1
Alencar, Valeria Peixoto...........................................................................................................7
Almeida, Teresa.....................................................................................................................13
Amann, Atxu..........................................................................................................................20
Assis, Sissa Aneleh...............................................................................................................27
Bacalhau, Daniela.................................................................................................................33
Cabeleira, Joao.....................................................................................................................39
Caldas, Jose..........................................................................................................................44
Camile, Adriane.....................................................................................................................50
Cardoso, Ana.........................................................................................................................54
Cardoso, Vasco.....................................................................................................................59
Carvalho, Graça....................................................................................................................65
Casian, Silvia.........................................................................................................................71
Celeste, Estela Bonci_Mirian.................................................................................................76
Costa, Fabio Jose Rodrigues.................................................................................................83
Demarchi, Rita.......................................................................................................................90
Dias, Luciano Melo................................................................................................................95
Ficha Técnica:
II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA)
Comissão Organizadora do 2EI_EA (org)
i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (Editor)
e.book
Produção: Tiago Pinho
Eça, Teresa Torres...............................................................................................................100
Fernandes, Paulo.................................................................................................................107
Ferreira, Ines........................................................................................................................113
Gabre, Solange....................................................................................................................120
Gama, Manuel.....................................................................................................................125
Guimaraes, Leda.................................................................................................................132
ISBN: 978-989-97856-4-9
2
Jesus, Joaquim....................................................................................................................139
3
Leandro, Cristina Rebelo.............................................................................................146
Louçã, Joana sofia Neuparth.......................................................................................152
Marcondes, Virginia Vieira...........................................................................................159
Martins, Graça.............................................................................................................164
Monteiro, Ricardo.........................................................................................................171
Nogueira, Susana........................................................................................................177
Oliveira, Ronaldo Fernando Stratico............................................................................184
Orloski,Erick.................................................................................................................191
Pinho, Ricardo.............................................................................................................197
Pinto, Julia Rocha........................................................................................................204
Reis, Ricardo...............................................................................................................210
Siebert, Emanuele Cristina..........................................................................................217
Silva, José Carlos........................................................................................................223
Silva, Mariana..............................................................................................................227
Os textos que agora se publicam correspondem aos textos reescritos após a
sua apresentação no 2º Encontro Internacional sobre Educação Artística (2ei_ea),
realizado no Porto, de 2 a 4 de Abril de 2012, pelos respectivos autores. Era objectivo dos organizadores que o 2ei_ea se realizasse num ambiente de partilha de
experiências e de debate aberto capaz de construir reflexões críticas decorrentes
de cada acção. Partir para um encontro com a vontade de discussão implicava que
todos os participantes aceitassem formas alternativas de questionamento que lhes
permitissem um descentramento e um deslocamento dos lugares de conforto que
cada um, inevitavelmente, vai ocupando.
Terminado o encontro, foi lançado o convite, a cada interveniente, de reescrita do seu texto, tendo em consideração o debate ocorrido e, nomeadamente, as
forças que se geraram e que atravessaram o seu pensamento.
Os textos aqui reunidos são, assim, o resultado do novo desafio e respondem
à vontade de partilhar, em formato digital, os textos que nos foram chegando. São
publicados tal como enviados pelos seus autores, não tendo sido sujeitos a intervenção alguma pela comissão organizadora do 2ei_ea, mesmo do ponto de vista
da sua organização gráfica.
Após a publicação deste e.book, dar-se-á continuidade à implicação da acção
na construção de narrativas contemporâneas em educação artística, tema que
preencheu o 2ei_ea, com uma nova publicação, em livro.
Silva, Susana Santos..................................................................................................232
Silva, Susete Rodrigues..............................................................................................237
Souza, Ana Paula Abrahamian....................................................................................244
Torres, Fabiano Ramos...............................................................................................249
Vasconcelos, Flavia.....................................................................................................255
Vidal, Fabiana..............................................................................................................262
Vidal, Luisa..................................................................................................................268
Xavier, Robson............................................................................................................274
4
5
O MEDIADOR CULTURAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO EDUCATIVO
EM MUSEUS E EXPOSIÇÕES DE ARTE
Valéria Peixoto de Alencar1
atividade profissional paralela ao trabalho de mediador e, na maioria, trabalhos na área de
Educação e Arte (ALENCAR, 2008)3.
A transitoriedade é uma característica deste trabalho, daí 26% destes profissionais
serem estudantes de graduação, muitas vezes contratados como estagiários, contudo, dentre
os 74 que possuíam graduação concluída, 42% eram pós-graduados e pós-graduandos que
foram agrupados entre cursos de especialização, mestrado e doutorado, a maioria na área de
É experiência aquilo que nos passa, ou nos
toca, ou nos acontece, e ao nos passar nos
forma e nos transforma. Somente o sujeito da
experiência está, portanto, aberto a sua própria
transformação. (Jorge Larrosa)2
Artes, o que demonstra um perfil profissional especializado.
O questionário, como instrumento de coleta de dados, possibilitou traçar um perfil desse
profissional assim como possibilitou dar voz aos mediadores já que, na maior parte, as
questões eram abertas e foram analisadas tendo como base, de forma análoga, autores que
tratam da formação e profissionalização docente, tais como António Nóvoa, Donald Schön, Ana
Neste artigo apresentarei algumas reflexões surgidas em minha pesquisa de Mestrado
(ALENCAR, 2008), realizada no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
(IA/UNESP), sob a orientação da professora Dra. Rejane Galvão Coutinho, na qual procurei
traçar um perfil dos mediadores culturais que atuam em museus e exposições de Arte na
cidade de São Paulo. Foi um levantamento extenso do qual tratarei aqui apenas de algumas
considerações sobre o entendimento que os educadores têm sobre o próprio trabalho. E, após
quatros anos desde a defesa da dissertação, procurarei apresentar também novos
questionamentos a partir de novo olhar sobre educação em museus.
O problema desta pesquisa surgiu a partir de minha própria experiência como
educadora em exposições desde 1996, reflexões sobre a formação e a atuação em conversas,
muitas vezes informais, com colegas, tais como: o que é ser educadora em uma exposição de
Artes? Minha formação inicial é suficiente? Que profissão é esta? Qual seu futuro?
Assim, procurei traçar um perfil dos mediadores culturais que atuavam nos museus e
exposições de Artes em São Paulo no período de setembro de 2006 a fevereiro de 2007. Eram
302 profissionais ao todo, destes, 100 responderam ao questionário elaborado por mim; tal
Mae Barbosa, entre outros. Nestas análises é possível tecer considerações sobre o trabalho
educativo em museus de arte a partir do ponto de vista dos próprios educadores.
Cabe ainda ressaltar que foi verificado na pesquisa que o processo de formação
continuada4 do trabalho educativo em museus envolve reflexões sobre o conteúdo das
exposições e sobre o processo de mediação. Não houve discordância sobre a importância da
formação continuada no trabalho de mediação cultural, talvez pela diversidade de exposições
com a qual muitos mediadores se deparam num curto período, ou pela sensação de que a
formação inicial é importante como um alicerce mas não suficiente, o fato é que Durante a
formação contínua podemos exercer a reflexão sobre a reflexão-na-ação (Schön, 2000). É na
reflexão surgida sobre e a partir dos problemas, conflitos e sucessos do trabalho no dia-a-dia
que é possível (utilizando a idéia de possibilidade do professor Fusari) suprir questionamentos
e dúvidas, melhorar o trabalho, como foi dito pelos educadores além de compartilhar as
experiências, expressão tantas vezes repetida.
A mediação pelos mediadores
questionário procurava investigar quatro temas: formação inicial, experiência profissional,
formação continuada e a percepção sobre a área de mediação cultural como campo
profissional.
Vejamos alguns dados: a média de idade entre os mediadores culturais é de 28,15
anos, a maioria de mulheres (78%), 70% possui formação em Artes, 71% possuem uma
Como os mediadores culturais veem a mediação e como definem seu próprio trabalho?
Por exemplo, segundo esta mediadora: acredito que meu trabalho reflete o esforço de fazer
com que, no mínimo, as pessoas tenham uma experiência agradável no museu (Q45)5.
O que seria uma experiência agradável? Se levarmos em consideração a definição de
“experiência” segundo o Filósofo da Educação Jorge Larrosa, só o fato de se ter uma
experiência já foi um passo enorme para as pessoas atendidas pela educadora do depoimento
3
1
Doutoranda do programa de pós-graduação do Instituto de Artes/UNESP, São Paulo. Este artigo contém dados da
pesquisa realizada no Mestrado. Para saber mais ver em VALÉRIA, 2008, também disponível em
http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/dissertacao_valeriapeixoto.pdf
2
Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 163.
6
Estes são apenas alguns dados da pesquisa citada.
Como formação continuada aqui se define como o espaço aberto, institucionalizado de reuniões e remunerado
para estudos, pesquisas, reuniões durante o processo de trabalho, no período de uma exposição.
5
Ao apresentar os depoimentos dos educadores/mediadores no decorrer do texto, optei por identificá-los com a
numeração que adotei para os questionários, Q1, Q2, Q3... e assim por diante.
4
7
citado. Em seu ensaio EXPERIÊNCIA E PAIXÃO, Larrosa procura tecer reflexões acerca do
Ao analisar as respostas dos educadores para a questão: como você definiria seu
conceito de experiência. Inicialmente desconstruindo o conceito, afirmando que ter uma
trabalho como mediador?, identifiquei palavras que se aproximam do meu entendimento sobre
experiência não é a mesma coisa que adquirir informação e acrescenta que hoje em dia a
mediação cultural, tais como: diálogo, questionamento e reflexão que apareceram 20 vezes,
experiência é cada vez mais rara pelo excesso de opinião, falta de tempo e excesso de
assim como os verbos: estimular, construir, despertar, trocar e provocar que foram conjugados
trabalho. Deste modo, se fosse possível, trocaria a palavra experiência do depoimento citado,
por 29 educadores. Nos depoimentos a seguir, é possível perceber uma preocupação com o
talvez, pela palavra vivência. Sim, uma vivência agradável, pois compartilho com Larrosa
olhar do outro ao ressaltar que o trabalho como mediadora: é imprescindível na
quando ele afirma que:
contextualização e levantamento de questionamentos, mas acho que, por outro lado, não deve
“A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender
a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”
(LARROSA, 2004, p. 160).
Acredito num processo de mediação que compreenda estas pausas no observar, no
escutar, na percepção da mudança de ritmo que ocorre, por exemplo, do percurso do ônibus
onde estavam os alunos até chegarem dentro da exposição. Quando o mediador não observa
estas questões, pode simplesmente fazer com que a vivência dentro do museu seja
desagradável.
Várias foram e são as concepções sobre Educação ao longo da história e,
evidentemente, tais concepções abarcam a arte-educação e a educação em museus. O
trabalho educativo em exposições propicia discussões a respeito do papel do mediador nesse
local que abriga um determinado acervo e conteúdo.
Penso que entender a forma como os mediadores lidam com o conteúdo da exposição
em que trabalham, seja ela temporária ou não, está relacionado com a questão da
profissionalização. Existem especificidades da educação não-formal em exposições de Artes
entre elas as construções de conhecimentos que levam em consideração o contato com o
objeto e a educação patrimonial. Mesmo com tais características, posso fazer uma analogia ao
processo histórico de profissionalização docente de Nóvoa, lembrando a primeira dimensão no
quadro de profissionalização que é a “construção de um corpo de conhecimentos e de
técnicas” (1995b, p. 20). Nóvoa trata da relação dos professores com o saber como um dos
capítulos principais na história da profissão docente e se questiona se “os professores são
portadores (e produtores) de um saber próprio ou são apenas transmissores (e reprodutores)
de um saber alheio?” (1995b, p. 27). Foi importante analisar como os mediadores percebem
seu trabalho.
interferir na construção do olhar do visitante (Q27) e neste que diz ter como objetivo despertar
a curiosidade e interesse das pessoas para o que elas estão vendo para que elas saiam da
exposição com um “retalho da colcha” (Q10).
Sair com um retalho da colcha pode significar aguçar a curiosidade, despertar para o
tema em questão, ter que “parar para pensar” como diz Larrosa (2004). Assim, a relação entre
os mediadores e o conhecimento seria a de “portadores e produtores” (NÓVOA, 1995b). Levar
em consideração os saberes do outro é uma preocupação presente em alguns depoimentos,
como vemos nestes: procuro estimular os visitantes e aproveitar os seus conteúdos.
Argumentos que acredito serem positivos para mediação (Q9) e A mediadora é uma
provocadora de idéias, questionamentos, sensações, memória, percepções etc. e, além disso,
garante a socialização disso tudo no grupo durante a visita (Q32).
No entanto, se para alguns a mediação tem este caráter dialógico, construtivo, é um
trabalho que não se ensina, mas se aprende junto, [pois] muito me acrescentou como pessoa e
também como profissional (Q25), outros mediadores ainda têm uma relação de “transmissores
e reprodutores” (NÓVOA, 1995b) e até mesmo, por que não dizer, de consumidores desta
transmissão do conhecimento, como verifiquei em outro momento da pesquisa, ao serem
questionados sobre o período de formação para a exposição, quando apontaram como a sua
maior qualidade apresentar o conteúdo da exposição.
Palavras como: ampliação (no sentido de aumentar o repertório de informação do
visitante), discurso e ponte (para transmitir) apareceram 11 vezes e os verbos: passar (o
conteúdo), aproximar e facilitar foram conjugados 16 vezes, como no depoimento desta
educadora que se “preocupa” com o ato de transmitir o conteúdo: tenho conhecimento, mas
preciso simplificar a linguagem um pouco mais (Q45); ou desta que define o trabalho como
uma importante ponte entre o público e a obra, um condutor de ideias (Q53); ou esta que vê o
trabalho como um passar (mediar) os conceitos das obras para uma maior aproximação do
grupo com a arte (Q86).
Existem muitas respostas nas quais os educadores assumem a responsabilidade de
aproximar e levar a “Arte” para as pessoas, como nestes depoimentos que veem o trabalho do
mediador como uma forma de auxiliar as pessoas a pensarem um pouco mais, fugir dos clichês
e treinar o olhar (Q42) ou, meu trabalho é de aproximar a arte do educando, de fazer com que
8
9
eles percebam que a arte pode ser entendida por eles (Q55), ou ainda, o mediador faz uma
Talvez, uma opção para uma ação educativa em museus de arte que tenha uma
ponte entre a obra e o espectador, auxilia a comunicação entre a arte e o público (Q56). Este
preocupação com a emancipação do espectador seja o trabalho norteado pelos Estudos da
outro expressa que o mediador é importante, visto que parte do público necessita deste serviço
Cultura Visual, numa tentativa de dessacralizar a obra de arte, propondo, como diz Imanol
(Q87). Mas que necessidade é esta? Por que alguns mediadores acreditam que o público
Aguirre (2009), uma aproximação com a obra de arte "como um condensado de experiência
necessita do mediador na exposição?
gerador de uma infinidade de interpretações" que levem em consideração não só a obra, mas
Ao criar como instrumento de pesquisa para traçar um perfil profissional do mediador
cultural um questionário, deparei-me com evidências conflitantes acerca da ideia de
também o espaço expositivo e, não menos importante, os sujeitos envolvidos, com suas
vivências e experiências.
educação/mediação. Notei isso logo no início da leitura que fiz dos questionários, ao perceber
como alguns mediadores se apropriaram do instrumento como um momento reflexivo e outros
não. Percepção que não diminuiu no decorrer da análise.
A reflexão sobre o próprio trabalho é fundamental para o educador, seja ela individual
ou coletiva. Foi refletindo sobre meu trabalho como educadora que criei argumentos que me
levam a acreditar numa mediação dialógica, onde o conhecimento é construído e não apenas
Bibliografia
AGUIRRE, Imanol. Imaginando um futuro para a educação artística. In: MARTINS, Raimundo,
TOURINHO, Irene (orgs.) Educação na cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa
Maria: Ed. Da UFSM, 2009 (p. 157-186).
reproduzido.
ALENCAR, Valéria Peixoto de. O mediador cultural. Considerações sobre a formação e
profissionalização de educadores de museus e exposições de Arte. Dissertação (Mestrado) –
Instituto de Artes/UNESP, 2008.
Post-scriptum
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as
tecnologias contemporâneas. In: ______. (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias
internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. p. 98-112.
Relendo a minha dissertação e revendo como uma parte dos mediadores culturais
pensam a respeito de sua atuação profissional, não pude deixar de relacionar aos escritos de
Jacques Rancière e acreditar que a importância dada aos conteúdos no processo educadional
faz destes educadores embrutecidos enquanto aprendizes e embrutecedores quando mestres,
pois ao se colocar como aquele que vai “treinar o olhar” ou “fornecer ideias”, não pode estar
almejando a emancipação intelectual, como diz Rancière: “a distância que a Escola e a
sociedade pedagogizada pretendem reduzir é aquela de que vivem e não cessam de
reproduzir”. (2011, p.11).
Ainda que não estejamos nos referindo a escolas aqui e sim a educação em museus, à
educação não formal, podemos fazer tal analogia, pois foi bastante perceptível a postura de
“mestre sábio”, especialmente entre os educadores que atuavam em exposições de Arte
Contemporânea, como por exemplo, quando um educador diz que seu trabalho como mediador
é importante, pois as pessoas não estão mais acostumadas a pensar (Q11).
Contudo, não é um comentário exclusivo nem autêntico, possivelmente é um eco de
BARRIGA, Sara, SILVA, Suzana Gomes da (coords.). Serviços educativos na cultura. Colecção
Públicos, n. 2, 23 nov. 2007. Disponível em: http://www.setepes.pt. Acesso em: 04 mar. 2008.
DEWEY, John. Experiência e pensamento. In: ______. Democracia e educação. 4. ed. São
Paulo: Ed. Nacional, 1979. p. 152-166.
______. Tendo uma experiência. In: ______. Arte como experiência. [S.l: s.n., 19--].
LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: ______ (coord.) Os
professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995a. p.13-33.
______. O passado e o presente dos professores. In: ______ (org.) Profissão professor. 2. ed.
Porto: Porto Editora, 1995b. p. 13-34.
______ (coord.) Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995a.
______ (org.) Profissão professor. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995b.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. 3.ed.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
seu processo de formação e estar num museu, local onde se legitima a Arte, pode ser um
momento de emancipação intelectual, quando pensamos numa mediação dialógica, reflexiva e
problematizadora, levando em consideração o princípio de igualdade de inteligências
(RANCIÈRE, 2011), ou pode ser um processo embrutecedor, reprodutor da cultura
hegemônica.
10
11
A arte e o conhecimento no contexto educativo
saberes, investigando e descobrindo aptidões, de modo a dotar os alunos de competências
para a prática destas obras de arte.
Teresa Almeida
A abordagem das questões teórico/práticas do ensino desta arte no território nacional,
Unidade de Investigação i2ads, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade. Faculdade de
Belas Artes da Universidade do Porto, Avenida Rodrigues de Freitas, 265, 4049-021 Porto.
é pois o objetivo a que nos propomos.
Unidade de Investigação Vidro e Cerâmica para as Artes (VICARTE), FCT/UNL, 2829-516 Caparica
História e Tradição em Portugal
talmeida@fba.up.pt
Em todo o território nacional assistimos a uma presença e tradição do mosaico, desde
as ruínas de Conímbriga até à famosa calçada portuguesa. A cidade de Conimbriga (perto de
Resumo
Num mundo da era digital, abarcado pelo ensino das novas tecnologias, qual é o papel
do ensino das artes de cariz tradicional? Fará sentido continuar a dotar os estudantes com
estes saberes?
Além de fazer todo o sentido, é fundamental investigar e aperfeiçoar tais
conhecimentos e descobrir aptidões, de modo a inovar as capacidades dos estudantes na
prática artística. Pretende-se por isso, no ensino das tecnologias de “cariz tradicional” criar um
fundamento para além da técnica, orientado para uma preocupação estética e um julgamento
crítico, demarcando um papel renovado no campo artístico e uma associação a novos
elementos e espaços.
Serão apresentados trabalhos dos alunos, inovadores e portadores de outra maneira
de olhar, uma atitude que ousa uma nova criatividade artística, onde a “técnica” do mosaico
aparece revigorada.
Palavras chave: mosaico, tecnologias tradicionais, ensino contemporâneo.
Coimbra) possui um vasto núcleo museológico de mosaicos, “os melhores exemplos
conhecidos encontram-se entre os que foram levantados em Conímbriga em 1899” (Abreu :
2007; 97). As escavações arqueológicas iniciadas, no século XIX e inícios do século XX
proporcionaram o renascimento do pavimento artístico de tradição romana em Portugal,
dando origem à famosa calçada Portuguesa, que hoje é considerada um dos marcos do
pavimento Português. Entenda-se por calada portuguesa “um pavimento empedrado, cujos
componentes são a pedra natural, com base em calcários assentes e dispostos no solo de
forma mais ou menos homogénea” (Henriques, Moura, Santos: 2009, 9). A pedra utilizada é o
calcário e/ou basalto, sendo as cores mais tradicionais o preto e o branco, no entanto, são
também utilizadas cores como o bege, castanho, rosa e tons avermelhados. Os desenhos
utilizados na decoração caracterizam-se por motivos geométricos ou figurativos, estando
muitos relacionados com as atividades da região onde o pavimento foi realizado (Henriques,
Moura, Santos: 2009.
A produção italiana de mosaico exerceu também uma forte influência para a realização
de mosaicos em Portugal, não só na criatividade e rigor técnico, mas também na composição
formal, sendo mais notória no período do reinado de D. João V. O mosaico “Pentecostes”,
1742-50, sito na Capela de São João Baptista, em Lisboa, é um excecional exemplo da
Introdução
produção italiana, no período de D. João V.
No Estado Novo, as décadas de 50 e 60 foram marcantes pelo recurso à utilização de
A arte do mosaico, mais do que decorativa, comporta excelentes atributos para se
afirmar com personalidade plástica na produção de obras de arte.
obras de arte, como pintura a fresco, tapeçaria, vitral, escultura e mosaico, nos novos tribunais
e na renovação dos outros. Para tal, os arquitetos chamaram artistas plásticos com formação
Em Portugal, esta tecnologia é lecionada nas Faculdades de Belas Artes. A
académica no sentido de realizarem obras de arte para esses espaços. O mosaico que António
conceptualização e a introdução de novos materiais numa perspetiva criativa, são fatores
Lino realizou em 1960 para o Tribunal de Guimarães é disso exemplo. O Edifício das Águas
fundamentais para relançar e conciliar esta arte milenária com o pensamento atual,
Livres em Lisboa, dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral, construído
consolidando assim o mosaico na arte contemporânea. Para tal é fundamental desenvolver
entre 1953 e 56, é outro excelente exemplo da integração do mosaico nos edifícios públicos.
Neste caso, a obra datada de 1956, é de Almada Negreiros.
12
13
Após o 25 de Abril, assistimos a uma revitalização do mosaico, passando a ser utilizado
artísticos, em detrimento das tecnologias tradicionais, que são morosas e estão associadas ao
em diferentes espaços e de diferentes maneiras. Exemplo disso são as obras produzidas nos
academismo; mas por outro lado vê-se o crescente interesse de estudantes de Erasmus que
anos noventa, como o trabalho realizado por Eduardo Nery para o edifício da Sede da Caixa
buscam estas tecnologias, pelo facto de nas suas academias se verificar um ensino massificado
Geral de Depósitos em Lisboa, constituído por um mosaico, calçada e vitral. “A utilização neste
das artes digitais e um desuso do ‘tradicional’. Para os que debandam do ensino das
projecto de mosaico associado ao vitral confere ao espaço um sentido raro e precioso,
‘tecnologias tradicionais’ é necessário criar iniciativas, desenvolver ideias e projetos para
propiciado pelo próprio objecto arquitectónico” (Henriques: 2003, 36). O metropolitano de
acabar com estas ideias preconceituosas e manter os estudantes com vontade de descobrir e
Lisboa, conhecido pela sua decoração em azulejo, possui, na estação de Carnide, um mosaico
desenvolver as suas atividades neste meio artístico, que rapidamente podem ser enquadradas
de José de Guimarães realizado em 1997.
na arte e educação contemporânea. Pretende-se por isso, no ensino da tecnologia de mosaico,
A Expo 98 em Lisboa possibilitou a integração de várias obras de mosaico. Artistas
plásticos realizaram obras de calçada, como é o caso da obra de Sá Nogueira, Rio Vivo,
criar um objetivo para além do estudo da técnica, suscitar preocupação com o material e com
o conhecimento das suas potencialidades, e suscitar também uma preocupação estética.
trabalho realizado em mosaico italiano para o passeio de Neptuno, e Pedro Proença com uma
Para os estudantes de Erasmus que procuram este ensino perdido, como que uma
técnica formal baseada na calçada portuguesa (Figura 1). Fernanda Fragateiro foi outra artista
nostalgia, procura-se dota-los primeiro de saberes técnicos e em seguida dos conceptuais, para
que realizou diversas intervenções. Concebeu uma escultura para um jardim, uma fonte de
que depois da aprendizagem adquirida consigam continuar a trabalhar com o mosaico, quando
água e vários bancos revestidos de mosaico bizantino e ainda uma calçada portuguesa para o
regressarem ao seu país de origem
passeio dos Ulisses.
Em Portugal o ensino do mosaico vem sendo lecionado nas Escolas de Belas Artes do
Porto e Lisboa, desde 1957. Pela Europa fora, esta tecnologia é também ministrada,
nomeadamente na academia Brera de Milão, Academia de Belas Artes de Atenas e ainda na
Scuola Mosaicisti del Friuli, Itália, desde 1922.
Na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a disciplina é dada em dois
semestres, dividida em dois níveis de formação. No primeiro nível, de iniciação à técnica,
procura-se analisar, entender e usar as diversas funções do mosaico nas diferentes técnicas
utilizadas. Compreender a história e tradição do mosaico, não só no território luso, mas
também conhecer o panorama artístico internacional. Pretende-se que os estudantes
Figura 1. Pedro Proença, calçada Portuguesa, 1998.
desenvolvam os conhecimentos adquiridos na aplicação a conteúdos específicos, um domínio
da mestria utilizada, assim como uma preocupação conceptual. Visa-se ainda a obtenção de
saberes no sentido de distinguir, selecionar e fazer uso dos múltiplos meios de representação e
Escola e ensino: integração do mosaico no contexto universitário
modos da técnica do mosaico e das suas várias aplicações. Tendo em conta a familiarização
dos estudantes com esta nova tecnologia solicita-se para o primeiro trabalho o
14
Nos dois últimos séculos da nossa era assistimos a um desenvolvimento entre a arte e
desenvolvimento de um mosaico com base nos trabalhos que têm vindo a realizar na cadeira
a tecnologia, numa manipulação da luz, do movimento e do som em novos materiais e
de projeto, no sentido de entender o mosaico como tecnologia flexível, especulativa e
tecnologias (Stiles; Selz: 1996). As inovações tecnológicas sofrem profundas e sucessivas
concretizadora de obras de arte contemporâneas, onde vários artistas estabelecem essa
transformações, esbatem-se fronteiras e o homem assume um papel de transformador.
relação (Reinvenzioni: 2000).
No que se refere ao ensino das chamadas ‘tecnologias tradicionais’ verifica-se, por um
Ainda no primeiro nível os estudantes tem de realizar um último trabalho onde usem a
lado, que estudantes procuram muitas vezes a utilização e aplicação dos novos média
relação de mosaico com a arquitetura e/ou espaço público da Faculdade. Procura-se com este
15
exercício que os estudantes compreendam a integração da arte no espaço e as várias
possibilidades que a técnica de mosaico possibilita.
Na continuidade do Nível I, o Nível II desta disciplina pretende alargar o campo de
material utilizado nesta tecnologia. Entende-se que o trabalho neste nível deverá ser
desenvolvido numa perspetiva que abarque os aspetos de criatividade, onde a técnica não se
limita a um meio e um método mas constitui, ela própria, um incontroverso significado de
criatividade. Procura-se ainda que os estudantes desenvolvam um trabalho com novos
materiais, pouco usuais na aplicação do mosaico. As tesselas não são só meramente pequenos
Figura 2. Peça de Mosaico de Janina Silva, 2011
quadrados de calcário cortados com precisão milimétrica, os trabalhos devem ser irreverentes
e ousados no tema, conceito teórico e no resultado final. É certo que a utilização de um
determinado material em detrimento de outro, por parte dos artistas na elaboração de uma
obra de arte, não é meramente casual. John Gage afirma que os materiais que o artista utiliza
não podem ser considerados como simples ferramentas (Gage: 2006), a sua escolha e
aplicação possui um valor específico que lhes é inerente.
Numa abordagem pedagógica dotamos os novos estudantes com um saber mais que
meramente técnico, procurando fundamentos teóricos e uma linguagem plástica característica
da arte. A meio do semestre os estudante farão uma apresentação oral do seu projeto
explicando aos colegas o trabalho que estão a desenvolver. Com este debate procura-se
explorar ideias críticas e conceptuais, descobrir novos caminhos e possibilidades de trabalho.
Figura 3. Peça de Mosaico de Agostinha Moreira, 2011.
Cristina Roriz foi uma das estudantes que desenvolveu um trabalho parietal onde utilizou
pedras e pigmentos. Desenvolvendo o projeto de pintura no ateliê de mosaico, esta aluna
procurou fazer uma pintura com mosaico.
Refira-se ainda os trabalhos das alunas Janina Silva e Agostinha Moreira. Janina empregou a
madeira com elementos cerâmicos, desenvolvendo um trabalho de instalação colocada nos
jardins da faculdade. Esta aluna procurou troncos de árvores que serviram como o seu
suporte, sendo as tesselas realizadas em cerâmica, pequenas tiras orgânicas que concebeu,
tendo em atenção a fisionomia do suporte (Figura 2). Agostinha, por sua vez, procurou a
utilização de novos elementos numa composição formal totalmente renovada. Esta estudante
analisou e explorou as potencialidades do vidro, desenvolvendo vários protótipos de “legos”,
estabelecendo uma composição colorida e rítmica, onde as tesselas empregadas foram os
“legos de vidro” (Figura 3).
Considerações finais
Averiguou-se que a presença do mosaico em Portugal reporta-se ao período Romano,
notando-se ao longo dos tempos influências italianas, de forma mais evidente durante o
reinado de D. João V, sendo que no Estado Novo teve um pendor académico, assistindo-se nos
dias de hoje a uma revitalização pelo recurso a novos conceitos e materiais. A calçada à
Portuguesa é o produto mais notório e genuíno da arte do mosaico em Portugal.
No referente ao ensino, constata-se que o recurso a novos conceitos e materiais são
fundamentais para a criação de obras portadoras de contemporaneidade. Mas primeiro há
que saber da história do mosaico e conhecer os métodos tradicionais e atuais, para depois
partir para a descoberta. Não basta saber das novas tecnologias, importa conhecer essas
técnicas e materiais, no sentido de optar perante as características e possibilidades que os
mesmos oferecem e assim potencializar a criatividade e expressão.
16
17
A fundamentação teórica e a preocupação estética são outros aspetos basilares, que
aliados ao conhecimento dos materiais e ao domínio técnico, constituem fatores fundamentais
CULTURA VISUAL, SUJEITO E EDUCAÇÃO
para uma criação artística que se pretende interventiva e inovadora.
DISCURSOS, POÉTICAS E IDENTIDADES FEMININAS NAS AULAS DE
ARTE-EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Bibliografia
Abreu, M. S.; Macias, S.; Maciel, M. J.; Pereira P.; Torres , C.; História da arte Portuguesa.
Pimeiro volume. Da Pré- História à Arte Islâmica no Ocidente Andaluz. Circulo de leitores,
2007,
Gage, J; Colour and Meaning, Art, Science and Symbolism. Simgapore: Thames & Hudson Ltd,
2006
Henriques, A. M. E; Moura, A. A. C.; Santos, F. A.; Manual da calçada Portuguesa, Direcção
Geral da Energia e Geologia, 2009
Henriques, P. “Entre o chão e o infinito. Calçadas, azulejos e mosaicos de Eduardo Nery”, in
Eduardo Nery, Exposição Retrospectiva Tapeçaria, Azulejo, Mosaico, Vitral [1961-2003], IPM,
2003
Reinvenzioni. 28 artisti alla scuola di spilimbergo. Longo Editore, Ravena, 2000
Stiles; K. Selz; P; Theories and documents of contemporary art. A sourcebook of Artists’
Writtings, University of California Press, 1996
Sissa Aneleh Batista de Assis
Mestre em Artes
Universidade Federal do Pará - Brasil
Resumo: Este artigo se propõe a refletir sobre a minoritária presença de artistas mulheres e suas
obras nas aulas de arte. Procura incentivar as professoras e os professores de arte a inclusão da
arte das mulheres em suas aulas para se desenvolver uma completa educação crítica, analítica e
estética dos alunos e alunas sobre a expressão artística feminina.
Palavras-chave: História da Arte, Mulheres Artistas, Identidade, Arte-educação.
Title: Discourses, poetics and feminine identities in class art education contemporary.
Abstract: This article aims to reflect on the minority presence of women artists and their works
in art classes. Seeks to encourage the art teachers for the inclusion of women in their art classes
to develop a complete education critical, analytical and aesthetic of the male and female
students about artistic expression female.
Keywords: History of Art, Women Artists, Identity, Art education.
A arte porque ela é moral e social é um
luminoso instrumento de comunhão entre
todos os seres do Universo.
Elysio de Carvalho1
O presente artigo discorre sobre as aulas de arte e a ausência ou pouca presença
das obras de artistas mulheres da História da Arte até os tempos atuais. Seu intuito é
provocar a reflexão de professores e professoras de arte sobre os deveres essenciais para
um consciente trabalho de docência na arte. O maior objetivo deste artigo é incentivar o
uso das obras e da história das mulheres artistas nas exposições visuais das aulas de
História da Arte ou de outras disciplinas afins para promover uma práxis artística mais
18
pluralizada, analítica e comparativa na educação artística.
1
Carvalho Apud Barbosa, A. M. (2001). Arte-educação no Brasil (4º ed.). São Paulo: Perspectiva. ISBN:
19
"For the first time, he touches the wall not as a support, nor as an obstacle or something to lean on
(all of which might equally have left prints, none of which will have counted, will have done this
work–at least not until this work has been done), but as a place, if one can touch a place. Only as a
place in which to let something of interrupted being, of its estrangement, come about" (Nancy,
1996; 75, 76).
To achieve this kind of “defamiliarization” or “estrangement” like the first painter, we had to act as
observers of our own hands and body as well as of our own acts as if it was the first time. Thereby
we had to perceive our hands as independent entities, as something out of us, outside of our own
body experience. Defamiliarization, as a scientific approach, is based on the consideration that any
identity (object, action, place or being) must be placed outside of ourselves in order to be critically
known, independently from our daily lives and beliefs.
“For the observer an entity is an entity when he can describe it. To describe is to enumerate the
actual or potential interactions and relations of the described entity. Accordingly, the observer can
describe an entity only if there is at least one other entity from which he can distinguish it and with
which he can observe it to interact or relate. This second entity that serves as a reference for the
description can be any entity, but the ultimate reference for any description is the observer
himself.” (Maturana, 1980; 9)
“Handmade” Experiences
of recognition such as weight, softness, warmth and movement that usually are not relevant at a
first contact, and we considered hands as the basic instrument for exploring the unknown, avoiding
prejudices coming from visual data such as our specific way of dressing, age, gender, social role or
ethnic group . We wanted to make the students be aware of the perception inputs linked to
ideology but also make them concerned about unusual facts such as voice, tone and speech
fluency, registered by other senses like hearing or even the smell as the most primitive sense that
provokes most durable memories. This action introduced different viewpoints of approachment and
made a statement for the experimental character of the workshop’s further experiences.
In fact, when students were finally able to see who they were with and how the space of the class
was, they “lost their voice”. Without voice, our hands draw signs in the air. Participants
introduced themselves in a video only by using their hands. By watching the videos we realized the
difficulty of exploring the freedom of hands because our imaginary sign language is still ruled by
stereotypes. Most of the participants reproduced image symbols with their fingers rather than
expressed emotions with gestures. For example in order to say “I like it” they picked up their
thumb, or formed a heart. Most of them used their whole body to show actions like cycling, or
skiing. Generally, we managed to understand what they were trying to say, and we observed that a
lot of hand-gestures are common in all countries. Although we all speak different languages “The
hand is the only speech that is natural to man… which, without teaching, man in all regions of
the habitable world does at the sight most easily understand.”(Bulwer John, Chironomia, 1644 en
Donald Mac 1975; 1)
We observed hands either as a whole or regarding at their different parts: fingers, thumbs,
fingertips, wrists, palms. There are a considerable amount of studies that connects the progress of
human brain with hands. Nevertheless it’s difficult for us to consider such an importance, mainly
because we are living in an oculocentric world, where vision is our principal way of perceiving.
Without view, just leaving our hands to look out for the clues, in the very beginning of the
course, we disabled the sense of sight to approximate each other only by touch, pressure, caress,
handle and palpate. Touch produces different sensory information to that provided by the eye... it’s
not just reactive but also active (Sherrington, C. 1906 The Integrative Action of the Nervous
System, en Sennet, 2009; 189).
Without seeing, without voice, without hearing, little by little we went on removing our information
layers until we managed to lose our memory. We were left “without prejudices” and “without
restricting thoughts” having achieved a first approach on our defamiliarization process.
Then, we wrote a list of all those dispersed variables that describes hands in order to find out what
a hand is: Which are the limits that define it? A hand with: five, four, three, two, one finger. A hand
with no fingers. When hands are not linked with brain, far from desires and projects, they change
into images – kind of representations of our sensations, emotions, wills, actions, passions and
motives –. And through multiple associations of images, we could discover unknown variables that
could be joined in new categories, in an attempt to make a cartography of hands, an exhaustive
taxonomy inspired from the method carried out by Aby Warburg (2010). There on a blackboard of
10m long, we discovered our hands.
We set this new circumstance in order to shorten the distance between sight and the “seen”, and of
perception itself, claiming knowledge as an experiencing rather than only looking or just thinking
(both detached/distant approaches to perception). By this way we took under concern other facts
20
21
Meanwhile, in our “in-betweens” when we weren’t manipulating anything, we were knitting as an
action that joined together all workshops’ activities. We learned how to knit the first day and like our
ancestors we were unceasingly fabricating textiles in different colors and shapes, without
thinking, just leaving our hands to move, repeat and produce.
"To repeat again and again an action is stimulating when it is organized looking ahead. The
substantial thing of the routine can change, transform and improve, but the emotional
compensation lies in the personal experience to repeat. This experience is nothing strange, we all
know it: is rhythm. Already present in the human heart contractions, the artisan has extended it to
his hands and eyes." (Sennet, 2009; 216,217)
And then, ready to go beyond limits, we went to Prado Museum to look for “monster hands”. The
term monster hand was the metaphor used to describe the hands which, physically or
representatively, extend or lose their limits. The challenge was to convert the visit to a classical
museum in an estrangement experience by “the monster hands hunting”. Velazquez, El Greco,
Goya, Ribera among many other painters offered us a large collection of hands that could be
considered as monster hands. They revealed us that hands are deformed when feelings, pain,
madness and utility is more important than their image, like in life. The best interpretation about
monster hands came from a girl of the group who after seeing the dim hand of the painter in “Las
Meninas” she observed that it was impossible to distinct his hand from the paint brush, they were
like one. Definitely for Velazquez his hand was his paintbrush, his life was painting.
And now without boundaries, we just left our hands to move, manipulate and extend their
limits until they were transformed into “monsters”. Making monster hands liberates people from
the need to make a “perfect” hand, similar to a real one. The variety of hand production was
impressive and we were all surprised by our small creations that were far more interesting than
some of the references showed during the session. A hand that was a whistle; two hands pasted
together; a box-hand; a long-nail hand. Daniel Miller’s words from his introduction to the exhibition
‘the power of making” (A&V Museum, London) seemed the best reference: “Feel for yourself that
sense of achievement and exhilaration when you see in front of you the finished object of your
labor, and how that object has in turn made you more than you otherwise had been.” (Miller, 2011;
15).
While the construction of the monster hands was taking place, a conference and dialogue about
the monster hands of comics and cinema was carried out. Several movies opened a discussion
about the relationship between hands and mind like “The Thing of The Addams Family”, The Hand,
The beast with the five fingers and more. “Edward Scissorhands”, X-men, and the hands of
“Superheroes” gave space to speak about how the anatomy of the hand has been an inspiration to
movie directors.
We couldn't go on knitting with such monster hands, so we started moving them. Perform without
thinking, just leaving our hands to act independently. We had to make a dialogue in groups of
three just using our hands. We started from an introduction to Sign language and its unique
linguistic use of space… that is amazingly complex, for much of what occurs linearly, sequentially
temporally in speech becomes simultaneous, concurrent, multileveled in Sign (Sacks, 1990; 88).
However, most of the participants inserted mimetic and theatrical elements in their narrations.
Hands were aptly used in cases but in others it was difficult to recognize their intention, lost in the
amount of movements. This caused a difficulty in communication that had as a result a lack of
interaction after the presentations. However, in the preparation of the exercise people did
interacted a lot within their teams working with interest in the creative part of the exercise.
Later we were taught the basis of flamenco dance; like all parts of human body, hands are an
articulated extremity of expression that explores and helps to be located in space, find references
and discover the body axis in balance. Hands in flamenco break the harmony and balance of the
lines that arms create. Flamenco hands moves inward and outward, transmitting strength, freedom
and allowing improvisation; hands are mysterious and reflect the most intimate and intense human
feelings. Variants according to the different origins, places or interpreters, gives at flamenco styles
not only richness but a proper character which is reflected in the expression of hands. In the
“soleá” they are dramatic, in “tangos” are festive in “bulería” are spontaneous, in “farruca” are
brave and in “seguiriya” are tragic. The meaning of the hands in flamenco is linked to each of those
styles as part of the ritual of a collective participation accompanied by singing, dancing, guitar and
percussion, whose common denominator is the rhythm.
You can get 700.000 different positions; using combinations of arms, the wrists and fingers (Davis,
1998) depending on the cultural, natural, social, familiar or personal experience, these positions
will have different meanings, allowing multiple options for hands action in dance. To explain the
great flexibility, mobility and expressiveness of hands several studies come to the conclusion that
the human brain cortical fields for hands and fingers are much more extensive and differentiated
than those corresponding to other segments of the body members. They are ten times more
important than this were feet are involved (Schinca, 1988).
It’s interesting to observe the transformation that the previous dialogues in sign language suffered
by introducing flamenco elements. The participants’ body attitude turned out to be more relaxed,
open and spontaneous than it was before. Their facial expression showed what was also
confirmed verbally; they were confident and satisfied. We spent this night in a flamenco spectacle,
22
23
where all participants were really impressed by the flamenco dance and music.
guide us. As real “supporters” of Arendt’s philosophy, we perceived action as the only possibility for
something new and inedited to appear in our world: any action triggers other action (Barcena,
2006; 194). While acting we were not aware of what we were doing; we first acted and then, we
reflected on our action and its outcomes. In this playground, by closing the course, we made with
all of our knitting textiles a scarf; an overall metaphor for the whole course that looked like an
artwork. An educational project of collaborating hands where the resemblance of the Dadaist
“exquisite corpse”, is seen as a different way of learning through a collective consciousness of a
sense of diversity, empathy and synergy.
Next morning we learnt how to play the castanets. Music, made hands to move by their own.
Introduce castanets in a ludic way motivated the group and worked as a cohesive element.
Participants did collaborate in space and time and managed to keep the rhythm and the “compas”
of “seguiriya” at once.
Just an amazing collective sound emerged as hands drew shapes freely in the air looking for
personal expressive movements. The learning intensity was increasing and the course
temperature was out of control allowing an “unpredictable” to happen: One of the students showed
us some movements coming from Japanese martial art Ninjutsu that involve hands as an
instrument. Like a magician in the forest, he made us to leave our barriers apart, and body
contact worked as a significant catalyst that led to reset time and space, establishing an
unexpected relationship among hands and bodies and bodies between them.
-
-
And from that typical beauty of castanets’ Spanish sound, we passed through handy sound to a
new peculiar task consisting in producing a new mobile’s ringtone, mainly made with hands, but
emphasizing the need of coordination and collaboration of the team members in more than a
sensory level. The participants worked together not only in the interpretation of the new sound but
also in the production and experimentation of it. This process alerted senses like hearing and
kinaesthetic, often forgotten in the academic environment.
The last day the participants made a video in the city of Madrid. The video should take place in the
metro, in a mall, in a square, in a Chinese shop, in a Spanish bar, in a public toilet, in a cinema etc.
Participants, in teams of four, should interact with people in the streets without speaking since their
hands were the protagonists. This last exercise resulted extraordinarily motivating. All of them were
implicated in a both sentimental and ludic way. They experimented with most of the “concepts”
introduced along the workshop like knitting, castanets, sign language or monster hands. Their
major surprise, and of ours as well, was the effect that communication and interaction with
everyday people in the streets, metro, bars and shops, can have in the intensity of our emotions
and perception of the city and of life.
Conclusion
-
-
-
Bibliography
BÁRCENA, Fernando. 2006. Hannah Arendt: Una Filosofía de la Natalidad. Barcelona: Ed. Herder
DAVIS, Flora. 1998. La Comunicación No Verbal. Madrid: Alianza Editorial S.A,
DONALD, Mac C. 1975. Silent Language, London: Butterworth
MATURANA, Humberto. 1980. Biology Of Cognition, As Reprinted in Autopoiesis and Cognition: The
Realization of the Living. Dordecht: D. Reidel Publishing Co.: pp. 5-58, Accessed August 10, 2012.
http://www.enolagaia.com/M70-80BoC.html#VI
NANCY, J. L. 1996. The Muses, Stanford: Stanford University Press
MILLER, D. 2011. The Power of Making (pp 15-23), Exposition Catalogue “The Power of Making” at
Victoria and Albert Museum
PACHECO, Lourdes. 2004. El horizonte epistémico del cuerpo. Región y Sociedad, Vol.XVI. No 30: pp.
185-194
SACKS, O. 1990. Seeing Voices: a journey into the world of the deaf, New York: Harper Perennial
SENNET, R. 2099. El Artesano, Barcelona: Anagrama
SCHINCA, Marta. 1988. Expresión corporal. Madrid: Ed. Escuela Española, S.A.
WARBURG, A. 2010. Atlas Mnemosine, Madrid: Akal
Comics
Frank Miller (w), Frank Miller, Klaus Janson (p), Klaus Janson (i)] Daredevil #174, Sept . 1981 Marvel
Comics Group.
Akira Yoshida(w),Christian Gosset(p), Jonathan Glapion(i)] Elektra The Hand # 2, (Nov. 2004 - Feb.
2005) Marvel Comics Group. Edición Española, L9D, La Novena Dimesion, 2010.
Filmography
Adams family Values. Dir. Barry Sonnenfeld. Orion Pictures Corporation, Paramount Pictures. 1993.
Wide Screen Collections, 2001.DVD
Edward Scissorhands. Dir. Tim Burton, Twentieth Century Fox Film Corporation, 1990. Odeon, 2000.
DVD
The Beast with five fingers. Dir. Robert Florey, Warner Bros. Picture, 1947. IMDb: The Internet Movie
Database. Web. 12 June 2012. http://www.imdb.com/title/tt0038338/
The Hand. Directed by Drew Baldwin, Atom TV, 2008. Metacafe. The Video Entertainment Engine. Web.
12 June 2012 http://www.metacafe.com/watch/1946985/the_hand/
The Hand. Dir. Oliver Stone. Orion Pictures Corporation, Warner Bros. Picture,1981. Twisted Terror
Collection, 2007. DVD
Definitely, we deeply experienced the city, art and life like a playground where we left our hands to
24
25
II Encontro internacional Educação artística
Comunicação
Porto
provações e dos seus sofrimentos expressos na sua própria linguagem; e retratar as condições das suas
casas e das suas famílias, a estas, acrescentámos a descrição das festividades associadas a rituais
culturais/religiosos, levados a cabo pela comunidade. Com base neste património vivencial,
concebemos os materiais didáticos, nos quais recorremos à ilustração infantil para formalizar
visualmente os conteúdos (fig.2), e que posteriormente apresentámos aos alunos da aldeia (fig.3).
No nosso entender, a Educação não deve perder o seu sentido humanizador, abrindo o
horizonte de cada aluno, apresentando-lhe desafios que o coloquem face a si mesmo, aos seus
Título:
Espaço e imagem, Abstracção e materialização.
Dois exercícios de investigação em geometria.
Autor:
João Cabeleira
Filiação institucional:
Escola de Arquitectura da Universidade do Minho
Resumo:
No âmbito do ensino da geometria em arquitectura propõe-se a reflexão sobre dois exercícios
elaborados com os alunos da EAUM. Sendo ao longo do ano lectivo explorada a representação do
espaço abstracto e espaço arquitectónico concreto, estes exercícios constituem a síntese de
princípios basilares ao levantamento arquitectónico, representação e ensaio espacial.
O primeiro exercício explora uma selecção de pinturas (Leonardo, Rafael, Bellini, Dürer, Hooch,
Hoogstraten e Witte), solicitando-se aos alunos a desconstrução perspéctica do espaço pictórico
obtendo as suas projecções ortogonais (planta, corte e alçado) e projecções oblíquas (axonometria
militar). Por outro lado, o segundo exercício pressupõe a construção de máquinas de desenho (Lanci,
Stevin, Cigoli, Scheiner, Kircher, Zahn, Wollastron), registando-se o seu projecto (explosão
axonométrica), e aplicando-a à representação de um espaço real para através da imagem obtida se
verificar as leis da perspectiva (desconstrução).
Palavras-Chave:
Sistemas de Projecção, desconstrução perspéctica, máquinas de desenho, levantamento
arquitectónico.
sentimentos e às suas perceções da vida e do mundo. No nosso caso particular, este estudo pretendia
trazer aos alunos a possibilidade de partilharem e vivenciarem, através de uma experiência lúdica e
narrativa, a história da aldeia através da vivência dos seus habitantes (alguns deles avós dos alunos).
Pretendia ainda trazer aos alunos, a perceção da riqueza das suas raízes biográficas e identitárias,
invocando, dentro do espaço letivo, aquilo a que Patrício (1983:2) refere como: uma dimensão
pedagógica que pondere o seu equilíbrio com as características humanas do educando. Ora dentro de
uma sociedade diariamente mais globalizada, em que as identidades sociais e culturais dos alunos são
remetidas para planos menos privilegiados, onde a memória e o seu relato já não encontra o mesmo
espaço nas rotinas diárias das famílias, urge, enquanto educadores, encontrar uma forma de transmitir
e preservar o património cultural para gerações futuras, sabendo simultaneamente enquadrar e
equilibrar as diversas referências identitárias que nos chegam pelos meios de comunicação, como
aponta Hans D’Orville (Director do Bureau of Strategic Planning da UNESCO).
Partindo das preocupações apresentadas, e recorrendo a entrevistas semiestruturadas;
registos áudio; vídeo; registos gráficos e fotográficos, levámos a cabo a recolha de informações que nos
possibilitou construir esta investigação e os seus materiais. Após a aplicação dos materiais didáticos,
procedemos, numa última fase, à recolha de opiniões e à captação das memórias mais presentes,
através de registos gráficos efetuados pelos alunos, sobre todo o projeto que desenvolvemos com o
grupo de estudo. Fazendo um ponto de situação dos resultados obtidos, podemos confirmar que os
materiais demonstraram ter proporcionado aos alunos, aspetos interessantes e positivos, entre os
quais:
- Relevância no processo de ensino/aprendizagem dos conteúdos a que nos propusemos, uma vez que
os alunos alcançaram alguns níveis de pormenorização dos fatores abordados, e mantiveram as suas
descrições da “vida de antigamente”, em grande conformidade com o que lhes foi transmitido por nós,
através dos materiais didáticos.
- Maior objetividade na forma de intuir o propósito, e a importância que as histórias podem representar
na formação dos próprios alunos. Estes situaram o potencial das histórias e o ato de as partilhar, dentro
das preocupações de salvaguarda das tradições, e dentro do domínio do ensino/aprendizagem, o que
26
27
nos surpreendeu por percebermos a dimensão pedagógica que as crianças atribuíram aos materiais
história e sobre as particularidades que a tornam singular. Permitindo dessa forma, o início de um
apresentados.
percurso de identidades partilhadas dentro de uma mesma história.
- Interesse pelo passado e pela preservação do mesmo, através do reconhecimento de elementos que
simbolizam as tradições locais, e a importância de fazerem com que este perdure em futuros próximos.
Podemos referir que, o decorrer desta investigação, trouxe-nos o privilégio de poder assistir e
participar num percurso importante no âmbito do desenvolvimento pessoal dos alunos, uma vez que os
passos desta investigação foram marcados por vários espaços temporais entre 2008 e 2009.
Acreditamos poder afirmar, com relativa segurança, que os materiais apresentados auxiliaram os
alunos no preenchimento de uma lacuna considerável, ao nível do conhecimento relativo às antigas
vivências da aldeia. Através da leitura de relatos posteriores, redigidos pelos alunos acerca da aldeia,
constatámos que o “guião informativo” que tínhamos seguido na apresentação dos materiais, foi em
grande parte reproduzido por estes, revelando dessa forma uma boa apreensão dos conteúdos e dos
Fig.1 (aldeia de Santana do Campo)
diversos pormenores. Deparámo-nos ainda com relatos completados com ilustrações “inspiradas” nos
materiais didáticos que apresentámos e com fotografias da aldeia, demonstrando assim, entre outras
possibilidades, uma dimensão participativa e interessada sobre a temática.
Como balanço final do processo inerente à investigação, podemos referir enquanto agentes
educativos, que a dinâmica alcançada nos momentos em que estivemos com o grupo de estudo e a
participação que estes demonstraram, foi um fator importante que nos leva a considerar a importância
da conceção de “suportes didáticos” desta natureza, para a nossa prática profissional e para outros
contextos de interação educativa.
Além do já relatado, retemos desta investigação a atenção com que os alunos, se situaram a
ouvir e participar nos relatos que tomaram lugar; o prazer que demonstraram ao manipular os materiais
que lhes levámos; a descoberta dos pormenores que introduzimos e tentativa de compreensão das
imagens e dos contextos sociais e culturais retratados. Neste sentido, a dimensão visual revelou-se
Fig.2 (festividades; família; atividades laborais)
extremamente útil na veiculação de referências sobre a cultura local (uma vez que percebemos ser
difícil, para os alunos, situarem-se nas histórias da aldeia apenas por relatos orais).
Para terminar, devemos ainda referir a positividade que julgamos ter sido possível alcançar
através deste estudo, apesar de ser multifacetado ao nível das peças fundamentais que já referimos,
estamos em crer que foi possível entrelaçar caminhos que confluíram expressivamente num propósito
comum:
Um desejável equilíbrio entre o desenvolvimento sócio afetivo, humano e sensorial, mediados por
conteúdos afetos aos materiais didáticos de autor que concebemos, possibilitando assim a
demonstração da aquisição de conhecimentos sob uma perspetiva do local envolvente, sobre a sua
28
29
Fig.2
Fig.3
30
31
II Encontro internacional Educação artística
Comunicação
Espaço e imagem, Abstracção e materialização.
Dois exercícios de investigação em geometria.
Porto
Âmbito
Título:
Espaço e imagem, Abstracção e materialização.
Dois exercícios de investigação em geometria.
Sendo a geometria uma ciência fundamental à arquitetura, a Unidade Curricular de Geometria na
EAUM promove processos abstratos intrínsecos aos diferentes sistemas de projecção, o
reconhecimento de estruturas formais e a prática do desenho de arquitetura nos seus vários
propósitos. Assim, aos exercícios de reconhecimento do espaço projetivo, propõem-se investigações
onde à análise, representação e estratégia comunicativa do espaço, se somam dados da cultura
científica, artística e arquitetónica.
Ponto de Partida
Autor:
Ambas as investigações partem do reconhecimento da teoria do desenho arquitetónico tendo por
base o Dispositio vitruviano e os avanços proporcionados pela conceção moderna do arquiteto e da
sua disciplina.
Filiação institucional:
Em De Architectura Libri Decem (40 a.C), Vitrúvio organiza o desenho, modo de obtenção de uma
harmonia racional assente na geometria, segundo três fatores: Ichnographia (planta); Orthographia
(alçado); Skenographia (operação mental de cruzamento entre planta e alçado). Por sua vez, em De
Re Aedificatoria (1485), Alberti associa o desenho à distinção entre conceção e construção,
pertencendo a primeira ao campo de ação do arquiteto e a segunda ao do construtor. Contudo,
Alberti, negligenciando a operatividade da perspectiva, restringe o desenho do arquiteto ao registo de
verdadeiras medidas e ângulos, vinculando-o à objetividade da conformação espacial e reforçando a
cientificidade da prática arquitetónica.
João Cabeleira
Escola de Arquitectura da Universidade do Minho
Resumo:
No âmbito do ensino da geometria em arquitectura propõe-se a reflexão sobre dois exercícios
elaborados com os alunos da EAUM. Sendo ao longo do ano lectivo explorada a representação do
espaço abstracto e espaço arquitectónico concreto, estes exercícios constituem a síntese de
princípios basilares ao levantamento arquitectónico, representação e ensaio espacial.
O primeiro exercício explora uma selecção de pinturas (Leonardo, Rafael, Bellini, Dürer, Hooch,
Hoogstraten e Witte), solicitando-se aos alunos a desconstrução perspéctica do espaço pictórico
obtendo as suas projecções ortogonais (planta, corte e alçado) e projecções oblíquas (axonometria
militar). Por outro lado, o segundo exercício pressupõe a construção de máquinas de desenho (Lanci,
Stevin, Cigoli, Scheiner, Kircher, Zahn, Wollastron), registando-se o seu projecto (explosão
axonométrica), e aplicando-a à representação de um espaço real para através da imagem obtida se
verificar as leis da perspectiva (desconstrução).
Palavras-Chave:
Sistemas de Projecção, desconstrução perspéctica, máquinas de desenho, levantamento
arquitectónico.
A noção é superada por Rafael que, na carta a Leão X (1519), deixa de delimitar o desenho do
arquiteto à planta apontando um verdadeiro sistema que constituirá, daí por diante, o núcleo central
da produção gráfica da arquitetura. “E porque o modo de desenhar que melhor pertence ao arquitecto
é diferente daquele do pintor, direi o que acho conveniente para a compreensão de todas as medidas
e como encontrar todas as partes do edifício sem erro. O desenho que então pertence ao arquitecto
divide-se em três partes das quais a primeira é a planta, ou – como costumamos dizer – o desenho no
plano; a segunda é a parede de fora [alçado], com seus ornamentos, e a terceira é a parede interior
[corte], também aí com os seus ornamentos.” A estas projecções Rafael acresce a perspectiva: “E,
para ainda satisfazer amplamente o desejo daqueles que amam ver e compreender bem as coisas
que serão desenhadas, agora temos - além dos três modos de desenhar a arquitectura acima
referidos – desenhado ainda a perspectiva de alguns edifícios que nos aparecem aos olhos, como se
os pudéssemos ver e julgar a graça de tal semelhança que apresentam na bela proporção e simetria
dos edifícios, o que não aparece no desenho dos que são medidos arquitectónicamente” Concluindo a
sua conveniência ao arquiteto: “E, se bem que este modo de desenho em perspectiva seja próprio do
pintor, é, no entanto, conveniente ao arquitecto. Porque, tal como ao pintor convém a notícia da
arquitectura para saber fazer os ornamentos bem medidos e com a sua proporção, assim ao
arquitecto se procura conhecer a perspectiva porque com tal prática melhor se imagina todo o edifício
fornecido dos seus ornamentos.”
É pois sob esta simultaneidade operativa dos vários sistemas projetivos que se move a estratégia dos
exercícios de investigação.
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1º Exercício
Em A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica explora-se uma seleção de
espaços pictóricos através das obras de: Leonardo (Última Ceia, 1497); Rafael (Casamento da
Virgem, 1504); Bellini (Nossa Senhora com os Santos, 1505); Dürer (Apresentação de Cristo no
Templo, c.1514); Hooch (O quarto, c.1660); Hoogstraten (Ilusão Perspética, 1662); e Witte (Interior
com mulher ao cravo, c.1665). Neste âmbito é não só pertinente a exploração da perspectiva
enquanto simulação do espaço arquitetónico (ensaiando articulações e soluções da gramática
construtiva, preconizando a metodologia projetual emergente a partir do renascimento) como a
capacidade de registo de ambientes, reconhecendo a realidade física.
A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica. Leonardo da Vinci, Última Ceia (1497): Nuno Campos.
Rafaelo Sanzio, Casamento da Virgem (1504): Eugénia Leite, Filipa Pereira, Isabel Coelho. Pieter de Hooch, O Quarto
(c.1660): Ivo Barbosa, Lucas Carneiro, Miguel Pinto. Samuel Van Hoogstraten, Ilusão perspéctica (1662): Isabel
Machado, Paulo Ferreira, Pilar Gordilho.
2º Exercício
A imagem do espaço: Síntese na representação arquitetónica. Fichas do enunciado; Imagens propostas a análise
Sendo que cada grupo de investigação elege uma das obras, os alunos iniciam o processo na análise
da imagem caracterizando o espaço representado (volumes, planos, arestas, pontos, proporções e
elementos da construção), prosseguindo na identificação e avaliação da estrutura perspética (Linha
de horizonte, linha de base, pontos de fuga, ponto de vista). Esta exploração dos conteúdos da
imagem, segundo uma teia de traçados, permite reconhecer o espaço exposto e comprovar as leis
que estruturam a sua simulação ótica (detetando-se em alguns casos incongruências na valorização
do efeito visual em detrimento do rigor métrico e angular, estamos perante pinturas de cavalete e não
projetos de arquitetura). Por sua vez, a aplicação de processos de desconstrução, essencialmente
assentes no contra rebatimento e aferição de verdadeiras grandezas, permite a obtenção das
propriedades matemáticas e geométricas do representado convertendo-o agora em projeções
ortogonais (plantas, cortes e alçados), o que permite a sua simulação segundo projeções oblíquas
(axonometria cavaleira ou militar). A axonometria do espaço, que no caso dos espaços interiores é
aplicada de acordo com a explosão dos elementos envolventes, explora outro modo de simulação
tridimensional que, não condicionada à inclusão do observador e à estruturação da imagem a partir de
um ponto de vista, está mais próxima de um modo analítico de representação e não de simulação da
visualização do espaço.
Nesta sequência de operações alinham-se os objectivos gerais da investigação: Reconhecimento e
análise da imagem perspética de um espaço; Identificação das transformações operadas pela
perspetiva sobre forma, medida e relação entre as partes; Aplicação de nomenclaturas e
especificidades geométricas de cada sistema projetivo; Cruzamento de diferentes modos de
representação; Capacidade de reconhecer e representar um mesmo espaço de acordo com os
diferentes sistemas de projeção.
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Em Máquinas de Desenho: Entre o mito da visão objetiva e a ciência da representação,
pressupõe-se a construção e exploração de aparatos (máquinas) de desenho. Aos alunos foram
apresentados: o Instrumento Universal (1557) de Lanci (concebido como aparato matemático para
medir terrenos, distâncias em planos verticais, horizontais ou inclinados); o Perspetógrafo (1605) de
Stevin (superando o modelo de Dürer, é desenvolvido para a demonstração das leis geométricas da
perspetiva e matemática, como para retratar estruturas militares); o Perspetógrafo em Cruzeta (1613)
de Cigoli (continua a tradição matemática na determinação das coordenadas da interseção dos raios
visuais com o plano do quadro e tem como objetivo o levantamento territorial reconhecendo a sua
imagem e propriedades métricas); o Pantógrafo (1631) de Scheiner (um paralelograma de réguas que
possibilita a ampliação e redução proporcional de desenhos através da aplicação das transformações
homotéticas); o instrumento Mezóptico (1646) de Kircher (combina as propriedades do perspetógrafo
de Dürer com as da lanterna mágica); a Câmara escura portátil (1685) de Zhan (parte dos princípios
enunciados por Alhazen na compreensão do funcionamento do olho); e a Câmara Clara (1806) de
Wollastron (que supera a câmara escura ao possibilitar o seu uso sob quaisquer condições
luminosas). A partir da abordagem destes exemplos afere-se da coincidência de interesses entre arte
e ciência e das capacidades das máquinas de desenho enquanto auxiliares na interpretação de
fenómenos naturais, análise da realidade visível, produção de imagem, e aptidões ao nível da
demonstração de princípios teóricos da óptica, matemática e geometria.
Máquinas de Desenho: Entre o mito da visão objetiva e a ciência da representação. Fichas do enunciado
35
Perante estas hipóteses cada grupo de trabalho escolhe uma máquina procedendo ao seu estudo,
conceptual e construtivo, tendo em vista a construção de um modelo. Neste âmbito o projecto da
máquina é acompanhado pelo desenho, no qual se resolve a sua forma, medida e funcionamento,
sintetizado numa explosão axonométrica (devidamente cotada) que expõe o mecanismo, identificando
cada um dos seus componentes e modos de encaixe. Posteriormente, a construção da máquina
permite a demonstração dos princípios que regulam a perspetiva, confrontando os processos
abstractos estudados ao longo do ano com a sua materialização em modelo. Nessa verificação da
regra é elaborada uma representação do real, empregando a máquina produzida, que posteriormente
é sujeita a análise aferindo os elementos abstractos que estruturam a imagem perspética.
(desconstrução da imagem obtida, restituindo o espaço real e identificando elementos estruturantes
da perspetiva).
Cumprem-se assim os objectivos do exercício: Demonstração dos princípios ópticos e projectivos
abordados no programa; Relacionamento entre os enunciados abstractos e a prática da
representação espacial; Articulação dos diferentes métodos de projecção; Capacidade de reconhecer,
materializar e representar mecanismos de comprovação de valores abstractos.
Enquanto meio para conseguir um fim que é exterior ao desenho, a execução material do projeto que
nasce da ideia do arquiteto, o desenho de arquitetura poderá ser classificado como intermediação
entre a ideia, o Disegno interno, e a execução da obra. De acordo com Sainz (2005, 13) “O arquiteto
tem três formas de expressar as suas ideias – em especial as relativas à arquitetura – e de comunicálas aos demais: a linguagem natural, a linguagem gráfica e a linguagem arquitetónica. A primeira
corresponde ao que normalmente identificamos como os seus ‘escritos’; a segunda tem que ver com
os seus ‘desenhos’; e a terceira faz referência às suas obras.” Nesta linha o desenho da arquitetura
emerge como estado intermédio entre o pensamento e a ação construtiva, traduzindo em códigos
geométricos princípios da linguagem dos espaços e das formas.
Bibliografia
ACKERMAN, James. Architettura e Disegno. La rappresentazione da Vitruvio a Gehry. Milão; Electa,
2003 /CABEZAS, Lino. El dibujo como invención: idear, construir, dibujar. Madrid; Cátedra, 2008
/CAMEROTA, Filippo. La prospecttiva del renascimento. Arte, architettura, scienza. Milão; Electa,
2006 /GAMBUTI, Alessandro. L’Architettura dei Pittori nel Quattrocento Italiano. Florença: Alinea,
1994 /KEMP, Martin. The Science of Art, Optical themes in western art from Brunelleschi to Seurat.
London; Yale University Press, 1990 /MOLINA, Juan. Máquinas y Herramientas de Dibujo. Madrid;
Cátedra, 2002 /NANNONI, Dante. Il Mondo della Proiezione. Bologna; Cappeli Editore, 1981 /PEREZGOMEZ, Alberto. Architecture as Drawing. Londres; BlackwellInc,1982 /SAINZ, Jorge. El Dibujo de
Arquitectura. Madrid; Editorial Nerea, 1990/ XAVIER, João Pedro. Sobre as Origens da Perspectiva
em Portugal. O Liuro de Prespectiua do Códice 3675 da Biblioteca Nacional, um tratado de
Arquitectura do século XVI. Porto; FAUP Publicações, 2006.
Baldassare Lanci, Instrumento Universal (1557): Daniel Carvalho, Gil Lima, Joel Dinis, Leandro Oliveira; Simon Stevin,
Perspectógrafo (1605): Ana Carina, Hugo Lobo /Ana Soares, Diogo Lopes, João Fonte, Jorge Fernandes, Pedro Paiva.
Cigoli, Perspectógrafo em Cruzeta (1613): Bianca Galli, João Amaro, José Brandão, Mónica Castro. Scheiner,
Pantógrafo (1631): Elisabete Monte, Marta Martins, Nicole Abreu, Vera Moura; Johannes Zahn, Câmara obscura portátil,
(1685): Ana Alexandra Rodrigues, Luís Maciel, Marisa Fernandes. William Wollastron, Câmara clara (1806): Ana Guerra,
Bruna Alves, Márcia Domingos, Maria Novais.
Conclusões
De ambos os exercícios deveremos apontar a aplicação de uma metodologia de projeto assente na
análise, questionamento e reorganização de dados reconhecendo conteúdos científicos inerentes à
prática e cultura arquitetónica. Como tal os exercícios pressupõem a elaboração de um portfólio de
investigação (reunindo e sistematizando conteúdos), a produção de processo de desenho (onde se
evidenciam as diferentes fases da conceção e análise dos elementos pedidos), e a elaboração de
modelos e pranchas de desenho (evidenciando o cruzamento de diferentes modos de projecção e
expressando capacidades de registo e comunicação dos dados obtidos).
Por outro lado, a capacidade de verter os processos projetivos na articulação, construção e
desconstrução de projeções expõe modos de pré-visualização do espaço real e projetado tendo
presente o rigor métrico inerente aos processos geométrico/matemáticos aplicados nos processos de
levantamento e conceção arquitectónica.
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O professor em busca da formação continuada tendo as
tecnologias contemporâneas como veículo
Ms. Adriane Camilo Costa
SME-Goiânia
adriane.camilo@gmail.com
consideravam que a poluição era um mal necessário para o desenvolvimento
industrial e económico da região.
Também envolveram-se no trabalho alguns estudantes e professores das aulas
de educação visual que criaram com a equipe o cenário e os figurinos do
espetáculo.
Processo de trabalho.
No mundo contemporâneo tecnologias estão cada vez mais presentes no
cotidiano, e algumas instituições de ensino ficam sem saber como inseri-las de
maneira proveitosa no currículo e se abastecem dessas novas tecnologias, fazendo
dos aparelhos tecnológicos bens materiais sedutores que não contribuem para a
construção de conhecimento sistematizado. Professores de diversas áreas do
conhecimento têm procurado formas de interação entre as linguagens do cotidiano
de seus alunos, os aparelhos tecnológicos que a instituição de ensino oferece, e o
conteúdo curricular a ser trabalhado.
Neste artigo discuto o trabalho que realizo com professores da Rede
Municipal de Educação de Goiânia (Goiás-Brasil) sobre a programação televisiva
que, como produtora de cultura, possibilita modos diversos de compreensão e
entendimento e pode ser mediada e cogitada nos espaços institucionais de ensino.
Por acreditar que é possível propor e realizar ações de aprendizagem mais
prazerosas e significativas pesquiso o cinema na educação há algum tempo, sempre
com o foco nos estudantes, na maioria das ações com crianças entre oito e treze
anos de idade. Percebendo que as escolas municipais de Goiânia, têm um número
significativo de projetos que envolvem o audiovisual em seu Plano Político
Pedagógico, direcionei minha pesquisa em observar e discutir essas ações, seus
caminhos e resultados através da prática de professores que se empenham na
busca de inserir as tecnologias vigentes em sua prática pedagógica, e que buscam
contato mais interativo com os elementos da narrativa cinematográfica e que
acreditam que esse material dialoga com o desenvolvimento cognitivo.
O audiovisual tem lugar cativo na contemporaneidade imagética na qual
estamos inseridos. Os equipamentos hoje encontrados no mercado, são dos mais
diversos e alguns com preços bem acessíveis, o que possibilita uma boa parcela da
população adquiri-los, além da extraordinária facilidade de conseguir efeitos
especiais antes, durante e posterior a captação de imagens. Por essa razão,
38
O que queremos dizer no nosso teatro.
Em primeiro lugar do nosso mal estar numa sociedade onde o consumo tem a
primazia na nossa vida quotidiana e como este consumo é causador de poluição
de degradação do ambiente.
Depois de como somos também responsáveis juntamente com as indústrias da
continuidade de uma situação, um beco sem saída, onde as industrias fabricam
os bens de consumo e nós consumimos , sem crítica e sem reflexão sobre estes
mecanismos.
Como fazer tornar-se teatro esta nossa angustia.
Tendo por base o texto de Michael End começamos a construir também
intertextos nossos que utilizados como o teatro dentro do teatro, isto é, a voz
dos próprios estudantes e do encenador (no grande teatro do mundo), que
pontuavam um pensar interior dos personagens que os próprios estudantes
representavam.
Assim foram criadas as personagens sugeridas por Michael End, os seus
pensamentos mais íntimos, os seu sonhos de consumo, articulados com a trama e
a sua representação cénica.
Este trabalho preliminar incluía a dramaturgia, as improvisações , o trabalho de
construção das personagens, uma vez que não se tratava de uma peça de teatro
mas a adaptação dramática do conto.
A criação espacial.
Os alunos de educação visual fizeram tomadas de vídeo sobre as lixeiras da
cidade, altíssimas montanhas de lixo, cada cidadão criava 20 quilos de lixo por
dia. Que foram utilizados no espetáculo como paralelo a sala de aula fechada,
isolada dos acontecimentos quotidianos.
Construiram com a equipe teatral um dispositivo cénico: as linhas de um grande
cubo em perspectiva com aproveitamento de material de desperdício, que
simbolizava a sala de aula.
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Confronto com o público.
Os figurinos
Durante a visão dos ensaios foram sendo criados figurinos que representavam a
individualidade de cada personagem. Como por exemplo a senhora que sonhava
com os supermercados: uma “casalinga” italiana, dona de casa com os bobs nos
cabelos, seu casaco de peles, e seu carrinho de supermercado.
Estes figurinos começaram a ser usados numa fase posterior dos ensaios e
ajudaram os “actores” a construir melhor seus personagens uma vez que os
aproximavam de personagens da vida quotidiana, ou limitavam seus
movimentos ou ainda remetiam para uma memória afetiva próxima de seus
familiares ou amigos.
Num plano educativo ou artístico/didático os figurinos, para atores não
profissionais, funcionavam como um apoio técnico que ajudava a construção do
personagem e um signo claro do que pretendiam expressar. Neste caso o “hábito
fazia o monge”.
O espaço de ensaios como Território Livre e do Erro.
A liberdade de se expressar sem “medo” do erro possibilitava não só um campo
de experimentação teatral como também a possibilidade de mostrar as
inquietações do elenco. Assim fui descobrindo, pouco a pouco, que a maioria dos
estudantes já tinham a sua vida predestinada, isto é, iriam trabalhar nas
indústrias e negócios paternos. Sentiam-se presos num “sonho” que não haviam
escolhido, o que causou um curto circuito, um paradoxo: escolhemos refletir e
criticar a poluição mas iremos trabalhar um dia nas indústrias dos nossos pais.
Este paradoxo era a tensão que atravessava a construção do trabalho.
Transformamos esta tensão em conflito teatral(1): por um lado a recusa de um
“sonho” por outro o estar predestinados a este sonho.
(1) “O conflito dramático resulta das forças antagonistas do drama. Põe em luta dois
ou mais personagens, visões do mundo ou atitudes diante da mesma situação”
Dictionnaire du Théâtre – Patrice Pavis – Messiaor/Editions Sociales.
Este conflito contaminou todos os ensaios e o espetáculo. A forma encontrada
para distanciar o ator do personagem surgiu espontaneamente de um colega
perguntar ao outro:
“Marcelo o que pensas sobre o paraíso?”
O ator “saia” da personagem e dizia a sua opinião sobre o assunto. Que muitas
vezes era contrária ao comportamento do personagem.
Um conflito que gerou várias discussões durante o trabalho era sobre o final. Ser
um final otimista ou pessimista. Não conseguimos entrar em acordo. Conservouse este debate no final do espetáculo, os atores expunham seus pontos de vista e
o fim ficava em aberto. Mudamos o sonho ou não!
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O espetáculo foi apresentado no Teatro de Brescia em duas sessões tendo como
público os colegas do liceu, alunos de outros liceus, pais, autoridades e público
em geral. O conflito sobre o final gerou um debate com o público onde a maioria
dos jovens optava por um fim pessimista, não vendo nenhuma saída para o
conflito. Alguns adultos, chamados de “românticos” por alguns jovens, queriam
um final otimista, pois a realidade já era bastante pessimista. Este confronto
possibilitou uma luta de ideias que enriqueceu e dialectizou a problemática.
Gerou também uma tensão entre pais e filhos e muitos consideraram o trabalho
teatral, que “deveria” ser um espaço de divertimento, um ato “subversivo” e de
crítica a uma sociedade desenvolvida e de bem estar.
Passagem da linguagem teatral à linguagem vídeo.
Com o acordo e a disponibilidade económica para a feitura vídeo do espetáculo
teatral criou-se uma esquipa com os alunos das artes visuais para a linguagem
visual do espetáculo. Criou-se um story board onde cada cena foi desenhada em
função da linguagem vídeo mas conservando as características originais do
teatro. Um confronto entre linguagens para uma maior contundência da obra.
Trabalhou-se num estúdio profissional de vídeo onde pudemos entrar em
contacto e familiarizarmos com as técnicas e as possibilidades diversas do fazer
teatral. As dificuldades técnicas, as longas esperas durante a semana no estúdio
foi motivo de tensão e ao mesmo tempo de aprendizagem. Esta tensão entretanto
favoreceu a postura dos personagens e uma mais valia para o conflito do drama.
Apresentado publicamente numa sessão no teatro de Brescia foi o culminar de
um resultado, que malgrado aos que pensam que o processo é que é importante,
deu aos estudantes o orgulho e a alegria de serem capazes de criar tanto um
espetáculo e um vídeo onde eram os protagonistas absolutos.
Reflexões à margem.
O Trabalho de três anos com estes estudantes em “território livre” possibilitoume um conhecimento aprofundado da sua condição humana e das suas
diferenças e posturas perante a vida encaminhando-me para um saber empírico
de como articular a sua diferenças num coisa maior que era a obra comum. O
processo embora importante não menorizava o resultado final. Nele os alunos
poderiam falar, abrigados na magia do teatro, sobre o seu mal estar, expressar
livremente as suas críticas e afirmar-se perante os professores como seres
completos e não simplesmente objetos a ser educados.
