uma Como os mediadores culturais veem a mediação e como definem seu próprio trabalho? Por exemplo, segundo esta mediadora: acredito que meu trabalho reflete o esforço de fazer com que, no mínimo, as pessoas tenham uma experiência agradável no museu (Q45)5. O que seria uma experiência agradável? Se levarmos em consideração a definição de “experiência” segundo o Filósofo da Educação Jorge Larrosa, só o fato de se ter uma experiência já foi um passo enorme para as pessoas atendidas pela educadora do depoimento 3 1 Doutoranda do programa de pós-graduação do Instituto de Artes/UNESP, São Paulo. Este artigo contém dados da pesquisa realizada no Mestrado. Para saber mais ver em VALÉRIA, 2008, também disponível em http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/dissertacao_valeriapeixoto.pdf 2 Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 163. 6 Estes são apenas alguns dados da pesquisa citada. Como formação continuada aqui se define como o espaço aberto, institucionalizado de reuniões e remunerado para estudos, pesquisas, reuniões durante o processo de trabalho, no período de uma exposição. 5 Ao apresentar os depoimentos dos educadores/mediadores no decorrer do texto, optei por identificá-los com a numeração que adotei para os questionários, Q1, Q2, Q3... e assim por diante. 4 7 citado. Em seu ensaio EXPERIÊNCIA E PAIXÃO, Larrosa procura tecer reflexões acerca do Ao analisar as respostas dos educadores para a questão: como você definiria seu conceito de experiência. Inicialmente desconstruindo o conceito, afirmando que ter uma trabalho como mediador?, identifiquei palavras que se aproximam do meu entendimento sobre experiência não é a mesma coisa que adquirir informação e acrescenta que hoje em dia a mediação cultural, tais como: diálogo, questionamento e reflexão que apareceram 20 vezes, experiência é cada vez mais rara pelo excesso de opinião, falta de tempo e excesso de assim como os verbos: estimular, construir, despertar, trocar e provocar que foram conjugados trabalho. Deste modo, se fosse possível, trocaria a palavra experiência do depoimento citado, por 29 educadores. Nos depoimentos a seguir, é possível perceber uma preocupação com o talvez, pela palavra vivência. Sim, uma vivência agradável, pois compartilho com Larrosa olhar do outro ao ressaltar que o trabalho como mediadora: é imprescindível na quando ele afirma que: contextualização e levantamento de questionamentos, mas acho que, por outro lado, não deve “A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço” (LARROSA, 2004, p. 160). Acredito num processo de mediação que compreenda estas pausas no observar, no escutar, na percepção da mudança de ritmo que ocorre, por exemplo, do percurso do ônibus onde estavam os alunos até chegarem dentro da exposição. Quando o mediador não observa estas questões, pode simplesmente fazer com que a vivência dentro do museu seja desagradável. Várias foram e são as concepções sobre Educação ao longo da história e, evidentemente, tais concepções abarcam a arte-educação e a educação em museus. O trabalho educativo em exposições propicia discussões a respeito do papel do mediador nesse local que abriga um determinado acervo e conteúdo. Penso que entender a forma como os mediadores lidam com o conteúdo da exposição em que trabalham, seja ela temporária ou não, está relacionado com a questão da profissionalização. Existem especificidades da educação não-formal em exposições de Artes entre elas as construções de conhecimentos que levam em consideração o contato com o objeto e a educação patrimonial. Mesmo com tais características, posso fazer uma analogia ao processo histórico de profissionalização docente de Nóvoa, lembrando a primeira dimensão no quadro de profissionalização que é a “construção de um corpo de conhecimentos e de técnicas” (1995b, p. 20). Nóvoa trata da relação dos professores com o saber como um dos capítulos principais na história da profissão docente e se questiona se “os professores são portadores (e produtores) de um saber próprio ou são apenas transmissores (e reprodutores) de um saber alheio?” (1995b, p. 27). Foi importante analisar como os mediadores percebem seu trabalho. interferir na construção do olhar do visitante (Q27) e neste que diz ter como objetivo despertar a curiosidade e interesse das pessoas para o que elas estão vendo para que elas saiam da exposição com um “retalho da colcha” (Q10). Sair com um retalho da colcha pode significar aguçar a curiosidade, despertar para o tema em questão, ter que “parar para pensar” como diz Larrosa (2004). Assim, a relação entre os mediadores e o conhecimento seria a de “portadores e produtores” (NÓVOA, 1995b). Levar em consideração os saberes do outro é uma preocupação presente em alguns depoimentos, como vemos nestes: procuro estimular os visitantes e aproveitar os seus conteúdos. Argumentos que acredito serem positivos para mediação (Q9) e A mediadora é uma provocadora de idéias, questionamentos, sensações, memória, percepções etc. e, além disso, garante a socialização disso tudo no grupo durante a visita (Q32). No entanto, se para alguns a mediação tem este caráter dialógico, construtivo, é um trabalho que não se ensina, mas se aprende junto, [pois] muito me acrescentou como pessoa e também como profissional (Q25), outros mediadores ainda têm uma relação de “transmissores e reprodutores” (NÓVOA, 1995b) e até mesmo, por que não dizer, de consumidores desta transmissão do conhecimento, como verifiquei em outro momento da pesquisa, ao serem questionados sobre o período de formação para a exposição, quando apontaram como a sua maior qualidade apresentar o conteúdo da exposição. Palavras como: ampliação (no sentido de aumentar o repertório de informação do visitante), discurso e ponte (para transmitir) apareceram 11 vezes e os verbos: passar (o conteúdo), aproximar e facilitar foram conjugados 16 vezes, como no depoimento desta educadora que se “preocupa” com o ato de transmitir o conteúdo: tenho conhecimento, mas preciso simplificar a linguagem um pouco mais (Q45); ou desta que define o trabalho como uma importante ponte entre o público e a obra, um condutor de ideias (Q53); ou esta que vê o trabalho como um passar (mediar) os conceitos das obras para uma maior aproximação do grupo com a arte (Q86). Existem muitas respostas nas quais os educadores assumem a responsabilidade de aproximar e levar a “Arte” para as pessoas, como nestes depoimentos que veem o trabalho do mediador como uma forma de auxiliar as pessoas a pensarem um pouco mais, fugir dos clichês e treinar o olhar (Q42) ou, meu trabalho é de aproximar a arte do educando, de fazer com que 8 9 eles percebam que a arte pode ser entendida por eles (Q55), ou ainda, o mediador faz uma Talvez, uma opção para uma ação educativa em museus de arte que tenha uma ponte entre a obra e o espectador, auxilia a comunicação entre a arte e o público (Q56). Este preocupação com a emancipação do espectador seja o trabalho norteado pelos Estudos da outro expressa que o mediador é importante, visto que parte do público necessita deste serviço Cultura Visual, numa tentativa de dessacralizar a obra de arte, propondo, como diz Imanol (Q87). Mas que necessidade é esta? Por que alguns mediadores acreditam que o público Aguirre (2009), uma aproximação com a obra de arte "como um condensado de experiência necessita do mediador na exposição? gerador de uma infinidade de interpretações" que levem em consideração não só a obra, mas Ao criar como instrumento de pesquisa para traçar um perfil profissional do mediador cultural um questionário, deparei-me com evidências conflitantes acerca da ideia de também o espaço expositivo e, não menos importante, os sujeitos envolvidos, com suas vivências e experiências. educação/mediação. Notei isso logo no início da leitura que fiz dos questionários, ao perceber como alguns mediadores se apropriaram do instrumento como um momento reflexivo e outros não. Percepção que não diminuiu no decorrer da análise. A reflexão sobre o próprio trabalho é fundamental para o educador, seja ela individual ou coletiva. Foi refletindo sobre meu trabalho como educadora que criei argumentos que me levam a acreditar numa mediação dialógica, onde o conhecimento é construído e não apenas Bibliografia AGUIRRE, Imanol. Imaginando um futuro para a educação artística. In: MARTINS, Raimundo, TOURINHO, Irene (orgs.) Educação na cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2009 (p. 157-186). reproduzido. ALENCAR, Valéria Peixoto de. O mediador cultural. Considerações sobre a formação e profissionalização de educadores de museus e exposições de Arte. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Artes/UNESP, 2008. Post-scriptum BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as tecnologias contemporâneas. In: ______. (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. p. 98-112. Relendo a minha dissertação e revendo como uma parte dos mediadores culturais pensam a respeito de sua atuação profissional, não pude deixar de relacionar aos escritos de Jacques Rancière e acreditar que a importância dada aos conteúdos no processo educadional faz destes educadores embrutecidos enquanto aprendizes e embrutecedores quando mestres, pois ao se colocar como aquele que vai “treinar o olhar” ou “fornecer ideias”, não pode estar almejando a emancipação intelectual, como diz Rancière: “a distância que a Escola e a sociedade pedagogizada pretendem reduzir é aquela de que vivem e não cessam de reproduzir”. (2011, p.11). Ainda que não estejamos nos referindo a escolas aqui e sim a educação em museus, à educação não formal, podemos fazer tal analogia, pois foi bastante perceptível a postura de “mestre sábio”, especialmente entre os educadores que atuavam em exposições de Arte Contemporânea, como por exemplo, quando um educador diz que seu trabalho como mediador é importante, pois as pessoas não estão mais acostumadas a pensar (Q11). Contudo, não é um comentário exclusivo nem autêntico, possivelmente é um eco de BARRIGA, Sara, SILVA, Suzana Gomes da (coords.). Serviços educativos na cultura. Colecção Públicos, n. 2, 23 nov. 2007. Disponível em: http://www.setepes.pt. Acesso em: 04 mar. 2008. DEWEY, John. Experiência e pensamento. In: ______. Democracia e educação. 4. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979. p. 152-166. ______. Tendo uma experiência. In: ______. Arte como experiência. [S.l: s.n., 19--]. LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: ______ (coord.) Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995a. p.13-33. ______. O passado e o presente dos professores. In: ______ (org.) Profissão professor. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995b. p. 13-34. ______ (coord.) Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995a. ______ (org.) Profissão professor. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995b. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. seu processo de formação e estar num museu, local onde se legitima a Arte, pode ser um momento de emancipação intelectual, quando pensamos numa mediação dialógica, reflexiva e problematizadora, levando em consideração o princípio de igualdade de inteligências (RANCIÈRE, 2011), ou pode ser um processo embrutecedor, reprodutor da cultura hegemônica. 10 11 A arte e o conhecimento no contexto educativo saberes, investigando e descobrindo aptidões, de modo a dotar os alunos de competências para a prática destas obras de arte. Teresa Almeida A abordagem das questões teórico/práticas do ensino desta arte no território nacional, Unidade de Investigação i2ads, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade. Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Avenida Rodrigues de Freitas, 265, 4049-021 Porto. é pois o objetivo a que nos propomos. Unidade de Investigação Vidro e Cerâmica para as Artes (VICARTE), FCT/UNL, 2829-516 Caparica História e Tradição em Portugal talmeida@fba.up.pt Em todo o território nacional assistimos a uma presença e tradição do mosaico, desde as ruínas de Conímbriga até à famosa calçada portuguesa. A cidade de Conimbriga (perto de Resumo Num mundo da era digital, abarcado pelo ensino das novas tecnologias, qual é o papel do ensino das artes de cariz tradicional? Fará sentido continuar a dotar os estudantes com estes saberes? Além de fazer todo o sentido, é fundamental investigar e aperfeiçoar tais conhecimentos e descobrir aptidões, de modo a inovar as capacidades dos estudantes na prática artística. Pretende-se por isso, no ensino das tecnologias de “cariz tradicional” criar um fundamento para além da técnica, orientado para uma preocupação estética e um julgamento crítico, demarcando um papel renovado no campo artístico e uma associação a novos elementos e espaços. Serão apresentados trabalhos dos alunos, inovadores e portadores de outra maneira de olhar, uma atitude que ousa uma nova criatividade artística, onde a “técnica” do mosaico aparece revigorada. Palavras chave: mosaico, tecnologias tradicionais, ensino contemporâneo. Coimbra) possui um vasto núcleo museológico de mosaicos, “os melhores exemplos conhecidos encontram-se entre os que foram levantados em Conímbriga em 1899” (Abreu : 2007; 97). As escavações arqueológicas iniciadas, no século XIX e inícios do século XX proporcionaram o renascimento do pavimento artístico de tradição romana em Portugal, dando origem à famosa calçada Portuguesa, que hoje é considerada um dos marcos do pavimento Português. Entenda-se por calada portuguesa “um pavimento empedrado, cujos componentes são a pedra natural, com base em calcários assentes e dispostos no solo de forma mais ou menos homogénea” (Henriques, Moura, Santos: 2009, 9). A pedra utilizada é o calcário e/ou basalto, sendo as cores mais tradicionais o preto e o branco, no entanto, são também utilizadas cores como o bege, castanho, rosa e tons avermelhados. Os desenhos utilizados na decoração caracterizam-se por motivos geométricos ou figurativos, estando muitos relacionados com as atividades da região onde o pavimento foi realizado (Henriques, Moura, Santos: 2009. A produção italiana de mosaico exerceu também uma forte influência para a realização de mosaicos em Portugal, não só na criatividade e rigor técnico, mas também na composição formal, sendo mais notória no período do reinado de D. João V. O mosaico “Pentecostes”, 1742-50, sito na Capela de São João Baptista, em Lisboa, é um excecional exemplo da Introdução produção italiana, no período de D. João V. No Estado Novo, as décadas de 50 e 60 foram marcantes pelo recurso à utilização de A arte do mosaico, mais do que decorativa, comporta excelentes atributos para se afirmar com personalidade plástica na produção de obras de arte. obras de arte, como pintura a fresco, tapeçaria, vitral, escultura e mosaico, nos novos tribunais e na renovação dos outros. Para tal, os arquitetos chamaram artistas plásticos com formação Em Portugal, esta tecnologia é lecionada nas Faculdades de Belas Artes. A académica no sentido de realizarem obras de arte para esses espaços. O mosaico que António conceptualização e a introdução de novos materiais numa perspetiva criativa, são fatores Lino realizou em 1960 para o Tribunal de Guimarães é disso exemplo. O Edifício das Águas fundamentais para relançar e conciliar esta arte milenária com o pensamento atual, Livres em Lisboa, dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral, construído consolidando assim o mosaico na arte contemporânea. Para tal é fundamental desenvolver entre 1953 e 56, é outro excelente exemplo da integração do mosaico nos edifícios públicos. Neste caso, a obra datada de 1956, é de Almada Negreiros. 12 13 Após o 25 de Abril, assistimos a uma revitalização do mosaico, passando a ser utilizado artísticos, em detrimento das tecnologias tradicionais, que são morosas e estão associadas ao em diferentes espaços e de diferentes maneiras. Exemplo disso são as obras produzidas nos academismo; mas por outro lado vê-se o crescente interesse de estudantes de Erasmus que anos noventa, como o trabalho realizado por Eduardo Nery para o edifício da Sede da Caixa buscam estas tecnologias, pelo facto de nas suas academias se verificar um ensino massificado Geral de Depósitos em Lisboa, constituído por um mosaico, calçada e vitral. “A utilização neste das artes digitais e um desuso do ‘tradicional’. Para os que debandam do ensino das projecto de mosaico associado ao vitral confere ao espaço um sentido raro e precioso, ‘tecnologias tradicionais’ é necessário criar iniciativas, desenvolver ideias e projetos para propiciado pelo próprio objecto arquitectónico” (Henriques: 2003, 36). O metropolitano de acabar com estas ideias preconceituosas e manter os estudantes com vontade de descobrir e Lisboa, conhecido pela sua decoração em azulejo, possui, na estação de Carnide, um mosaico desenvolver as suas atividades neste meio artístico, que rapidamente podem ser enquadradas de José de Guimarães realizado em 1997. na arte e educação contemporânea. Pretende-se por isso, no ensino da tecnologia de mosaico, A Expo 98 em Lisboa possibilitou a integração de várias obras de mosaico. Artistas plásticos realizaram obras de calçada, como é o caso da obra de Sá Nogueira, Rio Vivo, criar um objetivo para além do estudo da técnica, suscitar preocupação com o material e com o conhecimento das suas potencialidades, e suscitar também uma preocupação estética. trabalho realizado em mosaico italiano para o passeio de Neptuno, e Pedro Proença com uma Para os estudantes de Erasmus que procuram este ensino perdido, como que uma técnica formal baseada na calçada portuguesa (Figura 1). Fernanda Fragateiro foi outra artista nostalgia, procura-se dota-los primeiro de saberes técnicos e em seguida dos conceptuais, para que realizou diversas intervenções. Concebeu uma escultura para um jardim, uma fonte de que depois da aprendizagem adquirida consigam continuar a trabalhar com o mosaico, quando água e vários bancos revestidos de mosaico bizantino e ainda uma calçada portuguesa para o regressarem ao seu país de origem passeio dos Ulisses. Em Portugal o ensino do mosaico vem sendo lecionado nas Escolas de Belas Artes do Porto e Lisboa, desde 1957. Pela Europa fora, esta tecnologia é também ministrada, nomeadamente na academia Brera de Milão, Academia de Belas Artes de Atenas e ainda na Scuola Mosaicisti del Friuli, Itália, desde 1922. Na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a disciplina é dada em dois semestres, dividida em dois níveis de formação. No primeiro nível, de iniciação à técnica, procura-se analisar, entender e usar as diversas funções do mosaico nas diferentes técnicas utilizadas. Compreender a história e tradição do mosaico, não só no território luso, mas também conhecer o panorama artístico internacional. Pretende-se que os estudantes Figura 1. Pedro Proença, calçada Portuguesa, 1998. desenvolvam os conhecimentos adquiridos na aplicação a conteúdos específicos, um domínio da mestria utilizada, assim como uma preocupação conceptual. Visa-se ainda a obtenção de saberes no sentido de distinguir, selecionar e fazer uso dos múltiplos meios de representação e Escola e ensino: integração do mosaico no contexto universitário modos da técnica do mosaico e das suas várias aplicações. Tendo em conta a familiarização dos estudantes com esta nova tecnologia solicita-se para o primeiro trabalho o 14 Nos dois últimos séculos da nossa era assistimos a um desenvolvimento entre a arte e desenvolvimento de um mosaico com base nos trabalhos que têm vindo a realizar na cadeira a tecnologia, numa manipulação da luz, do movimento e do som em novos materiais e de projeto, no sentido de entender o mosaico como tecnologia flexível, especulativa e tecnologias (Stiles; Selz: 1996). As inovações tecnológicas sofrem profundas e sucessivas concretizadora de obras de arte contemporâneas, onde vários artistas estabelecem essa transformações, esbatem-se fronteiras e o homem assume um papel de transformador. relação (Reinvenzioni: 2000). No que se refere ao ensino das chamadas ‘tecnologias tradicionais’ verifica-se, por um Ainda no primeiro nível os estudantes tem de realizar um último trabalho onde usem a lado, que estudantes procuram muitas vezes a utilização e aplicação dos novos média relação de mosaico com a arquitetura e/ou espaço público da Faculdade. Procura-se com este 15 exercício que os estudantes compreendam a integração da arte no espaço e as várias possibilidades que a técnica de mosaico possibilita. Na continuidade do Nível I, o Nível II desta disciplina pretende alargar o campo de material utilizado nesta tecnologia. Entende-se que o trabalho neste nível deverá ser desenvolvido numa perspetiva que abarque os aspetos de criatividade, onde a técnica não se limita a um meio e um método mas constitui, ela própria, um incontroverso significado de criatividade. Procura-se ainda que os estudantes desenvolvam um trabalho com novos materiais, pouco usuais na aplicação do mosaico. As tesselas não são só meramente pequenos Figura 2. Peça de Mosaico de Janina Silva, 2011 quadrados de calcário cortados com precisão milimétrica, os trabalhos devem ser irreverentes e ousados no tema, conceito teórico e no resultado final. É certo que a utilização de um determinado material em detrimento de outro, por parte dos artistas na elaboração de uma obra de arte, não é meramente casual. John Gage afirma que os materiais que o artista utiliza não podem ser considerados como simples ferramentas (Gage: 2006), a sua escolha e aplicação possui um valor específico que lhes é inerente. Numa abordagem pedagógica dotamos os novos estudantes com um saber mais que meramente técnico, procurando fundamentos teóricos e uma linguagem plástica característica da arte. A meio do semestre os estudante farão uma apresentação oral do seu projeto explicando aos colegas o trabalho que estão a desenvolver. Com este debate procura-se explorar ideias críticas e conceptuais, descobrir novos caminhos e possibilidades de trabalho. Figura 3. Peça de Mosaico de Agostinha Moreira, 2011. Cristina Roriz foi uma das estudantes que desenvolveu um trabalho parietal onde utilizou pedras e pigmentos. Desenvolvendo o projeto de pintura no ateliê de mosaico, esta aluna procurou fazer uma pintura com mosaico. Refira-se ainda os trabalhos das alunas Janina Silva e Agostinha Moreira. Janina empregou a madeira com elementos cerâmicos, desenvolvendo um trabalho de instalação colocada nos jardins da faculdade. Esta aluna procurou troncos de árvores que serviram como o seu suporte, sendo as tesselas realizadas em cerâmica, pequenas tiras orgânicas que concebeu, tendo em atenção a fisionomia do suporte (Figura 2). Agostinha, por sua vez, procurou a utilização de novos elementos numa composição formal totalmente renovada. Esta estudante analisou e explorou as potencialidades do vidro, desenvolvendo vários protótipos de “legos”, estabelecendo uma composição colorida e rítmica, onde as tesselas empregadas foram os “legos de vidro” (Figura 3). Considerações finais Averiguou-se que a presença do mosaico em Portugal reporta-se ao período Romano, notando-se ao longo dos tempos influências italianas, de forma mais evidente durante o reinado de D. João V, sendo que no Estado Novo teve um pendor académico, assistindo-se nos dias de hoje a uma revitalização pelo recurso a novos conceitos e materiais. A calçada à Portuguesa é o produto mais notório e genuíno da arte do mosaico em Portugal. No referente ao ensino, constata-se que o recurso a novos conceitos e materiais são fundamentais para a criação de obras portadoras de contemporaneidade. Mas primeiro há que saber da história do mosaico e conhecer os métodos tradicionais e atuais, para depois partir para a descoberta. Não basta saber das novas tecnologias, importa conhecer essas técnicas e materiais, no sentido de optar perante as características e possibilidades que os mesmos oferecem e assim potencializar a criatividade e expressão. 16 17 A fundamentação teórica e a preocupação estética são outros aspetos basilares, que aliados ao conhecimento dos materiais e ao domínio técnico, constituem fatores fundamentais CULTURA VISUAL, SUJEITO E EDUCAÇÃO para uma criação artística que se pretende interventiva e inovadora. DISCURSOS, POÉTICAS E IDENTIDADES FEMININAS NAS AULAS DE ARTE-EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA Bibliografia Abreu, M. S.; Macias, S.; Maciel, M. J.; Pereira P.; Torres , C.; História da arte Portuguesa. Pimeiro volume. Da Pré- História à Arte Islâmica no Ocidente Andaluz. Circulo de leitores, 2007, Gage, J; Colour and Meaning, Art, Science and Symbolism. Simgapore: Thames & Hudson Ltd, 2006 Henriques, A. M. E; Moura, A. A. C.; Santos, F. A.; Manual da calçada Portuguesa, Direcção Geral da Energia e Geologia, 2009 Henriques, P. “Entre o chão e o infinito. Calçadas, azulejos e mosaicos de Eduardo Nery”, in Eduardo Nery, Exposição Retrospectiva Tapeçaria, Azulejo, Mosaico, Vitral [1961-2003], IPM, 2003 Reinvenzioni. 28 artisti alla scuola di spilimbergo. Longo Editore, Ravena, 2000 Stiles; K. Selz; P; Theories and documents of contemporary art. A sourcebook of Artists’ Writtings, University of California Press, 1996 Sissa Aneleh Batista de Assis Mestre em Artes Universidade Federal do Pará - Brasil Resumo: Este artigo se propõe a refletir sobre a minoritária presença de artistas mulheres e suas obras nas aulas de arte. Procura incentivar as professoras e os professores de arte a inclusão da arte das mulheres em suas aulas para se desenvolver uma completa educação crítica, analítica e estética dos alunos e alunas sobre a expressão artística feminina. Palavras-chave: História da Arte, Mulheres Artistas, Identidade, Arte-educação. Title: Discourses, poetics and feminine identities in class art education contemporary. Abstract: This article aims to reflect on the minority presence of women artists and their works in art classes. Seeks to encourage the art teachers for the inclusion of women in their art classes to develop a complete education critical, analytical and aesthetic of the male and female students about artistic expression female. Keywords: History of Art, Women Artists, Identity, Art education. A arte porque ela é moral e social é um luminoso instrumento de comunhão entre todos os seres do Universo. Elysio de Carvalho1 O presente artigo discorre sobre as aulas de arte e a ausência ou pouca presença das obras de artistas mulheres da História da Arte até os tempos atuais. Seu intuito é provocar a reflexão de professores e professoras de arte sobre os deveres essenciais para um consciente trabalho de docência na arte. O maior objetivo deste artigo é incentivar o uso das obras e da história das mulheres artistas nas exposições visuais das aulas de História da Arte ou de outras disciplinas afins para promover uma práxis artística mais 18 pluralizada, analítica e comparativa na educação artística. 1 Carvalho Apud Barbosa, A. M. (2001). Arte-educação no Brasil (4º ed.). São Paulo: Perspectiva. ISBN: 19 "For the first time, he touches the wall not as a support, nor as an obstacle or something to lean on (all of which might equally have left prints, none of which will have counted, will have done this work–at least not until this work has been done), but as a place, if one can touch a place. Only as a place in which to let something of interrupted being, of its estrangement, come about" (Nancy, 1996; 75, 76). To achieve this kind of “defamiliarization” or “estrangement” like the first painter, we had to act as observers of our own hands and body as well as of our own acts as if it was the first time. Thereby we had to perceive our hands as independent entities, as something out of us, outside of our own body experience. Defamiliarization, as a scientific approach, is based on the consideration that any identity (object, action, place or being) must be placed outside of ourselves in order to be critically known, independently from our daily lives and beliefs. “For the observer an entity is an entity when he can describe it. To describe is to enumerate the actual or potential interactions and relations of the described entity. Accordingly, the observer can describe an entity only if there is at least one other entity from which he can distinguish it and with which he can observe it to interact or relate. This second entity that serves as a reference for the description can be any entity, but the ultimate reference for any description is the observer himself.” (Maturana, 1980; 9) “Handmade” Experiences of recognition such as weight, softness, warmth and movement that usually are not relevant at a first contact, and we considered hands as the basic instrument for exploring the unknown, avoiding prejudices coming from visual data such as our specific way of dressing, age, gender, social role or ethnic group . We wanted to make the students be aware of the perception inputs linked to ideology but also make them concerned about unusual facts such as voice, tone and speech fluency, registered by other senses like hearing or even the smell as the most primitive sense that provokes most durable memories. This action introduced different viewpoints of approachment and made a statement for the experimental character of the workshop’s further experiences. In fact, when students were finally able to see who they were with and how the space of the class was, they “lost their voice”. Without voice, our hands draw signs in the air. Participants introduced themselves in a video only by using their hands. By watching the videos we realized the difficulty of exploring the freedom of hands because our imaginary sign language is still ruled by stereotypes. Most of the participants reproduced image symbols with their fingers rather than expressed emotions with gestures. For example in order to say “I like it” they picked up their thumb, or formed a heart. Most of them used their whole body to show actions like cycling, or skiing. Generally, we managed to understand what they were trying to say, and we observed that a lot of hand-gestures are common in all countries. Although we all speak different languages “The hand is the only speech that is natural to man… which, without teaching, man in all regions of the habitable world does at the sight most easily understand.”(Bulwer John, Chironomia, 1644 en Donald Mac 1975; 1) We observed hands either as a whole or regarding at their different parts: fingers, thumbs, fingertips, wrists, palms. There are a considerable amount of studies that connects the progress of human brain with hands. Nevertheless it’s difficult for us to consider such an importance, mainly because we are living in an oculocentric world, where vision is our principal way of perceiving. Without view, just leaving our hands to look out for the clues, in the very beginning of the course, we disabled the sense of sight to approximate each other only by touch, pressure, caress, handle and palpate. Touch produces different sensory information to that provided by the eye... it’s not just reactive but also active (Sherrington, C. 1906 The Integrative Action of the Nervous System, en Sennet, 2009; 189). Without seeing, without voice, without hearing, little by little we went on removing our information layers until we managed to lose our memory. We were left “without prejudices” and “without restricting thoughts” having achieved a first approach on our defamiliarization process. Then, we wrote a list of all those dispersed variables that describes hands in order to find out what a hand is: Which are the limits that define it? A hand with: five, four, three, two, one finger. A hand with no fingers. When hands are not linked with brain, far from desires and projects, they change into images – kind of representations of our sensations, emotions, wills, actions, passions and motives –. And through multiple associations of images, we could discover unknown variables that could be joined in new categories, in an attempt to make a cartography of hands, an exhaustive taxonomy inspired from the method carried out by Aby Warburg (2010). There on a blackboard of 10m long, we discovered our hands. We set this new circumstance in order to shorten the distance between sight and the “seen”, and of perception itself, claiming knowledge as an experiencing rather than only looking or just thinking (both detached/distant approaches to perception). By this way we took under concern other facts 20 21 Meanwhile, in our “in-betweens” when we weren’t manipulating anything, we were knitting as an action that joined together all workshops’ activities. We learned how to knit the first day and like our ancestors we were unceasingly fabricating textiles in different colors and shapes, without thinking, just leaving our hands to move, repeat and produce. "To repeat again and again an action is stimulating when it is organized looking ahead. The substantial thing of the routine can change, transform and improve, but the emotional compensation lies in the personal experience to repeat. This experience is nothing strange, we all know it: is rhythm. Already present in the human heart contractions, the artisan has extended it to his hands and eyes." (Sennet, 2009; 216,217) And then, ready to go beyond limits, we went to Prado Museum to look for “monster hands”. The term monster hand was the metaphor used to describe the hands which, physically or representatively, extend or lose their limits. The challenge was to convert the visit to a classical museum in an estrangement experience by “the monster hands hunting”. Velazquez, El Greco, Goya, Ribera among many other painters offered us a large collection of hands that could be considered as monster hands. They revealed us that hands are deformed when feelings, pain, madness and utility is more important than their image, like in life. The best interpretation about monster hands came from a girl of the group who after seeing the dim hand of the painter in “Las Meninas” she observed that it was impossible to distinct his hand from the paint brush, they were like one. Definitely for Velazquez his hand was his paintbrush, his life was painting. And now without boundaries, we just left our hands to move, manipulate and extend their limits until they were transformed into “monsters”. Making monster hands liberates people from the need to make a “perfect” hand, similar to a real one. The variety of hand production was impressive and we were all surprised by our small creations that were far more interesting than some of the references showed during the session. A hand that was a whistle; two hands pasted together; a box-hand; a long-nail hand. Daniel Miller’s words from his introduction to the exhibition ‘the power of making” (A&V Museum, London) seemed the best reference: “Feel for yourself that sense of achievement and exhilaration when you see in front of you the finished object of your labor, and how that object has in turn made you more than you otherwise had been.” (Miller, 2011; 15). While the construction of the monster hands was taking place, a conference and dialogue about the monster hands of comics and cinema was carried out. Several movies opened a discussion about the relationship between hands and mind like “The Thing of The Addams Family”, The Hand, The beast with the five fingers and more. “Edward Scissorhands”, X-men, and the hands of “Superheroes” gave space to speak about how the anatomy of the hand has been an inspiration to movie directors. We couldn't go on knitting with such monster hands, so we started moving them. Perform without thinking, just leaving our hands to act independently. We had to make a dialogue in groups of three just using our hands. We started from an introduction to Sign language and its unique linguistic use of space… that is amazingly complex, for much of what occurs linearly, sequentially temporally in speech becomes simultaneous, concurrent, multileveled in Sign (Sacks, 1990; 88). However, most of the participants inserted mimetic and theatrical elements in their narrations. Hands were aptly used in cases but in others it was difficult to recognize their intention, lost in the amount of movements. This caused a difficulty in communication that had as a result a lack of interaction after the presentations. However, in the preparation of the exercise people did interacted a lot within their teams working with interest in the creative part of the exercise. Later we were taught the basis of flamenco dance; like all parts of human body, hands are an articulated extremity of expression that explores and helps to be located in space, find references and discover the body axis in balance. Hands in flamenco break the harmony and balance of the lines that arms create. Flamenco hands moves inward and outward, transmitting strength, freedom and allowing improvisation; hands are mysterious and reflect the most intimate and intense human feelings. Variants according to the different origins, places or interpreters, gives at flamenco styles not only richness but a proper character which is reflected in the expression of hands. In the “soleá” they are dramatic, in “tangos” are festive in “bulería” are spontaneous, in “farruca” are brave and in “seguiriya” are tragic. The meaning of the hands in flamenco is linked to each of those styles as part of the ritual of a collective participation accompanied by singing, dancing, guitar and percussion, whose common denominator is the rhythm. You can get 700.000 different positions; using combinations of arms, the wrists and fingers (Davis, 1998) depending on the cultural, natural, social, familiar or personal experience, these positions will have different meanings, allowing multiple options for hands action in dance. To explain the great flexibility, mobility and expressiveness of hands several studies come to the conclusion that the human brain cortical fields for hands and fingers are much more extensive and differentiated than those corresponding to other segments of the body members. They are ten times more important than this were feet are involved (Schinca, 1988). It’s interesting to observe the transformation that the previous dialogues in sign language suffered by introducing flamenco elements. The participants’ body attitude turned out to be more relaxed, open and spontaneous than it was before. Their facial expression showed what was also confirmed verbally; they were confident and satisfied. We spent this night in a flamenco spectacle, 22 23 where all participants were really impressed by the flamenco dance and music. guide us. As real “supporters” of Arendt’s philosophy, we perceived action as the only possibility for something new and inedited to appear in our world: any action triggers other action (Barcena, 2006; 194). While acting we were not aware of what we were doing; we first acted and then, we reflected on our action and its outcomes. In this playground, by closing the course, we made with all of our knitting textiles a scarf; an overall metaphor for the whole course that looked like an artwork. An educational project of collaborating hands where the resemblance of the Dadaist “exquisite corpse”, is seen as a different way of learning through a collective consciousness of a sense of diversity, empathy and synergy. Next morning we learnt how to play the castanets. Music, made hands to move by their own. Introduce castanets in a ludic way motivated the group and worked as a cohesive element. Participants did collaborate in space and time and managed to keep the rhythm and the “compas” of “seguiriya” at once. Just an amazing collective sound emerged as hands drew shapes freely in the air looking for personal expressive movements. The learning intensity was increasing and the course temperature was out of control allowing an “unpredictable” to happen: One of the students showed us some movements coming from Japanese martial art Ninjutsu that involve hands as an instrument. Like a magician in the forest, he made us to leave our barriers apart, and body contact worked as a significant catalyst that led to reset time and space, establishing an unexpected relationship among hands and bodies and bodies between them. - - And from that typical beauty of castanets’ Spanish sound, we passed through handy sound to a new peculiar task consisting in producing a new mobile’s ringtone, mainly made with hands, but emphasizing the need of coordination and collaboration of the team members in more than a sensory level. The participants worked together not only in the interpretation of the new sound but also in the production and experimentation of it. This process alerted senses like hearing and kinaesthetic, often forgotten in the academic environment. The last day the participants made a video in the city of Madrid. The video should take place in the metro, in a mall, in a square, in a Chinese shop, in a Spanish bar, in a public toilet, in a cinema etc. Participants, in teams of four, should interact with people in the streets without speaking since their hands were the protagonists. This last exercise resulted extraordinarily motivating. All of them were implicated in a both sentimental and ludic way. They experimented with most of the “concepts” introduced along the workshop like knitting, castanets, sign language or monster hands. Their major surprise, and of ours as well, was the effect that communication and interaction with everyday people in the streets, metro, bars and shops, can have in the intensity of our emotions and perception of the city and of life. Conclusion - - - Bibliography BÁRCENA, Fernando. 2006. Hannah Arendt: Una Filosofía de la Natalidad. Barcelona: Ed. Herder DAVIS, Flora. 1998. La Comunicación No Verbal. Madrid: Alianza Editorial S.A, DONALD, Mac C. 1975. Silent Language, London: Butterworth MATURANA, Humberto. 1980. Biology Of Cognition, As Reprinted in Autopoiesis and Cognition: The Realization of the Living. Dordecht: D. Reidel Publishing Co.: pp. 5-58, Accessed August 10, 2012. http://www.enolagaia.com/M70-80BoC.html#VI NANCY, J. L. 1996. The Muses, Stanford: Stanford University Press MILLER, D. 2011. The Power of Making (pp 15-23), Exposition Catalogue “The Power of Making” at Victoria and Albert Museum PACHECO, Lourdes. 2004. El horizonte epistémico del cuerpo. Región y Sociedad, Vol.XVI. No 30: pp. 185-194 SACKS, O. 1990. Seeing Voices: a journey into the world of the deaf, New York: Harper Perennial SENNET, R. 2099. El Artesano, Barcelona: Anagrama SCHINCA, Marta. 1988. Expresión corporal. Madrid: Ed. Escuela Española, S.A. WARBURG, A. 2010. Atlas Mnemosine, Madrid: Akal Comics Frank Miller (w), Frank Miller, Klaus Janson (p), Klaus Janson (i)] Daredevil #174, Sept . 1981 Marvel Comics Group. Akira Yoshida(w),Christian Gosset(p), Jonathan Glapion(i)] Elektra The Hand # 2, (Nov. 2004 - Feb. 2005) Marvel Comics Group. Edición Española, L9D, La Novena Dimesion, 2010. Filmography Adams family Values. Dir. Barry Sonnenfeld. Orion Pictures Corporation, Paramount Pictures. 1993. Wide Screen Collections, 2001.DVD Edward Scissorhands. Dir. Tim Burton, Twentieth Century Fox Film Corporation, 1990. Odeon, 2000. DVD The Beast with five fingers. Dir. Robert Florey, Warner Bros. Picture, 1947. IMDb: The Internet Movie Database. Web. 12 June 2012. http://www.imdb.com/title/tt0038338/ The Hand. Directed by Drew Baldwin, Atom TV, 2008. Metacafe. The Video Entertainment Engine. Web. 12 June 2012 http://www.metacafe.com/watch/1946985/the_hand/ The Hand. Dir. Oliver Stone. Orion Pictures Corporation, Warner Bros. Picture,1981. Twisted Terror Collection, 2007. DVD Definitely, we deeply experienced the city, art and life like a playground where we left our hands to 24 25 II Encontro internacional Educação artística Comunicação Porto provações e dos seus sofrimentos expressos na sua própria linguagem; e retratar as condições das suas casas e das suas famílias, a estas, acrescentámos a descrição das festividades associadas a rituais culturais/religiosos, levados a cabo pela comunidade. Com base neste património vivencial, concebemos os materiais didáticos, nos quais recorremos à ilustração infantil para formalizar visualmente os conteúdos (fig.2), e que posteriormente apresentámos aos alunos da aldeia (fig.3). No nosso entender, a Educação não deve perder o seu sentido humanizador, abrindo o horizonte de cada aluno, apresentando-lhe desafios que o coloquem face a si mesmo, aos seus Título: Espaço e imagem, Abstracção e materialização. Dois exercícios de investigação em geometria. Autor: João Cabeleira Filiação institucional: Escola de Arquitectura da Universidade do Minho Resumo: No âmbito do ensino da geometria em arquitectura propõe-se a reflexão sobre dois exercícios elaborados com os alunos da EAUM. Sendo ao longo do ano lectivo explorada a representação do espaço abstracto e espaço arquitectónico concreto, estes exercícios constituem a síntese de princípios basilares ao levantamento arquitectónico, representação e ensaio espacial. O primeiro exercício explora uma selecção de pinturas (Leonardo, Rafael, Bellini, Dürer, Hooch, Hoogstraten e Witte), solicitando-se aos alunos a desconstrução perspéctica do espaço pictórico obtendo as suas projecções ortogonais (planta, corte e alçado) e projecções oblíquas (axonometria militar). Por outro lado, o segundo exercício pressupõe a construção de máquinas de desenho (Lanci, Stevin, Cigoli, Scheiner, Kircher, Zahn, Wollastron), registando-se o seu projecto (explosão axonométrica), e aplicando-a à representação de um espaço real para através da imagem obtida se verificar as leis da perspectiva (desconstrução). Palavras-Chave: Sistemas de Projecção, desconstrução perspéctica, máquinas de desenho, levantamento arquitectónico. sentimentos e às suas perceções da vida e do mundo. No nosso caso particular, este estudo pretendia trazer aos alunos a possibilidade de partilharem e vivenciarem, através de uma experiência lúdica e narrativa, a história da aldeia através da vivência dos seus habitantes (alguns deles avós dos alunos). Pretendia ainda trazer aos alunos, a perceção da riqueza das suas raízes biográficas e identitárias, invocando, dentro do espaço letivo, aquilo a que Patrício (1983:2) refere como: uma dimensão pedagógica que pondere o seu equilíbrio com as características humanas do educando. Ora dentro de uma sociedade diariamente mais globalizada, em que as identidades sociais e culturais dos alunos são remetidas para planos menos privilegiados, onde a memória e o seu relato já não encontra o mesmo espaço nas rotinas diárias das famílias, urge, enquanto educadores, encontrar uma forma de transmitir e preservar o património cultural para gerações futuras, sabendo simultaneamente enquadrar e equilibrar as diversas referências identitárias que nos chegam pelos meios de comunicação, como aponta Hans D’Orville (Director do Bureau of Strategic Planning da UNESCO). Partindo das preocupações apresentadas, e recorrendo a entrevistas semiestruturadas; registos áudio; vídeo; registos gráficos e fotográficos, levámos a cabo a recolha de informações que nos possibilitou construir esta investigação e os seus materiais. Após a aplicação dos materiais didáticos, procedemos, numa última fase, à recolha de opiniões e à captação das memórias mais presentes, através de registos gráficos efetuados pelos alunos, sobre todo o projeto que desenvolvemos com o grupo de estudo. Fazendo um ponto de situação dos resultados obtidos, podemos confirmar que os materiais demonstraram ter proporcionado aos alunos, aspetos interessantes e positivos, entre os quais: - Relevância no processo de ensino/aprendizagem dos conteúdos a que nos propusemos, uma vez que os alunos alcançaram alguns níveis de pormenorização dos fatores abordados, e mantiveram as suas descrições da “vida de antigamente”, em grande conformidade com o que lhes foi transmitido por nós, através dos materiais didáticos. - Maior objetividade na forma de intuir o propósito, e a importância que as histórias podem representar na formação dos próprios alunos. Estes situaram o potencial das histórias e o ato de as partilhar, dentro das preocupações de salvaguarda das tradições, e dentro do domínio do ensino/aprendizagem, o que 26 27 nos surpreendeu por percebermos a dimensão pedagógica que as crianças atribuíram aos materiais história e sobre as particularidades que a tornam singular. Permitindo dessa forma, o início de um apresentados. percurso de identidades partilhadas dentro de uma mesma história. - Interesse pelo passado e pela preservação do mesmo, através do reconhecimento de elementos que simbolizam as tradições locais, e a importância de fazerem com que este perdure em futuros próximos. Podemos referir que, o decorrer desta investigação, trouxe-nos o privilégio de poder assistir e participar num percurso importante no âmbito do desenvolvimento pessoal dos alunos, uma vez que os passos desta investigação foram marcados por vários espaços temporais entre 2008 e 2009. Acreditamos poder afirmar, com relativa segurança, que os materiais apresentados auxiliaram os alunos no preenchimento de uma lacuna considerável, ao nível do conhecimento relativo às antigas vivências da aldeia. Através da leitura de relatos posteriores, redigidos pelos alunos acerca da aldeia, constatámos que o “guião informativo” que tínhamos seguido na apresentação dos materiais, foi em grande parte reproduzido por estes, revelando dessa forma uma boa apreensão dos conteúdos e dos Fig.1 (aldeia de Santana do Campo) diversos pormenores. Deparámo-nos ainda com relatos completados com ilustrações “inspiradas” nos materiais didáticos que apresentámos e com fotografias da aldeia, demonstrando assim, entre outras possibilidades, uma dimensão participativa e interessada sobre a temática. Como balanço final do processo inerente à investigação, podemos referir enquanto agentes educativos, que a dinâmica alcançada nos momentos em que estivemos com o grupo de estudo e a participação que estes demonstraram, foi um fator importante que nos leva a considerar a importância da conceção de “suportes didáticos” desta natureza, para a nossa prática profissional e para outros contextos de interação educativa. Além do já relatado, retemos desta investigação a atenção com que os alunos, se situaram a ouvir e participar nos relatos que tomaram lugar; o prazer que demonstraram ao manipular os materiais que lhes levámos; a descoberta dos pormenores que introduzimos e tentativa de compreensão das imagens e dos contextos sociais e culturais retratados. Neste sentido, a dimensão visual revelou-se Fig.2 (festividades; família; atividades laborais) extremamente útil na veiculação de referências sobre a cultura local (uma vez que percebemos ser difícil, para os alunos, situarem-se nas histórias da aldeia apenas por relatos orais). Para terminar, devemos ainda referir a positividade que julgamos ter sido possível alcançar através deste estudo, apesar de ser multifacetado ao nível das peças fundamentais que já referimos, estamos em crer que foi possível entrelaçar caminhos que confluíram expressivamente num propósito comum: Um desejável equilíbrio entre o desenvolvimento sócio afetivo, humano e sensorial, mediados por conteúdos afetos aos materiais didáticos de autor que concebemos, possibilitando assim a demonstração da aquisição de conhecimentos sob uma perspetiva do local envolvente, sobre a sua 28 29 Fig.2 Fig.3 30 31 II Encontro internacional Educação artística Comunicação Espaço e imagem, Abstracção e materialização. Dois exercícios de investigação em geometria. Porto Âmbito Título: Espaço e imagem, Abstracção e materialização. Dois exercícios de investigação em geometria. Sendo a geometria uma ciência fundamental à arquitetura, a Unidade Curricular de Geometria na EAUM promove processos abstratos intrínsecos aos diferentes sistemas de projecção, o reconhecimento de estruturas formais e a prática do desenho de arquitetura nos seus vários propósitos. Assim, aos exercícios de reconhecimento do espaço projetivo, propõem-se investigações onde à análise, representação e estratégia comunicativa do espaço, se somam dados da cultura científica, artística e arquitetónica. Ponto de Partida Autor: Ambas as investigações partem do reconhecimento da teoria do desenho arquitetónico tendo por base o Dispositio vitruviano e os avanços proporcionados pela conceção moderna do arquiteto e da sua disciplina. Filiação institucional: Em De Architectura Libri Decem (40 a.C), Vitrúvio organiza o desenho, modo de obtenção de uma harmonia racional assente na geometria, segundo três fatores: Ichnographia (planta); Orthographia (alçado); Skenographia (operação mental de cruzamento entre planta e alçado). Por sua vez, em De Re Aedificatoria (1485), Alberti associa o desenho à distinção entre conceção e construção, pertencendo a primeira ao campo de ação do arquiteto e a segunda ao do construtor. Contudo, Alberti, negligenciando a operatividade da perspectiva, restringe o desenho do arquiteto ao registo de verdadeiras medidas e ângulos, vinculando-o à objetividade da conformação espacial e reforçando a cientificidade da prática arquitetónica. João Cabeleira Escola de Arquitectura da Universidade do Minho Resumo: No âmbito do ensino da geometria em arquitectura propõe-se a reflexão sobre dois exercícios elaborados com os alunos da EAUM. Sendo ao longo do ano lectivo explorada a representação do espaço abstracto e espaço arquitectónico concreto, estes exercícios constituem a síntese de princípios basilares ao levantamento arquitectónico, representação e ensaio espacial. O primeiro exercício explora uma selecção de pinturas (Leonardo, Rafael, Bellini, Dürer, Hooch, Hoogstraten e Witte), solicitando-se aos alunos a desconstrução perspéctica do espaço pictórico obtendo as suas projecções ortogonais (planta, corte e alçado) e projecções oblíquas (axonometria militar). Por outro lado, o segundo exercício pressupõe a construção de máquinas de desenho (Lanci, Stevin, Cigoli, Scheiner, Kircher, Zahn, Wollastron), registando-se o seu projecto (explosão axonométrica), e aplicando-a à representação de um espaço real para através da imagem obtida se verificar as leis da perspectiva (desconstrução). Palavras-Chave: Sistemas de Projecção, desconstrução perspéctica, máquinas de desenho, levantamento arquitectónico. A noção é superada por Rafael que, na carta a Leão X (1519), deixa de delimitar o desenho do arquiteto à planta apontando um verdadeiro sistema que constituirá, daí por diante, o núcleo central da produção gráfica da arquitetura. “E porque o modo de desenhar que melhor pertence ao arquitecto é diferente daquele do pintor, direi o que acho conveniente para a compreensão de todas as medidas e como encontrar todas as partes do edifício sem erro. O desenho que então pertence ao arquitecto divide-se em três partes das quais a primeira é a planta, ou – como costumamos dizer – o desenho no plano; a segunda é a parede de fora [alçado], com seus ornamentos, e a terceira é a parede interior [corte], também aí com os seus ornamentos.” A estas projecções Rafael acresce a perspectiva: “E, para ainda satisfazer amplamente o desejo daqueles que amam ver e compreender bem as coisas que serão desenhadas, agora temos - além dos três modos de desenhar a arquitectura acima referidos – desenhado ainda a perspectiva de alguns edifícios que nos aparecem aos olhos, como se os pudéssemos ver e julgar a graça de tal semelhança que apresentam na bela proporção e simetria dos edifícios, o que não aparece no desenho dos que são medidos arquitectónicamente” Concluindo a sua conveniência ao arquiteto: “E, se bem que este modo de desenho em perspectiva seja próprio do pintor, é, no entanto, conveniente ao arquitecto. Porque, tal como ao pintor convém a notícia da arquitectura para saber fazer os ornamentos bem medidos e com a sua proporção, assim ao arquitecto se procura conhecer a perspectiva porque com tal prática melhor se imagina todo o edifício fornecido dos seus ornamentos.” É pois sob esta simultaneidade operativa dos vários sistemas projetivos que se move a estratégia dos exercícios de investigação. 32 33 1º Exercício Em A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica explora-se uma seleção de espaços pictóricos através das obras de: Leonardo (Última Ceia, 1497); Rafael (Casamento da Virgem, 1504); Bellini (Nossa Senhora com os Santos, 1505); Dürer (Apresentação de Cristo no Templo, c.1514); Hooch (O quarto, c.1660); Hoogstraten (Ilusão Perspética, 1662); e Witte (Interior com mulher ao cravo, c.1665). Neste âmbito é não só pertinente a exploração da perspectiva enquanto simulação do espaço arquitetónico (ensaiando articulações e soluções da gramática construtiva, preconizando a metodologia projetual emergente a partir do renascimento) como a capacidade de registo de ambientes, reconhecendo a realidade física. A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica. Leonardo da Vinci, Última Ceia (1497): Nuno Campos. Rafaelo Sanzio, Casamento da Virgem (1504): Eugénia Leite, Filipa Pereira, Isabel Coelho. Pieter de Hooch, O Quarto (c.1660): Ivo Barbosa, Lucas Carneiro, Miguel Pinto. Samuel Van Hoogstraten, Ilusão perspéctica (1662): Isabel Machado, Paulo Ferreira, Pilar Gordilho. 2º Exercício A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica. Fichas do enunciado; Imagens propostas a análise Sendo que cada grupo de investigação elege uma das obras, os alunos iniciam o processo na análise da imagem caracterizando o espaço representado (volumes, planos, arestas, pontos, proporções e elementos da construção), prosseguindo na identificação e avaliação da estrutura perspética (Linha de horizonte, linha de base, pontos de fuga, ponto de vista). Esta exploração dos conteúdos da imagem, segundo uma teia de traçados, permite reconhecer o espaço exposto e comprovar as leis que estruturam a sua simulação ótica (detetando-se em alguns casos incongruências na valorização do efeito visual em detrimento do rigor métrico e angular, estamos perante pinturas de cavalete e não projetos de arquitetura). Por sua vez, a aplicação de processos de desconstrução, essencialmente assentes no contra rebatimento e aferição de verdadeiras grandezas, permite a obtenção das propriedades matemáticas e geométricas do representado convertendo-o agora em projeções ortogonais (plantas, cortes e alçados), o que permite a sua simulação segundo projeções oblíquas (axonometria cavaleira ou militar). A axonometria do espaço, que no caso dos espaços interiores é aplicada de acordo com a explosão dos elementos envolventes, explora outro modo de simulação tridimensional que, não condicionada à inclusão do observador e à estruturação da imagem a partir de um ponto de vista, está mais próxima de um modo analítico de representação e não de simulação da visualização do espaço. Nesta sequência de operações alinham-se os objectivos gerais da investigação: Reconhecimento e análise da imagem perspética de um espaço; Identificação das transformações operadas pela perspetiva sobre forma, medida e relação entre as partes; Aplicação de nomenclaturas e especificidades geométricas de cada sistema projetivo; Cruzamento de diferentes modos de representação; Capacidade de reconhecer e representar um mesmo espaço de acordo com os diferentes sistemas de projeção. 34 Em Máquinas de Desenho: Entre o mito da visão objetiva e a ciência da representação, pressupõe-se a construção e exploração de aparatos (máquinas) de desenho. Aos alunos foram apresentados: o Instrumento Universal (1557) de Lanci (concebido como aparato matemático para medir terrenos, distâncias em planos verticais, horizontais ou inclinados); o Perspetógrafo (1605) de Stevin (superando o modelo de Dürer, é desenvolvido para a demonstração das leis geométricas da perspetiva e matemática, como para retratar estruturas militares); o Perspetógrafo em Cruzeta (1613) de Cigoli (continua a tradição matemática na determinação das coordenadas da interseção dos raios visuais com o plano do quadro e tem como objetivo o levantamento territorial reconhecendo a sua imagem e propriedades métricas); o Pantógrafo (1631) de Scheiner (um paralelograma de réguas que possibilita a ampliação e redução proporcional de desenhos através da aplicação das transformações homotéticas); o instrumento Mezóptico (1646) de Kircher (combina as propriedades do perspetógrafo de Dürer com as da lanterna mágica); a Câmara escura portátil (1685) de Zhan (parte dos princípios enunciados por Alhazen na compreensão do funcionamento do olho); e a Câmara Clara (1806) de Wollastron (que supera a câmara escura ao possibilitar o seu uso sob quaisquer condições luminosas). A partir da abordagem destes exemplos afere-se da coincidência de interesses entre arte e ciência e das capacidades das máquinas de desenho enquanto auxiliares na interpretação de fenómenos naturais, análise da realidade visível, produção de imagem, e aptidões ao nível da demonstração de princípios teóricos da óptica, matemática e geometria. Máquinas de Desenho: Entre o mito da visão objetiva e a ciência da representação. Fichas do enunciado 35 Perante estas hipóteses cada grupo de trabalho escolhe uma máquina procedendo ao seu estudo, conceptual e construtivo, tendo em vista a construção de um modelo. Neste âmbito o projecto da máquina é acompanhado pelo desenho, no qual se resolve a sua forma, medida e funcionamento, sintetizado numa explosão axonométrica (devidamente cotada) que expõe o mecanismo, identificando cada um dos seus componentes e modos de encaixe. Posteriormente, a construção da máquina permite a demonstração dos princípios que regulam a perspetiva, confrontando os processos abstractos estudados ao longo do ano com a sua materialização em modelo. Nessa verificação da regra é elaborada uma representação do real, empregando a máquina produzida, que posteriormente é sujeita a análise aferindo os elementos abstractos que estruturam a imagem perspética. (desconstrução da imagem obtida, restituindo o espaço real e identificando elementos estruturantes da perspetiva). Cumprem-se assim os objectivos do exercício: Demonstração dos princípios ópticos e projectivos abordados no programa; Relacionamento entre os enunciados abstractos e a prática da representação espacial; Articulação dos diferentes métodos de projecção; Capacidade de reconhecer, materializar e representar mecanismos de comprovação de valores abstractos. Enquanto meio para conseguir um fim que é exterior ao desenho, a execução material do projeto que nasce da ideia do arquiteto, o desenho de arquitetura poderá ser classificado como intermediação entre a ideia, o Disegno interno, e a execução da obra. De acordo com Sainz (2005, 13) “O arquiteto tem três formas de expressar as suas ideias – em especial as relativas à arquitetura – e de comunicálas aos demais: a linguagem natural, a linguagem gráfica e a linguagem arquitetónica. A primeira corresponde ao que normalmente identificamos como os seus ‘escritos’; a segunda tem que ver com os seus ‘desenhos’; e a terceira faz referência às suas obras.” Nesta linha o desenho da arquitetura emerge como estado intermédio entre o pensamento e a ação construtiva, traduzindo em códigos geométricos princípios da linguagem dos espaços e das formas. Bibliografia ACKERMAN, James. Architettura e Disegno. La rappresentazione da Vitruvio a Gehry. Milão; Electa, 2003 /CABEZAS, Lino. 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Baldassare Lanci, Instrumento Universal (1557): Daniel Carvalho, Gil Lima, Joel Dinis, Leandro Oliveira; Simon Stevin, Perspectógrafo (1605): Ana Carina, Hugo Lobo /Ana Soares, Diogo Lopes, João Fonte, Jorge Fernandes, Pedro Paiva. Cigoli, Perspectógrafo em Cruzeta (1613): Bianca Galli, João Amaro, José Brandão, Mónica Castro. Scheiner, Pantógrafo (1631): Elisabete Monte, Marta Martins, Nicole Abreu, Vera Moura; Johannes Zahn, Câmara obscura portátil, (1685): Ana Alexandra Rodrigues, Luís Maciel, Marisa Fernandes. William Wollastron, Câmara clara (1806): Ana Guerra, Bruna Alves, Márcia Domingos, Maria Novais. Conclusões De ambos os exercícios deveremos apontar a aplicação de uma metodologia de projeto assente na análise, questionamento e reorganização de dados reconhecendo conteúdos científicos inerentes à prática e cultura arquitetónica. Como tal os exercícios pressupõem a elaboração de um portfólio de investigação (reunindo e sistematizando conteúdos), a produção de processo de desenho (onde se evidenciam as diferentes fases da conceção e análise dos elementos pedidos), e a elaboração de modelos e pranchas de desenho (evidenciando o cruzamento de diferentes modos de projecção e expressando capacidades de registo e comunicação dos dados obtidos). Por outro lado, a capacidade de verter os processos projetivos na articulação, construção e desconstrução de projeções expõe modos de pré-visualização do espaço real e projetado tendo presente o rigor métrico inerente aos processos geométrico/matemáticos aplicados nos processos de levantamento e conceção arquitectónica. 36 37 0 O professor em busca da formação continuada tendo as tecnologias contemporâneas como veículo Ms. Adriane Camilo Costa SME-Goiânia adriane.camilo@gmail.com consideravam que a poluição era um mal necessário para o desenvolvimento industrial e económico da região. Também envolveram-se no trabalho alguns estudantes e professores das aulas de educação visual que criaram com a equipe o cenário e os figurinos do espetáculo. Processo de trabalho. No mundo contemporâneo tecnologias estão cada vez mais presentes no cotidiano, e algumas instituições de ensino ficam sem saber como inseri-las de maneira proveitosa no currículo e se abastecem dessas novas tecnologias, fazendo dos aparelhos tecnológicos bens materiais sedutores que não contribuem para a construção de conhecimento sistematizado. Professores de diversas áreas do conhecimento têm procurado formas de interação entre as linguagens do cotidiano de seus alunos, os aparelhos tecnológicos que a instituição de ensino oferece, e o conteúdo curricular a ser trabalhado. Neste artigo discuto o trabalho que realizo com professores da Rede Municipal de Educação de Goiânia (Goiás-Brasil) sobre a programação televisiva que, como produtora de cultura, possibilita modos diversos de compreensão e entendimento e pode ser mediada e cogitada nos espaços institucionais de ensino. Por acreditar que é possível propor e realizar ações de aprendizagem mais prazerosas e significativas pesquiso o cinema na educação há algum tempo, sempre com o foco nos estudantes, na maioria das ações com crianças entre oito e treze anos de idade. Percebendo que as escolas municipais de Goiânia, têm um número significativo de projetos que envolvem o audiovisual em seu Plano Político Pedagógico, direcionei minha pesquisa em observar e discutir essas ações, seus caminhos e resultados através da prática de professores que se empenham na busca de inserir as tecnologias vigentes em sua prática pedagógica, e que buscam contato mais interativo com os elementos da narrativa cinematográfica e que acreditam que esse material dialoga com o desenvolvimento cognitivo. O audiovisual tem lugar cativo na contemporaneidade imagética na qual estamos inseridos. Os equipamentos hoje encontrados no mercado, são dos mais diversos e alguns com preços bem acessíveis, o que possibilita uma boa parcela da população adquiri-los, além da extraordinária facilidade de conseguir efeitos especiais antes, durante e posterior a captação de imagens. Por essa razão, 38 O que queremos dizer no nosso teatro. Em primeiro lugar do nosso mal estar numa sociedade onde o consumo tem a primazia na nossa vida quotidiana e como este consumo é causador de poluição de degradação do ambiente. Depois de como somos também responsáveis juntamente com as indústrias da continuidade de uma situação, um beco sem saída, onde as industrias fabricam os bens de consumo e nós consumimos , sem crítica e sem reflexão sobre estes mecanismos. Como fazer tornar-se teatro esta nossa angustia. Tendo por base o texto de Michael End começamos a construir também intertextos nossos que utilizados como o teatro dentro do teatro, isto é, a voz dos próprios estudantes e do encenador (no grande teatro do mundo), que pontuavam um pensar interior dos personagens que os próprios estudantes representavam. Assim foram criadas as personagens sugeridas por Michael End, os seus pensamentos mais íntimos, os seu sonhos de consumo, articulados com a trama e a sua representação cénica. Este trabalho preliminar incluía a dramaturgia, as improvisações , o trabalho de construção das personagens, uma vez que não se tratava de uma peça de teatro mas a adaptação dramática do conto. A criação espacial. Os alunos de educação visual fizeram tomadas de vídeo sobre as lixeiras da cidade, altíssimas montanhas de lixo, cada cidadão criava 20 quilos de lixo por dia. Que foram utilizados no espetáculo como paralelo a sala de aula fechada, isolada dos acontecimentos quotidianos. Construiram com a equipe teatral um dispositivo cénico: as linhas de um grande cubo em perspectiva com aproveitamento de material de desperdício, que simbolizava a sala de aula. 39 Confronto com o público. Os figurinos Durante a visão dos ensaios foram sendo criados figurinos que representavam a individualidade de cada personagem. Como por exemplo a senhora que sonhava com os supermercados: uma “casalinga” italiana, dona de casa com os bobs nos cabelos, seu casaco de peles, e seu carrinho de supermercado. Estes figurinos começaram a ser usados numa fase posterior dos ensaios e ajudaram os “actores” a construir melhor seus personagens uma vez que os aproximavam de personagens da vida quotidiana, ou limitavam seus movimentos ou ainda remetiam para uma memória afetiva próxima de seus familiares ou amigos. Num plano educativo ou artístico/didático os figurinos, para atores não profissionais, funcionavam como um apoio técnico que ajudava a construção do personagem e um signo claro do que pretendiam expressar. Neste caso o “hábito fazia o monge”. O espaço de ensaios como Território Livre e do Erro. A liberdade de se expressar sem “medo” do erro possibilitava não só um campo de experimentação teatral como também a possibilidade de mostrar as inquietações do elenco. Assim fui descobrindo, pouco a pouco, que a maioria dos estudantes já tinham a sua vida predestinada, isto é, iriam trabalhar nas indústrias e negócios paternos. Sentiam-se presos num “sonho” que não haviam escolhido, o que causou um curto circuito, um paradoxo: escolhemos refletir e criticar a poluição mas iremos trabalhar um dia nas indústrias dos nossos pais. Este paradoxo era a tensão que atravessava a construção do trabalho. Transformamos esta tensão em conflito teatral(1): por um lado a recusa de um “sonho” por outro o estar predestinados a este sonho. (1) “O conflito dramático resulta das forças antagonistas do drama. Põe em luta dois ou mais personagens, visões do mundo ou atitudes diante da mesma situação” Dictionnaire du Théâtre – Patrice Pavis – Messiaor/Editions Sociales. Este conflito contaminou todos os ensaios e o espetáculo. A forma encontrada para distanciar o ator do personagem surgiu espontaneamente de um colega perguntar ao outro: “Marcelo o que pensas sobre o paraíso?” O ator “saia” da personagem e dizia a sua opinião sobre o assunto. Que muitas vezes era contrária ao comportamento do personagem. Um conflito que gerou várias discussões durante o trabalho era sobre o final. Ser um final otimista ou pessimista. Não conseguimos entrar em acordo. Conservouse este debate no final do espetáculo, os atores expunham seus pontos de vista e o fim ficava em aberto. Mudamos o sonho ou não! 40 O espetáculo foi apresentado no Teatro de Brescia em duas sessões tendo como público os colegas do liceu, alunos de outros liceus, pais, autoridades e público em geral. O conflito sobre o final gerou um debate com o público onde a maioria dos jovens optava por um fim pessimista, não vendo nenhuma saída para o conflito. Alguns adultos, chamados de “românticos” por alguns jovens, queriam um final otimista, pois a realidade já era bastante pessimista. Este confronto possibilitou uma luta de ideias que enriqueceu e dialectizou a problemática. Gerou também uma tensão entre pais e filhos e muitos consideraram o trabalho teatral, que “deveria” ser um espaço de divertimento, um ato “subversivo” e de crítica a uma sociedade desenvolvida e de bem estar. Passagem da linguagem teatral à linguagem vídeo. Com o acordo e a disponibilidade económica para a feitura vídeo do espetáculo teatral criou-se uma esquipa com os alunos das artes visuais para a linguagem visual do espetáculo. Criou-se um story board onde cada cena foi desenhada em função da linguagem vídeo mas conservando as características originais do teatro. Um confronto entre linguagens para uma maior contundência da obra. Trabalhou-se num estúdio profissional de vídeo onde pudemos entrar em contacto e familiarizarmos com as técnicas e as possibilidades diversas do fazer teatral. As dificuldades técnicas, as longas esperas durante a semana no estúdio foi motivo de tensão e ao mesmo tempo de aprendizagem. Esta tensão entretanto favoreceu a postura dos personagens e uma mais valia para o conflito do drama. Apresentado publicamente numa sessão no teatro de Brescia foi o culminar de um resultado, que malgrado aos que pensam que o processo é que é importante, deu aos estudantes o orgulho e a alegria de serem capazes de criar tanto um espetáculo e um vídeo onde eram os protagonistas absolutos. Reflexões à margem. O Trabalho de três anos com estes estudantes em “território livre” possibilitoume um conhecimento aprofundado da sua condição humana e das suas diferenças e posturas perante a vida encaminhando-me para um saber empírico de como articular a sua diferenças num coisa maior que era a obra comum. O processo embora importante não menorizava o resultado final. Nele os alunos poderiam falar, abrigados na magia do teatro, sobre o seu mal estar, expressar livremente as suas críticas e afirmar-se perante os professores como seres completos e não simplesmente objetos a ser educados. A perplexidade demonstrada por muitos dos professores perante o rigor, o entusiasmo no trabalho e as surpresa suscitadas por alguns alunos “difíceis” e “calões” que ali se apresentavam cheios de energia e saber foi motivo para uma reunião pedagógica – pela primeira vez em três anos, onde procuravam saber como havia conseguido aquele “milagre”. Não houve milagre mas muito trabalho onde o rigor, a alegria do fazer teatral, o erro como trampolim para o 41 0 entendimento a possibilidade de se expressarem libertava-os para a construção colectiva de exercício da sua emancipação. Formar um publico sensível não só para o teatro mas para o grande teatro do mundo, com poder crítico e analítico era a intenção do projeto. Por este lado constatamos com prazer que alguns deles formaram-se me teatro, como atores ou técnicos, desafiaram o “sonho” consentido e seguiram outras carreiras preestabelecidas. O processo deu a alguns um sentido para a vida . O professor em busca da formação continuada tendo as tecnologias contemporâneas como veículo Ms. Adriane Camilo Costa SME-Goiânia adriane.camilo@gmail.com No mundo contemporâneo tecnologias estão cada vez mais presentes no cotidiano, e algumas instituições de ensino ficam sem saber como inseri-las de maneira proveitosa no currículo e se abastecem dessas novas tecnologias, fazendo dos aparelhos tecnológicos bens materiais sedutores que não contribuem para a construção de conhecimento sistematizado. Professores de diversas áreas do conhecimento têm procurado formas de interação entre as linguagens do cotidiano de seus alunos, os aparelhos tecnológicos que a instituição de ensino oferece, e o conteúdo curricular a ser trabalhado. Neste artigo discuto o trabalho que realizo com professores da Rede Municipal de Educação de Goiânia (Goiás-Brasil) sobre a programação televisiva que, como produtora de cultura, possibilita modos diversos de compreensão e entendimento e pode ser mediada e cogitada nos espaços institucionais de ensino. Por acreditar que é possível propor e realizar ações de aprendizagem mais prazerosas e significativas pesquiso o cinema na educação há algum tempo, sempre com o foco nos estudantes, na maioria das ações com crianças entre oito e treze anos de idade. Percebendo que as escolas municipais de Goiânia, têm um número significativo de projetos que envolvem o audiovisual em seu Plano Político Pedagógico, direcionei minha pesquisa em observar e discutir essas ações, seus caminhos e resultados através da prática de professores que se empenham na busca de inserir as tecnologias vigentes em sua prática pedagógica, e que buscam contato mais interativo com os elementos da narrativa cinematográfica e que acreditam que esse material dialoga com o desenvolvimento cognitivo. O audiovisual tem lugar cativo na contemporaneidade imagética na qual estamos inseridos. Os equipamentos hoje encontrados no mercado, são dos mais diversos e alguns com preços bem acessíveis, o que possibilita uma boa parcela da população adquiri-los, além da extraordinária facilidade de conseguir efeitos especiais antes, durante e posterior a captação de imagens. Por essa razão, 42 43 2 LOS PROYECTOS DE TRABAJO COMO ESTRATEGIA METODOLÓGICA Y CONCEPTUAL CRÍTICA EN LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES ANA MARIA CARDOSO Doctoranda de Educación de las Artes Visuales de la Universidad de Barcelona y profesora de Artes Visuales tema do projeto era aberto. A efetivação do projeto de aula foi realizado por cada docente na instituição onde trabalha. A terceira e última etapa, ainda por acontecer, será a socialização da experiência vivenciada pelos docentes/cursistas que terá PALABRAS CLAVE Metodologías de globalización de conocimientos, proyectos de trabajo, enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales. como ponto de partida o destaque dos referenciais percebidos nas ações hoje Relato de una profesora de Artes Visuales Mi experiencia como profesora de Artes Visuales de enseñanza Secundaria en el sistema educativo portugués me ha propiciado una oportunidad para cuestionar la finalidad de los estudios que he impartido a mis alumnas y alumnos. El hecho de que mi labor educativa en las asignaturas de Dibujo 1 de ESO se limitase a la realización de actividades de tipo manual o procedimental, o que se ocupase mayoritariamente de contenidos del dominio del lenguaje visual y de los elementos que lo configuran me parecía algo estéril así como inútiles a la hora de contribuir a una formación adecuada en educación artística. ¿Qué utilidad tenían estos aspectos en la vida de los alumnos y alumnas que yo no llegaba a entrever? De alguna manera intuía una intención educativa tangente pero no central de aquellos conocimientos en la formación de los estudiantes. objetivos pretendidos. Además también me parecía que la formación que había recibido en la Licenciatura en Artes Plásticas en el ramo de la enseñanza 2 no me había preparado adecuadamente para la realidad con la que me había encontrado. El sistema educativo me había formado con conocimientos técnico-científicos y pedagógicos, pero no me había enseñado cómo relacionar las dinámicas de clase con la realidad cambiante en que vivimos y a dar sentido a todo ello. Durante bastante tiempo conviví con esas inquietudes y con la consecuente sensación de no cumplir cabalmente la empresa que como profesora debía realizar. encontrados em dicionários e livros técnicos, aos mais complexos discutidos por Posteriormente los estudios adquiridos durante el periodo curricular del doctorado de Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales de la Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Barcelona me permitieron construir un cuerpo teórico y epistemológico sobre la Educación de las Artes Visuales, pero fue sobre todo el contacto con la metodología globalizadora de conocimientos de los Proyectos de trabajo lo que supuso un cambio en mis prácticas docentes y en mi manera de entender la enseñanza y el aprendizaje de las Artes Visuales. ¿Qué se entiende por metodologías de globalización de conocimientos? Las metodologías globalizadoras de conocimientos son una alternativa a la articulación disciplinar del saber por materias resultante de un proceso de compartimentación del saber. Esta perspectiva educativa propone la superación de la acumulación de saberes en existentes nas escolas, que buscam a inserção das tecnologias em suas práticas pedagógicas, em particular o audiovisual, além de evidenciar o alcance (ou não) dos A bibliografia pesquisada e estudada não está ligada diretamente à programação televisiva, visto que essa bibliografia é rara, apoiamos numa que evidenciasse o cinema para melhor apropriação dos signos e dos elementos que compõem a linguagem cinematográfica para melhor compreensão, investigação e possibilidades de críticas e de assimilação como material pedagógico. Alguns conceitos foram relevantes, conceitos dos mais simples e objetivos como: “O cinema é a técnica de registrar e produzir imagens em movimento”, Barbero, Benjamin, Morin, Flüsser, Giroux, Turner entre outros teóricos e estudiosos foram relevantes para a investigação dos processos propostos de exploração e busca de sentidos. Como exemplo dessa importância corrobora Turner que os filmes são vistos dentro de um contexto cultural que vai além do prazer da história, sempre oportunizando aprendizagens: A complexidade da produção cinematográfica torna essencial a interpretação, a leitura ativa de um filme. Inevitavelmente precisamos examinar minuciosamente o quadro, formar hipóteses sobre a evolução da narrativa, especular sobre seus possíveis significados, tentar obter algum domínio sobre o filme à medida que ele se desenvolve. O processo ativo da interpretação é essencial para a análise do cinema e para o prazer que ele proporciona (TURNER, 1997 : 69). Os valores culturais arraigados, de caráter subjetivo, criam os códigos e discriminam as propostas que são estranhas aos sujeitos. A exploração do cinema nas escolas promove o entendimento investigativo das imagens em movimento que 1 En el sistema educativo español la asignatura que se corresponde con la mencionada es la de Educación Visual y Plástica. 