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A QU ESTà O DO IM POSSÍVEI KRISHNAMURTI E sta obra exam ina, com profundidade, q u e s tõ e s 'relevantes para a vida hum ana. T rata, entre outras, das seguintes m alerias: as raízes do pensam ento, a m ente e o cérebro, as relações cnire pessoas, a m editação e o autoconhecim ento. “ IN S T IT U IÇ Ã O C U LTU R A L KKISI INAMl JJRTI " R io nr. Ja n k i r o - G u a n a ij ARA A Q U ESTà O D O IM PO SSÍV E L A Instituição C ultural K rishnam urti, editora oficial das obras de K rishnam urti em nosso idiom a, tem a satisfação de apresentar à coletividade brasileira a tra ­ dução vernácula de mais um a grande obra desse psicólogo indiano — A Q U E ST à O D O IM P O S S ÍV E L — , cujo título origi­ nal e T H E IM P O S S IB L E Q U E S T IO N . Inegavelm ente, nos últim os vinte anos firmou-se K rishnam urti como um dos mais profundos pensadores e m entores do nosso tem po. Tem ele percorrido várias partes do m undo e realizado con­ ferências públicas em diversos países, porém o seu ensino alcançou m aior pene­ tração através de num erosos livros difun­ didos em vários idiom as. T H E F IR S T AN D LA ST F R E E D O M , CO M M ENTA R IE S O N L IV IN G , F R E E D O M FR O M T H E K N O W , T H E O N L Y REVO LUT IO N , T H E U R G E N C Y O F C H A N G E , para citar apenas alguns deles, são traba­ lhos de m agno p orte de sua autoria, já publicados em nossa língua e divulgados no Brasil. A m ensagem verbal e escrita do autor tende a seguir um a linha uniform e — a constituir um a espécie de intercâm bio entre ele e seus leitores. Isso mais uma vez se confirm a neste novo livro, em que se apresenta a m atéria versada em sete reuniões de palestras e perguntas, reali­ zadas em Saanen (Suíça) no verão de 1970 e, em seguida, sete diálogos entre K rishnam urti e os ouvintes. “ Nunca fazemos a pergunta sobre o im possível. Só se interroga acerca do que é possível. Se fazemos um a pergunta sobre o im possível, a m ente tem de achar a resposta na base do im possível, e não do possível. . . E ra im possível ir à Lua. ( c o n tin u a na o u tra d o b ra ) P orque a coisa era im possível, trezentas m il pessoas cooperaram e trabalharam dia e noite, consagrando-lhe todas as suas energias m entais — e o hom em foi à Lua! A pergunta alusiva ao impossível é esta: Pode a m ente esvaziar-se do conhecido? — ela esvaziar-se a s i p r ó ­ p r ia , e não, n ó s a e s v a z ia r m o s ? Eis a p er­ gunta sobre o im possível” . — Se tais perguntas forem feitas com o m áxim o de seriedade, com a paixão de descobrir, novos horizontes se nos descortinarão. É esse um dos objetivos das presentes palestras e diálogos. Neles se consideram os mais variados assuntos. As raízes e a origem do pensa­ m ento, a diferença entre m ente e cére­ bro, o esclarecim ento, as relações entre pessoas, o uso correto de nossas facul­ dades pessoais, o m ilagre da m editação, a conquista de um estado de bem -aven­ turança baseado na verdade e na beleza — eis alguns dos tópicos apresentados para exame e que K rishnam urti resum e com interrogar-nos o que é “ autoconhecim ento” . Os problem as que criamos para nós mesmos e a sociedade, e a socie­ dade que cria problem as para nós; o m ovim ento das relações entre nós e a sociedade; a natureza do m edo, e se a m ente terá alguma possibilidade de libertar-se de todo desse fardo; a natureza do prazer, que é inteiram ente diferente da alegria; a questão dos inúm eros fragm en­ tos constituintes do nosso ser; a n atu ­ reza da consciência e da atenção — tudo isso, e m uito mais, é investigado como só K rishnam urti sabe investigá-lo. São questões vitais que, como entes hum a­ nos, nos concernem fundam entalm ente. E sta nova obra se revelará de inesti­ m ável valor a quantos desejam tom ar conhecim ento de K rishnam urti e sua ele­ vada com preensão da vida. A Q U ESTà O DO IM PO SSÍV E L T ítu lo do original: T H E IM P O S S IB L E Q U E S T IO N Publicado p o r V ictor Gollancz L td., L ondres C opyright © K rishnam urti F oundation T ru st L td ., L ondres, 1972 C opyright © K rishnam urti F oundation T ru st L td ., L ondres, 1975 — V ersão P ortuguesa 1975 E ditado pela IN S T IT U IÇ Ã O C U LTU RA L K R IS H N A M U R T I Rio de Jan eiro (G B ) — Brasil Im presso no Brasil >— P rin ted in Brazil “ Sempre fazemos a pergunta sobre o que é possível. Se fizerdes um a pergunta sobre o im possível, vossa m ente terá d e descobrir a resposta na base do im pos­ sível — e não do possível.” ÍNDICE P r im e ir a P a r t e PAL ESTR A S E P E R G U N T A S 1 — O ATO DE OLHAR “ Q uando um a pessoa é verdadeiram ente sé ria , então, n o m o­ m ento de olhar, cessa o antigo m ovim ento.” 13 2 — L IB E R D A D E “A dependência de qualquer form a de imaginação subjetiva, fantasia ou conhecim ento, gera o m edo e destrói a lib erdade.” 21 3 — A N Á L ISE “A análise nunca é com pleta; a negação dessa ação incom ­ ple ta é ação to ta l.” 30 4 — FRAGM ENTAÇÃO “ Só nasce um problem a quando se vê a vida fragm entariam ente. D escobri a beleza de ver a vida com o um to do.” 39 5 — M E D O E PR A Z ER “ Se se deseja com preender e ficar livre do m edo, deve-se com preender o prazer; são coisas relacionadas.” 48 6 — A A T IV ID A D E M E C  N IC A D O P E N S A M E N T O “A m ente que com preendeu o in teiro m ovim ento do pensa­ m ento torna-se sobrem odo quieta, absolutam ente silenciosa.” 60 7 — R E L IG Ià O “Religião é a força que conduz, a um a vida sem fragm entação.” 69 Se g u n d a P a r t e D IÁ L O G O S I — A necessidade de autoconhecim ento. Saber e aprender: o aprender req u er um a m ente libertada do passado: A fuga ao m edo e o aprender a respeito do m edo. D ificuldade de observ ar o m edo. Q uem está observando? II 83 — Recapitulação. Os tem ores im pedem a m aturação. Vemos os efeitos do m edo ou só sabem os da existência deles? D ife­ rença en tre o m edo, com o m em ória, e o contato real com o m edo. A dependência e o apego causados pelo m edo ao vazio e ao “ser n ad a” . D escobrim ento de nossa solidão e superficialidade. A in utilidade das fugas. “ Q uem está côns­ cio do vazio?” 101 I I I — As profundezas da dependência e do m edo. O bservação do apego. Níveis de apego. H áb ito . Necessidade de ver, em seu todo, a rede dos hábitos. Como ver totalm ente? D ife­ rença entre a análise e a observação. O m ecanism o que sustenta o hábito. Q ue é ação criadora? 115 IV — N ecessidade de ver to da a tram a dos tem ores e fugas. A lu ta contra o apego é um m ovim ento resultante da fragm en­ tação. Pode-se alcançar a integração e o esclarecim ento po r m eio da fragm entação? Com o surge a fragm entação? O pensam ento e a categoria do tem po. V isto que o pensa­ m ento causa divisão e, entretan to , é um a função necessária, que cum pre fazer? Função da m ente libertada do “conhe­ cido” . Necessidade de fazer a pergunta sobre o “ im pos­ sív el” . 131 V — O consciente e o inconsciente; quais são as fro nteiras da consciência? E ssa divisão é real ou faz p arte da fragm en­ tação? Q u e m q u er “ saber” a respeito do inconsciente? A neurose, “ exageração” do fragm ento. N ecessidade de ver a in utilidade da identificação com o fragm ento; um frag­ m ento cham ado “ observador” . “V ir a ser” e “ ser” alguma coisa — o estado de consciência em que vivem os — um a form a de resistência. D iferença en tre ver esse fato com o ato de observação, e vê-lo com o “ eu ” . O s sonhos. E stam os aptos a fazer a “próxim a pergunta” : “ Q ue existe além da consciência?” 149 V I — T oda ação procedente da consciência fragm entária produz confusão. O conteúdo da consciência controla a sua estru ­ tu ra, ou esta é independente do seu conteúdo? Pode a consciência esvaziar-se de seu conteúdo? A rã que quer saltar para fora do charco da consciência. O macaco preso no espaço da consciência lim itada pelo centro: a atividade egocêntrica. Q u e é espaço sem centro? Esclarecim ento —- V II um estado m ental em que o m acaco nunca está em ação. A atenção. O problem a da atenção e as interrupções cau­ sadas pelo macaco. N o apogeu da atenção, que acontece à estru tu ra integral do ente hum ano? 164 — Recapitulação. A m ente necessita de ordem para funcionar adequadam ente; o pensam ento to m a a segurança por ordem . O macaco irrequieto não pode achar a segurança. D iferença en tre estabilidade m ental e segurança. A busca de segurança só produz fragm entação. A m ente em que não existe busca de segurança. “N ão há segurança” . C om preender a si próprio é com preender o m ovim ento do pensam ento. Na m ente que está sobrem odo aten ta não há fragm entação da energia. A com unicação não verbal. Com o alcançar o estado que é in finito e atem poral e no qual “ o conceito do viver e do m orrer tem um significado tota lm ente d iferen te” . 176 P r im e ir a Pa r t e PA LESTRAS E PER G U N TA S 1 O ATO D E OLHAR “ Q uando um a pessoa é verdadeiram ente sé ria , então, no m om ento de olhar, cessa o antigo m ovim ento.” P \ [ u m m undo que se acha em tam anha confusão, onde se vê tanta violência, revolta em todas as form as e m il explicações para essas revoltas, é de esperar ocorra um a reform a social, com diferentes realidades e mais liberdade para o hom em . Em todos os países e climas, sob o estandarte da paz, im pera a violência; em nom e da verdade, há exploração, m iséria, m ilhões de pessoas a padecerem fom e, e a opressão das poderosas tira­ nias, e m uita injustiça social. H á guerra, conscrição m ilitar e a fuga à conscrição. Observa-se, com efeito, um a enorm e confu­ são, terrível violência; o ódio é justificado, e a fuga, em todas as form as, aceita como norm a da vida. Percebendo tudo isso, ficamos confusos, incertos quanto ao que cum pre fazer, o papel que devem os representar. Q ue cum pre fazer? A derir aos “ ati­ vistas” !*) ou fugir para um a certa espécie de isolam ento in te­ rior? Volver às velhas idéias religiosas? F undar um a nova seita, ou continuarm os com os nossos preconceitos e inclinações? E m presença de tudo isso, um a pessoa sente naturalm ente o desejo (* ) a c t h i s ta , de a c t i v i s m : d o u trin a de que a vida é ação e luta. (V . “ Standard D ictionary F unk & W agnals). (N . do T .) 13 de descobrir, por si própria, o que lhe cabe fazer, o que pensar, como viver um a vida diferente. Se, no decurso destas palestras e debates, puderm os encon­ tra r um a luz em nós m esm os, um a m aneira de viver inteiram ente isenta de violência, um a vida totalm ente religiosa e, p ortanto, livre de m edo, interiorm ente estável, e inatingível pelos fatos exteriores — penso que então estas nossas reuniões serão verda­ deiram ente frutuosas. Estam os preparados para dispensar aten­ ção plena, e sensível, aos problem as que vamos considerar? Nós estam os trabalhando j u n to s , com o fim de descobrir como pode­ rem os viver em paz. N ão é o orador quem irá dizer-vos o que tendes de fazer, o que deveis pensar; ele não é nenhum a autori­ dade, nem vai oferecer-vos nenhum a “ filosofia” . U m dos problem as é que nosso cérebro funciona sem pre segundo seus velhos hábitos, tal como um disco fonográfico, que toca sem pre a m esma música. E nquanto dura o barulho da “ m ú­ sica” , isto é, do hábito, não tem os possibilidade de escutar nada novo. O cérebro foi condicionado para pensar de um a certa m aneira, reagir de acordo com um a dada cultura, tradição e educação; esse m esm o cérebro tenta escutar o que é novo e, naturalm ente, não o consegue. Aí é que residirá nossa dificul­ dade. Um a palestra gravada em fita pode ser apagada e a fita utilizada de novo; m as, infelizm ente, o que está gravado na “ fita ’ do cérebro, nela vem sendo im presso há tanto tem po que se tornou dificílim o apagá-lo, para começar coisa nova. Vive­ mos a rep etir e a rep etir o m esm o padrão, as m esmas idéias e os m esm os hábitos físicos, e por essa razão nunca estam os recep­ tivos para o que é novo. Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “ fita ” , da velha m aneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúm eros hábitos que adquirim os. Isso é possível quando se presta realm ente atenção. Se a coisa que estam os escutando é, para nós, verdadeiram ente séria, sum am ente im p o rtan te, então haverem os de escutar de tal m aneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. E xperim entai isso — ou, m elhor, fazei-o! Vós estais profundam ente interessados, pois, de contrá­ rio, não estaríeis aqui, E scutai com toda a atenção, para que, nesse próprio ato de escutar, as velhas m em órias, os velhos há­ bitos, a tradição acum ulada, tudo isso se apague. 14 Não podem os deixar de ficar sérios perante o caos exis­ tente no m undo — incerteza, guerra, destruição — quando todos os valores estão sendo desprezados, num a sociedade totalm ente perm issiva, sexual e econom icam ente. N ão há m oralidade, não há religião; tudo está sendo lançado fora e, por isso, tem os de ser sérios, total e profundam ente sérios. Se tendes essa serie­ dade em vosso coração, estais então preparados para escutar. D epende de vós, e não deste orador, o serdes suficientem ente sérios, para escutardes t o ta l m e n te e descobrirdes por vós mesm o aquela luz que jam ais se extingue; descobrirdes um a m aneira de viver não dependente de nenhum a idéia, de nenhum a circuns­ tância, um a vida que seja sem pre livre, nova, juvenil, cheia de vigor. Se tendes um a m ente disposta a d e s c o b r ir , a todo custo, então, vós e eu, que vos estou falando, poderem os trabalhar juntos e alcançar aquela coisa m aravilhosa que há de pôr fim a todos os nossos problem as — tanto os problem as triviais da vida diária, como os problem as mais graves. M as, como em preender esse trabalho? P ara m im , só há um a única m aneira: por m eio da negação, alcançar o positivo; pela com preensão do que n ã o é , descobrir o q u e é. V er o que somos realm ente, e ultrapassá-lo. O lhar o m undo e os fatos do m undo, as coisas que estão sucedendo, e ver se em nossa relação com o m undo existe separação. Um a pessoa pode olhar os fatos do m undo como se eles não a atingissem individual­ m ente e, todavia, querer moldá-los, fazer algum a coisa em rela­ ção a eles. H á, assim, separação entre o indivíduo e o m undo. Se o olham os dessa m aneira, com a nossa experiência e conheci­ m entos, idiossincrasias, preconceitos, etc. — isso é olhar como um a entidade separada do m undo. Cum pre-nos descobrir um a m aneira de olhar em que vejam os todas as coisas que estão suce­ dendo, fora e dentro de nós m esm os, como um processo unitário, um m ovim ento total. O u olham os o m undo de um determ inado ponto de vista — tom ando posição, verbalm ente, ideologica­ m ente ligados a um determ inado m odo de ação e, por conse­ guinte, isolados do resto; ou olham os o fenôm eno todo inteiro, como um m ovim ento vivo, total, do qual fazemos parte, do qual não estam os separados. O que somos — um resultado da cultura, da religião, da educação, da propaganda, do clima, da V alim entação — o que somos é o m undo, e o m undo é nós. Podem os ver esse todo, sem cuidarm os de fazer alguma coisa a seu respeito? O im portante é verm os o todo, e não o que cum pre fazer em relação a ele. Tem os o sentim ento da hum a­ nidade como sendo um todo? N ão se trata de nos identificar­ mos com o m undo — porque nós somos o m undo. A guerra é o resultado de nós m esm os. A violência, o preconceito, a terrível brutalidade que predom ina no m undo, são partes de nós m esm os. Assim , tudo depende de como olham os este fenôm eno, tanto in terio r como exteriorm ente, e tam bém de quanto somos sérios. Se um a pessoa é realm ente séria, cessa então o antigo m ovi­ m ento — a repetição dos velhos padrões, das velhas m aneiras de pensar, de viver e de agir. T endes um sério interesse em descobrir um a m aneira de vida em que toda esta agitação, toda esta aflição e sofrim ento, deixem de existir? Para a m aioria de nós, a dificuldade é nos livrarm os dos velhos hábitos de pensa­ m ento: “ Sou um a pessoa im p o rtan te’’, “ Desejo preencher-m e” , “ Desejo vir a ser” , “ Creio em m inhas opiniões” , “ E ste é o ca­ m inho c erto ” , “ P ertenço a e sta seita” . No m om ento em que tom am os posição, separamo-nos do processo total e nos tornam os incapazes de olhá-lo. E nquanto houver fragm entação da vida, tanto externa como internam ente, haverá necessariam ente confusão e guerra. V ede isso, po r favor, com vosso coração. V ede a guerra que se está travando no O rien te M édio. Estais bem ao corrente de todos esses fatos, e já se escreveram volum es para explicá-los. As explicações nos seduzem •—• como se um a explicação pudesse resolver alguma coisa! É im portantíssim o com preender que não devem os deixar-nos enredar pelas explicações — dadas por quem quer que seja. Q uando vedes o q u e é , não há necessidade de nenhum a explicação. O hom em que não vê o q u e é fica em brenhado em explicações. V ede isso, p or favor, e tra tai de com preendê-lo tão profundam ente que não mais vos deixeis se­ duzir p o r palavras. N a ín d ia , é costum e abrir o livro sagrado — o G ita — e com ele explicar todas as coisas. M ilhões de pessoas escutam as explicações sobre como se deve viver, o que se deve fazer, como Deus é ou não é; tudo escutam , encantadas, e depois con­ 16 tinuam a viver na form a do costum e. As explicações cegam-nos, im pedem -nos de ver realm ente o q u e é. É de sum a im portância descobrirdes por vós m esm o a m a­ neira de olhar o problem a da existência. Vós o olhais através de um a explicação, de um determ inado ponto de vista, ou o olhais não fragm entariam ente? Verificai isso. Id e dar um passeio a sós, e aplicai-vos com todo o coração a descobrir a m aneira como olhais esses fenôm enos. D epois, no correr destas palestras, irem os coordenando os detalhes; pois vam os entrar num a infinidade de detalhes, para d e s c o b r ir , c o m p r e e n d e r . M as, antes disso, precisais estar bem certo de que estais livre de toda fragm entação, de que não sois inglês, am ericano, judeu — enten­ deis? — de que estais livre do condicionam ento de um a dada religião ou cultura, condicionam ento que vos m antém agrilhoado e segundo o qual tendes as vossas experiências, que só levam a mais condicionam ento. Vede o m ovim ento da vida como um só m ovim ento; nisso há um a grande beleza e imensas possibilidades; há ação com­ pleta, e liberdade. E a m ente necessita de liberdade para desco­ brir o que é a realidade — não um a realidade inventada ou im aginada. H á necessidade de liberdade total, isenta de toda fragm entação, e essa liberdade só será possível se fordes real e totalm ente sério — não de acordo com alguém que diz: “ E sta é a m aneira de ser sério” ; lançai fora essas coisas, não lhes deis atenção. T ratai de descobrir por vós m esm o, quer sejais velho, quer sejais jovem . Desejais fazer perguntas? A ntes de fazê-las, vede porque as fazeis e de quem esperais a resposta. Q uando fazeis um a pergunta, ficais sim plesm ente satisfeito com a explicação que porventura se dá na resposta? Ao fazerm os um a pergunta —• e é necessário indagar a respeito de tudo — fazemo-la porque já estam os com eçando a investigar e, conseqüentem ente, a tom ar parte ativa, a cam inhar, experim entar, criar, juntos? IN T E R R O G A N T E : Se um a pessoa, digam os, um louco, anda à solta, a m atar gente, e tem os possibilidade de im pedi-lo, m a­ tando-o, que cum pre fazer? K R IS H N A M U R T I: Nesse caso, vamos m atar todos os presi­ dentes e governantes, todos os tiranos, todos os nossos seme­ 17 lhantes e — a nós m esmos. Nós fazemos p arte desse todo. Com a nossa violência contribuím os para o estado atual do m un­ do. N ão percebem os isso claram ente. Pensam os que se nos livrar­ m os de um as tantas pessoas, repudiarm os o regim e vigente, tere­ m os resolvido inteiram ente o problem a. Todas as revoluções físicas se fizeram nessa base — • a francesa, a com unista, etc. — e todas elas acabaram em burocracia ou tirania. Assim , m eus amigos, in stitu ir um a nova m aneira de viver não é instituí-la para outros, porém para si próprio; porque “ o o u tro ” sou eu m esm o: não h á “ nós” nem “ eles” , só há “ eu m esm o” . Se se percebe isso realm ente —• não verbal ou in te­ lectualm ente, porém com o coração — ver-se-á que é possível um a ação total, de resultado com pletam ente diferente, e haverá, dessa m aneira, um a nova estru tu ra social, sem ser necessário derribar um regim e para substituí-lo por outro. O investigar requer paciência; os jovens são im pacientes, querem resultados instantâneos, e isso significa que ainda não com preenderam o processo total do viver. Se se com preender a totalidade do viver, virá um a ação instantânea, inteiram ente diferente da ação im ediata da impaciência. Vede o que se passa na Am érica, os distúrbios raciais, a pobreza, os g h e t t o s { * ) , o absurdo sistem a educativo vigente. Considerai a desunião exis­ ten te na E uropa e a dem ora que está havendo em criar-se a Federação E uropéia. E vede o que está sucedendo na ín d ia , na Ásia, na Rússia, na China. Considerando-se tudo isso, e m ais as divisões criadas pelas religiões, só há um a solução possível, um a única ação, ou seja a ação total, e não ação parcial ou fragm entária. Essa ação total não consiste em m atar ninguém , porém em ver as divisões que estão destruin do o hom em . Q uan­ do form os verdadeiram ente sérios e virm os as coisas com sensi­ bilidade, haverá um a ação com pletam ente diferente. IN T E R R O G A N T E : Suponham os um indivíduo nascido num país onde im pera a tirania absoluta e ele se veja totalm ente “ suprim ido” , sem se lhe dar oportunidade para fazer, p or sua própria iniciativa, coisa algum a (creio que a m aioria dos p re­ (* ) g h e t t o : N a E uropa (o u tro ra ): bairro em que os judeus eram obrigados a residir. O A. parece referir-se aos bairros residenciais dos negros, na Am érica (H arlem , em N ova Iorq u e, etc.). 18 sentes não podem im aginar tais condições) — esse hom em nas­ ceu nessa situação, seus pais tam bém ; que fez ele para criar o caos existente no m undo? K R IS H N A M U R T I: N ada, provavelm ente. Q ue fez o pobre hom em que vive nos sertões da ín d ia , num a aldeola da África ou num valezinho longínquo, com pletam ente alheio ao que se está passando no resto do m undo? D e que m aneira pode ele ter contribuído para essa m onstruosa estrutura? D e m aneira nenhum a, naturalm ente — que pode fazer esse pobre coitado? IN T E R R O G A N T E : Q ue significa “ ser sério” . Tenho a im pres­ são de não ser “ sério” ? K R IS H N A M U R T I: Investiguem os isso juntos. Q ue é ser sério, estar de tal m aneira dedicado a um a coisa, a um a vocação, que se esteja disposto a segui-la até o fim ? N ão vou definir o que é “ ser sério” ; não aceiteis definições de espécie algum a. Se um hom em deseja descobrir um a nova m aneira de vida — um a vida livre de violência, um a vida de total liberdade interior, e a esse descobrim ento devota seu tem po, sua energia, seus pensam entos, tudo — a essa pessoa eu cham aria um hom em sério. Esse hom em não se deixa facilm ente desviar de seu intento; poderá buscar entretenim entos, mas sua rota está traçada. Isso não signi­ fica ser dogm ático, obstinado, inadaptável. E le está p ronto a prestar ouvidos a outros, a considerar, exam inar, observar. Pode acontecer que, nessa seriedade, um hom em se torne ego­ cêntrico; esse egocentrism o, decerto, o im pedirá de exam inar; mas o “ hom em sério” tem de prestar ouvidos aos outros, exam i­ nar, indagar constantem ente; isso significa que ele deve ser altam ente sensível. Cabe-lhe descobrir como e a quem escuta. Esse hom em , pois, está sem pre a escutar, a buscar, a investigar, a descobrir — • com um cérebro sensível, um a m ente sensível, um coração sensível — que não são coisas separadas; está a investigar com esse todo, com essa sensibilidade total. V eri­ ficai se tendes um corpo sensível; notai seus gestos, seus hábitos peculiares. Um a pessoa não pode ser fisicam ente sensível se se alim enta em excesso, e tam pouco pode ser sensível padecendo fom e ou subm etendo-se a jejuns. Tem os de dar atenção ao que comemos. Tem os necessidade de um cérebro sensível, isto é, um cérebro que não funcione p or força de seus hábitos, que não 19 esteja em busca de seus particulares e insignificantes prazeres ■ —• sexuais ou de o u tra natureza. IN T E R R O G A N T E : Recom endastes-nos não dar ouvidos a expli­ cações. Q ual a diferença entre o que dizeis e “ explicações” ? K R IS H N A M U R T I: Q ue achais vós? tudo é só palavrório? H á alguma diferença, ou IN T E R R O G A N T E : Palavras são palavras. K R IS H N A M U R T I: Nós explicam os, m ostrando a causa e o efeito. Dizem os, p or exem plo: O hom em herdou sua b ru ta ­ lidade do anim al. Se aponto esse fato e, no m esm o ato de apontá-lo, estou agindo, deixo de ser violento; não há diferença? O que se requer é ação, mas pode a ação verificar-se com o resul­ tado de explicações, de palavras? O u essa ação total só é pos­ sível quando sou suficientem ente sensível para observar o m ovi­ m ento total da vida? Q ue querem os fazer aqui? D ar explicações sobre o “ p o rq u ê” e a causa do “ p orquê” ? O u querem os viver de tal m aneira que nossa vida não esteja baseada em palavras, m as, sim, no descobrim ento do que realm ente é? Esse descobri­ m ento não depende de palavras. H á um a enorm e diferença entre as duas coisas. Se um hom em sente fom e, podem os dar-lhe explicações sobre a qualidade e o gosto da com ida, m ostrar-lhe o m e n u , m ostrar-lhe os com estíveis expostos num a vitrine. M as o que ele quer é comida de verdade, e nenhum a explicação lha pode dar. Eis a diferença. 16 de julho de 1970. 20 2 LIBE R DADE “ A dependência de qualquer form a de im aginação subjetiva, fantasia ou conhecim ento, gera o m edo e destrói a lib erdade.” r * |T 1 e mo s m uitos assuntos para considerar, m prim eiro lugar, cum pre-nos exam inar a fundo o que é liber­ dade. Se não com preenderdes a liberdade, não apenas exter­ nam ente, mas sobretudo interiorm ente; se não a com preenderdes profunda e seriam ente, não apenas com o intelecto, porém sen­ tindo-a deveras, o que vamos dizer pouco significará. Já estivem os considerando a natureza da m ente. É a m ente séria que vive verdadeiram ente, que conhece a alegria de viver — e não aquela que anda m eram ente em busca de en treteni­ m entos, de satisfação e preenchim ento próprio. A liberdade requer o repúdio total, a total negação de toda autoridade interna, psicológica. A geração m ais jovem pensa que liberdade é cuspir no rosto do policial, cada um fazer o que quer. M as, a rejeição da autoridade externa não significa necessariam ente que se está com pletam ente livre de toda autoridade interior, psicológica. Q uando com preendem os a autoridade interior, a m ente e o coração ficam total e inteiram ente livres; estam os então habilitados a com preender a ação externa da liberdade. A liberdade de ação no exterior depende p or inteiro de um a m ente livre da auto ridade interna. E sta questão exige 21 um a grande soma de paciente investigação e reflexão. É um a questão de prim acial im portância; com preendida ela, estarem os aptos a considerar outras coisas da vida e do viver diário com um a m ente de todo nova. C onform e o dicionário, a palavra “ autoridade” deriva de “ a u to r” : “ aquele que lança um a idéia original, que cria alguma coisa inteiram ente nova” . Esse hom em estabelece um padrão, um sistem a baseado em suas idéias; outros seguem tal sistema, nele encontrando um a certa satisfação. O u inicia um novo m odo de vida religiosa, que outros seguem cegam ente, ou intelectual­ m ente. Eis como se estabelecem os padrões ou m aneiras de vida e de conduta política, psicológica — externam ente e in te­ riorm ente. A m ente, em geral m uito preguiçosa e indolente, acha mais fácil seguir o que um outro disse. O seguidor aceita a “ auto rid ad e” , a fim de alcançar o que prom ete o seu sistem a de filosofia ou de idéias; a esse sistem a se apega, dele fica depen­ dendo e, dessa m aneira, confirm a a autoridade. O seguidor, pois, é um ente hum ano sem originalidade; assim é a m aioria das pessoas. Poderão pensar que têm idéias originais, na pintura, na literatu ra, etc., m as, essencialm ente, já que estão condicio­ nados para seguir, im itar, ajustar-se, tornaram -se entes hum anos “ de segunda m ão” , entes hum anos absurdos. E ste é um dos aspectos da natu re 2a destrutiva da autoridade. Com o ente hum ano, estais seguindo alguém , psicologica­ m ente? N ão nos referim os à obediência externa, à observância da lei; m as, interiorm ente, psicologicam ente, estais seguindo alguém ? Se estais, nesse caso sois essencialm ente um ente sem originalidade; podeis praticar boas obras, viver de m aneira m uito ú til, m as essa vida pouco significa. H á tam bém a autoridade da tradição. Tradição significa: “ transportar do passado para o presente” — tradição religiosa, tradição fam iliar, tradição racial. E há a tradição da m em ória. Vê-se que seguir a tradição em certos níveis tem valor; noutros níveis não tem valor algum . As boas m aneiras, a cortesia, a con­ sideração, nascidas do estado de vigilância da m ente, podem converter-se gradualm ente em tradição; um a vez fixado o padrão, a m ente o repete: abrir a po rta a outrem , ser p o ntual às refei­ ções, etc. M as, tendo-se tornado tradição, esses atos já não 22 procedem do estado de vigilância, de p enetrante percepção, de lucidez. A m ente que cultivou a m em ória funciona com base na tradição; qual um com putador, repete sem cessar as mesmas coisas. Jam ais pode perceber um a coisa nova, ouvir um a coisa de m aneira totalm ente diferente. Nossos cérebros são como gravadores de fitas: certas m em órias vêm sendo cultivadas há séculos e não fazemos o u tra coisa senão repeti-las. E m m eio ao barulho dessa repetição, não podem os escutar nada novo. Assim , perguntam os “ Q ue devo fazer?” , “ Com o posso libertar-m e do velho m ecanism o, da fita v elh a?” . O novo só pode ser ouvido quando a fita velha silencia de todo, sem nenhum esforço de nossa parte; quando somos sérios e, por conseguinte, temos interesse em descobrir, p restar atenção. Tem os, pois, a autoridade de outrem , de quem dependem os, a autoridade da tradição, e a autoridade da experiência passada, como m em ória, como conhecim ento. H á tam bém a autoridade da experiência presente, que reconhecem os com base nos conhe­ cim entos acum ulados no passado; e tal experiência, visto que pode ser reconhecida, não é coisa nova. Com o pode um a m ente, um cérebro que foi tão condicionado pela autoridade, pela im i­ tação, pelo ajustam ento, escutar um a coisa inteiram ente nova? Com o se pode ver a beleza do dia, com a m ente, o coração e o cérebro obscurecidos pelo passado, como autoridade? Se puder­ mos perceber realm ente o fato de que a m ente está transpor­ tando a carga do passado e foi condicionada pela autoridade, sob várias form as; de que ela não é livre, sendo p ortanto incapaz de ver totalm ente — deixarem os, então, de lado o passado, sem nenhum esforço. A liberdade requer a to tal cessação de toda autoridade interna. Desse estado m ental resulta um a liberdade externa toda diferente da reação de oposição ou de resistência. O que estam os dizendo é, em verdade, m uito sim ples e, justam ente por causa dessa sim plicidade, pode escapar à vossa apreensão. A m ente, o cérebro está condicionado p or causa da autoridade, da im itação, da obediência; eis um fato. O hom em realm ente livre não reco­ nhece nenhum a autoridade interior; esse hom em sabe o que é am ar e m editar. 