A perplexidade demonstrada por muitos dos professores perante o rigor, o
entusiasmo no trabalho e as surpresa suscitadas por alguns alunos “difíceis” e
“calões” que ali se apresentavam cheios de energia e saber foi motivo para uma
reunião pedagógica – pela primeira vez em três anos, onde procuravam saber
como havia conseguido aquele “milagre”. Não houve milagre mas muito trabalho
onde o rigor, a alegria do fazer teatral, o erro como trampolim para o
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0
entendimento a possibilidade de se expressarem libertava-os para a construção
colectiva de exercício da sua emancipação.
Formar um publico sensível não só para o teatro mas para o grande teatro do
mundo, com poder crítico e analítico era a intenção do projeto. Por este lado
constatamos com prazer que alguns deles formaram-se me teatro, como atores
ou técnicos, desafiaram o “sonho” consentido e seguiram outras carreiras
preestabelecidas.
O processo deu a alguns um sentido para a vida .
O professor em busca da formação continuada tendo as
tecnologias contemporâneas como veículo
Ms. Adriane Camilo Costa
SME-Goiânia
adriane.camilo@gmail.com
No mundo contemporâneo tecnologias estão cada vez mais presentes no
cotidiano, e algumas instituições de ensino ficam sem saber como inseri-las de
maneira proveitosa no currículo e se abastecem dessas novas tecnologias, fazendo
dos aparelhos tecnológicos bens materiais sedutores que não contribuem para a
construção de conhecimento sistematizado. Professores de diversas áreas do
conhecimento têm procurado formas de interação entre as linguagens do cotidiano
de seus alunos, os aparelhos tecnológicos que a instituição de ensino oferece, e o
conteúdo curricular a ser trabalhado.
Neste artigo discuto o trabalho que realizo com professores da Rede
Municipal de Educação de Goiânia (Goiás-Brasil) sobre a programação televisiva
que, como produtora de cultura, possibilita modos diversos de compreensão e
entendimento e pode ser mediada e cogitada nos espaços institucionais de ensino.
Por acreditar que é possível propor e realizar ações de aprendizagem mais
prazerosas e significativas pesquiso o cinema na educação há algum tempo, sempre
com o foco nos estudantes, na maioria das ações com crianças entre oito e treze
anos de idade. Percebendo que as escolas municipais de Goiânia, têm um número
significativo de projetos que envolvem o audiovisual em seu Plano Político
Pedagógico, direcionei minha pesquisa em observar e discutir essas ações, seus
caminhos e resultados através da prática de professores que se empenham na
busca de inserir as tecnologias vigentes em sua prática pedagógica, e que buscam
contato mais interativo com os elementos da narrativa cinematográfica e que
acreditam que esse material dialoga com o desenvolvimento cognitivo.
O audiovisual tem lugar cativo na contemporaneidade imagética na qual
estamos inseridos. Os equipamentos hoje encontrados no mercado, são dos mais
diversos e alguns com preços bem acessíveis, o que possibilita uma boa parcela da
população adquiri-los, além da extraordinária facilidade de conseguir efeitos
especiais antes, durante e posterior a captação de imagens. Por essa razão,
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LOS PROYECTOS DE TRABAJO COMO ESTRATEGIA METODOLÓGICA Y
CONCEPTUAL CRÍTICA EN LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES
ANA MARIA CARDOSO
Doctoranda de Educación de las Artes Visuales de la Universidad de Barcelona y
profesora de Artes Visuales
tema do projeto era aberto. A efetivação do projeto de aula foi realizado por cada
docente na instituição onde trabalha. A terceira e última etapa, ainda por acontecer,
será a socialização da experiência vivenciada pelos docentes/cursistas que terá
PALABRAS CLAVE
Metodologías de globalización de conocimientos, proyectos de trabajo, enseñanza y
aprendizaje de las Artes Visuales.
como ponto de partida o destaque dos referenciais percebidos nas ações hoje
Relato de una profesora de Artes Visuales
Mi experiencia como profesora de Artes Visuales de enseñanza Secundaria en el
sistema educativo portugués me ha propiciado una oportunidad para cuestionar la
finalidad de los estudios que he impartido a mis alumnas y alumnos. El hecho de que mi
labor educativa en las asignaturas de Dibujo 1 de ESO se limitase a la realización de
actividades de tipo manual o procedimental, o que se ocupase mayoritariamente de
contenidos del dominio del lenguaje visual y de los elementos que lo configuran me
parecía algo estéril así como inútiles a la hora de contribuir a una formación adecuada
en educación artística. ¿Qué utilidad tenían estos aspectos en la vida de los alumnos y
alumnas que yo no llegaba a entrever? De alguna manera intuía una intención educativa
tangente pero no central de aquellos conocimientos en la formación de los estudiantes.
objetivos pretendidos.
Además también me parecía que la formación que había recibido en la Licenciatura en
Artes Plásticas en el ramo de la enseñanza 2 no me había preparado adecuadamente para
la realidad con la que me había encontrado. El sistema educativo me había formado con
conocimientos técnico-científicos y pedagógicos, pero no me había enseñado cómo
relacionar las dinámicas de clase con la realidad cambiante en que vivimos y a dar
sentido a todo ello. Durante bastante tiempo conviví con esas inquietudes y con la
consecuente sensación de no cumplir cabalmente la empresa que como profesora debía
realizar.
encontrados em dicionários e livros técnicos, aos mais complexos discutidos por
Posteriormente los estudios adquiridos durante el periodo curricular del doctorado de
Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales de la Facultad de
Bellas Artes de la Universidad de Barcelona me permitieron construir un cuerpo teórico
y epistemológico sobre la Educación de las Artes Visuales, pero fue sobre todo el
contacto con la metodología globalizadora de conocimientos de los Proyectos de trabajo
lo que supuso un cambio en mis prácticas docentes y en mi manera de entender la
enseñanza y el aprendizaje de las Artes Visuales.
¿Qué se entiende por metodologías de globalización de conocimientos?
Las metodologías globalizadoras de conocimientos son una alternativa a la articulación
disciplinar del saber por materias resultante de un proceso de compartimentación del
saber. Esta perspectiva educativa propone la superación de la acumulación de saberes en
existentes nas escolas, que buscam a inserção das tecnologias em suas práticas
pedagógicas, em particular o audiovisual, além de evidenciar o alcance (ou não) dos
A bibliografia pesquisada e estudada não está ligada diretamente à
programação televisiva, visto que essa bibliografia é rara, apoiamos numa que
evidenciasse o cinema para melhor apropriação dos signos e dos elementos que
compõem a linguagem cinematográfica para melhor compreensão, investigação e
possibilidades de críticas e de assimilação como material pedagógico.
Alguns conceitos foram relevantes, conceitos dos mais simples e objetivos
como: “O cinema é a técnica de registrar e produzir imagens em movimento”,
Barbero, Benjamin, Morin, Flüsser, Giroux, Turner entre outros teóricos e estudiosos
foram relevantes para a investigação dos processos propostos de exploração e
busca de sentidos. Como exemplo dessa importância corrobora Turner que os filmes
são vistos dentro de um contexto cultural que vai além do prazer da história, sempre
oportunizando aprendizagens:
A complexidade da produção cinematográfica torna essencial a
interpretação, a leitura ativa de um filme. Inevitavelmente precisamos
examinar minuciosamente o quadro, formar hipóteses sobre a
evolução da narrativa, especular sobre seus possíveis significados,
tentar obter algum domínio sobre o filme à medida que ele se
desenvolve. O processo ativo da interpretação é essencial para a
análise do cinema e para o prazer que ele proporciona (TURNER,
1997 : 69).
Os valores culturais arraigados, de caráter subjetivo, criam os códigos e
discriminam as propostas que são estranhas aos sujeitos. A exploração do cinema
nas escolas promove o entendimento investigativo das imagens em movimento que
1
En el sistema educativo español la asignatura que se corresponde con la mencionada es la de Educación
Visual y Plástica.
2
En Portugal existe el formato de licenciatura con la componente científica y pedagógica, designada
Licenciatura en enseñanza. Este tipo de licenciatura integra en la fase final del curso, un período de un
año de prácticas pedagógicas en la enseñanza secundaria en una escuela pública.
serão interpretadas e/ou produzidas. Considerando que
Pela maneira como se apega ao livro a escola desconhece tudo o
que de cultura se produz e circula pelo mundo da imagem e das
1
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45
3
4
oralidades: dois mundos que vivem, justamente, da hibridação e da
mestiçagem, do revolvimento de memórias territoriais com
imaginários dês-localizados. (...) Ao reivindicar a presença da cultura
oral e da audiovisual, não estamos desconhecendo, de modo algum,
a vigência da cultura letrada, mas desmontando sua pretensão de
ser a única cultura digna desse nome e o eixo cultural de nossa
sociedade. (BARBERO, 2004 : 61)
As escolas da Rede Municipal de Educação de Goiânia contam, em sua
Nesse sentido, a valorização do audiovisual como produtor de cultura que
circula pelo mundo dos sujeitos contemporâneos é entender que modos diversos de
compreensão e entendimento das culturas possam ser mediadas e cogitadas nos
espaços institucionais de ensino.
maioria, com aparelhos de DVD, boas caixas de som e projetores, o que faz a
projeção diferenciar da acostumada pelos envolvidos, pois a maioria dos estudantes
da referida Rede assiste vídeos através de aparelhos de televisão.
As experiências de simultaneidade do instantâneo e do fluxo fazem com que
a noção de tempo que herdamos seja insuficiente para digerirmos tanta informação
e a falta tempo para reflexão. Falta tempo para o questionamento. Sobra informação.
Porém, as crianças, atualmente, convivem com essa nova concepção de tempo sem
problemas, e os educadores se encontram suspensos sem saber bem ao certo como
A questão problematizadora que esse projeto de pesquisa busca refere-se ao
administrar a quantidade de informação e noção de tempo. Pellegrini evidencia a
imbricamento dos conceitos de cinema, educação de qualidade e cultura na busca
articulação das sequências temporais e espaciais, evidenciando o visível e o
de leituras subjetivas, pessoais e profissionais, sobre a inserção do audiovisual
invisível que se completam por meio de imagens:
como material didático em potencial na educação contemporânea. Questões ocultas
faixa etária? O que é mais valorizado na escolha de um vídeo para uso didático?
No cinema o tempo, que é invisível, é preenchido com o espaço
ocupado por uma sequência de imagens visíveis; misturam-se,
assim, o visível e o invisível. (...) os domínios do percebido (o espaço
imagético) e o do sentido ou imaginado (o tempo), o visível e o
invisível, não se distinguem mais, pois um não existe sem o outro.
(PELLEGRINI, 2003, p.18)
Essas e outras questões nortearam e nortearão o percurso da pesquisa que, por ter
O dinamismo das ações do cotidiano nos tempos em que vivemos carece ser
também norteiam o tema investigado e impulsionaram a pesquisa, tais como:
Existem elementos que só adquirem significado quando inseridos numa estrutura
maior? Qual o nível de censura na escolha de um vídeo ou filme para determinada
caráter investigativo, não se esgota durante o processo.
considerado na e para a educação que pensamos e realizamos com nossos
De acordo com Joly (1996), a imagem muitas vezes é tão rica que não se
educandos. Não interessam nesse projeto os modismos de tendências, mas sim a
sabe lê-la com correção à primeira vista, porque se lê primeiro o que já se sabe. A
reflexão do processo embasada na experiência prática e das indicações históricas.
contribuição de Joly nas indicações de interpretação das imagens neste projeto é
O professor que reflete e pondera sobre suas ações, sabe que os processos
peculiar,
educativos estão intimamente ligados à criatividade. O que se espera das ações
A linguagem visual é diferente, e sua segmentação para a análise é
mais complexa. Isso se deve ao fato de não se tratar de uma
linguagem discreta ou descontínua, como a língua, mas de uma
linguagem contínua. (...) Presença/ausência – Dissemos que esse
tipo de interpretação exigia um pouco de imaginação. É esse o caso,
pois, para compreender melhor o que a mensagem me apresenta
concretamente, devo me esforçar para imaginar que outra coisa
poderia ver nela. (Joly, 1996: 52-53)
realizadas nas escolas, pelos professores envolvidos, embasadas nas possibilidades
de trabalhar com a diversidade de conteúdos ‘oferecidos’ pela programação
televisiva é o envolvimento de um número significativo de profissionais da educação
e educandos na construção de conhecimento, e assim conquistar um olhar mais
crítico e seletivo.
A verificação sobre o olhar procura reforços para a construção de
conhecimento visual que possa refletir nos processos da aprendizagem. No campo
investigativo da interpretação e da produção cinematográfica, utilizada pelo
professor em sala de aula.
46
47
5
Referência Bibliográfica:
AUMONT, Jacques. O Olho Interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify,
2003.
BARBERO, M. & REY, G., Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva,
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PELLEGRINI, Tânia. Literatura, Cinema e Televisão. São Paulo: Ed. SENAC/SP, 2003.
LOS PROYECTOS DE TRABAJO COMO ESTRATEGIA METODOLÓGICA Y
CONCEPTUAL CRÍTICA EN LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES
ANA MARIA CARDOSO
Doctoranda de Educación de las Artes Visuales de la Universidad de Barcelona y
profesora de Artes Visuales
PALABRAS CLAVE
Metodologías de globalización de conocimientos, proyectos de trabajo, enseñanza y
aprendizaje de las Artes Visuales.
Relato de una profesora de Artes Visuales
Mi experiencia como profesora de Artes Visuales de enseñanza Secundaria en el
sistema educativo portugués me ha propiciado una oportunidad para cuestionar la
finalidad de los estudios que he impartido a mis alumnas y alumnos. El hecho de que mi
labor educativa en las asignaturas de Dibujo 1 de ESO se limitase a la realización de
actividades de tipo manual o procedimental, o que se ocupase mayoritariamente de
contenidos del dominio del lenguaje visual y de los elementos que lo configuran me
parecía algo estéril así como inútiles a la hora de contribuir a una formación adecuada
en educación artística. ¿Qué utilidad tenían estos aspectos en la vida de los alumnos y
alumnas que yo no llegaba a entrever? De alguna manera intuía una intención educativa
tangente pero no central de aquellos conocimientos en la formación de los estudiantes.
Además también me parecía que la formación que había recibido en la Licenciatura en
Artes Plásticas en el ramo de la enseñanza 2 no me había preparado adecuadamente para
la realidad con la que me había encontrado. El sistema educativo me había formado con
conocimientos técnico-científicos y pedagógicos, pero no me había enseñado cómo
relacionar las dinámicas de clase con la realidad cambiante en que vivimos y a dar
sentido a todo ello. Durante bastante tiempo conviví con esas inquietudes y con la
consecuente sensación de no cumplir cabalmente la empresa que como profesora debía
realizar.
Posteriormente los estudios adquiridos durante el periodo curricular del doctorado de
Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las Artes Visuales de la Facultad de
Bellas Artes de la Universidad de Barcelona me permitieron construir un cuerpo teórico
y epistemológico sobre la Educación de las Artes Visuales, pero fue sobre todo el
contacto con la metodología globalizadora de conocimientos de los Proyectos de trabajo
lo que supuso un cambio en mis prácticas docentes y en mi manera de entender la
enseñanza y el aprendizaje de las Artes Visuales.
¿Qué se entiende por metodologías de globalización de conocimientos?
Las metodologías globalizadoras de conocimientos son una alternativa a la articulación
disciplinar del saber por materias resultante de un proceso de compartimentación del
saber. Esta perspectiva educativa propone la superación de la acumulación de saberes en
TURNER, Graemer. O cinema como prática social. São Paulo: Summus, 1997.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.
1
En el sistema educativo español la asignatura que se corresponde con la mencionada es la de Educación
Visual y Plástica.
2
En Portugal existe el formato de licenciatura con la componente científica y pedagógica, designada
Licenciatura en enseñanza. Este tipo de licenciatura integra en la fase final del curso, un período de un
año de prácticas pedagógicas en la enseñanza secundaria en una escuela pública.
1
48
49
torno a un tema, para buscar la manera en que estos saberes se relacionan entre sí para
generar nuevos enfoques (Agirre, 2000).
Digamos que globalizar es el proceso de búsqueda de las relaciones que pueden
establecerse entre los saberes que se aproximan a un determinado tema (Aguirre, 2000),
o como señala Morin (1981, citado en Hernández y Ventura 1992, p.37) se trata de
“poner el saber en ciclo” o de “en-ciclo-pediar; es decir, aprender a articular los puntos
de vista disjuntos del saber en un ciclo”.
¿Globalizar en qué sentido?
En los últimos años la noción de globalización se ha introducido en la práctica y en el
discurso educativo, hecho que ha dado origen a una profusión de sentidos. Conocer las
distintas concepciones y prácticas que el profesorado asume bajo este término es crucial
para aquellos que se adentren en prácticas educativas globalizadoras ya que suponen
maneras muy distintas de entender lo que significa globalizar en educación. Hernández
y Ventura (1992) distinguen entre globalización como sumatorio de materias, como
conjunción de diferentes disciplinas o como estructura psicológica del aprendizaje.
Por cuestiones de limitación de formato del presente texto nos limitaremos a abordar la
concepción de globalización como estructura psicológica del aprendizaje, por su
vinculación con el planteamiento de los Proyectos de trabajo.
Los proyectos de trabajo: una expresión de las metodologías globalizadoras de
conocimientos promovedoras de saberes relacionales
El enfoque de globalización como estructura psicológica del aprendizaje se
fundamenta en el planteamiento constructivista del aprendizaje y en el desarrollo de una
enseñanza para la comprensión que se basa en la elaboración crítica de relaciones entre
las distintas fuentes de información con las que contacta el estudiante. Este enfoque se
apoya en la idea de que para hacer significativo un nuevo conocimiento es necesario que
se establezca algún tipo de vínculo con los conocimientos que el estudiante ya posee. Se
considera que “al conectar los nuevos puntos de vista con las experiencias conocidas, la
adición de información se convierte en relación de información” (Agirre, 2000, p. 52).
Una de las características distintivas de este enfoque es que a partir del tema o problema
abordado el alumno desarrolla estrategias de aprendizaje que dan lugar a nuevos
conocimientos. En otras palabras, se valora sobretodo la secuencia de aprendizaje que
pueda llegar a desarrollar el alumnado y a la interpretación que hace de ésta el docente.
Globalizar en este sentido no significa sólo establecer relaciones entre informaciones
diversas, sino un aprendizaje de la manera en que el estudiante debe relacionarse con la
información (Agirre, 2000).
¿Qué otras características poseen los PdT?
Hernández (2007, pp. 95-96) avanza algunas ideas que caracterizan a la perspectiva
educativa de los Proyectos:
• Un formato para la indagación que nos permite estructurar y contar una historia.
• No se construyen desde la certeza del que sabe, sino desde la inquietud de quien
tiene y reconoce su deseo de saber y conocer(se).
• No se rige por la obsesión de los contenidos que ha de cubrir, o las materias por
las que ha de circular.
• Se basa en la construcción de un relato.
• Se tiene en cuenta la necesidad de abordar múltiples alfabetismos.
• La tarea del docente es plantear preguntas que desafíen los alumnos a examinar
sus supuestos.
En forma de síntesis se considera que los PdT aproximan la escuela y el alumnado a las
dinámicas del mundo exterior y que desde este planteamiento, aprender está relacionado
sobre todo con la idea de conversación cultural que consiste en aprender a dar sentido a
las cuestiones que abordamos sobre nosotros mismos y sobre el mundo. Los PdT
favorecen las metodologías de investigación, de selección de información, la
observación, el análisis y la interpretación. La evaluación da cuenta de la trayectoria y
de los momentos clave del aprendizaje del alumnado y se conecta con nuevos
conocimientos y problemas provenientes de las experiencias del grupo.
Los Proyectos de trabajo como estrategia metodológica y conceptual crítica en la
educación de las Artes Visuales contemporánea
Desde esta perspectiva se desprende que los Proyectos de trabajo son más que una
estrategia metodológica, constituyendo una estrategia conceptual en tanto que
promueven la construcción de nuevos conocimientos, a partir del despliegue de
estrategias de aprendizaje por el alumnado. Por último, y desde nuestra experiencia con
los Proyectos en educación de las Artes Visuales, se considera que este planteamiento
incorpora una dimensión crítica por permitir en la práctica educativa el tránsito por
aspectos que pasamos a referir:
•
•
¿Y qué es un Proyecto de trabajo?
Los Proyectos de trabajo (PdT) son una modalidad de organización de los
conocimientos escolares y
•
una forma de organizar la actividad de enseñanza y aprendizaje, que implica
considerar que dichos conocimientos no se ordenan para su comprensión de una
forma rígida, ni en función de unas referencias disciplinares preestablecidas o de
una homogeneización del alumnado. La función del Proyecto es favorecer la
creación de estrategias de organización de los conocimientos escolares en relación
con: 1) El tratamiento de la información. 2) La relación entre los diferentes
contenidos en torno a problemas o hipótesis que faciliten al alumnado la
construcción de sus conocimientos, la transformación de la información
2
50
procedente de los diferentes saberes disciplinares en conocimiento propio
(Hernández y Ventura, 1992, p. 47).
•
•
•
Reflexiona sobre los cambios socioculturales en las sociedades contemporáneas
(Barragán, 2005).
Aborda las relaciones entre los contextos institucional, local y global (Barragán,
2005).
Concede particular atención a las relaciones que se establecen entre el campo de
las Artes Visuales, el contexto social y cultural y las cuestiones emergentes de la
vida de los estudiantes.
Los aprendizajes buscan una mayor comprensión de su identidad individual y
colectiva contribuyendo a la constitución de un nuevo sujeto de conocimiento.
Promueve una pluralidad de perspectivas de análisis y de diferentes puntos de
vista sobre los temas y problemáticas tratados.
Promueve cambios en la comunidad educativa, en las prácticas educativas y en
la sociedad.
3
51
•
•
Geometria: Estruturando os desenhos
Dedica una particular atención a la crítica de la representación en los ámbitos
social y cultural (Barragán, 2005).
Contribuye a crear un marco de representaciones que permite a los estudiantes
interpretar los fenómenos con los que entran en relación.
Sendo o Desenho espaço da Arte e da Ciência, a Geometria será veículo de
BIBLIOGRAFÍA
AGIRRE, I. (2000). Teorías y prácticas en Educación Artística, ideas para una revisión
pragmatista de la experiencia estética. Navarra: Ediciones de la Universidad
Pública de Navarra.
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HERNÁNDEZ, F. Y VENTURA, M. (1992). La organización del currículum por
proyectos de trabajo. Barcelona: ICE de la Universitat de Barcelona y Editorial
GRAÓ.
Tema em que se insere a comunicação
a. pensamento contemporâneo e educação artística.
comunicação entre ambas. Na esteira dessa proposição e aceitando o Desenho como
uma linguagem entende-se a Geometria como a sua Gramática. Assim, a Geometria será
estrutura do Desenho, quer pelas suas propriedades projetivas, quer pelas suas
propriedades métricas.
Ancorados nestes pressupostos, apresentaram-se a debate exercícios cujos seus
objetivos são a leitura e interpretação analítica da realidade das formas e dos espaços e,
consequentemente, a aquisição de conhecimento sobre sistemas lineares para suporte do
Desenho. São esses exemplos retirados da Unidade Curricular de Geometria da
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Pretende-se, desta forma, refletir
sobre os contributos da Geometria para o Desenho.
Palavras–chave: Desenho, Geometria, Forma, Espaço
DOS CONCEITOS
Carl Sagan (2009, pp.344-348: 1.ª ed.1980) recorreu a Edwin Abott Abott (A.
Square: pseudónimo matemático) e à sua Flatland (1884) para explicar a 4.ª dimensão.
Descreveu a viagem interdimensional da esfera e do quadrado e relatou os
constrangimentos de cada, decorrentes das suas prisões nas suas próprias dimensões
espaciais. Consequentemente, o exemplo iluminará o nosso entendimento do que será a
4.ª dimensão do espaço, uma vez que não a podemos vivenciar, pois estamos presos na
nossa dimensão. Contudo, o cientista indicou o modo de vermos uma evocação da 4.ª
dimensão: o modelo tridimensional de um hipercubo. Se a sombra bidimensional de um
cubo o evoca em duas dimensões, também a maqueta do hipercubo o evocará enquanto
sua sombra tridimensional. O recurso à sombra é expressivo, pelo que esse fenómeno
natural pode ser descrito por uma abstração: a projeção.
Estas viagens interdimensionais, no caso daquela que se faz entre a 2.ª e a 3.ª
dimensão, podem ser representadas por grafismos emuladores desse fenómeno que
encontrará vários referentes reais: a visão, a sombra, a reflexão, a fotografia, a
ortofotografia, etc.. Do mesmo modo, os viajantes também o podem.
Como coisa mental, a geometria oferece um conjunto de elementos abstratos
habilitados a serem tomados para representar a estrutura formal dos objetos – os
viajantes –, tangíveis ou intangíveis. Esses elementos, enquanto considerados como
4
52
53
primitivos ou como compostos, têm o capaz distanciamento dado pela razão para
que é a Construção Legítima, de Filippo Brunelleschi, e da otimização, embora
poderem, ainda, quando organizados em sistemas coesos e regrados, sintetizar ações
limitadora, da Construção Abreviada, de Leon Battista Alberti, Leonardo da Vinci
como, precisamente, a projeção – as viagens. Na análise do mundo real, a razão utiliza
posicionou-se criticamente sobre a perspetiva. Dividiu a prospettiva artificialis em três
elementos sintéticos e sistematizações sintéticas para poder operar experimentalmente
subcampos: prospettiva lineale, prospettiva di colore e prospettiva di speditione.
sobre a realidade de modo económico e eficaz. A proposta da geometria, operada pelo
Leonardo foi um defensor atento da perspetiva. As suas críticas são clarificações e
raciocínio lógico-dedutivo, passa pela disponibilização destas ferramentas abstratas para
alertas.
estruturar os desenhos, construindo-se conhecimento.
N’Os Elementos, de Euclides, surgem exemplos de sistemas regrados de
operação com os elementos de raiz geométrica, bem como exemplos das regras de
formação dos elementos geométricos compostos (Mitchell, 2008, p.56: 1.ª ed. 1990).
Com aqueles e com estes, encontraremos possíveis conexões no mundo dos objetos e
dos espaços da realidade, tangível ou intangível, permitindo-nos atingir diferentes graus
de abstração. Em 1636, no decurso do estudo das cónicas, Girard Desargues obteve
vários resultados, dos quais se destaca a relação homológica entre figuras planas: o
Nos inícios do século XX, Erwin Panofsky considerou a perspetiva própria do
Renascimento, um produto decorrente de uma específica conceção espacial. O autor
sublinhou as ruturas que ocorreram com o Renascimento: no conceito de espaço vindo
da Antiguidade e no entendimento do fenómeno da visão; entre a Ótica de Euclides e a
perspetiva de Brunelleschi.
Teorema de Desargues. Revisitados por Jean-Victor Poncelet, quase dois séculos mais
Euclides propôs que os raios visuais colaborassem na perceção de afastamento
tarde – Traité Des Propriétés Projectives Des Figures –, os resultados foram “uma
pela distância angular entre eles. Pelo contrário, à perspetiva de Brunelleschi
antecipação da geometria projetiva” (Veloso, 2012, p.47: 1.ª ed. 2009). Com o tempo,
interessavam as distâncias lineares entre as interseções dos raios com a superfície plana
estudos matemáticos demonstraram a aplicação do teorema à 3.ª dimensão. Será
de projeção. É o fundamento do Paradoxo de Leonardo. Este levanta um outro
precisamente este teorema o principal a explicar, no campo da razão, a viagem
problema de geometria: mesmo que se considerasse esférica a superfície de projeção,
interdimensional entre a 3.ª dimensão, do mundo dos objetos, e a 2.ª, do mundo das
ficar-se-ia confrontado com o facto de essa ser uma superfície empenada (Panofsky,
imagens. Estribados na geometria projetiva, interessam a esta exposição os sistemas
1999, pp.37-38 e 43-44: 1.ª ed. 1924). Para solucionar a dificuldade, Leonardo da Vinci
lineares de representação das axonometrias e da perspetiva linear plana.
tinha proposto para a perspetiva linear a definição de um campo de visão: um cone de
Assim, a geometria fornece elementos primitivos e compostos: como
revolução gerado por um raio visual em torno do raio da fóvea, com o qual fazia
abstrações de objetos e/ou espaços; como sistemas de regras, enquanto abstração de
aconselhada amplitude. A interseção do cone com o plano de projeção, por sua vez
fenómenos tal como a representação; e como abstrações que são, então, as próprias
perpendicular ao raio visual principal, limitava o campo das possibilidades da
representações dos objetos e/ou espaços referidos. Neste sentido, procurou apresentar-se
geometria, caso contrário seria válido até o infinito do plano de projeção. O encontro do
um referencial de uma Gramática da Forma, teorizadas por Stiny e Gips, em 1971.
desenho e da geometria acontece no campo onde a representação evoca, de modo mais
Lino Cabezas (1995, p.266) refere que Apollinaire revelava uma “perdilección
eficaz, uma realidade espacial identificável pela perceção. O restante seria rejeitado por
intelectual por los elementos … abstractos, frente a los visuales…”, mas que aqui se
apresentar distorções.
toma para a necessidade prática de estruturar o desenho. O sentido operativo da
abstração mantém válida a citação que o autor fez de Apollinaire: “Pode dizer-se que a
geometria é para as artes plásticas o que a gramática é para a arte do escritor.”
54
“Pero Leonardo puso de manifesto que los artistas apenas habían sido conscientes de la
verdadeira extensión y naturaleza de los problemas fascinantes encerrados en la Caja de
Pandora que habían abierto.” (Kemp, 2000, p.61: 1.ª ed. 1990).
Para as axonometrias, com o centro de projeções impróprio, do mesmo modo
se definem campos para pela perceção reconhecermos as evocações desenhadas.
Nas ortogonais, a coincidência de campos da geometria e do desenho é fácil de
Com enfoque nos sistemas lineares enquanto evocações de ações – interessa a
se conseguir pela própria posição das projetantes, derivando no Teorema de Schlömilch.
visão –, há que reconhecer a lição da História. Pouco tempo depois do que praticamente
O Teorema de Pohlke justifica a validade de todas as possíveis clinogonais
pode ser considerado um método geral da perspetiva (Xavier, 1997, p.26: 1.ª ed. 1995)
(exceto uma), como aceitáveis pelo lado da geometria. Contudo, a perceção só aceita
55
algumas dessas axonometrias: as normalizadas e que por isso estão mais próximas das
espaços a conhecer pelo desenho: um privado e outro público. Cabe ao estudante
rígidas ortogonais – até porque, a partir do desenho final, é difícil distinguir entre as
desenvolver e estabelecer estratégias para resolver os problemas – os desenhos: define o
posições diferentes das projetantes para cada uma das axonometrias (Cabezas e Ortega,
referente, posiciona-se no espaço, define a orientação da sua mirada, posiciona o plano
2001, p.204 e p.199).
abstrato de representação (em função do papel e do seu campo de visão), enquadra a
Da perspetiva linear plana, das axonometrias e doutros sistemas de raiz
geométrica, é ao desenho que compete escolher o que necessita da estrutura
representação no papel, define as situações de sombra e de reflexo e decide os critérios
de exploração do campo das distorções.
disponibilizada. A perspetiva (e a axonometria – a geometria!) será um meio e não um
Promove-se e valoriza-se o desenvolvimento de uma crítica permanente sobre
fim (Montes, 1995, p. 504). A partir dum episódio escolhido por Mário Bismarck (2008,
os registos produzidos, face à realidade em conhecimento. Pelo redesenho, incorporam a
p.164 e p.166), que evidencia a importância do desenho como meio para conhecer, pode
crítica, num processo de análise; e pela depuração, sedimentam a estrutura, num
aferir-se o quadro que caracteriza o contributo da geometria no desenho.
processo de síntese. O percurso deverá revelar o entendimento do papel da geometria
como meio do desenho que faz “El andamiaje de la representación” (Cabezas, 1995,
DA METODOLOGIA
pp.217-339).
Lino Cabezas (2001, pp.19-23) mostra que o percurso da geometria na arte
decorreu de práticas, posteriormente teorizadas. Neste sentido, estabelecendo um
BIBLIOGRAFIA
paralelo com o que foi o percurso histórico da perspetiva, retoma a argumentação de
BISMARK, Mário (2008). sem título, in SALAVISA, Eduardo, Diários de
Arnheim (Thoughts on Art Education, 1989): “A representação da profundidade
Viagem – desenhos do quotidiano – 35 autores contemporâneos. Quimera Editores:
geométrica não deveria entrar numa aula de arte antes que a experimentação intuitiva
Lisboa, pp.164-167.
haja preparado a mente do aluno para a norma intelectual.” Na Unidade Curricular de
Geometria da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a indicação didática
foi adotada num caminho de transversalidade com Desenho I, um trabalho gradativo de
construção e aumento de conhecimento. Cumulativamente, procura-se que o
conhecimento da norma intelectual seja conseguido pela prática de exercícios de
representação de espaços vivenciados pelos estudantes e pela aquisição das principais
descobertas da geometria para a perspetiva e para a axonometria, guiada pelos seus
percursos históricos.
CABEZAS, Lino (1995). El andamiaje de la representación, in MOLINA,
J.J.G. coord. Las Lecciones des Dibujo. Cátedra: Madrid, pp. 217-339.
CABEZAS, Lino e ORTEGA, Luis F. (2001). Análisis gráfico y
representación geométrica. Ed. Universitat de Barcelona: Barcelona.
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Brunelleschi a Seurat. Akal: Madri.
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e cognição. Editora da Unicamp: Campinas, São Paulo
MONTES, Carlos (1995). Descripción y construcción del universo, in
DAS PROPOSTAS
A metodologia apontada passa pela aprendizagem sincrónica, com gradual
aprofundamento, de estratégias de abstração geométrica de espaços e objetos, de
MOLINA, J.J.G. coord. Las Lecciones del Dibujo. Cátedra: Madrid, pp. 483-512.
PANOFSKY, Erwin (1999). A Perspectiva como Forma Simbólica. Edições
70: Lisboa.
estratégias de posicionamento do observador no espaço, das regras dos sistemas de
SAGAN, Carl (2009). Cosmos. Gradiva: Lisboa.
representação e das estratégias de utilização das projeções. Procura-se desenvolver o
VELOSO, Eduardo (2012). Reflexões sobre Geometria (II), in APROGED,
estudo da realidade – processo e representação – numa dinâmica globalizante entre
análises e sínteses. Para tal, mobilizam-se vários modos da toma de imagens do real,
confrontando e colocando em colaboração: a toma pela visão e pela perceção e a toma
boletim da Aproged, n.º 29, Janeiro/2012. Aproged: Porto, pp.45-59.
XAVIER, João Pedro (1997). Perspectiva, Perspectiva Acelerada e
Contraperspectiva. FAUP Publicações: Porto.
pela medida e pela razão. Cada estudante selecionará, do seu mundo de espaços, dois
56
57
Maria da Graça Sarreira Pena Carvalho
“estupidificam as crianças. (Jornal Público, 2006:29). Reis (2007)1, declara que “parecem
Escola Superior de Educação de Lisboa
concebidos para infantilizar jovens”. Farinha (2008) escreve que os manuais do ensino
gracac@eselx.ipl.pt
básico apresentam publicidade a marcas fast-food e materiais de papelaria, funcionando
como publicidade subliminar.
O manual escolar como objeto de design
A presente investigação pretende contribuir para o reconhecimento da importância do
Dada a relevância dos manuais escolares na educação, o papel do Design é
Design Comunicacional na eficiência dos manuais escolares. Teve como objetivos avaliar
determinante para a sua qualidade e operacionalidade. Esta investigação consistiu na
qualitativamente a forma comunicacional dos manuais escolares do 2º ciclo do ensino
avaliação qualitativa da forma comunicacional de manuais escolares do ensino básico e
básico e definir um conjunto de princípios sobre as questões formais, que sirva de base não
consequente definição de um conjunto de princípios gerais de Design Comunicacional para
só ao trabalho dos autores e editoras na realização de manuais escolares, mas também, à
os mesmos. A metodologia implementada, de caráter misto, qualitativo e não-
avaliação criteriosa destes.
intervencionista, recorreu à Crítica Literária, Observação Direta, Pesquisa por Inquérito e
Entrevista e Auscultação de Peritos para validação dos resultados. A definição dos critérios
O Manual Escolar como objeto de Design
de avaliação, baseada em princípios pedagógicos e de clareza comunicacional, incidiu na
O manual escolar consiste num livro com uma estrutura especifica, apresentando um
apresentação física, organização da informação, paginação, legibilidade tipográfica, tipo,
conjunto de conteúdos, por vezes com ilustrações, (desenhos, esquemas, fotografias). Os
relevância e função pedagógicas da ilustração e rácio texto/imagem. Destacam-se alguns
elementos formais como o tipo de letra, a cor, a paginação ou a textura do papel, são
resultados, como a legibilidade dos textos principais, rácio texto/imagem desadequado;
elementos importantes para a solução comunicativa da sua mensagem que tem em vista a
iconografia pedagogicamente pouco relevante.
aquisição da informação por de parte dos alunos. Estas características integram o manual
escolar na categoria dos objetos cuja metodologia se insere no ramo do Design
Comunicacional. A Lei 47/2006 que veio introduzir a avaliação e a certificação dos manuais
Palavras-chave: Avaliação, Design de Comunicação, Manual Escolar
prévias à sua seleção contempla vários aspetos da apresentação da informação.
Johnsen (1993) refere que a investigação sobre a estrutura dos manuais e os aspetos do
Introdução
A massificação do ensino levou ao acréscimo da produção de manuais escolares, que se
design comunicacional é praticamente inexistente e que o manual escolar será eficaz se o
material for escrito e adaptado de modo que permita à maioria dos alunos, com ou sem a
tornaram uma importante fonte de receitas para editoras e autores.
O manual escolar é o principal recurso pedagógico dos alunos (Gérard & Roegiers, 1998;
orientação dum bom professor, alcançar o conhecimento, compreendê-lo e atingir as
Rodrigues, 1999; Choppin, 1992, 2000); é dos mais importantes recursos dos professores
competências especificadas no currículo. Selander (1988) e Shepardson-Pizzini (1991)
na preparação das aulas (Perrenoud, 1995; Apple, 1997); 75% do tempo das aulas é gasto a
afirmam que os alunos expostos às questões de nível muito simples dos manuais escolares,
trabalhar com o manual escolar (Apple, 2002).
habituam-se a tal, tornando-se-lhes difícil a compreensão de textos com características
Em Portugal, as críticas aos manuais escolares têm sido frequentes. Tormenta (1996,
diferentes. Não se treinam a interpretá-los e a compreender o conhecimento neles contido,
2002), Vieira de Castro (1999) e Lopes (2005) salientam que os professores substituem os
nem a integrá-lo no que já possuem. Woodward (1991) estranha que a investigação que se
programas disciplinares pelos manuais na planificação da prática lectiva, alheios ao facto
tem realizado sobre as ilustrações seja aparentemente irrelevante para os produtores dos
de, assim, prescindirem da sua autonomia e do seu papel como especialistas.
manuais e para quem os escolhe e refere que são a intuição, a tradição e os fatores de
Vieira (Jornal Expresso, 23.10.2004:16) refere que os manuais de português “facilitam
mercado decidem as estratégias das editoras relativamente à ilustração LaSpina (1998)
tudo, não exigem esforço. Formatam os professores e tratam-nos, como aos alunos, como
afirma que os meios informáticos influenciaram a forma como a matéria é apresentada e
autênticos patetas” (Jornal Expresso, 23.04.2004:17). Sim-Sim afirma que promovem uma
que, para que a imagem e texto se possam transformar numa mensagem única, com real
leitura sem significado, onde não “se lê nada de real” e Ponces de Carvalho refere que
potencial comunicativo, o processo de conceção e produção do manual deve adotar uma
metodologia de trabalho que permita conceber e apresentar a informação, quer icónica, quer
1
58
1
Reitor da Universidade Aberta na Conferência Internacional sobre o Ensino do Português
2
59
textual, organizadas de forma coerente, segundo o que for mais apropriado ao conteúdo a
Os resultados da avaliação do Design Comunicacional diferem de disciplina para disciplina,
apresentar. Choppin (1997), considera que o manual passou a desempenhar um conjunto
destacando-se contudo alguns resultados comuns, tais como a legibilidade da maioria dos
de funções que complicam de tal modo a sua estrutura que confundem os professores e
textos principais o que não se verifica em grande parte dos textos secundários; rácio
destabilizam os alunos e os pais, sendo indispensável que os seus utilizadores se
texto/imagem desadequado face ao indicado pelos especialistas. A maioria das páginas
familiarizem com a organização interna, estruturada através de sinalética constituída pela
apresenta mais de 50% de imagens apesar dos diversos problemas que os alunos
cor, pictogramas e variações tipográficas. Porque os professores e os alunos se perdem
portugueses apresentam ao nível da língua; iconografia pedagogicamente irrelevante e uso
nesta complexidade crescente, são cada vez mais numerosos os apelos para que sejam
de elementos iconográficos infantilizadores; paginação com excessiva variedade de arranjos
legíveis para os alunos e seguros para os professores (Boeuf et al 2004).
gráficos; estrutura demasiado complicada, cuja falta de coerência de apresentação das
variadas “secções” de objectivos diferentes, dificulta a sua consulta. Os índices de alguns
Metodologia
manuais escolares, com destaque para os de língua portuguesa, apresentam um tal grau de
Utilizou-se no nosso estudo uma metodologia geral de caráter misto, qualitativo e não
intervencionista. Recorreu-se à Crítica Literária procurando, por um lado, refletir sobre os
complexidade que impossibilitam os alunos de lhes aceder, desvirtuando por completo a sua
função.
estudos existentes sobre o design comunicacional aplicado aos manuais escolares e, por
Dos dados obtidos na análise efetuada e dos resultantes dos questionários aplicados aos
outro, caracterizar cognitivamente os destinatários dos manuais escolares selecionados
professores e alunos resultou, não só um conjunto de princípios gerais, incidindo na
para o estudo e os princípios semióticos básicos, indispensáveis à análise do seu design
Facilidade de “Navegação”, Legibilidade e Iconografia, que foi sujeito à auscultação e
comunicacional. Utilizou-se o Estudo de Casos com o objetivo de comparar com Portugal a
validado por um grupo de especialistas, mas também alguns dados sobre como alunos e
política adotada relativamente aos manuais escolares em França e no Brasil. A avaliação
professores encaram e trabalham o manual escolar. Destes últimos, sublinhamos a escassa
qualitativa do seu Design Comunicacional realizou-se através da análise do modo como é
importância que ambos os grupos de utilizadores conferem ao trabalho com a iconografia,
feita a apresentação da informação, com critérios baseados em princípios pedagógicos e de
apesar do espaço que esta ocupa nos livros. Um manual escolar apresentar muitas imagens
clareza comunicacional, incidindo na apresentação física, organização da informação,
são uma das razões mais apontadas pelos alunos para a sua preferência, tal como a falta
paginação, legibilidade tipográfica, tipo, relevância e função pedagógicas da ilustração e
delas e o muito texto contribuem para a sua repulsa. As suas respostas, relativamente ao
rácio texto/imagem. A pesquisa por questionário foi utilizada nos inquéritos a alunos e a
modo como estudam, indicam que a atenção dispensada às imagens fica em último lugar,
professores. Aos primeiros, tendo como objetivo identificar o modo como, quando estudam,
atrás da realização dos exercícios, das actividades, da leitura do texto principal e dos textos
interagem com os manuais escolares e quais os aspetos que consideram mais importantes
secundários, confirmando as respostas dos professores relativamente ao que consideram
relativamente à apresentação da informação; aos segundos, para identificar os critérios
importante num manual escolar. Para alunos e professores, os exercícios e o texto principal
utilizados, relativamente à apresentação da informação, para a seleção de um manual
estão em primeiro lugar. Das respostas que obtivemos, concluímos que as imagens,
escolar. Recorreu-se também à pesquisa por entrevista, com o objetivo de conhecer a
portadoras de informação, serão relevantes na escolha do manual e na disciplina de
metodologia utilizada pelos autores/professores e pelas editoras, na elaboração dos
ciências da natureza. Nos restantes manuais servirão, essencialmente, como meio de os
manuais escolares. Após o cruzamento de toda a informação obtiveram-se resultados,
tornar sedutores.
tendo-se recorrido, então, à Auscultação de Peritos (especialistas) para a sua validação, de
Relativamente ao conjunto de princípios gerais de Design Comunicacional para manuais
modo a podermos definir um conjunto de princípios de Design Comunicacional a que devem
escolares do 2º ciclo do ensino básico destacamos os seguintes:
obedecer os manuais escolares portugueses do ensino básico.
1-índice
a. O índice deve ser simples, apresentando os conteúdos e a sua localização nas unidades
Resultados da investigação
ou temas, de modo claro, com a respectiva numeração das páginas a que pertencem.
Não foi encontrado qualquer estudo com dados objetivos sobre a eficácia
comunicacional de determinado tipo de apresentação da informação num qualquer manual
a. A repetição das diferentes secções ao longo do livro deve ser baseada na mesma lógica
escolar.
de apresentação;
3
60
2- Facilidade de “navegação”
4
61
BIBLIOGRAFIA
b. O arranjo gráfico de página de cada uma das secções, que se repetem ao longo do
APPLE, M. (2002). Manuais Escolares e Trabalho Docente. Uma Economia Política de
manual, deve ser constante.
c. Os diferentes capítulos ou unidades devem ser identificados claramente.
Relações de Classe e de Género na Educação. Lisboa: Didática Ed.
d. Os princípios tipográficos devem ser adequados ao nível etário a que se destinam os
APPLE, M. (1997). Os Professores e o currículo: Abordagem sociológica. Lisboa: Ed. Educa
BOEUF, C. et al. (2004). Plus attractif mais moins lisible. Dossier. Fenêtres sur cours, nº
manuais escolares.
e. As grelhas das páginas devem apresentar maior uniformidade, proporcionando maior
f.
259, septembre http://www.snuipp.fr.IMG.pdf/FsC259.pdf (acesso 3.05.06)
conforto visual e contribuindo para o reconhecimento de matéria diferenciada.
CASTRO, R. V. (1999). Já agora, não se pode exterminá-los? Sobre a representação dos
A apresentação da informação deve ser mais sóbria.
professores em manuais escolares. In Vieira de Castro et al. (orgs.). Manuais escolares,
estatuto, funções, história. Atas do I Encontro Internacional sobre Manuais Escolares. Braga:
g. Prescindir de texto sobre superfície texturada ou sobre imagens. comprometendo a
Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho
legibilidade.
h. Optar por maior sobriedade cromática.
CHOPPIN, A. (1997). Des évolutions. Manuels scolaires Qu’en Faire?. ARGOS, Décembre,
i.
Dados os princípios de legibilidade por contraste cromático e o conforto visual, optar,
nº 20, pp.40-42
preferencialmente, por páginas de superfície branca ou de cor clara (fundo) e texto a
CHOPPIN, A. (2000). Los manuales escolares de ayer a hoy : el ejemplo de Francia.
preto ou cinzento-escuro (forma).
Historia de la educación. Revista interuniversitaria. 2000. Salamanca: Ed. Universidad de
3- Iconografia
Salamanca
a.
Utilizar imagens com qualidade material e estética.
CHOPPIN, A. (1992). Les manuels scolaires: Histoire et actualité. Paris: Hachette Education
b.
Não sobrecarregar as páginas com imagens.
FARINHA, I. (2008). Audiências Cativas. Lisboa: Livros Horizonte
c.
Não utilizar imagens sem qualquer função pedagógica relevante.
GÉRARD. & ROEGIERS. (1998). Conceber e Avaliar Manuais Escolares. Porto: Porto Ed.
d.
Apresentar o mínimo de imagens representando hábitos considerados anti-sociais
JOHNSEN, E. B. (2001). Textbooks in the Kaleidoscope. A Critical Survey of Literature and
(tabaco, droga, álcool, etc.) que podem funcionar como publicidade subliminar.
Research on Educational Texts. Tonsberg: College.
Não utilizar imagens de produtos de marca ou embalagens reconhecíveis que
LA SPINA, J. A. (1998).The Visual Turn and the Transformation of the Textbook. Mahwah,
funcionem como publicidade.
New Jersey London: Lawrence Erlbaum Associates Publisher
Procurar apresentar, de modo natural, nas ilustrações, várias etnias, diferenças de
LOPES, P. J. S. (2005). Eles agora não sabem nada! O currículo oficial e oficializado e o
género, estatuto social, idade, diversidade de opção sexual, religiosa, política,
saber geracional válido: divergências naturais ou regressão do sistema? Ensino Superior, nº
desportiva, etc., evitando imagens estereotipadas.
15-Fev/Mar, SNESup, pp 21-23
Indicar claramente as imagens que são obtidas através do microscópio ou
PERRENOUD, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Ed.
manipuladas digitalmente.
RODRIGUES, A. F. (1999). Das Configurações do Manual às Representações de Literatura,
Identificar claramente as imagens quando estas representam pormenores da
In Vieira de Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Atas do I
realidade apresentados numa escala diferente.
Encontro Internacional sobre Manuais Escolares. Braga: Instituto de Educação e Psicologia,
e.
f.
g.
h.
i.
Apresentar as imagens de pormenores, partes de sistemas ou órgãos do corpo
Universidade do Minho, pp. 423-440
humano com linhas indicadoras, variação cromática, algarismos, letras ou de
SELANDER, S. (1988). Textbook Knowledge, in Johnsen, (2001). Textbooks in the
alguma outra forma que permita compreender facilmente a sua localização nesses
Kaleidoscope. A Critical Survey of Literature and Research on Educational Texts. Tonsberg:
mesmos sistemas ou órgãos.
College
http://wwwbib.hive.no/tekster/pedtekst/kaleidoscope/forside.html (acesso 23.10.06)
SHEPARDSON & PIZZINI (1991). Questioning Levels of JuniorHigh School Science
Textbooks and Their Implications for Learning Textual Information. Science Education, 75(6).
6
5
62
63
O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático:
observações sobre alguns aspetos da comunicação artística nas aulas de Educação Visual
no ensino básico
Autores: Sílvia Casian, Amélia Lopes, Fátima Pereira
CIIE, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Resumo
Interpretando a arte e a educação como fenómenos comunicacionais, aborda-se o
problema da comunicação artística no contexto didático, específico à Educação Plástica e
Visual. Através do modelo geral da comunicação de Jakobson, identifica-se o uso particular
de duas linguagens complementares – da linguagem da imagem artística (plástica) e da
linguagem verbal – e, consequentemente, o papel do professor como mediador da
comunicação artística dos alunos. Procura-se compreender o metamorfismo destas linguagens
da comunicação visual e verbal no contexto didático, revelado nos métodos de ensino e
aprendizagem, e observar algumas preferências comunicativas dos alunos do ensino básico.
Como estratégia metodológica, optou-se pelo desenvolvimento duma investigação
qualitativa, que é precedida de um estudo empírico misto, cujo objetivo é encontrar no tema
de estudo pontos de partida para uma investigação em profundidade. O estudo preliminar
abrangeu 162 alunos do 6º e 7º anos.
Palavras – chave: Comunicação artística, imagem plástica, palavra, ensino e
aprendizagem.
Abstract
Interpreting the art and the education as communication phenomenon, this paper
approaches the problem of artistic communication in the specific teaching context of Visual
and Arts Education. In this subject, seen through the Jakobson’s general model of
communication, a particular use of two complementary languages is identified: the language
of the artistic image (specific of painting, drawing or sculpture) and verbal language and,
consequently, the teacher's role as mediator of artistic communication of students. It searches
to understand the metamorphism of these languages of verbal and visual communication in
the teaching context, revealed in the methods of teaching and learning, and observes some
communicative preferences of secondary school’s students.
As methodological strategy, a qualitative research is developed, which is preceded by
a mixed empirical study, whose aim is to find cues on the subject regarding an in-depth
research. The preliminary study included 162 students from 6th and 7th grade.
Key - words: artistic communication, visual artistic image, word, teaching and
learning.
Introdução
O paradigma atual da Educação Artística (Visual), baseado no conceito da
comunicação visual, salienta o valor da arte para o desenvolvimento humano e propõe
desenvolver nos alunos competências de comunicação. O conceito da arte como comunicação
refletiu-se na Educação Visual, por um lado, através das orientações expressionistas, ou
valorização da livre expressão de emoções e sentimentos dos alunos e, por outro, pela visão
cognitivista sobre a comunicação artística. Com o propósito de compreender melhor o
fenómeno da comunicação artística no contexto educacional, cujas manifestações se destacam
essencialmente através da imagem e pelos seus aspetos visuais e verbais, propõe-se observar o
processo de ensino e aprendizagem da Educação Visual numa abordagem comunicacional,
interpretando a arte, a educação e a comunicação como conceitos inseparáveis.
64
O fenómeno é lido através do Modelo geral da comunicação de Jakobson (1963),
acrescentando a função do contexto em que se enquadra o modelo, o contexto didático. O
esquema deste modelo inclui os seguintes elementos: emissor, mensagem, contato, código,
contexto e destinatário. Jakobson explica as relações específicas que se configuram entre os
elementos do seu modelo, evidenciando funções específicas para cada elemento, –
respectivamente, a função expressiva, poética, fática, metalinguística, referencial e conativa –
e salienta que nenhuma mensagem se limita à expressão de uma única das funções, que
atuando simultaneamente, podem adquirir sucessivamente a prioridade, atribuindo à
mensagem diversas características (científica, literária, artística, etc.). A adequação do modelo
a uma situação comunicacional multidimensional, complexa e artística facilita o estudo de
aspetos verbais e não-verbais (visuais) da comunicação (Joly, 2007) e, a sua compatibilidade
com a psicologia (Jakobson, 1973) permite observar os participantes da comunicação.
A aplicação da Teoria da comunicação na análise de aspetos comunicacionais do
processo de ensino e aprendizagem nas aulas de Educação Visual revela a existência de uma
situação particular desta disciplina no sistema do ensino básico: o uso de um bilinguismo
funcional específico – os emissores e os recetores emitem a mensagem através de dois canais
e usam dois tipos de códigos diferentes (verbal/palavras e visual/imagens plásticas). Apesar
de outras disciplinas escolares usarem imagens visuais, elas não são o foco do estudo, não se
estudam como uma linguagem, e têm outras funções no processo de ensino e aprendizagem.
No sistema de ensino básico e secundário, o uso de duas línguas é característico para o ensino
de línguas estrangeiras, contudo temos de salientar o facto de que, nessa situação, se utiliza o
mesmo código (linguístico) e o mesmo canal de transmissão da informação (auditivo ou
visual, dependentemente da expressão oral ou escrita). No contexto didático da Educação
Visual, ainda fica menos percebida a coexistência, de duas linguagens (verbal e visual) que,
de igual modo, como a palavra e a imagem, não se devem substituir uma pela outra. A teoria
semiótica caracteriza a imagem artística como uma das linguagens (Joly, 2007). Huyghe,
(2009) e Aumont (2009) também defendem a existência da linguagem visual, cujo portador de
mensagens é a imagem artística. Entre estas duas linguagens desenvolve-se uma relação de
complementaridade, semelhante à relação entre palavra e imagem (Barthes, 1964).
Contextualização teórica e delineações terminológicas
A tentativa de definição do termo comunicação torna-se difícil, uma vez que se trata
de um fenómeno abrangente que remete para todas as dimensões da própria vida, e foram-lhe
atribuídos diversos sentidos, em vários tempos e domínios da atividade humana,
inclusivamente, nas ciências da comunicação. Ao estudarem o fenómeno da comunicação, os
teóricos salientam a especificidade desse fenómeno como objeto de estudo e da constituição
do seu enquadramento teórico. O problema torna-se ainda mais complexo quando o campo de
referência da comunicação se encontra na arte e na educação. Portanto, no estudo
desenvolvido sobre a comunicação artística no contexto didático, recorre-se a algumas
delineações teóricas e terminológicas consideradas necessárias para esboçar o fenómeno
observado e a problemática de investigação.
Com o propósito de visualizar melhor o fenómeno abordado, recorre-se a uma
interpretação comparativa com modelos/teorias que contribuíram para a evolução do
paradigma comunicativo da Educação Visual. As estéticas informacionais de Abraham Moles
(1973) e Max Bense (1971), com o seu paradigma de análise formal de processos e formas
artísticos, tinham contribuído para a elaboração de novas teorias da informação (estética) e
influenciaram o campo da educação artística. A estética bensiana baseia-se em pressupostos
concetuais e metodológicos da teoria da informação e da semiótica modernas. Bense (1971)
define a comunicação como uma etapa do esquema operacional do processo artístico, cuja
estrutura integra criação – comunicação – percepção – reacção do público. A ideia de Bense
sugere um modelo próximo dos pressupostos da Psicologia da Gestalt, mas continua a manter
65
um carácter tecnicista e unidireccional. O conceito de informação das teorias informacionais
constrói-se a partir do modelo de comunicação matemático de Shannon e Weaver (1949), que
é orientado para o objeto e exclui a participação do sujeito da comunicação. Ulteriormente
Mário Costa e Fred Forest desenvolveram a Estética da Comunicação (1983), que introduziu
um novo aspeto processual, imaterial e dialógico das artes tecnológicas, e refletiu de forma
sistemática sobre o emprego das tecnologias de telecomunicação como fonte de expressão
artística. Costa (1999) observou o inter-relacionamento estreito entre a arte, a comunicação e
o social. As tecnologias informacionais influenciaram fortemente o ensino das artes visuais,
criando pressupostos teóricos para a reconstituição de conceitos da educação.
Nas abordagens cognitivistas (Bruner, 1960, Arnheim, 1969) salienta-se o lado
cognitivo da arte, da educação artística, evoluindo até negligenciar os afetos, cuja valorização
excessiva deu origem aos adeptos da expressão livre das emoções pelos alunos (Lovenfeld,
1947). O estudo referenciado concetualmente encontra-se ancorado no paradigma cognitivista
e, apesar de falar das relações e cruzamentos entre teorias semióticas e psicológicas, entre
teorias da informação e da comunicação, não reproduz o modelo tecnológico, mas procura
modelos da comunicação adequados à comunicação interpessoal e salienta o fator humano no
processo da comunicação didática e o valor da subjetividade e dos afetos no processo da
criação e na comunicação artística.
Neste estudo, procuram-se respostas às perguntas “através de que” e “como” intervêm
os processos da comunicação em educação artística nas aulas de Educação Visual e propõe-se
encontrar um modelo da comunicação pedagógica que permita visualizar melhor o fenómeno,
a respetiva situação comunicacional e delinear algumas delimitações terminológicas.
Consequentemente, a comunicação artística, no contexto didático, define-se como
um processo complexo e específico, que envolve a coação de três componentes: a criação
artística, a imagem plástica/obra de arte e a contemplação (receção) estética. Esta perspetiva
pressupõe uma relação criativa e reversível entre participantes (locutores e recetores), cujo
conhecimento, pelo menos parcialmente, de códigos específicos (plástico e verbal) das
estruturas artísticas facilite a criação e a compreensão de imagens artísticas pelos alunos e
ainda que este processo é sujeito a mediação pelo professor.
O conceito da comunicação artística, no contexto didáctico, constrói-se na interface
de seguintes teorias: (1) teoria estética sobre o fenómeno da comunicação artística como
manifestação sóciocultural da obra de arte numa relação específica e reversível entre o autor
da obra e o seu recetor (Borev, 1988); (2) teoria psicológica sobre os processos da criação
artística e da receção estética e as características do criador da obra e do recetor, considerado
recreador da obra (Neacsu, 1999); (3) teoria psicológica da imagem artística (Huyghe, 2009);
(4) teoria semiótica da imagem artística como linguagem e sistema de signos (Joly, 2007;
Barthes, 1964); (5) teoria da comunicação e o Modelo geral da comunicação (Jakobson,
1963).
Apesar de o termo comunicação artística suscitar discussões, considera-se
importante mantê-lo, assim que “ a comunicação que toma em conta a necessidade da “dupla
reflexão” é uma “comunicação artística” (Serra, 2005) e que de facto, aquilo que caracteriza a
comunicação artística é que nela ”sempre se exigiu que se pense naquele que recebe a
comunicação e que, em razão da sua eventual não compreensão, se preste atenção à forma da
comunicação”(ibidem: 2040).
Neste contexto, na tríade dos elementos constituintes do processo da comunicação
artística no contexto didático (professor, aluno, imagem artística), o aluno é visto como o
elemento central do sistema comunicacional e sujeito da educação, ou seja pretende-se manter
a sua individualidade e a autonomia na criação e na receção de imagens. A imagem artística é
vista como a portadora da mensagem visual específica, com os seus meios de expressão
artística e as suas “regras” de manifestação. Espere-se proporcionar ao aluno experiências de
codificação (criação) da imagem plástica e de descodificação (receção) da mensagem visual
contida na imagem artística, através de métodos didácticos adequados às artes plásticas,
66
enfatizando o lúdico das atividades artísticas sem sobrestimar as regras, ou seja, mantendo o
carácter flexível e vivo da comunicação artística, valorizando dinâmicas da subjectividade e
da interação entre sujeitos e imagem.
O termo imagem “plástica” utiliza-se como derivado das artes plásticas e engloba a
caracterização geral de trabalhos bidimensionais (desenhos, pinturas, colagens) e/ou
tridimensionais (modelagem/escultura) que os alunos produzem nas aulas de Educação
Visual e, de igual modo, pode significar obras de artes plásticas que os alunos contemplam
nas aulas.
Trata-se da construção/observação no contexto didático duma situação comunicacional
complexa e interativa, em que o professor transmite aos alunos experiências e conhecimentos
essenciais e específicos, criando condições para vivenciar o fenómeno artístico. O professor
realiza a mediação dos processos da comunicação, usando a linguagem da arte visual e a
linguagem verbal, articuladas com as particularidades psicofisiológicas dos alunos.
Enquadramento temático
Nos EUA, no Canada, em Israel, na França, na Austrália, em Portugal e outros países,
os estudos recentes revelaram tendências para a diferenciação na organização do processo de
ensino e aprendizagem e na identificação do perfil do professor de Educação Visual. Bachar e
Glaubman (2006) identificaram duas abordagens no ensino de arte: a abordagem de estúdio
(oficina) em que o professor é um artista (mestre) que ensina individualmente os alunos para
poderem expressar-se livremente e participar no diálogo artístico e a abordagem cognitivoacadémica, em que o professor é um especialista em história de arte e, nas suas aulas valoriza
o conhecimento da história de arte e desenvolve nos alunos a sensibilidade e as competências
para compreender e analisar obras de arte. Observou-se que os professores enfatizam métodos
de ensino verbais ou práticos em dependência da abordagem aceite. Identificaram-se,
também, tendências integradoras, que são manifestações mais novas e que emergem,
principalmente, da prática pedagógica. Bachar e Glaubman (2006) observaram que o professor
de arte com orientação cognitivo-académica, tende estar integrado nas formas comuns para ensino
convencional em que funciona a escola, usando métodos de ensino que se conformam aos
métodos da escola. O professor que adopta a abordagem de estúdio (oficina) apoia-se numa antiga
prática de ensino em ambientes e condições específicos para a criação de arte. Esta tradição está
mais afastada de métodos convencionais da escola. Os professores que combinam as duas
abordagens, integrando-as com sucesso, aproximam os alunos mais de objectivos da educação
pela arte, através do desenvolvimento duma estrutura de ensino de oficina tradicional que
funciona dentro de ambientes escolares convencionais (Bachar & Glaubman, 2006). Koroscik
(1993) nos seus estudos reparou nos professores de arte a predisposição para preferirem
aspetos práticos ou verbais nas suas aulas. Deste modo, observa-se que as abordagens de
ensino de arte se interrelacionam com os métodos de ensino e aprendizagem escolhidos,
refletem as tradições e as convenções, as identidades dos profissionais e das instituições de
ensino, definindo as particularidades de intervenção e mediação dos processos pelos
professores. Na intimidade da comunicação do aluno com a obra de arte no contexto didático
interferem os reflexos da mediação do processo pelo professor e da sua identidade.
Nos domínios da arte e psicologia, aos aspetos não-verbais (visuais) e verbais
específicos aos fenómenos artísticos, à imagem artística (plástica) e à linguagem verbal,
referem-se Goodman (2006), Panovsky (1988), Barthes (1964), Joly (2007), Arnheim (2006),
Gardner (1983) e outros. Nos EUA, Johnson (2008) defende a necessidade da alfabetação
visual e verbal na Educação Visual das crianças. Em Portugal, Bahia e Trindade (2010:856)
concluíram que o domínio do código plástico possibilita o desenvolvimento da compreensão e
formulação de ideias pelos alunos adolescentes, revelando, que “uma intervenção
fundamentada em conceitos do domínio psicológico pode ter repercussões muito positivas no
âmbito da educação artística”.
67
O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático,
observações no quadro empírico
Complementarmente, aos estudos que elucidaram as escolhas dos professores no
processo de ensino de arte, no presente estudo aponta-se mais sobre as necessidades dos
alunos relativamente aos métodos de ensino e aprendizagem preferidos por eles na
comunicação artística no contexto didático. Ao abrir esse espaço, tenta-se compreender no
campo empírico algumas particularidades deste fenómeno.
O estudo empírico iniciou-se com métodos mistos de pesquisa, abrangeu 162 alunos do
6º e 7º anos do ensino básico, e continua com métodos qualitativos para o aprofundamento do
tema. A investigação no campo empírico começou com um questionário baseado no método
proposto por Jung para observação das caracteristicas tipologicas da personalidade. O
questionário pretende identificar preferências comunicativas dos alunos, convencialmente
divididas em preferências para comunicação visual (através de imagens plásticas) e para
comunicação verbal e constitui-se por secções interrelacionadas que, mantendo caraterísticas
próprias, contribuem para uma estruturação geral do tema em estudo.
Os dados recolhidos incluíram informações sobre preferências comunicativas dos
alunos no processo de ensino e aprendizagem, no processo da criação e da receção de imagens
plásticas pelos alunos e, sobre o envolvimento emocional dos alunos nas atividades referidas.
Complementarmente aplicou-se um conjunto de testes baseados em métodos verbais e visuais
para verificar os resultados obtidos no estudo preliminar. A análise dos resultados
demonstrou que, no contexto didático, nas aulas de Educação Plástica (Visual), os alunos
mostram-se dispostos para uma comunicação ambivalente (visual e verbal), com preferências
significativas para a comunicação visual, principalmente no processo de criação/expressão de
estruturas plásticas e na sua aceitação de métodos de ensino e apredizagem (86% dos alunos
do 6º ano e 82% do 7º ano preferem métodos visuais de ensino e/ou a demonstração prática de
processos artísticos pelos professores) e preferências, menos acentuadas, para uma
comunicação verbal complementar à comunicação visual, no processo de receção de imagens
plásticas (43% dos alunos do 6º ano do 7º ano preferem observar eles próprios os objetos de
arte e 57% dos alunos preferem ouvir o professor (ou o guia) sobre as obras expostas).
Observou-se que as preferências comunicativas dos alunos, no contexto didático caracterzamse pelo metamorfismo comunicacinal, ou seja, pelas transformações produzidas na
importância atribuída às imagens plásticas e às palavras nesta situação comunicacional
específica ao processo de ensino e aprendizagem, em geral, e ao processo de expressão e
receção de imagens artísticas, em particular. Neste contexto, concomitante com a relevante
preferência dos alunos para a comunicação visual, 73% dos alunos do 6º ano e 75% do 7º ano
consideram que é necessário explicar verbalmente o conteúdo das suas imagens para que elas
serem melhor compreendidas pelos outros. Também, se revela uma diminição de 9% nos
alunos do 7º ano para a comunicação visual, que começam a valorizar mais a comunicação
verbal, devido provavelmente à sua evolução psicológica e inteletual num meio escolar
essencialmente verbal.
manifestam-se mais emotivos do que os alunos do 6º ano e têm necessidades maiores para
expressarem as suas emoções através de imagens plásticas e palavras, reagem mais fortemente
à apreciação das suas imagens pelos outros e estão mais orientados para obter resultados
melhores na produção artística. Deste modo, o estudo revela a existência dum impacto
significativo das emoções dos alunos sobre os processos da comunicação artística, ao nível da
expressão/criação artística ou ao nível da receção/contemplação de imagens/obras de arte.
Em conclusão, reconhecendo o potencial enorme e poderoso da Educação Artística
(Visual) para o desenvolvimento humano pensa-se se é possível ancorar a comunicação
artística no contexto didático e implantar na sombra do indizível um desenvolvimento
harmonioso e complexo dos alunos? Se uma configuração eficaz da comunicação visual e
verbal nas aulas de Educação Visual poderia optimizar o processo de ensino e aprendizagem
e contribuir para o desenvolvimento de competências de comunicação artística nos alunos?
A comunicação insere-se no tema Educação/arte/desenvolvimento do 2ei_ea.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ARNHEIM, Rudolf (2006). Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora.
São Paulo: Thomson Learing.
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ВЫГОТСКИЙ, Л.С. (2005). Психология Развития Ребёнка, ЭКСМО, Москва,
(VIGOTSKY, L., (2005). Psicologia do desenvolvimento da criança, Moskovo, “Eksmo”).
ВЫГОТСКИЙ, Л.С.(1998). Психология искусства. Мн.:«Современное Слово»,
(VIGOTSKY. L. (1998). Psicologia da Arte, Minsk, “Sovremennoe Slovo”).
Outro aspeto importante que o estudo revelou foi a observação sobre o envolvimento
emocional dos alunos nos processos de criação e receção de imagens plásticas, que deixa uma
marca importante na comunicação artística desenvolvida no contexto didático. Os alunos têm
uma resposta emocional especial relativamente à valorização de imagens criadas por eles
próprios, a sua produção artística relaciona-se com uma forma de comunicação socialmente
determinada: a) os alunos necessitam que as imagens deles estiverem apreciadas pelos outros,
especialmente pelas pessoas mais próximas (70% dos alunos do 6º ano e 79% do 7º ano
necessitam disso); b) os alunos mostram-se muito interessados em examinar o conteúdo das
imagens criadas por eles (83% alunos do 6º ano e 89% do 7º ano gostam de analisa-las e
comenta-las) e, apesar de manterem o seu interesse pela arte e atividades artísticas, estão
menos interessados em estudar obras de arte. Remarcou-se que os alunos do 7º ano
68
69
Patrimônio cultural e intervenção pedagógica: a ação mediadora
Estela Maria Oliveira Bonci
Universidade Presbiteriana Mackenzie
estelabonci@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/3223199451667679
Mirian Celeste Martins
Universidade Presbiteriana Mackenzie
mcmart@uol.com.br
http://lattes.cnpq.br/7167254305943668
Resumo - Tendo como foco a ação mediadora a partir de um patrimônio cultural da cidade de São
Paulo/Brasil, foi escolhida uma praça próxima à escola para gerar uma aproximação com alunos de
duas salas de aula de 4º ano. A observação dos grupos durante a ação mediadora e a análise das
produções resultantes dessa prática despertam questões que nos instigam a investigar,
compreender, repensar e buscar respostas sobre as produções infantis e a mediação cultural e sua
prática. Como elaborar uma proposta educativa que contextualiza o que enxergamos e que
proporciona experiências onde é possível decidir, problematizar e escolher formas de agir e
pensar criticamente? Desenvolvemos ações que possibilitam ao outro olhar criticamente e
compreender o mundo, as pessoas à sua volta e o patrimônio cultural? Nosso olhar enxerga o que
queremos ver ou o que nos fazem enxergar? As reflexões sobre estas questões pautadas nas
análises das produções das crianças e das ações mediadoras conduzem esta comunicação.
Palavras-chave: ação mediadora; desenho infantil; intervenção pedagógica; processos de
percepção sensível; patrimônio cultural.
Abstract - Focusing on the mediating action from a cultural heritage of the Sao Paulo city, Brazil, it
was chosen a square next to the school to integrate students of the two classrooms from the 4 th
year. The observation of the groups during the mediating action and the analysis of the resulting
productions from that practice arouse questions which incite us to investigate, to understand, to
rethink and to search for answers about two topics: the children’s productions and the cultural
mediation and its practice. How to elaborate an educative approach that contextualizes what we
see and provides experiences where it is possible to decide, to discuss and to choose ways of
acting and thinking critically? Do we develop actions that allow others to see critically and to
understand the world, the people around them and the cultural heritage? Do our eyes see what
we want to see or they see what other people want that they see? The discussions about these
questions based on the analysis of the children’s productions and of the mediating actions lead
the present communication.
Key words: mediating action; children’s drawing; pedagogic intervention; processes of sensitive
perception; cultural heritage.
70
um carácter tecnicista e unidireccional. O conceito de informação das teorias informacionais
constrói-se a partir do modelo de comunicação matemático de Shannon e Weaver (1949), que
é orientado para o objeto e exclui a participação do sujeito da comunicação. Ulteriormente
Mário Costa e Fred Forest desenvolveram a Estética da Comunicação (1983), que introduziu
um novo aspeto processual, imaterial e dialógico das artes tecnológicas, e refletiu de forma
sistemática sobre o emprego das tecnologias de telecomunicação como fonte de expressão
artística. Costa (1999) observou o inter-relacionamento estreito entre a arte, a comunicação e
o social. As tecnologias informacionais influenciaram fortemente o ensino das artes visuais,
criando pressupostos teóricos para a reconstituição de conceitos da educação.
Nas abordagens cognitivistas (Bruner, 1960, Arnheim, 1969) salienta-se o lado
cognitivo da arte, da educação artística, evoluindo até negligenciar os afetos, cuja valorização
excessiva deu origem aos adeptos da expressão livre das emoções pelos alunos (Lovenfeld,
1947). O estudo referenciado concetualmente encontra-se ancorado no paradigma cognitivista
e, apesar de falar das relações e cruzamentos entre teorias semióticas e psicológicas, entre
teorias da informação e da comunicação, não reproduz o modelo tecnológico, mas procura
modelos da comunicação adequados à comunicação interpessoal e salienta o fator humano no
processo da comunicação didática e o valor da subjetividade e dos afetos no processo da
criação e na comunicação artística.
Neste estudo, procuram-se respostas às perguntas “através de que” e “como” intervêm
os processos da comunicação em educação artística nas aulas de Educação Visual e propõe-se
encontrar um modelo da comunicação pedagógica que permita visualizar melhor o fenómeno,
a respetiva situação comunicacional e delinear algumas delimitações terminológicas.
Consequentemente, a comunicação artística, no contexto didático, define-se como
um processo complexo e específico, que envolve a coação de três componentes: a criação
artística, a imagem plástica/obra de arte e a contemplação (receção) estética. Esta perspetiva
pressupõe uma relação criativa e reversível entre participantes (locutores e recetores), cujo
conhecimento, pelo menos parcialmente, de códigos específicos (plástico e verbal) das
estruturas artísticas facilite a criação e a compreensão de imagens artísticas pelos alunos e
ainda que este processo é sujeito a mediação pelo professor.
O conceito da comunicação artística, no contexto didáctico, constrói-se na interface
de seguintes teorias: (1) teoria estética sobre o fenómeno da comunicação artística como
manifestação sóciocultural da obra de arte numa relação específica e reversível entre o autor
da obra e o seu recetor (Borev, 1988); (2) teoria psicológica sobre os processos da criação
artística e da receção estética e as características do criador da obra e do recetor, considerado
recreador da obra (Neacsu, 1999); (3) teoria psicológica da imagem artística (Huyghe, 2009);
(4) teoria semiótica da imagem artística como linguagem e sistema de signos (Joly, 2007;
Barthes, 1964); (5) teoria da comunicação e o Modelo geral da comunicação (Jakobson,
1963).
Apesar de o termo comunicação artística suscitar discussões, considera-se
importante mantê-lo, assim que “ a comunicação que toma em conta a necessidade da “dupla
reflexão” é uma “comunicação artística” (Serra, 2005) e que de facto, aquilo que caracteriza a
comunicação artística é que nela ”sempre se exigiu que se pense naquele que recebe a
comunicação e que, em razão da sua eventual não compreensão, se preste atenção à forma da
comunicação”(ibidem: 2040).
Neste contexto, na tríade dos elementos constituintes do processo da comunicação
artística no contexto didático (professor, aluno, imagem artística), o aluno é visto como o
elemento central do sistema comunicacional e sujeito da educação, ou seja pretende-se manter
a sua individualidade e a autonomia na criação e na receção de imagens. A imagem artística é
vista como a portadora da mensagem visual específica, com os seus meios de expressão
artística e as suas “regras” de manifestação. Espere-se proporcionar ao aluno experiências de
codificação (criação) da imagem plástica e de descodificação (receção) da mensagem visual
contida na imagem artística, através de métodos didácticos adequados às artes plásticas,
71
enfatizando o lúdico das atividades artísticas sem sobrestimar as regras, ou seja, mantendo o
carácter flexível e vivo da comunicação artística, valorizando dinâmicas da subjectividade e
da interação entre sujeitos e imagem.
O termo imagem “plástica” utiliza-se como derivado das artes plásticas e engloba a
caracterização geral de trabalhos bidimensionais (desenhos, pinturas, colagens) e/ou
tridimensionais (modelagem/escultura) que os alunos produzem nas aulas de Educação
Visual e, de igual modo, pode significar obras de artes plásticas que os alunos contemplam
nas aulas.
Trata-se da construção/observação no contexto didático duma situação comunicacional
complexa e interativa, em que o professor transmite aos alunos experiências e conhecimentos
essenciais e específicos, criando condições para vivenciar o fenómeno artístico. O professor
realiza a mediação dos processos da comunicação, usando a linguagem da arte visual e a
linguagem verbal, articuladas com as particularidades psicofisiológicas dos alunos.