2 En Portugal existe el formato de licenciatura con la componente científica y pedagógica, designada Licenciatura en enseñanza. Este tipo de licenciatura integra en la fase final del curso, un período de un año de prácticas pedagógicas en la enseñanza secundaria en una escuela pública. serão interpretadas e/ou produzidas. Considerando que Pela maneira como se apega ao livro a escola desconhece tudo o que de cultura se produz e circula pelo mundo da imagem e das 1 44 45 3 4 oralidades: dois mundos que vivem, justamente, da hibridação e da mestiçagem, do revolvimento de memórias territoriais com imaginários dês-localizados. (...) Ao reivindicar a presença da cultura oral e da audiovisual, não estamos desconhecendo, de modo algum, a vigência da cultura letrada, mas desmontando sua pretensão de ser a única cultura digna desse nome e o eixo cultural de nossa sociedade. (BARBERO, 2004 : 61) As escolas da Rede Municipal de Educação de Goiânia contam, em sua Nesse sentido, a valorização do audiovisual como produtor de cultura que circula pelo mundo dos sujeitos contemporâneos é entender que modos diversos de compreensão e entendimento das culturas possam ser mediadas e cogitadas nos espaços institucionais de ensino. maioria, com aparelhos de DVD, boas caixas de som e projetores, o que faz a projeção diferenciar da acostumada pelos envolvidos, pois a maioria dos estudantes da referida Rede assiste vídeos através de aparelhos de televisão. As experiências de simultaneidade do instantâneo e do fluxo fazem com que a noção de tempo que herdamos seja insuficiente para digerirmos tanta informação e a falta tempo para reflexão. Falta tempo para o questionamento. Sobra informação. Porém, as crianças, atualmente, convivem com essa nova concepção de tempo sem problemas, e os educadores se encontram suspensos sem saber bem ao certo como A questão problematizadora que esse projeto de pesquisa busca refere-se ao administrar a quantidade de informação e noção de tempo. Pellegrini evidencia a imbricamento dos conceitos de cinema, educação de qualidade e cultura na busca articulação das sequências temporais e espaciais, evidenciando o visível e o de leituras subjetivas, pessoais e profissionais, sobre a inserção do audiovisual invisível que se completam por meio de imagens: como material didático em potencial na educação contemporânea. Questões ocultas faixa etária? O que é mais valorizado na escolha de um vídeo para uso didático? No cinema o tempo, que é invisível, é preenchido com o espaço ocupado por uma sequência de imagens visíveis; misturam-se, assim, o visível e o invisível. (...) os domínios do percebido (o espaço imagético) e o do sentido ou imaginado (o tempo), o visível e o invisível, não se distinguem mais, pois um não existe sem o outro. (PELLEGRINI, 2003, p.18) Essas e outras questões nortearam e nortearão o percurso da pesquisa que, por ter O dinamismo das ações do cotidiano nos tempos em que vivemos carece ser também norteiam o tema investigado e impulsionaram a pesquisa, tais como: Existem elementos que só adquirem significado quando inseridos numa estrutura maior? Qual o nível de censura na escolha de um vídeo ou filme para determinada caráter investigativo, não se esgota durante o processo. considerado na e para a educação que pensamos e realizamos com nossos De acordo com Joly (1996), a imagem muitas vezes é tão rica que não se educandos. Não interessam nesse projeto os modismos de tendências, mas sim a sabe lê-la com correção à primeira vista, porque se lê primeiro o que já se sabe. A reflexão do processo embasada na experiência prática e das indicações históricas. contribuição de Joly nas indicações de interpretação das imagens neste projeto é O professor que reflete e pondera sobre suas ações, sabe que os processos peculiar, educativos estão intimamente ligados à criatividade. O que se espera das ações A linguagem visual é diferente, e sua segmentação para a análise é mais complexa. Isso se deve ao fato de não se tratar de uma linguagem discreta ou descontínua, como a língua, mas de uma linguagem contínua. (...) Presença/ausência – Dissemos que esse tipo de interpretação exigia um pouco de imaginação. É esse o caso, pois, para compreender melhor o que a mensagem me apresenta concretamente, devo me esforçar para imaginar que outra coisa poderia ver nela. (Joly, 1996: 52-53) realizadas nas escolas, pelos professores envolvidos, embasadas nas possibilidades de trabalhar com a diversidade de conteúdos ‘oferecidos’ pela programação televisiva é o envolvimento de um número significativo de profissionais da educação e educandos na construção de conhecimento, e assim conquistar um olhar mais crítico e seletivo. A verificação sobre o olhar procura reforços para a construção de conhecimento visual que possa refletir nos processos da aprendizagem. No campo investigativo da interpretação e da produção cinematográfica, utilizada pelo professor em sala de aula. 46 47 5 Referência Bibliográfica: AUMONT, Jacques. O Olho Interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. BARBERO, M. & REY, G., Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva, 2ª Ed. – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004 BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais – São Paulo: Cortez, 2005. 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Criatividade e processo de criação (9ª ed.) – Petrópolis: Vozes, 1993. PELLEGRINI, Tânia. Literatura, Cinema e Televisão. São Paulo: Ed. SENAC/SP, 2003. LOS PROYECTOS DE TRABAJO COMO ESTRATEGIA METODOLÓGICA Y CONCEPTUAL CRÍTICA EN LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES ANA MARIA CARDOSO Doctoranda de Educación de las Artes Visuales de la Universidad de Barcelona y profesora de Artes Visuales PALABRAS CLAVE Metodologías de globalización de conocimientos, proyectos de trabajo, enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales. Relato de una profesora de Artes Visuales Mi experiencia como profesora de Artes Visuales de enseñanza Secundaria en el sistema educativo portugués me ha propiciado una oportunidad para cuestionar la finalidad de los estudios que he impartido a mis alumnas y alumnos. El hecho de que mi labor educativa en las asignaturas de Dibujo 1 de ESO se limitase a la realización de actividades de tipo manual o procedimental, o que se ocupase mayoritariamente de contenidos del dominio del lenguaje visual y de los elementos que lo configuran me parecía algo estéril así como inútiles a la hora de contribuir a una formación adecuada en educación artística. ¿Qué utilidad tenían estos aspectos en la vida de los alumnos y alumnas que yo no llegaba a entrever? De alguna manera intuía una intención educativa tangente pero no central de aquellos conocimientos en la formación de los estudiantes. Además también me parecía que la formación que había recibido en la Licenciatura en Artes Plásticas en el ramo de la enseñanza 2 no me había preparado adecuadamente para la realidad con la que me había encontrado. El sistema educativo me había formado con conocimientos técnico-científicos y pedagógicos, pero no me había enseñado cómo relacionar las dinámicas de clase con la realidad cambiante en que vivimos y a dar sentido a todo ello. Durante bastante tiempo conviví con esas inquietudes y con la consecuente sensación de no cumplir cabalmente la empresa que como profesora debía realizar. Posteriormente los estudios adquiridos durante el periodo curricular del doctorado de Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales de la Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Barcelona me permitieron construir un cuerpo teórico y epistemológico sobre la Educación de las Artes Visuales, pero fue sobre todo el contacto con la metodología globalizadora de conocimientos de los Proyectos de trabajo lo que supuso un cambio en mis prácticas docentes y en mi manera de entender la enseñanza y el aprendizaje de las Artes Visuales. ¿Qué se entiende por metodologías de globalización de conocimientos? Las metodologías globalizadoras de conocimientos son una alternativa a la articulación disciplinar del saber por materias resultante de un proceso de compartimentación del saber. Esta perspectiva educativa propone la superación de la acumulación de saberes en TURNER, Graemer. O cinema como prática social. São Paulo: Summus, 1997. THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 1998. 1 En el sistema educativo español la asignatura que se corresponde con la mencionada es la de Educación Visual y Plástica. 2 En Portugal existe el formato de licenciatura con la componente científica y pedagógica, designada Licenciatura en enseñanza. Este tipo de licenciatura integra en la fase final del curso, un período de un año de prácticas pedagógicas en la enseñanza secundaria en una escuela pública. 1 48 49 torno a un tema, para buscar la manera en que estos saberes se relacionan entre sí para generar nuevos enfoques (Agirre, 2000). Digamos que globalizar es el proceso de búsqueda de las relaciones que pueden establecerse entre los saberes que se aproximan a un determinado tema (Aguirre, 2000), o como señala Morin (1981, citado en Hernández y Ventura 1992, p.37) se trata de “poner el saber en ciclo” o de “en-ciclo-pediar; es decir, aprender a articular los puntos de vista disjuntos del saber en un ciclo”. ¿Globalizar en qué sentido? En los últimos años la noción de globalización se ha introducido en la práctica y en el discurso educativo, hecho que ha dado origen a una profusión de sentidos. Conocer las distintas concepciones y prácticas que el profesorado asume bajo este término es crucial para aquellos que se adentren en prácticas educativas globalizadoras ya que suponen maneras muy distintas de entender lo que significa globalizar en educación. Hernández y Ventura (1992) distinguen entre globalización como sumatorio de materias, como conjunción de diferentes disciplinas o como estructura psicológica del aprendizaje. Por cuestiones de limitación de formato del presente texto nos limitaremos a abordar la concepción de globalización como estructura psicológica del aprendizaje, por su vinculación con el planteamiento de los Proyectos de trabajo. Los proyectos de trabajo: una expresión de las metodologías globalizadoras de conocimientos promovedoras de saberes relacionales El enfoque de globalización como estructura psicológica del aprendizaje se fundamenta en el planteamiento constructivista del aprendizaje y en el desarrollo de una enseñanza para la comprensión que se basa en la elaboración crítica de relaciones entre las distintas fuentes de información con las que contacta el estudiante. Este enfoque se apoya en la idea de que para hacer significativo un nuevo conocimiento es necesario que se establezca algún tipo de vínculo con los conocimientos que el estudiante ya posee. Se considera que “al conectar los nuevos puntos de vista con las experiencias conocidas, la adición de información se convierte en relación de información” (Agirre, 2000, p. 52). Una de las características distintivas de este enfoque es que a partir del tema o problema abordado el alumno desarrolla estrategias de aprendizaje que dan lugar a nuevos conocimientos. En otras palabras, se valora sobretodo la secuencia de aprendizaje que pueda llegar a desarrollar el alumnado y a la interpretación que hace de ésta el docente. Globalizar en este sentido no significa sólo establecer relaciones entre informaciones diversas, sino un aprendizaje de la manera en que el estudiante debe relacionarse con la información (Agirre, 2000). ¿Qué otras características poseen los PdT? Hernández (2007, pp. 95-96) avanza algunas ideas que caracterizan a la perspectiva educativa de los Proyectos: • Un formato para la indagación que nos permite estructurar y contar una historia. • No se construyen desde la certeza del que sabe, sino desde la inquietud de quien tiene y reconoce su deseo de saber y conocer(se). • No se rige por la obsesión de los contenidos que ha de cubrir, o las materias por las que ha de circular. • Se basa en la construcción de un relato. • Se tiene en cuenta la necesidad de abordar múltiples alfabetismos. • La tarea del docente es plantear preguntas que desafíen los alumnos a examinar sus supuestos. En forma de síntesis se considera que los PdT aproximan la escuela y el alumnado a las dinámicas del mundo exterior y que desde este planteamiento, aprender está relacionado sobre todo con la idea de conversación cultural que consiste en aprender a dar sentido a las cuestiones que abordamos sobre nosotros mismos y sobre el mundo. Los PdT favorecen las metodologías de investigación, de selección de información, la observación, el análisis y la interpretación. La evaluación da cuenta de la trayectoria y de los momentos clave del aprendizaje del alumnado y se conecta con nuevos conocimientos y problemas provenientes de las experiencias del grupo. Los Proyectos de trabajo como estrategia metodológica y conceptual crítica en la educación de las Artes Visuales contemporánea Desde esta perspectiva se desprende que los Proyectos de trabajo son más que una estrategia metodológica, constituyendo una estrategia conceptual en tanto que promueven la construcción de nuevos conocimientos, a partir del despliegue de estrategias de aprendizaje por el alumnado. Por último, y desde nuestra experiencia con los Proyectos en educación de las Artes Visuales, se considera que este planteamiento incorpora una dimensión crítica por permitir en la práctica educativa el tránsito por aspectos que pasamos a referir: • • ¿Y qué es un Proyecto de trabajo? Los Proyectos de trabajo (PdT) son una modalidad de organización de los conocimientos escolares y • una forma de organizar la actividad de enseñanza y aprendizaje, que implica considerar que dichos conocimientos no se ordenan para su comprensión de una forma rígida, ni en función de unas referencias disciplinares preestablecidas o de una homogeneización del alumnado. La función del Proyecto es favorecer la creación de estrategias de organización de los conocimientos escolares en relación con: 1) El tratamiento de la información. 2) La relación entre los diferentes contenidos en torno a problemas o hipótesis que faciliten al alumnado la construcción de sus conocimientos, la transformación de la información 2 50 procedente de los diferentes saberes disciplinares en conocimiento propio (Hernández y Ventura, 1992, p. 47). • • • Reflexiona sobre los cambios socioculturales en las sociedades contemporáneas (Barragán, 2005). Aborda las relaciones entre los contextos institucional, local y global (Barragán, 2005). Concede particular atención a las relaciones que se establecen entre el campo de las Artes Visuales, el contexto social y cultural y las cuestiones emergentes de la vida de los estudiantes. Los aprendizajes buscan una mayor comprensión de su identidad individual y colectiva contribuyendo a la constitución de un nuevo sujeto de conocimiento. Promueve una pluralidad de perspectivas de análisis y de diferentes puntos de vista sobre los temas y problemáticas tratados. Promueve cambios en la comunidad educativa, en las prácticas educativas y en la sociedad. 3 51 • • Geometria: Estruturando os desenhos Dedica una particular atención a la crítica de la representación en los ámbitos social y cultural (Barragán, 2005). Contribuye a crear un marco de representaciones que permite a los estudiantes interpretar los fenómenos con los que entran en relación. Sendo o Desenho espaço da Arte e da Ciência, a Geometria será veículo de BIBLIOGRAFÍA AGIRRE, I. (2000). Teorías y prácticas en Educación Artística, ideas para una revisión pragmatista de la experiencia estética. Navarra: Ediciones de la Universidad Pública de Navarra. BARRAGÁN, J. M. (2005). Perspectivas críticas y práctica educativa. En MARIN, R. (Ed) (2005) Investigación en Educación Artística. Granada. Universidad de Granada. (pp. 43-80) HERNÁNDEZ, F. (2007). Espigador@s de la cultura visual. Otra narrativa para la educación de las artes visuales. Barcelona: Octaedro. HERNÁNDEZ, F. Y VENTURA, M. (1992). La organización del currículum por proyectos de trabajo. Barcelona: ICE de la Universitat de Barcelona y Editorial GRAÓ. Tema em que se insere a comunicação a. pensamento contemporâneo e educação artística. comunicação entre ambas. Na esteira dessa proposição e aceitando o Desenho como uma linguagem entende-se a Geometria como a sua Gramática. Assim, a Geometria será estrutura do Desenho, quer pelas suas propriedades projetivas, quer pelas suas propriedades métricas. Ancorados nestes pressupostos, apresentaram-se a debate exercícios cujos seus objetivos são a leitura e interpretação analítica da realidade das formas e dos espaços e, consequentemente, a aquisição de conhecimento sobre sistemas lineares para suporte do Desenho. São esses exemplos retirados da Unidade Curricular de Geometria da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Pretende-se, desta forma, refletir sobre os contributos da Geometria para o Desenho. Palavras–chave: Desenho, Geometria, Forma, Espaço DOS CONCEITOS Carl Sagan (2009, pp.344-348: 1.ª ed.1980) recorreu a Edwin Abott Abott (A. Square: pseudónimo matemático) e à sua Flatland (1884) para explicar a 4.ª dimensão. Descreveu a viagem interdimensional da esfera e do quadrado e relatou os constrangimentos de cada, decorrentes das suas prisões nas suas próprias dimensões espaciais. Consequentemente, o exemplo iluminará o nosso entendimento do que será a 4.ª dimensão do espaço, uma vez que não a podemos vivenciar, pois estamos presos na nossa dimensão. Contudo, o cientista indicou o modo de vermos uma evocação da 4.ª dimensão: o modelo tridimensional de um hipercubo. Se a sombra bidimensional de um cubo o evoca em duas dimensões, também a maqueta do hipercubo o evocará enquanto sua sombra tridimensional. O recurso à sombra é expressivo, pelo que esse fenómeno natural pode ser descrito por uma abstração: a projeção. Estas viagens interdimensionais, no caso daquela que se faz entre a 2.ª e a 3.ª dimensão, podem ser representadas por grafismos emuladores desse fenómeno que encontrará vários referentes reais: a visão, a sombra, a reflexão, a fotografia, a ortofotografia, etc.. Do mesmo modo, os viajantes também o podem. Como coisa mental, a geometria oferece um conjunto de elementos abstratos habilitados a serem tomados para representar a estrutura formal dos objetos – os viajantes –, tangíveis ou intangíveis. Esses elementos, enquanto considerados como 4 52 53 primitivos ou como compostos, têm o capaz distanciamento dado pela razão para que é a Construção Legítima, de Filippo Brunelleschi, e da otimização, embora poderem, ainda, quando organizados em sistemas coesos e regrados, sintetizar ações limitadora, da Construção Abreviada, de Leon Battista Alberti, Leonardo da Vinci como, precisamente, a projeção – as viagens. Na análise do mundo real, a razão utiliza posicionou-se criticamente sobre a perspetiva. Dividiu a prospettiva artificialis em três elementos sintéticos e sistematizações sintéticas para poder operar experimentalmente subcampos: prospettiva lineale, prospettiva di colore e prospettiva di speditione. sobre a realidade de modo económico e eficaz. A proposta da geometria, operada pelo Leonardo foi um defensor atento da perspetiva. As suas críticas são clarificações e raciocínio lógico-dedutivo, passa pela disponibilização destas ferramentas abstratas para alertas. estruturar os desenhos, construindo-se conhecimento. N’Os Elementos, de Euclides, surgem exemplos de sistemas regrados de operação com os elementos de raiz geométrica, bem como exemplos das regras de formação dos elementos geométricos compostos (Mitchell, 2008, p.56: 1.ª ed. 1990). Com aqueles e com estes, encontraremos possíveis conexões no mundo dos objetos e dos espaços da realidade, tangível ou intangível, permitindo-nos atingir diferentes graus de abstração. Em 1636, no decurso do estudo das cónicas, Girard Desargues obteve vários resultados, dos quais se destaca a relação homológica entre figuras planas: o Nos inícios do século XX, Erwin Panofsky considerou a perspetiva própria do Renascimento, um produto decorrente de uma específica conceção espacial. O autor sublinhou as ruturas que ocorreram com o Renascimento: no conceito de espaço vindo da Antiguidade e no entendimento do fenómeno da visão; entre a Ótica de Euclides e a perspetiva de Brunelleschi. Teorema de Desargues. Revisitados por Jean-Victor Poncelet, quase dois séculos mais Euclides propôs que os raios visuais colaborassem na perceção de afastamento tarde – Traité Des Propriétés Projectives Des Figures –, os resultados foram “uma pela distância angular entre eles. Pelo contrário, à perspetiva de Brunelleschi antecipação da geometria projetiva” (Veloso, 2012, p.47: 1.ª ed. 2009). Com o tempo, interessavam as distâncias lineares entre as interseções dos raios com a superfície plana estudos matemáticos demonstraram a aplicação do teorema à 3.ª dimensão. Será de projeção. É o fundamento do Paradoxo de Leonardo. Este levanta um outro precisamente este teorema o principal a explicar, no campo da razão, a viagem problema de geometria: mesmo que se considerasse esférica a superfície de projeção, interdimensional entre a 3.ª dimensão, do mundo dos objetos, e a 2.ª, do mundo das ficar-se-ia confrontado com o facto de essa ser uma superfície empenada (Panofsky, imagens. Estribados na geometria projetiva, interessam a esta exposição os sistemas 1999, pp.37-38 e 43-44: 1.ª ed. 1924). Para solucionar a dificuldade, Leonardo da Vinci lineares de representação das axonometrias e da perspetiva linear plana. tinha proposto para a perspetiva linear a definição de um campo de visão: um cone de Assim, a geometria fornece elementos primitivos e compostos: como revolução gerado por um raio visual em torno do raio da fóvea, com o qual fazia abstrações de objetos e/ou espaços; como sistemas de regras, enquanto abstração de aconselhada amplitude. A interseção do cone com o plano de projeção, por sua vez fenómenos tal como a representação; e como abstrações que são, então, as próprias perpendicular ao raio visual principal, limitava o campo das possibilidades da representações dos objetos e/ou espaços referidos. Neste sentido, procurou apresentar-se geometria, caso contrário seria válido até o infinito do plano de projeção. O encontro do um referencial de uma Gramática da Forma, teorizadas por Stiny e Gips, em 1971. desenho e da geometria acontece no campo onde a representação evoca, de modo mais Lino Cabezas (1995, p.266) refere que Apollinaire revelava uma “perdilección eficaz, uma realidade espacial identificável pela perceção. O restante seria rejeitado por intelectual por los elementos … abstractos, frente a los visuales…”, mas que aqui se apresentar distorções. toma para a necessidade prática de estruturar o desenho. O sentido operativo da abstração mantém válida a citação que o autor fez de Apollinaire: “Pode dizer-se que a geometria é para as artes plásticas o que a gramática é para a arte do escritor.” 54 “Pero Leonardo puso de manifesto que los artistas apenas habían sido conscientes de la verdadeira extensión y naturaleza de los problemas fascinantes encerrados en la Caja de Pandora que habían abierto.” (Kemp, 2000, p.61: 1.ª ed. 1990). Para as axonometrias, com o centro de projeções impróprio, do mesmo modo se definem campos para pela perceção reconhecermos as evocações desenhadas. Nas ortogonais, a coincidência de campos da geometria e do desenho é fácil de Com enfoque nos sistemas lineares enquanto evocações de ações – interessa a se conseguir pela própria posição das projetantes, derivando no Teorema de Schlömilch. visão –, há que reconhecer a lição da História. Pouco tempo depois do que praticamente O Teorema de Pohlke justifica a validade de todas as possíveis clinogonais pode ser considerado um método geral da perspetiva (Xavier, 1997, p.26: 1.ª ed. 1995) (exceto uma), como aceitáveis pelo lado da geometria. Contudo, a perceção só aceita 55 algumas dessas axonometrias: as normalizadas e que por isso estão mais próximas das espaços a conhecer pelo desenho: um privado e outro público. Cabe ao estudante rígidas ortogonais – até porque, a partir do desenho final, é difícil distinguir entre as desenvolver e estabelecer estratégias para resolver os problemas – os desenhos: define o posições diferentes das projetantes para cada uma das axonometrias (Cabezas e Ortega, referente, posiciona-se no espaço, define a orientação da sua mirada, posiciona o plano 2001, p.204 e p.199). abstrato de representação (em função do papel e do seu campo de visão), enquadra a Da perspetiva linear plana, das axonometrias e doutros sistemas de raiz geométrica, é ao desenho que compete escolher o que necessita da estrutura representação no papel, define as situações de sombra e de reflexo e decide os critérios de exploração do campo das distorções. disponibilizada. A perspetiva (e a axonometria – a geometria!) será um meio e não um Promove-se e valoriza-se o desenvolvimento de uma crítica permanente sobre fim (Montes, 1995, p. 504). A partir dum episódio escolhido por Mário Bismarck (2008, os registos produzidos, face à realidade em conhecimento. Pelo redesenho, incorporam a p.164 e p.166), que evidencia a importância do desenho como meio para conhecer, pode crítica, num processo de análise; e pela depuração, sedimentam a estrutura, num aferir-se o quadro que caracteriza o contributo da geometria no desenho. processo de síntese. O percurso deverá revelar o entendimento do papel da geometria como meio do desenho que faz “El andamiaje de la representación” (Cabezas, 1995, DA METODOLOGIA pp.217-339). Lino Cabezas (2001, pp.19-23) mostra que o percurso da geometria na arte decorreu de práticas, posteriormente teorizadas. Neste sentido, estabelecendo um BIBLIOGRAFIA paralelo com o que foi o percurso histórico da perspetiva, retoma a argumentação de BISMARK, Mário (2008). sem título, in SALAVISA, Eduardo, Diários de Arnheim (Thoughts on Art Education, 1989): “A representação da profundidade Viagem – desenhos do quotidiano – 35 autores contemporâneos. Quimera Editores: geométrica não deveria entrar numa aula de arte antes que a experimentação intuitiva Lisboa, pp.164-167. haja preparado a mente do aluno para a norma intelectual.” Na Unidade Curricular de Geometria da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a indicação didática foi adotada num caminho de transversalidade com Desenho I, um trabalho gradativo de construção e aumento de conhecimento. Cumulativamente, procura-se que o conhecimento da norma intelectual seja conseguido pela prática de exercícios de representação de espaços vivenciados pelos estudantes e pela aquisição das principais descobertas da geometria para a perspetiva e para a axonometria, guiada pelos seus percursos históricos. CABEZAS, Lino (1995). El andamiaje de la representación, in MOLINA, J.J.G. coord. Las Lecciones des Dibujo. Cátedra: Madrid, pp. 217-339. CABEZAS, Lino e ORTEGA, Luis F. (2001). Análisis gráfico y representación geométrica. Ed. Universitat de Barcelona: Barcelona. KEMP. Martin (2000). La Ciencia del Arte – La óptica en el arte ocidental de Brunelleschi a Seurat. Akal: Madri. MITCHELL, William J. (2008). A Lógica da Arquitetura: projeto, computação e cognição. Editora da Unicamp: Campinas, São Paulo MONTES, Carlos (1995). Descripción y construcción del universo, in DAS PROPOSTAS A metodologia apontada passa pela aprendizagem sincrónica, com gradual aprofundamento, de estratégias de abstração geométrica de espaços e objetos, de MOLINA, J.J.G. coord. Las Lecciones del Dibujo. Cátedra: Madrid, pp. 483-512. PANOFSKY, Erwin (1999). A Perspectiva como Forma Simbólica. Edições 70: Lisboa. estratégias de posicionamento do observador no espaço, das regras dos sistemas de SAGAN, Carl (2009). Cosmos. Gradiva: Lisboa. representação e das estratégias de utilização das projeções. Procura-se desenvolver o VELOSO, Eduardo (2012). Reflexões sobre Geometria (II), in APROGED, estudo da realidade – processo e representação – numa dinâmica globalizante entre análises e sínteses. Para tal, mobilizam-se vários modos da toma de imagens do real, confrontando e colocando em colaboração: a toma pela visão e pela perceção e a toma boletim da Aproged, n.º 29, Janeiro/2012. Aproged: Porto, pp.45-59. XAVIER, João Pedro (1997). Perspectiva, Perspectiva Acelerada e Contraperspectiva. FAUP Publicações: Porto. pela medida e pela razão. Cada estudante selecionará, do seu mundo de espaços, dois 56 57 Maria da Graça Sarreira Pena Carvalho “estupidificam as crianças. (Jornal Público, 2006:29). Reis (2007)1, declara que “parecem Escola Superior de Educação de Lisboa concebidos para infantilizar jovens”. Farinha (2008) escreve que os manuais do ensino gracac@eselx.ipl.pt básico apresentam publicidade a marcas fast-food e materiais de papelaria, funcionando como publicidade subliminar. O manual escolar como objeto de design A presente investigação pretende contribuir para o reconhecimento da importância do Dada a relevância dos manuais escolares na educação, o papel do Design é Design Comunicacional na eficiência dos manuais escolares. Teve como objetivos avaliar determinante para a sua qualidade e operacionalidade. Esta investigação consistiu na qualitativamente a forma comunicacional dos manuais escolares do 2º ciclo do ensino avaliação qualitativa da forma comunicacional de manuais escolares do ensino básico e básico e definir um conjunto de princípios sobre as questões formais, que sirva de base não consequente definição de um conjunto de princípios gerais de Design Comunicacional para só ao trabalho dos autores e editoras na realização de manuais escolares, mas também, à os mesmos. A metodologia implementada, de caráter misto, qualitativo e não- avaliação criteriosa destes. intervencionista, recorreu à Crítica Literária, Observação Direta, Pesquisa por Inquérito e Entrevista e Auscultação de Peritos para validação dos resultados. A definição dos critérios O Manual Escolar como objeto de Design de avaliação, baseada em princípios pedagógicos e de clareza comunicacional, incidiu na O manual escolar consiste num livro com uma estrutura especifica, apresentando um apresentação física, organização da informação, paginação, legibilidade tipográfica, tipo, conjunto de conteúdos, por vezes com ilustrações, (desenhos, esquemas, fotografias). Os relevância e função pedagógicas da ilustração e rácio texto/imagem. Destacam-se alguns elementos formais como o tipo de letra, a cor, a paginação ou a textura do papel, são resultados, como a legibilidade dos textos principais, rácio texto/imagem desadequado; elementos importantes para a solução comunicativa da sua mensagem que tem em vista a iconografia pedagogicamente pouco relevante. aquisição da informação por de parte dos alunos. Estas características integram o manual escolar na categoria dos objetos cuja metodologia se insere no ramo do Design Comunicacional. A Lei 47/2006 que veio introduzir a avaliação e a certificação dos manuais Palavras-chave: Avaliação, Design de Comunicação, Manual Escolar prévias à sua seleção contempla vários aspetos da apresentação da informação. Johnsen (1993) refere que a investigação sobre a estrutura dos manuais e os aspetos do Introdução A massificação do ensino levou ao acréscimo da produção de manuais escolares, que se design comunicacional é praticamente inexistente e que o manual escolar será eficaz se o material for escrito e adaptado de modo que permita à maioria dos alunos, com ou sem a tornaram uma importante fonte de receitas para editoras e autores. O manual escolar é o principal recurso pedagógico dos alunos (Gérard & Roegiers, 1998; orientação dum bom professor, alcançar o conhecimento, compreendê-lo e atingir as Rodrigues, 1999; Choppin, 1992, 2000); é dos mais importantes recursos dos professores competências especificadas no currículo. Selander (1988) e Shepardson-Pizzini (1991) na preparação das aulas (Perrenoud, 1995; Apple, 1997); 75% do tempo das aulas é gasto a afirmam que os alunos expostos às questões de nível muito simples dos manuais escolares, trabalhar com o manual escolar (Apple, 2002). habituam-se a tal, tornando-se-lhes difícil a compreensão de textos com características Em Portugal, as críticas aos manuais escolares têm sido frequentes. Tormenta (1996, diferentes. Não se treinam a interpretá-los e a compreender o conhecimento neles contido, 2002), Vieira de Castro (1999) e Lopes (2005) salientam que os professores substituem os nem a integrá-lo no que já possuem. Woodward (1991) estranha que a investigação que se programas disciplinares pelos manuais na planificação da prática lectiva, alheios ao facto tem realizado sobre as ilustrações seja aparentemente irrelevante para os produtores dos de, assim, prescindirem da sua autonomia e do seu papel como especialistas. manuais e para quem os escolhe e refere que são a intuição, a tradição e os fatores de Vieira (Jornal Expresso, 23.10.2004:16) refere que os manuais de português “facilitam mercado decidem as estratégias das editoras relativamente à ilustração LaSpina (1998) tudo, não exigem esforço. Formatam os professores e tratam-nos, como aos alunos, como afirma que os meios informáticos influenciaram a forma como a matéria é apresentada e autênticos patetas” (Jornal Expresso, 23.04.2004:17). Sim-Sim afirma que promovem uma que, para que a imagem e texto se possam transformar numa mensagem única, com real leitura sem significado, onde não “se lê nada de real” e Ponces de Carvalho refere que potencial comunicativo, o processo de conceção e produção do manual deve adotar uma metodologia de trabalho que permita conceber e apresentar a informação, quer icónica, quer 1 58 1 Reitor da Universidade Aberta na Conferência Internacional sobre o Ensino do Português 2 59 textual, organizadas de forma coerente, segundo o que for mais apropriado ao conteúdo a Os resultados da avaliação do Design Comunicacional diferem de disciplina para disciplina, apresentar. Choppin (1997), considera que o manual passou a desempenhar um conjunto destacando-se contudo alguns resultados comuns, tais como a legibilidade da maioria dos de funções que complicam de tal modo a sua estrutura que confundem os professores e textos principais o que não se verifica em grande parte dos textos secundários; rácio destabilizam os alunos e os pais, sendo indispensável que os seus utilizadores se texto/imagem desadequado face ao indicado pelos especialistas. A maioria das páginas familiarizem com a organização interna, estruturada através de sinalética constituída pela apresenta mais de 50% de imagens apesar dos diversos problemas que os alunos cor, pictogramas e variações tipográficas. Porque os professores e os alunos se perdem portugueses apresentam ao nível da língua; iconografia pedagogicamente irrelevante e uso nesta complexidade crescente, são cada vez mais numerosos os apelos para que sejam de elementos iconográficos infantilizadores; paginação com excessiva variedade de arranjos legíveis para os alunos e seguros para os professores (Boeuf et al 2004). gráficos; estrutura demasiado complicada, cuja falta de coerência de apresentação das variadas “secções” de objectivos diferentes, dificulta a sua consulta. Os índices de alguns Metodologia manuais escolares, com destaque para os de língua portuguesa, apresentam um tal grau de Utilizou-se no nosso estudo uma metodologia geral de caráter misto, qualitativo e não intervencionista. Recorreu-se à Crítica Literária procurando, por um lado, refletir sobre os complexidade que impossibilitam os alunos de lhes aceder, desvirtuando por completo a sua função. estudos existentes sobre o design comunicacional aplicado aos manuais escolares e, por Dos dados obtidos na análise efetuada e dos resultantes dos questionários aplicados aos outro, caracterizar cognitivamente os destinatários dos manuais escolares selecionados professores e alunos resultou, não só um conjunto de princípios gerais, incidindo na para o estudo e os princípios semióticos básicos, indispensáveis à análise do seu design Facilidade de “Navegação”, Legibilidade e Iconografia, que foi sujeito à auscultação e comunicacional. Utilizou-se o Estudo de Casos com o objetivo de comparar com Portugal a validado por um grupo de especialistas, mas também alguns dados sobre como alunos e política adotada relativamente aos manuais escolares em França e no Brasil. A avaliação professores encaram e trabalham o manual escolar. Destes últimos, sublinhamos a escassa qualitativa do seu Design Comunicacional realizou-se através da análise do modo como é importância que ambos os grupos de utilizadores conferem ao trabalho com a iconografia, feita a apresentação da informação, com critérios baseados em princípios pedagógicos e de apesar do espaço que esta ocupa nos livros. Um manual escolar apresentar muitas imagens clareza comunicacional, incidindo na apresentação física, organização da informação, são uma das razões mais apontadas pelos alunos para a sua preferência, tal como a falta paginação, legibilidade tipográfica, tipo, relevância e função pedagógicas da ilustração e delas e o muito texto contribuem para a sua repulsa. As suas respostas, relativamente ao rácio texto/imagem. A pesquisa por questionário foi utilizada nos inquéritos a alunos e a modo como estudam, indicam que a atenção dispensada às imagens fica em último lugar, professores. Aos primeiros, tendo como objetivo identificar o modo como, quando estudam, atrás da realização dos exercícios, das actividades, da leitura do texto principal e dos textos interagem com os manuais escolares e quais os aspetos que consideram mais importantes secundários, confirmando as respostas dos professores relativamente ao que consideram relativamente à apresentação da informação; aos segundos, para identificar os critérios importante num manual escolar. Para alunos e professores, os exercícios e o texto principal utilizados, relativamente à apresentação da informação, para a seleção de um manual estão em primeiro lugar. Das respostas que obtivemos, concluímos que as imagens, escolar. Recorreu-se também à pesquisa por entrevista, com o objetivo de conhecer a portadoras de informação, serão relevantes na escolha do manual e na disciplina de metodologia utilizada pelos autores/professores e pelas editoras, na elaboração dos ciências da natureza. Nos restantes manuais servirão, essencialmente, como meio de os manuais escolares. Após o cruzamento de toda a informação obtiveram-se resultados, tornar sedutores. tendo-se recorrido, então, à Auscultação de Peritos (especialistas) para a sua validação, de Relativamente ao conjunto de princípios gerais de Design Comunicacional para manuais modo a podermos definir um conjunto de princípios de Design Comunicacional a que devem escolares do 2º ciclo do ensino básico destacamos os seguintes: obedecer os manuais escolares portugueses do ensino básico. 1-índice a. O índice deve ser simples, apresentando os conteúdos e a sua localização nas unidades Resultados da investigação ou temas, de modo claro, com a respectiva numeração das páginas a que pertencem. Não foi encontrado qualquer estudo com dados objetivos sobre a eficácia comunicacional de determinado tipo de apresentação da informação num qualquer manual a. A repetição das diferentes secções ao longo do livro deve ser baseada na mesma lógica escolar. de apresentação; 3 60 2- Facilidade de “navegação” 4 61 BIBLIOGRAFIA b. O arranjo gráfico de página de cada uma das secções, que se repetem ao longo do APPLE, M. (2002). Manuais Escolares e Trabalho Docente. Uma Economia Política de manual, deve ser constante. c. Os diferentes capítulos ou unidades devem ser identificados claramente. Relações de Classe e de Género na Educação. Lisboa: Didática Ed. d. Os princípios tipográficos devem ser adequados ao nível etário a que se destinam os APPLE, M. (1997). Os Professores e o currículo: Abordagem sociológica. Lisboa: Ed. Educa BOEUF, C. et al. (2004). Plus attractif mais moins lisible. Dossier. Fenêtres sur cours, nº manuais escolares. e. As grelhas das páginas devem apresentar maior uniformidade, proporcionando maior f. 259, septembre http://www.snuipp.fr.IMG.pdf/FsC259.pdf (acesso 3.05.06) conforto visual e contribuindo para o reconhecimento de matéria diferenciada. CASTRO, R. V. (1999). Já agora, não se pode exterminá-los? Sobre a representação dos A apresentação da informação deve ser mais sóbria. professores em manuais escolares. In Vieira de Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Atas do I Encontro Internacional sobre Manuais Escolares. Braga: g. Prescindir de texto sobre superfície texturada ou sobre imagens. comprometendo a Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho legibilidade. h. Optar por maior sobriedade cromática. CHOPPIN, A. (1997). Des évolutions. Manuels scolaires Qu’en Faire?. ARGOS, Décembre, i. Dados os princípios de legibilidade por contraste cromático e o conforto visual, optar, nº 20, pp.40-42 preferencialmente, por páginas de superfície branca ou de cor clara (fundo) e texto a CHOPPIN, A. (2000). Los manuales escolares de ayer a hoy : el ejemplo de Francia. preto ou cinzento-escuro (forma). Historia de la educación. Revista interuniversitaria. 2000. Salamanca: Ed. Universidad de 3- Iconografia Salamanca a. Utilizar imagens com qualidade material e estética. CHOPPIN, A. (1992). Les manuels scolaires: Histoire et actualité. Paris: Hachette Education b. Não sobrecarregar as páginas com imagens. FARINHA, I. (2008). Audiências Cativas. Lisboa: Livros Horizonte c. Não utilizar imagens sem qualquer função pedagógica relevante. GÉRARD. & ROEGIERS. (1998). Conceber e Avaliar Manuais Escolares. Porto: Porto Ed. d. Apresentar o mínimo de imagens representando hábitos considerados anti-sociais JOHNSEN, E. B. (2001). Textbooks in the Kaleidoscope. A Critical Survey of Literature and (tabaco, droga, álcool, etc.) que podem funcionar como publicidade subliminar. Research on Educational Texts. Tonsberg: College. Não utilizar imagens de produtos de marca ou embalagens reconhecíveis que LA SPINA, J. A. (1998).The Visual Turn and the Transformation of the Textbook. Mahwah, funcionem como publicidade. New Jersey London: Lawrence Erlbaum Associates Publisher Procurar apresentar, de modo natural, nas ilustrações, várias etnias, diferenças de LOPES, P. J. S. (2005). Eles agora não sabem nada! O currículo oficial e oficializado e o género, estatuto social, idade, diversidade de opção sexual, religiosa, política, saber geracional válido: divergências naturais ou regressão do sistema? Ensino Superior, nº desportiva, etc., evitando imagens estereotipadas. 15-Fev/Mar, SNESup, pp 21-23 Indicar claramente as imagens que são obtidas através do microscópio ou PERRENOUD, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Ed. manipuladas digitalmente. RODRIGUES, A. F. (1999). Das Configurações do Manual às Representações de Literatura, Identificar claramente as imagens quando estas representam pormenores da In Vieira de Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Atas do I realidade apresentados numa escala diferente. Encontro Internacional sobre Manuais Escolares. Braga: Instituto de Educação e Psicologia, e. f. g. h. i. Apresentar as imagens de pormenores, partes de sistemas ou órgãos do corpo Universidade do Minho, pp. 423-440 humano com linhas indicadoras, variação cromática, algarismos, letras ou de SELANDER, S. (1988). Textbook Knowledge, in Johnsen, (2001). Textbooks in the alguma outra forma que permita compreender facilmente a sua localização nesses Kaleidoscope. A Critical Survey of Literature and Research on Educational Texts. Tonsberg: mesmos sistemas ou órgãos. College http://wwwbib.hive.no/tekster/pedtekst/kaleidoscope/forside.html (acesso 23.10.06) SHEPARDSON & PIZZINI (1991). Questioning Levels of JuniorHigh School Science Textbooks and Their Implications for Learning Textual Information. Science Education, 75(6). 6 5 62 63 O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático: observações sobre alguns aspetos da comunicação artística nas aulas de Educação Visual no ensino básico Autores: Sílvia Casian, Amélia Lopes, Fátima Pereira CIIE, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal Resumo Interpretando a arte e a educação como fenómenos comunicacionais, aborda-se o problema da comunicação artística no contexto didático, específico à Educação Plástica e Visual. Através do modelo geral da comunicação de Jakobson, identifica-se o uso particular de duas linguagens complementares – da linguagem da imagem artística (plástica) e da linguagem verbal – e, consequentemente, o papel do professor como mediador da comunicação artística dos alunos. Procura-se compreender o metamorfismo destas linguagens da comunicação visual e verbal no contexto didático, revelado nos métodos de ensino e aprendizagem, e observar algumas preferências comunicativas dos alunos do ensino básico. Como estratégia metodológica, optou-se pelo desenvolvimento duma investigação qualitativa, que é precedida de um estudo empírico misto, cujo objetivo é encontrar no tema de estudo pontos de partida para uma investigação em profundidade. O estudo preliminar abrangeu 162 alunos do 6º e 7º anos. Palavras – chave: Comunicação artística, imagem plástica, palavra, ensino e aprendizagem. Abstract Interpreting the art and the education as communication phenomenon, this paper approaches the problem of artistic communication in the specific teaching context of Visual and Arts Education. In this subject, seen through the Jakobson’s general model of communication, a particular use of two complementary languages is identified: the language of the artistic image (specific of painting, drawing or sculpture) and verbal language and, consequently, the teacher's role as mediator of artistic communication of students. It searches to understand the metamorphism of these languages of verbal and visual communication in the teaching context, revealed in the methods of teaching and learning, and observes some communicative preferences of secondary school’s students. As methodological strategy, a qualitative research is developed, which is preceded by a mixed empirical study, whose aim is to find cues on the subject regarding an in-depth research. The preliminary study included 162 students from 6th and 7th grade. Key - words: artistic communication, visual artistic image, word, teaching and learning. Introdução O paradigma atual da Educação Artística (Visual), baseado no conceito da comunicação visual, salienta o valor da arte para o desenvolvimento humano e propõe desenvolver nos alunos competências de comunicação. O conceito da arte como comunicação refletiu-se na Educação Visual, por um lado, através das orientações expressionistas, ou valorização da livre expressão de emoções e sentimentos dos alunos e, por outro, pela visão cognitivista sobre a comunicação artística. Com o propósito de compreender melhor o fenómeno da comunicação artística no contexto educacional, cujas manifestações se destacam essencialmente através da imagem e pelos seus aspetos visuais e verbais, propõe-se observar o processo de ensino e aprendizagem da Educação Visual numa abordagem comunicacional, interpretando a arte, a educação e a comunicação como conceitos inseparáveis. 64 O fenómeno é lido através do Modelo geral da comunicação de Jakobson (1963), acrescentando a função do contexto em que se enquadra o modelo, o contexto didático. O esquema deste modelo inclui os seguintes elementos: emissor, mensagem, contato, código, contexto e destinatário. Jakobson explica as relações específicas que se configuram entre os elementos do seu modelo, evidenciando funções específicas para cada elemento, – respectivamente, a função expressiva, poética, fática, metalinguística, referencial e conativa – e salienta que nenhuma mensagem se limita à expressão de uma única das funções, que atuando simultaneamente, podem adquirir sucessivamente a prioridade, atribuindo à mensagem diversas características (científica, literária, artística, etc.). A adequação do modelo a uma situação comunicacional multidimensional, complexa e artística facilita o estudo de aspetos verbais e não-verbais (visuais) da comunicação (Joly, 2007) e, a sua compatibilidade com a psicologia (Jakobson, 1973) permite observar os participantes da comunicação. A aplicação da Teoria da comunicação na análise de aspetos comunicacionais do processo de ensino e aprendizagem nas aulas de Educação Visual revela a existência de uma situação particular desta disciplina no sistema do ensino básico: o uso de um bilinguismo funcional específico – os emissores e os recetores emitem a mensagem através de dois canais e usam dois tipos de códigos diferentes (verbal/palavras e visual/imagens plásticas). Apesar de outras disciplinas escolares usarem imagens visuais, elas não são o foco do estudo, não se estudam como uma linguagem, e têm outras funções no processo de ensino e aprendizagem. No sistema de ensino básico e secundário, o uso de duas línguas é característico para o ensino de línguas estrangeiras, contudo temos de salientar o facto de que, nessa situação, se utiliza o mesmo código (linguístico) e o mesmo canal de transmissão da informação (auditivo ou visual, dependentemente da expressão oral ou escrita). No contexto didático da Educação Visual, ainda fica menos percebida a coexistência, de duas linguagens (verbal e visual) que, de igual modo, como a palavra e a imagem, não se devem substituir uma pela outra. A teoria semiótica caracteriza a imagem artística como uma das linguagens (Joly, 2007). Huyghe, (2009) e Aumont (2009) também defendem a existência da linguagem visual, cujo portador de mensagens é a imagem artística. Entre estas duas linguagens desenvolve-se uma relação de complementaridade, semelhante à relação entre palavra e imagem (Barthes, 1964). Contextualização teórica e delineações terminológicas A tentativa de definição do termo comunicação torna-se difícil, uma vez que se trata de um fenómeno abrangente que remete para todas as dimensões da própria vida, e foram-lhe atribuídos diversos sentidos, em vários tempos e domínios da atividade humana, inclusivamente, nas ciências da comunicação. Ao estudarem o fenómeno da comunicação, os teóricos salientam a especificidade desse fenómeno como objeto de estudo e da constituição do seu enquadramento teórico. O problema torna-se ainda mais complexo quando o campo de referência da comunicação se encontra na arte e na educação. Portanto, no estudo desenvolvido sobre a comunicação artística no contexto didático, recorre-se a algumas delineações teóricas e terminológicas consideradas necessárias para esboçar o fenómeno observado e a problemática de investigação. Com o propósito de visualizar melhor o fenómeno abordado, recorre-se a uma interpretação comparativa com modelos/teorias que contribuíram para a evolução do paradigma comunicativo da Educação Visual. As estéticas informacionais de Abraham Moles (1973) e Max Bense (1971), com o seu paradigma de análise formal de processos e formas artísticos, tinham contribuído para a elaboração de novas teorias da informação (estética) e influenciaram o campo da educação artística. A estética bensiana baseia-se em pressupostos concetuais e metodológicos da teoria da informação e da semiótica modernas. Bense (1971) define a comunicação como uma etapa do esquema operacional do processo artístico, cuja estrutura integra criação – comunicação – percepção – reacção do público. A ideia de Bense sugere um modelo próximo dos pressupostos da Psicologia da Gestalt, mas continua a manter 65 um carácter tecnicista e unidireccional. O conceito de informação das teorias informacionais constrói-se a partir do modelo de comunicação matemático de Shannon e Weaver (1949), que é orientado para o objeto e exclui a participação do sujeito da comunicação. Ulteriormente Mário Costa e Fred Forest desenvolveram a Estética da Comunicação (1983), que introduziu um novo aspeto processual, imaterial e dialógico das artes tecnológicas, e refletiu de forma sistemática sobre o emprego das tecnologias de telecomunicação como fonte de expressão artística. Costa (1999) observou o inter-relacionamento estreito entre a arte, a comunicação e o social. As tecnologias informacionais influenciaram fortemente o ensino das artes visuais, criando pressupostos teóricos para a reconstituição de conceitos da educação. Nas abordagens cognitivistas (Bruner, 1960, Arnheim, 1969) salienta-se o lado cognitivo da arte, da educação artística, evoluindo até negligenciar os afetos, cuja valorização excessiva deu origem aos adeptos da expressão livre das emoções pelos alunos (Lovenfeld, 1947). O estudo referenciado concetualmente encontra-se ancorado no paradigma cognitivista e, apesar de falar das relações e cruzamentos entre teorias semióticas e psicológicas, entre teorias da informação e da comunicação, não reproduz o modelo tecnológico, mas procura modelos da comunicação adequados à comunicação interpessoal e salienta o fator humano no processo da comunicação didática e o valor da subjetividade e dos afetos no processo da criação e na comunicação artística. Neste estudo, procuram-se respostas às perguntas “através de que” e “como” intervêm os processos da comunicação em educação artística nas aulas de Educação Visual e propõe-se encontrar um modelo da comunicação pedagógica que permita visualizar melhor o fenómeno, a respetiva situação comunicacional e delinear algumas delimitações terminológicas. Consequentemente, a comunicação artística, no contexto didático, define-se como um processo complexo e específico, que envolve a coação de três componentes: a criação artística, a imagem plástica/obra de arte e a contemplação (receção) estética. Esta perspetiva pressupõe uma relação criativa e reversível entre participantes (locutores e recetores), cujo conhecimento, pelo menos parcialmente, de códigos específicos (plástico e verbal) das estruturas artísticas facilite a criação e a compreensão de imagens artísticas pelos alunos e ainda que este processo é sujeito a mediação pelo professor. O conceito da comunicação artística, no contexto didáctico, constrói-se na interface de seguintes teorias: (1) teoria estética sobre o fenómeno da comunicação artística como manifestação sóciocultural da obra de arte numa relação específica e reversível entre o autor da obra e o seu recetor (Borev, 1988); (2) teoria psicológica sobre os processos da criação artística e da receção estética e as características do criador da obra e do recetor, considerado recreador da obra (Neacsu, 1999); (3) teoria psicológica da imagem artística (Huyghe, 2009); (4) teoria semiótica da imagem artística como linguagem e sistema de signos (Joly, 2007; Barthes, 1964); (5) teoria da comunicação e o Modelo geral da comunicação (Jakobson, 1963). Apesar de o termo comunicação artística suscitar discussões, considera-se importante mantê-lo, assim que “ a comunicação que toma em conta a necessidade da “dupla reflexão” é uma “comunicação artística” (Serra, 2005) e que de facto, aquilo que caracteriza a comunicação artística é que nela ”sempre se exigiu que se pense naquele que recebe a comunicação e que, em razão da sua eventual não compreensão, se preste atenção à forma da comunicação”(ibidem: 2040). Neste contexto, na tríade dos elementos constituintes do processo da comunicação artística no contexto didático (professor, aluno, imagem artística), o aluno é visto como o elemento central do sistema comunicacional e sujeito da educação, ou seja pretende-se manter a sua individualidade e a autonomia na criação e na receção de imagens. A imagem artística é vista como a portadora da mensagem visual específica, com os seus meios de expressão artística e as suas “regras” de manifestação. Espere-se proporcionar ao aluno experiências de codificação (criação) da imagem plástica e de descodificação (receção) da mensagem visual contida na imagem artística, através de métodos didácticos adequados às artes plásticas, 66 enfatizando o lúdico das atividades artísticas sem sobrestimar as regras, ou seja, mantendo o carácter flexível e vivo da comunicação artística, valorizando dinâmicas da subjectividade e da interação entre sujeitos e imagem. O termo imagem “plástica” utiliza-se como derivado das artes plásticas e engloba a caracterização geral de trabalhos bidimensionais (desenhos, pinturas, colagens) e/ou tridimensionais (modelagem/escultura) que os alunos produzem nas aulas de Educação Visual e, de igual modo, pode significar obras de artes plásticas que os alunos contemplam nas aulas. Trata-se da construção/observação no contexto didático duma situação comunicacional complexa e interativa, em que o professor transmite aos alunos experiências e conhecimentos essenciais e específicos, criando condições para vivenciar o fenómeno artístico. O professor realiza a mediação dos processos da comunicação, usando a linguagem da arte visual e a linguagem verbal, articuladas com as particularidades psicofisiológicas dos alunos. Enquadramento temático Nos EUA, no Canada, em Israel, na França, na Austrália, em Portugal e outros países, os estudos recentes revelaram tendências para a diferenciação na organização do processo de ensino e aprendizagem e na identificação do perfil do professor de Educação Visual. Bachar e Glaubman (2006) identificaram duas abordagens no ensino de arte: a abordagem de estúdio (oficina) em que o professor é um artista (mestre) que ensina individualmente os alunos para poderem expressar-se livremente e participar no diálogo artístico e a abordagem cognitivoacadémica, em que o professor é um especialista em história de arte e, nas suas aulas valoriza o conhecimento da história de arte e desenvolve nos alunos a sensibilidade e as competências para compreender e analisar obras de arte. Observou-se que os professores enfatizam métodos de ensino verbais ou práticos em dependência da abordagem aceite. Identificaram-se, também, tendências integradoras, que são manifestações mais novas e que emergem, principalmente, da prática pedagógica. Bachar e Glaubman (2006) observaram que o professor de arte com orientação cognitivo-académica, tende estar integrado nas formas comuns para ensino convencional em que funciona a escola, usando métodos de ensino que se conformam aos métodos da escola. O professor que adopta a abordagem de estúdio (oficina) apoia-se numa antiga prática de ensino em ambientes e condições específicos para a criação de arte. Esta tradição está mais afastada de métodos convencionais da escola. Os professores que combinam as duas abordagens, integrando-as com sucesso, aproximam os alunos mais de objectivos da educação pela arte, através do desenvolvimento duma estrutura de ensino de oficina tradicional que funciona dentro de ambientes escolares convencionais (Bachar & Glaubman, 2006). Koroscik (1993) nos seus estudos reparou nos professores de arte a predisposição para preferirem aspetos práticos ou verbais nas suas aulas. Deste modo, observa-se que as abordagens de ensino de arte se interrelacionam com os métodos de ensino e aprendizagem escolhidos, refletem as tradições e as convenções, as identidades dos profissionais e das instituições de ensino, definindo as particularidades de intervenção e mediação dos processos pelos professores. Na intimidade da comunicação do aluno com a obra de arte no contexto didático interferem os reflexos da mediação do processo pelo professor e da sua identidade. Nos domínios da arte e psicologia, aos aspetos não-verbais (visuais) e verbais específicos aos fenómenos artísticos, à imagem artística (plástica) e à linguagem verbal, referem-se Goodman (2006), Panovsky (1988), Barthes (1964), Joly (2007), Arnheim (2006), Gardner (1983) e outros. Nos EUA, Johnson (2008) defende a necessidade da alfabetação visual e verbal na Educação Visual das crianças. Em Portugal, Bahia e Trindade (2010:856) concluíram que o domínio do código plástico possibilita o desenvolvimento da compreensão e formulação de ideias pelos alunos adolescentes, revelando, que “uma intervenção fundamentada em conceitos do domínio psicológico pode ter repercussões muito positivas no âmbito da educação artística”. 67 O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático, observações no quadro empírico Complementarmente, aos estudos que elucidaram as escolhas dos professores no processo de ensino de arte, no presente estudo aponta-se mais sobre as necessidades dos alunos relativamente aos métodos de ensino e aprendizagem preferidos por eles na comunicação artística no contexto didático. Ao abrir esse espaço, tenta-se compreender no campo empírico algumas particularidades deste fenómeno. O estudo empírico iniciou-se com métodos mistos de pesquisa, abrangeu 162 alunos do 6º e 7º anos do ensino básico, e continua com métodos qualitativos para o aprofundamento do tema. A investigação no campo empírico começou com um questionário baseado no método proposto por Jung para observação das caracteristicas tipologicas da personalidade. O questionário pretende identificar preferências comunicativas dos alunos, convencialmente divididas em preferências para comunicação visual (através de imagens plásticas) e para comunicação verbal e constitui-se por secções interrelacionadas que, mantendo caraterísticas próprias, contribuem para uma estruturação geral do tema em estudo. Os dados recolhidos incluíram informações sobre preferências comunicativas dos alunos no processo de ensino e aprendizagem, no processo da criação e da receção de imagens plásticas pelos alunos e, sobre o envolvimento emocional dos alunos nas atividades referidas. Complementarmente aplicou-se um conjunto de testes baseados em métodos verbais e visuais para verificar os resultados obtidos no estudo preliminar. A análise dos resultados demonstrou que, no contexto didático, nas aulas de Educação Plástica (Visual), os alunos mostram-se dispostos para uma comunicação ambivalente (visual e verbal), com preferências significativas para a comunicação visual, principalmente no processo de criação/expressão de estruturas plásticas e na sua aceitação de métodos de ensino e apredizagem (86% dos alunos do 6º ano e 82% do 7º ano preferem métodos visuais de ensino e/ou a demonstração prática de processos artísticos pelos professores) e preferências, menos acentuadas, para uma comunicação verbal complementar à comunicação visual, no processo de receção de imagens plásticas (43% dos alunos do 6º ano do 7º ano preferem observar eles próprios os objetos de arte e 57% dos alunos preferem ouvir o professor (ou o guia) sobre as obras expostas). Observou-se que as preferências comunicativas dos alunos, no contexto didático caracterzamse pelo metamorfismo comunicacinal, ou seja, pelas transformações produzidas na importância atribuída às imagens plásticas e às palavras nesta situação comunicacional específica ao processo de ensino e aprendizagem, em geral, e ao processo de expressão e receção de imagens artísticas, em particular. Neste contexto, concomitante com a relevante preferência dos alunos para a comunicação visual, 73% dos alunos do 6º ano e 75% do 7º ano consideram que é necessário explicar verbalmente o conteúdo das suas imagens para que elas serem melhor compreendidas pelos outros. Também, se revela uma diminição de 9% nos alunos do 7º ano para a comunicação visual, que começam a valorizar mais a comunicação verbal, devido provavelmente à sua evolução psicológica e inteletual num meio escolar essencialmente verbal. manifestam-se mais emotivos do que os alunos do 6º ano e têm necessidades maiores para expressarem as suas emoções através de imagens plásticas e palavras, reagem mais fortemente à apreciação das suas imagens pelos outros e estão mais orientados para obter resultados melhores na produção artística. Deste modo, o estudo revela a existência dum impacto significativo das emoções dos alunos sobre os processos da comunicação artística, ao nível da expressão/criação artística ou ao nível da receção/contemplação de imagens/obras de arte. Em conclusão, reconhecendo o potencial enorme e poderoso da Educação Artística (Visual) para o desenvolvimento humano pensa-se se é possível ancorar a comunicação artística no contexto didático e implantar na sombra do indizível um desenvolvimento harmonioso e complexo dos alunos? Se uma configuração eficaz da comunicação visual e verbal nas aulas de Educação Visual poderia optimizar o processo de ensino e aprendizagem e contribuir para o desenvolvimento de competências de comunicação artística nos alunos? A comunicação insere-se no tema Educação/arte/desenvolvimento do 2ei_ea. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARNHEIM, Rudolf (2006). Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Thomson Learing. BACHAR, P., GLAUBMAN, R., (2006). Policy and Practice of Art Teaching in Schools as Perceived by Educators and Artists, Art Education Policy Review, V.108 no 1 S/O, pp. 3-13. 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Os alunos têm uma resposta emocional especial relativamente à valorização de imagens criadas por eles próprios, a sua produção artística relaciona-se com uma forma de comunicação socialmente determinada: a) os alunos necessitam que as imagens deles estiverem apreciadas pelos outros, especialmente pelas pessoas mais próximas (70% dos alunos do 6º ano e 79% do 7º ano necessitam disso); b) os alunos mostram-se muito interessados em examinar o conteúdo das imagens criadas por eles (83% alunos do 6º ano e 89% do 7º ano gostam de analisa-las e comenta-las) e, apesar de manterem o seu interesse pela arte e atividades artísticas, estão menos interessados em estudar obras de arte. Remarcou-se que os alunos do 7º ano 68 69 Patrimônio cultural e intervenção pedagógica: a ação mediadora Estela Maria Oliveira Bonci Universidade Presbiteriana Mackenzie estelabonci@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/3223199451667679 Mirian Celeste Martins Universidade Presbiteriana Mackenzie mcmart@uol.com.br http://lattes.cnpq.br/7167254305943668 Resumo - Tendo como foco a ação mediadora a partir de um patrimônio cultural da cidade de São Paulo/Brasil, foi escolhida uma praça próxima à escola para gerar uma aproximação com alunos de duas salas de aula de 4º ano. A observação dos grupos durante a ação mediadora e a análise das produções resultantes dessa prática despertam questões que nos instigam a investigar, compreender, repensar e buscar respostas sobre as produções infantis e a mediação cultural e sua prática. Como elaborar uma proposta educativa que contextualiza o que enxergamos e que proporciona experiências onde é possível decidir, problematizar e escolher formas de agir e pensar criticamente? Desenvolvemos ações que possibilitam ao outro olhar criticamente e compreender o mundo, as pessoas à sua volta e o patrimônio cultural? Nosso olhar enxerga o que queremos ver ou o que nos fazem enxergar? As reflexões sobre estas questões pautadas nas análises das produções das crianças e das ações mediadoras conduzem esta comunicação. Palavras-chave: ação mediadora; desenho infantil; intervenção pedagógica; processos de percepção sensível; patrimônio cultural. Abstract - Focusing on the mediating action from a cultural heritage of the Sao Paulo city, Brazil, it was chosen a square next to the school to integrate students of the two classrooms from the 4 th year. The observation of the groups during the mediating action and the analysis of the resulting productions from that practice arouse questions which incite us to investigate, to understand, to rethink and to search for answers about two topics: the children’s productions and the cultural mediation and its practice. How to elaborate an educative approach that contextualizes what we see and provides experiences where it is possible to decide, to discuss and to choose ways of acting and thinking critically? Do we develop actions that allow others to see critically and to understand the world, the people around them and the cultural heritage? Do our eyes see what we want to see or they see what other people want that they see? The discussions about these questions based on the analysis of the children’s productions and of the mediating actions lead the present communication. Key words: mediating action; children’s drawing; pedagogic intervention; processes of sensitive perception; cultural heritage. 70 um carácter tecnicista e unidireccional. O conceito de informação das teorias informacionais constrói-se a partir do modelo de comunicação matemático de Shannon e Weaver (1949), que é orientado para o objeto e exclui a participação do sujeito da comunicação. Ulteriormente Mário Costa e Fred Forest desenvolveram a Estética da Comunicação (1983), que introduziu um novo aspeto processual, imaterial e dialógico das artes tecnológicas, e refletiu de forma sistemática sobre o emprego das tecnologias de telecomunicação como fonte de expressão artística. Costa (1999) observou o inter-relacionamento estreito entre a arte, a comunicação e o social. As tecnologias informacionais influenciaram fortemente o ensino das artes visuais, criando pressupostos teóricos para a reconstituição de conceitos da educação. Nas abordagens cognitivistas (Bruner, 1960, Arnheim, 1969) salienta-se o lado cognitivo da arte, da educação artística, evoluindo até negligenciar os afetos, cuja valorização excessiva deu origem aos adeptos da expressão livre das emoções pelos alunos (Lovenfeld, 1947). O estudo referenciado concetualmente encontra-se ancorado no paradigma cognitivista e, apesar de falar das relações e cruzamentos entre teorias semióticas e psicológicas, entre teorias da informação e da comunicação, não reproduz o modelo tecnológico, mas procura modelos da comunicação adequados à comunicação interpessoal e salienta o fator humano no processo da comunicação didática e o valor da subjetividade e dos afetos no processo da criação e na comunicação artística. Neste estudo, procuram-se respostas às perguntas “através de que” e “como” intervêm os processos da comunicação em educação artística nas aulas de Educação Visual e propõe-se encontrar um modelo da comunicação pedagógica que permita visualizar melhor o fenómeno, a respetiva situação comunicacional e delinear algumas delimitações terminológicas. Consequentemente, a comunicação artística, no contexto didático, define-se como um processo complexo e específico, que envolve a coação de três componentes: a criação artística, a imagem plástica/obra de arte e a contemplação (receção) estética. Esta perspetiva pressupõe uma relação criativa e reversível entre participantes (locutores e recetores), cujo conhecimento, pelo menos parcialmente, de códigos específicos (plástico e verbal) das estruturas artísticas facilite a criação e a compreensão de imagens artísticas pelos alunos e ainda que este processo é sujeito a mediação pelo professor. O conceito da comunicação artística, no contexto didáctico, constrói-se na interface de seguintes teorias: (1) teoria estética sobre o fenómeno da comunicação artística como manifestação sóciocultural da obra de arte numa relação específica e reversível entre o autor da obra e o seu recetor (Borev, 1988); (2) teoria psicológica sobre os processos da criação artística e da receção estética e as características do criador da obra e do recetor, considerado recreador da obra (Neacsu, 1999); (3) teoria psicológica da imagem artística (Huyghe, 2009); (4) teoria semiótica da imagem artística como linguagem e sistema de signos (Joly, 2007; Barthes, 1964); (5) teoria da comunicação e o Modelo geral da comunicação (Jakobson, 1963). Apesar de o termo comunicação artística suscitar discussões, considera-se importante mantê-lo, assim que “ a comunicação que toma em conta a necessidade da “dupla reflexão” é uma “comunicação artística” (Serra, 2005) e que de facto, aquilo que caracteriza a comunicação artística é que nela ”sempre se exigiu que se pense naquele que recebe a comunicação e que, em razão da sua eventual não compreensão, se preste atenção à forma da comunicação”(ibidem: 2040). Neste contexto, na tríade dos elementos constituintes do processo da comunicação artística no contexto didático (professor, aluno, imagem artística), o aluno é visto como o elemento central do sistema comunicacional e sujeito da educação, ou seja pretende-se manter a sua individualidade e a autonomia na criação e na receção de imagens. A imagem artística é vista como a portadora da mensagem visual específica, com os seus meios de expressão artística e as suas “regras” de manifestação. Espere-se proporcionar ao aluno experiências de codificação (criação) da imagem plástica e de descodificação (receção) da mensagem visual contida na imagem artística, através de métodos didácticos adequados às artes plásticas, 71 enfatizando o lúdico das atividades artísticas sem sobrestimar as regras, ou seja, mantendo o carácter flexível e vivo da comunicação artística, valorizando dinâmicas da subjectividade e da interação entre sujeitos e imagem. O termo imagem “plástica” utiliza-se como derivado das artes plásticas e engloba a caracterização geral de trabalhos bidimensionais (desenhos, pinturas, colagens) e/ou tridimensionais (modelagem/escultura) que os alunos produzem nas aulas de Educação Visual e, de igual modo, pode significar obras de artes plásticas que os alunos contemplam nas aulas. Trata-se da construção/observação no contexto didático duma situação comunicacional complexa e interativa, em que o professor transmite aos alunos experiências e conhecimentos essenciais e específicos, criando condições para vivenciar o fenómeno artístico. O professor realiza a mediação dos processos da comunicação, usando a linguagem da arte visual e a linguagem verbal, articuladas com as particularidades psicofisiológicas dos alunos. Enquadramento temático Nos EUA, no Canada, em Israel, na França, na Austrália, em Portugal e outros países, os estudos recentes revelaram tendências para a diferenciação na organização do processo de ensino e aprendizagem e na identificação do perfil do professor de Educação Visual. Bachar e Glaubman (2006) identificaram duas abordagens no ensino de arte: a abordagem de estúdio (oficina) em que o professor é um artista (mestre) que ensina individualmente os alunos para poderem expressar-se livremente e participar no diálogo artístico e a abordagem cognitivoacadémica, em que o professor é um especialista em história de arte e, nas suas aulas valoriza o conhecimento da história de arte e desenvolve nos alunos a sensibilidade e as competências para compreender e analisar obras de arte. Observou-se que os professores enfatizam métodos de ensino verbais ou práticos em dependência da abordagem aceite. Identificaram-se, também, tendências integradoras, que são manifestações mais novas e que emergem, principalmente, da prática pedagógica. Bachar e Glaubman (2006) observaram que o professor de arte com orientação cognitivo-académica, tende estar integrado nas formas comuns para ensino convencional em que funciona a escola, usando métodos de ensino que se conformam aos métodos da escola. O professor que adopta a abordagem de estúdio (oficina) apoia-se numa antiga prática de ensino em ambientes e condições específicos para a criação de arte. Esta tradição está mais afastada de métodos convencionais da escola. Os professores que combinam as duas abordagens, integrando-as com sucesso, aproximam os alunos mais de objectivos da educação pela arte, através do desenvolvimento duma estrutura de ensino de oficina tradicional que funciona dentro de ambientes escolares convencionais (Bachar & Glaubman, 2006). Koroscik (1993) nos seus estudos reparou nos professores de arte a predisposição para preferirem aspetos práticos ou verbais nas suas aulas. Deste modo, observa-se que as abordagens de ensino de arte se interrelacionam com os métodos de ensino e aprendizagem escolhidos, refletem as tradições e as convenções, as identidades dos profissionais e das instituições de ensino, definindo as particularidades de intervenção e mediação dos processos pelos professores. Na intimidade da comunicação do aluno com a obra de arte no contexto didático interferem os reflexos da mediação do processo pelo professor e da sua identidade. Nos domínios da arte e psicologia, aos aspetos não-verbais (visuais) e verbais específicos aos fenómenos artísticos, à imagem artística (plástica) e à linguagem verbal, referem-se Goodman (2006), Panovsky (1988), Barthes (1964), Joly (2007), Arnheim (2006), Gardner (1983) e outros. Nos EUA, Johnson (2008) defende a necessidade da alfabetação visual e verbal na Educação Visual das crianças. Em Portugal, Bahia e Trindade (2010:856) concluíram que o domínio do código plástico possibilita o desenvolvimento da compreensão e formulação de ideias pelos alunos adolescentes, revelando, que “uma intervenção fundamentada em conceitos do domínio psicológico pode ter repercussões muito positivas no âmbito da educação artística”. 72 O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático, observações no quadro empírico Complementarmente, aos estudos que elucidaram as escolhas dos professores no processo de ensino de arte, no presente estudo aponta-se mais sobre as necessidades dos alunos relativamente aos métodos de ensino e aprendizagem preferidos por eles na comunicação artística no contexto didático. Ao abrir esse espaço, tenta-se compreender no campo empírico algumas particularidades deste fenómeno. O estudo empírico iniciou-se com métodos mistos de pesquisa, abrangeu 162 alunos do 6º e 7º anos do ensino básico, e continua com métodos qualitativos para o aprofundamento do tema. A investigação no campo empírico começou com um questionário baseado no método proposto por Jung para observação das caracteristicas tipologicas da personalidade. O questionário pretende identificar preferências comunicativas dos alunos, convencialmente divididas em preferências para comunicação visual (através de imagens plásticas) e para comunicação verbal e constitui-se por secções interrelacionadas que, mantendo caraterísticas próprias, contribuem para uma estruturação geral do tema em estudo. Os dados recolhidos incluíram informações sobre preferências comunicativas dos alunos no processo de ensino e aprendizagem, no processo da criação e da receção de imagens plásticas pelos alunos e, sobre o envolvimento emocional dos alunos nas atividades referidas. Complementarmente aplicou-se um conjunto de testes baseados em métodos verbais e visuais para verificar os resultados obtidos no estudo preliminar. A análise dos resultados demonstrou que, no contexto didático, nas aulas de Educação Plástica (Visual), os alunos mostram-se dispostos para uma comunicação ambivalente (visual e verbal), com preferências significativas para a comunicação visual, principalmente no processo de criação/expressão de estruturas plásticas e na sua aceitação de métodos de ensino e apredizagem (86% dos alunos do 6º ano e 82% do 7º ano preferem métodos visuais de ensino e/ou a demonstração prática de processos artísticos pelos professores) e preferências, menos acentuadas, para uma comunicação verbal complementar à comunicação visual, no processo de receção de imagens plásticas (43% dos alunos do 6º ano do 7º ano preferem observar eles próprios os objetos de arte e 57% dos alunos preferem ouvir o professor (ou o guia) sobre as obras expostas). Observou-se que as preferências comunicativas dos alunos, no contexto didático caracterzamse pelo metamorfismo comunicacinal, ou seja, pelas transformações produzidas na importância atribuída às imagens plásticas e às palavras nesta situação comunicacional específica ao processo de ensino e aprendizagem, em geral, e ao processo de expressão e receção de imagens artísticas, em particular. Neste contexto, concomitante com a relevante preferência dos alunos para a comunicação visual, 73% dos alunos do 6º ano e 75% do 7º ano consideram que é necessário explicar verbalmente o conteúdo das suas imagens para que elas serem melhor compreendidas pelos outros. Também, se revela uma diminição de 9% nos alunos do 7º ano para a comunicação visual, que começam a valorizar mais a comunicação verbal, devido provavelmente à sua evolução psicológica e inteletual num meio escolar essencialmente verbal. Outro aspeto importante que o estudo revelou foi a observação sobre o envolvimento emocional dos alunos nos processos de criação e receção de imagens plásticas, que deixa uma marca importante na comunicação artística desenvolvida no contexto didático. Os alunos têm uma resposta emocional especial relativamente à valorização de imagens criadas por eles próprios, a sua produção artística relaciona-se com uma forma de comunicação socialmente determinada: a) os alunos necessitam que as imagens deles estiverem apreciadas pelos outros, especialmente pelas pessoas mais próximas (70% dos alunos do 6º ano e 79% do 7º ano necessitam disso); b) os alunos mostram-se muito interessados em examinar o conteúdo das imagens criadas por eles (83% alunos do 6º ano e 89% do 7º ano gostam de analisa-las e comenta-las) e, apesar de manterem o seu interesse pela arte e atividades artísticas, estão menos interessados em estudar obras de arte. Remarcou-se que os alunos do 7º ano 73 manifestam-se mais emotivos do que os alunos do 6º ano e têm necessidades maiores para expressarem as suas emoções através de imagens plásticas e palavras, reagem mais fortemente à apreciação das suas imagens pelos outros e estão mais orientados para obter resultados melhores na produção artística. Deste modo, o estudo revela a existência dum impacto significativo das emoções dos alunos sobre os processos da comunicação artística, ao nível da expressão/criação artística ou ao nível da receção/contemplação de imagens/obras de arte. Em conclusão, reconhecendo o potencial enorme e poderoso da Educação Artística (Visual) para o desenvolvimento humano pensa-se se é possível ancorar a comunicação artística no contexto didático e implantar na sombra do indizível um desenvolvimento harmonioso e complexo dos alunos? Se uma configuração eficaz da comunicação visual e verbal nas aulas de Educação Visual poderia optimizar o processo de ensino e aprendizagem e contribuir para o desenvolvimento de competências de comunicação artística nos alunos? A comunicação insere-se no tema Educação/arte/desenvolvimento do 2ei_ea. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARNHEIM, Rudolf (2006). Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Thomson Learing. BACHAR, P., GLAUBMAN, R., (2006). Policy and Practice of Art Teaching in Schools as Perceived by Educators and Artists, Art Education Policy Review, V.108 no 1 S/O, pp. 3-13. BAHIA, Sara, TRINDADE, José P., (2010), Contributos da Psicologia para a Educação Visual, In Actas do I Seminário Internacional “Contributos da Psicologia em contextos Educativos”, Braga: Universidade de Minho, p. 846-858. BANKS, Marcus, (2009). Dados Visuais, para pesquisa qualitativa, Bookman & Artmed. BARTHES, Roland (1982). O Óbvio e o Obtuso, Edições 70. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari, (1994). Investigação Qualitativa em Educação, uma introdução à teoria e aos métodos, Porto Editora, 1994. HUYGHE, René, (2009). O Poder da Imagem, Edições70. JAKOBSON, Roman, (1973). Relações entre a Ciência da Linguagem e as Outras Ciências, Livraria Bertrand. JOLY, Martine (2007). Introdução à análise da Imagem. Edições 70 LDA. SERRA, P., Comunicação e transparência – a comunicação indirecta, Livro de actas - 4º SOPCOM, Covilhã, 2005 http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-actas_vol_3.pdf I. ВЫГОТСКИЙ, Л.С. (2005). Психология Развития Ребёнка, ЭКСМО, Москва, (VIGOTSKY, L., (2005). Psicologia do desenvolvimento da criança, Moskovo, “Eksmo”). ВЫГОТСКИЙ, Л.С.(1998). Психология искусства. Мн.:«Современное Слово», (VIGOTSKY. L. (1998). Psicologia da Arte, Minsk, “Sovremennoe Slovo”). Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa Departamento de Artes Visuais/Centro de Artes/Universidade Regional do Cariri – URCA frodriguesarte@gmail.com 1. Introdução Há exatamente quatro anos iniciamos a Graduação em Artes na Universidade Regional do Cariri – URCA – Ceará/Brasil. Nosso objetivo foi e ainda é o de assegurar a formação inicial de professores para a área de Artes e, considerando as transformações ocorridas a partir dos anos 90 seria fundamental que esta graduação acolhesse as demandas locais e refletisse as lutas nacionais. Assim, o projeto político pedagógico que concebemos trouxe para a Região do Cariri cearense os Cursos de Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Artes Visuais. A formação de professores de Artes no Brasil remonta aos anos 70 do século passado e como em muitos países de língua portuguesa e espanhola recebeu a denominação de Educação Artística (Educación Artística). A trajetória da formação de professores em Artes foi acumulando experiências e criticas que resultaram em reformulações significativas e necessárias a ponto da área de Artes ser concebida em 04 (quatro) subáreas: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Diferentemente das universidades que haviam implantado seus cursos desde os anos 70, a Universidade Regional do Cariri – URCA veio a ingressar nos territórios da formação de professores em artes no ano de 2008, portanto, tudo era novo e isso nos permitiu pensar e elaborar os projetos dos cursos respeitando a história da formação de professores para a Educação Básica, a história da formação de professores em Artes e as especificidades epistemológicas inerentes a cada subárea. Em nossos encontros1 para elaboração dos projetos para cada curso nos dávamos conta de que era possível experimentar outras formas de organização curricular tendo em vista a possibilidade de um currículo que evitasse preconceitos e limitações e que tendesse a um hibridismo entre a formação artística, docente e investigadora. Portanto, o profissional a ser formado seria o artista/professor/pesquisador e o conjunto de disciplinas deveriam tanto refletir tal concepção como, também, exercitá-la ao longo dos 04 (quatro) anos de formação inicial. No tocante a formação docente chegamos à conclusão de que esta não deveria repetir os equívocos que marcaram a histórica formação de professores em artes, assim deveria dar lugar a unidade entre teoria/prática. Esta unidade evitaria que nas graduações em Artes Visuais e Teatro as disciplinas da formação docente fossem ofertadas praticamente no final dos cursos como tradicionalmente temos observado. Elaborar um currículo em que as disciplinas da formação docente caminhassem lado a lado com as da formação artística e investigadora pareceria ser uma tarefa impossível dado aos nossos próprios limites oriundos da nossa formação acadêmica que foi marcada por uma visão em que a docência foi tratada como secundária na formação inicial dos professores de artes. 1 Participaram desta etapa os professores Frederyck Sidou Piedade, Ana Cláudia Lopes de Assunção e Fábio José Rodrigues da Costa do Curso de Artes Visuais e os professores Duílio Cunha, João Dantas Filho e Marcio Alessandro Rodrigues do Curso de Teatro. 74 75 O TRAJETO DA PESQUISA Escolher um patrimônio cultural e realizar uma ação mediadora... Esta foi a tarefa proposta pela disciplina Arte e Mediação Cultural do programa de Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie/São Paulo, ministrada por Mirian Celeste Martins, co-autora desse artigo. Tarefa desafiadora, a qual possibilitou observar como os processos de percepção sensível podem ser enriquecidos a partir de seus registros. O Parque Municipal Buenos Aires e seus monumentos, localizado na Avenida Angélica, bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo, foi escolhido como o patrimônio cultural a ser observado para o desenvolvimento desta pesquisa. Esse parque despertou interesse em realizar uma ação mediadora, pois na escola em foco, muitas crianças freqüentam o local e talvez não saibam que ali existe um patrimônio cultural da cidade através dos monumentos presentes no local. A pesquisa foi desenvolvida com dois grupos de aproximadamente 20 crianças em cada, com idades entre 9 e 10 anos, alunos de escola particular de São Paulo, próxima ao Parque a ser observado. Antes de levar as crianças ao Parque, foram coletadas informações sobre a criação do Parque, suas obras, sua história e memórias. Um segundo momento da pesquisa foi o contato com as crianças e o convite à participação na situação de aprendizagem. A escolha por realizar a pesquisa em dois grupos de crianças deve-se ao fato de ter como objetivo inicial perceber a visão das crianças sobre as esculturas do parque a partir de seus desenhos, feitos durante a visita com observação direta (grupo 1) e criados após a visita a partir de imagens do patrimônio cultural anteriormente observado (grupo 2). A AÇÃO MEDIADORA COM O GRUPO 1 Na primeira saída ao Parque, o Grupo 1 estava muito animado com a proposta e o fato de saírem da escola a pé. Não lhes contei o que seria visto no Parque, deixando-os ainda mais curiosos. Ao chegarmos, expliquei que seriam observadas as obras presentes no local e eu lhes contaria um pouco sobre cada uma delas. Uma das crianças verbaliza entre os colegas:- “Ah! Eu sempre venho nesse parque e nunca vi nada diferente!”. Nesse momento, percebemos o quanto a ação seria importante para aquele grupo de crianças. A primeira obra que encontramos foi um grande busto de bronze apoiado num bloco de granito. Contei às crianças que o homem retratado era Dom Bernardino Rivadávia e chegou ao 76 Parque em 1945. Perguntando-lhes, a partir do nome, qual a nacionalidade desse homem, várias hipóteses foram levantadas, até que um aluno disse que seria argentino. Também lhes perguntei qual seria o material da obra, e novamente várias hipóteses surgiram, como ferro, pedra, cimento e aço. Após explicar-lhes que a escultura foi realizada em bronze, sobre um bloco de granito e que o autor da obra tem origem uruguaia, partimos para outra peça presente no Parque. Depois, fomos nos dirigindo à cada escultura, deixando sempre um espaço para um encontro com a obra e depois instigando a leitura. Assim, vimos "Leão lutando com uma serpente", "Anfitrite e Tritão", o busto do ex-prefeito de São Paulo Firminiano de Morais Pinto, a escultura "Veado lutando contra três tigres", da empresa francesa de fundição Fonderies d’Art Du Val d’Osne, "Tango", elaborada pelo escultor argentino Roberto Vivas, "Milon de Crotona", feita de cerâmica e granito e "Mãe", do italiano Caetano Fracaroli, localizada na área mais alta do parque, circundada por uma calçada de concreto. Terminada a observação, pedi que os alunos desenhassem em uma folha branca de sulfite, a obra que mais gostaram de todas as que foram vistas. Os desenhos foram feitos no Parque, antes das crianças retornarem à escola. Apenas uma escultura não foi observada, pois não estava acessível no dia. Enquanto os alunos desenhavam, era possível perceber que estavam cheios de informações a serem colocadas no papel, e alguns verbalizaram ser difícil escolher uma só obra. Deixei livre para desenharem mais de uma escultura, mas isso não ocorreu. Alguns alunos olharam por um bom tempo para a obra que estava próxima a eles, a escultura "Mãe", talvez buscando informações para complementar seus desenhos. As conversas entre as crianças sobre suas produções eram constantes, comparando traços, questionando formas e tamanhos, não demonstrando estarem intimidados com os olhares das outras pessoas presentes no parque. Retornando à escola, Paolo olha pra mim e diz: “Puxa professora, nunca imaginei que tinha tanta coisa no Parque! Sempre venho aqui e nunca vi que tinha essas esculturas!”. Sentimos nesse momento que a ação mediadora seguia no caminho certo, o caminho do despertar de algo novo, porém desconhecido aos olhos acostumados com o mesmo. A AÇÃO MEDIADORA COM O GRUPO 2 O Grupo 2 estava animado para a saída. No caminho em direção ao Parque, algumas crianças relataram já conhecer o local e que freqüentavam a área com os pais para fazer caminhadas ou exercícios. 77 Antes de apresentar a primeira obra às crianças, expliquei que iríamos observar as esculturas e depois eles fariam um desenho do que mais gostaram. Nesse momento, Rita comenta consigo mesma, baixinho: “Se soubesse que era só pra ver estátua não tinha vindo aqui!”. Começamos com a observação do busto de Dom Bernardino Rivadávia. Sebastian comenta: “O Rivadávia deve ter sido muito importante na Argentina! Pra ter uma homenagem dele aqui em São Paulo!”. Assim, as observações e interpretações foram acontecendo frente a todas as esculturas vistas pelo grupo anterior, incluindo também "Nascer", da escultora Daisy Nasser, que não foi observada com o outro grupo. Em frente à obra Tango, Silvio verbaliza com FIGURA. 1 ESCULTURA MÃE. DORA, 9 ANOS. DESENHO, CANETA HIDROGRÁFICA, FOLHA SULFITE A4-BRANCA FIGURA. 2 ESCULTURA MÃE. TITO, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS DE COR PRETO, FOLHA SULTFITE A4-BRANCA. FIGURA. 3 CAETANO FRACAROLI. MÃE, 1965. ESCULTURA, MÁRMORE, 24 TONELADAS. ênfase: “Claro que eles fizeram essa escultura! O Parque se chama Buenos Aires! É mais uma homenagem para a Argentina!”. A cor, os detalhes, a presença do plano de fundo e a diversidade de imagens retratadas são Enquanto nos dirigimos à escultura de “Milon de Crotona”, Rita se aproxima e diz destaques das produções do Grupo 2, o qual após a observação no Parque, pôde ver as fotos das animada: “Nossa professora! Eu não sabia que todas essas esculturas tinham tanta coisa pra nos obras, em branco e preto. A figura materna é novamente muito retratada nos desenhos. É ensinar!”. Nesse instante, senti ter alcançado o objetivo principal de minha ação mediadora. Era instigante pensar como foi marcante para o Grupo 2 a questão do que está envolta da obra; o possível perceber o crescente desenvolvimento do olhar da criança sobre o patrimônio cultural local onde ela se encontra e habita. que estava observando. Oscar me chama e diz: “Sabe professora! Eu nunca tinha visto essas esculturas aqui no Parque! E olha que sempre venho aqui! Ta muito legal nosso passeio!”. A escultura "Mãe" foi a última a ser observada antes de retornarmos à escola. E lá as crianças representaram o que mais gostaram das obras observadas através de desenhos. Nesse grupo, incorporei um elemento a mais, diferente do que acontecera com o Grupo 1. Em classe, foram apresentadas às crianças imagens das obras vistas no Parque e após observação das imagens, realizaram os desenhos do que mais gostaram na visita às obras. FIGURA. 4 FIGURA. 5 ESCULTURA TANGO. ROMERO, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS DE COR PRETO, FOLHA SULFITE A4-BRANCA. ROBERTO VIVAS. TANGO, 1995. ESCULTURA, BRONZE FUNDIDO NA CERA, SOBRE UM PEDESTAL EM GRANITO PRETO. FIGURA. 6 FIGURA. 7 ESCULTURA NASCER. MARIA, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS DE COR, FOLHA SULFITE A4-BRANCA. DAISY NASSER. NASCER, 2007. ESCULTURA, ALUMÍNIO LAQUEADO. AS PRODUÇÕES Em cada grupo foi possível perceber características muito próprias às crianças participantes da ação mediadora. Cada criança, com idade entre 9 e 10 anos, reagiu de forma diferente, uma da outra, a partir da estimulação que lhes foi proposta para a produção dos desenhos. É possível perceber que nas produções do Grupo 1, os desenhos apresentam traços simples, poucos detalhes, poucas cores e nenhum plano de fundo. Os contornos das imagens retratadas são destacados e a figura materna tem um significado forte para as crianças. Dentre os desenhos da escultura Mãe, dois desenhos destacam a preocupação das crianças em representar o amor maternal. Em ambos, é possível notar o traço marcado no desenho das mãos que acolhem a criança no colo. 78 79 A ação mediadora realizada no Parque está presente nas representações das crianças. Os olhares sobre o mundo são ampliados no momento em que aquilo que é visto, passa a Como disse Dewey (2011, p. 136): “Para perceber, o espectador ou observador tem de criar sua ser percebido, compreendido e incorporado a uma nova realidade a ser construída. Assim, as experiência. Os desenhos e as falas das crianças revelam uma verdadeira experiência vivida". leituras das produções sígnias das crianças através dos desenhos infantis devem ser lidas com olhos de descobridores, de desbravadores que buscam o algo a mais daquilo que é representado. A intervenção pedagógica associada à ação mediadora, sempre trará ao processo criativo a possibilidade de novas representações, novas relações de similaridades e diferenciações, novos olhares sobre aquilo que se percebe e o que se sente. Através do desenvolvimento dos processos de percepção sensível é possível enriquecer FIGURA. 8 FIGURA. 9 ESCULTURA LEÃO LUTANDO COM UMA SERPENTE. SEBASTIAN, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS DE COR, FOLHA SULFITE A4-BRANCA. FONDERIES D'ART DU VAL D'OSNEO. LEÃO LUTANDO COM UMA SERPENTE, 1916. ESCULTURA, FERRO FUNDIDO, ALVENARIA E GRANITO. seus registros no momento em que desenvolvemos a ação mediadora como provocadora da expressão daquilo que se vivencia. A partir dessa ação mediadora realizada, foi possível perceber o amplo universo e a possibilidade de desenvolver um processo constante de dialogar entre Ao valorizarmos as situações de aprendizagem abertas à investigação constante do produções infantis, teóricos e intervenções pedagógicas. indivíduo, baseadas em hipóteses que desencadeiam práticas problematizadoras que abrem novas possibilidades de experimentação, onde realizar, refletir e produzir são atos duradouros e autênticos. O sentimento que aflora na atividade de mediação? A alegria da certeza do início de um caminho permeado pela descoberta do novo. No dia seguinte à observação com o Grupo 1, Martin me procura na escola e logo me pergunta: “Professora, por favor, como é mesmo o nome daquele general argentino? Gostei muito da escultura dele e quero pesquisar sobre sua vida. Eu gostei mesmo dele!”. Passei-lhe o nome de Dom Bernardino Rivadávia e enquanto Martin dirigia-se ao recreio, senti a alegria de estabelecer a continuidade, na pesquisa que se ramifica, dividindo-se em um, dois, muitos eixos, para todos os lados, os quais retornam para si, num movimento de continuidade, como um rizoma. O rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. São os decalques que é preciso referir aos mapas e não o inverso. (DELEUZE & REFERÊNCIAS DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. I. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 32-33. DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo, Martins Fontes, 2011, p. 136-137. (Coleção Todas as Artes). Disponível em: PRÓ-MONUMENTOS, Instituto. Monumentos de São Paulo. <http://www.monumentos.art.br/monumentos?form_bairro=20&form_artista=>. Acesso em 20 set 2011. SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Cultura e Departamento do Patrimônio Histórico. Inventário de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/Inventario_de_Esculturas_1261586685.pdf. Acesso em 20 set 2011. GUATTARI, 2004, p. 32-33) Essa reflexão provocou vários questionamentos, sobre a própria mediação. Esses questionamentos impelem um movimento ao re-fazer a ação mediadora. Talvez outras dúvidas possam surgir, mas nunca as mesmas, nem as mesmas impressões, mas sim, o complemento do todo, de volta ao início, ou melhor, deleuzeanamente falando com voltas e voltas sobre a própria ação e sua análise, pois não é ao início, pois muito se constrói em cada volta. 80 81 Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa Departamento de Artes Visuais/Centro de Artes/Universidade Regional do Cariri – URCA frodriguesarte@gmail.com 1. Introdução Há exatamente quatro anos iniciamos a Graduação em Artes na Universidade Regional do Cariri – URCA – Ceará/Brasil. Nosso objetivo foi e ainda é o de assegurar a formação inicial de professores para a área de Artes e, considerando as transformações ocorridas a partir dos anos 90 seria fundamental que esta graduação acolhesse as demandas locais e refletisse as lutas nacionais. Assim, o projeto político pedagógico que concebemos trouxe para a Região do Cariri cearense os Cursos de Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Artes Visuais. A formação de professores de Artes no Brasil remonta aos anos 70 do século passado e como em muitos países de língua portuguesa e espanhola recebeu a denominação de Educação Artística (Educación Artística). A trajetória da formação de professores em Artes foi acumulando experiências e criticas que resultaram em reformulações significativas e necessárias a ponto da área de Artes ser concebida em 04 (quatro) subáreas: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Diferentemente das universidades que haviam implantado seus cursos desde os anos 70, a Universidade Regional do Cariri – URCA veio a ingressar nos territórios da formação de professores em artes no ano de 2008, portanto, tudo era novo e isso nos permitiu pensar e elaborar os projetos dos cursos respeitando a história da formação de professores para a Educação Básica, a história da formação de professores em Artes e as especificidades epistemológicas inerentes a cada subárea. Em nossos encontros1 para elaboração dos projetos para cada curso nos dávamos conta de que era possível experimentar outras formas de organização curricular tendo em vista a possibilidade de um currículo que evitasse preconceitos e limitações e que tendesse a um hibridismo entre a formação artística, docente e investigadora. Portanto, o profissional a ser formado seria o artista/professor/pesquisador e o conjunto de disciplinas deveriam tanto refletir tal concepção como, também, exercitá-la ao longo dos 04 (quatro) anos de formação inicial. No tocante a formação docente chegamos à conclusão de que esta não deveria repetir os equívocos que marcaram a histórica formação de professores em artes, assim deveria dar lugar a unidade entre teoria/prática. Esta unidade evitaria que nas graduações em Artes Visuais e Teatro as disciplinas da formação docente fossem ofertadas praticamente no final dos cursos como tradicionalmente temos observado. Elaborar um currículo em que as disciplinas da formação docente caminhassem lado a lado com as da formação artística e investigadora pareceria ser uma tarefa impossível dado aos nossos próprios limites oriundos da nossa formação acadêmica que foi marcada por uma visão em que a docência foi tratada como secundária na formação inicial dos professores de artes. 1 Participaram desta etapa os professores Frederyck Sidou Piedade, Ana Cláudia Lopes de Assunção e Fábio José Rodrigues da Costa do Curso de Artes Visuais e os professores Duílio Cunha, João Dantas Filho e Marcio Alessandro Rodrigues do Curso de Teatro. 82 Tomados por reflexões sobre o lugar das disciplinas da formação docente no currículo para a Licenciatura2 entendida como o lugar da docência buscamos ou ousamos resignificar o que viria a ser a graduação em Artes Visuais e a graduação em Teatro. Assim, propusemos um conjunto de disciplinas que seriam ofertadas a partir do primeiro semestre de curso numa perspectiva de aproximar os estudantes das questões epistemológicas da Arte/Educação e a partir dela da formação de professores em artes. Estabelecemos, portanto, como eixo disciplinas que se dedicariam aos estudos, reflexões, práticas e pesquisas sobre o fenômeno educativo em artes seja no âmbito formal ou informal. Assim, propusemos como disciplinas da formação docente: Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes, Didática do Ensino das Artes Visuais e Estágio Supervisionado em Ensino das Artes Visuais para a Licenciatura em Artes Visuais e Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes, Didática do Ensino do Teatro e Estágio Supervisionado em Ensino do Teatro para a Licenciatura em Teatro. Entendendo que o fenômeno educativo não se traduz apenas no campo epistemológico das Artes, mantivemos as disciplinas: Didática Geral, Políticas Educacionais e Psicologia da Educação. Nos últimos quatro anos experimentamos este currículo o que nos permite hoje analisar essa trajetória e para isso optamos por fazê-lo tomando como objeto a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes. Este artigo objetiva apresentar nossas aproximações, questionamentos e reflexões sobre o proposto e o vivido no contexto da formação de professores em artes a partir da experiência do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA/Brasil. 2. Uma questão política A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes – PPPA, constitui o Currículo da Graduação/Licenciatura em Artes Visuais e da Graduação/Licenciatura em Teatro e, em breve, o da Graduação/Licenciatura em Dança do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA, Ceará/Brasil. Sua inclusão no currículo foi uma decisão política, uma vez que, “La incorporación de asignaturas a la enseñanza no consiste en una decisión imparcial, racional sobre lo que se juzga de interés para los alumnos. Es un acto político concebido de modo mucho más amplio en el que todo los grupos de interés, tal como debe ser dentro de una democracia, tienen la palabra; pero es un error considerarlo un ejercicio objetivo y racional. Es un ejercicio eminentemente político, y en mi opinión debemos comprender este proceso” (Goodson, 2000. p. 43). Como um ato político não deixou de ser um ato epistemológico, ou seja, atender as exigências da Arte/Educação contemporânea e as transformações que se operam na atualidade quanto ao campo de formação inicial do artista/professor/pesquisador. Portanto, o político e a epistemologia estão imbricados. Reconhecer tal imbricamento é ultrapassar a noção de verdade única (Kincheloe, 2001) imposta pela modernidade e sua concepção de conhecimento que se orienta por uma “aprendizaje de lo que ya había sido definido previamente como tal. Los Estudiantes de la epistemología de verdad única de la modernidad son tratados como monigotes, recompensados tan sólo por la retención memorística, a corto plazo, de verdades certificadas” (Kincheloe, 2001, p. 14). O político e o epistemológico se convertem, a nosso ver, em categorias analíticas para o exercício de compreensão das disciplinas dos currículos para a formação de professores de Artes. Soma-se a estas categorias o contexto para o qual esta formação deverá atender. Assim, 2 A Licenciatura no Brasil corresponde a um grau acadêmico do Ensino Superior que habilita profissionais para a docência na Educação Básica. 83 o contexto também exerce um papel determinante na construção curricular para diferentes campos de formação e, em nosso caso, para a formação de artistas/professores/pesquisadores brasileiros. “Cada currículo envolve tanto as decisões políticas do governo quanto a expectativa dos pais, empregadores e a comunidade em geral. Então, o currículo é sempre uma norma política/social/cultural.” (Pimentel, 1999, p. 118-119). É importante destacar que o cenário ao qual Gisbert e Costa (2005) analisaram foi transformado e hoje (2012) no Ceará a Universidade Federal do Ceará oferta a Graduação em Dança, Teatro e Educação Musical. Esta última na capital e na Região do Cariri. Já a Universidade de Fortaleza oferece na capital a Graduação em Artes Plásticas e Teatro com foco na formação artística. Considerando que estamos tratando de uma disciplina constituidora do Currículo da Graduação/Licenciatura em Artes (Artes Visuais e Teatro) de uma dada Universidade, compreendemos que nossos argumentos se fixam em um “estudo de caso” uma vez que tratamos da experiência vivenciada por uma instituição específica, porém em diálogo com outras experiências tanto no Brasil como em outros contextos culturais. Por iniciativa de alguns professores da Universidade Regional do Cariri – URCA que haviam acumulado experiência por meio da Pós-Graduação Lato Sensu em Arte/Educação desde 1998 e da criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte – NEPEA (1999), em 2005 é dado o primeiro passo em direção à oferta de cursos de graduação em Artes no Ceará voltados a formação do artista/professor/pesquisador. Naquele momento e, ainda hoje, este projeto recebeu pouca atenção de dirigentes políticos e tem sido um compromisso político de professores e alunos que fazem o Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA. Sem dúvida o esforço e o compromisso em criar a Graduação em Artes em uma Universidade localizada no interior e não na capital representou um dos mais significativos deslocamentos e rupturas com o imaginário colonizador e que ainda predomina na relação capital e interior no Brasil. Que o Currículo está determinado por forças políticas e de poder (Moreira, 1995; Pimentel, 1999; Goodson, 2000; Kincheloe, 2001) não termos dúvidas. Assim, acreditamos que propor uma formação em Artes para a Região do Cariri cearense/Brasil seria confrontar as estruturas políticas e de poder que impediram a interiorização dessa área do conhecimento que tradicionalmente esteve centrada nas capitais e nos grandes centros urbanos a partir dos anos 70 do século passado. Portanto, insistir na oferta de Graduação em Artes por uma Universidade Pública localizada no interior do Estado do Ceará seria enfrentar inúmeras dificuldades e pressões quanto a sua urgente necessidade. Antes da interiorização da Graduação em Artes no Ceará ocorrida efetivamente em 2008 pela Universidade Regional do Cariri - URCA, a história registra que em 1953 foi criada a Escola de Belas-Artes, em Fortaleza, pela Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Infelizmente, a Escola nem chegou a formar sua primeira turma. Posteriormente, em 1977 foi criado o Curso de Música pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, também, em Fortaleza, permanecendo até os dias atuais. Contrariamente ao que ocorria no restante do país, o Ceará terminou o século XX oferecendo apenas o Curso de Música como única opção para formação do professor de Artes. No Ceará esta formação tardou a chegar uma vez que as universidades tanto públicas quanto particulares não demonstraram qualquer interesse em oferecer os então criados cursos de Licenciatura em Educação Artística com ou sem Habilitações. A concepção para o Currículo das Graduações foi desde o primeiro momento de sua gestação orientado pela compreensão de que estaríamos situados na Região do Cariri e que nosso desafio seria atender a uma demanda de jovens que aguardavam por um Centro de Artes como lócus para a formação do artista/professor/pesquisador desde a graduação até a pós-graduação (Lato Sensus e Stricto Sensus). É importante destacar que até o presente momento no Estado do Ceará as Universidades Públicas e Privadas não oferecem Programas de Mestrado e Doutorado em Artes. 3. Uma questão epistemológica Possivelmente, muitas gerações que frequentaram a educação básica ofertada pelo governo estadual assim, como, pelos governos municipais tenham sido vitimas de uma negligência que somadas a outras tantas afetaram profundamente a formação de homens e mulheres conhecedores, fluidores da arte e do conhecimento dela construído e requerido pelo mundo contemporâneo. A Arte/Educação Contemporânea entende que os fenômenos sociais são resultantes das contradições existentes nos contextos que lhe dão origem e estão determinados por um conjunto de fatores como os históricos, econômicos e culturais e que em cada contexto a realidade é diferente e assume características próprias. Assim o movimento é dialético, dinâmico e, portanto, a história é descontinua como afirma Foucault (1991). No tocante a formação do professor de arte no Brasil e, especificamente, no Ceará Gisbert e Costa (2005) no artigo “La Investigación, ámbito para la formación y educación del profesor de arte” observam que: Consideramos que assim como a Arte a Arte/Educação está intrinsecamente determinada por relações históricas, sociais, ideológicas e de poder em toda e qualquer sociedade (Gisbert, 1996). Uma Arte/Educação enquanto epistemologia contemporânea e pós-moderna busca ultrapassar a idéia de progresso como o resultado do uso da razão e do conhecimento científico em favor de uma única forma de cultura humana (Efland; Freedman; Stuhr, 2003), ao mesmo tempo em que objetiva reconceitualizar o conhecimento do professor formador (Kincheloe, 2001) e do futuro artista/professor/pesquisador. A pesquisa realizada por Gisbert e Costa (2005) encontra na própria trajetória histórica da formação do professor de artes para o contexto da educação básica brasileira sua explicação e isso em decorrência de diversos fatores e, um deles, pode ser o fato de que no Ceará a concepção de ensino e aprendizagem da arte tenha permanecido circunscrita a uma interpretação equivocada quanto ao lugar da arte na escola e o lugar do artista na sociedade. As bases epistemológicas que fundamentam a Arte/Educação contemporânea e pós-moderna entende que o ensino de arte ocorre em diferentes contextos deliberadamente organizados como em uma sala de aula da educação infantil ou em uma faculdade de arte, mas também Na região Nordeste, constituída por 09 estados há 07 cursos num total de 11 universidades. É interessante observar que no Estado do Ceará a Universidade Federal do Ceará – UFC não oferta este curso como outras instituições de educação superior. Neste estado não existe onde formar o professor para o ensino da arte (p. 6). 84 O projeto para a Graduação em Artes/Licenciatura era ousado e previa a oferta de quatro áreas de formação: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Em 2008, foram iniciados as Licenciaturas em Artes Visuais e Teatro pela Universidade Regional do Cariri – URCA e, atualmente estamos em processo para oferta da Licenciatura em Dança. 85 nas galerias dos museus, nos centros culturais, nas residências, na rua, nos cinemas (Freedman, 2006). Partindo do pensamento de Agirre (2005) nos atrevemos a dizer que a Arte/Educação contemporânea orienta-se na idéia de que a Arte é mediadora de valores culturais e que a função do ensino de artes é reconhecer estas metáforas e seu valor em diferentes culturas. A Arte/Educação contemporânea e pós-moderna está a exigir um perfil de artistas/professores/pesquisadores “aptos para cultivar um repertório de estratégias instrucionais sensíveis à cultura, tendo em conta que os estilos de aprendizagem eleitos estão mais que geneticamente, culturalmente determinados. Por outro lado, a ênfases que a reconstrução põe no significado mais que na forma requer docentes habituados com a descodificação e a desconstrução das imagens visuais” (Agirre, 2005, p. 315). 4. Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes presente nos dois primeiros anos dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e da Licenciatura em Teatro, foi concebida com uma carga horária de 432 horas aula e dividida em quatro etapas: Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes I, Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes II, Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes III e Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes IV. Esta divisão é meramente didática e não epistemológica e objetivou favorecer ao estudante recém ingressado na Licenciatura dar seus primeiros passos em direção a pesquisa sobre artes e, especificamente, sobre os problemas que afetaram e ainda afetam aos estudantes na Educação Básica no que diz respeito ao ensino e aprendizagem das artes. A disciplina orienta-se por uma concepção de pesquisa, em arte/educação, que significa aplicar o processo organizado, sistemático e empírico que segue o método científico para compreender, conhecer, explicar e interpretar a realidade, como base para construir a ciência e desenvolver o conhecimento científico da área (Bisquerra, 2004). A pesquisa em educação desempenha sua função quando dar respostas aos problemas que a sociedade em geral e as escolas, como parte dessa sociedade, tem que resolver. Não se trata de uma concepção de pesquisa em arte, pois não se ocupa diretamente do “trabalho de pesquisa em criação artística, empreendido por artistas que objetivam obter como produto final a obra de arte” (Zamboni, 2006, p. 6). A pesquisa sobre arte, territórios da arte/educação, possibilita ao pesquisador “lançar mão de métodos de pesquisa habitualmente utilizados em educação, em ciências sociais, psicologia etc” (IDEM, p. 6). Esse “lançar mão” é melhor compreendido a partir do conceito de bricolagem entendida como “ o relacionamento entre as formas de ver de um pesquisador e o lugar social de sua história pessoal” (Kincheloe e Berry, 2007, p. 16). Por prática pedagógica em artes compreendemos os processos/modos deliberadamente organizados pelos professores para ensinar artes tanto nos contextos formais de escolarização e educação quanto nos informais. Seria, portanto, a organização do trabalho pedagógico ou trabalho docente (Freitas, 2001). O trabalho docente em artes não ocorre apenas nas escolas de educação básica, mas também em organizações não governamentais, em museus, centros culturais, hospitais etc. 86 Por prática pedagógica entendemos também as relações que se estabelecem entre o “trabalho dos professores e à sua formação, ao pensamento dos professores e à sua história de vida, às relações entre a cultura escolar e a cultura dos professores, ao lugar do saber dos professores entre os saberes sociais etc.” (Tardif, 2001, p. 112) Com base nos pressuposto que mediatizam a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes consideramos importante como referencial tratar das ementas e suas relações com a formação inicial dos estudantes nos Cursos de Graduação/Licenciatura em Artes Visuais e Teatro. A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes I é ofertada no primeiro semestre de curso e tem por ementa o Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a forma escolar de educação e sobre a trajetória do ensino de arte no Brasil (Séc.XIX e início do séc. XX). Nesta primeira etapa, iniciada já no primeiro semestre de curso, os estudantes são envolvidos na problemática do ensino de artes no Brasil tendo como ponto de partida suas histórias de vida e escolarização procurando responder a pergunta: Como foi sua aprendizagem em artes na Educação Básica? É importante esclarecer que a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes é ministrada para os estudantes das duas graduações/licenciaturas. Portanto, convivem no mesmo espaço de aprendizagem os estudantes de Artes Visuais e Teatro. No segundo semestre a disciplina PPPArtes II se propõe ao Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a forma escolar de educação e sobre a trajetória do ensino de arte no Brasil (séc. XX) e como em PPPArtes I a ênfases é dada aos processos de escolarização. Nesta etapa ocorre um deslocamento, pois agora os estudantes irão estabelecer conexões entre o vivido em PPPArtes I com as transformações ocorridas na Arte/Educação e suas implicações para a formação docente e o exercício da docência em artes a partir dos anos 80/90 do século passado. Já em PPPArtes III o deslocamento ocorre em função dos diferente lugares de presença do artista/professor/pesquisador e, neste sentido, a disciplina se centra no Estudo sócio-histórico e antropológico sobre os múltiplos lugares de atuação do artista/professor/pesquisador, do professor de artes ou arte/educador. Em PPPArtes III a ênfase é dada as ações educativas desenvolvidas na educação não formal com destaque para o trabalho nas Organizações Não Governamentais. Ainda no contexto da educação não formal, a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes IV se ocupa do Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a mediação cultural em museus e centros culturais e da profissionalização do mediador cultural. A ênfase é dada aos programas educativos e a mediação cultural propostos pelos equipamentos culturais da Região do Cariri tanto em Artes Visuais quanto em Teatro. Além da disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes os estudantes também cursam as disciplinas: Didática Geral, ofertada no segundo semestre; Políticas Educacionais, terceiro semestre; Psicologia da Educação, quarto semestre. Como é possível perceber ao longo dos dois primeiros anos da graduação/licenciatura em Artes Visuais e Teatro os estudantes são envolvidos com a formação docente, com as problemáticas da escolarização em artes, com os diferentes e múltiplos lugares de presença do artista/professor/pesquisador, assim como, com as questões referentes ao fenômeno educativo em geral. 87 5. Considerações Finais A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes constituidora dos Currículos das graduações/licenciaturas em Artes Visuais e Teatro do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA toma para si as atuais considerações para a formação inicial do professor de artes e, neste sentido, ultrapassa as concepções de formação anteriores sem desconsiderar a trajetória da área que surge com a Licenciatura em Educação Artística e suas Habilitações, porém opta por uma concepção de formação centrada na especialidade das linguagens da Arte (Artes Visuais, Teatro, Música e Dança) de acordo com a contemporaneidade da área e da Arte/Educação brasileira. O objetivo principal é promover mudanças na formação inicial do professor de artes passando a compreendê-lo como artista/professor/pesquisador e que esta concepção deve orientar as ações educativas no interior da universidade até chegar aos múltiplos espaços de presença e atuação profissional do arte/educador. 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Tema: (re)pensar a investigação em educação artística Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural:contaminações e provocações estéticas. Coordenação: Profa Dra Mirian Celeste Martins1, Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM e Rizoma Cultural. Membros: Prof. Doutor Francione Oliveira Carvalho(Estácio Uniradial); Doutorandos: Rita de Cássia Demarchi, UPM, Márcia Cristina Polacchini de Oliveira, SEE/SP; Maria José Falcão, Universidade Sorocaba; Maristela Sanches Rodrigues, Instituto de Artes/Unesp; Mestres: Bruno Fischer Dimarch, Fundação Padre Anchieta; Jorge Wilson da Conceição, SEE/SP, Fabiano Ramos Torres, SEE/SP, Maria Lucia Bighetti Fioravanti, Ana Carmen F. Nogueira, Hórus Ateliê; Solange Utuari, Unicsul; Mestrandos: Estela Maria Oliveira Bonci; Egidio Shizuo Toda; Prof. participantes: Daniela de Souza Martins, (SEE/SP) e Lívia Regina Costa Serrano(SEE/SP). Resumo: Quais questões se mostram relevantes na proposição de leituras de imagens e sonoridades, no estudo da história da arte, nas aproximações com o patrimônio cultural quando a fundamentação teórica está pautada no conceito de mediação cultural que vem sendo construído por nosso grupo de pesquisa? Vinculado a programas de pós-graduação desde 2003 no Instituto de Artes UNESP/SP e continuado a partir de 2009 na Universidade Presbiteriana Mackenzie, apresentamos aqui algumas constatações e fundamentações. A partir deles pode-se (re)pensar a investigação no ensino de arte de modo colaborativo, com a diluição de fronteiras entre os saberes e entre as preocupações individuais e as coletivas, gerar processos educativos que visam a aproximação entre arte e público e criar modos de ação capazes de mover os participantes à inquietação, a ampliar as percepções e conexões, trocar experiências em busca de problematizar as perspectivas habituais. Palavras-chaves: Pesquisa colaborativa; mediação cultural; aproximação arte e público; processos educativos; territórios de arte & cultura. Abstract: Which questions are the most important - concerning the image and sound readings, the art history studies, the cultural heritage, for instance - when theory is based on the concept of cultural mediation which has been thought by our research group? The Research Group on Cultural Mediation is linked to Postgraduate Programs since 2003, first at UNESP (up to 2008) and currently at Presbyterian University Mackenzie (since 2009). Here, we present some evidences and principles as starting points for (re)think the researches on art education in a collaborative way. This means the end of borders among knowledge(s) and individuals or collective concerns; thinking educative processes focused on the approaching between art and audience; as well as creating actions in order to lead participants to a movement of questioning, amplifying their perceptions and connections and exchanging experiences looking for the problematization of usual perspective. Keywords: collaborative research; cultural mediation; approaching between art and public; educative processes; art & culture territories 1 Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: provocações e contaminações estéticas do Programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 89 criação partilhada horizontalidade sem hierarquias desnecessárias rompimento com a divisão social do trabalho dentro do processo de criação um modo socializado de produção confrontação surgimento de novas ideias sugestões interferência na criação alheia olhar crítico sobre o próprio trabalho olhar crítico sobre o trabalho do outro desapego tensão desapego preservar a individualidade artística de cada um aprofundar a experiência de cada um grupo preservar a função de cada artista autoria partilhada diálogo processo de criação processo colaborativo. Flávio Desgranges em Rastros de processo colaborativo (2010, p.5) Processos colaborativos nascem da disponibilidade para conversar, problematizar, pesquisar, trocar, provocar, aprofundar a experiência de cada um enriquecida na produção coletiva. Isto é visível em proposições coletivas que se movem em processos colaborativos, seja no teatro como mostra o material educativo composto por documentário e livreto - Rastros de processo colaborativo (Picosque e Martins, 2010), seja nos coletivos em artes visuais, entre outros possíveis exemplos. Em processos colaborativos há espaços para abrir questões, levantar inquietações, trazer práticas e fundamentações teóricas e caminhar com elas, em um processo de tecer textos e estudos individuais, enriquecendo e ampliando o coletivo ou tramando o texto coletivamente em costuras de cada um, coloridas por cada integrante que nele penetra. É nesta linha de ação que nos colocamos como grupo. A participação em um Congresso, a produção de um seminário ou de um artigo coletivo sempre nos abrem uma fenda. Dentre os inúmeros fios que regem nossas conversas sobre a mediação cultural, um acontecimento destes tem sido um incentivo para formatar um texto coletivo, integra zonas de inquietude e desejo de aprofundamento. Assim, como o próprio momento da apresentação da comunicação por Fabiano no congresso, que nos faz ampliar o texto inicial. As inquietudes, desde o início do Grupo de Pesquisa Mediação Arte/Cultura/Público do Instituto de Artes da Unesp (2003-2007), geraram dissertações de mestrado e publicações. E tem continuado desde 2009 no Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: contaminações e provocações estéticas vinculado ao Programa de Pós-Graduação Educação, Arte e História da Cultura Universidade Presbiteriana Mackenzie, UPM. Alguns integrantes do grupo anterior permaneceram e outros foram incorporados, compondo um o grupo constituído por professores com diferentes formações, atuantes em diversas realidades e níveis de ensino. Contudo, há pontos em comum: o trabalho com arte e a vontade de compartilhar experiências, de colaborar, de alimentar a práxis e a vida. Vontade de criação partilhada em encontros com conversas regadas a descobertas, agenda cultural, inquietações, dúvidas, caos criativo, acréscimos teóricos, desafios de organização e tempo, em meio à vida corrida e atarefada de professor. Com o desejo de descortinar novos horizontes acerca da mediação, suas potencialidades e provocações, nosso foco é o estudo da mediação cultural entendida não como ponte que une dois pontos, mas como um “estar entre muitos”. Este conceito implica em uma ação fundamentada que se aperfeiçoa na consciente percepção da atuação do mediador que está entre muitos, seja na escola, no museu, nas praças e ruas: as obras, a cultura visual e sonora e as conexões possíveis entre elas; as obras e suas conexões com as demais provocadas por uma curadoria; os espaços e ações dos museus ou instituições culturais; a escola; a cidade; os agentes mediadores: o artista, o educador, o curador, o museógrafo, o gestor cultural; o desenho museográfico das exposições e os textos de parede que acolhem ou afastam; a mídia e o mercado de arte, o historiador e o crítico, os materiais educativos e os mediadores (monitores ou professores), que privilegiam obras em suas curadorias educativas; o patrimônio cultural de nossa comunidade; a expectativa da escola e dos demais professores.... 90 Depois de várias pesquisas e estudos, buscamos expandir um modo de pensar mediação cultural e nos colocamos a traçar uma cartografia da mediação cultural, sempre mutante, levantando territórios e problematizações a partir dos conceitos de rizoma de Deleuze e Guattari (1995) e de territórios de arte&cultura cunhados por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (2010). O rizoma, segundo Deleuze e Guatarri (1995), é um caule sem núcleo central cujas partes em rede podem ser a origem de novas plantas. Os territórios, um pensar geográfico sobre campos dinâmicos e difusos de fronteiras evanescentes. Na confluência destes conceitos, nasceu uma cartografia com territórios e forças interterritoriais que se conectam, entre eles: acesso cultural; cultura visual; curadoria educativa; espaços culturais na escola; formação docente; leitura de imagem: metodologias; mediação cultural nos museus e instituições culturais; patrimônio cultural; políticas, produção e práticas culturais; recepção estética; silêncios; tecnologias interativas; e o convite a zarpar para outras linhas de fuga...Em cada um desses territórios, muitas questões nos colocam atentos, sensíveis e inquietos, gerando outras pesquisas e aprofundamentos conceituais. Para este congresso, frente aos territórios, lançamos a complexa pergunta: Quais questões se mostram relevantes na proposição de leituras de imagens e sonoridades, no estudo da história da arte, nas aproximações com o patrimônio cultural quando a fundamentação teórica está pautada no conceito de mediação cultural que vem sendo construído por nosso grupo de pesquisa? Evidenciam-se nossas inquietações, que não se fecham neste texto. Ao contrário, no processo colaborativo que nos anima e provoca, apenas se inicia aqui uma reflexão. Pensando rizomaticamente, trazemos aspectos iniciais para a construção da pergunta que nos instiga; e que se desdobram em focos que puxam outras questões. Da maneira como compreendemos a mediação cultural, o fruidor é colocado no centro do processo, em meio à ampla rede dos saberes e experiências que envolvem a arte e cultura no cenário contemporâneo. Esse olhar cuidadoso para com o fruidor, aquele que, individualmente ou em grupo é o sujeito da experiência, nos faz pensar em novas nuances das propostas de aproximação e aprofundamento junto aos fenômenos culturais, aos bens patrimoniais, à leitura de imagens e sonoridades, à história da arte. Nesse sentido, pensamos que traçar rotas que incluam o navegar entre os territórios “Movimento estético do apreciador”, “Ação cultural” e “Acesso cultural” seja particularmente instigante e gere perguntas mais específicas: Como os estudos de teóricos do “desenvolvimento estético” podem nos ajudar a ampliar nossa compreensão daqueles que conosco vivem o processo de mediação cultural? Como facilitar o acesso, valorizar os bens culturais, e ao mesmo tempo valorizar a bagagem e os anseios dos fruidores, acreditando em sua potência como faz o “mestre ignorante”trazido por Rancière (2010)?Como superar o silêncio de quem se coloca na posição de receptor passivo de uma obra ou de uma “aula”? Reavivar as produções artísticas de outras épocas e lugares, trazê-las para junto de nós e colocálas em diálogo e confronto com outras obras e com a nossa vida é um dos desafios da história da arte tratada de modo contemporâneo. Outro ponto se refere à superação do mero rótulo e à classificação das obras inseridas em movimentos artísticos já conhecidos e sacralizados. A proposta dos territórios possibilita reflexões sobre arte que ultrapassem o viés mais tradicionalista e elitista que recorre à história da arte como um saber “engavetado”, organizado linearmente e distanciado do cotidiano. Nesse sentido, notamos a importância especial do território “Curadoria educativa”, compreendido como uma atitude 91 consciente do mediador acerca de suas escolhas sobre o quê apresentar e de que forma apresentar aos fruidores. E novas questões surgem, algumas atreladas também ao território “Cultura Visual”: Que obras/músicas/danças/peças de teatro escolhemos para trabalhar com o nosso público, com os nossos alunos nos diversos contextos? Por que as escolhemos? O que desvelam de nossas próprias maneiras de viver arte e cultura? O que pode ser problematizado a partir do diálogo travado entre as diversas manifestações, sejam da história da arte, sejam da cultura visual atrelada ao cotidiano? Qual espaço de escolha é dado aos aprendizes?Como provocar análises comparativas e não apenas o beber das informações dadas? Como a história da arte pode ser vista como algo dinâmico e conectável a outros tantos saberes e viveres? Questões que se distinguem por uma preocupação com a mediação cultural, como um modo singular de provocar, contaminar, aproximar. Questões que continuam abertas na busca de novas e profícuas conversas, que nem sempre nos trazem respostas, mas nos colocam a caminho. Conversas colaborativas com quem está junto e quem está distante, com o que se sabe e o que não se sabe ainda. É com essas “conversas” que a arte e a sua história se tornam vivas e não engavetadas ou empoeiradas. É com essas conversas que ampliamos o nosso repertório, compreendemos melhor a razão de ser de nossos ofícios, olhamos quem são os nossos companheiros: alunos, colegas; afinamos escolhas sobre o quê possibilitar a nossos alunos e porquê. Do mesmo modo, novas conversas aconteceram a partir da apresentação do texto apresentado no II Encontro Internacional de Educação Artística, possibilitando um novo exercício, em continuidade aos desafios do processo colaborativo, desta vez, voltados para a “apresentação” do trabalho produzido. A experiência de apresentar o trabalho de um grupo de pesquisa, pede que se pense uma justa medida entre "quem fala" e " com quem e para quem se fala", pois o desafio é o de dar passagem à polifonia presente no texto e ao mesmo tempo possibilitar, preservar, manter e exercitar a singularidade de quem está apresentando. Do cruzamento e articulação de vários saberes e práticas agenciados é produzida uma enunciação que se efetiva na leitura, com suas entonações, pausas, ênfases. Leitura de uma escrita que, por sua vez, não pode ser compreendida como forma cristalizada. Sendo assim, o texto apresentado foi concebido como um processo, sujeito, inclusive, ao fluxo dos acontecimentos: os fatores que interferem na sua recepção, os ruídos, as interrupções, os lapsos, os encaixes. Compreendendo o acontecimento como a irrupção do inesperado, como aquilo que causa estranhamento e desorientação, nasce a necessidade de uma retomada, a cada vez, do processo de criação. Como se tratava da apresentação do trabalho de um grupo, havia a exigência de respeitar o que fora produzido pelo grupo ao mesmo tempo em que, por conta da dinâmica do acontecimento, a apresentação exigia dar continuidade ao processo de elaboração. A experiência de “apresentar” os resultados de um trabalho em andamento possibilitou pensar em mais um componente conceitual da pesquisa colaborativa: a singularidade. Assim, o encontro proporcionou algumas perguntas que se inscrevem no cerne do texto então apresentado: como se dá a articulação entre as singularidades e o coletivo? De que modo é possível “apresentar” o trabalho dessa coletividade sem que ela sufoque essa singularidade e como é que essa singularidade, por sua vez, pode falar “pelos” os outros? Fala-se em nome dos alunos, da comunidade, do público; em nome dos artistas, em nome da arte, em nome da educação. Se nos lembrarmos das palavras de Deleuze, a saber, do cuidado que devemos ter mediante a “indignidade de falar em nome do outro”, observamos que o trabalho desenvolvido no texto e em sua apresentação – pois, de fato, não se trata apenas de uma leitura de um texto, mas sim de um trabalho que se realiza no ato de ler, uma leitura que exige todo um agenciamento de lugares, de referências, conceitos, práticas – esse trabalho, em constante processo, se mostrou como oportunidade para uma reflexão sobre os limites e possibilidades de se falar em nome do outro; sobretudo, possibilitou pensar em possíveis caminhos para se pensar com o outro na escrita, lugar de passagens: de uma singularidade à outra, dos outros a cada uma das singularidades que compõem, dentre outras coisas, os movimentos de uma coletividade. São estas conversas que acompanham todo o processo colaborativo que nos fazem falar e ouvir, olhar mais profundamente para as obras, os artistas, os contextos, o ontem, o hoje, para nós mesmos. Conversas que nos fazem mergulhar na arte, e nos aproximar de teóricos, dos outros e de nós mesmos, reconhecer que todos podem se tornar valiosos “intercessores”. Afinal, como diz Deleuze (1992, p. 156): “o importante são os intercessores”. O grupo de pesquisa continua em processo colaborativo. Estas reflexões iniciais geraram o início da construção do que chamamos de narrativas mediadoras que será apresentado no Congresso da Federação de arte-educadores do Brasil em outubro de 2012. Mais uma vez fendas se abrem para continuar nossas pesquisas em mediação cultural em nosso desejo de alimentar a aproximação entre arte e público. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELEUZE, Gilles. A transformação do padeiro. In: Conversações, 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. In.: Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed: 34, Vol.1, 1995. DESGRANGES, Flávio. Rastros de processo colaborativo. São Paulo: Rizoma Cultural, 2010 (projeto selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural coordenado por Gisa Picosque e Mirian Celeste Martins). MARTINS, Mirian Celeste (org). Mediação: Provocações Estéticas. Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes. Pós-Graduação. São Paulo, v.1, n.1, outubro 2005. MARTINS, Mirian Celeste, EGAS, Olga e SHULTZE, Ana Maria (orgs.) Mediando [con]tatos com arte e cultura. Revista da Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp/SP. V1, n1, novembro de 2007. Essas perguntas, não se reduzem a uma problemática exclusiva do Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural, pois, no âmbito da pesquisa acadêmica, das práticas educacionais, dos encontros, congressos, simpósios, é comum observar a prática, sempre presente, de se falar em nome do outro. 92 93 Três Minutos de Audiovisual no Currículo de Artes do Ensino Médio Autor: Luciano de Melo Dias CEFET-RJ conceitos e os conteúdos são indicados de forma geral e “as modalidades artísticas podem ser consideradas separadamente ou articuladas entre si” (Brasil, 2001 p.x). Nota-se um avanço, pois o audiovisual é citado como modalidade artística autônoma, com conteúdo próprio: “Os PCNEM articularam sua proposta em Arte (...) a uma FEBF – UERJ aprendizagem mais afeita às demandas interdisciplinares. Isso não significa a supressão de conteúdos específicos de lucianomelodias@hotmail.com artes visuais, dança, música, teatro e artes audiovisuais.”(Brasil, EM p.182) Entre as sugestões para trabalho no eixo de PALAVRAS CHAVE: audiovisual; artes; Minuto Lumière; Minuto Neorrealista; Minuto Montagem. “Representação e Comunicação”, há a indicação para o estudo da gramática das linguagens artísticas, isto é, de seus Linha de debate: cultura visual, sujeito e educação. elementos constitutivos: “o texto audiovisual trabalha com os três conceitos citados como essenciais às linguagens artísticas: imagem, movimento e som.”(p.185)17A utilização dos recursos tecnológicos é estimulada na indicação ao uso INTRODUÇÃO Neste texto busco apresentar mais uma sugestão de abordagem das novas tecnologias da informação e de várias mídias e tecnologias como processos fotográficos, informatizados e outras mídias entre as quais vídeo, cinema, CD-ROM. Nos critérios de seleção dos conteúdos, o texto delimita as modalidades artísticas englobadas pela disciplina comunicação na educação, e a sua utilização no ensino médio. Esta abordagem levanta questões acerca das Arte para este nível de ensino: “Nos PCNEM, a disciplina engloba artes visuais, audiovisuais, dança, música e teatro. Cada possibilidades da utilização do audiovisual como modalidade artística no currículo da educação básica, mais uma dessas modalidades poderá por sua vez reunir conteúdos próprios.” (Idem, p.197) Os conteúdos devem possibilitar especificamente para a disciplina Artes no Ensino Médio. “a articulação de três instâncias: o fazer artístico, a apreciação da arte, a reflexão sobre o valor da arte na sociedade e na vida dos indivíduos.” (Idem, p.197) A indicação é feita de maneira geral, e são apresentados 10 critérios, cada um CONCEITO DE AUDIOVISUAL O Cinema, talvez a única Arte com data de nascimento registrada, surge quando os irmãos Lumière fazem a seguido de comentários específicos para determinadas modalidades artísticas. No primeiro, arte como expressão, comunicação e representação individual, está previsto a realização, individual ou coletivamente de produções primeira exibição de imagens animadas a uma platéia, com o Cinematógrafo, em Paris, no ano de 1895, e se consolida audiovisuais por meio de vídeo. O terceiro critério apresentado, elementos das linguagens da arte e suas dimensões no início do século seguinte, com a possibilidade da mudança do ponto de vista do observador, através da montagem. técnicas, formais, materiais e sensíveis, sugere para as artes visuais e audiovisuais o estudo de seus elementos básicos, A televisão, que surge tímida nos anos 1950, tem um parentesco estreito com o rádio e consegue estar em vários mas só cita elementos visuais: “Em artes visuais e audiovisuais, elementos básicos como ponto, linha, plano, cor, luz, lugares ao mesmo tempo, através das telecomunicações. A tela de exibição é pequena – ao menos se comparada à tela textura, volume, espaço, devem ser percebidos (...)” (p.198). O quarto e último critério que cita o audiovisual é relativo à do cinema – e a produção segue diferentes formatos, como o telejornalismo, talk-shows, telenovelas e sitcoms, entre diversidade de manifestações artísticas, que orienta a “desenvolver a compreensão das diferentes manifestações vários outros. Com a convergência de mídias, o cinema e a TV tendem a utilizar o mesmo suporte; em grande artísticas – entre elas cinema, vídeo, TV e infoarte – como formas de criação humana, associadas ao desenvolvimento quantidade de filmes para o cinema se utiliza tecnologia digital para a captura e edição de imagens, além de salas de tecnológico e científico, às tradições culturais, étnicas, sociais, a concepções de mundo.” (Idem p.199) projeção com equipamento digital; por este motivo farei referência ao audiovisual como agrupando cinema, TV, internet ou qualquer expressão que utilize imagem em movimento com som. Para o filósofo francês Gilles Deleuze, cujo pensamento embasa esta pesquisa, o cinema só se torna Concordo com o fato de que o cinema (e o audiovisual) “é já um pensamento automático, um operador ativo de novas ligações entre a imagem e o pensamento, face ao qual a única coisa a fazer é procurar restaurar as condições de tradução desse pensamento num outro sistema de signos, em um corpo de conceitos.” (Grilo, 2006 p.18). Concluindo audiovisual quando a fala e o som deixam de ser um atributo da imagem e ganha autonomia expressiva, quando o ato que nos ensina a ver a visão, pensando-a e verfificando-a como um outro estilo de pensar; uma nova concepção de fala “não é mais dependência ou pertencimento da imagem visual, torna-se uma imagem integralmente sonora, determinada por suas particulares condições de expressão. Ao invés de se apresentar uma receita de bolo com práticas ganha autonomia cinematográfica, e o cinema torna-se realmente audiovisual.” (C2 p.288) que objetivam um resultado plástico ideal, no qual os alunos não se apropriam dos conceitos e unicamente reproduzem um clichê apresentado, o objetivo deste trabalho é o de apresentar o audiovisual como um instrumento – mais que uma AUDIOVISUAL E EDUCAÇÃO O atraso em que a escola se encontra no que diz respeito à utilização das novas tecnologias se deve, em simples ferramenta – em que cada realizador vai fazer um uso diferenciado, se adaptando às suas necessidades e objetivos. Esta utilização do audiovisual pressupõe a observação de quais os recursos estarão disponíveis na escola em parte, à falta de conhecimento por parte dos professores das possibilidades destes novos meios, assim como da questão, desde o computador pessoal dos alunos e seus telefones celulares até escolas com laboratórios e estúdios abordagem e utilização que os estudantes fazem das novas tecnologias da informação e comunicação - os novos dedicados a esta prática, entre suas várias combinações. recursos audiovisuais e comunicacionais - e consequentemente a não incorporação destes recursos em suas práticas pedagógicas. Estas tecnologias, presentes em diferentes níveis no cotidiano dos estudantes, acabam por ser subutilizadas na educação embora tenha uma grande função social e comunicacional. O conhecimento dos elementos que fundamentam a prática do audiovisual é apontado, ainda que sem 94 TEORIAS DO AUDIOVISUAL A apresentação do audiovisual se dá como uma arte de síntese, presente em diferentes meios multimídia (cinema, TV, computador). A proposta deste trabalho é de ir à contramão da indústria e do comércio do cinema e da TV, ênfase, nos parâmetros curriculares que o Ministério da Educação brasileiro propõe para o ensino básico. Nos dois livros restaurando uma dimensão libertadora dos elementos do audiovisual – notadamente o plano e a montagem – perdidas dedicados ao Ensino Fundamental, nota-se uma abordagem do audiovisual como coadjuvante, que serve como um devido a um engessamento das maneiras de se produzir conteúdos audiovisuais. A escala de planos serve como um recurso de apoio às demais áreas de conhecimento, inclusive para a área de Artes (vale lembrar que desde meados da exemplo desta limitação imposta visando a uma formatação em torno de determinados clichês; pois “a classificação dos década de 90, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional - LDB 9394/96 - no Brasil, a área de planos se faz hoje segundo uma nomenclatura especificamente técnica de escalas, sem ligar à sua significação”. (Grilo, educação artística passou a se denominar Artes). Para o Ensino Médio, as disciplinas são divididas em áreas de 2010) Esta tendência de se uniformizar o olhar resulta em prejuízos estéticos: de acordo com Grilo “a estabilização de conhecimento, e a Arte ficou no grupo de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. As competências, as linguagens, os uma nomenclatura que reduz o plano à sua expressão técnica em detrimento da sua dimensão imaginária, é 95 parcialmente responsável pela imposição desta ideologia tecnocrata na prática e na conceptualização do cinema.” (Grilo, 2010) Para a nossa prática, optamos por utilizar a taxionomia do cinema tal qual apresentada por Deleuze, a fim de se proporcionar aos alunos-produtores uma liberdade fora dos padrões e clichês da indústria audiovisual. A classificação Para o trabalho aqui apresentado se escolheu o emprego da classificação apresentada por Gilles Deleuze em seus dois livros sobre cinema – escritos na década de 80. Ele apresenta outra maneira de se classificar os planos e a dos planos no cinema visa então a se distingui-las e organizá-las de acordo com determinado regime de percepção, dos três tipos de imagens-movimento: imagem-ação, imagem-afecção e imagem-percepção. “- o regime das imagens-percepção: As imagens tendem para a percepção total e objetiva, para a indeterminação do centro e para uma relativa indeterminação na operação de subtração-extração da imagem em relação a todas as outras; - o regime das imagens-ação: Quando o mundo das imagens-movimento é aferido a um centro, a uma imagem espacial que transforma o mundo em horizonte e a paiagem é cenário. (...) e passa a definir um eixo de ação-reação. Neste regime, passa-se diretamente da percepção para a ação. A operação que o caracteriza já não é o da seleção, do enquadramento indeterminado, mas a curvatura do universo em torno de um eixo de ação-reação privilegiado; - O regime das imagens-afecção: Aqui deixa de haver exterioridade entre o sujeito e o objeto e o movimento manifesta-se, não na projeção mas na implosão. O movimento é absorvido pelo sujeito, sem se transformar numa percepção ou numa ação, mas incorporando-se nele. O movimento transforma-se numa tendência que substitui uma ação tornada impossível. Na imagem-afecção, o movimento deixa de ser translação para passar a ser um movimento de expressão; uma pura qualidade, uma tendência para o movimento que agita, interiormente, um elemento, por vezes imóvel (a importância do rosto, do grande plano).” (Idem, 2010, p.37) montagem, que respeitam a sua dimensão imaginária e conceitual, sem as sujeitar a uma utilização técnica relacionada a um clichê: De acordo com o pensamento de Deleuze, a imagem em movimento se distingue da imagem-movimento, “uma imagem-movimento é uma imagem relativa e dinâmica que não só pensa as relações entre as coisas (e os seus movimentos) dentro de um conjunto fechado (o enquadramento) como se esforça por pensar as relações desses conjuntos entre si, e de todos eles perante uma totalidade que, por definição, permanece Aberta (o papel da montagem).” (Grilo, 2010 p.31). Desta maneira, apresentamos o plano como uma unidade que exprime a situação intermediária entre a parte e o todo através da imagem-movimento, determinada por dois conceitos: de movimento relativo entre as partes de um conjunto determinado e de movimento absoluto no qual a imagem se assume como o corte móvel de uma totalidade em mudança; esta imagem-movimento se apresenta em três tipos: imagem-ação, imagem-afecção e imagem-percepção. A montagem, por sua vez, se apresenta como um meio que possibilita a mudança de regime de percepção, entre montagens perceptivas, ativas e afectivas, “o lugar onde o todo toma forma e adquire uma qualidade que, por sua vez, qualifica as imagens. (...) a montagem é o lugar em que cada filme determina o seu centro de percepção.” (Idem, 2010 p.38). Na abordagem Deleuziana, a montagem é a determinação do Todo da imagem, alcançado através de técnicas de corte (edição) e de criar continuidades (Colman, 2011 p.55), sendo responsável pela criação dos diferentes tipos de imagens-movimento. Deleuze observa três formas de montagem, em quatro tendências principais: a alternâncias de partes diferenciadas, montagem de “dimensões relativas”, e montagem de ações convergentes; nas tendências: orgânica norte-americana, dialética soviética, quantitativa francesa de antes da guerra e intensiva da escola expressionista alemã. Vale ressaltar que estas maneiras de montagem, conjugada com as Para a realização cinematográfica, os alunos podem utilizar os dispositivos móveis que tiverem acesso, como as câmeras presentes em telefones móveis e câmeras digitais; e devem então escolher o plano a ser filmado, com especial atenção ao momento do ataque – quando inicia a gravação – e o momento do “corte”. Na utilização do método junto às turmas do ensino médio do CEFET-RJ, as cenas puderam ser feitas no local que o aluno-realizador escolhesse, podendo ser na escola ou fora, ou ainda no trajeto residência-escola; Após a realização do trabalho pelos alunos, é feita a exibição dos filmes para a turma, seguida de algumas rodadas de debates sobre o processo de produção. três formas, resultam em diferentes resultados de imagens-movimento, isto é, subvertem a relação da escala de planos com os resultados narrativos esperados pelas teorias do cinema desenvolvidas anteriormente, principalmente as baseadas no cinema industrial de Hollywood. “Deve-se evitar julgar que a montagem paralela é um dado que está presente em toda a parte, exceto num sentido muito geral, visto que o cinema soviético a substituiu por uma montagem de oposição, o cinema expressionista por uma montagem de contraste, etc.” (C1 p.90) DESENVOLVIMENTO Partindo da apresentação destas teorias sobre o audiovisual, contextualizadas por trechos de filmes de fig.1 – Exercício de aula: Plano de um “minuto neorrealista” diferentes autores e épocas. Propõem-se então exercícios à turma utilizando dispositivos móveis tais como telefones celulares, máquinas fotográficas digitais e handycams: A realização de produções de um minuto de duração cada, o Minuto Lumière, o Minuto Neorrealista, e o Minuto Montagem. Estas produções levam aos alunos o conhecimento de alguns realizadores e suas maneiras de filmar e lidar com as possibilidades no cinema; na parte prática os alunos são levados a filmar na “maneira” de cineastas, respeitando suas limitações técnicas e expressivas. O cinema (e o audiovisual) é apresentado como “um exercício de transfiguração, transformando o movimento natural das coisas num movimento cinemático que é inseparável de um estilo” (Idem, 2010. p.30), não se tratando de representar o mundo e sim de afectar esse mundo de acordo com um ponto de vista, acerca do tempo e do espaço. O “Minuto Lumière”, isto é, a filmagem de um plano com câmera fixa e cerca de um minuto de duração, tal qual se fazia à época do surgimento do cinema no fim do século XIX, consiste em uma prática idealizada por Alain Bergala e Nathalie Bourgeois no ano de 2000, para o plan de cinq ans do então Ministro da Educação da França, Jack Lang (Bergala, 2010). Nota-se que a produção de filmes de um minuto de duração e/ou de filmes que remontem à origem do cinematógrafo é uma prática estabelecida há muitos anos, devendo-se crédito aos autores citados o feito de sistematizar esta prática e de se editar uma publicação bibliográfica acerca do tema. 96 No Minuto Neorrealista os alunos são levados a filmar um minuto em plano sequência (o plano sequência é quando o enquadramento muda sem a utilização do recurso da montagem, em um travelling ou mesmo em câmera parada). A prática consiste na realização de um plano sequência de um minuto de duração, de tema livre, em qualquer locação e utilizando o dispositivo técnico de captura de imagens que dispuser, tal qual na realização do Minuto Lumière. Os conceitos de imagem-movimento e suas três classificações são retomados, a fim de contextualizar e embasar a escolha de planos e movimentos dos alunos-produtores. O Minuto Montagem tem o objetivo de levar a turma a produzir um filme se utilizando do recurso da montagem, e a conceituar a sua opção de utilização do recurso. Para Deleuze, a montagem é a operação que recai sobre as imagens-movimento para extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo, “é uma imagem necessariamente indireta, já que é inferida das imagens-movimento e suas relações.“ (Deleuze, C1 p.53). “A montagem é a composição, o agenciamento das imagens-movimento de forma a construir uma imagem indireta do tempo”. (idem, p.54). Apresenta três formas de montagem - ou alternância rítmica (a alternância de partes diferenciadas, a das 97 dimensões relativas e a das ações convergentes), e as quatro tendências (americana, soviética, francesa e expressionista). Na prática em questão, apresentamos os conceitos de montagem tais quais abordados por Eisenstein em seus ensaios sobre cinema, em uma ênfase à tendência dialética soviética. Dialogamos estes conceitos sobre a montagem com as categorias formais de montagem apresentadas: montagem métrica, rítmica, tonal e atonal. Na montagem métrica, os comprimentos absolutos dos fragmentos do filme servem como critério fundamental, estabelecendo um ritmo comparado ao do compasso musical – com medidas de regularidade ou irregularidade. Na montagem rítmica não se obedece uma ordem matemática ditada por uma métrica e sim de acordo com o conteúdo, a especificidade de cada fragmento, e de seu comprimento planejado de acordo com a estrutura da sequência.” (Idem, p.80) Na montagem tonal, este conceito de movimento diz respeito à todas as sensações do Titulo: Artes na educação : experiências identitárias Autora: Teresa Torres de Eça Investigadora do Instituto De Investigação Em Arte, Design e Sociedade- Universidade de Porto. fragmento de montagem, “movimentos que progridem de acordo com características tonais, em vez de espaciaisrítmicas. Aqui, mudanças imensuráveis espacialmente são combinadas de acordo com seu som emocional.” (Idem, p.82) O conceito de som emocional diz respeito ao tom geral, dominante, do fragmento – não ao som literalmente, mas também à vibração da luz e à utilização da cor. A oposição de tons dominantes maiores e menores, dominantes rítmicas secundárias, resultam na montagem atonal, o quarto método de montagem apresentado por Eisenstein. Estes métodos se tornam construções de montagem quando entram em relações de conflito entre si. “Dentro de um esquema de relações mútuas, ecoando e conflitando umas com as outras, elas se movem em direção a um tipo de montagem cada vez mais fortemente definido, cada uma crescendo organicamente a partir da outra.” (Idem, p.84) Nesta fase, se requer mais dos alunos para a realização da parte prática no que diz respeito à utilização de softwares de edição de vídeo e de transcodificação de formatos de arquivo; e de hardware, para a captura do vídeo ou transferência de arquivos. CONCLUSÃO A utilização do visual no currículo básico, mais especificamente no ensino médio, embora possa acompanhar qualquer matéria de maneira interdisciplinar, constitui um conteúdo adequado ao currículo de Artes, por se tratar de uma arte de síntese que utiliza elementos específicos conjugados a elementos de outras expressões artísticas. Este trabalho pede continuação, a fim de uma abordagem mais ampla dos aspectos do audiovisual a constituir conteúdo para a utilização no currículo do ensino básico de educação artística; entre outros aspectos que não foram aqui abordados estão a utilização do som e problemáticas da relação realismo Vs não-realismo. Em vista disso, se propõem à discussão questões acerca da possibilidade de utilização do audiovisual no ensino básico: a adequação das escolas para este trabalho, e se há a necessidade de um laboratório específico; os recursos pessoais dos alunos, para realização dos trabalhos se utilizando de recursos próprios; e do nível de alfabetização informática, isto é, de intimidade que os alunos têm com computadores e dispositivos técnicos de captura, edição, e exibição audiovisuais como fatores que vão Resumo Neste breve artigo focarei alguns projectos onde, juntamente com professores; artistas e alunos trabalhámos a diversidade cultural . Os projectos surgiram em redes onde educadores e educadoras se encontram habitualmente, tais como na International Society for Education Through Art - InSEA; na Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual- APECV e na Rede Ibero Americana de Educação Artística. Descreverei sumáriamente três projetos internacionais de educação pela arte onde se descobriram e trabalharam conceitos de representação de si e do outro: 1) Interpretando vozes '; 2) 'Tradições de Família' e 3) 'Comparangoleiros'. O primeiro projeto foi financido pelo programa Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida- Comenius. Os dois últimos foram realizados sem financiamento. A metodologia seguida nos dois últimos e, mais bem sucedidos projectos , foi desprovida de qualquer hierarquia , sem eixos orientadores , nem regras : os professores desenvolveram cada um á sua maneira um tema e processos artísticos para interagir com os seus alunos e partilhar com os participantes de outros lugares . Cada um destes projetos, à sua maneira influenciou ações educativas e reflexão sobre praticas pedagógicas socialmente comprometidas onde se trabalhou o conceito do Eu e do Outro. propiciar a utilização do audiovisual no ensino básico, em seus diferentes níveis. Palavras chave REFERÊNCIAS educação; transculturalidade; identidades; arte; praticas pedagógicas BERGALA, A. L’hypothèse Cinéma: Petit traité de transmission du cinema à l’école. Paris: Cahiers du Cinema, 2006. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília; DP&A, 2000. 130p. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília; SEMTEC / MEC, 1999. COLMAN, F. Deleuze & Cinema: The film concepts. New York: Berg, 2011. EISENSTEIN, Sergei A Forma do Filme Rio de Janeiro: xxx, 200x. DELEUZE, Gilles. A Imagem-Movimento: Cinema 1. Lisboa: Assírio&Alvim, 2009. ____________. A Imagem-Tempo: Cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2007. ____________. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2010. GRILO, João Mário. As Lições do Cinema: Manual de filmologia. Lisboa: Colibri, 2010. _________________. O Homem Imaginado: cinema, acção, pensamento. Lisboa: Horizonte, 2006. socialmente comprometidas. Como professores buscamos nas redes fontes de partilha para construir conhecimentos . Redes de modelos tradicionais como sociedades ou associações culturais e profissionais ou redes sociais na 98 99 Internet . Vivemos numa cultura da realidade variável, de mudanças constantes no ambiente e em nós mesmos: ambos se tornando imprevisíveis, incertos e indeterministas. Por isso as redes nos dão alguma segurança como espaço crítico de debate de ideias e de partilha de experiências. Estamos constantemente em atualização , remodelando e reinventando, procurando novas relações, novas realidades, novas ordens de tempo e de espaço. Apesar de tradicionalmente se abordar a cultura como algo de externo e imposto por grupos de poder , sentimos que a cultura não nos define mais de esse modo , com suas regras de estética, estilo, etiqueta, normalidade ou privilégio. Sentimos que o individuo pode definir outras regras , criar e reciclar cultura . Trabalhamos com alunos que não são mais puros receptores; consumidores de cultura mas que se transformaram em ' prosumidores' ( Duncum, 2010) no sentido de recicladores de cultura ; criadores de novos objectos culturais a partir da oferta global da cultura dos media. Muitas vezes os professores de artes visuais perguntam qual será o seu papel , como poderão ser mais ativos e úteis com alunos que deixaram há muito de serem objetos passivos de aprendizagem para se tornarem sujeitos em construção. Acredito que quando por força de vontades e de encontros professores, alunos e artistas de vários lugares trabalham juntos, podem construir caminhos onde a arte serve de dispositivo para o descobrimento de si e do outro. Nesse descobrimento gerimos conceitos de interculturalidade , multiculturalismo crítico e transculturalismo nem sempre fáceis de conciliar teóricamente mas que nas praticas educativas coabitam aleatóriamente.O conceito de multiculturalismo é muitas vezes abordado na educação a partir de uma vertente crítica e de resistência, tratando a questão da diferença a partir da dimensão política, considerando- a sempre como resultado da história, da cultura, do poder e da ideologia. Por isso, os educadores ajudam os alunos a entender os contextos culturais inseridos numa política de crítica comprometida com a justiça e a transformação social para um melhor entendimento da pluralidade. Tal abordagem descende de teorias de Estudos culturais ou de abordagens dos Estudos da Cultura Visual que estão presentes em muitas das práticas que alguns professores de arte utilizam. Nessas praticas , a linguagem e as representações 2005). Estes educadores usam o conceito de interculturalidade, para indicar um conjunto de propostas de convivência democrática entre diferentes culturas, buscando a integração entre elas sem anular as sua diversidades, pelo contrário, “fomentando o potencial criativo e vital resultante da relações entre diferentes agentes e seus respectivos contextos” (Fleuri, 2005). No entanto , muitas vezes este conceito também não corresponde exatamente ao trabalho de alguns educadores pela arte que não se reconhecem nem na endogamia do multiculturalismo nem na exogamia do interculturalismo desconfiando de possíveis vínculos neocolonialistas inseridos numa visão do diverso onde tende a permanecer uma certa centralidade “étnica” (Canevacci, 2009). Abordagens transculturais têm aparecido no sentido de alargar estas perspetivas, ajudando os educadores a lidar com a diversidade em contextos globalizantes que apesar de terem acelerado processos de homogeneização cultural também criaram espaços criativos de reconhecimento de culturas locais na construção de identidades. Nestas abordagens não se pretende gerir as diversidades culturais por mecanismos de atribuição de valores como a tolerância ou o reconhecimento da cultura do outro mas apenas aceitar as irregularidades, os conflitos e as tensões . Canevacci (2009) fala de sincretismo cultural como uma possibilidade transcultural. Do mesmo modo Ascott 1999) propõe um entendimento da realidade sincrética como meio para mudar a forma como consideramos a nossa identidade, a nossa relação com os outros e a fenomenologia do tempo e do espaço. Uma abordagem sincrética do ordenamento e extensão dos sentidos poderia contribuir para as nossas necessidades e ambições ontológicas, cognitivas e perceptuais. Na verdade, é díficil trabalhar em contextos transculturais, muitos obstaculos existem pelo caminho, carecendo de uma reflexão constante sobre o que estamos fazendo e como estamos fazendo. Os professores; os artistas e outros profissionais que se envolvem em projectos interculturais ou transculturais educativos sentem a sua vulnerabilidade e a fragilidade das teorias quando se trata de trabalhar no terreno. (raça, classe ou género) assumem um papel central na construção da identidade e do significado. Tal como Peter McLaren (1997), arguiu as representações são compreendidas como frutos de lutas históricas e sociais mais amplas sobre signos e significados, sendo estes definidos mediante as transformações nas relações sociais, culturais e institucionais, no interior das quais os significados são gerados. Outros educadores preferem basear as suas praticas em conceitos de interculturalidade , buscando mais do que a simples compreensão das diferentes culturas e da sua inserção no curriculum. O termo intercultural diferencia-se da multiculturalidade que indica apenas a coexistência de diversos grupos culturais na mesma sociedade sem apontar para um política de convivência. (Fleuri, 100 Interpretando vozes ' Interpretando vozes ' foi um conjunto de cinco oficinas realizadas em Viseu para alunos dos 15 aos 18 anos e professores de artes de quatro países europeus integrado numa actividade de intercâmbio do programa Europeu Comenius que visava aprofundar o estudo da arte contemporânea nas escolas (“IDEAlaboratories: how to integrate contemporay art and art education”). As grandes diferenças culturais dos vários participantes que vinham do Norte ; Leste e Sul da Europa foram um desafio para os organizadores , e resolveram trabalhar o conceito de diversidade e de diferença no projecto para os workshops . O workshop foi planeado por vários 101 intervenientes da cultura local em duas fases . A primeira chamada ' Histórias escondidas ' consistiu em entrevistas sobre Viseu por jovens viseenses com membros da comunidade e a os fatos de casamento de sonho. Aprenderam sobre eles para mostrar aos outros. Da escola de segunda fase consistiu na interpretação dos resultados das entrevistas em oficinas com os alunos Bogotá e da escola de Seymour os alunos falaram sobre as tradições simples de família como e professores dos vários países . As oficinas foram dinamizadas por artistas locais que andaer a cavalo ( Bogotá) , ir acampar ou ir vàs compras ( Seymour) . A exposição dos trabalhos trabalharam a experiência do local com os participantes a partir das entrevistas e das experiências dos alunos percorreu as diferentes escolas participantes , e aí se deu o encontro onde cada um tem vivenciadas pelo grupo de estrangeiros na cidade . o seu lugar vísivel através do desenho e da pintura. Comparangoleiros 2010-2013 O fenómeno da globalização tem o efeito de evidenciar a diversidade cultural do mundo e apontar para a necessidade de diálogo entre diferentes civilizações. A globalização também pode ser considerada como uma complexa rede de projetos de sociedade e de diversidade de interesses traduzidos nas disputas das representações ideológicas, políticas e culturais que estão em curso atualmente. Um grupo de professores tem vindo a trabalhar essa ideia desde 2009 fazendo projectos de intercâmbio cultural onde os alunos ( dos 3 aos 20 anos) partem da procura sobre artistas e cultura local para mostrar a suas interpretações dols mesmos aos alunos de outros países. Comparangoleiros é o nome desse grupo que neste momento desenvolve um projecto de intercâmbio entre alunos e professores de Portugal, Brasil, Timor Leste e Letónia. O projecto gira à volta do conhecimento do eu e do outro , desenvolvendo ideias e processos artísticos Fi g ura 1: Workshop Interpretando Vozes, Outubro de 2011, alunas da ESAM recolhendo histórias na ASSOL em Oliveira de Frades. a partir de vários artistas contemporâneos e do conceito de pinturas de dançar inventado por Helio Oiticica na performace ' Parangolés' . Este projeto que está no seu terceiro ano de vida tem sido extremamente rico no sentido da transculturalidade, na medida em que através da partilha de objectos artísticos feitos pelos alunos a partir do estudo de artistas e de culturas locais. Os participantes constroem-se como indivíduos e reconhecem-se como membros de um mundo ' Tradições de Família ' Em 2010 -2012 tecido de relacionamentos que tendem para o sincretismo cultural. realizámos um projeto de intercâmbio centrado na reflexão sobre as tradições de família, seus rituais e suas representações artísticas . O projeto foi desenvolvido com crianças dos 5 aos 10 anos dos Estados Unidos; Turquia, Portugal, Malásia e Colômbia . Foi um projecto simples onde apenas se pretendeu dar visibilidade às diferenças culturais. Partimos de princípios da educação multicultural para orientar as nossas estratégias. Buscámos sobretudo o conhecimento da nossa própria cultura para o poder partilhar com os outros. Isso foi a grande tónica das ações levadas a cabo pelos professores. Na escola de Vila Nova de Gaia, os pequenos artistas aprenderam fatos e figuras sobre a tradição pascal, desde a gastronomia às procissões religiosas com ajuda da pintura deAmadeo de Souza Cardoso que aprenderam a apreciar . Na escola em Ankara , os alunos interessaram-se pelo tema do casamento tradicional turco , visitaram um museu etnográfico, fizeram uma performance de casamento, com música a condizer , desenharam 102 103 http://www.concinnitas.uerj.br/resumos14/canevacci.htm] CHALMERS, F. Graeme (1996 ). Art, Education and Cultural Diversity . L.A. The Getty education Institute for the Arts. DUNCUM, Paul (2010). Young Prosumers, Visual Culture, and Dialogic Pedagogy. In: Oliveira, M. & Milhano, S. As Artes na Educação: Contextos de Aprendizagem Promotores de Criatividade. Leiria: Folheto. Pp.79-92 FLEURI, R. M. (2003). Multiculturalismo e interculturalismo nos processos educacionais. IN: LINHARES, C. F. et all. Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa. ENDIPE. Rio de Janeiro: DP&A. Figura 2: Performance Comparangoleiros no Museu Berardo, Em Fevereiro de 2012 Algumas reflexões pós- projectos Os projetos educativos transculturais são o que são: têm aspetos que correm bem; ultrapassando expectativas. E têm aspetos que correm mal, levando a um re-ajustamento e avaliação constantes. São laboratórios de pesquisa-ação onde se podem confirmar ou contrariar teorias e onde se podem encontrar eixos, dinamicas e metodologias novas . São, por isso, plataformas de experimentação importantes para os professores e para os investigadores. Por pequena que seja a McLAREN, P.(1007). Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez. Webgrafia InSEA; http://www.insea.org APECV: http://www.apecv.org Rede Ibero Americana de Educação Artística: http://educacionartistica.org/riaea/ family traditions : http://visualnarratives.wikispaces.com/family+traditions IdeaLabs: http://www.eksperimenta.net/eksperimenta/ ação é sempre um processo de mudança, que coloca em movimento ideias e que trará consequências nos participantes, a curto e a longo prazo nas atitudes e comportamentos em relação a si e aos outros. Como professoras entendemos que muito haverá ainda que analisar nestes três exemplos , gostaríamos de , no futuro, perguntar aos professores, às crianças e aos jovens que participaram nestas ações se elas ficaram nas suas memórias , e se de algum modo estas experiências tiveram impacto nas suas vidas. Bibliografia ASCOTT, Roy (1999). Seeing Double: Art and the Technology or Transcendence. In: ASCOTT, Roy (ed.). Reframing consciousness. Exeter: Intellect Books. CANEVACCI, Massimo.( 2009). Transculturalidade, interculturalidade e sincretismo . Revista Concinnitas .10 Vol 1(14). Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.[acedido em 12 de Março de 2012 em 104 105 Educação Visual e Tecnológica: (des)integração curricular. Paulo Miguel de Oliveira Fernandes Escola Secundária/3 Paços de Ferreira; Escola Superior de Educação; ID_CAI – Colectivo de Acção e Investigação em Educação Artística; I2ADS_NEA – Instituto de Investigação Arte e Design, Núcleo de Educação Artística. Paulopof@gmail.com RESUMO: O presente artigo propõe pensar a Educação Artística, em particular na área das Artes Visuais e Plásticas, no currículo escolar do 2º ciclo do ensino básico em Portugal, num momento de alterações protagonizadas pelo governo de Portugal através da revisão da estrutura curricular. Desde 1991 que a disciplina de Educação Visual e Tecnológica tem ocupado esse espaço, apontando para uma abordagem integrada dos aspectos visuais e tecnológicos dentro de uma área pluridisciplinar de Educação Artística e Tecnológica, situando-se numa perspectiva transdisciplinar conducente ao nível etário a que se destina. Vinte anos depois, procura-se perceber o caminho traçado por esta disciplina, as suas implicações no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, a formação de professores nesta área específica, bem como a integração dos novos modelos e concepções da educação artística, por forma a encontrar fundamentos e avaliar a necessidade de uma revisão na estrutura curricular para esta área. O artigo agora apresentado é uma actualização do texto escrito para o II Encontro Internacional sobre Educação Artística, que aconteceu no Porto em Abril de 2012. Pretende-se estender uma discussão pertinente e actual ao universo académico e de investigação, implicando-nos a todos, enquanto agentes da educação, nos processos de decisões politicas que têm impacto directo nas salas de aula e nas práticas dos professores. PALAVRAS-CHAVE: Educação Artística; Educação Visual e Tecnológica; Currículo; Integração. A Educação Artística está presente no Currículo Nacional do Ensino Básico, obrigatório, em Portugal. Ao longo de três ciclos, apresenta-se dividida e partilhada em disciplinas que se distribuem por nove anos de escolaridade, cada uma com um programa próprio de acordo com o nível de ensino e com directivas e orientações comuns a todas as escolas do país, traçadas centralmente pelo Ministério da Educação. No 2º ciclo (5º e 6º ano), ao domínio da Educação Artística junta-se a Educação Tecnológica, dividindo-se em duas disciplinas: a Educação Musical e a Educação Visual e Tecnológica (EVT). O espaço das Artes Visuais e Plásticas é assim preenchido pela disciplina de EVT, que trabalha com crianças situadas entre uma faixa etária que pode ir dos 9 aos 12 anos de idade (num percurso sem retenções). A sua leccionação está a cargo de dois professores, ou seja, em regime de par pedagógico, e a carga horária de 270 minutos semanais, atribuída ao domínio da Educação Artística e Tecnológica, é dividida de forma autónoma em cada escola pelas disciplinas de EVT e Educação Musical, podendo esta ser distribuída de forma igual ou, como acontece na maior parte dos casos, 180 minutos para EVT e 90 minutos para Educação Musical. A explicação para esta divisão da carga horária de forma diferenciada e do número de professores que a leccionam está nas características práticas e experienciais da disciplina e também no seu enquadramento histórico. 106 A disciplina de EVT surge com a reforma educativa do final da década 1980 e generaliza-se a todas as escolas do país depois da aprovação definitiva do seu programa em 1991. Antes da criação da disciplina de EVT, e desde 1974, fizeram parte da estrutura básica do currículo do ciclo preparatório as disciplinas de Educação Visual, que proponha essencialmente uma análise dos elementos visuais no nosso envolvimento, destacando-os como meios de comunicação, e dos Trabalhos Manuais fundamentados num ensino dos ofícios, acentuando o estudo das técnicas com propostas de trabalho que consistiam na repetição de modelos ou a execução concertada e repetida de procedimentos. Esta reforma educativa acrescenta, deste modo, um conceito de área interdisciplinar, concretizado na junção destas duas áreas e criando uma disciplina nova. Por exigir conhecimentos em dois campos de saber diferentes e porque não existiam professores para esta nova área disciplinar (problema das reformas impostas por decreto, que não criam a condições necessárias a sua implementação), designou-se que seria leccionada por dois professores, um da área da Educação Visual e outro dos Trabalhos Manuais. A própria natureza da disciplina, que assentava no trabalho prático, oficinal e de projecto, implicaria um maior apoio aos alunos. A disciplina inicialmente tinha uma carga horária fixa de cinco blocos lectivos semanais (cada bloco com a duração de 50 minutos). Esta nova disciplina surge assim como uma espécie de último elo da evolução das artes e ofícios em Portugal e um ponto de encontro com as tendências da educação/arte de Dewey, Lowenfeld, Read, Stern, Green, Baynes, Eisner, Munari, Barret e outros. Deste modo, o programa da EVT apresenta pressupostos construtivistas da educação, através da metodologia de resolução de problemas, fomentando actividades centradas no contexto vivencial do aluno e nos seus interesses, procurando maior motivação e aprendizagens significativas. As actividades organizadas através de Unidades de Trabalho, ou seja, Projectos, procuram promover a leccionação de conteúdos de forma integrada. Nota-se ainda uma ausência de referências nas “belas-artes”, o que indica que não se pretende a apreciação ou produção de obras de arte, mas indivíduos reflexivos, críticos e intervenientes na sociedade. Em 2001 o Ministério da Educação reorganizou o currículo do ensino básico, onde se percebe uma viragem no paradigma educacional, alterando o conceito de “objectivo a atingir pelos alunos” pela noção de “competência”, definida pelo seu documento orientador (DEB, 2001), numa noção ampla que integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como “saber em acção” ou “em uso”. Na génese desta mudança está igualmente a percepção da necessidade de ultrapassar uma visão de currículo, como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme em todas as salas de aula e de ser apoiado o desenvolvimento de novas práticas de gestão curricular mais flexível. Esta reorganização trouxe, porém, desfasamentos e incongruências à EVT, atropelandoa ao designar as competências separadas para a Educação Visual e para a Educação Tecnológica no 2º ciclo. Exigia-se também a reformulação/ actualização do programa. O que não aconteceu, ficando os professores com dois documentos orientadores, com diferenças significativas na sua base conceptual e metodológica, com implicações ao nível da organização e planificação do ensino-aprendizagem da disciplina. Outra consequência foi a redução, à partida, de um bloco lectivo para a EVT, agravado com a alteração de cada bloco lectivo de 50 para 45 minutos. Esta diminuição pode 107 ainda acentuar-se de acordo com as opções da escola na distribuição dos blocos pelo domínio da Educação Artística e Tecnológica, como descrevemos anteriormente. Neste momento, e após duas décadas a fazer parte da estrutura curricular do 2º Ciclo do Ensino Básico, a disciplina de EVT continua a caracterizar-se pela sua visão integrada dos aspectos visuais e tecnológicos (DGEBS a.,1991). Contudo e sem que nada o fizesse prever, o Ministério Educação e Ciência (MEC), propõe (Dezembro de 2011), define (Março de 2012) e decreta (Julho de 2012) a sua eliminação do elenco curricular, substituindo-a pelas disciplinas de Educação Visual e Educação Tecnológica, “cada uma com programa próprio e cada uma com um só professor” (DGIDC, 2011). Alterações injustificadas e sem qualquer argumentação do ponto de vista pedagógico, que desbaratam a ideia integradora da EVT e ignoram pareceres de órgãos importantes como é o Conselho Nacional da Educação e Conselho de Escolas. Além de que o Ministério se contradiz ao referir que “a revisão agora apresentada reduz a dispersão curricular” (ibidem), quando na verdade aumenta o número de disciplinas. A redução da dispersão curricular concretiza-se no reforço de disciplinas fundamentais, tais como o Português, a Matemática, a História, a Geografia, a Físico – Química e as Ciências Naturais, na promoção do ensino do Inglês, que passará a ser obrigatório por um período de cinco anos. Adicionalmente, na área das expressões reafirma-se um reforço da identidade disciplinar. Decreto-Lei n.º 139/2012 O problema que se coloca efectivamente nesta revisão curricular, por entre alguns ecos corporativos, é o de questionar o modelo de educação que queremos seguir. Numa recente conferência de Fernando Hernandez no Porto, foi curiosa a alusão para as diferenças entre o logótipo do “The National Curriculum” (Inglaterra) de 1999 e de 2008. No primeiro as diferentes disciplinas, representadas por diferentes cores, eram pequenos quadrados separados uns dos outros. Na segunda as diferentes cores eram linhas onduladas, que se cruzavam e entrelaçavam, provenientes de um lugar comum e dirigindo-se para um outro ponto de encontro. Esta mudança significa o rumo que o currículo da escola em Inglaterra vem tomando e que demonstra uma visão integradora entre as diferentes áreas. Logótipo do National Curriculum (1999) Logótipo do National Curriculum (2008) Read (1944) também dizia que “o que está errado no nosso sistema educativo é precisamente o nosso hábito de estabelecer zonas separadas e fronteiras invioláveis; e o sistema que proponho (…) tem por único objectivo a integração de todas as faculdades biologicamente úteis numa única actividade orgânica” (cit in Barret, 1979). 108 Por sua vez, o MEC caminha em sentido oposto. O excerto retirado no decreto-lei n.º 139/2012 vinca por duas vezes a palavra reforço. A primeira num contexto que hierarquiza saberes, como se houvesse saberes de primeira e saberes de segunda. A segunda vez que a palavra é utilizada é para se referir ao reforço da identidade disciplinar, como uma espécie de fechamento da disciplina em si mesma e em torno dos seus saberes. Na comunicação que apresentei em Abril no II Encontro Internacional sobre Educação, questionei sobre o que se passou nestas últimas duas décadas que justifique esta mudança curricular? Que mudanças se verificaram na sociedade, na escola, na educação artística, no saber profissional dos docentes? Considero efectivamente que os últimos vinte anos trouxeram para domínio da Educação Artística narrativas renovadas, algumas delas já introduzidas no currículo através das Competências Essenciais (CNEB, 2001). Refiro-me em particular às perspectivas cognitivistas iniciadas por Efland, Parsons, Gardner entre outros. No entanto, além das já referidas dificuldades que este documento trouxe na organização e planificação do ensino-aprendizagem da disciplina de EVT, este Ministério determina, através de Despacho, que o Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais deixe de se constituir como documento orientador (um Despacho que saiu inexplicavelmente a meio de um ano lectivo e com efeito imediato). Em substituição das competências essenciais são anunciadas Metas Curriculares e em pouco mais de 5 meses percebemos que “afinal” não haverá novos programas para a Educação Visual e para a Educação Tecnológica no 2º ciclo, mantendo-se em vigor o programa de 1991 de Educação Visual e Tecnológica, sendo este a referência para as Metas Curriculares. Ou seja, elimina-se a disciplina de EVT, criam-se duas novas disciplinas orientadas pelo programa de EVT, sem que se renove ou actualize os discursos da Educação Artística e Tecnológica. Deste modo, sem compreender o rumo ou a estratégia para esta revisão da estrutura curricular, somos obrigados a reconhecer o inconcebível em qualquer estado democrático: que estas medidas em nada têm haver com melhorias na educação, mas antes na redução de custos para o Estado através da Educação. Com a separação da disciplina de EVT, em EV e ET, e o desmantelamento do par pedagógico consegue-se no imediato a redução de 50% das necessidades em professores para esta área, à qual se juntam outras medidas paralelamente anunciadas, como a criação dos designados megaagrupamentos e o aumento do número de alunos por turma. Surgem assim duas preocupações. A primeira ao nível socioprofissional, com quase a totalidade dos professores contratados durante os últimos dez anos nesta área a ficarem fora do sistema, desaproveitando um investimento de mais de uma década na formação inicial e habilitação profissional para a docência. A segunda ao nível da qualidade educativa, dado que muitos professores, agora designados de carreira, ficam sem componente lectiva, sendo mobilizados de acordo com as necessidades da escola, ou do agrupamento, e não pelas habilitações profissionais e académicas. Considero que o modo como se gere, manipula e altera as questões educativas, pelo menos em Portugal, necessita de ser estruturada, exigindo-se um modelo pensado e discutido por todos os agentes educativos. É necessário que ao nível legislativo, a orientação deva ser clara, com programas disciplinares sustentados em estudos e investigações com amplo consenso social e académico. É por isso que defendo um papel reivindicativo e de implicação das comunidades académicas e dos centros investigação no espaço das discussões e 109 decisões politicas, para que estas não estejam ao sabor das mudanças conjunturais resultantes de ciclos políticos eleitorais. Ao nível da implementação das medidas, uma reforma não pode ser implementada apenas pela publicação de legislação, pois os professores não alteram as suas práticas simplesmente pelas alterações de leis, decretos ou despachos. Impõe-se um tempo de diálogo e de discussão pública, de estudos, de implementação monitorizada no terreno e de avaliação. Qualquer reforma, revisão ou simples alteração em educação necessita do entendimento dos seus agentes, neste caso em particular dos professores, que a deve sentir como importante. É preciso estar perto dos professores e é fundamental uma formação adequada sobre as alterações a serem implementadas. A este nível penso ser essencial a participação do Ensino Superior, em particular os seus Centros de Investigação em Educação, na formação dos professores, não só inicial, mas sobretudo continuada. Porque a educação faz-se das histórias dos professores, defendo um professor do Ensino Básico ou Secundário que se implique nas investigações, junto dos Centros de Investigação, para que possa desenvolver estudos com ênfase nas suas práticas lectivas, partilhando-os através de publicações e apresentações públicas. Porém, para que isto aconteça é necessário também que o Ensino Superior abandone o pedestal académico e aproxime o seu discurso ao dos professores e às realidades da profissão docente. Num contexto em que cada vez mais se proclama a importância e a necessidade de uma Educação Artística e Tecnológica; aumentam os discursos para a criatividade; e se declara como urgente o desenvolvimento de capacidades multidisciplinares nos indivíduos, parece-me um contra-senso qualquer politica educativa que não aposte nestes eixos, e se afirme peremptoriamente apologista do reforço identitário de disciplinas e a hierarquização de saberes. Acredito que este não pode ser o caminho, e para que se mude é necessário uma implicação social nestas questões, destacando o papel que devem ter todos os agentes educativos desde professores, pais e alunos, mas também as instituições e professores do Ensino Superior e dos núcleos de Investigação em Educação, que devem estender os seus discursos para além do domínio académico, assumindo um papel mais interventivo nas discussões e decisões politicas. 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS APEVT (2012). Posição pública da Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica sobre a versão final de revisão da estrutura curricular. Porto. [online] acedido em 27 de Março de 2012 em http://www.apevt.pt/pdf/comunicado_APEVT_27_03_2012.pdf BARRET, Maurice (1979). Educação em Arte. Uma estratégia para a estruturação de um curso. Trad. Isabel Cottilelle Telmo e Irene Belzer Sam Payo. Lisboa: Editorial Presença. DGEBS a. (1991). Educação Visual e Tecnológica: Organização Curricular e Programas do 2º ciclo do Ensino Básico. Volume I. Lisboa: Ministério da Educação. DGEBS b. (1991). Educação Visual e Tecnológica: Plano de Organização do Ensino Aprendizagem. Volume II. Lisboa: Ministério da Educação. DEB (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais. Lisboa Ministério da Educação. DGIDC (2011). Proposta-base da Revisão da Estrutura Curricular. Ministério da Educação. [on-line] acedido a 15 de Março de 2012 em http://www.dgidc.min-edu.pt/ DGIDC (2012). Versão final da Revisão da Estrutura Curricular. Ministério da Educação. [on-line] acedido a 26 de Março de 2012 em http://www.dgidc.min-edu.pt/ HERNÁNDEZ, Fernando (2003). Educación y Cultura Visual. Barcelona: Octaedro. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA. Decreto-Lei n.º 139/2012 de 05 de Julho RODRIGUES (coord.); Gomes; Torres, Fernandes e Lagoa (2012). Parecer da Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica, sobre a proposta de revisão da estrutura curricular apresentada pelo Ministério da Educação e Ciência para discussão pública. [on-line] acedido a 15 de Março de 2012 em http://pt.scribd.com/jarodrigues/d/79972270-Parecer-APEVT-Rev-Curricular-FINALRed 111 MUSEUS DE ARTE E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRITICO E CRIATIVO Inês Ferreira Câmara Municipal do Porto Palavras‐chave: Pensamento Crítico; Pensamento Criativo; Museus. 2000, p. 14) e o ritmo da mudança exige capacidade de adaptação. São as pessoas com mais criatividade e capacidade de adaptação que melhor lidam com este desafio de adaptação à mudança, do presente. Nesta sociedade em contínua mudança, a aprendizagem de livre escolha, que o indivíduo faz porque quer, ocupa um lugar muito relevante (FALK, [et al.], 2011, p. 325). Aprender é um Sumário processo construtivo (HEIN, 2011, p. 346‐348), contínuo e pessoal, que pode acontecer a ver Qual o contributo dos museus, e especificamente dos museus de arte, para o desenvolvimento das televisão, navegar na internet, ou visitar um museu. A globalização está a mudar o modo como capacidades de pensamento crítico e criativo? Qual a importância dessas capacidades, hoje? Podem treinar‐se essas capacidades nos museus? Como? Este artigo apresenta um contexto teórico para pensar estas questões, no âmbito de uma investigação em curso. Neste início do século XXI o desenvolvimento tecnológico e a globalização colocam novos desafios à se trabalha e se vive (LAU, 2011, p.1), a aprendizagem de livre escolha ocupa cada vez mais do nosso tempo, e o saber pensar crítica e criativamente, é fundamental para enfrentar estas mudanças. sociedade e indivíduo. O modo como se trabalha e se vive está a mudar a um ritmo muito rápido e a investigação mostra que as capacidades de pensar crítica e criativamente são fundamentais para a 2.1 CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÕES DO PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO adaptação à mudança e para lidar com novos desafios pessoais e profissionais. A transição de uma economia baseada em bens para uma economia baseada em conhecimento e a crescente Para resolver problemas e tomar decisões usamos o pensamento crítico, cujas características importância da aprendizagem de livre escolha reforçam a necessidade dessas capacidades. Este são a racionalidade, reflexão e avaliação. O pensamento crítico ‐ claro, preciso e sistemático ‐ contexto suporta a importância de investigar o contributo dos museus para o desenvolvimento de segue as regras do raciocínio lógico e científico. capacidades críticas e criativas. 1 INTRODUÇÃO No século XXI o desenvolvimento tecnológico e a globalização trouxeram transformações profundas que exigem do indivíduo capacidades de pensamento crítico e criativo para se adaptar à mudança. Neste artigo pretende‐se:  Fundamentar a importância das capacidades do pensamento crítico e criativo no século XXI;  Mostrar de que forma os museus podem contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo;  Demonstrar a necessidade dos museus se posicionarem enquanto espaço de conhecimento, aprendizagem e desenvolvimento de competências críticas e criativas. 2 PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO Ilustração 1 ‐ mapa mental das ideias chave consideradas mais relevantes para a definição de pensamento crítico. Hoje a sociedade enfrenta o desafio de preparar indivíduos e organizações para lidar com a O pensamento criativo é uma das componentes da criatividade, juntamente com a motivação proliferação rápida de informação. Nos últimos anos assistiu‐se à transição de uma economia e o conhecimento. Uma pessoa pode ter um pensamento criativo bem desenvolvido mas estar baseada em bens para uma economia baseada em conhecimento, e sabemos que os profundamente desmotivada, por exemplo, no contexto laboral, e por isso não ser criativa no conhecimentos válidos hoje estarão obsoletos em pouco tempo (TENREIRO‐VIEIRA; VIEIRA, trabalho. Pode ainda ter um forte pensamento criativo mas estar a dar os primeiros passos 2 112 113 num contexto laboral novo, em que não conhece as ferramentas e saberes, e por isso não ser comunidades interpretativas, que Hooper‐Greenhill tem vindo a aplicar aos museus é um conseguir ser criativa. A criatividade relaciona‐se com a criação de novas ideias, produtos, exemplo (HOOPER‐GREENHILL, 2007p. 76‐80). processos ou instrumentos, úteis/ aplicáveis. O pensamento criativo não implica a criação de algo, é uma “força” que pode/ ou não levar à criatividade. No contexto que aqui abordamos – museus – o pensamento criativo poderá levar a um modo de olhar e relacionar criativo, mas não tem necessariamente de levar a um “produto” /ideia/ conceito. O pensamento criativo Pensar bem é fundamental para um cidadão intervir e adaptar‐se à mudança (TENREIRO‐ VIEIRA; VIEIRA, 2000, p. 17 e 21). Uma democracia progressiva exige cidadãos que pensem objetivamente, superando preconceitos. O cultivo do pensamento crítico e criativo exige que se conheçam conceitos básicos e se treine com continuidade(LAU, 2011, PAUL; ELDER, 2002). precisa do pensamento crítico para avaliar, selecionar e decidir, e o pensamento crítico precisa do criativo para encontrar respostas adequadas aos problemas, ou propor argumentos alternativos. 3 MUSEUS NO SÉCULO XXI Vivem‐se hoje mudanças que afetam todos, incluindo os museus. O conhecimento é o produto mais transacionado na economia atual, e os museus são produtores de conhecimento. A importância da aprendizagem de livre escolha aumenta (FALK, [et al.], 2011, p. 324), e os museus são locais de aprendizagem de livre escolha. Os cidadãos são chamados a ser interventivos, e os visitantes dos museus são chamados a participar nas decisões. É neste contexto que o museu hoje procura redefinir‐se. Há na realidade, uma dissonância entre o que o museu pode ser e o que o museu é. Apesar das ideias construtivistas circularem nos círculos académicos e museológicos há algum tempo, há profissionais que operam de modo pouco crítico ou acrítico sem questionar como nem porque, nem e se, partindo do princípio de que todos os visitantes têm a mesma experiência e aprendem o mesmo. A aprendizagem é um processo contextual e pessoal, articulado com a experiência, interesses e motivação pessoal; não é só sobre o que o museu quer ensinar, mas acerca do significado que o visitante escolhe dar às suas experiências ‐ vai além dos ganhos Ilustração 2 ‐ mapa mental das ideias chave consideradas mais relevantes para a definição de criatividade. O modo como pensamos afeta a nossa vida através das decisões que tomamos. Uma pessoa é melhor no que faz, se tiver boas capacidades de pensar (PAUL; ELDER, 2002). Valorizam‐se hoje capacidades do pensamento crítico e criativo, no entanto continua a haver uma dissonância entre o mercado de trabalho, que valoriza pessoas criativas, e o ensino, que promove mais a aquisição de conhecimentos do que de competências, não valorizando o saber cognitivos. Um dos maiores desafios que os museus enfrentam hoje é o de se voltarem para os visitantes, que deixaram de ser uma massa indiferenciada para se tornarem “intérpretes e performers de práticas de construção de significados” (HOOPER‐GREENHILL, 2011, p. 362). Esta mudança propõe uma negociação do significado. Historicamente, os museus basearam‐se no modelo de uma experiência para todos os visitantes. Falk et al. propõem que os museus se adaptem às necessidades e interesses únicos dos indivíduos (FALK, [et al.], 2011), o que aponta pensar (ROBINSON, 2011 (1st ed. 2001)). O uso do pensamento crítico e criativo permite ao indivíduo posicionar‐se sobre questões atuais, optar, alargar o leque de possibilidades e selecionar as melhores (FALK, [et al.], 2011, p. 326). Na medicina, por exemplo, cada vez mais todos os intervenientes – médicos, doentes, decisores – são chamados a intervir. As decisões passaram a ser partilhadas com os doentes. Esta mudança a nível de autoridade/ partilha de decisões é uma característica de hoje, para o papel do visitante enquanto autor e intérprete de significados. O conceito de pós‐museu pressupõe a existência de “muitas vozes e muitas perspetivas”, sendo a voz do museu “uma no meio de muitas”, e passando as comunidades a estar envolvidas na partilha de processos e tomada de decisões ‐ comunidades interpretativas (HOOPER‐GREENHILL, 2007, p. 81‐82) experimentada noutros contextos, que se revela na própria terminologia –o termo 3 114 4 115 A construção e negociação de significados pelas comunidades exige que o museu treine e crítico e criativo agem em inter‐relação. Num museu, levantar questões a partir de uma obra potencie as capacidades de pensamento crítico e criativo dos seus visitantes/participantes. pode introduzir uma boa estrutura de organização e análise ‐ levantar questões leva ao envolvimento com a obra. Se antes deste envolvimento pessoal o visitante for bombardeado 4 PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO – CONTRIBUTO DOS MUSEUS com informação sobre a obra, o artista, os conceitos estéticos associados, terá dificuldade em se relacionar com a obra pessoal e críticamente. Se a informação e conceitos forem O museu é um espaço de construção de conhecimento e de aprendizagem de livre escolha, e transmitidos depois de uma apropriação pessoal, a partir de questões, o visitante integrará os visitantes são intérpretes e performers de práticas de construção de significados. A essa informação de um modo crítico. aplicação dos princípios do pensamento crítico e criativo aos museus pode ocorrer a vários níveis, sempre com base no questionamento. 4.2 EXPOSIÇÕES QUE ESTIMULAM As exposições podem estimular os interesses individuais porque apresentam objetos de muitos pontos de vista – qualidades estéticas, significado histórico, impacto económico, por exemplo. Mesmo em exposições direcionadas, os visitantes são livres de responder ao que capta a atenção dos seus olhos, envolvendo a mente sem fim predeterminado (GARTENHAUS, 1997, p. 44‐45). Numa exposição o mais importante é exercitar o pensamento e não ganhar informação. A exposição providencia as primeiras ideias, o resto do caminho é trilhado pelo visitante. O modo como os objetos se relacionam, suscitam questões ou dão respostas fechadas, pode promover o pensamento crítico e criativo ou, pelo contrário, transmitir a ideia de um museu autoritário, “detentor da verdade”. 4.3 EDUCADORES QUE PROVOCAM Colocar questões pode ser uma estratégia para um educador promover o pensamento crítico e criativo. De acordo com a teoria construtivista da aprendizagem todos os visitantes observam, pensam e decidem diferentemente, quando veem a mesma obra num museu, mas o pensamento crítico pode ser encorajado ou desencorajado pelo modo como o orientador do grupo atua. Se não tiver humor, fizer juízos de valor sobre as respostas dadas, valorizar respostas certas, pode inibir o pensamento crítico e criativo. Se evitar julgamentos, for aberto 4.1 OBJETOS QUE QUESTIONAM ao novo das respostas, tiver humor, agir como facilitador, der tempo ao participante para Os objetos dos museus estimulam a mente e a imaginação, são um recurso rico para pensar, refletir, encoraja o pensamento crítico e criativo. (GARTENHAUS, 1997, p. 40, 41) experiências porque contam histórias, contém variedade de informação e significado e permitem aproximações diversas (GARTENHAUS, 1997, p. 10‐12). É possível despoletar o pensamento crítico e criativo a partir de objetos colocando questões de fim aberto, que suscitam o pensamento divergente ‐ fluente, flexível, original e elaborativo. O pensamento fluente cria muitas ideias, o flexível cria uma grande diversidade de ideias, o original cria ideias originais e o elaborativo cria ideias com um grande detalhe. Partir de uma obra de arte para 4.4 PROGRAMAS QUE EXERCITAM O PENSAMENTO DIVERGENTE Os museus podem convocar representantes de comunidades, colaborar com a comunidade para criar diálogo público. Os programas do museu podem potenciar o desenvolvimento do pensamento criativo e crítico, questionando, estimulando a mente e o pensamento um exercício de divergência exige que se avalie, selecione, organize ideias – pensamento 5 116 6 117 divergente, do mesmo modo que podem também, matar a criatividade e o pensamento crítico. Contribuições da Pesquisa Intervenção na Construção de um Projeto Educativo no Museu de Arte: pensando a mediação cultural para a pequena infância 5 CONCLUSÕES Solange Gabre - UNIVILLE As mudanças nos museus, nomeadamente na participação das comunidades em áreas onde antes não intervinham, reforçam a importância que o saber pensar terá no futuro. Ao serem chamadas a intervir na tomada de decisões e interpretação das peças, comunidades e indivíduos terão necessidade de usar capacidades de pensamento crítico e criativo. Tema: Museus de arte e relacionamentos educativos Palavras chave: Pesquisa Intervenção, Mediação Cultural, Museu, Pequena Infância. O Pós‐museu pressupõe que as comunidades sejam tidas em conta nas tomadas de decisão. Configurar um campo de investigação em que o pesquisado tem voz e se apresenta como um agente social e individual transforma essencialmente a prática da pesquisa. Portugal, p.18 Esta mudança dá poder às comunidades e faz prever “uma revolução nos museus” (WEIL, 2007). Para que a revolução nos museus aconteça é preciso profissionais e públicos que saibam pensar crítica e criativamente. Referências Bibliográficas Falk, John H.; Dierking, Lynn D.; Adams, Marianna‐ Living in a Learning Society: Museums and Free‐ choice Learning. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum StudiesWiley ‐ Blackwell, 2011. ISBN 978‐1444334050. p. 323‐339. Gartenhaus, Alan‐ Minds in Motion ‐ Using Museums to Expand Creative Thinking. expanded Third edition. San Francisco, California, USA: Caddo Gap Press, 1997. ISBN 1‐880192‐21‐7. Hein, George E.‐ Museum Education. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum Studies Wiley‐ Blackwell, 2011. ISBN 978‐1444334050. p. 323‐339. A presente comunicação evidencia os caminhos metodológicos desenvolvidos na pesquisa de Mestrado: “Mediação Cultural para a Pequena Infância – um projeto educativo no museu Guido Viaro 1”, defendida em 2011. Através da Pesquisa Intervenção objetivou-se a construção de um projeto educativo de forma compartilhada entre educadores de Museu e educadores da pequena infância, atendendo as Hooper‐Greenhill, Eilean‐ Interpretative Communities, Strategies and Repertoires. In Watson, Sheila‐ Museums and their Communities. London and New York: Routledge, 2007. ISBN 978‐0‐415‐40260‐6. p. 76‐94. particularidades da cultura infantil na mediação cultural. Hooper‐Greenhill, Eilean‐ Studying Visitors. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum StudiesWiley ‐ Blackwell, 2011. ISBN 978‐1444334050. educação da pequena infância no espaço do Museu, a partir da suas particularidades. Lau, Joe Y. F.‐ An Introduction to Critical Thinking and Creativity. Think More, Think Better. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2011. ISBN 978‐0‐470‐19509‐3 (pbk.). Paul, Richard W.; Elder, Linda ‐ Critical Thinking. Tools for Taking Charge of your Professional and Personal Life. Financial Times Prentice Hall, 2002. ISBN 0‐13‐064760‐8. Robinson, Ken ‐ Out of our Minds. Learning to be Creative. Capstone Publishing Ltd, 2011 (1st ed. 2001). ISBN 9780857081490. Tenreiro‐Vieira, Celina; Vieira, Rui Marques‐ Promover o Pensamento Crítico dos Alunos. Propostas Concretas para a sala de aula Porto: Porto Editora, 2000. ISBN 972‐0‐34310‐9. Weil, Stephen‐ The Museum and the Public. In Watson, Sheila‐ Museums and their communities. London and New York: Routledge, 2007. ISBN 978‐0‐415‐40260‐6. O estudo contribuiu para afirmar a relevância da temática no sentido de pensar a Também revelou a carência que os setores educativos dos Museus possuem quanto ao atendimento a esse público. Nesse sentido a pesquisa se justificou pela possibilidade de abrir um diálogo entre educação formal e educação não formal para que, juntos, pudessem descobrir um caminho que levasse a pequena infância ao Museu. Nessa perspectiva pretende-se discorrer brevemente sobre a metodologia intervenção e a técnica de grupo focal, utilizadas no desenvolvimento da pesquisa2. 1 2 7 118 Museu Guido Viaro é uma instituição particular que abriga as obras do pintor Guido Viaro. A pesquisa completa encontra-se disponível para consulta http://community.univille.edu.br/mestradopcs/producoes/dissertacoes-mpcs/dissertacoes2011/index/337118?id=337118&nocache=1&preview=1 em: 119 Formação em Teatro e Formação de Públicos 2010/2013 Manuel Gama CMEIs3, da RME4 da cidade de Curitiba, vem aumentando nos museus de arte e percebe-se que, nos museus de forma geral e particularmente no contexto do Museu Guido Viaro, não há um projeto educativo e nem profissionais capacitados para uma “Formação em Teatro e Formação de Públicos efetiva mediação cultural que atenda as particularidades desse público. 1ª fase da investigação (2010/2011)” (1) Dessa forma, a necessidade de um projeto educativo que atendesse essa Gama, M. (2) demanda foi o que desencadeou o processo de intervenção no contexto educativo da instituição. Resumo Com o objectivo de avaliar o papel que as escolas de ensino artístico especializado na área do Portanto procurei responder a questão: Como desenvolver um projeto de teatro têm na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura, foi estruturado um mediação cultural para a pequena infância de forma compartilhada entre profissionais estudo qualitativo a ser desenvolvido, em duas fases, em dois estabelecimentos de ensino da cidade do do museu Guido Viaro e dos CMEIs de Curitiba? Porto. Na 1ª fase foi efetuado um estudo transversal no qual participaram 75% dos alunos que em outubro de 2010 estavam inscritos nos cursos de Teatro da Academia Contemporânea do Espectáculo Dentro da pesquisa intervenção caracterizam-se sujeitos, tanto o pesquisador (ACE) e da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Instituto Politécnico do Porto quanto os pesquisados e ambos têm um papel ativo no processo da pesquisa. Nesse (ESMAE). Na 2ª fase vai efetuar-se um estudo longitudinal até junho de 2013 com os alunos que, no sentido três profissionais do Museu participaram diretamente na pesquisa, quatro ano letivo 2010/2011, estavam inscritos no 1º ano de formação. A 1ª tentativa de procura de respostas às perguntas que foram colocadas no início da investigação profissionais dos CMEIs e dois profissionais da equipe educativa do Solar do Barão5, permite reforçar a ideia de que as escolas de ensino artístico especializado na área de teatro podem ter pelo fato de já terem realizado experiência com o público da educação infantil em um papel importantíssimo na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura. No parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba. entanto também permite constatar que, nas escolas que foram objecto deste estudo, o trabalho desenvolvido, neste campo específico, fica aquém do expectável e do potencial dos envolvidos. O presente artigo tem por objetivo apresentar sinteticamente os resultados da 1ª fase do estudo desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Artística do Instituto Politécnico de Viana do Grupo Focal: Diálogos compartilhados Castelo. Palavras-chave da investigação: políticas culturais, formação de públicos, públicos da cultura, O grupo focal (focus group) é uma técnica qualitativa de coleta de dados práticas culturais, ensino artístico e formação em teatro. originalmente proposta pelo sociólogo estadunidense Robert King Merton (1910 - 2003) com a finalidade de obter respostas de grupos, a textos, filmes e questões. BREVE APRESENTAÇÃO DE UMA INVESTIGAÇÃO EM CURSO A finalidade principal dessa modalidade de pesquisa é “extrair das atitudes e respostas dos participantes do grupo, sentimentos, opiniões e reações que resultariam A questão da democratização cultural continua a marcar a agenda das em um novo conhecimento.” (GOMES, 2005, p. 179). políticas públicas, dada a persistência das desigualdades sociais no acesso à cultura (José Machado Pais in Santos & Pais, 2010: 19). O objetivo de desenvolver o grupo focal com a participação dos profissionais do Museu e da pequena Infância foi o de obter saberes sobre a prática de visitas a museus com crianças pequenas. Foram planejados e desenvolvidos três encontros no museu Guido Viaro com os (1) A partir da comunicação apresentada no 2º Encontro Internacional de Educação Artística sobre a investigação realizada, com a orientação do professor Doutor Luís Mourão, no âmbito do Mestrado em Educação Artística ministrado pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. sujeitos da pesquisa e, através da técnica do grupo focal, questões importantes sobre a (2) Bolseiro da FCT no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, assistente convidado do Instituto Politécnico de Viana do Castelo - mea0911@gmail.com. Outubro-12 3 CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil. 4 RME – Rede Municipal de Educação. 5 Solar do Barão é um espaço cultural que abriga o Museu da Fotografia, o Museu do Cartaz, o Museu da Gravura, o Centro de Pesquisa Guido Viaro, ateliês de gravura, litogravura e serigrafia, além da Gibiteca. 120 121 visita das crianças pequenas ao Museu foram levantadas e discutidas num movimento nos CMEIs, mediados por mim, enquanto pesquisadora, pudesse acontecer. Essa de interação entre os participantes, onde todos tiveram vez e voz. Questões como, quem aproximação entre os profissionais foi fundamental e extremamente necessária, uma vez é a pequena infância e quais são suas particularidades, qual é o tempo de atenção das que o tema da discussão envolvia a todos. Assim ampliaram-se os conhecimentos sobre crianças durante a visita, momento do lanche, a preparação dos professores antes da a visitação das crianças da pequena infância ao Museu, estreitando os laços entre visita, a preparação das crianças, a preparação do mediador quanto às especificidades da educação formal e educação não formal e ainda, colocou-se a pequena infância como pequena infância e a importância de formação e material de apoio ao professor. Essas pauta principal da discussão. questões revelam a possibilidade de a pequena infância adentrar o Museu. Os momentos vivenciados durante os três encontros foram de fundamental Bibliografia importância, pois através da análise das discussões, foi possível realizar um levantamento de algumas palavras consideradas como chaves para a elaboração do projeto educativo: Preparação do Museu; Preparação do professor, Preparação da criança; Planejamento; Acolhimento; Diálogo; Afetividade; Dinâmica; Ludicidade; Estudo; Respeito; Conhecer a infância; Material Pedagógico e Avaliação. Essas palavras, só fazem sentido pelo fato de representarem o resultado de discussões entre sujeitos interessados pela temática “Mediação Cultural para a Pequena Infância”. Pautada na fundamentação teórica e no aprofundamento das questões trazidas nas discussões do grupo focal, sintetizadas no diagrama, é que se construiu o projeto educativo para atender a pequena infância no Museu Guido Viaro, bem como, o FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Sandra Netz. 2 ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. GOMES, A. A. Apontamentos sobre a pesquisa em educação: usos e possibilidades do grupo focal. Ecos – Revista Científica. São Paulo, 2005. MOREIRA, M. I. C. Pesquisa-intervenção: especificidades e aspectos da interação entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa. In: CASTRO, L. R de e BESSET, V. L. (Orgs.) Pesquisa-intervenção na infância e juventude. NAU: Rio de Janeiro, 2008. PORTUGAL, F. T. A pesquisa –intervenção e o diálogo com os agentes sociais. In: In: CASTRO, L. R de e BESSET, V. L. (Orgs.) Pesquisa-intervenção na infância e juventude. NAU: Rio de Janeiro, 2008. material educativo elaborado para atender as necessidades do professor interessado em visitar o Museu e, principalmente, a criança que entrará em contato com a arte pela via do lúdico. Considerações finais Ao abrir as portas para o desenvolvimento desta pesquisa, o Museu Guido Viaro possibilitou a criação de um importante espaço de discussão sobre a pequena infância no Museu, contribuindo no sentido de preencher essa lacuna no contexto educacional atual, tanto formal, quanto não-formal. Esse espaço de discussão foi possível por meio da pesquisa intervenção e da técnica de grupo focal, pois um projeto educativo não poderia ser construído por um olhar apenas, do pesquisador, ou do Museu, ou do professor, mas sim por esses vários olhares compartilhados. A pesquisa intervenção contribuiu na abertura de espaço para que o diálogo entre os profissionais que atuam no Museu e os profissionais que atuam com as crianças 122 123 Um olhar desenfeixado para a educação a distancia: a partir do rio da minha aldeia. Leda Guimarães Faculdade de Artes Visuais/UFG/Brasil Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013 Formação em Teatro e Formação de Públicos foi o título que pareceu mais adequado para nomear um estudo que tem como objectivo avaliar o papel que as escolas de ensino artístico especializado na área do teatro têm na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura. A pertinência da investigação foi fundamentada com o recurso a diversos autores, entre os quais se salientam: Augusto Santos Silva (in Gomes, 2004) que sublinha que a manutenção e formação de novos No Brasil o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs- tem aumentado significativamente a oferta de cursos superiores na chamada Educação a Distância. Uma grande percentagem de adultos não consegue entrar ou permanecer em cursos superiores diante da impossibilidade de conciliar estudo e trabalho. Segundo Marta Maia, professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo a graduação EAD vai crescer cada vez mais porque o presencial não consegue atender toda a gente. Assim, a formação por meio da “educação a distância” se torna um atrativo para muitos que vêem nessa modalidade uma oportunidade de estudar sem deixar de trabalhar. As políticas governamentais têm subsidiado as universidades públicas para oferecem licenciaturas em áreas reconhecidamente carentes de profissionais qualificados, como é o caso comprovado da área da educação artística. A Universidade Federal de Goiás na região centro oeste do país oferece seis cursos1 nesta modalidade dentre eles, o de Licenciatura em Artes Visuais. O objetivo deste texto é refletir como a existência desses cursos tem provocado deslocamentos no contexto da educação superior gerando situações que apontam para uma democratização dos saberes como ferramenta de justiça social necessária ao exercício de uma cidadania plena. Em outras publicações tenho contextualizado a origem desse curso, os impasses, detalhado ações pedagógicas, apontado dificuldades, etc (GUIMARÃES, 2008, 2010). Para esse texto procurei resumir em pontos que tem se revelado importantes para a minha experiência como docente/pesquisadora no enfrentamento da formação de professores para o campo de artes visuais em uma instituição pública de ensino superior no Brasil. Não vou tratar aqui das dificuldades, estas são muitas, e claro que também merecem uma reflexão apropriada. Para o momento enfatizar o que tenho aprendido se faz mais importante pois são mudanças que tem impactado a composição da minha agenda profissional. Estes pontos resultam das minhas percepções, outras pessoas que vivenciaram as mesmas experiências podem encontrar ou não ressonâncias nas minhas reflexões. Podem trazer aspectos completamente diferentes, o que enriqueceria a discussão que pretendo deflagrar. Sendo assim, espero que estes pontos aqui organizados sejam vistos como estopins para novas discussões, e não como um prontuário pedagógico sobre educação a distância, porque eu mesma não acredito nos que encontro por aí. públicos deve ser um trabalho continuado, que promova a aproximação às artes pela experimentação expressiva e que faça uma articulação entre diferentes instituições públicas e privadas, ligadas ao ensino, à cultura e ao associativismo; Rui Telmo Gomes (in Santos & Pais, 2010) que considera que o trabalho de sensibilização e formação de públicos tem que passar, também, pela qualificação da formação dos profissionais que o implementam; Maria de Lourdes Lima dos Santos (in Santos & Pais, 2010) que salienta que nos últimos anos se tem observado um aumento na procura cultural, mas que este não é generalizado, nem em termos de grupos sociais nem em termos de diversidade do consumo, e que, apesar do aumento da escolaridade, a procura de práticas mais exigentes ainda não é acompanhada pelo aumento da oferta; e Rosa & Chitas (2010) que relembram que, apesar do número de espectadores de teatro ter triplicado entre 2000 e 2008, a verdade é que os índices de afluência a este tipo de espectáculos eram tão baixos que só em 2002 é que atingiram um valor igual ao número de espectadores que existia em 1960. A investigação está a ser realizada no Porto por ser o concelho do território nacional que concentra o maior número de escolas de ensino artístico especializado na área do Teatro. A ACE e a ESMAE foram os dois estabelecimentos de ensino selecionados para a investigação por serem de níveis diferentes de formação e por, no início do ano lectivo 2010/2011, serem as que, na região, tinha mais alunos inscritos nos cursos de Teatro. Em termos metodológicos, esta é uma investigação qualitativa que segue um modelo não-experimental descritivo e que vai acontecer em duas fases. Na 1ª foi um estudo transversal no qual participaram 75% dos alunos que, em outubro de 2010, estavam inscritos nos cursos de Teatro das duas escolas e na 2ª fase vai efetuar-se um estudo longitudinal até junho de 2013 com os alunos que, no ano letivo 2010/2011, estavam inscritos no 1º ano de formação. A amostragem dos alunos participantes no estudo foi não-probabilística. Refira-se que, apesar de não ser objectivo da investigação a generalização dos resultados, a verdade é que houve a preocupação de tentar obter o máximo de participação possível por parte dos alunos dos dois estabelecimentos de ensino, tentando que todos os cursos/variantes e anos de frequência estivessem representados. O método que se está a utilizar é a análise de documentos centrada no problema: planos curriculares e programas das disciplinas dos cursos em estudo, questionários aplicados aos alunos e textos relacionados com o tópico em estudo. O questionário, que está a ser o instrumento de recolha de dados privilegiado, foi criado de raiz e estruturado em 4 partes distintas: a 1ª destinada a recolher os dados pessoais do inquirido; a 2ª com o objectivo de caracterizar socioeconomicamente os alunos; a 3ª dedicada a aspetos relacionados com o estabelecimento de ensino; e a 4ª dedicada às práticas culturais dos alunos. Para a recolha dos dados referentes à análise do conteúdo dos planos curriculares e programas das disciplinas foi criada uma grelha contendo duas unidades de análise. A 1ª para detectar nos documentos observados referências explícitas 124 1 A UFG oferece atualmente seis (06) cursos de graduação, na modalidade a distância: Administração de Empresas, Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Educação Física e Física e os seguintes cursos de especialização: Educação para Diversidade e Cidadania, Gestão Escolar, Metodologia do Ensino Fundamental e Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia. ao objectivo de desenvolver as práticas culturais dos alunos, e a 2ª para as referências explícitas ao 2 125 Manuel Gama Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013 objectivo de desenvolver competências nos alunos para a criação de acções de sensibilização de novos Sobre o papel que as escolas deveriam desempenhar no desenvolvimento das práticas culturais dos seus alunos é importante relembrar o perfil que Santos nomeou de tipo cultivado de práticas culturais de públicos para a cultura. Na apresentação e discussão dos resultados da 1ª fase, que ocorreu em fevereiro de 2011, optou-se por dar especial atenção aos dados obtidos pela análise dos questionários, pois verificou-se que davam indicadores muito importantes para as respostas às questões de investigação. Assim, os dados referentes à análise dos outros documentos foram utilizados, essencialmente, para reforçar, sublinhar ou encontrar algumas justificações para os resultados obtidos. Em dezembro de 2013, vão ser apresentadas as conclusões finais do estudo que vão conter uma análise comparativa entre os resultados das duas fases da investigação e um diagnóstico do impacto que as sugestões apresentadas no final da 1ª fase tiveram na ação das escolas e nas práticas culturais dos alunos. saída e que poderá ajudar a perceber o conceito de práticas equilibradas e diversificadas. Para a autora, este grupo que integra os públicos da cultura caracteriza-se por em primeiro lugar ir a museus, visitar exposições, monumentos e sítios arqueológicos, em segundo lugar ir ao teatro e a espectáculos de dança, em terceiro lugar ir a concertos de música erudita/clássica e em quarto lugar ir a bibliotecas, ler livros e ir a concertos de música popular/moderna (Santos, 2007: 154). Convém ainda não esquecer que Garcia considera que a emissão das políticas culturais não está circunscrita à esfera das administrações central e local, logo as escolas, e neste caso as escolas de formação artística especializada, também têm uma função a cumprir, “sendo indispensável a visibilidade acerca das suas orientações, das suas estratégias e das suas práticas” (in Santos & Pais, 2010: 222). Assim sendo, o papel que as escolas deveriam desempenhar no desenvolvimento das práticas culturais dos seus alunos poderia reger-se, por exemplo, pelos cinco desafios que Silva (2007) lança aos 1ª TENTATIVA DE RESPOSTA ÀS QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO responsáveis pela definição das políticas culturais autárquicas, ou seja, as propostas culturais dos docentes para os seus alunos deveriam apostar na diversidade, na actualidade, na dimensão e na continuidade, mas Que processos enformam a realização de práticas de natureza também na capacidade de medir o impacto dessa mesma acção. expressiva (isto é, fazer teatro, tocar um instrumento musical, pintar, 2. Que tipo de actividades é que as escolas de teatro promovem para o desenvolvimento das desenhar, praticar dança/ballet ou outras) para que estas possam práticas culturais dos seus alunos? constituir-se como estratégias de formação de públicos para a cultura (Vanda Lourenço in Gomes, 2004: 165)? Apesar de o desenvolvimento das práticas culturais ser um trabalho implícito e transversal na formação de qualquer artista, a verdade é que na análise que foi feita aos programas das disciplinas ou fichas das unidades curriculares dos cursos não foi encontrada qualquer referência que permitisse concluir que 1. Será que os alunos dos cursos de teatro se sentem impulsionados pelos docentes a participar, enquanto público, na vida cultural da cidade/região onde estão inseridos? Os resultados obtidos pela análise das respostas ao questionário implementado em outubro de 2010 são claros e mostram que a maioria dos alunos da ACE e da ESMAE se sente impulsionada pelos professores a participar na vida cultural da cidade/região. houvesse alguma cujos objectivos específicos e competências a desenvolver estivessem directamente relacionadas com o incremento das práticas culturais dos alunos. Tendo em consideração as respostas mais dadas nas duas escolas – espectáculos de teatro, sessões de cinema e eventos no estabelecimento de ensino – constata-se que as propostas dos docentes com este objectivo específico se centram muito na proposta de eventos culturais como actividades extracurriculares e que as propostas são desequilibradas e pouco diversificadas pois são essencialmente na área de formação da escola e não têm uma particular É importante, no entanto, sublinhar que o facto de os alunos se sentirem estimulados para se atenção o ano e curso de frequência, nem as práticas culturais que os alunos têm. envolverem na vida cultural não é sinónimo de que o incentivo que lhes é dado seja o mais adequado. 3. Quais as diferenças entre as práticas culturais dos alunos no 1º ano e os alunos do último Tendo em consideração as respostas obtidas, as propostas dos docentes centram-se muito na área de ano dos cursos de teatro? formação da escola sem terem uma particular atenção às práticas culturais dos próprios alunos e à, cada No cômputo geral, os hábitos culturais dos alunos dos dois estabelecimentos de ensino analisados são vez maior, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade das áreas artísticas. Sublinha-se que na pergunta do questionário que originou esta conclusão só era pedido aos alunos que referissem os três tipos de eventos culturais mais frequentemente incluídos nas propostas apresentadas pelos docentes para a participação dos alunos na vida cultural da cidade/região. Assim, poderia ser invocado que o facto de um tipo de evento não ser mencionado pelos alunos nos três primeiros lugares não ser sinónimo de esse ser um evento pouco proposto pelos docentes. No entanto, realça-se que as disparidades entre o número total de respostas dos diferentes eventos mencionados pelos alunos, leva a crer que as propostas dos docentes são realmente desequilibradas e pouco diversificadas, centrando-se 126 nos espectáculos de teatro, nas sessões de cinema e nos eventos no estabelecimento de ensino. Outubro-12 muito semelhantes em praticamente todas as práticas culturais objecto de estudo. Os alunos têm consumos desequilibrados e pouco diversificados, com a Internet e os espectáculos de teatro a serem, nos dois grupos de práticas estudadas, os dois hábitos mais frequentes. Saliente-se que os hábitos de leitura constituem a mais significativa das diferenças, com os alunos da ACE a lerem bastante mais que os da ESMAE. Na ACE, comparativamente com os alunos do 1º ano, os alunos do 3º ano têm consumos inferiores de Internet, leitura, sessões de cinema e televisão, e superiores de espectáculos de teatro e de dança. Na ESMAE, os alunos do 3º ano têm consumos inferiores de espectáculos de dança, leitura, sessões de cinema e superiores de espectáculos de teatro, Internet e televisão. 4 127 Manuel Gama Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013 É importante salientar que a 1ª fase do estudo foi transversal, o que faz com que, eventualmente, as As escolas de ensino artístico especializado na área do teatro podem ter um papel importantíssimo na diferenças diagnosticadas entre as práticas culturais dos alunos do 1º ano e as dos alunos do 3º ano criação, formação e manutenção de novos públicos para cultura, no entanto, os resultados da 1ª fase da possam não estar completamente relacionadas com a frequência da escola. Tanto mais que quando se investigação, permite chegar à conclusão que a acção da ACE e da ESMAE, neste campo específico, fica abordam questões ligadas às práticas culturais é necessário ter também em linha de conta aspectos como muito aquém do expectável e do potencial dos envolvidos. as experiências no âmbito da educação artística, as práticas artísticas amadoras, a oferta cultural e a origem socioeconómica. Os alunos objecto do estudo têm origem socioeconómica muito semelhante e, como as duas escolas estão sedeadas no Porto, a oferta cultural ao dispor dos alunos é a mesma. No que concerne às experiências anteriores no âmbito da educação artística os alunos da ESMAE frequentaram- Assim, seguem algumas sugestões que poderiam, sem grande esforço ser implementadas nas escolas de teatro com o objectivo de promover uma ponte mais estreita entre a Formação em Teatro e a Formação de Públicos: 1. Aquando da entrada na escola poderia ser efectuado um diagnóstico objectivo e pormenorizado nas mais, mas, em contrapartida, são os alunos da ACE que actualmente têm mais práticas artísticas sobre as práticas culturais dos alunos através de um questionário que seria repetido a meio do 2º amadoras. ano de formação e no final do curso. Por um lado, isto permitiria saber a real influencia que a escola 4. Será que os alunos dos cursos de teatro são motivados para desenvolver no futuro, tem na evolução dos hábitos culturais dos seus alunos, tornando possível medir efectivamente e enquanto artistas, actividades que contribuam para a criação, formação e manutenção de objectivamente a diferença entre as práticas dos alunos no início do curso e no fim do curso. Mas novos públicos para a cultura? por outro lado, e sobretudo, permitiria traçar um plano de actividades adequado ao público a que se destina e que poderia ir sendo adaptado em função dos resultados que a sua implementação fosse Os resultados obtidos não deixam margem para dúvidas e mostram que a maioria dos alunos considera originando. que as escolas os motivam de forma muito positiva para que no futuro, enquanto artistas, venham a 2. As propostas de práticas culturais efectuadas pelos docentes ao longo dos anos de formação desenvolver actividades que contribuam para a criação, formação e manutenção de novos públicos para a deveriam contribuir para que, quando saíssem da escola, os alunos tivessem hábitos culturais cultura. Saliente-se que esta sensibilização deve estar a ser feita de forma tácita, pois nos programas das equilibrados e diversificados. disciplinas ou fichas das unidades curriculares não figura nenhum conteúdo programático específico para o 3. O carácter extracurricular que tem grande parte do trabalho que as escolas promovem com o desenvolvimento dessa competência nos alunos. objectivo de contribuir para o desenvolvimento das práticas culturais dos alunos deveria ser Refira-se ainda que, tendo em consideração as suas práticas culturais, dificilmente os alunos da ACE e acompanhado por um trabalho que, sem perder a transversalidade, poderia estar centralizado numa da ESMAE terão a capacidade de se tornar no “que Bourdieu apelidou de «novos intermediários culturais»” disciplina ou unidade curricular que permitisse não só o desenvolvimento do sentido estético, crítico (João Teixeira Lopes in Gomes, 2004: 46). Apesar de serem jovens e escolarizados, a verdade é que estes e argumentativo dos futuros artistas, mas também a criação de públicos com uma visão mais alunos não detêm um “capital cultural consolidado” (Ibidem: 46) que lhes permita ser um público habitual abrangente do próprio conceito de cultura e arte. Sobre o trabalho extracurricular, refira-se ainda das diferentes formas de expressão artística e muito menos um público cultivado, que, como já foi referido, que se julga que ele deveria continuar a ser desenvolvido, mas de forma concertada num único se caracteriza por integrar no seu consumo cultural um conjunto diversificado de práticas culturais de saída projecto que poderia ser nomeado, por exemplo, de Comunidade de Espectadores, que poderia e ainda a leitura de livros (Santos, 2007). Assim sendo, se não houver uma alteração nas suas práticas funcionar com um espaço de partilha e debate em torno das práticas culturais da comunidade culturais, estes futuros artistas provavelmente não conseguirão exercer convenientemente a função de escolar. mediadores culturais pois esta baseia-se no “princípio de que existe uma série de clivagens de tipo cultural” 4. Ao longo da formação deveriam ser integrados no programa de, pelo menos, uma disciplina ou (Ginzburg, 1981: 131) que só podem ser colmatadas através um papel activo, muitas vezes “comparável a unidade curricular, conteúdos programáticos específicos que, de forma explicita, alertassem e um filtro” (Ibid.), cujos objectivos principais consistem em atenuar os défices na procura das diferentes sensibilizassem os alunos para a importância dos artistas desenvolverem actividades no âmbito da formas de expressão artística e reforçar as práticas culturais dos envolvidos. criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura. Desta forma, sublinhar-se-ia a importância da relação entre os artistas e os fruidores das suas obras. NOTAS FINAIS EM JEITO DE CONCLUSÃO… A terminar, salienta-se que as sugestões apresentadas se situam ao nível da grande generalidade, mas que poderão ser contributos importantes se articuladas e integradas num programa mais abrangente O que é admirável é o facto de o teatro ser exactamente o lugar de encontro entre as grandes perguntas da humanidade, os grandes baseado no “vasto manancial, já avaliado e validado, de experiências emancipadoras levadas a cabo dentro do paradigma da democratização cultural” (João Teixeira Lopes in Santos & Pais, 2010). problemas da humanidade, a vida, a morte… e a dimensão artesanal, extremamente prática (Brook, 1993: 70). 128 129 Outubro-12 6 Manuel Gama BIBLIOGRAFIA Um olhar desenfeixado para a educação a distancia: a partir do rio da minha aldeia. Leda Guimarães BROOK, Peter (1993), O diabo é o aborrecimento, Porto, Edições Asa. Faculdade de Artes Visuais/UFG/Brasil GINZBURG, Carlo (1981), A Micro-história e outros ensaios, Lisboa, Difel. GOMES, Rui Temo (coord.) (2004), Os Públicos da cultura, Lisboa, Observatório das Actividades Culturais. ROSA, Maria João Valente & CHITAS Paulo (2010), Portugal: os Números, Lisboa, Relógio D’ Água Editores. SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos & PAIS, José Machado (org.) (2010), Novos trilhos culturais: práticas e políticas, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais. SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos (coord.) (2007), A Leitura em Portugal, Lisboa, Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação. SILVA, Augusto Santos (2007, Maio), “Como abordar as políticas culturais autárquicas?”, Sociologia, problemas e práticas – número 54, Lisboa, CIES-ISCTE CELTA, 11-33. No Brasil o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs- tem aumentado significativamente a oferta de cursos superiores na chamada Educação a Distância. Uma grande percentagem de adultos não consegue entrar ou permanecer em cursos superiores diante da impossibilidade de conciliar estudo e trabalho. Segundo Marta Maia, professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo a graduação EAD vai crescer cada vez mais porque o presencial não consegue atender toda a gente. Assim, a formação por meio da “educação a distância” se torna um atrativo para muitos que vêem nessa modalidade uma oportunidade de estudar sem deixar de trabalhar. As políticas governamentais têm subsidiado as universidades públicas para oferecem licenciaturas em áreas reconhecidamente carentes de profissionais qualificados, como é o caso comprovado da área da educação artística. A Universidade Federal de Goiás na região centro oeste do país oferece seis cursos1 nesta modalidade dentre eles, o de Licenciatura em Artes Visuais. O objetivo deste texto é refletir como a existência desses cursos tem provocado deslocamentos no contexto da educação superior gerando situações que apontam para uma democratização dos saberes como ferramenta de justiça social necessária ao exercício de uma cidadania plena. Em outras publicações tenho contextualizado a origem desse curso, os impasses, detalhado ações pedagógicas, apontado dificuldades, etc (GUIMARÃES, 2008, 2010). Para esse texto procurei resumir em pontos que tem se revelado importantes para a minha experiência como docente/pesquisadora no enfrentamento da formação de professores para o campo de artes visuais em uma instituição pública de ensino superior no Brasil. Não vou tratar aqui das dificuldades, estas são muitas, e claro que também merecem uma reflexão apropriada. Para o momento enfatizar o que tenho aprendido se faz mais importante pois são mudanças que tem impactado a composição da minha agenda profissional. Estes pontos resultam das minhas percepções, outras pessoas que vivenciaram as mesmas experiências podem encontrar ou não ressonâncias nas minhas reflexões. Podem trazer aspectos completamente diferentes, o que enriqueceria a discussão que pretendo deflagrar. Sendo assim, espero que estes pontos aqui organizados sejam vistos como estopins para novas discussões, e não como um prontuário pedagógico sobre educação a distância, porque eu mesma não acredito nos que encontro por aí. 1 A UFG oferece atualmente seis (06) cursos de graduação, na modalidade a distância: Administração de Empresas, Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Educação Física e Física e os seguintes cursos de especialização: Educação para Diversidade e Cidadania, Gestão Escolar, Metodologia do Ensino Fundamental e Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia. 130 131 Outubro-12 ponto 1 - construção colaborativa - escritas compartilhadas, Este ponto diz respeito a construção do curso, do material didático, do planejamento de aulas, atividades, avaliações, etc. Pensar um curso de qualquer maneira envolve uma construção coletiva, mas nem sempre, a execução do mesmo exige essa coletividade. No caso do nosso curso de Licenciatura em Artes Visuais, equipes foram se formando e interagindo: a pedagógica, a de design instrucional, a técnica administrativa, etc. Muitas vezes, pela escassez de recursos finaceiros ou de pessoal, as equipes se superpõem nas suas funções. Mas há um interrelacionamento entre as diversas instâncias, vou citar alguns exemplos. Na construção do material pedagógicos, dos textos, autores especialistas são convidados, mas estes nem semprem sabem para que público estão escrevendo sendo necessário o apoio da equipe pedagógica que tem a devida formação em artes visuais e já tenha vivência com o curso. Por sua vez, o texto sofre interferências de sugestões gráficas e de formatação. Esse conjunto de interfências volta para o autor apreciar e dar o seu aprovo final. Pedimos um texto sobre Teorias da Arte para a professora Teresinha Losada que prontamente nos enviou. Ao lermos o texto da professora tivemos a idéia de atravessa-lo com informações de produções de cinema que correspondessem aos metódos discutidos no texto original. Outro exemplo é o da professora Noeli Batista que ao ser desafiada a produzir o material da disciplina Leitura e Interpretação de Imagens fez parcerias surpeendentes. Por meio da internet ela localizou um excelente texto sobre o assunto da professora da Unicamp Maria Emilia Sardelich. Localizando o email da autora, a profa. Noeli propôs uma escrita colaborativa que foi aceita pela profa. Maria Emilia. Além disso, como a profa. Noeli havia trabalhado esta disciplina no curso presencial e realizado exercícios performativos com seus alunos, incorporou a experiência dos mesmos neste material tornando-o singular. Em termos de planejamento das disciplinas, cito meu proprio exemplo na organização da disciplina de Metodologias para o Ensino de Artes Visuais. O planejamento das atividades e das dinâmicas se deu em conjunto com a equipe de tutores, em especial com a tutora Joanna Penna, que é formada em Design Gráfico e também em Licenciatura em Artes Visuais, e é o que podemos chamar de persona tecnológica. A medida emq ue íamos discutindo a divisão dos tópicos por semanas, Joanna ia trazendo sugestões de dinâmicas inerativas como jogos, animações, que tornaram a aprendizagem mais efetiva e lúdica segundo depoimento dos próprios alunos. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mas ficam estes aqui para demosntrar diversas instâncias de construção colaborativa. ponto 2- processos colaborativos Este ponto decorre do anterior, mas merece uma partcularização devido a importância que tem em relação a situação da produção de conhecimento no Brasil. publicações de partes de monografias, teses, textos roduzidos para eventos, aulas organizadas para cursos presenciais, se transofrmam em materiais didáticos e passam a circular de forma efetiva na formação de novos professores ou na qualificação daqueles já estão em exercício da profissão. Este tem sido o nosso lema, usando a imagem do garimpar, realizamos busca de textos produzidos ou de pessoas que são reconhecidas pela excelência em determinada área que possam contribuir com o curso cedendo ou produzindo 132 material que por sua vez, irá passar pelo processo colaborativo de construção descrito no ponto anterior. São muitos o exemplos que podemos trazer dificultando a escolha, o professor Fábio Rodrigues (URCA) compartilhou conosco da sua tese defendida em Sevilha nos produzindo um texto sobre Didática e Ensino das Artes Visuais, a profa. Analice Pillar Dutra (UFRGS) sobre Leitura de Imagens, a profa. Ana Mae Barbosa(USP), sobre.....a profa. Irene Tourinho (UFG) sobre Cultura e Currículo, texto elaborado a partir das suas aulas no presencial, o prof. Raimundo Martins (UFG) sobre Cultura Visual tambem com base nas suas aulas do curso presencial, eu mesma pude sistematizar e propor as disciplinas de Estágio Curricular (I, II e III) a partir das aulas presenciais e das reflexões realizadas em diversos eventos, a profa. Rogéria Eller (UFG) escreveu também para uma disciplina de estágio um material a partir da sua dissertação de mestrado em que investiga representações de identidades juvenis no espaço do orkut. ponto 3 - circulação da produção do conhecimento A circulação do conhecimento que está sendo produzido pode ser exemplificado pelas constantes trocas de textos publicados que tem acontecido entre várias universidades que oferecem o curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade a distância. O material de Estágio escrito por mim e pelo prof. Ronaldo Oliveira (Universidade Estadual de Londrina) foi compartilhado com as universidades de Brasília (UnB), do Maranhão (UFMA), de Montes Claros (Unimontes) e ainda com a Universidade Federal do Espiríto Santo (UFES) onde aos autores inciais (Leda e Ronaldo ) se somaram mais outras duas autoras (Moema Rebouças e Letícia Mesquita). Quatro autores que "têm como pressuposto a mesma concepção de estágio, ou seja, uma prática de pesquisa dentro da dimensão cultural." (UFES, 2011). Para os autores, a disciplina Estágio é a oportunidade do estudante aprofundar os seus estudos, participar do cotidiano escolar e se preparar para as várias intervenções nos espaços educativos durante a sua carreira profissional. O material de Antropologia da arte e da imagem escrito pela professora Miriam Costa Manso (UFG) incialmente produzido para nosso curso da UFg foi compartilhado com as mesmas universidades citadas acima. Ou seja, procuramos não só tirar a produção do conhecimento das gavetas e dos armários acadêmicos, mas ativar esta produção fazendo circular de forma viva e significativa pois está reverberando na construção do conhecimentos de novos professores de artes visuais espalhados em diversos locais do Brasil, que é outro ponto que irei abordar mais adiante. Ponto 4 - Sistematização do conhecimento em eventos científicos O terceiro aspecto é que muitos atores desse processo (professores, tutores e alunos) estão produzindo novas reflexões a partir de suas vivências nos cursos por meio da participação principalmente em eventos da área. Se formos mapear os eventos de arte/educação (juntos ou separados) dos últimos cinco anos veremos uma crescente participação de comunicações e relatos de experiências que abordam a formação de professores em artes visuais em cursos na modalidade a distância discutindo vários aspectos: uso de ferramentas, concepções de educação, estágios, práticas de atelier, uso de portifólios, etc. Um exemplo mais pontual é o do Seminário de Estágio "Mapeando e Cartografando Experiências Docentes" (edições 2011, 2012) que o nosso curso realiza no qual os alunos apresentam comunicações sobre a 133 prática pedagógica gerando assim uma reflexão intríseca e situada a partir das suas próprias experiências que ao serem expostas, passam pelo escrutínio do exercício acadêmico. ponto 5 - Processos de mediação: saberes e aprendizagens em processo. ponto 7 - capilaridade da oferta - dos centros urbanos a população ribeirinha O ensino aprendizagem na educação a distância passa necessariamente por processos colaborativos. Neste ponto quero enfatizar as relações de mediação entre professores, tutores e alunos para mostrar como a posição entre estes atores pode mudar de acordo com os tópicos abordados e as iniciativas de investigação de fontes de consultas. Essa é umas das aprendizagens mais fortes que tenho vivenciado nos fóruns de discussão propostos nas diversas disciplinas. Coloca-se um tema gerador, uma questão ou uma proposta de atividade para os alunos. Várias coisas podem acontecer: alguns alunos não entendem e pedem mais explicações, nem sempre é o professor que trás a elucidação, pode ser o tutor ou como muitas vezes acontece, outros alunos socorrem os colegas com explicações detalhadas das proposições. Consultas na internet, exemplos pessoais, experiências de outros cursos trazem mais dados para os debates deslocando muitas vezes as figuras do professor e tutor com condutores da ação pedagógica. Esse compartilhamento exige mais dos professores mediadores, pois precisam estar atentos ao ritmo, ao foco, para que a discussão não caia em "achismos" , que sejam fundamentadas, que as leituras ocorram, percebendo quando há mudanças de posturas em relação a uma determinada questão. A ampliação do acesso ao ensino superior propiciado pelas tecnologias ramifica-se em pequenas e médias cidades mudando o perfil das mesmas mediante a extensão da vida universitária naqueles contextos. Assim, uma parcela da população posta à margem que não tinha possibilidade de viajar para centros maiores em busca de formação superior hoje compõe uma universidade rizomática. Diversos cursos (graduação, especialização, capacitação) tem sido ofertados tanto nas capitais e cidades de grande e médio porte mas também, em cidades pequenas configurando uma malha expandida e complexa dessa oferta. A expansão nao é unilinear, podemos achar uma universidade de "periferia" ofertando cursos para cidades de médio porte de estados considerados centrais, como tambem em pequenas cidades onde as condições para um ensino superior não existiriam de outra forma. A UnB oferece cursos de artes visuais em regiões amazonicas onde só se atinge o local de barco assim como mantem um polo em uma cidade do interior de São Paulo. A UFG oferece formação de Licenciatura em Biologia em MaputoMoçambique. ponto 6- migrações/intercâmbios de migrantes e nativos tecnológicos A oferta do curso opera de forma global/local. As tecnologias e conexões na rede www tem promovido glocalismos tanto na cultura local como no repertório artístico cultural dos alunos, bem como na própria dinâmica da oferta do curso com seus conteúdos pre-determinados. Ao trazer a relação arte e cultura para as questões do cotidiano, para as questões da vida prática e para as possibilidades dos contextos locais os estudantes se sentem mais próximos desse conhecimento e passam a compreender a importância do mesmo em suas vidas. Ao mesmo tempo pesquisam e interagem com produções nacionais e internacionais via pesquisa, viagens e experiências virtualizadas em site e prgramas como o second life. Nosso curso busva promover a hibridização dos conhecimentos vindos da experiência cotidiana, da cultura popular, dos saberes tradicionais, e a apropriação cultural e pedagógica das tecnologias da imagem. Em um curso que necessita construir nos seus estudantes repertórios imagéticos diversificados o acesso as tecnologias é decisivo na construção de uma cultura mais democrática em termos de valores estéticos. Nas décadas de 90 o uso de imagens nas aulas de artes era precário longe dos grandes centros. Hoje, essas imagens são acessadas em em sites virtuais e nossos estudantes tem se apropriado de blogs, home pages, redes sociais para tanto para registrar o processo de suas aprendizagens como também para o exercício docente nos contextos em que atuam. A dissipação de fronteiras entre indivíduos mais velhos (migrantes digitais) que entram no universo digital pode ajudar no convívio e compreensão de indivíduos mais novos (geralmente alunos) que sao nativos digitais (LEVY, 2008). No nosso caso, em geral os professores (como eu) são migrantes, nossos tutores são nativos e nossos alunos na sua maioria também são migrantes, mas, se projetarmos a atuação destes em sala de aula, estes serão os migrantes em contato com os nativos (alunos). Este deslocamento de posições pode ajudar a dissipar fronteiras muito frequentes no contexto escolar onde as tecnologias de móveis como o celular, são expulsas da sala de aula e o computador, uma novidade forçada pelas políticas educacionais, foca esquecido a parte ou usado como hora de recreação. Os professores formados por meios das tecnologia terão enfrentado dificuldades mas também foram desafiados a usar as tecnologias como ferramentas, e mais, percebendo as tecnologias como parte de determinadas culturas juvenis. As mídias eletrônicas são agenciadoras de informações e saberes que vão muito além dos currículos escolares. Nesse sentido, surgem, a cada dia, hibridizações de conceitos que tentam nos situar nessa fluidez da vida digital: Second Life, midiarte, CreativeCommons, capitalismo cognitivo, economia pós-Google, interterritorialidade, transterritorialidade, etc. O caráter interativo das redes também propicia a busca e troca de informações, principalmente, por intermédio das imagens, além de problematizar o tradicional conceito de autoria, pois “o conceito de autor se combina com o conceito de interpretação porque cada vez que se interpreta uma imagem está sendo construída uma forma de autoria” (MARTINS, 2006: 73). O acesso ao conhecimento via sites de busca, cinema, televisão, computador, internet, celular e mp3 (ou 4, 5, 6, etc...), descentralizam e desestabilizam a figura e a 134 função do professor como o detentor de conhecimento e responsável pela sua “transmissão”. ponto 8 - conexões entre local e global: glocalismos Atando e destando os pontos - a guisa de conclusão. Todos os pontos aqui colocados são fontes que podem gerar muitas investigações de vários níveis, de graduação a pós graduação. E para isto tem um material já acumulado em forma de experiências dos diversos atores do processo, muitos já refletindo em comunicações em eventos, materiais publicados (impressos e virtuais), organização dos Ambientes Virtuais de 135 Aprendizagem, Objetos de Aprendizagem produzidos, formas de mediação, especificidades culturais da oferta de cursos por região, formação dos professores que atuam nos cursos, impactos da oferta em cada região, atuação dos egressos, e muitos outros pontos formam constelações de nós a serem atados e desatados via processos investigativos. Um prato cheio para quem gosta de desafios. A ampliação do número de professores para ocuparem posições na educação fundamental, o acesso a universidade de pessoas que geralmente não teriam condições para tal, a diversificação dos atores que trabalham nos cursos, e finalmente, a proposta multicultural do curso tem promovido trânsitos entre saberes locais e globais revelando formas artísticas e culturais conectadas ao cotidiano e a cultura popular. Sem perder a necessária postura crítica á posturas tecnicistas, estamos considerando o acesso a formação qualificada, o trabalho em rede que incorpora novos atores ao trabalho docente e os trânsitos artísticos culturais como fatores de promoção de justiça social em um país que historicamente tem deixado a margem da educação superior uma larga faixa da população condenada a invisibilidade sócio econômica e cultural. Sabemos por experiência própria2 que as tecnologias não são ferramentas mágicas que operam por si mesmas transformações na vida de professores e alunos. Os enfrentamentos nesse sentido são muitos, inclusive a luta contra orientações tecnicistas dos órgãos de fomento que ao subsidiar a existência desses cursos nas universidades públicas brasileiras esperam o retorno em números muito mais do que em qualidade. Entretanto o desafio de expandir numericamente a formação de professores em artes visuais foi tomado por nós professores da FAV/UFG como um posicionamento político de fortalecimento da área. Lembrando ainda que a educação em qualquer modalidade é um processo de interrelacionamentos entre seres humanos (professores/estudantes/técnicos/) que com os seus corpos e mentes navegam em possibilidades tecnologicas (inclusive quadro e giz) para que processos de ensino-aprendizagem críticos emancipatórios e significativos possam acontecer. REFERÊNCIAS GÓMEZ, A. P. O Pensamento Prático do Professor – A Formação do Professor como Profissional Reflexivo. In: Nóvoa, António (org). Os Professores e a Sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. 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Atualmente continuo trabalhando como professora formadora na equipe pedagógica. 136 137 ESTÚDIO PASTILHA ELÁSTICA * CHEWING GUM STUDIO Antecâmara da reescrita Quando me é solicitada a rescrita de um texto, com a baliza temporal de meio ano, o movimento que se gera é o equivalente ao desdobrar de uma folha. Abrir uma pasta, outra pasta, seguir um caminho em raiz até ao artigo. Então abro-o e um movimento duplo ocorre no meu pensamento: aqui aproximo-me do texto; ali afasto-me. Um texto produz a nossa própria cabeça; está sempre em construção. Seria isto o que pretendiam quando me propuseram uma reescrita? Em todo o caso também é necessário um exercício de memória, o que implica ou outro: distanciamento. Esta revisão é então um colocar-me fora do texto; olhar para ele e ver aonde é que lhe posso, dentro da potência em que se inscreve, dar-lhe mais sustentação. Ora viajando por estas linhas vêm-me à memória questões que este texto, através da minha fala, geraram no final da sua apresentação. Assim, em jeito de entrevista, coisa aliás comum em escritas de Barthes ou Foucault, tentarei desdobrar ou “filigranar” o meu discurso num modelo de escrita que não me reconheço: o da entrevista solilóquia. Será Abstract Este texto é o resultado de uma reflexão em acção e sobre uma acção, propondo pensar a união simbiótica entre o professor-artista e a noção de estúdio expandido. Podemos enquadrar este tema cruzando o tem do sido escrito sobre o conceito de professorartista (Daichendt, 2010) desde o campo particular da arte, com a investigação e desmistificação em torno do conceito de estúdio como um espaço isolado para a produção artística. Ora o estúdio, metaforicamente pensado como pastilha elástica, desenha através de si um movimento ruminante, auto-reflexivo, ao mesmo tempo que propõe uma visão elástica e expandida do conceito de estúdio, muito próxima do que Krauss (1972) denominou para o campo da escultura. É transportando o pensamento do estúdio, do local do artista, para a sala de aula, que este artigo propõe pensar os espaços de cruzamento do estúdio artístico com as práticas desenvolvidas pelo professor-artista. Este entendimento do estúdio como um campo expandido põe em causa o espaço modernista de criação individual e isolada do autor como criador. Então, como se podem entender os limites deste esbatimento? Que possibilidades se abrem? Que perigos se escondem por detrás destes pressupostos? Palavras-chave: professor-artista, investigação/acção, estúdio, autor, campo expandido. então, num exercício de não reconhecimento, de mascar lento e ruminante da pastilha elástica que, numa forçosa exterioridade esta reescrita se fará; assim, numa canibalização dos autores, irei propor-me a um exercício amoroso que lhes fará filhos, retirando deles o que deles quero para a minha escrita, para pensar melhor o meu pensamento. Escrever torna-se então numa “atividade em que aquele que escreve apenas escreve para saber o que quer dizer (para dialogar com as ideias do seu corpo), para perder a sua consciência no ilimitado da significância” (Barthes, 2009:121). Desta forma, as ideias ganharão necessariamente outros prolongamentos sob a pele estreita duma mesma tipografia. Estúdio pastilha elástica Um aspeto de entrada neste texto prende-se na dificuldade em escrever sobre algo que se passa na (in)visibilidade. Como escrever sobre um conjunto de procedimentos que se opera de modo subjetivo? Ora a falácia presente nesta pergunta de entrada faz-nos esquecer que a escrita “não é um instrumento de comunicação, não é um caminho aberto por onde passa uma só intenção de linguagem. É toda uma desordem que se escoa através da fala, e lhe dá este movimento aniquilado que a mantém num estado de eterno adiamento” (Barthes,2006:21). Deste modo, podemos dizer que a escrita apresenta “um caráter de fechamento que é estranho à linguagem falada”; ela é a “imagem de uma fala construída muito antes de ser inventada”, acolhendo sob o mesmo verniz “a realidade dos atos e a * Este texto é uma reescrita do artigo, com o mesmo nome, apresentado no II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA), idealidade dos fins” (idem:21-22). É por isso que todos experienciamos a forma como as realizado na cidade do Porto, nos dias 2,3,e 4 de Abril de 2012, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. coisas se modificam na passagem da palavra à escrita. Existem perdas; a escrita permite um: “eu penso melhor, com mais firmeza” (1982:12) do que quando falamos. Então, se é pelo 138 139 texto que pensamos e produzimos conhecimento no meio académico, que possibilidades se de fim-de-século. Falo da faculdade de ruminar (Nietzsche, 1990:15) ”. Mas então, que tipo abrem a esta investigação? Como tentar não objetivar o subjetivo e ao mesmo tempo ser de estúdio se desenha nesta experiência? O que é que ele transporta enquanto elemento passível de ser considerado produção científica? Como transformar isto em discurso? Penso exterior à sala de aula escolar/paisagem escolar? que uma das possibilidades que se apresenta passa precisamente por aceitar a invisibilidade De forma expandida ao que a tradição modernista impôs como imagem do estúdio como algo inerente à especificidade da prática artística, entendendo esta múltipla artístico: um espaço particular de produção individual e autónoma; o local aonde o artista corporeidade da escrita. Um exemplo desta corporeidade dá-se quando percebemos que “o produziria livremente o seu trabalho e, em isolamento, explorava e refinava as suas corpo do leitor não é o corpo do escrevedor: um regressa ao outro; talvez seja a regra secreta competências artísticas; um local encantado, uma câmara de privilégios, de domínio do de toda a escrita: a «comunicação» passa por um inverso” (2009:98). Talvez seja esta a escrita masculino, do autor isolado que em sofrimento, pelo ação do seu génio criativo, suspendia ou do pensamento; a escrita desta investigação. revertia as normas estabelecidas a favor da livre expressão e da independência. Optamos, Ora esta produção discursiva trata-se de uma reflexão sobre um conjunto de nesta linhas, por situar a nossa reflexão apoiada num conjunto de textos recolhidos por experiências levadas a cabo pela figura do professor artista, com as suas turmas, num contexto Michelle Graber e Mary Jacob, sob o título de “The studio reader” (2010). Chegam-nos formal de ensino do segundo e terceiro ciclos do ensino básico. Mas para que melhor se assim, um conjunto de visões de artistas sobre as múltiplas possibilidades que um estúdio entenda o que aqui se trata, será importante nos situarmos relativamente ao que aqui se pode configurar na atual prática artística. Deste modo, o estúdio aparece como um lugar desenha como professor artista. O professor artista não pressupõe a adesão de um estilo de destinado à experimentação, à prática, emergindo como “um lugar de ansiedade, de onde o vida artístico, mas faz uso das capacidades mentais, técnicas e processuais do artista, trabalho surge ou não surge (2010:13). Um espaço, para Suzanne Lacy, “aonde a reflexão e a canalizando-as para a profissão de professor (James Daichendt,2010:61), devindo professor- produção são de alguma forma indistinguíveis, a negociação é um importante método de artista. Isto significa que nem todos os professores de arte são professor-artista. Serão apenas ‘fazer’ ” (idem:320). Robert Storr diz-nos que “os artistas trabalham aonde podem e como aqueles que se debruçam sobre os modos do fazer e do pensar o seu trabalho artístico. É, podem. Não há nada de misterioso acerca disto. Os artistas têm que ser pragmáticos mesmo portanto, uma maneira de encarar o mundo que implica intrinsecamente uma reflexão, um quando tentam não o ser, ou disfarçam por esconder o seu processo. O mistério e a maravilha estudo e comprometimento permanente com o processo da prática artística e o ensino. É estão no trabalho” (idem:62). Para Annika Marie: através destas experiências que nos é permitido incorporar as diversas formas de ser, estar, pensar e fazer do artista no seu estúdio, para o contexto de sala de aula. Por isso é importante perceber-se que ser professor-artista não é apenas um foco na arte ou no processo artístico em si, mas a utilização prática destas ideias na sala de aula, pela aplicação de um processo estético de pensamento (idem:62). Neste campo, Josef Beyus, por exemplo, procurava um “O estúdio do artista surge como uma rede de atores. Jogando com escala e orientação, através da ambiguidade do termo arena, aquilo que é reforçado ou até agravado são as nossas formas de ver, os nossos próprios processos de pensar, desafiando-nos a colocar a questão sobre que tipo de cenário é preciso colocar para que determinado ator possa aparecer, ou vice-versa. Continua a decorrer uma performance que tem a ver mais com metodologia do que com mitologia” (idem:84). processo de ensino que alargasse as fronteiras do pensamento e da experiência. Era valorizando a atmosfera inteletual das suas aulas, e os efeitos que estas produziam, que a sala Por seu turno, Lane Relyea diz-nos que: de aula se transformava num contexto propício para a realização de experiências artísticas. Transfigurando a sala de aula no seu estúdio de trabalho, através do debate de ideias e da performance, Beyus tornava-a numa experiência artística com o propósito de ensinar e transformar. É, portanto, nesta sala de aula/estúdio onde o espaço relacional se constrói pela distanciamento entre o artista e a sociedade, não se sustenta um tipo de identidade separada para o artista, supostamente destilada a partir da privacidade e da profundidade do indivíduo soberano que o ocupa, assim como o estúdio já não se identifica como um espaço separado e de resistência ou de auto- subjetividade, onde se concretiza a relação com o outro, que o professor-artista aparece determinação do trabalho do artista. Pelo contrário, o estúdio afirma-se como uma exterioridade. O artista disponível para dialogar, questionar e sugerir, mantendo o processo em constante liga-se ao estúdio como uma espécie de inventário ou base de dados, dando ao artista uma morada, um (re)processo. Ora este ideia de continuum na sala de aula revindica “uma faculdade hoje ponto específico na rede. O estúdio é agora o lugar aonde nós sabemos que podemos encontrar sempre o muito esquecida […] uma faculdade que exige qualidades bovinas, e não as de um homem 140 “O estúdio deixa de ser considerado como uma torre de marfim, um espaço único e privado. Já não cria artista, cada vez mais integrado e disperso pelo mundo ” (idem:345-349). 141 É desta forma nodal que o professor-artista ao expandir o estúdio para a sua sala de unicidade do sujeito, a voz única e soberana do autor. aula, gera o esbatimento das fronteiras entre a paisagem escolar e a arte, introduzindo os Ora esta é uma ideia que atravessa várias instâncias ou conceitos, tais como o escritor alunos no entendimento e na pesquisa em torno do processo artístico. O que é? Como se em Barthes (1984) e a função-autor em Foucault (2002). No caso ocidental podemos dizer processa? O que pode ser? Geram-se contextos para que alunos com uma formação não que a função-autor se caracteriza por um mecanismo de apropriação, que nos permite especializada em ensino artístico se familiarizem com metodologias próprias da arte, estabelecer a fiabilidade da informação científica e a origem do texto literário, ao mesmo permitindo-lhes, através de um olhar crítico e reflexivo sobre o quotidiano que os rodeia, tempo que inicia um processo que “constrói um certo ser racional a que chamamos autor” aceder a outros olhares sobre a realidade, num processo de aprendizagem que se deseja (2002:50), permitindo-nos distinguir os diversos “eus” que os indivíduos ocupam na obra. ruminante. Assim, ao contrário de uma sala de aula autónoma que transcende o seu contexto, Para Barthes o autor é entendido como um sujeito social e historicamente construído, isto é, o estúdio ao ser puxado para a paisagem escolar, para a sala de aula, está relacionalmente produto de um ato de escrever. É o ato de escrever que faz o autor e não ao contrário. Assim, condicionado e a condicionar o ambiente e o seu público, promovendo encontros com o afastamento do autor, não há ninguém a quem se possa atribuir uma identidade, ou intersubjetivos onde os significados são construídos coletivamente e não numa esfera seja, tudo que poderia estabelecer-se a partir da nomeação do autor dissemina-se, entra em individual (poderá ser isto a escultura beyusiana?). A elasticidade do estúdio permite que os contato com outros textos, outras vozes. Sem autor…a quem atribuir a culpa? A alunos não experienciem a obra ou projeto do exterior, mas que passem a integrá-la, maternidade/paternidade da obra? A quem atribuir o ato redentor da criação? A quem imputar inserindo-se no coletivo, criando uma comunidade com carácter temporário ou utópico. Deste a criatividade? De quem é a voz que fala na sala de aula? Afinal, de quem é a culpa? modo, o entendimento do estúdio como um campo expandido põe em causa o espaço Quando falo de culpa, falo no âmbito do discurso que tenho vindo a proferir. Não é modernista de criação individual e isolada do autor como criador. Então, como se podem aquela que os diz que “tudo o que sofre, tudo o que está pregado na Cruz, é divino…” entender os limites deste esbatimento? Que possibilidades se abrem? Que perigos se (Nietzsche,1977:108). Aliás, o discurso foucauldiano diria que são aqueles que, sem quererem escondem por detrás destes pressupostos? falar de verdade e do poder, são os que deles mais falam. E eles bem percorrem o tecido Num texto bem conhecido, “Sculpture in the expanded field”, Rosalind Krauss (1979) referia que áreas como a escultura e a pintura tinham sido puxadas, esticadas e torcida numa escolar. Por conseguinte, quando falo neste texto de culpa, a imagem que quero cruzar é a seguinte: demonstração extraordinária de elasticidade, uma demonstração da forma como um termo cultural pode ser estendido ao ponto de poder incluir praticamente qualquer coisa. Como ela “A «inocência» moderna fala do poder como se ele fosse apenas uma: de um lado os que o têm, do outro própria referia: os que não o têm; […] acreditamos agora que também é um objeto ideológico, que se insinua por todo o “a suspeição que se lança sobre uma carreira que se move continuamente e de forma irregular para além do domínio da escultura deriva obviamente da demanda modernista da pureza e da separação dos vários médiuns (e assim, a necessária especialização dentro de um dado área artística). No contexto pósmoderno a prática não é definida em relação a um dado médium específico – escultura, neste caso -, mas sim em relação às operações lógicas sobre um conjunto de termos culturais” (1972:42). lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é sempre um. […] Por todo o lado vozes «autorizadas», que se autorizam a impor o discurso de qualquer poder: o discurso da arrogância. […]; chamo discurso do poder a todo o discurso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que ouve ” (2007:12). Como a “verdade não é uma coisa que uns possuem e outros não” (Nietzsche,1977:111), logo a culpa de que falo não é senão a da proclamada morte do autor e da devolução do devir à 142 Assim, o campo expandido fornece ao mesmo tempo um conjunto de posicionamentos escrita. Para os míopes das entrelinhas, o “trabalho de escrita em que pensamos hoje não que o artista pode ocupar e explorar numa metodologia de trabalho, que não seja ditada pelas consiste em melhorar a comunicação nem em destruí-la, mas em filigrana-la” (1984:69): falo condições de um médium em particular. Pelo que neste campo elástico é óbvio que a lógica do nascimento do aluno como leitor, pela morte do professor como autor. É desta espacial do estúdio, e a prática artística, já não sejam organizadas em torno da definição de exterioridade elástica que o professor se pode reescrever dentro do espaço escolar. Uma forma um dado médium, fundado pelo seu material. E isto, tendo em conta que material do de resistência, nada mais. Eu apenas “dispus e estendi os fios. Cabe a cada um estabelecer o professor-artista são os seus alunos e a obra é construída relacionalmente, questiona-se a seu desenho” (2009:34). A mais não me disponho. 143 Bibliografia Barthes, Roland (1982). O grão da voz. Lisboa: Edições 70. Barthes, Roland (1984). O rumor da língua. Lisboa: Edições 70. Barthes, Roland (2006). O grau zero da escrita. Lisboa: Edições 70. Barthes, Roland (2007). Lição. Lisboa: Edições 70. Barthes, Roland (2009). O prazer do texto precedido de Variações sobre a escrita. Lisboa: Edições 70. Daichendt, G. James (2010). Artist-Teacher: a philosophy for creating and teaching. Chicago: The University Chicago Press. Foucault, Michel (2002). O que é um autor? Lisboa: Vega. Graber, Michelle & Jacob, Mary J., (Ed) (2010). The Studio Reader: On the Space of Artists. Chicago: The University of Chicago Press. Krauss, Rosalind (1979). “Sculpture in the expanded field”. [Versão eletrónica em PDF]. In October, Volume 8. (Spring, 1979), pp. 30-44. Acedido em 25 de Janeiro de 2012, em: http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=sculpture%20in%20the%20expanded%20field%20 &source=web&cd=1&ved=0CCUQFjAA&url=http%3A%2F%2Firis.nyit.edu%2F~rcody%2 FThesis%2FReadings%2FKrauss%2520%2520Sculpture%2520in%2520the%2520Expanded%2520Field.pdf&ei=l0M8T4o2yIrQBf2 1-Ww&usg=AFQjCNFZpgIpw0aCBR-UM-22p6mqYyHK5w Nietzsche, Friedrich (1977). O Anti-cristo. Mem Martins: Publicações Europa-América. Nietzsche, Friedrich (1990). A Genealogia da Moral. 5º Edição, Lisboa: Guimarães Editores. O  Corpo  –  Aprendizagem  e  Movimento   Joana   Louçã   (Universidade   do   Minho/University   of   Warwick,   c.e.m   –   centro   em   movimento)   e   Sofia   Neuparth  (c.e.m  –  centro  em  movimento)   Resumo     O   centro   em   movimento   é   uma   estrutura   de   investigação   artística   de   Lisboa   que   há   20   anos   realiza   um   trabalho   contínuo   nas   áreas   da   Formação,   Investigação,  Criação  Artística,  Comunidade  e  Cidadania.    A  criatividade  é  uma  das   características   humana;   é   a   sua   capacidade   inventiva,   sensibilidade,   e   a   importância   que   imprime   às   ligações   que   estabelece   a   vários   níveis   que   lhe   confere   a   capacidade   de   gerar   conhecimento   e   cultura.   O   Corpo   na   Escola   tem   sido   matéria   de   investigação,   contudo   parece   urgente   uma   insistência   em   abordagens   que   relacionem   aprendizagem   e   corporeidade   em   continuidade.   A   prática   que   exercitamos   posiciona   a   arte   como   forma   de   conhecimento   e   a   corporeidade  como  potenciadora  do  reconhecimento  e  integração  de  informação.   É   nesse   sentido   que   apresentamos   um   projeto   específico:   Corpo   na   Escola   (o   ensino  de  currículo  do  primeiro  ciclo,  a  partir  do  movimento).   Palavras-­‐Chave   Corpo;  aprendizagem;  movimento;  relações  corpo-­‐escola-­‐cidade;  continuidade.   Texto   A   infância   tem   sido   compreendida   sob   uma   perspectiva   adultocêntrica   (James  e  Prout,  1990),  que  define  as  crianças  pela  negativa  (Sarmento,  2003).  O   conceito   de   “socialização”   remete   para   a   condição   das   crianças   enquanto   seres   em   transformação   num   ser   social.   Este   conceito   é   desconstruído   por   vários   autores  (por  ex.,  Corsaro,  1997;  James,  Jenks  e  Prout,  1998),  que  vêem  as  crianças   como   seres   sociais   plenos,   ativos,   com   criatividade   e   capacidade   de   ação,   intervenientes,   sendo   atores   e   não   apenas   destinatários   passivos   na   construção   social  (Mead,  1970).   144 145 Foi baseado neste atual enquadramento educativo, em que a dança, por um corpo em soluções de movimento, sendo uma aprendizagem corporal- lado, por ter esta aparição ímpar no que respeita à reduzida e subjetiva cinestésica. Esta ideia é sublinhada por Bradley e Szegda ao referir que “the expressividade e, por outro lado, por ser a única expressão artística que no bodily-kinesthetic is, in the fact, the first intelligence – the one from which the plano curricular não tem um currículo próprio como área disciplinar de natureza other areas derive. The primacy of the body-kinesthetic intelligence extends artística, que nos motivámos a desenvolver este estudo, enveredando pela beyond the years of infancy” (2006: 248) e ampliada por Griss: “(…) «Teach abordagem de Educação pela Arte. from the known to the unknown», you will understand the value of allowing Sabendo, no entanto, das opiniões dissonantes geradas pelas conceções da children to learn from their bodies” (1998: 14). Arte na Educação (Artes na Educação versus Educação pelas Artes) e acreditando também na importância da arte como área de estudo por si só na 146 O estudo formação da criança, pensamos, no entanto, que a realidade educativa Assim, este estudo, quasi-experimental, teve como objetivo principal verificar o portuguesa, devido ao quadro legislativo que enquadra a educação artística impacto (ausência do professor especialista, reduzida formação dos professores temas/conceitos das áreas disciplinares do Estudo do Meio (EM), Língua generalistas na área artística, escasso número de horas às expressões Portuguesa (LP) e da Matemática (M) assim como na capacidade criativa em artísticas devido a subvalorização das expressões artísticas, em detrimento das crianças do 2.ºAno do 1.ºCEB. Neste estudo, a variável independente é o tipo outras áreas), está muito longe de ter práticas artísticas efetivas e concretas. de intervenção, isto é, a forma de abordagem na transmissão de conteúdos que a dança tem na consolidação da aprendizagem de Achamos assim que a abordagem da Educação pela Arte poderá estar mais (abordagem tradicional + dança versus abordagem tradicional exclusivamente) próxima de ser entendida e concretizável neste quadro educativo, com as artes e as variáveis dependentes são a aprendizagem (consolidação e retenção) de a serem, também, um meio para atingir diferentes fins, proporcionando o temas/conceitos do EM, LP e M e a criatividade. desenvolvimento de diferentes saberes e de capacidades (Dobbs, 1998). Neste A concretização do objetivo do estudo passou pela conceptualização de sentido, há a convicção que as artes, uma vez que envolvem vivências que sessões de dança criativa, de âmbito interdisciplinar, e decorreu em contexto englobam o desenvolvimento de competências cognitivas, corporais, artísticas, educativo. Esta parte do estudo foi realizada no ano letivo 2010/2011, teve estéticas, afetivas e sociais, podem desempenhar um papel muito importante início na 4.ªsemana de outubro e terminou na 1.ªsemana de abril. Esta na aprendizagem da área académica e serem consideradas um instrumento investigação baseou-se numa amostra que incluiu oito turmas (cento e potenciador de diferentes saberes (Eisner, 1997), proporcionando experiências sessenta e seis crianças com idades compreendidas entre 7 e 8 anos de designadas por práticas interdisciplinares, uma vez que integram outras áreas idade), do 2.ºAno, de duas escolas de Coimbra do 1.ºCEB, compreendendo disciplinares. Neste contexto, a dança poderá assim ser considerada como assim cinco turmas no grupo experimental e três turmas no grupo de controlo. uma ferramenta interdisciplinar porque facilita a aprendizagem do concreto, por Às turmas do grupo experimental, como forma de consolidação da matéria, meio da criatividade e da imaginação, promovendo a transmissão de ideias, de foram lecionadas aulas de dança criativas, na esfera interdisciplinar, temas e de conceitos através de movimentos expressivos (Hanna, 2001; desenvolvidas a partir de conteúdos das áreas disciplinares aprendidos na sala Bucek, 1992). Assim, as atividades que envolvem o movimento relacionadas de aula. Assim, estas cinco turmas foram sujeitas à consolidação dos com os conteúdos das outras áreas curriculares poderão estimular as conteúdos através de aulas de dança e nas turmas do grupo de controlo a aprendizagens tornando-as ativas, concretas e físicas (Zwirn, 2005; Lazaroff, consolidação efetuou-se através da metodologia tradicional com o professor da 2001). Em consequência, a dança poderá potenciar a aprendizagem de turma. As aulas de dança criativa foram planeadas, desenvolvendo os conteúdos de outras áreas disciplinares quando é equacionada de uma forma conteúdos de dança - Corpo, Espaço, Energia e Relação, definidos na Dança integrada, isto é, a aprendizagem de conceitos processar-se-á envolvendo o da Educação Artística a partir dos temas/conceitos do EM, LP e M. No quadro 147 1 apresentamos o plano de intervenção com o desenho do estudo que contém Como podemos observar no quadro anterior, foram lecionadas quatro aulas de os dias das aulas de dança no grupo experimental, dos testes de medida (pré, dança para cada área disciplinar, incidindo num mês para cada área. Ao todo pós e re testes) e do teste da criatividade, para ambos os grupos. (grupo experimental e de controlo) lecionámos cento e quatro aulas, ou seja, uma aula de apresentação e doze aulas de dança de âmbito interdisciplinar em setembro 3S 4S outubro 5S 1S 2S 3S novembro 4S 1S A/B 2ªf 3ªf F 2S A/B C F 3S 4S A/B A/B C C C 4ªf 1S 2S 3S 4S 5S controlo não ser submetido às aulas de dança, as três turmas deste grupo A/B tiveram as mesmas aulas de dança que as turmas do grupo experimental, mas C após a conclusão da experiência, isto é, na última semana de abril e nos F F meses de maio e junho. 5ªf O desenho deste estudo quasi-experimental teve três momentos de medida, * 6ªf D/E D/E *Acti AP janeiro 1S 2S 3S C 3ªf D/E D/E PREt D/E POSt para os dois tipos de grupo (experimental e de controlo): o pré-teste, o pósNatal fevereiro 4S A/B A/B A/B 2ªf C instrumento relativo à aprendizagem de temas/conceitos através da dança foi 1S 2S A/B A/B A/B A/B C C 3S C C teste e o reteste, e para recolher os dados usámos dois instrumentos. O 4S um teste com questões das áreas disciplinares estudadas, construído para o efeito, de forma a verificar os conteúdos apreendidos. Para o instrumento referente à análise da capacidade criativa utilizámos um teste de avaliação da C 4ªf criatividade (Gala, 2007) que foi aplicado em ambos os grupos, experimental e 5ªf controlo, antes e após a intervenção. D/E D/E D/E 6ªf D/E No tratamento dos dados, prevê-se análises de variância - Ancovas ou D/E D/E D/E PREt PREt Mancovas. À partida, o efeito da dança nas variáveis dependentes REt POSt (aprendizagem dos conceitos e criatividade) será analisado em separado, março 1S 2S 2ªf A/B 3ªf C 3S porque se tratam de constructos distintos. abril 4S 5S 1S 2S 3S 4S Nos resultados do estudo é expectável que os alunos apresentem diferenças F significativas nos ganhos de aprendizagem nas áreas disciplinares e ao nível da capacidade criativa, quando consolidam os conteúdos nas aulas de dança, Carnaval por comparação ao grupo controlo. 4ªf 5ªf D/E 6ªf *dia agrupa. POSt Conclusão: dançar para aprender? * REt REt Páscoa *Acti Legenda: AP: aula preparatória; Turmas: A,B,C,D e E; F: feriado; Pret: pré-teste; Post: pós-teste; Ret: reteste; Acti: teste de criatividade; Estudo do Meio Língua Portuguesa Matemática Teste de Criatividade Quadro 1- Plano de intervenção 148 cada turma. Pois, para contornar os problemas éticos derivados do grupo dezembro Os resultados deste estudo ao se revelarem, como esperamos, consistentes e significativos, poderão permitir-nos afirmar que esta perspetiva interdisciplinar da dança, interligando os elementos de movimento da dança com os conteúdos das áreas disciplinares é uma proposta de trabalho possível para ser desenvolvida no âmbito da dança na educação. Quando a Dança existir nas escolas como uma área artística, esta metodologia de trabalho, a nosso ver, poderá ser utilizada nas aulas de dança pelo 149 O  Corpo  –  Aprendizagem  e  Movimento   professor de dança. Podendo desenvolver, desta forma, também um ensino interdisciplinar articulado com o professor de outra área disciplinar, tendo como premissa uma aprendizagem globalizante. Potenciará a exploração e a descoberta de noções/conceitos/ideias com o corpo e o movimento, levando a novas descobertas que ligam, integram e assimilam os saberes no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, gostaríamos que este estudo contribuísse, ao mostrar este lado potenciador da dança na aprendizagem, para um melhor entendimento da importância da dança na formação da criança e, quem sabe, ser também um ponto de partida para a redimensionar na educação, como área artística autónoma no currículo. Pretendemos, assim, ao demonstrar um outro potencial da dança, destacar o efeito positivo da dança na aprendizagem. A Dança na Educação? Sim. E dançar para aprender? Esperemos que também sim. Referências Bibliográficas Bradley, K., Szegda, W. (2006). The dance of learning. Em: Spodck. B. & Saracho, O. (eds) Handbook of research on the education of young children. 2 nd Edition. Lea. Mahwah, New Jersey. pp.243-250. Bucek, L. (1992). Constructing a child-centered dance curriculum. Journal of Physical Education, Recreation & Dance, 63 (9), 39-42. Comissão Nacional da UNESCO. (2006). Roteiro para a Educação Artística. Desenvolver as Capacidades Criativas para o Século XXI. Edição: Comissão Nacional da UNESCO. Lisboa. Dobbs, S. (1998). Learning in and thought art. Getty Education Institute for the Arts. Los Angeles. Eisner, E.(1997). Educating artistic vision. [S.l.] : Stantford University. Gala, M. (2007). La Dramatización en Educación Primaria como Eje del aprendizaje lúdico-creativo. Tesis Doctoral. Universidade de Málaga. Facultad de Ciencias de la Educación. Málaga. Griss, S. (1998). Minds in Motion. A Kinesthetic approach to teaching elementary curriculum. Heinemann: Portsmouth, NH. Hanna, J. (2001). The language of dance. Journal of Physical Education, Recreation & Dance, 72 (4), 40-45. Lazaroff, E. (2001). Performance and motivation in dance education. Arts Education Policy Review, 103 (2), 23-29. Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica. (2007). Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais. 2.ªEdição. Ministério da Educação. Lisboa. Smith-Autard, J. (1994). The Art of Dance in Education. A & C Black. London. Zwirn, S. (2005). Creative teachers, creative students: Arts-Infused learning experiences for early childhood educators. Hofstra Horizons, Spring 2005, pp.24-30. 150 Joana   Louçã   (Universidade   do   Minho/University   of   Warwick,   c.e.m   –   centro   em   movimento)   e   Sofia   Neuparth  (c.e.m  –  centro  em  movimento)   Resumo     O   centro   em   movimento   é   uma   estrutura   de   investigação   artística   de   Lisboa   que   há   20   anos   realiza   um   trabalho   contínuo   nas   áreas   da   Formação,   Investigação,  Criação  Artística,  Comunidade  e  Cidadania.    A  criatividade  é  uma  das   características   humana;   é   a   sua   capacidade   inventiva,   sensibilidade,   e   a   importância   que   imprime   às   ligações   que   estabelece   a   vários   níveis   que   lhe   confere   a   capacidade   de   gerar   conhecimento   e   cultura.   O   Corpo   na   Escola   tem   sido   matéria   de   investigação,   contudo   parece   urgente   uma   insistência   em   abordagens   que   relacionem   aprendizagem   e   corporeidade   em   continuidade.   A   prática   que   exercitamos   posiciona   a   arte   como   forma   de   conhecimento   e   a   corporeidade  como  potenciadora  do  reconhecimento  e  integração  de  informação.   É   nesse   sentido   que   apresentamos   um   projeto   específico:   Corpo   na   Escola   (o   ensino  de  currículo  do  primeiro  ciclo,  a  partir  do  movimento).   Palavras-­‐Chave   Corpo;  aprendizagem;  movimento;  relações  corpo-­‐escola-­‐cidade;  continuidade.   Texto   A   infância   tem   sido   compreendida   sob   uma   perspectiva   adultocêntrica   (James  e  Prout,  1990),  que  define  as  crianças  pela  negativa  (Sarmento,  2003).  O   conceito   de   “socialização”   remete   para   a   condição   das   crianças   enquanto   seres   em   transformação   num   ser   social.   Este   conceito   é   desconstruído   por   vários   autores  (por  ex.,  Corsaro,  1997;  James,  Jenks  e  Prout,  1998),  que  vêem  as  crianças   como   seres   sociais   plenos,   ativos,   com   criatividade   e   capacidade   de   ação,   intervenientes,   sendo   atores   e   não   apenas   destinatários   passivos   na   construção   social  (Mead,  1970).   151 O Corpo – Aprendizagem e Movimento Joana Louçã e Sofia Neuparth __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Porém,   na   escola,   instituição   onde   passam   uma   larga   parte   do   dia,   é   exigido   às   crianças   (Sarmento,   2004)   um   saber   homogeneizado   (da   ciência   normal),   uma   ética   (do   esforço)   e   uma   disciplina   mental   e   corporal   (Foucault,   1993),   que   Foucault   defende   ser   uma   expansão   dos   processos   simbólicos   de   controlo   social   e   de   exercício   de   poder.   Estas   exigências   disciplinares   inculcadas   pela   instituição   escolar   ignoram   a   possibilidade   de   criação   (inerente   à   própria   capacidade   humana),   o   poder   interventivo   das   crianças,   e   ainda   o   papel   do   jogo   e   da  brincadeira,  a  potencialidade  da  imaginação.     arte   enquanto   forma   de   conhecimento,   e   o   movimento   e   a   corporeidade   como   potenciadores   de   formas   de   aceder   e   integrar   a   informação,   permitindo-­‐lhes   a   transformação  em  conhecimento.  Assim,  a  aprendizagem  pode  ser  vista  como  um   reconhecimento,   uma   experienciação   de   si   próprios   enquanto   corpo   biológico,   sonhador,  sociável,  crítico,  fonte  de  conhecimento  que  fornece  ferramentas  que   aproximam  o  "aprender"  da  curiosidade,  da  vontade  de  tocar.   2 Contrariamente   a   esta   lógica,   as   crianças   são   atores   sociais,   capazes   de   criação  cultural.  As  culturas  das  crianças  são  essencialmente  culturas  de  pares,  em   que  o  jogo  e  a  brincadeira  são  uma  condição  da  aprendizagem  (Sarmento,  2004),   e   a   imaginação   é   inerente   ao   processo   de   formação   e   desenvolvimento   da   personalidade  e  racionalidade  de  cada  criança  (Sarmento,  2003).   O   corpo   na   escola,   do   aluno   e   do   professor,   têm   sido   fonte   de   investigação.  Por  exemplo,  Prendergast  (2000)  estuda  como  o  corpo  é  alterado  e   altera   a   identidade   feminina   à   medida   que   as   raparigas   atingem   a   menarca,   e   James   (2000)   como   as   crianças   criam   e   encenam   diferentes   categorias,   especialmente   do   corpo   (como  altura  ou  género),  em  casa  e  na  escola.  Simpson   (2000)   descreve   como   os   professores   tentam   regular   a   sua   aparência   e   as   trajetórias   de   tempo   e   espaço   dos   seus   corpos   na   escola.   Armstrong   (1987),   refere  como  a  medicina  cria  tantas  categorias  para  o  corpo  da  criança,  que  este   fica   incorpóreo,   transformando-­‐se   num   anti-­‐corpo   (Turner,   1994),   sem   carne.   Para   Prout   (2000),   os   corpos   das   crianças   são   híbridos   entre   a   cultura   e   a   natureza,   numa   rede   heterogénea.   Por   exemplo,   Place   (1994),   sugere   que   em   hospitais   os   corpos   se   tornam   “tecnomórficos”,   rodeados   por   elementos   humanos  e  tecnológicos.  A  relação  entre  corporeidade  e  Motrocidade  e  Educação   Física   também   tem   sido   muito   estudada   (por   exemplo,   Herrera,   2008),   assim   como   entre   corporeidade   e   educação   (para   a   saúde,   por   exemplo,   em   Evans,   2009).     Contudo,   nota-­‐se   uma   ausência   de   reflexão   sobre   outras   abordagens   (Gaya,   2006),   que   relacionem   a   aprendizagem   e   corporeidade,   reconhecendo   a   152 3 Se   a   curiosidade,   a   urgência   de   experimentar,   o   toque,   o   afecto,   a   própria   deslocação   física,   enfim,   o   movimento,   são   motores   evidentes   no   desenvolvimento   humano,   a   discussão,   a   possibilidade   de   partilhar   e   errar,   a   importância   de   integrar   a   vivência   experienciada   não   são   outra   coisa.   A   configuração   do   que   vou   sendo   só   se   afina   na   relação   com   os   outros   e   esse   processo   é   uma   história   de   movimento.   Partir   da   separação   só   gera   fractura.   A   arte   é   uma   forma   de   conhecimento   (Albuquerque   Vieira,   2011),   desdobra   possibilidades  de  criação  do  real  e  promove  ligações  entre  matérias.     O  Corpo  na  Escola   A   experiência   dos   conteúdos   curriculares   a   partir   de   um   corpo   ativo   e   dialogante   permite   o   desenvolvimento   do   conhecimento,   da   capacidade   crítica,   da  geração  de  uma  autonomia  que  não  se  desconecta  do  suporte  e  de  um  suporte   que  não  se  desimplica  da  autonomia.  É  essa  vibração  de  vida  que  reconhecemos   nos  indivíduos  que  têm  construído  o  corpo  na  escola  durante  os  últimos  5  anos,   sejam  alunos,  professores,  funcionárias  auxiliares  ou  cada  um  de  nós  que  integra   a  equipa  de  trabalho  do  c.e.m  –  centro  em  movimento.   O   Corpo   na   Escola   propõe   aulas   em   que   os   conteúdos   curriculares   são   abordados   a   partir   de   uma   postura   ativa   das   crianças,   que   se   deslocam   em   relação  à  matéria,  a  partir  de  atividades  de  expressão  corporal  e  de  educação  pelo   movimento.  O  trabalho  é  realizado  com  uma  turma  de  uma  escola  pública  do  1º   ciclo   do   Ensino   Básico   de   Lisboa.     Inicialmente,   a   professora   indica   as   necessidades   de   aprendizagem   de   cada   aluno,   e   da   turma   em   geral,   para   cada   conteúdo   específico.   As   sessões   são   planeadas   detalhadamente   com   a   antecedência  de  uma  semana  por  um  grupo  de  dois  artistas  e  investigadores  do   153 O Corpo – Aprendizagem e Movimento Joana Louçã e Sofia Neuparth __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ c.e.m   –   centro   em   movimento,   e   a   professora   da   turma,   tendo   em   conta   as   sugestões  ou  pedidos  dos  alunos.  A  visão  da  criança  enquanto  ator  social  ativo  na   construção   do   mundo   não   é   novidade,   e   esta   consideração   está   espelhada   no   12º   artigo  da  Convenção  dos  Direitos  da  Criança,  que  defende  o  direito  das  crianças   opinarem   de   forma   livre,   e   de   serem   ouvidas   nos   assuntos   que   lhes   dizem   respeito.  Portanto,  ao  elaborar  as  sessões,  utilizamos  métodos  participativos,  nos   quais   as   crianças   são   parceiras,   cogestoras,   coprodutoras   e   cocriadoras   do   trabalho,  e  participam  na  sua  interpretação.   associação.   No   terceiro   período,   para   integração   final   do   ciclo   de   um   ano,   as   sessões  ocorrem  no  espaço  da  rua,   nucom  a  turma  a  desenvolver  um  trabalho  em   ligação  entre  a  escola  e  o  bairro  onde  se  insere,  conhecendo  algumas  estruturas   (artísticas,  comerciais  ou  pessoas  especiais)  vizinhas  à  escola  e  a  partir  desta  série   de  visitas  é  desenvolvido  um  tema  que  integre  o  bairro  onde  vivem  e  estudam,  as   pessoas  que  o  habitam,  e  os  conteúdos  que  trabalharam  ao  longo  do  ano,  numa   criação  de  um  trabalho  colectivo.   4 As   sessões   progrediram   e   alteraram-­‐se   com   o   tempo,   à   medida   que   as   crianças  conheceram  melhor  os  artistas  do  c.e.m  e  o  projeto  se  tornou  mais  claro.   No   ano   passado,   houve   uma   estrutura   de   sessão   que   se   repetiu.   Começava   com   a   preparação   do   espaço,   arrumando   as   mesas,   cadeiras   e   mochilas   fora   da   sala.   Todas  as  pessoas  se  descalçavam.  Formavam  um  círculo  de  mãos  dadas,  dizendo   o   seu   nome   em   voz   alta   e   apertando   a   mão   da   pessoa   seguinte,   que   fazia   o   mesmo.   Alguns   exercícios   de   consciencialização   do   corpo   e   do   movimento   seguiam-­‐se,   por   vezes   envolvendo   toque,   dança;   a   estrutura   deste   momento   variou   muito,   pois   recebíamos   muitas   sugestões   para   continuamente   explorar   diferentes   exercícios.   Seguia-­‐se   a   exploração   de   uma   proposta   específica   relacionada  com  o  tema  da  sessão  (seguem-­‐se  alguns  exemplos:  em  Português,  a   partir  do  movimento  improvisado,  criar  uma  história  colectiva;  em  Ciências,  criar   circuitos  físicos  de  movimentos  experienciando  os  diferentes  sistemas  corporais;   em   Artes,   trabalhar   o   retrato   a   partir   de   diferentes   perspectivas,   visual,   tridimensional,   escrito,   falado,   cantado   e   dançado,   etc.).   Havia   então   uma   discussão   em   círculo,   na   qual   através   do   diálogo   chegávamos   a   uma   sistematização   do   conteúdo   das   sessões,   e,   finalmente,   uma   última   parte   da   sessão   na   qual   as   crianças   construíam   algo   baseado   na   sessão.   Poderia   ser,   por   exemplo,  escrever  uma  história,  fazer  uma  escultura,  um  desenho,  ou  um  poema.   A   calendarização   do   projeto   vai   cruzando   a   organização   do   c.e.m   em   vários  momentos.  No  final  do  2º  período,  as  crianças  são  convidadas  a  inventar,   criar,  planificar  e  serem  professores  de  uma  sessão  para  um  grupo  de  adultos  na   Formação  Intensiva  Acompanhada  do  c.e.m.  Esta  sessão  tem  lugar  dentro  de  um   laboratório  de  4  dias  organizado  em  torno  do  trabalho  com  crianças  feito  por  esta   154 5 No   último   ano,   trabalho   na   última   parte   do   ano   lectivo   foi   focado   na   vinda  do  artista  plástico  brasileiro  Stephan  Doitschinoff  ao  festival  Pedras  d’Água   do   c.e.m.   Desta   forma,   o   trabalho   centrou-­‐se   no   desenho   a   partir   de   formas   geométricas,   na   criação   de   um   símbolo   pessoal,   e   numa   reflexão   sobre   o   que   era,   ou  não,  arte  urbana.  Este  período  final  do  ano  incluiu  um  passeio  pela  Mouraria   (com   as   crianças   divididas   em   grupos:   fotógrafos   –   com   uma   câmara   fotográfica   descartável,  o  que  limita  o  número  de  fotografias  possíveis;  desenhadores   –  que   tomavam   nota   das   interferências   nas   paredes   da   cidade:   graffitis,   sinais   de   trânsito,   notas   aleatórias;   e   jornalistas   –   que   entrevistavam   as   pessoas   na   rua),   várias   sessões   de   trabalho   dentro   da   escola,   e   uma   visita   para   conhecerem   em   pessoa  Stephan  Doitschinoff.   Figura  1:  Trabalho  de  final  do  ano,  algumas  fotografias   155 O Corpo – Aprendizagem e Movimento Joana Louçã e Sofia Neuparth __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 6   O   projeto   tem   o   apoio   e   avaliação   externa   junto   da   comunidade   educativa  da  psicóloga  social  Daniela  Mourão,  que  acompanha  o   projeto  desde  o   seu   início.   Na   sua   última   avaliação,   Daniela   Mourão   salienta   que   um   programa   de   educação   artística   de   qualidade   deve   implicar   uma   postura   ativa   por   parte   dos   participantes,   mostrarem-­‐se   relevantes,   permitirem   a   valorização   da   sua   individualidade   e   serem   disponíveis   a   todos   os   interessados.   O   c.e.m,   respeitando   a  forma  como  o  projeto  foi  concebido  e  desenvolvido  pelo  CENTA,  volta  a  cumprir   estes   pressupostos.   Pela   análise   dos   depoimentos   de   alunos   e   professores   foi   possível   perceber   o   entusiasmo   e   empenho   dos   alunos   nas   atividades,   a   valorização   da   sua   contribuição   individual   e   do   grupo,   e   relevância   pessoal   das   sessões,   especialmente   visível   na   finalização   do   projeto   “Vizinhos”.   Nos   momentos   de   escuta   realizados   juntos   dos   alunos,   Daniela   Mourão   refere   que   claramente   se   percebeu   que,   apesar   do   clima   de   liberdade   e   experimentação   vivido   nas   atividades,   estas   são   identificadas   como   espaço   de   trabalho   e   de   aprendizagem  onde  são  manipulados  conteúdos  disciplinares  a  par  do  trabalho  de   corpo.   A   maioria   conseguiu   perceber   a   coerência   estrutural   das   sessões   desenvolvidas   ao   longo   do   ano   e   muitos   dos   alunos   valorizaram   a   contribuição   das  sessões  para  as  disciplinas  onde  se  desenrolam,  mediante  as  “ligações  com  o   trabalho   artístico”,   tendo   sido   igualmente   referido   o   papel   destas   atividades   ao   nível  das  relações  sociais.  Finalmente,  nesta  avaliação  também  se  constata  que  os   professores  também  consideraram  o  papel  do  PFAC  ao  nível  do  desenvolvimento   das   competências   sociais,   indicando-­‐o   enquanto   factor   integrador   de   alguns   alunos  “periféricos”  na  turma.     Este   projeto   desenvolveu-­‐se   ao   longo   de   quatro   anos   (2003/04   a   2006/07)  em  todas  as  E.B.1º  Ciclo  do  Concelho  de  Vila  Velha  de  Ródão,  por  dois   anos   (2008/09   a   2009/10)   passou   a   ser   feito   com   duas   turmas   do   2º   Ciclo,   na   Escola   Secundária   Passos   Manuel   em   Lisboa,   estando   desde   2010/11   a   ser   desenvolvido  com  uma  turma  da  E.B.1º  Ciclo  nº75,  em  Lisboa.   O   PFAC   foi   escolhido   pelo   Instituto   de   Sociologia   da   Universidade   do   Porto   para   ser   objecto   de   estudo   na   área   da   sociologia   da   cultura   no   âmbito   da   156 7 linha   de   investigação   que   desenvolve   –   “desigualdade,   cultura   e   território”.   Em   2009/10,   o   projeto   foi   também   o   tema   da   tese   de   Mestrado   de   Anabela   Silva,   intitulado  “Avaliação  da  eficácia  da  intervenção  do  projeto  "'O  Corpo'  na  Escola"   numa   turma   do   6º   ano:   análise   comparativa   entre   duas   turmas”,   mestranda   em   Ciências   da   Educação   na   Faculdade   de   Ciências   Sociais   e   Humanas   da   Universidade   de   Lisboa.   É   ainda   o   tema   da   tese   de   Doutoramento   de   Joana   Louçã   em   “Estudos   da   Criança   –   Sociologia   da   Infância”   pelo   Instituto   da   Educação   da   Universidade   do   Minho   em   colaboração   com   a   University   of   Warwick   (Reino   Unido).   Bibliografia   Albuquerque  Vieira,  J.  (2011).  in  Greiner,  C.,  Neuparth,  S.  (ed.)  Arte  Agora.  São  Paulo.  Annablume.   Armstrong,  D.,  “Bodies  of  knowledge:  Foucault  and  the  Problem  of  Human  Anatomy.”  In   Sociological   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 Educação  da  Univ.   de  Pelotas,  RS,  Brasil,  12,  21  (2003):  51-­‐69.     Sarmento,  M.J.  “As  Culturas  da  infância  nas  encruzilhadas  da  2ª  modernidade”.  In  Crianças  e  Miúdos.   Perspectivas   sociopedagógicas   sobre   infância   e   educação,   coordinated   by   Sarmento,   M.J.,   and   Cerisara,  A.B.  9-­‐34.  Porto:  Asa,  2004.   Simpson,  B.  “Regulation  and  resistance:  Children’s  embodiment  during  the  Primary-­‐Secondary  school   transition”.  In   The  Body,  Childhood  and  Society,  edited  by  Prout,  A.,  60-­‐78  London:  MacMillan  Press,   2000.   Turner,  T.,  “Bodies  and  Anti-­‐Bodies:  Flesh  and  Fetish  in  Contemporary  Social  Theory”.  In  Embodiement   and   Experience:   the   Existential   Ground   of   Culture   and   Self   ,   edited   by   Csordas,   T.J.   2-­‐24,   Cambridge:   Cambridge  University  Press,  1994.   157 orientações Políticas curriculares para o ensino de arte na educaçao básica econômicas, sociais e administrativas das instâncias governamentais. VIRGÍNIA VIEIRA MARCONDES Neste sentido, ganha importância toda e qualquer orientação por parte do virginiamarcondes@gmail.com UNESP-IA SESI-SP governo, na medida que disciplina o conteúdo curricular praticado nas escolas. Indicação de tema: educação / arte / desenvolvimento Curriculares. O faz por intermédio de legislação e dos Parâmetros, Diretrizes e Propostas César Coll, educador de nacionalidade espanhola, colaborou ativamente RESUMO Esta pesquisa estuda a política pública educacional em relação à arte na educação básica, no estado de São Paulo, Brasil. Analisa a legislação que disciplina o componente curricular de arte, com a intenção de inferir os valores atribuídos e as respectivas contextualizações sócio - histórica, política, econômica e cultural. Aprofunda a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da Proposta Curricular do Estado de São Paulo, vez que tem despertado profunda discussão entre os Arte-Educadores. São considerados, na discussão, dados obtidos a partir de entrevistas com professores e técnicos educacionais, com o intuito de compreender o pensamento dos profissionais que tornam real o currículo escolar e que estão à frente das ações educativas e discussões e dos que estão à frente da elaboração da Proposta Curricular. na formulação das reformas curriculares em seu país e, mais tarde, participou no Brasil, da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais a pedido do Ministério da Educação e Cultura – MEC. O autor afirma “o currículo como o projeto que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores” (1997: 45), de onde se pode notar a importância que atribui ao currículo. O fato que se deve examinar atentamente é que os Parâmetros Curriculares Nacionais estão postos, desde a década de 1960, na versão de guias curriculares e têm pautado as orientações pedagógicas nas escolas PALAVRAS CHAVE: Políticas Públicas - Parâmetros Curriculares - Proposta Curricular - Ensino de Arte brasileiras. Nas orientações curriculares anteriores a Arte era tratada com menor valia. Era denominada de Educação Artística, tratada como atividade e não A educação tem intencionalidades que expressam valores, ideologias, ética, cultura, economia, além do caráter político de seu bojo, visto não ser neutra. Carrega a visão de mundo, a expectativa de homem que se almeja, tinha o status de componente curricular. Arte, enquanto componente curricular, só ganha importância a partir da década de 1980 com os estudos de Ana Mae Barbosa. E na década de 1990, com a implantação da LDB 9394/96 e depois com os Parâmetros Curriculares. enfim, as ideias da sociedade da qual faz parte. A partir daí e tomando o currículo escolar como um instrumento de comunicação de valores, de ideologias e submetido aos ditames e orientações da política educacional, se conclui que o mesmo é revelador da sociedade, da A Proposta Curricular do Estado de São Paulo segue os Parâmetros Curriculares Nacionais e é mais detalhista. Consiste em livros com periodicidade bimestral dirigidos aos professores da rede estadual para que os mesmos pautem seus trabalhos, ou seja, é a determinação curricular posta política e das intenções do governo. Como a educação é um fenômeno social e histórico, é ação impregnada de contradições, lócus privilegiado de disputas. É um ato político. Palma Filho (2005) afirma que, para entendermos a política educacional, é necessário primeiramente entendermos a política de um modo geral. Ou seja, as pela Secretaria de Estado. Os professores dispõem de material com sequência didática e sugestão de trabalho de conteúdo curricular. Os alunos recebem material para uso pessoal e fazem registros, exercícios e no qual também desenvolvem as habilidades do currículo. O Governo Federal lança os Parâmetros e Diretrizes Curriculares e, concomitantemente, prevê e põe em prática, todo um sistema de avaliação 1 158 2 159 escolar (SAEB - Sistema de avaliação da Educação Básica, Provinha Brasil - resultados, já que os conteúdos destes materiais serão os mesmos cobrados avaliação diagnóstica da alfatetização, ENEM - Exame Nacional do Ensino nos sistemas de avaliação instituídos pelo governo. Médio). Um dos objetivos da proposta curricular do Estado é a unificação do Algumas destas avaliações têm conotação de intencionalidade duvidosa, percurso da aprendizagem a ser vencido por todos os alunos. Para tanto, são na medida em que acabam por avaliar o aluno e não o processo. Atribuem o determinados os conteúdos, as competências, as habilidades e estratégias resultado obtido à generalidade, tanto do processo educativo como um todo, metodológicas e o que se espera dos alunos em cada ano, série ou ciclo. quanto do sistema educacional brasileiro. Todavia, o estabelecimento de uma organização curricular desta monta, De qualquer forma, andam juntas as orientações curriculares e a avaliação que privilegia componentes curriculares de Matemática, Língua Portuguesa, Ciências e, por vezes, História e Geografia. A preferência por Matemática e Língua Portuguesa na avaliação tende levar a escola a privilegiar esses mesmos componentes no dia a dia da escola. Entretanto, os resultados das avaliações não têm denotado expressividade de boa qualidade nestes componentes. Insere-se aqui a pergunta maior: não seria o caso de se lançar olhos para os demais componentes curriculares, especial e prioritariamente para a Arte? Posto que os pretensamente tidos como de maior importância não estão conseguindo apresentar resultados expressivos. ao oferecer um mesmo conteúdo, de forma igual para alunos diferentes, antes de garantir uma base comum, acentua ainda mais as distâncias. Um caminho possível para mudanças neste estado de coisas se pode obter a partir dos estudos de Fischer (1987) que apontam a Arte como um meio para promover alterações num mundo que está sob constante mudança. Não cabe à Arte a mera representação da contemporaneidade, mas proporcionar a incorporação, não só da realidade, quanto da possibilidade de vir a ser, numa expressão de intencionalidade de uma sociedade melhor. Portanto, há na Arte elementos de valiosa contribuição para a leitura do mundo e para a propositura de alternativas e mudanças sociais. Também Para Sacristán (1998), o papel do professor é de suma importância na concretização dos currículos escolares, uma vez que são eles (os professores) que tornam reais as ideias, os valores e os projetos, pois os tomam como seus. Neste sentido, cabe um olhar ao professor e uma análise sobre sua prática, a respeito de sua aceitação ou não, sua adesão ou não aos Parâmetros ou Propostas Curriculares. permite a promoção do auto conhecimento positivo do aluno. Rosa Iavelberg1 propõe este auto conhecimento, calcada nos estudos de Ana Mae Barbosa. Para tanto, a Arte é importante no ambiente escolar, para possibilitar o desenrolar dos três eixos de aprendizagem significativa: fazer, interpretar e refletir sobre Arte, como produção social e histórica. Ao aluno, deve ser feito o convite a traçar diferentes e variadas relações entre a Arte, a educação e a Entretanto, há que se considerar a ideia de currículo oculto declarada por Paulo Freire (1993), a partir do que se reconhece a politicidade do ato educativo e o fato de não se conseguir reproduzir experiências, somente “reinventá-las”. O educador reconhece seus limites e se enxerga como sujeito participante e não como um objeto manipulado, seguidor de parâmetros pautados em métodos, processos ou técnicas pré determinadas. sociedade. Assim sendo, cabe ao professor de Arte, em seu trabalho cotidiano algumas ações, tais como: reflexão e atenção sobre as ocorrências e sobre o modo como as coisas tramitam no âmbito escolar, desde a legislação até o interior da sala de aula e da escola, especialmente no que se refere ao currículo oculto, que é poderosa ferramenta de ação e transformação. Analisando as Propostas Curriculares da Educação Básica, se pode intuir que os professores têm a liberdade de cátedra cerceada, uma vez que o 1 Estado provê, não só o currículo, por meio da proposta curricular, mas também os materiais do professor e do aluno a serem seguidos. Inclusive os atrela aos 160 3 Rosa Iavelberg é uma das autoras dos PCN na área de Artes e o texto de cuja referência é tratada acima: “O que ensinar em arte”, foi acessado em 11/03/2012 e disponível em http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/conhecer-cultura-soltar-imaginacao-427722.shtml 4 161 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Ana Mãe. Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1999. “INTÉRPRETES DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA EM PORTUGAL” Graça Martins _________. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. Estudante do doctorado “Artes i Educación” da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona Bolseira da FCT 2011/2012 MORADA: Rua do Brasil, Lt.11-4ºA 2500-504 Portimão, Portugal |TELEFONE: 00351 913177264| mg_martins@hotmail.com BRASIl. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 14 de 1996. BRASIl. Lei 4024 de 20 de dezembro de 1961 __________________________________________________________________ BRASIl. Lei 9131 de 24 de novembro de 1995 RESUMO A partir dos anos 80 os estudos sobre a formação docente vieram intensificar o BRASIL. Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 olhar sobre os sujeitos favorecendo a emergência da investigação sobre a vida dos COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1997. professores, como refletem sobre as suas carreiras e percursos (Nóvoa, 1992, Goodson, FERNANDES, Florestan. O papel político do Professor. In CATANI, Denise Barbara; MIRANDE, Hercilia Tavares; Menezes, Luis Carlos de; FISCHMANN, Roseli. Universidade escola e formação de professores. São Paulo: Brasiliense, 1986. Connelly, Bolivar, Bruner). A investigação a que se refere este artigo procura momentos FISCHER, Ernest. A necessidade da Arte. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara/Koogan, 1987 – Dar sentido à experiência. 2004)1. O enfoque narrativo contribui para a descrição dos relatos (Clandinin y chave de mudança no relato de uma professora de educação artística, a compreensão da sua identidade, subjetividade e profissionalização. Palavras-chave: Investigação em História de vida – Contributos da Educação Artística “Una vida sín habla y sin acción, está literalmente muerta para el mundo” FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993. Hannah Arendt, “The human condition” (1958) MARQUES, Isabel A. Ensino de dança hoje. São Paulo: Cortez, 2001. PALMA FILHO, João Cardoso. Política Educacional Brasileira: educação brasileira numa época de incerteza (1990-2000): avanços e retrocessos. São Paulo: Cte Editora, 2005. Envolvida com a investigação para o programa de doutoramento “Artes y Educación”, tive a oportunidade de aprofundar as problemáticas epistemológicas das Histórias de Vida (de professor@s), escritas utilizando uma metodologia narrativa, procurando compreender como se podem resgatar significações para a vida PARO, Vitor H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1996. SACRISTÁN, J. Gimeno e GOMES, A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. profissional dos professores e professoras através de uma história contada. Realizadas recordações as entrevistas alheias, enquanto à professora procurava Elvira dar um Leite2, corpo mergulhei à nessas investigação. ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 1998. Compreendendo o espaço transitório e movediço que ocupamos e os lugares Sites consultados: www.mec.gov.br www.sp.gov.br http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/conhecer-cultura-soltarimaginacao-427722.shtml metodologias selecionadas3 imprimiam ao desenho e à escrita do estudo. As questões provisórios que habitamos, fui sentido as dificuldades e as oportunidades que as foram sendo postas em causa e reformuladas, a procurarem ir ao encontro das Maria Elvira Vieira Pereira Leite Policarpo, a professora selecionada para a investigação está aposentada e colabora atualmente com a Fundação de Serralves no Porto. Autora de vários artigos e livros sobre educação artística e educação por projetos de trabalho, colaborou com o ME no GETAP, promoveu vários projetos de trabalho a nível nacional e internacional, criou o “Atelier 61”, no Porto em colaboração com a arquiteta Manuela Malpique. 3 Histórias de Vida; Metodologia de escrita narrativa; Estudos Feministas; Pós-estruturalismo. 2 162 5 1 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 163 circunstâncias geradas pelo desenvolvimento das entrevistas e pelas reações ao que anulação ia ouvindo e compilando. alimentando exigências tentaculares de um “monstro” burocrático entretanto criado8. “Lá fora” a atualidade, política, social e educacional adensava-se de instabilidades. Se, por um lado, aumentavam exigências às insufladas logísticas profissionais, por outro a consciência e o “sentido de ser” docente, foram perdendo brilho, a que a isenção de políticas da memória não será alheia (Fernando Hernández). É ainda instaurado um modelo de avaliação de desempenho4, que se revelou pouco consistente, normalizador e padronizador, que se impôs como um lugar de consciência coletivo a ocupar o lugar da consciência do “outro”. Mas talvez porque as práticas derivem, apesar das normativas institucionais, de múltiplas perceções e interpretações locais sobre a profissão docente, seja possível, a partir dessa particularidade “local” de fazer ESCOLA, no onde, no quando e no porquê das franjas quotidianas, acrescentar desvios e aprofundar o lado criativo e criador das dinâmicas educacionais. Recuperando esse património, a recolha biográfica que emerge das Histórias de Vida5 de professores e professoras, permite-nos, além de aproximações ao que sucede de “realmente importante” na atividade profissional dos sujeitos que vivem as experiências, representar o papel que a Educação Artística tem desempenhado dentro da história do currículo escolar…Elvira exemplifica: das identidades individuais, procurando uniformizar procedimentos Aos poucos, a capacidade de autoria, de diferença, autonomia e criação, diminuem no universo escolar, dando lugar a práticas coletivas de lecionação e avaliação pré-determinadas e a um consequente efeito de des-pertença. Assegurar o posto de trabalho é a necessidade que propõe uma obediência acrítica com a confiança a ser delapidada. Perante as novas responsabilidades, a população docente reagiu desconfiada perante o receio face a uma nova dificuldade: compreender o que pretende uma legislação, também ela, instável (sujeita aos processos políticos, económicos e sociais), procurar agir em conformidade por um lado e, gerir as relações de poder inerentes a qualquer corpo social (algumas criadas por erupção) por outro, trouxeram à realidade educativa estranhas manifestações, colocando em causa o sentido de missão e envolvimento enunciado e o sentido de confiança. Transmutaram-se ambientes onde a competição e desconfiança emergiram naturalmente, criando lugares de subordinação, de hegemonia ou resistência. No entanto, suscitou igualmente uma maior necessidade de se compreenderem as agendas para uma educação do século XXI9. Na verdade faltava, em larga escala, formação e reflexão sobre todas “Às vezes digo isto, até no tempo de Salazar se podia fazer trabalho político, sem dar nas vistas. estas mudanças e exigências, mas também e, essencialmente, sobre como se vive a Como é que ele ou os seus mandatários poderiam interferir? Eu era uma boa professora, os pais própria profissionalização (Hergreaves, 1996). davam autorização, (exemplo) estudei a arquitetura local; os alunos iam fazer desenho dos bairros, então escolhíamos todo o tipo de habitações que há na cidade, inclusive bairros de lata e depois Mas porque mais que palavras emprestadas é a ação que elas desencadeiam íamos para lá desenhar e a partir daí, conversávamos sobre as questões de habitabilidade, sobre a que nos permite pensar possibilidades e criar oportunidades de ser e estar, as relação entre estrato social e habitação… não era só aprender a desenhar e mais nada!” intérpretes desta história, rasgam e colam memórias provisórias, para que ocupem um Porém, @s professor@s de agora tornaram-se, curiosamente, cúmplices dos lugar próprio num mundo a reinventar (se). processos que negaram. No formato da reação contra o modelo instaurado e contra A primeira escrita foi, contaminada por sentimentos de perplexidade perante o as últimas reformas do ECD 6, na sua décima alteração7 e manifestando-se (em 2008) que me acontecia a mim e à profissão e por isso, profundamente emocional. Procurei coletivamente e em massa nas praças das capitais, foram gradualmente tornados nas teorias feministas explicações ou referências que abordassem esta temática e responsáveis pela adoção, nas escolas (de baixo para cima), de um procedimento de encontrei um texto de Kathleen Casey sobre “Por qué adandonan la docência las mujeres activistas progresistas?” (Goodson 2004, pp. 245-268), que aborda e problematiza queixas e registos de superação de professoras cuja atividade foi 4 “We think that understanding how teachers, individually and collectively, think, act, develop professionally and change during their careers might provide new insights as to how one might aproach the reform, change and improvements in education that are necessary to equip our studants for desirable future within a context that is rapidly altering the nature of teachers’ work”. (Butt, Raymond, McCue e Yamagishi, 1992, p.57, cit. por Goodson, 1992, pp. 51). 6 Estatuto da Carreira Docente 7 http://www.min-edu.pt/index.php?s=white&pid=531 5 2 164 “Eficiencia, productividad, ciencia y tecnologia, han alcanzado práticamente el estatus de divinidades en el escenario moderno del siglo XX” (Kincheloe, 2001, pp.19). 9 “En un periodo histórico de desprofissionalización de los professores (…) considerar a la experiencia de vida del professorado como fuente de conocimiento y saber supone una autorización del profesor, un colocarlo como centro da la actuación educadora. Y esto, no me cabe duda, no solo es un acto político, sino que tiene consequências políticas, en la medida en que hace que el profesor deje de ser un consumidor-ejecutor y pase a ser actor. “ Hernández, F. (2006, pp.118-119). 8 Decreto-Lei n.º 104/2008 de 24 de Junho. II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 3 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 165 profundamente marcada pela diferença de género. Nos estudos sobre mulheres emergente que convida à disposição rizomática11 do conhecimento contrariando os levantados pelo “Grupo Esbrina” procuram-se relações entre trajetórias e condições “lugares comuns de grande vulgata planetária que o manejamento mediático de trabalho e profissionalização que, elaboradas em escrita narrativa em investigação transforma pouco a pouco em senso comum universal” (Bourdieu e Wacquant, 1988, de história de vida, tentam indagar e observar como as mulheres investigadas e pp.109-110) e a expandida a ação dos think tanks que filtram e traduzem a investigadoras “se han convertido en el tipo de mujeres profesoras, investigadoras o informação da cultura dominante, substituindo, com os seus receituários e pré – gestoras que son ahora; así como las relaciones entre las experiencias personales y el interpretação das normativas legais, a intervenção individual critica. Mas se iniciam as desarrollo de sus trayectorias profesionales. En este proceso se han puesto en reformas e os professor@s não seguem as pautas dos especialistas12, torna-se evidencia las estrategias de adaptación, resistencia y creación que las mujeres fundamental desarrollan en su interacción con el contexto de la docencia, la investigación y la essencialmente como estratégia de “fortalecimento” psicológico e profissional gestión, las formas de violencia simbólica que experimentan y los cambios que se han (Hernández F. em Goodson, I. 2004, pp.12) aumentando o reconhecimento de que o producido en los centros de investigación y las universidades catalanas desde la trabalho dos professores e professoras gera saberes que dever ser considerados. Afinal, perspectica de género en los últimos años.” (Sancho, 2010). como nos diz Elvira “todo o problema trás consigo a solução” 13. Por tudo isto Entretanto falando da sua experiência10, a professora reagia com cuidado às as histórias que nos permitem verificar opções, mas Hergreaves alerta que questões sobre a sua condição de mulher, divorciada, de visão progressista, “Todas revelando, desde logo, um espírito de superação sobre as situações que essas las voces de los profesores merecen ser escuchadas, independientemente de como puedan ser de marginales o pasadas de moda. condições lhe trouxeram para a vida, considerando como estímulo ou oportunidade e En consecuencia, creo que la práctica de la investigación educativa debería não como condição limitadora ou vitimizadora. Quando nos acercamos do relato da continuar otorgando una importante prioridad a escuchar, representar y professora Elvira Leite compreendemos onde e como reage perante momentos sociais patrocinar la voz del profesor” (Hargreaves, 2000). mais desafiantes: “Eu acho que os dissabores sempre foram construtivos. Eu detesto uma vida monótona, resgatar Contando a sua história, Elvira Leite permite-nos transitar por itinerários de sempre igual, muito programada, com tudo a rolar...eu detesto a ausência de aventura, formas e espírito de iniciativa, resolução de dificuldades, sentido de humor problemas (nem sei se existe essa vida - vidas sem problemas), (…) Eu não os receio! Eu face às contrariedades, relembrando-nos a nós do efeito primordial que nos fez sentir o quero é resolver problemas! Trabalho para os resolver quando têm solução porque tal fascínio pela profissão (como refere Hernández em Goodson, 2004, pp.12) e como diz Bruno Munari: «Se não há solução para um problema, então não é um reencontrar convicções para continuar sendo parte integrante desta franja social, problema» (ri-se)”. (Elvira Leite) Elvira posiciona-se desde logo e depois numa leitura pós-estruturalista, (Derrida, Baudrillard, Butler, Silva, entre outros) no que poderemos verificar como uma oportunidade de invenção dinâmica, permitindo dados de pesquisa que acionam transformação de discursos e práticas (envolvendo assim os sujeitos a que se referem). Ao concretizar as suas epifanias Elvira leva-nos ao lugar consciente da resistência, emancipação e criação tão fundamental a uma profissão educadora, num contexto A história de vida da professora Elvira Leite leva-nos a viajar pela história do País no antes do 25 de Abril de 1974 e no depois da revolução dos cravos, passando pela experiência de criação de escolas em Timor e Cabo Verde, projetos em comunidades portuguesas do norte da Europa, o percurso pelo GETAP em colaboração com Joaquim Azevedo, projetos de reabilitação social em comunidades carenciadas da zona do Porto, experiências de inclusão pedagógica com crianças e jovens portadores de deficiência, entre tantos outros temas que focalizam um universo maior que é o desta professora percorrendo os anos da sua profissão com um sentido de ser construtora de oportunidades para aprender. 