23 Com preendendo-se a liberdade, compreende-se tam bém o que é disciplina. E sta poderá parecer um a asserção contradi­ tória, porque em geral pensam os que liberdade significa estar livre de toda disciplina. Q ual a natureza da m ente bem disci­ plinada? N ão pode existir liberdade sem disciplina; mas isso não significa que devemos prim eiro disciplinar-nos para, depois, term os liberdade. A liberdade e a disciplina se acom panham sem pre, não são coisas separadas. Assim, que significa “ disci­ p lin a” ? C onform e o dicionário, a palavra “ disciplina” significa aprender — e não, forçarm os a m ente a ajustar-se a um certo padrão de ação baseado em algum a ideologia ou crença. A m ente capaz de aprender é toda diferente daquela que só é capaz de ajustar-se. A m ente que está aprendendo, observando, vendo realm ente o q u e é, não está interpretando o q u e é em conform idade com seus desejos, seu condicionam ento, seus par­ ticulares prazeres. Disciplina não significa reprim ir e controlar, nem tam pouco ajustam ento a um padrão ou a um a ideologia; significa que a m ente vê o q u e é e aprende de o q u e ê. A m ente é então sobre­ m odo desperta, vigilante. “ D isciplinar-se” , no sentido comum , im plica um a entidade que se está disciplinando em conform i­ dade com algum a coisa. Esse é um processo dualista. Digo en tre m im : “ Preciso erguer-m e cedo, todas as m anhãs, e deixar de ser preguiçoso” ou “N ão devo deixar-m e encolerizar” ; um processo dualista: aquele que, p or m eio da vontade, procura determ inar o que lhe cum pre fazer, em oposição ao que real­ m ente faz. Nesse estado há conflito. A disciplina im posta pelos pais, pela sociedade, pelas orga­ nizações religiosas, é ajustam ento. C ontra esse ajustam ento vem a revolta — o pai quer obrigar o filho a fazer certas coisas, este se rebela, etc. — T al é a vida baseada na obediência e no ajustam ento; e há o contrário: rejeitar o ajustam ento, para fazer o que se entende. T ratem os, pois, de descobrir qual a natureza da m ente que não se ajusta, que não im ita, não segue, não obe­ dece e, contudo, é altam ente disciplinada — “ disciplinada” , no sentido de que está constantem ente aprendendo. Disciplina é aprender, e não, ajustar-se. A justam ento im pli­ ca que me com paro com outrem , m edindo o que sou ou penso que devia ser, em com paração com o herói, o santo, etc. O nde 24 há ajustam ento, há necessariam ente com paração — vede isso, por favor. D escobri se sois capaz de viver sem com paração, quer dizer, sem ajustam ento. Desde a infância, somos condicio­ nados para com parar — “ Seja como seu irm ão, como sua tia-avó” , “ Seja igual ao santo” , “ Siga M ao” . N a educação, com pa­ ram os: nas escolas dam os notas aos alunos e subm etem o-los a exames. N ão sabem os o que significa viver sem com parar e sem com petir e, p o rta n to , não agressivam ente, não violenta­ m ente. Com parar-se com outro é um a form a de agressão e um a form a de violência. Violência não é só m atar ou espancar alguém ; é tam bém espírito com parativo: “ Preciso ser igual a f u la n o ” , ou “ Preciso aperfeiçoar-m e” . O aperfeiçoam ento p ró­ prio é a verdadeira antítese da liberdade e do aprender. Desco­ bri p o r vós m esm o um a m aneira de viverdes sem comparação, e vereis acontecer um a coisa m aravilhosa. Se realm ente vos tornardes vigilante, sem nenhum a escolha, vereis o que significa viver sem com paração e nunca mais pronunciareis as palavras “ E u serei” . Somos escravos do verbo “ ser” , que implica: “ Serei no futu ro um a pessoa im p o rtan te.” A comparação e o ajustam ento andam sem pre juntos; nada criam senão repressão, conflito, in te r­ m inável sofrer. Im porta, pois, descobrir um a m aneira de viver, em cada dia, sem nenhum a com paração. Fazei-o, e vereis como isso é m aravilhoso, como vos liberta de tantas das vossas cargas. Desse percebim ento nasce um a m ente sobrem odo sensível e, p ortanto, disciplinada — que está constantem ente aprendendo, não o que deseja aprender ou o que lhe dá gosto e satisfação aprender: a p r e n d e n d o . Tornar-vos-eis, assim, cônscios do condi­ cionam ento interior causado pela autoridade, pelo ajustam ento a um padrão, pela tradição e a propaganda, pelos ditos de outras pessoas, e pela experiência acum ulada, vossa própria e da raça e da fam ília. T udo isso se tornou autoridade. O nde há autori­ dade, a m ente não será jam ais livre para descobrir o que cum pre descobrir: um a realidade eterna, inteiram ente nova. A m ente sensível não está lim itada por nenhum padrão fixo; acha-se em constante m ovim ento, a fluir como um rio, e nesse m ovim ento constante não há repressão, não há obediên­ cia, não há desejo de preenchim ento. M uito im porta com preen­ der claram ente, com seriedade e profundeza, a natureza da m ente que é livre e, p o rtan to , verdadeiram ente religiosa. A m ente livre vê que qualquer espécie de dependência — de pessoas, de amigos, do m arido ou da esposa, das idéias, da autoridade, etc. — gera m edo: e sta é a origem do m edo. Se de vós dependo para te r conforto, ou como m eio de fuga à m inha solidão e fealdade, m inha superficialidade e insignificância, essa depen­ dência causa m edo. A dependência de qualquer form a de im agi­ nação subjetiva, fantasia ou conhecim ento, gera m edo e destrói a liberdade. Ao perceberdes todas as implicações, isto é, que não há liberdade quando há dependência interior e, p o r conseguinte, m edo; e que só um a m ente confusa e sem luz é dependente, perguntais: “ D e que m aneira posso livrar-m e da dependência?” E aí está m ais um a causa de conflito. Já se observardes que a pessoa dependente está necessariam ente confusa; se conhe­ cerdes esta verdade, que a pessoa que interiorm ente depende de qualquer autoridade só pode criar confusão; se perceberdes isso e não perg untardes de que m aneira podeis livrar-vos da confusão, então deixareis de depender. Vossa m ente se tornará sobrem odo sensível e, p ortanto, capaz de aprender e de disci­ plinar a si própria sem nenhum a espécie de com pulsão ou de ajustam ento. E stá m ais ou m enos claro tudo isso — não verbalm ente, porém de fato? Posso im aginar ou pensar que estou vendo claram ente, mas essa claridade é de breve duração. A verda­ deira e clara percepção só se torna possível quando não há dependência e, po r conseguinte, não há a confusão oriunda do m edo. Podeis, honesta e seriam ente, aplicar-vos a descobrir se estais livre de qualquer autoridade? Isso requer m uita investi­ gação de vós m esm o, atenta vigilância. D aquela percepção clara provém um a ação de espécie totalm ente diversa, ação não frag­ m entária, não dividida, política ou religiosam ente; eis a ação total. IN T E R R O G A N T E : D o que dizeis pode-se depreender que um a ação que, num ponto, pode ser considerada um a reação a um a dada autoridade externa, pode, noutro ponto, ser ação total, da p arte de ou tro indivíduo. K R IS H N A M U R T I: Intelectualm ente, verbalm ente, podem os com petir uns com os outros, liquidar-nos m utuam ente por m eio 26 de explicações, mas isso não tem significação nenhum a; o que a vós pode parecer um a ação com pleta, a m im pode parecer um a ação incom pleta. N ão é isso o que interessa. O que in te­ ressa é ver se vossa m ente, como m ente hum ana, está atuando de m aneira com pleta. U m ente hum ano pertencente ao m undo não é um indivíduo. A palavra “ indivíduo” significa “ indivi­ sível” . Indivíduo é um ser que não está dividido, que não é fragm entário, um ser c o m p le to , m ental e fisicam ente são; e, tam bém , “ com pleto” significa sagrado. Podeis dizer que sois um indivíduo, mas não o sois absolutam ente. Vivei um a vida livre de autoridades, livre de comparação, e vereis como isso é m aravi­ lhoso; dispondes de um a energia trem enda quando não estais com petindo, não estais com parando, não estais reprim indo; sois então um a entidade viva, sã, c o m p le ta e, p or conseguinte, sagrada. IN T E R R O G A N T E : O que estais dizendo não me é bem claro. Q ue devo fazer? K R IS H N A M U R T I: O u o que estou dizendo não está bem claro, ou não com preendeis bem o inglês, ou, ainda, não estais dando atenção continuada. É m uito difícil sustentar a atenção durante um a hora e dez m inutos; há m om entos em que não se presta toda a atenção, e então dizeis: “ Não entendo bem o que estais dizendo” . Verificai se estais prestando constante atenção, escutando, observando, ou se andais a divagar, a “ vagabun­ dear” . . . Q ual é o caso? IN T E R R O G A N T E : Credes que é possível aprender continua­ m ente? K R IS H N A M U R T I: Fazendo a vós m esmo esta pergunta, já tornastes a coisa difícil. Com um a pergunta dessa natureza, estais im pedindo a vós m esmo de aprender; percebeis? Não me interessa saber se posso aprender continuam ente; o que me interessa é isto: E stou aprendendo? Se estou aprendendo, não m e im porta ver se isso está ocorrendo constantem ente; não faço disso um problem a. Tal pergunta não tem cabim ento quando estou aprendendo. IN T E R R O G A N T E : Pode-se aprender de qualquer coisa. K R IS H N A M U R T I: D esde que se .esteja cônscio de estar apren­ dendo. Isto é m uito complexo. Vam os examiná-lo um pouco? 27 “ Posso aprender continuam ente?” Q ual é aqui o fator im p o rtan te — “ aprender” ou “ continuam ente” ? N aturalm ente, o im portante é “ aprender” . Q uando estou aprendéndo, pouco m e im porta “ o resto do tem p o ” — o intervalo de tem po, etc. Só m e im porta aquilo que estou aprendendo. É natural a m ente dispersar-se, cansar-se, tornar-se desatenta. Q uando desatenta, a m ente se ocupa de coisas as mais absurdas. O im portante, p o rtan to , não é “ como tornar atenta a m ente d esatenta” . O im portante é que a m ente se torne cônscia de estar desatenta. E sto u atento, observando as coisas — o m ovim ento das árvores, o correr das águas — e observando a m im m esm o, sem nada corrigir, sem dizer que is to “ devia ser” ou “ não devia ser” — observando, sim plesm ente. Q uando a m ente que está obser­ vando se cansa, fica desatenta e, de súbito, torna-se cônscia desse estado e ten ta obrigar a si própria a prestar atenção, surge o conflito entre a atenção e a desatenção. E eu vos digo: Não façais isso, porém ficai cônscio de estar desatento; só isso. IN T E R R O G A N T E : Podeis explicar-nos como “ estar cônscio de estar desatento” ? K R IS H N A M U R T I: E stou aprendendo a respeito de m im m esmo (não de acordo com “ tal” psicólogo ou especialista). E stou a observar-m e, e vejo em m im m esm o um a certa coisa: não a condeno, não a julgo, não a ponho de lado — observo-a, apenas. Vejo que sou um a pessoa orgulhosa (isto, apenas para exem plo). N ão digo: “ Q ue coisa feia o orgulho; preciso afastá-lo” — obser­ vo-o, apenas. O bservando, estou aprendendo: observar o orgu­ lho significa aprender o que nele está latente, como se origi­ nou ele. N ão posso observá-lo durante mais de cinco ou seis m inutos — e isso já é m uito; em seguida, torno-m e desatento. Como eu estava atento e sei o que é “ desatenção” , luto para converter a desatenção em atenção. Não façais tal coisa, porém observai a desatenção, tornai-vos cônscio de estar desatento; só isso e nada m ais. Parai aí. Não digais: “ Devo passar o m eu tem po a ten to ” , mas apenas notai quando estais desatento. E sten ­ der-nos m ais a este respeito se tornaria m uito complicado. H á na m ente a capacidade de estar continuam ente atenta e vigilante —• vigilante, m esm o quando não há nada para aprender. Essa capacidade, a m ente a possui quando está sobrem odo quieta, 25 silenciosa. Q ue tem para aprender a m ente que está em silên­ cio, cheia de claridade? IN T E R R O G A N T E : A comunicação por meio de palavras, de idéias, não pode tornar-se um hábito, um a tradição? K R IS H N A M U R T I: Só pode tornar-se hábito ou tradição quando as palavras se tom am im portantes. H á necessidade de com uni­ cação verbal, que é “ ver em com um ” a coisa que se está obser­ vando, p or exem plo, o m edo. Isso significa estarm os — vós e este que vos fala — observando, cooperando, com partilhando no m esm o nível, ao m esmo tem po, com a m esma intensidade. Nasce daí uma com unhão verbal que não é hábito. IN T E R R O G A N T E : Com o pode um indivíduo total, com pleto, m entalm ente são — um indivíduo não fragm entado, porém “ indivisível” — am ar a outro? Como pode um ser hum ano com pleto am ar um ser hum ano fragm entado? E , m ais, como pode um indivíduo com pleto am ar ou tro indivíduo com pleto? K R IS H N A M U R T I: Não podeis ser com pleto se não sabeis o que é o am or. Se sois com pleto — no sentido em que estam os em pregando a palavra — não há então a questão de am ar a outrem . Já observastes um a flor, na m argem do cam inho? Ela existe, vive — banhada de sol, exposta ao vento, na beleza da luz e da cor, e não vos diz: “ V inde cheirar-m e, deleitar-vos comi­ go, olhar-m e” . Ela vive, e seu próprio viver é am or. 19 de julho de 1970. 29 3 ANÁLISE “ A análise nunca é com pleta; a negação dessa ação incom pleta é ação to tal.” HL verdadeiram ente im portante com preender, no seu todo, o problem a do viver: desde o m om ento de nascer­ m os até à hora da m orte nos vem os em perene conflito. H á um a lu ta incessante; não só dentro de nós m esm os, m as, exterior­ m ente, em todas as nossas relações, há tensão e lu ta; há cons­ tante divisão e a noção de nossa existência individual separada, oposta à da com unidade. N as relações mais íntim as, cada um busca, secreta ou abertam ente, seu mesm o prazer, cada um visa seus próprios alvos, seu preenchim ento — criando, dessarte, frus­ trações para si próprio. O que chamamos “ viver” é um estado de confusão. No meio desta confusão, querem os ser criadores. U m indivíduo dotado de talento escreve um livro, um poem a, p in ta um quadro, etc. — tudo porém dentro do m esm o padrão de luta, angústia e desespero; e isso é o que considera um “ viver criador” . N o viajar para a Lua, no viver no fundo do m ar, no fazer guerras — em tudo se m ostra esta constante e encarniçada luta do hom em contra o hom em . Eis a nossa vida. Penso que devemos considerar esta questão com m uita seriedade e profundeza e, se possível, descobrir o estado m ental em que se está inteiram ente livre de luta, tanto no nível cons­ ciente como nas camadas subconscientes. 30 A beleza não resulta de conflito. Q uando se vê a .beleza de um a m ontanha ou da rápida corrente d ’água, nessa percepção direta não há nenhum estado de luta. Não há m uita beleza em nossa vida p or causa da perene batalha nela existente. M uito releva descobrir o estado m ental que é essencial­ m ente belo e lúcido, jam ais atingido pela luta; na com preensão dessa luta — não apenas no nível verbal ou intelectual, mas no viver real de cada dia — encontrarem os, decerto, um a certa espécie de paz, dentro em nós m esmos e no m undo. N esta m anhã — se form os andando cautelosam ente, com sensível vigi­ lância — talvez tenham os a possibilidade de com preender a b a ta ­ lha em que vivem os, e dela nos libertar. Q ual a causa básica deste conflito e contradição? Fazei a vós m esmo esta pergunta. Não tenteis form ular um a expli­ cação verbal, mas tratai, tão-só, de descobrir, não verbalm ente, se possível, a base desta contradição e divisão, desta lu ta e con­ flito. Pode-se investigar analiticam ente ou perceber im ediata­ m ente essa base. A naliticam ente, ela poderá revelar-se pouco a pouco; desse m odo, poderá descobrir-se a natureza, a estru ­ tura, a causa e o efeito desta nossa luta interior, da luta entre o indivíduo e o E stado. O u pode-se perceber instantaneam ente a sua causa. P o r essa m aneira, descobre-se a causa de todo este conflito, e de pro n to se percebe a verdade respectiva. T ratem os, pois, de com preender o que significa analisar, ten tar descobrir intelectualm ente, verbalm ente, a causa do con­ flito. Porque, no m esmo instante em que com preenderdes o processo analítico — em que virdes sua verdade ou falsidade — dele ficareis com pletam ente livre, para sem pre. M as, essa com­ preensão significa que vossos olhos, vossa m ente, e vosso cora­ ção perecebem de im ediato a verdade relativa a esse “ processo” . A ele já nos habituam os; estam os condicionados para depender­ mos da análise e das conjecturas filosóficas e psicológicas dos especialistas — para procurarm os com preender o inteiro e com­ plexo processo do viver, analiticam ente, intelectualm ente. Com isso não estam os advogando o contrário: a sentim entalidade ou o emocionalism o. M as, se com preenderdes com toda a clareza a natureza e estrutura do processo analítico, tereis então um a nova visão das coisas e podereis im prim ir à energia até agora aplicada à análise um a direção totalm ente diferente. 31 Análise implica divisão — o analista e a coisa a analisar. N ão Im porta se sois vós m esm o que vos analisais ou se é um especialista quem o faz — de qualquer m aneira há divisão e, p o r conseguinte, já tem os o começo do conflito. Só somos capazes de fazer coisas extraordinárias quando há um a grande paixão e, p o rtan to , abundante energia; só essa paixão pode criar um a vida de espécie totalm ente diferente, em nós m esm os e no m undo. Eis porque tanto im porta com preender o “ processo” da análise, a que a m ente hum ana está apegada há tantos séculos. D en tre os num erosos fragm entos em que nos acham os divi­ didos, um assum e a autoridade como “ analista” ; a coisa que se vai analisar é outro fragm ento. Esse analista se to rn a o “ cen­ sor” ; com seus conhecim entos acum ulados avalia o bom e o m au, o certo e o errado, o que deve ou não deve ser reprim ido, etc. O utrossim , o analista tem o dever de fazer análises com­ pletas, senão suas avaliações, suas conclusões serão parciais. O analista tem de exam inar cada pensam ento — tudo o que for necessário analisar — e isso leva tem po. Pode-se passar a vida inteira analisando — se a pessoa tem dinheiro e inclinação para isso ou se apaixona pelo analista, etc. Podeis passar todos os dias da vida analisando e, no fim , vos achareis no m esm o lugar de onde saístes e com m ais coisas ainda para analisar. Já vimos que na análise há a divisão em analista e coisa analisada, e tam bém que o analista deve analisar com m uita precisão, com pletam ente, senão suas conclusões dificultarão a próxim a analise. Vim os tam bém que o processo analítico requer um tem po infinito, durante o qual outras coisas podem suceder. Assim , ao verdes a inteira estru tu ra da análise, esse ver é então, na realidade, um a negação, um a rejeição dela; ver o que a aná­ lise im plica é a negação dessa ação — ou seja ação com pleta. IN T E R R O G A N T E : Q ue entendeis p or ação incom pleta? K R IS H N A M U R T I: A ação que segue um a idéia, um a ideologia, a experiência acum ulada. Essa ação visa sem pre a aproxim ar-se do ideal, do p rotótipo e, por conseguinte, há separação entre ela e o ideal. Essa ação nunca é com pleta, jam ais é com pleta a aná­ lise; a negação dessa ação incom pleta é a ação total. Ao perce­ ber a futilidade, a inanidade da análise, e todos os problem as a ela inerentes, a m ente nunca mais se interessará nela, nunca mais quererá com preender a “ verdadeira” análise. 32 A m ente que com preendeu o processo da análise tornou-se deveras penetrante, viva, sensível, já que rejeitou essa coisa que considerávam os como o único m eio e m odo de com preensão. Se virdes m uito claram ente, p or vós m esmo — e não fo r­ çado ou com pelido pelos argum entos e raciocínios de outrem — a falsidade ou a verdade em referência à análise, vossa m ente se tornará então livre dela e terá a energia necessária para olhar, investigar noutra direção. Q ue é essa outra direção? É a p er­ cepção im ediata, ou seja a ação total. Com o já vim os, há separação entre o analista e a coisa a analisar, entre o observador e a coisa observada: esta é a causa básica do conflito. Q uando observam os, sem pre o fazemos com base num centro, em nosso fundo de experiência e conheci­ m ento; o “ e u ” — como católico, com unista ou “ especialista” — está observando. H á, assim, separação entre “ m im ” e a coisa observada. Isso não requer m uita com preensão, sendo um fato óbvio. Q uando olhais um a árvore, vosso m arido ou esposa, existe essa separação. Ela existe entre vós e a com unidade. H á, pois, “ observador” e “ coisa observada” : nesta divisão produz-se, inevitavelm ente, a contradição. Essa contradição é a raiz de todas as lutas. Se se percebe que essa é a causa básica do conflito, logo se pergunta: Pode-se observar sem o “ eu” , o “ censor” , sem nenhum a de nossas experiências acum uladas, de aflição, conflito, brutalidade, vaidade, orgulho, desespero, que constituem o “ eu ” ? Podeis observar sem o passado — m em órias, conclusões e espe­ ranças, trazidas do passado — observar sem esse fundo ( b a c k g r o u n d )? Esse fundo — sendo o “ eu ” , o “ observador” — separa-vos da coisa observada. Já algum a vez observastes sem ele? Fazei-o a g o ra , p or favor! — ainda que por divertim ento. Olhai as coisas externas objetivam ente; escutai os sons do rio, observai os contornos das m ontanhas, a beleza, a claridade, que vos rodeiam . Isso é relativam ente fácil, sem a presença do “ e u ” — que é o passado — como observador. M as, podeis olhar-vos interiorm ente, sem “ observador” ? T ende a bondade de olhar-vos — vosso condicionam ento, vossa educação, vossa m aneira de pensar, vossas conclusões e preconceitos — sem nenhum a espécie de condenação, explicação ou justificação — o b s e r v a n d o , apenas. Q uando assim se observa, não há observador e, por conseguinte, não há conflito algum. Essa m aneira de vida difere totalm ente da outra; não é o oposto da outra, nem um a reação a ela: é d ife r e n te . Nela, há liberdade infinita, abundante energia e paixão. Ela é obser­ vação total, ação com pleta. Q uando tiverdes visto e com preen­ dido com pletam ente, vossa ação será sem pre lúcida. É como olhar o m apa inteiro, em vez do detalhe — o lugar aonde dese­ jais ir. D escobris, assim, p o r vós m esm o, como ente hum ano, que é possível viver sem nenhum a espécie de conflito. Isso im plica um a trem enda revolução interior. A revolução interior, com­ pleta e total, produto da com preensão do conflito causado pela divisão entre o observador e a coisa observada, faz surgir um viver de qualidade inteiram ente diferente. A gora, se vos aprouver, penetrem os mais nesta m atéria por m eio de perguntas. IN T E R R O G A N T E : Com o podem os divorciar-nos dos proble­ m as, se vivem os num m undo cheio de problem as? K R IS H N A M U R T I: Sois diferente do m undo? m undo? IN T E R R O G A N T E : m undo. Sou um a simples Vós não sois o pessoa que vive no K R IS H N A M U R T I: “ Um a simples pessoa que vive no m undo” — dissociada, desligada de tudo o que está ocorrendo no m undo? IN T E R R O G A N T E : Não, eu faço parte dele. divorciar-m e dele? M as, como posso K R IS H N A M U R T I: N ão tendes nenhum a possibilidade de divor­ ciar-vos do m undo: vós sois o m undo. Se viveis num m undo cristão, estais condicionado por sua civilização, religião, educa­ ção, por sua industrialização, etc. Não podeis de m odo nenhum separar-vos desse m undo. O s m onges sem pre tentaram retirar-se do m undo, isolando-se em m osteiros e, todavia, eles são o resultado do m undo em que vivem ; pretendem fugir dessa cul­ tura, voltando-lhe as costas, dedicando-se ao que consideram ser a verdade, ao ideal de Jesus, etc. IN T E R R O G A N T E : Q ue possibilidade tenho de exam inar a m im m esm o com a m ente cheia de preocupações — ganhar di­ nheiro, adquirir casa própria, etc.? 34 K R IS H N A M U R T I: Como encarais o vosso em prego, como o considerais? IN T E R R O G A N T E : Com o meio de subsistência, neste m undo. K R ISEIN A M U R TI: “ Preciso de um em prego para subsistir” . T oda a estru tu ra da sociedade, seja aqui, seja na Rússia, baseia-se no subsistir a qualquer preço, no fazer o que a sociedade determ ina. Com o subsistir em segurança, duradouram ente, quan­ do há divisão entre nós? Q uando vós sois europeu e eu sou asiático, quando há separação, cada um de nós com petindo para ter segurança, para subsistir, por conseguinte a batalharm os uns contra os outros, individual ou coletivam ente, como é possível a subsistência — subsistência tem porária? A verdadeira questão, pois, não é a subsistência, mas, sim, se se pode viver neste m undo sem nenhum a divisão. Q uando não houver mais divisão, poderem os subsistir, a pleno, sem m edo. Já houve guerras religiosas; houve guerras m edonhas entre católicos e protestantes •— cada um a das facções alegando “ precisam os subsistir” . N unca disseram a si próprios “ Como é insensata esta divisão — um crer nisto, outro crer naquilo!” ; jamais perceberam eles o absurdo de seu condicionam ento. P o ­ demos aplicar toda a força de nosso pensar, de nosso sentir, de nossa paixão, em descobrir se é possível viver sem essa divi­ são, vale dizer, viver com plenitude e com pleta segurança? Mas, nada disso vos interessa. Só vos interessa subsistir. Vede, senhores, os governos soberanos, com seus exércitos, dividiram o m undo e estão sem pre a agredir-se m utuam ente, a fim de m anter o seu prestígio e garantir a própria subsistência econômica. Em boas mãos, e sem necessidade dos políticos, os com putadores poderão alterar toda a estru tu ra deste m undo. M as, nós não tem os interesse na união da hum anidade. E n tre ­ tanto, politicam ente, é este o único problem a. E esse problem a só será resolvido quando não houver m ais políticos, nem gover­ nos soberanos, nem seitas religiosas separadas. E vós, aqui presentes, sois os hom ens mais aptos para resolvê-lo. IN T E R R O G A N T E : Não é necessária um a análise consciente, para se chegar a essa conclusão? K R IS H N A M U R T I: Isso é um a conclusão, um resultado de aná­ lise? O bservai, sim plesm ente, o fato. Pode-se ver que o m undo 35 está dividido pelos governos soberanos e as religiões; vós podeis vê-lo; ver é análise? IN T E R R O G A N T E : Não achais que, para alterarm os esse estado de coisas, necessitam os tam bém de um a revolução externa? K R IS H N A M U R T I: Revolução interna e externa ao mesm o tem po. Não, prim eiro um a e depois a outra; as duas devem ser sim ultâneas. Deve ser um a instantânea revolução interior e exte­ rior, sem se dar mais relevo a um a ou à outra. Como realizá-la? Só quando se vê esta verdade que a revolução interior é a revo­ lução exterior. Q uando a virdes de fato, e não intelectualm ente, verbalm ente, idealm ente, a revolução se realizará. O ra, existe em vós essa interior e total revolução? Se não existe e quiser­ des prom over a revolução exterior, im plantareis o caos no m un­ do. M as — já h á caos no m undo. IN T E R R O G A N T E : Falais de G overnos, Igrejas e Nacionalism o; eles têm isso que se cham a “ o p o d er” . K R IS H N A M U R T I: O s burocratas querem o poder e o têm . Não desejais exercer poder — sobre vossa esposa ou m arido? Em vossas conclusões, em relação ao que pensais ser correto, há poder; todo ente hum ano deseja um a certa espécie de poder. P o rtan to , não ataqueis o poder de que outros se acham inves­ tidos, porém libertai-vos do desejo de poder existente em vós m esm o; vossa ação será então totalm ente diferente. Querem os atacar o poder externo, arrancá-lo das mãos de quem o detém para dá-lo a outrem ; nunca dizemos “ livrem o-nos de toda espé­ cie de dom ínio e de posse” . Se realm ente aplicásseis toda a energia de vossa m ente em libertar-vos de qualquer espécie de poder — quer dizer, fu n c io n a r sem assum irdes um a p o siç ã o — teríeis a possibilidade de criar um a sociedade inteiram ente dife­ rente. IN T E R R O G A N T E : Se tendes fom e, não podeis sequer começar a tra tar destas questões. K R IS H N A M U R T I: Se vós estivésseis realm ente com fom e, não estaríeis aqui! Nós não estam os com fom e e, p ortanto, dispo­ mos de tem po para escutar e para observar. Podeis alegar que, sendo um pequeno grupo de pessoas, um a gota dágua no oceano, que podem os nós fazer? É esta um a pergunta válida, quando 36 nos vem os em presença cio enorm e e com plexo problem a do m undo em que vivem os? Como ente hum ano, como simples indivíduo, que posso fazer? Se estivésseis realm ente enfren­ tando o problem a, farieis tal pergunta? Estaríeis, agora mesm o, trabalhando. Com preendeis, senhor? Ao dizerdes “ Q ue posso eu fazer?” — esta pergunta já denota desespero. IN T E R R O G A N T E : M uita gente está a m orrer de fom e e pre­ cisa fazer im ediatam ente o necessário para sobreviver. Q ue pode significar para eles o que se está dizendo aqui? K R IS H N A M U R T I: Nada. Q uando estou com fome, quero co­ m ida — e o que se está dizendo aqui tem para m im m uito pouca significação. Assim, que quereis perguntar? IN T E R R O G A N T E : Nós somos um a m inoria, um grupo insigni­ ficante, A grande m aioria — na ín d ia , na Ásia, em certas par­ tes da E uropa e da Am érica — anda realm ente fam inta. Q ue influência pode ter em toda essa gente o que se está dizendo aqui? K R IS H N A M U R T I: Isso depende de vós, do que fizerdes, m es­ mo como um a m inoria insignificante. Um a enorm e revolução ocorrerá no m undo, quando um a m inoria de pessoas se tiverem transform ado interiorm ente. P reocupado com as aflições do m undo —• a pobreza, a degradação, a fome — perguntais “ Q ue posso fazer?” . O que se pode fazer é, ou aderir im pensada­ m ente a um a dada revolução externa, tentando despedaçar a atual estrutura social para criar o u tra de nova espécie (com o que voltarão as mesmas aflições de a n te s), ou considerar a pos­ sibilidade de um a revolução total — não parcial ou m eram ente física — na qual a psique possa atuar, num a relação inteiram ente diferente com a sociedade. IN T E R R O G A N T E : Falais como se a revolução interior se veri­ ficasse instantaneam ente; é realm ente assim que ela ocorre? K R IS H N A M U R T I: A revolução interior depende do tem po, de um a gradual m udança interna? Eis um a questão m uito com­ plexa. Nós estam os condicionados para aceitar a idéia de que a m udança ocorrerá em virtude de um a interna e gradual revo­ lução. Verifica-se ela (a m udança) aos poucos, gradativam ente, ou a c o n te c e instantaneam ente, ao perceber-se a verdade a seu respeito? Ao ver-se um perigo súbito, a ação é instantânea, não? N ão é gradual ou analítica; em presença do perigo, há ação im ediata. Estam os a apontar-vos perigos — os perigos da aná­ lise, o perigo da sede de poder, o perigo do adiam ento, da divisão. Q uando se vê a periculosidade de um a coisa — não verbalm ente, porém realm ente, física e psicologicam ente — há então ação instantânea, a ação da revolução im ediata. P ara ver­ des esses perigos psicológicos, necessitais de um a m ente sensí­ vel, alertada, vigilante. Se perguntardes “ Como adquirir um a m ente vigilante e sensível?” , vos vereis de novo às voltas com a gradualidade. M as, se perceberdes a necessidade da revolução instantânea, tal como, em presença de um perigo, percebeis a necessidade de ação im ediata — e a sociedade é um perigo, e todas as coisas que vos cercam são perigosas — haverá então ação total. 21 de julho de 1970. 38 4 FRAGMENTAÇÃO “ Só nasce um problem a quando se vê a vida fragm entariam ente. D escobri a beleza de ver a vid a com o um to d o .” K - R i s h n a m u r t i : E m presença de nossos num e­ rosos problem as, tem os a propensão de resolvê-los cada um de per si. Se é um problem a sexual, tratam o-lo com o coisa com ple­ tam ente isolada dos outros problem as. O mesm o acontece em relação ao problem a da violência ou da fom e, problem as que procuram os resolver no cam po político, econômico ou social. Não sei porque querem os resolver cada problem a separadam ente. O m undo está sob o im pério da violência; os poderes existentes procuram resolver cada problem a como se estivesse separado do resto da vida. Não consideram os os problem as como um todo, cada problem a em relação com outros problem as. A violência, como podem os observá-la em nós m esm os, faz parte de nossa herança anim al. Um a boa parte de cada um de nós é anim al e, se não com preendem os nossa estru tu ra de entes hum anos totais, e apenas tratam os de acabar com a violência, separadam ente, daí resultará mais violência ainda. Penso que isso precisa ser com preendido claram ente por cada um de nós. H á m ilhares de problem as, aparentem ente separados, e nunca vemos que eles estão relacionados entre si e que nenhum deles pode ser resolvido isoladam ente, de per si. Tem os de considerar a vida como um contínuo m ovim ento de problem as e de crises, 39 graves e insignificantes. P enetrem os com m uito cuidado nesta m atéria, porque, se não for com preendida claram ente, quando estiverm os considerando as questões do m edo, do am or, da m or­ te, da m editação e da realidade, não com preenderem os como essas coisas possam estar relacionadas en tre si. P orque a beleza da vida, o êxtase, a im ensidade, não estão separados de nossos problem as diários. Se disserdes: “ Só m e interessa a m editação e a verdade” — nunca as descobrireis, sem a com preensão de que os problem as estão relacionados. O problem a da fom e, por exem plo, não pode ser resolvido isoladam ente, um a vez que está em relação com as divisões nacionais, políticas, econôm icas, so­ ciais, religiosas e psicológicas — entre os hom ens. E tem os o problem a das relações pessoais, o problem a do sofrim ento — não apenas físico, mas tam bém psicológico — os problem as ati­ nentes às aflições que não só nos atingem individualm ente, mas ao m undo inteiro — toda a angústia e confusão existentes no m undo. Se tentam os achar um a solução para cada problem a em particular, o que fazemos é criar mais divisão e mais conflito'. Se sois entes verdadeiram ente sérios e am adurecidos, já deveis ter perguntado a vós m esm os por que razão a m ente tenta resol­ ver cada problem a como se ele não estivesse em relação com outros problem as. P o r que razão faz a m ente hum ana essa divisão em “ e u ” e “ m eu” , “ n ó s” e “ eles” , religião e política, etc.? P orque essa constante divisão e tanto esforço para resol­ ver cada problem a de per si, isoladam ente? P ara poderm os responder a essa pergunta, cum pre-nos investigar a função do pensam ento, seu significado, sua subs­ tância e estrutura; porque é possível que o próprio pensam ento seja o fato r da divisão e, p ortanto, o próprio processo de ten tar um a solução por meio do pensam ento, do raciocínio, seja cau­ sador de separação. Deseja-se um a revolução física, a fim de estabelecer um a ordem m elhor, esquecendo-se as conseqüêncías da revolução física, esquecendo-se a integral natureza psicológica do hom em . É preciso, pois, fazer esta pergunta. E , de quem a resposta? D o pensam ento ou da com preensão desta vasta estru tu ra da vida hum ana? Q uerem os averiguar porque existe esta divisão. Dela tra ­ tamos há dias, em relação ao “ observador” e à “ coisa observada” . 40 Deixem os isso de parte, e olhem o-la de diferente m aneira. O pensam ento cria de fato divisão? Se cria, a razão é que ele procura a solução de um dado problem a separadam ente de outros problem as. P o r favor, não concordeis comigo; não é caso de concordar, mas, sim, de verdes por vós m esm o a verdade ou falsidade do que se está dizendo. N ão aceiteis em circunstância nenhum a e em tem po algum o que este orador diz. A qui não há autoridade nenhum a, nem vossa, nem m inha; estam os, em com um , inves­ tigando, observando, olhando, aprendendo. Se o pensam ento, por sua própria natureza e estrutura, divide a vida em tantos problem as, o procurar-lhes a solução por m eio do pensam ento só pode levar a um a solução isolada e, por conseguinte, tal solução cria mais confusão e mais aflição. Cum pre-nos averiguar, p or nós m esm os, livrem ente, sem pre­ conceitos e conclusões, se é dessa m aneira que o pensam ento funciona. Em geral tentam os achar a solução de um problem a intelectualm ente ou em ocionalm ente, ou dizemos que a encon­ tram os intuitivam ente. É preciso m uito cuidado com esta pala­ vra “ intuição” ; nela se encerra m uita ilusão, porquanto a in tu i­ ção pode ser ditada por nossas próprias esperanças, tem ores, am arguras, desejos, etc. Procuram os um a solução de ordem intelectual ou em ocional, como se o intelecto fosse coisa sepa­ rada da emoção, e a emoção coisa separada da reação física. Nossa educação e cultura, bem como todos os nossos conceitos filosóficos, se baseiam nessa perspectiva intelectual da vida; nossa estrutura social e nossa m oralidade fundam entam -se nessa divisão. O ra, se o pensam ento divide, de que m aneira o faz? Se realm ente observardes isso em vós m esm o, vereis a extraordi­ nária descoberta que fareis. Sereis a luz de vós m esm o, sereis um ente hum ano “ integrado” , e não necessitareis de ninguém para dizer-vos o que deveis fazer, o que deveis pensar, e como deveis pensar. O pensam ento pode ser adm iravelm ente racional; ele deve raciocinar conseqüentem ente, logicam ente, objetiva­ m ente, sãm ente; deve funcionar perfeitam ente, qual um com pu­ tador, trabalhando com precisão, sem atrito nem conflito. Racio­ cinar é necessário; a sanidade m ental faz p arte da capacidade de raciocinar. 41 P ode o pensam ento, alguma vez, ser novo, pu ro ? T odo problem a hum ano —• não problem as m ecânicos e científicos — é sem pre novo, e o pensam ento procura com preendê-lo, procura alterá-lo, procura traduzi-lo, procura fazer alguma coisa a seu respeito. Se sentíssem os, profundam ente, am or uns pelos outros — não verbalm ente, porém realm ente — toda esta divisão cessaria. Isso só pode ocorrer quando não h á condicionam ento algum, nenhum centro, constituído pelo “ e u ” e o “ vós” . M as o pensa­ m ento, sendo atividade do cérebro, do intelecto, é com pleta­ m ente incapaz de am ar. O pensam ento precisa ser com preen­ dido, e perguntam os se o pensam ento é capaz de ver qualquer coisa nova; ou o fato é que o “ novo” pensam ento é sempre velho, de m odo que, ao enfrentar um problem a da vida — que é sem pre novo — ele não pode vê-lo como novo, porquanto ten ta traduzi-lo de acordo com seu próprio condicionam ento. O pensam ento é necessário, e, contudo, vê-se que o pensa­ m ento divide — “ eu” e “ não e u ” , etc.; ten ta resolver o p ro ­ blem a da violência isoladam ente, não relacionado com todos os outros problem as da existência. O pensam ento é sem pre o passado; se não tivéssem os o cérebro, que, como um gravador de fitas, acum ulou inform ações e experiências de toda espécie, não teríam os possibilidade de pensar ou de reagir. O pensa­ m ento, ao encontrar-se com um novo problem a, não pode deixar de traduzi-lo em seus próprios term os, relativos ao passado e, p or conseguinte, criar divisão. Deixai de parte tudo o m ais, por ora, e observai vosso pen­ sar; ele é reação do passado. Se não tivésseis pensam entos, não haveria passado, vos acharíeis num estado de amnésia. O pensam ento, inevitavelm ente, divide a vida em passado, presente e futuro. E nquanto existir pensam ento, como passado, a vida será dividida nessas seções de tem po. Se desejo com preender o problem a da violência, com ple­ tam ente, totalm ente, de m odo que a m ente dela se liberte de form a total, só o com preenderei pela com preensão da estru tu ra do pensam ento. É o pensam ento que gera a violência: “ m inha” casa, “ m in h a” m ulher, “ m inha” p átria — contra-sensos! — Q uem é esse “ eu ” perm anente, oposto a tudo o m ais? Q ual a sua causa? A educação, a sociedade, o G overno, a Igreja? T udo 42 o está causando, e eu faço parte desse todo. O pensam ento é m atéria; está localizado na própria e stru tu ra, nas próprias célu­ las do cérebro e, assim, quando o cérebro funciona — psicoló­ gica, social ou religiosam ente — fá-lo, necessariam ente, de acordo com seu condicionam ento passado. Vem os que o pensam ento é de essencial im portância e deve funcionar de m aneira absoluta­ m ente lógica, objetiva, im pessoal, e vemos, ao m esmo tem po, que ele é fato r de divisão. Não p retendo im pelir-vos a concordar com o que estou dizendo, mas percebeis que o pensam ento inevitavelm ente di­ vide? N otai o que acontece: vendo que o nacionalism o tem levado a toda espécie de guerras e de aflição, o pensam ento diz: “ Unam o-nos todos e form em os um a liga de nações” . Mas o pensam ento está ainda a funcionar, ainda a m anter a sepa­ ração — vós como italiano, conservando vossa soberania italiana, etc. Ao m esm o tem po que se fala em fraternid ade, m antém -se a separação, e isso é hipocrisia. Esse jogo duplo é característico do pensam ento. E stá visto, pois, que o pensam ento não traz nenhum a solu­ ção, mas daí não decorre que é preciso m atar a m ente. Q ue m ente é essa que vê, em sua totalidade, todos os problem as que surgem ? Um problem a sexual é um problem a total, relacio­ nado com a cultura, o caráter, os vários problem as da vida — e não um fragm ento de problem a. Q ue m ente é essa que vê cada problem a totalm ente? IN T E R R O G A N T E : C om preendi o que dissestes, mas resta um a questão. K R IS H N A M U R T I: Dizeis ter com preendido o que o pensa­ m ento faz, tan to no mais alto como no m ais baixo nível, m as, se há ainda o u tra questão, q u e m é que a apresenta? Q uando o cérebro, o sistem a nervoso inteiro, a m ente — que abrange todo esse conjunto — diz “ C om preendi a natureza do pensa­ m en to ” — então o passo seguinte é este: ver se a m ente pode olhar a vida, em toda a sua vastidão e com plexidade, com suas aparentem ente interm ináveis aflições. E sta é a única questão, e não é o pensam ento quem a está apresentando. A m ente, tendo observado a inteira estru tu ra do pensam ento, conhece ago­ ra o seu valor relativo; pode essa m ente olhar com olhos jamais turvados pelo passado? 