Enquadramento temático
Nos EUA, no Canada, em Israel, na França, na Austrália, em Portugal e outros países,
os estudos recentes revelaram tendências para a diferenciação na organização do processo de
ensino e aprendizagem e na identificação do perfil do professor de Educação Visual. Bachar e
Glaubman (2006) identificaram duas abordagens no ensino de arte: a abordagem de estúdio
(oficina) em que o professor é um artista (mestre) que ensina individualmente os alunos para
poderem expressar-se livremente e participar no diálogo artístico e a abordagem cognitivoacadémica, em que o professor é um especialista em história de arte e, nas suas aulas valoriza
o conhecimento da história de arte e desenvolve nos alunos a sensibilidade e as competências
para compreender e analisar obras de arte. Observou-se que os professores enfatizam métodos
de ensino verbais ou práticos em dependência da abordagem aceite. Identificaram-se,
também, tendências integradoras, que são manifestações mais novas e que emergem,
principalmente, da prática pedagógica. Bachar e Glaubman (2006) observaram que o professor
de arte com orientação cognitivo-académica, tende estar integrado nas formas comuns para ensino
convencional em que funciona a escola, usando métodos de ensino que se conformam aos
métodos da escola. O professor que adopta a abordagem de estúdio (oficina) apoia-se numa antiga
prática de ensino em ambientes e condições específicos para a criação de arte. Esta tradição está
mais afastada de métodos convencionais da escola. Os professores que combinam as duas
abordagens, integrando-as com sucesso, aproximam os alunos mais de objectivos da educação
pela arte, através do desenvolvimento duma estrutura de ensino de oficina tradicional que
funciona dentro de ambientes escolares convencionais (Bachar & Glaubman, 2006). Koroscik
(1993) nos seus estudos reparou nos professores de arte a predisposição para preferirem
aspetos práticos ou verbais nas suas aulas. Deste modo, observa-se que as abordagens de
ensino de arte se interrelacionam com os métodos de ensino e aprendizagem escolhidos,
refletem as tradições e as convenções, as identidades dos profissionais e das instituições de
ensino, definindo as particularidades de intervenção e mediação dos processos pelos
professores. Na intimidade da comunicação do aluno com a obra de arte no contexto didático
interferem os reflexos da mediação do processo pelo professor e da sua identidade.
Nos domínios da arte e psicologia, aos aspetos não-verbais (visuais) e verbais
específicos aos fenómenos artísticos, à imagem artística (plástica) e à linguagem verbal,
referem-se Goodman (2006), Panovsky (1988), Barthes (1964), Joly (2007), Arnheim (2006),
Gardner (1983) e outros. Nos EUA, Johnson (2008) defende a necessidade da alfabetação
visual e verbal na Educação Visual das crianças. Em Portugal, Bahia e Trindade (2010:856)
concluíram que o domínio do código plástico possibilita o desenvolvimento da compreensão e
formulação de ideias pelos alunos adolescentes, revelando, que “uma intervenção
fundamentada em conceitos do domínio psicológico pode ter repercussões muito positivas no
âmbito da educação artística”.
72
O metamorfismo da imagem plástica e da palavra no contexto didático,
observações no quadro empírico
Complementarmente, aos estudos que elucidaram as escolhas dos professores no
processo de ensino de arte, no presente estudo aponta-se mais sobre as necessidades dos
alunos relativamente aos métodos de ensino e aprendizagem preferidos por eles na
comunicação artística no contexto didático. Ao abrir esse espaço, tenta-se compreender no
campo empírico algumas particularidades deste fenómeno.
O estudo empírico iniciou-se com métodos mistos de pesquisa, abrangeu 162 alunos do
6º e 7º anos do ensino básico, e continua com métodos qualitativos para o aprofundamento do
tema. A investigação no campo empírico começou com um questionário baseado no método
proposto por Jung para observação das caracteristicas tipologicas da personalidade. O
questionário pretende identificar preferências comunicativas dos alunos, convencialmente
divididas em preferências para comunicação visual (através de imagens plásticas) e para
comunicação verbal e constitui-se por secções interrelacionadas que, mantendo caraterísticas
próprias, contribuem para uma estruturação geral do tema em estudo.
Os dados recolhidos incluíram informações sobre preferências comunicativas dos
alunos no processo de ensino e aprendizagem, no processo da criação e da receção de imagens
plásticas pelos alunos e, sobre o envolvimento emocional dos alunos nas atividades referidas.
Complementarmente aplicou-se um conjunto de testes baseados em métodos verbais e visuais
para verificar os resultados obtidos no estudo preliminar. A análise dos resultados
demonstrou que, no contexto didático, nas aulas de Educação Plástica (Visual), os alunos
mostram-se dispostos para uma comunicação ambivalente (visual e verbal), com preferências
significativas para a comunicação visual, principalmente no processo de criação/expressão de
estruturas plásticas e na sua aceitação de métodos de ensino e apredizagem (86% dos alunos
do 6º ano e 82% do 7º ano preferem métodos visuais de ensino e/ou a demonstração prática de
processos artísticos pelos professores) e preferências, menos acentuadas, para uma
comunicação verbal complementar à comunicação visual, no processo de receção de imagens
plásticas (43% dos alunos do 6º ano do 7º ano preferem observar eles próprios os objetos de
arte e 57% dos alunos preferem ouvir o professor (ou o guia) sobre as obras expostas).
Observou-se que as preferências comunicativas dos alunos, no contexto didático caracterzamse pelo metamorfismo comunicacinal, ou seja, pelas transformações produzidas na
importância atribuída às imagens plásticas e às palavras nesta situação comunicacional
específica ao processo de ensino e aprendizagem, em geral, e ao processo de expressão e
receção de imagens artísticas, em particular. Neste contexto, concomitante com a relevante
preferência dos alunos para a comunicação visual, 73% dos alunos do 6º ano e 75% do 7º ano
consideram que é necessário explicar verbalmente o conteúdo das suas imagens para que elas
serem melhor compreendidas pelos outros. Também, se revela uma diminição de 9% nos
alunos do 7º ano para a comunicação visual, que começam a valorizar mais a comunicação
verbal, devido provavelmente à sua evolução psicológica e inteletual num meio escolar
essencialmente verbal.
Outro aspeto importante que o estudo revelou foi a observação sobre o envolvimento
emocional dos alunos nos processos de criação e receção de imagens plásticas, que deixa uma
marca importante na comunicação artística desenvolvida no contexto didático. Os alunos têm
uma resposta emocional especial relativamente à valorização de imagens criadas por eles
próprios, a sua produção artística relaciona-se com uma forma de comunicação socialmente
determinada: a) os alunos necessitam que as imagens deles estiverem apreciadas pelos outros,
especialmente pelas pessoas mais próximas (70% dos alunos do 6º ano e 79% do 7º ano
necessitam disso); b) os alunos mostram-se muito interessados em examinar o conteúdo das
imagens criadas por eles (83% alunos do 6º ano e 89% do 7º ano gostam de analisa-las e
comenta-las) e, apesar de manterem o seu interesse pela arte e atividades artísticas, estão
menos interessados em estudar obras de arte. Remarcou-se que os alunos do 7º ano
73
manifestam-se mais emotivos do que os alunos do 6º ano e têm necessidades maiores para
expressarem as suas emoções através de imagens plásticas e palavras, reagem mais fortemente
à apreciação das suas imagens pelos outros e estão mais orientados para obter resultados
melhores na produção artística. Deste modo, o estudo revela a existência dum impacto
significativo das emoções dos alunos sobre os processos da comunicação artística, ao nível da
expressão/criação artística ou ao nível da receção/contemplação de imagens/obras de arte.
Em conclusão, reconhecendo o potencial enorme e poderoso da Educação Artística
(Visual) para o desenvolvimento humano pensa-se se é possível ancorar a comunicação
artística no contexto didático e implantar na sombra do indizível um desenvolvimento
harmonioso e complexo dos alunos? Se uma configuração eficaz da comunicação visual e
verbal nas aulas de Educação Visual poderia optimizar o processo de ensino e aprendizagem
e contribuir para o desenvolvimento de competências de comunicação artística nos alunos?
A comunicação insere-se no tema Educação/arte/desenvolvimento do 2ei_ea.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ARNHEIM, Rudolf (2006). Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora.
São Paulo: Thomson Learing.
BACHAR, P., GLAUBMAN, R., (2006). Policy and Practice of Art Teaching in Schools as
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BARTHES, Roland (1982). O Óbvio e o Obtuso, Edições 70.
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ВЫГОТСКИЙ, Л.С.(1998). Психология искусства. Мн.:«Современное Слово»,
(VIGOTSKY. L. (1998). Psicologia da Arte, Minsk, “Sovremennoe Slovo”).
Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes
Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa
Departamento de Artes Visuais/Centro de Artes/Universidade Regional do Cariri – URCA
frodriguesarte@gmail.com
1. Introdução
Há exatamente quatro anos iniciamos a Graduação em Artes na Universidade Regional do
Cariri – URCA – Ceará/Brasil. Nosso objetivo foi e ainda é o de assegurar a formação inicial
de professores para a área de Artes e, considerando as transformações ocorridas a partir dos
anos 90 seria fundamental que esta graduação acolhesse as demandas locais e refletisse as
lutas nacionais. Assim, o projeto político pedagógico que concebemos trouxe para a Região
do Cariri cearense os Cursos de Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Artes Visuais.
A formação de professores de Artes no Brasil remonta aos anos 70 do século passado e como
em muitos países de língua portuguesa e espanhola recebeu a denominação de Educação
Artística (Educación Artística). A trajetória da formação de professores em Artes foi
acumulando experiências e criticas que resultaram em reformulações significativas e
necessárias a ponto da área de Artes ser concebida em 04 (quatro) subáreas: Artes Visuais,
Teatro, Dança e Música. Diferentemente das universidades que haviam implantado seus
cursos desde os anos 70, a Universidade Regional do Cariri – URCA veio a ingressar nos
territórios da formação de professores em artes no ano de 2008, portanto, tudo era novo e isso
nos permitiu pensar e elaborar os projetos dos cursos respeitando a história da formação de
professores para a Educação Básica, a história da formação de professores em Artes e as
especificidades epistemológicas inerentes a cada subárea.
Em nossos encontros1 para elaboração dos projetos para cada curso nos dávamos conta de que
era possível experimentar outras formas de organização curricular tendo em vista a
possibilidade de um currículo que evitasse preconceitos e limitações e que tendesse a um
hibridismo entre a formação artística, docente e investigadora. Portanto, o profissional a ser
formado seria o artista/professor/pesquisador e o conjunto de disciplinas deveriam tanto
refletir tal concepção como, também, exercitá-la ao longo dos 04 (quatro) anos de formação
inicial.
No tocante a formação docente chegamos à conclusão de que esta não deveria repetir os
equívocos que marcaram a histórica formação de professores em artes, assim deveria dar
lugar a unidade entre teoria/prática. Esta unidade evitaria que nas graduações em Artes
Visuais e Teatro as disciplinas da formação docente fossem ofertadas praticamente no final
dos cursos como tradicionalmente temos observado.
Elaborar um currículo em que as disciplinas da formação docente caminhassem lado a lado
com as da formação artística e investigadora pareceria ser uma tarefa impossível dado aos
nossos próprios limites oriundos da nossa formação acadêmica que foi marcada por uma visão
em que a docência foi tratada como secundária na formação inicial dos professores de artes.
1
Participaram desta etapa os professores Frederyck Sidou Piedade, Ana Cláudia Lopes de Assunção e Fábio José
Rodrigues da Costa do Curso de Artes Visuais e os professores Duílio Cunha, João Dantas Filho e Marcio
Alessandro Rodrigues do Curso de Teatro.
74
75
O TRAJETO DA PESQUISA
Escolher um patrimônio cultural e realizar uma ação mediadora... Esta foi a tarefa proposta
pela disciplina Arte e Mediação Cultural do programa de Mestrado em Educação, Arte e História
da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie/São Paulo, ministrada por Mirian Celeste
Martins, co-autora desse artigo. Tarefa desafiadora, a qual possibilitou observar como os
processos de percepção sensível podem ser enriquecidos a partir de seus registros.
O Parque Municipal Buenos Aires e seus monumentos, localizado na Avenida Angélica,
bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo, foi escolhido como o patrimônio cultural a ser
observado para o desenvolvimento desta pesquisa. Esse parque despertou interesse em realizar
uma ação mediadora, pois na escola em foco, muitas crianças freqüentam o local e talvez não
saibam que ali existe um patrimônio cultural da cidade através dos monumentos presentes no
local.
A pesquisa foi desenvolvida com dois grupos de aproximadamente 20 crianças em cada,
com idades entre 9 e 10 anos, alunos de escola particular de São Paulo, próxima ao Parque a ser
observado.
Antes de levar as crianças ao Parque, foram coletadas informações sobre a criação do
Parque, suas obras, sua história e memórias. Um segundo momento da pesquisa foi o contato com
as crianças e o convite à participação na situação de aprendizagem. A escolha por realizar a
pesquisa em dois grupos de crianças deve-se ao fato de ter como objetivo inicial perceber a visão
das crianças sobre as esculturas do parque a partir de seus desenhos, feitos durante a visita com
observação direta (grupo 1) e criados após a visita a partir de imagens do patrimônio cultural
anteriormente observado (grupo 2).
A AÇÃO MEDIADORA COM O GRUPO 1
Na primeira saída ao Parque, o Grupo 1 estava muito animado com a proposta e o fato de
saírem da escola a pé. Não lhes contei o que seria visto no Parque, deixando-os ainda mais
curiosos. Ao chegarmos, expliquei que seriam observadas as obras presentes no local e eu lhes
contaria um pouco sobre cada uma delas. Uma das crianças verbaliza entre os colegas:- “Ah! Eu
sempre venho nesse parque e nunca vi nada diferente!”. Nesse momento, percebemos o quanto a
ação seria importante para aquele grupo de crianças.
A primeira obra que encontramos foi um grande busto de bronze apoiado num bloco de
granito. Contei às crianças que o homem retratado era Dom Bernardino Rivadávia e chegou ao
76
Parque em 1945. Perguntando-lhes, a partir do nome, qual a nacionalidade desse homem, várias
hipóteses foram levantadas, até que um aluno disse que seria argentino. Também lhes perguntei
qual seria o material da obra, e novamente várias hipóteses surgiram, como ferro, pedra, cimento
e aço. Após explicar-lhes que a escultura foi realizada em bronze, sobre um bloco de granito e que
o autor da obra tem origem uruguaia, partimos para outra peça presente no Parque.
Depois, fomos nos dirigindo à cada escultura, deixando sempre um espaço para um
encontro com a obra e depois instigando a leitura. Assim, vimos "Leão lutando com uma
serpente", "Anfitrite e Tritão", o busto do ex-prefeito de São Paulo Firminiano de Morais Pinto, a
escultura "Veado lutando contra três tigres", da empresa francesa de fundição Fonderies d’Art Du
Val d’Osne, "Tango", elaborada pelo escultor argentino Roberto Vivas, "Milon de Crotona", feita
de cerâmica e granito e "Mãe", do italiano Caetano Fracaroli, localizada na área mais alta do
parque, circundada por uma calçada de concreto.
Terminada a observação, pedi que os alunos desenhassem em uma folha branca de sulfite,
a obra que mais gostaram de todas as que foram vistas. Os desenhos foram feitos no Parque,
antes das crianças retornarem à escola. Apenas uma escultura não foi observada, pois não estava
acessível no dia.
Enquanto os alunos desenhavam, era possível perceber que estavam cheios de
informações a serem colocadas no papel, e alguns verbalizaram ser difícil escolher uma só obra.
Deixei livre para desenharem mais de uma escultura, mas isso não ocorreu. Alguns alunos olharam
por um bom tempo para a obra que estava próxima a eles, a escultura "Mãe", talvez buscando
informações para complementar seus desenhos. As conversas entre as crianças sobre suas
produções eram constantes, comparando traços, questionando formas e tamanhos, não
demonstrando estarem intimidados com os olhares das outras pessoas presentes no parque.
Retornando à escola, Paolo olha pra mim e diz: “Puxa professora, nunca imaginei que tinha
tanta coisa no Parque! Sempre venho aqui e nunca vi que tinha essas esculturas!”. Sentimos nesse
momento que a ação mediadora seguia no caminho certo, o caminho do despertar de algo novo,
porém desconhecido aos olhos acostumados com o mesmo.
A AÇÃO MEDIADORA COM O GRUPO 2
O Grupo 2 estava animado para a saída. No caminho em direção ao Parque, algumas
crianças relataram já conhecer o local e que freqüentavam a área com os pais para fazer
caminhadas ou exercícios.
77
Antes de apresentar a primeira obra às crianças, expliquei que iríamos observar as
esculturas e depois eles fariam um desenho do que mais gostaram. Nesse momento, Rita comenta
consigo mesma, baixinho: “Se soubesse que era só pra ver estátua não tinha vindo aqui!”.
Começamos com a observação do busto de Dom Bernardino Rivadávia. Sebastian
comenta: “O Rivadávia deve ter sido muito importante na Argentina! Pra ter uma homenagem
dele aqui em São Paulo!”. Assim, as observações e interpretações foram acontecendo frente a
todas as esculturas vistas pelo grupo anterior, incluindo também "Nascer", da escultora Daisy
Nasser, que não foi observada com o outro grupo. Em frente à obra Tango, Silvio verbaliza com
FIGURA. 1
ESCULTURA MÃE. DORA, 9 ANOS.
DESENHO, CANETA HIDROGRÁFICA,
FOLHA SULFITE A4-BRANCA
FIGURA. 2
ESCULTURA MÃE. TITO, 9 ANOS.
DESENHO, LÁPIS DE COR PRETO,
FOLHA SULTFITE A4-BRANCA.
FIGURA. 3
CAETANO FRACAROLI. MÃE, 1965.
ESCULTURA, MÁRMORE, 24
TONELADAS.
ênfase: “Claro que eles fizeram essa escultura! O Parque se chama Buenos Aires! É mais uma
homenagem para a Argentina!”.
A cor, os detalhes, a presença do plano de fundo e a diversidade de imagens retratadas são
Enquanto nos dirigimos à escultura de “Milon de Crotona”, Rita se aproxima e diz
destaques das produções do Grupo 2, o qual após a observação no Parque, pôde ver as fotos das
animada: “Nossa professora! Eu não sabia que todas essas esculturas tinham tanta coisa pra nos
obras, em branco e preto. A figura materna é novamente muito retratada nos desenhos. É
ensinar!”. Nesse instante, senti ter alcançado o objetivo principal de minha ação mediadora. Era
instigante pensar como foi marcante para o Grupo 2 a questão do que está envolta da obra; o
possível perceber o crescente desenvolvimento do olhar da criança sobre o patrimônio cultural
local onde ela se encontra e habita.
que estava observando.
Oscar me chama e diz: “Sabe professora! Eu nunca tinha visto essas esculturas aqui no
Parque! E olha que sempre venho aqui! Ta muito legal nosso passeio!”. A escultura "Mãe" foi a
última a ser observada antes de retornarmos à escola. E lá as crianças representaram o que mais
gostaram das obras observadas através de desenhos. Nesse grupo, incorporei um elemento a
mais, diferente do que acontecera com o Grupo 1. Em classe, foram apresentadas às crianças
imagens das obras vistas no Parque e após observação das imagens, realizaram os desenhos do
que mais gostaram na visita às obras.
FIGURA. 4
FIGURA. 5
ESCULTURA TANGO. ROMERO, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS
DE COR PRETO, FOLHA SULFITE A4-BRANCA.
ROBERTO VIVAS. TANGO, 1995. ESCULTURA, BRONZE FUNDIDO
NA CERA, SOBRE UM PEDESTAL EM GRANITO PRETO.
FIGURA. 6
FIGURA. 7
ESCULTURA NASCER. MARIA, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS
DE COR, FOLHA SULFITE A4-BRANCA.
DAISY NASSER. NASCER, 2007. ESCULTURA, ALUMÍNIO
LAQUEADO.
AS PRODUÇÕES
Em cada grupo foi possível perceber características muito próprias às crianças participantes
da ação mediadora. Cada criança, com idade entre 9 e 10 anos, reagiu de forma diferente, uma da
outra, a partir da estimulação que lhes foi proposta para a produção dos desenhos.
É possível perceber que nas produções do Grupo 1, os desenhos apresentam traços
simples, poucos detalhes, poucas cores e nenhum plano de fundo. Os contornos das imagens
retratadas são destacados e a figura materna tem um significado forte para as crianças.
Dentre os desenhos da escultura Mãe, dois desenhos destacam a preocupação das crianças
em representar o amor maternal. Em ambos, é possível notar o traço marcado no desenho das
mãos que acolhem a criança no colo.
78
79
A ação mediadora realizada no Parque está presente nas representações das crianças.
Os olhares sobre o mundo são ampliados no momento em que aquilo que é visto, passa a
Como disse Dewey (2011, p. 136): “Para perceber, o espectador ou observador tem de criar sua
ser percebido, compreendido e incorporado a uma nova realidade a ser construída. Assim, as
experiência. Os desenhos e as falas das crianças revelam uma verdadeira experiência vivida".
leituras das produções sígnias das crianças através dos desenhos infantis devem ser lidas com
olhos de descobridores, de desbravadores que buscam o algo a mais daquilo que é representado.
A intervenção pedagógica associada à ação mediadora, sempre trará ao processo criativo a
possibilidade de novas representações, novas relações de similaridades e diferenciações, novos
olhares sobre aquilo que se percebe e o que se sente.
Através do desenvolvimento dos processos de percepção sensível é possível enriquecer
FIGURA. 8
FIGURA. 9
ESCULTURA LEÃO LUTANDO COM UMA SERPENTE.
SEBASTIAN, 9 ANOS. DESENHO, LÁPIS DE COR, FOLHA
SULFITE A4-BRANCA.
FONDERIES D'ART DU VAL D'OSNEO. LEÃO LUTANDO
COM UMA SERPENTE, 1916. ESCULTURA, FERRO
FUNDIDO, ALVENARIA E GRANITO.
seus registros no momento em que desenvolvemos a ação mediadora como provocadora da
expressão daquilo que se vivencia. A partir dessa ação mediadora realizada, foi possível perceber o
amplo universo e a possibilidade de desenvolver um processo constante de dialogar entre
Ao valorizarmos as situações de aprendizagem abertas à investigação constante do
produções infantis, teóricos e intervenções pedagógicas.
indivíduo, baseadas em hipóteses que desencadeiam práticas problematizadoras que abrem novas
possibilidades de experimentação, onde realizar, refletir e produzir são atos duradouros e
autênticos.
O sentimento que aflora na atividade de mediação? A alegria da certeza do início de um
caminho permeado pela descoberta do novo. No dia seguinte à observação com o Grupo 1, Martin
me procura na escola e logo me pergunta: “Professora, por favor, como é mesmo o nome daquele
general argentino? Gostei muito da escultura dele e quero pesquisar sobre sua vida. Eu gostei
mesmo dele!”. Passei-lhe o nome de Dom Bernardino Rivadávia e enquanto Martin dirigia-se ao
recreio, senti a alegria de estabelecer a continuidade, na pesquisa que se ramifica, dividindo-se em
um, dois, muitos eixos, para todos os lados, os quais retornam para si, num movimento de
continuidade, como um rizoma.
O rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável,
conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de
fuga. São os decalques que é preciso referir aos mapas e não o inverso. (DELEUZE &
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. I. São Paulo: Ed.
34, 2004, p. 32-33.
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SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Cultura e Departamento do Patrimônio Histórico. Inventário
de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo. Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/Inventario_de_Esculturas_1261586685.pdf.
Acesso em 20 set 2011.
GUATTARI, 2004, p. 32-33)
Essa reflexão provocou vários questionamentos, sobre a própria mediação. Esses
questionamentos impelem um movimento ao re-fazer a ação mediadora. Talvez outras dúvidas
possam surgir, mas nunca as mesmas, nem as mesmas impressões, mas sim, o complemento do
todo, de volta ao início, ou melhor, deleuzeanamente falando com voltas e voltas sobre a própria
ação e sua análise, pois não é ao início, pois muito se constrói em cada volta.
80
81
Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes
Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa
Departamento de Artes Visuais/Centro de Artes/Universidade Regional do Cariri – URCA
frodriguesarte@gmail.com
1. Introdução
Há exatamente quatro anos iniciamos a Graduação em Artes na Universidade Regional do
Cariri – URCA – Ceará/Brasil. Nosso objetivo foi e ainda é o de assegurar a formação inicial
de professores para a área de Artes e, considerando as transformações ocorridas a partir dos
anos 90 seria fundamental que esta graduação acolhesse as demandas locais e refletisse as
lutas nacionais. Assim, o projeto político pedagógico que concebemos trouxe para a Região
do Cariri cearense os Cursos de Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Artes Visuais.
A formação de professores de Artes no Brasil remonta aos anos 70 do século passado e como
em muitos países de língua portuguesa e espanhola recebeu a denominação de Educação
Artística (Educación Artística). A trajetória da formação de professores em Artes foi
acumulando experiências e criticas que resultaram em reformulações significativas e
necessárias a ponto da área de Artes ser concebida em 04 (quatro) subáreas: Artes Visuais,
Teatro, Dança e Música. Diferentemente das universidades que haviam implantado seus
cursos desde os anos 70, a Universidade Regional do Cariri – URCA veio a ingressar nos
territórios da formação de professores em artes no ano de 2008, portanto, tudo era novo e isso
nos permitiu pensar e elaborar os projetos dos cursos respeitando a história da formação de
professores para a Educação Básica, a história da formação de professores em Artes e as
especificidades epistemológicas inerentes a cada subárea.
Em nossos encontros1 para elaboração dos projetos para cada curso nos dávamos conta de que
era possível experimentar outras formas de organização curricular tendo em vista a
possibilidade de um currículo que evitasse preconceitos e limitações e que tendesse a um
hibridismo entre a formação artística, docente e investigadora. Portanto, o profissional a ser
formado seria o artista/professor/pesquisador e o conjunto de disciplinas deveriam tanto
refletir tal concepção como, também, exercitá-la ao longo dos 04 (quatro) anos de formação
inicial.
No tocante a formação docente chegamos à conclusão de que esta não deveria repetir os
equívocos que marcaram a histórica formação de professores em artes, assim deveria dar
lugar a unidade entre teoria/prática. Esta unidade evitaria que nas graduações em Artes
Visuais e Teatro as disciplinas da formação docente fossem ofertadas praticamente no final
dos cursos como tradicionalmente temos observado.
Elaborar um currículo em que as disciplinas da formação docente caminhassem lado a lado
com as da formação artística e investigadora pareceria ser uma tarefa impossível dado aos
nossos próprios limites oriundos da nossa formação acadêmica que foi marcada por uma visão
em que a docência foi tratada como secundária na formação inicial dos professores de artes.
1
Participaram desta etapa os professores Frederyck Sidou Piedade, Ana Cláudia Lopes de Assunção e Fábio José
Rodrigues da Costa do Curso de Artes Visuais e os professores Duílio Cunha, João Dantas Filho e Marcio
Alessandro Rodrigues do Curso de Teatro.
82
Tomados por reflexões sobre o lugar das disciplinas da formação docente no currículo para a
Licenciatura2 entendida como o lugar da docência buscamos ou ousamos resignificar o que
viria a ser a graduação em Artes Visuais e a graduação em Teatro. Assim, propusemos um
conjunto de disciplinas que seriam ofertadas a partir do primeiro semestre de curso numa
perspectiva de aproximar os estudantes das questões epistemológicas da Arte/Educação e a
partir dela da formação de professores em artes.
Estabelecemos, portanto, como eixo disciplinas que se dedicariam aos estudos, reflexões,
práticas e pesquisas sobre o fenômeno educativo em artes seja no âmbito formal ou informal.
Assim, propusemos como disciplinas da formação docente: Pesquisa e Prática Pedagógica em
Artes, Didática do Ensino das Artes Visuais e Estágio Supervisionado em Ensino das Artes
Visuais para a Licenciatura em Artes Visuais e Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes,
Didática do Ensino do Teatro e Estágio Supervisionado em Ensino do Teatro para a
Licenciatura em Teatro. Entendendo que o fenômeno educativo não se traduz apenas no
campo epistemológico das Artes, mantivemos as disciplinas: Didática Geral, Políticas
Educacionais e Psicologia da Educação.
Nos últimos quatro anos experimentamos este currículo o que nos permite hoje analisar essa
trajetória e para isso optamos por fazê-lo tomando como objeto a disciplina Pesquisa e Prática
Pedagógica em Artes. Este artigo objetiva apresentar nossas aproximações, questionamentos e
reflexões sobre o proposto e o vivido no contexto da formação de professores em artes a partir
da experiência do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA/Brasil.
2. Uma questão política
A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes – PPPA, constitui o Currículo da
Graduação/Licenciatura em Artes Visuais e da Graduação/Licenciatura em Teatro e, em
breve, o da Graduação/Licenciatura em Dança do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de
Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA, Ceará/Brasil. Sua inclusão
no currículo foi uma decisão política, uma vez que, “La incorporación de asignaturas a la
enseñanza no consiste en una decisión imparcial, racional sobre lo que se juzga de interés para
los alumnos. Es un acto político concebido de modo mucho más amplio en el que todo los
grupos de interés, tal como debe ser dentro de una democracia, tienen la palabra; pero es un
error considerarlo un ejercicio objetivo y racional. Es un ejercicio eminentemente político, y
en mi opinión debemos comprender este proceso” (Goodson, 2000. p. 43).
Como um ato político não deixou de ser um ato epistemológico, ou seja, atender as exigências
da Arte/Educação contemporânea e as transformações que se operam na atualidade quanto ao
campo de formação inicial do artista/professor/pesquisador. Portanto, o político e a
epistemologia estão imbricados. Reconhecer tal imbricamento é ultrapassar a noção de
verdade única (Kincheloe, 2001) imposta pela modernidade e sua concepção de conhecimento
que se orienta por uma “aprendizaje de lo que ya había sido definido previamente como tal.
Los Estudiantes de la epistemología de verdad única de la modernidad son tratados como
monigotes, recompensados tan sólo por la retención memorística, a corto plazo, de verdades
certificadas” (Kincheloe, 2001, p. 14).
O político e o epistemológico se convertem, a nosso ver, em categorias analíticas para o
exercício de compreensão das disciplinas dos currículos para a formação de professores de
Artes. Soma-se a estas categorias o contexto para o qual esta formação deverá atender. Assim,
2
A Licenciatura no Brasil corresponde a um grau acadêmico do Ensino Superior que habilita profissionais para a
docência na Educação Básica.
83
o contexto também exerce um papel determinante na construção curricular para diferentes
campos de formação e, em nosso caso, para a formação de artistas/professores/pesquisadores
brasileiros. “Cada currículo envolve tanto as decisões políticas do governo quanto a
expectativa dos pais, empregadores e a comunidade em geral. Então, o currículo é sempre
uma norma política/social/cultural.” (Pimentel, 1999, p. 118-119).
É importante destacar que o cenário ao qual Gisbert e Costa (2005) analisaram foi
transformado e hoje (2012) no Ceará a Universidade Federal do Ceará oferta a Graduação em
Dança, Teatro e Educação Musical. Esta última na capital e na Região do Cariri. Já a
Universidade de Fortaleza oferece na capital a Graduação em Artes Plásticas e Teatro com
foco na formação artística.
Considerando que estamos tratando de uma disciplina constituidora do Currículo da
Graduação/Licenciatura em Artes (Artes Visuais e Teatro) de uma dada Universidade,
compreendemos que nossos argumentos se fixam em um “estudo de caso” uma vez que
tratamos da experiência vivenciada por uma instituição específica, porém em diálogo com
outras experiências tanto no Brasil como em outros contextos culturais.
Por iniciativa de alguns professores da Universidade Regional do Cariri – URCA que haviam
acumulado experiência por meio da Pós-Graduação Lato Sensu em Arte/Educação desde 1998
e da criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte – NEPEA (1999), em 2005
é dado o primeiro passo em direção à oferta de cursos de graduação em Artes no Ceará
voltados a formação do artista/professor/pesquisador. Naquele momento e, ainda hoje, este
projeto recebeu pouca atenção de dirigentes políticos e tem sido um compromisso político de
professores e alunos que fazem o Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri –
URCA. Sem dúvida o esforço e o compromisso em criar a Graduação em Artes em uma
Universidade localizada no interior e não na capital representou um dos mais significativos
deslocamentos e rupturas com o imaginário colonizador e que ainda predomina na relação
capital e interior no Brasil.
Que o Currículo está determinado por forças políticas e de poder (Moreira, 1995; Pimentel,
1999; Goodson, 2000; Kincheloe, 2001) não termos dúvidas. Assim, acreditamos que propor
uma formação em Artes para a Região do Cariri cearense/Brasil seria confrontar as estruturas
políticas e de poder que impediram a interiorização dessa área do conhecimento que
tradicionalmente esteve centrada nas capitais e nos grandes centros urbanos a partir dos anos
70 do século passado. Portanto, insistir na oferta de Graduação em Artes por uma
Universidade Pública localizada no interior do Estado do Ceará seria enfrentar inúmeras
dificuldades e pressões quanto a sua urgente necessidade. Antes da interiorização da
Graduação em Artes no Ceará ocorrida efetivamente em 2008 pela Universidade Regional do
Cariri - URCA, a história registra que em 1953 foi criada a Escola de Belas-Artes, em
Fortaleza, pela Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Infelizmente, a Escola nem
chegou a formar sua primeira turma. Posteriormente, em 1977 foi criado o Curso de Música
pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, também, em Fortaleza, permanecendo até os
dias atuais.
Contrariamente ao que ocorria no restante do país, o Ceará terminou o século XX oferecendo
apenas o Curso de Música como única opção para formação do professor de Artes. No Ceará
esta formação tardou a chegar uma vez que as universidades tanto públicas quanto
particulares não demonstraram qualquer interesse em oferecer os então criados cursos de
Licenciatura em Educação Artística com ou sem Habilitações.
A concepção para o Currículo das Graduações foi desde o primeiro momento de sua gestação
orientado pela compreensão de que estaríamos situados na Região do Cariri e que nosso
desafio seria atender a uma demanda de jovens que aguardavam por um Centro de Artes como
lócus para a formação do artista/professor/pesquisador desde a graduação até a pós-graduação
(Lato Sensus e Stricto Sensus). É importante destacar que até o presente momento no Estado
do Ceará as Universidades Públicas e Privadas não oferecem Programas de Mestrado e
Doutorado em Artes.
3. Uma questão epistemológica
Possivelmente, muitas gerações que frequentaram a educação básica ofertada pelo governo
estadual assim, como, pelos governos municipais tenham sido vitimas de uma negligência que
somadas a outras tantas afetaram profundamente a formação de homens e mulheres
conhecedores, fluidores da arte e do conhecimento dela construído e requerido pelo mundo
contemporâneo.
A Arte/Educação Contemporânea entende que os fenômenos sociais são resultantes das
contradições existentes nos contextos que lhe dão origem e estão determinados por um
conjunto de fatores como os históricos, econômicos e culturais e que em cada contexto a
realidade é diferente e assume características próprias. Assim o movimento é dialético,
dinâmico e, portanto, a história é descontinua como afirma Foucault (1991).
No tocante a formação do professor de arte no Brasil e, especificamente, no Ceará Gisbert e
Costa (2005) no artigo “La Investigación, ámbito para la formación y educación del profesor
de arte” observam que:
Consideramos que assim como a Arte a Arte/Educação está intrinsecamente determinada por
relações históricas, sociais, ideológicas e de poder em toda e qualquer sociedade (Gisbert,
1996). Uma Arte/Educação enquanto epistemologia contemporânea e pós-moderna busca
ultrapassar a idéia de progresso como o resultado do uso da razão e do conhecimento
científico em favor de uma única forma de cultura humana (Efland; Freedman; Stuhr, 2003),
ao mesmo tempo em que objetiva reconceitualizar o conhecimento do professor formador
(Kincheloe, 2001) e do futuro artista/professor/pesquisador.
A pesquisa realizada por Gisbert e Costa (2005) encontra na própria trajetória histórica da
formação do professor de artes para o contexto da educação básica brasileira sua explicação e
isso em decorrência de diversos fatores e, um deles, pode ser o fato de que no Ceará a
concepção de ensino e aprendizagem da arte tenha permanecido circunscrita a uma
interpretação equivocada quanto ao lugar da arte na escola e o lugar do artista na sociedade.
As bases epistemológicas que fundamentam a Arte/Educação contemporânea e pós-moderna
entende que o ensino de arte ocorre em diferentes contextos deliberadamente organizados
como em uma sala de aula da educação infantil ou em uma faculdade de arte, mas também
Na região Nordeste, constituída por 09 estados há 07 cursos num total de 11
universidades. É interessante observar que no Estado do Ceará a
Universidade Federal do Ceará – UFC não oferta este curso como outras
instituições de educação superior. Neste estado não existe onde formar o
professor para o ensino da arte (p. 6).
84
O projeto para a Graduação em Artes/Licenciatura era ousado e previa a oferta de quatro áreas
de formação: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Em 2008, foram iniciados as
Licenciaturas em Artes Visuais e Teatro pela Universidade Regional do Cariri – URCA e,
atualmente estamos em processo para oferta da Licenciatura em Dança.
85
nas galerias dos museus, nos centros culturais, nas residências, na rua, nos cinemas
(Freedman, 2006).
Partindo do pensamento de Agirre (2005) nos atrevemos a dizer que a Arte/Educação
contemporânea orienta-se na idéia de que a Arte é mediadora de valores culturais e que a
função do ensino de artes é reconhecer estas metáforas e seu valor em diferentes culturas. A
Arte/Educação contemporânea e pós-moderna está a exigir um perfil de
artistas/professores/pesquisadores “aptos para cultivar um repertório de estratégias
instrucionais sensíveis à cultura, tendo em conta que os estilos de aprendizagem eleitos estão
mais que geneticamente, culturalmente determinados. Por outro lado, a ênfases que a
reconstrução põe no significado mais que na forma requer docentes habituados com a
descodificação e a desconstrução das imagens visuais” (Agirre, 2005, p. 315).
4. Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes
A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes presente nos dois primeiros anos dos
cursos de Licenciatura em Artes Visuais e da Licenciatura em Teatro, foi concebida com uma
carga horária de 432 horas aula e dividida em quatro etapas: Pesquisa e Prática Pedagógica
em Artes I, Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes II, Pesquisa e Prática Pedagógica em
Artes III e Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes IV.
Esta divisão é meramente didática e não epistemológica e objetivou favorecer ao estudante
recém ingressado na Licenciatura dar seus primeiros passos em direção a pesquisa sobre artes
e, especificamente, sobre os problemas que afetaram e ainda afetam aos estudantes na
Educação Básica no que diz respeito ao ensino e aprendizagem das artes.
A disciplina orienta-se por uma concepção de pesquisa, em arte/educação, que significa
aplicar o processo organizado, sistemático e empírico que segue o método científico para
compreender, conhecer, explicar e interpretar a realidade, como base para construir a ciência e
desenvolver o conhecimento científico da área (Bisquerra, 2004).
A pesquisa em educação desempenha sua função quando dar respostas aos problemas que a
sociedade em geral e as escolas, como parte dessa sociedade, tem que resolver.
Não se trata de uma concepção de pesquisa em arte, pois não se ocupa diretamente do
“trabalho de pesquisa em criação artística, empreendido por artistas que objetivam obter como
produto final a obra de arte” (Zamboni, 2006, p. 6).
A pesquisa sobre arte, territórios da arte/educação, possibilita ao pesquisador “lançar mão de
métodos de pesquisa habitualmente utilizados em educação, em ciências sociais, psicologia
etc” (IDEM, p. 6). Esse “lançar mão” é melhor compreendido a partir do conceito de
bricolagem entendida como “ o relacionamento entre as formas de ver de um pesquisador e o
lugar social de sua história pessoal” (Kincheloe e Berry, 2007, p. 16).
Por prática pedagógica em artes compreendemos os processos/modos deliberadamente
organizados pelos professores para ensinar artes tanto nos contextos formais de escolarização
e educação quanto nos informais. Seria, portanto, a organização do trabalho pedagógico ou
trabalho docente (Freitas, 2001). O trabalho docente em artes não ocorre apenas nas escolas
de educação básica, mas também em organizações não governamentais, em museus, centros
culturais, hospitais etc.
86
Por prática pedagógica entendemos também as relações que se estabelecem entre o “trabalho
dos professores e à sua formação, ao pensamento dos professores e à sua história de vida, às
relações entre a cultura escolar e a cultura dos professores, ao lugar do saber dos professores
entre os saberes sociais etc.” (Tardif, 2001, p. 112)
Com base nos pressuposto que mediatizam a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em
Artes consideramos importante como referencial tratar das ementas e suas relações com a
formação inicial dos estudantes nos Cursos de Graduação/Licenciatura em Artes Visuais e
Teatro.
A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes I é ofertada no primeiro semestre de curso e
tem por ementa o Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a forma escolar de educação e
sobre a trajetória do ensino de arte no Brasil (Séc.XIX e início do séc. XX). Nesta primeira etapa,
iniciada já no primeiro semestre de curso, os estudantes são envolvidos na problemática do ensino
de artes no Brasil tendo como ponto de partida suas histórias de vida e escolarização procurando
responder a pergunta: Como foi sua aprendizagem em artes na Educação Básica?
É importante esclarecer que a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes é ministrada para
os estudantes das duas graduações/licenciaturas. Portanto, convivem no mesmo espaço de
aprendizagem os estudantes de Artes Visuais e Teatro. No segundo semestre a disciplina PPPArtes
II se propõe ao Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a forma escolar de educação e sobre a
trajetória do ensino de arte no Brasil (séc. XX) e como em PPPArtes I a ênfases é dada aos
processos de escolarização. Nesta etapa ocorre um deslocamento, pois agora os estudantes irão
estabelecer conexões entre o vivido em PPPArtes I com as transformações ocorridas na
Arte/Educação e suas implicações para a formação docente e o exercício da docência em artes a
partir dos anos 80/90 do século passado.
Já em PPPArtes III o deslocamento ocorre em função dos diferente lugares de presença do
artista/professor/pesquisador e, neste sentido, a disciplina se centra no Estudo sócio-histórico e
antropológico sobre os múltiplos lugares de atuação do artista/professor/pesquisador, do professor
de artes ou arte/educador. Em PPPArtes III a ênfase é dada as ações educativas desenvolvidas na
educação não formal com destaque para o trabalho nas Organizações Não Governamentais.
Ainda no contexto da educação não formal, a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes IV
se ocupa do Estudo sócio-histórico e antropológico sobre a mediação cultural em museus e centros
culturais e da profissionalização do mediador cultural. A ênfase é dada aos programas educativos e
a mediação cultural propostos pelos equipamentos culturais da Região do Cariri tanto em Artes
Visuais quanto em Teatro.
Além da disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes os estudantes também cursam as
disciplinas: Didática Geral, ofertada no segundo semestre; Políticas Educacionais, terceiro semestre;
Psicologia da Educação, quarto semestre. Como é possível perceber ao longo dos dois primeiros
anos da graduação/licenciatura em Artes Visuais e Teatro os estudantes são envolvidos com a
formação docente, com as problemáticas da escolarização em artes, com os diferentes e múltiplos
lugares de presença do artista/professor/pesquisador, assim como, com as questões referentes ao
fenômeno educativo em geral.
87
5. Considerações Finais
A disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes constituidora dos Currículos das
graduações/licenciaturas em Artes Visuais e Teatro do Centro de Artes da Universidade
Regional do Cariri – URCA toma para si as atuais considerações para a formação inicial do
professor de artes e, neste sentido, ultrapassa as concepções de formação anteriores sem
desconsiderar a trajetória da área que surge com a Licenciatura em Educação Artística e suas
Habilitações, porém opta por uma concepção de formação centrada na especialidade das
linguagens da Arte (Artes Visuais, Teatro, Música e Dança) de acordo com a
contemporaneidade da área e da Arte/Educação brasileira.
O objetivo principal é promover mudanças na formação inicial do professor de artes passando
a compreendê-lo como artista/professor/pesquisador e que esta concepção deve orientar as
ações educativas no interior da universidade até chegar aos múltiplos espaços de presença e
atuação profissional do arte/educador.
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ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas, SP:
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88
GRUPO DE PESQUISA EM MEDIAÇÃO CULTURAL: REFLEXÕES SOBRE
PESQUISA COLABORATIVA NA APROXIMAÇÃO ENTRE ARTE E PÚBLICO.
Tema: (re)pensar a investigação em educação artística
Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural:contaminações e provocações estéticas.
Coordenação: Profa Dra Mirian Celeste Martins1, Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM e
Rizoma Cultural. Membros: Prof. Doutor Francione Oliveira Carvalho(Estácio Uniradial);
Doutorandos: Rita de Cássia Demarchi, UPM, Márcia Cristina Polacchini de Oliveira, SEE/SP; Maria
José Falcão, Universidade Sorocaba; Maristela Sanches Rodrigues, Instituto de Artes/Unesp; Mestres:
Bruno Fischer Dimarch, Fundação Padre Anchieta; Jorge Wilson da Conceição, SEE/SP, Fabiano
Ramos Torres, SEE/SP, Maria Lucia Bighetti Fioravanti, Ana Carmen F. Nogueira, Hórus Ateliê;
Solange Utuari, Unicsul; Mestrandos: Estela Maria Oliveira Bonci; Egidio Shizuo Toda; Prof.
participantes: Daniela de Souza Martins, (SEE/SP) e Lívia Regina Costa Serrano(SEE/SP).
Resumo: Quais questões se mostram relevantes na proposição de leituras de imagens e
sonoridades, no estudo da história da arte, nas aproximações com o patrimônio cultural quando a
fundamentação teórica está pautada no conceito de mediação cultural que vem sendo construído por
nosso grupo de pesquisa? Vinculado a programas de pós-graduação desde 2003 no Instituto de Artes
UNESP/SP e continuado a partir de 2009 na Universidade Presbiteriana Mackenzie, apresentamos aqui
algumas constatações e fundamentações. A partir deles pode-se (re)pensar a investigação no ensino de
arte de modo colaborativo, com a diluição de fronteiras entre os saberes e entre as preocupações
individuais e as coletivas, gerar processos educativos que visam a aproximação entre arte e público e
criar modos de ação capazes de mover os participantes à inquietação, a ampliar as percepções e
conexões, trocar experiências em busca de problematizar as perspectivas habituais.
Palavras-chaves: Pesquisa colaborativa; mediação cultural; aproximação arte e público;
processos educativos; territórios de arte & cultura.
Abstract: Which questions are the most important - concerning the image and sound readings,
the art history studies, the cultural heritage, for instance - when theory is based on the concept of cultural
mediation which has been thought by our research group? The Research Group on Cultural Mediation is
linked to Postgraduate Programs since 2003, first at UNESP (up to 2008) and currently at Presbyterian
University Mackenzie (since 2009). Here, we present some evidences and principles as starting points
for (re)think the researches on art education in a collaborative way. This means the end of borders
among knowledge(s) and individuals or collective concerns; thinking educative processes focused on the
approaching between art and audience; as well as creating actions in order to lead participants to a
movement of questioning, amplifying their perceptions and connections and exchanging experiences
looking for the problematization of usual perspective.
Keywords: collaborative research; cultural mediation; approaching between art and public;
educative processes; art & culture territories
1
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: provocações e contaminações estéticas do Programa de Pós-graduação em
Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
89
criação partilhada horizontalidade sem hierarquias desnecessárias rompimento com a divisão
social do trabalho dentro do processo de criação um modo socializado de produção
confrontação surgimento de novas ideias sugestões interferência na criação alheia olhar
crítico sobre o próprio trabalho olhar crítico sobre o trabalho do outro desapego tensão
desapego preservar a individualidade artística de cada um aprofundar a experiência de cada
um grupo preservar a função de cada artista autoria partilhada diálogo processo de criação
processo colaborativo.
Flávio Desgranges em Rastros de processo colaborativo (2010, p.5)
Processos colaborativos nascem da disponibilidade para conversar, problematizar, pesquisar,
trocar, provocar, aprofundar a experiência de cada um enriquecida na produção coletiva. Isto é visível
em proposições coletivas que se movem em processos colaborativos, seja no teatro como mostra o
material educativo composto por documentário e livreto - Rastros de processo colaborativo (Picosque e
Martins, 2010), seja nos coletivos em artes visuais, entre outros possíveis exemplos.
Em processos colaborativos há espaços para abrir questões, levantar inquietações, trazer práticas
e fundamentações teóricas e caminhar com elas, em um processo de tecer textos e estudos individuais,
enriquecendo e ampliando o coletivo ou tramando o texto coletivamente em costuras de cada um,
coloridas por cada integrante que nele penetra. É nesta linha de ação que nos colocamos como grupo.
A participação em um Congresso, a produção de um seminário ou de um artigo coletivo sempre
nos abrem uma fenda. Dentre os inúmeros fios que regem nossas conversas sobre a mediação cultural,
um acontecimento destes tem sido um incentivo para formatar um texto coletivo, integra zonas de
inquietude e desejo de aprofundamento. Assim, como o próprio momento da apresentação da
comunicação por Fabiano no congresso, que nos faz ampliar o texto inicial.
As inquietudes, desde o início do Grupo de Pesquisa Mediação Arte/Cultura/Público do Instituto
de Artes da Unesp (2003-2007), geraram dissertações de mestrado e publicações. E tem continuado
desde 2009 no Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: contaminações e provocações estéticas
vinculado ao Programa de Pós-Graduação Educação, Arte e História da Cultura Universidade
Presbiteriana Mackenzie, UPM. Alguns integrantes do grupo anterior permaneceram e outros foram
incorporados, compondo um o grupo constituído por professores com diferentes formações, atuantes em
diversas realidades e níveis de ensino. Contudo, há pontos em comum: o trabalho com arte e a vontade
de compartilhar experiências, de colaborar, de alimentar a práxis e a vida. Vontade de criação partilhada
em encontros com conversas regadas a descobertas, agenda cultural, inquietações, dúvidas, caos criativo,
acréscimos teóricos, desafios de organização e tempo, em meio à vida corrida e atarefada de professor.
Com o desejo de descortinar novos horizontes acerca da mediação, suas potencialidades e
provocações, nosso foco é o estudo da mediação cultural entendida não como ponte que une dois pontos,
mas como um “estar entre muitos”. Este conceito implica em uma ação fundamentada que se aperfeiçoa
na consciente percepção da atuação do mediador que está entre muitos, seja na escola, no museu, nas
praças e ruas: as obras, a cultura visual e sonora e as conexões possíveis entre elas; as obras e suas
conexões com as demais provocadas por uma curadoria; os espaços e ações dos museus ou instituições
culturais; a escola; a cidade; os agentes mediadores: o artista, o educador, o curador, o museógrafo, o
gestor cultural; o desenho museográfico das exposições e os textos de parede que acolhem ou afastam; a
mídia e o mercado de arte, o historiador e o crítico, os materiais educativos e os mediadores (monitores
ou professores), que privilegiam obras em suas curadorias educativas; o patrimônio cultural de nossa
comunidade; a expectativa da escola e dos demais professores....
90
Depois de várias pesquisas e estudos, buscamos expandir um modo de pensar mediação cultural
e nos colocamos a traçar uma cartografia da mediação cultural, sempre mutante, levantando territórios e
problematizações a partir dos conceitos de rizoma de Deleuze e Guattari (1995) e de territórios de
arte&cultura cunhados por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (2010).
O rizoma, segundo Deleuze e Guatarri (1995), é um caule sem núcleo central cujas partes em
rede podem ser a origem de novas plantas. Os territórios, um pensar geográfico sobre campos dinâmicos
e difusos de fronteiras evanescentes. Na confluência destes conceitos, nasceu uma cartografia com
territórios e forças interterritoriais que se conectam, entre eles: acesso cultural; cultura visual; curadoria
educativa; espaços culturais na escola; formação docente; leitura de imagem: metodologias; mediação
cultural nos museus e instituições culturais; patrimônio cultural; políticas, produção e práticas culturais;
recepção estética; silêncios; tecnologias interativas; e o convite a zarpar para outras linhas de fuga...Em
cada um desses territórios, muitas questões nos colocam atentos, sensíveis e inquietos, gerando outras
pesquisas e aprofundamentos conceituais.
Para este congresso, frente aos territórios, lançamos a complexa pergunta: Quais questões se
mostram relevantes na proposição de leituras de imagens e sonoridades, no estudo da história da arte,
nas aproximações com o patrimônio cultural quando a fundamentação teórica está pautada no conceito
de mediação cultural que vem sendo construído por nosso grupo de pesquisa?
Evidenciam-se nossas inquietações, que não se fecham neste texto. Ao contrário, no processo
colaborativo que nos anima e provoca, apenas se inicia aqui uma reflexão. Pensando rizomaticamente,
trazemos aspectos iniciais para a construção da pergunta que nos instiga; e que se desdobram em focos
que puxam outras questões.
Da maneira como compreendemos a mediação cultural, o fruidor é colocado no centro do
processo, em meio à ampla rede dos saberes e experiências que envolvem a arte e cultura no cenário
contemporâneo. Esse olhar cuidadoso para com o fruidor, aquele que, individualmente ou em grupo é o
sujeito da experiência, nos faz pensar em novas nuances das propostas de aproximação e
aprofundamento junto aos fenômenos culturais, aos bens patrimoniais, à leitura de imagens e
sonoridades, à história da arte. Nesse sentido, pensamos que traçar rotas que incluam o navegar entre os
territórios “Movimento estético do apreciador”, “Ação cultural” e “Acesso cultural” seja particularmente
instigante e gere perguntas mais específicas: Como os estudos de teóricos do “desenvolvimento estético”
podem nos ajudar a ampliar nossa compreensão daqueles que conosco vivem o processo de mediação
cultural? Como facilitar o acesso, valorizar os bens culturais, e ao mesmo tempo valorizar a bagagem e
os anseios dos fruidores, acreditando em sua potência como faz o “mestre ignorante”trazido por
Rancière (2010)?Como superar o silêncio de quem se coloca na posição de receptor passivo de uma
obra ou de uma “aula”?
Reavivar as produções artísticas de outras épocas e lugares, trazê-las para junto de nós e colocálas em diálogo e confronto com outras obras e com a nossa vida é um dos desafios da história da arte
tratada de modo contemporâneo. Outro ponto se refere à superação do mero rótulo e à classificação
das obras inseridas em movimentos artísticos já conhecidos e sacralizados. A proposta dos territórios
possibilita reflexões sobre arte que ultrapassem o viés mais tradicionalista e elitista que recorre à história
da arte como um saber “engavetado”, organizado linearmente e distanciado do cotidiano. Nesse sentido,
notamos a importância especial do território “Curadoria educativa”, compreendido como uma atitude
91
consciente do mediador acerca de suas escolhas sobre o quê apresentar e de que forma apresentar aos
fruidores. E novas questões surgem, algumas atreladas também ao território “Cultura Visual”: Que
obras/músicas/danças/peças de teatro escolhemos para trabalhar com o nosso público, com os nossos
alunos nos diversos contextos? Por que as escolhemos? O que desvelam de nossas próprias maneiras de
viver arte e cultura? O que pode ser problematizado a partir do diálogo travado entre as diversas
manifestações, sejam da história da arte, sejam da cultura visual atrelada ao cotidiano? Qual espaço de
escolha é dado aos aprendizes?Como provocar análises comparativas e não apenas o beber das
informações dadas? Como a história da arte pode ser vista como algo dinâmico e conectável a outros
tantos saberes e viveres?
Questões que se distinguem por uma preocupação com a mediação cultural, como um modo
singular de provocar, contaminar, aproximar. Questões que continuam abertas na busca de novas e
profícuas conversas, que nem sempre nos trazem respostas, mas nos colocam a caminho. Conversas
colaborativas com quem está junto e quem está distante, com o que se sabe e o que não se sabe ainda. É
com essas “conversas” que a arte e a sua história se tornam vivas e não engavetadas ou empoeiradas. É
com essas conversas que ampliamos o nosso repertório, compreendemos melhor a razão de ser de nossos
ofícios, olhamos quem são os nossos companheiros: alunos, colegas; afinamos escolhas sobre o quê
possibilitar a nossos alunos e porquê.
Do mesmo modo, novas conversas aconteceram a partir da apresentação do texto apresentado no
II Encontro Internacional de Educação Artística, possibilitando um novo exercício, em continuidade aos
desafios do processo colaborativo, desta vez, voltados para a “apresentação” do trabalho produzido. A
experiência de apresentar o trabalho de um grupo de pesquisa, pede que se pense uma justa medida entre
"quem fala" e " com quem e para quem se fala", pois o desafio é o de dar passagem à polifonia presente
no texto e ao mesmo tempo possibilitar, preservar, manter e exercitar a singularidade de quem está
apresentando.
Do cruzamento e articulação de vários saberes e práticas agenciados é produzida uma enunciação
que se efetiva na leitura, com suas entonações, pausas, ênfases. Leitura de uma escrita que, por sua vez,
não pode ser compreendida como forma cristalizada. Sendo assim, o texto apresentado foi concebido
como um processo, sujeito, inclusive, ao fluxo dos acontecimentos: os fatores que interferem na sua
recepção, os ruídos, as interrupções, os lapsos, os encaixes. Compreendendo o acontecimento como a
irrupção do inesperado, como aquilo que causa estranhamento e desorientação, nasce a necessidade de
uma retomada, a cada vez, do processo de criação. Como se tratava da apresentação do trabalho de um
grupo, havia a exigência de respeitar o que fora produzido pelo grupo ao mesmo tempo em que, por
conta da dinâmica do acontecimento, a apresentação exigia dar continuidade ao processo de elaboração.
A experiência de “apresentar” os resultados de um trabalho em andamento possibilitou pensar em mais
um componente conceitual da pesquisa colaborativa: a singularidade. Assim, o encontro proporcionou
algumas perguntas que se inscrevem no cerne do texto então apresentado: como se dá a articulação entre
as singularidades e o coletivo? De que modo é possível “apresentar” o trabalho dessa coletividade sem
que ela sufoque essa singularidade e como é que essa singularidade, por sua vez, pode falar “pelos” os
outros?
Fala-se em nome dos alunos, da comunidade, do público; em nome dos artistas, em nome da arte, em
nome da educação. Se nos lembrarmos das palavras de Deleuze, a saber, do cuidado que devemos ter
mediante a “indignidade de falar em nome do outro”, observamos que o trabalho desenvolvido no texto
e em sua apresentação – pois, de fato, não se trata apenas de uma leitura de um texto, mas sim de um
trabalho que se realiza no ato de ler, uma leitura que exige todo um agenciamento de lugares, de
referências, conceitos, práticas – esse trabalho, em constante processo, se mostrou como oportunidade
para uma reflexão sobre os limites e possibilidades de se falar em nome do outro; sobretudo, possibilitou
pensar em possíveis caminhos para se pensar com o outro na escrita, lugar de passagens: de uma
singularidade à outra, dos outros a cada uma das singularidades que compõem, dentre outras coisas, os
movimentos de uma coletividade.
São estas conversas que acompanham todo o processo colaborativo que nos fazem falar e ouvir,
olhar mais profundamente para as obras, os artistas, os contextos, o ontem, o hoje, para nós mesmos.
Conversas que nos fazem mergulhar na arte, e nos aproximar de teóricos, dos outros e de nós mesmos,
reconhecer que todos podem se tornar valiosos “intercessores”. Afinal, como diz Deleuze (1992, p. 156):
“o importante são os intercessores”.
O grupo de pesquisa continua em processo colaborativo. Estas reflexões iniciais geraram o início
da construção do que chamamos de narrativas mediadoras que será apresentado no Congresso da
Federação de arte-educadores do Brasil em outubro de 2012. Mais uma vez fendas se abrem para
continuar nossas pesquisas em mediação cultural em nosso desejo de alimentar a aproximação entre arte
e público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELEUZE, Gilles. A transformação do padeiro. In: Conversações, 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992.
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. In.: Mil Platôs - capitalismo e
esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed: 34, Vol.1, 1995.
DESGRANGES, Flávio. Rastros de processo colaborativo. São Paulo: Rizoma Cultural, 2010 (projeto
selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural coordenado por Gisa Picosque e Mirian Celeste Martins).
MARTINS, Mirian Celeste (org). Mediação: Provocações Estéticas. Universidade Estadual Paulista –
Instituto de Artes. Pós-Graduação. São Paulo, v.1, n.1, outubro 2005.
MARTINS, Mirian Celeste, EGAS, Olga e SHULTZE, Ana Maria (orgs.) Mediando [con]tatos com arte
e cultura. Revista da Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp/SP. V1, n1, novembro de 2007.
Essas perguntas, não se reduzem a uma problemática exclusiva do Grupo de Pesquisa em
Mediação Cultural, pois, no âmbito da pesquisa acadêmica, das práticas educacionais, dos encontros,
congressos, simpósios, é comum observar a prática, sempre presente, de se falar em nome do outro.
92
93
Três Minutos de Audiovisual no Currículo de Artes do Ensino Médio
Autor: Luciano de Melo Dias
CEFET-RJ
conceitos e os conteúdos são indicados de forma geral e “as modalidades artísticas podem ser consideradas
separadamente ou articuladas entre si” (Brasil, 2001 p.x). Nota-se um avanço, pois o audiovisual é citado como
modalidade artística autônoma, com conteúdo próprio: “Os PCNEM articularam sua proposta em Arte (...) a uma
FEBF – UERJ
aprendizagem mais afeita às demandas interdisciplinares. Isso não significa a supressão de conteúdos específicos de
lucianomelodias@hotmail.com
artes visuais, dança, música, teatro e artes audiovisuais.”(Brasil, EM p.182) Entre as sugestões para trabalho no eixo de
PALAVRAS CHAVE: audiovisual; artes; Minuto Lumière; Minuto Neorrealista; Minuto Montagem.
“Representação e Comunicação”, há a indicação para o estudo da gramática das linguagens artísticas, isto é, de seus
Linha de debate: cultura visual, sujeito e educação.
elementos constitutivos: “o texto audiovisual trabalha com os três conceitos citados como essenciais às linguagens
artísticas: imagem, movimento e som.”(p.185)17A utilização dos recursos tecnológicos é estimulada na indicação ao uso
INTRODUÇÃO
Neste texto busco apresentar mais uma sugestão de abordagem das novas tecnologias da informação e
de várias mídias e tecnologias como processos fotográficos, informatizados e outras mídias entre as quais vídeo, cinema,
CD-ROM. Nos critérios de seleção dos conteúdos, o texto delimita as modalidades artísticas englobadas pela disciplina
comunicação na educação, e a sua utilização no ensino médio. Esta abordagem levanta questões acerca das
Arte para este nível de ensino: “Nos PCNEM, a disciplina engloba artes visuais, audiovisuais, dança, música e teatro. Cada
possibilidades da utilização do audiovisual como modalidade artística no currículo da educação básica, mais
uma dessas modalidades poderá por sua vez reunir conteúdos próprios.” (Idem, p.197) Os conteúdos devem possibilitar
especificamente para a disciplina Artes no Ensino Médio.
“a articulação de três instâncias: o fazer artístico, a apreciação da arte, a reflexão sobre o valor da arte na sociedade e na
vida dos indivíduos.” (Idem, p.197) A indicação é feita de maneira geral, e são apresentados 10 critérios, cada um
CONCEITO DE AUDIOVISUAL
O Cinema, talvez a única Arte com data de nascimento registrada, surge quando os irmãos Lumière fazem a
seguido de comentários específicos para determinadas modalidades artísticas. No primeiro, arte como expressão,
comunicação e representação individual, está previsto a realização, individual ou coletivamente de produções
primeira exibição de imagens animadas a uma platéia, com o Cinematógrafo, em Paris, no ano de 1895, e se consolida
audiovisuais por meio de vídeo. O terceiro critério apresentado, elementos das linguagens da arte e suas dimensões
no início do século seguinte, com a possibilidade da mudança do ponto de vista do observador, através da montagem.
técnicas, formais, materiais e sensíveis, sugere para as artes visuais e audiovisuais o estudo de seus elementos básicos,
A televisão, que surge tímida nos anos 1950, tem um parentesco estreito com o rádio e consegue estar em vários
mas só cita elementos visuais: “Em artes visuais e audiovisuais, elementos básicos como ponto, linha, plano, cor, luz,
lugares ao mesmo tempo, através das telecomunicações. A tela de exibição é pequena – ao menos se comparada à tela
textura, volume, espaço, devem ser percebidos (...)” (p.198). O quarto e último critério que cita o audiovisual é relativo à
do cinema – e a produção segue diferentes formatos, como o telejornalismo, talk-shows, telenovelas e sitcoms, entre
diversidade de manifestações artísticas, que orienta a “desenvolver a compreensão das diferentes manifestações
vários outros. Com a convergência de mídias, o cinema e a TV tendem a utilizar o mesmo suporte; em grande
artísticas – entre elas cinema, vídeo, TV e infoarte – como formas de criação humana, associadas ao desenvolvimento
quantidade de filmes para o cinema se utiliza tecnologia digital para a captura e edição de imagens, além de salas de
tecnológico e científico, às tradições culturais, étnicas, sociais, a concepções de mundo.” (Idem p.199)
projeção com equipamento digital; por este motivo farei referência ao audiovisual como agrupando cinema, TV, internet
ou qualquer expressão que utilize imagem em movimento com som.
Para o filósofo francês Gilles Deleuze, cujo pensamento embasa esta pesquisa, o cinema só se torna
Concordo com o fato de que o cinema (e o audiovisual) “é já um pensamento automático, um operador ativo
de novas ligações entre a imagem e o pensamento, face ao qual a única coisa a fazer é procurar restaurar as condições
de tradução desse pensamento num outro sistema de signos, em um corpo de conceitos.” (Grilo, 2006 p.18). Concluindo
audiovisual quando a fala e o som deixam de ser um atributo da imagem e ganha autonomia expressiva, quando o ato
que nos ensina a ver a visão, pensando-a e verfificando-a como um outro estilo de pensar; uma nova concepção
de fala “não é mais dependência ou pertencimento da imagem visual, torna-se uma imagem integralmente sonora,
determinada por suas particulares condições de expressão. Ao invés de se apresentar uma receita de bolo com práticas
ganha autonomia cinematográfica, e o cinema torna-se realmente audiovisual.” (C2 p.288)
que objetivam um resultado plástico ideal, no qual os alunos não se apropriam dos conceitos e unicamente reproduzem
um clichê apresentado, o objetivo deste trabalho é o de apresentar o audiovisual como um instrumento – mais que uma
AUDIOVISUAL E EDUCAÇÃO
O atraso em que a escola se encontra no que diz respeito à utilização das novas tecnologias se deve, em
simples ferramenta – em que cada realizador vai fazer um uso diferenciado, se adaptando às suas necessidades e
objetivos. Esta utilização do audiovisual pressupõe a observação de quais os recursos estarão disponíveis na escola em
parte, à falta de conhecimento por parte dos professores das possibilidades destes novos meios, assim como da
questão, desde o computador pessoal dos alunos e seus telefones celulares até escolas com laboratórios e estúdios
abordagem e utilização que os estudantes fazem das novas tecnologias da informação e comunicação - os novos
dedicados a esta prática, entre suas várias combinações.
recursos audiovisuais e comunicacionais - e consequentemente a não incorporação destes recursos em suas práticas
pedagógicas. Estas tecnologias, presentes em diferentes níveis no cotidiano dos estudantes, acabam por ser
subutilizadas na educação embora tenha uma grande função social e comunicacional.
O conhecimento dos elementos que fundamentam a prática do audiovisual é apontado, ainda que sem
94
TEORIAS DO AUDIOVISUAL
A apresentação do audiovisual se dá como uma arte de síntese, presente em diferentes meios multimídia
(cinema, TV, computador). A proposta deste trabalho é de ir à contramão da indústria e do comércio do cinema e da TV,
ênfase, nos parâmetros curriculares que o Ministério da Educação brasileiro propõe para o ensino básico. Nos dois livros
restaurando uma dimensão libertadora dos elementos do audiovisual – notadamente o plano e a montagem – perdidas
dedicados ao Ensino Fundamental, nota-se uma abordagem do audiovisual como coadjuvante, que serve como um
devido a um engessamento das maneiras de se produzir conteúdos audiovisuais. A escala de planos serve como um
recurso de apoio às demais áreas de conhecimento, inclusive para a área de Artes (vale lembrar que desde meados da
exemplo desta limitação imposta visando a uma formatação em torno de determinados clichês; pois “a classificação dos
década de 90, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional - LDB 9394/96 - no Brasil, a área de
planos se faz hoje segundo uma nomenclatura especificamente técnica de escalas, sem ligar à sua significação”. (Grilo,
educação artística passou a se denominar Artes). Para o Ensino Médio, as disciplinas são divididas em áreas de
2010) Esta tendência de se uniformizar o olhar resulta em prejuízos estéticos: de acordo com Grilo “a estabilização de
conhecimento, e a Arte ficou no grupo de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. As competências, as linguagens, os
uma nomenclatura que reduz o plano à sua expressão técnica em detrimento da sua dimensão imaginária, é
95
parcialmente responsável pela imposição desta ideologia tecnocrata na prática e na conceptualização do cinema.” (Grilo,
2010)
Para a nossa prática, optamos por utilizar a taxionomia do cinema tal qual apresentada por Deleuze, a fim de
se proporcionar aos alunos-produtores uma liberdade fora dos padrões e clichês da indústria audiovisual. A classificação
Para o trabalho aqui apresentado se escolheu o emprego da classificação apresentada por Gilles Deleuze em
seus dois livros sobre cinema – escritos na década de 80. Ele apresenta outra maneira de se classificar os planos e a
dos planos no cinema visa então a se distingui-las e organizá-las de acordo com determinado regime de percepção, dos
três tipos de imagens-movimento: imagem-ação, imagem-afecção e imagem-percepção.
“- o regime das imagens-percepção: As imagens tendem para a percepção total e objetiva, para a
indeterminação do centro e para uma relativa indeterminação na operação de subtração-extração
da imagem em relação a todas as outras;
- o regime das imagens-ação: Quando o mundo das imagens-movimento é aferido a um centro, a
uma imagem espacial que transforma o mundo em horizonte e a paiagem é cenário. (...) e passa a
definir um eixo de ação-reação. Neste regime, passa-se diretamente da percepção para a ação. A
operação que o caracteriza já não é o da seleção, do enquadramento indeterminado, mas a
curvatura do universo em torno de um eixo de ação-reação privilegiado;
- O regime das imagens-afecção: Aqui deixa de haver exterioridade entre o sujeito e o objeto e o
movimento manifesta-se, não na projeção mas na implosão. O movimento é absorvido pelo sujeito,
sem se transformar numa percepção ou numa ação, mas incorporando-se nele. O movimento
transforma-se numa tendência que substitui uma ação tornada impossível. Na imagem-afecção, o
movimento deixa de ser translação para passar a ser um movimento de expressão; uma pura
qualidade, uma tendência para o movimento que agita, interiormente, um elemento, por vezes
imóvel (a importância do rosto, do grande plano).” (Idem, 2010, p.37)
montagem, que respeitam a sua dimensão imaginária e conceitual, sem as sujeitar a uma utilização técnica relacionada a
um clichê: De acordo com o pensamento de Deleuze, a imagem em movimento se distingue da imagem-movimento,
“uma imagem-movimento é uma imagem relativa e dinâmica que não só pensa as relações entre as coisas (e os seus
movimentos) dentro de um conjunto fechado (o enquadramento) como se esforça por pensar as relações desses
conjuntos entre si, e de todos eles perante uma totalidade que, por definição, permanece Aberta (o papel da
montagem).” (Grilo, 2010 p.31). Desta maneira, apresentamos o plano como uma unidade que exprime a situação
intermediária entre a parte e o todo através da imagem-movimento, determinada por dois conceitos: de movimento
relativo entre as partes de um conjunto determinado e de movimento absoluto no qual a imagem se assume como o
corte móvel de uma totalidade em mudança; esta imagem-movimento se apresenta em três tipos: imagem-ação,
imagem-afecção e imagem-percepção. A montagem, por sua vez, se apresenta como um meio que possibilita a
mudança de regime de percepção, entre montagens perceptivas, ativas e afectivas, “o lugar onde o todo toma forma e
adquire uma qualidade que, por sua vez, qualifica as imagens. (...) a montagem é o lugar em que cada filme determina o
seu centro de percepção.” (Idem, 2010 p.38). Na abordagem Deleuziana, a montagem é a determinação do Todo da
imagem, alcançado através de técnicas de corte (edição) e de criar continuidades (Colman, 2011 p.55), sendo
responsável pela criação dos diferentes tipos de imagens-movimento. Deleuze observa três formas de montagem, em
quatro tendências principais: a alternâncias de partes diferenciadas, montagem de “dimensões relativas”, e montagem
de ações convergentes; nas tendências: orgânica norte-americana, dialética soviética, quantitativa francesa de antes da
guerra e intensiva da escola expressionista alemã. Vale ressaltar que estas maneiras de montagem, conjugada com as
Para a realização cinematográfica, os alunos podem utilizar os dispositivos móveis que tiverem acesso, como
as câmeras presentes em telefones móveis e câmeras digitais; e devem então escolher o plano a ser filmado, com
especial atenção ao momento do ataque – quando inicia a gravação – e o momento do “corte”. Na utilização do
método junto às turmas do ensino médio do CEFET-RJ, as cenas puderam ser feitas no local que o aluno-realizador
escolhesse, podendo ser na escola ou fora, ou ainda no trajeto residência-escola; Após a realização do trabalho pelos
alunos, é feita a exibição dos filmes para a turma, seguida de algumas rodadas de debates sobre o processo de
produção.
três formas, resultam em diferentes resultados de imagens-movimento, isto é, subvertem a relação da escala de planos
com os resultados narrativos esperados pelas teorias do cinema desenvolvidas anteriormente, principalmente as
baseadas no cinema industrial de Hollywood. “Deve-se evitar julgar que a montagem paralela é um dado que está
presente em toda a parte, exceto num sentido muito geral, visto que o cinema soviético a substituiu por uma montagem
de oposição, o cinema expressionista por uma montagem de contraste, etc.” (C1 p.90)
DESENVOLVIMENTO
Partindo da apresentação destas teorias sobre o audiovisual, contextualizadas por trechos de filmes de
fig.1 – Exercício de aula: Plano de um “minuto neorrealista”
diferentes autores e épocas. Propõem-se então exercícios à turma utilizando dispositivos móveis tais como telefones
celulares, máquinas fotográficas digitais e handycams: A realização de produções de um minuto de duração cada, o
Minuto Lumière, o Minuto Neorrealista, e o Minuto Montagem. Estas produções levam aos alunos o conhecimento de
alguns realizadores e suas maneiras de filmar e lidar com as possibilidades no cinema; na parte prática os alunos são
levados a filmar na “maneira” de cineastas, respeitando suas limitações técnicas e expressivas. O cinema (e o
audiovisual) é apresentado como “um exercício de transfiguração, transformando o movimento natural das coisas num
movimento cinemático que é inseparável de um estilo” (Idem, 2010. p.30), não se tratando de representar o mundo e
sim de afectar esse mundo de acordo com um ponto de vista, acerca do tempo e do espaço.
O “Minuto Lumière”, isto é, a filmagem de um plano com câmera fixa e cerca de um minuto de duração, tal
qual se fazia à época do surgimento do cinema no fim do século XIX, consiste em uma prática idealizada por Alain
Bergala e Nathalie Bourgeois no ano de 2000, para o plan de cinq ans do então Ministro da Educação da França, Jack
Lang (Bergala, 2010). Nota-se que a produção de filmes de um minuto de duração e/ou de filmes que remontem à
origem do cinematógrafo é uma prática estabelecida há muitos anos, devendo-se crédito aos autores citados o feito de
sistematizar esta prática e de se editar uma publicação bibliográfica acerca do tema.
96
No Minuto Neorrealista os alunos são levados a filmar um minuto em plano sequência (o plano sequência é
quando o enquadramento muda sem a utilização do recurso da montagem, em um travelling ou mesmo em câmera
parada). A prática consiste na realização de um plano sequência de um minuto de duração, de tema livre, em qualquer
locação e utilizando o dispositivo técnico de captura de imagens que dispuser, tal qual na realização do Minuto Lumière.
Os conceitos de imagem-movimento e suas três classificações são retomados, a fim de contextualizar e embasar a
escolha de planos e movimentos dos alunos-produtores.
O Minuto Montagem tem o objetivo de levar a turma a produzir um filme se utilizando do recurso da
montagem, e a conceituar a sua opção de utilização do recurso. Para Deleuze, a montagem é a operação que recai
sobre as imagens-movimento para extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo, “é uma imagem
necessariamente indireta, já que é inferida das imagens-movimento e suas relações.“ (Deleuze, C1 p.53). “A montagem é
a composição, o agenciamento das imagens-movimento de forma a construir uma imagem indireta do tempo”. (idem,
p.54). Apresenta três formas de montagem - ou alternância rítmica (a alternância de partes diferenciadas, a das
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dimensões relativas e a das ações convergentes), e as quatro tendências (americana, soviética, francesa e expressionista).
Na prática em questão, apresentamos os conceitos de montagem tais quais abordados por Eisenstein em seus ensaios
sobre cinema, em uma ênfase à tendência dialética soviética. Dialogamos estes conceitos sobre a montagem com as
categorias formais de montagem apresentadas: montagem métrica, rítmica, tonal e atonal.
Na montagem métrica, os comprimentos absolutos dos fragmentos do filme servem como critério
fundamental, estabelecendo um ritmo comparado ao do compasso musical – com medidas de regularidade ou
irregularidade. Na montagem rítmica não se obedece uma ordem matemática ditada por uma métrica e sim de acordo
com o conteúdo, a especificidade de cada fragmento, e de seu comprimento planejado de acordo com a estrutura da
sequência.” (Idem, p.80) Na montagem tonal, este conceito de movimento diz respeito à todas as sensações do
Titulo: Artes na educação : experiências identitárias
Autora: Teresa Torres de Eça
Investigadora do Instituto De Investigação Em Arte, Design e Sociedade- Universidade de Porto.
fragmento de montagem, “movimentos que progridem de acordo com características tonais, em vez de espaciaisrítmicas. Aqui, mudanças imensuráveis espacialmente são combinadas de acordo com seu som emocional.” (Idem, p.82)
O conceito de som emocional diz respeito ao tom geral, dominante, do fragmento – não ao som literalmente, mas
também à vibração da luz e à utilização da cor. A oposição de tons dominantes maiores e menores, dominantes rítmicas
secundárias, resultam na montagem atonal, o quarto método de montagem apresentado por Eisenstein. Estes métodos
se tornam construções de montagem quando entram em relações de conflito entre si. “Dentro de um esquema de
relações mútuas, ecoando e conflitando umas com as outras, elas se movem em direção a um tipo de montagem cada
vez mais fortemente definido, cada uma crescendo organicamente a partir da outra.” (Idem, p.84)
Nesta fase, se requer mais dos alunos para a realização da parte prática no que diz respeito à utilização de
softwares de edição de vídeo e de transcodificação de formatos de arquivo; e de hardware, para a captura do vídeo ou
transferência de arquivos.