10 4 166 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 11 (Deleuze e Guattari, 2004) “O currículo como prescrição sustenta místicas importantes sobre estado, escolarização e sociedade. Mais especificamente, ele sustenta a mística de que a especialização e o controle são inerentes ao governo central, às burocracias educacionais e à comunidade universitária. Desde que ninguém desvele essa mística, os mundos da "prescrição retórica" e da "escolarização como prática" podem coexistir. Ambas as partes podem beneficiar-se dessa coexistência pacífica (…). Desse modo, as prescrições curriculares determinam alguns parâmetros, mas algumas transgressões ou transcendências ocasionais são permitidas, desde que a retórica e o gerenciamento das prescrições não sejam desafiados. A prescrição e o estabelecimento do poder fazem aliados facilmente. (…) O currículo foi basicamente inventado como um conceito para dirigir e controlar o credenciamento dos professores e sua potencial liberdade nas salas de aula. Ao longo dos anos, a aliança entre prescrição e poder foi cuidadosamente fomentada, de forma que o currículo se tornou um mecanismo de reprodução das relações de poder existentes na sociedade” Ivor Goodson (2007). 12 Ulrick Beck (2000, pp. 29-30) defende que “é preciso que as pessoas abandonem a ideia de que as administrações e os peritos sabem exatamente, ou pelo menos sabem melhor, o que é certo e bom para todos: a desmonopolização da pericialidade”. 13 5 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 167 criando condições para uma cidadania lúcida, atuante e responsável, mas acima de tudo, fazedora de mundos sustentáveis e urgentes em alternativa à proclamada falência das instituições democráticas. ARENDT, Hannah (1958), “The human condition”, (p. 176) 2ª ed., Chicago, University of Chicago Press, 1998, in SENNET, R. (2010, p. 16) “El Artesano”. Anagrama. Colección Argumentos. Barcelona. BAUMAN, Z. (2011). “44 cartas desde o mundo líquido” Paidós. Barcelona. A dinâmica criada pela investigação é processual e resulta num território de viagem fascinante e possível num universo global14. No caminho, cruzam-se visões das realidades profissionais e pessoais ativando cintilações ao ser re-significada a experiência. Curiosamente, o melhor deste processo, é que quando falamos de nós, falamos das formas como olhamos o mundo. Dado que essas narrações são construídas socialmente, importa pois mergulhar nos discursos e procurar os dispositivos que nos permitem desconstruir e indagar sobre, que visões estamos a veicular na educação? Como nos sentimos? Porque nos inquietamos? E como lançamos novos questionamentos? Como a nossa postura interfere nas aprendizagens d@s alun@s? Não para criar respostas, que saberemos serem sempre instáveis, mas para desencantar soluções que nos levem a outros questionamentos e a novos encontros. Os estudos sobre a Educação Artística15, envolvendo toda a investigação geram e dinamizam as culturas educacionais, recorrendo a abordagens construtivistas e, mais recentemente, social-construcionistas (construindo relações), que se revela já BECK, Ulrick (2000). “Modernidade Reflexiva”. Celta Editora. Oeiras (pp.29-30) BOURDIEU, Pierre e Louis Wacquant (1988). “Sur les ruses de la raison imperialiste” in Actes de la recherche en Sciences sociales 121-122. CASEY, Kathleen (2004). “Por qué adandonan la docência las mujeres activistas progresistas? - Teoria, Metodologia y Política en la investigación sobre las histórias de vida” (pp. 245-268). Em Goodson, I. (2004) Octaedro. Barcelona. CLANDININ; D. J., (2007) (ed.). “Handbook of narrative Inquiry. Mapping a Methodology”. Londres: Sage. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (2004). “Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 5. ed. São Paulo: 34. http://pt.scribd.com/doc/30693620/lacan-deleuze-guattari. Consulta em Abril 2010. EISNER, Elliot (2008). “O QUE PODE A EDUCAÇÃO APRENDER DAS ARTES SOBRE A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO?” Currículo sem Fronteiras, v.8, n.2, pp. 5-17, Jul/Dez 2008. http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/eisner.pdf (cons. em abril 2011). GIDDENS, Anthony (2000). “O mundo na era da globalização”. Editorial Presença. Lisboa. em pressuposto, mas com tímida abordagem, nas práticas da utilização do portefólio GOODSON, I. (2004). “Histórias de vida del professorado”. Octaedro. Barcelona. (por exemplo) como instrumento legítimo de avaliação. A dimensão epistemológica GOODSON, I. (2007), Rev. Bras. Educ. vol.12 no. 35 Rio de Janeiro May/Aug. 2007, da Educação Artística, o universo constantemente mutável em que opera e a http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782007000200005&script=sci_arttext, (cons. em janeiro de 2010). permeabilidade às questões subjetivas do conhecimento e dos sujeitos, exigiu e depois HARGREAVES, A., L. Earl y J. Ryan (1996). “Una Educación para el Cambio”. Octaedro. Barcelona; (1998). permitiu, aos investigadores e especialistas, uma alargada capacidade de prestar “Os professores em tempos de mudança. O trabalho e a cultura dos professores na idade pós- atenção às manifestações em que se revela a vida das escolas, do ensino, do moderna”. McGraw-Hill. Alfragide. Portugal. conhecimento, d@s professor@s e d@s jovens. É Elliot Eisner que, em 2008, reflete HERNÁNDEZ, F. (1997). “Educación y Cultura Visual”. Cuadernos de Cooperación Educativa. Publicaciones também, sobre os contributos que a experiência artística pode lançar para a M.C.E.P. Morón, Sevilla; (2006) “VI jornades d’història de l’educatión artística- Históries de Vida en educação: Educació Artística” (2006). Universitat de Barcelona. “A imaginação não é um mero ornamento, tal como a arte. Juntas podem libertar-nos dos nossos hábitos enrijecidos. Elas podem ajudar-nos a restaurar um propósito decente para os nossos esforços e a criar o tipo de escolas que as nossas crianças merecem e que a nossa cultura precisa. Tais aspirações, meus amigos, são estrelas pelas quais vale a pena esticar-se” (Eisner, 2008, pp.16). _____________________________________________________________________________ KINCHELOE, L. Joe. (2001). “Hacia una revisión crítica del pensamiento docente”. ediciones Octaedro. Barcelona, Espanha. NÓVOA, António. (1992) “Vidas de professores”. Porto: Porto Editora SANCHO, Juana (Coord.), (2010). “DONES A LA CIÈNCIA I A LA UNIVERSITAT: LA CONSTRUCCIÓ DE LA IDENTITAT DOCENT I INVESTIGADORA EN CONTEXTOS DE DESIGUALTAT” ESBRINA. UB. BIBLIOGRAFIA “A globalização não diz apenas respeito à criação de sistemas de larga escala, mas também à transformação de contextos locais, e até pessoais, de experiência social. Ela não será um incidente passageiro nas nossas vidas” Anthony Giddens (2000, pp.29 e 32). 15 Os estudos da Educação Artística (promovidos pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona) têm sido pioneiros na procura de formas de análise e de reflexão sobre a educação artística atual, construindo importantes e impactantes fontes de investigação caracterizada por Histórias de Vida. 14 6 168 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 7 II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA) Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas 2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal 169 O recurso didático como plataforma criativa promoção de “mudanças nas formas de pensar, sentir e agir” (Fittipaldi, 2007, Estudante de Mestrado e Professor, Ricardo Miguel Monteiro, Universidade de dinamizador do processo de ensino possibilitando ao aluno “desempenhar um Aveiro Prof. Auxiliar, Helena Barbosa, Universidade de Aveiro Resumo Os recursos didáticos permitem uma diversidade de estratégias na organização do processo de ensino e aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento criativo. O presente estudo pretende explorar o jogo “Challenges Game”, na sua dinâmica colaborativa, enquanto agente do processo criativo e como recurso motivador para os alunos no processo de ensino e de aprendizagem. Além disso diversificadas e enriquecedoras não só no processo de ensino das artes visuais, assim como analisar o contributo do professor na gestão do recurso didático jogo. Para isso, apresenta resultados com base nos trabalhos práticos realizados por alunos da disciplina de Materiais e Tecnologias do Curso Profissional de Técnico de Design, relacionados com a arte e o design. Espera-se assim desenvolver estratégias que permitam implementar práticas papel ativo, levando-o a pensar num determinado problema; ativar os conhecimentos já adquiridos; levantar hipóteses e colocá-las à prova; confrontar ideias, comparar diferentes formas de resolver o problema; e (re)significar conceitos (2007, p. 55). Por outro lado, também para o professor, o jogo apresenta-se como um instrumento relevante, no sentido em que permite “apreender a lógica do raciocínio do aluno; identificar e analisar o que levou o aluno a acertar ou a errar; verificar como o aluno faz para resolver problemas; identificar que habilidades o aluno já possui; identificar quais os conceitos que já adquiriu; e repensar a ação docente (2007, p. 56). O jogo enquanto recurso que estimula a criatividade na resolução de situações problemáticas, assume destaque neste estudo pela importância do processo criativo nas disciplinas das artes visuais. Segundo Katja Tschimmel, “ o pensamento criativo pode ser desenvolvido e treinado, tal como os restantes músculos do corpo” (2003, s.p.). Depreende-se educativas no âmbito das disciplinas de artes visuais. assim um processo que é o menos linear possível, “é sobretudo reticulado, Palavras-Chave: Recurso didático; Jogo; Artes Visuais; Design; Processo A importância deste estudo centra-se na (des)motivação dos alunos no Ensino recursivo e potencia-se a si próprio” (2010, p. 181). Criativo Secundário, especificamente dos cursos de cariz profissional, na (in)existência INTRODUÇÃO (des)valorização dos professores perante diferentes estratégias de ensino e na Os recursos didáticos permitem uma diversidade de estratégias na organização do processo de ensino e aprendizagem. Na publicação de Beatriz Gomes, I. Martins e N. Alves, mencionam que os recursos didáticos “são elementos essenciais e neles dever-se-ão incluir todos os meios que possam mediar os processos de ensino”, possibilitando a interiorização de dados científicos, tecnológicos e sociais, fomentando as capacidades dos alunos em variados aspetos tais como “atitudes, (…) pesquisa e organização de informação, de trabalho em equipa e de construção de posições fundamentadas” (2010, p. 5). Quando o professor assume o papel de orientador da aprendizagem, o aluno não só é ativo como interativo, passando para o jogo uma importância na 170 p. 48). O mesmo autor realça a importância do jogo enquanto instrumento de métodos de ensino que valorizem o trabalho colaborativo nos alunos, na (in)existência de jogos direcionados para disciplinas de artes visuais no ensino secundário. Revelaram-se fundamentais para todo este processo as observações realizadas à turma verificando-se que, na generalidade, os alunos revelaram alguma desorientação relativamente ao trabalho que tinham de desenvolver, apresentavam uma atitude muito passiva nas aulas e demonstravam bastantes dificuldades na gestão do processo colaborativo no desenvolvimento de tarefas nos trabalhos de grupo (Monteiro, 2012, p. 105). Sobre estes pressupostos pretendeu-se desenvolver e implementar o jogo “Challenges Game” enquanto recurso didático dinamizador do processo criativo da aprendizagem nos alunos. 171 grupo, o desenvolvimento e a resolução é individual; e o desafio grupo que exige o máximo empenho de todos os elementos no grupo sendo a resolução da responsabilidade de todos. A criação dos desafios é da competência do METODOLOGIA docente, conferindo-lhe assim um papel fundamental, não apenas na gestão do As especificidades deste estudo evocam a necessidade de utilizar uma jogo na sua aplicação mas também na sua criação. metodologia centrada na investigação – ação. Segundo Clara Coutinho a Importa definir um conjunto de regras implícitas no jogo - inicia-se com o Investigação ação “é uma das metodologias que mais pode contribuir para a lançamento de dados que definem uma carta; exploram-se os desafios com o melhoria das práticas educativas” pelo facto de proporcionar uma maior grupo; aproximação entre todos os intervenientes na investigação (2009, p. 375). desenvolvidas para a resolução do desafio; criam-se e registam-se as soluções Pretende-se assim uma maior flexibilidade metodológica, possibilitando para o desafio grupo; apresentam-se todas as resoluções; e pontuam-se o reformulações ao longo do processo de investigação, permitindo ao docente desempenho dos “jogadores”. um papel mais ativo na investigação. Toda a calendarização deve ser previamente definida pelo docente, O estudo apresenta um processo construtivo que se inicia com a observação nomeadamente a entrega da resolução ao desafio individual e aos desafios de realizada em contexto da PES, originando o problema da investigação. Este grupo, e apresentação a todos os elementos que se encontram em jogo, assim problema surge através da uma reflexão teórica que determina um conjunto de como os parâmetros pontuáveis no final do jogo. desenvolvem-se e registam-se os processos e informações planificações de atividades. Essas planificações envolvem toda a dinâmica do 172 jogo “Challenges Game”, atividade central do nosso estudo. Por fim, são RESULTADOS observadas as apresentações dos trabalhos realizados nas aulas, permitindo Os alunos, desde o início do módulo, manifestaram entusiasmo com o facto de realizar uma reflexão sobre todo o processo até aqui desenvolvido. existir um jogo que dinamizaria uma proposta de trabalho. O constante Neste seguimento, são sujeitos participantes neste estudo os alunos do 10.º questionamento por parte dos alunos, sobre o desenvolvimento do jogo, ano do Curso Profissional de Técnicos de Design da Escola Secundária aumentou as expectativas de todos os intervenientes neste processo. Foram António Sérgio, através da disciplina de Materiais e Tecnologias – componente definidos pelo docente um conjunto de desafios que abordavam áreas como o de formação técnica – turma com a qual foram desenvolvidas todas as Design, a Psicologia/Sociologia, a Criatividade, o Ambiente, Materiais e atividades que posteriormente vão ser analisadas e serão alvo de reflexão, de Tecnologias, de modo a explorar conceitos como o pensamento criativo, o modo investigação. pensamento critico, funcionalidade, o processo de design, a tecnologia, o A exploração do jogo “Challenges Game” insere-se na planificação do módulo ecodesign, a reciclagem e a perceção da visual. Os alunos, conscientes da de “Madeiras e Derivados”. Neste sentido, o plano inicia-se com a motivação e exploração a apresentação dos conteúdos através de um conjunto de tempos letivos de 45 preocupação com algumas temáticas. Para uns protegidos pela sorte, para minutos – 10 tempos expositivo-práticas que servirão de base para o outros a incerteza do modo como iriam resolver os desafios, as reações foram desenvolvimento do jogo e 17 tempos que visam explorar, desenvolver e criar diversificadas. De realçar algumas observações realizadas pelos alunos que resoluções aos desafios do jogo. salientaram o facto de o jogo proporcionar uma proposta de trabalho bem O jogo implica a criação de vários grupos de quatro a seis elementos. Cada definida e de considerarem o recurso como uma mais valia para a aquisição de elemento deverá responder de forma criativa aos desafios que lhe serão competências. Um conjunto de comportamentos da generalidade dos alunos propostos e ajudar assim o grupo a atingir a maior pontuação. Existem dois permitem analisar a motivação apresentada para a resolução dos desafios. tipos de desafios: o desafio individual que embora possibilite a exploração em Destacam-se a permanência na sala de aula explorando os desafios durante o a responder às questões principais desta destes desafios, encararam-nos como tal, manifestando 173 intervalo das aulas, a constante colocação de questões pertinentes na tentativa FITTIPALDI, Claúdia (2007) – Jogar para Ensinar, Jogar para Aprender; orient. de resolver os desafios, a entrega de trabalhos antes do prazo previsto e a Cláudia Leme Ferreira Davis. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de atitude perseverante sobre os desafios. São Paulo, 2007. 236 p. Tese de Douturamento. [Consult. 20, Jan. 2012]. Como maiores dificuldades os alunos manifestaram a exploração de temas Disponível com grande abrangência, estando à espera de desafios mais concretos e <http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4456> definidos, o relacionar dos desafios apresentados com os conteúdos específicos do módulo e a perceção da importância do desafio individual para a em WWW: GOMES, Beatriz Maria (2010) - Desenvolvimento de um Programa de resolução do desafio grupo. Formação de Professores do 2º CEB em Ciência; orient. Rui Marques Vieira. CONCLUSÕES E DISCUSSÕES Dissertação de Mestrado em Gestão Curricular. [Consult. 02, Fev. 2012]. Aveiro: Departamento de Segundo Luiz Pais, a principal finalidade dos recursos didáticos é a mediação entre professor e aluno e a aquisição do conhecimento (2000, p. 2-3). Neste estudo considera-se que este processo é favorecido pelo facto de o professor assumir um papel fundamental na gestão e criação dos desafios. Neste contexto específico, o jogo “Challenges Game” revelou-se uma mais Disponível Didáctica e Tecnologia Educativa, 2010. 121 f. em WWW: <URL: http://ria.ua.pt/bitstream/10773/1440/1/2010001685.pdf>. MONTEIRO, Ricardo Miguel (2012) – Repensar Práticas Educativas – volume I. 2012. 66 f. Acessível no autor, Porto, Portugal. valia no processo de ensino e aprendizagem, promovendo a criatividade, a PAIS, Luiz Carlos (2000) - Uma análise do significado da utilização de recursos capacidade de concentração e estimulando os alunos a adquiri competências. didáticos no ensino da geometria. Associação nacional de pós-graduação e Salienta-se que os objetivos esperados durante a conceção do jogo foram pesquisa em educação: 23ª. reunião anual. 2000. [Consult. 28, Jan. 2012]. alcançados, indo de encontro aos previstos na planificação dos conteúdos do Disponível módulo da disciplina. <URL:http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1919t.PDF>. em WWW: Os alunos manifestaram uma atitude ativa em todo o processo de desenvolvimento dos desafios propostos, revelando-se fundamental para o TSCHIMMEL, Katja Christin (2010) – Sapiens e Demens no pensamento efeito a orientação que o jogo incute. criativo do Design. Orient. Fernando Maria de Fátima Teixeira Pombo, Considera-se um processo que promove a diversidade de estratégias de Bernhard E. Bürdek. Aveiro: Departamento de Comunicação e Arte da ensino pela dinâmica enriquecedora do processo criativo, enquanto estímulo Universidade de Aveiro, 2010. 595 f. Tese de Doutoramento. diferenciador das potencialidades individuais do aluno e o exercício que promove o trabalho colaborativo na resolução de problemas. BIBLIOGRAFIA COUTINHO, Clara. [et al.] (2009) – Investigação-Acção: Metodologia preferencial nas práticas educativas. Psicologia, Educação e Cultura, vol. XIII, n.º 2. Carvalhos: Colégio Internato dos Carvalhos, 2009. ISSN 0874-2391, p. 455-479. [Consult. 02, Fev. 2012]. Disponível em WWW: <URL:http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10148/1/Investiga%C 3%A7%C3%A3o_Ac%C3%A7%C3%A3o_Metodologias.PDF>. 174 175 EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: PRÁTICAS EDUCATIVAS QUE CONSTROEM A ESCOLA como a Matemática e a Língua Portuguesa, comummente consideradas ‘as disciplinas essenciais e estruturantes’ no seio do próprio currículo. Algumas práticas educativas, características da educação artística e, em particular, do ensino das artes visuais, têm-se revelado bastante eficazes na promoção Muitas vezes sinto faltar uma fundamentação que reconheça o papel das disciplinas e valorização da autonomia e da identidade individual do aluno. De acordo com o das áreas artísticas no currículo e qual a sua importância no desenvolvimento das crianças e Roteiro para a Educação Artística, estas características são reconhecidas como jovens. Também desta forma se permite que estes discursos depreciativos se consolidem e essenciais às necessidades da sociedade do século XXI. Contudo, a valorização destas que o lugar da educação artística na escola seja questionado. práticas educativas não é uma realidade generalizada nas escolas, sendo muitas vezes Contudo, apesar desta perceção generalizada, as artes e a educação visual, artística e menorizadas e substituídas por outras, impregnadas de uma pretensa aura de rigor e tecnológica são essenciais para o Homem, estando profundamente enraizadas e valorizadas seriedade. nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, pretendo demonstrar neste artigo que a Este artigo visa refletir sobre as potencialidades dos processos pedagógicos autoimagem dos professores de arte é um sintoma sobre o qual é necessário empregues no ensino das artes visuais, nomeadamente sobre as suas características e trabalhar/investigar, no sentido de consolidar formação, conhecimento e ação sustentadas sobre a forma como estas influem na construção da própria escola. epistemologicamente. PALAVRAS-CHAVE: Educação Artística; Artes Visuais; Escola; Cultura Visual; Sociedade; As artes e o mundo Se no final do século XX era comum a afirmação de que vivíamos na era da imagem, devido à proliferação de estímulos visuais, hoje será mais assertivo afirmar que vivemos numa Introdução era em que as manifestações artísticas proliferam – tanto do ponto de vista da fruição/ Este artigo surge na sequência da minha participação no 2º Encontro Internacional de contemplação, como do ponto de vista da produção/ criação. Multiplicam-se os festivais de Educação Artística, realizado no passado mês de Abril. Desde essa data, ocorreram alterações música, assim como os concursos televisivos para encontrar os melhores cantores ou significativas no que concerne à educação artística no âmbito escolar, que não podem deixar dançarinos, as publicações de vídeo-clips no YouTube, escolhemos a seleção musical que nos de se refletir neste texto. vai acompanhar no iPod e a norma é a existência de música ambiente nos espaços comerciais. As “artes” tomaram o quotidiano. Da moda ao design, da música à arquitetura... De certo modo, o assunto sobre o qual foco o meu interesse prende-se com a ‘importância’ da educação artística e sobre a forma como esta se integra na escola. Referindo-me especificamente à área das artes visuais, de uma forma tendencialmente globalizada, proliferam os ecrãs de todos os tamanhos e formatos, com os mais variados conteúdos e funções, vivemos rodeados de imagens – cartazes, mupis e graffiti, a moda e a Autorretrato imagem pessoal são temas na ordem do dia, enfim, a cor e a forma são presenças incontornáveis no mundo atual. Também o acesso às artes plásticas tem uma dimensão sem No âmbito da minha atividade profissional tenho tido oportunidade de contactar com precedentes, não se podendo negar a expansão e diversidade dos espaços de expositivos, a docentes da área de ensino das artes visuais, o que me tem permitido observar que a sua pluralidade de conteúdos e de formas de expressão, ou a massificação no acesso a estes perceção acerca das disciplinas que lecionam é a de que estas são menosprezadas. Esta espaços/ conteúdos. Este acesso é propiciado por diversos fatores que podem potenciar uma perceção resulta de um discurso e de uma prática que sobrevaloriza outras áreas disciplinares, fruição mais completa e complexa da obra de arte, nomeadamente o apoio prestado por serviços educativos, livros de arte, documentários, etc. 176 177 À facilidade de acesso ao nível da fruição, acrescenta-se a acessibilidade à produção nomeadamente de Portugal, devemos ter em consideração que valorizar a educação artística artística. Sendo o discurso generalizado o de que atualmente os jovens ‘não sabem fazer nada’, por ser uma mais-valia para a educação não é a mesma coisa que valorizar a educação artística servindo como justificação a vida urbana, confinada a pequenos espaços em apartamentos, de pela sua adequação às necessidades sociais e económicas. Nesta última ideia, a educação costas voltadas para a rua e a para a natureza e presos aos teclados dos telemóveis e às artística é apresentada como uma espécie de ferramenta de ‘adestramento’ de trabalhadores, consolas de jogos, paradoxalmente podemos constatar que nunca os materiais e instrumentos o que não pode deixar de nos remeter para uma associação com o Taylorismo, devidamente utilizados na produção artística, nomeadamente nas artes plásticas, foram tão acessíveis. A adaptado às necessidades do século XXI, nomeadamente através da promoção e valorização proliferação de espaços comerciais dedicados a estes métiers, de cariz mais profissional ou de alguma diversidade ao nível das competências adquiridas e saberes alcançados. mais generalista, revela uma necessidade existente de experienciar os ‘fazeres’ artísticos, sejam eles a culinária, jardinagem, pintura, ou qualquer outro hobby. A partir daqui será também possível considerar a possibilidade de uma experiência estética. Outubro de 2012 – novos paradigmas Apesar de terem passado poucos meses da realização do 2EI_EA, muita coisa mudou O discurso oficial – do consenso à intenção A par desta realidade, assistimos a discursos institucionais de valorização da educação artística e das suas potencialidades. Enquanto no revogado Currículo Nacional do Ensino Básico se refere que “As artes são indispensáveis no desenvolvimento da expressão pessoal, social e cultural do aluno. São formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção.”, no Roteiro para a Educação Artística (UNESCO – Lisboa 2006), é referido que este “… pretende, portanto, comunicar uma visão e promover um consenso quanto à importância da Educação Artística na construção de uma sociedade criativa e culturalmente consciente;”. As ideias, no panorama da educação em Portugal, nomeadamente no âmbito da educação artística. No 2º ciclo do ensino básico, a disciplina de Educação Visual e Tecnológica, de 180 minutos semanais e lecionada por dois docentes, dividiu-se nas disciplinas de Educação Visual e Educação Tecnológica, cada uma com um docente e com a duração de 90 minutos semanais. No 3º ciclo do ensino básico desapareceu a disciplina de Educação Tecnológica e a disciplina de Educação Visual passou a ser obrigatória no 9º ano de escolaridade. Foram aprovadas as Metas Curriculares do Ensino Básico, nomeadamente da Educação Visual e da Educação Tecnológica. aparentemente consensuais no que concerne à valorização da educação artística, parecem As Metas Curriculares do Ensino Básico trazem-nos um novo discurso. Analisando o assentar numa perspetiva utilitária da educação artística, na medida em que, neste último documento referente à Educação Visual (2º e 3º Ciclo), vemos que expõem de forma clara documento se considera que “a educação na arte e pela arte estimula o desenvolvimento algumas intenções que apenas se subentendem nos documentos anteriormente referidos “A cognitivo e pode tornar aquilo que os educandos aprendem e a forma como aprendem, mais disciplina de Educação Visual, através da realização de ações e experiências sistemáticas, relevante face às necessidades das sociedades modernas em que vivem. (…) A Educação deverá desenvolver nos alunos a curiosidade, a imaginação, a criatividade e o prazer pela Artística contribui para uma educação que integra as faculdades físicas, intelectuais e criativas investigação, ao mesmo tempo que proporciona a aquisição de um conjunto de conhecimentos e possibilita relações mais dinâmicas e frutíferas entre educação, cultura e arte.”. Estes aspetos e de processos cooperativos. (…) As metas que se reconhecem como fundamentais ao são considerados essenciais porquanto “As sociedades do século XXI necessitam de um cada desenvolvimento da ação educativa nos 2.° e 3.° Ciclos do Ensino Básico, e que facultam vez maior número de trabalhadores criativos, flexíveis, adaptáveis e inovadores, e os sistemas vivências de diferentes universos visuais, estruturam-se em quatro domínios que se conjugam educativos têm de evoluir de acordo com as novas necessidades. A Educação Artística permite para o desenvolvimento de conhecimentos no contexto da Técnica, da Representação, do dotar os educandos destas capacidades, habilitando-os a exprimir-se, avaliar criticamente o Discurso e do Projeto. (…) Os objetivos e descritores indicados em cada ano de escolaridade mundo que os rodeia e participar ativamente nos vários aspetos da existência humana.”. Este são obrigatórios, sem prejuízo de, em anos subsequentes, continuarem a ser mobilizados.” discurso, aparentando ser inócuo e consensual, revela ambivalências, uma vez que assenta na Neste documento não se esconde a aposta num modelo cuja intenção é a procura de ideia de que o valor da educação artística está nas suas potencialidades de promoção do uniformização de saberes como forma de promover a hierarquização académica. desenvolvimento humano e do desenvolvimento económico das sociedades. Não sendo de desprezar a contribuição das áreas artística e cultural para o Produto Interno Bruto dos países, 178 179 Das intenções às ações Independentemente dos discursos, é pertinente perceber de que forma é que estes se refletem na prática. É assim possível constatar que existe alguma divergência entre os discursos e as práticas, uma vez que independentemente da valorização da educação artística, subentendida no discurso, as medidas a que temos assistimos comprometem a qualidade do ensino artístico – a diminuição da carga horária dedicada a estas disciplinas, o aumento do número de alunos por turma/professor, os entraves ao funcionamento de atividades extracurriculares, como os clubes, a possibilidade de algumas destas disciplinas serem lecionadas por docentes sem formação específica, como acontece com frequência nas disciplinas de Teatro e de Dança. interesados en mejorar los procesos educativos, tanto dentro como fuera de la escuela, tienen mucho que aprender de las artes. Dicho en pocas palabras, las artes pueden actuar como modelo para enseñar las materias que suelen tener por académicas.”(Eisner: 2002). De acordo com este autor, são diversos os aspetos que, sendo característicos da educação artística, podem ser uma mais-valia se aplicados em outras áreas disciplinares – a valorização da diversidade, considerada essencial, é disso exemplo. As artes valorizam e contam com a individualidade dos alunos, que são vistos enquanto pessoas com biografia. Este fator não é de somenos importância uma vez que promove o aprofundamento das relações, na medida em que se reflete no comprometimento pessoal e significativo em relação aos projetos desenvolvidos, resultando numa mais-valia educativa. Também o prazer intrínseco que daqui pode surgir deve ser referido enquanto fator impulsionador das aprendizagens. Este aspeto, frequentemente desvalorizado, porquanto se Educação artística – na escola ou apesar da escola? Perante o panorama traçado, é pertinente questionar de que modo é que estas realidades influenciam a escola? No âmbito específico da educação visual, qual é o papel da escola na construção/ desconstrução da cultura visual? Estas questões são tão mais pertinentes porquanto pelo exposto, a mobilização da literacia visual é contínua. “(…) las imágenes forman parte de contextos visuales (históricos, sociales, culturales…) que pueden afectar a la generalización de las cualidades estéticas que la visión perceptiva favorece.” considera que os conceitos ‘tarefa’ e ‘prazer’ são antagónicos, sendo a tónica que se coloca na ‘tarefa’ sobrevalorizada, enquanto o ‘prazer’ é menosprezado ou até antagonizado, quase considerado pecaminoso e incompatível com a ideia de seriedade. No entanto, por prazer conseguimos desenvolver esforços e superar desafios. Tornar o prazer parte integrante dos processos de aprendizagem resulta na sua maior eficácia, na medida em que o aluno não fica subalternizado perante mecanismos de recompensa externa, como a classificação, por exemplo. (Hernandez: 2003) As nossas conceções de beleza e o modo como construímos o mundo são também significativamente afetadas pela envolvente visual em que vivemos, o que justifica a necessidade de tentar compreender o papel da educação visual, nomeadamente nas suas vertentes artísticas, no âmbito escolar. Perante o panorama retratado, deve ser questionado o papel da educação artística na construção da própria escola, assim como o modo como a escola pode ser uma mais-valia para a educação artística. Na arte a forma é conteúdo. Daí, se pensarmos em qualquer manifestação artística, seja a música, a dança ou a pintura, percebemos que estes conceitos são inseparáveis e que se interpenetram mutuamente. Esta conceção é marcante para os processos educativos empregues, uma vez que há o entendimento de que, para a efetivação dos conhecimentos, a forma como estes são tratados é essencial. Deste modo a forma como se ensina também ensina. De notar ainda que as potencialidades destes conceitos e práticas têm gradualmente vindo a ser reconhecidas e incorporadas por outras áreas disciplinares. A título de exemplo posso referir a construção do portefólio, que recentemente se tornou prática recorrente para a maioria das áreas disciplinares, assim como a incorporação de elementos visuais ligados à Como a educação artística constrói a escola área de conhecimento das artes e da cultura visual em diversas disciplinas. Contudo, quando é frágil a conceção do que é a educação artística, de que formas se reveste, quais as suas É essencial que os docentes das áreas artísticas estejam conscientes acerca dos finalidades, quais as suas potencialidades, corremos diversos riscos – o de assumirmos como diversos papéis que a educação artística pode assumir na escola e no pensamento sobre a verdadeiros os estereótipos a que se associa a educação artística, de procurar respostas e escola, assim como na sua construção. Transpor as potencialidades da educação artística para modelos que, sendo inadequadas na educação artística, a podem esvaziar de sentido, ora o de outras áreas disciplinares poderá ser uma forma de as enriquecer. “Pero quienes están 180 181 exercer a profissão docente e usar a educação artística não com o sentido de inclusão, mas sim o da hierarquização e exclusão. ‘Aprender fazendo, fazer pensando e pensar envolvendo-nos’, sendo o que caracteriza a educação artística, é também o modo como esta pensa e constrói a Escola. BIBLIOGRAFIA ARNHEIM, R. (1993). Consideraciones sobre la educación artística. 1ª Ed. Barcelona: Ediciones Paidós. COMISSÃO NACIONAL DA UNESCO (2006). Roteiro para a Educação Artística: Desenvolver as Capacidades Criativas para o Século XXI. Lisboa: Comissão Nacional da Unesco. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais. Lisboa: Departamento de Educação Básica. EISNER, E. (2004). El arte y la creación de la mente. El papel de las artes visuales en la transformación de la conciencia. Barcelona: Ediciones Paídos Ibérica. HERNÁNDEZ, F. (2003). Educación y cultura visual. Barcelona: Ediciones Octaedro. CIDADES, LUGARES, OBJETOS E NARRATIVAS NA FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTE Ronaldo Alexandre de Oliveira e Fernando A. Stratico – Universidade Estadual de Londrina – Brasil Resumo: Na perspectiva do que chamamos de metodologia da presença, apresentamos análises de experiências de formação em artes visuais e teatro no âmbito da graduação superior, cujo enfoque principal é a construção do conhecimento a partir da experiência pessoal do estudante e sua relação dialógica com o conhecimento instituído. Narrativas e memórias constituem o ponto de partida para a construção do conhecimento. A cidade, seus lugares, objetos e memórias são elementos-chaves neste processo. Trata-se, assim, de um diálogo entre a subjetividade do sujeito em formação e a história da arte, tanto um como outro só ganham sentido na formação docente, se dispostos em uma constante relação dialógica. Tal abordagem nos conduz a constatar o quanto é fundamental a busca por procedimentos que não excluam dos processos de formação a pessoalidade dos sujeitos da aprendizagem. Neste sentido indagamos: Que lugar ocupa o sujeito da aprendizagem nas atuais metodologias do ensino de arte? Este é um sujeito que se inclui e que constrói o conhecimento? Palavras-Chaves: Formação Docente em Arte, Cidade, Objeto, Memória, Narrativas. A centralização do ensino de arte no contato com a produção legitimada pela história da arte tem resultado em abordagens que excluem a bagagem pessoal do estudante. Este, ao invés de estabelecer um diálogo e relação entre o pessoal e o histórico, passa a anular a sua própria vivência. Aqui empreendemos uma crítica e proposta de ensino de arte cujo centro seja não a história da arte, mas sim o sujeito e sua história, e principalmente o encontro deste sujeito com o outro. Há aqui um empenho em incluir vivências e pessoalidades, esforço tal que faz-nos avaliar o lugar que ocupa o estudante nas atuais metodologias do ensino de arte. Este é um sujeito que se inclui e que constrói o WEBGRAFIA http://www.portugal.gov.pt/media/675633/ev.pdf conhecimento, ou é um ser passivo que somente recebe conteúdos técnicos e históricos? É possível vislumbrar uma metodologia da presença a ocupar o lugar de tantas ausências e omissões? As experiências para as quais nos voltamos suscitam questões sobre abordagens centradas em narrativas, em cidades e seus lugares, em objetos e memórias. Trata-se de um entrelaçamento de histórias e marcas advindas da vida que se cruzam com conteúdos relativos às artes. Muitas são as experiências motivadas por uma idéia de presença na aprendizagem. Paulo Freire foi, sem dúvida, o grande propositor desta abordagem, a qual é voltada para a realidade brasileira - cruel e contrastante. Sua proposição convoca educadores a reconhecer o verdadeiro sujeito da aprendizagem. Freire nos alerta que ensinar não é transferir conhecimento, mas “criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1998, p.52). Traremos para a discussão sobre a dicotomia entre presença e ausência dos sujeitos do processo pedagógico os resultados de pesquisas recentes que temos realizado. Primeiramente, abordaremos processos vivenciados por um grupo de educadores da Licenciatura em Artes Visuais do PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - da Universidade 182 183 Estadual de Londrina (Brasil), turma de 2010/2012. Em seguida, abordaremos pesquisas desenvolvidas junto ao Bacharelado de Artes Cênicas, da mesma Instituição. Em um segundo momento - como parte das atividades da disciplina de Gravura - os estudantes foram estimulados e desafiados ao trabalho criativo. A partir da experiência coletiva de O grupo de estudantes do PARFOR foi composto por quinze educadores, os quais tiveram compartilhamento de histórias e narrativas, os estudantes, com base nos elementos técnicos da como pré-requisito para a sua inserção no programa, o fato de já terem cursado uma primeira xilogravura, puderam fazer com que a experiência relativa à memória e narrativas fossem licenciatura e/ou terem atuado durante, pelo menos, três anos na área de artes. A experiência transformadas em criações artísticas. pedagógica da disciplina de Metodologia e Prática do Ensino de Artes Visuais I e II, ao contrário de Rosângela Almeida Lopes, uma das estudantes, apresentou, enquanto objeto pessoal, as reproduzir tão somente teorias e abordagens diversas, buscou proporcionar, na prática, a vivência de sapatilhas de bailarina, que, há muito, não usava. Trouxe também fotografias de edificações que um sistema, cuja perspectiva, como na visão de Freire, fosse centrada no sujeito-estudante eram caras à estudante por fazerem parte da rotina de estudo e apresentações do balé – entre estas, (FREIRE, 1998, p. 52). Buscamos, assim, formas de proporcionar a investigação prática, que uma imagem do Cine Teatro Ouro-Verde, infelizmente destruído por um incêndio no início de oferecesse ao estudante elementos para a reflexão crítica e formulação de diretrizes para sua 2012. Na cidade de Londrina, a estudante nasceu, cresceu e construiu sua própria história. conduta como professor. O exercício e investigação propostos tomam cidades, lugares, objetos e Como parte do exercício, a estudante apresentou imagens de arte de sua livre escolha, as narrativas como estímulos ao processo dialógico de aprendizagem. A ênfase na indissociabilidade quais mantinham uma relação direta com o objeto. As pinturas impressionistas de bailarinas, de entre teoria e prática, do mesmo modo, é sustentada pelo pensamento de Freire: Edgard Degas, formaram a primeira conexão entre o objeto e a história da arte. Os comentários de Como professor num curso de formação docente não posso esgotar minha prática discursando sobre a teoria da não extensão do conhecimento. [...]. [...] O meu discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos. [...] [Freire, 1998, p.52] Rosângela sobre a experiência do balé atestaram e revelaram um sentido de vivência: horas de ensaio, o trabalho cansativo dos exercícios e o conhecimento vivido no próprio corpo. Buscamos, assim, formas de proporcionar a investigação prática, que oferecesse ao estudante elementos para a reflexão crítica e formulação de diretrizes para sua conduta como professor e como criador. O exercício e investigação propostos partiram de narrativas de cada estudante acerca de objetos pessoais os quais foram trazidos para o ambiente da Universidade. Bibelôs, jogos de chá, fotografias de família, entre muitos outros objetos, formaram uma constelação variada de artefatos, ao redor dos quais, em um primeiro momento, todos foram Sapatilhas e imagem de bailarinas de Edgar Degas trazidas pela estudante Rosângela de Almeida Lopes, como parte do exercício de compartilhamento de narrativas pessoais e imagens de Paula Rego apresentadas em formação como ampliação de repertório. instigados a falar sobre a relação com seus objetos e com imagens de lugares. Este foi o momento, O exercício, que primeiramente fundamentou-se no relato e exposição oral pelos estudantes, como na visão de Ecléa Bosi (1995, p 38), de compartilhar histórias e experiências, de modo a posteriormente adquiriu a forma escrita por meio de depoimento. Em seu testemunho, Rosângela proporcionar o conhecimento mútuo e também de se colocar perante o grupo. Como nas abordagens enfatizou o significado e símbolo que as velhas sapatilhas gastas e sujas representavam: de pesquisa participante, o sujeito desvela a si, seu universo e ao outro; este não ouve somente, mas acolhe. A noção de compartilhamento e confiança mútua encontra eco e sustentação nas observações de Ecléa Bosi, para quem a pesquisa social deve ser um processo fundamentado no encontro com o outro: A pesquisa é um compromisso afetivo, um trabalho ombro a ombro com o sujeito da pesquisa. [...] É preciso que se forme uma “comunidade de destino, para que se alcance a compreensão plena de uma dada condição humana” (Bosi, 1995, p. 38). 184 Eu amo a aparência da minha sapatilha, velha, suja, com as marcas dos palcos e da sala de aula, com o cetim bem gasto na ponta e os elásticos frouxos. [...] Tem as marcas da minha vida, da minha paixão, do que me move até hoje. As lembranças são muito felizes, de um tempo em que podia fazer só isso, viver quase que num mundo de ilusão. [...] Na verdade o meu objeto não fica pendurado no meu quarto como eu afirmei. Ele fica encaixado, uma palmilha dentro da outra. E a fita de cetim amarrada bem firme em volta; é quase um processo de mumificação. E depois vai pra dentro daquele saquinho verde. [...] Na verdade acho que não suporto olhar pra ela, tem muita história ali (LOPES, 2011, p 77-78). 185 O universo de Rosângela, assim como o de todo o grupo, foi ampliado com outras referências apresentadas pelo professor, de modo a estabelecer conexões com outras manifestações artísticas. Imagens da dança de outras culturas e de outros tempos provocaram reflexões e reconhecimento de um sentido histórico da prática individual e pessoal. Dentre as imagens trazidas pelo professor, estava a série As Dançarinas, da artista portuguesa Paula Rego. Assim, de maneira mãe de outra amiga, cuja avó morrera por causa de um tumor no cérebro. Cada objeto carregava muitas marcas de indivíduos que, de algum modo, se relacionavam com a estudante. Em sua avaliação escrita, a estudante promoveu uma reflexão que nos indica a profundidade e alcance de sua experiência: imagens de arte. Por conseguinte, foram buscadas em conjunto maneiras de ampliar o universo Os fios são pedacinhos de nós, de um enraizamento familiar. A instalação nasceu dessa sensação que queria despertar no público, de prisão, dificuldade de caminhar, sair de seu equilíbrio, experienciar maneiras diferentes dentro de um espaço completo de barbantes que formavam um grande labirinto (REIS, 2011, p 2) pessoal e afetivo, de modo a conectá-lo a outros contextos. A experiência compartilhada das No terceiro espaço, encontrava-se a própria estudante completamente envolta por fios que a discussões em conjunto pôde ampliar o universo temático de cada um, sendo a base para isso a prendiam. Ao seu lado estava a panela de ferro de sua avó. Os participantes eram convidados a busca de referências e imagens da arte de vários períodos, inclusive da arte contemporânea. cortar os fios com tesouras que eram oferecidas por colegas ajudantes. Em sua mão, a performer sistemática, cada um dos estudantes desencadeou semelhante processo a partir de seus objetos e As reflexões de Rosângela a respeito do seu próprio processo revelaram o sentido da descoberta e da intersecção entre o pessoal e o coletivo (social) como eixo fundamental da tinha firmemente segura, a garrafa vazia, de translúcido verde escuro. E aos poucos, conforme ganhava liberdade de movimentos, a estudante passava a caminhar entre o público. aprendizagem em arte. Não somente foi importante o resgate de fatos, histórias pessoais e do lugar de origem, ou ainda elementos da história da arte; a experiência criativa que sucedeu o exercício narrativo e reflexivo mesclou o aspecto afetivo e pessoal ao histórico e ao fazer criador. Num processo intenso de cruzamento entre o particular e seu contexto, foi possível desencadear um exercício de reflexão sobre as metodologias do ensino de arte. Semelhante processo foi vivenciado pela estudante Gabriella Reis, que desenvolveu uma pesquisa no Programa de Iniciação Artística (PROART) aliada aos estudos desenvolvidos na disciplina de Interpretação IV, do Bacharelado em Artes Cênicas, da Universidade Estadual de Londrina - Brasil. A experiência de Gabriella foi fundamentada no contato com objetos, memórias e narrativas, de modo a construir um trabalho cênico. Tal experimento resultou em uma instalação Entre - da estudante Gabriella Reis (2011) performativa intitulada Entre. A partir de histórias de família, objetos seus e também de outras pessoas, além de objetos encontrados na rua, Gabriella elaborou um trabalho que unia a instalação à A partir da vivência desta proposta, Gabriella se voltou para o âmbito da família, em busca performance. Esta era, conforme a estudante, uma tentativa de tocar em aspectos da memória e das de antigas histórias, e de uma certa gênese para a própria criação artística. Ao invés de negar ou relações enraizadas que os objetos simbolizam. As relações familiares foram marcas tornadas apagar elementos motivadores da criação, a estudante preservou esta história, ou pessoalidade, de presentes pela estruturação geral do trabalho. A panela de ferro utilizada por sua avó para alimentar modo a compartilhá-la com o público. a família, assim como uma garrafa de vinho encontrada ao acaso na rua, desencadearam tanto ações físicas cênicas, como também o resgate de uma simbologia pessoal. Em seu trabalho, Gabriella articulou um primeiro espaço a ser percorrido pelo público que apresentava uma espécie de labirinto de fios entrecruzados. Somente a partir deste espaço o público podia atingir a segunda instalação – uma sala repleta de objetos variados em que a presença de fios de barbante também era uma constante. Do teto pendiam objetos, formando memórias soltas, porém amarradas. Entre muitos outros objetos, havia um porta-batom antigo da avó de uma amiga, uma armação de óculos, uma faixa de cabelo feita por um tio de uma amiga que está preso, um lenço da 186 A conexão da pesquisa e estudo de Gabriella com a arte da performance foi instantânea. Além das referências e os vínculos estabelecidos com abordagens sobre a criação cênica, Gabriella estabeleceu um diálogo com o pensamento e obra de Lygia Clark, que foi fundamental para o seu próprio processo (CLARK, 1975). Esta experiência prática foi importante porque me fez procurar outras áreas e linguagens fora do teatro, tais como a dança, as artes plásticas, a performance e a música. Pensava em como todas elas poderiam provocar o diálogo que buscava; e que trouxessem uma proximidade entre a primeira instalação e a segunda que era mais aconchegante, fazendo-nos lembrar de cartas, fotos e tantos objetos, que hoje em dia, nas últimas gerações após a minha, ficam um pouco “adormecidos” (REIS, 2011, p 2). 187 O conceito de espectador ativo de Clark foi determinante na relação de seu trabalho com o público (FIGUEIREDO, 1998, p. 72). Neste sentido, a estudante fortaleceu elos com outras linguagens, como a instalação, de modo a situar o teatro em relação a abordagens transdisciplinares. Porém, mais do que uma simples experiência no campo híbrido da arte contemporânea, A proposta de Gabriella buscava tirar o espectador de seu papel passivo, trazendo-o para a ação e compartilhamento. O espaço pessoal de Gabriella foi aberto e oferecido, de modo a ser compartilhado com outras pessoas. A proximidade física e inserção na obra acarretaram uma vivência de resgate de intimidades dos sujeitos participantes; tanto artista como participante foram confrontados por temas cruciais no contexto social da atualidade: a memória, a família, o esquecimento. Considerações finais Reconhecer a presença do estudante nos processos de aprendizagem não é uma tarefa fácil, especialmente num contexto em que a exclusão tem sido constituída de maneira sutil e enraizada. Uma metodologia voltada para a presença, como identificamos nas experiências descritas acima, diz respeito à atribuição de um sentido outro para a aprendizagem, que vai muito além da mera assimilação de conteúdos. Trata-se, sobretudo, de reconhecer no estudante o sujeito que constrói o conhecimento, num constante diálogo entre o seu universo particular e aquele mais abrangente proporcionado pelo saber instituído. Acreditamos que a história da arte, os códigos e técnicas artísticas ganham um novo sentido, quando entrelaçados à bagagem cultural e social do estudante. O diálogo entre estes vários aspectos do saber conduz a uma construção mediada pela inclusão e sentido de localização e pertencimento. Entra-se na história da arte, ou nos espaços legitimados de seu saber, de modo a atribuir valor ao espaço pessoal da experiência. O que é apreendido é incorporado a este espaço, de modo a se estabelecer vínculos e transformações pessoais no contexto imediato do sujeito. Há neste sentido, uma aproximação maior entre a escola e a vida. O estudante é, assim, chamado a posicionar-se no espaço escolar, trazendo consigo histórias, narrativas e também a noção de lugar, que o localiza no tempo e espaço. Isto difere radicalmente, de um ensino enfoque sobre técnicas e assimilação de conteúdos, ou ainda sobre uma noção cronológica da história da arte. A construção do conhecimento em arte, seja ele técnico ou discursivo, deve ser desencadeada a partir da localização da presença dos sujeitos da aprendizagem, em seu constante encontro compartilhado no espaço escolar. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. CLARK, Lygia. “Da supressão do objeto (Anotações)”. Catálogo da Fundação Antoni Tàpie, trad. e aquivo da A. C. o Mundo de Lygia Clark. Navilouca. Rio de Janeiro, 1975. FIGUEIREDO, Luciano (ed). Lygia Clark – Hélio Oiticica – Cartas – 1964-74. Rio: Editora UFRJ, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1998. GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Antropologia dos Objetos: coleções, museus e patrimônios, Rio de Janeiro, Julho de 2005. GOODSON, Ivor . Currículo, narrativa e o futuro social. IN: Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 35 maio/ago. 2007. Tradução: Eurize Caldas Pessanha e Marta Banducci Rahe. Revisão técnica: Elizabeth Macedo. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n35/a05v1235.pdf. acesso em 12 de Março de 2012. __________. Dar voz ao professor: As Histórias de Vida dos Professores e o seu desenvolvimento Profissional. In: NÓVOA, António (Org). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, LDA, 1995. JOSSO, Marie Christine. Experiências de Vida e Formação. São Paulo / SP, Cortez Editora, 2004. LOPES, Rosângela Almeida. (Depoimento) In OLIVEIRA, Ronaldo Alexandre. Por uma história íntima do objeto (manuscrito). Londrina: Departamento de Arte Visual, UEL, 2011. NÓVOA, António (Org). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, LDA, 1995. REIS, Gabriella. Relatório de “Entre” – PROART. Londrina: Departamento de Música e Teatro, UEL, 2011. que busca excluir a bagagem pessoal do educando, e que apaga o contexto ou entorno social e cultural de seu sujeito. A metodologia da presença que vislumbramos há que ser erigida nos termos do diálogo entre os vários âmbitos culturais que envolvem a aprendizagem. Ao invés de abordagens padronizadoras de conteúdos e procedimentos, somos instigados, à luz de tal perspectiva, a delinear planejamentos e estratégias de ensino que, obrigatoriamente, sejam situadas em seu contexto específico. A busca por uma metodologia da presença não poderia, assim, ser delineada a partir do 188 189 PROPONDO DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO EM ARTE/EDUCAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA investigador. No entanto, entendo que o trabalho de investigador, como o de educador, ou ainda de um professor como pesquisador, concilia uma dose de ousadia e ao mesmo tempo de adaptação ao meio. Este artigo refere-se a duas diferentes experiências que tive como docente, na Erick Orloski formação de estudantes de graduação, em cursos de licenciatura em artes, sendo uma Doutorando Instituto de Artes/UNESP (Brasil) na área de música e outra na de artes visuais. Em comum, as experiências tiveram o intuito de propiciar um aprendizado a partir da experiência, numa perspectiva de construção coletiva do conhecimento, tratando da relação da arte/educação com RESUMO O artigo traz reflexões a partir da prática docente do autor, na formação de professores de artes, com foco em duas experiências: com estudantes de música, da UNESP, em 2009; com estudantes de artes visuais, no Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo, em 2011. Apesar de contextos distintos, as experiências comungaram do objetivo de provocar encontros dos futuros docentes com produtos culturais em trânsito entre o popular e a cultura de massa, tais como a Cultura Hip-Hop e gêneros musicais brasileiros de forte apelo comercial, numa perspectiva educacional intercultural e pautada pela experiência estética, discutindo preconceitos e estereótipos. As reflexões dialogam com autores como Dewey (2010), Larrosa (2004), Freire (2011), Rancière (2010) e Aguirre (2011). Palavras-chave: arte/educação; experiência; investigação. Não é fácil confeccionar uma roupa para quem não para de se mexer e muda de forma e lugar constantemente. (AGUIRRE, 2009, p. 157) manifestações culturais em trânsito entre conceitos como cultura local, cultura popular e cultura de massa. Estas experiências também tiveram o intuito de provocar estranhamento e desconforto em relação ao que é dado como normal em relação às culturas na escola. Como não seria possível a descrição detalhada, enfatizo minhas reflexões justamente nos desconfortos causados por estes processos que, em minha avaliação, levaram ao que John Dewey (apud ORLOSKI, 2005, p. 160) coloca como “o verdadeiro pensar termina por uma apreciação de novos valores”. Desconforto nº 1: Este não é o lugar para eu escrever a minha história (ou como sempre escrevi) Seguindo a linha de trabalho que desenvolvi no mestrado, assim como em alguns Ao enviar o resumo de trabalho para este evento, o texto não se encontrava totalmente textos depois, eu iniciaria relatando sinteticamente um pouco da minha formação e pronto, tendo em vista haver ainda tempo para melhor elaboração das ideias. Contudo, trajetória até as experiências em questão. Mas me ocorreu que, além de não haver ao me deparar com um bloqueio da escrita e a preocupação se o texto estava se espaço suficiente, isto poderia interessar muito pouco ao leitor neste contexto. adequando ao formato e temática propostos, reli a apresentação do II Encontro O que é fundamental dizer é que tenho graduação em educação artística e no mestrado Internacional sobre Educação Artística e me deparei com o convite ao desconforto de pesquisei a formação de educadores em instituições culturais (ORLOSKI, 2005), onde questionar o que é dado como "natural" e que tende à disciplinação do trabalho do ocorre um encontro com as ideias de Dewey, sobretudo em relação ao conceito de investigador. experiência. Mas outro encontro, já em meu exercício de docência, viria a ser Provocado, optei por começar um novo texto, partindo da mesma premissa e obedecendo ao resumo aceito, mas me lançando ao desconforto proposto. Obviamente, ao permanecer num formato de texto acadêmico, fazendo uso de citações e afins, em parte estou cumprindo com o que tende à “disciplinalização” do trabalho do 190 igualmente muito transformador: com as ideias de Paulo Freire. As experiências que aqui relato, possuem grande influência destes autores, assim como minha pesquisa de doutorado, em andamento, com tema: Experiência e emancipação, um diálogo entre arte, educação e cultura visual. 191 sem valor. Escolhi os gêneros – propositadamente – e fiz um sorteio entre os grupos: a) Desconforto nº 2: por que não agimos como pesquisadores cotidianamente em Samba e Pagode; b) Música Romântica e Sertaneja; c) Hip-Hop e Funk; d) Axé e Forró. nossas aulas? As questões sobre metodologia do ensino de arte foram muito importantes neste Estas experiências sobre as quais desenvolvo reflexões, não haviam sido registradas processo, mas aqui ressalto apenas outro aspecto resultante, ainda mais importante: a no momento em que aconteceram. As reconstruo aqui a partir da memória – e apenas revisão e a quebra de preconceitos. sob o meu ponto de vista – me valendo do fato de serem relativamente recentes. Já faz Nas avaliações desenvolvidas coletivamente, as opiniões foram diversas, mas algum tempo que muito se veicula sobre a importância do trabalho do professor convergiram num ponto: de que se lançar ao um olhar investigativo para aqueles enquanto pesquisador, a exemplo do próprio Paulo Freire (2011, p. 30.): gêneros musicais, numa perspectiva educacional, permitiu sair da esfera do estereótipo [...] que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca a pesquisa. e entender estes como produtos culturais em sua complexidade, independente da qualidade musical, o que pode abrir muitas possibilidades pedagógicas. Citando apenas um exemplo, uma interessante reflexão surgiu na turma sobre o quanto Tenho então me percebido como não praticante do registro de minhas experiências o rap cumpre hoje, no contexto das metrópoles brasileiras, um papel muito similar ao numa perspectiva de pesquisa, mesmo não acadêmica. E suponho – sem base samba no início do século XX, sobretudo de denúncia social. A possibilidade desta científica nenhuma – que, ao menos no Brasil, boa parte dos professores também não discussão junto a um grupo de adolescentes pode provocar, em tese, a abertura e possuem esta prática regular, incluindo os do ensino superior. É claro que o registro é ampliação de referências estéticas, históricas e sociais. Mas para isto, convém antes o apenas uma característica possível a um professor enquanto pesquisador. Mas deixo educador estar também aberto à ampliação de seus próprios referenciais, lançando uma pergunta: quantas ricas experiências deixam de ser compartilhadas por conta sobre a cultura do educando um olhar investigativo, para além de preconceitos, desta falta? estereótipos e generalizações. Mas questionei: o quanto eu mesmo me lançava ao desconforto, para ampliar os meus Desconforto nº 3: Provocando desconfortos próprios referenciais? Em 2009, tive a oportunidade de lecionar como professor substituto por um semestre a disciplina Fundamentos do Ensino de Arte para alunos da Licenciatura em Educação Musical, no Instituto de Artes/UNESP. Logo em meus primeiros contatos com a turma, presenciei uma discussão sobre o valor da música comercial frente à música tida como culta, tanto erudita como popular. Isto me inquietou. O curso seguiu no decorrer do semestre e, ao final, propus um trabalho para avaliação onde todos deveriam, em grupos, preparar uma aula para o restante da turma, colocando em prática aspectos metodológicos que foram estudados, referentes ao ensino de arte. Mas o conteúdo central a ser trabalhado por cada grupo seria um gênero da música comercial brasileira, presente no universo escolar infanto-juvenil, de modo a abordar o mesmo, sem necessariamente fazer apologia, nem tratá-lo como algo 192 Desconforto nº 4: do desconforto individual para a provocação coletiva Desde antes da experiência de 2009, venho buscando o exercício de uma educação intercultural. Mas sempre ao abordar as questões das culturas urbanas, permanecia no conforto de apenas em teoria valorizar a cultura Hip Hop, mas nunca me interessando verdadeiramente pela mesma. Na verdade, a origem norte-americana e grande exposição na mídia me causavam um forte sentimento de negação de interesse pelo Hip Hop, ainda que não tivesse plena consciência disto antes. Foi então que em 2011, ao lecionar uma disciplina sobre interculturalidade para alunos de Licenciatura em Artes Visuais no Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo, pude propor a todos – e principalmente a mim mesmo – um desafio. Após estudar e 193 discutir com a turma cultura e interculturalidade na arte/educação, propus uma pesquisa coletiva sobre a cultura Hip Hop, onde cada grupo se aprofundou em um aspecto diferente. Para alguns o envolvimento foi mais simples, por já estarem ligados a esta cultura. Para outros, um exercício de reflexão sobre seus próprios preconceitos, como por exemplo, a discussão entre os limites ente o público e o privado nas relações de aproximação e distanciamento entre o grafite e a pichação. A participação da turma, bem como as avaliações sobre as quebras de preconceitos foram bastante similares às da experiência de 2009. Mas pude perceber um diferencial em minha própria postura neste processo, saindo da uma posição de quem simplesmente aconselha, e de fato enfrentando meus próprios preconceitos, na busca de superação dos mesmos, num exercício de investigação conjunto com os educandos. Pude me sentir, ao menos parcialmente, como Joseph Jacotot, o mestre ignorante AGUIRRE, I. Imaginando um futuro para a educação artística. In: TOURINHO, I.; MARTINS, R. Educação da cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria, RS: UFSM, 2009, p. 157-188. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. LAROSSA, Jorge. Experiência e paixão. In: Linguagem e educação após Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. ORLOSKI, Erick. Diálogos e reflexões com educadores: a instituição cultural como potencialidade na formação docente. 2005, 203 p. Dissertação (Mestrado em Artes) UNESP. São Paulo. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Erick Orloski é brasileiro, bolsista da CAPES e obteve apoio da Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes/UNESP – onde é doutorando – e do centro Universitário Estácio Radial de São Paulo – onde é docente – para participação no II Encontro Internacional de Educação Artística (2EI_EA), em abril 2012, na cidade do Porto, Portugal. revelado por Rancière (2010). Prazerosamente desconfortável Apesar de ser mais confortável conduzir a prática docente focando apenas nos conteúdos, ao reconstruir estas experiências, reconheço prazer nos desconfortos que propus e que me propus. Mesmo com objetivo claro da construção coletiva do conhecimento junto aos grupos, posso ter clareza apenas da minha experiência, como “aquilo que nos passa, ou nos toca, ou nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação” (LARROSA, 2004, p.163). Como educador, pretendo continuar a propiciar continuamente experiências que formem e transformem todos os seus envolvidos, sobretudo a mim mesmo. E, com registros como este, poder provocar experiências que passem, toquem ou aconteçam aos leitores. E os leitores? Estão abertos a suas próprias transformações? Bibliografia 194 195 Indisciplinar a Geometria: A escola é aqui entendida como o aparelho de exercício do controlo, no sentido em O saber geométrico e a geometria como saber que Foucault (2004), em analogia com as prisões, hospitais ou outras instituições totais Ricardo Manuel Lopes de Pinho (Goffman, 1974), alude à organização de dispositivos de disciplina que lhe são próprios. Como Outubro de 2012 por exemplo, a arquitectura que caracteriza uma escola; a de um espaço reservado, complexo e hierarquizado, símbolo da representação física do poder de disciplinar e controlar. O presente texto configura-se sob a forma de um ensaio sobre a actual condição da geometria na escola. Ensaio que se desenvolve sob a perspectiva de que as Assim, a escola é aqui vista como uma organização disciplinar que se apresentou favorecedora a operar uma apropriação do conhecimento geométrico, na medida em que o circunstâncias que determinam a forma como a geometria se situa na escola, e fora dela, fez passar por processos de filtragem que o ajustaram às necessidades sentidas e exigidas resultam desta ter sido gradualmente submetida a processos de universalização que a pelas sociedades industriais. Sociedades tecnologicamente avançadas que, sobrevindas do filtraram, polinizaram e disciplinaram. Isto, para que pudesse ser apresentada e distribuída fenómeno que foi a Revolução Industrial (século XVIII), careciam de quadros técnicos às populações, na proporção estritamente necessária à formação de quadros técnicos, indispensáveis à concretização de um determinado ideal de sociedade. capazes de levar a cabo um determinado ideal de sociedade. Deste modo, a geometria, Encarado como expressão subsidiária dos desígnios da mais original e rudimentar ramo da matemática, potencialmente repleta de quadros operativos de carácter técnico e geometria, o saber geométrico foi ao longo dos tempos domesticado, categorizado e científico, passa, na escola, a ser maioritariamente olhada como uma tecnologia disciplinar, posto ao serviço de representações sociais. Empreende-se, então, um esclarecimento de posta ao serviço desse ideal. como a geometria como saber se instituiu, e se continua hoje a travestir quase exclusivamente como instrumento axiomático de preceitos utilitaristas. Ora, o título – Indisciplinar a Geometria – pode parecer que revela uma certa aversão e insubordinação em relação à geometria enquanto área curricular, que ao longo dos tempos se travestiu de dogmas e axiomas, se doutrinou e traduziu em saber As reflexões que se seguem procuram conjecturar sobre o porquê, o como e o para quê indisciplinar a geometria. Assim, na medida em que a geometria é, na escola, uma tecnologia disciplinar, decorre do aparecimento da própria escola como instituição de regulação e controlo de pessoas. Um tipo de organização cujo aparelho imobiliza e faz compreender, nos seus espaços-tempos, os indivíduos que a integram, mantendo as suas vidas constantemente ocupadas (Varela e Alvarez-Uria, 1992). Olhando, não só, mas principalmente, os alunos sob determinadas perspectivas psico-pedagógicas e sociológicas. A escola apresenta-se, assim, como uma máquina disciplinar cuja engrenagem possibilita o controlo dos seus utentes-agentes. Contudo, a escola como hoje a conhecemos não existe desde sempre, daí a necessidade de neste enquadramento teórico ser apontada e estabelecida uma origem. Por conseguinte, «(...) esta maquinaria de governo da infância não apareceu de súbito, mas, ao invés disso, reuniu e instrumentalizou uma série de dispositivos que emergiram e se configuraram a partir do século XVI.» (Varela e Alvarez-Uria, 1992: 68), designadamente no seio de estruturas religiosas. Desde então que, um pouco por todo o lado, se fez da escola um lugar de passagem obrigatória, visto como um espaço privilegiado de socialização e ressocialização entre professores, crianças, adolescentes e mesmo adultos1. 1 Estes princípios de obrigatoriedade são consubstanciados em diplomas como a “Declaração Universal dos Direitos do disciplinado. Todavia, este pretende ser principalmente uma reflexão sobre a expropriação de significado a que o saber geométrico foi votado, tendo servido como simples instrumento abonatório de concepções e representações sociais. Hoje, percebemos que estas representações se manifestaram na forma como as primeiras sociedades conhecidas se organizaram, ao adoptarem, por exemplo, o círculo ou a pirâmide como imagens estruturadoras das suas dinâmicas hierárquicas. Sendo que, isso é mais perceptível nas sociedades renascentistas ou modernas por decerto dizerem respeito a períodos bem documentados, e porque sob o ponto de vista cronológico e geográfico, nos são mais próximos. Por tal, importa ressalvar que o termo indisciplinar não surge no título para, de alguma maneira, fazer sublevar a geometria, reconfigurando-a e fazendo dela um campo de rebeldia e desobediência; nem tampouco fazer a apologia da presença, do interesse ou da importância da geometria na escola. Até porque, ela é efectivamente preponderante, e ainda que se tencione excluir a geometria dos desenhos curriculares enquanto área disciplinar, ela tenderá a persistir sob outros moldes. Trata-se, sobretudo, de fazer uma análise desta área do saber não a descategorizando por completo, mas evitando ficar limitado aos rótulos e significâncias de que foi alvo ao longo dos tempos. Às quais de alguma maneira se prestou, fazendo delas o seu alicerce e aparentemente tirando partido disso para se certificar e legitimar. Homem” e na “Convenção sobre os Direitos da Criança”, que vigoram, respectivamente, desde 1948 e 1990. 196 197 Para tornar inteligível as reflexões aqui desenvolvidas, parte-se da definição e se desenha uma figura com essas características e nessas condições, não se pretende relação de paridade entre as expressões que formam o subtítulo deste texto. Que definem apresentar o quadrado em si, mas evocar através da sua representação a forma ideal de áreas enquadradas no âmbito do saber geométrico e da geometria como saber. quadrado. Assim, parte-se do princípio de que o saber geométrico tem sido segregado, Significa, então, que, qualquer demonstração desta natureza, rigorosa ou não, representado e distribuído nas escolas de forma disciplinada, através do que considero ser a manual ou electrónica, se baseia em ideais geométricos arcaicos que inevitavelmente lhe geometria como saber, isto é, a representação da geometria presente em quaisquer áreas são próprios e estão subjacentes. Isto é, um quadrado irregularmente desenhado, de forma curriculares disciplinares. Neste sentido, as reflexões desenvolvem-se enquadradas no seio tremida, não deixa de ser um quadrado simultaneamente sensível e puramente objectivo. destas duas áreas, bem como no que existe ou pode existir em seu redor e que com elas mantenham relações de afinidade. Por conseguinte, convém encetar o esboço do que se pode entender e está subjacente à concepção de saber geométrico, área na qual se agrupa todo o tipo de Por seu turno, a geometria como saber é a parte do saber geométrico que apresenta e representa a geometria na escola, instituída nas aulas não só de “Geometria Descritiva A”, “Educação Visual” e “Desenho A”; mas, também, de “Matemática”, “Geografia”, “Inglês”, ou de quaisquer outras disciplinas. experiências desta natureza que ocorram no decurso das nossas vidas. Assim, admitindo Através desta concepção organizativa de separação, é notório que a escola que tudo quanto nos rodeia reproduz ou traduz princípios geométricos, somos levados a promove uma relação de carácter enciclopédico com os saberes, porque continuam a ser pensar que ao longo da nossa existência enquanto espécie fomos tendo deles consciência. apresentados em áreas circunscritas e disciplinadas. Equivale isso dizer que, todo o indivíduo é possuidor, num dado momento, ao mesmo tempo que o vai construindo, de um saber geométrico. Deste modo, a forma como a distribuição dos saberes está organizada, faz com que lhes sejam atribuídos e demarcados territórios de jurisdição quase exclusiva. Essa Deste modo, o saber geométrico desenvolve-se mantendo uma relação directa com distribuição, com efeito, influencia o entendimento que os alunos fazem do seu próprio o encadeamento das experiências acumuladas ao longo da existência de cada indivíduo. conhecimento, composto por quaisquer saberes, incluindo o saber de âmbito geométrico. Ao Pois, quase todas, senão todas as coisas que nos envolvem, porque impregnadas de valor ser-lhes transmitida a ideia de que, para serem bem sucedidos, também eles podem e geométrico, são passíveis de representar ou expressar princípios da geometria. devem criar esses compartimentos nas suas cabeças. Mesmo que isso lhes dificulte a O que se pretende afirmar com tais proposições é que todas as culturas construíram uma ideia de saber geométrico que fosse mais ou menos comum aos indivíduos relação e articulação entre saberes, pondo assim em causa a possibilidade de levarem a cabo uma construção autónoma e razoável do seu conhecimento. que as constituíam. Considerando que os saberes são, na escola, apresentados como ilhas que constituem arquipélagos, isto é, como áreas que integram uma determinada estrutura «Colocaria, Platão, já estas questões? O Ménon fez reconstruir por um ignorante, de quem se diz que se lembra disso, uma sequência demonstrativa respeitante à diagonal do quadrado. A favor da cadeia das razões geométricas, a comunicação restabelece-se com um mundo esquecido. curricular, pode assim estabelecer-se-lhes uma analogia sob o ponto de vista da geologia, a partir dos fenómenos de actividade tectónica. Ora, sabe-se que a superfície terrestre está dividida em placas tectónicas – a (...) Uma demonstração mais contemporânea do mesmo teorema encontrará a existência de uma matemática arcaica subjacente, (...)» (Serres, 1997: 16). Podemos, assim, com base na reflexão do excerto transcrito, dizer que, independentemente da nossa cultura de origem, sejam quais forem as diferenças que nos distinguem e fazem de nós pessoas únicas, é certo que todos conseguimos argumentar e demonstrar em substância, ainda que de modo diferente, a descrição gráfica ou algorítmica da diagonal de um quadrado. Assim, o desenho de um quadrado realizado sem o recurso a material de apoio aos traçados é simultaneamente susceptível de um sentido puramente rigoroso, porque quando 198 litosfera – que são instáveis, porque se encontram sob uma camada maleável – a astenosfera. Assim, as ilhas que formam um arquipélago, aproximam-se ou afastam-se mediante o ponto da placa tectónica em que se situam. Pois, algumas das placas têm movimentos convergentes (aproximam-se), outras têm movimentos divergentes (afastamse) e outras têm movimentos de cisalhamento (deslizam uma ao lado da outra)2. 2 O arquipélago dos Açores, por exemplo, situado em pleno oceano atlântico, está sobre um limite divergente entre a placa tectónica norte-americana e a placa tectónica euro-asiática. As ilhas das Flores e do Corvo situam-se sobre a placa norteamericana, e as restantes ilhas do arquipélago estão sobre a placa tectónica euro-asiática. Como o limite entre estas placas é divergente, significa que as ilhas das Flores e do Corvo se afastam das restantes ilhas. Por outro lado, as ilhas que partilham a mesma placa, não se afastam nem se aproximam. 199 Por conseguinte, exemplo da dificuldade que os alunos manifestam em articular No que diz respeito à geometria como ciência, trata-se da pesquisa levada a cabo elementos aparentemente díspares, é o de criarem resistências a associar uma determinada por investigadores especializados, dedicados a esta área do conhecimento. Porém, prática à respectiva teoria, ou uma teoria à prática correspondente, que, naturalmente, importa prevenir que, como a propósito refere Umberto Eco (2007), por vezes confundimos dependem uma da outra. De facto, é frequente não conseguirem descrever, pela palavra tecnologia com ciência, da qual a tecnologia é seguramente uma aplicação ou escrita ou oral, a expressão concreta de uma qualquer realização prática por eles levada a consequência5. cabo. É como se estivessem diante de dois saberes paralelos, sem relação entre eles, em Quanto à geometria como saber, é constituída por um território reservado sobretudo que prática e teoria estão desligadas uma da outra. De forma semelhante, mostram aos procedimentos gráficos ou sistemas de representação gráfica rigorosa, tidos como dificuldades em articular conteúdos leccionados em diferentes disciplinas, mas pertencentes instrumentos idóneos e meios difusores do que entender por geometria na escola. Dito de a uma mesma estrutura curricular. outro modo, é a geometria vista como um acumular de técnicas operativas ou modos É consensual que, os saberes são meios através dos quais os alunos constroem um entendimento do que os envolve, ao invés de se apresentarem como obstáculos que os específicos de proceder; que a caracterizam e fazem apresentar e representar como uma tecnologia disciplinar. tornam cativos de definições e práticas ausentes de sentido. É, por isso, fundamental ter em Com efeito, a questão sobre a qual importa reflectir é: consideração que as informações que lhes são transmitidas não são os únicos factores a O que entender da geometria depois de se conhecerem os cálculos e determinar o seu entendimento e a formar o seu conhecimento. Aquilo que já sabem de procedimentos gráficos rigorosos? experiências anteriores permite-lhes dar um significado a coisas com as quais contactam pela primeira vez. Lembremo-nos, a propósito, do episódio que “l'enfant Ernesto”3 descreve aos pais quando se lamenta de na escola só ensinarem coisas de que ele ainda não sabe. É ainda relevante referir que no enquadramento destas reflexões, polissémica, a geometria se constitui como quaisquer manifestações de natureza geométrica. Das quais fazem parte o saber geométrico e a geometria como saber, na qual se inclui qualquer No esboçar de uma resposta, é dada prioridade e privilégio à área do saber geométrico, devido à importância que lhe é reconhecida, pois temos dele consciência desde que nos conhecemos. E, porque, como área de acepção abrangente, o saber geométrico, permite-se a acolher, total ou parcialmente, também, os dogmas, os axiomas e as proposições da geometria como saber. procedimento ou cálculo geométrico, e onde também se inscrevem os sistemas de representação gráfica rigorosa4. Assim, no desenrolar das reflexões são ponderadas três dimensões da geometria: i) o saber geométrico, como o conhecimento baseado no conjunto de dados proporcionados através da relação que é garantida entre uma pessoa e o meio que a envolve; ii) a geometria, Significa isto dizer que, a geometria é uma linguagem enraizada na nossa cultura, faz parte de nós, está presente nos nossos quotidianos e traduz a forma como nos relacionamos com os espaços e os objectos. Portanto, urge problematizar a geometria, no sentido de pensar possibilidades de abordagens alternativas às que continuam actualmente a ser realizadas na escola. correspondente a todo um corpo de postulados e desenvolvimentos científicos levados a cabo por especialistas da área; iii) a geometria como saber, no sentido de uma área curricular disciplinar programada, com finalidades e objectivos a atingir e competências a adquirir. O saber geométrico, por conseguinte, pode ser identificado nas acções mais triviais do quotidiano, como aquando da condução de um veículo se realiza uma mudança de Envolta por paradigmas emergentes em contínua efervescência, problematizar os motivos que incitam à questão das circunstâncias da geometria nos currículos, pode revelarse vantajoso para que a geometria adopte outros posicionamentos que a ajustem e fundamentem, restituindo-lhe um certo, embora esquecido, carácter poético que se lhe pode reconhecer. direcção à esquerda, em que o conceito de perpendicularidade é evocado e traduzido através da trajectória do veículo. Todavia, a geometria como saber, ao conceber o aluno como aprendiz de um qualquer procedimento geométrico ou sistema de representação gráfica rigorosa, com o objectivo de no futuro ser capaz de desempenhar um dado ofício, e não como uma pessoa 3 Personagem do filme “En Rachâchant”. 