43 E sta é um a questão m uito séria e não um m ero passatem po. Tem os cie devotar nossa energia e paixão, e nossa vida, a com­ preendê-la, porque essa é a única solução para esta terrível brutalidade, aflição, degradação, corrupção de toda espécie. Pode a m ente, o cérebro — que tam bém se corrom peu p or influência do tem po — ficar quieta, para que possa ver a vida como um todo e, por conseguinte, livrar-se de todos os problem as? Só surge um problem a quando a vida é vista íragm entariam ente. D escobri quanto é belo ver a vida como um todo. Q uando se vê a vida como um todo, não há mais problem a nenhum . Só a m ente e o coração que se acham fragm entados criam proble­ mas. O centro do fragm ento é o “ e u ” . O “ eu ” é criado pelo pensam ento; n ã o t e m , e m si, n e n h u m a rea lid a d e . O “ e u ” — “ m inha” casa, “ m inha” desilusão, “ m eu” desejo de tornar-m e im portante — esse “ e u ” é p ro d u to do pensam ento, que d iv i d e . Pode a m ente olhar sem o “ e u ” ? Não tendo possibilidade de fazê-lo, esse mesm o “ e u ” diz: “ Vou devotar-m e a Jesus, a Buda, a isto ou àquilo” — com preendeis? — “ Tornar-m e-ei com unista, para dedicar-m e a todo o m undo” . O “ e u ” que se identifica com aquilo que considera “ m aior” , é sem pre “ e u ” . Assim , pergunta-se: Pode a m ente, o cérebro, o coração, o ser inteiro, observar sem “ e u ” ? O “ eu ” vem do passado; não existe “ eu ” do presente. O presente não pertence ao tem po. P ode a m ente libertar-se do “ e u ” , para olhar toda a vastidão da vida? Pode, sim, e de m aneira com pleta, total, quando se com preendeu fundam entalm ente, com todo o ser, a natureza do pensar. Se não tiverdes dedicado vossa atenção, tudo o que tendes, a descobrir o que é o pensar, jamais tereis a possibilidade de descobrir se é possível observar sem o “ e u ” . Se não fordes capaz de observar sem o “ eu” , os problem as continuarão exis­ tentes —• cada problem a em oposição a outro. E posso garantir-vos que todos esses problem as cessarão quando o hom em com e­ çar a viver de m odo com pletam ente diferente, quando a m ente puder olhar o m undo como um m ovim ento total. IN T E R R O G A N T E : N o começo da palestra, dissestes que gos­ taríeis de saber por que razão tentam os resolver os problem as separadam ente. Não é a urgência um a das razões que nos im pe­ lem a resolver os problem as isoladam ente? 44 K R IS H N A M U R T I: Q uando vedes perigo, agis. Nessa ação não há nenhum a questão de urgência, nenhum a impaciência — a gente age. Só há “ urgência” e a exigência de ação im ediata quando se vê o perigo como um a ameaça ao “ eu” , como pensa­ m ento. Q uando se vê, em seu todo, a periculosidade do pensa­ m ento, a dividir o m undo em fragm entos, esse v e r ê a urgência e a ação. Ao verdes realm ente a fom e, tal como existe na índia, e ao verdes como foram criadas essas condições, a indi­ ferença das pessoas e dos governos, a inépcia dos políticos, que deveis fazer? A tacar um dado aspecto do problem a da fom e, isoladam ente? O u dizeis: “ T udo isso é um fato psicológico, centralizado no “ e u ” , que foi criado pelo pensam ento” ? Se esse problem a, em todos os seus aspectos, é com pleta e totalm ente com preendido — não só a fom e física, mas a m iséria hum ana decorrente da falta de am or — sabereis qual é a ação correta. A própria m udança é urgência; não é p or causa da urgência que a m udança ocorre. IN T E R R O G A N T E : Pareceis dizer que o pensam ento deve fun­ cionar, e ao m esmo tem po que não pode funcionar. K R IS H N A M U R T I: O pensam ento deve funcionar logicam ente, im pessoalm ente e, contudo, m anter-se quieto. Como pode isso verificar-se? Vedes ou com preendeis, realm ente, a natureza do pensar (não de acordo comigo ou com algum especialista) — vedes, vós m esm o, como funciona o pensam ento? O ra, senhor, quando vos fazem um a pergunta sobre um a coisa com que estais perfei­ tam ente fam iliarizado, vossa resposta é im ediata, não? Se a pergunta é um tanto complicada, necessitais de mais tem po para responder. Q uando ao cérebro se apresenta um a pergunta cuja resposta ele não pode achar, após rebuscar todas as suas lem branças e livros — então ele diz: “ Não sei” . Fez ele uso do pensam ento para dizer “ N ão sei” ? Ao dizerdes “ Não sei” , vossa m ente não está a buscar, não está a esperar: a m ente que diz “ Não sei” é inteiram ente diferente da m ente que funciona com o conhecim ento. Pode, pois, a m ente ficar com pletam ente livre do conhecim ento, e, todavia, funcionar eficazm ente no cam ­ po do conhecim ento? O s dois campos não são separados. Q uan­ do se deseja descobrir um a coisa nova, cum pre rejeitar o passado. O novo só pode m anifestar-se quando se está libertado do conhe­ cim ento. Essa liberdade pode ser constante, o que significa que a m ente está vivendo em com pleto silêncio, num estado de n ã o -e x is tê n c ia . Esse estado de não-existênda e de silêncio é vasto e, dentro dele, podem os servir-nos do conhecim ento —* conhecim ento técnico —■para fins práticos. T am bém , de dentro desse silêncio, pode ser observado o todo da vida —■sem o “ e u ” . IN T E R R O G A N T E : N o começo da palestra dissestes que, quando se quer m udar as coisas externam ente, essa ação conduz à d itadura de um grupo ou de um a pessoa. Não achais que estam os vivendo debaixo da ditadura do dinheiro e da indústria? K R IS H N A M U R T I: N aturalm ente. O nde há autoridade, há dita­ dura. P ara prom over-se um a m udança social, religiosa, ou hum a­ na, é necessário, prim eiram ente, com preender toda a estru tu ra do pensam ento, como o “ e u ” , que busca o poder. Pode a m ente viver sem buscar o poder? Respondei, senhor. IN T E R R O G A N T E : Não é natural buscar o poder? K R IS H N A M U R T I: D ecerto é “ n atu ral” — como se costum a dizer. É natural um cachorro querer dom inar os outros cachor­ ros. M as, nós somos tidos por entes hum anos cultos, educados, inteligentes, e parece que em todos estes m ilênios não aprende­ mos a viver sem essa sede de poder. IN T E R R O G A N T E : E u gostaria de saber se a m ente é capaz de fazer um a pergunta a respeito de si própria cuja resposta ela já não conheça. K R IS H N A M U R T I: Q uando a m ente como “ e u ” , como pensa­ m ento separado, faz a si própria um a pergunta a seu próprio respeito, já achou a resposta, porque está falando acerca de si m esm a; está tocando o m esm o sino com um badalar diferente, mas o sino é o m esmo. IN T E R R .O G A N T E : Podem os atuar sem nenhum “ eu ” ? não significa viver em contem plação? Isso K R IS H N A M U R T I: Podeis viver no isolam ento, em contem pla­ ção? Q uem irá dar-vos comida, roupas? O s m onges e os vários im postores religiosos sem pre fizeram isso. N a ín d ia , há gente que diz: “ E u vivo em contem plação; alim entai-m e, vesti-m e, 46 banhai-m e, estou com pletam ente desligado do m undo” . O ra, isso é m uito infantil. N ão tendes possibilidade nenhum a de isolar-vos, já que estais sem pre em relação com o passado ou com as coisas que vos cercam. V iver no isolam ento, cham ando a isso “ contem plação” , é m era fuga, autom istificação. 23 de julho de 1970. 47 5 M E D O E PRAZER “ Se se deseja com preender e ficar livre do m edo, deve-se com preender o prazer; são coisas relacionadas.” I N Í A últim a reunião estivem os falando sobre a estru tu ra e atividades do pensam ento — sobre a m aneira como o pensam ento divide e cria enorm e conflito nas relações hum a­ nas. N esta m anhã, será oportuno considerarm os — não in te­ lectual ou verbalm ente — a natureza do prazer e do m edo, e se tem os possibilidade de libertar-nos totalm ente do sofrim ento. N esta investigação, tem os de exam inar com m uita atenção a questão do tem po. Um a das coisas mais difíceis é a com uni­ cação, que não só requer precisão no em prego das palavras, mas tam bém um a precisão de percebim ento que transcenda todas as palavras, e um sentim ento de íntim o contato com a realidade. Se, escutando este orador, vos lim itais a in terp retar as suas palavras em conform idade com vossos gostos e aversões pessoais, sem tom ardes conhecim ento de vossas próprias tendências interpretativas, então a palavra se torna esta prisão em que, infeliz­ m ente, a m aioria de nós estam os cativos. M as, se a pessoa está cônscia do significado da palavra e do que atrás dela se esconde, torna-se então possível a comunicação. “ Com unicação” im plica, não só com preensão verbal, mas tam bém viajar conjun­ tam ente, exam inar conjuntam ente, participar conjuntam ente, criar conjuntam ente. Isso é m uito im portante, principalm ente quando se está falando a respeito do sofrim ento, do tem po e da 48 natureza do prazer e do m edo. Estas são questões m uito com ­ plexas. T odo problem a hum ano é verdadeiram ente com plexo e requer, para sua percepção, um a certa austeridade e sim plicidade. Com a palavra “ austeridade” não nos referim os à rigidez ou seve­ ridade — significado com um ente dado a essa palavra — a nenhum a idéia de sequidão, disciplina e controle. O que tem os em m ente é a austera sim plicidade que deve existir no exam e e na com preensão dos assuntos de que vamos tratar. A m ente deve ser realm ente sensível. Sensibilidade implica inteligência que ultrapassa a interpretação intelectual, que ultrapassa o emocíonalism o e o entusiasm o. N o exam inar, no escutar, no obser­ var e aprender a respeito do tem po, do prazer, do m edo e do sofrim ento, é necessária aquela sensibilidade que dá a im ediata percepção de que um a coisa é verdadeira ou falsa. T al sensi­ bilidade não é possível, se o intelecto, em sua atividade pensante, está dividindo, interpretando. Espero tenhais com preendido o que dissem os, na últim a reunião, sobre como o pensam ento, por sua própria natureza, divide as relações hum anas — em bora ele seja necessário, para o raciocínio, para o pensar são, claro e objetivo. No que respeita à m aioria de nós, o m edo é nosso constante com panheiro; quer a pessoa esteja cônscia dele, quer não, ele está presente em algum escuro recesso da m ente; e nós estam os perguntando se é possível a m ente livrar-se, com pleta e to tal­ m ente, dessa carga. O orador pode sugerir esta pergunta, mas a vós é que cabe resp o n d er; pois o problem a é vosso; por conse­ guinte, deveis ser suficientem ente persistente e suficientem ente sutil, para o perceberdes e o seguirdes até o fim , de m odo que, ao sairdes deste pavilhão, nesta m anhã, vossa m ente esteja deveras livre do m edo. Isso talvez seja pedir m uito, mas a coisa é pos­ sível. Para a m ente que foi condicionada na cultura do m edo, com as complicadas conseqüências neuróticas de suas ações, o simples form ular da pergunta sobre a possibilidade de se ficar com pletam ente livre do m edo já é, em si, um problem a. Um problem a só existe quando insolúvel, quando não podem os dar cabo dele e ele volta e to rn a a voltar. Pensais te r resolvido a questão do m edo e, entretanto, ele continua a m anifestar-se em diferentes form as. Se dizeis: “ É impossível livrar-nos do m edo” , já fechastes o cam inho a vós m esm o. Devem os ter m uito cui­ dado para não fecharm os o cam inho a nós m esm os, não im pe­ 49 dirm os a nós mesmos de exam inar a questão do m edo até sua com pleta solução. T odo estado de m edo gera atividades nocivas, não só neu­ rótica e psicologicam ente, mas tam bém exteriorm ente. Torna-se existente o problem a da segurança, tanto física como psicológica. P restai atenção ao que estam os dizendo, porque nós vamos exa­ m inar um a coisa que requer m uita atenção — não o vosso con­ cordar, nem vossa interpretação, porém vosso perceber e ver a coisa tal como é. Não necessitais de nenhum in térp rete; exam i­ nai por vós mesm o, descobri por vós mesm o. A m aioria de nós já tivem os tem ores físicos, como o m edo de um a doença, da ansiedade que ela inspira e da dor com que nos atenaza, ou a presença de um perigo físico. A nte um perigo físico, de qualquer espécie, sentis m edo? Q uando se cam inha por lugares selvagens da ín d ia, da África ou da Am érica, pode-se encontrar um urso, um a serpente ou um tigre; há então ação im ediata — não ação consciente, deliberada, porém ação instin­ tiva. O ra, essa ação procede do m edo, ou da inteligência? E sta ­ mos tentando achar um a ação que seja inteligente, em com pa­ ração com a ação nascida do m edo. Ao encontrar-nos com um a serpente, só há a instantânea reação física: fugir, suar, procurar fazer algum a coisa em face da situação. Essa é um a reação con­ dicionada, porque há m uitas gerações nos dizem que devemos ter cuidados com as serpentes, os animais selvagens. O cérebro, o sistem a nervoso, reage instintivam ente, para proteger-se; essa é um a reação natural, inteligente. É necessário proteger o orga­ nism o físico; a serpente representa um perigo, e a reação de proteção, frente a esse perigo, é um a ação inteligente. Considerem os a dor física. Sofrestes dores anteriorm ente e tendes m edo de que elas voltem . Esse m edo é causado pelo pensam ento, pelo pensardes num a coisa que aconteceu há um ano ou ontem , e que poderia to rn ar a acontecer am anhã. E xa­ m inai bem isso, observai vossas próprias reações e a natureza de vossas atividades. A qui, o m edo é produto do pensam ento consciente ou inconsciente — o pensam ento como tem po (não tem po cronológico), a pensar no que sucedeu e criando o m edo de que to rn e a suceder no fu tu ro . O pensam ento é, pois, tem po. E o pensam ento produz m edo: “ Posso m orrer am anhã” ; “ Pode-se ficar sabendo de um a certa coisa que p ratiquei no passado” '— o pensar nisso faz m edo. Fizestes algo que não desejais se torne conhecido, ou desejais fazer, no fu turo, um a certa coisa que não tereis possibilidade de fazer. T udo isso é produto do pensam ento como tem po. Pode esse m ovim ento do pensam ento, que gera o m edo, no tem po, e que é tem po, cessar? C om preendestes esta p er­ gunta? H á a ação inteligente de proteção e preservação p ró­ prias, a necessidade física de sobrevivência — que é um a reação natural e inteligente. E há a outra reação: o pensam ento pensar um a coisa e “ p ro jetar” a possibilidade de sua repetição no futuro, gerando, assim, m edo. A questão, pois, é esta: Pode esse m ovim ento do pensam ento, tão direto, tão constante e p er­ suasivo, cessar natu ralm ente? Não pela oposição; se a ele vos opondes, essa oposição é ainda produto do pensam ento. Se exerceis a vontade para detê-lo, isto é ainda produto do pensa­ m ento. Se dizeis “ Não quero pensar dessa m aneira” — quem é a entidade que diz “ Não q u ero ” ? O pensam ento — na espe­ rança de que, fazendo cessar esse m ovim ento, alcançará um a o utra coisa. Aí tem os, pois, mais um produto do pensam ento. O pensam ento poderá “ p ro jetar” essa coisa e não ter a possibi­ lidade de obtê-la; p or conseguinte, mais um a vez, o m edo. Assim, perguntam os se toda essa atividade de pensam ento, que produziu o m edo psicológico — não um a só espécie de m edo, mas um a m ultidão de espécies — pode cessar natural­ m ente, facilm ente, sem nenhum esforço. Se se faz qualquer esforço, esse esforço é ainda pensam ento e, conseqüentem ente, gerador de m edo. C um pre achar um a m aneira de fazer o pensa­ m ento deter-se naturalm ente e não mais criar m edo. Estam os todos nós em comunicação — não apenas no nível verbal? Podeis ter percebido claram ente a idéia, mas o que nos interessa não é a com preensão verbal da idéia, e, sim, o fato de terdes m edo em vossa vida diária. Não nos interessa descrever a vossa vida; a descrição não é a realidade, a expli­ cação não é a coisa explicada, a palavra não é a coisa que ela representa. Vossa vida, vosso m edo não estão sendo descritos pelas palavras do orador; m as, escutando-as, cabe-vos revelar a vós m esm o o vosso m edo, e ver como o pensam ento gera esse m edo. Estam os perguntando se a atividade do pensam ento, que gera, cria, sustenta e n u tre o tem or — pode cessar naturalm ente, sem a m ínim a resistência. A ntes cie poderm os descobrir a ver­ dadeira resposta, devem os exam inar tam bém o desejo de prazer; porque, aqui tam bém , é o pensam ento quem sustenta o prazer. Podeis ter fruído um m om ento deleitável; por exem plo, ao con­ tem plardes, ontem , o m aravilhoso p ô r do Sol, sentistes um im en­ so deleite. E n tra, então, em ação o pensam ento e diz: “ Como foi belo aquilo; desejo repetir essa experiência am anhã.” A coisa é a m esm a, quer se trate do p ô r do Sol, quer se trate de um a lisonja que ouvistes, de um a experiência sexual, de algo que con­ seguistes e sentis necessidade de conservar porque vos dá prazer. H á o prazer derivado das próprias realizações, do próprio suces­ so, o prazer da expectativa do que pretendeis fazer am anhã, da repetição de algo que experim entastes, sexualm ente, ou artisti­ cam ente. A m oralidade social está baseada no prazer e, por conse­ guinte, não é m oralidade; a m oralidade social é im oralidade. Mas isso não significa que, se nos revoltarm os contra a m oralidade social, nos tornarem os m orais. Se se deseja com preender e ficar livre do m edo, deve-se tam bém com preender o prazer; são duas coisas relacionadas. Com isso não quero dizer que devemos renunciar ao prazer. As religiões organizadas — que sem pre foram a praga da civilização — determ inam que devemos absternos do prazer, do sexo, aproxim ar-nos de Deus como entes hum anos torturados. D eterm inam que não olhem os para um a m ulher ou qualquer coisa que nos lem bre o sexo, etc. D izer que não devem os ter prazer é dizer que não devem os ter desejo. Assim , ao apresentar-se o desejo, abrim os a Bíblia, para fazê-lo desaparecer; ou repetim os certas palavras do G ita. P uro contra-senso! O m edo e o prazer são as duas faces de um a m esm a m oeda; não podem os livrar-nos de um sem nos livrarm os do outro tam ­ bém . Desejais ter prazer toda a vossa vida e ao m esm o tem po estar livre do m edo; só isso vos interessa. M as, não percebeis que, se vos for negado o prazer de am anhã, vos sentireis frus­ trado, não preenchido, irritado, ansioso, “ culpado” — terão começo todas as aflições psicológicas. Assim , tendes de olhar o m edo e o prazer conjuntam ente. Para com preenderdes o p ra­ zer, cum pre tam bém com preender o que é alegria. P razer é alegria? A alegria de existir não é um a coisa totalm ente dife­ rente do prazer? j á perguntam os se o pensam ento, com suas atividades gera­ doras e m antenedoras do m edo e do prazer, pode cessar, n a tu ­ ralm ente e sem esforço algum. H á os tem ores inconscientes, que têm um a influência m uito m aior em nossa vida que os tem o­ res de que estam os conscientes. Com o irem os descobrir esses tem ores inconscientes — expô-los à luz? P o r meio da análise? Se disserdes “ Vou analisar os m eus tem ores” , que é, então, o analista? N ão é ele próprio um a parte, um fragm ento do tem or? P o rtan to , a análise de vossos próprios tem ores não terá valor nenhum . O u se procurais um analista, este, tal como vós, está tam bém condicionado — p or F reud, por Jung ou A dler: ele faz a análise de acordo com seu condicionam ento e, por conse­ guinte, não vos ajuda a livrar-vos do m edo. Com o dissemos anteriorm ente, a análise é a negação da ação. Sabendo que a análise é sem valor, como ireis descobrir o m edo inconsciente? Se disserdes “ Exam inarei os m eus sonhos” — torna a surgir o m esmo problem a. Q uem é a entidade que irá exam inar os sonhos? Um fragm ento, dentre inúm eros frag­ m entos. Assim, cabe-vos fazer um a pergunta inteiram ente dife­ rente: “ P orque é que sonho?” — Os sonhos são m eram ente a continuação das atividades do dia; está sem pre havendo ação, de um a ou de o utra espécie. Com o pode essa atividade ser com preendida e term inar? Isto é, pode a m ente, durante o dia, m anter-se tão desperta que seja capaz de observar todas as suas “ m otivações” , todos os seus im pulsos, todas as suas com ­ plexidades, seus orgulhos, suãs ambições e frustrações, sua neces­ sidade de preenchim ento, de se to rn ar “ im p o rtan te” , etc.? Pode todo esse m ovim ento do pensam ento durante o dia ser obser­ vado sem o “ observador” ? P orque se há um observador obser­ vando, esse observador faz parte do pensam ento, que se separou e atribuiu a si próprio autorização para observar. Se observardes durante o dia o m ovim ento de vossas ativi­ dades, de vossos pensam entos e sentim entos, sem interpretação, vereis que os sonhos são m uito pouco significativos. E , então, provavelm ente nunca mais tornareis a sonhar. Se, d u rante as horas do dia, estiverdes desperto, e não m eio-acordado, meio-dorm indo, se não vos achais enredado em vossas crenças, vossos preconceitos, vossas m esquinhas e absurdas vaidades, vossos insignificantes conhecim entos, vereis que não só term inam os sonhos, mas tam bém o próprio pensam ento começa a quietar-se. O pensam ento está sem pre a buscar algum a coisa, a sus­ ten tar o m edo ou a evitá-lo; produz, tam bém , o prazer, pelo n u trir continuam ente a lem brança de um a experiência aprazível. Vem o-nos aprisionados nessa rede do m edo e do prazer, fatores de sofrim ento; como pode isso term inar? Com o poderá a m aqui­ naria do pensam ento, que produz todo esse m ovim ento de prazer e de m edo — deter-se, natu ralm ente? Eis o problem a. Q ue cum pre fazer? A bandonar esse m ovim ento, ou continuar a viver como antes, entre o prazer e a dor? — e essa é a própria caracte­ rística da m ente m edíocre, pois é próprio da m ente m edíocre viver enredada no m edo e no prazer. E nfrentai este problem a. Com o ireis resolvê-lo? Vós tendes a obrigação de resolvê-lo, se desejais um a vida de espécie totalm ente diferente, um a socie­ dade diferente, um a nova m oralidade; tendes de resolver este problem a. Se sois jovem , podeis dizer “ Ele é sem im portância” , “ C ontinuarei a ter o prazer “ do m om ento” , o m edo “ do m o­ m en to ” . M as, ainda assim, o problem a se irá desenvolvendo, e um belo dia nele vos vereis com pletam ente enredado. É vosso problem a, e nenhum a autoridade pode resolvê-lo para vós. Já tivestes autoridades — os sacerdotes e as autoridades psicoló­ gicas — e eles não foram capazes de resolvê-lo; deram -vos meios de fuga — • drogas, crenças, ritos. T udo isso vos ofereceram , mas jam ais resolveram o problem a básico do m edo e do prazer. Cabe-vos resolvê-lo. Com o? Q ue ides fazer? Aplicai-lhe a vossa m ente, já que ninguém pode resolvê-lo para vós. Ao com ­ preenderdes que ninguém pode resolvê-lo para vós, já estais começando a livrar-vos da m ediocridade. A m enos que resolvais esse problem a do m edo e do prazer, é inevitável o sofrim ento — não só vosso sofrim ento pessoal, mas tam bém o “ sofrim ento do m undo” . Sabeis o que é o sofrim ento do m undo? Sabeis o que está acontecendo no m un­ do? Não exteriorm ente — as guerras, os m alfeitos dos políticos — mas interiorm ente, a m edonha solidão do hom em , suas p ro ­ fundas frustrações, a total falta de am or que se observa neste m undo tão vasto, im piedoso, endurecido. Se não for resolvido este problem a, o sofrim ento é inevitável. O tem po não o resol­ verá. Não podeis dizer: “ Pensarei nisto am anhã” , “ Q uero fruir o prazer do m om ento, ainda que acom panhado de m edo” , “ T udo suportarei” . Q uem vai dar-vos a solução? Levantada esta ques­ tão e vendo-se sua enorm e com plexidade e que nenhum poder 54 hum ano nem divino resolverá este problem a essencial, qual a vossa reação? Q ue dizeis vós, senhores? N ão podeis responder, podeis? Se sois verdadeiram ente honestos, se« não sois hipócritas ou não estais tentando esquivar-vos, ao defrontar-vos com este problem a, que é o problem a decisivo — nenhum a resposta ten ­ des. Assim , como descobrir a m aneira de pôr-lhe fim , n atural­ m ente? —• sem se fazer uso de nenhum m étodo, porque todo m étodo, obviam ente, exige tem po. Se alguém vos dá um m étodo, um sistem a, e o pondes em prática, ele tornará vossa m ente cada vez mais m ecânica e criará cada vez mais conflito entre o q u e ê e o sistem a. O sistem a prom ete um certo resultado, mas o fato é que continuais com m edo; praticando o sistem a, estais a afastar-vos cada vez mais de o q u e é ; p or conseguinte, o conflito aum enta, consciente ou inconscientem ente. Assim sendo, que podeis fazer? Agora, que sucedeu à m ente, depois de escutar o que se disse, não se lim itando a ouvir palavras, mas e s c u ta n d o , com par­ tilhando, com ungando, aprendendo? Q ue sucedeu à vossa m ente, após e sc u ta r com intensa atenção a com plexidade do problem a, percebendo seus próprios tem ores e vendo que o pensam ento gera e n u tre tanto o m edo como o prazer, que sucedeu à m ente que assim escutou? Essa m ente é agora de todo diferente do que era no início desta palestra, ou é ainda a m esm a m ente “ repetitiva” , enredada no prazer e no m edo? Possui ela agora um a nova capacidade ? É ela agora um a m ente que não está dizendo “ Tem os de p ô r fim ao m edo ou ao prazer” , porém um a m ente que está aprendendo pela observação? N ão se to r­ nou vossa m ente um pouco m ais sensível? A ntes, íeis levando esta carga de m edo e de prazer; e agora, conhecendo o peso da carga, não vos livrastes dela com toda a facilidade? N ão a deixastes cair e, por conseguinte, estais agora andando m uito cautelosam ente? Se realm ente seguistes o que se disse, sim plesm ente a obser­ var — não po r efeito de determ inação ou esforço — vossa m ente se tornou sensível e, por conseguinte, m uito inteligente. A prim eira vez que o m edo surgir — e ele surgirá — a inteli­ gência reagirá, mas não “ em term os d e” prazer, repressão ou fuga. Essa inteligência ou sensibilidade nasceu do observar e do depor a carga. Ela se tornou sum am ente viva; é capaz de fazer um a pergunta com pletam ente diferente, ou seja: Se o prazer não é a norm a da vida, como sempre foi para a m aioria de nós, a vida é então estéril? Q uer dizer, não posso fruir as delícias da vida? Não há diferença entre prazer e alegria? A ntes, estivestes vivendo pela norm a do prazer e do m edo — do prazer “ do m om ento” , sexo, bebida, m atar um anim al para comer-lhe a carne, etc. Foi sem pre esta a vossa norm a de vida e, agora, descobris subitam ente que o prazer não é de m odo nenhum o cam inho certo, porquanto conduz ao m edo, à frustração, à afli­ ção, à tristeza, a perturbações sociais e pessoais, etc. Assim, fazeis agora um a pergunta m uito diferente: “ E xiste um a alegria não contam inada pelo pensam ento e pelo p razer?” P orque, se contam inada pelo pensam ento, ela se tornará prazer e, portanto, m edo. Assim , com preendidos o prazer e o m edo, existe um a m aneira de viver, em cada dia, com alegria — e não a tran s­ p o rtar o prazer e o m edo de dia para dia? — O lh ar aquelas m ontanhas, a beleza do vale, a luz a brilhar nos m ontes, nas árvores, no rio que corre, e sentir deleite nisso — sem dizerdes “ Q ue coisa m aravilhosa!” , sem o pensam ento a servir-se dela como m eio de prazer. Podeis olhar para aquela m ontanha, para o m ovim ento de um a árvore, para o rosto de um a m ulher ou de um hom em , e achar nisso um extraordinário deleite. Isso, um a vez ocorrido, está acabado. M as, se o transportardes no pensam ento, começa então a dor e o prazer. Podeis olhar dessa m aneira e d ar a coisa p or acabada? P restai m uita atenção a isso. Podeis olhar para aquela m ontanha e bastar-vos esse deleite? Não o levardes em pensam ento para am anhã, por perceberdes quanto isso é perigoso? Podeis experim entar um grande prazer e dizer: “ Aca­ b o u !” — m as, acabou de fato? Não está a m ente, consciente ou inconscientem ente, a pensar nessa experiência, a desejar que se repita? Vedes, pois, que o pensam ento não tem absolutam ente nada em com um com a alegria. Eis um im portantíssim o descobrim ento feito p or vós. Não se trata de um a coisa que vos disseram , de um a coisa escrita e interpretada para vós. H á enorm e diferença entre deleite, alegria e bem -aventurança, a um lado, e o prazer, a outro lado. Não sei se alguma vez notastes que os prim itivos quadros religiosos do m undo ocidental evitavam toda espécie de prazer dos 56 sentidos; neies n ã o se veem paisagens — sò o corpo hum ano torturado, ou a Virgem M aria, etc. Não há, naqueles quadros, paisagens, porque dá prazer vê-las e isso poderia desviar o in te­ resse da pessoa na figura e seu sim bolism o. Só m uito mais tarde introduziram -se as paisagens, coisas que na China e na ín d ia sempre fizeram parte da vida. Podeis observar tudo isso e encontrar a beleza do viver sem esforço, do viver num grande êxtase, sem nenhum a inge­ rência do prazer, do pensam ento e do m edo. IN T E R R O G A N T E : Q uando sonho, às vezes m ente como vai acontencer no fu tu ro . Sonhei neste salão, pendurar ali a capa e ajustar o foi, positivam ente, um sonho com um a coisa na m anhã seguinte. vejo algo exata­ que vos vi entrar m icrofone. Isso que ia acontecer K R IS H N A M U R T I: Como explicar isso? — E m prim eiro lugar, porque atribuís tanta im portância ao que vai acontecer no fu tu ­ ro? P orquê? O s astrólogos, os adivinhos, os quirom antes — quantas coisas m aravilhosas vos prom etem esses hom ens! P o r­ que tanto interesse no fu tu ro ? P orque não vos interessa o viver real de cada dia, que tantos tesouros encerra — e não os vedes? O ra, depois de terdes escutado o que aqui se disse, a m ente se tornou sensível em certo grau — não digo com pletam ente sen­ sível, porém “ sensível num certo grau” — e, naturalm ente, capaz de observar m ais, seja do am anhã, seja do hoje. Isso é como olhar para baixo, de um avião, e ver dois barcos que se apro­ xim am um do outro de diferentes direções, no mesm o rio; vê-se que eles se encontrarão num certo pon to — e isso é o futuro. A m ente, tendo-se tornado um pouco mais sensível, pode estar cônscia de coisas que poderão acontecer am anhã, bem como daquelas que estão ocorrendo agora. Em geral dam os enorm e im portância ao que vai acontecer am anhã, e tão pouca ao que está acontecendo agora! M as, se aprofundardes bem esta m até­ ria, descobrireis que nada a co n tece', todo a c o n te c im e n to é um a parte da vida. P orque desejais qualquer experiência? A m ente que é sensível, ativa, com pletam ente lúcida, tem ela necessidade de “ experiência” ? R espondei vós m esm o a esta pergunta. IN T E R R O G A N T E : Dizeis-nos que observem os nossas ações na vida de cada dia, mas quem é a entidade que decide sobre o 57 que se deve observar, e quando? m os observar? Q uem é que decide que deve­ K R IS H N A M U R T I: Vós “ decidis” observar? O u sim plesm ente observais? Tom ais a decisão e dizeis “ V ou observar e apren­ d e r” ? P orque, nesse caso, pergunta-se “ Q uem é que está deci­ d in d o ? ” A vontade, que díz “ D evo” ? E , quando ela falha, ela se disciplina, a dizer “ devo, devo, devo” ; nisso há conflito; por conseguinte, o estado da m ente que decidiu observar não é de m odo nenhum um estado de observação. Ides cam inhando pela estrada, alguém passa p or vós e o observais, e provavelm ente dizeis para vós m esm o: “ Como é feio; que cheiro ele tem ; ele não devia fazer isto ou aquilo.” E stais cônscio de vossas reações àquele passante, estais cônscio de que estais julgando, condenando ou justificando; estais obser­ vando. N ão dizeis “ Não devo julgar, não devo justificar” . Pelo fato de estardes cônscio de vossas reações, não há decisão nenhu­ m a. Vedes alguém que ontem vos insultou. Logo vos ouriçais todo, ficais nervoso ou ansioso, começais a detestar; ficai côns­ cio de vossa aversão, ficai cônscio de tudo o m ais, não “ decidais” ficar cônscio. O bservai, e nessa observação não haverá “ o obser­ v ad o r” nem “ coisa observada” — só haverá observação. Só existe o “ observador” quando, na observação, acum ulam os; Se dizeis: “ E le é m eu amigo porque me disse coisas lisonjeiras” , ou “ Ele não é m eu amigo, porque falou m al de m im ou disse-me alguma verdade de que não gosto” — isso é acumulação por m eio da observação, e essa acumulação é o observador. Q uando observam os sem nenhum a acumulação, não há julgam ento. Isso podeis fazer a todas as horas; nessa observação, naturalm ente, tomam -se certas decisões definidas, mas tais decisões são resul­ tados naturais e não decisões tom adas pelo observador que acum ulou. IN T E R R O G A N T E : D issestes, no começo, que a reação instin­ tiva de autoproteção, diante de um anim al selvagem, é inteligên­ cia, e não m edo, e que o pensam ento que gera m edo é inteira­ m ente diferente. K R IS H N A M U R T I: N ão são diferentes? Não vedes a diferença entre o pensam ento que gera e n u tre o m edo, e a inteligência que diz “ C uidado!” O pensam ento criou o nacionalism o, o 58 preconceito racial a aceitação de certos valores m orais; mas o pensam ento não vê a periculosidade dessas coisas. Se a visse, haveria então a reação, não de m edo, mas da inteligência, reação que seria idêntica à do encontro com um a serpente. D iante da serpente, há um a reação natural de autoproteção; diante do nacionalism o, que é p ro d u to do pensam ento, que separa os ho­ m ens, e é um a das causas da guerra, o pensam ento não vê o perigo. 26 de julho de 1970. 