CONCLUSÃO
A utilização do visual no currículo básico, mais especificamente no ensino médio, embora possa acompanhar
qualquer matéria de maneira interdisciplinar, constitui um conteúdo adequado ao currículo de Artes, por se tratar de
uma arte de síntese que utiliza elementos específicos conjugados a elementos de outras expressões artísticas. Este
trabalho pede continuação, a fim de uma abordagem mais ampla dos aspectos do audiovisual a constituir conteúdo
para a utilização no currículo do ensino básico de educação artística; entre outros aspectos que não foram aqui
abordados estão a utilização do som e problemáticas da relação realismo Vs não-realismo. Em vista disso, se propõem à
discussão questões acerca da possibilidade de utilização do audiovisual no ensino básico: a adequação das escolas para
este trabalho, e se há a necessidade de um laboratório específico; os recursos pessoais dos alunos, para realização dos
trabalhos se utilizando de recursos próprios; e do nível de alfabetização informática, isto é, de intimidade que os alunos
têm com computadores e dispositivos técnicos de captura, edição, e exibição audiovisuais como fatores que vão
Resumo
Neste breve artigo focarei alguns projectos onde, juntamente com
professores; artistas e alunos trabalhámos a diversidade cultural . Os
projectos surgiram em redes onde educadores e educadoras se encontram
habitualmente, tais como na International Society for Education Through
Art - InSEA; na Associação de Professores de Expressão e Comunicação
Visual- APECV e na Rede Ibero Americana de Educação Artística.
Descreverei sumáriamente três projetos internacionais de educação pela
arte onde se descobriram e trabalharam conceitos de representação de si
e do outro: 1) Interpretando vozes '; 2) 'Tradições de Família' e 3)
'Comparangoleiros'. O primeiro projeto foi financido pelo programa
Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida- Comenius. Os dois últimos
foram realizados sem financiamento. A metodologia seguida nos dois
últimos e, mais bem sucedidos projectos , foi desprovida de qualquer
hierarquia , sem eixos orientadores , nem regras : os professores
desenvolveram cada um á sua maneira um tema e processos artísticos para
interagir com os seus alunos e partilhar com os participantes de outros
lugares . Cada um destes projetos, à sua maneira influenciou ações
educativas e reflexão sobre praticas pedagógicas socialmente
comprometidas onde se trabalhou o conceito do Eu e do Outro.
propiciar a utilização do audiovisual no ensino básico, em seus diferentes níveis.
Palavras chave
REFERÊNCIAS
educação; transculturalidade; identidades; arte; praticas pedagógicas
BERGALA, A. L’hypothèse Cinéma: Petit traité de transmission du cinema à l’école. Paris: Cahiers du Cinema, 2006.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte / Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília; DP&A, 2000. 130p.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília; SEMTEC / MEC, 1999.
COLMAN, F. Deleuze & Cinema: The film concepts. New York: Berg, 2011.
EISENSTEIN, Sergei A Forma do Filme Rio de Janeiro: xxx, 200x.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Movimento: Cinema 1. Lisboa: Assírio&Alvim, 2009.
____________. A Imagem-Tempo: Cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2007.
____________. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2010.
GRILO, João Mário. As Lições do Cinema: Manual de filmologia. Lisboa: Colibri, 2010.
_________________. O Homem Imaginado: cinema, acção, pensamento. Lisboa: Horizonte, 2006.
socialmente comprometidas.
Como professores buscamos nas redes fontes de partilha para construir conhecimentos . Redes de
modelos tradicionais como sociedades ou associações culturais e profissionais ou redes sociais na
98
99
Internet . Vivemos numa cultura da realidade variável, de mudanças constantes no ambiente e em
nós mesmos: ambos se tornando imprevisíveis, incertos e indeterministas. Por isso as redes nos dão
alguma segurança como espaço crítico de debate de ideias e de partilha de experiências. Estamos
constantemente em atualização , remodelando e reinventando, procurando novas relações, novas
realidades, novas ordens de tempo e de espaço. Apesar de tradicionalmente se abordar a cultura
como algo de externo e imposto por grupos de poder , sentimos que a cultura não nos define mais
de esse modo , com suas regras de estética, estilo, etiqueta, normalidade ou privilégio. Sentimos que
o individuo pode definir outras regras , criar e reciclar cultura . Trabalhamos com alunos que não
são mais puros receptores; consumidores de cultura mas que se transformaram em ' prosumidores' (
Duncum, 2010) no sentido de recicladores de cultura ; criadores de novos objectos culturais a
partir da oferta global da cultura dos media. Muitas vezes os professores de artes visuais
perguntam qual será o seu papel , como poderão ser mais ativos e úteis com alunos que deixaram há
muito de serem objetos passivos de aprendizagem para se tornarem sujeitos em construção.
Acredito que quando por força de vontades e de encontros professores, alunos e artistas de vários
lugares trabalham juntos, podem construir caminhos onde a arte serve de dispositivo para o
descobrimento de si e do outro. Nesse descobrimento gerimos conceitos de interculturalidade ,
multiculturalismo crítico e transculturalismo nem sempre fáceis de conciliar teóricamente mas que
nas praticas educativas coabitam aleatóriamente.O conceito de multiculturalismo é muitas vezes
abordado na educação a partir de uma vertente crítica e de resistência, tratando a questão da
diferença a partir da dimensão política, considerando- a sempre como resultado da história, da
cultura, do poder e da ideologia. Por isso, os educadores ajudam os alunos a entender os contextos
culturais inseridos numa política de crítica comprometida com a justiça e a transformação social
para um melhor entendimento da pluralidade. Tal abordagem descende de teorias de Estudos
culturais ou de abordagens dos Estudos da Cultura Visual que estão presentes em muitas das
práticas que alguns professores de arte utilizam. Nessas praticas , a linguagem e as representações
2005). Estes educadores usam o conceito de interculturalidade, para indicar um conjunto de
propostas de convivência democrática entre diferentes culturas, buscando a integração entre elas
sem anular as sua diversidades, pelo contrário, “fomentando o potencial criativo e vital resultante da
relações entre diferentes agentes e seus respectivos contextos” (Fleuri, 2005). No entanto , muitas
vezes este conceito também não corresponde exatamente ao trabalho de alguns educadores pela
arte que não se reconhecem nem na endogamia do multiculturalismo nem na exogamia do
interculturalismo desconfiando de possíveis vínculos neocolonialistas inseridos numa visão do
diverso onde tende a permanecer uma certa centralidade “étnica” (Canevacci, 2009). Abordagens
transculturais têm aparecido no sentido de alargar estas perspetivas, ajudando os educadores a lidar
com a diversidade em contextos globalizantes que apesar de terem acelerado processos de
homogeneização cultural também criaram espaços criativos de reconhecimento de culturas locais
na construção de identidades. Nestas abordagens não se pretende gerir as diversidades culturais
por mecanismos de atribuição de valores como a tolerância ou o reconhecimento da cultura do
outro mas apenas aceitar as irregularidades, os conflitos e as tensões . Canevacci (2009) fala
de sincretismo cultural como uma possibilidade transcultural. Do mesmo modo Ascott 1999)
propõe um entendimento da realidade sincrética como meio para mudar a forma como
consideramos a nossa identidade, a nossa relação com os outros e a fenomenologia do tempo e do
espaço. Uma abordagem sincrética do ordenamento e extensão dos sentidos poderia contribuir para
as nossas necessidades e ambições ontológicas, cognitivas e perceptuais.
Na verdade, é díficil trabalhar em contextos transculturais, muitos obstaculos existem pelo
caminho, carecendo de uma reflexão constante sobre o que estamos fazendo e como estamos
fazendo. Os professores; os artistas e outros profissionais que se envolvem em projectos
interculturais ou transculturais educativos sentem a sua vulnerabilidade e a fragilidade das teorias
quando se trata de trabalhar no terreno.
(raça, classe ou género) assumem um papel central na construção da identidade e do significado.
Tal como Peter McLaren (1997), arguiu as representações são compreendidas como frutos de
lutas históricas e sociais mais amplas sobre signos e significados, sendo estes definidos mediante as
transformações nas relações sociais, culturais e institucionais, no interior das quais os significados
são gerados.
Outros educadores preferem basear as suas praticas em conceitos de interculturalidade , buscando
mais do que a simples compreensão das diferentes culturas e da sua inserção no curriculum. O
termo intercultural diferencia-se da multiculturalidade que indica apenas a coexistência de
diversos grupos culturais na mesma sociedade sem apontar para um política de convivência. (Fleuri,
100
Interpretando vozes
' Interpretando vozes ' foi um conjunto de cinco oficinas realizadas em Viseu para alunos dos 15
aos 18 anos e professores de artes de quatro países europeus integrado numa actividade de
intercâmbio do programa Europeu Comenius que visava aprofundar o estudo da arte
contemporânea nas escolas (“IDEAlaboratories: how to integrate contemporay art and art
education”). As grandes diferenças culturais dos vários participantes que vinham do Norte ; Leste
e Sul da Europa foram um desafio para os organizadores , e resolveram trabalhar o conceito de
diversidade e de diferença no projecto para os workshops . O workshop foi planeado por vários
101
intervenientes da cultura local em duas fases . A primeira chamada ' Histórias escondidas '
consistiu em entrevistas sobre Viseu por jovens viseenses com membros da comunidade e a
os fatos de casamento de sonho. Aprenderam sobre eles para mostrar aos outros. Da escola de
segunda fase consistiu na interpretação dos resultados das entrevistas em oficinas com os alunos
Bogotá e da escola de Seymour os alunos falaram sobre as tradições simples de família como
e professores dos vários países . As oficinas foram dinamizadas por artistas locais que
andaer a cavalo ( Bogotá) , ir acampar ou ir vàs compras ( Seymour) . A exposição dos trabalhos
trabalharam a experiência do local com os participantes a partir das entrevistas e das experiências
dos alunos percorreu as diferentes escolas participantes , e aí se deu o encontro onde cada um tem
vivenciadas pelo grupo de estrangeiros na cidade .
o seu lugar vísivel através do desenho e da pintura.
Comparangoleiros 2010-2013
O fenómeno da globalização tem o efeito de evidenciar a diversidade cultural do mundo e apontar
para a necessidade de diálogo entre diferentes civilizações. A globalização também pode ser
considerada como uma complexa rede de projetos de sociedade e de diversidade de interesses
traduzidos nas disputas das representações ideológicas, políticas e culturais
que estão em curso atualmente. Um grupo de professores tem vindo a trabalhar essa ideia desde
2009 fazendo projectos de intercâmbio cultural onde os alunos ( dos 3 aos 20 anos) partem da
procura sobre artistas e cultura local para mostrar a suas interpretações dols mesmos aos alunos de
outros países. Comparangoleiros é o nome desse grupo que neste momento desenvolve um
projecto de intercâmbio entre alunos e professores de Portugal, Brasil, Timor Leste e Letónia. O
projecto gira à volta do conhecimento do eu e do outro , desenvolvendo ideias e processos artísticos
Fi
g
ura 1: Workshop Interpretando Vozes, Outubro de 2011, alunas da
ESAM recolhendo histórias na ASSOL em Oliveira de Frades.
a partir de vários artistas contemporâneos e do conceito de pinturas de dançar inventado por
Helio Oiticica na performace ' Parangolés' . Este projeto que está no seu terceiro ano de vida tem
sido extremamente rico no sentido da transculturalidade, na medida em que através da partilha de
objectos artísticos feitos pelos alunos a partir do estudo de artistas e de culturas locais. Os
participantes constroem-se como indivíduos e reconhecem-se como membros de um mundo
' Tradições de Família '
Em 2010 -2012
tecido de relacionamentos que tendem para o sincretismo cultural.
realizámos um projeto de intercâmbio centrado na reflexão sobre as tradições
de família, seus rituais e suas representações artísticas . O projeto foi desenvolvido com crianças
dos 5 aos 10 anos dos Estados Unidos; Turquia, Portugal, Malásia e Colômbia . Foi um projecto
simples onde apenas se pretendeu dar visibilidade às diferenças culturais. Partimos de princípios da
educação multicultural para orientar as nossas estratégias. Buscámos sobretudo o conhecimento
da nossa própria cultura para o poder partilhar com os outros. Isso foi a grande tónica das ações
levadas a cabo pelos professores. Na escola de Vila Nova de Gaia, os pequenos artistas
aprenderam fatos e figuras sobre a tradição pascal, desde a gastronomia às procissões religiosas
com ajuda da pintura deAmadeo de Souza Cardoso que aprenderam a apreciar . Na escola em
Ankara , os alunos interessaram-se pelo tema do casamento tradicional turco , visitaram um
museu etnográfico, fizeram uma performance de casamento, com música a condizer , desenharam
102
103
http://www.concinnitas.uerj.br/resumos14/canevacci.htm]
CHALMERS, F. Graeme (1996 ). Art, Education and Cultural Diversity . L.A. The
Getty education Institute for the Arts.
DUNCUM, Paul (2010). Young Prosumers, Visual Culture, and Dialogic Pedagogy.
In: Oliveira, M. & Milhano, S. As Artes na Educação: Contextos de Aprendizagem
Promotores de Criatividade. Leiria: Folheto. Pp.79-92
FLEURI, R. M. (2003). Multiculturalismo e interculturalismo nos processos
educacionais. IN: LINHARES, C. F. et all. Ensinar e aprender: sujeitos,
saberes e pesquisa. ENDIPE. Rio de Janeiro: DP&A.
Figura 2: Performance Comparangoleiros no Museu Berardo, Em Fevereiro de 2012
Algumas reflexões pós- projectos
Os projetos educativos transculturais são o que são: têm aspetos que correm bem; ultrapassando
expectativas.
E têm aspetos que correm mal, levando a um re-ajustamento e avaliação
constantes. São laboratórios de pesquisa-ação onde se podem confirmar ou contrariar teorias e onde
se podem encontrar eixos, dinamicas e metodologias novas . São, por isso, plataformas de
experimentação importantes para os professores e para os investigadores. Por pequena que seja a
McLAREN, P.(1007). Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez.
Webgrafia
InSEA; http://www.insea.org
APECV: http://www.apecv.org
Rede Ibero Americana de Educação Artística: http://educacionartistica.org/riaea/
family traditions : http://visualnarratives.wikispaces.com/family+traditions
IdeaLabs: http://www.eksperimenta.net/eksperimenta/
ação é sempre um processo de mudança, que coloca em movimento ideias e que trará
consequências nos participantes, a curto e a longo prazo nas atitudes e comportamentos em relação
a si e aos outros. Como professoras entendemos que muito haverá ainda que analisar nestes três
exemplos , gostaríamos de , no futuro, perguntar aos professores, às crianças e aos jovens que
participaram nestas ações se elas ficaram nas suas memórias , e se de algum modo estas
experiências tiveram impacto nas suas vidas.
Bibliografia
ASCOTT, Roy (1999). Seeing Double: Art and the Technology or Transcendence. In:
ASCOTT, Roy (ed.). Reframing consciousness. Exeter: Intellect Books.
CANEVACCI, Massimo.( 2009). Transculturalidade, interculturalidade e
sincretismo . Revista Concinnitas .10 Vol 1(14). Instituto de Artes da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.[acedido em 12 de Março de 2012 em
104
105
Educação Visual e Tecnológica: (des)integração curricular.
Paulo Miguel de Oliveira Fernandes
Escola Secundária/3 Paços de Ferreira; Escola Superior de Educação; ID_CAI – Colectivo de Acção e
Investigação em Educação Artística; I2ADS_NEA – Instituto de Investigação Arte e Design, Núcleo de
Educação Artística.
Paulopof@gmail.com
RESUMO: O presente artigo propõe pensar a Educação Artística, em particular na área
das Artes Visuais e Plásticas, no currículo escolar do 2º ciclo do ensino básico em
Portugal, num momento de alterações protagonizadas pelo governo de Portugal através
da revisão da estrutura curricular.
Desde 1991 que a disciplina de Educação Visual e Tecnológica tem ocupado esse
espaço, apontando para uma abordagem integrada dos aspectos visuais e tecnológicos
dentro de uma área pluridisciplinar de Educação Artística e Tecnológica, situando-se numa
perspectiva transdisciplinar conducente ao nível etário a que se destina.
Vinte anos depois, procura-se perceber o caminho traçado por esta disciplina, as suas
implicações no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, a formação de
professores nesta área específica, bem como a integração dos novos modelos e
concepções da educação artística, por forma a encontrar fundamentos e avaliar a
necessidade de uma revisão na estrutura curricular para esta área.
O artigo agora apresentado é uma actualização do texto escrito para o II Encontro
Internacional sobre Educação Artística, que aconteceu no Porto em Abril de 2012.
Pretende-se estender uma discussão pertinente e actual ao universo académico e de
investigação, implicando-nos a todos, enquanto agentes da educação, nos processos de
decisões politicas que têm impacto directo nas salas de aula e nas práticas dos
professores.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação Artística; Educação Visual e Tecnológica; Currículo; Integração.
A Educação Artística está presente no Currículo Nacional do Ensino Básico,
obrigatório, em Portugal. Ao longo de três ciclos, apresenta-se dividida e partilhada em
disciplinas que se distribuem por nove anos de escolaridade, cada uma com um
programa próprio de acordo com o nível de ensino e com directivas e orientações
comuns a todas as escolas do país, traçadas centralmente pelo Ministério da Educação.
No 2º ciclo (5º e 6º ano), ao domínio da Educação Artística junta-se a Educação
Tecnológica, dividindo-se em duas disciplinas: a Educação Musical e a Educação
Visual e Tecnológica (EVT).
O espaço das Artes Visuais e Plásticas é assim preenchido pela disciplina de EVT, que
trabalha com crianças situadas entre uma faixa etária que pode ir dos 9 aos 12 anos de
idade (num percurso sem retenções). A sua leccionação está a cargo de dois professores,
ou seja, em regime de par pedagógico, e a carga horária de 270 minutos semanais,
atribuída ao domínio da Educação Artística e Tecnológica, é dividida de forma
autónoma em cada escola pelas disciplinas de EVT e Educação Musical, podendo esta
ser distribuída de forma igual ou, como acontece na maior parte dos casos, 180 minutos
para EVT e 90 minutos para Educação Musical.
A explicação para esta divisão da carga horária de forma diferenciada e do número de
professores que a leccionam está nas características práticas e experienciais da
disciplina e também no seu enquadramento histórico.
106
A disciplina de EVT surge com a reforma educativa do final da década 1980 e
generaliza-se a todas as escolas do país depois da aprovação definitiva do seu programa
em 1991. Antes da criação da disciplina de EVT, e desde 1974, fizeram parte da
estrutura básica do currículo do ciclo preparatório as disciplinas de Educação Visual,
que proponha essencialmente uma análise dos elementos visuais no nosso
envolvimento, destacando-os como meios de comunicação, e dos Trabalhos Manuais
fundamentados num ensino dos ofícios, acentuando o estudo das técnicas com propostas
de trabalho que consistiam na repetição de modelos ou a execução concertada e repetida
de procedimentos.
Esta reforma educativa acrescenta, deste modo, um conceito de área interdisciplinar,
concretizado na junção destas duas áreas e criando uma disciplina nova. Por exigir
conhecimentos em dois campos de saber diferentes e porque não existiam professores
para esta nova área disciplinar (problema das reformas impostas por decreto, que não
criam a condições necessárias a sua implementação), designou-se que seria leccionada
por dois professores, um da área da Educação Visual e outro dos Trabalhos Manuais. A
própria natureza da disciplina, que assentava no trabalho prático, oficinal e de projecto,
implicaria um maior apoio aos alunos.
A disciplina inicialmente tinha uma carga horária fixa de cinco blocos lectivos semanais
(cada bloco com a duração de 50 minutos).
Esta nova disciplina surge assim como uma espécie de último elo da evolução das artes
e ofícios em Portugal e um ponto de encontro com as tendências da educação/arte de
Dewey, Lowenfeld, Read, Stern, Green, Baynes, Eisner, Munari, Barret e outros.
Deste modo, o programa da EVT apresenta pressupostos construtivistas da educação,
através da metodologia de resolução de problemas, fomentando actividades centradas
no contexto vivencial do aluno e nos seus interesses, procurando maior motivação e
aprendizagens significativas. As actividades organizadas através de Unidades de
Trabalho, ou seja, Projectos, procuram promover a leccionação de conteúdos de forma
integrada. Nota-se ainda uma ausência de referências nas “belas-artes”, o que indica que
não se pretende a apreciação ou produção de obras de arte, mas indivíduos reflexivos,
críticos e intervenientes na sociedade.
Em 2001 o Ministério da Educação reorganizou o currículo do ensino básico, onde se
percebe uma viragem no paradigma educacional, alterando o conceito de “objectivo a
atingir pelos alunos” pela noção de “competência”, definida pelo seu documento
orientador (DEB, 2001), numa noção ampla que integra conhecimentos, capacidades e
atitudes e que pode ser entendida como “saber em acção” ou “em uso”.
Na génese desta mudança está igualmente a percepção da necessidade de ultrapassar
uma visão de currículo, como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente
uniforme em todas as salas de aula e de ser apoiado o desenvolvimento de novas
práticas de gestão curricular mais flexível.
Esta reorganização trouxe, porém, desfasamentos e incongruências à EVT, atropelandoa ao designar as competências separadas para a Educação Visual e para a Educação
Tecnológica no 2º ciclo.
Exigia-se também a reformulação/ actualização do programa. O que não aconteceu,
ficando os professores com dois documentos orientadores, com diferenças significativas
na sua base conceptual e metodológica, com implicações ao nível da organização e
planificação do ensino-aprendizagem da disciplina.
Outra consequência foi a redução, à partida, de um bloco lectivo para a EVT, agravado
com a alteração de cada bloco lectivo de 50 para 45 minutos. Esta diminuição pode
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ainda acentuar-se de acordo com as opções da escola na distribuição dos blocos pelo
domínio da Educação Artística e Tecnológica, como descrevemos anteriormente.
Neste momento, e após duas décadas a fazer parte da estrutura curricular do 2º Ciclo do
Ensino Básico, a disciplina de EVT continua a caracterizar-se pela sua visão integrada
dos aspectos visuais e tecnológicos (DGEBS a.,1991).
Contudo e sem que nada o fizesse prever, o Ministério Educação e Ciência (MEC),
propõe (Dezembro de 2011), define (Março de 2012) e decreta (Julho de 2012) a sua
eliminação do elenco curricular, substituindo-a pelas disciplinas de Educação Visual e
Educação Tecnológica, “cada uma com programa próprio e cada uma com um só
professor” (DGIDC, 2011). Alterações injustificadas e sem qualquer argumentação do
ponto de vista pedagógico, que desbaratam a ideia integradora da EVT e ignoram
pareceres de órgãos importantes como é o Conselho Nacional da Educação e Conselho
de Escolas. Além de que o Ministério se contradiz ao referir que “a revisão agora
apresentada reduz a dispersão curricular” (ibidem), quando na verdade aumenta o
número de disciplinas.
A redução da dispersão curricular concretiza-se no reforço de disciplinas fundamentais,
tais como o Português, a Matemática, a História, a Geografia, a Físico – Química e as
Ciências Naturais, na promoção do ensino do Inglês, que passará a ser obrigatório por
um período de cinco anos. Adicionalmente, na área das expressões reafirma-se um
reforço da identidade disciplinar.
Decreto-Lei n.º 139/2012
O problema que se coloca efectivamente nesta revisão curricular, por entre alguns ecos
corporativos, é o de questionar o modelo de educação que queremos seguir.
Numa recente conferência de Fernando Hernandez no Porto, foi curiosa a alusão para
as diferenças entre o logótipo do “The National Curriculum” (Inglaterra) de 1999 e de
2008. No primeiro as diferentes disciplinas, representadas por diferentes cores, eram
pequenos quadrados separados uns dos outros. Na segunda as diferentes cores eram
linhas onduladas, que se cruzavam e entrelaçavam, provenientes de um lugar comum e
dirigindo-se para um outro ponto de encontro. Esta mudança significa o rumo que o
currículo da escola em Inglaterra vem tomando e que demonstra uma visão integradora
entre as diferentes áreas.
Logótipo do National Curriculum (1999)
Logótipo do National Curriculum (2008)
Read (1944) também dizia que “o que está errado no nosso sistema educativo é
precisamente o nosso hábito de estabelecer zonas separadas e fronteiras invioláveis; e o
sistema que proponho (…) tem por único objectivo a integração de todas as faculdades
biologicamente úteis numa única actividade orgânica” (cit in Barret, 1979).
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Por sua vez, o MEC caminha em sentido oposto. O excerto retirado no decreto-lei n.º
139/2012 vinca por duas vezes a palavra reforço. A primeira num contexto que
hierarquiza saberes, como se houvesse saberes de primeira e saberes de segunda. A
segunda vez que a palavra é utilizada é para se referir ao reforço da identidade
disciplinar, como uma espécie de fechamento da disciplina em si mesma e em torno dos
seus saberes.
Na comunicação que apresentei em Abril no II Encontro Internacional sobre Educação,
questionei sobre o que se passou nestas últimas duas décadas que justifique esta
mudança curricular? Que mudanças se verificaram na sociedade, na escola, na educação
artística, no saber profissional dos docentes?
Considero efectivamente que os últimos vinte anos trouxeram para domínio da
Educação Artística narrativas renovadas, algumas delas já introduzidas no currículo
através das Competências Essenciais (CNEB, 2001). Refiro-me em particular às
perspectivas cognitivistas iniciadas por Efland, Parsons, Gardner entre outros. No
entanto, além das já referidas dificuldades que este documento trouxe na organização e
planificação do ensino-aprendizagem da disciplina de EVT, este Ministério determina,
através de Despacho, que o Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências
Essenciais deixe de se constituir como documento orientador (um Despacho que saiu
inexplicavelmente a meio de um ano lectivo e com efeito imediato).
Em substituição das competências essenciais são anunciadas Metas Curriculares e em
pouco mais de 5 meses percebemos que “afinal” não haverá novos programas para a
Educação Visual e para a Educação Tecnológica no 2º ciclo, mantendo-se em vigor o
programa de 1991 de Educação Visual e Tecnológica, sendo este a referência para as
Metas Curriculares. Ou seja, elimina-se a disciplina de EVT, criam-se duas novas
disciplinas orientadas pelo programa de EVT, sem que se renove ou actualize os
discursos da Educação Artística e Tecnológica.
Deste modo, sem compreender o rumo ou a estratégia para esta revisão da estrutura
curricular, somos obrigados a reconhecer o inconcebível em qualquer estado
democrático: que estas medidas em nada têm haver com melhorias na educação, mas
antes na redução de custos para o Estado através da Educação. Com a separação da
disciplina de EVT, em EV e ET, e o desmantelamento do par pedagógico consegue-se
no imediato a redução de 50% das necessidades em professores para esta área, à qual se
juntam outras medidas paralelamente anunciadas, como a criação dos designados megaagrupamentos e o aumento do número de alunos por turma.
Surgem assim duas preocupações. A primeira ao nível socioprofissional, com quase a
totalidade dos professores contratados durante os últimos dez anos nesta área a ficarem
fora do sistema, desaproveitando um investimento de mais de uma década na formação
inicial e habilitação profissional para a docência. A segunda ao nível da qualidade
educativa, dado que muitos professores, agora designados de carreira, ficam sem
componente lectiva, sendo mobilizados de acordo com as necessidades da escola, ou do
agrupamento, e não pelas habilitações profissionais e académicas.
Considero que o modo como se gere, manipula e altera as questões educativas, pelo
menos em Portugal, necessita de ser estruturada, exigindo-se um modelo pensado e
discutido por todos os agentes educativos.
É necessário que ao nível legislativo, a orientação deva ser clara, com programas
disciplinares sustentados em estudos e investigações com amplo consenso social e
académico. É por isso que defendo um papel reivindicativo e de implicação das
comunidades académicas e dos centros investigação no espaço das discussões e
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decisões politicas, para que estas não estejam ao sabor das mudanças conjunturais
resultantes de ciclos políticos eleitorais.
Ao nível da implementação das medidas, uma reforma não pode ser implementada
apenas pela publicação de legislação, pois os professores não alteram as suas práticas
simplesmente pelas alterações de leis, decretos ou despachos. Impõe-se um tempo de
diálogo e de discussão pública, de estudos, de implementação monitorizada no terreno e
de avaliação. Qualquer reforma, revisão ou simples alteração em educação necessita do
entendimento dos seus agentes, neste caso em particular dos professores, que a deve
sentir como importante. É preciso estar perto dos professores e é fundamental uma
formação adequada sobre as alterações a serem implementadas.
A este nível penso ser essencial a participação do Ensino Superior, em particular os seus
Centros de Investigação em Educação, na formação dos professores, não só inicial, mas
sobretudo continuada.
Porque a educação faz-se das histórias dos professores, defendo um professor do Ensino
Básico ou Secundário que se implique nas investigações, junto dos Centros de
Investigação, para que possa desenvolver estudos com ênfase nas suas práticas lectivas,
partilhando-os através de publicações e apresentações públicas.
Porém, para que isto aconteça é necessário também que o Ensino Superior abandone o
pedestal académico e aproxime o seu discurso ao dos professores e às realidades da
profissão docente.
Num contexto em que cada vez mais se proclama a importância e a necessidade de uma
Educação Artística e Tecnológica; aumentam os discursos para a criatividade; e se
declara como urgente o desenvolvimento de capacidades multidisciplinares nos
indivíduos, parece-me um contra-senso qualquer politica educativa que não aposte
nestes eixos, e se afirme peremptoriamente apologista do reforço identitário de
disciplinas e a hierarquização de saberes.
Acredito que este não pode ser o caminho, e para que se mude é necessário uma
implicação social nestas questões, destacando o papel que devem ter todos os agentes
educativos desde professores, pais e alunos, mas também as instituições e professores
do Ensino Superior e dos núcleos de Investigação em Educação, que devem estender os
seus discursos para além do domínio académico, assumindo um papel mais interventivo
nas discussões e decisões politicas.
110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Visual e Tecnológica sobre a versão final de revisão da estrutura curricular. Porto. [online] acedido em 27 de Março de 2012 em
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um curso. Trad. Isabel Cottilelle Telmo e Irene Belzer Sam Payo. Lisboa: Editorial
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA. Decreto-Lei n.º 139/2012 de 05 de Julho
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Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica, sobre a
proposta de revisão da estrutura curricular apresentada pelo Ministério da Educação e
Ciência para discussão pública. [on-line] acedido a 15 de Março de 2012 em
http://pt.scribd.com/jarodrigues/d/79972270-Parecer-APEVT-Rev-Curricular-FINALRed
111
MUSEUS DE ARTE E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRITICO E CRIATIVO
Inês Ferreira
Câmara Municipal do Porto
Palavras‐chave: Pensamento Crítico; Pensamento Criativo; Museus.
2000, p. 14) e o ritmo da mudança exige capacidade de adaptação. São as pessoas com mais
criatividade e capacidade de adaptação que melhor lidam com este desafio de adaptação à
mudança, do presente.
Nesta sociedade em contínua mudança, a aprendizagem de livre escolha, que o indivíduo faz
porque quer, ocupa um lugar muito relevante (FALK, [et al.], 2011, p. 325). Aprender é um
Sumário
processo construtivo (HEIN, 2011, p. 346‐348), contínuo e pessoal, que pode acontecer a ver
Qual o contributo dos museus, e especificamente dos museus de arte, para o desenvolvimento das
televisão, navegar na internet, ou visitar um museu. A globalização está a mudar o modo como
capacidades de pensamento crítico e criativo? Qual a importância dessas capacidades, hoje? Podem
treinar‐se essas capacidades nos museus? Como? Este artigo apresenta um contexto teórico para
pensar estas questões, no âmbito de uma investigação em curso.
Neste início do século XXI o desenvolvimento tecnológico e a globalização colocam novos desafios à
se trabalha e se vive (LAU, 2011, p.1), a aprendizagem de livre escolha ocupa cada vez mais do
nosso tempo, e o saber pensar crítica e criativamente, é fundamental para enfrentar estas
mudanças.
sociedade e indivíduo. O modo como se trabalha e se vive está a mudar a um ritmo muito rápido e a
investigação mostra que as capacidades de pensar crítica e criativamente são fundamentais para a
2.1 CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÕES DO PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO
adaptação à mudança e para lidar com novos desafios pessoais e profissionais. A transição de uma
economia baseada em bens para uma economia baseada em conhecimento e a crescente
Para resolver problemas e tomar decisões usamos o pensamento crítico, cujas características
importância da aprendizagem de livre escolha reforçam a necessidade dessas capacidades. Este
são a racionalidade, reflexão e avaliação. O pensamento crítico ‐ claro, preciso e sistemático ‐
contexto suporta a importância de investigar o contributo dos museus para o desenvolvimento de
segue as regras do raciocínio lógico e científico.
capacidades críticas e criativas.
1 INTRODUÇÃO
No século XXI o desenvolvimento tecnológico e a globalização trouxeram transformações
profundas que exigem do indivíduo capacidades de pensamento crítico e criativo para se
adaptar à mudança. Neste artigo pretende‐se:
Fundamentar a importância das capacidades do pensamento crítico e criativo no
século XXI;
Mostrar de que forma os museus podem contribuir para o desenvolvimento do
pensamento crítico e criativo;
Demonstrar a necessidade dos museus se posicionarem enquanto espaço de
conhecimento, aprendizagem e desenvolvimento de competências críticas e criativas.
2 PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO
Ilustração 1 ‐ mapa mental das ideias chave consideradas mais relevantes para a definição de pensamento crítico.
Hoje a sociedade enfrenta o desafio de preparar indivíduos e organizações para lidar com a
O pensamento criativo é uma das componentes da criatividade, juntamente com a motivação
proliferação rápida de informação. Nos últimos anos assistiu‐se à transição de uma economia
e o conhecimento. Uma pessoa pode ter um pensamento criativo bem desenvolvido mas estar
baseada em bens para uma economia baseada em conhecimento, e sabemos que os
profundamente desmotivada, por exemplo, no contexto laboral, e por isso não ser criativa no
conhecimentos válidos hoje estarão obsoletos em pouco tempo (TENREIRO‐VIEIRA; VIEIRA,
trabalho. Pode ainda ter um forte pensamento criativo mas estar a dar os primeiros passos
2
112
113
num contexto laboral novo, em que não conhece as ferramentas e saberes, e por isso não ser
comunidades interpretativas, que Hooper‐Greenhill tem vindo a aplicar aos museus é um
conseguir ser criativa. A criatividade relaciona‐se com a criação de novas ideias, produtos,
exemplo (HOOPER‐GREENHILL, 2007p. 76‐80).
processos ou instrumentos, úteis/ aplicáveis. O pensamento criativo não implica a criação de
algo, é uma “força” que pode/ ou não levar à criatividade. No contexto que aqui abordamos –
museus – o pensamento criativo poderá levar a um modo de olhar e relacionar criativo, mas
não tem necessariamente de levar a um “produto” /ideia/ conceito. O pensamento criativo
Pensar bem é fundamental para um cidadão intervir e adaptar‐se à mudança (TENREIRO‐
VIEIRA; VIEIRA, 2000, p. 17 e 21). Uma democracia progressiva exige cidadãos que pensem
objetivamente, superando preconceitos. O cultivo do pensamento crítico e criativo exige que
se conheçam conceitos básicos e se treine com continuidade(LAU, 2011, PAUL; ELDER, 2002).
precisa do pensamento crítico para avaliar, selecionar e decidir, e o pensamento crítico precisa
do criativo para encontrar respostas adequadas aos problemas, ou propor argumentos
alternativos.
3 MUSEUS NO SÉCULO XXI
Vivem‐se hoje mudanças que afetam todos, incluindo os museus. O conhecimento é o produto
mais transacionado na economia atual, e os museus são produtores de conhecimento. A
importância da aprendizagem de livre escolha aumenta (FALK, [et al.], 2011, p. 324), e os
museus são locais de aprendizagem de livre escolha. Os cidadãos são chamados a ser
interventivos, e os visitantes dos museus são chamados a participar nas decisões. É neste
contexto que o museu hoje procura redefinir‐se.
Há na realidade, uma dissonância entre o que o museu pode ser e o que o museu é. Apesar
das ideias construtivistas circularem nos círculos académicos e museológicos há algum tempo,
há profissionais que operam de modo pouco crítico ou acrítico sem questionar como nem
porque, nem e se, partindo do princípio de que todos os visitantes têm a mesma experiência e
aprendem o mesmo. A aprendizagem é um processo contextual e pessoal, articulado com a
experiência, interesses e motivação pessoal; não é só sobre o que o museu quer ensinar, mas
acerca do significado que o visitante escolhe dar às suas experiências ‐ vai além dos ganhos
Ilustração 2 ‐ mapa mental das ideias chave consideradas mais relevantes para a definição de criatividade.
O modo como pensamos afeta a nossa vida através das decisões que tomamos. Uma pessoa é
melhor no que faz, se tiver boas capacidades de pensar (PAUL; ELDER, 2002). Valorizam‐se
hoje capacidades do pensamento crítico e criativo, no entanto continua a haver uma
dissonância entre o mercado de trabalho, que valoriza pessoas criativas, e o ensino, que
promove mais a aquisição de conhecimentos do que de competências, não valorizando o saber
cognitivos. Um dos maiores desafios que os museus enfrentam hoje é o de se voltarem para os
visitantes, que deixaram de ser uma massa indiferenciada para se tornarem “intérpretes e
performers de práticas de construção de significados” (HOOPER‐GREENHILL, 2011, p. 362). Esta
mudança propõe uma negociação do significado. Historicamente, os museus basearam‐se no
modelo de uma experiência para todos os visitantes. Falk et al. propõem que os museus se
adaptem às necessidades e interesses únicos dos indivíduos (FALK, [et al.], 2011), o que aponta
pensar (ROBINSON, 2011 (1st ed. 2001)).
O uso do pensamento crítico e criativo permite ao indivíduo posicionar‐se sobre questões
atuais, optar, alargar o leque de possibilidades e selecionar as melhores (FALK, [et al.], 2011, p.
326). Na medicina, por exemplo, cada vez mais todos os intervenientes – médicos, doentes,
decisores – são chamados a intervir. As decisões passaram a ser partilhadas com os doentes.
Esta mudança a nível de autoridade/ partilha de decisões é uma característica de hoje,
para o papel do visitante enquanto autor e intérprete de significados.
O conceito de pós‐museu pressupõe a existência de “muitas vozes e muitas perspetivas”,
sendo a voz do museu “uma no meio de muitas”, e passando as comunidades a estar
envolvidas na partilha de processos e tomada de decisões ‐ comunidades interpretativas
(HOOPER‐GREENHILL, 2007, p. 81‐82)
experimentada noutros contextos, que se revela na própria terminologia –o termo
3
114
4
115
A construção e negociação de significados pelas comunidades exige que o museu treine e
crítico e criativo agem em inter‐relação. Num museu, levantar questões a partir de uma obra
potencie as capacidades de pensamento crítico e criativo dos seus visitantes/participantes.
pode introduzir uma boa estrutura de organização e análise ‐ levantar questões leva ao
envolvimento com a obra. Se antes deste envolvimento pessoal o visitante for bombardeado
4 PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO – CONTRIBUTO DOS MUSEUS
com informação sobre a obra, o artista, os conceitos estéticos associados, terá dificuldade em
se relacionar com a obra pessoal e críticamente. Se a informação e conceitos forem
O museu é um espaço de construção de conhecimento e de aprendizagem de livre escolha, e
transmitidos depois de uma apropriação pessoal, a partir de questões, o visitante integrará
os visitantes são intérpretes e performers de práticas de construção de significados. A
essa informação de um modo crítico.
aplicação dos princípios do pensamento crítico e criativo aos museus pode ocorrer a vários
níveis, sempre com base no questionamento.
4.2 EXPOSIÇÕES QUE ESTIMULAM
As exposições podem estimular os interesses individuais porque apresentam objetos de
muitos pontos de vista – qualidades estéticas, significado histórico, impacto económico, por
exemplo. Mesmo em exposições direcionadas, os visitantes são livres de responder ao que
capta a atenção dos seus olhos, envolvendo a mente sem fim predeterminado (GARTENHAUS,
1997, p. 44‐45). Numa exposição o mais importante é exercitar o pensamento e não ganhar
informação. A exposição providencia as primeiras ideias, o resto do caminho é trilhado pelo
visitante. O modo como os objetos se relacionam, suscitam questões ou dão respostas
fechadas, pode promover o pensamento crítico e criativo ou, pelo contrário, transmitir a ideia
de um museu autoritário, “detentor da verdade”.
4.3 EDUCADORES QUE PROVOCAM
Colocar questões pode ser uma estratégia para um educador promover o pensamento crítico e
criativo. De acordo com a teoria construtivista da aprendizagem todos os visitantes observam,
pensam e decidem diferentemente, quando veem a mesma obra num museu, mas o
pensamento crítico pode ser encorajado ou desencorajado pelo modo como o orientador do
grupo atua. Se não tiver humor, fizer juízos de valor sobre as respostas dadas, valorizar
respostas certas, pode inibir o pensamento crítico e criativo. Se evitar julgamentos, for aberto
4.1 OBJETOS QUE QUESTIONAM
ao novo das respostas, tiver humor, agir como facilitador, der tempo ao participante para
Os objetos dos museus estimulam a mente e a imaginação, são um recurso rico para
pensar, refletir, encoraja o pensamento crítico e criativo. (GARTENHAUS, 1997, p. 40, 41)
experiências porque contam histórias, contém variedade de informação e significado e
permitem aproximações diversas (GARTENHAUS, 1997, p. 10‐12). É possível despoletar o
pensamento crítico e criativo a partir de objetos colocando questões de fim aberto, que
suscitam o pensamento divergente ‐ fluente, flexível, original e elaborativo. O pensamento
fluente cria muitas ideias, o flexível cria uma grande diversidade de ideias, o original cria ideias
originais e o elaborativo cria ideias com um grande detalhe. Partir de uma obra de arte para
4.4 PROGRAMAS QUE EXERCITAM O PENSAMENTO DIVERGENTE
Os museus podem convocar representantes de comunidades, colaborar com a comunidade
para criar diálogo público. Os programas do museu podem potenciar o desenvolvimento do
pensamento criativo e crítico, questionando, estimulando a mente e o pensamento
um exercício de divergência exige que se avalie, selecione, organize ideias – pensamento
5
116
6
117
divergente, do mesmo modo que podem também, matar a criatividade e o pensamento
crítico.
Contribuições da Pesquisa Intervenção na Construção de um Projeto Educativo no
Museu de Arte: pensando a mediação cultural para a pequena infância
5 CONCLUSÕES
Solange Gabre - UNIVILLE
As mudanças nos museus, nomeadamente na participação das comunidades em áreas onde
antes não intervinham, reforçam a importância que o saber pensar terá no futuro. Ao serem
chamadas a intervir na tomada de decisões e interpretação das peças, comunidades e
indivíduos terão necessidade de usar capacidades de pensamento crítico e criativo.
Tema: Museus de arte e relacionamentos educativos
Palavras chave: Pesquisa Intervenção, Mediação Cultural, Museu, Pequena Infância.
O Pós‐museu pressupõe que as comunidades sejam tidas em conta nas tomadas de decisão.
Configurar um campo de investigação em que o pesquisado tem voz
e se apresenta como um agente social e individual
transforma essencialmente a prática da pesquisa.
Portugal, p.18
Esta mudança dá poder às comunidades e faz prever “uma revolução nos museus” (WEIL,
2007). Para que a revolução nos museus aconteça é preciso profissionais e públicos que saibam
pensar crítica e criativamente.
Referências Bibliográficas
Falk, John H.; Dierking, Lynn D.; Adams, Marianna‐ Living in a Learning Society: Museums and Free‐
choice Learning. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum StudiesWiley ‐ Blackwell, 2011. ISBN
978‐1444334050. p. 323‐339.
Gartenhaus, Alan‐ Minds in Motion ‐ Using Museums to Expand Creative Thinking. expanded Third
edition. San Francisco, California, USA: Caddo Gap Press, 1997. ISBN 1‐880192‐21‐7.
Hein, George E.‐ Museum Education. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum Studies Wiley‐
Blackwell, 2011. ISBN 978‐1444334050. p. 323‐339.
A presente comunicação evidencia os caminhos metodológicos desenvolvidos na
pesquisa de Mestrado: “Mediação Cultural para a Pequena Infância – um projeto
educativo no museu Guido Viaro 1”, defendida em 2011. Através da Pesquisa
Intervenção objetivou-se a construção de um projeto educativo de forma compartilhada
entre educadores de Museu e educadores da pequena infância, atendendo as
Hooper‐Greenhill, Eilean‐ Interpretative Communities, Strategies and Repertoires. In Watson, Sheila‐
Museums and their Communities. London and New York: Routledge, 2007. ISBN 978‐0‐415‐40260‐6. p.
76‐94.
particularidades da cultura infantil na mediação cultural.
Hooper‐Greenhill, Eilean‐ Studying Visitors. In Macdonald, Sharon‐ A Companion to Museum
StudiesWiley ‐ Blackwell, 2011. ISBN 978‐1444334050.
educação da pequena infância no espaço do Museu, a partir da suas particularidades.
Lau, Joe Y. F.‐ An Introduction to Critical Thinking and Creativity. Think More, Think Better. New Jersey:
John Wiley & Sons, Inc., 2011. ISBN 978‐0‐470‐19509‐3 (pbk.).
Paul, Richard W.; Elder, Linda ‐ Critical Thinking. Tools for Taking Charge of your Professional and
Personal Life. Financial Times Prentice Hall, 2002. ISBN 0‐13‐064760‐8.
Robinson, Ken ‐ Out of our Minds. Learning to be Creative. Capstone Publishing Ltd, 2011 (1st ed.
2001). ISBN 9780857081490.
Tenreiro‐Vieira, Celina; Vieira, Rui Marques‐ Promover o Pensamento Crítico dos Alunos. Propostas
Concretas para a sala de aula Porto: Porto Editora, 2000. ISBN 972‐0‐34310‐9.
Weil, Stephen‐ The Museum and the Public. In Watson, Sheila‐ Museums and their communities.
London and New York: Routledge, 2007. ISBN 978‐0‐415‐40260‐6.
O estudo contribuiu para afirmar a relevância da temática no sentido de pensar a
Também revelou a carência que os setores educativos dos Museus possuem quanto ao
atendimento a esse público.
Nesse sentido a pesquisa se justificou pela possibilidade de abrir um diálogo
entre educação formal e educação não formal para que, juntos, pudessem descobrir um
caminho que levasse a pequena infância ao Museu.
Nessa perspectiva pretende-se discorrer brevemente sobre a metodologia
intervenção e a técnica de grupo focal, utilizadas no desenvolvimento da pesquisa2.
1
2
7
118
Museu Guido Viaro é uma instituição particular que abriga as obras do pintor Guido Viaro.
A
pesquisa
completa
encontra-se
disponível
para
consulta
http://community.univille.edu.br/mestradopcs/producoes/dissertacoes-mpcs/dissertacoes2011/index/337118?id=337118&nocache=1&preview=1
em:
119
Formação em Teatro e Formação de Públicos 2010/2013
Manuel Gama
CMEIs3, da RME4 da cidade de Curitiba, vem aumentando nos museus de arte e
percebe-se que, nos museus de forma geral e particularmente no contexto do Museu
Guido Viaro, não há um projeto educativo e nem profissionais capacitados para uma
“Formação em Teatro e Formação de Públicos
efetiva mediação cultural que atenda as particularidades desse público.
1ª fase da investigação (2010/2011)” (1)
Dessa forma, a necessidade de um projeto educativo que atendesse essa
Gama, M. (2)
demanda foi o que desencadeou o processo de intervenção no contexto educativo da
instituição.
Resumo
Com o objectivo de avaliar o papel que as escolas de ensino artístico especializado na área do
Portanto procurei responder a questão: Como desenvolver um projeto de
teatro têm na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura, foi estruturado um
mediação cultural para a pequena infância de forma compartilhada entre profissionais
estudo qualitativo a ser desenvolvido, em duas fases, em dois estabelecimentos de ensino da cidade do
do museu Guido Viaro e dos CMEIs de Curitiba?
Porto. Na 1ª fase foi efetuado um estudo transversal no qual participaram 75% dos alunos que em
outubro de 2010 estavam inscritos nos cursos de Teatro da Academia Contemporânea do Espectáculo
Dentro da pesquisa intervenção caracterizam-se sujeitos, tanto o pesquisador
(ACE) e da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Instituto Politécnico do Porto
quanto os pesquisados e ambos têm um papel ativo no processo da pesquisa. Nesse
(ESMAE). Na 2ª fase vai efetuar-se um estudo longitudinal até junho de 2013 com os alunos que, no
sentido três profissionais do Museu participaram diretamente na pesquisa, quatro
ano letivo 2010/2011, estavam inscritos no 1º ano de formação.
A 1ª tentativa de procura de respostas às perguntas que foram colocadas no início da investigação
profissionais dos CMEIs e dois profissionais da equipe educativa do Solar do Barão5,
permite reforçar a ideia de que as escolas de ensino artístico especializado na área de teatro podem ter
pelo fato de já terem realizado experiência com o público da educação infantil em
um papel importantíssimo na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura. No
parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba.
entanto também permite constatar que, nas escolas que foram objecto deste estudo, o trabalho
desenvolvido, neste campo específico, fica aquém do expectável e do potencial dos envolvidos.
O presente artigo tem por objetivo apresentar sinteticamente os resultados da 1ª fase do estudo
desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Artística do Instituto Politécnico de Viana do
Grupo Focal: Diálogos compartilhados
Castelo.
Palavras-chave da investigação: políticas culturais, formação de públicos, públicos da cultura,
O grupo focal (focus group) é uma técnica qualitativa de coleta de dados
práticas culturais, ensino artístico e formação em teatro.
originalmente proposta pelo sociólogo estadunidense Robert King Merton (1910 - 2003)
com a finalidade de obter respostas de grupos, a textos, filmes e questões.
BREVE APRESENTAÇÃO DE UMA INVESTIGAÇÃO EM CURSO
A finalidade principal dessa modalidade de pesquisa é “extrair das atitudes e
respostas dos participantes do grupo, sentimentos, opiniões e reações que resultariam
A questão da democratização cultural continua a marcar a agenda das
em um novo conhecimento.” (GOMES, 2005, p. 179).
políticas públicas, dada a persistência das desigualdades sociais no
acesso à cultura (José Machado Pais in Santos & Pais, 2010: 19).
O objetivo de desenvolver o grupo focal com a participação dos profissionais do
Museu e da pequena Infância foi o de obter saberes sobre a prática de visitas a museus
com crianças pequenas.
Foram planejados e desenvolvidos três encontros no museu Guido Viaro com os
(1)
A partir da comunicação apresentada no 2º Encontro Internacional de Educação Artística sobre a investigação
realizada, com a orientação do professor Doutor Luís Mourão, no âmbito do Mestrado em Educação Artística ministrado
pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
sujeitos da pesquisa e, através da técnica do grupo focal, questões importantes sobre a
(2)
Bolseiro da FCT no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
do Minho, assistente convidado do Instituto Politécnico de Viana do Castelo - mea0911@gmail.com.
Outubro-12
3
CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil.
4
RME – Rede Municipal de Educação.
5
Solar do Barão é um espaço cultural que abriga o Museu da Fotografia, o Museu do Cartaz, o Museu da
Gravura, o Centro de Pesquisa Guido Viaro, ateliês de gravura, litogravura e serigrafia, além da Gibiteca.
120
121
visita das crianças pequenas ao Museu foram levantadas e discutidas num movimento
nos CMEIs, mediados por mim, enquanto pesquisadora, pudesse acontecer. Essa
de interação entre os participantes, onde todos tiveram vez e voz. Questões como, quem
aproximação entre os profissionais foi fundamental e extremamente necessária, uma vez
é a pequena infância e quais são suas particularidades, qual é o tempo de atenção das
que o tema da discussão envolvia a todos. Assim ampliaram-se os conhecimentos sobre
crianças durante a visita, momento do lanche, a preparação dos professores antes da
a visitação das crianças da pequena infância ao Museu, estreitando os laços entre
visita, a preparação das crianças, a preparação do mediador quanto às especificidades da
educação formal e educação não formal e ainda, colocou-se a pequena infância como
pequena infância e a importância de formação e material de apoio ao professor. Essas
pauta principal da discussão.
questões revelam a possibilidade de a pequena infância adentrar o Museu.
Os momentos vivenciados durante os três encontros foram de fundamental
Bibliografia
importância, pois através da análise das discussões, foi possível realizar um
levantamento de algumas palavras consideradas como chaves para a elaboração do
projeto educativo: Preparação do Museu; Preparação do professor, Preparação da
criança; Planejamento; Acolhimento; Diálogo; Afetividade; Dinâmica; Ludicidade;
Estudo; Respeito; Conhecer a infância; Material Pedagógico e Avaliação.
Essas palavras, só fazem sentido pelo fato de representarem o resultado de
discussões entre sujeitos interessados pela temática “Mediação Cultural para a Pequena
Infância”. Pautada na fundamentação teórica e no aprofundamento das questões trazidas
nas discussões do grupo focal, sintetizadas no diagrama, é que se construiu o projeto
educativo para atender a pequena infância no Museu Guido Viaro, bem como, o
FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Sandra Netz. 2 ed. Porto
Alegre: Bookman, 2004.
GOMES, A. A. Apontamentos sobre a pesquisa em educação: usos e possibilidades
do grupo focal. Ecos – Revista Científica. São Paulo, 2005.
MOREIRA, M. I. C. Pesquisa-intervenção: especificidades e aspectos da interação entre
pesquisadores e sujeitos da pesquisa. In: CASTRO, L. R de e BESSET, V. L. (Orgs.)
Pesquisa-intervenção na infância e juventude. NAU: Rio de Janeiro, 2008.
PORTUGAL, F. T. A pesquisa –intervenção e o diálogo com os agentes sociais. In:
In: CASTRO, L. R de e BESSET, V. L. (Orgs.) Pesquisa-intervenção na infância e
juventude. NAU: Rio de Janeiro, 2008.
material educativo elaborado para atender as necessidades do professor interessado em
visitar o Museu e, principalmente, a criança que entrará em contato com a arte pela via
do lúdico.
Considerações finais
Ao abrir as portas para o desenvolvimento desta pesquisa, o Museu Guido Viaro
possibilitou a criação de um importante espaço de discussão sobre a pequena infância
no Museu, contribuindo no sentido de preencher essa lacuna no contexto educacional
atual, tanto formal, quanto não-formal.
Esse espaço de discussão foi possível por meio da pesquisa intervenção e da
técnica de grupo focal, pois um projeto educativo não poderia ser construído por um
olhar apenas, do pesquisador, ou do Museu, ou do professor, mas sim por esses vários
olhares compartilhados.
A pesquisa intervenção contribuiu na abertura de espaço para que o diálogo
entre os profissionais que atuam no Museu e os profissionais que atuam com as crianças
122
123
Um olhar desenfeixado para a educação a distancia: a partir do rio da
minha aldeia.
Leda Guimarães
Faculdade de Artes Visuais/UFG/Brasil
Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013
Formação em Teatro e Formação de Públicos foi o título que pareceu mais adequado para nomear um
estudo que tem como objectivo avaliar o papel que as escolas de ensino artístico especializado na área
do teatro têm na criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura.
A pertinência da investigação foi fundamentada com o recurso a diversos autores, entre os quais se
salientam: Augusto Santos Silva (in Gomes, 2004) que sublinha que a manutenção e formação de novos
No Brasil o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs- tem
aumentado significativamente a oferta de cursos superiores na chamada
Educação a Distância. Uma grande percentagem de adultos não consegue
entrar ou permanecer em cursos superiores diante da impossibilidade de
conciliar estudo e trabalho. Segundo Marta Maia, professora da Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo a graduação EAD vai crescer cada vez mais
porque o presencial não consegue atender toda a gente. Assim, a formação por
meio da “educação a distância” se torna um atrativo para muitos que vêem
nessa modalidade uma oportunidade de estudar sem deixar de trabalhar.
As políticas governamentais têm subsidiado as universidades públicas para
oferecem licenciaturas em áreas reconhecidamente carentes de profissionais
qualificados, como é o caso comprovado da área da educação artística. A
Universidade Federal de Goiás na região centro oeste do país oferece seis
cursos1 nesta modalidade dentre eles, o de Licenciatura em Artes Visuais. O
objetivo deste texto é refletir como a existência desses cursos tem provocado
deslocamentos no contexto da educação superior gerando situações que
apontam para uma democratização dos saberes como ferramenta de justiça
social necessária ao exercício de uma cidadania plena.
Em outras publicações tenho contextualizado a origem desse curso, os
impasses, detalhado ações pedagógicas, apontado dificuldades, etc
(GUIMARÃES, 2008, 2010). Para esse texto procurei resumir em pontos que
tem se revelado importantes para a minha experiência como
docente/pesquisadora no enfrentamento da formação de professores para o
campo de artes visuais em uma instituição pública de ensino superior no Brasil.
Não vou tratar aqui das dificuldades, estas são muitas, e claro que também
merecem uma reflexão apropriada. Para o momento enfatizar o que tenho
aprendido se faz mais importante pois são mudanças que tem impactado a
composição da minha agenda profissional.
Estes pontos resultam das minhas percepções, outras pessoas que
vivenciaram as mesmas experiências podem encontrar ou não ressonâncias
nas minhas reflexões. Podem trazer aspectos completamente diferentes, o que
enriqueceria a discussão que pretendo deflagrar. Sendo assim, espero que
estes pontos aqui organizados sejam vistos como estopins para novas
discussões, e não como um prontuário pedagógico sobre educação a distância,
porque eu mesma não acredito nos que encontro por aí.
públicos deve ser um trabalho continuado, que promova a aproximação às artes pela experimentação
expressiva e que faça uma articulação entre diferentes instituições públicas e privadas, ligadas ao ensino, à
cultura e ao associativismo; Rui Telmo Gomes (in Santos & Pais, 2010) que considera que o trabalho de
sensibilização e formação de públicos tem que passar, também, pela qualificação da formação dos
profissionais que o implementam; Maria de Lourdes Lima dos Santos (in Santos & Pais, 2010) que salienta
que nos últimos anos se tem observado um aumento na procura cultural, mas que este não é generalizado,
nem em termos de grupos sociais nem em termos de diversidade do consumo, e que, apesar do aumento
da escolaridade, a procura de práticas mais exigentes ainda não é acompanhada pelo aumento da oferta; e
Rosa & Chitas (2010) que relembram que, apesar do número de espectadores de teatro ter triplicado entre
2000 e 2008, a verdade é que os índices de afluência a este tipo de espectáculos eram tão baixos que só
em 2002 é que atingiram um valor igual ao número de espectadores que existia em 1960.
A investigação está a ser realizada no Porto por ser o concelho do território nacional que concentra o
maior número de escolas de ensino artístico especializado na área do Teatro. A ACE e a ESMAE foram os
dois estabelecimentos de ensino selecionados para a investigação por serem de níveis diferentes de
formação e por, no início do ano lectivo 2010/2011, serem as que, na região, tinha mais alunos inscritos nos
cursos de Teatro.
Em termos metodológicos, esta é uma investigação qualitativa que segue um modelo não-experimental
descritivo e que vai acontecer em duas fases. Na 1ª foi um estudo transversal no qual participaram 75% dos
alunos que, em outubro de 2010, estavam inscritos nos cursos de Teatro das duas escolas e na 2ª fase vai
efetuar-se um estudo longitudinal até junho de 2013 com os alunos que, no ano letivo 2010/2011, estavam
inscritos no 1º ano de formação.
A amostragem dos alunos participantes no estudo foi não-probabilística. Refira-se que, apesar de não
ser objectivo da investigação a generalização dos resultados, a verdade é que houve a preocupação de
tentar obter o máximo de participação possível por parte dos alunos dos dois estabelecimentos de ensino,
tentando que todos os cursos/variantes e anos de frequência estivessem representados.
O método que se está a utilizar é a análise de documentos centrada no problema: planos curriculares e
programas das disciplinas dos cursos em estudo, questionários aplicados aos alunos e textos relacionados
com o tópico em estudo.
O questionário, que está a ser o instrumento de recolha de dados privilegiado, foi criado de raiz e
estruturado em 4 partes distintas: a 1ª destinada a recolher os dados pessoais do inquirido; a 2ª com o
objectivo de caracterizar socioeconomicamente os alunos; a 3ª dedicada a aspetos relacionados com o
estabelecimento de ensino; e a 4ª dedicada às práticas culturais dos alunos. Para a recolha dos dados
referentes à análise do conteúdo dos planos curriculares e programas das disciplinas foi criada uma grelha
contendo duas unidades de análise. A 1ª para detectar nos documentos observados referências explícitas
124 1
A UFG oferece atualmente seis (06) cursos de graduação, na modalidade a distância: Administração
de Empresas, Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Educação Física e Física e os seguintes
cursos de especialização: Educação para Diversidade e Cidadania, Gestão Escolar, Metodologia do
Ensino Fundamental e Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia.
ao objectivo de desenvolver as práticas culturais dos alunos, e a 2ª para as referências explícitas ao
2
125
Manuel Gama
Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013
objectivo de desenvolver competências nos alunos para a criação de acções de sensibilização de novos
Sobre o papel que as escolas deveriam desempenhar no desenvolvimento das práticas culturais dos
seus alunos é importante relembrar o perfil que Santos nomeou de tipo cultivado de práticas culturais de
públicos para a cultura.
Na apresentação e discussão dos resultados da 1ª fase, que ocorreu em fevereiro de 2011, optou-se
por dar especial atenção aos dados obtidos pela análise dos questionários, pois verificou-se que davam
indicadores muito importantes para as respostas às questões de investigação. Assim, os dados referentes à
análise dos outros documentos foram utilizados, essencialmente, para reforçar, sublinhar ou encontrar
algumas justificações para os resultados obtidos.
Em dezembro de 2013, vão ser apresentadas as conclusões finais do estudo que vão conter uma
análise comparativa entre os resultados das duas fases da investigação e um diagnóstico do impacto que
as sugestões apresentadas no final da 1ª fase tiveram na ação das escolas e nas práticas culturais dos
alunos.
saída e que poderá ajudar a perceber o conceito de práticas equilibradas e diversificadas. Para a autora,
este grupo que integra os públicos da cultura caracteriza-se por em primeiro lugar ir a museus, visitar
exposições, monumentos e sítios arqueológicos, em segundo lugar ir ao teatro e a espectáculos de dança,
em terceiro lugar ir a concertos de música erudita/clássica e em quarto lugar ir a bibliotecas, ler livros e ir a
concertos de música popular/moderna (Santos, 2007: 154).
Convém ainda não esquecer que Garcia considera que a emissão das políticas culturais não está
circunscrita à esfera das administrações central e local, logo as escolas, e neste caso as escolas de
formação artística especializada, também têm uma função a cumprir, “sendo indispensável a visibilidade
acerca das suas orientações, das suas estratégias e das suas práticas” (in Santos & Pais, 2010: 222).
Assim sendo, o papel que as escolas deveriam desempenhar no desenvolvimento das práticas culturais
dos seus alunos poderia reger-se, por exemplo, pelos cinco desafios que Silva (2007) lança aos
1ª TENTATIVA DE RESPOSTA ÀS QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
responsáveis pela definição das políticas culturais autárquicas, ou seja, as propostas culturais dos docentes
para os seus alunos deveriam apostar na diversidade, na actualidade, na dimensão e na continuidade, mas
Que processos enformam a realização de práticas de natureza
também na capacidade de medir o impacto dessa mesma acção.
expressiva (isto é, fazer teatro, tocar um instrumento musical, pintar,
2. Que tipo de actividades é que as escolas de teatro promovem para o desenvolvimento das
desenhar, praticar dança/ballet ou outras) para que estas possam
práticas culturais dos seus alunos?
constituir-se como estratégias de formação de públicos para a cultura
(Vanda Lourenço in Gomes, 2004: 165)?
Apesar de o desenvolvimento das práticas culturais ser um trabalho implícito e transversal na formação
de qualquer artista, a verdade é que na análise que foi feita aos programas das disciplinas ou fichas das
unidades curriculares dos cursos não foi encontrada qualquer referência que permitisse concluir que
1. Será que os alunos dos cursos de teatro se sentem impulsionados pelos docentes a
participar, enquanto público, na vida cultural da cidade/região onde estão inseridos?
Os resultados obtidos pela análise das respostas ao questionário implementado em outubro de 2010
são claros e mostram que a maioria dos alunos da ACE e da ESMAE se sente impulsionada pelos
professores a participar na vida cultural da cidade/região.
houvesse alguma cujos objectivos específicos e competências a desenvolver estivessem directamente
relacionadas com o incremento das práticas culturais dos alunos. Tendo em consideração as respostas
mais dadas nas duas escolas – espectáculos de teatro, sessões de cinema e eventos no estabelecimento
de ensino – constata-se que as propostas dos docentes com este objectivo específico se centram muito na
proposta de eventos culturais como actividades extracurriculares e que as propostas são desequilibradas e
pouco diversificadas pois são essencialmente na área de formação da escola e não têm uma particular
É importante, no entanto, sublinhar que o facto de os alunos se sentirem estimulados para se
atenção o ano e curso de frequência, nem as práticas culturais que os alunos têm.
envolverem na vida cultural não é sinónimo de que o incentivo que lhes é dado seja o mais adequado.
3. Quais as diferenças entre as práticas culturais dos alunos no 1º ano e os alunos do último
Tendo em consideração as respostas obtidas, as propostas dos docentes centram-se muito na área de
ano dos cursos de teatro?
formação da escola sem terem uma particular atenção às práticas culturais dos próprios alunos e à, cada
No cômputo geral, os hábitos culturais dos alunos dos dois estabelecimentos de ensino analisados são
vez maior, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade das áreas artísticas.
Sublinha-se que na pergunta do questionário que originou esta conclusão só era pedido aos alunos que
referissem os três tipos de eventos culturais mais frequentemente incluídos nas propostas apresentadas
pelos docentes para a participação dos alunos na vida cultural da cidade/região. Assim, poderia ser
invocado que o facto de um tipo de evento não ser mencionado pelos alunos nos três primeiros lugares não
ser sinónimo de esse ser um evento pouco proposto pelos docentes. No entanto, realça-se que as
disparidades entre o número total de respostas dos diferentes eventos mencionados pelos alunos, leva a
crer que as propostas dos docentes são realmente desequilibradas e pouco diversificadas, centrando-se
126
nos espectáculos de teatro, nas sessões de cinema e nos eventos no estabelecimento de ensino.
Outubro-12
muito semelhantes em praticamente todas as práticas culturais objecto de estudo. Os alunos têm consumos
desequilibrados e pouco diversificados, com a Internet e os espectáculos de teatro a serem, nos dois grupos
de práticas estudadas, os dois hábitos mais frequentes. Saliente-se que os hábitos de leitura constituem a
mais significativa das diferenças, com os alunos da ACE a lerem bastante mais que os da ESMAE. Na ACE,
comparativamente com os alunos do 1º ano, os alunos do 3º ano têm consumos inferiores de Internet,
leitura, sessões de cinema e televisão, e superiores de espectáculos de teatro e de dança. Na ESMAE, os
alunos do 3º ano têm consumos inferiores de espectáculos de dança, leitura, sessões de cinema e
superiores de espectáculos de teatro, Internet e televisão.
4
127
Manuel Gama
Formação em Teatro e Formação de Públicos 2101/2013
É importante salientar que a 1ª fase do estudo foi transversal, o que faz com que, eventualmente, as
As escolas de ensino artístico especializado na área do teatro podem ter um papel importantíssimo na
diferenças diagnosticadas entre as práticas culturais dos alunos do 1º ano e as dos alunos do 3º ano
criação, formação e manutenção de novos públicos para cultura, no entanto, os resultados da 1ª fase da
possam não estar completamente relacionadas com a frequência da escola. Tanto mais que quando se
investigação, permite chegar à conclusão que a acção da ACE e da ESMAE, neste campo específico, fica
abordam questões ligadas às práticas culturais é necessário ter também em linha de conta aspectos como
muito aquém do expectável e do potencial dos envolvidos.
as experiências no âmbito da educação artística, as práticas artísticas amadoras, a oferta cultural e a
origem socioeconómica. Os alunos objecto do estudo têm origem socioeconómica muito semelhante e,
como as duas escolas estão sedeadas no Porto, a oferta cultural ao dispor dos alunos é a mesma. No que
concerne às experiências anteriores no âmbito da educação artística os alunos da ESMAE frequentaram-
Assim, seguem algumas sugestões que poderiam, sem grande esforço ser implementadas nas escolas
de teatro com o objectivo de promover uma ponte mais estreita entre a Formação em Teatro e a Formação
de Públicos:
1. Aquando da entrada na escola poderia ser efectuado um diagnóstico objectivo e pormenorizado
nas mais, mas, em contrapartida, são os alunos da ACE que actualmente têm mais práticas artísticas
sobre as práticas culturais dos alunos através de um questionário que seria repetido a meio do 2º
amadoras.
ano de formação e no final do curso. Por um lado, isto permitiria saber a real influencia que a escola
4. Será que os alunos dos cursos de teatro são motivados para desenvolver no futuro,
tem na evolução dos hábitos culturais dos seus alunos, tornando possível medir efectivamente e
enquanto artistas, actividades que contribuam para a criação, formação e manutenção de
objectivamente a diferença entre as práticas dos alunos no início do curso e no fim do curso. Mas
novos públicos para a cultura?
por outro lado, e sobretudo, permitiria traçar um plano de actividades adequado ao público a que se
destina e que poderia ir sendo adaptado em função dos resultados que a sua implementação fosse
Os resultados obtidos não deixam margem para dúvidas e mostram que a maioria dos alunos considera
originando.
que as escolas os motivam de forma muito positiva para que no futuro, enquanto artistas, venham a
2. As propostas de práticas culturais efectuadas pelos docentes ao longo dos anos de formação
desenvolver actividades que contribuam para a criação, formação e manutenção de novos públicos para a
deveriam contribuir para que, quando saíssem da escola, os alunos tivessem hábitos culturais
cultura. Saliente-se que esta sensibilização deve estar a ser feita de forma tácita, pois nos programas das
equilibrados e diversificados.
disciplinas ou fichas das unidades curriculares não figura nenhum conteúdo programático específico para o
3. O carácter extracurricular que tem grande parte do trabalho que as escolas promovem com o
desenvolvimento dessa competência nos alunos.
objectivo de contribuir para o desenvolvimento das práticas culturais dos alunos deveria ser
Refira-se ainda que, tendo em consideração as suas práticas culturais, dificilmente os alunos da ACE e
acompanhado por um trabalho que, sem perder a transversalidade, poderia estar centralizado numa
da ESMAE terão a capacidade de se tornar no “que Bourdieu apelidou de «novos intermediários culturais»”
disciplina ou unidade curricular que permitisse não só o desenvolvimento do sentido estético, crítico
(João Teixeira Lopes in Gomes, 2004: 46). Apesar de serem jovens e escolarizados, a verdade é que estes
e argumentativo dos futuros artistas, mas também a criação de públicos com uma visão mais
alunos não detêm um “capital cultural consolidado” (Ibidem: 46) que lhes permita ser um público habitual
abrangente do próprio conceito de cultura e arte. Sobre o trabalho extracurricular, refira-se ainda
das diferentes formas de expressão artística e muito menos um público cultivado, que, como já foi referido,
que se julga que ele deveria continuar a ser desenvolvido, mas de forma concertada num único
se caracteriza por integrar no seu consumo cultural um conjunto diversificado de práticas culturais de saída
projecto que poderia ser nomeado, por exemplo, de Comunidade de Espectadores, que poderia
e ainda a leitura de livros (Santos, 2007). Assim sendo, se não houver uma alteração nas suas práticas
funcionar com um espaço de partilha e debate em torno das práticas culturais da comunidade
culturais, estes futuros artistas provavelmente não conseguirão exercer convenientemente a função de
escolar.
mediadores culturais pois esta baseia-se no “princípio de que existe uma série de clivagens de tipo cultural”
4. Ao longo da formação deveriam ser integrados no programa de, pelo menos, uma disciplina ou
(Ginzburg, 1981: 131) que só podem ser colmatadas através um papel activo, muitas vezes “comparável a
unidade curricular, conteúdos programáticos específicos que, de forma explicita, alertassem e
um filtro” (Ibid.), cujos objectivos principais consistem em atenuar os défices na procura das diferentes
sensibilizassem os alunos para a importância dos artistas desenvolverem actividades no âmbito da
formas de expressão artística e reforçar as práticas culturais dos envolvidos.
criação, formação e manutenção de novos públicos para a cultura. Desta forma, sublinhar-se-ia a
importância da relação entre os artistas e os fruidores das suas obras.
NOTAS FINAIS EM JEITO DE CONCLUSÃO…
A terminar, salienta-se que as sugestões apresentadas se situam ao nível da grande generalidade, mas
que poderão ser contributos importantes se articuladas e integradas num programa mais abrangente
O que é admirável é o facto de o teatro ser exactamente o lugar de
encontro entre as grandes perguntas da humanidade, os grandes
baseado no “vasto manancial, já avaliado e validado, de experiências emancipadoras levadas a cabo dentro
do paradigma da democratização cultural” (João Teixeira Lopes in Santos & Pais, 2010).
problemas da humanidade, a vida, a morte… e a dimensão artesanal,
extremamente prática (Brook, 1993: 70).
128
129
Outubro-12
6
Manuel Gama
BIBLIOGRAFIA
Um olhar desenfeixado para a educação a distancia: a partir do rio da
minha aldeia.
Leda Guimarães
BROOK, Peter (1993), O diabo é o aborrecimento, Porto, Edições Asa.
Faculdade de Artes Visuais/UFG/Brasil
GINZBURG, Carlo (1981), A Micro-história e outros ensaios, Lisboa, Difel.
GOMES, Rui Temo (coord.) (2004), Os Públicos da cultura, Lisboa, Observatório das Actividades
Culturais.
ROSA, Maria João Valente & CHITAS Paulo (2010), Portugal: os Números, Lisboa, Relógio D’ Água
Editores.
SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos & PAIS, José Machado (org.) (2010), Novos trilhos culturais:
práticas e políticas, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.
SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos (coord.) (2007), A Leitura em Portugal, Lisboa, Gabinete de
Estatística e Planeamento da Educação.
SILVA, Augusto Santos (2007, Maio), “Como abordar as políticas culturais autárquicas?”, Sociologia,
problemas e práticas – número 54, Lisboa, CIES-ISCTE CELTA, 11-33.
No Brasil o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs- tem
aumentado significativamente a oferta de cursos superiores na chamada
Educação a Distância. Uma grande percentagem de adultos não consegue
entrar ou permanecer em cursos superiores diante da impossibilidade de
conciliar estudo e trabalho. Segundo Marta Maia, professora da Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo a graduação EAD vai crescer cada vez mais
porque o presencial não consegue atender toda a gente. Assim, a formação por
meio da “educação a distância” se torna um atrativo para muitos que vêem
nessa modalidade uma oportunidade de estudar sem deixar de trabalhar.
As políticas governamentais têm subsidiado as universidades públicas para
oferecem licenciaturas em áreas reconhecidamente carentes de profissionais
qualificados, como é o caso comprovado da área da educação artística. A
Universidade Federal de Goiás na região centro oeste do país oferece seis
cursos1 nesta modalidade dentre eles, o de Licenciatura em Artes Visuais. O
objetivo deste texto é refletir como a existência desses cursos tem provocado
deslocamentos no contexto da educação superior gerando situações que
apontam para uma democratização dos saberes como ferramenta de justiça
social necessária ao exercício de uma cidadania plena.
Em outras publicações tenho contextualizado a origem desse curso, os
impasses, detalhado ações pedagógicas, apontado dificuldades, etc
(GUIMARÃES, 2008, 2010). Para esse texto procurei resumir em pontos que
tem se revelado importantes para a minha experiência como
docente/pesquisadora no enfrentamento da formação de professores para o
campo de artes visuais em uma instituição pública de ensino superior no Brasil.
Não vou tratar aqui das dificuldades, estas são muitas, e claro que também
merecem uma reflexão apropriada. Para o momento enfatizar o que tenho
aprendido se faz mais importante pois são mudanças que tem impactado a
composição da minha agenda profissional.
Estes pontos resultam das minhas percepções, outras pessoas que
vivenciaram as mesmas experiências podem encontrar ou não ressonâncias
nas minhas reflexões. Podem trazer aspectos completamente diferentes, o que
enriqueceria a discussão que pretendo deflagrar. Sendo assim, espero que
estes pontos aqui organizados sejam vistos como estopins para novas
discussões, e não como um prontuário pedagógico sobre educação a distância,
porque eu mesma não acredito nos que encontro por aí.
1
A UFG oferece atualmente seis (06) cursos de graduação, na modalidade a distância: Administração
de Empresas, Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Educação Física e Física e os seguintes
cursos de especialização: Educação para Diversidade e Cidadania, Gestão Escolar, Metodologia do
Ensino Fundamental e Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia.
130
131
Outubro-12
ponto 1 - construção colaborativa - escritas compartilhadas,
Este ponto diz respeito a construção do curso, do material didático, do
planejamento de aulas, atividades, avaliações, etc. Pensar um curso de
qualquer maneira envolve uma construção coletiva, mas nem sempre, a
execução do mesmo exige essa coletividade. No caso do nosso curso de
Licenciatura em Artes Visuais, equipes foram se formando e interagindo: a
pedagógica, a de design instrucional, a técnica administrativa, etc. Muitas
vezes, pela escassez de recursos finaceiros ou de pessoal, as equipes se
superpõem nas suas funções. Mas há um interrelacionamento entre as
diversas instâncias, vou citar alguns exemplos. Na construção do material
pedagógicos, dos textos, autores especialistas são convidados, mas estes nem
semprem sabem para que público estão escrevendo sendo necessário o apoio
da equipe pedagógica que tem a devida formação em artes visuais e já tenha
vivência com o curso. Por sua vez, o texto sofre interferências de sugestões
gráficas e de formatação. Esse conjunto de interfências volta para o autor
apreciar e dar o seu aprovo final. Pedimos um texto sobre Teorias da Arte para
a professora Teresinha Losada que prontamente nos enviou. Ao lermos o texto
da professora tivemos a idéia de atravessa-lo com informações de produções
de cinema que correspondessem aos metódos discutidos no texto original.