4 Entenda-se por sistemas de representação gráfica rigorosa, pelo menos aqueles que até aos dias de hoje se conhecem e reconhecem enquanto tal. Designadamente, o sistema de perspectiva central (ou de projecção cónica), o sistema de com interesses particulares, mutila barbaramente o clima de libertação interior que uma geometria intuída pode propiciar. perspectiva axonométrica, o sistema de projecção de planos cotados, e o sistema de dupla projecção ortogonal (também conhecido por geometria descritiva ou geometria mongeana). 200 5 Reflexão desenvolvida em “A Passo de Caranguejo”, no subcapítulo “Ciência, tecnologia e magia”, pp. 116-124. 201 A geometria é uma área do saber que se presta e convida à contemplação, A CONTRIBUIÇÃO DE VYGOTSKY PARA A EDUCAÇÃO EM MUSEUS DE ARTE promovendo a expressão livre do indivíduo; o que nos leva a pensar que, com as nossas concepções e atitudes em relação à geometria, talvez estejamos a negligenciar ou a impossibilitar o aparecimento de outras geometrias. Julia Rocha Pinto O trabalho educativo realizado em muitos museus brasileiros hoje tem adotado uma postura reflexiva, no qual o educador é conhecido como mediador entre o público e a obra. Mas de onde veio este conceito de mediação? Ele é próprio para descrever as ações educativas no campo não formal? Será que todo educador de museu é um mediador cultural? Este texto busca entender estas questões, problematizando a arteeducação realizada nos museus. Os museus são espaços de educação. A própria definição do Comitê Internacional dos Museus, o ICOM (2001) coloca o papel educativo destas instituições definindo que museu é “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos materiais e imateriais dos povos e seu ambiente”. A educação desenvolvida nos museus é, em muitas instituições, denominada como mediação cultural, e nesta concepção se compreende que o educador de museu, o mediador, é aquele que está presente na triangulação entre o público e o objeto exposto. Neste triângulo não existe vértice com mais força ou maior potência, existe uma relação dialética entre os sujeitos envolvidos na ação educativa. REFERÊNCIAS ECO, Umberto (2006) – A Passo de Caranguejo. Lisboa: Difel, 2007. FOUCAULT, Michel (1975) – Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. GOFFMAN, Erving (1961) – Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. SERRES, Michel (1993) – As Origens da Geometria. Lisboa: Terramar, 1997. Este entendimento de mediação não encerra a visita ao espaço cultural a uma ação que pretende obter informações ou conhecer detalhes dos objetos expostos, mas como uma abertura a leitura e a interpretação dialógica da obra de arte. Miriam Celeste Martins e Gisa Picosque (2008) se referem à prática educativa dizendo que mediar é, portanto, propiciar espaços de recriação da obra. A recriação está na multiplicidade de leituras que podem surgir dos leitores, público e mediador, e também da conversa entre estes indivíduos. VARELA, Julia e ALVAREZ-URIA, Fernando (1992) – “A maquinaria escolar”, in Teoria & Educação, n.º 6, pp. 68-96. A mediação cultural busca também desempenhar o papel de formar o público que Aviso – “Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948”, in Diário da República – I Série, Número 57 – 9 de Março de 1978, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 488-493. http://dre.pt/pdfgratis/1978/03/05700.pdf, 21/12/2011. Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 – “Convenção sobre os Direitos da Criança”, in Diário da República – I Série, visita estes ambientes, buscando a autonomia do visitante e abrindo espaços de reflexão. Conforme Rejane Coutinho (2007, p. 56) “a orientação da mediação cultural é fundada sobre a vontade de restituir ao público e de compartilhar com eles um patrimônio cultural N.º 211 – 12-9-1990, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 3738(2-20). comum, ou seja, artístico, arquitetônico, histórico etc. Fundada também no desejo de http://dre.pt/pdfgratis/1990/09/21101.pdf, 15/12/2011. acesso à cultura por todos”. HUILLET, Danièle e STRAUB, Jean-Marie – En Rachâchant. [7'] França: Diagonale – Lʼinstitut nationale de lʼaudiovisuel, 1982. 202 203 cuidado para não achatar diferenças, para não abolir as distâncias de tempo e espaço. O mediador cultural abre brechas de acesso ao público, apresentando o seu estudo sobre os conteúdos expostos, mas também dando ao visitante a possibilidade de enriquecer as leituras com o seu repertório. A pergunta é uma chave de contato que busca estimular no espectador a noção de pertencimento àquele espaço e àquela ação educativa. O espectador das instituições culturais precisa ter autonomia de escolha e sentir-se apto para escolher o enfoque que será dado na visita. Barbosa (2009, p. 17-8) afirma que “o educador de museu precisa dialogar com os interesses de cada grupo e, se possível, Desta forma, o educador é a figura que abre ao público a possibilidade de se questionar dentro do museu. Se questionar sobre seu repertório de imagens, sobre a de cada sujeito observante. É o observador que deve escolher o que analisar com a ajuda do mediador”. figura do mediador naquele espaço, sobre os objetos selecionados, sobre a forma, a cor, o enredo, o contexto; “a função da pergunta é levar a pensar, estimular associações e interpretações”, tal qual afirma Ana Mae Barbosa (2009, p. 20). Concebe-se, portanto, a ação educativa e cultural como uma política social e de caráter público. Afinal, o objetivo de atuação dos museus hoje em dia é muito mais a Todas estas premissas de diálogo, de ação criada coletivamente e de escuta são recorrentes quando nos referimos ao educador de museus como um mediador cultural. Porém, quando os museus e espaços culturais se viram diante da necessidade de ter um membro de sua equipe responsável por receber o público, este profissional inicialmente era conhecido como guia. postura de agenciador cultural e histórico. Ser um guia incumbia saber e decorar o maior número de informações acerca de Para Martins (2005, p. 44), “a mediação, mais do que estar entre uma pessoa e um determinada obra ou tema; e diante do público colocar-se como o detentor daquele objeto talvez seja estar entre possibilidades de encontros, com qualidade e intensidade, conhecimento, oferecendo informações. Este profissional era aquele que guiava; ele para ampliar conexões possíveis e uma interação especial”. O encontro entre educador e passava dados e detalhamentos. Conforme Barbosa (2008, p. 31), o termo “visita guiada público torna a mediação cultural uma prática de troca, em que todos participam, pressupõe a cegueira do público e a ignorância total”. Parte-se do pressuposto que o interagem e acrescentam ao repertório do outro, ouvindo também sobre a experiência público não tem nada a oferecer para um diálogo. A leitura da obra de arte e do espaço individual. expositivo que poderia ser proveniente do espectador é ignorada e excluída deste tipo de A noção de mediação pode levar a ideia de que o trabalho do educador é ficar visita. como ponte entre visitante/espectador e a obra de arte. Mas o posicionamento que A diminuição da figura do educador de museus restringe seu papel ao de oferecer defendo é o de que o educador está junto nesta atuação, é participante, coautor do respostas para questões presentes nas obras, como se isso fosse passível de tal diálogo realizado diante da obra. Martins (2010, p. 119-20) também questiona a mediação reducionismo. como ponte, afirmando que o exercício educativo no museu é um estar entre: Cada vez mais penso a mediação como um “estar entre muitos”, superando a situação dual da mediação compreendida como ponte. “Estar entre muitos” implica perceber cada um que trazemos ao museu, seja nossos alunos, amigos ou familiares. Ouvir os desejos por melhor apreciar determinados objetos, obras ou conceitos, abrir um espaço de silêncio para que as sensações pessoais possam ser percebidas, provocar a rica troca entre os olhares e saberes de cada um, pode ampliar o contato com a arte. [...] “Estar entre muitos” é gerar conversas que ampliem as significações, os pontos de vista que provocam as diferenças, seja do mediador, do professor e do público, como também do curador, do desenho museográfico, dos textos nas paredes, da recepção silenciosa dos que estão “guardando” a instituição cultural. “Estar entre muitos” é rechear a conversa também com os pontos de vista dos teóricos que escreveram sobre o que ali vemos ou pensamos sobre arte e que nos alimentaram e fundamentaram nossos próprios saberes, com os textos escritos na mídia sobre a exposição, cientes da condição babélica, da impossibilidade de traduzir, do 204 Com o passar do tempo percebe-se uma mudança, ou seja, este profissional que conduzia a visita não determinava mais tantos limites para o espectador, mas ainda o comandava dentro do espaço. Nesse momento, a nomenclatura utilizada para designá-lo passou a ser monitor. O monitor é aquele que concede explicações, o que muitas vezes aniquila as múltiplas possibilidades de interpretação dos objetos artísticos. Sendo assim, o monitor ainda é o profissional que determina o percurso da visita, os olhares e as percepções. Este, porém, também é um termo carregado de sentidos preconcebidos: “Monitor é quem ajuda um professor na sala de aula ou é o que veicula a imagem gerada no HD, no caso de computadores. Atrelada à palavra, vai a significação de veículo e de falta de autonomia e de poder próprio” (Barbosa, 2008, p. 30). 205 Essas relações feitas por Barbosa apontam para a posição subalterna deste sujeito individual. Vygotsky (1998, p. 63) afirma que, além de a aprendizagem decorrer das na hierarquia das instituições culturais, assim como leva a pensar que o monitor não tem relações entre os sujeitos e com o meio, ela é realizada através de instrumentos e signos. domínio sobre o discurso, ou explicação que transmite, mas é dependente dos discursos de outros, como o discurso do curador, do historiador e da própria instituição. As políticas de qualificação profissional deste trabalho nas instituições culturais assim como o reconhecimento de sua importância para a formação de públicos impulsionam novas reflexões em torno do papel deste agente cultural. Em decorrência de uma ressignificação do campo, este educador de museus precisa desdobrar e alterar sua posição diante do público. A figura que adota novas metodologias diante do público, posicionando-se como alguém que fala, mas que também ouve, é conhecida atualmente como mediador cultural. De acordo com Lídice Romano de Moura (2007, p. 76), “mediador cultural é aquele que recebe o público nas instituições de arte, tornando a visita significativa com seu acolhimento e todo o procedimento pelo qual passa a recepção". Esta mudança atual corresponde a concepções de Lev S. Vygotsky, autor referência da psicologia sócio-histórica. Esta linha da psicologia do desenvolvimento estuda os processos de aprendizagem, valorizando a influência da interação social na construção da formação dos indivíduos. A abordagem, também intitulada de sociointeracionismo, defende que o desenvolvimento da aprendizagem acontece na relação social e na troca com o outro, por meio de mediação e interação social. O indivíduo aprende na relação com o meio e com os demais sujeitos, processo conhecido como mediação. Segundo a teoria vygotskiana, as relações sociais são determinantes na formação dos sujeitos, que se desenvolvem transformando igualmente o seu entorno, num processo de influência mútua, de forma interpessoal. Conforme Vygotsky (1998, p. 96-7): Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, imbricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra. Os processos de aprendizagem são identificados individualmente, com foco na Os instrumentos são ferramentas que servem para transformar os objetos e o meio. Eles são responsáveis por mediar a relação do sujeito com o estrato social. O signo age como um instrumento na construção da aprendizagem. É por meio dos instrumentos e dos signos que acontece a criação e a assimilação da cultura. Vygotsky (2005, p. 156) também associa a linguagem ao desenvolvimento de construção da aprendizagem. A formação de um conceito inicialmente provém da relação entre o som e o significado de uma palavra. Percebe-se, então, que a linguagem é mediadora do sujeito com o meio e que cumpre função essencial no processo de educação. O termo mediação, que é adotado para designar o trabalho educativo realizado em museus e centros culturais, espaços não formais da arte/educação, é uma apropriação desta teoria. Para Vygotsky (2009, p. 485) “o pensamento e a linguagem são a chave para a compreensão da natureza da consciência humana”. A linguagem é uma das formas de mediação. Assim, quando surge o mediador supracitado, aquele que relaciona, dialoga e convoca o espectador com sua própria experiência para a contextualização da obra de arte, estamos nos apropriando do conceito da teoria socioconstrutivista de Vygotsky para melhor designar este profissional com postura modificada. Sobre a postura construtivista e questionadora do mediador cultural, Rejane Galvão Coutinho (2010, p. 115) sugere: Ao invés de mediações diretivas e unidirecionais, proponho mediações dialógicas e multidirecionadas. Não um falando por todos e para todos, mas a instauração de diálogos, a circulação da palavra, em processos de interpretações que levam em conta os diferentes lugares de fala dos indivíduos, as diferentes comunidades interpretativas. Uma prática aberta a múltiplas narrativas. Ao invés de confirmações e afirmações sobre um campo e seus valores, a instauração de dúvidas, a prática do descentramento de pontos de vista. Fernando Cocchiarale (2007, p. 15) pondera que o mediador “deve ser menos a pessoa que transmita conteúdos e mais alguém que estimule o público a estabelecer algumas relações de seu próprio modo”. Compreende-se que, enquanto mediador, o educador é muito mais um propositor do que um depósito de informações e dados a ser despejado sobre o público. análise de cada sujeito. Mas como o desenvolvimento é decorrente das relações sociais, A consideração sobre os termos é necessária, pois na educação as terminologias a leitura é extremamente influenciada pelas interfaces que atravessam este processo denotam a postura pedagógica adotada. As palavras não devem ser empregadas 206 207 inocentemente, pois elas podem remeter ao preconceito enraizado de maneira subjetiva e subliminar. O uso dos termos mediador e mediação cultural traduzem abordagens e posicionam o papel deste profissional. O mediador cultural exerce sua prática a serviço do público; e busca adaptar-se à diversidade que podem apresentar os espectadores. Assim sendo, o educador de museus pode ser uma figura encorajadora de acesso aos bens culturais expostos. Bibliografia BARBOSA, Ana Mae. Mediação cultural é social. In: BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009. COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo da Arte Contemporânea? Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006. COUTINHO, Rejane Galvão. Entre o encontro e a provocação: a ação mediadora. In: MARTINS, Mirian Celeste; SCHULTZE, Ana Maria; ERAS, Olga (orgs.). Mediando [con]tatos com arte e cultura. São Paulo: Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes: Pós-graduação, v.1, nº 1, 2007. _______________________. Sobre o laboratório metodológico arte público – Recife 2009. In: AQUINO, André (org.). Diálogos entre arte e público. Acessibilidade cultural: o que é acessível, e para quem? – Caderno de textos III. Recife/PE: Fundação de Cultura da Cidade de Recife, v. 3, 2010. ICOM. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id= 10852&retorno=p aginaIphan>. Acesso em: 25 fev. 2012. MARTINS, Miriam Celeste (org.). Mediação: provocações estéticas. Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes. Pós-graduação. São Paulo, v. 1, n. 1, 2005. _______________________; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. Rio de Janeiro: Instituto Sangari, 2008. MOURA, Lídice Romano de. Arte e educação: Uma experiência de formação de educadores mediadores, 2007. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2007. SALES, Júnia Pereira. Escola e museu – Diálogos e práticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura – Superintendência de Museus / Cefor, 2007. VYGOTSKY, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. _________________. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. _________________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.   Noções de literacia visual por detrás das práticas em sala de aula: um estudo sobre as imagens, atividades e estratégias usadas pelos professores Ricardo Reis Universidade de Barcelona I2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto Resumo Pretendo dar conta dos resultados de um estudo no qual participaram 61 professores/educadores desde o préescolar ao 9º ano. A amostra foi escolhida intencionalmente e os dados foram recolhidos através da internet. Os participantes enviaram, ao longo de todo o ano letivo, as imagens que mostraram em sala de aula ao mesmo tempo que responderam a um questionário onde lhes era perguntado sobre os objetivos, as atividades, as estratégias, os conteúdos e os sentimentos que associaram ao trabalho desenvolvido com cada uma ou conjunto de imagens. Analisar estes dados, adotando a perspetiva dos new literacies studies e dos estudos de cultura visual, e colocando em contraponto o universo visual escolar com a visualidade das “culturas juvenis”, permitirá enquadrar as práticas docentes e encontrar os seus principais referentes, bem como discorrer sobre possíveis efeitos que as imagens, os discursos e práticas têm no desenvolvimento da literacia visual dos alunos ao longo da sua escolaridade. Palavras-chave Currículo de Artes Visuais, Cultura Visual, Educação Artística, Literacia Visual, Prática Docente Trabalho realizado com o auxílio económico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), SFRH/BD/72980/2010, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu (FSE) 1. Introdução Este texto é o resultado de uma investigação que desenvolvo no âmbito do doutoramento em Artes e Educação (Universidade de Barcelona), no qual investigo sobre “o papel da escola no desenvolvimento e valorização social da literacia visual”. A tese tentará reunir em torno do mesmo problema três discursos diferentes que ajudarão à sua compreensão: • • • Os discursos do campo científico da educação artística Os discursos administrativos (leis, programas curriculares e documentos oficiais do ministério da educação) Os discursos dos sujeitos (alunos e professores) Este artigo centra-se apenas num procedimento de investigação levado a cabo para a recolha dos discursos dos professores, tentando desvelar qual a conceção de literacia visual que está por detrás das suas práticas em sala de aula. O estudo que presento neste artigo foi realizado durante o ano letivo de 2010/11, período durante o qual os professores partilharam comigo as imagens que mostraram aos seus alunos nas suas aulas bem como informações sobre as atividades que desenvolveram. Neste momento as evidências recolhidas ainda estão a ser analisadas. Assim, o que apresento neste texto são as minhas primeiras impressões sobre o material recolhido que pretende acima de tudo suscitar o debate e recolher o feedback de professores e académicos para que outras perspetivas possam ser incorporadas nas análises subsequentes. 2. Algumas noções de literacia visual que coexistem nos nossos dias. A rutura com os modelos clássicos de visão no início do século XIX foi muito mais do que uma simples mudança na aparência das imagens e das obras de arte, ou nos sistemas convencionais de representação (Crary, 1990, p. 3). Foi, acima de tudo, uma reorganização maciça do conhecimento e de práticas sociais que modificaram de inúmeras formas as capacidades produtiva, cognitiva, e de desejo do sujeito humano. Estas mudanças no regime de visualidade ao longo do século XIX em conjunto com as profundas alterações que se registaram na instituição escolar em todo o mundo que, a reboque da revolução industrial e da construção dos Estados-Nação, conduziram à massificação da escola tiveram consequências diretas a nível científico e técnico na sociedade, mas também pedagógico e curricular dentro da escola. A “escola para todos” conduziu, em primeira instância, a uma normalização dos conteúdos curriculares, essencialmente com objetivos sociais e económicos. No entanto, depressa se concluía que a pedagogia e a organização dos processos de ensino-aprendizagem estavam inadequadas aos públicos cada vez mais heterogéneos que chegavam à escola. Este desajuste entre a escola e os públicos que a ela 1 208 209 passaram a aceder esteve na origem das correntes pedagógicas progressistas do início do séc. XX (Fernandes, 2011, p. 20). O progresso técnico e científico na sociedade levou ao aparecimento de novos recursos para a educação que exigiam também novos conhecimentos, talvez por isso Edgar Dale, no seu livro Audiovisual methods in teaching, de 1946, tenha identificado a literacia visual como um dos principais modos de literacia, a par das literacias escrita (impressa) e auditiva. Mais tarde, no final dos anos 60, havia já a consciência de que a penetração dos novos media davam um grande enfase à representação visual como prática de comunicação (McDougall, 2004, p. 25), especialmente com a difusão da imprensa e televisão a cores. A noção de literacia visual vigente baseava-se na existência de uma linguagem visual que a suportava (Lin, 2008, p. 26). Seguindo a conceção de que era fundamental dominar a linguagem visual para ser considerado literato visual, Dondis publica, em 1973, o livro A primer of visual literacy. Ao longo dos tempos o conceito torna-se mais complexo e em 2003, Anne Bamford, no seu The Visual Literacy White Paper, considera que ser literato visual é dominar uma combinação de sintaxe (estrutura e organização das parte que constituem uma imagem) e semântica (o modo como as imagens adquirem sentido na relação com o mundo) e que a atual proliferação de imagens leva a considerar a literacia visual como fundamental na obtenção de informação, na construção do conhecimento e de resultados escolares bem-sucedidos (Bamford, 2003). Contudo, permanece a falta de consenso sobre quem cunhou o termo visual literacy. O que parece certo é que a literacia visual não é um fenómeno recente e atualmente constitui-se como uma vasta área de investigação, que se tornou mais ampla com o impacto das novas tecnologias (McDougall, 2004, p. 26). Foi exatamente o advento dessas novas tecnologias, e do impacto que elas têm nas nossas vidas, que levou a uma revisão do conceito de literacia, levando a que se fale agora em multiliteracias ou novas literacias, conceitos que articulam a multiplicidade de canais de comunicação por elas possibilitados; a crescente importância da diversidade cultural e linguística nas sociedades contemporâneas; e as interações globais ao nível social, cultural e tecnológico (Baker, 2010; Cope & Kalantzis, 2000; Hernández, 2007). Atualmente, as chamadas novas literacias compreendem também novas competências, estratégias, disposições, e práticas sociais associadas ao uso das novas tecnologias da informação e comunicação, e são fundamentais para uma participação completa na comunidade global. Estas novas literacias, nas quais se inclui com especial destaque a literacia visual, estão em constante mudança tal como as próprias tecnologias; são multifacetadas e a nossa compreensão sobre elas resulta de diferentes pontos de vista coexistentes (Baker, 2010, p. x). Perante o exposto, há que reconhecer um paralelo entre a evolução das tecnologias da visão e a revisão da noção de literacia visual, que continua a evoluir e a transformar-se em resultado da construção social que a valida. Partindo deste suposto paralelismo, conclui-se que o nosso olhar tem sido fabricado pelas tecnologias da visão e pelos diferentes discursos e contextos que as legitimam. Talvez por isso vários autores defendam uma necessária educação do olhar, assente na perspetiva das novas literacias (Hernández, 2007; Rodrigues, 2011; Sicard, 2006), na tentativa de levar os observadores a entender melhor os processos e lugares de produção, distribuição e consumo das imagens, bem como a forte e constante relação que com elas estabelecemos. 3. Literacia Visual e Educação Artística A relação entre a noção de literacia visual e a educação artística foi amplamente escrutinada por Ching-Chiu Lin (2008) na sua tese de doutoramento. Ela refere que, em educação artística, o termo visual literacy está relacionado com um amplo conjunto de competências dos alunos que se enquadram tanto na compreensão das artes visuais e de outras imagens como na sua habilidade para expressar, interpretar e comunicar mensagens visuais transmitidas através de diferentes meios visuais (Lin, 2008, p. 33). Segundo esta autora tem-se escrito pouco sobre literacia visual especificamente relacionada com a educação artística, o que leva a que se considere esta área menos progressiva do que outras. Relacionar a noção de literacia visual com a educação artística permite aos professores estar na posse de uma ferramenta (partindo do pressuposto que a teorização de um conceito pode ser uma ferramenta útil para o trabalho docente) que destaca a posição do visual e da visualidade num âmbito dominado pelo texto escrito, fazendo uso da enorme presença do visual na cultura contemporânea (Raney, 1999). Christina Hong (2006) no seu texto Developing literacies in postmodern times: the role of arts in education fala numa ampliação do uso do conceito ao longo do tempo definindo essa evolução em três etapas distintas: i) como codificação e descodificação das notações simbólicas. Esta conceção de literacia visual relaciona-se com a capacidade de “ler” e “escrever” usando os símbolos visuais; ii) como resposta às obras de arte. Esta conceção de literacia visual está relacionada com o desenvolvimento de apreciadores e conhecedores de arte. Esta compreensão do conceito é bastante mais alargada do que na primeira etapa e inclui a habilidade para dar respostas em frente à obra de arte, para perceber as qualidades da forma artística, para fazer julgamentos críticos e para ter conhecimento do contexto no qual a obra de arte emergiu e no qual reside; iii) como consequência do fazer, criar, como resposta e como reflexão em relação aos objetivos, processos e contextos. Esta conceção de literacia visual está mais próxima da perspetiva das chamadas novas literacias. 2 210 Podemos enquadrar nesta última etapa da ampliação do uso do conceito a perspetiva de Hernández (2007, p. 22) quando refere que “adquirir literacia visual deve permitir aos alunos analisar, interpretar, avaliar e criar, a partir das relações estabelecidas entre saberes que circulam pelos “textos” orais, auditivos, visuais, escritos, corporais e, em especial, aqueles vinculados às imagens que saturam as representações mediadas pela tecnologia nas sociedades contemporâneas”. 4. Porquê este procedimento de investigação no âmbito da tese? Este procedimento de investigação não deve ser entendido isoladamente mas sim no contexto da tese de doutoramento “o papel da escola no desenvolvimento e valorização social da literacia visual”. Este estudo enquadrase nos procedimentos relativos à recolha dos discursos dos professores e pretende recolher evidências que me permitam inferir quais os referentes de literacia visual que podem ser identificados por detrás das imagens que os alunos veem em sala de aula e das práticas dos seus professores. Este procedimento reveste-se de especial importância no enquadramento da realidade do ensino das artes visuais no ensino básico em Portugal, já que não conheço qualquer estudo que me possa fornecer essas evidências. Enquanto pensava no estudo e em como operacionalizá-lo ficou claro para mim que não era suficiente saber apenas que imagens os professores mostravam aos alunos. Era preciso contexto. Era preciso saber como foram mostradas as imagens, porquê e para quê. Era preciso saber que sentimentos os professores pretenderam suscitar nos seus alunos; que conteúdos quiseram trabalhar; que atividades propuseram. Para evitar que os professores apenas me enviassem imagens “soltas”, esquecendo todas as imagens que estão em livros, em materiais didáticos diversos, ou até mesmo nos museus quando fazem visitas de estudo, decidi juntar algumas perguntas relativas aos materiais didáticos utilizados e às visitas de estudo efetuadas. Conhecer as imagens, saber como são visualizadas e enquadrá-las em temas, conteúdos e práticas pareceu-me fundamental, ainda que possa não ser suficiente, para reconhecer os referentes aos quais se vinculam as práticas dos professores e as imagens que mostram aos alunos, permitindo ter uma ideia mais clara sobre a conceção de literacia visual subjacente. 5. Implementação da investigação 5.1. Quem são os participantes? A amostra foi construída com base no princípio das amostras intencionais (Patton, 2002). Escolhi pessoas que de algum modo tinham uma implicação com o objeto de estudo mas também comigo, o que me poderia garantir um maior envolvimento de cada uma dessas pessoas no trabalho que tinham de realizar. Pedi-lhes também que enviasse este meu pedido a alguns dos seus contactos para que o número de participantes pudesse aumentar. Assim, aquilo que começou por ser uma “amostra intencional com critério”, em que os participantes foram escolhidos com base na previsível garantia de qualidade e envolvimento que me proporcionavam, tornou-se uma amostra intencional “tipo bola de neve” (Patton, 2002, pp. 236–7) em que os professores traziam para o estudo outros que eles consideravam adequar-se aos objetivos traçados, e esses outros traziam, por sua vez, outros professores. Dos 59 professores que participaram, desde o pré-escolar até ao 9º ano, 43 eram mulheres e 16 eram homens. A relação entre homens e mulheres é próxima da relação que podemos observar em todo o sistema educativo em Portugal. Os professores eram de todo o país mas com maior incidência na região Centro, na região de Lisboa e na Península de Setúbal. A maioria dos participantes são professores de EVT. Um pouco mais de metade dos participantes tem entre 6 e 15 anos de serviço como professor, pelo que se poderá considerar que têm alguma experiência profissional. 5.2. O questionário Para recolher as evidências foi criado um questionário através de tecnologia web-based, cujas respostas enviadas ficaram guardadas numa base de dados confidencial, à qual só eu tinha acesso. O questionário, no qual se perguntava sobre os objetivos, as atividades, estratégias e conteúdos associados ao trabalho desenvolvido com cada imagem ou conjunto de imagens, foi construído tendo por base três inquietações principais que nortearam a definição das perguntas: i) conhecer as imagens que são visualizadas pelos alunos em contexto de sala de aula; ii) conhecer o modo como é feita a visualização das imagens; iii) enquadrar as imagens em temas/conteúdos e práticas em sala de aula, sendo importante que esse enquadramento fosse dado pelos próprios professores participantes e não inferido pelo investigador. 5.3. Responder ao questionário e partilhar imagens O questionário esteve online e acessível aos participantes – que tinham um código pessoal que os identificava – durante todo o tempo que decorreu este estudo. Associado à base de dados do questionário havia um espaço de armazenamento, um serviço de webstorage, para onde os colaboradores poderiam fazer upload das imagens para uma pasta pessoal A ideia inicial era que a participação dos professores no estudo fosse semanal mas cedo percebi que isso seria impossível pois estes queixavam-se da falta de tempo e também do facto de nem todas as semanas mostrarem 3 211 imagens aos alunos, já que havia semanas em que os alunos estavam a realizar alguma tarefa e o papel do professor seria acompanhá-los. Em conversação os participantes que manifestaram essa preocupação definimos que cada um decidiria o quê e quando partilhar, aceitando o compromisso de partilhar todo o que considerassem relevante para este estudo. A adoção desta estratégia colocou maior responsabilidade no lado dos participantes, pois seriam eles a decidir o que partilhar, mas libertou-os da obrigação de preencher semanalmente o questionário. Com esta nova estratégia foi introduzido um dado novo que será relevante na análise das evidências: o que os professores partilharam (imagens e respostas escritas) é aquilo que eles consideram como mais relevante no seu trabalho, ou seja, é aquilo que lhes pareceu mais representativo da sua disciplina e da sua ação como professores da área das artes visuais. 6. Imagens, atividades e estratégias: analisar as evidências Analisar as evidências é um processo que implica olhá-las a partir de um determinado ponto de vista, ou seja, um lugar onde me posiciono e a partir do qual vejo, interpreto e compreendo. Assim, estas evidências foram observadas a partir do ponto de vista de um professor de educação visual que é também investigador. Alguém que conhece por dentro a escola e as disciplinas da área das artes visuais. Alguém que conhece os programas curriculares e que, fruto da sua atividade como formador de professores (formação contínua e pós-graduada), conhece também diferentes modos de fazer, reconhecendo neles diferentes perspetivas sobre a Educação Artística em geral e sobre as disciplinas em particular. Este lugar a partir do qual analiso as evidências é, à primeira vista, um lugar privilegiado mas também pode ser um lugar de preconceitos, pois ver e conhecer são mutuamente constitutivos (Mirzoeff, 1999, pp. 15–6) e só poderei ver o que vejo sabendo o que sei. Perante a tarefa de analisar estas evidências iniciarei o esforço consciente de olhá-las não só do ponto de vista do professor que pensa “que atividade interessante” ou “eu faria de outro modo”, mas essencialmente do ponto de vista do investigador que procura a genealogia das práticas e dos discursos, enquadrando-os num conjunto de referentes que lhes dão sentido. Tratarei de olhar as evidências partindo do pressuposto que os resultados da investigação são construídos através de uma interação hermenêutica e dialética entre o investigador e os participantes, num esforço e colaboração conjunta (Latorre, Igea, & Agustín, 1996, p. 200). Todas as imagens são pré-existentes (Banks, 2001, 2010) e não foram criadas especificamente para este estudo, nem pelo investigador nem pelos participantes. Os participantes enviaram as imagens que mostraram aos alunos, o que significa que já existiam antes de terem sido partilhadas comigo e foram usadas numa outra função. A imagem em si, o modo como foi mostrada e o que se disse sobre ela é muito importante para a interpretação que os alunos fizeram (veja-se a este respeito Cotner, 2011), no entanto não tenho modo de o conhecer a não ser através das respostas ao questionário. A análise que faço a essa informação reside naquilo que os professores escreveram, logo não é uma inferência ou mera suposição. A análise pretende ser objetiva, respeitando em absoluto o que os professores escreveram e partilharam. Uma primeira análise às evidências partilhadas pelos professores levou à construção de seis categorias. Apresento-as não como categorias fechadas, tanto mais que o trabalho de análise ainda está em curso, mas apenas como uma organização possível das evidências que pretende acima de tudo suscitar discussão e debate entre professores e académicos. contemporâneos, como Joana Vasconcelos. O princípio expressionista na Educação Artística (EA) de preservar as crianças do contato com as obras e a HA parece ter desparecido, tendo em conta a presença cada vez maior destas imagens na escola. A utilização de obras de arte (essencialmente figurativas ou, quando abstratas, geométricas, com formas e cores básicas) parece corresponder à ideia de que as crianças são seres inocentes e detentores de pouco conhecimento, pelo que estas obras serão mais adequadas à sua idade. 6.2. “Geometria na arte” O critério principal para a escolha das imagens a apresentar ma aula é a proposta de trabalho que o professor definiu com antecedência e apresenta aos alunos. Ou seja, a arte é apresentada numa perspetiva contextualista e não essencialista, pois são privilegiados os seus valores extrínsecos e utilitários. Figura 2. Algumas imagens partilhadas pelos professors sobre o tema "Geometria na arte". Obras de Kandinsky, Sónia Delaunay e Matisse É recorrente a escolha de obras que apresentam pontos, linhas, quadrados, retângulos, triângulos e círculos, e uma simplicidade cromática de cores saturadas. À apresentação destas obras está habitualmente associada à realização de atividades de desenho rigoroso de figuras geométricas ou composições visuais. 6.3. Academismo nas propostas de trabalho Os dados recolhidos indicam que grande parte das atividades é orientada para conhecer a biografia do artista e as suas obras, classificando-as de acordo com os critérios estilísticos da HA. Muitas vezes as imagens utilizadas na aula funcionam mais como modelos de representação do que como motivação ou como meio para chegar a um outro lugar desconhecido. Em algumas propostas de trabalho parece estar presente uma espécie de neoacademismo que se revela nas atividades de cópia de reproduções das obras dos artistas; na simulação do seu modo de pintar ou na repetição de procedimentos puramente mecânicos como recortar ou pontilhar (pontilhismo); no respeito pelos cânones de representação do rosto ou do corpo humano; ou no estudo dos elementos da forma. Tendo em conta as imagens que me foram enviadas, penso não ser abusivo afirmar que a conceção de EA predominante está orientada para “o conhecimento das artes em vez de usar as artes para aumentar o conhecimento” (Agirre, 2010, p. 39). Figura 3. Algumas imagens partilhadas pelos professores com trabalhos de alunos inspirados em obras de arte 6.1. Imagens de obras de arte e o predomínio da pintura Os professores mostram muitas imagens de arte aos seus alunos, especialmente pintura. Pintura não apenas como uma técnica mas também como a necessidade da presença de cor que, pelas suas propriedades estimulantes, são garantia de sucesso junto dos alunos. Figura 1. Algumas imagens partilhadas pelos professores. Obras de Nadir Afonso, Van Gogh, Picasso e Kandinsky 6.4. A “reprodução do aborrecido” e o legado dos Trabalhos Manuais Verifico que as obras escolhidas encaixam nos critérios canónicos da História da Arte (HA), apresentando as mesmas obras dos mesmos artistas. Artistas fáceis de encontrar na internet, que têm obra impressa ou que são recorrentes nas programações dos museus. A maioria das imagens de arte apresentadas é da época moderna e pertence à arte europeia. Representações de outras épocas (anteriores ou posteriores) ou extraeuropeias são raras. Há também referências a obras de artistas portugueses, especialmente do séc. XIX e XX, mas também alguns 4 212 Tarefas como a realização da capa para guardar os trabalhos e a sua identificação através do desenho da letra ainda são recorrentes na prática dos professores, mesmo entre os mais novos. Segundo Acaso (2009, p. 16), os professores reproduzem de forma imediata as metodologias de trabalho com as quais eles foram formados, ou seja, fazem a reprodução do aborrecido. Outra atividade recorrente é a elaboração de objetos utilitários, seguindo um modelo predefinido, dado pelo professor, que garante a qualidade do produto final. Este modo de fazer tem a sua génese nos antigos trabalhos manuais educativos onde as propostas de trabalho estavam relacionadas com a repetição de modelos ou a execução concertada e repetida de procedimentos. Figura 4. Imagens partilhadas pelos professores com alguns exemplos (modelos) de decorações de Natal. 5 213 Devemos ter em conta que o conceito de LV na EA não é um conceito fixo pois está em constante modificação, especialmente pela diversidade de ambientes de ensino-aprendizagem, pelos desenvolvimentos nas teorias curriculares e pedagógicas, e ainda pelo impacto das novas tecnologias na nossa sociedade (Lin, 2008, pp. 41–2). 8. Bibliografia Acaso, M. (2009). La educación artística no son manualidades: nuevas prácticas en la enseñanza de las artes y la cultura visual (p. 240). Catarata. Agirre, I. (2010). Sobre los usos del arte en la escuela infantil. In R. G. Vida, M. Á. M. Viana, & C. G. Castro (Eds.), I Congreso Internacional “Arte, Ilustración y Cultura Visual en Educación Infantil y Primaria: construcción de identidades” (pp. 35–45). Granada: Universidade de Granada. 6.5. Sobre o que se fala e o que não se fala Algumas imagens são usadas para falar de assuntos que estão na ordem do dia (como a crise económica) ou para abordar temas que há já algum tempo fazem parte da educação para a cidadania como a proteção da natureza ou a multiculturalidade. Mas, de um modo geral, as imagens enviadas denotam a necessidade de manter as crianças à margem da vida real, tentando preservá-las dos problemas sociais, das imagens violentas ou de cariz sexual. Deixamos que as crianças vivam num mundo sem conflitos onde tudo é felicidade, paz e bem-estar, ou seja, um mundo de fantasia, cor e alegria. Este não é apenas um problema estético mas é, sobretudo, um problema pedagógico que tem a sua origem na nossa própria conceção de infância. A noção iluminista de que a criança é por natureza inocente e que é a sociedade que a corrompe é consolidada ao longo do século XIX mas continua vigente até à atualidade, embora em conjunto com outras narrativas (Hernández, 2010, p. 50). É esta narrativa hegemónica que tem fundamentado a resistência dos professores em tratar temas habitualmente associados à cultura visual, como as questões de género e raça, os estereótipos sociais, o prazer ou a representação do corpo. 6.6. Visão mediada A facilidade de acesso à tecnologia e a capacitação para a utilizar parece ter grande influência no modo como as imagens são mostradas aos alunos. A grande maioria das respostas revela que as imagens são quase sempre projetadas com um videoprojector e raramente se privilegia o contacto direto, ou não mediado, com o mundo. Este modo de visualização traz vantagens para o professor que apresenta as imagens em grandes dimensões, conseguindo assim maior atenção por parte dos alunos. No entanto há que ter em conta que as representações visuais (visão mediada) diferem das perceções do natural (visão não mediada) porque são modos de comunicação intencional, codificados e porque são a representação de algo, não a coisa em si. Este tipo de visualização mediado pela tecnologia não é novo nem desconhecido dos alunos, o que me parece novo nestes resultados é a utilização massiva destes meios na escola, levando a que estas simulações se tornem omnipresentes e se introduzam cada vez mais na experiência de realidade. 7. Uma possível conclusão: quais podem ser as noções de literacia visual por detrás das práticas docentes em sala de aula? Até ao momento, sem ter analisado todo o material recolhido, arrisco algumas conclusões parciais que me pareceram mais evidentes depois de uma primeira análise às evidências recolhidas. Estas primeiras impressões ajudam-me a concluir que a arte chega à escola, dominada pela pintura, e que os alunos veem poucas imagens da cultura visual contemporânea, aumentando o fosso entre o “dentro” e o “fora” da escola. É importante ter em conta que a ação de um professor não é inócua: cada imagem que escolhe, cada atividade que propõe, cada decisão que toma no decorrer da sua ação pedagógica está imbuída das suas conceções sobre o que é a EA, sobre o que os seus alunos têm de aprender, ou sobre quem pensa que são os seus alunos; ainda que disso não esteja totalmente consciente. Deste modo, as práticas dos professores parecem estar mais próximas de uma abordagem à LV como conhecimento e domínio da linguagem visual, pois a maioria das propostas de trabalho são baseadas em análises formalistas de obras de arte, na aprendizagem de técnicas e sua reprodução mecânica, ou na reprodução de modelos estéticos tidos como “mais adequados” aos alunos (Agirre, 2010). Estas propostas de trabalho assentam na ideia de formar um “bom olho”, que é capaz de discernir, de analisar profundamente; um olho conhecedor que sabe gramática visual; distingue os elementos da forma; e conhece HA, mas tem dificuldade em relacionar, em interpretar, em avaliar ou em criar (Rogoff, 2002). Durante o processo de investigação penso que podemos aprender mais sobre: • • • • Bamford, A. (2003). The Visual Literacy White Paper. Educational Technology. Sidney. Retrieved from http://www.adobe.com/ukl education/pdf/adobe visual_literacy Jlaper. pdf Banks, M. (2001). Visual methods in social research. Londres: Sage Publications. Banks, M. (2010). Los datos visuales en investigación cualitativa (1st ed., p. 175). Madrid: Ediciones Morata. Cope, B., & Kalantzis, M. (Eds.). (2000). Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures (1a ed., p. 350). Londres e Nova Iorque: Routledge. Cotner, T. L. (2011). Speaking of Art, Listening to What Teachers Are Saying. 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Como aprender a viver juntos? Email: josecarlossilva@etap.pt Tal fenómeno tem causado apreensão aos professores que se confrontam com a necessidade de adaptarem as suas estratégias e práticas pedagógicas, no sentido de Resumo A escola na actualidade, fruto do fenómeno da globalização, depara-se cada vez mais com a diversidade cultural da sua população e os consequentes desafios em termos de gestão da heterogeneidade cultural e étnica do contexto escolar. Como aprender a viver juntos? Tal fenómeno tem causado apreensão aos professores que se confrontam com a necessidade de inovarem as suas estratégias e práticas pedagógicas, no sentido de promover o respeito e o diálogo entre os diferentes grupos culturais, de favorecer a igualdade de oportunidades e o sucesso escolar. O presente estudo, fruto de uma investigação de mestrado em educação, pretendeu analisar as contribuições de um projecto designado “Ritmos do Mundo”, que tem vindo a decorrer na Escola Profissional ETAP, Norte de Portugal, com um número significativo de jovens, oriundos de diversas nacionalidades. O quadro teórico deste estudo incluiu o aprofundamento de questões relacionadas com globalização e educação inter/multicultural, segundo perspectivas de especialistas nacionais e internacionais. Com o intuito de compreender aprofundadamente o fenómeno, desenvolveu-se um estudo de caso, com recurso a diversos instrumentos de recolha de dados como inquéritos, entrevistas, análise documental e observação de eventos. A amostra é constituída por 38 participantes, dos quais 33 alunos pertencem ao grupo “Ritmos do Mundo”, 2 professores coordenadores do Projecto, 2 responsáveis pelos órgãos pedagógicos da escola em estudo e 1 professora do ensino público, que contactou com o referido grupo. Os resultados obtidos evidenciam os efeitos positivos do Projecto “Ritmos do Mundo”, que se alicerça em práticas artísticas apelativas (música e dança). Revela-se como um instrumento facilitador de inovação e mudança em termos curriculares não disciplinares, promotor do desenvolvimento global dos alunos. O projecto permite aos alunos ampliar o conhecimento que têm de si e dos outros, além de ser facilitador do desenvolvimento de competências inter e intrapessoais, promovendo o entendimento da diferença como algo de positivo. Conclui-se que as percepções dos alunos e professores permitem compreender que projectos como este constituem um factor influente de desenvolvimento pessoal e social, sendo fundamental preservar estes espaços de formação que predispõem para a mudança de valores e atitudes, cabendo aos professores continuar a investigar formas adequadas de modificar representações que tendem a perpetuar práticas reprodutoras de desigualdades sociais. Palavras-chave: Globalização, Educação Inter/Multicultural, Ensino Profissional. 222 promover o respeito e o diálogo entre os diferentes grupos culturais, de favorecer a igualdade de oportunidades e o sucesso escolar. A presente investigação pretendeu estudar as contribuições de um Projeto designado “Ritmos do Mundo”, que tem vindo a decorrer numa Escola Profissional do Norte de Portugal, com um número significativo de jovens, oriundos de diversas nacionalidades. Que contributos poderão ter as atividades inter/multiculturais, através das artes, enquanto espaços de formação cívica? Como promover a educação para a cidadania sem cair numa espécie de “catequese” teorizadora, como lucidamente observa Perrenoud (2002)? O quadro teórico deste estudo incluiu o aprofundamento de questões relacionadas com a globalização e a educação inter/multicultural, assente na revisão de literatura especializada nacional e internacional. Com o intuito de compreender aprofundadamente o fenómeno, desenvolveu-se um estudo de caso, com recurso a diversos instrumentos de recolha de dados como inquéritos, entrevistas, análise documental e observação de eventos. A amostra é constituída por 38 participantes, dos quais 33 alunos pertencem ao grupo “Ritmos do Mundo”, 2 professores coordenadores do Projecto, 2 responsáveis pelos órgãos pedagógicos da escola em estudo e 1 professora do ensino público, que contactou com o referido grupo. Os resultados obtidos evidenciam os efeitos positivos do Projeto “Ritmos do Mundo”, que se alicerça em práticas artísticas apelativas como a música e a dança. Revela-se um instrumento facilitador de inovação e mudança em termos curriculares não disciplinares, promotor do desenvolvimento global dos alunos. O projecto permite aos alunos ampliar o conhecimento que têm de si e dos outros, além de ser facilitador do desenvolvimento de competências inter e intrapessoais; contribui para o entendimento da diferença como algo de positivo; favorece a articulação da escola com a comunidade, num espírito de 223 participação democrática; possibilita um melhor conhecimento das culturas em A comunicação artística na educação revela-se importante porque os alunos são muitas presença, aos alunos e professores da escola. vezes despertados para o conhecimento, a curiosidade e a exploração das culturas dos Este projeto revela que a educação para a diversidade humana passa pela descoberta do seus colegas. outro através de aprendizagens de carácter relacional, potenciando diversas estratégias, Chalmers (2003) sublinha o valor da arte enquanto elo de ligação da humanidade, para entre as quais, se constatou ser importante as experiências artísticas no campo além das diferenças culturais, quando afirma que “a arte constitui um meio que ajuda a pedagógico, ao proporcionar aos alunos vivências afectivas de interacção, de nos pormos em contacto com os outros na procura da solidariedade; é um meio de comunicação, que permitam desenvolver a inovação, a criatividade e a celebração da comunhão e ao mesmo tempo de comunicação” (p.77). Como destaca Moura (2001), a diversidade cultural, enfrentando as mudanças de uma sociedade plural como aquela em educação pela arte enfatiza não apenas a estética vinculada à obra de arte, mas a estética que vivemos. do quotidiano, podendo dar um forte contributo à transformação das mentalidades, As artes, como salientam Matos e Ferraz (2006), têm o poder de espelhar a diversidade, proporcionando uma aprendizagem global do ser humano. mas para além disso, ajudam a reforçar a construção de identidades e valores individuais Conclui-se, assim, que as perceções dos alunos e professores permitem compreender e colectivos, promovem o respeito pelo outro. Mediante o exercício das capacidades que projetos como este constituem um factor positivo de desenvolvimento pessoal e criativas do ser humano, o Projeto “Ritmos do Mundo” torna-se um instrumento social, sendo fundamental preservar, incentivar e divulgar estes espaços de formação facilitador do processo de ensino-aprendizagem, de consciencialização pelas diferenças cívica que predispõem para a mudança de valores e atitudes, cabendo aos professores culturais, não se reduzindo à mera função de entretenimento escolar. Na realidade, continuar a investigar formas adequadas de modificar representações que tendem a através das artes, do mundo associado ao ritmo, ao som, ao movimento corporal, apela- perpetuar práticas reprodutoras de desigualdades sociais. se a sentimentos e sensações, exercendo um poder de sedução importante no respeito pela igualdade de direitos. A arte e, particularmente, a música cumpre uma diversidade de funções na sociedade e na escola, sendo um agente socializador, com poder de transformação individual e social. Fot.1-Atuação do grupo “Ritmos do Mundo” Palavras-chave: Globalização, Educação Inter/Multicultural, Ensino profissional Bibliografia: Azevedo, J.(2009). Escolas Profissionais 1989-2009: as oportunidades e os riscos de uma inovação que viajou da margem para o centro.In Azevedo, J. (Org.). Ensino Profissional: Analisar o Passado, Olhar o Futuro. Porto: Universidade Católica. Banks, J. (1994). Multiethnic education, theory and practice. United States: Allyn& Bacon. Cardoso, C. (2006). Os Professores em Contexto de Diversidade. Porto: Profedições. Chalmers, F. (2003). Arte, educacion y diversidad cultural. Barcelona:Paidós Ibérica. Leite, C. (2002). O currículo e o multiculturalismo no sistema educativo português. Lisboa: Gulbenkian/FCT. Moura, A. (2001). Uma Perspectiva Global Acerca da Arte, Cultura e Investigação. In Actas do Seminário de Investigação – Expressões Artísticas e Educação Física em Portugal, Braga: Universidade do Minho, pp.21-35. Perrenoud, P. (2002). A escola e a aprendizagem da democracia. Porto: Edições ASA. Sousa, M. e Neto, F.(2003). A educação intercultural através da música. VN.de Gaia: Gailivro. Stoer, S. e Cortesão, L. (1999). Levantando a pedra. Da pedagogia inter/multicultural às politicas educativas numa época de transnacionalização. Porto: Edições Afrontamento. Como salientam Sousa e Neto (2003), a música, por exemplo, constitui uma comunicação sem fronteiras e, por isso, possui um poder muito vasto, permitindo um contacto estreito com várias formas da cultura humana, como a matemática, a arquitectura, a literatura, a gastronomia, entre outras. 224 225  MarianaSilva FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto  foiopesodeumimaginário,quealiadoaodiscursosobreaperdaeainjúriadeumDourohoje patrimonializado – UNESCO (2001) , agudiza o impulso de querer parar o tempo, guardar e encapsular(encapsularatédentrodeumgarrafãotalequalcomosedeumavitrinesetratasse) aquiloquesedizqueseviu,queseesperaverequeodiscursodaautenticidadequermostrar.  226 Defacto,aodepararmonoscomaexposiçãofinal,oquesetornouclaroàevidênciadoolhar PalavrasChave: Sabendo que o sistema de ensino está carregado de valores e que os ensinamentos são, Sujeitoseducativos/Autoridade(s)/Representações/Estereótipos portanto, sistemas culturais, subiram à tona valores e crenças dos diferentes agentes  educativos envolvidos (LENCASTRE e LEAL: 2006, 111112), que com a necessidade de  produzirumconhecimentoválido(evalidado)relativoaummundocomumcomumafortecarga Apresentecomunicaçãopartedeumestudodecasodenaturezaqualitativa,levadoacabono endémica do coletivo, revelaram assim a não neutralidade prática do conhecimento anoletivo2009/2010,noâmbitodoestágiocurricularnoServiçoEducativodoMuseudoDouro (LENCASTREeLEAL:2006,112). (PesodaRégua,Portugal),queacompanhouo Mas, na relação educacional que se estabelece entre o museu e a escola, esta não easuaimplementaçãonumaturma. neutralidadedoconhecimentoencontrarseáapenas dooutrolado,odaescola?Atualmente,  os espaços como os museus queremse afirmar como lugares de encontro, de debate e de   éoprincípiochavedotrabalhodoServiçoEducativodoMuseudoDouro, heterogeneidade de opiniões, posições e abordagens. Porém, simultaneamente, desde a que ao querer propor um modo mais inquiridor de nos relacionarmos com os lugares onde criação do museu moderno, também são espaços de definição, afirmação e legitimação, vivemos, acredita que tal só é possível quando o indivíduo consegue ter consciência de si apresentandosecomoautoridadequeefetuaclassificações,orientademaneirasistemáticaa nesses mesmos lugares e paisagens. Neste contexto, na continuidade dos projetos com memória dos indivíduos, e canaliza as nossas perceções para quadros compatíveis com as escolaslançadosdesdeoanode2007,surgiuo. relações por eles mesmo autorizadas (DOUGLAS: 1986, 93), numa tentativa por vezes de Ofoiumprojetoorientadopararealidadeserepresentaçõesdoquotidiano,onde sublimar a incapacidade de inteligibilidade e consequente incomunicabilidade dos seus sepretendeutocarerevelarvivências,memóriasemodosdeverpessoaisdeumterritórioque espólios. temorioDourocomopanodefundo.Comosedeumacápsulaourelicáriodelembrançase  imaginários se tratasse, apresentouse o objeto síntese proposto: um garrafão reinterpretado, Eaqui,numabuscaincessantepelofieldabalança,questiono:qualéoponto(ouaponte)de inspirado nos velhos garrafões de aguardente. E o que se pediu? Que lá dentro, no fim do equilíbrioentreonossoeooutrolado?Partindodoprincípioqueonossoéodomuseu,oda 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final no museu chegam garrafões atrás de garrafões com reconstrutor de realidades e representações sociais? Pressuponho que quase todos me barcosrabelos,socalcos,vinhas,uvas,vindimadeirasEaícomeçaramasurgirasprimeiras responderãodeimediatoquesim.Masentãoaí perguntovoseu logoaseguir: como?Como inquietações. podemostornarestetrabalhocapazdecontribuirparaaconstruçãodeconhecimentoirrequieto,  implicadoepartilhadocomoqueháecomoquehádevir? Porqueéquenumprojetodirecionadopararealidadeserepresentaçõesdoquotidianoeonde  se pretende revelar vivências pessoais, existiu a necessidade de perpetuar a representação Comoéqueselidacomosresultadosnãodesejadosoucomapermanênciadevisõesque estereotipada de um coletivo com o peso das reminiscências do romantismo e dos em determinados meios encontramse legitimadas e, inversamente, noutros parecem 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Efetivamente, até que ponto é que crenças e valores do professor  orientadorinfluenciamodesenvolvimentodoprojetopeloseugrupo?Eatéquepontoéquea  tradição das nossas escolas de habitualmente atribuírem este género de projetos com  instituições exteriores às áreas curriculares das expressões (que no caso das expressões  visuais, ainda muito ligadas às manualidades) ou da História (pelo peso da interpretação  histórica como única legitimada para atuação sobre o que se assume como património  (GUIMARÃES: 2011)), conduz à permanência de modelos de atuação e de representação?  ComoseriatrataromesmotemanumadisciplinacomoQuímicaouBiologia?     E qual é ou deverá ser a relação entre equipas educativas e professores? No fundo, entre  educadores. Para evitar o tal não desejado, referido anteriormente, os espaços como os  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    229 Documentosinstitucionais A educação estética como o veículo promotor da inexorável reforma do  .PesodaRégua: ServiçoEducativo doMuseu doDouro,2010.  sistema educativo 1. O processo de evolução e de organização do sistema económico capitalista no .PesodaRégua: ServiçoEducativodoMuseudoDouro,2009. plano mundial, a abertura de fronteiras e o acelerado desenvolvimento de novas  tecnologias de comunicação e de informação, cujo ritmo é vertiginoso, delineou um  sistema mundial que condicionou a cosmovisão da nossa época. É sabido que as Bibliografia mutações operadas não tiveram eco nas instituições educativas, nomeadamente nas DELRÍO,Víctor–.inFERNÁNDEZ,O; DEL RÍO, Víctor. (Edit.) – “Estrategias críticas para una práctica educativa en el arte contemporáneo”.Valladolid:MuseoPatioHerreriano,2007,pp.2532.  políticas educativas e nas práticas de ensino. Refira-se que ao nível das orientações educativas globais que têm vindo a ser traçadas, verifica-se uma tendência para a uniformização dos currículos (OCDE, 2001), a preocupação in extremis de preparar a DOUGLAS,Mary–.1ªEdição.NovaIorque:SyracuseUniversityPress, população para o mercado de trabalho (Idem, 2001), a predominância do modelo 1986. burocrático-taylorista (Costa, 2008) e a subversão de princípios e de finalidades  educativas (OCDE, 2001). GUIMARÃES,Samuel–.in“‘2xEspelhoseIdentidades’–ProjectocomEscolas 2010/2011”.PesodaRégua:ServiçoEducativodoMuseudoDouro,2011.  LENCASTRE,MarinaPrietoAfonso;LEAL,RuiMarcelino–    . in GUIMARÃES, Samuel; MANY, Eric – “A Metodologia de TrabalhodeProjecto”.ColecçãoComoAbordar.Lisboa:Areal,2006.ISBN9789726279129, No caso português, apesar de se terem ensaiado reajustes nas escolas às novas e complexas exigências sociais, a verdade é que em termos substantivos as “medidas reestruturadoras” não ultrapassaram o carácter discursivo devidamente institucionalizado pelos respectivos normativos, afigurando-se perversas e inexequíveis porque, e como referencia Morgado e Paraskeva (2000), entaladas entre o controlo por pp.100122. parte da administração central que restringe, e o abandono por parte das leis do mercado  que desampara. SILVA, Mariana de Almeida Oliveira e –        RelatóriodeEstágioapresentado àFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoparaobtençãodoGraudeMestreemHistória daArtePortuguesa.Porto:FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto,2011.   Como constatámos, e parafraseando Bauman (1991), a modernidade ainda está connosco. O peso da herança do passado entranhou-se nas instituições escolares ao replicar um modelo secular criado no final do século XIX, com um cariz iminentemente  intelectual, o qual sujeita os alunos a pretensas verdades científicas inquestionáveis em  prol de interesses económicos. O descrédito da dimensão humana catapultou a  dificuldade em harmonizar a força económica com a sociocultural e as repercussões  fazem-se sentir na contemporaneidade. Neste sentido, valerá a pena fazer uma reflexão  em torno dos três baluartes da Revolução Francesa - a Liberdade, a Igualdade e a      230 2. Fraternidade - cujos princípios que os norteiam têm sido aplicados de forma distorcida. Alexander Bos (1986) sustenta que o descalabro do sistema social ocidental se deve ao facto destes três ideais terem actuado em campos errados, nomeadamente: a igualdade actuou na vida cultural produzindo a massificação e a trivialidade; a liberdade actuou na 231 vida económica originando o liberalismo que conduz à libertinagem gerando graves Com base em entrevistas feitas a artistas2, no âmbito de um trabalho de injustiças sociais; a fraternidade actuou na política fazendo espoletar “lutas” entre investigação, cuja pretensão foi a de abarcar e de congregar várias linguagens artísticas facções. com vista a auscultar repercussões da obra na vida dos entrevistados, duas faces que se Na linha de Bauman (1991), vivemos actualmente um período de pós- entretecem e se desafiam, estes emitiram testemunhos3 valiosos que nos permitem modernidade que consiste não numa ruptura, já que nenhum projecto histórico se aventar que os referidos artistas, com a consciência de que o ser humano encerra concluiu e se descarta, mas de “(…) uma recusa em se inscrever numa história em múltiplas identidades as quais são marcadas por múltiplas trajectórias, aventuraram-se a progresso” (Cauquelin, 2009: 88). A pós-modernidade constitui uma espécie de “fazer o múltiplo”4 que se afigura como "(...) uma espécie de criação contínua que, sem automonitorização da modernidade que, tendo atingido a maioridade, suscita a parar, remodela a forma da experiência" (Perniola, 1998: 25), rompendo a forma reelaboração de um pensamento sobre a essência e a vocação do homem e da moldada e criando uma outra consciência que tem implícita uma outra realidade. E humanidade (Lúcio, 2008) e, subsequentemente, um novo entendimento acerca da fizeram-no com a percepção de que não transportam a verdade, mas que a procuram e, função do ensino/ educação. portanto, trilham o caminho com humildade e sentido de responsabilidade, sempre Contrariamente à ideia estável, preexistente e fragmentada de sujeito, o ser numa pesquisa constante, através da experimentação ancorada no real. Mergulhados no humano afirma-se na sua integralidade como um projecto em devir, cuja essência “(…) caos, abraçam a actividade criadora e produzem simbioses e intercâmbios do consciente consiste em estar para além de qualquer essência definida” (Cabral, 2001) pois, e como e do inconsciente, do real e do não real, vertebrando a força sensível na figura de declara o cientista Damásio (2000), é possuidor de um fenómeno biológico denominado objectos artísticos, que constituem “agenciamentos”5, os quais, por sua vez, se conectam de consciência alargada que contém em si o substrato da identidade e da pessoalidade. a outros “agenciamentos”, num processo harmónico e desarmónico, com antíteses e Então, provavelmente o homem tem vocação para ser um espírito livre e, nestas sínteses, e assim ampliam conexões e elasticizam o interior criando outras dimensões, circunstâncias, a liberdade é algo susceptível de se conquistar através da construção pensamentos e relações com o mundo. Os artistas referenciados não seguem uma individual na vida colectiva, com participações idiossincráticas sempre numa necessidade lógica, mas um desejo porque a ordem dos objectos submete-se a um "comunicação activa" com o outro, para que a experiência do ser humano no mundo desejo arbitrário. Deste modo, dão liberdade aos seus valores, às suas capacidades e integre “(…) la prise de conscience capitale de l'inter-solidarité humaine et de la communauté de destin planétaire" (Morin, 2002). 2 3. Chegados a este ponto da nossa reflexão, questionamo-nos: num tempo tão lábil, em constante metamorfose, determinado pela aceleração do tempo e pela consequente expansão do espaço que a tecnologia estimulou, um tempo que perdeu o seu pivô, em que tudo se configura numa dinâmica mais rizomática1, não deveria ser função das escolas preocuparem-se em dotar o ser humano de uma estrutura capaz de conviver com as complexidades quotidianas capacitando-o a exercitar os “(…) instrumentos de pensamento e de cultura que lhe permitem agir como autor do seu tempo cultural e humano” (Lúcio, 2008: 37)? Nesta conformidade, poderá a educação estética ter condimentos para se assumir como um modelo capaz de induzir à unidade do conhecimento e à emancipação do ser humano? 1 Deleuze e Guattari, 1980. 2 232 Refira-se que os artistas entrevistados foram: o escritor António Alçada Baptista, o maestro António Victorino D’Almeida, o professor Jacinto Rodrigues, a pintora Helena Abreu, o ex-Bailarino Jorge Salavisa, oo actor Ruy de Carvalho, o Escultor José Rodrigues e o cineasta Fernando Lopes. As entrevistas constam, na íntegra, na obra “o belo e a vida” (Silva, 2010). 3 Fazemos constar nesta Comunicação, alguns fragmentos das entrevistas. Escritor: “descobri muita coisa a escrever”; maestro: “Nem por sombras, todas as notas que a gente toca são tão importantes como as outras (…) a cidadania está em nós darmos o devido e correspondente valor a cada som que sai, no caso do pianista, de cada dedo.” Pintora: “(…) a pintura acho que me liberta de (…) aspectos negativos do meu temperamento (…) eu sou baixa e acho que as mulheres altas são mais bonitas para contemplar, então passo a contrariar a minha natureza interior e a fazer as pessoas mais esguias”; actor: “Eu quando estudo um papel tenho de procurar as emoções que estão no personagem que faço, (…) Ser actor implica um maior conhecimento do meu semelhante, por isso é que eu gosto tanto do meu semelhante, porque ele é a fonte da minha riqueza; escultor: “Vêm ao de cima facetas que não conhecia, sensibilidades, sobretudo sentimentos, estados de alma, estados metafísicos. O nosso corpo todo funciona, não é só a mão ou a cabeça, tudo funciona. São páginas de um diário, são páginas…(…) a arte pode ajudar a encontrar uma certa estabilidade. Para mim, funciona quase como um … sossega-me, vou dialogando no silêncio, é o diálogo comigo próprio. Papel branco ou então o barro, converso com eles (…) Umas vezes eu comando o barro, outras vezes o barro é que me comanda a mim, dialogamos os dois (…) Não há vencidos nem vencedores.”; cineasta: “o cinema olha para as imagens, (…) o cinema foi (…) uma forma quase, diria, dramatúrgica, de eu fazer a minha vida. (…) ajuda-me a conhecer as pessoas (…) permite-me exorcizar fantasmas meus e fantasmas dessas pessoas. (…) Cada vez que eu faço um filme liberto-me de alguns fantasmas. Vêm outros a seguir”. 4 Expressão de Deleuse e Guattari, 1996. 5 Expressão de Deleuse e Guattari, 1996. 3 233 talentos, e cunham a realidade com a sua subjectividade propondo-se alterar a ordem da esfera do real. Nesta contextura, aventurar-nos-íamos a afirmar que vida e obra poder-se-ão Referências bibliográficas - Bauman, Z. (2007). Modernidade e Ambivalência. Lisboa: Relógio D’Água Editores. conjugar, através das manifestações expressivas das artes, constituindo alianças, já que - Bos, A. (1986). Desafios para uma pedagogia social. Brasil: Editora Antroposófica. ambas são rizomáticas, e portanto têm como tecido a conjugação “e… e…e …” e a - Cabral, F. S. (2001). Ética na sociedade plural. Coimbra: Tenacitas. força suficiente para sacudirem e desenraizarem o verbo ser. (Deleuze e Guattari, 1996: 19). Concluiríamos dizendo que uma verdadeira aprendizagem terá de deixar de ser um processo instruído para passar a ser um processo cultural que mergulha nas raízes mais profundas do indivíduo, susceptível de produzir incontáveis fluxos e refluxos, actuante nos espaços das suas mun- dividências onde se integram os contextos sócio-culturais. Um processo que, conjugando a verdade da ficção e a ficcionalização da verdade, constrói de modo interactivo, os lacunares planos da existência, sempre na procura de um núcleo de sentido. - Cauquelin, A. (2009). Arte Contemporânea. Mem Martins: Publicações EuropaAmérica. - Costa, J. A. (2008). “Modelos Organizacionais de Escola e Qualidade de Ensino: O Futuro em Incursão Especulativa”. Actas do V Seminário Regional de Política e Administração da Educação do Nordeste e VI Encontro Estadua de Política e Administração da Educação/RN – Política, Gestão e Qualidade do Ensino. Organização: ANPAE/Nordeste e UFRN/Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. - Damásio, A., R. (2000). O sentimento de si - o corpo, a emoção e a neurobiologia da consciência. Mem Martins: Publicações Europa-América. - Deleuze, G. e Guattari, F. (1996). Rizoma. Mil Platôs. S. Paulo: Editora. - Lúcio, A. Laborinho (2008). Educação, Arte e Cidadania. s/l: Temas & Debates. - Morgado J. C. e Paraskeva J. M. (2000). Currículos: factos e significações. Porto: Edições Asa. - Morin, E. (2002). "Ce que nous savions déjà", in Bulletin Interactif du Centre International de Recherches et Études Transdisciplinaires, nº 16, disponível em http://perso.club-internet.fr/nicol/ciret - OCDE (2001). Quel Avenir pour nos Écoles? Paris: OCDE, Centre pour la Recherche et l’Innovation dans l’Enseignement. - Perniola, M. (1998). A estética do século XX. Lisboa: Editorial Estampa. - Silva, S. S (2010). O belo e a vida. Porto: Ecopy. 4 234 5 235 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DE MÁRIO DE ANDRADE NA CRIAÇÃO DOS CEUs DA CIDADE DE SÃO PAULO O Brasil fortemente marcado pelas raízes européias, indígenas e africanas, pode ser reconhecido pelo predomínio e a hegemonia da identidade branca, de moral judaico-cristã, heterossexual e dos grupos dominantes economicamente. Susete Rodrigues da Silva suseterodriguesaraujo@gmail.com Instituto de Artes da UNESP Mas não só, nosso povo é miscigenado e o encontro das diversidades culturais está presentes desde a nossa fundação. Segundo Ribeiro (2006), que estudou profundamente as raízes culturais do povo brasileiro, a cultura brasileira surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada. Tema: Educação/Arte/Desenvolvimento Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, Palavras Chaves: artes, educação, cultura, não formal, popular. um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, RESUMO: Essa pesquisa refere-se ao estudo do pensamento vivo de Mário de por exemplo, que são sociedades multiétinicas regidas por Andrade presente nos Centros de Educação Unificados (CEU’s) da cidade de Estados unitários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos São Paulo. Pretende investigar as influências que os CEU’s, receberam do interétnicos, os brasileiros se integram em uma única etnia ideário modernista e das concepções político-culturais elaboradas por Mário de nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma Andrade quando diretor do Departamento de Cultura, no final da década de nação unificada, num Estado uniétnico. (RIBEIRO, 2006: 19, 20) trinta na cidade de São Paulo. Iremos traçar paralelos entre os Parques Infantis e os Centros de Educação Unificados, tecendo as relações entre a cidade Modernista e a São Paulo contemporânea. Portanto o Brasil é uma nação multirracial e multicultural e nesta perspectiva de compreender a ideia de pertencimento como conquista social, tem demonstrado competência em construir políticas públicas com capacidade de melhorar a qualidade educacional e cultural do Brasil, porém o que temos 1.0 A CIDADE DE SÃO PAULO E A CULTURA assistidos ao logo dos tempos é a descontinuidade dessas políticas, que são Pensando na cidade de São Paulo como uma cidade polarizada pelas Estado brasileiro politicamente é elitista, autoritário e antidemocrático no que se carências profundas e privilégios cristalizados, criar um projeto da dimensão refere às políticas públicas e a condução do que compreendemos por Cultura. dos CEU’s é uma grande ousadia, pois seu escopo prevê a tentativa de quebrar com as hierarquias culturais estabelecidas nesta cidade e demarcar com as comunidades locais de cada CEU sua identidade cultural, considerando as culturas locais, as possibilidades heterogêneas e diversidades identitárias das várias são-paulos existentes na cidade. criadas e logo abortadas pelo poder político. É preciso reconhecer que o Se examinarmos o modo como o Estado opera no Brasil, podemos dizer que, no tratamento da cultura, sua tendência é antidemocrática. Não porque o Estado é ocupado por este ou aquele grupo dirigente, mas pelo modo mesmo como o Estado visa a cultura. Tradicionalmente, procura capturar toda a criação social da cultura sob o pretexto de ampliar o campo cultural 1 236 2 237 público, transformando a criação social em cultura oficial, para Cultura (DC) da cidade como prolongamento da Universidade de São Paulo. fazê-la operar como doutrina e irradiá-la para toda a sociedade. Paulo Duarte e Mário de Andrade com o apoio de jornalistas e intelectuais Assim, O Estado se apresenta como produtor de cultura, constroem o projeto que irá criar o Departamento de Cultura da cidade com conferindo a ela generalidade nacional ao retirar das classes aval do então prefeito Fábio Prado e do governador do estado de São Paulo sociais antagônicas o lugar onde a cultura efetivamente se realiza. Armando de Salles Oliveira. Recebe influências modernistas, da “Escola Nova”, (CHAUI, 2006: 134) apresenta espírito crítico de pesquisa e experimentação. O Departamento de As tentativas de mudar a ótica através de políticas inovadoras, que consideram o povo como produtor de cultura, tiveram e têm lugar na história brasileira. Podemos apontar como projetos inovadores desta natureza os Parques Infantis e os Centros de Educação Unificados. Uma semelhança que nos chama a atenção é que ambos foram duramente criticados por suas qualidades, inclusive pelos prefeitos sucessores, que apesar de criticarem os projetos, deram continuidade às construções previstas. Porém as propostas foram desvirtuadas e desconstruídas com o intuito de apagar a marca do outro governo e a memória de seu povo. Isto tem ocorrido com frequência no âmbito educacional e cultural brasileiro. Talvez seja um dos maiores desafios: dar continuidade às políticas públicas, independente da mudança de governo, e não permitir o retrocesso que destroem excelentes iniciativas. para concatenar essas energias e orientá-las politicamente, com clara consciência dos riscos de retrocessos e das possibilidades de liberação que elas ensejam. O povo brasileiro pagou, historicamente, um preço terrivelmente alto em lutas das mais cruentas de que se tem registro na história, sem conseguir sair, através delas, da situação de dependência e opressão em que vive e peleja... (RIBEIRO, 2006: 22, 23) 2.0 OS PARQUES INFANTIS DE MÁRIO DE ANDRADE Na década de 30, na Era Vargas, Mário de Andrade participa da gestão dos Ilustrados e Intelectuais na cidade de São Paulo, dirigindo o Departamento de 3 238 a legislação municipal assume uma diretriz cultural para a cidade de São Paulo. O DC tinha como meta atuar como uma “instituição de expansão cultural no seio do povo” para promover a “elevação cultural do povo”. Mário de Andrade propôs um conceito democrático de cultura, “uma relação pedagógica” entre as várias dimensões que ele estava tentando sintetizar: o nacional e o universal, a cultura do “povo” e a cultura “erudita”, o moderno e o tradicional, a criatividade e a experimentação artística individual e a importância da arte no enriquecimento da vida da comunidade. A criação dos Parques Infantis é um marco na história da Educação, garantiu o direito à infância, criando a primeira rede pública de atendimento à criança pequena. Criados inicialmente como um projeto de educação não formal para atender os filhos dos operários, posteriormente, dá origem ao que conhecemos, hoje, como rede de educação O grande desafio que o Brasil enfrenta é alcançar a necessária lucidez Cultura e Recreação foi criado oficialmente em maio de 1935. Pela primeira vez infantil da cidade de São Paulo. Mário de Andrade não foi um antecipador de demandas, interessado em amenizar os conflitos de classe; ele estava mesmo interessado em educar os filhos das famílias operárias, elevar sua cultura através da arte, resgatando a produção cultural dos setores populares para tirar o Brasil do atraso, preocupado com a construção da identidade nacional. Portanto, mesmo sendo difícil, ou quase impossível definir as especificidades nacionais naquele momento, ele tinha um projeto cultural que englobava atores habilmente excluídos: as crianças e a classe operária (...) Para tirar o Brasil “do atraso” e construir uma nação moderna, os intelectuais das décadas de 20 e 30 acreditavam na reforma da educação e do ensino e só dispunham do poder das idéias, porém, com 4 239 a “estreiteza dos espíritos”, o que fazer? Mário de Andrade acreditou mudança contribuirá para o principio de cidade educadora, bem como o da que poderia ser através da administração pública. (FARIA 1993: 6 e 7) rede de proteção social instituídos na cidade de São Paulo. Mário de Andrade, católico, humanitário, recebeu influência unanimista e marxista, defendia o ócio macunaímico através dos seus escritos e da atuação política que chamou de “arte-ação”, contradizendo o capitalismo industrial de Getúlio Vargas. Era um homem apaixonado e feliz até então, devotou boa parte de sua vida ao Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Sua gestão Podemos observar semelhanças entre os Parques Infantis e os Centros de Educação Unificados, os dois projetos foram criados para atender populações periféricas e carentes. A periferia descrita por Mário de Andrade era a de uma população imigrante para a qual o acesso ao idioma brasileiro era crucial. A preocupação que Mário tinha com as diferentes culturas, o respeito à criança, deixou um Patrimônio Cultural importantíssimo para a cidade de São Paulo. ao povo brasileiro encontra-se muito presente neste momento histórico de 3.0 OS CEU’s E A INFLUÊNCIA DOS PARQUES INFANTIS DE MÁRIO DE do CEU: a valorização a diversidade cultural e a cultura da infância. criação dos CEUs. Podemos notar que este é um dos eixos centrais do projeto ANDRADE Os CEUs foram criados pelo Governo da Reconstrução, liderado pela prefeita Marta Suplicy, entre os anos de 2001 a 2004, nasce nesta perspectiva de cidadania cultural combinando gestão participativa e qualidade social da educação. Buscou-se valorizar, reconhecer, respeitar e partilhar as culturas locais dos 21 CEUs, considerando a cidade heterogênea e cada CEU único e plural ao mesmo tempo. A concepção dos CEUs recebe influência de diversas iniciativas inovadoras que a história da educação nos revela. Esta pesquisa enfatiza as influências recebidas dos Parques Infantis e do ideário modernista da gestão de Mário de Andrade, porém destacamos as influências recebidas dos projetos que fazem referência à “Escola Parque” idealizada pelo educador Anísio Teixeira, lançado na Bahia em 1950. Os Centros de Educação Unificados foram construídos em regiões periféricas da cidade de São Paulo, onde o “Mapa da Exclusão Social” (SPOSATI, 2001), apontava pouca ou nenhuma presença do poder público, alta concentração de pobreza, locais sem equipamentos públicos de cultura e lazer e altos índices de violência urbana. Com a implantação dos vinte e um CEUs na primeira fase, a cidade muda significativamente o quadro de equipamentos públicos de educação e cultura, expandindo a quantidade de bibliotecas de 67 para 88 (aumento de 30%), telecentros de 52 para 73 (40%), piscinas de 61 para 128 BIBLIOGRAFIA: ANCONDA LOPEZ, Telê. Mario de Andrade: Ramais e Caminho. São Paulo: Duas Cidades, 1972. ANDRADE, Mário. Taxi e Crônicas no Diário Nacional; estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê Ancona Lopez. São Paulo: Duas Cidades, Secretaria de Cultura, Ciências e Tecnologia. 