6 A A T IV ID A D E M E C  N IC A D O PE N SA M E N T O “ A m ente que com preendeu o in teiro m ovim ento do pensam ento torna-se sobrem odo quieta, absolutam ente silenciosa.” E s t iv e m o s falando sobre a im portância do pensa­ m ento e ao m esm o tem po de sua não im portância; de como o pensam ento é capaz de enorm e atividade e, dentro de seu próprio campo, só tem liberdade lim itada. Falam os tam bém acerca de um estado m ental totalm ente descondicionado. N esta m anhã, podem os considerar esta questão do condicionam ento — não apenas o condicionam ento cultural, superficial, mas tam bém con­ siderar porque há condicionam ento. Podem os investigar a n atu ­ reza da m ente não condicionada, da m ente que transcendeu todo condicionam ento. Cum pre-nos p enetrar bem fundo nesta ques­ tão, a fim de descobrirm os o que é o am or. E , com preendendo o que é o am or, estarem os aptos a com preender a pleno o signi­ ficado da m orte. Assim , em prim eiro lugar, tratem os de averiguar se a m ente pode tornar-se total e com pletam ente livre de condicionam ento. É bem óbvio que somos condicionados superficialm ente pela cultura, pela sociedade, pela propaganda de que nos vemos rodea­ dos, e tam bém pela nacionalidade, por determ inada religião, pela educação e pelas influências am bientes. Parece-m e bastante fácil e sim ples ver como a m aioria dos entes hum anos, de todos os 60 países e raças, estão condicionados pelas respectivas culturas e religiões. São eles m oldados e m antidos d entro de um determ i­ nado padrão. Esse condicionam ento é bastante fácil de rejeitar. M as, há o condicionam ento mais profundo, como, por exem plo, um a atitude agressiva perante a vida. A agressividade im plica tendência de dom ínio, busca de poder, de posses, de prestígio. P ara nos libertarm os desse condicionam ento, tem os de m ergulhar bem fundo em nós m esmos, porquanto ele é m uito sutil e m ultiform e. Pode um a pessoa julgar que não é agressiva, mas, se declarada ou não declaradam ente, ela tem algum ideal, ou opinião, ou escala de valores, existe então um a tendência para a arrogância, que se tornará gradualm ente agres­ siva e violenta. Q ualquer um pode observar isso em si mesm o. A trás da própria palavra “ agressividade” — ainda que a pronun­ ciemos m uito docem ente — há um certo im pulso, um a ativi­ dade furtiva e predom inante, im periosa, a qual se torna cruel e violenta. Esse condicionam ento agressivo precisa ser desco­ b erto , para verm os se o herdam os do anim al ou se nos tornam os agressivos pelo prazer de nos im porm os aos outros, de tomar-lhes a frente. O u tra form a de condicionam ento é o que resulta da com ­ paração: “ com param o-nos” com aquilo que consideram os nobre ou heróico, com o que gostaríam os de ser, em oposição ao que realm ente somos. A atividade com parativa é um a form a de condicionam ento; essa atividade, por sua vez, é extrem am ente sutil. Com paro-m e com alguém que é um pouco mais in teli­ gente ou fisicam ente mais belo do que eu. Secreta ou aberta­ m ente, há, em vosso interior, um constante m onólogo de caráter com parativo. O bservai isso em vós m esm o. O nde há comparação, há sempre um a certa form a de agressividade, um a determ inação de conseguir o que querem os, e, quando não o conseguimos, um sentim ento de frustração, de inferioridade. D esde a infância somos condicionados para com parar. Nosso sistem a educativo baseia-se na com paração — dar notas, fazer exames. Q uando nos com param os com alguém que é mais in te­ ligente, sentim os inveja, despeito, e segue-se o conflito. Com ­ paração im plica m edida; estou a m edir-m e, em comparação com um a coisa que se me afigura m elhor ou mais nobre. Pergunta-se: “ Pode a m ente libertar-se desse condiciona­ m ento social e cultural, desse m edir e com parar, do condiciona­ 61 m ento de m edo, de prazer, de recom pensa e de castigo? Nossas estruturas m orais e religiosas baseiam-se totalm ente nesse condi­ cionam ento. P o r que razão somos condicionados? Vem os as influências externas que nos estão condicionando e, interior­ m ente, a “ voluntária necessidade” de sermos condicionados. P orque aceitam os tal condicionam ento? P orque se deixou a m ente condicionar? Q ual o fato r que está atrás de tudo isso? P o r que razão eu, nascido num certo país, num a certa cultura, que m e denom ino hindu, com toda a carga de superstição e tra ­ dição im posta pela fam ília, pela sociedade — por que razão aceito esse condicionam ento? Q ual o im pulso existente atrás disso? Q ual o fato r que constantem ente exige, aceita, cede ou resiste a esse condicionam ento? Vem os que desejam os estar em segurança, num a sociedade que está seguindo determ inado pa­ drão. Se não observam os esse padrão, podem os perder nosso em prego, ficar sem dinheiro, não serm os considerados entes hum anos respeitáveis. C ontra ele nasce a revolta, e essa revolta form a o seu peculiar condicionam ento — como está aconte­ cendo com a m aioria dos jovens, hoje em dia. D evem os desco­ b rir esse im pulso que nos faz ajustar-nos a um padrão. A m enos que, por nós m esm os, o descubram os, perm anecerem os condicionados, de um a ou de o utra m aneira, positiva ou nega­ tivam ente. D o nascim ento à m orte, vemos esse processo conti­ nuam ente em vigor. Pode um a pessoa revoltar-se contra ele, buscar refúgio noutro condicionam ento, recolher-se a um m os­ teiro, como fazem certos indivíduos que devotam sua vida à contem plação, à filosofia, mas o m ovim ento é sem pre o m esm o. Q ue m ecanism o é esse que se acha em constante m ovim ento, ajustando-se a diferentes form as de condicionam ento? O pensam ento está perpetuam ente condicionado, já que é reação cio passado, como m em ória. O pensam ento é sem pre m ecânico; facilm ente deixa-se cair num padrão, num a rotina; e pensais, então, estar em extraordinária atividade — na rotina católica, na rotina com unista, ou n outra qualquer. Essa é a coisa mais fácil e mecânica que se pode fazer; e pensam os estar vivendo! Assim, em bora o pensam ento desfrute, em seu p ró ­ prio cam po, um a certa e lim itada liberdade, tudo o que ele faz é mecânico. Afinal de contas, um a viagem à Lua é um a coisa perfeitam ente mecânica, já que é o resultado da ciência acum u­ lada pelos séculos em fora. O cultivo do pensam ento técnico 62 pode levar-vos à Lua ou ao fundo do m ar, etc. A m ente quer estar seguindo um a rotina, quer ser m ecânica, pois assim há proteção, segurança, e não há perturbações. O viver m ecanica­ m ente não é apenas estim ulado pela sociedade, mas tam bém por cada um de nós, porque esta é a m aneira m ais fácil de viver. Assim , o pensam ento, sendo um a atividade m ecânica, “ repe­ titiv a” , aceita qualquer form a de condicionam ento que lhe possi­ bilite continuar em sua atividade m ecânica. U m filósofo inventa uma nova teoria, um econom ista um novo sistem a — e aceita­ mos tal rotina e ficamos a segui-la. N ossa sociedade, nossa cultura, nossas inspirações religiosas, tudo parece funcionar m eca­ nicam ente, em bora nos proporcione um a certa e estim ulante sensação. Q uando ides à missa, encontrais um determ inado enlevo, um a certa emoção, que se torna o padrão. Não sei se algum a vez experim entastes esta coisa — fazei-a, um a vez, para verdes como é “ engraçada” : pegai um pedaço de pau ou um a pedra — qualquer um a serve, desde que tenha alguma form a — colocai-a sobre a lareira e todas as m anhãs depositai a seu lado um a flor; d entro de um mês vos tereis habituado a ver essa coisa como um sím bolo religioso e já começastes a indentificar-vos com ela. O pensam ento é reação do passado. Se um a pessoa apren­ deu engenharia, como profissão, pode aum entar e ajustar esse conhecim ento, mas ficará fixada nesse ram o de atividade; a m esm a coisa, se a pessoa se form ou em m edicina, etc. O pensa­ m ento tem um a certa liberdade d entro de um dado cam po, mas fica sem pre lim itado a seu funcionam ento m ecânico. E stais vendo isso, não apenas verbal ou intelectualm ente, porém de fato? E stais tão cônscio disso como estais cônscio de ouvir aquele trem ? ( b a ru lh o d e u m tr e m q u e p a s s a ). Pode a m ente libertar-se dos hábitos que cultivou, de certas opiniões, juízos, atitudes e valores? Q uer dizer, pode a m ente libertar-se do pensam ento? Se isso não ficar bem com preen­ dido, então o que vou dizer sobre o próxim o assunto que vamos exam inar, nada significará. A com preensão deste ponto conduz, inevitavelm ente, à seguinte questão: Se o pensam ento é m ecâ­ nico, se conduz forçosam ente ao condicionam ento da m ente, que é então o am or? O am or é p ro d u to do pensam ento? É o am or nutrido, cultivado, pelo pensam ento, dependente do pensam ento? 63 Q ue é o am or? — mas, tenha-se em m ente que a descrição não é a coisa descrita, a palavra não é a coisa. P ode a m ente libertar-se da atividade m ecânica do pensam ento, a fim de desco­ b rir o que é o am or? Para a m aioria de nós, o am or está asso­ ciado, ou igualado ao sexo. Essa é um a form a de condiciona­ m ento. Ao investigardes essa coisa realm ente tão complexa, intricada e sum am ente bela, deveis ver o quanto a palavra “ sexo” condicionou a m ente. Dizem os que não querem os m atar, que não irem os para o V ietnã ou outro lugar, para m atar gente; mas não nos im por­ tam os de m atar anim ais. Se vós m esmo tivésseis de m atar um anim al, para vossa alim entação, e vísseis quanto isso é horrível, seríeis capaz de com er esse anim al? D uvido m uito. M as não vos im portais que o carniceiro o m ate, para vós o com erdes; quanta hipocrisia! Perguntam os, pois, não só o que é o am or, mas tam bém o que é a com paixão. N a cultura cristã, os animais não têm alm a, foram postos na T erra po r D eus, para vós os com erdes; tal é o condicionam ento cristão. E m certas partes da ín d ia, é pecado m atar — m atar um a m osca, um anim al, qualquer ser. Lá, p o rtan to , não m atam o mais insignificante inseto, vão ao extrem o do exagero; esse é o condicionam ento deles. E há os que são contra a vivissecção e, contudo, ostentam suntuosos casacos de peles — a m esm a hipocrisia p or toda a parte! Q ue significa ser com passivo? Ser com passivo, não apenas verbalm ente, mas de fato? A compaixão é questão de hábito, de pensam ento, questão de repetição mecânica da ação bondosa, cortês, delicada, terna? Pode a m ente, que se acha toda en tre­ gue à atividade do pensam ento, com seu condicionam ento, sua repetição m ecânica, ser compassiva, por pouco que seja? P oderá falar de compaixão, aprovar a reform a social, ser generosa para com os “ pobres pagãos” , etc.; mas, isso é com paixão? Q uando o pensam ento dita, quando o pensam ento está ativo, pode haver algum lugar para a com paixão? — sendo a compaixão ação sem m otivo, sem interesse egoísta, sem nenhum a idéia de m edo, nenhum a idéia de prazer. Assim , pergunta-se “ O am or é p razer?” — o sexo, decerto, é prazer. Nós achamos prazer na violência, achamos prazer em realizar algum a coisa im portante, na arrogância, na agressividade. 64 Acham os tam bém prazer em ser “ im p o rtan tes” . E tudo isso é produto do pensam ento, p roduto da m edição: “ E u fui aquilo” e “ E u serei isto ” . O prazer (n o sentido em que dele estam os falando) é am or? Com o pode a m ente que se acha toda e n tre­ gue ao hábito, à m edição e à com paração, saber o que é am or? Podem os dizer que o am or é isto ou aquilo — mas tudo isso é p ro d u to do pensam ento. Dessa observação vem a questão: Q ue é a m orte? Q ue significa isto — m orrer? M orrer deve ser a mais m aravilhosa das experiências! D eve significar que um a coisa chegou com ple­ tam ente a seu fim . O m ovim ento que fora desencadeado — conflito, luta, confusão, desesperos e frustrações — cessou subi­ tam ente. A atividade do hom em que quer tornar-se fam oso, que é arrogante, violento, b ru tal — essa atividade é interrom ­ pida. Já notastes que tudo o que tem continuidade psicológica se torna m ecânico, “ rep etitiv o ” ? Só quando cessa a continuidade psicológica, surge alguma coisa totalm ente nova; isso podeis observar em vós m esm o. Criação não é a continuidade do que é ou do que f o i, mas o findar dessa continuidade. O ra, pode-se m orrer psicologicam ente? E ntendeis esta p er­ gunta? Podeis m orrer para o conhecido, m orrer para o que f o i — não com o fim de vos tornardes o u tra coisa —- sendo esse m orrer o fim do conhecido, a libertação do conhecido? A final de contas, a m orte é isso. O organism o físico, naturalm ente, m orrerá; dele se abusou, foi subm etido a m al tratos e frustrações; com eu e bebeu coisas de toda espécie. Vós sabeis de que m aneira viveis, e pelo m esm o cam inho continuareis até ele (o organism o físico) perecer. O corpo, po r m otivo de acidente, de velhice, de doença, da tensão da constante batalha em ocional, no interior e no exterior, se deform a, torna-se feio, e m orre. Nesse m orrer há autocom paixão, e ela existe tam bém quando o u tra pessoa m orre. Q uando m orre alguém que pensam os am ar, não há em nossa tristeza um a grande porção de m edo? P orque nos vem os sós, abertos a nós mes­ m os, sem ninguém para nos am parar, nos dar conforto. Nossa tristeza é toda mesclada dessa autocom paixão e desse m edo e, naturalm ente, nessa incerteza, aceitam os qualquer espécie de crença. 3 65 A Ásia inteira crê na reencarnação, no renascer em o utra vida. Se indagam os o que é que vai renascer na próxim a vida, deparam -se-nos dificuldades. Q ue é que vai renascer? Vossa pessoa? Q ue sois vós? — um m onte de palavras, de opiniões, apego a vossas posses, a vossos m óveis, vosso condicionam ento. Esse m onte de coisas, que chamais vossa alma, vai renascer na próxim a vida? Reencarnação im plica que o que hoje sois deter­ m ina o que sereis na próxim a vida. P o rtan to , com portai-vos bem! — não am anhã, mas hoje, porque pelo que hoje fazeis ides pagar na próxim a vida. Os que creem na reencarnação pouco se im portam com seu com portam ento; trata-se de um a m era crença, sem valor nenhum . Reencarnai-vos hoje, renovaivos hoje, e não na próxim a vida! M udai com pletam ente e s ta v id a , agora; m udai-a com um a grande paixão, fazei a m ente despojar-se de todas as coisas, de todos os condicionam entos, de todos os conhecim entos, de tudo o que pensar ser “ correto” ; esvaziai-a. Sabereis então o que significa m orrer; sabereis então o que é o am or. P orque o am or não pertence ao passado, ao pensam ento, à cultura; não é, tam pouco, prazer. A m ente que com preendeu o inteiro m ovim ento do pensam ento se torna sobre­ m odo quieta, absolutam ente silenciosa. Esse silêncio é o começo do novo. IN T E R R O G A N T E : Senhor, pode o am or ter objeto? K R IS H N A M U R T I: Q u e m está fazendo essa pergunta? O pen­ sam ento ou o am or? Não é o am or. Q uando amais, amais! — não perguntais: “ E xiste objeto ou nenhum objeto, o am or é pessoal ou im pessoal?” . O h! vós não sabeis o que ele signi­ fica, não conheceis a sua beleza. O am or, tal como o conhe­ cemos, é um torm ento, nossas m útuas relações, um m edonho conflito. Nosso am or está baseado na imagem que tendes de m im , e na imagem que tenho de vós. Olhai-o m ui atentam ente, olhai a relação existente en tre essas duas imagens isoladas, que dizem um a para a o utra “ N ós nos am am os” . As im agens são p roduto do passado, das lem branças, lem branças do que me dis­ sestes e do que eu vos disse. Essa relação entre as duas imagens há de ser, forçosam ente, um processo de isolam ento. Eis o que chamamos “ relação” . E star em relação significa “ estar em con­ ta to ” — não apenas fisicam ente — e esse contato não é possível quando existe alguma im agem, quando há o processo de auto- 66 -isolam ento do pensam ento, que é o “ e u ” e o “ vós” . Pergun­ tam os “ Tem o am or algum objeto? É o am or divino ou p ro­ fan o ? ” — Senhor, quando amais, não estais dando nem rece­ bendo. IN T E R R O G A N T E : Q uando penetram os as palavras “ beleza” e “ am or” , não desaparecem todas essas divisões? K R IS H N A M U R T I: Algum a vez estivestes sentado, não a sonhar acordado, porém m uito quieto e plenam ente desperto? Nessa vigilância, não há verbalização, não há escolha, nem repressão ou diretriz. Q uando o corpo está inteiram ente descontraído, já notastes o silêncio que vem ? E sta questão requer m uita inves­ tigação, porque nossa m ente nunca está quieta, está sem pre a fazer barulho e, p or conseguinte, dividida. Nós dividim os a vida em fragm entos. Pode essa fragm entação term inar? Sabendo que o pensa­ m ento é o responsável p or ela, perguntam os “ Pode o pensam en­ to tornar-se com pletam ente silencioso e, todavia, reagir, quan­ do necessário, sem violência, objetivam ente, sãm ente, racional­ m ente — deixando, ao m esm o tem po, predom inar esse silêncio? E ste é o único cam inho a seguir: descobrirdes p o r vós m esm o aquela m ente que não tem fragm entos, que não está fracionada como “ vós” e “ c u ” . IN T E R R O G A N T E : Senhor, o ato de m atar um a mosca acha-se no mesm o nível que o ato de m atar um anim al ou um ente hum ano? K R IS H N A M U R T I: Senhor, onde começareis a com preensão de m atar? Dizeis que não quereis ir para a guerra, que não quereis m atar entes hum anos ( não sei se de fato o dizeis — isso depende de v ó s), mas não tendes escrúpulo em tom ar partidos ■ — vosso grupo e m eu grupo. Não vos im portais de crer num a coisa e de defender o que credes. Não tendes escrúpulo em m atar entes hum anos com um a palavra, um gesto — e tendes tanto escrú­ pulo em m atar um a mosca! H á anos, este orador esteve num país onde o budism o é a religião professada. Se sois budista praticante, sabeis que um dos princípios reconhecidos é o de não m atar. Duas pessoas vieram visitar o orador, dizendo “ T e­ mos um problem a: Não querem os m atar. Somos fervorosos 67 budistas, e fom os criados para não m atar; m as, nós gostam os de ovos, e não querem os m atar um ovo fecundado; que devemos fazer?” Com preendeis? A m enos que, interiorm ente, vos esteja bem claro o significado de m atar •— não apenas com um fuzil, mas com um a palavra, p or gestos, pela divisão, pelo dizermos “ m inha p á tria ” , “ vossa p átria” , “ m eu D eus” , “ vosso D eus” — continuar-se-á inevitavelm ente a m atar, de alguma m aneira. Não façais tanto “ b arulho” sobre a questão de m atar um a mosca, para depois irdes m atar o vosso sem elhante com um a palavra. E ste que vos fala jam ais com eu carne em sua vida, não sabe sequer que gosto ela tem e, no entanto, usa sapatos de couro. E le tem de viver, como vós outros, e, em bora, de cora­ ção, não deseje m atar nada, não deseje ferir ninguém , é obrigado a “ m atar” os legum es que come. ÍPorque, se um a pessoa não come, acaba depressa. Deve cada um investigar com toda a clareza e sem nenhum a escolha, nenhum preconceito; cada um tem de ser altam ente sensível e inteligente, e deixar essa in teli­ gência agir — em vez de dizer “ não quero m atar m oscas” e, contudo, dizer coisas brutais a respeito do próprio m arido. 28 de julho de 1970. 68 7 RELIGIÃO “ Religião é a força que conduz a um a vida sem frag­ m entação.” ONs id e r e m o s nesta m anhã o problem a da reli­ gião. M uitas pessoas desadoram esta palavra, reputando-a “ fora de m oda” e de m ui pouca significação no m undo m oderno. E há os “ religiosos de fim de sem ana” , que vestem suas m elhores roupas no dom ingo de m anhã, e fazem todo o m al que podem no correr da semana. M as, quando n ó s (* ) em pregam os a pala­ vra “ religião” , não estam os de m odo nenhum interessado em religiões organizadas, igrejas, dogm as, rituais, ou na autoridade dos salvadores, representantes de D eus, etc. Estam o-nos refe­ rindo a coisa m uito diferente. O s entes hum anos, no passado como no presente, sem pre indagaram se existe um a coisa transcendental, m uito m ais real que a existência de todos os dias, com sua tediosa rotina, sua violência, seus desesperos e tristezas. M as, não conseguindo achá-la, começaram a adorar um sím bolo, atribuindo-lhe enorm e significado. P ara descobrirm os se existe realm ente alguma coisa verda­ deira e sagrada (em prego essa palavra com alguma hesitação), (* ) K rishnam urti refere-se a si próprio (evita quase sem pre a p ri­ meira pessoa ( “ I ” — “e u ” ) d i z e n d o “ nós” , “ o orador”, e tc .). (N . do T .) 69 devem os procurar, não um a certa coisa concebida pelo desejo e a esperança, pelo m edo e a ansiedade, não um a coisa depen­ dente do am biente, da cultura e da educação — porém algo que o pensam ento jam ais atingiu, algo que seja total e inaudita­ m ente novo. Talvez possam os nesta m anhã aplicar algum tem po em investigar este assunto, tentando descobrir se existe essa im ensidade, esse êxtase, essa vida inextinguível; se não fizer esse descobrim ento, p or mais virtuosa, por m ais regrada, por m ais “ não violenta” que seja a pessoa, *a vida, em si, pouco significará. A religião —• no sentido em que estam os em pregando a palavra, o qual não com preende nenhum a espécie de m edo ou crença — é a força que conduz a um a vida sem fragm entação. Se vamos investigar esta questão, não só devemos estar livres de toda crença, mas tam bém perceber claram ente o caráter deform ador de toda espécie de esforço, de direção e finalidade. Vede quanto isso é im portante; se estais verdadeiram ente interessados nesta m atéria, m uito im porta com preender que qualquer espécie de esforço deform a a percepção direta; e, tam bém , que toda form a de repressão, toda form a de diretiva oriunda de escolha, de propósitos fixos, criados p o r nossos próprios desejos, igual­ m ente deform am a percepção direta. T udo isso torna a m ente incapaz de ver as coisas como são. P ara investigar esta questão, ou seja o que é a verdade, se existe isso que se cham a “ ilum inação” , se algum a coisa existe com pletam ente independente do tem po, um a realidade não depen­ dente de nossos próprios desejos — necessita-se de liberdade, de um a certa espécie de ordem . Em geral, associamos a ordem à disciplina — sendo disciplina obediência, im itação, ajustam ento, repressão, etc.; forçar a m ente a seguir um a determ inada linha de conduta, um padrão considerado “ m oral” . M as, a ordem nada tem em com um com a disciplina; a ordem nasce, natural e inevi­ tavelm ente, quando com preendem os todos os fatores p ertu rb a­ dores, as desordens e conflitos que estão ocorrendo continua­ m ente, d entro e fora de nós mesm os. Q uando nos tornam os cônscios dessa desordem , vendo todos os m ales que ocasiona, o ódio existente en tre os hom ens, suas atividades de com pa­ ração — nasce então a ordem ; e esta nada tem que ver com a disciplina. Necessitam os de ordem ; afinal de contas, ordem é virtu d e (palavra de que talvez não gosteis). A virtu d e não é cultivável; se criada pelo pensam ento, pela vontade, se resultado 70 de repressão, já não é virtude. M as, se com preenderdes o estado de desordem de vossa vida, a confusão, a to ta l inanidade de nossa existência, se perceberdes todos esses fatos bem clara­ m ente — não apenas intelectual e verbalm ente — sem conde­ ná-los, sem deles fugir, porém observando-os na vida, então, desse percebim ento e observação nasce, naturalm ente, a ordem — que é virtude. Essa v irtude é inteiram ente diferente da vir­ tude social, com sua respeitabilidade, suas sanções religiosas e sua hipocrisia; inteiram ente diferente da disciplina que a nós mesmos im pom os. É indispensável a ordem , para que possam os descobrir se há — ou não há — um a realidade não dependente do tem po, um a realidade incorruptível, não dependente de coisa algum a. Se realm ente vos interessa a ordem , que é um a parte de nossa vida tão im portante como o ganho do sustento, a busca de prazer — um a p arte essencial de nossa vida — percebereis então que ela só pode ser descoberta pela m editação. Segundo o dicio­ nário, a palavra “ m editação” significa “ ponderar, refletir, inqui­ r ir ” — ■o que requer um a m ente capaz de observar, um a m ente inteligente, sã, não pervertida ou neurótica, e que não espera receber “ de algum lugar” um a certa coisa. E xiste algum m étodo, algum sistem a, algum caminho a per­ correr, para chegarm os à com preensão do que é m editação, do que é a percepção da realidade? Infelizm ente, há certas pessoas vindas do O riente com seus sistemas e m étodos e que nos dizem: “ Fazei isto ” , “ N ão façais aquilo” , “ P raticai o Zen, e alcançareis a ilum inação” . Alguns de vós talvez já tenham ido à ín d ia ou ao Japão, e lá passado anos a estudar, a disciplinar-se, concen­ trando a atenção no dedo grande do pé ou no nariz, a exercitar-se interm inavelm ente, a repetir palavras que têm a v irtude de quie­ tar a m ente, para, nessa quietação, terem a percepção de algo transcendente ao pensam ento. Tais artifícios podem ser p rati­ cados po r um a m ente que se to rn o u m u ito estúpida e em bo­ tada. E m prego a palavra “ estúpido” com o sentido de “ en to r­ pecido” ! * ) — um a m ente entorpecida. Só essa m ente é capaz de praticar tais artifícios. As coisas de que estam os tratando talvez (* ) Cf. dicionário “J. Seguier” : “ e s t ú p i d o : entorpecido, paralisado” . (N . do T .) 71 não vos interessem , mas deveis descobri-las. Depois de as ouvir­ des m uito atentam ente, talvez tenhais vontade de sair pelo m un­ do a ensiná-las; tal pode ser a vossa m issão, na vida — e eu espero que seja. Cum pre-vos conhecer a pleno a substância, o significado, a riqueza, a beleza, o êxtase das coisas de que esta­ m os falando. A m ente em botada, a m ente entorpecida pela disciplina, não pode, em circunstância algum a, com preender o que é a reali­ dade. Tem os de libertar-nos com pleta e totalm ente do pensa­ m ento. Necessitam os de um a m ente não deform ada, m uito lúci­ da, m ente não em botada — e que não esteja seguindo nenhum a diretiva ou propósito. P erguntareis: “ É possível alcançar esse estado m ental em que não há experim entar?” — “ E xp erim en tar” im plica um a entidade que está experim entando, p or conseguinte, dualidade: o experim entador e a coisa experim entada, o obser­ vador e a coisa observada. Q uase todos nós desejam os um a certa experiência profunda, m aravilhosa, m ística; nossas expe­ riências de cada dia são tão triviais, tão banais e superficiais, que desejam os algo de “ eletrizante” . Nessa extravagante idéia de term os um a experiência m aravilhosa encerra-se a duali­ dade representada pelo “ experim entador” e a “ experiência” . E nq u an to ex istir essa dualidade, haverá deform ação; porque o experim entador é o passado, com todos os conhecim entos e m e­ m órias nele acum ulados. Insatisfeito com as atuais experiências, deseja ele um a experiência m uito m ais grandiosa, “ projeta-a” com o idéia e trata de alcançar essa “ projeção” : mais um a vez, dualidade e deform ação. A verdade não é um a coisa que se possa experim entar. A verdade não pode ser buscada e achada. E stá fora do tem po. E o pensam ento, que é tem po, nenhum a possibilidade tem de buscá-la e “ pegá-la” . P o rtan to , é necessário com preender p ro ­ fundam ente essa questão do desejo de experiência. V ede, por favor, quanto isso é im portante. Q ualquer form a d e esforço, de desejo, de busca da verdade, de exigência de experiência, é o observador a querer algo transcendental e a esforçar-se por alcançá-lo; sua m ente, po r conseguinte, não é lúcida, incorrom pida, não-m ecânica. Q uando a m ente está a buscar um a expe­ riência, po r mais m aravilhosa que seja, isso significa que o “ eu” a está buscando — o “ e u ” , que é o passado, com todas as suas frustrações, aflições, esperanças. 72 O bservai, p or vós m esm o, com o funciona o cérebro. Ele é o depósito da m em ória, do passado. Essa m em ória está sem­ pre a reagir, “ gostando” e “ não gostando” , justificando, conde­ nando, etc.; a reagir de acordo com seu condicionam ento, de acordo com a cultura, a religião, a educação, nela arm azenadas. Esse depósito, de onde surge o pensam ento, guia a m aior parte de nossa vida. E stá dirigindo e m oldando nossa vida, a cada m inuto do dia, consciente ou inconscientem ente; está gerando pensam ento, gerando o “ eu” , que é a essência mesma do pensa­ m ento e das palavras. Pode esse cérebro, com seu conteúdo — o “ velho” — tornar-se com pletam ente quieto — só despertando quando necessário operar, funcionar, falar, agir, porém , a m aior p arte do tem po, com pletam ente estéril? M editação é descobrir se o cérebro, com todas as suas expe­ riências, pode tornar-se absolutam ente quieto. N ão forçado a isso, porque, no m om ento em que o forçam os, torna a surgir a dualidade, a entidade que diz “ E u gostaria de ter experiências m aravilhosas e, p ortanto, tenho de obrigar o m eu cérebro a quietar-se.” N unca o conseguirá! M as, se com eçardes a investigar, a olhar, a observar, a “ escutar” todos os m ovim entos do pensa­ m ento, seu condicionam ento, seus alvos, seus tem ores e prazeres; observar como o cérebro funciona — vereis então que ele se tornará sobrem odo quieto; essa quietação não é um estado de sono, pois o cérebro se acha então sum am ente ativo e, portanto, em silêncio. Um dínam o grande, em perfeito estado de funcio­ nam ento, quase não faz barulho; só quando há atrito, há barulho. Cum pre-nos descobrir se nosso corpo é capaz de ficar sen­ tado ou deitado, em com pleta quietação, sem nenhum m ovi­ m ento, sem estar sendo forçado. Podem o corpo e o cérebro — pois estão psicossom aticam ente relacionados — tornar-se quie­ tos? H á vários exercícios para p ô r o corpo quieto, m as tais exercícios im plicam coerção; o corpo quer erguer-se e andar, mas lhe im pom os que fique quieto, e começa a batalha: querer sair à rua e querer ficar sentado e quieto. A palavra “ ioga” “ aju n tar” é im próprio, m ente a ioga, como um a m entos respiratórios, foi Sua finalidade é m anter significa “ aju n tar” . O próprio term o porque im plica dualidade. Provavel­ determ inada série de exercícios e m ovi­ inventada na ín d ia há m ilhares de anos. as glândulas, os nervos e todo o orga73 nism o funcionando saudavelm ente, sem rem édios, e sobrem odo sensível. O corpo precisa ser sensível, porque de o u tro m odo não se pode te r um cérebro claro. É fácil ver este sim ples fato que precisam os ter um corpo perfeitam ente são, sensível, aler­ tado, e um cérebro a funcionar m uito claram ente, não em ocional­ m ente, não pessoalm ente; o cérebro é então capaz de pôr-se absolutam ente quieto. M as, como conseguir isso? Com o pode o cérebro, que anda sem pre tão ativo — não apenas d u rante o dia, mas tam bém quando dorm im os — ficar em com pleto repou­ so, inteiram ente quieto? D ecerto, nenhum m étodo produzirá esse efeito, já que todo m étodo im plica repetição m ecânica, que entorpece e em bota o cérebro; e, nesse estado de em botam ento, pensais ter experiências m aravilhosas! Com o pode o cérebro, que anda sem pre a m onologar ou a palrar, sem pre julgando, avaliando, “ gostando” e “ não gostando” , constantem ente variando, quietar-se de todo? E stais vendo, por vós m esm o, quanto é im portante ter o cérebro com pletam ente quieto? P orque, em qualquer m om ento em que o cérebro está agindo, sua ação é reação do passado, traduzida em pensam ento. Só quando totalm ente quieto, é ele capaz de observar um a nuvem , um a árvore, a correnteza de um rio. Podeis ver quanto é bela a luz que brilha naquelas m ontanhas e, contudo, estar com o cérebro totalm ente quieto. Já deveis ter observado isso, não? Como sucede? A m ente, em presença de algo extraordinário, como um m ecanism o extrem am ente complicado, um m aravilhoso com putador, ou um esplendoroso pô r do Sol, fica perfeitam ente quieta, ainda que por um a fração de segundo. Sabeis, quando se dá um brinquedo a um a criança, como o brinquedo a absorve, como a criança fica toda interessada nele. D o m esm o m odo, a m ajestade das m ontanhas, a beleza de um a árvore, a correnteza das águas, absorvem a m ente e a põem quieta. M as, nesses casos, o cérebro é posto quieto p or alguma coisa. P ode o cérebro im o­ bilizar-se sem a ingerência de nenhum fato r externo? Não descobrindo nenhum a m aneira de quietá-lo, certas pessoas espe­ ram pela graça de D eus, rezam , têm fé, absorvem -se em Jesus, nisto ou naquilo. É bem evidente que essa absorção num a coisa externa só pode verificar-se num a m ente em botada, entorpecida. O cérebro está em contínua atividade, do despertar ao adorm e­ cer — e m esm o então a atividade cerebral prossegue. Essa atividade, na form a de sonhos, é o m esmo m ovim ento do dia, 74 continuado durante o sono. O cérebro nunca tem um m om ento de repouso, nunca diz “ A cabei” . Leva para as horas de sono os problem as que acum ulou durante o dia, e, ao despertardes, os mesmos problem as continuam , ininterruptam ente: um círculo vicioso. O cérebro, para que possa quietar-se, não deve ter sonhos. Q uando o cérebro está quieto durante o sono, introduz-se na m ente um a capacidade inteiram ente nova. Como pode o cérebro, sem pre tão intensa e ardorosam ente ativo, im obili­ zar-se, natural e sim plesm ente, sem nenhum esforço ou coerção? E u vo-lo m ostrarei. Com o dissem os, durante o dia o cérebro está incessante­ m ente ativo. Se ao despertardes e olhardes pela janela, excla­ mais “ O h, que chuva!” ou “ Q ue dia m aravilhoso, mas quente dem ais” — já pusestes o cérebro em m ovim ento! Assim , no m om ento de olhardes pela janela, não digais para vós m esmo um a só palavra. Isso não significa reprim ir as palavras, porém , apenas, com preender que no m om ento em que dizeis “ Q ue linda m anhã!” ou “ Q ue tem po h orrível!” — o cérebro se põe em m ovim ento. M as se, olhando pela janela, observais as coisas sem pronunciardes um a única palavra (e isso não é reprim ir a p a lav ra), se ficais apenas observando, sem a im ediata introm issão da atividade cerebral, tendes então a solução, a chave do pro ­ blem a (d e pôr o cérebro q u ieto ). Q uando não reage o velho cérebro, começa a despontar o cérebro novo. Podeis observar as m ontanhas, os rios, os vales, as som bras, as árvores form osas, as m aravilhosas nuvens, totalm ente ilum inadas, além das m onta­ nhas — sem pronunciar um a palavra, sem com parar. M as, isso se torna bem mais difícil quando se observa outra pessoa, porque, aí, já tendes imagens estabelecidas. O b s e r v a i , ainda assim! Assim observando, com claro percebim ento, vereis que a ação assum e um a extraordinária vitalidade: é a ação com­ pleta, que nunca é levada para o próxim o m inuto. C om preen­ deis? Todos nós tem os problem as, profundos ou superficiais — insônia, brigas com a m ulher, problem as que vam os levando de dia para dia. O s sonhos são a repetição desses m esmos p ro­ blem as, a interm inável repetição do m edo e do prazer. Isso, decerto, entorpece a m ente e em bota o cérebro. O ra, é possível pôr fim a cada problem a, no m om ento de surgir? — não levá-lo 75 para diante? Tom em os um problem a: alguém me insulta, cha­ m a-m e “ id io ta” . Instantaneam ente, o velho cérebro reage, dizendo “ Id io ta é você!” Se, antes de o cérebro reagir, me to rn o perfeitam ente cônscio do que foi dito — um a coisa desa­ gradável — abro um intervalo, de m odo que o cérebro não pode logo precipitar-se para a arena. Assim , se du ran te o dia observardes, em vossos atos, o m ovim ento do pensam ento, perce­ bereis que ele está a criar problem as, e que problem as são coisas incom pletas e, por conseguinte, têm de ser levados para diante. M as, se observardes com o cérebro realm ente quieto, vereis que a ação é com pleta, instantânea; não se leva para diante o p ro­ blem a, não se leva para diante o insulto, o elogio: é coisa aca­ bada. E , depois, d u rante o sono, o cérebro já não levará con­ sigo as “ velhas” atividades do dia, estará em com pleto repouso. E , estando o cérebro quieto d u ran te o sono, verifica-se um reju­ venescim ento de toda a sua e stru tu ra — desponta a inocência. A m ente “ inocente” é capaz dc ver o verdadeiro — não a