Outro exemplo é o da professora Noeli Batista que ao ser desafiada a produzir
o material da disciplina Leitura e Interpretação de Imagens fez parcerias
surpeendentes. Por meio da internet ela localizou um excelente texto sobre o
assunto da professora da Unicamp Maria Emilia Sardelich. Localizando o email
da autora, a profa. Noeli propôs uma escrita colaborativa que foi aceita pela
profa. Maria Emilia. Além disso, como a profa. Noeli havia trabalhado esta
disciplina no curso presencial e realizado exercícios performativos com seus
alunos, incorporou a experiência dos mesmos neste material tornando-o
singular.
Em termos de planejamento das disciplinas, cito meu proprio exemplo na
organização da disciplina de Metodologias para o Ensino de Artes Visuais. O
planejamento das atividades e das dinâmicas se deu em conjunto com a
equipe de tutores, em especial com a tutora Joanna Penna, que é formada em
Design Gráfico e também em Licenciatura em Artes Visuais, e é o que
podemos chamar de persona tecnológica. A medida emq ue íamos discutindo a
divisão dos tópicos por semanas, Joanna ia trazendo sugestões de dinâmicas
inerativas como jogos, animações, que tornaram a aprendizagem mais efetiva
e lúdica segundo depoimento dos próprios alunos. Muitos outros exemplos
poderiam ser citados, mas ficam estes aqui para demosntrar diversas
instâncias de construção colaborativa.
ponto 2- processos colaborativos
Este ponto decorre do anterior, mas merece uma partcularização devido a
importância que tem em relação a situação da produção de conhecimento no
Brasil. publicações de partes de monografias, teses, textos roduzidos para
eventos, aulas organizadas para cursos presenciais, se transofrmam em
materiais didáticos e passam a circular de forma efetiva na formação de novos
professores ou na qualificação daqueles já estão em exercício da profissão.
Este tem sido o nosso lema, usando a imagem do garimpar, realizamos busca
de textos produzidos ou de pessoas que são reconhecidas pela excelência em
determinada área que possam contribuir com o curso cedendo ou produzindo
132
material que por sua vez, irá passar pelo processo colaborativo de construção
descrito no ponto anterior. São muitos o exemplos que podemos trazer
dificultando a escolha, o professor Fábio Rodrigues (URCA) compartilhou
conosco da sua tese defendida em Sevilha nos produzindo um texto sobre
Didática e Ensino das Artes Visuais, a profa. Analice Pillar Dutra (UFRGS)
sobre Leitura de Imagens, a profa. Ana Mae Barbosa(USP), sobre.....a profa.
Irene Tourinho (UFG) sobre Cultura e Currículo, texto elaborado a partir das
suas aulas no presencial, o prof. Raimundo Martins (UFG) sobre Cultura Visual
tambem com base nas suas aulas do curso presencial, eu mesma pude
sistematizar e propor as disciplinas de Estágio Curricular (I, II e III) a partir das
aulas presenciais e das reflexões realizadas em diversos eventos, a profa.
Rogéria Eller (UFG) escreveu também para uma disciplina de estágio um
material a partir da sua dissertação de mestrado em que investiga
representações de identidades juvenis no espaço do orkut.
ponto 3 - circulação da produção do conhecimento
A circulação do conhecimento que está sendo produzido pode ser
exemplificado pelas constantes trocas de textos publicados que tem acontecido
entre várias universidades que oferecem o curso de Licenciatura em Artes
Visuais na modalidade a distância. O material de Estágio escrito por mim e pelo
prof. Ronaldo Oliveira (Universidade Estadual de Londrina) foi compartilhado
com as universidades de Brasília (UnB), do Maranhão (UFMA), de Montes
Claros (Unimontes) e ainda com a Universidade Federal do Espiríto Santo
(UFES) onde aos autores inciais (Leda e Ronaldo ) se somaram mais outras
duas autoras (Moema Rebouças e Letícia Mesquita). Quatro autores que "têm
como pressuposto a mesma concepção de estágio, ou seja, uma prática de
pesquisa dentro da dimensão cultural." (UFES, 2011). Para os autores, a
disciplina Estágio é a oportunidade do estudante aprofundar os seus estudos,
participar do cotidiano escolar e se preparar para as várias intervenções nos
espaços educativos durante a sua carreira profissional.
O material de Antropologia da arte e da imagem escrito pela professora Miriam
Costa Manso (UFG) incialmente produzido para nosso curso da UFg foi
compartilhado com as mesmas universidades citadas acima. Ou seja,
procuramos não só tirar a produção do conhecimento das gavetas e dos
armários acadêmicos, mas ativar esta produção fazendo circular de forma viva
e significativa pois está reverberando na construção do conhecimentos de
novos professores de artes visuais espalhados em diversos locais do Brasil,
que é outro ponto que irei abordar mais adiante.
Ponto 4 - Sistematização do conhecimento em eventos científicos
O terceiro aspecto é que muitos atores desse processo (professores, tutores e
alunos) estão produzindo novas reflexões a partir de suas vivências nos cursos
por meio da participação principalmente em eventos da área. Se formos
mapear os eventos de arte/educação (juntos ou separados) dos últimos cinco
anos veremos uma crescente participação de comunicações e relatos de
experiências que abordam a formação de professores em artes visuais em
cursos na modalidade a distância discutindo vários aspectos: uso de
ferramentas, concepções de educação, estágios, práticas de atelier, uso de
portifólios, etc. Um exemplo mais pontual é o do Seminário de Estágio
"Mapeando e Cartografando Experiências Docentes" (edições 2011, 2012) que
o nosso curso realiza no qual os alunos apresentam comunicações sobre a
133
prática pedagógica gerando assim uma reflexão intríseca e situada a partir das
suas próprias experiências que ao serem expostas, passam pelo escrutínio do
exercício acadêmico.
ponto 5 - Processos de mediação: saberes e aprendizagens em processo.
ponto 7 - capilaridade da oferta - dos centros urbanos a população
ribeirinha
O ensino aprendizagem na educação a distância passa necessariamente por
processos colaborativos. Neste ponto quero enfatizar as relações de mediação
entre professores, tutores e alunos para mostrar como a posição entre estes
atores pode mudar de acordo com os tópicos abordados e as iniciativas de
investigação de fontes de consultas. Essa é umas das aprendizagens mais
fortes que tenho vivenciado nos fóruns de discussão propostos nas diversas
disciplinas. Coloca-se um tema gerador, uma questão ou uma proposta de
atividade para os alunos. Várias coisas podem acontecer: alguns alunos não
entendem e pedem mais explicações, nem sempre é o professor que trás a
elucidação, pode ser o tutor ou como muitas vezes acontece, outros alunos
socorrem os colegas com explicações detalhadas das proposições. Consultas
na internet, exemplos pessoais, experiências de outros cursos trazem mais
dados para os debates deslocando muitas vezes as figuras do professor e tutor
com condutores da ação pedagógica. Esse compartilhamento exige mais dos
professores mediadores, pois precisam estar atentos ao ritmo, ao foco, para
que a discussão não caia em "achismos" , que sejam fundamentadas, que as
leituras ocorram, percebendo quando há mudanças de posturas em relação a
uma determinada questão.
A ampliação do acesso ao ensino superior propiciado pelas tecnologias
ramifica-se em pequenas e médias cidades mudando o perfil das mesmas
mediante a extensão da vida universitária naqueles contextos. Assim, uma
parcela da população posta à margem que não tinha possibilidade de viajar
para centros maiores em busca de formação superior hoje compõe uma
universidade rizomática. Diversos cursos (graduação, especialização,
capacitação) tem sido ofertados tanto nas capitais e cidades de grande e
médio porte mas também, em cidades pequenas configurando uma malha
expandida e complexa dessa oferta. A expansão nao é unilinear, podemos
achar uma universidade de "periferia" ofertando cursos para cidades de médio
porte de estados considerados centrais, como tambem em pequenas cidades
onde as condições para um ensino superior não existiriam de outra forma. A
UnB oferece cursos de artes visuais em regiões amazonicas onde só se atinge
o local de barco assim como mantem um polo em uma cidade do interior de
São Paulo. A UFG oferece formação de Licenciatura em Biologia em MaputoMoçambique.
ponto 6- migrações/intercâmbios de migrantes e nativos tecnológicos
A oferta do curso opera de forma global/local. As tecnologias e conexões na
rede www tem promovido glocalismos tanto na cultura local como no repertório
artístico cultural dos alunos, bem como na própria dinâmica da oferta do curso
com seus conteúdos pre-determinados. Ao trazer a relação arte e cultura para
as questões do cotidiano, para as questões da vida prática e para as
possibilidades dos contextos locais os estudantes se sentem mais próximos
desse conhecimento e passam a compreender a importância do mesmo em
suas vidas. Ao mesmo tempo pesquisam e interagem com produções nacionais
e internacionais via pesquisa, viagens e experiências virtualizadas em site e
prgramas como o second life. Nosso curso busva promover a hibridização dos
conhecimentos vindos da experiência cotidiana, da cultura popular, dos
saberes tradicionais, e a apropriação cultural e pedagógica das tecnologias da
imagem. Em um curso que necessita construir nos seus estudantes repertórios
imagéticos diversificados o acesso as tecnologias é decisivo na construção de
uma cultura mais democrática em termos de valores estéticos. Nas décadas de
90 o uso de imagens nas aulas de artes era precário longe dos grandes
centros. Hoje, essas imagens são acessadas em em sites virtuais e nossos
estudantes tem se apropriado de blogs, home pages, redes sociais para tanto
para registrar o processo de suas aprendizagens como também para o
exercício docente nos contextos em que atuam.
A dissipação de fronteiras entre indivíduos mais velhos (migrantes digitais) que
entram no universo digital pode ajudar no convívio e compreensão de
indivíduos mais novos (geralmente alunos) que sao nativos digitais (LEVY,
2008). No nosso caso, em geral os professores (como eu) são migrantes,
nossos tutores são nativos e nossos alunos na sua maioria também são
migrantes, mas, se projetarmos a atuação destes em sala de aula, estes serão
os migrantes em contato com os nativos (alunos). Este deslocamento de
posições pode ajudar a dissipar fronteiras muito frequentes no contexto escolar
onde as tecnologias de móveis como o celular, são expulsas da sala de aula e
o computador, uma novidade forçada pelas políticas educacionais, foca
esquecido a parte ou usado como hora de recreação.
Os professores formados por meios das tecnologia terão enfrentado
dificuldades mas também foram desafiados a usar as tecnologias como
ferramentas, e mais, percebendo as tecnologias como parte de determinadas
culturas juvenis. As mídias eletrônicas são agenciadoras de informações e
saberes que vão muito além dos currículos escolares. Nesse sentido, surgem,
a cada dia, hibridizações de conceitos que tentam nos situar nessa fluidez da
vida digital: Second Life, midiarte, CreativeCommons, capitalismo cognitivo,
economia pós-Google, interterritorialidade, transterritorialidade, etc. O caráter
interativo das redes também propicia a busca e troca de informações,
principalmente, por intermédio das imagens, além de problematizar o
tradicional conceito de autoria, pois “o conceito de autor se combina com o
conceito de interpretação porque cada vez que se interpreta uma imagem está
sendo construída uma forma de autoria” (MARTINS, 2006: 73). O acesso ao
conhecimento via sites de busca, cinema, televisão, computador, internet,
celular e mp3 (ou 4, 5, 6, etc...), descentralizam e desestabilizam a figura e a
134
função do professor como o detentor de conhecimento e responsável pela sua
“transmissão”.
ponto 8 - conexões entre local e global: glocalismos
Atando e destando os pontos - a guisa de conclusão.
Todos os pontos aqui colocados são fontes que podem gerar muitas
investigações de vários níveis, de graduação a pós graduação. E para isto tem
um material já acumulado em forma de experiências dos diversos atores do
processo, muitos já refletindo em comunicações em eventos, materiais
publicados (impressos e virtuais), organização dos Ambientes Virtuais de
135
Aprendizagem, Objetos de Aprendizagem produzidos, formas de mediação,
especificidades culturais da oferta de cursos por região, formação dos
professores que atuam nos cursos, impactos da oferta em cada região, atuação
dos egressos, e muitos outros pontos formam constelações de nós a serem
atados e desatados via processos investigativos. Um prato cheio para quem
gosta de desafios.
A ampliação do número de professores para ocuparem posições na educação
fundamental, o acesso a universidade de pessoas que geralmente não teriam
condições para tal, a diversificação dos atores que trabalham nos cursos, e
finalmente, a proposta multicultural do curso tem promovido trânsitos entre
saberes locais e globais revelando formas artísticas e culturais conectadas ao
cotidiano e a cultura popular. Sem perder a necessária postura crítica á
posturas tecnicistas, estamos considerando o acesso a formação qualificada, o
trabalho em rede que incorpora novos atores ao trabalho docente e os trânsitos
artísticos culturais como fatores de promoção de justiça social em um país que
historicamente tem deixado a margem da educação superior uma larga faixa da
população condenada a invisibilidade sócio econômica e cultural. Sabemos por
experiência própria2 que as tecnologias não são ferramentas mágicas que
operam por si mesmas transformações na vida de professores e alunos. Os
enfrentamentos nesse sentido são muitos, inclusive a luta contra orientações
tecnicistas dos órgãos de fomento que ao subsidiar a existência desses cursos
nas universidades públicas brasileiras esperam o retorno em números muito
mais do que em qualidade. Entretanto o desafio de expandir numericamente a
formação de professores em artes visuais foi tomado por nós professores da
FAV/UFG como um posicionamento político de fortalecimento da área.
Lembrando ainda que a educação em qualquer modalidade é um processo de
interrelacionamentos entre seres humanos (professores/estudantes/técnicos/)
que com os seus corpos e mentes navegam em possibilidades tecnologicas
(inclusive quadro e giz) para que processos de ensino-aprendizagem críticos
emancipatórios e significativos possam acontecer.
REFERÊNCIAS
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como Profissional Reflexivo. In: Nóvoa, António (org). Os Professores e a Sua
Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
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EAD. Licenciatura em Artes Visuais: módulo introdutório. UFG/FAV/CIAR.
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artes Visuais na modalidade de ensino a distancia: Entre a realidade e a
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Caxambu –MG. 2010.
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discursivização em um fórum. Anais Anpap, Rio de Janeiro. 2011.
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São Paulo: Mercado das Letras. 1998.(Coleção Leituras do Brasil).
Site:
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Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA – Plataforma Moodle. Licenciatura
em Artes Visuais. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais.
2
Estive na equipe que deu início ao curso,começando com a elaboração de projeto curricular e do
material pedagógico, passando pela construção dos polos de apoio presencial em várias cidades e na
coordenação pedagógico-administrativa de 2007 a 2011. Atualmente continuo trabalhando como
professora formadora na equipe pedagógica.
136
137
ESTÚDIO PASTILHA ELÁSTICA
*
CHEWING GUM STUDIO
Antecâmara da reescrita
Quando me é solicitada a rescrita de um texto, com a baliza temporal de meio ano, o
movimento que se gera é o equivalente ao desdobrar de uma folha. Abrir uma pasta, outra
pasta, seguir um caminho em raiz até ao artigo. Então abro-o e um movimento duplo ocorre
no meu pensamento: aqui aproximo-me do texto; ali afasto-me. Um texto produz a nossa
própria cabeça; está sempre em construção. Seria isto o que pretendiam quando me
propuseram uma reescrita? Em todo o caso também é necessário um exercício de memória, o
que implica ou outro: distanciamento. Esta revisão é então um colocar-me fora do texto;
olhar para ele e ver aonde é que lhe posso, dentro da potência em que se inscreve, dar-lhe
mais sustentação. Ora viajando por estas linhas vêm-me à memória questões que este texto,
através da minha fala, geraram no final da sua apresentação. Assim, em jeito de entrevista,
coisa aliás comum em escritas de Barthes ou Foucault, tentarei desdobrar ou “filigranar” o
meu discurso num modelo de escrita que não me reconheço: o da entrevista solilóquia. Será
Abstract
Este texto é o resultado de uma reflexão em acção e sobre uma acção, propondo pensar
a união simbiótica entre o professor-artista e a noção de estúdio expandido.
Podemos enquadrar este tema cruzando o tem do sido escrito sobre o conceito de professorartista (Daichendt, 2010) desde o campo particular da arte, com a investigação e
desmistificação em torno do conceito de estúdio como um espaço isolado para a produção
artística. Ora o estúdio, metaforicamente pensado como pastilha elástica, desenha através de si
um movimento ruminante, auto-reflexivo, ao mesmo tempo que propõe uma visão elástica e
expandida do conceito de estúdio, muito próxima do que Krauss (1972) denominou para o
campo da escultura. É transportando o pensamento do estúdio, do local do artista, para a sala
de aula, que este artigo propõe pensar os espaços de cruzamento do estúdio artístico com as
práticas desenvolvidas pelo professor-artista. Este entendimento do estúdio como um campo
expandido põe em causa o espaço modernista de criação individual e isolada do autor como
criador. Então, como se podem entender os limites deste esbatimento? Que possibilidades se
abrem? Que perigos se escondem por detrás destes pressupostos?
Palavras-chave: professor-artista, investigação/acção, estúdio, autor, campo expandido.
então, num exercício de não reconhecimento, de mascar lento e ruminante da pastilha
elástica que, numa forçosa exterioridade esta reescrita se fará; assim, numa canibalização dos
autores, irei propor-me a um exercício amoroso que lhes fará filhos, retirando deles o que
deles quero para a minha escrita, para pensar melhor o meu pensamento. Escrever torna-se
então numa “atividade em que aquele que escreve apenas escreve para saber o que quer dizer
(para dialogar com as ideias do seu corpo), para perder a sua consciência no ilimitado da
significância” (Barthes, 2009:121). Desta forma, as ideias ganharão necessariamente outros
prolongamentos sob a pele estreita duma mesma tipografia.
Estúdio pastilha elástica
Um aspeto de entrada neste texto prende-se na dificuldade em escrever sobre algo que
se passa na (in)visibilidade. Como escrever sobre um conjunto de procedimentos que se
opera de modo subjetivo? Ora a falácia presente nesta pergunta de entrada faz-nos esquecer
que a escrita “não é um instrumento de comunicação, não é um caminho aberto por onde
passa uma só intenção de linguagem. É toda uma desordem que se escoa através da fala, e lhe
dá este movimento aniquilado que a mantém num estado de eterno adiamento”
(Barthes,2006:21). Deste modo, podemos dizer que a escrita apresenta “um caráter de
fechamento que é estranho à linguagem falada”; ela é a “imagem de uma fala construída
muito antes de ser inventada”, acolhendo sob o mesmo verniz “a realidade dos atos e a
* Este texto é uma reescrita do artigo, com o mesmo nome, apresentado no II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA),
idealidade dos fins” (idem:21-22). É por isso que todos experienciamos a forma como as
realizado na cidade do Porto, nos dias 2,3,e 4 de Abril de 2012, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
coisas se modificam na passagem da palavra à escrita. Existem perdas; a escrita permite um:
“eu penso melhor, com mais firmeza” (1982:12) do que quando falamos. Então, se é pelo
138
139
texto que pensamos e produzimos conhecimento no meio académico, que possibilidades se
de fim-de-século. Falo da faculdade de ruminar (Nietzsche, 1990:15) ”. Mas então, que tipo
abrem a esta investigação? Como tentar não objetivar o subjetivo e ao mesmo tempo ser
de estúdio se desenha nesta experiência? O que é que ele transporta enquanto elemento
passível de ser considerado produção científica? Como transformar isto em discurso? Penso
exterior à sala de aula escolar/paisagem escolar?
que uma das possibilidades que se apresenta passa precisamente por aceitar a invisibilidade
De forma expandida ao que a tradição modernista impôs como imagem do estúdio
como algo inerente à especificidade da prática artística, entendendo esta múltipla
artístico: um espaço particular de produção individual e autónoma; o local aonde o artista
corporeidade da escrita. Um exemplo desta corporeidade dá-se quando percebemos que “o
produziria livremente o seu trabalho e, em isolamento, explorava e refinava as suas
corpo do leitor não é o corpo do escrevedor: um regressa ao outro; talvez seja a regra secreta
competências artísticas; um local encantado, uma câmara de privilégios, de domínio do
de toda a escrita: a «comunicação» passa por um inverso” (2009:98). Talvez seja esta a escrita
masculino, do autor isolado que em sofrimento, pelo ação do seu génio criativo, suspendia ou
do pensamento; a escrita desta investigação.
revertia as normas estabelecidas a favor da livre expressão e da independência. Optamos,
Ora esta produção discursiva trata-se de uma reflexão sobre um conjunto de
nesta linhas, por situar a nossa reflexão apoiada num conjunto de textos recolhidos por
experiências levadas a cabo pela figura do professor artista, com as suas turmas, num contexto
Michelle Graber e Mary Jacob, sob o título de “The studio reader” (2010). Chegam-nos
formal de ensino do segundo e terceiro ciclos do ensino básico. Mas para que melhor se
assim, um conjunto de visões de artistas sobre as múltiplas possibilidades que um estúdio
entenda o que aqui se trata, será importante nos situarmos relativamente ao que aqui se
pode configurar na atual prática artística. Deste modo, o estúdio aparece como um lugar
desenha como professor artista. O professor artista não pressupõe a adesão de um estilo de
destinado à experimentação, à prática, emergindo como “um lugar de ansiedade, de onde o
vida artístico, mas faz uso das capacidades mentais, técnicas e processuais do artista,
trabalho surge ou não surge (2010:13). Um espaço, para Suzanne Lacy, “aonde a reflexão e a
canalizando-as para a profissão de professor (James Daichendt,2010:61), devindo professor-
produção são de alguma forma indistinguíveis, a negociação é um importante método de
artista. Isto significa que nem todos os professores de arte são professor-artista. Serão apenas
‘fazer’ ” (idem:320). Robert Storr diz-nos que “os artistas trabalham aonde podem e como
aqueles que se debruçam sobre os modos do fazer e do pensar o seu trabalho artístico. É,
podem. Não há nada de misterioso acerca disto. Os artistas têm que ser pragmáticos mesmo
portanto, uma maneira de encarar o mundo que implica intrinsecamente uma reflexão, um
quando tentam não o ser, ou disfarçam por esconder o seu processo. O mistério e a maravilha
estudo e comprometimento permanente com o processo da prática artística e o ensino. É
estão no trabalho” (idem:62). Para Annika Marie:
através destas experiências que nos é permitido incorporar as diversas formas de ser, estar,
pensar e fazer do artista no seu estúdio, para o contexto de sala de aula. Por isso é importante
perceber-se que ser professor-artista não é apenas um foco na arte ou no processo artístico em
si, mas a utilização prática destas ideias na sala de aula, pela aplicação de um processo
estético de pensamento (idem:62). Neste campo, Josef Beyus, por exemplo, procurava um
“O estúdio do artista surge como uma rede de atores. Jogando com escala e orientação, através da
ambiguidade do termo arena, aquilo que é reforçado ou até agravado são as nossas formas de ver, os
nossos próprios processos de pensar, desafiando-nos a colocar a questão sobre que tipo de cenário é
preciso colocar para que determinado ator possa aparecer, ou vice-versa. Continua a decorrer uma
performance que tem a ver mais com metodologia do que com mitologia” (idem:84).
processo de ensino que alargasse as fronteiras do pensamento e da experiência. Era
valorizando a atmosfera inteletual das suas aulas, e os efeitos que estas produziam, que a sala
Por seu turno, Lane Relyea diz-nos que:
de aula se transformava num contexto propício para a realização de experiências artísticas.
Transfigurando a sala de aula no seu estúdio de trabalho, através do debate de ideias e da
performance, Beyus tornava-a numa experiência artística com o propósito de ensinar e
transformar. É, portanto, nesta sala de aula/estúdio onde o espaço relacional se constrói pela
distanciamento entre o artista e a sociedade, não se sustenta um tipo de identidade separada para o artista,
supostamente destilada a partir da privacidade e da profundidade do indivíduo soberano que o ocupa,
assim como o estúdio já não se identifica como um espaço separado e de resistência ou de auto-
subjetividade, onde se concretiza a relação com o outro, que o professor-artista aparece
determinação do trabalho do artista. Pelo contrário, o estúdio afirma-se como uma exterioridade. O artista
disponível para dialogar, questionar e sugerir, mantendo o processo em constante
liga-se ao estúdio como uma espécie de inventário ou base de dados, dando ao artista uma morada, um
(re)processo. Ora este ideia de continuum na sala de aula revindica “uma faculdade hoje
ponto específico na rede. O estúdio é agora o lugar aonde nós sabemos que podemos encontrar sempre o
muito esquecida […] uma faculdade que exige qualidades bovinas, e não as de um homem
140
“O estúdio deixa de ser considerado como uma torre de marfim, um espaço único e privado. Já não cria
artista, cada vez mais integrado e disperso pelo mundo ” (idem:345-349).
141
É desta forma nodal que o professor-artista ao expandir o estúdio para a sua sala de
unicidade do sujeito, a voz única e soberana do autor.
aula, gera o esbatimento das fronteiras entre a paisagem escolar e a arte, introduzindo os
Ora esta é uma ideia que atravessa várias instâncias ou conceitos, tais como o escritor
alunos no entendimento e na pesquisa em torno do processo artístico. O que é? Como se
em Barthes (1984) e a função-autor em Foucault (2002). No caso ocidental podemos dizer
processa? O que pode ser? Geram-se contextos para que alunos com uma formação não
que a função-autor se caracteriza por um mecanismo de apropriação, que nos permite
especializada em ensino artístico se familiarizem com metodologias próprias da arte,
estabelecer a fiabilidade da informação científica e a origem do texto literário, ao mesmo
permitindo-lhes, através de um olhar crítico e reflexivo sobre o quotidiano que os rodeia,
tempo que inicia um processo que “constrói um certo ser racional a que chamamos autor”
aceder a outros olhares sobre a realidade, num processo de aprendizagem que se deseja
(2002:50), permitindo-nos distinguir os diversos “eus” que os indivíduos ocupam na obra.
ruminante. Assim, ao contrário de uma sala de aula autónoma que transcende o seu contexto,
Para Barthes o autor é entendido como um sujeito social e historicamente construído, isto é,
o estúdio ao ser puxado para a paisagem escolar, para a sala de aula, está relacionalmente
produto de um ato de escrever. É o ato de escrever que faz o autor e não ao contrário. Assim,
condicionado e a condicionar o ambiente e o seu público, promovendo encontros
com o afastamento do autor, não há ninguém a quem se possa atribuir uma identidade, ou
intersubjetivos onde os significados são construídos coletivamente e não numa esfera
seja, tudo que poderia estabelecer-se a partir da nomeação do autor dissemina-se, entra em
individual (poderá ser isto a escultura beyusiana?). A elasticidade do estúdio permite que os
contato com outros textos, outras vozes. Sem autor…a quem atribuir a culpa? A
alunos não experienciem a obra ou projeto do exterior, mas que passem a integrá-la,
maternidade/paternidade da obra? A quem atribuir o ato redentor da criação? A quem imputar
inserindo-se no coletivo, criando uma comunidade com carácter temporário ou utópico. Deste
a criatividade? De quem é a voz que fala na sala de aula? Afinal, de quem é a culpa?
modo, o entendimento do estúdio como um campo expandido põe em causa o espaço
Quando falo de culpa, falo no âmbito do discurso que tenho vindo a proferir. Não é
modernista de criação individual e isolada do autor como criador. Então, como se podem
aquela que os diz que “tudo o que sofre, tudo o que está pregado na Cruz, é divino…”
entender os limites deste esbatimento? Que possibilidades se abrem? Que perigos se
(Nietzsche,1977:108). Aliás, o discurso foucauldiano diria que são aqueles que, sem quererem
escondem por detrás destes pressupostos?
falar de verdade e do poder, são os que deles mais falam. E eles bem percorrem o tecido
Num texto bem conhecido, “Sculpture in the expanded field”, Rosalind Krauss (1979)
referia que áreas como a escultura e a pintura tinham sido puxadas, esticadas e torcida numa
escolar. Por conseguinte, quando falo neste texto de culpa, a imagem que quero cruzar é a
seguinte:
demonstração extraordinária de elasticidade, uma demonstração da forma como um termo
cultural pode ser estendido ao ponto de poder incluir praticamente qualquer coisa. Como ela
“A «inocência» moderna fala do poder como se ele fosse apenas uma: de um lado os que o têm, do outro
própria referia:
os que não o têm; […] acreditamos agora que também é um objeto ideológico, que se insinua por todo o
“a suspeição que se lança sobre uma carreira que se move continuamente e de forma irregular para além
do domínio da escultura deriva obviamente da demanda modernista da pureza e da separação dos vários
médiuns (e assim, a necessária especialização dentro de um dado área artística). No contexto pósmoderno a prática não é definida em relação a um dado médium específico – escultura, neste caso -, mas
sim em relação às operações lógicas sobre um conjunto de termos culturais” (1972:42).
lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é
sempre um. […] Por todo o lado vozes «autorizadas», que se autorizam a impor o discurso de qualquer
poder: o discurso da arrogância. […]; chamo discurso do poder a todo o discurso que engendra a culpa e,
por conseguinte, a culpabilidade daquele que ouve ” (2007:12).
Como a “verdade não é uma coisa que uns possuem e outros não” (Nietzsche,1977:111), logo
a culpa de que falo não é senão a da proclamada morte do autor e da devolução do devir à
142
Assim, o campo expandido fornece ao mesmo tempo um conjunto de posicionamentos
escrita. Para os míopes das entrelinhas, o “trabalho de escrita em que pensamos hoje não
que o artista pode ocupar e explorar numa metodologia de trabalho, que não seja ditada pelas
consiste em melhorar a comunicação nem em destruí-la, mas em filigrana-la” (1984:69): falo
condições de um médium em particular. Pelo que neste campo elástico é óbvio que a lógica
do nascimento do aluno como leitor, pela morte do professor como autor. É desta
espacial do estúdio, e a prática artística, já não sejam organizadas em torno da definição de
exterioridade elástica que o professor se pode reescrever dentro do espaço escolar. Uma forma
um dado médium, fundado pelo seu material. E isto, tendo em conta que material do
de resistência, nada mais. Eu apenas “dispus e estendi os fios. Cabe a cada um estabelecer o
professor-artista são os seus alunos e a obra é construída relacionalmente, questiona-se a
seu desenho” (2009:34). A mais não me disponho.
143
Bibliografia
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Barthes, Roland (1984). O rumor da língua. Lisboa: Edições 70.
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Chicago: The University Chicago Press.
Foucault, Michel (2002). O que é um autor? Lisboa: Vega.
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October, Volume 8. (Spring, 1979), pp. 30-44. Acedido em 25 de Janeiro de 2012, em:
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FThesis%2FReadings%2FKrauss%2520%2520Sculpture%2520in%2520the%2520Expanded%2520Field.pdf&ei=l0M8T4o2yIrQBf2
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Nietzsche, Friedrich (1977). O Anti-cristo. Mem Martins: Publicações Europa-América.
Nietzsche, Friedrich (1990). A Genealogia da Moral. 5º Edição, Lisboa: Guimarães Editores.
O
Corpo
–
Aprendizagem
e
Movimento
Joana
Louçã
(Universidade
do
Minho/University
of
Warwick,
c.e.m
–
centro
em
movimento)
e
Sofia
Neuparth
(c.e.m
–
centro
em
movimento)
Resumo
O
centro
em
movimento
é
uma
estrutura
de
investigação
artística
de
Lisboa
que
há
20
anos
realiza
um
trabalho
contínuo
nas
áreas
da
Formação,
Investigação,
Criação
Artística,
Comunidade
e
Cidadania.
A
criatividade
é
uma
das
características
humana;
é
a
sua
capacidade
inventiva,
sensibilidade,
e
a
importância
que
imprime
às
ligações
que
estabelece
a
vários
níveis
que
lhe
confere
a
capacidade
de
gerar
conhecimento
e
cultura.
O
Corpo
na
Escola
tem
sido
matéria
de
investigação,
contudo
parece
urgente
uma
insistência
em
abordagens
que
relacionem
aprendizagem
e
corporeidade
em
continuidade.
A
prática
que
exercitamos
posiciona
a
arte
como
forma
de
conhecimento
e
a
corporeidade
como
potenciadora
do
reconhecimento
e
integração
de
informação.
É
nesse
sentido
que
apresentamos
um
projeto
específico:
Corpo
na
Escola
(o
ensino
de
currículo
do
primeiro
ciclo,
a
partir
do
movimento).
Palavras-‐Chave
Corpo;
aprendizagem;
movimento;
relações
corpo-‐escola-‐cidade;
continuidade.
Texto
A
infância
tem
sido
compreendida
sob
uma
perspectiva
adultocêntrica
(James
e
Prout,
1990),
que
define
as
crianças
pela
negativa
(Sarmento,
2003).
O
conceito
de
“socialização”
remete
para
a
condição
das
crianças
enquanto
seres
em
transformação
num
ser
social.
Este
conceito
é
desconstruído
por
vários
autores
(por
ex.,
Corsaro,
1997;
James,
Jenks
e
Prout,
1998),
que
vêem
as
crianças
como
seres
sociais
plenos,
ativos,
com
criatividade
e
capacidade
de
ação,
intervenientes,
sendo
atores
e
não
apenas
destinatários
passivos
na
construção
social
(Mead,
1970).
144
145
Foi baseado neste atual enquadramento educativo, em que a dança, por um
corpo em soluções de movimento, sendo uma aprendizagem corporal-
lado, por ter esta aparição ímpar no que respeita à reduzida e subjetiva
cinestésica. Esta ideia é sublinhada por Bradley e Szegda ao referir que “the
expressividade e, por outro lado, por ser a única expressão artística que no
bodily-kinesthetic is, in the fact, the first intelligence – the one from which the
plano curricular não tem um currículo próprio como área disciplinar de natureza
other areas derive. The primacy of the body-kinesthetic intelligence extends
artística, que nos motivámos a desenvolver este estudo, enveredando pela
beyond the years of infancy” (2006: 248) e ampliada por Griss: “(…) «Teach
abordagem de Educação pela Arte.
from the known to the unknown», you will understand the value of allowing
Sabendo, no entanto, das opiniões dissonantes geradas pelas conceções da
children to learn from their bodies” (1998: 14).
Arte na Educação (Artes na Educação versus Educação pelas Artes) e
acreditando também na importância da arte como área de estudo por si só na
146
O estudo
formação da criança, pensamos, no entanto, que a realidade educativa
Assim, este estudo, quasi-experimental, teve como objetivo principal verificar o
portuguesa, devido ao quadro legislativo que enquadra a educação artística
impacto
(ausência do professor especialista, reduzida formação dos professores
temas/conceitos das áreas disciplinares do Estudo do Meio (EM), Língua
generalistas na área artística, escasso número de horas às expressões
Portuguesa (LP) e da Matemática (M) assim como na capacidade criativa em
artísticas devido a subvalorização das expressões artísticas, em detrimento das
crianças do 2.ºAno do 1.ºCEB. Neste estudo, a variável independente é o tipo
outras áreas), está muito longe de ter práticas artísticas efetivas e concretas.
de intervenção, isto é, a forma de abordagem na transmissão de conteúdos
que
a
dança
tem
na
consolidação
da
aprendizagem
de
Achamos assim que a abordagem da Educação pela Arte poderá estar mais
(abordagem tradicional + dança versus abordagem tradicional exclusivamente)
próxima de ser entendida e concretizável neste quadro educativo, com as artes
e as variáveis dependentes são a aprendizagem (consolidação e retenção) de
a serem, também, um meio para atingir diferentes fins, proporcionando o
temas/conceitos do EM, LP e M e a criatividade.
desenvolvimento de diferentes saberes e de capacidades (Dobbs, 1998). Neste
A concretização do objetivo do estudo passou pela conceptualização de
sentido, há a convicção que as artes, uma vez que envolvem vivências que
sessões de dança criativa, de âmbito interdisciplinar, e decorreu em contexto
englobam o desenvolvimento de competências cognitivas, corporais, artísticas,
educativo. Esta parte do estudo foi realizada no ano letivo 2010/2011, teve
estéticas, afetivas e sociais, podem desempenhar um papel muito importante
início na 4.ªsemana de outubro e terminou na 1.ªsemana de abril. Esta
na aprendizagem da área académica e serem consideradas um instrumento
investigação baseou-se numa amostra que incluiu oito turmas (cento e
potenciador de diferentes saberes (Eisner, 1997), proporcionando experiências
sessenta e seis crianças com idades compreendidas entre 7 e 8 anos de
designadas por práticas interdisciplinares, uma vez que integram outras áreas
idade), do 2.ºAno, de duas escolas de Coimbra do 1.ºCEB, compreendendo
disciplinares. Neste contexto, a dança poderá assim ser considerada como
assim cinco turmas no grupo experimental e três turmas no grupo de controlo.
uma ferramenta interdisciplinar porque facilita a aprendizagem do concreto, por
Às turmas do grupo experimental, como forma de consolidação da matéria,
meio da criatividade e da imaginação, promovendo a transmissão de ideias, de
foram lecionadas aulas de dança criativas, na esfera interdisciplinar,
temas e de conceitos através de movimentos expressivos (Hanna, 2001;
desenvolvidas a partir de conteúdos das áreas disciplinares aprendidos na sala
Bucek, 1992). Assim, as atividades que envolvem o movimento relacionadas
de aula. Assim, estas cinco turmas foram sujeitas à consolidação dos
com os conteúdos das outras áreas curriculares poderão estimular as
conteúdos através de aulas de dança e nas turmas do grupo de controlo a
aprendizagens tornando-as ativas, concretas e físicas (Zwirn, 2005; Lazaroff,
consolidação efetuou-se através da metodologia tradicional com o professor da
2001). Em consequência, a dança poderá potenciar a aprendizagem de
turma. As aulas de dança criativa foram planeadas, desenvolvendo os
conteúdos de outras áreas disciplinares quando é equacionada de uma forma
conteúdos de dança - Corpo, Espaço, Energia e Relação, definidos na Dança
integrada, isto é, a aprendizagem de conceitos processar-se-á envolvendo o
da Educação Artística a partir dos temas/conceitos do EM, LP e M. No quadro
147
1 apresentamos o plano de intervenção com o desenho do estudo que contém
Como podemos observar no quadro anterior, foram lecionadas quatro aulas de
os dias das aulas de dança no grupo experimental, dos testes de medida (pré,
dança para cada área disciplinar, incidindo num mês para cada área. Ao todo
pós e re testes) e do teste da criatividade, para ambos os grupos.
(grupo experimental e de controlo) lecionámos cento e quatro aulas, ou seja,
uma aula de apresentação e doze aulas de dança de âmbito interdisciplinar em
setembro
3S
4S
outubro
5S
1S
2S
3S
novembro
4S
1S
A/B
2ªf
3ªf
F
2S
A/B
C
F
3S
4S
A/B A/B
C
C
C
4ªf
1S
2S
3S
4S
5S
controlo não ser submetido às aulas de dança, as três turmas deste grupo
A/B
tiveram as mesmas aulas de dança que as turmas do grupo experimental, mas
C
após a conclusão da experiência, isto é, na última semana de abril e nos
F
F
meses de maio e junho.
5ªf
O desenho deste estudo quasi-experimental teve três momentos de medida,
*
6ªf
D/E
D/E
*Acti AP
janeiro
1S
2S
3S
C
3ªf
D/E D/E
PREt
D/E
POSt
para os dois tipos de grupo (experimental e de controlo): o pré-teste, o pósNatal
fevereiro
4S
A/B A/B A/B
2ªf
C
instrumento relativo à aprendizagem de temas/conceitos através da dança foi
1S
2S
A/B
A/B A/B A/B
C
C
3S
C
C
teste e o reteste, e para recolher os dados usámos dois instrumentos. O
4S
um teste com questões das áreas disciplinares estudadas, construído para o
efeito, de forma a verificar os conteúdos apreendidos. Para o instrumento
referente à análise da capacidade criativa utilizámos um teste de avaliação da
C
4ªf
criatividade (Gala, 2007) que foi aplicado em ambos os grupos, experimental e
5ªf
controlo, antes e após a intervenção.
D/E D/E D/E
6ªf
D/E
No tratamento dos dados, prevê-se análises de variância - Ancovas ou
D/E D/E D/E
PREt
PREt
Mancovas. À partida, o efeito da dança nas variáveis dependentes
REt
POSt
(aprendizagem dos conceitos e criatividade) será analisado em separado,
março
1S
2S
2ªf
A/B
3ªf
C
3S
porque se tratam de constructos distintos.
abril
4S
5S
1S
2S
3S
4S
Nos resultados do estudo é expectável que os alunos apresentem diferenças
F
significativas nos ganhos de aprendizagem nas áreas disciplinares e ao nível
da capacidade criativa, quando consolidam os conteúdos nas aulas de dança,
Carnaval
por comparação ao grupo controlo.
4ªf
5ªf
D/E
6ªf
*dia
agrupa.
POSt
Conclusão: dançar para aprender?
*
REt
REt
Páscoa
*Acti
Legenda:
AP: aula preparatória; Turmas: A,B,C,D e E; F: feriado; Pret: pré-teste; Post: pós-teste; Ret: reteste; Acti: teste de criatividade;
Estudo do Meio
Língua Portuguesa
Matemática
Teste de Criatividade
Quadro 1- Plano de intervenção
148
cada turma. Pois, para contornar os problemas éticos derivados do grupo
dezembro
Os resultados deste estudo ao se revelarem, como esperamos, consistentes e
significativos, poderão permitir-nos afirmar que esta perspetiva interdisciplinar
da dança, interligando os elementos de movimento da dança com os conteúdos
das áreas disciplinares é uma proposta de trabalho possível para ser
desenvolvida no âmbito da dança na educação.
Quando a Dança existir nas escolas como uma área artística, esta metodologia
de trabalho, a nosso ver, poderá ser utilizada nas aulas de dança pelo
149
O
Corpo
–
Aprendizagem
e
Movimento
professor de dança. Podendo desenvolver, desta forma, também um ensino
interdisciplinar articulado com o professor de outra área disciplinar, tendo como
premissa uma aprendizagem globalizante. Potenciará a exploração e a
descoberta de noções/conceitos/ideias com o corpo e o movimento, levando a
novas descobertas que ligam, integram e assimilam os saberes no processo de
ensino-aprendizagem.
Entretanto, gostaríamos que este estudo contribuísse, ao mostrar este lado
potenciador da dança na aprendizagem, para um melhor entendimento da
importância da dança na formação da criança e, quem sabe, ser também um
ponto de partida para a redimensionar na educação, como área artística
autónoma no currículo. Pretendemos, assim, ao demonstrar um outro potencial
da dança, destacar o efeito positivo da dança na aprendizagem.
A Dança na Educação? Sim. E dançar para aprender? Esperemos que também
sim.
Referências Bibliográficas
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Saracho, O. (eds) Handbook of research on the education of young children. 2 nd
Edition. Lea. Mahwah, New Jersey. pp.243-250.
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Physical Education, Recreation & Dance, 63 (9), 39-42.
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Desenvolver as Capacidades Criativas para o Século XXI. Edição: Comissão
Nacional da UNESCO. Lisboa.
Dobbs, S. (1998). Learning in and thought art. Getty Education Institute for the
Arts. Los Angeles.
Eisner, E.(1997). Educating artistic vision. [S.l.] : Stantford University.
Gala, M. (2007). La Dramatización en Educación Primaria como Eje del
aprendizaje lúdico-creativo. Tesis Doctoral. Universidade de Málaga. Facultad
de Ciencias de la Educación. Málaga.
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Education Policy Review, 103 (2), 23-29.
Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica. (2007). Currículo
Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais. 2.ªEdição. Ministério da
Educação. Lisboa.
Smith-Autard, J. (1994). The Art of Dance in Education. A & C Black. London.
Zwirn, S. (2005). Creative teachers, creative students: Arts-Infused learning
experiences for early childhood educators. Hofstra Horizons, Spring 2005,
pp.24-30.
150
Joana
Louçã
(Universidade
do
Minho/University
of
Warwick,
c.e.m
–
centro
em
movimento)
e
Sofia
Neuparth
(c.e.m
–
centro
em
movimento)
Resumo
O
centro
em
movimento
é
uma
estrutura
de
investigação
artística
de
Lisboa
que
há
20
anos
realiza
um
trabalho
contínuo
nas
áreas
da
Formação,
Investigação,
Criação
Artística,
Comunidade
e
Cidadania.
A
criatividade
é
uma
das
características
humana;
é
a
sua
capacidade
inventiva,
sensibilidade,
e
a
importância
que
imprime
às
ligações
que
estabelece
a
vários
níveis
que
lhe
confere
a
capacidade
de
gerar
conhecimento
e
cultura.
O
Corpo
na
Escola
tem
sido
matéria
de
investigação,
contudo
parece
urgente
uma
insistência
em
abordagens
que
relacionem
aprendizagem
e
corporeidade
em
continuidade.
A
prática
que
exercitamos
posiciona
a
arte
como
forma
de
conhecimento
e
a
corporeidade
como
potenciadora
do
reconhecimento
e
integração
de
informação.
É
nesse
sentido
que
apresentamos
um
projeto
específico:
Corpo
na
Escola
(o
ensino
de
currículo
do
primeiro
ciclo,
a
partir
do
movimento).
Palavras-‐Chave
Corpo;
aprendizagem;
movimento;
relações
corpo-‐escola-‐cidade;
continuidade.
Texto
A
infância
tem
sido
compreendida
sob
uma
perspectiva
adultocêntrica
(James
e
Prout,
1990),
que
define
as
crianças
pela
negativa
(Sarmento,
2003).
O
conceito
de
“socialização”
remete
para
a
condição
das
crianças
enquanto
seres
em
transformação
num
ser
social.
Este
conceito
é
desconstruído
por
vários
autores
(por
ex.,
Corsaro,
1997;
James,
Jenks
e
Prout,
1998),
que
vêem
as
crianças
como
seres
sociais
plenos,
ativos,
com
criatividade
e
capacidade
de
ação,
intervenientes,
sendo
atores
e
não
apenas
destinatários
passivos
na
construção
social
(Mead,
1970).
151
O Corpo – Aprendizagem e Movimento
Joana Louçã e Sofia Neuparth
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Porém,
na
escola,
instituição
onde
passam
uma
larga
parte
do
dia,
é
exigido
às
crianças
(Sarmento,
2004)
um
saber
homogeneizado
(da
ciência
normal),
uma
ética
(do
esforço)
e
uma
disciplina
mental
e
corporal
(Foucault,
1993),
que
Foucault
defende
ser
uma
expansão
dos
processos
simbólicos
de
controlo
social
e
de
exercício
de
poder.
Estas
exigências
disciplinares
inculcadas
pela
instituição
escolar
ignoram
a
possibilidade
de
criação
(inerente
à
própria
capacidade
humana),
o
poder
interventivo
das
crianças,
e
ainda
o
papel
do
jogo
e
da
brincadeira,
a
potencialidade
da
imaginação.
arte
enquanto
forma
de
conhecimento,
e
o
movimento
e
a
corporeidade
como
potenciadores
de
formas
de
aceder
e
integrar
a
informação,
permitindo-‐lhes
a
transformação
em
conhecimento.
Assim,
a
aprendizagem
pode
ser
vista
como
um
reconhecimento,
uma
experienciação
de
si
próprios
enquanto
corpo
biológico,
sonhador,
sociável,
crítico,
fonte
de
conhecimento
que
fornece
ferramentas
que
aproximam
o
"aprender"
da
curiosidade,
da
vontade
de
tocar.
2
Contrariamente
a
esta
lógica,
as
crianças
são
atores
sociais,
capazes
de
criação
cultural.
As
culturas
das
crianças
são
essencialmente
culturas
de
pares,
em
que
o
jogo
e
a
brincadeira
são
uma
condição
da
aprendizagem
(Sarmento,
2004),
e
a
imaginação
é
inerente
ao
processo
de
formação
e
desenvolvimento
da
personalidade
e
racionalidade
de
cada
criança
(Sarmento,
2003).
O
corpo
na
escola,
do
aluno
e
do
professor,
têm
sido
fonte
de
investigação.
Por
exemplo,
Prendergast
(2000)
estuda
como
o
corpo
é
alterado
e
altera
a
identidade
feminina
à
medida
que
as
raparigas
atingem
a
menarca,
e
James
(2000)
como
as
crianças
criam
e
encenam
diferentes
categorias,
especialmente
do
corpo
(como
altura
ou
género),
em
casa
e
na
escola.
Simpson
(2000)
descreve
como
os
professores
tentam
regular
a
sua
aparência
e
as
trajetórias
de
tempo
e
espaço
dos
seus
corpos
na
escola.
Armstrong
(1987),
refere
como
a
medicina
cria
tantas
categorias
para
o
corpo
da
criança,
que
este
fica
incorpóreo,
transformando-‐se
num
anti-‐corpo
(Turner,
1994),
sem
carne.
Para
Prout
(2000),
os
corpos
das
crianças
são
híbridos
entre
a
cultura
e
a
natureza,
numa
rede
heterogénea.
Por
exemplo,
Place
(1994),
sugere
que
em
hospitais
os
corpos
se
tornam
“tecnomórficos”,
rodeados
por
elementos
humanos
e
tecnológicos.
A
relação
entre
corporeidade
e
Motrocidade
e
Educação
Física
também
tem
sido
muito
estudada
(por
exemplo,
Herrera,
2008),
assim
como
entre
corporeidade
e
educação
(para
a
saúde,
por
exemplo,
em
Evans,
2009).
Contudo,
nota-‐se
uma
ausência
de
reflexão
sobre
outras
abordagens
(Gaya,
2006),
que
relacionem
a
aprendizagem
e
corporeidade,
reconhecendo
a
152
3
Se
a
curiosidade,
a
urgência
de
experimentar,
o
toque,
o
afecto,
a
própria
deslocação
física,
enfim,
o
movimento,
são
motores
evidentes
no
desenvolvimento
humano,
a
discussão,
a
possibilidade
de
partilhar
e
errar,
a
importância
de
integrar
a
vivência
experienciada
não
são
outra
coisa.
A
configuração
do
que
vou
sendo
só
se
afina
na
relação
com
os
outros
e
esse
processo
é
uma
história
de
movimento.
Partir
da
separação
só
gera
fractura.
A
arte
é
uma
forma
de
conhecimento
(Albuquerque
Vieira,
2011),
desdobra
possibilidades
de
criação
do
real
e
promove
ligações
entre
matérias.
O
Corpo
na
Escola
A
experiência
dos
conteúdos
curriculares
a
partir
de
um
corpo
ativo
e
dialogante
permite
o
desenvolvimento
do
conhecimento,
da
capacidade
crítica,
da
geração
de
uma
autonomia
que
não
se
desconecta
do
suporte
e
de
um
suporte
que
não
se
desimplica
da
autonomia.
É
essa
vibração
de
vida
que
reconhecemos
nos
indivíduos
que
têm
construído
o
corpo
na
escola
durante
os
últimos
5
anos,
sejam
alunos,
professores,
funcionárias
auxiliares
ou
cada
um
de
nós
que
integra
a
equipa
de
trabalho
do
c.e.m
–
centro
em
movimento.
O
Corpo
na
Escola
propõe
aulas
em
que
os
conteúdos
curriculares
são
abordados
a
partir
de
uma
postura
ativa
das
crianças,
que
se
deslocam
em
relação
à
matéria,
a
partir
de
atividades
de
expressão
corporal
e
de
educação
pelo
movimento.
O
trabalho
é
realizado
com
uma
turma
de
uma
escola
pública
do
1º
ciclo
do
Ensino
Básico
de
Lisboa.
Inicialmente,
a
professora
indica
as
necessidades
de
aprendizagem
de
cada
aluno,
e
da
turma
em
geral,
para
cada
conteúdo
específico.
As
sessões
são
planeadas
detalhadamente
com
a
antecedência
de
uma
semana
por
um
grupo
de
dois
artistas
e
investigadores
do
153
O Corpo – Aprendizagem e Movimento
Joana Louçã e Sofia Neuparth
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
c.e.m
–
centro
em
movimento,
e
a
professora
da
turma,
tendo
em
conta
as
sugestões
ou
pedidos
dos
alunos.
A
visão
da
criança
enquanto
ator
social
ativo
na
construção
do
mundo
não
é
novidade,
e
esta
consideração
está
espelhada
no
12º
artigo
da
Convenção
dos
Direitos
da
Criança,
que
defende
o
direito
das
crianças
opinarem
de
forma
livre,
e
de
serem
ouvidas
nos
assuntos
que
lhes
dizem
respeito.
Portanto,
ao
elaborar
as
sessões,
utilizamos
métodos
participativos,
nos
quais
as
crianças
são
parceiras,
cogestoras,
coprodutoras
e
cocriadoras
do
trabalho,
e
participam
na
sua
interpretação.
associação.
No
terceiro
período,
para
integração
final
do
ciclo
de
um
ano,
as
sessões
ocorrem
no
espaço
da
rua,
nucom
a
turma
a
desenvolver
um
trabalho
em
ligação
entre
a
escola
e
o
bairro
onde
se
insere,
conhecendo
algumas
estruturas
(artísticas,
comerciais
ou
pessoas
especiais)
vizinhas
à
escola
e
a
partir
desta
série
de
visitas
é
desenvolvido
um
tema
que
integre
o
bairro
onde
vivem
e
estudam,
as
pessoas
que
o
habitam,
e
os
conteúdos
que
trabalharam
ao
longo
do
ano,
numa
criação
de
um
trabalho
colectivo.
4
As
sessões
progrediram
e
alteraram-‐se
com
o
tempo,
à
medida
que
as
crianças
conheceram
melhor
os
artistas
do
c.e.m
e
o
projeto
se
tornou
mais
claro.
No
ano
passado,
houve
uma
estrutura
de
sessão
que
se
repetiu.
Começava
com
a
preparação
do
espaço,
arrumando
as
mesas,
cadeiras
e
mochilas
fora
da
sala.
Todas
as
pessoas
se
descalçavam.
Formavam
um
círculo
de
mãos
dadas,
dizendo
o
seu
nome
em
voz
alta
e
apertando
a
mão
da
pessoa
seguinte,
que
fazia
o
mesmo.
Alguns
exercícios
de
consciencialização
do
corpo
e
do
movimento
seguiam-‐se,
por
vezes
envolvendo
toque,
dança;
a
estrutura
deste
momento
variou
muito,
pois
recebíamos
muitas
sugestões
para
continuamente
explorar
diferentes
exercícios.
Seguia-‐se
a
exploração
de
uma
proposta
específica
relacionada
com
o
tema
da
sessão
(seguem-‐se
alguns
exemplos:
em
Português,
a
partir
do
movimento
improvisado,
criar
uma
história
colectiva;
em
Ciências,
criar
circuitos
físicos
de
movimentos
experienciando
os
diferentes
sistemas
corporais;
em
Artes,
trabalhar
o
retrato
a
partir
de
diferentes
perspectivas,
visual,
tridimensional,
escrito,
falado,
cantado
e
dançado,
etc.).
Havia
então
uma
discussão
em
círculo,
na
qual
através
do
diálogo
chegávamos
a
uma
sistematização
do
conteúdo
das
sessões,
e,
finalmente,
uma
última
parte
da
sessão
na
qual
as
crianças
construíam
algo
baseado
na
sessão.
Poderia
ser,
por
exemplo,
escrever
uma
história,
fazer
uma
escultura,
um
desenho,
ou
um
poema.
A
calendarização
do
projeto
vai
cruzando
a
organização
do
c.e.m
em
vários
momentos.
No
final
do
2º
período,
as
crianças
são
convidadas
a
inventar,
criar,
planificar
e
serem
professores
de
uma
sessão
para
um
grupo
de
adultos
na
Formação
Intensiva
Acompanhada
do
c.e.m.
Esta
sessão
tem
lugar
dentro
de
um
laboratório
de
4
dias
organizado
em
torno
do
trabalho
com
crianças
feito
por
esta
154
5
No
último
ano,
trabalho
na
última
parte
do
ano
lectivo
foi
focado
na
vinda
do
artista
plástico
brasileiro
Stephan
Doitschinoff
ao
festival
Pedras
d’Água
do
c.e.m.
Desta
forma,
o
trabalho
centrou-‐se
no
desenho
a
partir
de
formas
geométricas,
na
criação
de
um
símbolo
pessoal,
e
numa
reflexão
sobre
o
que
era,
ou
não,
arte
urbana.
Este
período
final
do
ano
incluiu
um
passeio
pela
Mouraria
(com
as
crianças
divididas
em
grupos:
fotógrafos
–
com
uma
câmara
fotográfica
descartável,
o
que
limita
o
número
de
fotografias
possíveis;
desenhadores
–
que
tomavam
nota
das
interferências
nas
paredes
da
cidade:
graffitis,
sinais
de
trânsito,
notas
aleatórias;
e
jornalistas
–
que
entrevistavam
as
pessoas
na
rua),
várias
sessões
de
trabalho
dentro
da
escola,
e
uma
visita
para
conhecerem
em
pessoa
Stephan
Doitschinoff.
Figura
1:
Trabalho
de
final
do
ano,
algumas
fotografias
155
O Corpo – Aprendizagem e Movimento
Joana Louçã e Sofia Neuparth
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
6
O
projeto
tem
o
apoio
e
avaliação
externa
junto
da
comunidade
educativa
da
psicóloga
social
Daniela
Mourão,
que
acompanha
o
projeto
desde
o
seu
início.
Na
sua
última
avaliação,
Daniela
Mourão
salienta
que
um
programa
de
educação
artística
de
qualidade
deve
implicar
uma
postura
ativa
por
parte
dos
participantes,
mostrarem-‐se
relevantes,
permitirem
a
valorização
da
sua
individualidade
e
serem
disponíveis
a
todos
os
interessados.
O
c.e.m,
respeitando
a
forma
como
o
projeto
foi
concebido
e
desenvolvido
pelo
CENTA,
volta
a
cumprir
estes
pressupostos.
Pela
análise
dos
depoimentos
de
alunos
e
professores
foi
possível
perceber
o
entusiasmo
e
empenho
dos
alunos
nas
atividades,
a
valorização
da
sua
contribuição
individual
e
do
grupo,
e
relevância
pessoal
das
sessões,
especialmente
visível
na
finalização
do
projeto
“Vizinhos”.
Nos
momentos
de
escuta
realizados
juntos
dos
alunos,
Daniela
Mourão
refere
que
claramente
se
percebeu
que,
apesar
do
clima
de
liberdade
e
experimentação
vivido
nas
atividades,
estas
são
identificadas
como
espaço
de
trabalho
e
de
aprendizagem
onde
são
manipulados
conteúdos
disciplinares
a
par
do
trabalho
de
corpo.
A
maioria
conseguiu
perceber
a
coerência
estrutural
das
sessões
desenvolvidas
ao
longo
do
ano
e
muitos
dos
alunos
valorizaram
a
contribuição
das
sessões
para
as
disciplinas
onde
se
desenrolam,
mediante
as
“ligações
com
o
trabalho
artístico”,
tendo
sido
igualmente
referido
o
papel
destas
atividades
ao
nível
das
relações
sociais.
Finalmente,
nesta
avaliação
também
se
constata
que
os
professores
também
consideraram
o
papel
do
PFAC
ao
nível
do
desenvolvimento
das
competências
sociais,
indicando-‐o
enquanto
factor
integrador
de
alguns
alunos
“periféricos”
na
turma.
Este
projeto
desenvolveu-‐se
ao
longo
de
quatro
anos
(2003/04
a
2006/07)
em
todas
as
E.B.1º
Ciclo
do
Concelho
de
Vila
Velha
de
Ródão,
por
dois
anos
(2008/09
a
2009/10)
passou
a
ser
feito
com
duas
turmas
do
2º
Ciclo,
na
Escola
Secundária
Passos
Manuel
em
Lisboa,
estando
desde
2010/11
a
ser
desenvolvido
com
uma
turma
da
E.B.1º
Ciclo
nº75,
em
Lisboa.
O
PFAC
foi
escolhido
pelo
Instituto
de
Sociologia
da
Universidade
do
Porto
para
ser
objecto
de
estudo
na
área
da
sociologia
da
cultura
no
âmbito
da
156
7
linha
de
investigação
que
desenvolve
–
“desigualdade,
cultura
e
território”.
Em
2009/10,
o
projeto
foi
também
o
tema
da
tese
de
Mestrado
de
Anabela
Silva,
intitulado
“Avaliação
da
eficácia
da
intervenção
do
projeto
"'O
Corpo'
na
Escola"
numa
turma
do
6º
ano:
análise
comparativa
entre
duas
turmas”,
mestranda
em
Ciências
da
Educação
na
Faculdade
de
Ciências
Sociais
e
Humanas
da
Universidade
de
Lisboa.
É
ainda
o
tema
da
tese
de
Doutoramento
de
Joana
Louçã
em
“Estudos
da
Criança
–
Sociologia
da
Infância”
pelo
Instituto
da
Educação
da
Universidade
do
Minho
em
colaboração
com
a
University
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Warwick
(Reino
Unido).
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sociopedagógicas
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Cambridge
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1994.
157
orientações
Políticas curriculares para o ensino de arte na educaçao básica
econômicas,
sociais
e
administrativas
das
instâncias
governamentais.
VIRGÍNIA VIEIRA MARCONDES
Neste sentido, ganha importância toda e qualquer orientação por parte do
virginiamarcondes@gmail.com
UNESP-IA
SESI-SP
governo, na medida que disciplina o conteúdo curricular praticado nas escolas.
Indicação de tema: educação / arte / desenvolvimento
Curriculares.
O faz por intermédio de legislação e dos Parâmetros, Diretrizes e Propostas
César Coll, educador de nacionalidade espanhola, colaborou ativamente
RESUMO
Esta pesquisa estuda a política pública educacional em relação à arte na
educação básica, no estado de São Paulo, Brasil. Analisa a legislação que
disciplina o componente curricular de arte, com a intenção de inferir os valores
atribuídos e as respectivas contextualizações sócio - histórica, política,
econômica e cultural. Aprofunda a análise dos Parâmetros Curriculares
Nacionais e da Proposta Curricular do Estado de São Paulo, vez que tem
despertado profunda discussão entre os Arte-Educadores. São considerados,
na discussão, dados obtidos a partir de entrevistas com professores e técnicos
educacionais, com o intuito de compreender o pensamento dos profissionais
que tornam real o currículo escolar e que estão à frente das ações educativas e
discussões e dos que estão à frente da elaboração da Proposta Curricular.
na formulação das reformas curriculares em seu país e, mais tarde, participou
no Brasil, da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais a pedido do
Ministério da Educação e Cultura – MEC. O autor afirma “o currículo como o
projeto que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e
proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores” (1997: 45),
de onde se pode notar a importância que atribui ao currículo.
O fato que se deve examinar atentamente é que os Parâmetros
Curriculares Nacionais estão postos, desde a década de 1960, na versão de
guias curriculares e têm pautado as orientações pedagógicas nas escolas
PALAVRAS CHAVE: Políticas
Públicas
-
Parâmetros
Curriculares
-
Proposta Curricular - Ensino de Arte
brasileiras.
Nas orientações curriculares anteriores a Arte era tratada com menor
valia. Era denominada de Educação Artística, tratada como atividade e não
A educação tem intencionalidades que expressam valores, ideologias,
ética, cultura, economia, além do caráter político de seu bojo, visto não ser
neutra. Carrega a visão de mundo, a expectativa de homem que se almeja,
tinha o status de componente curricular. Arte, enquanto componente curricular,
só ganha importância a partir da década de 1980 com os estudos de Ana Mae
Barbosa. E na década de 1990, com a implantação da LDB 9394/96 e depois
com os Parâmetros Curriculares.
enfim, as ideias da sociedade da qual faz parte.
A partir daí e tomando o currículo escolar como um instrumento de
comunicação de valores, de ideologias e submetido aos ditames e orientações
da política educacional, se conclui que o mesmo é revelador da sociedade, da
A Proposta Curricular do Estado de São Paulo segue os Parâmetros
Curriculares Nacionais e é mais detalhista. Consiste em livros com
periodicidade bimestral dirigidos aos professores da rede estadual para que os
mesmos pautem seus trabalhos, ou seja, é a determinação curricular posta
política e das intenções do governo.
Como a educação é um fenômeno social e histórico, é ação impregnada
de contradições, lócus privilegiado de disputas. É um ato político. Palma Filho
(2005) afirma que, para entendermos a política educacional, é necessário
primeiramente entendermos a política de um modo geral. Ou seja, as
pela Secretaria de Estado. Os professores dispõem de material com sequência
didática e sugestão de trabalho de conteúdo curricular. Os alunos recebem
material para uso pessoal e fazem registros, exercícios e no qual também
desenvolvem as habilidades do currículo.
O Governo Federal lança os Parâmetros e Diretrizes Curriculares e,
concomitantemente, prevê e põe em prática, todo um sistema de avaliação
1
158
2
159
escolar (SAEB - Sistema de avaliação da Educação Básica, Provinha Brasil -
resultados, já que os conteúdos destes materiais serão os mesmos cobrados
avaliação diagnóstica da alfatetização, ENEM - Exame Nacional do Ensino
nos sistemas de avaliação instituídos pelo governo.
Médio).
Um dos objetivos da proposta curricular do Estado é a unificação do
Algumas destas avaliações têm conotação de intencionalidade duvidosa,
percurso da aprendizagem a ser vencido por todos os alunos. Para tanto, são
na medida em que acabam por avaliar o aluno e não o processo. Atribuem o
determinados os conteúdos, as competências, as habilidades e estratégias
resultado obtido à generalidade, tanto do processo educativo como um todo,
metodológicas e o que se espera dos alunos em cada ano, série ou ciclo.
quanto do sistema educacional brasileiro.
Todavia, o estabelecimento de uma organização curricular desta monta,
De qualquer forma, andam juntas as orientações curriculares e a
avaliação que privilegia componentes curriculares de Matemática, Língua
Portuguesa, Ciências e, por vezes, História e Geografia. A preferência por
Matemática e Língua Portuguesa na avaliação tende levar a escola a privilegiar
esses mesmos componentes no dia a dia da escola. Entretanto, os resultados
das avaliações não têm denotado expressividade de boa qualidade nestes
componentes. Insere-se aqui a pergunta maior: não seria o caso de se lançar
olhos para os demais componentes curriculares, especial e prioritariamente
para a Arte? Posto que os pretensamente tidos como de maior importância não
estão conseguindo apresentar resultados expressivos.
ao oferecer um mesmo conteúdo, de forma igual para alunos diferentes, antes
de garantir uma base comum, acentua ainda mais as distâncias.
Um caminho possível para mudanças neste estado de coisas se pode
obter a partir dos estudos de Fischer (1987) que apontam a Arte como um meio
para promover alterações num mundo que está sob constante mudança. Não
cabe à Arte a mera representação da contemporaneidade, mas proporcionar a
incorporação, não só da realidade, quanto da possibilidade de vir a ser, numa
expressão de intencionalidade de uma sociedade melhor.
Portanto, há na Arte elementos de valiosa contribuição para a leitura do
mundo e para a propositura de alternativas e mudanças sociais. Também
Para Sacristán (1998), o papel do professor é de suma importância na
concretização dos currículos escolares, uma vez que são eles (os professores)
que tornam reais as ideias, os valores e os projetos, pois os tomam como seus.
Neste sentido, cabe um olhar ao professor e uma análise sobre sua prática, a
respeito de sua aceitação ou não, sua adesão ou não aos Parâmetros ou
Propostas Curriculares.
permite a promoção do auto conhecimento positivo do aluno. Rosa Iavelberg1
propõe este auto conhecimento, calcada nos estudos de Ana Mae Barbosa.
Para tanto, a Arte é importante no ambiente escolar, para possibilitar o
desenrolar dos três eixos de aprendizagem significativa: fazer, interpretar e
refletir sobre Arte, como produção social e histórica. Ao aluno, deve ser feito o
convite a traçar diferentes e variadas relações entre a Arte, a educação e a
Entretanto, há que se considerar a ideia de currículo oculto declarada por
Paulo Freire (1993), a partir do que se reconhece a politicidade do ato
educativo e o fato de não se conseguir reproduzir experiências, somente
“reinventá-las”. O educador reconhece seus limites e se enxerga como sujeito
participante e não como um objeto manipulado, seguidor de parâmetros
pautados em métodos, processos ou técnicas pré determinadas.
sociedade.
Assim sendo, cabe ao professor de Arte, em seu trabalho cotidiano
algumas ações, tais como: reflexão e atenção sobre as ocorrências e sobre o
modo como as coisas tramitam no âmbito escolar, desde a legislação até o
interior da sala de aula e da escola, especialmente no que se refere ao
currículo oculto, que é poderosa ferramenta de ação e transformação.
Analisando as Propostas Curriculares da Educação Básica, se pode intuir
que os professores têm a liberdade de cátedra cerceada, uma vez que o
1
Estado provê, não só o currículo, por meio da proposta curricular, mas também
os materiais do professor e do aluno a serem seguidos. Inclusive os atrela aos
160
3
Rosa Iavelberg é uma das autoras dos PCN na área de Artes e o texto de cuja referência é
tratada acima: “O que ensinar em arte”, foi acessado em 11/03/2012 e disponível em
http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/conhecer-cultura-soltar-imaginacao-427722.shtml
4
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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“INTÉRPRETES DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA EM PORTUGAL”
Graça Martins
_________. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Cortez,
2001.
Estudante do doctorado “Artes i Educación” da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona
Bolseira da FCT 2011/2012
MORADA: Rua do Brasil, Lt.11-4ºA 2500-504 Portimão, Portugal |TELEFONE: 00351 913177264| mg_martins@hotmail.com
BRASIl. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 14 de 1996.
BRASIl. Lei 4024 de 20 de dezembro de 1961
__________________________________________________________________
BRASIl. Lei 9131 de 24 de novembro de 1995
RESUMO
A partir dos anos 80 os estudos sobre a formação docente vieram intensificar o
BRASIL. Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996
olhar sobre os sujeitos favorecendo a emergência da investigação sobre a vida dos
COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à
elaboração do currículo escolar. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1997.
professores, como refletem sobre as suas carreiras e percursos (Nóvoa, 1992, Goodson,
FERNANDES, Florestan. O papel político do Professor. In CATANI, Denise
Barbara; MIRANDE, Hercilia Tavares; Menezes, Luis Carlos de; FISCHMANN,
Roseli. Universidade escola e formação de professores. São Paulo: Brasiliense,
1986.
Connelly, Bolivar, Bruner). A investigação a que se refere este artigo procura momentos
FISCHER, Ernest. A necessidade da Arte. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara/Koogan, 1987
– Dar sentido à experiência.
2004)1. O enfoque narrativo contribui para a descrição dos relatos (Clandinin y
chave de mudança no relato de uma professora de educação artística, a
compreensão da sua identidade, subjetividade e profissionalização.
Palavras-chave: Investigação em História de vida – Contributos da Educação Artística
“Una vida sín habla y sin acción, está literalmente muerta para el mundo”
FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
Hannah Arendt, “The human condition” (1958)
MARQUES, Isabel A. Ensino de dança hoje. São Paulo: Cortez, 2001.
PALMA FILHO, João Cardoso. Política Educacional Brasileira: educação brasileira
numa época de incerteza (1990-2000): avanços e retrocessos. São Paulo: Cte
Editora, 2005.
Envolvida com a investigação para o programa de doutoramento “Artes y
Educación”, tive a oportunidade de aprofundar as problemáticas epistemológicas das
Histórias de Vida (de professor@s), escritas utilizando uma metodologia narrativa,
procurando compreender como se podem resgatar significações para a vida
PARO, Vitor H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1996.
SACRISTÁN, J. Gimeno e GOMES, A. I. Pérez. Compreender e transformar o
ensino. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
profissional dos professores e professoras através de uma história contada.
Realizadas
recordações
as
entrevistas
alheias,
enquanto
à
professora
procurava
Elvira
dar
um
Leite2,
corpo
mergulhei
à
nessas
investigação.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas:
Autores Associados, 1998.
Compreendendo o espaço transitório e movediço que ocupamos e os lugares
Sites consultados:
www.mec.gov.br
www.sp.gov.br
http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/conhecer-cultura-soltarimaginacao-427722.shtml
metodologias selecionadas3 imprimiam ao desenho e à escrita do estudo. As questões
provisórios que habitamos, fui sentido as dificuldades e as oportunidades que as
foram sendo postas em causa e reformuladas, a procurarem ir ao encontro das
Maria Elvira Vieira Pereira Leite Policarpo, a professora selecionada para a investigação está
aposentada e colabora atualmente com a Fundação de Serralves no Porto. Autora de vários
artigos e livros sobre educação artística e educação por projetos de trabalho, colaborou com o
ME no GETAP, promoveu vários projetos de trabalho a nível nacional e internacional, criou o
“Atelier 61”, no Porto em colaboração com a arquiteta Manuela Malpique.
3 Histórias de Vida; Metodologia de escrita narrativa; Estudos Feministas; Pós-estruturalismo.
2
162
5
1
II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA)
Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas
2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal
163
circunstâncias geradas pelo desenvolvimento das entrevistas e pelas reações ao que
anulação
ia ouvindo e compilando.
alimentando exigências tentaculares de um “monstro” burocrático entretanto criado8.
“Lá fora” a atualidade, política, social e educacional adensava-se de
instabilidades. Se, por um lado, aumentavam exigências às insufladas logísticas
profissionais, por outro a consciência e o “sentido de ser” docente, foram perdendo
brilho, a que a isenção de políticas da memória não será alheia (Fernando
Hernández). É ainda instaurado um modelo de avaliação de desempenho4, que se
revelou pouco consistente, normalizador e padronizador, que se impôs como um lugar
de consciência coletivo a ocupar o lugar da consciência do “outro”. Mas talvez
porque as práticas derivem, apesar das normativas institucionais, de múltiplas
perceções e interpretações locais sobre a profissão docente, seja possível, a partir
dessa particularidade “local” de fazer ESCOLA, no onde, no quando e no porquê das
franjas quotidianas, acrescentar desvios e aprofundar o lado criativo e criador das
dinâmicas educacionais.
Recuperando esse património, a recolha biográfica que emerge das Histórias
de Vida5 de professores e professoras, permite-nos, além de aproximações ao que
sucede de “realmente importante” na atividade profissional dos sujeitos que vivem as
experiências, representar o papel que a Educação Artística tem desempenhado
dentro da história do currículo escolar…Elvira exemplifica:
das
identidades
individuais,
procurando
uniformizar
procedimentos
Aos poucos, a capacidade de autoria, de diferença, autonomia e criação,
diminuem no universo escolar, dando lugar a práticas coletivas de lecionação e
avaliação pré-determinadas e a um consequente efeito de des-pertença. Assegurar o
posto de trabalho é a necessidade que propõe uma obediência acrítica com a
confiança a ser delapidada.
Perante as novas responsabilidades, a população docente reagiu desconfiada
perante o receio face a uma nova dificuldade: compreender o que pretende uma
legislação, também ela, instável (sujeita aos processos políticos, económicos e sociais),
procurar agir em conformidade por um lado e, gerir as relações de poder inerentes a
qualquer corpo social (algumas criadas por erupção) por outro, trouxeram à realidade
educativa estranhas manifestações, colocando em causa o sentido de missão e
envolvimento enunciado e o sentido de confiança. Transmutaram-se ambientes onde
a competição e desconfiança emergiram naturalmente, criando lugares de
subordinação, de hegemonia ou resistência. No entanto, suscitou igualmente uma
maior necessidade de se compreenderem as agendas para uma educação do
século XXI9. Na verdade faltava, em larga escala, formação e reflexão sobre todas
“Às vezes digo isto, até no tempo de Salazar se podia fazer trabalho político, sem dar nas vistas.
estas mudanças e exigências, mas também e, essencialmente, sobre como se vive a
Como é que ele ou os seus mandatários poderiam interferir? Eu era uma boa professora, os pais
própria profissionalização (Hergreaves, 1996).
davam autorização, (exemplo) estudei a arquitetura local; os alunos iam fazer desenho dos bairros,
então escolhíamos todo o tipo de habitações que há na cidade, inclusive bairros de lata e depois
Mas porque mais que palavras emprestadas é a ação que elas desencadeiam
íamos para lá desenhar e a partir daí, conversávamos sobre as questões de habitabilidade, sobre a
que nos permite pensar possibilidades e criar oportunidades de ser e estar, as
relação entre estrato social e habitação… não era só aprender a desenhar e mais nada!”
intérpretes desta história, rasgam e colam memórias provisórias, para que ocupem um
Porém, @s professor@s de agora tornaram-se, curiosamente, cúmplices dos
lugar próprio num mundo a reinventar (se).
processos que negaram. No formato da reação contra o modelo instaurado e contra
A primeira escrita foi, contaminada por sentimentos de perplexidade perante o
as últimas reformas do ECD 6, na sua décima alteração7 e manifestando-se (em 2008)
que me acontecia a mim e à profissão e por isso, profundamente emocional. Procurei
coletivamente e em massa nas praças das capitais, foram gradualmente tornados
nas teorias feministas explicações ou referências que abordassem esta temática e
responsáveis pela adoção, nas escolas (de baixo para cima), de um procedimento de
encontrei um texto de Kathleen Casey sobre “Por qué adandonan la docência las
mujeres activistas progresistas?” (Goodson 2004, pp. 245-268), que aborda e
problematiza queixas e registos de superação de professoras cuja atividade foi
4
“We think that understanding how teachers, individually and collectively, think, act, develop
professionally and change during their careers might provide new insights as to how one might
aproach the reform, change and improvements in education that are necessary to equip our
studants for desirable future within a context that is rapidly altering the nature of teachers’ work”.
(Butt, Raymond, McCue e Yamagishi, 1992, p.57, cit. por Goodson, 1992, pp. 51).
6 Estatuto da Carreira Docente
7 http://www.min-edu.pt/index.php?s=white&pid=531
5
2
164
“Eficiencia, productividad, ciencia y tecnologia, han alcanzado práticamente el estatus de
divinidades en el escenario moderno del siglo XX” (Kincheloe, 2001, pp.19).