1976. ________. Macunaíma. São Paulo: Martins Fontes. 1962. CHAUI, Marilena. Cidadania Cultural. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. COUTINHO, Rejane. A coleção de Desenhos Infantis do Acervo Mário de Andrade. Tese de doutorado, São Paulo: ECA-USP, 2002. DORIA, Og Roberto. Educação, CEU e cidade de São Paulo: breve história da educação pública brasileira na cidade de São Paulo, São Paulo- SME, Livraria do Arquiteto, São Paulo, 2007. DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec, Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977. FARIA, Ana Lúcia, G. D. O direito a infância: Mario de Andrade e os Parques infantis para as crianças de família operária da cidade de São Paulo (1993-38). Tese de doutoramento, USP, São Paulo, 1993. GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. GOBBI, Marcia. “Mario das Crianças”. Campinas, SP: Jornal da Unicamp, edição 310 de 2005. (109%) e os teatros aumentaram 300%, passando de sete para 21. Esta 5 240 6 241 PADILHA, Paulo Roberto, Roberto da Silva, (orgs). Educação com qualidade social: a experiência dos CEUs de São Paulo. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2004. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006. A DANÇA, SUAS INTERFACES COM AS DIFERENTES LINGUAGENS E OS POSSÍVEIS REBATIMENTOS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA ARTE NA CONTEMPORANEIDADE Ana Paula Abrahamian de Souza Universidade Federal de Pernambuco, Brasil SPOSATI, Aldaíza. Cidadania em pedaços. São Paulo: Brasiliense, 2001. Na presente comunicação busco, a partir da discussão sobre as mudanças no mundo das artes na contemporaneidade, refletir sobre o campo epistêmico da Arte/Educação numa perspectiva interdisciplinar. Longe de estar pleiteando o retorno a polivalência do ensino de Arte, muito menos propondo a indiferenciação das linguagens artísticas, reporto-me a algumas questões que trago para a reflexão neste encontro: Como a interdicisplinaridade se define quando a intenção é refletir sobre o ensino e o aprendizado de Arte? Como pensar num ensino e aprendizado em Arte atravessado pela interdisciplinaridade se temos, cada vez mais, especialidades e especialistas? Como formar professores/artistas/pesquisadores que possam transitar no território híbrido da arte contemporânea? De que forma possibilitar aos nossos alunos e alunas o trânsito entre linguagens artísticas sem compartimentá-las e disciplinrizá-las? Palavras- chave: Arte; interdisciplinaridade; ensino e aprendizagem da Arte Teias entre o mundo das Artes e o seu ensino: reflexões sobre a interdisciplinaridade A mudança no mundo das Artes está constituída por peças que desafiam cada vez mais a existência de códigos estabelecidos, procurando outras maneiras de se fazer dança, ora privilegiando o corpo, o contexto, ou o conteúdo e interagindo com novas formas de expressão artística surgidas na manipulação ilimitada das tecnologias como o vídeo, a holografia, a comunicação computadorizada, etc. (BANES, 1980), devendo ser assumida como um texto cujos significados são negociados a cada vivência/experimentação, sendo processo, e não produto, de criação/recriação do homem com seu mundo (GHERES, 2008). Com relação à dança e suas interfaces com outras linguagens artísticas, percebe-se que isto não é um advento novo, pois já nos anos de 1960 e 1970, nos Estados Unidos, artistas de diferentes vertentes se reuniam para experimentações na Judson Memorial Church. Por lá passaram nomes como o coreógrafo Merce Cunningham e o músico John Cage, rendendo uma parceria histórica e marcante. A dança como ruptura, como busca do novo, da expressão individual marcada por 7 inusitados espaços cênicos, fez de outros meios e instrumentos da busca estética na renovação do repertório e do espaço significativo para a atuação, inaugurando um 242 243 novo processo dentro da tradição do movimento expressivo. A grande variedade de Desta forma, um ensino interdisciplinar no campo da Arte é uma relação de representação e de trabalhos interdisciplinares envolvendo teatro, dança, mímica, reciprocidade, de mutualidade, de um regime de colaboração e interação, que irá ópera, musica, mídia, artes plásticas, leva a uma nova classificação dos gêneros de possibilitar uma relação dialógica entre as diferentes linguagens, mas sem perder suas representação cênica, em uma infinita combinação por justaposição as quais vão especificidades. Assim, recheando os novos trabalhos cênicos, de individualidades e diálogos, em que multiplicidade a variedade de corpos, as expressões, as linguagens, espaços cênico e o público alvo são a marca principal. A década de oitenta, fase denominada da era do Bricolage, sustentou a interdisciplinaridade e a ousadia na experimentação, quando coreógrafos e dançarinos buscaram no teatro, na mímica, na acrobacia, na esgrima ou no canto, por exemplo, técnicas de enriquecimento para suas performances. É premissa ressaltar aqui o trabalho de Pina Baush, que se firmou nesta década como um dos marcos da dança de nosso século. Suas coreografias perpassam os diferentes meios artísticos usados, criando uma nova e única linguagem. Paradoxalmente aos contextos interdisciplinares, polimórficos e híbridos do cenário artístico contemporâneo, um forte movimento conservador ainda insiste em permanecer nos espaços escolares, apesar do ensino da arte desde a década de 1970 ter se constituído “numa questão socialmente problematizada” (AZEVEDO, 1997) e as décadas subsequentes terem sido marcadas por um conjunto de discussões políticas e conceituais sobre o ensino da arte - marcadamente das artes visuais (AZEVEDO, 2002; BARBOSA, 2005, 2002, 1998; RICHTER, 2002), onde o eixo interdisciplinar foi um dos elementos estruturantes deste novo paradigma no campo da a pesquisa interdisciplinar somente torna-se possível onde várias disciplinas se reúnem a partir de um mesmo objeto, porém é necessário criar-se uma situação problema no sentido de Freire (1974), onde a ideia de projeto nasça da consciência comum, da fé dos investigadores no reconhecimento da complexidade do mesmo e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a cada duvida ou a cada resposta encontrada (FAZENDA, 2004). Torna-se premissa aqui refletirmos acerca do perigo da proliferação de práticas intuitivas que em nome da interdisciplinaridade se apropria de modismos, abandonando a historia construída por um grupo de docentes, substituindo-a por slogans e hipóteses, muitas vezes improvisadas e mal elaboradas. Superficialidade dos conceitos, das práticas e dos registros, nos impede de garantir a legitimidade ao que produzimos, fazemos ou escrevemos. O que quero dizer com isso? que muitos professores de arte, encarcerado em suas “gaiolas” epistemológicas, desconhecem a estrutura das demais linguagens artísticas e as demais áreas do conhecimento, dos seus objetos, estruturas e funções no currículo. Precisamos um novo tipo de ensino que possa sair da retórica vazia e sem significado das nossas práticas sociais de ensino e aprendizado em Arte. E aqui boa vontade e experiência profissional apenas, não é suficiente. Arte/Educação. Sobre o princípio da interdisciplinaridade, que no início da década de 1990 tornou-se temática emergente dos mais representativos eventos sobre formação de Universo epistemológico da arte e seu universo pedagógico: obstáculos e possibilidade de um trabalho interdisciplinar educadores1 a professora Ivani Fazenda nos alerta que o termo “interdisciplinaridade” não possui ainda um sentido único e estável e que, embora as distinções terminológicas sejam inúmeras, seu princípio é sempre o mesmo: caracteriza-se pela intensidade das trocas entre especialistas e pela integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa (FAZENDA, 2007, p. 30).                                                                                                                 1 No Brasil, o eixo interdisciplinaridade foi temática emergente nos encontros da ANPED – associação Nacional de Pós-graduação em Educação, dos Encontros Bienais de Professores de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE) e da Conferência Brasileira de Educação (CBE). 244 Nos limites deste texto, procuro refletir neste momento sobre os obstáculos e as possibilidades para a efetivação de uma proposta interdisciplinar para o ensino e aprendizagem em Arte na contemporaneidade. Trago à cena a fala da Professora Ivani Fazenda que, em sua tese de livre-docência nos fala que [...] o ensino interdisciplinar nasce da proposição de novos objetivos, de novos métodos, de uma pedagogia, cuja tônica primeira é a supressão do monólogo e a instauração de uma prática dialógica. Para tanto, faz-se necessária a eliminação de barreiras 245 entre disciplinas e entre pessoas que pretendem desenvolvê-las [...] (FEZENDA, 2004, p. 30) Transpondo esta fala para o campo da Arte/Educação, tal projeto poderia ser viabilizado se fossem discutidos alguns obstáculos, como: 1. Obstáculo de ordem epistemológica – a interdisciplinaridade só se faz presente quando forem respeitadas as verdades e a especificidade de cada linguagem artística; 2. Obstáculo de ordem institucional – torna-se premissa a eliminação das barreiras entre as linguagens artísticas e as demais disciplinas do currículo, o que exige a quebra da cultura da instituição, que, de certa forma, ainda reforça o discurso fragmentado e engavetado das disciplinas. Precisamos de uma estrutura dialética, não linear e não hierarquizada, onde o mais importante do que o produto é o processo. 3. Obstáculos quanto à formação – o desconhecimento do real significado de um projeto interdisciplinar em arte, falta de formação e informação específica, acomodação à situação já estabelecida e sedimentada. Precisamos de condições humanas ou seja, um novo tipo de profissional com novas características, as quais ainda estão sendo ensaiadas. 4. Obstáculos de ordem material – para efetivarmos tal proposição é primordial um planejamento do espaço e tempos diferenciados na grade curricular. AZEVEDO, Fernando A. G. Multiculturalidade e um fenômeno da História da Arte/Educação Especial. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1997. BANES, Sally. Terpsicore in sneakers. Boston: Houghton Mifflin, 1980. BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: Leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2005. BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002. BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Edições Loyola, 2007. FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2004. GEHRES, Adriana de Faria. Corpo-Dança-Educação na contemporaneidade ou da construção de corpos fractais. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. RICHTER, Ivone Mendes. Multiculturalidade e interdisciplinaridade. In: BARBOSA, A. M. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.     É notório que os obstáculos são muito – e difíceis de serem transpostos! Mas podemos também pensar no valor e na aplicabilidade da interdisciplinaridade entre as linguagens artísticas a partir de suas possibilidades de efetivação. o processo pedagógico precisa se fundamentar no diálogo, tanto entre as pessoas quanto entre as disciplinas “hoje mais do que nunca, reafirmamos a importância do diálogo, única condição possível de eliminação das barreiras entre disciplinas. Disciplinas dialogam quando as pessoas se dispõem a isto (FAZENDA, 2003, p. 50).   Mas eliminar as barreiras entre disciplinas é um gesto de ousadia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 246 247 Figuras do acontecimento: atenção e escuta na arte do encontro. experiência de desencontro com nós mesmos. E, afinal, o que é de uma pesquisa que não encontra em seu curso o desconhecido e o imponderável? O que é do trabalho do pesquisador quando ele Fabiano Ramos Torres1 mesmo não se modifica ao longo desse curso? É neste contexto que o texto “ Tecnologias de modulação na contemporaneidade: educação O ensejo dessa rescrita abre margens para se pensar dois conceitos de fundamental artística como dispositivo de controle” apresentado no “2 Eiea”, ao ser repensado após o encontro importância nos encontros, congressos, nas universidades, nos centros de pesquisa entre tantas se nos apresentou como um texto estranhamente familiar. Os encontros marginais – aqueles que outras ocasiões em que grupos heterogêneos de pessoas, linhas de pesquisa e abordagens temáticas acontecem fora da programação oficial – são eles que fazem irromper aquilo que no que foi pensado se cruzam. Esses dois conceitos são: encontro e acontecimento. Pelo primeiro pode-se pensar os ficou impensado. São esses conteúdos que retornam e pedem para ser pensados. Pode-se destacar, efeitos produzidos no pesquisador e na pesquisa mediante as convergências, os influxos, as tensões, com isso, que o trabalho de rescrita é semelhante ao trabalho de elaboração ( durcharbeitung ). Este os ajustes e encaixes possibilitados pelo diálogo – ou a tentativa do mesmo – pelas identificações, conceito, de extração freudiana e reativado por Jean François Lyotard, supõe um trabalho que “se pelo estranhamento frente ao outro e, quiçá, um estranhamento frente a nós mesmos. Falar de um realiza através”. Mas através de quê, no 2 Eiea, este trabalho se realizou? Através justamente do encontro é trazer a possibilidade de uma experiência, de um mergulho em dimensões desconhecidas desencontro. Que deslocamentos foram produzidos na ideia apresentada na ocasião? A apresentação e conflituosas que nos pedem olhar para aquilo que até então permanecia à margem de nossos tinha por objetivo comunicar que a educação está inserida num processo de generalização estética recortes teóricos. O sentido da pesquisa enquanto campo de experiência, exige assim uma abertura que atinge a quase totalidade dos países capitalistas. Esse processo de generalização do estético é no território que ajudamos a constituir, sobretudo suas bordas e limites. Dai que um “encontro” é compreendido como aquele em que há um abuso estético, um agenciamento da sensibilidade por justamente a oportunidade, talvez tímida, que o pesquisador tenha para se lançar na aventura parte do capitalismo avançado, dito pós-industrial, em que vigoram, como novos paradigmas, intelectual da pesquisa enquanto experiência: algo que vai ao encontro e de encontro àquilo que procedimentos e atitudes geralmente associados ao campo artístico. constituímos como territórios da segurança. Chegar a um encontro, ou estar aberto à possibilidade Isso significa que o capitalismo torna o agenciamento da sensibilidade uma de suas do encontro no Encontro, é estar disposto a ser afetado por uma certa violência do imponderável, principais ferramentas. Agenciamento da sensibilidade significa uma operação de captura dos daquilo que não pode ser previsto e, por isso mesmo, escapa ao território de nossos cálculos, teorias, afetos, paixões, instintos, pulsões, feita por um especialista que passa a ser, ao mesmo tempo, previsões, metas, programas, projetos, planejamento e também - e sobretudo - de nosso próprio aquele que estuda e produz: o trabalhador e o pensador. Designers, arquitetos, publicitários, pensamento. Aqui é possível, então, falar do segundo conceito: o acontecimento. E para pensar o marqueteiros, decoradores, estilistas, promoters, socialites, personal trainers recorrem acontecimento no encontro pode-se evocar algumas figuras conhecidas de todos aqueles que alguma verdadeiro banco de afetos e pulsões capazes de suscitar desejos, vontades, sonhos. O trabalho vez já participaram de um encontro: os corredores, o refeitório, as calçadas, ruas, bares, mesas, destes profissionais é modular a sensibilidade, são especialistas na combinatória de afetos e esquinas, jardins, os banheiros/casa de banho; pode-se evocar também a sonoridade de uma língua emoções para serem vendido no mercado. O agenciamento também pode ser considerado como a menor, os acentos/sotaques; as diferenças na semelhança, como, por exemplo, o encontro dos mediação de uma negociação. O que é que se negocia no caso? O mediador é aquele que sabe como falantes de Língua Portuguesa de diferentes países ( Portugal, Brasil, Cabo-Verde ), nos agenciar o afeto e vendê-lo como mercadoria para um comprador. Como todo bom vendedor, ele neologismos inventados nos desencontros dos falantes: a menina grega que ouve o estudante dispõe de seus catálogos de cliente e produtos: cores, formas, texturas, tonalidades, matizes, brasileiro falar portunhol. Todas essas figuras do acontecimento são velhas conhecidas nossas, todos intensidades, mundos possíveis, mundos imaginários, seres imaginários, modos diversos de se conhecemos a potência dos encontros em cada uma dessas situações quando nosso texto- alcançar o prazer e a felicidade, desejo, vontade, sonho - tudo isso que se pode chamar de comunicação-pesquisa passa a ser um tanto desfeito para dar lugar a uma nova trama, talvez início intensidades. de um novo tecido. Por isso a experiência de uma escrita pós-encontro pode ser também uma 1 Professor de Filosofia. Mestre em Educação pela USP – Universidade de São Paulo. Doutorando em Educação pela mesma universidade. a um Associadas todas essas dimensões no campo educacional, sobretudo nesta época em que reformas educacionais ocorrem em diversos países, percebe-se o quanto a educação passa a produzir subjetividades adequadas às demandas da contemporaneidade. Assim, a princípio é 1 2 248 249 possível identificar que o destaque dado à arte e à sensibilidade no mundo contemporâneo, se refere reflexões, teorias e cálculos capazes de fazer variar um conjunto de módulos – aqui, os módulos ao momento em que a educação passa a ser investida por esse processo de estetização generalizada. poderiam ser cada uma das competências e habilidades ou mesmo cada um dos sujeitos envolvidos O desejo das vanguardas em parte se cumpre: a arte disseminada na vida. Em parte o terror também na educação. se cumpre: a captura da arte e da estética pelo poder sobre a vida. rearranja módulos bem como opera no campo de possibilidades – no campo dos possíveis arranjos Que poderes estão em relação no campo da educação – e, mais especificamente, no campo de módulos. No cenário da estetização da vida cotidiana, em que uma multiplicidade de mundos é de constituição da Arte como componente curricular? O processo de estetização apareceria como ofertada, oferece-se também toda uma série de possibilidades, de mundos possivelmente mais um poderoso dispositivo da governamentalidade, a sensibilidade teria sido colonizada – e ao mesmo seguros e felizes. É um mecanismo de regulação, uma espécie de homeostase alcançada na profusão tempo constituída – por sistemas de administração/captura biopolítica tornado-se um dispositivo de mundos. A vida é aquilo que oferece ao sistema capitalista uma fonte inesgotável de invenção. dos gerenciamentos da vida. A generalização do estético diz respeito a irrupção/dispersão do Viver, no contexto do capitalismo avançado ( cognitivo, afetivo, estético ) é inventar modos de vida. estético na cotidianidade e à consequente adesão de toda uma população aos dispositivos de A política, o capitalismo e a educação são estéticos porque todos se estruturam, hoje, em torno da cooptação afetiva. Tais concepções insistiriam num programa segundo o qual sensibilidade e a arte invenção de mundos e dos sujeitos que viverão nesse mundo. seriam os arautos da transformação da vida. Nesse contexto, torna-se problemático o ensino de arte A estética concilia política, educação e capitalismo. Luc Boltanski e Éve Chiapello2 mostram mediante a perda da força de negatividade da arte que se teria esvaído quando – em se levando em que o capitalismo contemporâneo incorpora tudo aquilo que fazia parte, outrora, do universo das conta o processo de generalização estética – a vida mesma teria sido transformada pela arte e pela artes. A esse fenômeno eles chamam capitalismo estético. Assim, o destaque que vem sendo dado à sensibilidade subordinadas ao capitalismo. arte nessas novas concepções de educação se relaciona, quer gostemos ou não, justamente aquilo A ligação da estética com a biopolítica diz respeito aos processos de reinvenção, criação, que fortalece e reestrutura o capitalismo avançado: invenção e criação, flexibilidade e fluidez, manipulação, modulação da vida e sobre a vida. Tanto no aspecto individual quanto capacidade de lidar com o inusitado, beleza, delicadeza, pluralidade cultural, saber conviver. Tudo coletivo. Quando a criatividade, a arte e a sensibilidade são convertidos em princípio educacional, é isso, características marcantes da Arte como componente curricular. Um sujeito diante de suas importante se lembrar, portanto, que se está trazendo para o interior da educação esse dispositivo potencialidades, diante do conjunto de suas habilidades e competências é conclamado a montar-se a biopolítico do poder sobre a vida que atuam no interior dos processos de reinvenção da vida e do si. O sujeito está diante de um baú de capacidades, de faculdades, de potencialidades. A ele é dada a mundo. O capitalismo tomou como modelo esse aspecto fazendo com que se tornasse seu corolário: possibilidade de “bricolar”, montar, construir um sujeito novo conforme a situação, que se espera os mundos ofertados pelo capitalismo são mundos em constante reinvenção. É um modo de inusitada, o exigir. Trata-se, portanto, de um jogo onde as competências e habilidades funcionam sobrevivência estético do capitalismo, porque ele incorporou os modos de vida, os procedimentos, como blocos de conexão. O sujeito é criado na medida em que joga. E quanto mais joga, mais ele as práticas, as técnicas, enfim, todo um ethos artístico historicamente constituído. O capitalismo experimenta. Experimentar é desmontar e remontar, isso é que significa jogar: fabricar a si mesmo avançado pode, assim, ser compreendido como capitalismo estético e uma nova concepção de por meio da experimentação. Uma espécie de bricolagem de si. A educação pode ser assim educação, que ao tomar a estética como princípio axiológico não esteja atenta a esse fato, pode compreendida como uma tecnologia de modulação a serviço de uma política que produz mundos muito facilmente fortalecer os princípios do capitalismo avançado, funcionando, inclusive, como por meio do agenciamento da afetividade. O jogo atualiza habilidades e competências conforme uma tecnologia que forneceria ao sistema aquilo de que ele precisa. A educação seria uma exigências eventuais, referentes a situações parciais, dadas a cada vez, e nunca numa totalidade. O tecnologia de modulação da biopolítica. Ao investir no desenvolvimento de competências e sujeito dai resultante é sempre um evento, um acontecimento que se molda à circunstância. Quer habilidades para a laborabilidade – capacidade de inventar, por exemplo – as reformas educacionais dizer, essa modulação eventual só é possível ao se recorrer ao estoque de habilidades e oferece ao sistema capitalista atual toda uma população preparada para lidar com os desafios do competências. Trata-se da produção de uma subjetividade cujo traço talvez mais marcante seja a mundo contemporâneo. Modulação é uma variação. Modular significa fazer variar, uma operação plasticidade que possibilita ao sujeito criar-se e inventar-se permanentemente. O que hoje se vê é que faz variar um conjunto de módulos. A educação compreendida como uma tecnologia de invisível: fluxos informacionais, informações numéricas ( bits ). Na sociedade disciplinar, os corpos modulação pode ser pensada como um conjunto de técnicas, procedimentos, estratégias, táticas, 2 3 250 Como tecnologia de modulação, a educação identifica, se antecipa, controla e Boltanski, Luc.; Chiapello, Éve. Le Nouvel Sprit du Capialism., Gallimard, 1999. 4 251 eram vigiados; na sociedade de controle, com seu regime de máquinas informacionais, olha-se para o invisível: números, dígitos, pulsos elétricos. do encontro, ao frescor de cada momento, ao acontecimento como o intempestivo. J.F. Lyotard fala de uma espécie de “ascese” como o afinamento da sensibilidade por meio Essa é a nova “matéria” do capitalismo, o imaterial. Ao investir a educação, por meio da da escuta do acontecimento que pode ser compreendida, também, como a instauração de um estado generalização estética, o capitalismo avançado se apropria do ideal de formação que antes servira de acolhimento. Acolher as descontinuidades, as fraturas; captar as relações não-lineares que todo como norte de uma educação emancipadora e autônoma fazendo com que a educação entre em encontro exige, uma certa disposição para acontecer: é preciso estar disposto a se modificar, a se contradição com seus ideais ao perder seu poder de negatividade. O capitalismo investe cada vez diferenciar. Cada acontecimento traz, assim, o seu próprio frescor, um certo devir-criança, com seu mais nos processos próprios da dimensão estética, ligados ao trabalho do artista. A vida se estetizou, ineditismo, que torna possível, a cada vez, novos espaços de pensamento, espaços de maleabilidade, a empresa se estetizou e disseminou a lógica da empresa por todos os cantos, inclusive na educação. de plasticidade. Os produtos são formas de vida. Formas de vida são produtos. Mapear, controlar e monitorar Escrita do acontecimento: uma atividade ou operação através da diferenciação ( de mim formas de vida, desejos, afetos. Não é isso que, intencionalmente ou não, ocorre quando a mesmo, da escrita, da arte, da filosofia ). Escrita, encontro e acontecimento que nos joga cada vez sensibilidade se torna princípio educacional? À medida que a educação passa a ser investida por mais longe de um si substancial – ou de uma essência do que quer que seja - e que, ao mesmo esse processo de generalização do estético é necessário que se conheça, cada vez mais, o que é que tempo, possibilita, a cada vez, o encontro com as multiplicidades. constitui o homem como sujeito da sensibilidade. Trata-se de um desafio para a educação atual: de lidar com potencialidades, virtualidades, quando essas são a grande mercadoria do capitalismo avançado. Criar e inventar, ser um sujeito sensível, nos libertam e possibilitam resistir ou nos lançam ainda mais no seio do capitalismo? A invenção é resistência mas é, ao mesmo tempo, a essência daquilo contra o que se resiste. A inserção do lúdico no que se considera como âmbito da austeridade – a escola e o trabalho – insere a educação no universo dos jogos: educação, política e trabalho são como que unificados por aquilo que é próprio do jogo, a competitividade, a criatividade e o prazer. Em resumo, este foi o núcleo da comunicação apresentada no 2 Eiea. Comunicação está que naquela ocasião parece não ter reverberado entre os que ali se encontravam. Silêncio. Outras comunicações se seguem. A sessão de debates é aberta e nenhuma pergunta, nenhuma referência às questões aventadas pela comunicação. Desencontro da proposta com os o que ali se encontravam? Silêncio. O texto reverbera no suposto autor. Aquele que supostamente produziu aquelas questões é então interrogado pelo seu próprio agenciamento: porque elas não afetam? Porque não movimentam? Então, no depois, logo ali, no refeitório, quando a velocidade requerida por uma comunicação diminuía, na lentidão de depois do almoço foi que um outro movimento se fez presente - mais lento, a partir de outros olhares, um outro respirar, alguém comenta: – “Interessante...interessante essa coisa do capitalismo estético...” E o encontro segue. Outras perguntas, outras encruzilhadas. Isso tudo possibilitou um novo estado de atenção para a arte do encontro, uma arte da escuta, um estar aberto à imprevisibilidade 5 252 6 253 !"#$%&'()*)+%,-*&&*'(.*#,)*,/%&0*12%,+",3&%4"##%&"#,"0,5&'"#,6(#7*(#, 9,-*&&*'(.*#,*$"&$*,+",#*:"&"#,",4*;"&"#,+%$")'"#,"0,5&'"#,6(#7*(# !"#$%&'(&)%&'*+',)%-.'/+*).0&'1&02.32+".0 !"#$%&'#()(%*+%(%&),*(-*.),%*(-*/0-*+&)"1#'1-2*!34.5/+ N%'(% * - * #"A1#- * (% *7#"J)' * )9#$#()(%' *1-7- * (-1%"9%: * %7* 7%)(-' *(% * QRRQ:* H?)"(-*9&)8),J%#*1-7*)*C(?1)<0-*4"F)"9#,*%7*?7)*%'1-,)*D)&9#1?,)&:*9%"J-*D%&1%8#(-* 1-7 * #"H?#%9)<0- * )' * (#'9^"1#)' * %"9&% * )' * 9%-&#)' * H?% * - * ,#1%"1#)(- * )D&%%"(% * ")* 8"#70% ?"#$%&'#()(%*)*)*D&E9#1)*1-9#(#)")*(-*D&-F%''-&G* 6-7*-'*()(-'*-89#(-':*")*#"$%'9#;)<0-*&%),#=)()*"-*>%'9&)(-*%7*5&9%'*.#'?)#'*()* @%&1%8- * H?% * -8'%&$)& * )' * (#"^7#1)' * %(?1)9#$)' * ") * 7#"J) * D&E9#1) * (-1%"9%* !"#$%&'#()(%*+%(%&),*()*@)&)A8)2!+@B*%7*)''-1#)<0-*1-7*)*!"#$%&'#()(%*+%(%&),* (%'(%*)*C(?1)<0-*4"F)"9#,*)-*C"'#"-*/?D%&#-&:*_*?7)*F%&&)7%"9)*()*")&&)9#$)*H?%* (%*@%&")78?1-2!+@C:*D?(%*D%&1%8%&*)*&%,)<0-*#"9&A"'%1)*%"9&%*9%-&#)'*%*D&E9#1)'* D-''#8#,#9) * entender as interações e práticas cotidianas, visualizando a docência %(?1)9#$)'*%*)*"%1%''#()(%*(%*'%*D&-8,%7)9#=)&*%*&%F,%9#&*)*&%,)<0-*%"9&%*)'*9%-&#)'* como uma (#'1?9#()'*")*F-&7)<0-*#"#1#),*(-*D&-F%''-&*%*)*D&E9#1)*%(?1)9#$)G*3%'9)*D%'H?#'):* próprios do tornar-se professor. interlocução social e cultural (COSTA, 2011) de saberes e fazeres 8?'H?%#*(#'1?9#&*)1%&1)*()'*")&&)9#$)'*"-*%"'#"-*(%*5&9%'*.#'?)#'*()'*1#()(%'*(%* C7 * $E&#-' * 7-7%"9-': * %'1?9%# * (% * 1-,%;)' * D&-F%''-&%': * ")' * #"'9#9?#<\%'* I?)=%#&-2B5 * % * @%9&-,#")2@C * D-& * 7%#- * (-' * (#'1?&'-' * (% * H?)9&- * D&-F%''-&%' * H?%* %(?1)1#-")#'*H?%*)9?%#:**)*F&)'%]*`_*7?#9-*8-"#9-*")*9%-&#):*7)'*")*D&E9#1)GGGaG*5,_7 * 9&)8),J)7*1-7*5&9%'*.#'?)#'*")*(#'1#D,#")*5&9%:*%7*(?)'*%'1-,)'*7?"#1#D)#'*K?7)*(%* (% * (%'$#-' * 1-"1%#9?)#': * - * %"'#"- * (#''-1#)(- * (% * ?7 * )D&%"(#=)(- * %F%9#$-: * 1-7 * )'* 1)() * 1#()(%L * 1-7 * M"(#1% * (% * N%'%"$-,$#7%"9- * () * C(?1)<0- * BE'#1) * O * 4NCB* 1-8&)"<)'*()*;%'90-*D%();b;#1):*'%7*-*(%$#(-*#"9%&%''%*D%,)*)<0-*%(?1)9#$)*(-* %PD&%''#$-:*"-'*)"-'*(%*QRRS:*QRRT*%*QRRUG*V?%'9#-"%#W7%*'-8&%*1-7-*-'*H?)9&-* D&-F%''-&:*(%#P-?W7%:*%7*'#9?)<\%'*(%*`'-,#(0-*(-1%"9%aG D&-F%''-&%'*1-"1%8%7*)*'?)*D&E9#1)*%(?1)9#$)*%7*5&9%'*.#'?)#'*"-'*)"-'*F#")#'*(-* 6-7 * %'9% * '%"9#7%"9-: * D%&1%8# * )' * (#F#1?,()(%' * (% * 9-&")&W'% * 1-9#(#)")7%"9%* C"'#"-*+?"()7%"9),*KXY*)-*UY*)"-LG*@-&*7%#-*(-'*%"9%"(#7%"9-'*H?%*)*D%'H?#')* D&-F%''-&)*(%*5&9%'*.#'?)#'*"-'*)"-'*()*C(?1)<0-*BE'#1)]*1-7*)*'-8&%1)&;)*(%* 1#9)()*7%*9&-?P%:*D&-''%;?#*1-7*-'*%'9?(-':*?9#,#=)"(-*(%*,#9%&)9?&)*%'D%1#),#=)()*%* -8&#;)<\%':*D&%1)&#%()(%*%:*D-&*$%=%':*)?'c"1#)*(%*7)9%&#)#'*(#(E9#1-'*"%1%''E&#-'* )D,#1)"(- * 1-7- * 7%9-(-,-;#) * (% * #"$%'9#;)<0- * %7 * %"'#"- * (% * 5&9%' * .#'?)#' * Z* Z*E&%):*1-7*)'*#")(%H?)()'*1-"(#<\%'*(%*9&)8),J-:*'?D%&,-9)<0-*(%*'),)'*(%*)?,):* (#'1#D,#")'*H?%*9&)8),J-*")*[#1%"1#)9?&)*%7*5&9%'*.#'?)#'*()*!"#$%&'#()(%*+%(%&),*(-* D-?1-*-?*"%"J?7*&%1-"J%1#7%"9-*()*)9#$#()(%*(-1%"9%*D%,-*1-&D-*D%();b;#1-*()'* .),% * (- * /0- * +&)"1#'1-2!34.5/+G * 4"9%&D&%9- * )''#7: * D-& * 7%#- * (% * $#'?),#()(%':* %'1-,)'*%*)*(%'$),-&#=)<0-*'-1#),*(-*D&-F%''-&*KC/dC.C:*eUUULG ),;?7)' * ")&&)9#$)' * H?% * $%"J- * 1-"'9&?#"(-: * )D-"9)"(- * H?%'9\%': * D%&1%D<\%'* CPD%&#7%"9%#: * %7 * -1)'#\%' * (#$%&')': * * ) * )";f'9#): * - * (%';-'9-: * ) * &)#$): * )* '#;"#F#1)9#$)' * D)&) * ) * 1-7D&%%"'0- * ()' * &%,)<\%' * %"9&% * 9%-&#)' * % * D&E9#1)'* (%'%'D%&)"<):*)*(%'7-9#$)<0-:*-*1)"')<-*%*-*%'9&%''%*K>5g453h*%*>!34i:*QRRXLG* )&9A'9#1)'2%(?1)9#$)' * % * - * (%'%"$-,$#7%"9- * 1&A9#1- * () * #(%"9#()(% * (-1%"9% * (%'(% * )* 6-7D&%%"(- * H?% * %'9%' * '%"9#7%"9-' * (%$%7W'% * Z * )7D,#)<0- * 1-"9%7D-&^"%) * (-'* F-&7)<0-*#"#1#),*(-*D&-F%''-&*(%*5&9%'*.#'?)#'G (%$%&%'*%*)9#$#()(%'*(-1%"9%'*(-*D&-F%''-&:*1-7-*%PD,#1#9)7*j)'D)&#"#:*B)&&%9-*%* 5''?"<0-*KQRRSLG* @),)$&)'W1J)$%]*")&&)9#$)':*F-&7)<0-*(%*D&-F%''-&%':*%"'#"-*(%*5&9%'*.#'?)#'G g%F-&<-*)*$#'0-*(-'*)?9-&%'*)-*#"F%&#&:*H?%*D)&)*-*D&-F%''-*(%**5&9%'*.#'?)#':*)* )9?)<0- * (-1%"9% * "0- * _ * '-7%"9% * )$),#)() * 1-"'9)"9%7%"9%: * (%$%&%'* (%'1-"9%P9?),#=)(-' * % * (%')9?),#=)(-' * (% * )1-&(- * 1-7 * ) * ,%;#',)<0- * %(?1)1#-"),* $#;%"9%:*'0-*#7D-'9-'*D%,)*;%'90-*D%();b;#1)*%:*%7*7?#9-'*1)'-':*D-&*(#&%9&#=%'* 1?&&#1?,)&%' * %'9)(?)#' * %2-? 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"C@"&(D)$(*,+%$")'" Desta forma, por meio das minhas experiências docentes, compreendo que as práticas educativas demonstram e revelam concepções que remetem diretamente `5' * #7);%"' * (#=%7 * 7?#9-: * "-' * D&-(?=%7: * "-' * '#;"#F#1)7: * "-' * '-"J)7Ga* K[h@h3dC:*QRRS:*DG*SXL a narrativas históricas do ensino de Arte no Brasil, principalmente às considerações após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Nº 5692 de 11 de 5' * $#'?),#()(%' * D-(%7 * '%& * ?7 * #"'9&?7%"9- * ),#)(- * Z' * ")&&)9#$)': * D)&)* agosto de 1971. Esta lei trouxe para o ensino de Arte brasileiro a visão da disciplina 1-7D&%%"(%& * 1-7- * '% * 1-"'9&b# * ) * #(%"9#()(% * (-1%"9% * K.5/6h36C[h/: * QReeLG* como um acessório, um “penduricalho curricular” e não como conhecimento @-"9?-*1-7-*$#'?),#()(%':*)'*#7);%"'*(#$%&')'*H?%*)D-"9)7*D%&1%D<\%'*)-*-,J)&:* específico (NASCIMENTO, 2005; SAMPAIO, 2006). #"();)7*"-<\%':*(%'(%*)'*D,)1)'*(%*9&^"'#9-*Z'*-8&)'*(%*5&9%*9&)(#1#-")#'G*C'9)':* Identifico, com base nas minhas experiências profissionais, que o saber e o 1-7-*%'90-*D&%'%"9%'*"-*1-9#(#)"-*(-'*#"(#$A(?-':*#"F,?%7*")*7)"%#&)*1-7-*-*-,J)&* fazer docente são construídos e desenvolvidos em um contexto histórico, social e $)#*'%*1-"'9#9?#"(-:*1-7*&%F%&c"1#)'*(%*D)(&\%'*1?,9?&)#':*J#'9b&#1-'*%*'-1#)#':*H?%* cultural. Estes, que por sua vez, os influencia, por isso indago: que fazeres e (%'%"$-,$%7*'#;"#F#1)(-'*D)&)*H?%7*)'*-,J)G saberes docentes são necessários então para a formação inicial do professor de Artes Visuais? 5D&%'%"9-*)*'%;?#&:*(?)'*$#'?),#()(%'*(%*%PD%&#c"1#)'*'#;"#F#1)9#$)'*"-*7%?* )D&%"(#=)(- * (% * ')8%&%'WF)=%&%' * (-1%"9%' * %7 * 5&9%' * .#'?)#'] * %7 * ?7) * %'1-,)* B?'1)"(-*%"9%"(%&*%'9)*H?%'90-:*D%&1%8-*H?%*-*')8%&*%*-*F)=%&*"0-*%'90-* D)&9#1?,)&:*"-*)"-*(%*QRRS*%*%7*?7)*%'1-,)*Df8,#1):*"-*)"-*(%*QRRTG (#''-1#)(-':*D%,-*1-"9&E&#-:*)''%7%,J)7W'%:*")'*%'1-,)':*Z'*&%,)<\%'*%"9&%*9%-&#)'*%* C'9)' * $#'?),#()(%' * '0- * (%'1&#9)' * % * )"),#')()': * (% * )1-&(- * 1-7 * '?)'* D&E9#1)' * %(?1)9#$)': * (%7-"'9&)(-' * % * (%'%"$-,$#(-' * (- * D,)"%k)7%"9- * Z' * )<\%'* %'D%1#F#1#()(%': * )9%"9)"(-W'% * D)&)] * 1-"9%P9- * % * )78#%"9% * (% * %"'#"-: * '?k%#9-'* D%();b;#1)'*(-*D&-F%''-&G*@-&*1-"'%;?#"9%:*D-(%W'%*#"F%&#&*H?% %"$-,$#(-':*D&-1%(#7%"9-'*(#(E9#1-'*?9#,#=)(-':*)8-&();%"'*(%*%"'#"-*&%F%&%"1#)()'G -*H?%*1)&)19%&#=)*-'*')8%&%'*D&E9#1-'*-?*%PD%&#%"1#)#':*(%*?7*7-(-*;%&),:*_* -*F)9-*(%*'%*-&#;#")&%7*()*D&E9#1)*1-9#(#)")*()*D&-F#''0-*%*'%&%7*D-&*%,)* $),#()(-'G * lmn * D)&) * -' * D&-F%''-&%': * -' * ')8%&%' * )(H?#&#(-' * )9&)$_' * ()* %PD%&#c"1#) * D&-F#''#-"), * 1-"'9#9?%7 * -' * F?"()7%"9-' * (% * '?) * 1-7D%9c"1#)G* Kd5gN4+:*QReR:*DG*opLG 5 * D&#7%#&) * $#'?),#()(% * K+#;G * eL * )D&%'%"9)(): * &%D&%'%"9) * ?7 * 7-7%"9-* (%'1-"9&)A(-*(-*)"-*(%*QRRS:*%7*H?%*),?"-'**(-*pY*)"-*(-*C"'#"-*+?"()7%"9),*")* %'1-,)*D)&9#1?,)&*>%(),J)*>#,);&-')*%7*+-&9),%=)26C:*1-"'9&?A)7*-8k%9-'*)&9A'9#1-'* H?%*&%7%9%''%7*)-'*1-"1%#9-'*%*$#'?),#()(%'*%'9?()(-'*%7*5&9%*6#"_9#1)G h'*')8%&%'WF)=%&%'*)(H?#&#(-'*)*D)&9#&*()*%PD%&#c"1#)*()*(-1c"1#):*9-&")7W'%* 1-7D%9c"1#)'*%(?1)9#$)':*H?%:*(%*)1-&(-*1-7*@%&&%"-?(*KeUUoL:*'%*(%'%"$-,$%7* 256 257 3)*)?,)*'%;?#"9%:*-&;)"#=)7-'*?7)*%PD-'#<0-*(-'*9&)8),J-'*D%,-'*1-&&%(-&%'* ()*%'1-,):*H?%*F#1-?*)8%&9)*(?&)"9%*-*D%&A-(-*(%*?7*7c':*1-7*$#'#9)<0-*(-'*),?"-'* (%*-?9&)'*9?&7)':*D)#'*%*D)&%"9%':*),_7*(%*),;?7)'*#&70'*()*1-";&%;)<0-*)*H?),*)* %'1-,)*D%&9%"1#)G +#;G*e]*5,?"-'*&%),#=)"(-*)9#$#()(%*(%*D&E9#1)*)&9A'9#1)'*")*1-"F%1<0-*(%*7b8#,%'*1-7*7)9%&#)#'* (#$%&'-'*)*D)&9#&*()*(#'1?''0-*'-8&%*5&9%*6#"_9#1)*")*C'1-,)*>%(),J)*>#,);&-')*O*+-&9),%=)26CG*QRRSG* 51%&$-*@)&9#1?,)&G C'9) * )9#$#()(% * )&9A'9#1) * F-# * D,)"%k)() * (% * )1-&(- * 1-7 * D&%''?D-'9-' * ()* 58-&();%7*d&#)";?,)&:*)8-&();%7*(%*%"'#"-*'#'9%7)9#=)()*")*(_1)()*(%*eUpR*D%,)* D%'H?#')(-&)*8&)'#,%#&)*5")*>)%*B)&8-'):*%7*H?%*'?;%&%*)-*D&-F%''-&:*-*9&)8),J-* 1-7*)*1-"9%P9?),#=)<0-:*)*)"E,#'%*%*)*1&#)<0-*)&9A'9#1)G* +#;G*Q]*5,?"-'*(-*6?&'-*(%*@#"9?&)*9&)8),J)"(-*1-7*)*1-"9%P9?),#=)<0-*(-*9%7)*F-9-;&)F#)*)*D)&9#&*(%* #7);%"'*$#'?),#=)()'*%*1&#)()'*%7*F-9-;&)F#)*D-&*%,%'*O*C'1-,)*(%*5&9%'*65/![h:*@),7E1#)26C:* -?9?8&-*(%*QRRTG*51%&$-*@)&9#1?,)&G*e 5*'%;?"()*%PD%&#c"1#)*K+#;G*QL:*F-#*?7)*()'*)9#$#()(%'*(%*?7*7b(?,-*H?%* N#$#(#*-'*D&-1%(#7%"9-'*(#(E9#1-'*%7*?7*7b(?,-*(%*?7*7c':*1-7*)?,)'*(%* 9&)8),J%# * 1-7 * ),?"-' * %"9&% * T * % * ee * )"-' * ") * C'1-,) * (% * 5&9%' * 65/![h: * %7* (?&)<0-*(%*SR*7#"?9-'*1)():*'%"(-*9&c'*)?,)'*")*'),)*(%*)?,)*1-7?7*1-7*,%#9?&)*% * @),7E1#)26C: * ) * J#'9b&#) * () * F-9-;&)F#): * 1-7 * $#'?),#()(%' * (% * )&9#'9)' * % * F-9b;&)F-':* (%8)9%'*'-8&%*-*H?%*-'*9%b&#1-'*()*q#'9b&#)*()*5&9%*%PD,#1#9)$)7*'-8&%*-*1-"1%#9-*(%* (%7-"'9&)"(-*%*(#'1?9#"(-*'?)'*D&#"1#D)#'*1)&)19%&A'9#1)'G* 5&9% * 6#"_9#1): * - 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Colégio de Aplicação – Universidade Federal de Pernambuco 8"4"&D)$(*# COSTA, S. C. M. I"&,@&%4"##%&: um estudo de representações orais e visuais de um grupo de PALAVRAS-CHAVE: Ensino da Arte; Abordagem Triangular; Estudo do Barroco. licenciandos da UNIVFAP. 2011. 127f. (Mestrado em Cultura Visual) – Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2011. TEMA: Pensamento Contemporâneo e Educação Artística. C/dC.C:*IG*>G*J,K*B?"#'*&,!%$")'"L,d&)(G*N?&,%u*(%*6G*6)$#11J#)G*B)?&?]*CN!/6:*eUUUG* j5/@5g434:*/G*>Gv*B5ggCdh:*/G*>v5//!3wxh:*5*G*5*G*h*D&-F%''-&:*)'*1-"(#<\%'*(%*9&)8),J-*%* -'*%F%#9-'*'-8&%*)*')f(%G*4"4'M+7$*12%,",3"#F7(#*:*/0-*@)?,-:*$Gye:*"GQ:*DGepUWeUUG*7)#-2);-G* QRRSG* [h@h3dC:*[G*jG* !%$D)$(*,*&'(#'*]*D-_9#1)':*%'9_9#1)'*(%*'#*%*'?8k%9#$#()(%'*F%7#"#")'G*QRRSG* QRpFG*d%'%*KN-?9-&)(-*%7*C(?1)<0-L*O*+)1?,()(%*(%*C(?1)<0-G*!"#$%&'#()(%*+%(%&),*(-*g#-* j&)"(%*(-*/?,G*@-&9-*5,%;&%:*g/:*QRRSG >5g453h: * >G * /G * /Gv * * >!34i: * qG * @G *d&)8),J- * (-1%"9% * % * ')f(%] * - * 1)'- * (-' * D&-F%''-&%' * () * '%;?"()*F)'%*(-*%"'#"-*F?"()7%"9),G*4"]*M#'7+%#,",3"#F7(#*#,"0,3#($%B%G(*:*$G*X:*"G*e:*DG*TXW pp:*QRRXG* NASCIMENTO, E. A. do. K7+*)1*# , )%# , )%0"# , +* , *&'" , )* , "+7$*12%A ,qual infância? que ensino? quem é o bom sujeito docente?. 2005. 255f. (Doutorado em Arte Educação), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. Resumo: Este trabalho é um relato de uma experiência estético/pedagógica vivenciada em duas turmas de 8° anos – anos finais do Ensino Fundamental – do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, durante duas unidades do ano letivo de 2011. A experiência fundamentouse nos pressupostos contemporâneos do Ensino da Arte, a Abordagem Triangular sistematizada pela Professora Ana Mae Barbosa. Teve o estudo do Barroco como norteador e buscou compreender as características e influências da estética deste movimento em diferentes campos de criação, tecer relações com questões da atualidade e com a estética da produção da artista contemporânea Adriana Varejão, além da pesquisa e da percepção das características do Barroco na cidade do Recife. Assim, a leitura de imagens, a contextualização e o fazer artístico, vivenciadas de forma dinâmica, propiciaram a construção de reflexões que ampliaram o conhecimento do contexto em que vivem e do mundo a partir de novas construções teóricas/reflexivas/estéticas. 1. Entre as aproximações com a temática do projeto e o pensar a escrita do relato Para a escrita da experiência estético/pedagógica relatada neste artigo, busco referência em PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas e profissão docente: três facetas. In: 3&H'($*#, Freire (2007), quando ressalta a importância do movimento constante, dinâmico e dialético do @"+*GNG($*#O,@&%4(##2%,+%$")'",",4%&0*12%: perspectivas sociológicas. Tradução de Helena processo de reflexão sobre a própria prática. Para esse autor a reflexão constitui-se como elemento Faria, Helena Tapada, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa, Portugal: D. Quixote, 1994. de análise, percepção e avaliação do processo vivenciado, podendo direcionar-se para SAMPAIO, J. A função da arte-educação. In: 8".(#'*,5G7*&&H#L*5no 1, nº 2. julho e agosto de (re)elaborações de novas/outras práticas. 2006. Disponível em: <http://aguarras.com.br/pdf/aguarras02.pdf>. 51%''-*%7*eU*F%$G*QReQG d5gN4+:*>G*I*:"&"#,+%$")'"#,",4%&0*12%,@&%4(##(%)*BG*eez*%(G*@%9&bD-,#':*gI]*.-=%':*QReRG .5/6h36C[h/: * +G * >G * BG * @G *-*&&*'(.*# , )% , ")#()% , +" , 5&'"# , 6(#7*(# , "0 , P7*;"(&%QR5, ", 3"'&%B()*Q3MG * QReeG * eSeFG * N#''%&9)<0- * K>%'9&)(- * %7 * 5&9%' * .#'?)#'L * O * @&-;&)7) * (% * @b'W ;&)(?)<0- * %7 * 5&9%' * .#'?)#': * !"#$%&'#()(% * +%(%&), * () * @)&)A8) * % * !"#$%&'#()(% * +%(%&), * (%* @%&")78?1-:*I-0-*@%''-):*@B:*QReeG Nessa perspectiva, Hoffmann (2009, p. 147) entende o relato de experiência como um “resgate do cotidiano”, sendo este um importante instrumento de avaliação e de construção de novas práticas. O presente relato, fruto de uma experiência estético/pedagógica vivenciada em duas turmas de 8° anos do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, durante duas unidades do ano letivo de 2011, toma as reflexões supracitadas e pode ser entendido como o resultado de caminhos percorridos, sem a intenção de apresentá-los como únicos, uma vez que entendo, que o mesmo caminho, se percorrido novamente, resultará certamente em novas reflexões, novas construções e desdobramentos – teóricos, reflexivos e estéticos. 260 261 Para delinear o caminho a ser percorrido, parti do estudo do Barroco, temática referendada Ampliamos os estudos com a discussão das características do barroco brasileiro, no programa anual da disciplina de Artes. Além disso, percebi a carência de conhecimento por parte contemplando mais especificamente, o barroco na cidade do Recife. Nesse momento, muitos dos(as) estudantes acerca da influência/presença do Barroco no contexto em que vivem, isso trouxe demonstraram surpresos ao começar a se deparar com imagens de lugares da cidade antes indicativos da necessidade de expandir as vivências para além da sala de aula. desconhecidos e carregados de historicidade. Posteriormente, nossa pesquisa se ampliou por meio No contexto brasileiro, localizamos a cidade do Recife como possuidora de grande acervo barroco, com destaque para a arquitetura, a escultura, os objetos sacros e o patrimônio azulejar. Tomando como eixo norteador as contribuições da perspectiva contemporânea para o Ensino da visita in loco, quando fomos ver/(re)conhecer/perceber o barroco em dois importantes espaços da cidade do Recife, a Capela Dourada e a Concatedral de São Pedro dos Clérigos – importantes igrejas barrocas do século XVII. da Arte, a Abordagem Triangular – sistematizada ainda na década de 80 pela estudiosa da Durante a visita aos espaços, desafiei os(as) estudantes a estimular o exercício de olhar Arte/Educação Ana Mae Barbosa – fui instigada a buscar tessituras entre o conteúdo/temática, o diretamente para o lugar visitado, sem lentes ou interferências entre o olho e o objeto, buscando contexto dos estudantes e o diálogo estabelecido com a contemporaneidade. perceber ao máximo os entalhes, as cores, os materiais, as formas. Após a aula de campo, os(as) estudantes narraram suas impressões dos locais visitados, 2. Tessituras: entre o referencial teórico e a vivência do projeto O desenvolvimento do projeto foi norteado pelos pressupostos da Abordagem Triangular e tendo o desenho como registro da experiência vivenciada, desse modo, detalhes em dourado, as três ações não hierárquicas e silmutâneas que a compõe – a leitura de imagens, a volutas, curvas, figuras sacras e objetos religiosos que prenderam o olhar, causaram contextualização e a produção (BARBOSA, 2009; RIZZI, 2008). encantamento/espanto, povoaram as produções gráficas. Iniciamos com uma roda de conversa sobre o Barroco, em seguida, os(as) estudantes passaram a buscar informações em diferentes fontes de consultas para aprofundar o debate em um seminário temático. No que se refere à leitura de imagens, destaco duas imagens dentre tantas trabalhadas e que despertaram interesse e curiosidade para o debate com os estudantes: “As Três Graças, de Peter Paul Rubens” e “As Meninas, de Vélazquéz”. As imagens possibilitaram fazer comparações e tecer relações com outras imagens, de obras de arte ou não, além disso, nos levou a pensar as mudanças no conceito de beleza, juventude, a comparar vestimentas e a relação com o clima/tempo/lugar, sobre os objetos decorativos de ontem e de hoje e as exigências da moda e da mídia, assim, tecemos Marcelo Vinícius, 8º ano B conexões entre o contexto das imagens e o contexto atual. Estas reflexões materializaram-se em desenhos que, dentre outras temáticas, resultaram em leituras acerca da anorexia, da bulimia, do consumo, da mídia e da imagem da mulher nos dias atuais. Vladimir Pedrosa, 8º ano B Em seguida, discutimos a estética barroca na moda, na arquitetura e no design atual, aprofundando nosso olhar a partir de imagens de um desfile de moda realizado pelo estilista mineiro Victor Dzenk, inspirado nas naves e no ouro presente nas igrejas barrocas. Explorando volumes, texturas, relevos e as formas curvilíneas observadas, os(as) estudantes foram instigados a realizarem estudos gráficos para a produção de uma matriz em papel machê de uma estampa inspirada no barroco. Aline Dourado, 8º ano B 262 Ana Luísa Lima, 8º ano A 263 Laura Góes e Renata Xavier, 8º ano A Amanda de Paula e Beatriz Rocha, 8º ano A Nosso percurso entrou na fase final com o estudo do patrimônio azulejar presente na arquitetura civil religiosa do Estado de Pernambuco (CAVALCANTI, 2006). Assim, o livro “O azulejo na arquitetura religiosa de Pernambuco: séculos XVII e XVIII”, trouxe a fundamentação e as imagens para nossos debates, além do que já tinha sido observado na aula de campo. Em seguida tecemos diálogos com as obras da artista contemporânea brasileira, Adriana Varejão, que realizou uma série de estudos, pinturas, painéis de grandes dimensões, tendo o barroco como referência. Do conjunto de suas obras destacamos “Celacanto Provoca Maremoto”, exposta na Galeria Adriana Varejão, no Instituto de Arte Contemporânea Inhotim – Minas Gerais. Composta por 184 peças, cada uma com dimensão de 110 x 110 cm, a obra produzida em óleo e gesso sobre telas, revisita elementos e referências do barroco ao articular pintura, escultura e arquitetura. Luciane Morais, 8º ano B Gabriel Queque, 8º ano A Retomando questões discutidas na primeira roda de conversa, os(as) estudantes foram instigados a elaborar um portfólio a fim de deixar registradas as diferentes etapas vivenciadas. De acordo com Alarcão (2010), portfólio, termo emprestado do campo da arte, é um importante instrumento para os registros vivenciados no campo da educação que, por um lado, reflete a Construção pessoal do seu autor, que seleciona os seus trabalhos, os organiza, os explica e lhes dá coerência. A sua originalidade faz deles peças únicas, singulares, peculiares. Por outro lado, o fato do portfólio ter uma finalidade: dar-se a conhecer, reverlar-se, aspirando a um reconhecimento de mérito. São formas de demonstrar a evidência e possibilitar, pela demonstração de competência, a certificação da mesma (ALARCÃO, 2010, p. 60). O estudo da obra de Adriana Varejão levou os(as) estudantes a realizarem a última produção Assim, organizados em duplas, foram apresentados diferentes portfólios, a partir das prática, a organização de uma pintura, explorando os diversos elementos explorados durante todo o escolhas pessoais e dos registros efetuados durante o projeto, e com formatos diversificados como: projeto. Assim, deu-se início o processo de criação dos “papelejos”, nome dado por alguns álbum de fotografias, portfólio virtual, jogos, diário de bordo, música, poesia, dentre outros. estudantes para o “azulejo de papelão”. Por fim, experimentaram a organização da montagem das 3. E todo projeto tem seu fim, ou um novo começo. produções em um suporte de papelão a ser afixado na parede posteriormente. O encerramento do projeto foi retomado durante a exposição dos trabalhos no Festival de Arte do Colégio de Aplicação, ocorrido em novembro de 2011, oportunidade em que as produções foram compartilhadas com a comunidade escolar, estudantes de outros centros da Universidade Federal de Pernambuco e visitantes. Amanda Moreira, 8º ano A 264 Clara Praxedes, 8º ano A 265 DA PERFORMATIVIDADE EMANCIPATÓRIA DA EDUCAÇÃO DAS ARTES VISUAIS ANTE AS INDÚSTRIAS DA SUBJETIVIDADE Luísa Vidal1 Painel montado a partir das produções individuais dos “papelejos” e placas de papel machê - Trabalhos expostos durante o Festival de Artes da escola. Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS) da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) marialuisavidal@hotmail.com Ao rememorar todo o projeto, busco novamente o eixo norteador, o estudo do Barroco e as conexões com os dias atuais. Sou levada a pensar o salto qualitativo da construção de conhecimentos por parte de todos envolvidos, eu, professora mediadora e estudantes, pois temos a clareza que não saimos desse processo da mesma forma, hoje, percebemos e reconhecemos a cidade a partir de novos olhares, que entendem a história e a ressignifica, que retira do vivido elementos para pensar o novo, que entende os registros estéticos da cidade como possibilidade de novas criações e de gerar formas críticas de compreender questões da contemporaneidade. Assim, ao retomar o início da escrita deste relato, quando destaquei a possibilidade de compreender o mesmo como um processo de revisão do vivido e como meio para repensar as próximas práticas, afirmo que este processo direciona-me para o que Alarcão (2010) discute sobre “professores reflexivos em uma escola reflexiva”, no momento em que antes, durante e após o processo vivenciado, a reflexão se fez/se faz presente, projetando novas ideias para (re)começar um novo estudo, com outros estudantes carregados de curiosidades, necessidades e inquietações diferentes. BIBLIOGRAFIA ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010. BARBOSA, A. M. A imagem do Ensino da Arte: anos 1980 e novos tempos. 1ª reimpr. da 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. CAVALCANTI, S. T. H. O azulejo na arquitetura religiosa de Pernambuco: séculos XVII e XVIII. São Paulo: Metalivros, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: uma prática em construação da pré-escola à universidade. 31. ed. Porto Alegre: Mediação Editora, 2009. RIZZI, M. C. S. L. Reflexões sobre a Abordagem Triangular do Ensino da Arte. In: BARBOSA, A. M. (org). Ensino da Arte: Memória e História. São Paulo: Perspectiva, 2008. 266 Resumo Construída a partir do problema que justifica e que move a investigação de doutoramento em curso, esta comunicação propõe um momento reservado a um pensamento sobre as possibilidades da educação das artes visuais enquanto espaço de resistência capaz de colocar em causa os hegemónicos pressupostos identitários e, assim, promover o exercício emancipado de elaboração de cada sujeito por si próprio. Constata-se a engrenagem complexa, sedutora, perversa, que nos governa a existência. Enfatiza-se o contributo inultrapassável da ação educativa. Pensa-se, enfim, o campo de intervenção que, a este respeito, e num cenário cujo princípio organizador não é já o da palavra senão o da imagem, poderá a educação das artes visuais performatizar. Sem prescrições. Tão pouco, conclusões. Palavras-chave Subjetivação; emancipação; educação das artes visuais. 1 Licenciada em Artes Plásticas - Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). Licenciada em Artes Visuais - Ensino pela Universidade de Évora (UÉ). Estudante de doutoramento em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). Professora de Artes Visuais. Formadora de professores de Artes Visuais. Elemento dos Órgãos Sociais da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual (APECV). Investigadora em Educação das Artes Visuais afiliada no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS) da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). 267 Defendo que entrosa aqui a educação, o único sentido que lhe reconheço Throughout my years as student and professor, I have been most inspired by those teachers who have had the courage to transgress those boundaries that would confine each pupil to a rote, assembly-line approach to learning. Such teachers approach students with the will and desire to respond to our unique beings, even if the situation does not allow the full emergence of a relationship based on mutual recognition. (hooks, 1994, p. 13) reconheço. Defendo que entrosa aqui a educação, o único sentido que lhe Competente como nenhum outro campo de ação na apropriação social dos discursos, nela me parece jogar-se a possibilidade maior de uma atopia onde os discursos indefinidamente se agregam e onde, por isso, todos (Reis, 2010) São poderosos, esses discursos Para quem empreenda uma pesquisa genealógica sobre o conceito de “vida” na nossa cultura, uma das primeiras e mais instrutivas observações é o facto de este nunca aparecer definido como tal. O que assim permanece indeterminado surge, porém, a cada vez, articulado e dividido através de uma série de oposições e de cesuras que o investem de uma função estratégica decisiva em âmbitos tão distantes como a filosofia, a teologia, a política e, apenas mais tarde, a medicina e a biologia. Tudo se passa, então, como se, na nossa cultura, a vida fosse aquilo que não pode ser definido, mas que, precisamente por isso, deve ser incessantemente articulado e dividido. (Agamben, 2002/2011, p. 25) A todo o momento, por demasiados lugares, permanece a moderna e ocidental ficção de um sujeito profundo, original, selvagem, de um puro sujeito, anterior e superior à sua própria construção histórica. Na vida deslocação, inclassificação do pensamento que suspende formatações e nos clarifica que é possível percorrermos caminhos muito mais livres e muito mais nossos do que porventura possamos imaginar. Eis tudo: radicalmente, ativar a potência de um pensamento crítico sobre as contingências que vieram a fabricar as tantas convenções que nos determinam e que nos encerram, e, desde esse lugar de consciência, retirar às ideias tradicionalmente aceites a sua enganadora familiaridade e lançar-nos na invenção de outras subjetividades, desconhecidas, inantecipáveis, abertas. [P]ode, creio, o campo disciplinar da educação das artes visuais prestar-nos proveitosa oportunidade essencialista e determinista do ser humano como depositário natural de uma Quanto à emancipação, essa começa quando se põe em questão a oposição entre olhar e agir, quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e do fazer pertencem elas próprias à estrutura da dominação e da sujeição. A emancipação começa quando se compreende que olhar é também uma acção que confirma ou transforma essa distribuição das posições. O espectador também age, como o aluno ou o cientista. Observa, selecciona, compara, interpreta. Liga o que vê com muitas outras coisas que viu noutros espaços cénicos e noutro género de lugares. Compõe o seu próprio poema com os elementos do poema que tem à sua frente. (Rancière, 2008/2010, p. 22) sucessivamente desvendar e praticar. Nos pressupostos de que parte, nas questões que coloca, nas familiar ou na vida doméstica, no contexto profissional, no contexto médico, no contexto jurídico, específicos e muito sofisticados discursos sistematicamente operam e interpelam-nos desde essa tão enraizada conceção certa interioridade fundadora e soberana, autêntica, que nos cumpre São poderosos, esses discursos. São poderosos e são perversos. Tão poderosos, tão perversos, que não vemos senão aquilo que pretendem. Dormentes, demasiadas vezes, voluntariamente, tão só decalcamos e reproduzimos as linhas do percurso instituído, sem sequer imaginarmos que 268 podemos aceder a qualquer tipo de discurso, numa resultante ampliação, tudo nele, aparentemente tão inquestionável e aparentemente tão necessário, pode – e deve – ser estranhado, interrogado, problematizado, desnaturalizado. finalidades que tenta ou nos conteúdos que explora, cada matéria disciplinar poderá, creio, insubstituivelmente participar deste político compromisso de questionamento de uma natureza humana universal e justamente por meio do que são algumas das singularidades que concentra me parecem configurar-se as mais significativas possibilidades de uma educação das artes visuais implicada no desenvolvimento de emancipadas experiências de subjetivação. 269 Mesmo se inegavelmente inscrita no todo mais amplo que é o campo educativo e mesmo se, desse modo, animada ela também por um essas generalidades e progressivamente lançar-se numa vida mais ampla, chega da relação matricial com o alargado terreno das artes visuais o alcance Ora, ao mesmo tempo que se sabe incontornavelmente fechado comum, transversal, pensamento sobre a formação das crianças e dos jovens, mais ativa, mais rica em possibilidades. essencial do saber que pode esta nossa área performatizar. em discursos como numa redoma falsamente transparente e, assim, que hoje, nas nossas vidas. Nunca como até aqui as artes visuais constituíram um conjunto de pressupostos em que se encontra transitoriamente contido, o jogos, da museologia às telecomunicações ou do cinema ao jornalismo, nunca um espaço de resistência crítica a esses mesmos determinismos. De modo Dificilmente teremos como negar a centralidade que ele assume, regime assim plural e omnipresente. Da publicidade à moda, da música aos como até aqui as artes visuais assim nos inundaram os dias. Como de resto todas as coisas, também estas representações são construídas a partir do interior de grelhas de racionalidade histórica e socialmente precisas e, nesse sentido, irremediavelmente transportam certo quadro de valores. Um quadro de valores que não é – não pode ser – senão fenómeno, senão variação produzida na cumulação particular, frágil e precária dos acasos que sucessivamente vieram a encontrar-se, mas que, exatamente porque dele somos contemporâneos e dele desconhecemos as fronteiras históricas – ignoramos até que existam –, inconscientemente tomamos por adequado, compreende a impossibilidade de absolutamente desligar-se do e escapar ao campo das artes visuais – o das artes em geral – é também, e cada vez mais, diverso daquele que vemos suceder na generalidade das matérias, onde limites inequívocos inquestionavelmente lhes localizam a ação, habita nele um certo vitalismo apátrida de fronteira, duplo e indisciplinado, que, nunca plenamente coincidindo com as proposições que o racionalizam mas, ao contrário, sistematicamente interpelando os detalhes da sua formação histórica, dissolve qualquer possibilidade de modelo estrutural, genealogia ou unidade que lhe sirva de prumo. Sempre, ali, a interdição e a liberdade. O possível tanto quanto o impossível, o visível tanto quanto o imaginado, o dizível tanto quanto o inefável, o centro e a margem, a luz e a sombra. Sempre, racional, universal. Por isso estas muitas representações que hoje ali, um lado e o outro, num desdobramento que, no exato sentido em que não relevante na constituição das nossas subjetividades. Persuasivos e vinculados contingências que configuram cada um dos espaços e, nessa medida, colocar ecleticamente compõem o campo das artes visuais adquirem um papel tão a conceções estéticas, cognitivas, relacionais, sociais, económicas, estes datados e cambiantes enunciados que permanentemente elas veiculam tomam se realiza senão simultaneamente dentro e fora, permite apreender as sob análise todo o sofístico discurso de verdade. Em herdada afinidade, por uma parte, com o agressivo dispositivo forma de verdades gerais, definitivas, fazem-se aceitar, fazem-se obedecer e, visual que cada vez mais satura e cada vez mais profundamente condiciona a mediante os quais, desde as nossas relações com os outros e connosco um pensamento assim descoincidente e assim cético, pode, creio, o campo assim, ilimitadamente preconcebem, impõem e naturalizam os processos próprios, elaboramos o nosso sentido de ser no mundo. São pesadas as consequências: estereotipadamente. conhecemos, pensamos, Experimentamos uma sentimos, humanidade agimos simplificada, construção das nossas subjetividades e, por outra, com a subversiva ação de disciplinar da educação das artes visuais prestar-nos proveitosa oportunidade para com os nossos estudantes refletidamente reagirmos e inovarmos perante a heteronomia das transcendências que nos conformam as possibilidades da amputada, que, porque alheia à espessa realidade humana, às várias vida. ludibriosa. Vivemos conformes. Aprisionados. evidente ou o inquestionável. Não caberia a norma. Verdade alguma a respeito pouco há descrença. Acredito na liberdade dos indivíduos. Constituído em lugar e, ao invés, apenas, entre nós e a nosso respeito, uma espécie de um outro qualquer numa ocasião qualquer, e, no entanto, nem por isso ele é conhecimento exclusivamente centrado em determinado conjunto de obras realidades particulares que confunde em si mesma, só pode ser superficial e Não há pessimismo ou amargura aqui. Não há lassitude. Tão cada época pelos discursos do momento, o sujeito não pode, é certo, tornar-se 270 desmistificador a respeito da sua própria constituição, ganhar recuo sobre impedido de, sempre, em toda a parte, por meio de um balanço Não caberia o universal. Não caberia a essência, o natural, o daquilo que somos ou daquilo em que devemos tornar-nos encontraria mais sistemático positivismo hermenêutico. Compreendendo a caducidade de um que determinado conjunto de teóricos da arte contingentemente tomou por 271 ARTE E MENTE CRIATIVA NA EDUCAÇÃO PELA PAZ artístico e compreendendo a insuficiência de uma abordagem fechada em si Robson Xavier da Costa Universidade Federal da Paraíba/Brasil mesma e dormente no cumprimento de, também eles, adestradores conteúdos programáticos a meio caminho entre uma orientação expressiva e um modelo formalista, estimar-se-iam, sem restrições, as múltiplas imagens que formam a pregnante tessitura visual onde encontramos atualmente muitas das referências para nos elaborarmos enquanto sujeitos, convocar-se-ia, sem restrições, o contributo crítico de outros, ilimitados, campos que não apenas os da história da arte ou da estética ou do estudo da forma, para, assim, em acontecimento sempre emergente de movimentos, fluxos, decomposições e recomposições, cada universal antropológico identificarmos, historicizarmos e compreendermos, até que dele, ou em seu lugar, tão só reste a diferença última de uma singularidade datada, que fatalmente retira do sujeito constituído o fantasma normalizador de uma historiedade destinal, todos os tantos nobres palavrões que o sustentam, e, enfim, num pensamento sem qualquer imagem, sem âncora, o abre ao exercício ético irremediavelmente nómada e inacabado de um acréscimo de si mesmo. É a iniciativa de uma elaboração de si por si próprio. É a prática refletida da liberdade. Invenção, diferença, metamorfose. O regresso ativo ao pântano primitivo da vida. Referências Agamben, G. (2002/2011). O aberto: O homem e o animal. (A. Dias & A. B. Vieira, Trad.). Lisboa, Portugal: 70. hooks, b. (1994). Teaching to transgress: Education as the practice of freedom. Nova Iorque, NI, Estados Unidos da América: Routledge. Rancière, J. (2008/2010). O espectador emancipado. (J. M. Justo, Trad.). Lisboa, Portugal: Orfeu Negro. Reis, M. J. (2010). Berlin #1. Da série Diamonds in an ice storm. Extraída de http://mariajoaodosreis.wix.com/welcome#!recentwork/vstc3=diamonds-in-an-icestorm/albumphotos0=0. Tema: Pensamento contemporâneo e educação artística Resumo: Este ensaio é fruto de reflexões teóricas sobre a relação arte e mente criativa na Educação pela Paz, partindo da vivência do autor enquanto Professor de artes visuais/artista/investigador, a partir de uma auto reflexão sobre uma experiência pedagógica que não atingiu seus objetivos; para tanto, utilizamos a base teórica da história visual, focada nas visualidades e nas histórias de vida, buscamos compreender o papel do sujeito aprendente no século XXI diante dos processos de humanização, solidariedade, harmonia e paz em diferentes contextos educativos e a partir da realidade educacional do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Palavras chave - Artes Visuais. Mente criativa. Educação pela paz. CULTURA DA PAZ E SOCIEDADE APRENDENTE No início do século XXI vivemos um mundo do simulacro, da sociedade da informação, da imagem, um mundo mediado pela realidade das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC. As formas de atuação humanas sobre o planeta são alteradas pelas possibilidades da informatização em todas as áreas de conhecimento. Ao longo de toda a história da civilização humana, não se conhece outra revolução tão intensa e rápida, com impactos profundos sobre as relações entre o ser humano e o meio ambiente. A revolução tecnológica ocorre em escala global, interligando lugares e culturas diferentes em questões de segundos, permitindo o desenvolvimento da inteligência artificial, manipulação genética, entre outros fatores, todos ocorrendo ao mesmo tempo, o que ocasiona um fosso imenso entre a população letrada e iletrada, entre ricos e pobres, entre países do bloco hegemônico e periféricos, criando uma nova geração de excluídos da era das TICs. A principal moeda de troca passou a ser “o conhecimento – então os simples dados digitalizados – é e será o recurso humano, econômico e sócio-cultural mais determinante na nova fase da História humana (...)” (ASMANN, 1998, p. 19). Essa visão de conhecimento está ancorada na concepção de uma sociedade aprendente. A sociedade aprendente é uma soma entre a educação e a empregabilidade, mediada pelos sujeitos em permanente estado de aprendizagem. Essa compreensão da aprendizagem pode ser uma forma de minimizar a exclusão. Embora ela não fuja à lógica Robson Xavier é Prof. do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba – UFPB – Brasil e membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Artes Plásticas ANPAP. Email: robsonxcosta@yahoo.com.br. 272 273 2 3 de mercado, também não nega a importância da formação educacional para a aquisição de espaços efetivos de trabalho e seu grande mérito é a compreensão do permanente estado de aprendizagem humana. Quanto maior o nível de formação escolar do sujeito, maiores são suas chances de ascensão profissional. Nesse contexto, a escola permanece como uma instituição viável e exequível para atender à demanda de formação do século XXI. Outras formas de educação tem sido testadas e mediadas pelas TICs, como é o caso das plataformas educacionais e de educação à distância. Ao facilitar a aproximação virtual entre as pessoas, as TICs inauguraram uma nova relação social: o encontro virtual. Só agora a educação começa a desenvolver sites específicos e ambientes virtuais de aprendizagens que possibilitam uma autoformação em rede. Estamos longe do predomínio absoluto desses ambientes educativos. Por enquanto, a escola permanece com um importante papel na formação humana. Movimentos surgem em todos os continentes em prol da união solidária dos seres humanos, problematizando questões ambientais, questões sociais, de gênero, de raça, de opção sexual, etc. Todas são ações que discutem a possibilidade da convivência harmônica diante da diversidade humana. O discurso da educação integral, da inclusão educacional e do multiculturalismo crítico, permeiam as possibilidades de uma rede educacional interligada à tecnologia e ao humano. Diante de todas essas inovações, as escolas brasileiras, principalmente as localizadas no Nordeste, continuam enfrentando graves problemas ligados à falta de apoio efetivo dos órgãos administrativos governamentais, à má remuneração dos professores e as condições incipientes de trabalho, além do problema da violência no ambiente escolar, onde os alunos agridem seus colegas e professores. Inúmeros casos de assassinatos, estupros e outros tipos de atos violentos ocorrem no interior das escolas brasileiras, tornando a profissão de professor uma atividade de alto risco. Por esse motivo, defendemos a inclusão de um adicional de insalubridade no salário do professor em exercício no Brasil. Ações efetivas são necessárias para minimizar esse quadro de uma cultura da violência que parece contaminar as escolas. Esse é um problema mais amplo, não está restrito às questões educacionais, é uma questão social. Como professor de artes visuais acompanhando um trabalho pedagógico desenvolvido em escolas da periferia na grande João Pessoa - Paraíba, Brasil no ano de 2010, me deparei com crianças de pouco mais de sete anos de idade, espelhando-se nas figuras dos traficantes do bairro que manipulam a população para manter o seu poder paralelo local. O objetivo de vida das crianças era tornar-se bandidos. Em um país onde o herói é o bandido, se faz necessário com a máxima urgência resolver questões de violência dentro e fora do ambiente escolar. meio dos estímulos promovidos pelo prazer estético. Um universo simbólico inimaginável, onde todas as dimensões se conectam no mundo onírico, que permeiam nossos sentimentos de pertença, complexos, saudades, desejos, nossa história de vida. 1. ARTE, CRIAÇÃO E CULTURA DA PAZ Existe uma forma de conhecimento em cada ser humano que faz parte do saber não verbal. Essa esfera do conhecimento pode ser alcançada, entre outras formas, por 274 A arte é o veículo que nos transporta a esses mundos (...) O artista aponta caminhos e nos antecipa a visão desses universos. Isso porque a obra de arte nos obriga a repensar o que temos por realidade, fazendo-nos perceber a possibilidade concreta da inauguração de outras realidades (NUNES FILHO, 2004, p. 13). Todo processo criativo amplia e cria tensões, permitindo novos entendimentos de determinadas situações, que em outras condições seriam imperceptíveis. Para o estabelecimento de qualquer ação humana efetiva, são necessárias tensões e acomodações no tecido social. Segundo Ostrower, a criação se reabastece nos próprios processos através dos quais se realiza (OSTROWER, 1999, p. 27). Essa transformação em processo de aprendizagem permanente torna a arte um campo propício à experimentação dos mais diversos meios e suportes, possibilitando a construção do caminho para a transformação da violência em paz. Além dos aspectos emocionais, estéticos, formais e simbólicos, a arte permite trabalhar o conhecimento de si mesmo e do mundo. Por meio da arte podemos questionar o estabelecido, dialogar com o inconsciente, construir novos mundos e alfabetizar os olhares, possibilitando uma formação crítica e socialmente ativa dos educandos. O encantamento promovido pela experimentação artística é único e irrepetível. Paulo Freire afirmava que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, parafraseando essa máxima, diria que “a leitura da imagem precede a leitura da palavra”. Vivemos um mundo da imagem; cerca de 80% do que aprendemos sobre o meio externo nos chega por meio delas e muitas vezes olhamos as coisas e não as vemos; precisamos educar o olhar. A arte tem sido citada como uma das áreas de ponta no mercado atual, e uma das mais promissoras para o futuro. É preciso, mais do que nunca, fomentar o ensino de arte de qualidade nas escolas brasileiras. O trabalho com arte na escola possibilita uma socialização das idéias, a materialização dos projetos, o diálogo entre as produções artísticas, a interface com o público, a expressão, a crítica e a discussão de conceitos, a exposição de mundos particulares e coletivos e o estabelecimento de novas posturas diante da realidade. A ficção, que é o esteio da estrutura da arte, nos permite vivenciar emoções impossíveis em outras realidades. Podemos ter acesso ao sofrimento, à alegria e às histórias de outras vidas, sem estarmos diretamente envolvidos com elas. É possível vivenciarmos o feio, os medos, as angústias, a deformação física e os dramas espirituais indiretamente por meio do teatro, da música, da dança e das artes visuais, vivendo essas relações no universo simbólico. É preciso romper com a oposição entre cultura/natureza e humanidade/animalidade, situando o humano em relação à natureza e à Terra a partir da sinergia, da comunhão e da complementaridade. A modernidade acentuou nossa dimensão de consumidores – trata-se de comungar com a natureza e não simplesmente, de consumi-la (GUERREIRO, 2003, p. 43). Nesse contexto, a arte é um passaporte para a instauração de um paradigma transdisciplinar, proposto no Manifesto da Transdiciplinaridade, datado de 06 de novembro de 1994, redigido e assinado no 275 4 5 Convento da Arrábida, em Portugal, e arregimentado por Morin, Nicolescu e Freitas, que no artigo 05, descreve: mínimas de trabalho e tendo que administrar cotidianamente a violência impetrada pelos alunos entre si e em relação aos professores. Atos de vandalismo extremo aconteciam diuturnamente, como apagões propositais das luzes da escola, seguida de arremesso de carteiras escolares para o teto e entre os colegas, em uma ação coletiva, onde praticamente todo o corpo discente da escola participava, tornando impossível uma contra ação da parte da direção, já que não era possível punir todos os alunos de uma só vez. Com este ensaio, desejo dividir minha frustração diante desta experiência pedagógica que considero um dos maiores momentos de fracasso na minha carreira, utilizando o espaço de um evento internacional para demonstrar também que nem só de experiências bem sucedidas vive a educação em artes visuais, como costumamos ver nas inúmeras comunicações apresentadas nos congressos em todo o mundo. Me parece que apenas as experiências positivas são mostradas ao público e tudo sempre chega a resultados satisfatórios, quando sabemos que, na realidade, para cada experiência bem sucedida, existiram alguns fracassos. Aprender com os erros é a base do pensamento pedagógico; por que não aprender com os nossos próprios e dividi-los com os colegas? Afinal, todos os educadores colecionam histórias de pequenos fracassos ao longo da carreira. Quem nunca passou por isso que jogue a primeira pedra. Ao longo dos meses fui colecionando os pequenos atos de violência verbal e física ocorridas cotidianamente na escola. Direta ou indiretamente me senti envolvido e em parte responsável por tudo o que ocorria, afinal, como professor da escola, eu deveria intervir e me senti com os braços atados. Tentei trabalhar minha frustração diariamente, focando meu trabalho em uma temática que gostaria de discutir naquela escola: a relação entre a arte e a violência. Mesmo tocando em questões ligadas diretamente ao cotidiano dos alunos, levando textos para sala de aula, imagens e artigos de jornais com reportagens sobre a violência na comunidade, aquilo tudo parecia ser em vão, não tocavam os alunos, nem eles aceitavam as propostas, mantendo-se apáticos e desinteressados. O ponto fulcral do processo aconteceu próximo ao final do ano letivo, quando aconteceu a chegada de uma nova professora, que logo foi assediada pelos alunos do 6º ano. O que no início parecia apenas uma brincadeira ou provocação sem importância, tornou-se uma tentativa de estupro coletivo, impetrada por um grupo de alunos dessa turma em conivência de todos os outros. Por acaso eu estava presente na escola no momento em que o tal tentativa ocorreu. Fiquei completamente indignado e intervi diretamente. A minha intervenção e enfrentamento surtiu efeito e recebi o apoio de alguns alunos e dos professores presentes naquele momento. Acionamos a polícia local, que prontamente atendeu nosso chamado, mas não pôde fazer muito, já que todos os alunos envolvidos eram menores de idade. Após esse incidente, um grupo de alunos, liderados pelos menores que ousaram agredir a professora, voltaram-se contra mim, em atos cotidianos de agressões verbais e quase físicas. Fui literalmente ameaçado de morte, eu e minha família; os alunos descobriram todos os meus hábitos diários, horários e endereços importantes, bem como contatos pela internet e telefones, passei a receber ameaças diárias e constantes, apesar de ter informado à polícia local, nada concreto foi feito, e por temer o pior, resolvi me afastar desse emprego pedindo exoneração do cargo de professor. Essa foi uma das maiores frustrações que passei ao longo de toda minha carreira docente. A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação, não apenas com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior. (MORIN, NICOLESCU, FREITAS, 1994). A formação em arte, ao lado da formação científica, é um recurso importantíssimo para a efetivação de uma prática transdisciplinar na educação brasileira. A instauração de uma cultura transdisciplinar para a paz nas escolas depende de uma mudança de paradigma, uma nova compreensão do sujeito, visto agora como amigo, companheiro, que coletivamente cuida de si mesmo, do outro, da sala de aula, da escola, da rua, da comunidade, do bairro, da cidade e do planeta, mas quando isso não ocorre como o professor e a escola espera, o que fazer? 2. ENTRE A VIOLÊNCIA E A CONSCIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA FALHADA Neste curto ensaio, refletiremos sobre uma experiência pessoal como professor de artes visuais, desenvolvida no ano de 2003, numa pequena cidade da periferia da Grande João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Por motivos éticos, não serão citados nomes de pessoas nem de estabelecimentos de ensino. Durante minha atuação como professor de artes visuais em escolas básicas e secundárias na região da cidade de João Pessoa, eu trabalhei em escolas da rede privada e nutri um sonho de ingressar como professor da rede pública de ensino. Seria, ideologicamente trabalhar para aqueles que mais precisavam, os alunos mais carentes, oriundos das classes menos privilegiadas. Ao ingressar num concurso público para o magistério no ano de 2003, assumi o cargo de professor de artes visuais em uma escola pública municipal, atuando do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Para minha total surpresa, a escola na qual trabalhei ficava localizada no centro da cidade e abrigava um público alvo oriundo das zonas de periferia, nas quais predominavam a lei do silêncio e a violência. Inicialmente, pensei ser esse o espaço ideal para aplicar toda minha bagagem teórica e contribuir para o engrandecimento cultural da comunidade escolar; tratava-se de uma grande oportunidade para contribuir efetivamente para o ensino de artes visuais de qualidade na rede pública de ensino. No entanto, ao chegar à escola, encontro um corpo de professores antigos extremamente desmotivados, desacreditados de sua função como educadores e que apenas trabalhavam no velho sistema “faço de conta que ensino e você faz de conta que aprende”. Não havia a menor condição de trabalho, salas super lotadas, alunos agressivos e desmotivados e ausência quase total de um corpo gestor na escola. Era uma situação extrema de descaso e abandono público. Independente disso, segui tentando aplicar meus conhecimentos nas turmas que ministrava aulas, sempre com extrema dificuldade, sem apoio da direção nem condições 276 277 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao refletir sobre essa experiência após alguns anos, consigo entender que a mesma representou uma etapa importante na minha formação pessoal e profissional, permitindo que eu seja capaz de discernir entre minha capacidade acadêmica e meus limites pessoais e que os problemas de comportamento apresentados na escola são questões mais amplas, refletindo uma conjuntura social, a demanda de poder e a inserção do status pessoal e coletivo em um determinado contexto, me levando a crer que aquilo que vejo como padrão, como socialmente aceitável, não corresponde ao todo, e sim a uma parcela específica da população da qual sou oriundo e faço parte. Embora minha proposta de trabalho tenha sido frustrada e meus sonhos desfeitos, acredito que minha contribuição como educador, embora pontual no caso citado, deixou marcas, e que algo positivo dessa relação ficou em todas as partes envolvidas. Como afirmava Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, nos educamos em comunhão”, é no coletivo, no conjunto, que a educação se processa e se efetiva. A prática de uma educação com arte pela paz se configura no momento que cada educador faz sua parte, dá o seu exemplo no cotidiano escolar. É preciso fruir, ouvir, sentir as formas de expressão artística na própria vida para que possamos despertar o interesse das novas gerações. Uma cultura de paz por meio da arte só se estabelecerá na educação brasileira quando a escola for compreendida como um corpo integrado na busca da construção de um projeto coletivo comum de levar a arte a serviço da paz coletiva. REFERÊNCIAS ASMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. 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