com ­ plicada m entalidade do filósofo ou do sacerdote. A m ente inocente abrange aquele todo em que está contido o corpo, o coração, o cérebro e a m ente propriam ente dita. A m ente inocente, jam ais atingida pelo pensam ento, pode ver o verdadeiro, o real. Isso é m editação. P ara alcançar-se aquela m aravilhosa beleza da verdade e seu êxtase, é necessário lançar a base adequada. Essa base é a com preensão do pensam ento, que gera m edo e n u tre o prazer; é a com preensão da ordem e, p o r­ tanto, virtude. Fica-se, assim, livre de todo conflito, de toda agressividade, brutalidade e violência. Lançada essa base da liberdade, desponta um a sensibilidade que é a culm inância da inteligência, e a vida do hom em se torna, em todos os seus aspectos, inteiram ente diferente. IN T E R R O G A N T E : Acho m uito im portante com preender a v ó s, para se com preender o que dizeis. Surpreendeu-m e o que disses­ tes a respeito da ioga, pois sei que a praticais, regularm ente, duas horas p or dia. Isso m e parece um a form a bem distinta de disciplina. E n tretan to , m ais im portante do que isso é a ques­ tão da inocência. Interessa-m e a inocência da vossa m ente. K R IS H N A M U R T I: A ntes de poderdes ver a inocência da m ente — vossa ou m inha — deveis ser inocente. N ão estou usando de subterfúgios. Para verdes a inocência da m ente, deveis estar livre, não ter m edo, e possuir um a certa capacidade que vem quando o cérebro está funcionando sem nenhum esforço. P raticar a ioga diariam ente, d u rante duas horas, não é um a form a de disciplina? O ra, o corpo nos inform a quando está cansado, dizendo-nos: “ H oje, n ão !” Q uando abusamos do corpo, forçando-o de todas as m aneiras, estragando-lhe a inteligência, tom ando alim entos im próprios, fum ando, bebendo, etc. — o corpo se torna insensível. E o pensam ento “ diz” : “ É necessário forçá-lo.” Esse com pelir e forçar o corpo se torna disciplina. M as, se quiserdes praticar essas coisas regularm ente, sem nenhum esforço, essa regularidade dependerá da sensibilidade do vosso corpo. A gente as pratica um dia, e se, no dia seguinte, o corpo estiver cansado, direm os: “ M uito bem , hoje n ão !” Não se requer um a regularidade mecânica. T udo isso exige um a certa inteligência, não só da m ente, mas tam bém do corpo, e essa inteligência vos dirá o que deveis e o que não deveis fazer. IN T E R R O G A N T E : Podem os desejar nossa m ente quieta, mas às vezes tem os de tom ar decisões; isso pode causar dificuldades e criar problem as. K R IS H N A M U R T I: Se a m ente é incapaz de decidir claram ente, surgem problem as; a própria decisão é um problem a. D e c id ir significa tom ar um a decisão en tre is to e a q u ilo ; isso im plica escolha. H avendo escolha, há conflito, e deste vêm problem as. M as, quando vedes as coisas m uito claram ente, não há escolha de espécie alguma e, po r conseguinte, não há decisão. Sabeis m uito bem o cam inho que vai daqui ao lugar onde m orais; seguis esse cam inho, que é perfeitam ente claro; já o percorrestes centenas de vezes e, por conseguinte, não há escolha de espécie alguma, em bora possais descobrir um atalho e o tom ardes na próxim a vez. Isso é um a coisa m ecânica, e não há problem a nenhum . O cérebro deseja que a m esm a coisa to rn e a acon­ tecer, a fim de que possa funcionar autom aticam ente, m ecanica­ m ente, de m odo que não surjam problem as. O cérebro exige de si próprio que opere m ecanicam ente. P o r conseguinte, “ diz” : “ E u m e disciplinarei para funcionar m ecanicam ente” , “ Tenho necessidade de um a crença, de um propósito, de um a diretiva, a fim de determ inar o cam inho a seguir.” — e fica funcionando nesse canal. Q ue acontece? A vida não perm itirá isso, pois a todas as horas sucedem coisas de toda espécie; portanto, o pensa­ 77 m ento resiste, ergue um a m uralha de crença, e essa própria resis­ tência cria problem as. Q uando tendes de decidir entre is to e a q u ilo , isso signi­ fica que há confusão: “ devo ou não devo fazer is to ? ” Só faço a m im m esmo tal pergunta quando não estou vendo claram ente o que cum pre fazer. Nós escolhem os por causa de nossa con­ fusão, e não quando há claridade. Se tendes claridade, vossa ação é com pleta. IN T E R R O G A N T E : M as nem sem pre pode ser com pleta. K R IS H N A M U R T I: P orquê? IN T E R R O G A N T E : Trata-se freqüentem ente de um a escolha com plexa, e necessita-se de tem po para considerá-la. K R IS H N A M U R T I: Sim, senhor, necessita-se de tem po, de paciência, para considerá-la. T endes de com parar; com parar o quê? Com parais dois panos, azul e branco, interrogais a vós m esm o se gostais mais desta ou daquela cor, se deveis subir este m orro ou aquele m orro. Decidis: “ P refiro subir este m orro hoje, e am anhã subirei o o u tro ” . O problem a se apresenta quando se está lidando com a psique — o que fazer, dentro em si mesm o. V ede prim eiram ente o que implica a decisão. D ecidir fazer isto ou aquilo — em que se baseia essa decisão? N a esco­ lha, é óbvio: D evo fazer isto ou devo fazer aquilo?” . Percebo que, quando há escolha, há confusão. E stou, pois, vendo a verdade, o fato — o q u e é. E o fato é este: onde há escolha, há inevitavelm ente confusão. O ra, porque estou confuso? P o r­ que não sei ou porque prefiro, em vez de um a coisa, o u tra coisa mais agradável, que dê m elhores resultados, m ais sorte, etc. Escolho, portanto, essa coisa. M as, adotando-a, nela encontro tam bém frustração, dor. Vejo-m e, assim, mais um a vez, apa­ nhado na m esm a rede, entre o m edo e o prazer. E, então, p er­ gunto: “ Posso atuar sem escolha?” Isto significa: tenho de to r­ nar-m e cônscio da confusão e de todas as implicações da decisão, pois nesta existe dualidade: “ aquele que decide” e a “ coisa deci­ dida” . P o r conseguinte, vem o conflito e a perpetuação da confusão. D ireis que ficar cônscio de todas as complicações desse m ovim ento levará tem po. Levará tem po? O u ele (o m ovi­ 78 m e n to ) pode ser visto instantaneam ente e a ação, por conse­ guinte, ser im ediata? Só necessito de tem po quando não estou cônscio dele. M eu cérebro, que está condicionado, diz: “ P re­ ciso decidir” — decidir em conform idade com o passado, como é seu hábito. “ Preciso decidir sobre o que é correto, o que é errado, o que é dever, o que é responsabilidade, o que é am or.” As decisões do cérebro criam m ais conflito — sendo isso o que estão fazendo os políticos por este m undo afora. O ra, pode esse cérebro tornar-se quieto, a fim de ver instantaneam ente o problem a da confusão, e agir, p or estar esclarecido? Não há então decisão de espécie alguma. IN T E R R O G A N T E : Pode-se aprender da experiência? K R IS H N A M U R T I: D e m odo nenhum . O aprender requer liber­ dade, curiosidade, investigação. Q uando um a criança está apren­ dendo um a coisa, torna-se curiosa a respeito dela, deseja saber; é um m ovim ento livre, e não um m ovim ento consistente em adquirir, para p a rtir dessa aquisição. Tem os inum eráveis expe­ riências. Já tivem os cinco m il anos de guerras; não aprendem os nada, a não ser inventar engenhos mais m ortíferos. Tivem os inúm eras experiências, com os nossos amigos, nossas esposas, nossos m aridos, nossa nação — e nada aprendem os. O aprender, com efeito, só pode verificar-se quando estam os libertados da experiência. Se quereis descobrir um a coisa nova, vossa m ente deve estar livre do “ velh o” , é claro. Assim, m editação é esvaziar a m ente do conhecido, com o experiência, porque a verdade não é um a coisa que nós inventam os, porém um a coisa totalm ente nova, independente do passado, do “ conhecido” . O novo não é o oposto do velho; a verdade é um a coisa incrivelm ente nova: a m ente que dela se abeira com a experiência não pode vê-la. 30 de julho de 1970. 79 Se g u n d a Pa r t e DIÁLOGOS DIÁLOGO I A necessidade de autoconhedm ento. Saber e apren­ der: o aprender req u er um a m ente libertada do pas­ sado. A fuga ao m edo e o aprender a respeito do m edo. D ificuldade de observar o m edo. Q uem está observando? K R IS H N A M U R T I: Vam os realizar aqui sete “ reuniões de exa­ m e” , nas quais cada um de nós tom ará p arte ativa. Não se tra ­ tará sim plesm ente de ouvir o que direm os uns aos outros e, de­ pois, continuarm os com as nossas opiniões e juízos; mas, exam i­ nando e considerando juntos as diversas questões, começarem os a descobrir, po r nós m esm os, com o pensam os, de que ponto de vista consideram os a vida, e com o as fórm ulas e conclusões governam e controlam a nossa m ente. D urante estas sete reu ­ niões, poderem os exam inar vários problem as, tom ando para estudo, cada m anhã, um a determ inada questão, para a considerar­ mos o m ais com pletam ente possível, a fim de que todos nós a com preendam os perfeitam ente — não apenas no nível verbal ou intelectual, pois isso, decerto, não é com preensão — e pos­ samos deixá-la para trás. Assim , de que tratarem os nesta m anhã? IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : Podem os considerar as raízes e a ori­ gem do pensam ento? IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : “ cérebro” e “ m ente” ? Podem os exam inar a diferença entre IN T E R R O G A N T E ( 3 ) : Pode-se descobrir em si m esm o um sis­ tem a de m editação, ou tal sistem a é tam bém um m étodo? 83 IN T E R R O G A N T E ( 4 ) : Estam os fazendo uso correto de nossas faculdades e capacidades pessoais? IN T E R R O G A N T E ( 5 ) : Podeis dizer alguma coisa sobre as relações e n tre pessoas? IN T E R R O G A N T E ( 6 ) : Podem os considerar a questão de nos livrarm os de nosso condicionam ento? IN T E R R O G A N T E ( 7 ) : Q ue é “ ilum inação” ? IN T E R R O G A N T E ( 8 ) : P orque nos é tão difícil alcançar um estado de bem -aventurança, baseado na verdade e na beleza? K R IS H N A M U R T I: Vam os reunir num a só todas essas pergun­ tas? Se exam inássemos a questão do autoconhecim ento, não achais que todas elas ficariam respondidas? Q uestões, como: Q ue é m editação — um sistem a? Q ual a diferença entre a m ente e o cérebro? P orque é tão difícil alcançar ou com preender o que é ilum inação? P o r que razão a m aioria de nós tem os de lutar de várias m aneiras? — Podem os considerar a questão do auto­ conhecim ento, que abrange todas essas perguntas? H á algum m étodo ou sistem a de nos conhecerm os? E xiste alguma m a­ neira de descobrirm os p or nós próprios a resposta a todas as perguntas que nesta m anhã form ulam os, sem a pedirm os a nin­ guém ? A única m aneira é conhecerm os por nós m esm os o m eca­ nism o do pensam ento, com o funciona o cérebro, com o a m ente está toda entregue ao condicionam ento, quanto está apegada a diferentes coisas, e quanto deseja libertar-se. H á um a luta constante d entro de nós e tam bém exteriorm ente. Assim , para serem respondidas todas as perguntas que a nós fazemos e fica­ rem resolvidos todos os problem as existentes exteriorm ente, não achais im portante com preenderm os a nós m esm os? Vam os con­ siderar esta questão? E m prim eiro lugar, como observo a m im m esm o? Observo-me de acordo com o que disseram as autoridades, os especialistas, os psicólogos — coisas que obviam ente condicionaram a m inha m ente? Posso não gostar de F reud, de Jung, de A dler e dos mais m odernos psicólogos e analistas, mas como justam ente as asser­ ções deles penetraram a m inha m ente, estou olhando a m im pró ­ prio com os olhos deles. Posso olhar-m e objetivam ente, sem nenhum a reação em ocional, apenas para ver o que sou? E, para ver o que sou, necessito de análise? 84 Todas essas perguntas estão im plícitas quando digo que preciso conhecer-m e; sem esse autoconhecim ento, não tenho base para nenhum a ação. Se não conheço a m im m esm o e estou confuso, qualquer ação que eu em preenda levará necessariam ente a m ais confusão. Assim , tenho n e c e ss id a d e de conhecer a m im m esm o. Preciso investigar profundam ente a e stru tu ra de m inha natureza. D evo ver o arcabouço de m inhas atividades, os padrões em que estou funcionando, as linhas que estou seguindo, as diretivas que estabeleci para m im m esm o, ou a sociedade esta­ beleceu para m im . Tenho de com preender o im pulso que me leva a agir harm oniosam ente ou contraditoriam ente. P ara com ­ preender tantos problem as, tais com o se existe Deus, se existe a V erdade, o que é m editação, quem é o “ m editador” (e isso é m uito mais im portante do que a m editação), preciso conhecer-me com pletam ente. Percebeis a im portância de conhecerdes, por vós m esm o, o que sois? P orque, sem esse conhecim ento próprio, tudo o que fizerdes será feito num estado de igno­ rância, por conseguinte, de ilusão, de contradição; e assim haverá confusão, tristeza, etc. E stá claro isto? Devem os conhecer-nos, não só no nível consciente, mas tam bém nas cam adas pro fu n ­ das de nós m esmos. Esse conhecim ento deve ser claro e cabe-vos alcançá-lo por vós m esm o — e não pelo que eu digo. O ra, como posso conhecer-m e? Q ual o m étodo? Posso seguir as autoridades, os especialistas, que aparentem ente inves­ tigaram e alcançaram certas conclusões, que poderão ser altera­ das ou robustecidas p or posteriores psicólogos e filósofos? Não digais “ N ão ” . Se não posso segui-los, como poderei com preen­ der a m im m esm o? Todas as investigações dos filósofos e in stru ­ tores do passado (a m ente indiana penetrou m uito fundo nesta questão) e mais as dos m odernos im prim iram -se na m inha m ente, consciente ou inconscientem ente. Assim, posso segui-los porque sou apenas um principiante, e eles se acham m uito à m inha frente, e, p or fim , ir mais longe ainda do que eles foram ? O u será m elhor não seguir ninguém , mas olhar-m e a m im m es­ m o? Se posso olhar-me como “ o que é ” , estou então olhando a m im m esmo como o resultado de todos os ditos dos filósofos, instrutores e salvadores. P o r conseguinte, não preciso seguir ninguém . E stá claro isto? Vede-o bem , por favor, não o deixeis para depois. 85 M inha m ente é o resultado de tudo o que eles disseram . Essas coisas não foram sim plesm ente aceitas po r nós, invadi­ ram -nos, com o um a vaga, não só do presente, mas tam bém do passado, através de um a m ultidão de instrutores. E u sou o resultado de tudo isso. Assim , o que m e cabe fazer é, tão-só, observar-m e, ler o livro que eu m esmo sou. Com o lê-lo, como posso observar com tanta clareza que nada possa im pedir-m e de ver? Posso olhar com óculos coloridos, ter certos preconceitos, certas conclusões que me im pedirão de olhar-m e e de ver tudo o que esse olhar pode revelar. Assim , que devo fazer? Já que estou condicionado, não posso olhar-m e em com pleta liberdade; p o r conseguinte, devo tornar-m e cônscio de m eu condiciona­ m ento. Sou, pois, levado a perguntar: Q ue é estar cônscio? M as, continuem os. Não posso olhar-me em plena liberdade porque m inha m ente não é livre. Tenho dúzias de opiniões e de conclusões, e um núm ero infinito de experiências. Recebi um a certa educação, que faz p arte de m eu condicionam ento; por con­ seguinte, cumpre-m e tornar-m e cônscio desses condicionam entos, que fazem parte de m im m esm o. Assim , em prim eiro lugar, preciso com preender o que significa “ estar cônscio” . Q ue signi­ fica, para vós, “ estar cônscio” ? H á dias, este orador disse: “ P o r favor, não tom eis no tas” — vós o ouvistes, e vários dentre vós continuaram a tom ar notas. Isso é “ estar cônscio” ? IN T E R R O G A N T E : Sei que não posso estar cônscio p or mais de dois m inutos; em seguida, começa a confusão. K R IS H N A M U R T I: Irem os verificar se esse percebim ento pode prolongar-se ou se só é possível por um breve período. Mas, antes disso, vejam os o que significa “estar cônscio” . E stou cônscio do barulho daquele rio? E stou cônscio das diferentes cores dos trajes usados pelos hom ens e m ulheres aqui reunidos? E sto u cônscio da estru tu ra e form a deste pavilhão? E stou côns­ cio do espaço que o circunda, dos m ontes, das árvores, das nuvens, do calor — estou objetivam ente, externam ente, cônscio de tudo isso? De que m aneira estais cônscios? IN T E R R O G A N T E : Estam os cônscios interior e exteriorm ente ao m esm o tem po. K R IS H N A M U R T I: P o r favor, vamos devagar. E stais cônscio deste pavilhão, das cores dos trajes das pessoas, estais cônscio 86 dos m ontes, das árvores, dos prados? Estais cônscios, no sen­ tido de estardes conscientes dessas coisas? Estais — não? IN T E R R O G A N T E : Q uando lhes fixo a atenção, torno-m e côns­ cio delas. K R IS H N A M U R T I: Se lhes prestais atenção, estais cônscio; por conseguinte, não estais cônscio quando desatento. Só no prestar atenção, estais cônscio. P o r favor, observai isso bem de perto. IN T E R R O G A N T E : Ao prestar atenção a um a coisa, nela me absorvo; não posso prestar atenção às outras coisas que me cercam. K R IS H N A M U R T I: Vós vos absorveis num a certa coisa e o resto se apaga. E stais cônscio de que, quando estais a olhar atenta­ m ente o pavilhão, as árvores, as m ontanhas, estais m oldando em palavras o que vedes? Dizeis: “ A quilo é um a árvore, aquilo um a nuvem , aquilo um a tenda, gosto desta cor, não gosto daquela cor” — não é verdade? P o r favor, fazei um pequeno esforço a esse respeito, não vos deixeis enfadar. P orque, se penetrardes bem profundam ente nesta questão, ao sairdes deste pavilhão, vereis algo p or vós m esm o. Pois bem ; quando observais, estais cônscio de vossas reações? IN T E R R O G A N T E : A atenção parece expandir-se. K R IS H N A M U R T I: Pergunto-vos um a coisa e respondeis outra. E stou cônscio daquele vestido: m inha reação diz: “ b o n ito !” ou “ feio!” P ergunto: ao olhardes aquela cor verm elha, estais cônscio de vossas reações? Não de um a dúzia de reações, porém daquela peculiar reação que tendes ao verdes a cor verm elha? — P orque não? Isso não faz p a rte do p erceb im en to ?(* ) IN T E R R O G A N T E : Q uando dam os nom e a um a coisa, não esta­ m os cônscios dela. K R IS H N A M U R T I: E u vou averiguar, senhor, o que significa “ estar cônscio” . — Q uero estar cônscio e sei que não estou (* ) do T .) P erguntas dirigidas a um aparteante (as duas ú ltim as). (N . 87 conscio. Às vezes estou atento, mas a m aior p arte do tem po estou sem i-adorm ecido. E stou pensando n o u tra coisa, enquanto olho um a árvore ou um a cor. Com o disse, desejo conhecer-m e com pletam ente, porque percebo que, se não m e conheço, não tenho base para fazer coisa algum a. P ortanto, p r e c is o conhecer a m im m esm o. Com o me tornarei cônscio de m im m esm o, como observarei a m im m esm o? O bservando, aprendo. P o rtan to , o aprender faz p arte do percebim ento. Posso aprender algum a coisa a m eu respeito em conform idade com o u tra pessoa — em conform idade com os filósofos, os instrutores, os salvadores, os sacerdotes? Isso é aprender? Se aprendo de acordo com o que outros disseram , cesso de aprender acerca de m im m esm o, e isso é o principal. O ra, que significa esse aprender a respeito de m im próprio? Investigai isso, penetrai-o, descobri o seu signi­ ficado — o que significa “ aprender a respeito de si m esm o” . IN T E R R O G A N T E : Significa “ ver m inha reação” . K R IS H N A M U R T I: N ão, m inha senhora, não é isso o que quero. Q ue significa aprender? IN T E R R O G A N T E : Parecem os andar a buscar freneticam ente um sistem a prático de alcançar esse estado de percebim ento. H ouve tem po em que eu pensava que poderíam os “educar-nos” anotando todos os nossos pensam entos, para depois lê-los, ven­ do-os com o se vê um film e. Talvez desse m odo fosse possível aprender algum a coisa. K R IS H N A M U R T I: Diz o interrogante que vemos razão para co­ nhecerm os a nós m esm os e ansiam os po r descobrir com o fazê-lo, m as, p o r causa dessa ansiedade, desejam os um sistem a, querem os achar um m étodo, p orquanto não sabem os o que fazer com nós m esm os. Assim , precisam os que alguém nos diga: “ Faça tais coisas e você conhecerá a si m esm o” . O ra, senhores, tende a bondade de escutar-m e. A qui estou eu: sou o resultado d a sociedade, da cultura em que vivo, da religião, do m undo dos negócios, do m undo econôm ico, do clima, da alim entação; sou o resultado de tudo isso, do passado infi­ n ito e do presente. Q uero conhecer-m e, isto é, quero aprender a respeito de mim m esm o. Q ue significa a palavra “ aprender” ? V ede a dificuldade aí contida. E u não sei alem ão, e isso signi­ 88 fica que tenho de aprender o significado das palavras, decorar os verbos e aprender a sintaxe da língua. Q uer dizer, tenho de acum ular conhecim ento de palavras, etc. — e, então, talvez eu seja capaz de falar alem ão. A cum ulo — verbalm ente ou de o utra m aneira qualquer — para depois agir. A í, aprender signi­ fica acumulação. Agora, que sucede se quero aprender a respeito de m im m esm o? Vejo algo em m im e digo “ A prendi tal coisa” . Vi que “ isto é assim ” , aprendi a tal respeito. Ficou, pois, um resíduo de conhecim ento, e com esse conhecim ento exam ino o próxim o incidente. E isso, p o r sua vez, aum enta a acumulação. Assim , quanto mais me observo e aprendo sobre m inha pessoa, tanto mais conhecim ento acum ulo a respeito de m im m esm o. N ão é exato isso? IN T E R R O G A N T E : — E stou m udando. K R IS H N A M U R T I: E stou acum ulando conhecim ento e, ao m es­ mo tem po, m udando. O ra, por m eio da observação, estou acum u­ lando conhecim ento e experiência. E , então, que acontece? Com esse conhecim ento olho a m im m esm o. P o r conseguinte, o conhecim ento m e im pede a observação nova. Percebeis isso? P o r exem plo, dissestes-m e algo que me ofendeu. Esse é m eu conhecim ento, e a próxim a vez que vos vejo, é esse conheci­ m ento de ter sido ofendido que vai ao vosso encontro. O passado vem ao encontro do presente. O conhecim ento, por­ tanto, é o passado, e com os olhos do passado estou olhando o presente. Com preendeis? O ra, para aprender sobre m im m es­ m o, para olhar-m e, tenho de estar livre do conhecim ento trazido do passado. Isto é, o aprender sobre m im m esm o deve ser sem pre novo. Percebeis a dificuldade? IN T E R R O G A N T E : E u diria que há, na vida, co n stan tes(* ) que nunca se alteram . K R IS H N A M U R T I: Considerarem os m ais adiante o problem a da m udança. E stou vigilante, quero aprender a respeito de m im m esm o. “ O que sou” é m ovim ento, não é estático; é vivo, ativo, está sem pre tom ando direções diferentes. Assim , se aprendo (* ) “C onstantes” (substantivo, p l.) no sentido m atem ático (q u an ­ tidades constantes” : que têm sem pre o m esm o v alor). (N . do T .) 89 com a m ente e o cérebro vindos do passado, eles m e im pedirão o auto-aprendizado. Percebendo isso, logo perguntais: “ Como pode um a pessoa libertar-se do passado, para que possa apren­ der a respeito de si m esm a, um a coisa constantem ente nova? V ede quanto isso é belo e apaixonante! Q uero aprender sobre m im , e “ o que sou” é um a coisa viva, não um a coisa m orta. H oje penso de um a m aneira, e, am anhã, de diferente m odo. Isso é um a constante, um m ovi­ m ento vivo. E para observá-lo e a seu respeito aprender, a m ente deve estar livre. P o r conseguinte, se ela está levando a carga do passado, não pode observar. Assim , que cum pre fazer? IN T E R R O G A N T E : Isso não significa amnésia, m as, sim, estar livre do passado. K R IS H N A M U R T I: Sim, senhor, é isso m esm o que quero dizer. O ra, que devo fazer? Percebo o que acontece: Ao ver aquela cor verm elha, digo “ N ão gosto dela” . Isto é, o passado “ reage” . O passado e n tra logo em ação e, p or conseguinte, põe term o ao aprender. Q ue fazer? IN T E R R O G A N T E : A gente deve esquecer-se de pensar — não ter pensam entos. K R IS H N A M U R T I: N ão m e estais seguindo. D izendo “ não ter pensam entos” , chegastes a um a conclusão. N ão estais apren­ dendo realm ente. IN T E R R O G A N T E : Tem os de esvaziar-nos. K R IS H N A M U R T I: O u tra conclusão! Com o podeis esvaziar­ m os? Q u e m ê a entidade que vai esvaziar a m ente? IN T E R R O G A N T E : Tem os de esvaziar-nos de tudo. esvaziar-nos tam bém da entidade. Tem os de K R IS H N A M U R T I: Q u e m vai fazê-lo? O ra, senhor, não estais escutando ■ — predoai-m e dizê-lo! E u disse que desejo aprender a respeito de m im m esm o. Não o posso, se o passado interfere. A p r e n d e r é presente ativo; significa estar ativo n o p r e s e n t e ; mas isso não é possível quando a m ente, quando o cérebro está levando toda a carga do passado. Dizei-me agora o que cum pre fazer. 90 IN T E R R O G A N T E : T enho de estar atento. K R IS H N A M U R T I: E stais vendo? Com o posso estar atento? IN T E R R O G A N T E : T enho de viver no presente. K R IS H N A M U R T I: Como posso viver no presente, com a carga do passado? IN T E R R O G A N T E : E stando cônscio do m ovim ento que se está desenrolando. K R IS H N A M U R T I: E isso significa o quê? E star cônscio de que o passado está interferindo e im pedindo o cérebro de apren­ der? Id e devagar, senhor. E stais cônscio desse m ovim ento, enquanto estam os falando? Pois, se estais cônscio dele enquanto falam os — que está ocorrendo? Não suponhais nada! Não digais “ deve ser” , “ não deve ser” ; isso não significa nada. Q ue é que está realm ente ocorrendo quando- estais cônscio desse m ovim ento, que é o passado a interferir no presente e, por conseguinte, im pedindo o aprender — no sentido em que esta­ mos em pregando essa palavra? Q uando se está cônscio de todo esse “ processo” , que ocorre? IN T E R R O G A N T E : Vem o-nos como um efeito do passado. K R IS H N A M U R T I: Sabemos que isso é um fato. P erguntam os qual é o resultado, o que é que acontece quando estam os côns­ cios de que somos o efeito do passado e que ele nos está im pe­ dindo de aprender no presente? N ada de suposições. Q ue é que acontece, em vós, quando estais cônscios desse processo? IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : Cessa o m ovim ento. IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : N ão há mais pensam ento. IN T E R R O G A N T E ( 3 ) : H á m edo. K R IS H N A M U R T I: Um diz que não há mais pensam ento, outro que há silêncio, e mais outro que há m edo. IN T E R R O G A N T E : Parece que nada existe senão o presente. K R IS H N A M U R T I: Q ual dessas respostas é verdadeira? IN T E R R O G A N T E : Estam os confusos. 91 KRISHNAMURTI: Tendes razão: estamos confusos. IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : Estam os cônscios. IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : Estam os aprendendo. IN T E R R O G A N T E ( 3 ) : Sinto que há um a contradição que precisa ser anulada pela ação direta. K R IS H N A M U R T I: Peço-vos, senhores, não chegar a conclusões, porque elas vos im pedirão de aprender. E , se dizeis “ É neces­ sária ação d ire ta ” — isso é um a conclusão. Estam os apren­ dendo. Vejo que sou o efeito do passado. O passado pode ser o ontem ou o segundo precedente, que deixou sua m arca como conhecim ento. Esse conhecim ento, que é o passado, m e está im pedindo de aprender no presente; ele é um m ovim ento cons­ tante. O ra, quando estou cônscio desse m ovim ento, que sucede? N ão quero conclusões. Se aceito vossas conclusões, vós sereis “ o novo filósofo” . E u não quero novos filósofos! Q uero apren­ der; p o r conseguinte, o que me cabe fazer é ver o que realm ente sucede quando o cérebro se torna cônscio desse m ovim ento. P ode o cérebro estar cônscio dele, ou tem m edo do novo? IN T E R R O G A N T E : O m ovim ento cessa. K R IS H N A M U R T I: E , então, que acontece? E stou aprendendo? IN T E R R O G A N T E : Se estou suficientem ente quieto, creio que posso ver o que percebo ( s i c ) e o que provém de m im mesm o. K R IS H N A M U R T I: Sim, senhor; observai bem isso. Q uero aprender a respeito desse m ovim ento; para aprender, preciso de curiosidade. Se m eram ente chego a um a conclusão, cessa a m inha curiosidade. P o r conseguinte, a curiosidade é necessária ao apren­ der. Necessito de paixão, necessito de energia. Sem isso, não posso aprender. Se sinto m edo, não tenho paixão. P o r conse­ guinte, deixem os de p arte aquele m ovim ento (do p assad o ), e perguntem os: “ P orque tem em os aprender a respeito de algo que pode ser um a coisa n o v a?” — Cabe-me investigar o m edo. A bandonei o m ovim ento do passado e vou agora aprender acerca do m edo. Estais-m e seguindo? O ra, porque tenho m edo? IN T E R R O G A N T E : Tem em os perder a nossa imagem de nós mesm os. 92 K R IS H N A M U R T I: Tem o perder a im agem que form ei de mim m esm o, a qual está repleta de conhecim entos e é um a coisa m orta. N ão, senhor, não deis explicações( * ) . Percebo que tenho m edo — porquê? P orque vejo que estou m orto? E stou vivendo no passado e não sei o que significa observar e viver no p re­ sente; isso, por conseguinte, é um a coisa inteiram ente nova e eu tenho m edo de fazer qualquer coisa nova, E isso significa o quê? Q ue m inha m ente e m eu cérebro estão seguindo o velho padrão, o velho m étodo, a velha m aneira de pensar, de viver, de trabalhar. M as, para aprender, a m ente deve estar livre do passado; isso já é um a verdade estabelecida. Pois bem ; que aconteceu? Estabeleci como verdadeiro este fato que não há aprender se o passado interfere. E percebo tam bém que estou com m edo. H á , p ortanto, um a contradição: C om preendi que, para aprender, a m ente deve estar livre do passado e, ao m esm o tem po, tenho m edo de ver esse fato. H á, pois, dualidade: vejo e tenho m edo de ver. IN T E R R O G A N T E : H á sem pre esse m edo de ver coisas novas? K R IS H N A M U R T I: N ão há? N ão tem os m edo de m udar? IN T E R R O G A N T E : O novo é o desconhecido. desconhecido. N ós tem em os o K R IS H N A M U R T I: E por isso ficam os apegados ao velho, e isso inevitavelm ente causa m edo, porque a vida está sem pre a m udar; há convulsões sociais, agitações populares, guerras, Conseqüentem ente, há m edo. O ra, com o posso aprender sobre o m edo? Afastam o-nos do m ovim ento anterior; agora querem os aprender a respeito do m ovim ento do m edo. Q ue é o m ovim ento do m edo? E stais cônscios de que ten ­ des m edo? Estais cônscio de que tendes tem ores? IN T E R R O G A N T E : N em sem pre. K R IS H N A M U R T I: Senhor, sabeis agora, estais cônscio agora de vossos tem ores? Podeis “ ressuscitá-los” , e dizer: “ Tenho m edo do que outras pessoas digam a m eu respeito” . Estais cônscio de que tendes m edo da m orte, m edo de perder dinheiro, (* ) Palavras dirigidas a um aparteante. (N . do T .) 93 m edo de perder vossa esposa? E stais cônscio desses tem ores? T am bém dos tem ores físicos — de sofrerdes dores am anhã, etc.? Se estais cônscio, qual o m ovim ento que se verifica nesse estado? Q ue sucede quando estais cônscio de que tendes m edo? IN T E R R O G A N T E : P rocuro livrar-m e dele. K R IS H N A M U R T I: sucede? Q uando procurais livrar-vos dele, que IN T E R R O G A N T E : Reprim o-o. K R IS H N A M U R T I: O u o reprim is ou dele fugis; há um con­ flito e n tre o m edo e o desejo de livrar-se dele, não é verdade? H á repressão, ou há fuga. E n o esforço para vos libertardes do m edo, há conflito, que só pode aum entar o m edo. IN T E R R O G A N T E : P erm itis um a pergunta? N ão é o “ eu” o próprio cérebro? O cérebro cansa-se de estar sem pre a buscar experiências novas e deseja repouso. K R IS H N A M U R T I: Q uereis dizer que o próprio cérebro tem m edo de largar o m ovim ento do passado e é a causa do m edo? V ede, senhor, desejo aprender a respeito do m edo; isso signi­ fica que devo ter curiosidade, paixão. A ntes de mais nada, p re ­ ciso te r curiosidade, e não a posso te r se form o um a conclusão. Assim , para aprender a respeito do m edo, não devo distrair-m e, fugindo dele; não deve haver nenhum m ovim ento de repressão, que é tam bém um a distração do m edo. Não deve haver o senti­ m ento de que “ preciso livrar-m e do m edo” . Se tenho tais senti­ m entos, não posso aprender. O ra, tenho esses sentim entos quan­ do vejo que há m edo? N ão estou dizendo que não os devais ter; eles existem . Se deles m e torno cônscio, que devo fazer? São tão fortes os m eus tem ores, que deles desejo fugir. E o próprio m ovim ento de fuga gera mais m edo; estais percebendo tudo isso? Percebo a verdade e o fato de que, fugindo do m edo, aum ento o m edo: por conseguinte, não há nenhum m ovim ento de fuga — certo? IN T E R R O G A N T E : N ão com preendo isso, porque sinto que se tenho um certo tem or e dele trato de fugir, estou em m ovim ento para algum a coisa que lhe irá pô r fim , algum a coisa que dele me libertará. 