9 “En un periodo histórico de desprofissionalización de los professores (…) considerar a la
experiencia de vida del professorado como fuente de conocimiento y saber supone una
autorización del profesor, un colocarlo como centro da la actuación educadora. Y esto, no me
cabe duda, no solo es un acto político, sino que tiene consequências políticas, en la medida en
que hace que el profesor deje de ser un consumidor-ejecutor y pase a ser actor. “ Hernández, F.
(2006, pp.118-119).
8
Decreto-Lei n.º 104/2008 de 24 de Junho.
II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA)
Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas
2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal
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II Encontro Internacional sobre Educação Artística (2EI_EA)
Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas
2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal
165
profundamente marcada pela diferença de género. Nos estudos sobre mulheres
emergente que convida à disposição rizomática11 do conhecimento contrariando os
levantados pelo “Grupo Esbrina” procuram-se relações entre trajetórias e condições
“lugares comuns de grande vulgata planetária que o manejamento mediático
de trabalho e profissionalização que, elaboradas em escrita narrativa em investigação
transforma pouco a pouco em senso comum universal” (Bourdieu e Wacquant, 1988,
de história de vida, tentam indagar e observar como as mulheres investigadas e
pp.109-110) e a expandida a ação dos think tanks que filtram e traduzem a
investigadoras “se han convertido en el tipo de mujeres profesoras, investigadoras o
informação da cultura dominante, substituindo, com os seus receituários e pré –
gestoras que son ahora; así como las relaciones entre las experiencias personales y el
interpretação das normativas legais, a intervenção individual critica. Mas se iniciam as
desarrollo de sus trayectorias profesionales. En este proceso se han puesto en
reformas e os professor@s não seguem as pautas dos especialistas12, torna-se
evidencia las estrategias de adaptación, resistencia y creación que las mujeres
fundamental
desarrollan en su interacción con el contexto de la docencia, la investigación y la
essencialmente como estratégia de “fortalecimento” psicológico e profissional
gestión, las formas de violencia simbólica que experimentan y los cambios que se han
(Hernández F. em Goodson, I. 2004, pp.12) aumentando o reconhecimento de que o
producido en los centros de investigación y las universidades catalanas desde la
trabalho dos professores e professoras gera saberes que dever ser considerados. Afinal,
perspectica de género en los últimos años.” (Sancho, 2010).
como nos diz Elvira “todo o problema trás consigo a solução” 13. Por tudo isto
Entretanto falando da sua experiência10, a professora reagia com cuidado às
as
histórias
que
nos
permitem
verificar
opções,
mas
Hergreaves alerta que
questões sobre a sua condição de mulher, divorciada, de visão progressista,
“Todas
revelando, desde logo, um espírito de superação sobre as situações que essas
las
voces
de
los
profesores
merecen
ser
escuchadas,
independientemente de como puedan ser de marginales o pasadas de moda.
condições lhe trouxeram para a vida, considerando como estímulo ou oportunidade e
En consecuencia, creo que la práctica de la investigación educativa debería
não como condição limitadora ou vitimizadora. Quando nos acercamos do relato da
continuar otorgando una importante prioridad a escuchar, representar y
professora Elvira Leite compreendemos onde e como reage perante momentos sociais
patrocinar la voz del profesor” (Hargreaves, 2000).
mais desafiantes:
“Eu acho que os dissabores sempre foram construtivos. Eu detesto uma vida monótona,
resgatar
Contando a sua história, Elvira Leite permite-nos transitar por itinerários de
sempre igual, muito programada, com tudo a rolar...eu detesto a ausência de
aventura, formas e espírito de iniciativa, resolução de dificuldades, sentido de humor
problemas (nem sei se existe essa vida - vidas sem problemas), (…) Eu não os receio! Eu
face às contrariedades, relembrando-nos a nós do efeito primordial que nos fez sentir o
quero é resolver problemas! Trabalho para os resolver quando têm solução porque tal
fascínio pela profissão (como refere Hernández em Goodson, 2004, pp.12) e
como diz Bruno Munari: «Se não há solução para um problema, então não é um
reencontrar convicções para continuar sendo parte integrante desta franja social,
problema» (ri-se)”. (Elvira Leite)
Elvira posiciona-se desde logo e depois numa leitura pós-estruturalista, (Derrida,
Baudrillard, Butler, Silva, entre outros) no que poderemos verificar como uma
oportunidade de invenção dinâmica, permitindo dados de pesquisa que acionam
transformação de discursos e práticas (envolvendo assim os sujeitos a que se referem).
Ao concretizar as suas epifanias Elvira leva-nos ao lugar consciente da resistência,
emancipação e criação tão fundamental a uma profissão educadora, num contexto
A história de vida da professora Elvira Leite leva-nos a viajar pela história do País no antes do
25 de Abril de 1974 e no depois da revolução dos cravos, passando pela experiência de criação
de escolas em Timor e Cabo Verde, projetos em comunidades portuguesas do norte da Europa,
o percurso pelo GETAP em colaboração com Joaquim Azevedo, projetos de reabilitação social
em comunidades carenciadas da zona do Porto, experiências de inclusão pedagógica com
crianças e jovens portadores de deficiência, entre tantos outros temas que focalizam um
universo maior que é o desta professora percorrendo os anos da sua profissão com um sentido
de ser construtora de oportunidades para aprender.
10
4
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Acerca da implicação da acção na construção de narrativas contemporâneas
2,3 e 4 de abril de 2012, FBAUP. Porto, Portugal
11
(Deleuze e Guattari, 2004)
“O currículo como prescrição sustenta místicas importantes sobre estado, escolarização e
sociedade. Mais especificamente, ele sustenta a mística de que a especialização e o controle
são inerentes ao governo central, às burocracias educacionais e à comunidade universitária.
Desde que ninguém desvele essa mística, os mundos da "prescrição retórica" e da
"escolarização como prática" podem coexistir. Ambas as partes podem beneficiar-se dessa
coexistência pacífica (…). Desse modo, as prescrições curriculares determinam alguns
parâmetros, mas algumas transgressões ou transcendências ocasionais são permitidas, desde
que a retórica e o gerenciamento das prescrições não sejam desafiados. A prescrição e o
estabelecimento do poder fazem aliados facilmente. (…) O currículo foi basicamente inventado
como um conceito para dirigir e controlar o credenciamento dos professores e sua potencial
liberdade nas salas de aula. Ao longo dos anos, a aliança entre prescrição e poder foi
cuidadosamente fomentada, de forma que o currículo se tornou um mecanismo de reprodução
das relações de poder existentes na sociedade” Ivor Goodson (2007).
12
Ulrick Beck (2000, pp. 29-30) defende que “é preciso que as pessoas abandonem a ideia de
que as administrações e os peritos sabem exatamente, ou pelo menos sabem melhor, o que é
certo e bom para todos: a desmonopolização da pericialidade”.
13
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167
criando condições para uma cidadania lúcida, atuante e responsável, mas acima de
tudo, fazedora de mundos sustentáveis e urgentes em alternativa à proclamada
falência das instituições democráticas.
ARENDT, Hannah (1958), “The human condition”, (p. 176) 2ª ed., Chicago, University of Chicago Press, 1998, in
SENNET, R. (2010, p. 16) “El Artesano”. Anagrama. Colección Argumentos. Barcelona.
BAUMAN, Z. (2011). “44 cartas desde o mundo líquido” Paidós. Barcelona.
A dinâmica criada pela investigação é processual e resulta num território de
viagem fascinante e possível num universo global14. No caminho, cruzam-se visões das
realidades profissionais e pessoais ativando cintilações ao ser re-significada a
experiência. Curiosamente, o melhor deste processo, é que quando falamos de nós,
falamos das formas como olhamos o mundo. Dado que essas narrações são
construídas socialmente, importa pois mergulhar nos discursos e procurar os dispositivos
que nos permitem desconstruir e indagar sobre, que visões estamos a veicular na
educação? Como nos sentimos? Porque nos inquietamos? E como lançamos novos
questionamentos? Como a nossa postura interfere nas aprendizagens d@s alun@s?
Não para criar respostas, que saberemos serem sempre instáveis, mas para
desencantar soluções que nos levem a outros questionamentos e a novos encontros.
Os estudos sobre a Educação Artística15, envolvendo toda a investigação
geram e dinamizam as culturas educacionais, recorrendo a abordagens construtivistas
e, mais recentemente, social-construcionistas (construindo relações), que se revela já
BECK, Ulrick (2000). “Modernidade Reflexiva”. Celta Editora. Oeiras (pp.29-30)
BOURDIEU, Pierre e Louis Wacquant (1988). “Sur les ruses de la raison imperialiste” in Actes de la recherche en
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CASEY, Kathleen (2004). “Por qué adandonan la docência las mujeres activistas progresistas? - Teoria,
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http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/eisner.pdf (cons. em abril 2011).
GIDDENS, Anthony (2000). “O mundo na era da globalização”. Editorial Presença. Lisboa.
em pressuposto, mas com tímida abordagem, nas práticas da utilização do portefólio
GOODSON, I. (2004). “Histórias de vida del professorado”. Octaedro. Barcelona.
(por exemplo) como instrumento legítimo de avaliação. A dimensão epistemológica
GOODSON, I. (2007), Rev. Bras. Educ. vol.12 no. 35 Rio de Janeiro May/Aug. 2007,
da Educação Artística, o universo constantemente mutável em que opera e a
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782007000200005&script=sci_arttext, (cons. em janeiro de 2010).
permeabilidade às questões subjetivas do conhecimento e dos sujeitos, exigiu e depois
HARGREAVES, A., L. Earl y J. Ryan (1996). “Una Educación para el Cambio”. Octaedro. Barcelona; (1998).
permitiu, aos investigadores e especialistas, uma alargada capacidade de prestar
“Os professores em tempos de mudança. O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-
atenção às manifestações em que se revela a vida das escolas, do ensino, do
moderna”. McGraw-Hill. Alfragide. Portugal.
conhecimento, d@s professor@s e d@s jovens. É Elliot Eisner que, em 2008, reflete
HERNÁNDEZ, F. (1997). “Educación y Cultura Visual”. Cuadernos de Cooperación Educativa. Publicaciones
também, sobre os contributos que a experiência artística pode lançar para a
M.C.E.P. Morón, Sevilla; (2006) “VI jornades d’història de l’educatión artística- Históries de Vida en
educação:
Educació Artística” (2006). Universitat de Barcelona.
“A imaginação não é um mero ornamento, tal como a arte. Juntas podem
libertar-nos dos nossos hábitos enrijecidos. Elas podem ajudar-nos a restaurar
um propósito decente para os nossos esforços e a criar o tipo de escolas que as
nossas crianças merecem e que a nossa cultura precisa. Tais aspirações, meus
amigos, são estrelas pelas quais vale a pena esticar-se” (Eisner, 2008, pp.16).
_____________________________________________________________________________
KINCHELOE, L. Joe. (2001). “Hacia una revisión crítica del pensamiento docente”. ediciones Octaedro.
Barcelona, Espanha.
NÓVOA, António. (1992) “Vidas de professores”. Porto: Porto Editora
SANCHO, Juana (Coord.), (2010). “DONES A LA CIÈNCIA I A LA UNIVERSITAT: LA CONSTRUCCIÓ DE LA
IDENTITAT DOCENT I INVESTIGADORA EN CONTEXTOS DE DESIGUALTAT” ESBRINA. UB.
BIBLIOGRAFIA
“A globalização não diz apenas respeito à criação de sistemas de larga escala, mas também
à transformação de contextos locais, e até pessoais, de experiência social. Ela não será um
incidente passageiro nas nossas vidas” Anthony Giddens (2000, pp.29 e 32).
15 Os estudos da Educação Artística (promovidos pela Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Barcelona) têm sido pioneiros na procura de formas de análise e de reflexão sobre a
educação artística atual, construindo importantes e impactantes fontes de investigação
caracterizada por Histórias de Vida.
14
6
168
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O recurso didático como plataforma criativa
promoção de “mudanças nas formas de pensar, sentir e agir” (Fittipaldi, 2007,
Estudante de Mestrado e Professor, Ricardo Miguel Monteiro, Universidade de
dinamizador do processo de ensino possibilitando ao aluno “desempenhar um
Aveiro
Prof. Auxiliar, Helena Barbosa, Universidade de Aveiro
Resumo
Os recursos didáticos permitem uma diversidade de estratégias na organização
do processo de ensino e aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento
criativo. O presente estudo pretende explorar o jogo “Challenges Game”, na
sua dinâmica colaborativa, enquanto agente do processo criativo e como
recurso motivador para os alunos no processo de ensino e de aprendizagem.
Além disso diversificadas e enriquecedoras não só no processo de ensino das
artes visuais, assim como analisar o contributo do professor na gestão do
recurso didático jogo. Para isso, apresenta resultados com base nos trabalhos
práticos realizados por alunos da disciplina de Materiais e Tecnologias do
Curso Profissional de Técnico de Design, relacionados com a arte e o design.
Espera-se assim desenvolver estratégias que permitam implementar práticas
papel ativo, levando-o a pensar num determinado problema; ativar os
conhecimentos já adquiridos; levantar hipóteses e colocá-las à prova;
confrontar ideias, comparar diferentes formas de resolver o problema; e
(re)significar conceitos (2007, p. 55).
Por outro lado, também para o professor, o jogo apresenta-se como um
instrumento relevante, no sentido em que permite “apreender a lógica do
raciocínio do aluno; identificar e analisar o que levou o aluno a acertar ou a
errar; verificar como o aluno faz para resolver problemas; identificar que
habilidades o aluno já possui; identificar quais os conceitos que já adquiriu; e
repensar a ação docente (2007, p. 56).
O jogo enquanto recurso que estimula a criatividade na resolução de situações
problemáticas, assume destaque neste estudo pela importância do processo
criativo nas disciplinas das artes visuais.
Segundo Katja Tschimmel, “ o pensamento criativo pode ser desenvolvido e
treinado, tal como os restantes músculos do corpo” (2003, s.p.). Depreende-se
educativas no âmbito das disciplinas de artes visuais.
assim um processo que é o menos linear possível, “é sobretudo reticulado,
Palavras-Chave: Recurso didático; Jogo; Artes Visuais; Design; Processo
A importância deste estudo centra-se na (des)motivação dos alunos no Ensino
recursivo e potencia-se a si próprio” (2010, p. 181).
Criativo
Secundário, especificamente dos cursos de cariz profissional, na (in)existência
INTRODUÇÃO
(des)valorização dos professores perante diferentes estratégias de ensino e na
Os recursos didáticos permitem uma diversidade de estratégias na organização
do processo de ensino e aprendizagem. Na publicação de Beatriz Gomes, I.
Martins e N. Alves, mencionam que os recursos didáticos “são elementos
essenciais e neles dever-se-ão incluir todos os meios que possam mediar os
processos de ensino”, possibilitando a interiorização de dados científicos,
tecnológicos e sociais, fomentando as capacidades dos alunos em variados
aspetos tais como “atitudes, (…) pesquisa e organização de informação, de
trabalho em equipa e de construção de posições fundamentadas” (2010, p. 5).
Quando o professor assume o papel de orientador da aprendizagem, o aluno
não só é ativo como interativo, passando para o jogo uma importância na
170
p. 48). O mesmo autor realça a importância do jogo enquanto instrumento
de métodos de ensino que valorizem o trabalho colaborativo nos alunos, na
(in)existência de jogos direcionados para disciplinas de artes visuais no ensino
secundário.
Revelaram-se fundamentais para todo este processo as observações
realizadas à turma verificando-se que, na generalidade, os alunos revelaram
alguma desorientação relativamente ao trabalho que tinham de desenvolver,
apresentavam uma atitude muito passiva nas aulas e demonstravam bastantes
dificuldades na gestão do processo colaborativo no desenvolvimento de tarefas
nos trabalhos de grupo (Monteiro, 2012, p. 105).
Sobre estes pressupostos pretendeu-se desenvolver e implementar o jogo
“Challenges Game” enquanto recurso didático dinamizador do processo criativo
da aprendizagem nos alunos.
171
grupo, o desenvolvimento e a resolução é individual; e o desafio grupo que
exige o máximo empenho de todos os elementos no grupo sendo a resolução
da responsabilidade de todos. A criação dos desafios é da competência do
METODOLOGIA
docente, conferindo-lhe assim um papel fundamental, não apenas na gestão do
As especificidades deste estudo evocam a necessidade de utilizar uma
jogo na sua aplicação mas também na sua criação.
metodologia centrada na investigação – ação. Segundo Clara Coutinho a
Importa definir um conjunto de regras implícitas no jogo - inicia-se com o
Investigação ação “é uma das metodologias que mais pode contribuir para a
lançamento de dados que definem uma carta; exploram-se os desafios com o
melhoria das práticas educativas” pelo facto de proporcionar uma maior
grupo;
aproximação entre todos os intervenientes na investigação (2009, p. 375).
desenvolvidas para a resolução do desafio; criam-se e registam-se as soluções
Pretende-se assim uma maior flexibilidade metodológica, possibilitando
para o desafio grupo; apresentam-se todas as resoluções; e pontuam-se o
reformulações ao longo do processo de investigação, permitindo ao docente
desempenho dos “jogadores”.
um papel mais ativo na investigação.
Toda a calendarização deve ser previamente definida pelo docente,
O estudo apresenta um processo construtivo que se inicia com a observação
nomeadamente a entrega da resolução ao desafio individual e aos desafios de
realizada em contexto da PES, originando o problema da investigação. Este
grupo, e apresentação a todos os elementos que se encontram em jogo, assim
problema surge através da uma reflexão teórica que determina um conjunto de
como os parâmetros pontuáveis no final do jogo.
desenvolvem-se
e
registam-se
os
processos
e
informações
planificações de atividades. Essas planificações envolvem toda a dinâmica do
172
jogo “Challenges Game”, atividade central do nosso estudo. Por fim, são
RESULTADOS
observadas as apresentações dos trabalhos realizados nas aulas, permitindo
Os alunos, desde o início do módulo, manifestaram entusiasmo com o facto de
realizar uma reflexão sobre todo o processo até aqui desenvolvido.
existir um jogo que dinamizaria uma proposta de trabalho. O constante
Neste seguimento, são sujeitos participantes neste estudo os alunos do 10.º
questionamento por parte dos alunos, sobre o desenvolvimento do jogo,
ano do Curso Profissional de Técnicos de Design da Escola Secundária
aumentou as expectativas de todos os intervenientes neste processo. Foram
António Sérgio, através da disciplina de Materiais e Tecnologias – componente
definidos pelo docente um conjunto de desafios que abordavam áreas como o
de formação técnica – turma com a qual foram desenvolvidas todas as
Design, a Psicologia/Sociologia, a Criatividade, o Ambiente, Materiais e
atividades que posteriormente vão ser analisadas e serão alvo de reflexão, de
Tecnologias, de modo a explorar conceitos como o pensamento criativo, o
modo
investigação.
pensamento critico, funcionalidade, o processo de design, a tecnologia, o
A exploração do jogo “Challenges Game” insere-se na planificação do módulo
ecodesign, a reciclagem e a perceção da visual. Os alunos, conscientes da
de “Madeiras e Derivados”. Neste sentido, o plano inicia-se com a motivação e
exploração
a apresentação dos conteúdos através de um conjunto de tempos letivos de 45
preocupação com algumas temáticas. Para uns protegidos pela sorte, para
minutos – 10 tempos expositivo-práticas que servirão de base para o
outros a incerteza do modo como iriam resolver os desafios, as reações foram
desenvolvimento do jogo e 17 tempos que visam explorar, desenvolver e criar
diversificadas. De realçar algumas observações realizadas pelos alunos que
resoluções aos desafios do jogo.
salientaram o facto de o jogo proporcionar uma proposta de trabalho bem
O jogo implica a criação de vários grupos de quatro a seis elementos. Cada
definida e de considerarem o recurso como uma mais valia para a aquisição de
elemento deverá responder de forma criativa aos desafios que lhe serão
competências. Um conjunto de comportamentos da generalidade dos alunos
propostos e ajudar assim o grupo a atingir a maior pontuação. Existem dois
permitem analisar a motivação apresentada para a resolução dos desafios.
tipos de desafios: o desafio individual que embora possibilite a exploração em
Destacam-se a permanência na sala de aula explorando os desafios durante o
a
responder
às
questões
principais
desta
destes
desafios,
encararam-nos
como
tal,
manifestando
173
intervalo das aulas, a constante colocação de questões pertinentes na tentativa
FITTIPALDI, Claúdia (2007) – Jogar para Ensinar, Jogar para Aprender; orient.
de resolver os desafios, a entrega de trabalhos antes do prazo previsto e a
Cláudia Leme Ferreira Davis. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
atitude perseverante sobre os desafios.
São Paulo, 2007. 236 p. Tese de Douturamento. [Consult. 20, Jan. 2012].
Como maiores dificuldades os alunos manifestaram a exploração de temas
Disponível
com grande abrangência, estando à espera de desafios mais concretos e
<http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4456>
definidos, o relacionar dos desafios apresentados com os conteúdos
específicos do módulo e a perceção da importância do desafio individual para a
em
WWW:
GOMES, Beatriz Maria (2010) - Desenvolvimento de um Programa de
resolução do desafio grupo.
Formação de Professores do 2º CEB em Ciência; orient. Rui Marques Vieira.
CONCLUSÕES E DISCUSSÕES
Dissertação de Mestrado em Gestão Curricular. [Consult. 02, Fev. 2012].
Aveiro: Departamento de
Segundo Luiz Pais, a principal finalidade dos recursos didáticos é a mediação
entre professor e aluno e a aquisição do conhecimento (2000, p. 2-3). Neste
estudo considera-se que este processo é favorecido pelo facto de o professor
assumir
um papel
fundamental
na
gestão
e
criação
dos desafios.
Neste contexto específico, o jogo “Challenges Game” revelou-se uma mais
Disponível
Didáctica e Tecnologia Educativa, 2010. 121 f.
em
WWW:
<URL:
http://ria.ua.pt/bitstream/10773/1440/1/2010001685.pdf>.
MONTEIRO, Ricardo Miguel (2012) – Repensar Práticas Educativas – volume
I. 2012. 66 f. Acessível no autor, Porto, Portugal.
valia no processo de ensino e aprendizagem, promovendo a criatividade, a
PAIS, Luiz Carlos (2000) - Uma análise do significado da utilização de recursos
capacidade de concentração e estimulando os alunos a adquiri competências.
didáticos no ensino da geometria. Associação nacional de pós-graduação e
Salienta-se que os objetivos esperados durante a conceção do jogo foram
pesquisa em educação: 23ª. reunião anual. 2000. [Consult. 28, Jan. 2012].
alcançados, indo de encontro aos previstos na planificação dos conteúdos do
Disponível
módulo da disciplina.
<URL:http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1919t.PDF>.
em
WWW:
Os alunos manifestaram uma atitude ativa em todo o processo de
desenvolvimento dos desafios propostos, revelando-se fundamental para o
TSCHIMMEL, Katja Christin (2010) – Sapiens e Demens no pensamento
efeito a orientação que o jogo incute.
criativo do Design. Orient. Fernando Maria de Fátima Teixeira Pombo,
Considera-se um processo que promove a diversidade de estratégias de
Bernhard E. Bürdek. Aveiro: Departamento de Comunicação e Arte da
ensino pela dinâmica enriquecedora do processo criativo, enquanto estímulo
Universidade de Aveiro, 2010. 595 f. Tese de Doutoramento.
diferenciador das potencialidades individuais do aluno e o exercício que
promove o trabalho colaborativo na resolução de problemas.
BIBLIOGRAFIA
COUTINHO, Clara. [et al.] (2009)
– Investigação-Acção: Metodologia
preferencial nas práticas educativas. Psicologia, Educação e Cultura, vol. XIII,
n.º 2. Carvalhos: Colégio Internato dos Carvalhos, 2009. ISSN 0874-2391, p.
455-479.
[Consult.
02,
Fev.
2012].
Disponível
em
WWW:
<URL:http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10148/1/Investiga%C
3%A7%C3%A3o_Ac%C3%A7%C3%A3o_Metodologias.PDF>.
174
175
EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: PRÁTICAS EDUCATIVAS QUE CONSTROEM A ESCOLA
como a Matemática e a Língua Portuguesa, comummente consideradas ‘as disciplinas
essenciais e estruturantes’ no seio do próprio currículo.
Algumas práticas educativas, características da educação artística e, em
particular, do ensino das artes visuais, têm-se revelado bastante eficazes na promoção
Muitas vezes sinto faltar uma fundamentação que reconheça o papel das disciplinas
e valorização da autonomia e da identidade individual do aluno. De acordo com o
das áreas artísticas no currículo e qual a sua importância no desenvolvimento das crianças e
Roteiro para a Educação Artística, estas características são reconhecidas como
jovens. Também desta forma se permite que estes discursos depreciativos se consolidem e
essenciais às necessidades da sociedade do século XXI. Contudo, a valorização destas
que o lugar da educação artística na escola seja questionado.
práticas educativas não é uma realidade generalizada nas escolas, sendo muitas vezes
Contudo, apesar desta perceção generalizada, as artes e a educação visual, artística e
menorizadas e substituídas por outras, impregnadas de uma pretensa aura de rigor e
tecnológica são essenciais para o Homem, estando profundamente enraizadas e valorizadas
seriedade.
nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, pretendo demonstrar neste artigo que a
Este artigo visa refletir sobre as potencialidades dos processos pedagógicos
autoimagem dos professores de arte é um sintoma sobre o qual é necessário
empregues no ensino das artes visuais, nomeadamente sobre as suas características e
trabalhar/investigar, no sentido de consolidar formação, conhecimento e ação sustentadas
sobre a forma como estas influem na construção da própria escola.
epistemologicamente.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Artística; Artes Visuais; Escola; Cultura Visual; Sociedade;
As artes e o mundo
Se no final do século XX era comum a afirmação de que vivíamos na era da imagem,
devido à proliferação de estímulos visuais, hoje será mais assertivo afirmar que vivemos numa
Introdução
era em que as manifestações artísticas proliferam – tanto do ponto de vista da fruição/
Este artigo surge na sequência da minha participação no 2º Encontro Internacional de
contemplação, como do ponto de vista da produção/ criação. Multiplicam-se os festivais de
Educação Artística, realizado no passado mês de Abril. Desde essa data, ocorreram alterações
música, assim como os concursos televisivos para encontrar os melhores cantores ou
significativas no que concerne à educação artística no âmbito escolar, que não podem deixar
dançarinos, as publicações de vídeo-clips no YouTube, escolhemos a seleção musical que nos
de se refletir neste texto.
vai acompanhar no iPod e a norma é a existência de música ambiente nos espaços comerciais.
As “artes” tomaram o quotidiano. Da moda ao design, da música à arquitetura...
De certo modo, o assunto sobre o qual foco o meu interesse prende-se com a
‘importância’ da educação artística e sobre a forma como esta se integra na escola.
Referindo-me especificamente à área das artes visuais, de uma forma tendencialmente
globalizada, proliferam os ecrãs de todos os tamanhos e formatos, com os mais variados
conteúdos e funções, vivemos rodeados de imagens – cartazes, mupis e graffiti, a moda e a
Autorretrato
imagem pessoal são temas na ordem do dia, enfim, a cor e a forma são presenças
incontornáveis no mundo atual. Também o acesso às artes plásticas tem uma dimensão sem
No âmbito da minha atividade profissional tenho tido oportunidade de contactar com
precedentes, não se podendo negar a expansão e diversidade dos espaços de expositivos, a
docentes da área de ensino das artes visuais, o que me tem permitido observar que a sua
pluralidade de conteúdos e de formas de expressão, ou a massificação no acesso a estes
perceção acerca das disciplinas que lecionam é a de que estas são menosprezadas. Esta
espaços/ conteúdos. Este acesso é propiciado por diversos fatores que podem potenciar uma
perceção resulta de um discurso e de uma prática que sobrevaloriza outras áreas disciplinares,
fruição mais completa e complexa da obra de arte, nomeadamente o apoio prestado por
serviços educativos, livros de arte, documentários, etc.
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177
À facilidade de acesso ao nível da fruição, acrescenta-se a acessibilidade à produção
nomeadamente de Portugal, devemos ter em consideração que valorizar a educação artística
artística. Sendo o discurso generalizado o de que atualmente os jovens ‘não sabem fazer nada’,
por ser uma mais-valia para a educação não é a mesma coisa que valorizar a educação artística
servindo como justificação a vida urbana, confinada a pequenos espaços em apartamentos, de
pela sua adequação às necessidades sociais e económicas. Nesta última ideia, a educação
costas voltadas para a rua e a para a natureza e presos aos teclados dos telemóveis e às
artística é apresentada como uma espécie de ferramenta de ‘adestramento’ de trabalhadores,
consolas de jogos, paradoxalmente podemos constatar que nunca os materiais e instrumentos
o que não pode deixar de nos remeter para uma associação com o Taylorismo, devidamente
utilizados na produção artística, nomeadamente nas artes plásticas, foram tão acessíveis. A
adaptado às necessidades do século XXI, nomeadamente através da promoção e valorização
proliferação de espaços comerciais dedicados a estes métiers, de cariz mais profissional ou
de alguma diversidade ao nível das competências adquiridas e saberes alcançados.
mais generalista, revela uma necessidade existente de experienciar os ‘fazeres’ artísticos,
sejam eles a culinária, jardinagem, pintura, ou qualquer outro hobby. A partir daqui será
também possível considerar a possibilidade de uma experiência estética.
Outubro de 2012 – novos paradigmas
Apesar de terem passado poucos meses da realização do 2EI_EA, muita coisa mudou
O discurso oficial – do consenso à intenção
A par desta realidade, assistimos a discursos institucionais de valorização da educação
artística e das suas potencialidades. Enquanto no revogado Currículo Nacional do Ensino
Básico se refere que “As artes são indispensáveis no desenvolvimento da expressão pessoal,
social e cultural do aluno. São formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção.”,
no Roteiro para a Educação Artística (UNESCO – Lisboa 2006), é referido que este “… pretende,
portanto, comunicar uma visão e promover um consenso quanto à importância da Educação
Artística na construção de uma sociedade criativa e culturalmente consciente;”. As ideias,
no panorama da educação em Portugal, nomeadamente no âmbito da educação artística.
No 2º ciclo do ensino básico, a disciplina de Educação Visual e Tecnológica, de 180
minutos semanais e lecionada por dois docentes, dividiu-se nas disciplinas de Educação Visual
e Educação Tecnológica, cada uma com um docente e com a duração de 90 minutos semanais.
No 3º ciclo do ensino básico desapareceu a disciplina de Educação Tecnológica e a disciplina de
Educação Visual passou a ser obrigatória no 9º ano de escolaridade. Foram aprovadas as
Metas Curriculares do Ensino Básico, nomeadamente da Educação Visual e da Educação
Tecnológica.
aparentemente consensuais no que concerne à valorização da educação artística, parecem
As Metas Curriculares do Ensino Básico trazem-nos um novo discurso. Analisando o
assentar numa perspetiva utilitária da educação artística, na medida em que, neste último
documento referente à Educação Visual (2º e 3º Ciclo), vemos que expõem de forma clara
documento se considera que “a educação na arte e pela arte estimula o desenvolvimento
algumas intenções que apenas se subentendem nos documentos anteriormente referidos “A
cognitivo e pode tornar aquilo que os educandos aprendem e a forma como aprendem, mais
disciplina de Educação Visual, através da realização de ações e experiências sistemáticas,
relevante face às necessidades das sociedades modernas em que vivem. (…) A Educação
deverá desenvolver nos alunos a curiosidade, a imaginação, a criatividade e o prazer pela
Artística contribui para uma educação que integra as faculdades físicas, intelectuais e criativas
investigação, ao mesmo tempo que proporciona a aquisição de um conjunto de conhecimentos
e possibilita relações mais dinâmicas e frutíferas entre educação, cultura e arte.”. Estes aspetos
e de processos cooperativos. (…) As metas que se reconhecem como fundamentais ao
são considerados essenciais porquanto “As sociedades do século XXI necessitam de um cada
desenvolvimento da ação educativa nos 2.° e 3.° Ciclos do Ensino Básico, e que facultam
vez maior número de trabalhadores criativos, flexíveis, adaptáveis e inovadores, e os sistemas
vivências de diferentes universos visuais, estruturam-se em quatro domínios que se conjugam
educativos têm de evoluir de acordo com as novas necessidades. A Educação Artística permite
para o desenvolvimento de conhecimentos no contexto da Técnica, da Representação, do
dotar os educandos destas capacidades, habilitando-os a exprimir-se, avaliar criticamente o
Discurso e do Projeto. (…) Os objetivos e descritores indicados em cada ano de escolaridade
mundo que os rodeia e participar ativamente nos vários aspetos da existência humana.”. Este
são obrigatórios, sem prejuízo de, em anos subsequentes, continuarem a ser mobilizados.”
discurso, aparentando ser inócuo e consensual, revela ambivalências, uma vez que assenta na
Neste documento não se esconde a aposta num modelo cuja intenção é a procura de
ideia de que o valor da educação artística está nas suas potencialidades de promoção do
uniformização de saberes como forma de promover a hierarquização académica.
desenvolvimento humano e do desenvolvimento económico das sociedades. Não sendo de
desprezar a contribuição das áreas artística e cultural para o Produto Interno Bruto dos países,
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179
Das intenções às ações
Independentemente dos discursos, é pertinente perceber de que forma é que estes se
refletem na prática. É assim possível constatar que existe alguma divergência entre os
discursos e as práticas, uma vez que independentemente da valorização da educação artística,
subentendida no discurso, as medidas a que temos assistimos comprometem a qualidade do
ensino artístico – a diminuição da carga horária dedicada a estas disciplinas, o aumento do
número de alunos por turma/professor, os entraves ao funcionamento de atividades
extracurriculares, como os clubes, a possibilidade de algumas destas disciplinas serem
lecionadas por docentes sem formação específica, como acontece com frequência nas
disciplinas de Teatro e de Dança.
interesados en mejorar los procesos educativos, tanto dentro como fuera de la escuela, tienen
mucho que aprender de las artes. Dicho en pocas palabras, las artes pueden actuar como
modelo para enseñar las materias que suelen tener por académicas.”(Eisner: 2002). De acordo
com este autor, são diversos os aspetos que, sendo característicos da educação artística,
podem ser uma mais-valia se aplicados em outras áreas disciplinares – a valorização da
diversidade, considerada essencial, é disso exemplo. As artes valorizam e contam com a
individualidade dos alunos, que são vistos enquanto pessoas com biografia. Este fator não é de
somenos importância uma vez que promove o aprofundamento das relações, na medida em
que se reflete no comprometimento pessoal e significativo em relação aos projetos
desenvolvidos, resultando numa mais-valia educativa.
Também o prazer intrínseco que daqui pode surgir deve ser referido enquanto fator
impulsionador das aprendizagens. Este aspeto, frequentemente desvalorizado, porquanto se
Educação artística – na escola ou apesar da escola?
Perante o panorama traçado, é pertinente questionar de que modo é que estas
realidades influenciam a escola? No âmbito específico da educação visual, qual é o papel da
escola na construção/ desconstrução da cultura visual? Estas questões são tão mais
pertinentes porquanto pelo exposto, a mobilização da literacia visual é contínua. “(…) las
imágenes forman parte de contextos visuales (históricos, sociales, culturales…) que pueden
afectar a la generalización de las cualidades estéticas que la visión perceptiva favorece.”
considera que os conceitos ‘tarefa’ e ‘prazer’ são antagónicos, sendo a tónica que se coloca na
‘tarefa’ sobrevalorizada, enquanto o ‘prazer’ é menosprezado ou até antagonizado, quase
considerado pecaminoso e incompatível com a ideia de seriedade. No entanto, por prazer
conseguimos desenvolver esforços e superar desafios. Tornar o prazer parte integrante dos
processos de aprendizagem resulta na sua maior eficácia, na medida em que o aluno não fica
subalternizado perante mecanismos de recompensa externa, como a classificação, por
exemplo.
(Hernandez: 2003)
As nossas conceções de beleza e o modo como construímos o mundo são também
significativamente afetadas pela envolvente visual em que vivemos, o que justifica a
necessidade de tentar compreender o papel da educação visual, nomeadamente nas suas
vertentes artísticas, no âmbito escolar.
Perante o panorama retratado, deve ser questionado o papel da educação artística na
construção da própria escola, assim como o modo como a escola pode ser uma mais-valia para
a educação artística.
Na arte a forma é conteúdo. Daí, se pensarmos em qualquer manifestação artística,
seja a música, a dança ou a pintura, percebemos que estes conceitos são inseparáveis e que se
interpenetram mutuamente. Esta conceção é marcante para os processos educativos
empregues, uma vez que há o entendimento de que, para a efetivação dos conhecimentos, a
forma como estes são tratados é essencial. Deste modo a forma como se ensina também
ensina.
De notar ainda que as potencialidades destes conceitos e práticas têm gradualmente
vindo a ser reconhecidas e incorporadas por outras áreas disciplinares. A título de exemplo
posso referir a construção do portefólio, que recentemente se tornou prática recorrente para
a maioria das áreas disciplinares, assim como a incorporação de elementos visuais ligados à
Como a educação artística constrói a escola
área de conhecimento das artes e da cultura visual em diversas disciplinas. Contudo, quando é
frágil a conceção do que é a educação artística, de que formas se reveste, quais as suas
É essencial que os docentes das áreas artísticas estejam conscientes acerca dos
finalidades, quais as suas potencialidades, corremos diversos riscos – o de assumirmos como
diversos papéis que a educação artística pode assumir na escola e no pensamento sobre a
verdadeiros os estereótipos a que se associa a educação artística, de procurar respostas e
escola, assim como na sua construção. Transpor as potencialidades da educação artística para
modelos que, sendo inadequadas na educação artística, a podem esvaziar de sentido, ora o de
outras áreas disciplinares poderá ser uma forma de as enriquecer. “Pero quienes están
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181
exercer a profissão docente e usar a educação artística não com o sentido de inclusão, mas sim
o da hierarquização e exclusão.
‘Aprender fazendo, fazer pensando e pensar envolvendo-nos’, sendo o que
caracteriza a educação artística, é também o modo como esta pensa e constrói a Escola.
BIBLIOGRAFIA
ARNHEIM, R. (1993). Consideraciones sobre la educación artística. 1ª Ed. Barcelona: Ediciones
Paidós.
COMISSÃO NACIONAL DA UNESCO (2006). Roteiro para a Educação Artística: Desenvolver as
Capacidades Criativas para o Século XXI. Lisboa: Comissão Nacional da Unesco.
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico –
Competências Essenciais. Lisboa: Departamento de Educação Básica.
EISNER, E. (2004). El arte y la creación de la mente. El papel de las artes visuales en la
transformación de la conciencia. Barcelona: Ediciones Paídos Ibérica.
HERNÁNDEZ, F. (2003). Educación y cultura visual. Barcelona: Ediciones Octaedro.
CIDADES, LUGARES, OBJETOS E NARRATIVAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
EM ARTE
Ronaldo Alexandre de Oliveira e Fernando A. Stratico –
Universidade Estadual de Londrina – Brasil
Resumo: Na perspectiva do que chamamos de metodologia da presença, apresentamos análises de
experiências de formação em artes visuais e teatro no âmbito da graduação superior, cujo enfoque
principal é a construção do conhecimento a partir da experiência pessoal do estudante e sua relação
dialógica com o conhecimento instituído. Narrativas e memórias constituem o ponto de partida para
a construção do conhecimento. A cidade, seus lugares, objetos e memórias são elementos-chaves
neste processo. Trata-se, assim, de um diálogo entre a subjetividade do sujeito em formação e a
história da arte, tanto um como outro só ganham sentido na formação docente, se dispostos em uma
constante relação dialógica. Tal abordagem nos conduz a constatar o quanto é fundamental a busca
por procedimentos que não excluam dos processos de formação a pessoalidade dos sujeitos da
aprendizagem. Neste sentido indagamos: Que lugar ocupa o sujeito da aprendizagem nas atuais
metodologias do ensino de arte? Este é um sujeito que se inclui e que constrói o conhecimento?
Palavras-Chaves: Formação Docente em Arte, Cidade, Objeto, Memória, Narrativas.
A centralização do ensino de arte no contato com a produção legitimada pela história da arte
tem resultado em abordagens que excluem a bagagem pessoal do estudante. Este, ao invés de
estabelecer um diálogo e relação entre o pessoal e o histórico, passa a anular a sua própria vivência.
Aqui empreendemos uma crítica e proposta de ensino de arte cujo centro seja não a história da arte,
mas sim o sujeito e sua história, e principalmente o encontro deste sujeito com o outro. Há aqui um
empenho em incluir vivências e pessoalidades, esforço tal que faz-nos avaliar o lugar que ocupa o
estudante nas atuais metodologias do ensino de arte. Este é um sujeito que se inclui e que constrói o
WEBGRAFIA
http://www.portugal.gov.pt/media/675633/ev.pdf
conhecimento, ou é um ser passivo que somente recebe conteúdos técnicos e históricos? É possível
vislumbrar uma metodologia da presença a ocupar o lugar de tantas ausências e omissões? As
experiências para as quais nos voltamos suscitam questões sobre abordagens centradas em
narrativas, em cidades e seus lugares, em objetos e memórias. Trata-se de um entrelaçamento de
histórias e marcas advindas da vida que se cruzam com conteúdos relativos às artes.
Muitas são as experiências motivadas por uma idéia de presença na aprendizagem. Paulo
Freire foi, sem dúvida, o grande propositor desta abordagem, a qual é voltada para a realidade
brasileira - cruel e contrastante. Sua proposição convoca educadores a reconhecer o verdadeiro
sujeito da aprendizagem. Freire nos alerta que ensinar não é transferir conhecimento, mas “criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1998, p.52).
Traremos para a discussão sobre a dicotomia entre presença e ausência dos sujeitos do
processo pedagógico os resultados de pesquisas recentes que temos realizado. Primeiramente,
abordaremos processos vivenciados por um grupo de educadores da Licenciatura em Artes Visuais
do PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - da Universidade
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183
Estadual de Londrina (Brasil), turma de 2010/2012. Em seguida, abordaremos pesquisas
desenvolvidas junto ao Bacharelado de Artes Cênicas, da mesma Instituição.
Em um segundo momento - como parte das atividades da disciplina de Gravura - os
estudantes foram estimulados e desafiados ao trabalho criativo. A partir da experiência coletiva de
O grupo de estudantes do PARFOR foi composto por quinze educadores, os quais tiveram
compartilhamento de histórias e narrativas, os estudantes, com base nos elementos técnicos da
como pré-requisito para a sua inserção no programa, o fato de já terem cursado uma primeira
xilogravura, puderam fazer com que a experiência relativa à memória e narrativas fossem
licenciatura e/ou terem atuado durante, pelo menos, três anos na área de artes. A experiência
transformadas em criações artísticas.
pedagógica da disciplina de Metodologia e Prática do Ensino de Artes Visuais I e II, ao contrário de
Rosângela Almeida Lopes, uma das estudantes, apresentou, enquanto objeto pessoal, as
reproduzir tão somente teorias e abordagens diversas, buscou proporcionar, na prática, a vivência de
sapatilhas de bailarina, que, há muito, não usava. Trouxe também fotografias de edificações que
um sistema, cuja perspectiva, como na visão de Freire, fosse centrada no sujeito-estudante
eram caras à estudante por fazerem parte da rotina de estudo e apresentações do balé – entre estas,
(FREIRE, 1998, p. 52). Buscamos, assim, formas de proporcionar a investigação prática, que
uma imagem do Cine Teatro Ouro-Verde, infelizmente destruído por um incêndio no início de
oferecesse ao estudante elementos para a reflexão crítica e formulação de diretrizes para sua
2012. Na cidade de Londrina, a estudante nasceu, cresceu e construiu sua própria história.
conduta como professor. O exercício e investigação propostos tomam cidades, lugares, objetos e
Como parte do exercício, a estudante apresentou imagens de arte de sua livre escolha, as
narrativas como estímulos ao processo dialógico de aprendizagem. A ênfase na indissociabilidade
quais mantinham uma relação direta com o objeto. As pinturas impressionistas de bailarinas, de
entre teoria e prática, do mesmo modo, é sustentada pelo pensamento de Freire:
Edgard Degas, formaram a primeira conexão entre o objeto e a história da arte. Os comentários de
Como professor num curso de formação docente não posso esgotar minha
prática discursando sobre a teoria da não extensão do conhecimento. [...].
[...] O meu discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da
teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando
sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar
envolvendo os alunos. [...] [Freire, 1998, p.52]
Rosângela sobre a experiência do balé atestaram e revelaram um sentido de vivência: horas de
ensaio, o trabalho cansativo dos exercícios e o conhecimento vivido no próprio corpo.
Buscamos, assim, formas de proporcionar a investigação prática, que oferecesse ao
estudante elementos para a reflexão crítica e formulação de diretrizes para sua conduta como
professor e como criador. O exercício e investigação propostos partiram de narrativas de cada
estudante acerca de objetos pessoais os quais foram trazidos para o ambiente da Universidade.
Bibelôs, jogos de chá, fotografias de família, entre muitos outros objetos, formaram uma
constelação variada de artefatos, ao redor dos quais, em um primeiro momento, todos foram
Sapatilhas e imagem de bailarinas de Edgar Degas trazidas pela estudante Rosângela de Almeida Lopes, como parte do exercício de
compartilhamento de narrativas pessoais e imagens de Paula Rego apresentadas em formação como ampliação de repertório.
instigados a falar sobre a relação com seus objetos e com imagens de lugares. Este foi o momento,
O exercício, que primeiramente fundamentou-se no relato e exposição oral pelos estudantes,
como na visão de Ecléa Bosi (1995, p 38), de compartilhar histórias e experiências, de modo a
posteriormente adquiriu a forma escrita por meio de depoimento. Em seu testemunho, Rosângela
proporcionar o conhecimento mútuo e também de se colocar perante o grupo. Como nas abordagens
enfatizou o significado e símbolo que as velhas sapatilhas gastas e sujas representavam:
de pesquisa participante, o sujeito desvela a si, seu universo e ao outro; este não ouve somente, mas
acolhe.
A noção de compartilhamento e confiança mútua encontra eco e sustentação nas
observações de Ecléa Bosi, para quem a pesquisa social deve ser um processo fundamentado no
encontro com o outro:
A pesquisa é um compromisso afetivo, um trabalho ombro a ombro com o
sujeito da pesquisa. [...] É preciso que se forme uma “comunidade de
destino, para que se alcance a compreensão plena de uma dada condição
humana” (Bosi, 1995, p. 38).
184
Eu amo a aparência da minha sapatilha, velha, suja, com as marcas dos palcos e da
sala de aula, com o cetim bem gasto na ponta e os elásticos frouxos. [...] Tem as
marcas da minha vida, da minha paixão, do que me move até hoje. As lembranças
são muito felizes, de um tempo em que podia fazer só isso, viver quase que num
mundo de ilusão. [...] Na verdade o meu objeto não fica pendurado no meu quarto
como eu afirmei. Ele fica encaixado, uma palmilha dentro da outra. E a fita de
cetim amarrada bem firme em volta; é quase um processo de mumificação. E
depois vai pra dentro daquele saquinho verde. [...] Na verdade acho que não
suporto olhar pra ela, tem muita história ali (LOPES, 2011, p 77-78).
185
O universo de Rosângela, assim como o de todo o grupo, foi ampliado com outras
referências apresentadas pelo professor, de modo a estabelecer conexões com outras manifestações
artísticas. Imagens da dança de outras culturas e de outros tempos provocaram reflexões e
reconhecimento de um sentido histórico da prática individual e pessoal. Dentre as imagens trazidas
pelo professor, estava a série As Dançarinas, da artista portuguesa Paula Rego. Assim, de maneira
mãe de outra amiga, cuja avó morrera por causa de um tumor no cérebro. Cada objeto carregava
muitas marcas de indivíduos que, de algum modo, se relacionavam com a estudante.
Em sua avaliação escrita, a estudante promoveu uma reflexão que nos indica a profundidade
e alcance de sua experiência:
imagens de arte. Por conseguinte, foram buscadas em conjunto maneiras de ampliar o universo
Os fios são pedacinhos de nós, de um enraizamento familiar. A instalação nasceu
dessa sensação que queria despertar no público, de prisão, dificuldade de caminhar,
sair de seu equilíbrio, experienciar maneiras diferentes dentro de um espaço
completo de barbantes que formavam um grande labirinto (REIS, 2011, p 2)
pessoal e afetivo, de modo a conectá-lo a outros contextos. A experiência compartilhada das
No terceiro espaço, encontrava-se a própria estudante completamente envolta por fios que a
discussões em conjunto pôde ampliar o universo temático de cada um, sendo a base para isso a
prendiam. Ao seu lado estava a panela de ferro de sua avó. Os participantes eram convidados a
busca de referências e imagens da arte de vários períodos, inclusive da arte contemporânea.
cortar os fios com tesouras que eram oferecidas por colegas ajudantes. Em sua mão, a performer
sistemática, cada um dos estudantes desencadeou semelhante processo a partir de seus objetos e
As reflexões de Rosângela a respeito do seu próprio processo revelaram o sentido da
descoberta e da intersecção entre o pessoal e o coletivo (social) como eixo fundamental da
tinha firmemente segura, a garrafa vazia, de translúcido verde escuro. E aos poucos, conforme
ganhava liberdade de movimentos, a estudante passava a caminhar entre o público.
aprendizagem em arte. Não somente foi importante o resgate de fatos, histórias pessoais e do lugar
de origem, ou ainda elementos da história da arte; a experiência criativa que sucedeu o exercício
narrativo e reflexivo mesclou o aspecto afetivo e pessoal ao histórico e ao fazer criador. Num
processo intenso de cruzamento entre o particular e seu contexto, foi possível desencadear um
exercício de reflexão sobre as metodologias do ensino de arte.
Semelhante processo foi vivenciado pela estudante Gabriella Reis, que desenvolveu uma
pesquisa no Programa de Iniciação Artística (PROART) aliada aos estudos desenvolvidos na
disciplina de Interpretação IV, do Bacharelado em Artes Cênicas, da Universidade Estadual de
Londrina - Brasil. A experiência de Gabriella foi fundamentada no contato com objetos, memórias e
narrativas, de modo a construir um trabalho cênico. Tal experimento resultou em uma instalação
Entre - da estudante Gabriella Reis (2011)
performativa intitulada Entre. A partir de histórias de família, objetos seus e também de outras
pessoas, além de objetos encontrados na rua, Gabriella elaborou um trabalho que unia a instalação à
A partir da vivência desta proposta, Gabriella se voltou para o âmbito da família, em busca
performance. Esta era, conforme a estudante, uma tentativa de tocar em aspectos da memória e das
de antigas histórias, e de uma certa gênese para a própria criação artística. Ao invés de negar ou
relações enraizadas que os objetos simbolizam. As relações familiares foram marcas tornadas
apagar elementos motivadores da criação, a estudante preservou esta história, ou pessoalidade, de
presentes pela estruturação geral do trabalho. A panela de ferro utilizada por sua avó para alimentar
modo a compartilhá-la com o público.
a família, assim como uma garrafa de vinho encontrada ao acaso na rua, desencadearam tanto ações
físicas cênicas, como também o resgate de uma simbologia pessoal.
Em seu trabalho, Gabriella articulou um primeiro espaço a ser percorrido pelo público que
apresentava uma espécie de labirinto de fios entrecruzados. Somente a partir deste espaço o público
podia atingir a segunda instalação – uma sala repleta de objetos variados em que a presença de fios
de barbante também era uma constante. Do teto pendiam objetos, formando memórias soltas, porém
amarradas. Entre muitos outros objetos, havia um porta-batom antigo da avó de uma amiga, uma
armação de óculos, uma faixa de cabelo feita por um tio de uma amiga que está preso, um lenço da
186
A conexão da pesquisa e estudo de Gabriella com a arte da performance foi instantânea.
Além das referências e os vínculos estabelecidos com abordagens sobre a criação cênica, Gabriella
estabeleceu um diálogo com o pensamento e obra de Lygia Clark, que foi fundamental para o seu
próprio processo (CLARK, 1975).
Esta experiência prática foi importante porque me fez procurar outras áreas e
linguagens fora do teatro, tais como a dança, as artes plásticas, a performance e a
música. Pensava em como todas elas poderiam provocar o diálogo que buscava; e
que trouxessem uma proximidade entre a primeira instalação e a segunda que era
mais aconchegante, fazendo-nos lembrar de cartas, fotos e tantos objetos, que hoje
em dia, nas últimas gerações após a minha, ficam um pouco “adormecidos” (REIS,
2011, p 2).
187
O conceito de espectador ativo de Clark foi determinante na relação de seu trabalho com o
público (FIGUEIREDO, 1998, p. 72). Neste sentido, a estudante fortaleceu elos com outras
linguagens, como a instalação, de modo a situar o teatro em relação a abordagens transdisciplinares.
Porém, mais do que uma simples experiência no campo híbrido da arte contemporânea, A proposta
de Gabriella buscava tirar o espectador de seu papel passivo, trazendo-o para a ação e
compartilhamento. O espaço pessoal de Gabriella foi aberto e oferecido, de modo a ser
compartilhado com outras pessoas. A proximidade física e inserção na obra acarretaram uma
vivência de resgate de intimidades dos sujeitos participantes; tanto artista como participante foram
confrontados por temas cruciais no contexto social da atualidade: a memória, a família, o
esquecimento.
Considerações finais
Reconhecer a presença do estudante nos processos de aprendizagem não é uma tarefa fácil,
especialmente num contexto em que a exclusão tem sido constituída de maneira sutil e enraizada.
Uma metodologia voltada para a presença, como identificamos nas experiências descritas acima, diz
respeito à atribuição de um sentido outro para a aprendizagem, que vai muito além da mera
assimilação de conteúdos. Trata-se, sobretudo, de reconhecer no estudante o sujeito que constrói o
conhecimento, num constante diálogo entre o seu universo particular e aquele mais abrangente
proporcionado pelo saber instituído. Acreditamos que a história da arte, os códigos e técnicas
artísticas ganham um novo sentido, quando entrelaçados à bagagem cultural e social do estudante.
O diálogo entre estes vários aspectos do saber conduz a uma construção mediada pela inclusão e
sentido de localização e pertencimento. Entra-se na história da arte, ou nos espaços legitimados de
seu saber, de modo a atribuir valor ao espaço pessoal da experiência. O que é apreendido é
incorporado a este espaço, de modo a se estabelecer vínculos e transformações pessoais no contexto
imediato do sujeito. Há neste sentido, uma aproximação maior entre a escola e a vida. O estudante
é, assim, chamado a posicionar-se no espaço escolar, trazendo consigo histórias, narrativas e
também a noção de lugar, que o localiza no tempo e espaço. Isto difere radicalmente, de um ensino
enfoque sobre técnicas e assimilação de conteúdos, ou ainda sobre uma noção cronológica da
história da arte. A construção do conhecimento em arte, seja ele técnico ou discursivo, deve ser
desencadeada a partir da localização da presença dos sujeitos da aprendizagem, em seu constante
encontro compartilhado no espaço escolar.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA
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Elizabeth Macedo. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n35/a05v1235.pdf. acesso em 12 de Março
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__________. Dar voz ao professor: As Histórias de Vida dos Professores e o seu desenvolvimento
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REIS, Gabriella. Relatório de “Entre” – PROART. Londrina: Departamento de Música e Teatro,
UEL, 2011.
que busca excluir a bagagem pessoal do educando, e que apaga o contexto ou entorno social e
cultural de seu sujeito.
A metodologia da presença que vislumbramos há que ser erigida nos termos do diálogo
entre os vários âmbitos culturais que envolvem a aprendizagem. Ao invés de abordagens
padronizadoras de conteúdos e procedimentos, somos instigados, à luz de tal perspectiva, a delinear
planejamentos e estratégias de ensino que, obrigatoriamente, sejam situadas em seu contexto
específico. A busca por uma metodologia da presença não poderia, assim, ser delineada a partir do
188
189
PROPONDO DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO
EM ARTE/EDUCAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA
investigador. No entanto, entendo que o trabalho de investigador, como o de educador,
ou ainda de um professor como pesquisador, concilia uma dose de ousadia e ao
mesmo tempo de adaptação ao meio.
Este artigo refere-se a duas diferentes experiências que tive como docente, na
Erick Orloski
formação de estudantes de graduação, em cursos de licenciatura em artes, sendo uma
Doutorando Instituto de Artes/UNESP (Brasil)
na área de música e outra na de artes visuais. Em comum, as experiências tiveram o
intuito de propiciar um aprendizado a partir da experiência, numa perspectiva de
construção coletiva do conhecimento, tratando da relação da arte/educação com
RESUMO
O artigo traz reflexões a partir da prática docente do autor, na formação de professores de
artes, com foco em duas experiências: com estudantes de música, da UNESP, em 2009; com
estudantes de artes visuais, no Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo, em 2011.
Apesar de contextos distintos, as experiências comungaram do objetivo de provocar encontros
dos futuros docentes com produtos culturais em trânsito entre o popular e a cultura de massa,
tais como a Cultura Hip-Hop e gêneros musicais brasileiros de forte apelo comercial, numa
perspectiva educacional intercultural e pautada pela experiência estética, discutindo
preconceitos e estereótipos. As reflexões dialogam com autores como Dewey (2010), Larrosa
(2004), Freire (2011), Rancière (2010) e Aguirre (2011).
Palavras-chave: arte/educação; experiência; investigação.
Não é fácil confeccionar uma roupa para quem não para de se mexer
e muda de forma e lugar constantemente. (AGUIRRE, 2009, p. 157)
manifestações culturais em trânsito entre conceitos como cultura local, cultura popular e
cultura de massa. Estas experiências também tiveram o intuito de provocar
estranhamento e desconforto em relação ao que é dado como normal em relação às
culturas na escola.
Como não seria possível a descrição detalhada, enfatizo minhas reflexões justamente
nos desconfortos causados por estes processos que, em minha avaliação, levaram ao
que John Dewey (apud ORLOSKI, 2005, p. 160) coloca como “o verdadeiro pensar
termina por uma apreciação de novos valores”.
Desconforto nº 1: Este não é o lugar para eu escrever a minha história (ou como
sempre escrevi)
Seguindo a linha de trabalho que desenvolvi no mestrado, assim como em alguns
Ao enviar o resumo de trabalho para este evento, o texto não se encontrava totalmente
textos depois, eu iniciaria relatando sinteticamente um pouco da minha formação e
pronto, tendo em vista haver ainda tempo para melhor elaboração das ideias. Contudo,
trajetória até as experiências em questão. Mas me ocorreu que, além de não haver
ao me deparar com um bloqueio da escrita e a preocupação se o texto estava se
espaço suficiente, isto poderia interessar muito pouco ao leitor neste contexto.
adequando ao formato e temática propostos, reli a apresentação do II Encontro
O que é fundamental dizer é que tenho graduação em educação artística e no mestrado
Internacional sobre Educação Artística e me deparei com o convite ao desconforto de
pesquisei a formação de educadores em instituições culturais (ORLOSKI, 2005), onde
questionar o que é dado como "natural" e que tende à disciplinação do trabalho do
ocorre um encontro com as ideias de Dewey, sobretudo em relação ao conceito de
investigador.
experiência. Mas outro encontro, já em meu exercício de docência, viria a ser
Provocado, optei por começar um novo texto, partindo da mesma premissa e
obedecendo ao resumo aceito, mas me lançando ao desconforto proposto.
Obviamente, ao permanecer num formato de texto acadêmico, fazendo uso de citações
e afins, em parte estou cumprindo com o que tende à “disciplinalização” do trabalho do
190
igualmente muito transformador: com as ideias de Paulo Freire. As experiências que
aqui relato, possuem grande influência destes autores, assim como minha pesquisa de
doutorado, em andamento, com tema: Experiência e emancipação, um diálogo entre
arte, educação e cultura visual.
191
sem valor. Escolhi os gêneros – propositadamente – e fiz um sorteio entre os grupos: a)
Desconforto nº 2: por que não agimos como pesquisadores cotidianamente em
Samba e Pagode; b) Música Romântica e Sertaneja; c) Hip-Hop e Funk; d) Axé e Forró.
nossas aulas?
As questões sobre metodologia do ensino de arte foram muito importantes neste
Estas experiências sobre as quais desenvolvo reflexões, não haviam sido registradas
processo, mas aqui ressalto apenas outro aspecto resultante, ainda mais importante: a
no momento em que aconteceram. As reconstruo aqui a partir da memória – e apenas
revisão e a quebra de preconceitos.
sob o meu ponto de vista – me valendo do fato de serem relativamente recentes. Já faz
Nas avaliações desenvolvidas coletivamente, as opiniões foram diversas, mas
algum tempo que muito se veicula sobre a importância do trabalho do professor
convergiram num ponto: de que se lançar ao um olhar investigativo para aqueles
enquanto pesquisador, a exemplo do próprio Paulo Freire (2011, p. 30.):
gêneros musicais, numa perspectiva educacional, permitiu sair da esfera do estereótipo
[...] que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de
ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da
prática docente a indagação, a busca a pesquisa.
e entender estes como produtos culturais em sua complexidade, independente da
qualidade
musical,
o
que
pode
abrir
muitas
possibilidades
pedagógicas.
Citando apenas um exemplo, uma interessante reflexão surgiu na turma sobre o quanto
Tenho então me percebido como não praticante do registro de minhas experiências
o rap cumpre hoje, no contexto das metrópoles brasileiras, um papel muito similar ao
numa perspectiva de pesquisa, mesmo não acadêmica. E suponho – sem base
samba no início do século XX, sobretudo de denúncia social. A possibilidade desta
científica nenhuma – que, ao menos no Brasil, boa parte dos professores também não
discussão junto a um grupo de adolescentes pode provocar, em tese, a abertura e
possuem esta prática regular, incluindo os do ensino superior. É claro que o registro é
ampliação de referências estéticas, históricas e sociais. Mas para isto, convém antes o
apenas uma característica possível a um professor enquanto pesquisador. Mas deixo
educador estar também aberto à ampliação de seus próprios referenciais, lançando
uma pergunta: quantas ricas experiências deixam de ser compartilhadas por conta
sobre a cultura do educando um olhar investigativo, para além de preconceitos,
desta falta?
estereótipos e generalizações.
Mas questionei: o quanto eu mesmo me lançava ao desconforto, para ampliar os meus
Desconforto nº 3: Provocando desconfortos
próprios referenciais?
Em 2009, tive a oportunidade de lecionar como professor substituto por um semestre a
disciplina Fundamentos do Ensino de Arte para alunos da Licenciatura em Educação
Musical, no Instituto de Artes/UNESP. Logo em meus primeiros contatos com a turma,
presenciei uma discussão sobre o valor da música comercial frente à música tida como
culta, tanto erudita como popular. Isto me inquietou.
O curso seguiu no decorrer do semestre e, ao final, propus um trabalho para avaliação
onde todos deveriam, em grupos, preparar uma aula para o restante da turma,
colocando em prática aspectos metodológicos que foram estudados, referentes ao
ensino de arte. Mas o conteúdo central a ser trabalhado por cada grupo seria um
gênero da música comercial brasileira, presente no universo escolar infanto-juvenil, de
modo a abordar o mesmo, sem necessariamente fazer apologia, nem tratá-lo como algo
192
Desconforto nº 4: do desconforto individual para a provocação coletiva
Desde antes da experiência de 2009, venho buscando o exercício de uma educação
intercultural. Mas sempre ao abordar as questões das culturas urbanas, permanecia no
conforto de apenas em teoria valorizar a cultura Hip Hop, mas nunca me interessando
verdadeiramente pela mesma. Na verdade, a origem norte-americana e grande
exposição na mídia me causavam um forte sentimento de negação de interesse pelo
Hip Hop, ainda que não tivesse plena consciência disto antes.
Foi então que em 2011, ao lecionar uma disciplina sobre interculturalidade para alunos
de Licenciatura em Artes Visuais no Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo,
pude propor a todos – e principalmente a mim mesmo – um desafio. Após estudar e
193
discutir com a turma cultura e interculturalidade na arte/educação, propus uma pesquisa
coletiva sobre a cultura Hip Hop, onde cada grupo se aprofundou em um aspecto
diferente.
Para alguns o envolvimento foi mais simples, por já estarem ligados a esta cultura. Para
outros, um exercício de reflexão sobre seus próprios preconceitos, como por exemplo, a
discussão entre os limites ente o público e o privado nas relações de aproximação e
distanciamento entre o grafite e a pichação.
A participação da turma, bem como as avaliações sobre as quebras de preconceitos
foram bastante similares às da experiência de 2009. Mas pude perceber um diferencial
em minha própria postura neste processo, saindo da uma posição de quem
simplesmente aconselha, e de fato enfrentando meus próprios preconceitos, na busca
de superação dos mesmos, num exercício de investigação conjunto com os educandos.
Pude me sentir, ao menos parcialmente, como Joseph Jacotot, o mestre ignorante
AGUIRRE, I. Imaginando um futuro para a educação artística. In: TOURINHO, I.; MARTINS, R.
Educação da cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria, RS: UFSM, 2009, p.
157-188.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2011.
LAROSSA, Jorge. Experiência e paixão. In: Linguagem e educação após Babel. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
ORLOSKI, Erick. Diálogos e reflexões com educadores: a instituição cultural como
potencialidade na formação docente. 2005, 203 p. Dissertação (Mestrado em Artes) UNESP.
São Paulo.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
Erick Orloski é brasileiro, bolsista da CAPES e obteve apoio da Pós-Graduação em Artes do
Instituto de Artes/UNESP – onde é doutorando – e do centro Universitário Estácio Radial de
São Paulo – onde é docente – para participação no II Encontro Internacional de Educação
Artística (2EI_EA), em abril 2012, na cidade do Porto, Portugal.
revelado por Rancière (2010).
Prazerosamente desconfortável
Apesar de ser mais confortável conduzir a prática docente focando apenas nos
conteúdos, ao reconstruir estas experiências, reconheço prazer nos desconfortos que
propus e que me propus. Mesmo com objetivo claro da construção coletiva do
conhecimento junto aos grupos, posso ter clareza apenas da minha experiência, como
“aquilo que nos passa, ou nos toca, ou nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos
transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria
transformação” (LARROSA, 2004, p.163).
Como educador, pretendo continuar a propiciar continuamente experiências que
formem e transformem todos os seus envolvidos, sobretudo a mim mesmo. E, com
registros como este, poder provocar experiências que passem, toquem ou aconteçam
aos leitores.
E os leitores? Estão abertos a suas próprias transformações?
Bibliografia
194
195
Indisciplinar a Geometria:
A escola é aqui entendida como o aparelho de exercício do controlo, no sentido em
O saber geométrico e a geometria como saber
que Foucault (2004), em analogia com as prisões, hospitais ou outras instituições totais
Ricardo Manuel Lopes de Pinho
(Goffman, 1974), alude à organização de dispositivos de disciplina que lhe são próprios. Como
Outubro de 2012
por exemplo, a arquitectura que caracteriza uma escola; a de um espaço reservado, complexo
e hierarquizado, símbolo da representação física do poder de disciplinar e controlar.
O presente texto configura-se sob a forma de um ensaio sobre a actual condição da
geometria na escola. Ensaio que se desenvolve sob a perspectiva de que as
Assim, a escola é aqui vista como uma organização disciplinar que se apresentou
favorecedora a operar uma apropriação do conhecimento geométrico, na medida em que o
circunstâncias que determinam a forma como a geometria se situa na escola, e fora dela,
fez passar por processos de filtragem que o ajustaram às necessidades sentidas e exigidas
resultam desta ter sido gradualmente submetida a processos de universalização que a
pelas sociedades industriais. Sociedades tecnologicamente avançadas que, sobrevindas do
filtraram, polinizaram e disciplinaram. Isto, para que pudesse ser apresentada e distribuída
fenómeno que foi a Revolução Industrial (século XVIII), careciam de quadros técnicos
às populações, na proporção estritamente necessária à formação de quadros técnicos,
indispensáveis à concretização de um determinado ideal de sociedade.
capazes de levar a cabo um determinado ideal de sociedade. Deste modo, a geometria,
Encarado como expressão subsidiária dos desígnios da mais original e rudimentar
ramo da matemática, potencialmente repleta de quadros operativos de carácter técnico e
geometria, o saber geométrico foi ao longo dos tempos domesticado, categorizado e
científico, passa, na escola, a ser maioritariamente olhada como uma tecnologia disciplinar,
posto ao serviço de representações sociais. Empreende-se, então, um esclarecimento de
posta ao serviço desse ideal.
como a geometria como saber se instituiu, e se continua hoje a travestir quase
exclusivamente como instrumento axiomático de preceitos utilitaristas.
Ora, o título – Indisciplinar a Geometria – pode parecer que revela uma certa
aversão e insubordinação em relação à geometria enquanto área curricular, que ao longo
dos tempos se travestiu de dogmas e axiomas, se doutrinou e traduziu em saber
As reflexões que se seguem procuram conjecturar sobre o porquê, o como e o para
quê indisciplinar a geometria. Assim, na medida em que a geometria é, na escola, uma
tecnologia disciplinar, decorre do aparecimento da própria escola como instituição de
regulação e controlo de pessoas. Um tipo de organização cujo aparelho imobiliza e faz
compreender, nos seus espaços-tempos, os indivíduos que a integram, mantendo as suas
vidas constantemente ocupadas (Varela e Alvarez-Uria, 1992). Olhando, não só, mas
principalmente, os alunos sob determinadas perspectivas psico-pedagógicas e sociológicas.
A escola apresenta-se, assim, como uma máquina disciplinar cuja engrenagem
possibilita o controlo dos seus utentes-agentes. Contudo, a escola como hoje a conhecemos
não existe desde sempre, daí a necessidade de neste enquadramento teórico ser apontada
e estabelecida uma origem. Por conseguinte, «(...) esta maquinaria de governo da infância
não apareceu de súbito, mas, ao invés disso, reuniu e instrumentalizou uma série de
dispositivos que emergiram e se configuraram a partir do século XVI.» (Varela e Alvarez-Uria,
1992: 68), designadamente no seio de estruturas religiosas. Desde então que, um pouco por
todo o lado, se fez da escola um lugar de passagem obrigatória, visto como um espaço
privilegiado de socialização e ressocialização entre professores, crianças, adolescentes e
mesmo adultos1.
1
Estes princípios de obrigatoriedade são consubstanciados em diplomas como a “Declaração Universal dos Direitos do
disciplinado. Todavia, este pretende ser principalmente uma reflexão sobre a expropriação
de significado a que o saber geométrico foi votado, tendo servido como simples instrumento
abonatório de concepções e representações sociais.
Hoje, percebemos que estas representações se manifestaram na forma como as
primeiras sociedades conhecidas se organizaram, ao adoptarem, por exemplo, o círculo ou
a pirâmide como imagens estruturadoras das suas dinâmicas hierárquicas. Sendo que, isso
é mais perceptível nas sociedades renascentistas ou modernas por decerto dizerem respeito
a períodos bem documentados, e porque sob o ponto de vista cronológico e geográfico, nos
são mais próximos.
Por tal, importa ressalvar que o termo indisciplinar não surge no título para, de
alguma maneira, fazer sublevar a geometria, reconfigurando-a e fazendo dela um campo de
rebeldia e desobediência; nem tampouco fazer a apologia da presença, do interesse ou da
importância da geometria na escola. Até porque, ela é efectivamente preponderante, e ainda
que se tencione excluir a geometria dos desenhos curriculares enquanto área disciplinar, ela
tenderá a persistir sob outros moldes.
Trata-se, sobretudo, de fazer uma análise desta área do saber não a
descategorizando por completo, mas evitando ficar limitado aos rótulos e significâncias de
que foi alvo ao longo dos tempos. Às quais de alguma maneira se prestou, fazendo delas o
seu alicerce e aparentemente tirando partido disso para se certificar e legitimar.
Homem” e na “Convenção sobre os Direitos da Criança”, que vigoram, respectivamente, desde 1948 e 1990.
196
197
Para tornar inteligível as reflexões aqui desenvolvidas, parte-se da definição e
se desenha uma figura com essas características e nessas condições, não se pretende
relação de paridade entre as expressões que formam o subtítulo deste texto. Que definem
apresentar o quadrado em si, mas evocar através da sua representação a forma ideal de
áreas enquadradas no âmbito do saber geométrico e da geometria como saber.
quadrado.
Assim, parte-se do princípio de que o saber geométrico tem sido segregado,
Significa, então, que, qualquer demonstração desta natureza, rigorosa ou não,
representado e distribuído nas escolas de forma disciplinada, através do que considero ser a
manual ou electrónica, se baseia em ideais geométricos arcaicos que inevitavelmente lhe
geometria como saber, isto é, a representação da geometria presente em quaisquer áreas
são próprios e estão subjacentes. Isto é, um quadrado irregularmente desenhado, de forma
curriculares disciplinares. Neste sentido, as reflexões desenvolvem-se enquadradas no seio
tremida, não deixa de ser um quadrado simultaneamente sensível e puramente objectivo.
destas duas áreas, bem como no que existe ou pode existir em seu redor e que com elas
mantenham relações de afinidade.
Por conseguinte, convém encetar o esboço do que se pode entender e está
subjacente à concepção de saber geométrico, área na qual se agrupa todo o tipo de
Por seu turno, a geometria como saber é a parte do saber geométrico que
apresenta e representa a geometria na escola, instituída nas aulas não só de “Geometria
Descritiva A”, “Educação Visual” e “Desenho A”; mas, também, de “Matemática”,
“Geografia”, “Inglês”, ou de quaisquer outras disciplinas.
experiências desta natureza que ocorram no decurso das nossas vidas. Assim, admitindo
Através desta concepção organizativa de separação, é notório que a escola
que tudo quanto nos rodeia reproduz ou traduz princípios geométricos, somos levados a
promove uma relação de carácter enciclopédico com os saberes, porque continuam a ser
pensar que ao longo da nossa existência enquanto espécie fomos tendo deles consciência.
apresentados em áreas circunscritas e disciplinadas.
Equivale isso dizer que, todo o indivíduo é possuidor, num dado momento, ao mesmo tempo
que o vai construindo, de um saber geométrico.
Deste modo, a forma como a distribuição dos saberes está organizada, faz com que
lhes sejam atribuídos e demarcados territórios de jurisdição quase exclusiva. Essa
Deste modo, o saber geométrico desenvolve-se mantendo uma relação directa com
distribuição, com efeito, influencia o entendimento que os alunos fazem do seu próprio
o encadeamento das experiências acumuladas ao longo da existência de cada indivíduo.
conhecimento, composto por quaisquer saberes, incluindo o saber de âmbito geométrico. Ao
Pois, quase todas, senão todas as coisas que nos envolvem, porque impregnadas de valor
ser-lhes transmitida a ideia de que, para serem bem sucedidos, também eles podem e
geométrico, são passíveis de representar ou expressar princípios da geometria.
devem criar esses compartimentos nas suas cabeças. Mesmo que isso lhes dificulte a
O que se pretende afirmar com tais proposições é que todas as culturas
construíram uma ideia de saber geométrico que fosse mais ou menos comum aos indivíduos
relação e articulação entre saberes, pondo assim em causa a possibilidade de levarem a
cabo uma construção autónoma e razoável do seu conhecimento.
que as constituíam.
Considerando que os saberes são, na escola, apresentados como ilhas que
constituem arquipélagos, isto é, como áreas que integram uma determinada estrutura
«Colocaria, Platão, já estas questões? O Ménon fez reconstruir por um ignorante, de quem se
diz que se lembra disso, uma sequência demonstrativa respeitante à diagonal do quadrado. A favor da
cadeia das razões geométricas, a comunicação restabelece-se com um mundo esquecido.
curricular, pode assim estabelecer-se-lhes uma analogia sob o ponto de vista da geologia, a
partir dos fenómenos de actividade tectónica.
Ora, sabe-se que a superfície terrestre está dividida em placas tectónicas – a
(...)
Uma demonstração mais contemporânea do mesmo teorema encontrará a existência de uma
matemática arcaica subjacente, (...)» (Serres, 1997: 16).
Podemos, assim, com base na reflexão do excerto transcrito, dizer que,
independentemente da nossa cultura de origem, sejam quais forem as diferenças que nos
distinguem e fazem de nós pessoas únicas, é certo que todos conseguimos argumentar e
demonstrar em substância, ainda que de modo diferente, a descrição gráfica ou algorítmica
da diagonal de um quadrado.
Assim, o desenho de um quadrado realizado sem o recurso a material de apoio aos
traçados é simultaneamente susceptível de um sentido puramente rigoroso, porque quando
198
litosfera – que são instáveis, porque se encontram sob uma camada maleável – a
astenosfera. Assim, as ilhas que formam um arquipélago, aproximam-se ou afastam-se
mediante o ponto da placa tectónica em que se situam. Pois, algumas das placas têm
movimentos convergentes (aproximam-se), outras têm movimentos divergentes (afastamse) e outras têm movimentos de cisalhamento (deslizam uma ao lado da outra)2.
2
O arquipélago dos Açores, por exemplo, situado em pleno oceano atlântico, está sobre um limite divergente entre a placa
tectónica norte-americana e a placa tectónica euro-asiática. As ilhas das Flores e do Corvo situam-se sobre a placa norteamericana, e as restantes ilhas do arquipélago estão sobre a placa tectónica euro-asiática. Como o limite entre estas placas é
divergente, significa que as ilhas das Flores e do Corvo se afastam das restantes ilhas. Por outro lado, as ilhas que partilham a
mesma placa, não se afastam nem se aproximam.
199
Por conseguinte, exemplo da dificuldade que os alunos manifestam em articular
No que diz respeito à geometria como ciência, trata-se da pesquisa levada a cabo
elementos aparentemente díspares, é o de criarem resistências a associar uma determinada
por investigadores especializados, dedicados a esta área do conhecimento. Porém,
prática à respectiva teoria, ou uma teoria à prática correspondente, que, naturalmente,
importa prevenir que, como a propósito refere Umberto Eco (2007), por vezes confundimos
dependem uma da outra. De facto, é frequente não conseguirem descrever, pela palavra
tecnologia com ciência, da qual a tecnologia é seguramente uma aplicação ou
escrita ou oral, a expressão concreta de uma qualquer realização prática por eles levada a
consequência5.
cabo. É como se estivessem diante de dois saberes paralelos, sem relação entre eles, em
Quanto à geometria como saber, é constituída por um território reservado sobretudo
que prática e teoria estão desligadas uma da outra. De forma semelhante, mostram
aos procedimentos gráficos ou sistemas de representação gráfica rigorosa, tidos como
dificuldades em articular conteúdos leccionados em diferentes disciplinas, mas pertencentes
instrumentos idóneos e meios difusores do que entender por geometria na escola. Dito de
a uma mesma estrutura curricular.
outro modo, é a geometria vista como um acumular de técnicas operativas ou modos
É consensual que, os saberes são meios através dos quais os alunos constroem
um entendimento do que os envolve, ao invés de se apresentarem como obstáculos que os
específicos de proceder; que a caracterizam e fazem apresentar e representar como uma
tecnologia disciplinar.
tornam cativos de definições e práticas ausentes de sentido. É, por isso, fundamental ter em
Com efeito, a questão sobre a qual importa reflectir é:
consideração que as informações que lhes são transmitidas não são os únicos factores a
O que entender da geometria depois de se conhecerem os cálculos e
determinar o seu entendimento e a formar o seu conhecimento. Aquilo que já sabem de
procedimentos gráficos rigorosos?
experiências anteriores permite-lhes dar um significado a coisas com as quais contactam
pela primeira vez. Lembremo-nos, a propósito, do episódio que “l'enfant Ernesto”3 descreve
aos pais quando se lamenta de na escola só ensinarem coisas de que ele ainda não sabe.
É ainda relevante referir que no enquadramento destas reflexões, polissémica, a
geometria se constitui como quaisquer manifestações de natureza geométrica. Das quais
fazem parte o saber geométrico e a geometria como saber, na qual se inclui qualquer
No esboçar de uma resposta, é dada prioridade e privilégio à área do saber
geométrico, devido à importância que lhe é reconhecida, pois temos dele consciência desde
que nos conhecemos. E, porque, como área de acepção abrangente, o saber geométrico,
permite-se a acolher, total ou parcialmente, também, os dogmas, os axiomas e as
proposições da geometria como saber.
procedimento ou cálculo geométrico, e onde também se inscrevem os sistemas de
representação gráfica rigorosa4.
Assim, no desenrolar das reflexões são ponderadas três dimensões da geometria:
i) o saber geométrico, como o conhecimento baseado no conjunto de dados proporcionados
através da relação que é garantida entre uma pessoa e o meio que a envolve; ii) a geometria,
Significa isto dizer que, a geometria é uma linguagem enraizada na nossa cultura,
faz parte de nós, está presente nos nossos quotidianos e traduz a forma como nos
relacionamos com os espaços e os objectos. Portanto, urge problematizar a geometria, no
sentido de pensar possibilidades de abordagens alternativas às que continuam actualmente
a ser realizadas na escola.
correspondente a todo um corpo de postulados e desenvolvimentos científicos levados a cabo
por especialistas da área; iii) a geometria como saber, no sentido de uma área curricular
disciplinar programada, com finalidades e objectivos a atingir e competências a adquirir.
O saber geométrico, por conseguinte, pode ser identificado nas acções mais triviais
do quotidiano, como aquando da condução de um veículo se realiza uma mudança de
Envolta por paradigmas emergentes em contínua efervescência, problematizar os
motivos que incitam à questão das circunstâncias da geometria nos currículos, pode revelarse vantajoso para que a geometria adopte outros posicionamentos que a ajustem e
fundamentem, restituindo-lhe um certo, embora esquecido, carácter poético que se lhe pode
reconhecer.
direcção à esquerda, em que o conceito de perpendicularidade é evocado e traduzido
através da trajectória do veículo.
Todavia, a geometria como saber, ao conceber o aluno como aprendiz de um
qualquer procedimento geométrico ou sistema de representação gráfica rigorosa, com o
objectivo de no futuro ser capaz de desempenhar um dado ofício, e não como uma pessoa
3
Personagem do filme “En Rachâchant”.
4
Entenda-se por sistemas de representação gráfica rigorosa, pelo menos aqueles que até aos dias de hoje se conhecem e
reconhecem enquanto tal. Designadamente, o sistema de perspectiva central (ou de projecção cónica), o sistema de
com interesses particulares, mutila barbaramente o clima de libertação interior que uma
geometria intuída pode propiciar.
perspectiva axonométrica, o sistema de projecção de planos cotados, e o sistema de dupla projecção ortogonal (também
conhecido por geometria descritiva ou geometria mongeana).
200
5
Reflexão desenvolvida em “A Passo de Caranguejo”, no subcapítulo “Ciência, tecnologia e magia”, pp. 116-124.
201
A geometria é uma área do saber que se presta e convida à contemplação,
A CONTRIBUIÇÃO DE VYGOTSKY PARA A EDUCAÇÃO EM MUSEUS DE ARTE
promovendo a expressão livre do indivíduo; o que nos leva a pensar que, com as nossas
concepções e atitudes em relação à geometria, talvez estejamos a negligenciar ou a
impossibilitar o aparecimento de outras geometrias.
Julia Rocha Pinto
O trabalho educativo realizado em muitos museus brasileiros hoje tem adotado
uma postura reflexiva, no qual o educador é conhecido como mediador entre o público e a
obra. Mas de onde veio este conceito de mediação? Ele é próprio para descrever as
ações educativas no campo não formal? Será que todo educador de museu é um
mediador cultural? Este texto busca entender estas questões, problematizando a arteeducação realizada nos museus.
Os museus são espaços de educação. A própria definição do Comitê Internacional
dos Museus, o ICOM (2001) coloca o papel educativo destas instituições definindo que
museu é “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de
seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e
expõe, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos materiais e imateriais dos
povos e seu ambiente”.
A educação desenvolvida nos museus é, em muitas instituições, denominada como
mediação cultural, e nesta concepção se compreende que o educador de museu, o
mediador, é aquele que está presente na triangulação entre o público e o objeto exposto.
Neste triângulo não existe vértice com mais força ou maior potência, existe uma relação
dialética entre os sujeitos envolvidos na ação educativa.
REFERÊNCIAS
ECO, Umberto (2006) – A Passo de Caranguejo. Lisboa: Difel, 2007.
FOUCAULT, Michel (1975) – Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
GOFFMAN, Erving (1961) – Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.
SERRES, Michel (1993) – As Origens da Geometria. Lisboa: Terramar, 1997.
Este entendimento de mediação não encerra a visita ao espaço cultural a uma
ação que pretende obter informações ou conhecer detalhes dos objetos expostos, mas
como uma abertura a leitura e a interpretação dialógica da obra de arte. Miriam Celeste
Martins e Gisa Picosque (2008) se referem à prática educativa dizendo que mediar é,
portanto, propiciar espaços de recriação da obra. A recriação está na multiplicidade de
leituras que podem surgir dos leitores, público e mediador, e também da conversa entre
estes indivíduos.
VARELA, Julia e ALVAREZ-URIA, Fernando (1992) – “A maquinaria escolar”, in Teoria & Educação, n.º 6, pp. 68-96.
A mediação cultural busca também desempenhar o papel de formar o público que
Aviso – “Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948”, in Diário da República – I Série, Número
57 – 9 de Março de 1978, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 488-493.
http://dre.pt/pdfgratis/1978/03/05700.pdf, 21/12/2011.
Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 – “Convenção sobre os Direitos da Criança”, in Diário da República – I Série,
visita estes ambientes, buscando a autonomia do visitante e abrindo espaços de reflexão.
Conforme Rejane Coutinho (2007, p. 56) “a orientação da mediação cultural é fundada
sobre a vontade de restituir ao público e de compartilhar com eles um patrimônio cultural
N.º 211 – 12-9-1990, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 3738(2-20).
comum, ou seja, artístico, arquitetônico, histórico etc. Fundada também no desejo de
http://dre.pt/pdfgratis/1990/09/21101.pdf, 15/12/2011.
acesso à cultura por todos”.
HUILLET, Danièle e STRAUB, Jean-Marie – En Rachâchant. [7'] França: Diagonale – Lʼinstitut nationale de lʼaudiovisuel, 1982.
202
203
cuidado para não achatar diferenças, para não abolir as distâncias de tempo e
espaço.
O mediador cultural abre brechas de acesso ao público, apresentando o seu estudo
sobre os conteúdos expostos, mas também dando ao visitante a possibilidade de
enriquecer as leituras com o seu repertório. A pergunta é uma chave de contato que
busca estimular no espectador a noção de pertencimento àquele espaço e àquela ação
educativa.
O espectador das instituições culturais precisa ter autonomia de escolha e sentir-se
apto para escolher o enfoque que será dado na visita. Barbosa (2009, p. 17-8) afirma que
“o educador de museu precisa dialogar com os interesses de cada grupo e, se possível,
Desta forma, o educador é a figura que abre ao público a possibilidade de se
questionar dentro do museu. Se questionar sobre seu repertório de imagens, sobre a
de cada sujeito observante. É o observador que deve escolher o que analisar com a ajuda
do mediador”.
figura do mediador naquele espaço, sobre os objetos selecionados, sobre a forma, a cor,
o enredo, o contexto; “a função da pergunta é levar a pensar, estimular associações e
interpretações”, tal qual afirma Ana Mae Barbosa (2009, p. 20).
Concebe-se, portanto, a ação educativa e cultural como uma política social e de
caráter público. Afinal, o objetivo de atuação dos museus hoje em dia é muito mais a
Todas estas premissas de diálogo, de ação criada coletivamente e de escuta são
recorrentes quando nos referimos ao educador de museus como um mediador cultural.
Porém, quando os museus e espaços culturais se viram diante da necessidade de ter um
membro de sua equipe responsável por receber o público, este profissional inicialmente
era conhecido como guia.
postura de agenciador cultural e histórico.
Ser um guia incumbia saber e decorar o maior número de informações acerca de
Para Martins (2005, p. 44), “a mediação, mais do que estar entre uma pessoa e um
determinada obra ou tema; e diante do público colocar-se como o detentor daquele
objeto talvez seja estar entre possibilidades de encontros, com qualidade e intensidade,
conhecimento, oferecendo informações. Este profissional era aquele que guiava; ele
para ampliar conexões possíveis e uma interação especial”. O encontro entre educador e
passava dados e detalhamentos. Conforme Barbosa (2008, p. 31), o termo “visita guiada
público torna a mediação cultural uma prática de troca, em que todos participam,
pressupõe a cegueira do público e a ignorância total”. Parte-se do pressuposto que o
interagem e acrescentam ao repertório do outro, ouvindo também sobre a experiência
público não tem nada a oferecer para um diálogo. A leitura da obra de arte e do espaço
individual.
expositivo que poderia ser proveniente do espectador é ignorada e excluída deste tipo de
A noção de mediação pode levar a ideia de que o trabalho do educador é ficar
visita.
como ponte entre visitante/espectador e a obra de arte. Mas o posicionamento que
A diminuição da figura do educador de museus restringe seu papel ao de oferecer
defendo é o de que o educador está junto nesta atuação, é participante, coautor do
respostas para questões presentes nas obras, como se isso fosse passível de tal
diálogo realizado diante da obra. Martins (2010, p. 119-20) também questiona a mediação
reducionismo.
como ponte, afirmando que o exercício educativo no museu é um estar entre:
Cada vez mais penso a mediação como um “estar entre muitos”, superando a
situação dual da mediação compreendida como ponte. “Estar entre muitos” implica
perceber cada um que trazemos ao museu, seja nossos alunos, amigos ou
familiares. Ouvir os desejos por melhor apreciar determinados objetos, obras ou
conceitos, abrir um espaço de silêncio para que as sensações pessoais possam
ser percebidas, provocar a rica troca entre os olhares e saberes de cada um, pode
ampliar o contato com a arte.
[...]
“Estar entre muitos” é gerar conversas que ampliem as significações, os pontos de
vista que provocam as diferenças, seja do mediador, do professor e do público,
como também do curador, do desenho museográfico, dos textos nas paredes, da
recepção silenciosa dos que estão “guardando” a instituição cultural. “Estar entre
muitos” é rechear a conversa também com os pontos de vista dos teóricos que
escreveram sobre o que ali vemos ou pensamos sobre arte e que nos alimentaram
e fundamentaram nossos próprios saberes, com os textos escritos na mídia sobre
a exposição, cientes da condição babélica, da impossibilidade de traduzir, do
204
Com o passar do tempo percebe-se uma mudança, ou seja, este profissional que
conduzia a visita não determinava mais tantos limites para o espectador, mas ainda o
comandava dentro do espaço. Nesse momento, a nomenclatura utilizada para designá-lo
passou a ser monitor. O monitor é aquele que concede explicações, o que muitas vezes
aniquila as múltiplas possibilidades de interpretação dos objetos artísticos.
Sendo assim, o monitor ainda é o profissional que determina o percurso da visita,
os olhares e as percepções. Este, porém, também é um termo carregado de sentidos
preconcebidos: “Monitor é quem ajuda um professor na sala de aula ou é o que veicula a
imagem gerada no HD, no caso de computadores. Atrelada à palavra, vai a significação
de veículo e de falta de autonomia e de poder próprio” (Barbosa, 2008, p. 30).
205
Essas relações feitas por Barbosa apontam para a posição subalterna deste sujeito
individual. Vygotsky (1998, p. 63) afirma que, além de a aprendizagem decorrer das
na hierarquia das instituições culturais, assim como leva a pensar que o monitor não tem
relações entre os sujeitos e com o meio, ela é realizada através de instrumentos e signos.
domínio sobre o discurso, ou explicação que transmite, mas é dependente dos discursos
de outros, como o discurso do curador, do historiador e da própria instituição.
As políticas de qualificação profissional deste trabalho nas instituições culturais
assim como o reconhecimento de sua importância para a formação de públicos
impulsionam novas reflexões em torno do papel deste agente cultural. Em decorrência de
uma ressignificação do campo, este educador de museus precisa desdobrar e alterar sua
posição diante do público.
A figura que adota novas metodologias diante do público, posicionando-se como
alguém que fala, mas que também ouve, é conhecida atualmente como mediador cultural.
De acordo com Lídice Romano de Moura (2007, p. 76), “mediador cultural é aquele que
recebe o público nas instituições de arte, tornando a visita significativa com seu
acolhimento e todo o procedimento pelo qual passa a recepção".
Esta mudança atual corresponde a concepções de Lev S. Vygotsky, autor
referência da psicologia sócio-histórica. Esta linha da psicologia do desenvolvimento
estuda os processos de aprendizagem, valorizando a influência da interação social na
construção da formação dos indivíduos. A abordagem, também intitulada de
sociointeracionismo, defende que o desenvolvimento da aprendizagem acontece na
relação social e na troca com o outro, por meio de mediação e interação social. O
indivíduo aprende na relação com o meio e com os demais sujeitos, processo conhecido
como mediação.
Segundo a teoria vygotskiana, as relações sociais são determinantes na formação
dos sujeitos, que se desenvolvem transformando igualmente o seu entorno, num processo
de influência mútua, de forma interpessoal. Conforme Vygotsky (1998, p. 96-7):
Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista
comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma
acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento
da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade,
desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou
transformação qualitativa de uma forma em outra, imbricamento de fatores
internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a
criança encontra.
Os processos de aprendizagem são identificados individualmente, com foco na
Os instrumentos são ferramentas que servem para transformar os objetos e o meio.
Eles são responsáveis por mediar a relação do sujeito com o estrato social. O signo age
como um instrumento na construção da aprendizagem. É por meio dos instrumentos e
dos signos que acontece a criação e a assimilação da cultura.
Vygotsky (2005, p. 156) também associa a linguagem ao desenvolvimento de
construção da aprendizagem. A formação de um conceito inicialmente provém da relação
entre o som e o significado de uma palavra. Percebe-se, então, que a linguagem é
mediadora do sujeito com o meio e que cumpre função essencial no processo de
educação.
O termo mediação, que é adotado para designar o trabalho educativo realizado em
museus e centros culturais, espaços não formais da arte/educação, é uma apropriação
desta teoria. Para Vygotsky (2009, p. 485) “o pensamento e a linguagem são a chave
para a compreensão da natureza da consciência humana”. A linguagem é uma das
formas de mediação.
Assim, quando surge o mediador supracitado, aquele que relaciona, dialoga e
convoca o espectador com sua própria experiência para a contextualização da obra de
arte, estamos nos apropriando do conceito da teoria socioconstrutivista de Vygotsky para
melhor designar este profissional com postura modificada. Sobre a postura construtivista
e questionadora do mediador cultural, Rejane Galvão Coutinho (2010, p. 115) sugere:
Ao invés de mediações diretivas e unidirecionais, proponho mediações dialógicas
e multidirecionadas. Não um falando por todos e para todos, mas a instauração de
diálogos, a circulação da palavra, em processos de interpretações que levam em
conta os diferentes lugares de fala dos indivíduos, as diferentes comunidades
interpretativas. Uma prática aberta a múltiplas narrativas.
Ao invés de confirmações e afirmações sobre um campo e seus valores, a
instauração de dúvidas, a prática do descentramento de pontos de vista.
Fernando Cocchiarale (2007, p. 15) pondera que o mediador “deve ser menos a
pessoa que transmita conteúdos e mais alguém que estimule o público a estabelecer
algumas relações de seu próprio modo”. Compreende-se que, enquanto mediador, o
educador é muito mais um propositor do que um depósito de informações e dados a ser
despejado sobre o público.
análise de cada sujeito. Mas como o desenvolvimento é decorrente das relações sociais,
A consideração sobre os termos é necessária, pois na educação as terminologias
a leitura é extremamente influenciada pelas interfaces que atravessam este processo
denotam a postura pedagógica adotada. As palavras não devem ser empregadas
206
207
inocentemente, pois elas podem remeter ao preconceito enraizado de maneira subjetiva e
subliminar. O uso dos termos mediador e mediação cultural traduzem abordagens e
posicionam o papel deste profissional.
O mediador cultural exerce sua prática a serviço do público; e busca adaptar-se à
diversidade que podem apresentar os espectadores. Assim sendo, o educador de museus
pode ser uma figura encorajadora de acesso aos bens culturais expostos.
Bibliografia
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Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora
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MARTINS, Mirian Celeste; SCHULTZE, Ana Maria; ERAS, Olga (orgs.). Mediando
[con]tatos com arte e cultura. São Paulo: Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes: Pós-graduação, v.1, nº 1, 2007.
_______________________. Sobre o laboratório metodológico arte público – Recife
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que é acessível, e para quem? – Caderno de textos III. Recife/PE: Fundação de Cultura
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MARTINS, Miriam Celeste (org.). Mediação: provocações estéticas. Universidade
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_______________________; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores
andarilhos na cultura. Rio de Janeiro: Instituto Sangari, 2008.
MOURA, Lídice Romano de. Arte e educação: Uma experiência de formação de
educadores mediadores, 2007. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2007.
SALES, Júnia Pereira. Escola e museu – Diálogos e práticas. Belo Horizonte: Secretaria
de Estado da Cultura – Superintendência de Museus / Cefor, 2007.
VYGOTSKY, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009.
_________________. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
_________________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Noções de literacia visual por detrás das práticas em sala de aula: um estudo sobre as
imagens, atividades e estratégias usadas pelos professores
Ricardo Reis
Universidade de Barcelona
I2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
Resumo
Pretendo dar conta dos resultados de um estudo no qual participaram 61 professores/educadores desde o préescolar ao 9º ano. A amostra foi escolhida intencionalmente e os dados foram recolhidos através da internet. Os
participantes enviaram, ao longo de todo o ano letivo, as imagens que mostraram em sala de aula ao mesmo tempo
que responderam a um questionário onde lhes era perguntado sobre os objetivos, as atividades, as estratégias, os
conteúdos e os sentimentos que associaram ao trabalho desenvolvido com cada uma ou conjunto de imagens.
Analisar estes dados, adotando a perspetiva dos new literacies studies e dos estudos de cultura visual, e colocando
em contraponto o universo visual escolar com a visualidade das “culturas juvenis”, permitirá enquadrar as
práticas docentes e encontrar os seus principais referentes, bem como discorrer sobre possíveis efeitos que as
imagens, os discursos e práticas têm no desenvolvimento da literacia visual dos alunos ao longo da sua
escolaridade.
Palavras-chave
Currículo de Artes Visuais, Cultura Visual, Educação Artística, Literacia Visual, Prática Docente
Trabalho realizado com o auxílio económico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), SFRH/BD/72980/2010,
cofinanciado pelo Fundo Social Europeu (FSE)
1. Introdução
Este texto é o resultado de uma investigação que desenvolvo no âmbito do doutoramento em Artes e Educação
(Universidade de Barcelona), no qual investigo sobre “o papel da escola no desenvolvimento e valorização social da
literacia visual”. A tese tentará reunir em torno do mesmo problema três discursos diferentes que ajudarão à sua
compreensão:
•
•
•
Os discursos do campo científico da educação artística
Os discursos administrativos (leis, programas curriculares e documentos oficiais do ministério da
educação)
Os discursos dos sujeitos (alunos e professores)
Este artigo centra-se apenas num procedimento de investigação levado a cabo para a recolha dos discursos dos
professores, tentando desvelar qual a conceção de literacia visual que está por detrás das suas práticas em sala de
aula. O estudo que presento neste artigo foi realizado durante o ano letivo de 2010/11, período durante o qual os
professores partilharam comigo as imagens que mostraram aos seus alunos nas suas aulas bem como informações
sobre as atividades que desenvolveram. Neste momento as evidências recolhidas ainda estão a ser analisadas. Assim,
o que apresento neste texto são as minhas primeiras impressões sobre o material recolhido que pretende acima de
tudo suscitar o debate e recolher o feedback de professores e académicos para que outras perspetivas possam ser
incorporadas nas análises subsequentes.
2. Algumas noções de literacia visual que coexistem nos nossos dias.
A rutura com os modelos clássicos de visão no início do século XIX foi muito mais do que uma simples mudança na
aparência das imagens e das obras de arte, ou nos sistemas convencionais de representação (Crary, 1990, p. 3). Foi,
acima de tudo, uma reorganização maciça do conhecimento e de práticas sociais que modificaram de inúmeras
formas as capacidades produtiva, cognitiva, e de desejo do sujeito humano. Estas mudanças no regime de
visualidade ao longo do século XIX em conjunto com as profundas alterações que se registaram na instituição
escolar em todo o mundo que, a reboque da revolução industrial e da construção dos Estados-Nação, conduziram à
massificação da escola tiveram consequências diretas a nível científico e técnico na sociedade, mas também
pedagógico e curricular dentro da escola. A “escola para todos” conduziu, em primeira instância, a uma
normalização dos conteúdos curriculares, essencialmente com objetivos sociais e económicos. No entanto, depressa
se concluía que a pedagogia e a organização dos processos de ensino-aprendizagem estavam inadequadas aos
públicos cada vez mais heterogéneos que chegavam à escola. Este desajuste entre a escola e os públicos que a ela
1
208
209
passaram a aceder esteve na origem das correntes pedagógicas progressistas do início do séc. XX (Fernandes, 2011,
p. 20).
O progresso técnico e científico na sociedade levou ao aparecimento de novos recursos para a educação que exigiam
também novos conhecimentos, talvez por isso Edgar Dale, no seu livro Audiovisual methods in teaching, de 1946,
tenha identificado a literacia visual como um dos principais modos de literacia, a par das literacias escrita (impressa)
e auditiva. Mais tarde, no final dos anos 60, havia já a consciência de que a penetração dos novos media davam um
grande enfase à representação visual como prática de comunicação (McDougall, 2004, p. 25), especialmente com a
difusão da imprensa e televisão a cores. A noção de literacia visual vigente baseava-se na existência de uma
linguagem visual que a suportava (Lin, 2008, p. 26). Seguindo a conceção de que era fundamental dominar a
linguagem visual para ser considerado literato visual, Dondis publica, em 1973, o livro A primer of visual literacy.
Ao longo dos tempos o conceito torna-se mais complexo e em 2003, Anne Bamford, no seu The Visual Literacy
White Paper, considera que ser literato visual é dominar uma combinação de sintaxe (estrutura e organização das
parte que constituem uma imagem) e semântica (o modo como as imagens adquirem sentido na relação com o
mundo) e que a atual proliferação de imagens leva a considerar a literacia visual como fundamental na obtenção de
informação, na construção do conhecimento e de resultados escolares bem-sucedidos (Bamford, 2003).
Contudo, permanece a falta de consenso sobre quem cunhou o termo visual literacy. O que parece certo é que a
literacia visual não é um fenómeno recente e atualmente constitui-se como uma vasta área de investigação, que se
tornou mais ampla com o impacto das novas tecnologias (McDougall, 2004, p. 26). Foi exatamente o advento dessas
novas tecnologias, e do impacto que elas têm nas nossas vidas, que levou a uma revisão do conceito de literacia,
levando a que se fale agora em multiliteracias ou novas literacias, conceitos que articulam a multiplicidade de canais
de comunicação por elas possibilitados; a crescente importância da diversidade cultural e linguística nas sociedades
contemporâneas; e as interações globais ao nível social, cultural e tecnológico (Baker, 2010; Cope & Kalantzis,
2000; Hernández, 2007). Atualmente, as chamadas novas literacias compreendem também novas competências,
estratégias, disposições, e práticas sociais associadas ao uso das novas tecnologias da informação e comunicação, e
são fundamentais para uma participação completa na comunidade global. Estas novas literacias, nas quais se inclui
com especial destaque a literacia visual, estão em constante mudança tal como as próprias tecnologias; são
multifacetadas e a nossa compreensão sobre elas resulta de diferentes pontos de vista coexistentes (Baker, 2010, p.
x).
Perante o exposto, há que reconhecer um paralelo entre a evolução das tecnologias da visão e a revisão da noção de
literacia visual, que continua a evoluir e a transformar-se em resultado da construção social que a valida. Partindo
deste suposto paralelismo, conclui-se que o nosso olhar tem sido fabricado pelas tecnologias da visão e pelos
diferentes discursos e contextos que as legitimam. Talvez por isso vários autores defendam uma necessária educação
do olhar, assente na perspetiva das novas literacias (Hernández, 2007; Rodrigues, 2011; Sicard, 2006), na tentativa
de levar os observadores a entender melhor os processos e lugares de produção, distribuição e consumo das
imagens, bem como a forte e constante relação que com elas estabelecemos.
3. Literacia Visual e Educação Artística
A relação entre a noção de literacia visual e a educação artística foi amplamente escrutinada por Ching-Chiu Lin
(2008) na sua tese de doutoramento. Ela refere que, em educação artística, o termo visual literacy está relacionado
com um amplo conjunto de competências dos alunos que se enquadram tanto na compreensão das artes visuais e de
outras imagens como na sua habilidade para expressar, interpretar e comunicar mensagens visuais transmitidas
através de diferentes meios visuais (Lin, 2008, p. 33). Segundo esta autora tem-se escrito pouco sobre literacia
visual especificamente relacionada com a educação artística, o que leva a que se considere esta área menos
progressiva do que outras.
Relacionar a noção de literacia visual com a educação artística permite aos professores estar na posse de uma
ferramenta (partindo do pressuposto que a teorização de um conceito pode ser uma ferramenta útil para o trabalho
docente) que destaca a posição do visual e da visualidade num âmbito dominado pelo texto escrito, fazendo uso da
enorme presença do visual na cultura contemporânea (Raney, 1999).
Christina Hong (2006) no seu texto Developing literacies in postmodern times: the role of arts in education fala
numa ampliação do uso do conceito ao longo do tempo definindo essa evolução em três etapas distintas:
i)
como codificação e descodificação das notações simbólicas. Esta conceção de literacia visual relaciona-se
com a capacidade de “ler” e “escrever” usando os símbolos visuais;
ii) como resposta às obras de arte. Esta conceção de literacia visual está relacionada com o desenvolvimento
de apreciadores e conhecedores de arte. Esta compreensão do conceito é bastante mais alargada do que na
primeira etapa e inclui a habilidade para dar respostas em frente à obra de arte, para perceber as qualidades
da forma artística, para fazer julgamentos críticos e para ter conhecimento do contexto no qual a obra de
arte emergiu e no qual reside;
iii) como consequência do fazer, criar, como resposta e como reflexão em relação aos objetivos, processos e
contextos. Esta conceção de literacia visual está mais próxima da perspetiva das chamadas novas literacias.
2
210
Podemos enquadrar nesta última etapa da ampliação do uso do conceito a perspetiva de Hernández (2007, p. 22)
quando refere que “adquirir literacia visual deve permitir aos alunos analisar, interpretar, avaliar e criar, a partir das
relações estabelecidas entre saberes que circulam pelos “textos” orais, auditivos, visuais, escritos, corporais e, em
especial, aqueles vinculados às imagens que saturam as representações mediadas pela tecnologia nas sociedades
contemporâneas”.
4. Porquê este procedimento de investigação no âmbito da tese?
Este procedimento de investigação não deve ser entendido isoladamente mas sim no contexto da tese de
doutoramento “o papel da escola no desenvolvimento e valorização social da literacia visual”. Este estudo enquadrase nos procedimentos relativos à recolha dos discursos dos professores e pretende recolher evidências que me
permitam inferir quais os referentes de literacia visual que podem ser identificados por detrás das imagens que os
alunos veem em sala de aula e das práticas dos seus professores. Este procedimento reveste-se de especial
importância no enquadramento da realidade do ensino das artes visuais no ensino básico em Portugal, já que não
conheço qualquer estudo que me possa fornecer essas evidências.
Enquanto pensava no estudo e em como operacionalizá-lo ficou claro para mim que não era suficiente saber apenas
que imagens os professores mostravam aos alunos. Era preciso contexto. Era preciso saber como foram mostradas as
imagens, porquê e para quê. Era preciso saber que sentimentos os professores pretenderam suscitar nos seus alunos;
que conteúdos quiseram trabalhar; que atividades propuseram. Para evitar que os professores apenas me enviassem
imagens “soltas”, esquecendo todas as imagens que estão em livros, em materiais didáticos diversos, ou até mesmo
nos museus quando fazem visitas de estudo, decidi juntar algumas perguntas relativas aos materiais didáticos
utilizados e às visitas de estudo efetuadas.
Conhecer as imagens, saber como são visualizadas e enquadrá-las em temas, conteúdos e práticas pareceu-me
fundamental, ainda que possa não ser suficiente, para reconhecer os referentes aos quais se vinculam as práticas dos
professores e as imagens que mostram aos alunos, permitindo ter uma ideia mais clara sobre a conceção de literacia
visual subjacente.
5. Implementação da investigação
5.1. Quem são os participantes?
A amostra foi construída com base no princípio das amostras intencionais (Patton, 2002). Escolhi pessoas que de
algum modo tinham uma implicação com o objeto de estudo mas também comigo, o que me poderia garantir um
maior envolvimento de cada uma dessas pessoas no trabalho que tinham de realizar. Pedi-lhes também que enviasse
este meu pedido a alguns dos seus contactos para que o número de participantes pudesse aumentar. Assim, aquilo
que começou por ser uma “amostra intencional com critério”, em que os participantes foram escolhidos com base na
previsível garantia de qualidade e envolvimento que me proporcionavam, tornou-se uma amostra intencional “tipo
bola de neve” (Patton, 2002, pp. 236–7) em que os professores traziam para o estudo outros que eles consideravam
adequar-se aos objetivos traçados, e esses outros traziam, por sua vez, outros professores.
Dos 59 professores que participaram, desde o pré-escolar até ao 9º ano, 43 eram mulheres e 16 eram homens. A
relação entre homens e mulheres é próxima da relação que podemos observar em todo o sistema educativo em
Portugal. Os professores eram de todo o país mas com maior incidência na região Centro, na região de Lisboa e na
Península de Setúbal. A maioria dos participantes são professores de EVT. Um pouco mais de metade dos
participantes tem entre 6 e 15 anos de serviço como professor, pelo que se poderá considerar que têm alguma
experiência profissional.
5.2. O questionário
Para recolher as evidências foi criado um questionário através de tecnologia web-based, cujas respostas enviadas
ficaram guardadas numa base de dados confidencial, à qual só eu tinha acesso. O questionário, no qual se
perguntava sobre os objetivos, as atividades, estratégias e conteúdos associados ao trabalho desenvolvido com cada
imagem ou conjunto de imagens, foi construído tendo por base três inquietações principais que nortearam a
definição das perguntas: i) conhecer as imagens que são visualizadas pelos alunos em contexto de sala de aula; ii)
conhecer o modo como é feita a visualização das imagens; iii) enquadrar as imagens em temas/conteúdos e práticas
em sala de aula, sendo importante que esse enquadramento fosse dado pelos próprios professores participantes e não
inferido pelo investigador.
5.3. Responder ao questionário e partilhar imagens
O questionário esteve online e acessível aos participantes – que tinham um código pessoal que os identificava –
durante todo o tempo que decorreu este estudo. Associado à base de dados do questionário havia um espaço de
armazenamento, um serviço de webstorage, para onde os colaboradores poderiam fazer upload das imagens para
uma pasta pessoal
A ideia inicial era que a participação dos professores no estudo fosse semanal mas cedo percebi que isso seria
impossível pois estes queixavam-se da falta de tempo e também do facto de nem todas as semanas mostrarem
3
211
imagens aos alunos, já que havia semanas em que os alunos estavam a realizar alguma tarefa e o papel do professor
seria acompanhá-los. Em conversação os participantes que manifestaram essa preocupação definimos que cada um
decidiria o quê e quando partilhar, aceitando o compromisso de partilhar todo o que considerassem relevante para
este estudo. A adoção desta estratégia colocou maior responsabilidade no lado dos participantes, pois seriam eles a
decidir o que partilhar, mas libertou-os da obrigação de preencher semanalmente o questionário. Com esta nova
estratégia foi introduzido um dado novo que será relevante na análise das evidências: o que os professores
partilharam (imagens e respostas escritas) é aquilo que eles consideram como mais relevante no seu trabalho, ou
seja, é aquilo que lhes pareceu mais representativo da sua disciplina e da sua ação como professores da área das
artes visuais.
6. Imagens, atividades e estratégias: analisar as evidências
Analisar as evidências é um processo que implica olhá-las a partir de um determinado ponto de vista, ou seja, um
lugar onde me posiciono e a partir do qual vejo, interpreto e compreendo. Assim, estas evidências foram observadas
a partir do ponto de vista de um professor de educação visual que é também investigador. Alguém que conhece por
dentro a escola e as disciplinas da área das artes visuais. Alguém que conhece os programas curriculares e que, fruto
da sua atividade como formador de professores (formação contínua e pós-graduada), conhece também diferentes
modos de fazer, reconhecendo neles diferentes perspetivas sobre a Educação Artística em geral e sobre as
disciplinas em particular.
Este lugar a partir do qual analiso as evidências é, à primeira vista, um lugar privilegiado mas também pode ser um
lugar de preconceitos, pois ver e conhecer são mutuamente constitutivos (Mirzoeff, 1999, pp. 15–6) e só poderei ver
o que vejo sabendo o que sei. Perante a tarefa de analisar estas evidências iniciarei o esforço consciente de olhá-las
não só do ponto de vista do professor que pensa “que atividade interessante” ou “eu faria de outro modo”, mas
essencialmente do ponto de vista do investigador que procura a genealogia das práticas e dos discursos,
enquadrando-os num conjunto de referentes que lhes dão sentido. Tratarei de olhar as evidências partindo do
pressuposto que os resultados da investigação são construídos através de uma interação hermenêutica e dialética
entre o investigador e os participantes, num esforço e colaboração conjunta (Latorre, Igea, & Agustín, 1996, p. 200).
Todas as imagens são pré-existentes (Banks, 2001, 2010) e não foram criadas especificamente para este estudo, nem
pelo investigador nem pelos participantes. Os participantes enviaram as imagens que mostraram aos alunos, o que
significa que já existiam antes de terem sido partilhadas comigo e foram usadas numa outra função. A imagem em
si, o modo como foi mostrada e o que se disse sobre ela é muito importante para a interpretação que os alunos
fizeram (veja-se a este respeito Cotner, 2011), no entanto não tenho modo de o conhecer a não ser através das
respostas ao questionário. A análise que faço a essa informação reside naquilo que os professores escreveram, logo
não é uma inferência ou mera suposição. A análise pretende ser objetiva, respeitando em absoluto o que os
professores escreveram e partilharam. Uma primeira análise às evidências partilhadas pelos professores levou à
construção de seis categorias. Apresento-as não como categorias fechadas, tanto mais que o trabalho de análise
ainda está em curso, mas apenas como uma organização possível das evidências que pretende acima de tudo suscitar
discussão e debate entre professores e académicos.
contemporâneos, como Joana Vasconcelos. O princípio expressionista na Educação Artística (EA) de preservar as
crianças do contato com as obras e a HA parece ter desparecido, tendo em conta a presença cada vez maior destas
imagens na escola. A utilização de obras de arte (essencialmente figurativas ou, quando abstratas, geométricas, com
formas e cores básicas) parece corresponder à ideia de que as crianças são seres inocentes e detentores de pouco
conhecimento, pelo que estas obras serão mais adequadas à sua idade.
6.2. “Geometria na arte”
O critério principal para a escolha das imagens a apresentar ma aula é a proposta de trabalho que o professor definiu
com antecedência e apresenta aos alunos. Ou seja, a arte é apresentada numa perspetiva contextualista e não
essencialista, pois são privilegiados os seus valores extrínsecos e utilitários.
Figura 2. Algumas imagens partilhadas pelos professors sobre o tema "Geometria na arte". Obras de Kandinsky, Sónia Delaunay e Matisse
É recorrente a escolha de obras que apresentam pontos, linhas, quadrados, retângulos, triângulos e círculos, e uma
simplicidade cromática de cores saturadas. À apresentação destas obras está habitualmente associada à realização de
atividades de desenho rigoroso de figuras geométricas ou composições visuais.
6.3. Academismo nas propostas de trabalho
Os dados recolhidos indicam que grande parte das atividades é orientada para conhecer a biografia do artista e as
suas obras, classificando-as de acordo com os critérios estilísticos da HA. Muitas vezes as imagens utilizadas na
aula funcionam mais como modelos de representação do que como motivação ou como meio para chegar a um outro
lugar desconhecido. Em algumas propostas de trabalho parece estar presente uma espécie de neoacademismo que se
revela nas atividades de cópia de reproduções das obras dos artistas; na simulação do seu modo de pintar ou na
repetição de procedimentos puramente mecânicos como recortar ou pontilhar (pontilhismo); no respeito pelos
cânones de representação do rosto ou do corpo humano; ou no estudo dos elementos da forma. Tendo em conta as
imagens que me foram enviadas, penso não ser abusivo afirmar que a conceção de EA predominante está orientada
para “o conhecimento das artes em vez de usar as artes para aumentar o conhecimento” (Agirre, 2010, p. 39).
Figura 3. Algumas imagens partilhadas pelos professores com trabalhos de alunos inspirados em obras de arte
6.1. Imagens de obras de arte e o predomínio da pintura
Os professores mostram muitas imagens de arte aos seus alunos, especialmente pintura. Pintura não apenas como
uma técnica mas também como a necessidade da presença de cor que, pelas suas propriedades estimulantes, são
garantia de sucesso junto dos alunos.
Figura 1. Algumas imagens partilhadas pelos professores. Obras de Nadir Afonso, Van Gogh, Picasso e Kandinsky
6.4. A “reprodução do aborrecido” e o legado dos Trabalhos Manuais
Verifico que as obras escolhidas encaixam nos critérios canónicos da História da Arte (HA), apresentando as
mesmas obras dos mesmos artistas. Artistas fáceis de encontrar na internet, que têm obra impressa ou que são
recorrentes nas programações dos museus. A maioria das imagens de arte apresentadas é da época moderna e
pertence à arte europeia. Representações de outras épocas (anteriores ou posteriores) ou extraeuropeias são raras. Há
também referências a obras de artistas portugueses, especialmente do séc. XIX e XX, mas também alguns
4
212
Tarefas como a realização da capa para guardar os trabalhos e a sua identificação através do desenho da letra ainda
são recorrentes na prática dos professores, mesmo entre os mais novos. Segundo Acaso (2009, p. 16), os professores
reproduzem de forma imediata as metodologias de trabalho com as quais eles foram formados, ou seja, fazem a
reprodução do aborrecido.
Outra atividade recorrente é a elaboração de objetos utilitários, seguindo um modelo predefinido, dado pelo
professor, que garante a qualidade do produto final. Este modo de fazer tem a sua génese nos antigos trabalhos
manuais educativos onde as propostas de trabalho estavam relacionadas com a repetição de modelos ou a execução
concertada e repetida de procedimentos.
Figura 4. Imagens partilhadas pelos professores com alguns exemplos (modelos) de decorações de Natal.
5
213
Devemos ter em conta que o conceito de LV na EA não é um conceito fixo pois está em constante modificação,
especialmente pela diversidade de ambientes de ensino-aprendizagem, pelos desenvolvimentos nas teorias
curriculares e pedagógicas, e ainda pelo impacto das novas tecnologias na nossa sociedade (Lin, 2008, pp. 41–2).
8. Bibliografia
Acaso, M. (2009). La educación artística no son manualidades: nuevas prácticas en la enseñanza de las artes y la
cultura visual (p. 240). Catarata.
Agirre, I. (2010). Sobre los usos del arte en la escuela infantil. In R. G. Vida, M. Á. M. Viana, & C. G. Castro
(Eds.), I Congreso Internacional “Arte, Ilustración y Cultura Visual en Educación Infantil y Primaria:
construcción de identidades” (pp. 35–45). Granada: Universidade de Granada.
6.5. Sobre o que se fala e o que não se fala
Algumas imagens são usadas para falar de assuntos que estão na ordem do dia (como a crise económica) ou para
abordar temas que há já algum tempo fazem parte da educação para a cidadania como a proteção da natureza ou a
multiculturalidade. Mas, de um modo geral, as imagens enviadas denotam a necessidade de manter as crianças à
margem da vida real, tentando preservá-las dos problemas sociais, das imagens violentas ou de cariz sexual.
Deixamos que as crianças vivam num mundo sem conflitos onde tudo é felicidade, paz e bem-estar, ou seja, um
mundo de fantasia, cor e alegria. Este não é apenas um problema estético mas é, sobretudo, um problema
pedagógico que tem a sua origem na nossa própria conceção de infância. A noção iluminista de que a criança é por
natureza inocente e que é a sociedade que a corrompe é consolidada ao longo do século XIX mas continua vigente
até à atualidade, embora em conjunto com outras narrativas (Hernández, 2010, p. 50). É esta narrativa hegemónica
que tem fundamentado a resistência dos professores em tratar temas habitualmente associados à cultura visual, como
as questões de género e raça, os estereótipos sociais, o prazer ou a representação do corpo.
6.6. Visão mediada
A facilidade de acesso à tecnologia e a capacitação para a utilizar parece ter grande influência no modo como as
imagens são mostradas aos alunos. A grande maioria das respostas revela que as imagens são quase sempre
projetadas com um videoprojector e raramente se privilegia o contacto direto, ou não mediado, com o mundo. Este
modo de visualização traz vantagens para o professor que apresenta as imagens em grandes dimensões, conseguindo
assim maior atenção por parte dos alunos. No entanto há que ter em conta que as representações visuais (visão
mediada) diferem das perceções do natural (visão não mediada) porque são modos de comunicação intencional,
codificados e porque são a representação de algo, não a coisa em si. Este tipo de visualização mediado pela
tecnologia não é novo nem desconhecido dos alunos, o que me parece novo nestes resultados é a utilização massiva
destes meios na escola, levando a que estas simulações se tornem omnipresentes e se introduzam cada vez mais na
experiência de realidade.
7.
Uma possível conclusão: quais podem ser as noções de literacia visual por detrás das práticas
docentes em sala de aula?
Até ao momento, sem ter analisado todo o material recolhido, arrisco algumas conclusões parciais que me
pareceram mais evidentes depois de uma primeira análise às evidências recolhidas. Estas primeiras impressões
ajudam-me a concluir que a arte chega à escola, dominada pela pintura, e que os alunos veem poucas imagens da
cultura visual contemporânea, aumentando o fosso entre o “dentro” e o “fora” da escola.
É importante ter em conta que a ação de um professor não é inócua: cada imagem que escolhe, cada atividade que
propõe, cada decisão que toma no decorrer da sua ação pedagógica está imbuída das suas conceções sobre o que é a
EA, sobre o que os seus alunos têm de aprender, ou sobre quem pensa que são os seus alunos; ainda que disso não
esteja totalmente consciente.
Deste modo, as práticas dos professores parecem estar mais próximas de uma abordagem à LV como conhecimento
e domínio da linguagem visual, pois a maioria das propostas de trabalho são baseadas em análises formalistas de
obras de arte, na aprendizagem de técnicas e sua reprodução mecânica, ou na reprodução de modelos estéticos tidos
como “mais adequados” aos alunos (Agirre, 2010). Estas propostas de trabalho assentam na ideia de formar um
“bom olho”, que é capaz de discernir, de analisar profundamente; um olho conhecedor que sabe gramática visual;
distingue os elementos da forma; e conhece HA, mas tem dificuldade em relacionar, em interpretar, em avaliar ou
em criar (Rogoff, 2002).
Durante o processo de investigação penso que podemos aprender mais sobre:
•
•
•
•
Bamford, A. (2003). The Visual Literacy White Paper. Educational Technology. Sidney. Retrieved from
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Rogoff, I. (2002). Studying Visual Culture. In N. Mirzoeff (Ed.), The Visual Culture Reader (2a ed.). London:
Routledge.
as conceções de educação artística que guiam as práticas docentes na sala de aula
as práticas de visão e visualidade na escolar
o que professores pensam que trata (e não trata) a sua disciplina
que conceções de literacia visual os professores têm quais os seus referenciais
Sicard, M. (2006). A fábrica do olhar: imagens de ciência e aparelhos de visão (século XV-XX) (p. 305). Lisboa:
Edições 70.
6
214
Baker, E. A. (Ed.). (2010). The new literacies: multiple perspectives on research and practice (p. 322). Nova
Iorque: Guilford Press.
7
215
216
217
218
219
220
221
Projeto “Ritmos do Mundo”: Estratégia de Educação
Inter/Multicultural
José Carlos Silva
Projeto “Ritmos do Mundo”: Estratégia de Educação
Inter/Multicultural
A escola na actualidade, fruto do fenómeno da globalização, depara-se cada vez mais
com a diversidade cultural da sua população e os consequentes desafios em termos de
ETAP-Escola Profissional/Viana do Castelo/Portugal
gestão da heterogeneidade cultural e étnica. Como aprender a viver juntos?
Email: josecarlossilva@etap.pt
Tal fenómeno tem causado apreensão aos professores que se confrontam com a
necessidade de adaptarem as suas estratégias e práticas pedagógicas, no sentido de
Resumo
A escola na actualidade, fruto do fenómeno da globalização, depara-se cada vez mais
com a diversidade cultural da sua população e os consequentes desafios em termos de
gestão da heterogeneidade cultural e étnica do contexto escolar. Como aprender a viver
juntos?
Tal fenómeno tem causado apreensão aos professores que se confrontam com a
necessidade de inovarem as suas estratégias e práticas pedagógicas, no sentido de
promover o respeito e o diálogo entre os diferentes grupos culturais, de favorecer a
igualdade de oportunidades e o sucesso escolar. O presente estudo, fruto de uma
investigação de mestrado em educação, pretendeu analisar as contribuições de um
projecto designado “Ritmos do Mundo”, que tem vindo a decorrer na Escola
Profissional ETAP, Norte de Portugal, com um número significativo de jovens,
oriundos de diversas nacionalidades. O quadro teórico deste estudo incluiu o
aprofundamento de questões relacionadas com globalização e educação
inter/multicultural, segundo perspectivas de especialistas nacionais e internacionais.
Com o intuito de compreender aprofundadamente o fenómeno, desenvolveu-se um
estudo de caso, com recurso a diversos instrumentos de recolha de dados como
inquéritos, entrevistas, análise documental e observação de eventos. A amostra é
constituída por 38 participantes, dos quais 33 alunos pertencem ao grupo “Ritmos do
Mundo”, 2 professores coordenadores do Projecto, 2 responsáveis pelos órgãos
pedagógicos da escola em estudo e 1 professora do ensino público, que contactou com o
referido grupo. Os resultados obtidos evidenciam os efeitos positivos do Projecto
“Ritmos do Mundo”, que se alicerça em práticas artísticas apelativas (música e dança).
Revela-se como um instrumento facilitador de inovação e mudança em termos
curriculares não disciplinares, promotor do desenvolvimento global dos alunos. O
projecto permite aos alunos ampliar o conhecimento que têm de si e dos outros, além de
ser facilitador do desenvolvimento de competências inter e intrapessoais, promovendo o
entendimento da diferença como algo de positivo.
Conclui-se que as percepções dos alunos e professores permitem compreender que
projectos como este constituem um factor influente de desenvolvimento pessoal e
social, sendo fundamental preservar estes espaços de formação que predispõem para a
mudança de valores e atitudes, cabendo aos professores continuar a investigar formas
adequadas de modificar representações que tendem a perpetuar práticas reprodutoras de
desigualdades sociais.
Palavras-chave: Globalização, Educação Inter/Multicultural, Ensino Profissional.
222
promover o respeito e o diálogo entre os diferentes grupos culturais, de favorecer a
igualdade de oportunidades e o sucesso escolar. A presente investigação pretendeu
estudar as contribuições de um Projeto designado “Ritmos do Mundo”, que tem vindo a
decorrer numa Escola Profissional do Norte de Portugal, com um número significativo
de jovens, oriundos de diversas nacionalidades.
Que contributos poderão ter as atividades inter/multiculturais, através das artes,
enquanto espaços de formação cívica?
Como promover a educação para a cidadania sem cair numa espécie de “catequese”
teorizadora, como lucidamente observa Perrenoud (2002)?
O quadro teórico deste estudo incluiu o aprofundamento de questões relacionadas com a
globalização e a educação inter/multicultural, assente na revisão de literatura
especializada
nacional
e
internacional.
Com
o
intuito
de
compreender
aprofundadamente o fenómeno, desenvolveu-se um estudo de caso, com recurso a
diversos instrumentos de recolha de dados como inquéritos, entrevistas, análise
documental e observação de eventos. A amostra é constituída por 38 participantes, dos
quais 33 alunos pertencem ao grupo “Ritmos do Mundo”, 2 professores coordenadores
do Projecto, 2 responsáveis pelos órgãos pedagógicos da escola em estudo e 1
professora do ensino público, que contactou com o referido grupo. Os resultados
obtidos evidenciam os efeitos positivos do Projeto “Ritmos do Mundo”, que se alicerça
em práticas artísticas apelativas como a música e a dança. Revela-se um instrumento
facilitador de inovação e mudança em termos curriculares não disciplinares, promotor
do desenvolvimento global dos alunos. O projecto permite aos alunos ampliar o
conhecimento que têm de si e dos outros, além de ser facilitador do desenvolvimento de
competências inter e intrapessoais; contribui para o entendimento da diferença como
algo de positivo; favorece a articulação da escola com a comunidade, num espírito de
223
participação democrática; possibilita um melhor conhecimento das culturas em
A comunicação artística na educação revela-se importante porque os alunos são muitas
presença, aos alunos e professores da escola.
vezes despertados para o conhecimento, a curiosidade e a exploração das culturas dos
Este projeto revela que a educação para a diversidade humana passa pela descoberta do
seus colegas.
outro através de aprendizagens de carácter relacional, potenciando diversas estratégias,
Chalmers (2003) sublinha o valor da arte enquanto elo de ligação da humanidade, para
entre as quais, se constatou ser importante as experiências artísticas no campo
além das diferenças culturais, quando afirma que “a arte constitui um meio que ajuda a
pedagógico, ao proporcionar aos alunos vivências afectivas de interacção, de
nos pormos em contacto com os outros na procura da solidariedade; é um meio de
comunicação, que permitam desenvolver a inovação, a criatividade e a celebração da
comunhão e ao mesmo tempo de comunicação” (p.77). Como destaca Moura (2001), a
diversidade cultural, enfrentando as mudanças de uma sociedade plural como aquela em
educação pela arte enfatiza não apenas a estética vinculada à obra de arte, mas a estética
que vivemos.
do quotidiano, podendo dar um forte contributo à transformação das mentalidades,
As artes, como salientam Matos e Ferraz (2006), têm o poder de espelhar a diversidade,
proporcionando uma aprendizagem global do ser humano.
mas para além disso, ajudam a reforçar a construção de identidades e valores individuais
Conclui-se, assim, que as perceções dos alunos e professores permitem compreender
e colectivos, promovem o respeito pelo outro. Mediante o exercício das capacidades
que projetos como este constituem um factor positivo de desenvolvimento pessoal e
criativas do ser humano, o Projeto “Ritmos do Mundo” torna-se um instrumento
social, sendo fundamental preservar, incentivar e divulgar estes espaços de formação
facilitador do processo de ensino-aprendizagem, de consciencialização pelas diferenças
cívica que predispõem para a mudança de valores e atitudes, cabendo aos professores
culturais, não se reduzindo à mera função de entretenimento escolar. Na realidade,
continuar a investigar formas adequadas de modificar representações que tendem a
através das artes, do mundo associado ao ritmo, ao som, ao movimento corporal, apela-
perpetuar práticas reprodutoras de desigualdades sociais.
se a sentimentos e sensações, exercendo um poder de sedução importante no respeito
pela igualdade de direitos. A arte e, particularmente, a música cumpre uma diversidade
de funções na sociedade e na escola, sendo um agente socializador, com poder de
transformação individual e social.
Fot.1-Atuação do grupo “Ritmos do Mundo”
Palavras-chave: Globalização, Educação Inter/Multicultural, Ensino profissional
Bibliografia:
Azevedo, J.(2009). Escolas Profissionais 1989-2009: as oportunidades e os riscos de uma
inovação que viajou da margem para o centro.In Azevedo, J. (Org.). Ensino Profissional:
Analisar o Passado, Olhar o Futuro. Porto: Universidade Católica.
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Leite, C. (2002). O currículo e o multiculturalismo no sistema educativo português. Lisboa:
Gulbenkian/FCT.
Moura, A. (2001). Uma Perspectiva Global Acerca da Arte, Cultura e Investigação. In Actas do
Seminário de Investigação – Expressões Artísticas e Educação Física em Portugal, Braga:
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Perrenoud, P. (2002). A escola e a aprendizagem da democracia. Porto: Edições ASA.
Sousa, M. e Neto, F.(2003). A educação intercultural através da música. VN.de Gaia: Gailivro.
Stoer, S. e Cortesão, L. (1999). Levantando a pedra. Da pedagogia inter/multicultural às
politicas educativas numa época de transnacionalização. Porto: Edições Afrontamento.
Como salientam Sousa e Neto (2003), a música, por exemplo, constitui uma
comunicação sem fronteiras e, por isso, possui um poder muito vasto, permitindo um
contacto estreito com várias formas da cultura humana, como a matemática, a
arquitectura, a literatura, a gastronomia, entre outras.
224
225
MarianaSilva
FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto
foiopesodeumimaginário,quealiadoaodiscursosobreaperdaeainjúriadeumDourohoje
patrimonializado – UNESCO (2001) , agudiza o impulso de querer parar o tempo, guardar e
encapsular(encapsularatédentrodeumgarrafãotalequalcomosedeumavitrinesetratasse)
aquiloquesedizqueseviu,queseesperaverequeodiscursodaautenticidadequermostrar.
226
Defacto,aodepararmonoscomaexposiçãofinal,oquesetornouclaroàevidênciadoolhar
PalavrasChave:
Sabendo que o sistema de ensino está carregado de valores e que os ensinamentos são,
Sujeitoseducativos/Autoridade(s)/Representações/Estereótipos
portanto, sistemas culturais, subiram à tona valores e crenças dos diferentes agentes
educativos envolvidos (LENCASTRE e LEAL: 2006, 111112), que com a necessidade de
produzirumconhecimentoválido(evalidado)relativoaummundocomumcomumafortecarga
Apresentecomunicaçãopartedeumestudodecasodenaturezaqualitativa,levadoacabono
endémica do coletivo, revelaram assim a não neutralidade prática do conhecimento
anoletivo2009/2010,noâmbitodoestágiocurricularnoServiçoEducativodoMuseudoDouro
(LENCASTREeLEAL:2006,112).
(PesodaRégua,Portugal),queacompanhouo
Mas, na relação educacional que se estabelece entre o museu e a escola, esta não
easuaimplementaçãonumaturma.
neutralidadedoconhecimentoencontrarseáapenas dooutrolado,odaescola?Atualmente,
os espaços como os museus queremse afirmar como lugares de encontro, de debate e de
éoprincípiochavedotrabalhodoServiçoEducativodoMuseudoDouro,
heterogeneidade de opiniões, posições e abordagens. Porém, simultaneamente, desde a
que ao querer propor um modo mais inquiridor de nos relacionarmos com os lugares onde
criação do museu moderno, também são espaços de definição, afirmação e legitimação,
vivemos, acredita que tal só é possível quando o indivíduo consegue ter consciência de si
apresentandosecomoautoridadequeefetuaclassificações,orientademaneirasistemáticaa
nesses mesmos lugares e paisagens. Neste contexto, na continuidade dos projetos com
memória dos indivíduos, e canaliza as nossas perceções para quadros compatíveis com as
escolaslançadosdesdeoanode2007,surgiuo.
relações por eles mesmo autorizadas (DOUGLAS: 1986, 93), numa tentativa por vezes de
Ofoiumprojetoorientadopararealidadeserepresentaçõesdoquotidiano,onde
sublimar a incapacidade de inteligibilidade e consequente incomunicabilidade dos seus
sepretendeutocarerevelarvivências,memóriasemodosdeverpessoaisdeumterritórioque
espólios.
temorioDourocomopanodefundo.Comosedeumacápsulaourelicáriodelembrançase
imaginários se tratasse, apresentouse o objeto síntese proposto: um garrafão reinterpretado,
Eaqui,numabuscaincessantepelofieldabalança,questiono:qualéoponto(ouaponte)de
inspirado nos velhos garrafões de aguardente. E o que se pediu? Que lá dentro, no fim do
equilíbrioentreonossoeooutrolado?Partindodoprincípioqueonossoéodomuseu,oda
processodoprojeto,criançasejovensrecriassemoDouro.
equipaeducativa,odoeducador.Eooutroéodopúblico,quepodeserumaescola,umaluno
eumprofessor(quetambéméumoutroeducador).
E como mais do que conclusões o que aqui quero partilhar são inquietações, em jeito de
(
pontapédesaídaparaodebate,voucontinuarestetextocomumconjuntodeinterrogações:
:2009,1)
Setembrode2009:Assimsedáinícioàapresentaçãodo
Espaçoscomoosdosmuseuseespecificamenteotrabalhodeeducaçãoemmuseus(dearte
enãosó)deverseáassumircomoinquiridor(enãoimpositor)desentidosdecomunidadese
Maio de 2010: Para a exposição final no museu chegam garrafões atrás de garrafões com
reconstrutor de realidades e representações sociais? Pressuponho que quase todos me
barcosrabelos,socalcos,vinhas,uvas,vindimadeirasEaícomeçaramasurgirasprimeiras
responderãodeimediatoquesim.Masentãoaí perguntovoseu logoaseguir: como?Como
inquietações.
podemostornarestetrabalhocapazdecontribuirparaaconstruçãodeconhecimentoirrequieto,
implicadoepartilhadocomoqueháecomoquehádevir?
Porqueéquenumprojetodirecionadopararealidadeserepresentaçõesdoquotidianoeonde
se pretende revelar vivências pessoais, existiu a necessidade de perpetuar a representação
Comoéqueselidacomosresultadosnãodesejadosoucomapermanênciadevisõesque
estereotipada de um coletivo com o peso das reminiscências do romantismo e dos
em determinados meios encontramse legitimadas e, inversamente, noutros parecem
nacionalismosdosséculosXIXeXX?
ultrapassadas,semrecorreraumdiscursoaltamenteautoritário?Seráaperdaumacondição
inerenteaotrabalhoemeducaçãoeonãodesejáveltambémpoderáserodespoletadordeum
227
trabalho mais tático sobre o meio onde se opera, tal como nos diz Víctor del Río (DEL RÍO:
fazer com o garrafão?”. E se não existisse exposição final? Se o projeto não tivesse
2007)?
necessariamentedeseconcretizaratravésdamaterializaçãoedaapresentaçãopública?Num
sistema concentrado no produto instalarseia a desorientação? “Então o que temos de fazer
Como é que num projeto como o que pretendia concretizar o trabalho de
afinal?”
oquecomo
(
:2010,7),sereageàpermanênciademodelosbucólicosde
uma paisagem patrimonializada ou à replicação de autênticos postais ilustrados prontos para
turista ver? Mas, por outro lado, também podemos questionar: até que ponto é que por
exemploacenadeumavindimaantiganãofazpartedoimagináriodealgumasdascriançase
jovensqueparticiparamnoprojeto?Atéquepontoéquenafamíliadestasnãoexistemavós,
que desde muito jovens carregaram cestos atrás de cestos às costas nas vindimas? Ou não
poderá a subsistência da família de algumas destas crianças e jovens depender da atividade
turística?Eseassimofor,nãoseránaturalqueoDouroparaelassejaigualaturismo,jáque
sãoosritmosdestaatividadequemarcamodiaadiadasuacasa?
Equalopapeldoprofessor?Acenadeumavindimaantiganãopoderátambémfazerparte
do seu imaginário? Efetivamente, até que ponto é que crenças e valores do professor
orientadorinfluenciamodesenvolvimentodoprojetopeloseugrupo?Eatéquepontoéquea
tradição das nossas escolas de habitualmente atribuírem este género de projetos com
instituições exteriores às áreas curriculares das expressões (que no caso das expressões
visuais, ainda muito ligadas às manualidades) ou da História (pelo peso da interpretação
histórica como única legitimada para atuação sobre o que se assume como património
(GUIMARÃES: 2011)), conduz à permanência de modelos de atuação e de representação?
ComoseriatrataromesmotemanumadisciplinacomoQuímicaouBiologia?
E qual é ou deverá ser a relação entre equipas educativas e professores? No fundo, entre
educadores. Para evitar o tal não desejado, referido anteriormente, os espaços como os
museusnãoincorrerãonapremissaqueaquiloqueébemfeitoéoqueestáeoquesefazno
museu,etudoaquiloquenãosaidiretamentedassuasmãosémaisoumenos?Preconizando
porissoumaaçãoquepoderáatéserconsideradaaltamentemanipuladora eprofundamente
unilateral. E no outro lado? O da escola. Não poderemos ter um professor com a mesma
posturanoseuespaçodedomínio,masqueporacasonãosegueasmesmaslinhas.Nãose
estabeleceráaquioconfronto?Eoquesepoderáfazerparaalterarestaposição?
Equalopesodeumaexposiçãofinal?Paraaescola,numprojetopropostoporumaentidade
exterior, a responsabilidade da visibilidade sobe à tona de água e, naturalmente, os esforços
dirigemse e são condicionados por aquilo que se apresentará ao exterior, conduzindo, tal
como se verificou neste estudo de caso, a que a questão principal deixasse de ser “que
mensagem queremos transmitir?” ou “que caminho vamos seguir?”, para ser “o que vamos
228
229
Documentosinstitucionais
A educação estética como o veículo promotor da inexorável reforma do
.PesodaRégua: ServiçoEducativo doMuseu
doDouro,2010.
sistema educativo
1.
O processo de evolução e de organização do sistema económico capitalista no
.PesodaRégua:
ServiçoEducativodoMuseudoDouro,2009.
plano mundial, a abertura de fronteiras e o acelerado desenvolvimento de novas
tecnologias de comunicação e de informação, cujo ritmo é vertiginoso, delineou um
sistema mundial que condicionou a cosmovisão da nossa época. É sabido que as
Bibliografia
mutações operadas não tiveram eco nas instituições educativas, nomeadamente nas
DELRÍO,Víctor–.inFERNÁNDEZ,O;
DEL RÍO, Víctor. (Edit.) – “Estrategias críticas para una práctica educativa en el arte
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políticas educativas e nas práticas de ensino. Refira-se que ao nível das orientações
educativas globais que têm vindo a ser traçadas, verifica-se uma tendência para a
uniformização dos currículos (OCDE, 2001), a preocupação in extremis de preparar a
DOUGLAS,Mary–.1ªEdição.NovaIorque:SyracuseUniversityPress,
população para o mercado de trabalho (Idem, 2001), a predominância do modelo
1986.
burocrático-taylorista (Costa, 2008) e a subversão de princípios e de finalidades
educativas (OCDE, 2001).
GUIMARÃES,Samuel–.in“‘2xEspelhoseIdentidades’–ProjectocomEscolas
2010/2011”.PesodaRégua:ServiçoEducativodoMuseudoDouro,2011.
LENCASTRE,MarinaPrietoAfonso;LEAL,RuiMarcelino–
. in GUIMARÃES, Samuel; MANY, Eric – “A Metodologia de
TrabalhodeProjecto”.ColecçãoComoAbordar.Lisboa:Areal,2006.ISBN9789726279129,
No caso português, apesar de se terem ensaiado reajustes nas escolas às novas e
complexas exigências sociais, a verdade é que em termos substantivos as “medidas
reestruturadoras”
não
ultrapassaram
o
carácter
discursivo
devidamente
institucionalizado pelos respectivos normativos, afigurando-se perversas e inexequíveis
porque, e como referencia Morgado e Paraskeva (2000), entaladas entre o controlo por
pp.100122.
parte da administração central que restringe, e o abandono por parte das leis do mercado
que desampara.
SILVA, Mariana de Almeida Oliveira e –
RelatóriodeEstágioapresentado
àFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoparaobtençãodoGraudeMestreemHistória
daArtePortuguesa.Porto:FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto,2011.
Como constatámos, e parafraseando Bauman (1991), a modernidade ainda está
connosco. O peso da herança do passado entranhou-se nas instituições escolares ao
replicar um modelo secular criado no final do século XIX, com um cariz iminentemente
intelectual, o qual sujeita os alunos a pretensas verdades científicas inquestionáveis em
prol de interesses económicos. O descrédito da dimensão humana catapultou a
dificuldade em harmonizar a força económica com a sociocultural e as repercussões
fazem-se sentir na contemporaneidade. Neste sentido, valerá a pena fazer uma reflexão
em torno dos três baluartes da Revolução Francesa - a Liberdade, a Igualdade e a
230
2.
Fraternidade - cujos princípios que os norteiam têm sido aplicados de forma distorcida.
Alexander Bos (1986) sustenta que o descalabro do sistema social ocidental se deve ao
facto destes três ideais terem actuado em campos errados, nomeadamente: a igualdade
actuou na vida cultural produzindo a massificação e a trivialidade; a liberdade actuou na
231
vida económica originando o liberalismo que conduz à libertinagem gerando graves
Com base em entrevistas feitas a artistas2, no âmbito de um trabalho de
injustiças sociais; a fraternidade actuou na política fazendo espoletar “lutas” entre
investigação, cuja pretensão foi a de abarcar e de congregar várias linguagens artísticas
facções.
com vista a auscultar repercussões da obra na vida dos entrevistados, duas faces que se
Na linha de Bauman (1991), vivemos actualmente um período de pós-
entretecem e se desafiam, estes emitiram testemunhos3 valiosos que nos permitem
modernidade que consiste não numa ruptura, já que nenhum projecto histórico se
aventar que os referidos artistas, com a consciência de que o ser humano encerra
concluiu e se descarta, mas de “(…) uma recusa em se inscrever numa história em
múltiplas identidades as quais são marcadas por múltiplas trajectórias, aventuraram-se a
progresso” (Cauquelin, 2009: 88). A pós-modernidade constitui uma espécie de
“fazer o múltiplo”4 que se afigura como "(...) uma espécie de criação contínua que, sem
automonitorização da modernidade que, tendo atingido a maioridade, suscita a
parar, remodela a forma da experiência" (Perniola, 1998: 25), rompendo a forma
reelaboração de um pensamento sobre a essência e a vocação do homem e da
moldada e criando uma outra consciência que tem implícita uma outra realidade. E
humanidade (Lúcio, 2008) e, subsequentemente, um novo entendimento acerca da
fizeram-no com a percepção de que não transportam a verdade, mas que a procuram e,
função do ensino/ educação.
portanto, trilham o caminho com humildade e sentido de responsabilidade, sempre
Contrariamente à ideia estável, preexistente e fragmentada de sujeito, o ser
numa pesquisa constante, através da experimentação ancorada no real. Mergulhados no
humano afirma-se na sua integralidade como um projecto em devir, cuja essência “(…)
caos, abraçam a actividade criadora e produzem simbioses e intercâmbios do consciente
consiste em estar para além de qualquer essência definida” (Cabral, 2001) pois, e como
e do inconsciente, do real e do não real, vertebrando a força sensível na figura de
declara o cientista Damásio (2000), é possuidor de um fenómeno biológico denominado
objectos artísticos, que constituem “agenciamentos”5, os quais, por sua vez, se conectam
de consciência alargada que contém em si o substrato da identidade e da pessoalidade.
a outros “agenciamentos”, num processo harmónico e desarmónico, com antíteses e
Então, provavelmente o homem tem vocação para ser um espírito livre e, nestas
sínteses, e assim ampliam conexões e elasticizam o interior criando outras dimensões,
circunstâncias, a liberdade é algo susceptível de se conquistar através da construção
pensamentos e relações com o mundo. Os artistas referenciados não seguem uma
individual na vida colectiva, com participações idiossincráticas sempre numa
necessidade lógica, mas um desejo porque a ordem dos objectos submete-se a um
"comunicação activa" com o outro, para que a experiência do ser humano no mundo
desejo arbitrário. Deste modo, dão liberdade aos seus valores, às suas capacidades e
integre “(…) la prise de conscience capitale de l'inter-solidarité humaine et de la
communauté de destin planétaire" (Morin, 2002).
2
3.
Chegados a este ponto da nossa reflexão, questionamo-nos: num tempo tão lábil,
em constante metamorfose, determinado pela aceleração do tempo e pela consequente
expansão do espaço que a tecnologia estimulou, um tempo que perdeu o seu pivô, em
que tudo se configura numa dinâmica mais rizomática1, não deveria ser função das
escolas preocuparem-se em dotar o ser humano de uma estrutura capaz de conviver com
as complexidades quotidianas capacitando-o a exercitar os “(…) instrumentos de
pensamento e de cultura que lhe permitem agir como autor do seu tempo cultural e
humano” (Lúcio, 2008: 37)? Nesta conformidade, poderá a educação estética ter
condimentos para se assumir como um modelo capaz de induzir à unidade do
conhecimento e à emancipação do ser humano?
1
Deleuze e Guattari, 1980.
2
232
Refira-se que os artistas entrevistados foram: o escritor António Alçada Baptista, o maestro António
Victorino D’Almeida, o professor Jacinto Rodrigues, a pintora Helena Abreu, o ex-Bailarino Jorge
Salavisa, oo actor Ruy de Carvalho, o Escultor José Rodrigues e o cineasta Fernando Lopes. As
entrevistas constam, na íntegra, na obra “o belo e a vida” (Silva, 2010).
3
Fazemos constar nesta Comunicação, alguns fragmentos das entrevistas. Escritor: “descobri muita coisa
a escrever”; maestro: “Nem por sombras, todas as notas que a gente toca são tão importantes como as
outras (…) a cidadania está em nós darmos o devido e correspondente valor a cada som que sai, no caso
do pianista, de cada dedo.” Pintora: “(…) a pintura acho que me liberta de (…) aspectos negativos do meu
temperamento (…) eu sou baixa e acho que as mulheres altas são mais bonitas para contemplar, então
passo a contrariar a minha natureza interior e a fazer as pessoas mais esguias”; actor: “Eu quando estudo
um papel tenho de procurar as emoções que estão no personagem que faço, (…) Ser actor implica um
maior conhecimento do meu semelhante, por isso é que eu gosto tanto do meu semelhante, porque ele é a
fonte da minha riqueza; escultor: “Vêm ao de cima facetas que não conhecia, sensibilidades, sobretudo
sentimentos, estados de alma, estados metafísicos. O nosso corpo todo funciona, não é só a mão ou a
cabeça, tudo funciona. São páginas de um diário, são páginas…(…) a arte pode ajudar a encontrar uma
certa estabilidade. Para mim, funciona quase como um … sossega-me, vou dialogando no silêncio, é o
diálogo comigo próprio. Papel branco ou então o barro, converso com eles (…) Umas vezes eu comando
o barro, outras vezes o barro é que me comanda a mim, dialogamos os dois (…) Não há vencidos nem
vencedores.”; cineasta: “o cinema olha para as imagens, (…) o cinema foi (…) uma forma quase, diria,
dramatúrgica, de eu fazer a minha vida. (…) ajuda-me a conhecer as pessoas (…) permite-me exorcizar
fantasmas meus e fantasmas dessas pessoas. (…) Cada vez que eu faço um filme liberto-me de alguns
fantasmas. Vêm outros a seguir”.
4
Expressão de Deleuse e Guattari, 1996.
5
Expressão de Deleuse e Guattari, 1996.
3
233
talentos, e cunham a realidade com a sua subjectividade propondo-se alterar a ordem da
esfera do real.
Nesta contextura, aventurar-nos-íamos a afirmar que vida e obra poder-se-ão
Referências bibliográficas
- Bauman, Z. (2007). Modernidade e Ambivalência. Lisboa: Relógio D’Água Editores.
conjugar, através das manifestações expressivas das artes, constituindo alianças, já que
- Bos, A. (1986). Desafios para uma pedagogia social. Brasil: Editora Antroposófica.
ambas são rizomáticas, e portanto têm como tecido a conjugação “e… e…e …” e a
- Cabral, F. S. (2001). Ética na sociedade plural. Coimbra: Tenacitas.
força suficiente para sacudirem e desenraizarem o verbo ser. (Deleuze e Guattari, 1996:
19).
Concluiríamos dizendo que uma verdadeira aprendizagem terá de deixar de ser
um processo instruído para passar a ser um processo cultural que mergulha nas raízes
mais profundas do indivíduo, susceptível de produzir incontáveis fluxos e refluxos,
actuante
nos
espaços
das
suas
mun-
dividências onde se integram os contextos sócio-culturais. Um processo que,
conjugando a verdade da ficção e a ficcionalização da verdade, constrói de modo
interactivo, os lacunares planos da existência, sempre na procura de um núcleo de
sentido.
- Cauquelin, A. (2009). Arte Contemporânea. Mem Martins: Publicações EuropaAmérica.
- Costa, J. A. (2008). “Modelos Organizacionais de Escola e Qualidade de Ensino: O
Futuro em Incursão Especulativa”. Actas do V Seminário Regional de Política e
Administração da Educação do Nordeste e VI Encontro Estadua de Política e
Administração da Educação/RN – Política, Gestão e Qualidade do Ensino. Organização:
ANPAE/Nordeste e UFRN/Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Natal.
- Damásio, A., R. (2000). O sentimento de si - o corpo, a emoção e a neurobiologia da
consciência. Mem Martins: Publicações Europa-América.
- Deleuze, G. e Guattari, F. (1996). Rizoma. Mil Platôs. S. Paulo: Editora.
- Lúcio, A. Laborinho (2008). Educação, Arte e Cidadania. s/l: Temas & Debates.
- Morgado J. C. e Paraskeva J. M. (2000). Currículos: factos e significações. Porto:
Edições Asa.
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International de Recherches et Études Transdisciplinaires, nº 16, disponível em
http://perso.club-internet.fr/nicol/ciret
- OCDE (2001). Quel Avenir pour nos Écoles? Paris: OCDE, Centre pour la Recherche
et l’Innovation dans l’Enseignement.
- Perniola, M. (1998). A estética do século XX. Lisboa: Editorial Estampa.
- Silva, S. S (2010). O belo e a vida. Porto: Ecopy.
4
234
5
235
A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DE MÁRIO DE ANDRADE NA CRIAÇÃO
DOS CEUs DA CIDADE DE SÃO PAULO
O Brasil fortemente marcado pelas raízes européias, indígenas e africanas,
pode ser reconhecido pelo predomínio e a hegemonia da identidade branca, de
moral judaico-cristã, heterossexual e dos grupos dominantes economicamente.
Susete Rodrigues da Silva
suseterodriguesaraujo@gmail.com
Instituto de Artes da UNESP
Mas não só, nosso povo é miscigenado e o encontro das diversidades culturais
está presentes desde a nossa fundação. Segundo Ribeiro (2006), que estudou
profundamente as raízes culturais do povo brasileiro, a cultura brasileira surge
como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes
formadoras, fortemente mestiçada.
Tema: Educação/Arte/Desenvolvimento
Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional,
Palavras Chaves: artes, educação, cultura, não formal, popular.
um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado
dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao
contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América,
RESUMO: Essa pesquisa refere-se ao estudo do pensamento vivo de Mário de
por exemplo, que são sociedades multiétinicas regidas por
Andrade presente nos Centros de Educação Unificados (CEU’s) da cidade de
Estados unitários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos
São Paulo. Pretende investigar as influências que os CEU’s, receberam do
interétnicos, os brasileiros se integram em uma única etnia
ideário modernista e das concepções político-culturais elaboradas por Mário de
nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma
Andrade quando diretor do Departamento de Cultura, no final da década de
nação unificada, num Estado uniétnico. (RIBEIRO, 2006: 19, 20)
trinta na cidade de São Paulo. Iremos traçar paralelos entre os Parques Infantis
e os Centros de Educação Unificados, tecendo as relações entre a cidade
Modernista e a São Paulo contemporânea.