94 KRISHNAMURTI: De que tendes medo? IN T E R R O G A N T E : D o dinheiro. K R IS H N A M U R T I: Tendes m edo de p erder dinheiro, e não do dinheiro. Q uanto m ais dinheiro tem os, mais contentes ficamos! M as, vós tendes m edo de perdê-lo, não é certo? P o r conse­ guinte, que fazeis? Tom ais todas as m edidas para colocar em segurança o vosso dinheiro; en tretan to , o m edo continua: ele pode não estar em segurança neste m undo variável, o banco pode falir, etc. A inda que tenhais dinheiro em abundância, existe sem pre esse m edo. Fugir desse m edo não lhe põe fim , e tam ­ pouco reprim i-lo, dizendo “ não quero pensar nele” — porque daqui a um segundo e sta r e is p e n s a n d o nele. Assim, a fuga ao m edo, o esforço para evitá-lo, o fazer alguma coisa em relação a ele — dá continuidade ao m edo. Eis um fato. Descobrim os, agora, dois fatos: que, para aprender, precisam os te r curiosi­ dade e não deve haver nenhum a pressão do passado; e que, para aprenderm os a respeito do m edo, não deve haver fuga ao m edo. D escoberto este fato, descoberta esta verdade, n ã o fu g is . O ra, quando não fujo do m edo, que sucede? IN T E R R O G A N T E : Deixo de identificar-m e com ele. K R IS H N A M U R T I: Isso é aprender? Vós parastes. IN T E R R O G A N T E : N ão entendo. K R IS H N A M U R T I: P arar não é aprender. P o r causa do desejo de não sentir m edo, quereis fugir dele. V ede como isso é sutil. Sinto m edo e desejo aprender a seu respeito. Não sei o que vai acontecer, mas desejo conhecer o m ovim ento do m edo. Assim, que acontece? N ão estou fugindo dele, não o estou reprim indo nem evitando: Q uero aprender a seu respeito. IN T E R R O G A N T E : E u penso em com o livrar-m e dele. K R IS H N A M U R T I: Se desejais livrar-vos dele — como há pouco expliquei — quem é a pessoa que vai livrar-se dele? Vós dese­ jais livrar-vos do m edo, o que significa que a ele resistis; por conseguinte, o m edo aum enta. Se não percebeis esse fato, sinto não poder ajudar-vos. IN T E R R O G A N T E : N ós tem os de aceitar o m edo. 95 K R IS H N A M U R T I: E u não aceito o m edo; quem é a entidade que está aceitando? IN T E R R O G A N T E : Se não é possível fugir, é necessário aceitar. K R IS H N A M U R T I: F ugir dele, evitá-lo, ler um rom ance, ver o que outros estão fazendo, ver televisão, freqüentar o tem plo ou a igreja — tudo isso é ainda ev itar o m edo, e todo esforço para evitá-lo só pode aum entar e dar mais força ao m edo. Isso é um fato. Um a vez estabelecido esse fato, não quero fugir, não quero reprim ir. E stou aprendendo, e n ã o fugindo. P o r conse­ guinte, que sucede quando há a percepção do m edo? IN T E R R O G A N T E : A com preensão do processo do m edo. K R IS H N A M U R T I: É o que estam os fazendo. E u estou em pe­ nhado em com preender o processo, estou a observá-lo, estou aprendendo a seu respeito. T enho m edo e não estou fugindo dele; pois bem — que está acontecendo? IN T E R R O G A N T E : Estais frente-a-frente com o m edo. K R IS H N A M U R T I: E que acontece então? IN T E R R O G A N T E : N ão há m ovim ento algum , em nenhum a direção. K R IS H N A M U R T I: Q ual a pergunta que deveis fazer? Por favor, escutai-m e por dois m inutos apenas. E u não estou fugindo do m edo, não o estou evitando, não lhe estou resistindo. Ele está à m inha frente, e eu o estou observando. A p ergunta natural é: Q uem está observando o m edo? P o r favor, não suponhais nada. Ao dizerdes “ E stou observando o m edo e aprendendo a respeito dele” — quem é a entidade que o está observando? IN T E R R O G A N T E : O próprio m edo. K R IS H N A M U R T I: O próprio m edo observando a si próprio? P o r favor, não façais suposições, não busqueis nenhum a con­ clusão: descobri. A m ente não está a fugir do m edo, não está erguendo nenhum a m uralha contra o m edo, adquirindo coragem, etc. Q ue sucede, quando estou observando? P ergunto n atu ral­ m ente a m im m esm o: Q uem é que está observando a coisa cham ada “ m edo” ? P o r favor, não respondais. E u fiz a p er­ 96 gunta a m im mesm o e não a vós ( **) . quem é que está observando o m edo? m esm o? T ratai, pois, de descobrir O u tro fragm ento de mim IN T E R R O G A N T E : A entidade que está observando não pode ser um resultado do passado; só pode ser um a entidade nova — um a coisa que se está m anifestando neste m om ento. K R IS H N A M U R T I: N ão perguntei se quem está observando é resultado do passado. E u estou observando. E stou cônscio do m edo. E stou cônscio de que tenho m edo de perder dinheiro, de adoecer, de ser abandonado por m inha m ulher, e sabe D eus de que mais. E desejo aprender a respeito desse m edo; por conseguinte, estou observando e m inha pergunta natural é esta: Q uem está observando o m edo? IN T E R R O G A N T E : A imagem que tenho de m im m esm o. K R IS H N A M U R T I: Q uando pergunto “ Q uem está observando?” — que sucede? A própria pergunta contém um a divisão, não? Isso é um fato. Q uando digo “ Q uem está observando?” — isso significa que à m inha frente está um a coisa, e eu a estou obser­ vando ■ — portanto, um a divisão. O ra, porque há essa divisão? Respondei-m e, não suponhais nada, não repitais o que outrem disse — inclusive eu próprio. T ratai de descobrir porque existe essa divisão, no m om ento em que se pergunta “ Q uem está obser­ v an d o ?” Descobri isso! IN T E R R O G A N T E : H á em mim o desejo de observar. K R IS H N A M U R T I: Q u er dizer, o desejo diz: “ O bservai, a fim de fugir” . E ntendeis? A ntes dissestes “ Com preendi que não devo fugir” , e agora verificais que o desejo, m uito sutilm ente, vos está fazendo fugir; po r conseguinte, estais ainda a observar o m edo como quem está “ de fo ra” . V ede quanto isso é im por­ tante. E stais a observar com a intenção de vos livrardes do m edo. E , como dissemos há poucos m inutos, ten tar livrar-se do m edo significa que houve um a prévia c en su ra(* ) do m edo. P ortanto, o vosso observar im plica o desejo de livrar-vos do (* ) (* ) 4 Palavras dirigidas a um aparteante. (N . do T .) “C ensura” , no sentido de “ exam e crítico” . (N . do T .) 97 m edo; há, pois, um a divisão que só tem o efeito de dar mais força ao m edo. Assim , mais um a vez, pergunto: Q uem está observando o m edo? IN T E R R O G A N T E : N ão há tam bém outro ponto? a pergunta “ Q uem está observando o m edo?” Q u e m faz K R IS H N A M U R T I: Sou eu, senhor. IN T E R R O G A N T E : M as, q u e m a está fazendo? K R IS H N A M U R T I: T ornais a perg u n tar a m esm a coisa! Isso é andar para trás. T ende a bondade de escutar; essa é a m a­ neira mais prática de proceder. Se escutardes com toda a aten­ ção o que se está dizendo, vereis que a m ente ficará livre do m edo. M as, vós não o estais fazendo. T enho m edo de perder dinheiro e, por conseguinte, que faço? F ujo desse m edo, evitando pensar nisso. M as, com preen­ dendo quanto é estulto evitá-lo — pois, quanto m ais resisto, mais m edo sinto — estou a observá-lo. P o r conseguinte, apre­ senta-se a questão: Q uem está a observá-lo? O desejo de livrar-me dele, de ultrapassá-lo — é o desejo quem o está observando? É — e sei que observar dessa m aneira é dividir e, p o r conse­ guinte, to rn ar m ais fo rte o m edo. Vejo, assim, a verdade a esse respeito e, po r conseguinte, desapareceu o desejo de livrar-me dele. E ntendeis? É o m esm o que ver um a serpente vene­ nosa; não tenho vontade de tocá-la. O desejo de tom ar drogas desaparece logo que percebo o perigo real que elas representam ; não tenho vontade de tomá-las. E nquanto não vir esse perigo, continuarei a tomá-las. D o m esm o m odo, enquanto não vejo que a fuga ao m edo robustece o m edo, continuo a fugir. N o m om ento em que o percebo, já não tenho vontade de fugir. E ntão, que acontece? IN T E R R O G A N T E : Com o pode um a pessoa o lh a r , se tem m edo de ver-se em dificuldades? K R IS H N A M U R T I: É o que estou apontando. Se sentis m edo de olhar o m edo, nada aprendereis a seu respeito, e se desejais aprender a respeito do m edo, não tenhais m edo. Eis como isto é sim ples. Se não sei nadar, não tenho vontade de saltar no rio. Q uando sei que não tenho nenhum a possibilidade de pôr fim 98 ao m edo, se tenho m edo de olhá-lo e, em bora tenha m edo de olhá-lo, desejo realm ente fazê-lo, digo: “ N ão im porta, eu quero olh ar” . IN T E R R O G A N T E : Já se disse que é o desejo de fugir ao m edo que gera constantem ente mais m edo. Q uando sinto m edo, quero distanciar-m e dele, de m odo que o que sem pre faço é considerá-lo como um a coisa com que estou em relação, a fim de identificar-me, unir-m e com ele. K R IS H N A M U R T I: Estais vendo? Tais são os ardis que p rati­ camos com nós m esm os. Q uem está dizendo isso? Fazeis esfor­ ço para vos identificardes com o m edo. IN T E R R O G A N T E : E u sou o m e d o . K R IS H N A M U R T I: Ah! U m m om ento: se sois esse m edo, como o dizeis, que acontece então? IN T E R R O G A N T E : Se chego a um “ entendim ento” com ele, ele começa a dim inuir. K R IS H N A M U R T I: Não. N ada de “ entendim entos” ! A o dizer­ des que s o is o m edo, o m edo não está separado de vós. Q ue sucede? E u sou m oreno. Tenho m edo de ser m oreno, mas digo “ O ra, eu sou m oreno” — e o caso está liquidado, não? Não estou fugindo dele. Q ue há, então? IN T E R R O G A N T E : Aceitação. K R IS H N A M U R T I: E u aceito isso? Pelo contrário, esqueço-me de que sou m oreno. N ão estais com preendendo bem ; estais ape­ nas a fazer suposições. E u quero aprender sobre m im . Tenho de conhecer a m im m esm o, com pletam ente, apaixonadam ente, porque essa é a base de toda ação. Sem essa base, terei um a vida de extrem a con­ fusão. P ara aprender a respeito de m im m esm o, não posso seguir ninguém . Se sigo alguém , não estou aprendendo. A pren­ d er acerca de m im m esm o im plica que o passado não está inter­ ferindo, porque “ o que sou” é um a coisa extraordinária, vital, m óbil, dinâm ica. Assim, tenho de olhá-lo de m aneira nova, com um a m ente nova. N ão pode haver m ente nova, se o passado está sem pre a atuar. Isso é um fato. Vejo-o. E , vendo-o, com preendo que tenho m edo porque não sei o que irá acontecer. P o rtan to , desejo aprender a respeito do m edo. E ntendeis? A prendendo, estou em constante m ovim ento. Q uero conhecer-me e percebo um acoisa — um a verdade profunda: T enho de aprender a respeito do m edo, e isso significa que não devo fugir dele, c u s te o q u e c u s ta r . Não devo ter nenhum desejo sutil de fugir. Assim , que acontece à m ente que é capaz de olhar o m edo sem nenhum a divisão? A divisão consiste em procurar libertar-m e dele, p o r m eio de form as sutis de fuga, de repressão, etc.; que sucede à m ente ao ver-se frente-a-frente com o m edo e quando já não existe a questão de fugir dele? P o r favor, tratai de descobrir isso, aplicai-lhe a vossa m ente. 2 de agosto de 1970. 100 DIÁLOGO II Recapitulação. Os tem ores im pedem a m aturação. Vemos os efeitos do m edo ou só sabemos da existên­ cia deles? D iferença en tre o m edo, com o m em ória, e o contato real com o m edo. A dependência e o apego causados pelo m edo ao vazio e ao “ ser n ada” . D escobrim ento de nossa solidão e superficialidade. A in utilidade das fugas. “ Q uem está cônscio do vazio?” K R IS H N A M U R T I: O ntem estivem os falando a respeito do m edo e da necessidade de autoconhecim ento. N ão sei se p er­ cebeis a grande im portância de com preenderdes a natureza e a estrutura de vós mesmos. Com o dissem os, se não há com preen­ são (não só intelectual ou verbal, porém um a real com preensão do que somos e da possibilidade de o transcenderm os), criare­ mos inevitavelm ente confusão e contradição em nós m esmos, com atividades que conduzirão a m uitos males e sofrim entos. Torna-se, pois, de essencial im portância com preenderm os, não só as camadas superficiais de nós m esm os, mas a entidade total, todas as partes ocultas. E espero que, c o m u n ic a n d o -n o s uns com os outros, com preendendo em com um todo esse problem a, ficarem os aptos a ver, realm ente e não teoricam ente, se pelo autoconhecim ento a m ente pode transcender seu próprio condi­ cionam ento, seus próprios hábitos, seus preconceitos, etc. Falam os tam bém sobre o aprenderm os a respeito de nós mesm os. A p r e n d e r implica um m ovim ento não acum ulativo; se há acumulação, não há m ovim ento. Se o rio que corre term ina num lago, não há mais m ovim ento. Só há m ovim ento quando há um constante fluir, a forte corrente. E é isso o que o aprender implica; aprender, não só acerca de coisas exteriores e 101 de fatos científicos, mas tam bém a respeito de nós m esm os, porque “ o que som os” é um a coisa que está constantem ente a m udar, um a coisa dinâm ica, versátil. Para aprenderm os sobre o que somos, a experiência trazida do passado em nada pode ajudar-nos; pelo contrário, o passado põe fim ao aprender e, po r conseguinte, à ação com pleta. Espero tenhais visto bem claram ente este fato, ou seja que estam os lidando com um m ovi­ m ento sem pre vivo, da vida. Esse m ovim ento é o “ e u ” . P ara com preender esse “ e u ” tão sutil, é necessária intensa curiosi­ dade, persistente vigilância, com preensão não acum ulativa. O xa­ lá possam os pôr-nos em comunicação acerca desta questão do aprender. Pois a esse respeito vam os ter dificuldades, porquanto nossa m ente gosta de funcionar d en tro de canais, de padrões, com base num a conclusão ou preconceito, ou no conhecim ento. A m ente está ligada a um a certa crença e, com base nela, ten ta com preender o extraordinário m ovim ento do “ eu” . Conseqüentem ente, há um a contradição entre o “ e u ” e o observador. Estivem os tam bém falando acerca do m edo, que faz parte desse m ovim ento total do “e u ” — desse “ eu ” que fragm enta o m ovim ento da vida e separa a si próprio como “ vós” e “ e u ” . Perguntam os “ Q ue é o m ed o ?” — Vam os aprender, não acumulativam ente, a respeito do m edo; a própria palavra “ m edo” im pede-m e de en trar em contato com aquela sensação de perigo a que chamamos “ m edo” . V ede, senhores, a m aturidade im plica um desenvolvim ento total e n atural do ente hum ano; natural, no sentido de não ser contraditório, porém harm ônico. A m atu­ ridade nada tem que ver com a idade da pessoa. E o fato r “ m edo” im pede esse natural e total desenvolvim ento da m ente. Exam inarei isso um pouquinho e, depois, o considerarem os juntos. Q uando sentim os m edo, não só de coisas físicas, mas tam ­ bém de fatores psicológicos, que sucede, nesse m edo? Tenho m edo, não só de adoecer fisicam ente, de m orrer, m edo do e scu ro . . . sabeis dos inum eráveis tem ores que tem os, tan to b io ­ lógicos, como psicológicos. Q ue fazem eles à m ente — à m ente que os criou? Com preendeis esta pergunta? N ão m e respon­ dais im ediatam ente, olhai a vós m esmos. Q ual o efeito do m edo na m ente e em to d a a nossa vida? O u já estam os tão acostu­ m ados com o m edo (q u e se tornou um h á b ito ), que não perce­ 102 bem os os seus efeitos? Se m e acostum ei com o sentim ento nacio­ nalista hindu, com o dogm a, com as crenças, estou fechado nesse condicionam ento e totalm ente inconsciente de seus efeitos. Vejo apenas o sentim ento que em m im é despertado, o nacionalism o, e tanto me basta. Identifico-m e com a nação, com a crença, etc. M as não percebem os os efeitos gerais de tal condicionam ento. D o m esm o m odo, não vem os os efeitos do m edo, tan to psicos­ som áticos, como psicológicos. Q ue é que o m edo causa? Senho­ res, estam os num a “ reunião de exam e” e vós tendes de tom ar p arte ativa nesse exam e. IN T E R R O G A N T E : Vejo-m e em dificuldades, toda vez que ten to im pedir que essa coisa (o m edo) aconteça. K R IS H N A M U R T I: O m edo detém ou paralisa a ação. Estais cônscio disso? T ende o cuidado de não generalizar. Estam os realizando estas reuniões com o fim de ver o que está realm ente ocorrendo d en tro em nós; de o u tro m odo, elas não terão u tili­ dade nenhum a. C onsiderando juntos os efeitos do m edo e nos tornando cônscios dele, podem os achar a possibilidade de trans­ cendê-lo. Assim , se sou realm ente s é rio , cumpre-m e ver os efei­ tos do m edo. Conheço de fato os efeitos do m edo? O u só os conheço verbalm ente? Conheço-os como coisa ocorrida no pas­ sado e que perm anece como m em ória, e esta m em ória m e está dizendo “ Eis os efeitos do m edo” ? P o r conseqüência, é a m e­ m ória, e não a m ente, que está vendo os efeitos do m edo. Percecebeis? Acabo de dizer um a coisa realm ente m uito im portante. IN T E R R O G A N T E : Podeis repeti-la? K R IS H N A M U R T I: Q uando digo que conheço os efeitos do m edo, que significa isso? O u os conheço verbalm ente, ou seja intelectualm ente, ou os conheço com o m em ória, com o coisa suce­ dida no passado, e digo “ Isso aconteceu” . P o r conseguinte, é o passado quem me diz quais são esses efeitos. M as, eu não os vejo no m om ento presente; trata-se de coisa lem brada, e não de um a realidade. M as, “ saber” im plica v e r s e m a c u m u l a r ; não, reconhecim ento, porém v e r o fato. Consegui c o m u n ic a r -v o s isso? Q uando digo “ tenho fom e” , é a lem brança de ter tido fom e ontem que m o diz, ou é o fato real de que estou com fom e a g o ra ? O percebim ento real de te r fom e agora é inteira- m ente diferente da reação de um a lem brança que m e diz que tive fom e antes e, p o r conseguinte, devo estar com fom e agora. É o passado que vos está “ contando” os efeitos do m edo, ou estais cônscios de que esses efeitos estão realm ente ocorrendo a g o r a ? As ações, em am bos os casos, são com pletam ente dife­ rentes, não? Se estou perfeitam ente cônscio dos efeitos do m edo a g o r a , atuo instantaneam ente. M as se é a m em ória que m e diz quais são esses efeitos, m inha ação é diferente. E stá claro? Pois bem ; qual é o caso? IN T E R R O G A N T E : Pode-se distinguir en tre um determ inado tem or — e o percebim ento atual dos efeitos do m edo c o m o ta l — sem a lem brança dos efeitos de um dado tem or? K R IS H N A M U R T I: É isso que eu estava procurando explicar. As ações, em am bos os casos, diferem com pletam ente. P erce­ beis isso? P o r favor, se não o percebeis, não digais “ sim ” ; não “ brin quem os” uns com os outros. M uito im porta com pre­ ender isso. JÉ o passado que vos está m ostrando os efeitos do m edo, ou há um percebim ento, um conhecim ento direto dos efeitos do m edo a g o ra ? Se é o passado, a ação é incom pleta e, por conseguinte, contraditória e causadora de conflito. M as, se estais perfeitam ente cônscio dos efeitos do m edo a g o ra , a ação é total. IN T E R R O G A N T E : N este m om ento, aqui sentado, neste pavi­ lhão, não sinto m edo, porque vos estou escutando. Mas esse m edo pode reaparecer quando eu sair do pavilhão. K R IS H N A M U R T I: M as, não podeis agora, aqui no pavilhão, ver o m edo que porventura ontem tivestes, não podeis “ invo­ cá-lo” , “ chamá-lo” ? IN T E R R O G A N T E : Pode tratar-se de tem ores relativos à p ro ­ teção da vida. K R IS H N A M U R T I: Não im porta qual seja a espécie de m edo. M as há necessidade de dizerdes: “ N ão sinto tem ores agora, mas quando sair daqui tornarei a senti-los” ? IN T E R R O G A N T E : A gente pode “ invocá-los” — como disses­ tes — pode “ chamá-los” , mas já nos prevenistes a respeito deste ponto — apelar para a m em ória, para o pensam ento relativo ao m edo. 104 K R IS H N A M U R T I: E u estou perg untando: Preciso esperar até sair deste pavilhão, para descobrir quais são os m eus tem ores? O u, enquanto estou aqui sentado, posso estar cônscio deles? N este m om ento, não tenho m edo de que alguém m e diga certas coisas; m as, quando encontrar-m e com o hom em que me vai dizê-las, sentirei m edo. N ão posso ver agora o fato real? IN T E R R O G A N T E : N ão estais sugerindo um exercício? K R IS H N A M U R T I: N ão, nenhum exercício. Q ue m edo tendes de fazer exercícios! Senhor, não tendes m edo de perder o vosso em prego? N ão tendes m edo da m orte? N ão tendes m edo de não poderdes preencher-vos? Não tendes m edo de ficar só? N ão tendes m edo de não ser am ado? N ão tendes alguma espé­ cie de m edo? IN T E R R O G A N T E : Só se há um desafio. K R IS H N A M U R T I: M as e u vos estou “ desafiando” . N ão com ­ preendo essa m entalidade! IN T E R R O G A N T E : Se há um im pulso, agimos; tem os de fazer algum a coisa. K R IS H N A M U R T I: Não! E stais tornando complicada demais um a coisa tão natural com o ouvir o barulho daquele trem que passa. O u podeis lem brar-vos do barulho do trem , ou podeis escutá-lo realm ente. N ão com pliqueis a coisa, por favor. IN T E R R O G A N T E : N ão estais, de certa m aneira, a complicá-la, falando em “ invocar o m edo” ? N ão tenho necessidade de “ invo­ car” nenhum dos m eus tem ores; pelo simples fato de estar aqui, posso observar m inhas reações. K R IS H N A M U R T I: É isso m esm o que estou dizendo. IN T E R R O G A N T E : Para poderm os “ estar em com unicação” aqui, tem os de conhecer a diferença entre cérebro e m ente. K R IS H N A M U R T I: Já tratam os disso. Estam os agora procuran­ do averiguar o que é o m edo, procurando aprender a respeito dele. E stá livre a m ente para aprender a respeito do m edo? A prender a seu respeito é observar o seu m ovim ento. Só podeis observar o m ovim ento do m edo quando não estais a lem brar105 -vos de vossos tem ores passados e a observar o m edo com essas m em órias. Percebeis a diferença? E u posso observar o m ovi­ m ento. Estais aprendendo a respeito do que realm ente ocorre quando há m edo? N ós estam os “ fervilhantes” de m edo, a todas as horas. Parecem os incapazes de libertar-nos dele. Q uando tivestes tem ores no passado e deles estivestes cônscio, que efeito tinham eles em vós e em vosso am biente? Q ue acontecia? Não vos sentíeis desligado dos dem ais? O s efeitos desses tem ores não vos isolavam ? IN T E R R O G A N T E : Eles me paralisavam . K R IS H N A M U R T I: Punham -vos num estado de desespero, sem saber o que fazer. O ra, quando se verificava esse isolam ento, como era a ação? IN T E R R O G A N T E : F ragm entária. K R IS H N A M U R T I: P restai bem atenção, p o r favor: H ouve ocasiões, no passado, em que sentí m edo, e os seus efeitos eram de m e isolar, paralisar, fazer-me sentir desesperado. Vinham m e ânsias de fugir, de buscar conforto em algum a coisa. P o r ora, cham arem os a isso “ isolar-se de todas as relações” . O efeito desse isolam ento na ação é o de fragm entá-la. N ão vos acontecia isso? Q uando sentíeis m edo, não sabíeis o que fa­ zer a seu respeito, e vossa reação era de fugir dele, de ten tar reprim i-lo ou racionalizá-lo. E , quando éreis obrigado a agir, vossa ação era ditada pelo m edo, que, em si, isola. P o rtan to , um a ação resultante desse m edo é necessariam ente fragm entá­ ria. E , como a fragm entação é contraditória, havia m uita lu­ ta, dor, ansiedade, não? IN T E R R O G A N T E : Senhor, assim como um alejado anda de m uletas, assim tam bém a' pessoa que se vê tolhida, paralisada pelo m edo, tem de usar várias espécies de m uletas. K R IS H N A M U R T I: É isso que estam os dizendo. T endes ra­ zão. T endes agora um a idéia bem clara dos efeitos do m edo sentido no passado: produzem ação fragm entária. Q ual a di­ ferença e n tre esta e a ação do m edo sem a reação da m em ó­ ria? Q uando se vos apresenta um perigo físico, que acontece? IN T E R R O G A N T E : 106 Ação espontânea. K R IS H N A M U R T I: Cham am -na “ ação espontânea” — m as, é realm ente espontânea? Averiguai isso, po r favor; nós estam os tentando descobrir alguma coisa. Id es pela floresta, sozinho, num a região selvagem e, de repente, surge-vos à frente um a ursa com crias. Q ue acontece? Sabendo que o urso é um anim al perigoso, que vos acontece? IN T E R R O G A N T E : K R IS H N A M U R T I: A um enta a adrenalina. Sim, qual a ação que se verifica? IN T E R R O G A N T E : A gente vê que é perigoso transm itir o próprio m edo ao urso. K R IS H N A M U R T I: N ão, não é isso: que acontece a v ó s ? N aturalm ente, se sentis m edo, transm itis ao urso esse m edo, ele se assusta e vos ataca. Isto é m uito sim ples; não estais percebendo o pon to essencial. Já vos encontrastes com um urso, na floresta? IN T E R R O G A N T E : periência . H á um a pessoa aqui que teve essa ex­ K R IS H N A M U R T I: E u tam bém . A quele cavalheiro e eu, em certos anos, tivem os várias dessas experiências. M as, que é que sucede? A poucos pés de distância de vós, está um urso. M anifestam -se todas as reações corporais — o fluxo de adre­ nalina, etc.; im ediatam ente vos detendes, fazeis m eia-volta e fugis. Q ue aconteceu? Q ual foi a reação? Um a reação con­ dicionada, não? H á m uitas gerações vos vêm dizendo “ C uida­ do com os anim ais selvagens!” Se vos assustais, transm itis ao anim al o vosso m edo e ele vos ataca. T udo se passa instan­ taneam ente. Q ue está funcionando, o m edo ou a inteligência? É o m edo despertado pela contínua repetição da advertência “ cuidado com os animais selvagens!” — que vos condiciona desde a infância? O u é a inteligência? A reação condicionada, em presença da fera e a ação dessa reação condicionada é um a coisa; a percepção e a ação da inteligência é o u tra coisa; as duas ações são inteiram ente diferentes. E stais percebendo? Vem um ônibus a toda velocidade; vós não vos lançais à sua frente: a inteligência vos diz “N ão faça isso!” Isso não é m edo — a m enos que sejais neurótico ou tenhais tom ado dro ­ 107 gas. È vossa inteligência, e não o m edo, que vos im pede de fazê-lo. IN T E R R O G A N T E : N o encontro com um anim al feroz, não tem a gente necessidade tanto da inteligência com o da reação condicionada? K R IS H N A M U R T I: Não, senhor. Com preendei isso. Se se tra ta de um a reação condicionada, nela existe m edo e este é transm itido ao anim al; mas assim não acontece quando é a in­ teligência que funciona. T ratai, pois, de descobrir qual das duas coisas está operando. Se o m edo, então a sua ação é in­ com pleta e, por conseguinte, existe perigo p or p arte do ani­ m al; m as, na ação da inteligência não há m edo nenhum . IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : Q uereis dizer que, se observo o u r­ so com essa inteligência, posso deixar-m e m atar po r ele sem sentir m edo? IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : Se eu nunca tivesse visto um urso, nem sequer saberia que estava em presença de um urso. K R IS H N A M U R T I: Q ue complicações estais am bos criando! Isso é tão simples. Bem, deixem os de parte os anim ais. P a r­ tam os de nós m esm os — pois, em parte, somos tam bém ani­ mais. O s efeitos do m edo e suas ações baseadas em lem branças são destrutivos, contraditórios e paralisantes. Percebeis isso — não verbalm ente, porém realm ente? Percebeis que, quan­ do tendes m edo, vos vedes com pletam ente isolado e que qual­ quer ação provinda desse isolam ento só pode ser fragm entária, p or conseguinte contraditória, havendo, conseqüentem ente, lu­ ta, dor, etc.? O ra, a ação resultante do percebim ento do m e­ do, sem as reações da m em ória, é um a ação com pleta. E xpe­ rim entai isso! F a ze i-o ! Ficai vigilante, quando estiverdes vol­ tando para casa; vossos velhos tem ores virão à superfície. Observai-os; vede se são tem ores reais ou apenas tem ores p ro jetados pelo pensam ento, como m em ória. Ao surgirem eles, verificai se os estais observando pela reação do pensam ento, ou se estais sim plesm ente o b s e rv a n d o . O que nos interessa é a ação, porque a vida é ação. Não estam os dizendo que só um a p arte da vida é ação. O viver, todo inteiro, é ação, e essa 108 ação foi dividida em fragm entos; a fragm entação da ação é esse processo da m em ória, com seus pensam entos e seu isola­ m ento. E stá claro? IN T E R R O G A N T E : Q uereis dizer que se trata de experim en­ tar totalm ente, em cada fração de segundo, sem interferência da m em ória? K R IS H N A M U R T I: Senhor, fazendo um a pergunta dessas, cum pre-vos investigar a questão da m em ória. Vós necessitais da m em ória — quanto mais clara, quanto mais precisa, tanto m elhor. Para poderdes funcionar tecnologicam ente, até m esmo para poderdes voltar a casa, necessitais da m em ória. M as, o pensam ento, como reação da m em ória e, dessa m em ória, a pro ­ jetar o m edo, é um “ processo” inteiram ente diferente. O ra, que é o m edo? Q ue acontece, para que exista m edo? Como se verificam os nosso tem ores? Podeis dizer-mo? IN T E R R O G A N T E : No m eu caso, é o apego ao passado. K R IS H N A M U R T I: C onsiderem os esta coisa: Q ue entendeis pela palavra “ apego” ? IN T E R R O G A N T E : A m ente está aferrada a um a certa coisa. K R IS H N A M U R T I: Q uer dizer, a m ente não quer largar um a certa m em ória. “ Q uando eu era jovem , como tudo era belo !” O u não posso largar a idéia de um a coisa que pode acontecer; assim, para me proteger cultivo um a crença. E stou apegado a um a lem brança, a um a peça de m obília, ao livro que estou escrevendo porque, escrevendo-o, m e tornarei fam oso. E stou apegado a um nom e, a um a fam ília, a um a casa, a diferentes lem branças, etc. Com tudo isso m e identifiquei. P orque esse apego? IN T E R R O G A N T E : Não é porque o m edo constitui a base m esm a de nossa civilização? K R IS H N A M U R T I: Não, senhor; porque tendes apego? Que significa essa palavra — apego? E u dependo de alguma coisa. D ependo de vosso com parecim ento, para ter a quem falar. D e­ pendo de vós e, por conseguinte, tenho-vos apego, porque esse apego me dá um a certa energia, um certo ím peto, — e outras 109 baboseirais tais! E stou, pois, apegado — e isso significa o quê? D ependo d e vós, dependo de m eus m óveis. Apegado como estou, apegado à m obília, a um a crença, a um livro, a m inha fam ília, a m inha esposa, de tudo isso dependo para ter conforto, para ter prestígio, posição social. A dependência, pois, é um a form a de apego. O ra, porque dependo? Não res­ pondais. O bservai isso em vós mesm o. Vós dependeis de al­ gum a coisa, não? De vossa pátria, de vossos deuses, de vossas crenças, das drogas que tom ais, das bebidas que bebeis! IN T E R R O G A N T E : Isso faz p arte do condicionam ento social. K R IS H N A M U R T I: É o condicionam ento social que vos faz depender? Isso significa que sois um a p arte da sociedade. A sociedade não é independente de vós; vós a criastes e corrom ­ pestes, e ficastes preso nessa m esm a gaiola que construístes, fazeis p arte dela. P o rtan to , não lanceis a culpa à sociedade. E stais percebendo as “ im plicações” da dependência? Q ue é que ela im plica? P orque sois dependente? IN T E R R O G A N T E : Para não me sentir só. K R IS H N A M U R T I: Um m om ento; escutai em silêncio: D e­ pendo de um a certa coisa, porque ela preenche m eu vazio. D e­ pendo de m eu saber, de m eus conhecim entos, de m eus livros, porque encobrem o m eu vazio, m inha superficialidade, m inha estupidez; o saber, po rtan to , se tornou sobrem odo im portante. Falo acerca da beleza de certos quadros porque, em m im m es­ m o, deles dependo. Assim , a dependência denuncia o m eu va­ zio, m inha solidão, m inha insuficiência; é isso que m e faz d e­ pender de vós. Eis um fato — não? N ão precisais aduzir teo ­ rias ou argum entos a respeito dele. Se eu não estivesse vazio, se não fosse insuficiente, não me im portaria com o que dissés­ seis ou fizésseis. N ão dependeria de nada. P orque m e vejo vazio e só, não sei o que faça com m inha vida. Escrevo um livro estulto, e ele satisfaz m inha vaidade. C onsequentem ente, dependo; e isso significa que tenho m edo de estar só, tenho m edo de m eu vazio e, po r isso, o preencho com coisas m ate­ riais, com idéias, com pessoas. N ão tendes m edo de desvendar vossa solidão, vosso va­ zio, vossa insuficiência? Vós o estais fazendo agora, não? 110 P or isso, sentis m edo, a g o ra , desse vazio. Q ue ides fazer? Q ue está ocorrendo? A ntes, tínheis apego a pessoas, a idéias, a coi­ sas de toda ordem ; e agora percebeis que essa dependência es­ conde o vosso vazio, a vossa superficialidade. Percebendo-o, estais livre, não? O ra, qual a reação? Esse m edo é reação da m em ória? O u ele é real, e o estais vendo? E stou tendo um trabalhão p or vossa causa, não? O ntem , de m anhã, vi um a caricatura: um m enino diz para outro m e­ nino: “ Q uando eu crescer, vou ser um grande profeta, vou fa­ lar de verdades profundas, mas ninguém quererá escutar-m e.” E o outro m enino diz: “ P orque então quereis falar, sem ninguém para escu tar?” “ Ah! — retrucou ele — nós, os profetas, so­ mos m uito teim osos” . Desvelastes agora o vosso m edo resultante do apego, que é dependência. Exam inando-o, vedes o vosso vazio, a vossa su­ perficialidade, a vossa insignificância, e sentis m edo. Q ue su­ cede? Vede-o, senhores! IN T E R R O G A N T E : T rato de fugir. K R IS H N A M U R T I: Tentais fugir p o r m eio de ou tro apego, o utra dependência. P o r conseguinte, voltais ao velho padrão. M as, se estais vendo a verdade de que o apego e a dependên­ cia estão escondendo o vosso vazio, não tendes vontade de fu ­ gir, tendes? Se não vedes esse fato, não podeis deixar de fu­ gir. T ratareis de preencher aquele vazio de outras m aneiras. A ntes, o preenchíeis com drogas, agora, o preencheis com o sexo ou o utra coisa. Assim , quando vedes o fato, que aconte­ ce? C ontinuai, senhores, ide para diante! E stive apegado a m inha casa, m inha m ulhar, m eus livros, m eus escritos, m eu desejo de ser fam oso; vejo que o m edo surge porque não sei o que faça com o m eu vazio e, por conseguinte, dependo, tenho apego. Q ue faço quando m e vem esse sentim ento de um gran­ de vazio dentro em m im ? IN T E R R O G A N T E : Tenho um fo rte s e n tim e n to .. . K R IS H N A M U R T I:... que é m edo. D escubro que sinto m e­ do e, por conseguinte, tenho apego. Esse m edo é a reação da m em ória ou é um descobrim ento real? — descobrim ento in­ teiram ente diferente da reação do passado. O ra, qual é o vos­ 111 so caso? passado? m esm o. T rata-se de real descobrim ento? O u da reação do N ão respondais. Descobri-o, senhor, penetrai em vós IN T E R R O G A N T E : Senhor, abertos para o m undo, não? nesse vazio estam os, decerto, K R IS H N A M U R T I: N ão; estou perguntando um a coisa bem diferente. O sentim ento de vazio, de solidão e insuficiência — que não com preendestes bastantem ente, para dar cabo de­ le — criou m edo. Vós o descobristes agora, a q u i, neste pavi­ lhão? O u trata-se do reconhecim ento de um a coisa vinda do passado? D escobristes que tendes apego porque dependeis, e que dependeis porque tendes m edo do vazio? Estais cônscio de vosso vazio e do “ processo” que ele im plica? Ao vos to r­ nardes cônscio do vazio, há, nessa percepção, m edo, ou estais sim plesm ente vazio? Estais vendo, sim plesm ente, o fato de estardes só? IN T E R R O G A N T E : solidão. Se se pode ver esse fato, não há mais K R IS H N A M U R T I: Vam os devagar, passo a passo, se não vos desagrada. E stais vendo esse fato? O u quereis voltar à an­ tiga dependência, ao velho apego, à interm inável repetição do costum ado padrão? Q ue ides fazer? IN T E R R O G A N T E : Tuclo isso não é a nossa condição hum a­ na? N ão m e vejo em m elhor situação do que um cachorrinho, que não tem nenhum desses problem as. K R IS H N A M U R T I: Infelizm ente, nós não somos cachorros. E stou fazendo um a pergunta, a que não estais respondendo. D escobristes p or vós m esm o o m edo que vem de verdes o vos­ so vazio, vossa superficialidade, vosso isolam ento? O u , após descobri-lo, quereis fugir, apegar-vos a alguma coisa? Se não fugis p o r m eio da dependência e do apego, que sucede, então, ao verdes o vazio. IN T E R R O G A N T E : Liberdade. K R IS H N A M U R T I: O lhai bem isso, trata-se de um problem a m uito com plexo; não digais “ lib erdade” . A ntes, eu tinha ape­ go para esconder o m eu m edo; agora, fazendo aquela pergunta, 112. descubro que o apego era um a fuga ao m edo que vinha quan­ do, p o r um a fração de segundo, eu percebia o m eu vazio. Ago­ ra não fujo m ais. E , então, que sucede? IN T E R R O G A N T E : E u diria que, após essa fração de segun­ do, dá-se outra fuga. K R IS H N A M U R T I: Isso significa que não estais vendo a inu­ tilidade das fugas. C onseqüentem ente, persistis em fugir. Mas, se vedes, se percebeis o vosso vazio, que sucede? Se estam os de fato atentos, o que em geral sucede é perguntarm os: Q u e m é que está cônscio do vazio? IN T E R R O G A N T E : É a m ente. K R IS IIN A M U R T I: P o r favor, não vos precipiteis. Ides se­ guindo passo a passo. Q uem é que está cônscio do vazio? A m ente? Uma p arte da m ente cônscia de o u tra p arte que está só? C om preendeis esta pergunta? Torno-m e subitam ente côns­ cio de que estou só. É um fragm ento de m inha m ente que diz “ E stou só” ? E ntão, há divisão. E , enquanto houver divisão, haverá fuga. N ão percebeis isso? IN T E R R O G A N T E : Q ue sucede quando se experim enta o va­ zio? Ao experim entar-se a solidão, já não se está cônscio dela. K R IS H N A M U R T I: T ende a bondade de escutar, senhor. O que se requer aqui é a observação persistente, e não um a con­ clusão ou algum a coisa que achais que “ devia ser” . Isto é, estou cônscio de m eu vazio; antes eu o escondia, agora ele foi desnudado e dele estou cônscio. Q u e m está cônscio dele? Um segm ento separado, de m inha m ente? Se é, há então divisão entre o vazio e a entidade que está percebendo o seu vazio. Q ue sucede, então, nesse vazio, nessa divisão? A esse respeito nada posso fazer. M as, como quero fazer algum a coisa, digo: “ Preciso desfazer a divisão” , “ preciso experim entar o vazio” , “ Preciso agir” . E nquanto houver divisão entre o observador e a coisa observada, haverá contradição e, p or conseguinte, conflito. É isso que estais fazendo? Um segm ento separado, da m ente, a observar um vazio que não faz p arte de si próprio? Q ual é o caso? Senhores, vós tendes de responder a esta pergunta. Se é um a parte que está observando, então, que parte é essa? 113 IN T E R R O G A N T E : A inteligência nascida da energia? K R IS H N A M U R T I: N ão com pliqueis a questão, já suficiente­ m ente com plexa. N ão aduzais novas palavras. M inha pergun­ ta é m uito sim ples. P erguntei: Ao vos tornardes cônscio desse vazio, do qual estáveis fugindo p o r m eio do apego, e dele não estais fugindo agora, quem é que está cônscio? Cabe-vos descobri-lo. IN T E R R O G A N T E : Esse percebim ento de estarm os vazios é um a o u tra form a de fuga, e vem os que nada m ais somos do que todas essas coisas juntas. K R IS H N A M U R T I: Q uando dizeis “ E stou cônscio de m eu va­ zio” , isso é o u tra form a de fuga e ficais em aranhado num a rede de fugas. Assim é nossa vida. Se percebeis que apego é fuga, abandonais o apego. Q uereis continuar andando de um m eio de fuga para outro? O u, vendo um só fato r da fuga, com preen­ destes todos os demais fatores? ★ Senhores, não é possível sustentar um a contínua vigilância p or mais de dez m inutos, e já falam os durante um a hora e quinze m inutos. P o rtan to , é m elhor pararm os. C ontinuarem os, ama­ nhã, a exam inar esta m esm a coisa, até ela se to rn ar rea l para vós — não p o r eu o dizer: trata-se de vossa própria vida. 3 de agosto de 1970. 