Portanto o Brasil é uma nação multirracial e multicultural e nesta perspectiva de
compreender
a
ideia
de
pertencimento
como
conquista
social,
tem
demonstrado competência em construir políticas públicas com capacidade de
melhorar a qualidade educacional e cultural do Brasil, porém o que temos
1.0 A CIDADE DE SÃO PAULO E A CULTURA
assistidos ao logo dos tempos é a descontinuidade dessas políticas, que são
Pensando na cidade de São Paulo como uma cidade polarizada pelas
Estado brasileiro politicamente é elitista, autoritário e antidemocrático no que se
carências profundas e privilégios cristalizados, criar um projeto da dimensão
refere às políticas públicas e a condução do que compreendemos por Cultura.
dos CEU’s é uma grande ousadia, pois seu escopo prevê a tentativa de
quebrar com as hierarquias culturais estabelecidas nesta cidade e demarcar
com as comunidades locais de cada CEU sua identidade cultural, considerando
as culturas locais, as possibilidades heterogêneas e diversidades identitárias
das várias são-paulos existentes na cidade.
criadas e logo abortadas pelo poder político. É preciso reconhecer que o
Se examinarmos o modo como o Estado opera no Brasil,
podemos dizer que, no tratamento da cultura, sua tendência é
antidemocrática. Não porque o Estado é ocupado por este ou
aquele grupo dirigente, mas pelo modo mesmo como o Estado
visa a cultura. Tradicionalmente, procura capturar toda a criação
social da cultura sob o pretexto de ampliar o campo cultural
1
236
2
237
público, transformando a criação social em cultura oficial, para
Cultura (DC) da cidade como prolongamento da Universidade de São Paulo.
fazê-la operar como doutrina e irradiá-la para toda a sociedade.
Paulo Duarte e Mário de Andrade com o apoio de jornalistas e intelectuais
Assim, O Estado se apresenta como produtor de cultura,
constroem o projeto que irá criar o Departamento de Cultura da cidade com
conferindo a ela generalidade nacional ao retirar das classes
aval do então prefeito Fábio Prado e do governador do estado de São Paulo
sociais antagônicas o lugar onde a cultura efetivamente se realiza.
Armando de Salles Oliveira. Recebe influências modernistas, da “Escola Nova”,
(CHAUI, 2006: 134)
apresenta espírito crítico de pesquisa e experimentação. O Departamento de
As tentativas de mudar a ótica através de políticas inovadoras, que consideram
o povo como produtor de cultura, tiveram e têm lugar na história brasileira.
Podemos apontar como projetos inovadores desta natureza os Parques
Infantis e os Centros de Educação Unificados. Uma semelhança que nos
chama a atenção é que ambos foram duramente criticados por suas
qualidades, inclusive pelos prefeitos sucessores, que apesar de criticarem os
projetos, deram continuidade às construções previstas. Porém as propostas
foram desvirtuadas e desconstruídas com o intuito de apagar a marca do outro
governo e a memória de seu povo. Isto tem ocorrido com frequência no âmbito
educacional e cultural brasileiro. Talvez seja um dos maiores desafios: dar
continuidade às políticas públicas, independente da mudança de governo, e
não permitir o retrocesso que destroem excelentes iniciativas.
para
concatenar
essas
energias
e
orientá-las
politicamente, com clara consciência dos riscos de retrocessos e
das possibilidades de liberação que elas ensejam. O povo
brasileiro pagou, historicamente, um preço terrivelmente alto em
lutas das mais cruentas de que se tem registro na história, sem
conseguir sair, através delas, da situação de dependência e
opressão em que vive e peleja... (RIBEIRO, 2006: 22, 23)
2.0 OS PARQUES INFANTIS DE MÁRIO DE ANDRADE
Na década de 30, na Era Vargas, Mário de Andrade participa da gestão dos
Ilustrados e Intelectuais na cidade de São Paulo, dirigindo o Departamento de
3
238
a legislação municipal assume uma diretriz cultural para a cidade de São
Paulo. O DC tinha como meta atuar como uma “instituição de expansão cultural
no seio do povo” para promover a “elevação cultural do povo”. Mário de
Andrade propôs um conceito democrático de cultura, “uma relação pedagógica”
entre as várias dimensões que ele estava tentando sintetizar: o nacional e o
universal, a cultura do “povo” e a cultura “erudita”, o moderno e o tradicional, a
criatividade e a experimentação artística individual e a importância da arte no
enriquecimento da vida da comunidade. A criação dos Parques Infantis é um
marco na história da Educação, garantiu o direito à infância, criando a primeira
rede pública de atendimento à criança pequena. Criados inicialmente como um
projeto de educação não formal para atender os filhos dos operários,
posteriormente, dá origem ao que conhecemos, hoje, como rede de educação
O grande desafio que o Brasil enfrenta é alcançar a necessária
lucidez
Cultura e Recreação foi criado oficialmente em maio de 1935. Pela primeira vez
infantil da cidade de São Paulo.
Mário de Andrade não foi um antecipador de demandas,
interessado em amenizar os conflitos de classe; ele estava
mesmo interessado em educar os filhos das famílias operárias,
elevar sua cultura através da arte, resgatando a produção cultural
dos setores populares para tirar o Brasil do atraso, preocupado
com a construção da identidade nacional. Portanto, mesmo sendo
difícil, ou quase impossível definir as especificidades nacionais
naquele momento, ele tinha um projeto cultural que englobava
atores habilmente excluídos: as crianças e a classe operária (...)
Para tirar o Brasil “do atraso” e construir uma nação moderna, os
intelectuais das décadas de 20 e 30 acreditavam na reforma da
educação e do ensino e só dispunham do poder das idéias, porém, com
4
239
a “estreiteza dos espíritos”, o que fazer? Mário de Andrade acreditou
mudança contribuirá para o principio de cidade educadora, bem como o da
que poderia ser através da administração pública. (FARIA 1993: 6 e 7)
rede de proteção social instituídos na cidade de São Paulo.
Mário de Andrade, católico, humanitário, recebeu influência unanimista e
marxista, defendia o ócio macunaímico através dos seus escritos e da atuação
política que chamou de “arte-ação”, contradizendo o capitalismo industrial de
Getúlio Vargas. Era um homem apaixonado e feliz até então, devotou boa parte
de sua vida ao Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Sua gestão
Podemos observar semelhanças entre os Parques Infantis e os Centros de
Educação Unificados, os dois projetos foram criados para atender populações
periféricas e carentes. A periferia descrita por Mário de Andrade era a de uma
população imigrante para a qual o acesso ao idioma brasileiro era crucial. A
preocupação que Mário tinha com as diferentes culturas, o respeito à criança,
deixou um Patrimônio Cultural importantíssimo para a cidade de São Paulo.
ao povo brasileiro encontra-se muito presente neste momento histórico de
3.0 OS CEU’s E A INFLUÊNCIA DOS PARQUES INFANTIS DE MÁRIO DE
do CEU: a valorização a diversidade cultural e a cultura da infância.
criação dos CEUs. Podemos notar que este é um dos eixos centrais do projeto
ANDRADE
Os CEUs foram criados pelo Governo da Reconstrução, liderado pela prefeita
Marta Suplicy, entre os anos de 2001 a 2004, nasce nesta perspectiva de
cidadania cultural combinando gestão participativa e qualidade social da
educação. Buscou-se valorizar, reconhecer, respeitar e partilhar as culturas
locais dos 21 CEUs, considerando a cidade heterogênea e cada CEU único e
plural ao mesmo tempo. A concepção dos CEUs recebe influência de diversas
iniciativas inovadoras que a história da educação nos revela. Esta pesquisa
enfatiza as influências recebidas dos Parques Infantis e do ideário modernista
da gestão de Mário de Andrade, porém destacamos as influências recebidas
dos projetos que fazem referência à “Escola Parque” idealizada pelo educador
Anísio Teixeira, lançado na Bahia em 1950.
Os Centros de Educação Unificados foram construídos em regiões periféricas
da cidade de São Paulo, onde o “Mapa da Exclusão Social” (SPOSATI, 2001),
apontava pouca ou nenhuma presença do poder público, alta concentração de
pobreza, locais sem equipamentos públicos de cultura e lazer e altos índices de
violência urbana. Com a implantação dos vinte e um CEUs na primeira fase, a
cidade muda significativamente o quadro de equipamentos públicos de
educação e cultura, expandindo a quantidade de bibliotecas de 67 para 88
(aumento de 30%), telecentros de 52 para 73 (40%), piscinas de 61 para 128
BIBLIOGRAFIA:
ANCONDA LOPEZ, Telê. Mario de Andrade: Ramais e Caminho. São Paulo:
Duas Cidades, 1972.
ANDRADE, Mário. Taxi e Crônicas no Diário Nacional; estabelecimento de
texto, introdução e notas de Telê Ancona Lopez. São Paulo: Duas Cidades,
Secretaria de Cultura, Ciências e Tecnologia. 1976.
________. Macunaíma. São Paulo: Martins Fontes. 1962.
CHAUI, Marilena. Cidadania Cultural. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2006.
COUTINHO, Rejane. A coleção de Desenhos Infantis do Acervo Mário de
Andrade. Tese de doutorado, São Paulo: ECA-USP, 2002.
DORIA, Og Roberto. Educação, CEU e cidade de São Paulo: breve história da
educação pública brasileira na cidade de São Paulo, São Paulo- SME, Livraria
do Arquiteto, São Paulo, 2007.
DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec,
Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977.
FARIA, Ana Lúcia, G. D. O direito a infância: Mario de Andrade e os Parques
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Tese de doutoramento, USP, São Paulo, 1993.
GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da
Modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
GOBBI, Marcia. “Mario das Crianças”. Campinas, SP: Jornal da Unicamp,
edição 310 de 2005.
(109%) e os teatros aumentaram 300%, passando de sete para 21. Esta
5
240
6
241
PADILHA, Paulo Roberto, Roberto da Silva, (orgs). Educação com qualidade
social: a experiência dos CEUs de São Paulo. São Paulo: Instituto Paulo Freire,
2004.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 2006.
A DANÇA, SUAS INTERFACES COM AS DIFERENTES
LINGUAGENS E OS POSSÍVEIS REBATIMENTOS PARA O ENSINO E
APRENDIZAGEM DA ARTE NA CONTEMPORANEIDADE
Ana Paula Abrahamian de Souza
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
SPOSATI, Aldaíza. Cidadania em pedaços. São Paulo: Brasiliense, 2001.
Na presente comunicação busco, a partir da discussão sobre as mudanças no mundo
das artes na contemporaneidade, refletir sobre o campo epistêmico da Arte/Educação
numa perspectiva interdisciplinar. Longe de estar pleiteando o retorno a polivalência
do ensino de Arte, muito menos propondo a indiferenciação das linguagens artísticas,
reporto-me a algumas questões que trago para a reflexão neste encontro: Como a
interdicisplinaridade se define quando a intenção é refletir sobre o ensino e o
aprendizado de Arte? Como pensar num ensino e aprendizado em Arte atravessado
pela interdisciplinaridade se temos, cada vez mais, especialidades e especialistas?
Como formar professores/artistas/pesquisadores que possam transitar no território
híbrido da arte contemporânea? De que forma possibilitar aos nossos alunos e alunas
o trânsito entre linguagens artísticas sem compartimentá-las e disciplinrizá-las?
Palavras- chave: Arte; interdisciplinaridade; ensino e aprendizagem da Arte
Teias entre o mundo das Artes e o seu ensino: reflexões sobre a
interdisciplinaridade
A mudança no mundo das Artes está constituída por peças que desafiam cada
vez mais a existência de códigos estabelecidos, procurando outras maneiras de se
fazer dança, ora privilegiando o corpo, o contexto, ou o conteúdo e interagindo com
novas formas de expressão artística surgidas na manipulação ilimitada das tecnologias
como o vídeo, a holografia, a comunicação computadorizada, etc. (BANES, 1980),
devendo ser assumida como um texto cujos significados são negociados a cada
vivência/experimentação, sendo processo, e não produto, de criação/recriação do
homem com seu mundo (GHERES, 2008).
Com relação à dança e suas interfaces com outras linguagens artísticas,
percebe-se que isto não é um advento novo, pois já nos anos de 1960 e 1970, nos
Estados Unidos, artistas de diferentes vertentes se reuniam para experimentações na
Judson Memorial Church. Por lá passaram nomes como o coreógrafo Merce
Cunningham e o músico John Cage, rendendo uma parceria histórica e marcante. A
dança como ruptura, como busca do novo, da expressão individual marcada por
7
inusitados espaços cênicos, fez de outros meios e instrumentos da busca estética na
renovação do repertório e do espaço significativo para a atuação, inaugurando um
242
243
novo processo dentro da tradição do movimento expressivo. A grande variedade de
Desta forma, um ensino interdisciplinar no campo da Arte é uma relação de
representação e de trabalhos interdisciplinares envolvendo teatro, dança, mímica,
reciprocidade, de mutualidade, de um regime de colaboração e interação, que irá
ópera, musica, mídia, artes plásticas, leva a uma nova classificação dos gêneros de
possibilitar uma relação dialógica entre as diferentes linguagens, mas sem perder suas
representação cênica, em uma infinita combinação por justaposição as quais vão
especificidades. Assim,
recheando os novos trabalhos cênicos, de individualidades e diálogos, em que
multiplicidade a variedade de corpos, as expressões, as linguagens, espaços cênico e o
público alvo são a marca principal.
A década de oitenta, fase denominada da era do Bricolage, sustentou a
interdisciplinaridade e a ousadia na experimentação, quando coreógrafos e dançarinos
buscaram no teatro, na mímica, na acrobacia, na esgrima ou no canto, por exemplo,
técnicas de enriquecimento para suas performances. É premissa ressaltar aqui o
trabalho de Pina Baush, que se firmou nesta década como um dos marcos da dança de
nosso século. Suas coreografias perpassam os diferentes meios artísticos usados,
criando uma nova e única linguagem.
Paradoxalmente aos contextos interdisciplinares, polimórficos e híbridos do
cenário artístico contemporâneo, um forte movimento conservador ainda insiste em
permanecer nos espaços escolares, apesar do ensino da arte desde a década de 1970
ter se constituído “numa questão socialmente problematizada” (AZEVEDO, 1997) e
as décadas subsequentes terem sido marcadas por um conjunto de discussões políticas
e conceituais sobre o ensino da arte - marcadamente das artes visuais (AZEVEDO,
2002; BARBOSA, 2005, 2002, 1998; RICHTER, 2002), onde o eixo interdisciplinar
foi um dos elementos estruturantes deste novo paradigma no campo da
a pesquisa interdisciplinar somente torna-se possível onde várias
disciplinas se reúnem a partir de um mesmo objeto, porém é
necessário criar-se uma situação problema no sentido de Freire
(1974), onde a ideia de projeto nasça da consciência comum, da fé
dos investigadores no reconhecimento da complexidade do mesmo
e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a cada duvida ou
a cada resposta encontrada (FAZENDA, 2004).
Torna-se premissa aqui refletirmos acerca do perigo da proliferação de
práticas intuitivas que em nome da interdisciplinaridade se apropria de modismos,
abandonando a historia construída por um grupo de docentes, substituindo-a por
slogans e hipóteses, muitas vezes improvisadas e mal elaboradas. Superficialidade dos
conceitos, das práticas e dos registros, nos impede de garantir a legitimidade ao que
produzimos, fazemos ou escrevemos.
O que quero dizer com isso? que muitos professores de arte, encarcerado em
suas “gaiolas” epistemológicas, desconhecem a estrutura das demais linguagens
artísticas e as demais áreas do conhecimento, dos seus objetos, estruturas e funções no
currículo. Precisamos um novo tipo de ensino que possa sair da retórica vazia e sem
significado das nossas práticas sociais de ensino e aprendizado em Arte. E aqui boa
vontade e experiência profissional apenas, não é suficiente.
Arte/Educação.
Sobre o princípio da interdisciplinaridade, que no início da década de 1990
tornou-se temática emergente dos mais representativos eventos sobre formação de
Universo epistemológico da arte e seu universo pedagógico: obstáculos e
possibilidade de um trabalho interdisciplinar
educadores1 a professora Ivani Fazenda nos alerta que
o termo “interdisciplinaridade” não possui ainda um sentido único e
estável e que, embora as distinções terminológicas sejam inúmeras,
seu princípio é sempre o mesmo: caracteriza-se pela intensidade das
trocas entre especialistas e pela integração das disciplinas num
mesmo projeto de pesquisa (FAZENDA, 2007, p. 30).
1
No Brasil, o eixo interdisciplinaridade foi temática emergente nos encontros da ANPED – associação
Nacional de Pós-graduação em Educação, dos Encontros Bienais de Professores de Didática e Prática
de Ensino (ENDIPE) e da Conferência Brasileira de Educação (CBE).
244
Nos limites deste texto, procuro refletir neste momento sobre os obstáculos e
as possibilidades para a efetivação de uma proposta interdisciplinar para o ensino e
aprendizagem em Arte na contemporaneidade. Trago à cena a fala da Professora Ivani
Fazenda que, em sua tese de livre-docência nos fala que
[...] o ensino interdisciplinar nasce da proposição de novos
objetivos, de novos métodos, de uma pedagogia, cuja tônica
primeira é a supressão do monólogo e a instauração de uma prática
dialógica. Para tanto, faz-se necessária a eliminação de barreiras
245
entre disciplinas e entre pessoas que pretendem desenvolvê-las [...]
(FEZENDA, 2004, p. 30)
Transpondo esta fala para o campo da Arte/Educação, tal projeto poderia ser
viabilizado se fossem discutidos alguns obstáculos, como:
1. Obstáculo de ordem epistemológica – a interdisciplinaridade só se faz presente
quando forem respeitadas as verdades e a especificidade de cada linguagem
artística;
2. Obstáculo de ordem institucional – torna-se premissa a eliminação das
barreiras entre as linguagens artísticas e as demais disciplinas do currículo, o
que exige a quebra da cultura da instituição, que, de certa forma, ainda reforça
o discurso fragmentado e engavetado das disciplinas. Precisamos de uma
estrutura dialética, não linear e não hierarquizada, onde o mais importante do
que o produto é o processo.
3. Obstáculos quanto à formação – o desconhecimento do real significado de um
projeto interdisciplinar em arte, falta de formação e informação específica,
acomodação à situação já estabelecida e sedimentada. Precisamos de
condições humanas ou seja, um novo tipo de profissional com novas
características, as quais ainda estão sendo ensaiadas.
4. Obstáculos de ordem material – para efetivarmos tal proposição é primordial
um planejamento do espaço e tempos diferenciados na grade curricular.
AZEVEDO, Fernando A. G. Multiculturalidade e um fenômeno da História da
Arte/Educação Especial. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças
no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1997.
BANES, Sally. Terpsicore in sneakers. Boston: Houghton Mifflin, 1980.
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: Leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2005.
BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002.
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São
Paulo: Edições Loyola, 2007.
FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2004.
GEHRES, Adriana de Faria. Corpo-Dança-Educação na contemporaneidade ou da
construção de corpos fractais. Lisboa: Instituto Piaget, 2008.
RICHTER, Ivone Mendes. Multiculturalidade e interdisciplinaridade. In: BARBOSA,
A. M. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.
É notório que os obstáculos são muito – e difíceis de serem transpostos! Mas
podemos também pensar no valor e na aplicabilidade da interdisciplinaridade entre as
linguagens artísticas a partir de suas possibilidades de efetivação. o processo
pedagógico precisa se fundamentar no diálogo, tanto entre as pessoas quanto entre as
disciplinas “hoje mais do que nunca, reafirmamos a importância do diálogo, única
condição possível de eliminação das barreiras entre disciplinas. Disciplinas dialogam
quando as pessoas se dispõem a isto (FAZENDA, 2003, p. 50).
Mas eliminar as barreiras entre disciplinas é um gesto de ousadia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
246
247
Figuras do acontecimento: atenção e escuta na arte do encontro.
experiência de desencontro com nós mesmos. E, afinal, o que é de uma pesquisa que não encontra
em seu curso o desconhecido e o imponderável? O que é do trabalho do pesquisador quando ele
Fabiano Ramos Torres1
mesmo não se modifica ao longo desse curso?
É neste contexto que o texto “ Tecnologias de modulação na contemporaneidade: educação
O ensejo dessa rescrita abre margens para se pensar dois conceitos de fundamental
artística como dispositivo de controle” apresentado no “2 Eiea”, ao ser repensado após o encontro
importância nos encontros, congressos, nas universidades, nos centros de pesquisa entre tantas
se nos apresentou como um texto estranhamente familiar. Os encontros marginais – aqueles que
outras ocasiões em que grupos heterogêneos de pessoas, linhas de pesquisa e abordagens temáticas
acontecem fora da programação oficial – são eles que fazem irromper aquilo que no que foi pensado
se cruzam. Esses dois conceitos são: encontro e acontecimento. Pelo primeiro pode-se pensar os
ficou impensado. São esses conteúdos que retornam e pedem para ser pensados. Pode-se destacar,
efeitos produzidos no pesquisador e na pesquisa mediante as convergências, os influxos, as tensões,
com isso, que o trabalho de rescrita é semelhante ao trabalho de elaboração ( durcharbeitung ). Este
os ajustes e encaixes possibilitados pelo diálogo – ou a tentativa do mesmo – pelas identificações,
conceito, de extração freudiana e reativado por Jean François Lyotard, supõe um trabalho que “se
pelo estranhamento frente ao outro e, quiçá, um estranhamento frente a nós mesmos. Falar de um
realiza através”. Mas através de quê, no 2 Eiea, este trabalho se realizou? Através justamente do
encontro é trazer a possibilidade de uma experiência, de um mergulho em dimensões desconhecidas
desencontro. Que deslocamentos foram produzidos na ideia apresentada na ocasião? A apresentação
e conflituosas que nos pedem olhar para aquilo que até então permanecia à margem de nossos
tinha por objetivo comunicar que a educação está inserida num processo de generalização estética
recortes teóricos. O sentido da pesquisa enquanto campo de experiência, exige assim uma abertura
que atinge a quase totalidade dos países capitalistas. Esse processo de generalização do estético é
no território que ajudamos a constituir, sobretudo suas bordas e limites. Dai que um “encontro” é
compreendido como aquele em que há um abuso estético, um agenciamento da sensibilidade por
justamente a oportunidade, talvez tímida, que o pesquisador tenha para se lançar na aventura
parte do capitalismo avançado, dito pós-industrial, em que vigoram, como novos paradigmas,
intelectual da pesquisa enquanto experiência: algo que vai ao encontro e de encontro àquilo que
procedimentos e atitudes geralmente associados ao campo artístico.
constituímos como territórios da segurança. Chegar a um encontro, ou estar aberto à possibilidade
Isso significa que o capitalismo torna o agenciamento da sensibilidade uma de suas
do encontro no Encontro, é estar disposto a ser afetado por uma certa violência do imponderável,
principais ferramentas. Agenciamento da sensibilidade significa uma operação de captura dos
daquilo que não pode ser previsto e, por isso mesmo, escapa ao território de nossos cálculos, teorias,
afetos, paixões, instintos, pulsões, feita por um especialista que passa a ser, ao mesmo tempo,
previsões, metas, programas, projetos, planejamento e também - e sobretudo - de nosso próprio
aquele que estuda e produz: o trabalhador e o pensador. Designers, arquitetos, publicitários,
pensamento. Aqui é possível, então, falar do segundo conceito: o acontecimento. E para pensar o
marqueteiros, decoradores, estilistas, promoters, socialites, personal trainers recorrem
acontecimento no encontro pode-se evocar algumas figuras conhecidas de todos aqueles que alguma
verdadeiro banco de afetos e pulsões capazes de suscitar desejos, vontades, sonhos. O trabalho
vez já participaram de um encontro: os corredores, o refeitório, as calçadas, ruas, bares, mesas,
destes profissionais é modular a sensibilidade, são especialistas na combinatória de afetos e
esquinas, jardins, os banheiros/casa de banho; pode-se evocar também a sonoridade de uma língua
emoções para serem vendido no mercado. O agenciamento também pode ser considerado como a
menor, os acentos/sotaques; as diferenças na semelhança, como, por exemplo, o encontro dos
mediação de uma negociação. O que é que se negocia no caso? O mediador é aquele que sabe como
falantes de Língua Portuguesa de diferentes países ( Portugal, Brasil, Cabo-Verde ), nos
agenciar o afeto e vendê-lo como mercadoria para um comprador. Como todo bom vendedor, ele
neologismos inventados nos desencontros dos falantes: a menina grega que ouve o estudante
dispõe de seus catálogos de cliente e produtos: cores, formas, texturas, tonalidades, matizes,
brasileiro falar portunhol. Todas essas figuras do acontecimento são velhas conhecidas nossas, todos
intensidades, mundos possíveis, mundos imaginários, seres imaginários, modos diversos de se
conhecemos a potência dos encontros em cada uma dessas situações quando nosso texto-
alcançar o prazer e a felicidade, desejo, vontade, sonho - tudo isso que se pode chamar de
comunicação-pesquisa passa a ser um tanto desfeito para dar lugar a uma nova trama, talvez início
intensidades.
de um novo tecido. Por isso a experiência de uma escrita pós-encontro pode ser também uma
1
Professor de Filosofia. Mestre em Educação pela USP – Universidade de São Paulo. Doutorando em Educação pela
mesma universidade.
a um
Associadas todas essas dimensões no campo educacional, sobretudo nesta época em que
reformas educacionais ocorrem em diversos países, percebe-se o quanto a educação passa a
produzir subjetividades adequadas às demandas da contemporaneidade.
Assim, a princípio é
1
2
248
249
possível identificar que o destaque dado à arte e à sensibilidade no mundo contemporâneo, se refere
reflexões, teorias e cálculos capazes de fazer variar um conjunto de módulos – aqui, os módulos
ao momento em que a educação passa a ser investida por esse processo de estetização generalizada.
poderiam ser cada uma das competências e habilidades ou mesmo cada um dos sujeitos envolvidos
O desejo das vanguardas em parte se cumpre: a arte disseminada na vida. Em parte o terror também
na educação.
se cumpre: a captura da arte e da estética pelo poder sobre a vida.
rearranja módulos bem como opera no campo de possibilidades – no campo dos possíveis arranjos
Que poderes estão em relação no campo da educação – e, mais especificamente, no campo
de módulos. No cenário da estetização da vida cotidiana, em que uma multiplicidade de mundos é
de constituição da Arte como componente curricular? O processo de estetização apareceria como
ofertada, oferece-se também toda uma série de possibilidades, de mundos possivelmente mais
um poderoso dispositivo da governamentalidade, a sensibilidade teria sido colonizada – e ao mesmo
seguros e felizes. É um mecanismo de regulação, uma espécie de homeostase alcançada na profusão
tempo constituída – por sistemas de administração/captura biopolítica tornado-se um dispositivo
de mundos. A vida é aquilo que oferece ao sistema capitalista uma fonte inesgotável de invenção.
dos gerenciamentos da vida. A generalização do estético diz respeito a irrupção/dispersão do
Viver, no contexto do capitalismo avançado ( cognitivo, afetivo, estético ) é inventar modos de vida.
estético na cotidianidade e à consequente adesão de toda uma população aos dispositivos de
A política, o capitalismo e a educação são estéticos porque todos se estruturam, hoje, em torno da
cooptação afetiva. Tais concepções insistiriam num programa segundo o qual sensibilidade e a arte
invenção de mundos e dos sujeitos que viverão nesse mundo.
seriam os arautos da transformação da vida. Nesse contexto, torna-se problemático o ensino de arte
A estética concilia política, educação e capitalismo. Luc Boltanski e Éve Chiapello2 mostram
mediante a perda da força de negatividade da arte que se teria esvaído quando – em se levando em
que o capitalismo contemporâneo incorpora tudo aquilo que fazia parte, outrora, do universo das
conta o processo de generalização estética – a vida mesma teria sido transformada pela arte e pela
artes. A esse fenômeno eles chamam capitalismo estético. Assim, o destaque que vem sendo dado à
sensibilidade subordinadas ao capitalismo.
arte nessas novas concepções de educação se relaciona, quer gostemos ou não, justamente aquilo
A ligação da estética com a biopolítica diz respeito aos processos de reinvenção, criação,
que fortalece e reestrutura o capitalismo avançado: invenção e criação, flexibilidade e fluidez,
manipulação, modulação da vida e sobre a vida. Tanto no aspecto individual quanto
capacidade de lidar com o inusitado, beleza, delicadeza, pluralidade cultural, saber conviver. Tudo
coletivo. Quando a criatividade, a arte e a sensibilidade são convertidos em princípio educacional, é
isso, características marcantes da Arte como componente curricular. Um sujeito diante de suas
importante se lembrar, portanto, que se está trazendo para o interior da educação esse dispositivo
potencialidades, diante do conjunto de suas habilidades e competências é conclamado a montar-se a
biopolítico do poder sobre a vida que atuam no interior dos processos de reinvenção da vida e do
si. O sujeito está diante de um baú de capacidades, de faculdades, de potencialidades. A ele é dada a
mundo. O capitalismo tomou como modelo esse aspecto fazendo com que se tornasse seu corolário:
possibilidade de “bricolar”, montar, construir um sujeito novo conforme a situação, que se espera
os mundos ofertados pelo capitalismo são mundos em constante reinvenção. É um modo de
inusitada, o exigir. Trata-se, portanto, de um jogo onde as competências e habilidades funcionam
sobrevivência estético do capitalismo, porque ele incorporou os modos de vida, os procedimentos,
como blocos de conexão. O sujeito é criado na medida em que joga. E quanto mais joga, mais ele
as práticas, as técnicas, enfim, todo um ethos artístico historicamente constituído. O capitalismo
experimenta. Experimentar é desmontar e remontar, isso é que significa jogar: fabricar a si mesmo
avançado pode, assim, ser compreendido como capitalismo estético e uma nova concepção de
por meio da experimentação. Uma espécie de bricolagem de si. A educação pode ser assim
educação, que ao tomar a estética como princípio axiológico não esteja atenta a esse fato, pode
compreendida como uma tecnologia de modulação a serviço de uma política que produz mundos
muito facilmente fortalecer os princípios do capitalismo avançado, funcionando, inclusive, como
por meio do agenciamento da afetividade. O jogo atualiza habilidades e competências conforme
uma tecnologia que forneceria ao sistema aquilo de que ele precisa. A educação seria uma
exigências eventuais, referentes a situações parciais, dadas a cada vez, e nunca numa totalidade. O
tecnologia de modulação da biopolítica. Ao investir no desenvolvimento de competências e
sujeito dai resultante é sempre um evento, um acontecimento que se molda à circunstância. Quer
habilidades para a laborabilidade – capacidade de inventar, por exemplo – as reformas educacionais
dizer, essa modulação eventual só é possível ao se recorrer ao estoque de habilidades e
oferece ao sistema capitalista atual toda uma população preparada para lidar com os desafios do
competências. Trata-se da produção de uma subjetividade cujo traço talvez mais marcante seja a
mundo contemporâneo. Modulação é uma variação. Modular significa fazer variar, uma operação
plasticidade que possibilita ao sujeito criar-se e inventar-se permanentemente. O que hoje se vê é
que faz variar um conjunto de módulos. A educação compreendida como uma tecnologia de
invisível: fluxos informacionais, informações numéricas ( bits ). Na sociedade disciplinar, os corpos
modulação pode ser pensada como um conjunto de técnicas, procedimentos, estratégias, táticas,
2
3
250
Como tecnologia de modulação, a educação identifica, se antecipa, controla e
Boltanski, Luc.; Chiapello, Éve. Le Nouvel Sprit du Capialism., Gallimard, 1999.
4
251
eram vigiados; na sociedade de controle, com seu regime de máquinas informacionais, olha-se para
o invisível: números, dígitos, pulsos elétricos.
do encontro, ao frescor de cada momento, ao acontecimento como o intempestivo.
J.F. Lyotard fala de uma espécie de “ascese” como o afinamento da sensibilidade por meio
Essa é a nova “matéria” do capitalismo, o imaterial. Ao investir a educação, por meio da
da escuta do acontecimento que pode ser compreendida, também, como a instauração de um estado
generalização estética, o capitalismo avançado se apropria do ideal de formação que antes servira
de acolhimento. Acolher as descontinuidades, as fraturas; captar as relações não-lineares que todo
como norte de uma educação emancipadora e autônoma fazendo com que a educação entre em
encontro exige, uma certa disposição para acontecer: é preciso estar disposto a se modificar, a se
contradição com seus ideais ao perder seu poder de negatividade. O capitalismo investe cada vez
diferenciar. Cada acontecimento traz, assim, o seu próprio frescor, um certo devir-criança, com seu
mais nos processos próprios da dimensão estética, ligados ao trabalho do artista. A vida se estetizou,
ineditismo, que torna possível, a cada vez, novos espaços de pensamento, espaços de maleabilidade,
a empresa se estetizou e disseminou a lógica da empresa por todos os cantos, inclusive na educação.
de plasticidade.
Os produtos são formas de vida. Formas de vida são produtos. Mapear, controlar e monitorar
Escrita do acontecimento: uma atividade ou operação através da diferenciação ( de mim
formas de vida, desejos, afetos. Não é isso que, intencionalmente ou não, ocorre quando a
mesmo, da escrita, da arte, da filosofia ). Escrita, encontro e acontecimento que nos joga cada vez
sensibilidade se torna princípio educacional? À medida que a educação passa a ser investida por
mais longe de um si substancial – ou de uma essência do que quer que seja - e que, ao mesmo
esse processo de generalização do estético é necessário que se conheça, cada vez mais, o que é que
tempo, possibilita, a cada vez, o encontro com as multiplicidades.
constitui o homem como sujeito da sensibilidade. Trata-se de um desafio para a educação atual: de
lidar com potencialidades, virtualidades, quando essas são a grande mercadoria do capitalismo
avançado. Criar e inventar, ser um sujeito sensível, nos libertam e possibilitam resistir ou nos
lançam ainda mais no seio do capitalismo? A invenção é resistência mas é, ao mesmo tempo, a
essência daquilo contra o que se resiste. A inserção do lúdico no que se considera como âmbito da
austeridade – a escola e o trabalho – insere a educação no universo dos jogos: educação, política e
trabalho são como que unificados por aquilo que é próprio do jogo, a competitividade, a
criatividade e o prazer.
Em resumo, este foi o núcleo da comunicação apresentada no 2 Eiea. Comunicação está que
naquela ocasião parece não ter reverberado entre os que ali se encontravam. Silêncio. Outras
comunicações se seguem. A sessão de debates é aberta e nenhuma pergunta, nenhuma referência às
questões aventadas pela comunicação. Desencontro da proposta com os o que ali se encontravam?
Silêncio. O texto reverbera no suposto autor. Aquele que supostamente produziu aquelas questões é
então interrogado pelo seu próprio agenciamento: porque elas não afetam? Porque não
movimentam?
Então, no depois, logo ali, no refeitório, quando a velocidade requerida por uma
comunicação diminuía, na lentidão de depois do almoço foi que um outro movimento se fez
presente - mais lento, a partir de outros olhares, um outro respirar, alguém comenta:
– “Interessante...interessante essa coisa do capitalismo estético...”
E o encontro segue. Outras perguntas, outras encruzilhadas. Isso tudo possibilitou um novo
estado de atenção para a arte do encontro, uma arte da escuta, um estar aberto à imprevisibilidade
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coordenadores pedagógicos, para fazer algum tipo de decoração ou formatar a
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dança de uma festa ligada diretamente a um calendário de datas comemorativas”
(VASCONCELOS, 2011, p. 19).
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Concordo que a atividade de criação, seja com uso de elementos plásticos
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para uma finalidade decorativa, ou de elementos gestuais para um fazer cênico em
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dança, possua um viés estético e artístico, porém a produção de um objeto dirigida
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simplesmente a um único fim, dissociado de outros saberes e dissociado do
planejamento do professor, não pode ser considerado um ensino de Artes Visuais e
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efetivo e de qualidade.
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Desta forma, por meio das minhas experiências docentes, compreendo que
as práticas educativas demonstram e revelam concepções que remetem diretamente
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a narrativas históricas do ensino de Arte no Brasil, principalmente às considerações
após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Nº 5692 de 11 de
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agosto de 1971. Esta lei trouxe para o ensino de Arte brasileiro a visão da disciplina
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como um acessório, um “penduricalho curricular” e não como conhecimento
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específico (NASCIMENTO, 2005; SAMPAIO, 2006).
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Identifico, com base nas minhas experiências profissionais, que o saber e o
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fazer docente são construídos e desenvolvidos em um contexto histórico, social e
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cultural. Estes, que por sua vez, os influencia, por isso indago: que fazeres e
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saberes docentes são necessários então para a formação inicial do professor de
Artes Visuais?
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259
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CONHECER O BARROCO E ENTENDER AS COSTURAS, REGISTROS, MARCAS E
Por meio da enunciações demonstradas neste trabalho, com o relato de algumas
INFLUÊNCIAS NOS DIAS ATUAIS: RELATO DE EXPERIÊNCIA
experiências, com uso de visualidades, reconheço que há além de um vasto
ESTÉTICO/PEDAGÓGICA VIVENCIADA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DA CIDADE
território para pesquisa em ensino de Artes Visuais também a necessidade de
DO RECIFE
investigações que correlacionem teorias e práticas educativas, pensando-se a partir
Fabiana Souto Lima Vidal
da formação inicial do professor de Artes Visuais com recurso às narrativas.
Colégio de Aplicação – Universidade Federal de Pernambuco
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COSTA, S. C. M. I"&,@&%4"##%&: um estudo de representações orais e visuais de um grupo de
PALAVRAS-CHAVE: Ensino da Arte; Abordagem Triangular; Estudo do Barroco.
licenciandos da UNIVFAP. 2011. 127f. (Mestrado em Cultura Visual) – Faculdade de Artes
Visuais, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2011.
TEMA: Pensamento Contemporâneo e Educação Artística.
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NASCIMENTO, E. A. do. K7+*)1*# , )%# , )%0"# , +* , *&'" , )* , "+7$*12%A ,qual infância? que
ensino? quem é o bom sujeito docente?. 2005. 255f. (Doutorado em
Arte Educação), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.
Resumo: Este trabalho é um relato de uma experiência estético/pedagógica vivenciada em duas
turmas de 8° anos – anos finais do Ensino Fundamental – do Colégio de Aplicação da Universidade
Federal de Pernambuco, durante duas unidades do ano letivo de 2011. A experiência fundamentouse nos pressupostos contemporâneos do Ensino da Arte, a Abordagem Triangular sistematizada pela
Professora Ana Mae Barbosa. Teve o estudo do Barroco como norteador e buscou compreender as
características e influências da estética deste movimento em diferentes campos de criação, tecer
relações com questões da atualidade e com a estética da produção da artista contemporânea Adriana
Varejão, além da pesquisa e da percepção das características do Barroco na cidade do Recife.
Assim, a leitura de imagens, a contextualização e o fazer artístico, vivenciadas de forma dinâmica,
propiciaram a construção de reflexões que ampliaram o conhecimento do contexto em que vivem e
do mundo a partir de novas construções teóricas/reflexivas/estéticas.
1. Entre as aproximações com a temática do projeto e o pensar a escrita do relato
Para a escrita da experiência estético/pedagógica relatada neste artigo, busco referência em
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas e profissão docente: três facetas. In: 3&H'($*#,
Freire (2007), quando ressalta a importância do movimento constante, dinâmico e dialético do
@"+*GNG($*#O,@&%4(##2%,+%$")'",",4%&0*12%: perspectivas sociológicas. Tradução de Helena
processo de reflexão sobre a própria prática. Para esse autor a reflexão constitui-se como elemento
Faria, Helena Tapada, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa, Portugal: D. Quixote, 1994.
de análise, percepção e avaliação do processo vivenciado, podendo direcionar-se para
SAMPAIO, J. A função da arte-educação. In: 8".(#'*,5G7*&&H#L*5no 1, nº 2. julho e agosto de
(re)elaborações de novas/outras práticas.
2006. Disponível em: <http://aguarras.com.br/pdf/aguarras02.pdf>. 51%''-*%7*eU*F%$G*QReQG
d5gN4+:*>G*I*:"&"#,+%$")'"#,",4%&0*12%,@&%4(##(%)*BG*eez*%(G*@%9&bD-,#':*gI]*.-=%':*QReRG
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Nessa perspectiva, Hoffmann (2009, p. 147) entende o relato de experiência como um
“resgate do cotidiano”, sendo este um importante instrumento de avaliação e de construção de
novas práticas.
O presente relato, fruto de uma experiência estético/pedagógica vivenciada em duas turmas
de 8° anos do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, durante duas
unidades do ano letivo de 2011, toma as reflexões supracitadas e pode ser entendido como o
resultado de caminhos percorridos, sem a intenção de apresentá-los como únicos, uma vez que
entendo, que o mesmo caminho, se percorrido novamente, resultará certamente em novas reflexões,
novas construções e desdobramentos – teóricos, reflexivos e estéticos.
260
261
Para delinear o caminho a ser percorrido, parti do estudo do Barroco, temática referendada
Ampliamos os estudos com a discussão das características do barroco brasileiro,
no programa anual da disciplina de Artes. Além disso, percebi a carência de conhecimento por parte
contemplando mais especificamente, o barroco na cidade do Recife. Nesse momento, muitos
dos(as) estudantes acerca da influência/presença do Barroco no contexto em que vivem, isso trouxe
demonstraram surpresos ao começar a se deparar com imagens de lugares da cidade antes
indicativos da necessidade de expandir as vivências para além da sala de aula.
desconhecidos e carregados de historicidade. Posteriormente, nossa pesquisa se ampliou por meio
No contexto brasileiro, localizamos a cidade do Recife como possuidora de grande acervo
barroco, com destaque para a arquitetura, a escultura, os objetos sacros e o patrimônio azulejar.
Tomando como eixo norteador as contribuições da perspectiva contemporânea para o Ensino
da visita in loco, quando fomos ver/(re)conhecer/perceber o barroco em dois importantes espaços da
cidade do Recife, a Capela Dourada e a Concatedral de São Pedro dos Clérigos – importantes
igrejas barrocas do século XVII.
da Arte, a Abordagem Triangular – sistematizada ainda na década de 80 pela estudiosa da
Durante a visita aos espaços, desafiei os(as) estudantes a estimular o exercício de olhar
Arte/Educação Ana Mae Barbosa – fui instigada a buscar tessituras entre o conteúdo/temática, o
diretamente para o lugar visitado, sem lentes ou interferências entre o olho e o objeto, buscando
contexto dos estudantes e o diálogo estabelecido com a contemporaneidade.
perceber ao máximo os entalhes, as cores, os materiais, as formas.
Após a aula de campo, os(as) estudantes narraram suas impressões dos locais visitados,
2. Tessituras: entre o referencial teórico e a vivência do projeto
O desenvolvimento do projeto foi norteado pelos pressupostos da Abordagem Triangular e
tendo o desenho como registro da experiência vivenciada, desse modo, detalhes em dourado,
as três ações não hierárquicas e silmutâneas que a compõe – a leitura de imagens, a
volutas, curvas, figuras sacras e objetos religiosos que prenderam o olhar, causaram
contextualização e a produção (BARBOSA, 2009; RIZZI, 2008).
encantamento/espanto, povoaram as produções gráficas.
Iniciamos com uma roda de conversa sobre o Barroco, em seguida, os(as) estudantes
passaram a buscar informações em diferentes fontes de consultas para aprofundar o debate em um
seminário temático.
No que se refere à leitura de imagens, destaco duas imagens dentre tantas trabalhadas e que
despertaram interesse e curiosidade para o debate com os estudantes: “As Três Graças, de Peter
Paul Rubens” e “As Meninas, de Vélazquéz”. As imagens possibilitaram fazer comparações e tecer
relações com outras imagens, de obras de arte ou não, além disso, nos levou a pensar as mudanças
no conceito de beleza, juventude, a comparar vestimentas e a relação com o clima/tempo/lugar,
sobre os objetos decorativos de ontem e de hoje e as exigências da moda e da mídia, assim, tecemos
Marcelo Vinícius, 8º ano B
conexões entre o contexto das imagens e o contexto atual. Estas reflexões materializaram-se em
desenhos que, dentre outras temáticas, resultaram em leituras acerca da anorexia, da bulimia, do
consumo, da mídia e da imagem da mulher nos dias atuais.
Vladimir Pedrosa, 8º ano B
Em seguida, discutimos a estética barroca na moda, na arquitetura e no design atual,
aprofundando nosso olhar a partir de imagens de um desfile de moda realizado pelo estilista mineiro
Victor Dzenk, inspirado nas naves e no ouro presente nas igrejas barrocas. Explorando volumes,
texturas, relevos e as formas curvilíneas observadas, os(as) estudantes foram instigados a realizarem
estudos gráficos para a produção de uma matriz em papel machê de uma estampa inspirada no
barroco.
Aline Dourado, 8º ano B
262
Ana Luísa Lima, 8º ano A
263
Laura Góes e Renata Xavier, 8º ano A
Amanda de Paula e Beatriz Rocha, 8º ano A
Nosso percurso entrou na fase final com o estudo do patrimônio azulejar presente na
arquitetura civil religiosa do Estado de Pernambuco (CAVALCANTI, 2006). Assim, o livro “O
azulejo na arquitetura religiosa de Pernambuco: séculos XVII e XVIII”, trouxe a fundamentação e
as imagens para nossos debates, além do que já tinha sido observado na aula de campo. Em seguida
tecemos diálogos com as obras da artista contemporânea brasileira, Adriana Varejão, que realizou
uma série de estudos, pinturas, painéis de grandes dimensões, tendo o barroco como referência. Do
conjunto de suas obras destacamos “Celacanto Provoca Maremoto”, exposta na Galeria Adriana
Varejão, no Instituto de Arte Contemporânea Inhotim – Minas Gerais. Composta por 184 peças,
cada uma com dimensão de 110 x 110 cm, a obra produzida em óleo e gesso sobre telas, revisita
elementos e referências do barroco ao articular pintura, escultura e arquitetura.
Luciane Morais, 8º ano B
Gabriel Queque, 8º ano A
Retomando questões discutidas na primeira roda de conversa, os(as) estudantes foram
instigados a elaborar um portfólio a fim de deixar registradas as diferentes etapas vivenciadas. De
acordo com Alarcão (2010), portfólio, termo emprestado do campo da arte, é um importante
instrumento para os registros vivenciados no campo da educação que, por um lado, reflete a
Construção pessoal do seu autor, que seleciona os seus trabalhos, os organiza, os
explica e lhes dá coerência. A sua originalidade faz deles peças únicas, singulares,
peculiares. Por outro lado, o fato do portfólio ter uma finalidade: dar-se a conhecer,
reverlar-se, aspirando a um reconhecimento de mérito. São formas de demonstrar a
evidência e possibilitar, pela demonstração de competência, a certificação da
mesma (ALARCÃO, 2010, p. 60).
O estudo da obra de Adriana Varejão levou os(as) estudantes a realizarem a última produção
Assim, organizados em duplas, foram apresentados diferentes portfólios, a partir das
prática, a organização de uma pintura, explorando os diversos elementos explorados durante todo o
escolhas pessoais e dos registros efetuados durante o projeto, e com formatos diversificados como:
projeto. Assim, deu-se início o processo de criação dos “papelejos”, nome dado por alguns
álbum de fotografias, portfólio virtual, jogos, diário de bordo, música, poesia, dentre outros.
estudantes para o “azulejo de papelão”. Por fim, experimentaram a organização da montagem das
3. E todo projeto tem seu fim, ou um novo começo.
produções em um suporte de papelão a ser afixado na parede posteriormente.
O encerramento do projeto foi retomado durante a exposição dos trabalhos no Festival de
Arte do Colégio de Aplicação, ocorrido em novembro de 2011, oportunidade em que as produções
foram compartilhadas com a comunidade escolar, estudantes de outros centros da Universidade
Federal de Pernambuco e visitantes.
Amanda Moreira, 8º ano A
264
Clara Praxedes, 8º ano A
265
DA PERFORMATIVIDADE EMANCIPATÓRIA
DA EDUCAÇÃO DAS ARTES VISUAIS
ANTE AS INDÚSTRIAS DA SUBJETIVIDADE
Luísa Vidal1
Painel montado a partir das produções individuais dos
“papelejos” e placas de papel machê - Trabalhos expostos
durante o Festival de Artes da escola.
Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS) da
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP)
marialuisavidal@hotmail.com
Ao rememorar todo o projeto, busco novamente o eixo norteador, o estudo do Barroco e as
conexões com os dias atuais. Sou levada a pensar o salto qualitativo da construção de
conhecimentos por parte de todos envolvidos, eu, professora mediadora e estudantes, pois temos a
clareza que não saimos desse processo da mesma forma, hoje, percebemos e reconhecemos a cidade
a partir de novos olhares, que entendem a história e a ressignifica, que retira do vivido elementos
para pensar o novo, que entende os registros estéticos da cidade como possibilidade de novas
criações e de gerar formas críticas de compreender questões da contemporaneidade.
Assim, ao retomar o início da escrita deste relato, quando destaquei a possibilidade de
compreender o mesmo como um processo de revisão do vivido e como meio para repensar as
próximas práticas, afirmo que este processo direciona-me para o que Alarcão (2010) discute sobre
“professores reflexivos em uma escola reflexiva”, no momento em que antes, durante e após o
processo vivenciado, a reflexão se fez/se faz presente, projetando novas ideias para (re)começar um
novo estudo, com outros estudantes carregados de curiosidades, necessidades e inquietações
diferentes.
BIBLIOGRAFIA
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7. ed. São Paulo: Cortez,
2010.
BARBOSA, A. M. A imagem do Ensino da Arte: anos 1980 e novos tempos. 1ª reimpr. da 7. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2009.
CAVALCANTI, S. T. H. O azulejo na arquitetura religiosa de Pernambuco: séculos XVII e
XVIII. São Paulo: Metalivros, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2007.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: uma prática em construação da pré-escola à
universidade. 31. ed. Porto Alegre: Mediação Editora, 2009.
RIZZI, M. C. S. L. Reflexões sobre a Abordagem Triangular do Ensino da Arte. In:
BARBOSA, A. M. (org). Ensino da Arte: Memória e História. São Paulo: Perspectiva, 2008.
266
Resumo
Construída a partir do problema que justifica e que move a
investigação de doutoramento em curso, esta comunicação propõe um
momento reservado a um pensamento sobre as possibilidades da educação
das artes visuais enquanto espaço de resistência capaz de colocar em causa os
hegemónicos pressupostos identitários e, assim, promover o exercício
emancipado de elaboração de cada sujeito por si próprio.
Constata-se a engrenagem complexa, sedutora, perversa, que nos
governa a existência. Enfatiza-se o contributo inultrapassável da ação
educativa. Pensa-se, enfim, o campo de intervenção que, a este respeito, e num
cenário cujo princípio organizador não é já o da palavra senão o da imagem,
poderá a educação das artes visuais performatizar.
Sem prescrições. Tão pouco, conclusões.
Palavras-chave
Subjetivação; emancipação; educação das artes visuais.
1 Licenciada em Artes Plásticas - Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP).
Licenciada em Artes Visuais - Ensino pela Universidade de Évora (UÉ). Estudante de doutoramento em Educação
Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP).
Professora de Artes Visuais. Formadora de professores de Artes Visuais. Elemento dos Órgãos Sociais da
Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual (APECV). Investigadora em Educação das Artes
Visuais afiliada no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS) da Faculdade de Belas Artes da
Universidade do Porto (FBAUP).
267
Defendo que entrosa aqui a educação, o único sentido que lhe reconheço
Throughout my years as student and professor, I have been most inspired by those teachers
who have had the courage to transgress those boundaries that would confine each pupil to a
rote, assembly-line approach to learning. Such teachers approach students with the will and
desire to respond to our unique beings, even if the situation does not allow the full emergence
of a relationship based on mutual recognition.
(hooks, 1994, p. 13)
reconheço.
Defendo que entrosa aqui a educação, o único sentido que lhe
Competente como nenhum outro campo de ação na apropriação
social dos discursos, nela me parece jogar-se a possibilidade maior de uma
atopia onde os discursos indefinidamente se agregam e onde, por isso, todos
(Reis, 2010)
São poderosos, esses discursos
Para quem empreenda uma pesquisa genealógica sobre o conceito de “vida” na nossa cultura,
uma das primeiras e mais instrutivas observações é o facto de este nunca aparecer definido
como tal. O que assim permanece indeterminado surge, porém, a cada vez, articulado e
dividido através de uma série de oposições e de cesuras que o investem de uma função
estratégica decisiva em âmbitos tão distantes como a filosofia, a teologia, a política e, apenas
mais tarde, a medicina e a biologia. Tudo se passa, então, como se, na nossa cultura, a vida
fosse aquilo que não pode ser definido, mas que, precisamente por isso, deve ser
incessantemente articulado e dividido.
(Agamben, 2002/2011, p. 25)
A todo o momento, por demasiados lugares, permanece a
moderna e ocidental ficção de um sujeito profundo, original, selvagem, de um
puro sujeito, anterior e superior à sua própria construção histórica. Na vida
deslocação, inclassificação do pensamento que suspende formatações e nos
clarifica que é possível percorrermos caminhos muito mais livres e muito mais
nossos do que porventura possamos imaginar. Eis tudo: radicalmente, ativar a
potência de um pensamento crítico sobre as contingências que vieram a
fabricar as tantas convenções que nos determinam e que nos encerram, e,
desde esse lugar de consciência, retirar às ideias tradicionalmente aceites a
sua enganadora familiaridade e lançar-nos na invenção de outras
subjetividades, desconhecidas, inantecipáveis, abertas.
[P]ode, creio, o campo disciplinar da educação das artes visuais
prestar-nos proveitosa oportunidade
essencialista e determinista do ser humano como depositário natural de uma
Quanto à emancipação, essa começa quando se põe em questão a oposição entre olhar e agir,
quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e
do fazer pertencem elas próprias à estrutura da dominação e da sujeição. A emancipação
começa quando se compreende que olhar é também uma acção que confirma ou transforma
essa distribuição das posições. O espectador também age, como o aluno ou o cientista.
Observa, selecciona, compara, interpreta. Liga o que vê com muitas outras coisas que viu
noutros espaços cénicos e noutro género de lugares. Compõe o seu próprio poema com os
elementos do poema que tem à sua frente.
(Rancière, 2008/2010, p. 22)
sucessivamente desvendar e praticar.
Nos pressupostos de que parte, nas questões que coloca, nas
familiar ou na vida doméstica, no contexto profissional, no contexto médico,
no
contexto
jurídico,
específicos
e
muito
sofisticados
discursos
sistematicamente operam e interpelam-nos desde essa tão enraizada conceção
certa interioridade fundadora e soberana, autêntica, que nos cumpre
São poderosos, esses discursos. São poderosos e são perversos.
Tão poderosos, tão perversos, que não vemos senão aquilo que pretendem.
Dormentes, demasiadas vezes, voluntariamente, tão só decalcamos e
reproduzimos as linhas do percurso instituído, sem sequer imaginarmos que
268
podemos aceder a qualquer tipo de discurso, numa resultante ampliação,
tudo nele, aparentemente tão inquestionável e aparentemente tão necessário,
pode – e deve – ser estranhado, interrogado, problematizado, desnaturalizado.
finalidades que tenta ou nos conteúdos que explora, cada matéria disciplinar
poderá, creio, insubstituivelmente participar deste político compromisso de
questionamento de uma natureza humana universal e justamente por meio do
que são algumas das singularidades que concentra me parecem configurar-se
as mais significativas possibilidades de uma educação das artes visuais
implicada no desenvolvimento de emancipadas experiências de subjetivação.
269
Mesmo se inegavelmente inscrita no todo mais amplo que é o
campo educativo e mesmo se, desse modo, animada ela também por um
essas generalidades e progressivamente lançar-se numa vida mais ampla,
chega da relação matricial com o alargado terreno das artes visuais o alcance
Ora, ao mesmo tempo que se sabe incontornavelmente fechado
comum, transversal, pensamento sobre a formação das crianças e dos jovens,
mais ativa, mais rica em possibilidades.
essencial do saber que pode esta nossa área performatizar.
em discursos como numa redoma falsamente transparente e, assim, que
hoje, nas nossas vidas. Nunca como até aqui as artes visuais constituíram um
conjunto de pressupostos em que se encontra transitoriamente contido, o
jogos, da museologia às telecomunicações ou do cinema ao jornalismo, nunca
um espaço de resistência crítica a esses mesmos determinismos. De modo
Dificilmente teremos como negar a centralidade que ele assume,
regime assim plural e omnipresente. Da publicidade à moda, da música aos
como até aqui as artes visuais assim nos inundaram os dias. Como de resto
todas as coisas, também estas representações são construídas a partir do
interior de grelhas de racionalidade histórica e socialmente precisas e, nesse
sentido, irremediavelmente transportam certo quadro de valores. Um quadro
de valores que não é – não pode ser – senão fenómeno, senão variação
produzida na cumulação particular, frágil e precária dos acasos que
sucessivamente vieram a encontrar-se, mas que, exatamente porque dele
somos contemporâneos e dele desconhecemos as fronteiras históricas –
ignoramos até que existam –, inconscientemente tomamos por adequado,
compreende a impossibilidade de absolutamente desligar-se do e escapar ao
campo das artes visuais – o das artes em geral – é também, e cada vez mais,
diverso daquele que vemos suceder na generalidade das matérias, onde
limites inequívocos inquestionavelmente lhes localizam a ação, habita nele um
certo vitalismo apátrida de fronteira, duplo e indisciplinado, que, nunca
plenamente coincidindo com as proposições que o racionalizam mas, ao
contrário, sistematicamente interpelando os detalhes da sua formação
histórica, dissolve qualquer possibilidade de modelo estrutural, genealogia ou
unidade que lhe sirva de prumo. Sempre, ali, a interdição e a liberdade. O
possível tanto quanto o impossível, o visível tanto quanto o imaginado, o
dizível tanto quanto o inefável, o centro e a margem, a luz e a sombra. Sempre,
racional, universal. Por isso estas muitas representações que hoje
ali, um lado e o outro, num desdobramento que, no exato sentido em que não
relevante na constituição das nossas subjetividades. Persuasivos e vinculados
contingências que configuram cada um dos espaços e, nessa medida, colocar
ecleticamente compõem o campo das artes visuais adquirem um papel tão
a conceções estéticas, cognitivas, relacionais, sociais, económicas, estes
datados e cambiantes enunciados que permanentemente elas veiculam tomam
se realiza senão simultaneamente dentro e fora, permite apreender as
sob análise todo o sofístico discurso de verdade.
Em herdada afinidade, por uma parte, com o agressivo dispositivo
forma de verdades gerais, definitivas, fazem-se aceitar, fazem-se obedecer e,
visual que cada vez mais satura e cada vez mais profundamente condiciona a
mediante os quais, desde as nossas relações com os outros e connosco
um pensamento assim descoincidente e assim cético, pode, creio, o campo
assim, ilimitadamente preconcebem, impõem e naturalizam os processos
próprios, elaboramos o nosso sentido de ser no mundo. São pesadas as
consequências:
estereotipadamente.
conhecemos,
pensamos,
Experimentamos
uma
sentimos,
humanidade
agimos
simplificada,
construção das nossas subjetividades e, por outra, com a subversiva ação de
disciplinar da educação das artes visuais prestar-nos proveitosa oportunidade
para com os nossos estudantes refletidamente reagirmos e inovarmos perante
a heteronomia das transcendências que nos conformam as possibilidades da
amputada, que, porque alheia à espessa realidade humana, às várias
vida.
ludibriosa. Vivemos conformes. Aprisionados.
evidente ou o inquestionável. Não caberia a norma. Verdade alguma a respeito
pouco há descrença. Acredito na liberdade dos indivíduos. Constituído em
lugar e, ao invés, apenas, entre nós e a nosso respeito, uma espécie de
um outro qualquer numa ocasião qualquer, e, no entanto, nem por isso ele é
conhecimento exclusivamente centrado em determinado conjunto de obras
realidades particulares que confunde em si mesma, só pode ser superficial e
Não há pessimismo ou amargura aqui. Não há lassitude. Tão
cada época pelos discursos do momento, o sujeito não pode, é certo, tornar-se
270
desmistificador a respeito da sua própria constituição, ganhar recuo sobre
impedido de, sempre, em toda a parte, por meio de um balanço
Não caberia o universal. Não caberia a essência, o natural, o
daquilo que somos ou daquilo em que devemos tornar-nos encontraria mais
sistemático positivismo hermenêutico. Compreendendo a caducidade de um
que determinado conjunto de teóricos da arte contingentemente tomou por
271
ARTE E MENTE CRIATIVA NA EDUCAÇÃO PELA PAZ
artístico e compreendendo a insuficiência de uma abordagem fechada em si
Robson Xavier da Costa
Universidade Federal da Paraíba/Brasil
mesma e dormente no cumprimento de, também eles, adestradores conteúdos
programáticos a meio caminho entre uma orientação expressiva e um modelo
formalista, estimar-se-iam, sem restrições, as múltiplas imagens que formam a
pregnante tessitura visual onde encontramos atualmente muitas das
referências para nos elaborarmos enquanto sujeitos, convocar-se-ia, sem
restrições, o contributo crítico de outros, ilimitados, campos que não apenas
os da história da arte ou da estética ou do estudo da forma, para, assim, em
acontecimento sempre emergente de movimentos, fluxos, decomposições e
recomposições, cada universal antropológico identificarmos, historicizarmos e
compreendermos, até que dele, ou em seu lugar, tão só reste a diferença
última de uma singularidade datada, que fatalmente retira do sujeito
constituído o fantasma normalizador de uma historiedade destinal, todos os
tantos nobres palavrões que o sustentam, e, enfim, num pensamento sem
qualquer imagem, sem âncora, o abre ao exercício ético irremediavelmente
nómada e inacabado de um acréscimo de si mesmo. É a iniciativa de uma
elaboração de si por si próprio. É a prática refletida da liberdade. Invenção,
diferença, metamorfose. O regresso ativo ao pântano primitivo da vida.
Referências
Agamben, G. (2002/2011). O aberto: O homem e o animal. (A. Dias & A. B. Vieira, Trad.). Lisboa, Portugal: 70.
hooks, b. (1994). Teaching to transgress: Education as the practice of freedom. Nova Iorque, NI, Estados Unidos
da América: Routledge.
Rancière, J. (2008/2010). O espectador emancipado. (J. M. Justo, Trad.). Lisboa, Portugal: Orfeu Negro.
Reis, M. J. (2010). Berlin #1. Da série Diamonds in an ice storm. Extraída de
http://mariajoaodosreis.wix.com/welcome#!recentwork/vstc3=diamonds-in-an-icestorm/albumphotos0=0.
Tema: Pensamento contemporâneo e educação artística
Resumo:
Este ensaio é fruto de reflexões teóricas sobre a relação arte e mente criativa na
Educação pela Paz, partindo da vivência do autor enquanto Professor de artes
visuais/artista/investigador, a partir de uma auto reflexão sobre uma experiência
pedagógica que não atingiu seus objetivos; para tanto, utilizamos a base teórica da
história visual, focada nas visualidades e nas histórias de vida, buscamos compreender o
papel do sujeito aprendente no século XXI diante dos processos de humanização,
solidariedade, harmonia e paz em diferentes contextos educativos e a partir da realidade
educacional do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.
Palavras chave - Artes Visuais. Mente criativa. Educação pela paz.
CULTURA DA PAZ E SOCIEDADE APRENDENTE
No início do século XXI vivemos um mundo do simulacro, da sociedade da
informação, da imagem, um mundo mediado pela realidade das Tecnologias da
Informação e Comunicação – TIC. As formas de atuação humanas sobre o planeta são
alteradas pelas possibilidades da informatização em todas as áreas de conhecimento. Ao
longo de toda a história da civilização humana, não se conhece outra revolução tão
intensa e rápida, com impactos profundos sobre as relações entre o ser humano e o meio
ambiente.
A revolução tecnológica ocorre em escala global, interligando lugares e culturas
diferentes em questões de segundos, permitindo o desenvolvimento da inteligência
artificial, manipulação genética, entre outros fatores, todos ocorrendo ao mesmo tempo, o
que ocasiona um fosso imenso entre a população letrada e iletrada, entre ricos e pobres,
entre países do bloco hegemônico e periféricos, criando uma nova geração de excluídos
da era das TICs. A principal moeda de troca passou a ser “o conhecimento – então os
simples dados digitalizados – é e será o recurso humano, econômico e sócio-cultural
mais determinante na nova fase da História humana (...)” (ASMANN, 1998, p. 19). Essa
visão de conhecimento está ancorada na concepção de uma sociedade aprendente.
A sociedade aprendente é uma soma entre a educação e a empregabilidade,
mediada pelos sujeitos em permanente estado de aprendizagem. Essa compreensão da
aprendizagem pode ser uma forma de minimizar a exclusão. Embora ela não fuja à lógica
Robson Xavier é Prof. do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba
– UFPB – Brasil e membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Artes Plásticas ANPAP. Email: robsonxcosta@yahoo.com.br.
272
273
2
3
de mercado, também não nega a importância da formação educacional para a aquisição
de espaços efetivos de trabalho e seu grande mérito é a compreensão do permanente
estado de aprendizagem humana.
Quanto maior o nível de formação escolar do sujeito, maiores são suas chances
de ascensão profissional. Nesse contexto, a escola permanece como uma instituição
viável e exequível para atender à demanda de formação do século XXI. Outras formas de
educação tem sido testadas e mediadas pelas TICs, como é o caso das plataformas
educacionais e de educação à distância.
Ao facilitar a aproximação virtual entre as pessoas, as TICs inauguraram uma
nova relação social: o encontro virtual. Só agora a educação começa a desenvolver sites
específicos e ambientes virtuais de aprendizagens que possibilitam uma autoformação
em rede. Estamos longe do predomínio absoluto desses ambientes educativos. Por
enquanto, a escola permanece com um importante papel na formação humana.
Movimentos surgem em todos os continentes em prol da união solidária dos seres
humanos, problematizando questões ambientais, questões sociais, de gênero, de raça,
de opção sexual, etc. Todas são ações que discutem a possibilidade da convivência
harmônica diante da diversidade humana. O discurso da educação integral, da inclusão
educacional e do multiculturalismo crítico, permeiam as possibilidades de uma rede
educacional interligada à tecnologia e ao humano.
Diante de todas essas inovações, as escolas brasileiras, principalmente as
localizadas no Nordeste, continuam enfrentando graves problemas ligados à falta de
apoio efetivo dos órgãos administrativos governamentais, à má remuneração dos
professores e as condições incipientes de trabalho, além do problema da violência no
ambiente escolar, onde os alunos agridem seus colegas e professores.
Inúmeros casos de assassinatos, estupros e outros tipos de atos violentos
ocorrem no interior das escolas brasileiras, tornando a profissão de professor uma
atividade de alto risco. Por esse motivo, defendemos a inclusão de um adicional de
insalubridade no salário do professor em exercício no Brasil.
Ações efetivas são necessárias para minimizar esse quadro de uma cultura da
violência que parece contaminar as escolas. Esse é um problema mais amplo, não está
restrito às questões educacionais, é uma questão social. Como professor de artes visuais
acompanhando um trabalho pedagógico desenvolvido em escolas da periferia na grande
João Pessoa - Paraíba, Brasil no ano de 2010, me deparei com crianças de pouco mais
de sete anos de idade, espelhando-se nas figuras dos traficantes do bairro que
manipulam a população para manter o seu poder paralelo local. O objetivo de vida das
crianças era tornar-se bandidos. Em um país onde o herói é o bandido, se faz necessário
com a máxima urgência resolver questões de violência dentro e fora do ambiente escolar.
meio dos estímulos promovidos pelo prazer estético. Um universo simbólico inimaginável,
onde todas as dimensões se conectam no mundo onírico, que permeiam nossos
sentimentos de pertença, complexos, saudades, desejos, nossa história de vida.
1. ARTE, CRIAÇÃO E CULTURA DA PAZ
Existe uma forma de conhecimento em cada ser humano que faz parte do saber
não verbal. Essa esfera do conhecimento pode ser alcançada, entre outras formas, por
274
A arte é o veículo que nos transporta a esses mundos (...) O artista aponta
caminhos e nos antecipa a visão desses universos. Isso porque a obra de
arte nos obriga a repensar o que temos por realidade, fazendo-nos
perceber a possibilidade concreta da inauguração de outras realidades
(NUNES FILHO, 2004, p. 13).
Todo processo criativo amplia e cria tensões, permitindo novos entendimentos de
determinadas situações, que em outras condições seriam imperceptíveis. Para o
estabelecimento de qualquer ação humana efetiva, são necessárias tensões e
acomodações no tecido social. Segundo Ostrower, a criação se reabastece nos próprios
processos através dos quais se realiza (OSTROWER, 1999, p. 27).
Essa transformação em processo de aprendizagem permanente torna a arte um
campo propício à experimentação dos mais diversos meios e suportes, possibilitando a
construção do caminho para a transformação da violência em paz. Além dos aspectos
emocionais, estéticos, formais e simbólicos, a arte permite trabalhar o conhecimento de si
mesmo e do mundo. Por meio da arte podemos questionar o estabelecido, dialogar com
o inconsciente, construir novos mundos e alfabetizar os olhares, possibilitando uma
formação crítica e socialmente ativa dos educandos.
O encantamento promovido pela experimentação artística é único e irrepetível.
Paulo Freire afirmava que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”,
parafraseando essa máxima, diria que “a leitura da imagem precede a leitura da palavra”.
Vivemos um mundo da imagem; cerca de 80% do que aprendemos sobre o meio externo
nos chega por meio delas e muitas vezes olhamos as coisas e não as vemos; precisamos
educar o olhar.
A arte tem sido citada como uma das áreas de ponta no mercado atual, e uma das
mais promissoras para o futuro. É preciso, mais do que nunca, fomentar o ensino de arte
de qualidade nas escolas brasileiras. O trabalho com arte na escola possibilita uma
socialização das idéias, a materialização dos projetos, o diálogo entre as produções
artísticas, a interface com o público, a expressão, a crítica e a discussão de conceitos, a
exposição de mundos particulares e coletivos e o estabelecimento de novas posturas
diante da realidade.
A ficção, que é o esteio da estrutura da arte, nos permite vivenciar emoções
impossíveis em outras realidades. Podemos ter acesso ao sofrimento, à alegria e às
histórias de outras vidas, sem estarmos diretamente envolvidos com elas. É possível
vivenciarmos o feio, os medos, as angústias, a deformação física e os dramas espirituais
indiretamente por meio do teatro, da música, da dança e das artes visuais, vivendo essas
relações no universo simbólico.
É
preciso
romper
com
a
oposição
entre
cultura/natureza
e
humanidade/animalidade, situando o humano em relação à natureza e à Terra a partir da
sinergia, da comunhão e da complementaridade. A modernidade acentuou nossa
dimensão de consumidores – trata-se de comungar com a natureza e não simplesmente,
de consumi-la (GUERREIRO, 2003, p. 43). Nesse contexto, a arte é um passaporte para
a instauração de um paradigma transdisciplinar, proposto no Manifesto da
Transdiciplinaridade, datado de 06 de novembro de 1994, redigido e assinado no
275
4
5
Convento da Arrábida, em Portugal, e arregimentado por Morin, Nicolescu e Freitas, que
no artigo 05, descreve:
mínimas de trabalho e tendo que administrar cotidianamente a violência impetrada pelos
alunos entre si e em relação aos professores. Atos de vandalismo extremo aconteciam
diuturnamente, como apagões propositais das luzes da escola, seguida de arremesso de
carteiras escolares para o teto e entre os colegas, em uma ação coletiva, onde
praticamente todo o corpo discente da escola participava, tornando impossível uma
contra ação da parte da direção, já que não era possível punir todos os alunos de uma só
vez.
Com este ensaio, desejo dividir minha frustração diante desta experiência
pedagógica que considero um dos maiores momentos de fracasso na minha carreira,
utilizando o espaço de um evento internacional para demonstrar também que nem só de
experiências bem sucedidas vive a educação em artes visuais, como costumamos ver
nas inúmeras comunicações apresentadas nos congressos em todo o mundo. Me parece
que apenas as experiências positivas são mostradas ao público e tudo sempre chega a
resultados satisfatórios, quando sabemos que, na realidade, para cada experiência bem
sucedida, existiram alguns fracassos.
Aprender com os erros é a base do pensamento pedagógico; por que não
aprender com os nossos próprios e dividi-los com os colegas? Afinal, todos os
educadores colecionam histórias de pequenos fracassos ao longo da carreira. Quem
nunca passou por isso que jogue a primeira pedra. Ao longo dos meses fui colecionando
os pequenos atos de violência verbal e física ocorridas cotidianamente na escola. Direta
ou indiretamente me senti envolvido e em parte responsável por tudo o que ocorria,
afinal, como professor da escola, eu deveria intervir e me senti com os braços atados.
Tentei trabalhar minha frustração diariamente, focando meu trabalho em uma
temática que gostaria de discutir naquela escola: a relação entre a arte e a violência.
Mesmo tocando em questões ligadas diretamente ao cotidiano dos alunos, levando textos
para sala de aula, imagens e artigos de jornais com reportagens sobre a violência na
comunidade, aquilo tudo parecia ser em vão, não tocavam os alunos, nem eles
aceitavam as propostas, mantendo-se apáticos e desinteressados.
O ponto fulcral do processo aconteceu próximo ao final do ano letivo, quando
aconteceu a chegada de uma nova professora, que logo foi assediada pelos alunos do
6º ano. O que no início parecia apenas uma brincadeira ou provocação sem importância,
tornou-se uma tentativa de estupro coletivo, impetrada por um grupo de alunos dessa
turma em conivência de todos os outros. Por acaso eu estava presente na escola no
momento em que o tal tentativa ocorreu. Fiquei completamente indignado e intervi
diretamente. A minha intervenção e enfrentamento surtiu efeito e recebi o apoio de
alguns alunos e dos professores presentes naquele momento. Acionamos a polícia local,
que prontamente atendeu nosso chamado, mas não pôde fazer muito, já que todos os
alunos envolvidos eram menores de idade.
Após esse incidente, um grupo de alunos, liderados pelos menores que ousaram
agredir a professora, voltaram-se contra mim, em atos cotidianos de agressões verbais e
quase físicas. Fui literalmente ameaçado de morte, eu e minha família; os alunos
descobriram todos os meus hábitos diários, horários e endereços importantes, bem como
contatos pela internet e telefones, passei a receber ameaças diárias e constantes, apesar
de ter informado à polícia local, nada concreto foi feito, e por temer o pior, resolvi me
afastar desse emprego pedindo exoneração do cargo de professor. Essa foi uma das
maiores frustrações que passei ao longo de toda minha carreira docente.
A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa
o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação,
não apenas com as ciências humanas, mas também com a arte, a
literatura, a poesia e a experiência interior. (MORIN, NICOLESCU,
FREITAS, 1994).
A formação em arte, ao lado da formação científica, é um recurso importantíssimo
para a efetivação de uma prática transdisciplinar na educação brasileira. A instauração de
uma cultura transdisciplinar para a paz nas escolas depende de uma mudança de
paradigma, uma nova compreensão do sujeito, visto agora como amigo, companheiro,
que coletivamente cuida de si mesmo, do outro, da sala de aula, da escola, da rua, da
comunidade, do bairro, da cidade e do planeta, mas quando isso não ocorre como o
professor e a escola espera, o que fazer?
2. ENTRE A VIOLÊNCIA E A CONSCIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA
FALHADA
Neste curto ensaio, refletiremos sobre uma experiência pessoal como professor de
artes visuais, desenvolvida no ano de 2003, numa pequena cidade da periferia da Grande
João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Por motivos éticos, não
serão citados nomes de pessoas nem de estabelecimentos de ensino.
Durante minha atuação como professor de artes visuais em escolas básicas e
secundárias na região da cidade de João Pessoa, eu trabalhei em escolas da rede
privada e nutri um sonho de ingressar como professor da rede pública de ensino. Seria,
ideologicamente trabalhar para aqueles que mais precisavam, os alunos mais carentes,
oriundos das classes menos privilegiadas.
Ao ingressar num concurso público para o magistério no ano de 2003, assumi o
cargo de professor de artes visuais em uma escola pública municipal, atuando do 6º ao 9º
ano do Ensino Fundamental. Para minha total surpresa, a escola na qual trabalhei ficava
localizada no centro da cidade e abrigava um público alvo oriundo das zonas de periferia,
nas quais predominavam a lei do silêncio e a violência.
Inicialmente, pensei ser esse o espaço ideal para aplicar toda minha bagagem
teórica e contribuir para o engrandecimento cultural da comunidade escolar; tratava-se de
uma grande oportunidade para contribuir efetivamente para o ensino de artes visuais de
qualidade na rede pública de ensino. No entanto, ao chegar à escola, encontro um corpo
de professores antigos extremamente desmotivados, desacreditados de sua função como
educadores e que apenas trabalhavam no velho sistema “faço de conta que ensino e
você faz de conta que aprende”. Não havia a menor condição de trabalho, salas super
lotadas, alunos agressivos e desmotivados e ausência quase total de um corpo gestor na
escola. Era uma situação extrema de descaso e abandono público.
Independente disso, segui tentando aplicar meus conhecimentos nas turmas que
ministrava aulas, sempre com extrema dificuldade, sem apoio da direção nem condições
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao refletir sobre essa experiência após alguns anos, consigo entender que a
mesma representou uma etapa importante na minha formação pessoal e profissional,
permitindo que eu seja capaz de discernir entre minha capacidade acadêmica e meus
limites pessoais e que os problemas de comportamento apresentados na escola são
questões mais amplas, refletindo uma conjuntura social, a demanda de poder e a
inserção do status pessoal e coletivo em um determinado contexto, me levando a crer
que aquilo que vejo como padrão, como socialmente aceitável, não corresponde ao todo,
e sim a uma parcela específica da população da qual sou oriundo e faço parte.
Embora minha proposta de trabalho tenha sido frustrada e meus sonhos desfeitos,
acredito que minha contribuição como educador, embora pontual no caso citado, deixou
marcas, e que algo positivo dessa relação ficou em todas as partes envolvidas.
Como afirmava Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, nos educamos em
comunhão”, é no coletivo, no conjunto, que a educação se processa e se efetiva. A
prática de uma educação com arte pela paz se configura no momento que cada educador
faz sua parte, dá o seu exemplo no cotidiano escolar. É preciso fruir, ouvir, sentir as
formas de expressão artística na própria vida para que possamos despertar o interesse
das novas gerações.
Uma cultura de paz por meio da arte só se estabelecerá na educação brasileira
quando a escola for compreendida como um corpo integrado na busca da construção de
um projeto coletivo comum de levar a arte a serviço da paz coletiva.
REFERÊNCIAS
ASMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Porto Alegre:
Vozes, 1998.
NUNES, Nabor Filho. Arte: a religião de corpo inteiro. In: Diálogo: revista de ensino
religioso. São Paulo: Paulinas, Ano IX, n 03, fevereiro de 2004, p. 08-13.
GUERREIRO, Laureano. A educação e o sagrado: a ação terapêutica do educador. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2003.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1999.
ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o
currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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