114 DIÁLOGO III As profundezas da dependência e do m edo. O bser­ vação do apego. Níveis de apego. H ábito. Neces­ sidade de ver, em seu todo, a rede dos hábitos. Como ver totalm ente? D iferença entre a análise e a obser­ vação. O m ecanism o que sustenta o hábito. Q ue é ação criadora? K R IS H N A M U R T I: O n tem estivem os falando sobre a depen­ dência e os apegos e tem ores que ela determ ina. Essa me parece um a questão im portante de nossa vida, que m erece profundo exam e. Bem consideradas as coisas, pode-se ver que não há possibilidade de liberdade quando há qualquer form a de depen­ dência. H á a dependência física e a dependência psicológica. A dependência biológica de alim entos, roupas e m orada é um a dependência natural; mas existe um apego oriundo da necessidade biológica — com o, po r exem plo, possuir um a casa e a ela estar apegado psicologicam ente; ou estar apegado a um a certa espécie de alim ento, ou alim entos que nos forçam os a com er, em virtude de outros fatores de m edo ainda não descobertos — e assim por diante. H á dependências físicas de que podem os tornar-nos cônscios com relativa facilidade, como a dependência do fum o, das dro­ gas, da bebida e outros estim ulantes físicos de que dependem os psicologicam ente. E m seguida, as diversas form as de depen­ dência psicológica. E stas têm de ser observadas m ui atenta­ m ente, já que se interpenetram , estão m utuam ente relacionadas: a dependência de um a pessoa, de um a crença, de um a relação, de um hábito psicológico de pensam ento. Acho que se pode 115 estar cônscio delas com relativa facilidade. E , um a vez que existe dependência e apego, físico ou psicológico, o pensarm os na possibilidade de perderm os aquilo a que estam os apegados cria m edo. Podem os depender de um a crença, de um a experiência ou de um a conclusão, ligada a determ inado preconceito; até que profundidade vai esse apego? Não sei se já o observastes em vós m esm o. E stiv em o s(* ) vigilante um dia inteiro, para ver se existe alguma form a de apego — vir aqui pontualm ente, viver num certo chalé, andar de terra em terra, falando a dife­ rentes públicos, a ser olhado como pessoa im portante, a ser criti­ cado, refutado. Q uando se esteve observando o dia inteiro, descobre-se naturalm ente o quanto se está apegado a alguma coisa ou pessoa, ou se não há apego algum. Se existe qualquer form a de apego — não im porta de que natureza — a um livro, a determ inado regim e alim entar, determ inado padrão de pensa­ m ento, determ inada responsabilidade social —• tal apego, invaria­ velm ente, gera m edo. E a m ente que tem m edo, em bora ignore que esse m edo provém do apego a alguma coisa, essa m ente, decerto, não é livre e, por conseguinte, está condenada a viver num constante estado de conflito. P ode um a pessoa ser dotada de um certo talento, tal um m úsico ou cantor, fortem ente apegado a seu instrum ento, à sua voz — se essa pessoa se vê incapacitada de m anejar o in stru ­ m ento ou de cantar, fica inteiram ente desnorteada, estão term i­ nados os seus dias de glória. Poderá ter as mãos ou o violino no seguro (e receber a respectiva indenização) ou tornar-se re­ gente de orquestra; m as, em v irtude do apego, não poderá esca­ par à inevitável escuridão do m edo. N ão sei se cada um de nós aqui presentes — se somos verdadeiram ente s é rio s — já exam inou esta questão, porque liberdade significa estar livre de todo e qualquer apego e, por conseguinte, de toda e qualquer dependência. A m ente que está apegada não é objetiva, não é clara, não pode pensar sãm ente e observar diretam ente. H á os apegos psicológicos superficiais, e há as cam adas pro ­ fundas, onde pode encontrar-se alguma form a de apego. Como (* ) K rishnam urti se refere a si próprio. (N . do T .) descobri-los? Corno poderá a m ente — que conscientem ente talvez seja capaz de observar seus diferentes apegos e compreender-lhes a natureza — discernir a verdade e tudo o que ela im plica? Posso ter outras form as ocultas de apego. Com o desvendar esses apegos ocultos, secretos? A m ente apegada a alguma coisa não pode escapar ao conflito, ao conpreender que deve abandonar esse apego, pois, de contrário, ele lhe causará sofrim ento e ela tratará de apegar-se a o utra coisa. Assim é nossa vida. Vejo que tenho apego a m inha m ulher e posso perceber todas as conseqüências desse apego. E stando-lhe ape­ gado, percebo que isso, inevitavelm ente, im plica m edo. P or conseqüência, vem o conflito do desapegar-m e dela, e o sofri­ m ento, o conflito na m inha relação com ela. Isso é bem fácil de observar e de expor à luz, para nós mesm os. A questão, pois, é de verm os o quanto estam os apegados a algum a form a de tradição, nos recessos profundos e ocultos de nossa m ente. P restai atenção, po r favor, para verdes que a liberdade implica que se esteja com pletam ente livre de todos os apegos, pois, do contrário, haverá necessariam ente m edo. E a m ente que leva um a carga de m edo é incapaz de com preender, de ver as coisas como são, e de transcendê-las. Com o observar os apegos ocultos? Posso ser um a pessoa obstinada e pensar que não tenho apego a nada; posso ter che­ gado à conclusão de que não dependo de coisa alguma. T al conclusão leva à obstinação. M as, se estam os aprendendo, bus­ cando, observando, então, nesse ato de aprender, não há con­ clusão alguma. E m geral, estam os apegados a um a dada form a de conclusão e de acordo com ela funcionam os. Pode a m ente livrar-se de form ar conclusões? — estar livre de conclusões a todas as horas, e não apenas ocasionalm ente? “ G osto de cabelos com pridos, não gosto de cabelos com pri­ dos” , “ G osto disto, não gosto daquilo” . Intelectualm ente, ou em virtude de um a dada experiência, adquiristes um a certa m aneira de pensar, não im porta qual. Pode a m ente agir sem nenhum a conclusão? E ste é um dos pontos essenciais. Em segundo lugar, pode a m ente revelar a si própria os ocultos apegos, padrões e dependências? E , por últim o, considerando-se a natureza e a estru tu ra do apego, pode a m ente atu ar num a m a­ neira de vida que não produza isolam ento, mas seja sobrem odo 117 dinâm ica, em bora não fixada em ponto algum? isso. Exam inem os A ntes de m ais nada, estam os cônscios de que, biologica­ m ente, fisicam ente e psicologicam ente, estam os apegados? E stais cônscio de vos achardes fisicam ente apegado a coisas? E estais igualm ente cônscio das consequências desses apegos? Se estais apegado ao uso do fum o, vede quanto é difícil abandoná-lo. P ara os que fum am — para quem o fum ar se tornou um hábito — isso é incrivelm ente difícil; o fum ar não só atua como e sti­ m ulante e hábito social, mas há tam bém o apego a ele. Se um a pessoa se torna cônscia de estar apegada à bebida, às drogas, a várias espécies de estim ulantes, pode essa pessoa abandonar instantaneam ente esse apego? Suponham os que eu sou apegado ao uísque e estou cônscio desse apego. Ele se tornou um hábito trem endo, m eu corpo o exige, porque a ele se acostum ou, não pode passar sem ele. E cheguei à conclusão de que não devo beber, porque é um hábito nocivo e os m édicos m e recom endaram abandoná-lo. M as, o corpo e a m ente contraíram o hábito. Pode a m ente, obser­ vando esse hábito, abandoná-lo de todo, im ediatam ente? Vede o que aí está im plicado. O corpo exige a bebida, porque a ela se habituou, e a m ente diz: “ Tenho de abandoná-la” . H á, pois, um a batalha entre as exigências do corpo e a decisão da m ente. Q ue fareis? E m vez do uísque, considerai vossos próprios há­ bitos; se não bebeis uísque, podeis ter outros hábitos fisioló­ gicos, como franzir o sobrolho, olhar de boca aberta, tam borilar com os dedos. Exam inem os isso, senhor, se vos apraz. O corpo está apegado à bebida e a m ente diz “ Preciso livrar-m e dela” — e percebeis tam bém que, quando há conflito entre o corpo e a m ente, esse conflito se torna um problem a, um a luta. Q ue fareis? P o r favor, senhores, começai! Deveis estar verda­ deiram ente livre de todos os hábitos, se não desejais esclarecer esta questão. IN T E R R O G A N T E : O u a gente deixa de beber ou continua a beber. K R IS H N A M U R T I: Q ue fazeis vós, realm ente? P o r favor, não brinqueis com esta questão, porquanto, um a vez a tenhais com­ preendido, vereis sua enorm e im portância, vereis quanto é impor- 118 tarite agir e viver sem nenhum a espécie de esforço, vale dizer, nenhum a deform ação. IN T E R R O G A N T E : Vejo que eu sou o m eu hábito. K R IS H N A M U R T I: Sim. E ntão, que ireis fazer? m eu hábito, m eu hábito é o m eu próprio “ e u ” . IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : desses hábitos? Vejo que sou Não devem os pen etrar até às raízes IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : D evem os com eçar por fazer cessar a resistência ao hábito. K R IS H N A M U R T I: Senhor, posso dizer um a coisa? Deíxemo-nos de teorias, de especulações. N ão m e digais o que se deve fazer, mas tratem os de investigar, de aprender não só a olhar, mas tam bém que desse próprio ato de olhar vem a ação. Tenho um certo h ábito de coçar a cabeça, de tam borilar com os dedos, de olhar as coisas de boca aberta — coisas m uito físicas. O ra, como acabar com ele sem o m ínim o de esforço? Estam os considerando hábitos a que estam os apegados, consciente ou inconscientem ente. E stou tom ando para exem plo hábitos m uito triviais, como coçar a cabeça, puxar m inhas próprias ore­ lhas, ou tam borilar com os dedos. Com o pode a m ente fazer cessar qualquer desses hábitos sem nenhum esforço, sabendo que todo esforço implica dualidade, im plica resistência, condenação do hábito, desejo de transcedê-lo — reprim indo-o ou dele fu­ gindo, verbalm ente ou não verbalm ente? Assim , tendo tudo isso em m ente, com preendendo esses fatos, como posso acabar com um hábito físico sem esforço? IN T E R R O G A N T E : O bservando-o em sua totalidade. K R IS H N A M U R T I: Um m om ento, senhor, essa asserção pode constituir a resposta a todas as nossas perguntas. “ O bservar o hábito em sua to talidade” — que significa isso? Não apenas u m dado hábito, como o de coçar a cabeça ou de tam borilar com os dedos, mas todo o m ecanism o dos hábitos: a to ta lid a d e do hábito e não apenas um fragm ento. O ra, como pode a m ente observar a totalidade de seus hábitos? IN T E R R O G A N T E : Pelo percebim ento passivo ou pela passiva observação. 119 K R IS H N A M U R T I: Estais citando este orador. Acho que isso de nada vos valerá. Não citeis ninguém , senhor! IN T E R R O G A N T E : É a m ente a form adora do hábito? K R IS H N A M U R T I: Vede, senhor, que esta é um a questão im por­ tantíssim a, quando realm ente a penetram os. Pode a m ente obser­ var, não apenas um certo h ábito insignificante, mas estar côns­ cia de todo o m ecanism o form ador dos hábitos? N ão digais “ sim ” , não chegueis a nenhum a conclusão. V ede o que esta questão implica. Tem os, não só hábitos insignificantes, como o de tam ­ borilar com os dedos, mas tam bém hábitos sexuais, hábitos constituídos p o r padrões de pensam entos, por atividades várias. Penso i s t o , concluo is to — e está form ado um hábito. Vivo “ im erso” em hábitos, toda a m inha vida é um a estrutura de hábitos. Com o pode a m ente tornar-se cônscia do inteiro meca­ nism o do hábito? Tem os mil-e-um hábitos — nossa m aneira de escovar os dentes, de pentear os cabelos, de ler, de andar. U m desses hábitos é o desejo de tornar-nos fam osos, de nos tornarm os im portantes. Com o pode a m ente fazer-se cônscia de todos esses hábitos? P ode tornar-se cônscia deles, um por um ? Sabeis quanto tem po isso levaria? E u poderia passar todo o resto de m inha vida a observar cada um dos m eus hábitos e, contudo, não dissolver nenhum deles. Q uero aprender a esse respeito. Q uero descobrir isso, sem esm orecim ento. E stou perguntando: É possível à m ente ver toda a rede dos hábitos? Como poderá fazê-lo? N ão façais conjecturas, não chegueis a algum a conclu­ são, não deis nenhum a explicação — isso não m e interessa; não tem nenhum a significação dizer-se “ T ratai de fazer algum a coisa” . E u quero aprender a esse respeito, agora. Q ue faço? IN T E R R O G A N T E : Podem os tornar-nos cônscios do desperdí­ cio de energia que há em seguirm os um determ inado padrão de hábito — ou vários padrões — e desse m odo nos libertarm os dele? K R IS H N A M U R T I: V enho ter convosco e digo: “ P o r favor, ajudai-m e a descobrir isso. E stou com fom e, não me deis um m e n u , dai-me comida! E stou perguntando: “ Q ue ides fazer” ? IN T E R R O G A N T E : C om preendendo totalm ente um dado hábi­ to, talvez me seja possível libertar-m e de todos os hábitos. 120 K R IS H N A M U R T Í: Como posso observar um hábito, como o de fazer girar os polegares, e ver todos os demais hábitos? É possível isso, quando se trata de um hábito tão insignificante? Sei que o faço devido a um a certa tensão. N ão suporto m inha m ulher e, assim, criei esse hábito peculiar; ou faço-o porque sou nervoso, tím ido, etc. M as, eu quero aprender sobre toda a tram a dos hábitos. D evo fazê-lo pouco a pouco, ou há um a m aneira de ver toda a tram a instantaneam ente? Respondei-m e, p or favor. IN T E R R O G A N T E : A e stru tu ra duas p a r t e s .. . dos hábitos se com põe de K R IS E tN A M U R T I: D uas partes: os hábitos e o observador ocupado com esses hábitos. E o observador é tam bém um há­ bito. São, p o rtan to , dois hábitos. E stou tam borilando com os dedos e a observação desse hábito vem de um a entidade que é tam bém o resultado de hábitos. T udo hábito! Assim , senhores, como ireis ajudar-m e, ensinar-m e, fazer-me aprender a esse res­ peito? IN T E R R O G A N T E : M inha vida é toda de hábito; m inha m ente é um hábito; é o estado de m inha m ente que tenho de m udar. K R IS H N A M U R T Í: Q uem é o “ eu” que vai m udá-lo? O “ eu” é tam bém um hábito, o “ e u ” é um a série de palavras, m em órias e conhecim entos, vindos do passado, tam bém um hábito. IN T E R R O G A N T E : Já que estam os com pletam ente enredados em hábitos, é óbvio que não sabemos. K R IS H N A M U R T Í: E ntão, porque não dizeis logo: “ N ão sei” — em vez de ficardes jogando com palavras? Se n ã o s a b e is , vam os então aprender juntos. M as, prim eiro, tende certeza de que “ não sabeis” ; e não citeis ninguém . Estam os preparados para dizer “ R ealm ente, não sei” ? IN T E R R O G A N T E : M as, porque é que tem os esses hábitos? K R IS H N A M U R T Í: Isso é b astante sim ples. Se tenho um a dúzia de hábitos — levantar-m e todas as m anhãs às oito horas, ir para o escritório, voltar a casa às seis, tom ar um “ gole” , etc. — não tenho necessidade de pensar m uito, de estar m uito des- 121 perto. A m ente gosta de funcionar dentro de canais, de hábitos, porque, assim, se sente abrigada, em segurança. Isto não requer m uita explicação. O ra, como pode a m ente observar to d a a rede dos hábitos? IN T E R R O G A N T E : Talvez prestando atenção em todos os m o­ m entos, en quanto nossas energias o perm itirem . K R IS L IN A M U R T I: E stais vendo? — isso é um a pura idéia. N ão m e interessam idéias. Senhor, dissestes um a coisa: Se a m ente fo r capaz de ver to d a a e stru tu ra e a natureza do m eca­ nism o do h ábito, poderá haver um a ação de espécie diferente. É isso que estam os investigando; posso examiná-lo? Façamos juntos esse exame. Com o pode a m ente, que inclui o cérebro, ver um a coisa totalm ente? — não apenas o hábito: qualquer coisa? Nós vemos as coisas fragm entariam ente, não é verdade? T rabalho, fam ília, com unidade, indivíduos, m inha opinião, vossa opinião, m eu D eus, vosso D eus — tudo vemos em fragm entos. N ão é um fato isto? E stais cônscio dele? Se só se vê fragm entariam ente, não há possibilidade de ver-se a totalidade. Se vejo a vida em frag­ m entos, porque m inha m ente está condicionada, é claro que não posso ver a totalidade do ente hum ano. Se m e separo, p o r causa de m inha ambição, de m eus preconceitos pessoais, não posso ver o todo. E stou bem cônscio de estar olhando a vida parcialm ente — “ e u ” e “ não e u ” , “ n ós” e “ eles” ? É assim que olho a vida? Se é, então, naturalm ente, não posso ver coisa alguma totalm ente. A presenta-se, assim, a questão: Com o pode a m ente, tão enredada que está nesse hábito de ver e agir fragm entariam ente, ver o todo? Claro que não pode. Se estou todo interessado em m eu próprio preenchim ento, na realização de m inha ambição, no com petir e no m eu desejo de sucesso, não posso ver a hum anidade no seu todo. Assim , que m e cum pre fazer? O desejo de m e preencher, de ser um a nota­ bilidade, de realizar alguma coisa im portante, é um hábito — um hábito social e bem assim um hábito que m e dá prazer. Se ando pela rua, e todos me olham e apontam : “ Lá vai e le \ ” — isso m e dá um enorm e prazer. E nquanto a m ente continuar a operar nesse campo da fragm entação, é óbvio, não poderá ver o todo. Agora, o que pergunto é isto: “ Q ue pode fazer a m ente que está funcionando em fragm entos e percebe que não 122 tem nenhum a possibilidade de ver o todo? T erá de analisar e com preender cada fragm ento? Isso levará um a eternidade. Estais aguardando um a resposta deste orador? IN T E R R O G A N T E : H á necessidade de silêncio total. K R IS H N A M U R T I: Lá está ele citando alguém !( * ) IN T E R R O G A N T E : Se pudéssem os ver, agora m esm o, todos os nossos hábitos, tais como realm ente são, e ver o processo que nos está im pedindo de vê-los realm ente, neste in stan te. . . K R IS H N A M U R T I: N ão é isso o que estam os fazendo? Não estais indo para diante, mas voltando para trás repetidam ente. N este m om ento, estou a tam borilar com os dedos, a escutar de boca aberta o que se diz, e vejo que isso é um hábito. E o que pergunto é isto: Posso com preender, agora m esm o, todo o m eca­ nism o do hábito? Não estais prestando atenção. O ra, senhor, a m ente que está em fragm entos não pode de m odo nenhum ver o todo. Assim , pego um determ inado hábito e, aprendendo a respeito desse hábito, percebo o inteiro m ecanism o de todos os hábitos. Q ue hábito podem os considerar? IN T E R R O G A N T E : F u m a r ... K R IS H N A M U R T I: E stá bem . E u não estou analisando; com ­ preendeis a diferença en tre análise e observação? Análise im plica a entidade que analisa, e as coisas que vão ser analisadas. A coisa a analisar é o hábito de fum ar e, para analisá-la, há neces­ sidade de um analista. A diferença entre análise e observação é esta: observar é ver diretam ente, sem análise, ver sem o obser­ vador, ver o vestido verm elho, cor-de-rosa ou preto, tal qual é, sem dizer “ não gosto” . Só há observação. E ntendeis? No ver, não há observador. Vejo a cor verm elha e não há “ gostar” nem “ não gostar” . A análise im plica: “ Não gosto do verm elho porque m inha m ãe, que brigava m uito com o m eu p ai. . A análise levou o que estou analisando para os dias de m inha infân­ cia. A análise, p o rtan to , requer um analista. P o r favor, procurai perceber a divisão en tre o analista e a coisa analisada. Na (* ) “ Alguém ” refere-se ao próprio K rishnam urti. disse que há necessidade de silêncio to tal. (N . do T .) Foi ele quem 123 observação, não há separação: há observação sem o “ censor’’, sem se dizer “ gosto” , “ não gosto” , “ isto é belo ” , “ aquilo não é belo” , “ isto é m eu ” , “ aquilo não é m eu” . Eis o que vos cabe fazer, em vez de vos lim itardes a tecer teorias a respeito do assunto. E ntão, d e s c o b r ir e is ! Com o disse, não estam os analisando, porém sim plesm ente observando o hábito de fum ar. Observando-o, que é que se revela? — não peço vossa interpretação do que se revela. P er­ cebeis a diferença? N ão há interpretação, não há tradução, não há justificação, não há condenação. Q ue revela o hábito de fum ar? IN T E R R O G A N T E : Revela que estam os enchendo os pulm ões de fum aça. K R IS H N A M U R T I: Sim, isso é um fato. E m segundo lugar, que vos diz esse fato? Ele vos “ contará a h istó ria” do hábito de fum ar, se vos abstiverdes de interpretar. Se puderdes “ escutar” , se puderdes observar o h ábito de fum ar, o quadro que observardes vos dirá tudo. O ra, que vos revela esse hábito? — que estais enchendo de fumaça os pulm ões. Q ue mais? IN T E R R O G A N T E : Q ue dependem os dele. K R IS H N A M U R T I: um a erva. Re vela-vos que estais na dependência de IN T E R R O G A N T E : E que, interiorm ente, estam os vazios. K R IS H N A M U R T I: Essa é vossa tradução. vos revela — a v ó s ? Q ue é que o hábito IN T E R R O G A N T E : Vejo que é apenas um a ação m ecânica, que pratico autom aticam ente, sem pensar. K R IS H N A M U R T I: Revela-vos que estais fazendo m aquinal­ m ente um a certa coisa. Revela-vos que, a prim eira vez que fu ­ m astes, vos sentistes mal; achastes desagradável fum ar, mas, vendo outras pessoas fum arem , continuastes a fazê-lo. Agora, isso se tornou um hábito. IN T E R R O G A N T E : N ão nos revela tam bém que, de certo m odo, ele nos tranquiliza? 124 K R IS H N A M U R T I: Revela-vos que ele vos faz dorm ir, ajuda-vos a narcotizar-vos, acalma-vos os nervos, tira-vos o apetite, não vos deixando engordar demais. IN T E R R O G A N T E : Revela-nos que estam os aborrecidos da vida. K R IS H N A M U R T I: D em onstra-vos que ele vos põe à vontade, quando travais conhecim ento com certas pessoas, se vos sentis nervoso. M uita coisa pode ele revelar. IN T E R R O G A N T E : M ostra-m e que estou desatento. K R IS H N A M U R T I: Essa é vossa tradução; ele não vos está dizendo que sois desatento. IN T E R R O G A N T E : Proporciona-m e um a certa satisfação, p rin ­ cipalm ente depois do jantar. K R IS H N A M U R T I: Sim, ele vos ajuda, vos está dizendo tudo isso. E, porque fazeis essa coisa? Escutai, senhor, não me respondais tão apressadam ente, por fa v o r(* ). P orque é que estais aceitando tudo o que ele vos revelou? A televisão vos diz o que deveis saber, que m arca de sabonete usar, etc. etc. Conheceis bem esses anúncios. A todas as horas vos estão dizendo algum a coisa — porque a aceitais? O s livros sagrados vos dizem o que deveis e o que não deveis fazer. P orque aceitais a propaganda das igrejas ou dos políticos? IN T E R R O G A N T E : P orque é mais fácil seguir um sistema. K R IS H N A M U R T I: P orque o seguis? P orque necessitais de segurança; da com panhia de outros; porque desejais ser igual aos demais? Isso significa que tendes m edo de não ser igual aos outros. Q uereis ser igual a todos os demais porque nisso achais perfeita segurança. Se não sois católico num país cató­ lico, encontrais m uitas dificuldades. Se estais num país com u­ nista, e não seguis a linha do partido, encontrareis tam bém difi­ culdades. Vejo, agora, o que revelou o quadro desse hábito (o fum o) e porque nele estou enredado: a relação entre m im e o cigarro. Assim é o hábito, tal é a m aneira com o está funcionando m inha (* ) Palavras dirigidas a um aparteante. (N . do T .) 125 m ente inteira. Faço um a certa coisa porque ela m e dá segu­ rança. C ontraio um hábito — trivial ou im portante — porque ele me dispensa de pensar no que estou fazendo. Assim , a m ente considera seguro funcionar na rede dos hábitos. E stou vendo todo o m ecanism o da form ação dos hábitos. P o r m eio do hábito de fum ar, descobri todo o padrão, descobri o m eca­ nism o que está produzindo os hábitos. IN T E R R O G A N T E : N ão com preendo bem com o, “ escutando” um só hábito, posso ver todo o m ecanism o do hábito. K R IS H N A M U R T I: E u vo-lo m ostrei. O hábito implica estar­ mos funcionando m ecanicam ente e, pela observação do hábito m ecânico de fum ar, percebo como a m ente funciona num a rede de hábitos. IN T E R R O G A N T E : M as, são m ecânicos todos os hábitos? K R IS H N A M U R T I: Têm de ser; se usamos a palavra “ h áb ito ” , ela indica necessariam ente um a coisa mecânica. IN T E R R O G A N T E : N ão há form as de dependência mais p ro­ fundas do que os m eros hábitos m ecânicos? K R IS H N A M U R T I: Se se usa a palavra “ h áb ito ” , ela implica repetição m ecânica; form ar um hábito significa fazer a m esm a coisa vezes sobre vezes. Assim , não há “ bom h áb ito ” nem “ m au h áb ito ” : estam os interessados unicam ente no hábito. IN T E R R O G A N T E : Se, po r exem plo, tenho o hábito do poder, ou o hábito do conforto, ou o hábito da propriedade, isso não é um a coisa mais profunda do que o m ero h áb ito m ecânico? K R IS H N A M U R T I: O “ hábito do poder” , a necessidade de poder, posição, dom ínio, agressão, violência — tudo isso está im plicado no desejo de poder. Fazer o que se quer, com o um a criança, ou um adulto — isso se tornou um hábito. IN T E R R O G A N T E : O u, necessitando de segurança. . . K R IS H N A M U R T I: E u já disse que o hábito proporciona segu­ rança, etc. E xam inando aquele hábito (fu m a r), vi que todos os hábitos se baseiam na necessidade de segurança. U m a vez que os hábitos são m ecânicos, “ repetitivos” , quando digo “ De- 126 sejo ser um grande hom em ” , caí na rede, porque nesse hábito encontro segurança, e é isto que estou buscando. N o fundo ( não estam os considerando os hábitos bons ou m aus, m as, tão-só, o h á b i t o ) , no fundo todos os hábitos são mecânicos. T udo o que faço repetidam ente, o que significa fazer a m esm a coisa de ontem para hoje, de hoje para am anha, é necessariam ente mecâ­ nico. Certas ações m ecânicas podem ter um pouco mais de “ polim ento” , não sofrer atritos, m as são sem pre hábitos, coisas repetidas, como é bem óbvio. IN T E R R O G A N T E : D iríeis que certas atividades criadoras são hábitos? K R IS H N A M U R T I: Respondam os a esta pergunta: Pode-se di­ zer que a atividade criadora é um hábito? IN T E R R O G A N T E : A ação criadora im plica vigor; não se faz esforço para ser criador. K R IS H N A M U R T I: E stais dizendo isso porque sois “ criador” , ou estais apenas conjecturando? Tem os de perguntar o que entendeis p or “ atividade criadora” . E sta pergunta é im portan­ tíssim a, e vós a desconsiderais. P intais um quadro: ou o fazeis porque amais a arte, ou porque ela vos dá dinheiro, ou porque desejais descobrir um a m aneira original de pintar, etc. Q ue significa “ ser criador” ? U m hom em que escreve um poem a porque não pode suportar sua m ulher ou a sociedade, é criador esse hom em ? O hom em que está apegado ao seu violino, p o r­ que com ele ganha rios de dinheiro, é criador? E aquele que, vendo-se num estado de grande tensão interior, escreve dram as que o m undo aplaude — cham aríeis a esse hom em “ criador” ? O hom em que bebe e, no estado de em briaguez, escreve um a m aravilhosa poesia, cheia de ritm o — é criador? IN T E R R O G A N T E : Com o podeis julgar? K R IS H N A M U R T I: E u não julgo. IN T E R R O G A N T E : M as vós suscitastes esta questão. que alguém é ou não é criador, estou julgando. Se digo K R IS H N A M U R T I: E u não estou julgando, senhor; estou p er­ guntando, estou aprendendo. O bservo as pessoas que escrevem 127 livros, que com põem poem as ou dram as, que tocam violino. Vejo o fato à m inha frente, não digo “ isto é b o m ” ou “ isto é m au” ; pergunto: Q ue é atividade criadora? N o m om ento em que digo “ Isto é b o m ” , acabou-se, não posso aprender. E eu quero apren­ der, quero descobrir o que significa “ ser criador” . IN T E R R O G A N T E : Talvez signifique ser dotado de um a certa e “ inocente” ( * ) capacidade de apreender o t o d o . . . K R IS H N A M U R T I: N ão sei; talvez. aprender. E u quero descobrir, quero IN T E R R O G A N T E : Significa estar desperto, vivo. K R IS H N A M U R T I: V ou ao m useu, vejo todos os quadros, adm i­ ro-os, com paro-os en tre si e digo: “ Q ue gênios criadores!” P o r isso, quero averiguar o que significa “ ser criador” . Preciso com por um a poesia, p in tar um quadro, escrever um dram a, para ser criador? Isto é, a potência de criar exige expressão? T ende a bondade de escutar atentam ente. A m ulher que coze pão, num a cozinha sufocante, é criadora? IN T E R R O G A N T E : Em geral chamamos “ criadoras” a tais ati­ vidades. K R IS H N A M U R T I: E stou interrogando. sejam ; não sei; quero aprender. Não digo que não IN T E R R O G A N T E : Se faço pão, sem nunca o ter feito na m inha vida, sou criador. K R IS H N A M U R T I: E u vos estou perguntando, senhor, o que é atividade criadora. IN T E R R O G A N T E : Nós somos “ criadores” neste m om ento. K R IS H N A M U R T I: N ão, não. O bservando as atividades que o hom em costum a cham ar “ criadoras” , pergunto a m im m esm o: Q ue é potência criadora? E la necessita de expressão? — tal como assar pão, p in tar quadros, escrever dram as, ganhar di­ nheiro. E la exige expressão? (* ) Isto é, não contam inada pelo passado (este é o sentido geral q u e K. dá à palavra “ inocente” ). (N . do T .) 128 IN T E R R O G A N T E ; Sim, penso que somos criadores agora. K R IS H N A M U R T I: N ão é esse o ponto essencial. O pon to é este: Sois criador ou estais m eram ente a ouvir alguém que vos está cham ando a atenção para isso? IN T E R R O G A N T E : Penso que um a pessoa cria quando observa não criticam ente. K R IS H N A M U R T I: N ão digais “ p e n so '’. Vede, senhor, estou apaixonadam ente em penhado em descobrir. IN T E R R O G A N T E : N o m om ento em que um a pessoa vê que está apegada a certas coisas, nesse m esm o m om ento de ver ela atua. Esse é o m om ento da criação. K R IS H N A M U R T I: P o r conseguinte, estais dizendo “ ver é agir, e nesse m om ento há criação” . — Isso é um a definição. IN T E R R O G A N T E : Criação não é estar em harm onia com a N atureza? K R IS H N A M U R T I: Vós estais em harm onia com a N atureza? Não estais percebendo aonde quero chegar. E u quero descobrir, senhor, tenho fom e; observei os grandes pintores, assisti a todos os dram as célebres, etc., e perg unto: Q ue é criação? Q ue é ser criador? N ão deis um a definição. E u quero aprender. IN T E R R O G A N T E : Fazer um a coisa nova é ser criador. K R IS H N A M U R T I: Q ue significa isso? Fazer um a coisa total­ m ente nova e original, sem nenhum a decisão? Isso significa que o passado deve term inar. E m vós, ele term inou? O u estais m eram ente a falar acerca de criação assim como falais acerca de um livro? Se é isso, estou fora desse jogo. Q uero a p r e n d e r , estou apaixonado, quero verter lágrim as nesse trabalho, nessa busca! Um hom em pode viver criadoram ente, sem fazer nenhu­ m a dessas coisas, sem assar pão, sem p in tar quadros, sem escre­ ver um poem a. Só podeis viver criadoram ente quando vossa m ente não está fragm entada, quando não há m edo, quando a m ente está livre de tudo o que vem do passado, livre do co­ nhecido. IN T E R R O G A N T E : Para m im a criação não é um a coisa, é um m ovim ento. 5 129 K R IS H N A M U R T I: N ão “ para vós” , senhor, nem “ para m im ” — • estais, todos vós, tornando a coisa pessoal. Criação não é um a opinião. E stou com fom e, e m e estais enchendo de pala­ vras. Isso significa que vós não tendes fom e. O n tem , depois de falar sobre o apego, estive observando esse fato; a m ente esteve vigilante o dia todo, para ver se eu tin ha apego a a lg u m a co isa — a sentar-m e num estrado para discursar, falar a pessoas, a escrever; apego a alguém , a idéias, a um a cadeira. Cum pre investigar, pois, investigando, descobrem -se coisas extraordinárias, a beleza da liberdade, e do am or que nasce dessa liberdade. Q uando se fala em criação isso significa um a m ente que desco­ nhece a agressão. , Assim , para com preenderm os hábitos, tem os de estar vigilantes, cular em nossas veias, fluir com o Deixai que essa investigação vos m aravilhosos descobrim entos! o m ecanism o, a tram a dos pen etrar o fato, fazê-lo cir­ aquele rio em m ovim ento. conduza, através do dia, a 4 de agosto de 1970. VO DIÁLOGO IV Necessidade de ver toda a tram a dos tem ores e fugas. A lu ta contra o apego é um m ovim ento resultante da fragm entação. Pode-se alcançar a integração e o escla­ recim ento por meio da fragm entação? Com o surge a fragm entação? O pensam ento e a categoria do tem po. V isto que o pensam ento causa divisão e, entretanto, é um a função necessária, que cum pre fazer? Função da m ente libertada do “conhecido” . Necessidade de fazer a pergunta sobre o “im possível” . K R IS H N A M U R T I: Estivem os falando sobre o apego, que leva inevitavelm ente ao m edo. Aludim os, tam bém , às várias form as do m edo — os tem ores que tem os, tanto conscientes, como inconscientes. Perguntam os, agora, se se pode observar todo o conjunto desses tem ores e os diferentes meios de fuga, sem se fazer uso de nenhum processo analítico. Acho necessário apro­ fundarm os bem esta m atéria, porque a m ente que não está livre do m edo e das diferentes form as de fuga ficará inevitavelm ente paralisada, se tornará ininteligente, ainda que esteja seguindo vários sistemas de m editação, etc. —- o que é m uito fútil e infan­ til, quando não se está com pletam ente libertado do m edo. Podem os fazer agora um exam e m uito mais profundo da m ente, observando não apenas as suas camadas superficiais, mas tam bém penetrando-lhe as camadas mais profundas e ocultas, onde existem tem ores? Com o a m aioria das pessoas estão ape­ gadas a um a coisa ou outra, isso indica que elas estão fugindo de sua própria solidão, suas frustrações, seu vazio e superficiali­ dade. O ra, estando-se cônscio desse m ovim ento de m edo, desse 131 m ovim ento de fuga ao vazio — pode-se ver esse “ processo” em sua inteireza, e não apenas parcialm ente? P ara se ver um a coisa totalm ente, deve cessar de todo a atividade fragm entária da m ente que deseja resultados: “ Q uero livrar-m e do m edo, a fim de atingir um outro estado” ; ou “ Seguirei tais e tais sistem as de m editação, a fim de alcançar o esclarecim ento” ; “ V ou disciplinar, controlar, m oldar a m im m esm o, para ver coisas extraordinárias” . — T al m aneira de pensar, de viver e agir é fragm entária. N ão sei se percebeis isso claram ente. Pode-se observar toda a tram a do m edo, do qual passam os toda a existência a fugir, bem como os vários m eios de fuga de que nos servim os? Podem -se observar essas complicadas e tão sutis form as de fuga que são a própria essência do m edo? Vê-se que a ação resultante de qualquer espécie de con­ clusão é fragm entária, já que susta o aprender; podeis começar a aprender, m as, se em qualquer m omento' form ar-se um a con­ clusão, como resultado desse aprender, ele se tornará fragm en­ tário. Q ue é que produz a fragm entação? Já consideram os o m edo que há quando nos vemos apegados a algum a coisa, e o cultivo do desapego como m eio de vencer o m edo. Isso é pensa­ m ento fragm entário. Q ue é que causa a fragm entação em nossa vida? Peço-vos, senhores, não tirardes nenhum a conclusão do que estais ouvindo. E u desejo realm ente comunicar-vos um a coisa, dizer-vos que tem os a possibilidade de libertar-nos total e com pletam ente do m edo — não só de nossos tem ores bioló­ gicos, físicos, mas tam bém dos profundos tem ores psicológicos. O m edo é um a conseqüência da fragm entação. O apego é um a conseqüência da fragm entação. E ver o apego e ten tar ser desapegado é um m ovim ento resultante da fragm entação. Tenho apego a m inha fam ília e descubro que esse apego causa dor ou prazer. Se é doloroso, quero lutar contra ele, para dele m e libertar. Esse, como dissem os, é um m ovim ento resultante da fragm entação e, p or conseguinte, dele não pode vir solução nenhum a. Q ual é a base, qual o m ecanismo dessa fragm entação de nossa vida? — fragm entação tanto interior como exterior: divisão em diferentes nacionalidades, religiões, costum es? Com um desses fragm entos esperam os chegar a um a síntese, ao estado de integração, de esclarecim ento, ou como quer que o chameis. 132 Isto é, por m eio da fragm entação, esperais “ produzir” um a m ente não fragm entária. Isso é possível? Os iogues, os r is h is e os vários g u r u s prom etem tais coisas. M as, n ó s tem os de descobrir porque se to m a existente a fragm entação, qual o seu m ecanism o, e não, chegar a um a conclusão verbal ou intelectual a respeito de seu processo. Tem os de ver, na realidade, não analitica­ m ente, todo o seu m ecanism o. Não sei se me estou fazendo entender. Senão, é bom parar, para considerarm os juntos esta m atéria. IN T E R R O G A N T E : Esses sábios, esses r is h is — como os cha­ mais -—• não são hom ens esclarecidos? K R IS H N A M U R T I: Q ue achais vós? Q uereis m inha opinião? Só os desassisados dão opiniões. Com o podeis saber quem é “ esclarecido” ? N unca fazeis essa pergunta. E u posso sentar-m e num palanque e dizer que sou o m ais sábio, o mais esclarecido, o mais divino dos entes hum anos, m as, como podeis saber que o sou? É isso que está acontecendo no m undo. Chega um hom em , faz tais asserções e m anda-vos fazer certas coisas para alcançardes o esclarecim ento: “ E u o tenho e vo-lo posso d a r” . Como sabeis que ele é um hom em esclarecido? E que im porta saber quem é esclarecido e quem não é? IN T E R R O G A N T E : Um a pessoa pode ter experiências por si própria, fazendo certas coisas, seguindo um certo m étodo. K R IS H N A M U R T I: Não, senhor, não há nenhum m étodo para seguir. N ão vamos oferecer-vos nenhum m étodo. Nós estam os aprendendo. A prender não é seguir um m étodo. Pode-se apren­ der algum a coisa por m eio de um m étodo, mas o que se aprende só serve para condicionar a m ente a esse sistem a. A prender é observar. Se observam os que um dado sistem a condiciona e mecaniza a m ente, então todos os sistemas dão o m esm o resul­ tado: aprende-se o que o sistem a dá. P or m eio de um sistem a pode-se ter a mais fantástica experiência, mas tal experiência será sem pre m uito lim itada. Isso é perfeitam ente óbvio. IN T E R R O G A N T E : Para começar, não se poderia fazer uso de um sistem a, só para se ter um a idéia, ainda que parcial, de sua eficácia e, daí, iniciar a “ grande viagem ” ? 133 K R IS H N A M U R T I: Q ue utilidade tem começar com m uletas e depois largá-las? Senhor, porque ficar agarrado a cordéis, quando tendes a possibilidade de, pela observação de vós m esm o, “ apren­ d e r” todo o fenôm eno da existência — e passar além ? Senhor, se quereis a ajuda de um in stru to r, perm iti-m e ponderar, m ui respeitosam ente, que essa idéia de que alguém pode ensinar-vos é o m aior dos em pecilhos. É começar justam ente com um a fragm entação, um a divisão — vós e o in stru to r, vós e o “ ilum i­ n ad o ” . U m a evidente divisão. IN T E R R O G A N T E : M as, vós não estais ensinando? K R IS H N A M U R T I: E u? D esde o começo, este orador tem dito que não há in stru to r nem discípulo. Isso ele vem dizendo h á quarenta e cinco anos, não p or falta de siso ou por efeito de um a reação, mas, sim, porque percebeu a verdade de que ninguém pode “ ensinar esclarecim ento” a outra pessoa por meio de um sistem a, nem tam pouco pela m editação ou qualquer espé­ cie de disciplina. E sta verdade, ele a viu há quarenta e cinco anos e, agora, perguntais: sois ou não sois um in stru to r? E u já vos expliquei que não o sou. Ser in stru to r significa que um a certa pessoa acum ulou conhecim entos e os transm ite a outros, assim como um professor transm ite aos alunos os seus conhe­ cim entos. N ão é esta, de m odo nenhum , a nossa relação aqui. A qui, nós estam os aprendendo juntos, como já explicam os bem claram ente. C o m u n ic a ç ã o significa que as pessoas estão apren­ dendo juntas, criando juntas, observando juntas. C om preen­ dendo-se isso, a comunicação se torna totalm ente diferente. Mas, se supondes que este orador, p or estar sentado num palanque, sabe mais do que vós, é um hom em esclarecido, eu vos peço: tende a bondade de não atribuir-lhe tais coisas! Vós nada sabeis acerca de “ esclarecim ento” . Se soubésseis o que é isso, se o com preendêsseis, se o vivêsseis, não vos acharíeis aqui. Uma das coisas mais extraordinárias é descobrir, aprender, e não, “ ser ensinado” . N ão se precisa pagar nada a ninguém , para a p r e n d e r . Im agine-se — pagar dinheiro para “ aprender a verdade” ! Q ue estais vós fazendo — aprendendo ou “ sendo ensinados” ? Senhores, estam os tentando descobrir o que a fragm enta­ ção im plica. Q uando há in stru to r e discípulo, isso é fragm en­ tação. “ E u superior” , “ eu in ferior” “ alm a” e “ corpo” . . . divi­ são, sem pre divisão! 134 IN T E R R O G A N T E : O pensam ento só é capaz de dar atenção a um a coisa de cada vez. Não é, pois, o pensam ento a causa da fragm entação? Se o pensam ento, para dar atenção a um a coisa, tem de rejeitar as dem ais, isso significa que o pensam ento, inevitavelm ente, gera fragm entação; a própria atividade de pen­ sar é fragm entação. K R ISH N A M U R TT : Nós vamos aprender: tende a bondade de não tirar conclusões. E u estou perguntando por que razão vive­ mos neste estado de fragm entação, com o acontece isso. Q ual a causa oculta dessa fragm entação? Suponham os um a coisa m uito simples: Vós sois o in stru to r, e eu o discípulo; porque esta divisão entre vós e m im ? Q uero aprender ou quero seguir a autoridade que estais representando ou que a vós m esm o o u to r­ gastes? Vós dizeis que sabeis, que sois um hom em esclarecido; e eu quero ter o que tendes, sou ávido, preciso de um a coisa que m e dê felicidade. P o r isso, vos sigo: sois o m estre, e eu o discípulo. Seguir é fragm entação. N unca indaguei po r que razão vos sigo. Q ual a razão, qual a base de m inha aceitação de vós como autoridade? Podeis ser um neurótico, um m aníaco que teve algum a experiência insignificante e a encheu de vento até torná-la um a coisa “ form idável” ; como sou incapaz de julga­ m ento, deixo-m e fascinar po r vossas barbas, vossos olhos ou o u tra coisa qualquer, e vos sigo, pura e sim plesm ente. M as, se desejo aprender, não vos aceitarei como autoridade, porque no m esm o instante em que o fizer estará iniciada a fragm entação. V ede isso, p o r favor! Q ualquer que seja a espécie de autoridade — espiritual, política, m ilitar — no m om ento em que a supom os, no m om ento em que suponho que vós sabeis e eu não sei, está criada a frag­ m entação. E esta, inevitavelm ente, levará ao conflito entre vós, o m estre, e e u ( * ) . E stá bem claro isto? Se está, n u n c a m a is seguirei ninguém . IN T E R R O G A N T E : Se a pessoa nos faz bem , senhor, porque não devemos segui-la? Não é m elhor um fragm ento do que nada? K R IS H N A M U R T I: O m estre m e ensina um a coisa e eu a faço. Fazendo-a, sinto m uito deleite, m uito prazer: com preendi o que (* ) Isto é, entre vós (q u e sois o m estre) e eu. e não três. (N . do T .) São duas pessoas m e foi ensinado! Q ue indica isso? Indica m inha ânsia de expe­ riência, de com preensão, não de m im m esm o, mas daquilo que o g u r u diz. Se ele dissesse: “ Com preendei a vós m esm o” — isso, sim, seria m uito mais im portante do que o u tra qualquer coisa que ele dissesse. Não tenteis com preender-m e: tratai de com preender-vos. M as, preferis seguir-me a com preender a vós m esmo! P orque existe essa fragm entação? IN T E R R O G A N T E : P orque somos constituídos de “ processos” fragm entários. Nossas faculdades são fragm entárias, cada um a delas com um a função especial. K R IS H N A M U R T I: T endes talento para a engenharia; porque deve, dessa faculdade, resultar fragm entação? T enho aptidão para tocar piano; porque deve essa aptidão produzir fragm en­ tação? N ão estis pondo a carroça na frente do cavalo? É a faculdade que produz a fragm entação, ou é a m ente que, estando fragm entada, se está servindo de um dos seus fragm entos, um a das suas faculdades e, por conseguinte, tornando mais forte a divisão? E u quero aprender a respeito dessa fragm entação. Se eu pudesse esclarecê-la, m inha ação se tornaria com pletam ente dife­ rente, já não seria fragm entária. P ortanto, preciso investigá-la. N ão quero chegar a nenhum a conclusão, nem com eçar com um a conclusão. H á fragm entação: o in stru to r e o discípulo, a auto­ ridade, o seguidor, o hom em que se diz “ ilu m inado” , o que diz “ não sei” , o com unista, o socialista — porquê? Com o acon­ tece isso? Se eu a com preendesse verdadeiram ente, aprendesse tudo a seu respeito, ficaria livre dela. M inha relação com outrem seria inteiram ente diferente, m inha ação seria total, de cada vez. P o rtan to , tenho o d e v e r de com preendê-la. Q ue dizeis vós, senhores? IN T E R R O G A N T E : Nós vivem os num estado de expectativa e de desejo. K R IS H N A M U R T I: Vivem os na expectativa, e essa própria expectativa é um a das conseqüências da fragm entação. Q ue estais e s p e r a n d o ? É essa a verdadeira causa da fragm entação? O u é um dos efeitos da fragm entação, tal como o desejo de sucesso? D esejar sucesso é efeito de m inha fragm entação? E sta é um a 136 questão da m aior im portância. Q uero ter sucesso, pintando, escrevendo, por este ou aquele m eio. Assim, qual a base da fragm entação? IN T E R R O G A N T E : E la se deve a que cada um a de nossas facul­ dades é lim itada, nossa visão é lim itada, nossos sentidos e nossa inteligência são lim itados; nenhum a possibilidade tem os de ver o todo de um a só vez. K R IS H N A M U R T I: “ M inha visão só tem um a direção; se eu tivesse olhos atrás, poderia ver a coisa toda in teira’’. É disso que estam os tratando? E stou, por acaso, dizendo que m inha visão é lim itada? N aturalm ente, m inha visão física é lim itada: não posso ver to d a a cordilheira dos Alpes; talvez pudesse vê-la do alto, num avião. M as, certam ente, não é disso que esta­ mos tratando. Estam os considerando po r que razão a m ente, o cérebro, divide. IN T E R R O G A N T E : Não temos possibilidade de pensar no m un­ do inteiro de um a só vez. K R IS H N A M U R T I: Estais, p ortanto, dizendo que a fragm en­ tação existirá enquanto existir o pensam ento, que é incapaz de pensar no todo de um a só vez; que ele é a causa da fragm en­ tação. IN T E R R O G A N T E : Sim; e nossa comunicação com outras pes­ soas é tam bém fragm entária. Agora m esm o estam os pensando em autoconhecim ento e não em alpinism o. N ão se pode pô r tudo junto. K R IS H N A M U R T I: O ra, vejam os bem claram ente de que é que estam os tratando. Não é de alpinism o — como dissestes — nem de ter olhos atrás. Estam os falando a respeito de nossa m ente, de nossas m aneiras de pensar, de olhar, de escutar, de tirar conclusões. P orque existe esse “ processo” , que inevita­ velm ente acarreta fragm entação? É disso que estam os tratando. IN T E R R O G A N T E : Exam iná-lo já é um a atividade fragm en­ tária. K R IS H N A M U R T I: Sim; o próprio exame desta questão já é um a fragm entação. M as, nós estam os perguntando porque é que 137 existe essa fragm entação. P o rq u e não posso estar em total com u­ nicação convosco, e vós comigo? Averigüem o-lo com vagar. Q ual o processo, o m ecanism o, a causa dessa fragm entação? IN T E R R O G A N T E : É que estam os apegados a nossas idéias acerca de nós m esm os, e a nossas idéias sobre certas coisas. K R IS H N A M U R T I: Sim, estam os apegados com todas as forças a um a conclusão, e tal é a causa da fragm entação. M as, porque ficamos apegados a um a conclusão? IN T E R R O G A N T E : C ontinuo a pensar que tudo é resultado da P o r exem plo, na escola recebem os lições de fran­ cês, de inglês, de geografia. D esde o começo, nossa educação é fragm entária. c o m u n ic a ç ã o . K R IS H N A M U R T I: E stais dizendo que nossa educação é frag­ m entária e, por conseguinte, desde pequenos nossa m ente é con­ dicionada p or esta fragm entação. IN T E R R O G A N T E : O processo de pensar consiste em form ar conclusões; não se pode pensar sem form ar um a conclusão. K R IS H N A M U R T I: P o rtan to , todos vós estais dizendo, por pala­ vras mais ou m enos diferentes, que o pensam ento é a origem de toda a fragm entação. IN T E R R O G A N T E : O m esmos. pensam ento é um fragm ento de nós K R IS H N A M U R T I: Sim, o pensam ento, o pensar, é fragm en­ tário. É um fragm ento de nós m esmos. IN T E R R O G A N T E : O resultado de nosso pensar, ou sejam nos­ sas conclusões, produz necessariam ente mais fragm entação. K R IS H N A M U R T I: Tendes razão, senbor. E stais, pois, a dizer-me — e eu tam bém estou aprendendo, tal como vós — que o pensam ento é a origem de toda a fragm entação. Averiguem os bem isso; não digais “ sim ” nem “ não” . O pensam ento é o resultado, a reação da m em ória, e a m em ória é o passado. E , evidentem ente, essa m em ória do passado é sem pre dividida — o passado, boje, e am anbã; a experiência passada, a experiência presente, e a futura. É o passado quem diz “ não aprendi, não 138 sei, e vou aprende** de vós” . Não é esta a causa principal da fragm entação? Q ue dizeis, senhores? IN T E R R O G A N T E : Já dissestes tudo isso ao falardes sobre o tem po. O percebim ento do tem po afasta-nos a atenção do p re­ sente e, p o rtan to , divide. K R IS H N A M U R T I: O tem po divide, sem dúvida. Q ue é o tem po? Averiguai-o, senhor. H á o tem po cronológico: tenho de ir à estação para tom ar um trem que p arte a um a certa hora. E há o tem po de que necessito para realizar alguma coisa, para ter sucesso: vós sabeis, eu não sei, mas aprenderei; tudo isso im plica o tem po psicológico! Isto é, eu penso: V ou aprender passo por passo. Irei subindo gradualm ente, de degrau em de­ grau e, no fim , alcançarei aquele estado m aravilhoso; há, p or­ tanto, um a divisão criada pelo pensam ento que deseja sucesso. O sucesso, desta vez, não é riqueza, porém esclarecim ento ou fé. Todos vós, pois, dizeis que o pensam ento é o m ecanismo que produz a fragm entação, não é verdade? — esse pensam ento que d i z “ Vós sois h in d u ísta” , “ Vós sois católico” , “ Vós sois m oreno” , “ Vós sois p re to ” , “ Vós sois rosado” . O pensam ento condicionou os valores de um a determ inada sociedade e cultura de tal m aneira que os que não pertencem a essa cultura são considerados “ b árb aro s” . E stá bem claro isto? Se é o pensa­ m ento o responsável pela fragm entação, que nos cum pre fazer? E u tenho de trabalhar, para viver, para m anter m inha fam ília — e tam bém para m i m , pois tenho m eus problem as, m inhas ambições, m eu desejo de êxito na vida. H á, pois, o ganho do sustento, a fam ília, a fu n ç ã o e o desejo de po r m eio dela alcançar p o s iç ã o e, po r últim o, e u — ■ —- todo fragm entado. O ra, que m e cum pre fazer? Vejo que o pensam ento é o responsável po r tudo isso. É exato isso, ou não é? Nós estam os aprendendo; se o orador está enganado, dizei-lho! Investigai! IN T E R R O G A N T E : M as nós estam os sem pre pensando; neste mesm o instante estam os pensando. K R IS H N A M U R T I: Um m om ento! Verifiquem os isso. E sta­ mos sem pre pensando, e dizemos: “ Preciso trabalhar; tenho fam ília; necessito de diversões, de êxitos, de esclarecim ento, do 139 g u r u , da autoridade, etc. etc/* E , pelo m eio de tudo isso, o “ e u ” a criar confusão. M as, vós m e dizeis que o pensam ento é o responsável p or esse estado de coisas. Tenho pensam entos, e esses pensam entos criaram um a certa cultura, a qual, p or sua vez, me condicionou. O pensam ento é o culpado de tudo e me diz tam bém que tenho de trabalhar, ganhar dinheiro, para m an­ te r a fam ília, os filhos. Em sum a, o culpado é o pensam ento. E stais bem certo de que tendes razão? N ão digais, depois, que não era bem isso o que queríeis dizer; certificai-vos, a p r e n d e i\ IN T E R R O G A N T E : A gente sente que, atrás do pensam ento, há ainda algum a coisa. K R IS H N A M U R T I: L á chegarem os. M as, vejam os prim eira­ m ente de que é que estam os tratando. O ra, não se pode alcan­ çar essa coisa que está atrás do pensam ento, sem se com preender todo o m ecanism o do pensam ento; de ou tro m odo, estarem os apenas a fugir do pensam ento. É verdade (não vossa verdade ou m inha verdade, nem m inha opinião pessoal ou a vossa), é verdade, é fato que o pensam ento divide? O pensam ento separa o viver de hoje do m orrer de am anhã. Sei que am anhã m orrerei; penso “ m o rrerei” e fico apavorado. O u penso; “ Q ue experiên­ cia m aravilhosa, aquela! Preciso repeti-la.” O u , ainda: “ Tenho m edo porque fiz um a certa coisa; preciso ter cuidado para não tornar a fazê-la, não deixar que seja descoberta” . — Õ pensa­ m ento, p o rtan to , está sem pre a gerar m edo, d o r e prazer. O pensam ento divide. E sta é a verdade, quer a vejais, quer não. Assim , sabendo que o pensam ento produz fragm entação e, por conseguinte, sustenta a divisão, que ides fazer? IN T E R R O G A N T E : É o pensam ento que divide, ou a m aneira com o nos servim os de nossos pensam entos? K R IS H N A M U R T I: Q uem é esse “ nós” ? Q uem é esse “ e u ” que se serve do pensam ento que divide? Não salteis a nenhum a conclusão; escutai prim eiram ente o que o orador vai dizer. É necessário “ ganhar a vida” e, p or­ tanto, o pensam ento tem de ser utilizado nisso. Q uando volto a casa, diz-me o pensam ento “ M inha fam ília” , “ m inhas respon­ sabilidades” ; “ O sexo me proporciona m uito prazer; sinto-m e aflito, porque m inha esposa pode abandonar-m e” . O pensam ento 140 está em funcionam ento a todas as horas, a produzir fragm en­ tação — o in stru to r, o discípulo, o desejo de sucesso. Q ue ides fazer, sabendo que o pensam ento produz fragm entação, quer dizer, m edo e, p ortanto, conflito? Fragm entação significa que não haverá nenhum a possibilidade de se ter paz. Pode-se falar a respeito da paz, ingressar num a organização que prom ete a paz, mas nunca haverá paz, enquanto houver a fragm entação p ro d u ­ zida pelo pensam ento. Assim, diante desse fato, que ides fazer? IN T E R R O G A N T E : Identificar-m e com o pensam ento. K R IS H N A M U R T I: Q uem é esse “ eu” que se identifica com o pensam ento? O pensam ento não criou o “ e u ” ? O “ e u ” são m inhas experiências, m eu saber, m eu sucesso, e tudo isso é pro d u to do pensam ento. E se dizeis que há o “ eu superior” , Deus — isso ainda é pensam ento; pensastes “ D eus” . Q ue ides fazer, pois? IN T E R R O G A N T E : P ô r fim ao pensam ento. K R IS H N A M U R T I: Com o? Escutai, senhor, o pensam ento precisa funcionar para executarm os um trabalho mecânico, até m esm o guiar um carro. Dizeis que é necessário p ô r fim ao pensam ento. Nesse caso, não poderíeis ganhar a vida, nem vol­ tar a casa, nem m esm o falar. Senhor, observai-vos, a p r e n d e il Nós tem os de servir-nos do pensam ento, e vemos tam bém que ele produz fragm entação. Assim, que podem os fazer? IN T E R R O G A N T E : Parece-me que sem pre chegamos a este ponto, em quase todas as nossas reuniões. Pergunto-vos, pois: Essa pergunta é respondível? K R IS H N A M U R T I: Vamos ver. IN T E R R O G A N T E : Tenho m edo, porque percebo que ela repre­ senta um verdadeiro tropeço. K R IS H N A M U R T I: Pois bem ; percebendo agora que não sabeis o que deveis fazer, quereis a p r e n d e r , senhor? IN T E R R O G A N T E : Se possível. K R IS H N A M U R T I: P orque dizeis “ se possível” ? Não pergun­ tei se é possível ou não, mas, sim: Q uereis aprender? A prender 141 — que requer isso? Curiosidade. N ão discordeis precipitada­ m ente. E stais verdadeiram ente interessado, desejais apaixona­ dam ente aprender? P orque isso pode resolver to d o s os nossos problem as. P o r conseguinte, necessitais de “ intensidade” , de curiosidade, de paixão, para aprender. Tendes essas coisas? O u ireis dizer: “ P refiro esperar. A té hoje funcionei com con­ clusões. Preciso de um a nova conclusão, para agir.” Se desejais aprender, são absolutam ente necessárias estas três coisas: curiosidade, seriedade, energia; essa energia vos dará a paixão de que necessitais para descobrir, para aprender. T en­ des essas três coisas? O u apenas quereis conversar indiferen­ tem ente a respeito deste assunto? IN T E R R O G A N T E : Requer-se m uita sutileza? K R IS H N A M U R T I: Não, senhor, o aprender não requer suti­ leza. R equer um a m ente que deseje aprender, descobrir, qual um a criança que diz: “ E u quero saber de que é feita aquela m ontanha.” IN T E R R O G A N T E : Posso ficar apegado ao aprender. K R IS H N A M U R T I: Senhor, porque traduzis em vossos próprios term os o que estivem os dizendo? Eu disse que necessitam os de abundante energia, de curiosidade, para aprender. T am bém de persistência; não é m ostrar-se cheio de curiosidade p or um m i­ n uto apenas, e no m inuto seguinte dizer-se: “ Desculpe, estou cansado, “ chateado” , vou lá fora fum ar um cigarro.” Desse m odo não se pode aprender. IN T E R R O G A N T E : T enho necessidade de certeza. incerteza. Tem o a K R IS H N A M U R T I: P restai atenção a isso, O que dissestes sig­ nifica: “ E stou disposto a aprender se isso me garantir absoluta certeza para o resto da vida” . IN T E R R O G A N T E : A fragm entação me dá um sentim ento de segurança, e eu necessito desta ilusão. K R IS H N A M U R T I: “ E vós vindes p ertu rb ar a m inha segurança! P o r isso, sinto m edo, não quero ap render.” É o que todos dizem! “ Deu-m e grande deleite escrever um livro. Sei que 142 funciono fragm entariam ente, mas esse livro me está dando fam a, dinheiro, posição. Não m e digais nada. A casa está em chamas, mas não me p ertu rb eis!” C ontinuem os deste ponto. Se o pensam ento é a origem da fragm entação e, contudo, tem os de utilizá-lo, que se pode fazer? Com o pode o pensam ento funcionar e ao m esm o tem po não funcionar? O pensam ento é responsável pela fragm entação, e todas as conclusões são fragm entos. Vede bem isso. “ E u preciso de segurança, tem o a incerteza” . O ra, deve haver um a m aneira de viver que poderá dar-vos a segurança física de que neces­ sitais e ao mesm o tem po liberdade psicológica. Essa liberdade vos dará absoluta segurança física, mas vós não vedes isso. P o r­ tanto, é necessário aprender. Se o pensam ento é responsável pela fragm entação e, con­ tudo, dele precisam os para subsistir, que nos cum pre fazer? Entendeis esta pergunta? Se não a com preendeis, examinem o-la. E u tenho de servir-m e do pensam ento para ir daqui à casa onde m oro, para ganhar dinheiro, para dirigir-m e ao lugar onde traba­ lho e lá funcionar eficientem ente. E , todavia, vejo que esse m esm o pensam ento é a causa da fragm entação e, p o rtan to , do conflito. Vejo que o pensam ento deve funcionar, e vejo tam bém que ele produz fragm entação. IN T E R R O G A N T E : V er a fragm entação não é, em verdade, estabelecer um a ligação entre os fragm entos? K R IS H N A M U R T I: N ão, senhor, não há ligação; não se pode reunir fragm entos para form ar um todo. O s raios de um a roda não constituem a roda; a m aneira de dispor os raios é que faz a roda. IN T E R R O G A N T E : Com o tem os de servir-nos do pensam ento, e não desejam os a fragm entação, não podem os sim plesm ente to r­ nar-nos cônscios da tendência do pensam ento para produzir essa fragm entação? K R IS H N A M U R T I: Se estam os cônscios de que o pensam ento produz fragm entação, o próprio fato de estarm os cônscios desse processo faz nascer um estado com pletam ente diferente. É isso que quereis dizer? É isso que está sucedendo em vós? Cui- 143 dado, senhor, ide devagar! O pensam ento precisa ser exer­ cido, m as, ao m esm o tem po, percebo que ele gera fragm entação e, p o rtan to , conflito, m edo, e todas as agonias deste m undo. E n tre tan to , é o próprio pensam ento que, como dizeis, deve to r­ nar-se cônscio desse processo. V ede, agora, o que acontece. Dissem os que o pensam ento é a base da fragm entação; p or con­ seguinte, o pensam ento, ao tornar-se cônscio de sí próprio e de como gera fragm entação, divide-se em is to e a q u ilo . IN T E R R O G A N T E : Tem os de servir-nos do pensam ento, e tem os de estar cônscios daquela espécie de pensam ento que está causando a fragm entação. K R IS H N A M U R T I: Devagar! cio” ? Q ue entendeis p o r “ estar côns­ IN T E R R O G A N T E : Ver. K R IS H N A M U R T I: Q ue entendeis por “ v er” ? Vedes esse “ p ro­ cesso” m ecanicam ente? O uvistes as palavras, intelectualm ente as com preendestes e, po r conseguinte, quereis aplicar essas pala­ vras e a conclusão intelectual ao v e r. Cuidado, não digais “ não” ! Estais vendo com um a conclusão, ou estais sim plesm ente v e n d o ? Com preendestes? IN T E R R O G A N T E : Ao chegarm os ao ponto em que fizestes aquela p e rg u n ta ,(* ) v ó s m e s m o a fizestes? P orque me parece que, se nesse ponto se faz tal pergunta, isso mais um a vez é fragm entação. K R IS H N A M U R T I: Diz essa senhora que, se neste ponto faze­ mos tal pergunta, estam os novam ente iniciando um a fragm en­ tação. IN T E R R O G A N T E : E , se assim é, de que serviu toda esta investigação? Q ual a sua validade? K R IS H N A M U R T I: E u vo-lo explicarei. C hegando a este ponto, fazemos a pergunta. E aquela senhora diz: “ Q u e m está fazendo essa p e rg u n ta ? ” É o pensam ento quem a faz? Se é, então, (* ) A pergunta foi esta: Nós tem os de servir-nos do pensam ento, e vem os tam bém que ele produz fragm entação; assim, que podem os fazer? (N . do T .) 144 isso é mais um a fragm entação. E u a faço, porque não estais P o rtan to , vamos a p re n d e r . aprendendo. Estam os vendo, pois, este quadro (esse “ ta n to ” a m ente está v e n d o ): O pensam ento produziu a fragm entação; o pensa­ m ento deve fu n c io n a r , e tam bém produz fragm entação. Se se v ê isso, com pletam ente, não há mais nada para perguntar. M as, só podem os vê-lo quando não há nenhum a conclusão, nenhum desejo de solução, nenhum desejo de passar além. Só quando se vê com pletam ente esse m ecanism o do pensam ento — como ele opera, como funciona, o que há atrás dele — só então o problem a está resolvido. Ficais então funcionando não fragmentariam ente. Ainda que tenhais de trabalhar num escritório, vossa ação não é fragm entária quando vedes o m ecanism o em seu todo. Se não o vedes, então fazeis a divisão — em prego, fam ília, vós, eu. Estais vendo agora o m ecanism o todo inteiro? IN T E R R O G A N T E : Senhor, estais sugerindo que é possível viver um a vida não dualista e ao m esm o tem po funcionar na sociedade? K R IS H N A M U R T I; E u vos esto u m ostrando que é possível — desde que se veja to d o o m ecanism o do pensam ento, e não ape­ nas um a parte dele: sua natureza e estru tu ra, seu m ovim ento. IN T E R R O G A N T E : Com o se pode vê-lo mais rapidam ente? K R IS H N A M U R T I: Escutando, a g o ra i Aí está, mais um a vez, o desejo de conseguir alguma coisa! E isso significa que não estais e s c u ta n d o ; vossos olhos, vossos ouvidos, estão fixados em “ chegar a algum a p a rte ” . Assim, senhor, m inha pergunta agora — e eu a faço como amigo — é esta: “ E stais vendo todo o m ecanism o?” — e como amigo vos digo: “ D e v e is vê-lo, senão ireis ter um a existência terrível, aflitiva — tereis guerras, tereis os piores sofrim entos. Pelo am or de D eus, vede-o! P orque não o vedes? Q ue vos está im pedindo de vê-lo? Vossa ambição? Vossa indolência? Vossas inum eráveis conclusões? Agora, quem vai responder? IN T E R R O G A N T E ( 1 ) : P orque responder? 145 IN T E R R O G A N T E ( 2 ) : Sei que tenho conclusões, mas delas não posso livrar-m e; elas continuam existentes. IN T E R R O G A N T E ( 3 ) : Com o podem os ter segurança? K R IS H N A M U R TT. A mesma pergunta de sempre! “ Dizei-me como posso ter segurança” . . . A eterna pergunta do hom em ! IN T E R R O G A N T E : Talvez seja m elhor tornar-nos m ais cônscios de que estam os vivendo a g o ra , e não ontem ou no ano passado. Um a grande soma de nossa atenção é desviada pelo nosso vezo de viver no passado e de sonhar com o futuro. K R IS H N A M U R T I: Sois capaz de viver no presente? fica viver um a vida em que não existe o tem po. Isso signi­ IN T E R R O G A N T E : Fisicam ente estou vivo. K R IS H N A M U R T I: E u vos estou perg untando, senhor, se sois capaz de viver no presente. P ara viverm os no presente, não deve existir o tem po — nem passado, nem fu tu ro , nem desejos de êxito, nem ambição. Sois capaz disso? IN T E R R O G A N T E : U m “ bocadinho” . O próprio “ processo” de construir, digamos um a casa, requer um program a. K R IS H N A M U R T I: N aturalm ente, senhor. P ara construir um a casa, necessitam os de um arquiteto, para traçar a planta, e do em preiteiro para fazer a construção de acordo com a planta. A nalogam ente, nós desejamos um plano. “ Vós sois o arquiteto: dai-me o plano, que eu funcionarei em conform idade com esse plano.” IN T E R R O G A N T E : Não foi isso o que eu quis dizer. E u disse que quero construir um a casa — um a coisa concreta. Para isso, precisam-se fazer certos p l a n o s .. . K R IS H N A M U R T I: Faz-se então uso do pensam ento. IN T E R R O G A N T E : P o rtan to , não podem os viver unicam ente no presente. K R IS H N A M U R T I: E u nunca disse tal coisa, senhor. Se se con­ sidera atentam ente esta questão, nunca se pergunta: “ Como viver no p resen te?” . Se perceberdes bem claram ente a n atu ­ reza e estru tu ra do pensam ento, vereis que tendes a posssibi146 lidade de funcionar com a m ente inteiram ente livre do pensa­ m ento, e que, contudo, deveis fazer uso do pensam ento. Eis a verdadeira m editação, senhor — e não aquela coisa sem valor a que se cham a “ m editação” . Pois bem ; nossa m ente está repleta do conhecido, que é p ro d u to do pensam ento; repleta de conhecim entos e da expe­ riência acum ulados no passado. A m em ória, que faz parte do cérebro, está cheia do conhecido. Posso traduzir o conhecido em term os do futuro ou em term os do presente, mas trata-se sem pre do conhecido. Esse conhecido é que divide. O passado, com seu reservatório de m em ória, m e diz: “ Faça isto, não faça aquilo” , “ Isto dar-lhe-á certeza; aquilo dar-lhe-á incerteza.” Assim , quando a m ente inteira, inclusive o cérebro, está vazia do conhecido, então podeis fazer uso do conhecido quando necessário, mas estareis sem pre funcionando com base no desco­ nhecido — na m ente libertada do conhecido. Senhor, isso é um a coisa que d e s p o n ta ; não é tão difícil como parece. Se tendes um problem a, sobre ele ficais a refletir, a cogitar, po r um ou dois dias; p or fim , vos cansais, o abandonais, e ides dorm ir. N a m anhã seguinte, ao despertardes, se fordes um a pessoa sen­ sível, tereis achado a solução. Isto é, estivestes tentando resol­ ver o problem a com a m ira em algum proveito, em o bter êxito, certeza, em sum a, com base no conhecido, no pensam ento. E , depois de exercer de todos os m odos o pensam ento, este d iz “ estou cansado” . E , na m anhã seguinte, encontrastes, pronta, a solução. Isto é, exercestes ao m áxim o a m ente, o pensam ento e, p or fim , desististes. É então que se vê algo totalm ente novo. Mas, se continuardes a exercer o pensam ento, in interruptam ente, a form ar conclusões sobre conclusões — que são o conhecido — então, é claro que não vereis nada novo. Isso requer extraordinário percebim ento in terno, um senso interno de ordem ; não desordem , mas ordem . IN T E R R O G A N T E : E xiste algum m étodo para seguir? K R IS H N A M U R T I: O ra, senhor — levanto-m e, dou uns passos, desço a escada. Isso é seguir um m étodo? Levanto-m e e exe­ cuto aqueles atos naturalm ente. N ão invento prim eiro um m é­ todo e depois o sigo: v e jo o que quero fazer. N ão se pode sujeitar tudo a m étodo. 147 ÍN T E R R O G A N T E : Poderei eu, em algum tem po, esvaziar esse reservatório de im pressões vividas? K R IS H N A M U R T I: Essa é um a pergunta errônea. E rrônea, p o r­ que dizeis “ Poderei eu, em algum tem po” —- Q uem é esse “ e u ” , e que entendeis dizendo “ em. algum tem po” ? Q uereis dizer “ isso é possível?” Senhores, nunca fazemos a pergunta relativa ao impossível. Só se pergunta sobre o que é possível. Se se faz um a pergunta sobre o im possível, a m ente tem de achar a resposta na base do im possível — e não do que é possível. Todas as descobertas científicas baseiam-se nele — no impossível. E ra im possível ir à Lua. Se se dissesse “ isso é possível” , o problem a seria aban­ donado. M as, porque a coisa era im possível, trezentas m il pes­ soas cooperaram e trabalharam dia e noite, a ela aplicando todas as suas energias m entais — e o hom em foi à Lua! M as, nós nunca perguntam os sobre o impossível! Nossa pergunta sobre o im possível é esta: Pode a m ente esvaziar-se do conhecido? — ela esvaziar a si p r ó p r ia , e não, n ó s a e sv a zia r­ m o s ? Eis um a pergunta sobre o im possível. Se a fizerdes com enorm e entusiasm o, seriedade, paixão, achareis a resposta. Mas, se disserdes: Oh! isso é possível” , continuareis preso no atoleiro. 5 de agosto de 1970. 148 D íÁ L ü G O V O consciente e o inconsciente; quais são as fronteiras da consciência? Essa divisão é real ou faz p arte da fragm entação? Q u e m q uer “ saber” a respeito do inconsciente? A neurose, “ exageração” do fragm ento. N ecessidade de ver a inutilidade da identificação com o fragm ento; um fragm ento cham ado “ observ ador” . “V ir a ser” e “ ser” alguma coisa — o estado de consciência em que vivemos — um a form a de resis­ tência. D iferença entre ver esse fato como ato de observação, e vê-lo como “ eu ” . O s sonhos. Estam os aptos a fazer a “próxim a pergunta” : “ Q ue existe além da consciência?” K R IS H N A M U R T I: N esta m anhã vamos conversar sobre o que existe abaixo do consciente. N ão sei se já fizestes tal investi­ gação, ou se m eram ente aceitastes o que disseram os analistas e psicólogos. M as, para se exam inar esta m atéria com certa profundeza —- como espero o farem os nesta m anhã — é preciso fazer um a ou duas perguntas fundam entais. Nós tem os de a p r e n d e r — isto é, de descobrir, de explorar, por nós m esmos, todo o conteúdo da consciência. P orque fazemos a divisão de consciente e inconsciente? É esta um a divisão artificial, inven­ tada pelos analistas, pelos psicólogos, pelos filósofos? Existe realm ente tal divisão? Se se quer investigar profundam ente a estrutura e natureza da consciência, q u e m fará a investigação? Um fragm ento, dentre os m uitos fragm entos? O u existe um a entidade, um agente transcendental capaz de observar a cons­ ciência? Pode a m ente consciente, aquela que funciona todos os dias, observar o conteúdo das camadas inconscientes ou mais p ro ­ fundas? E quais são as fronteiras, os lim ites da consciência? 149 E sta é um a questão m uito séria, e se ela for com preendida, quase todos os problem as hum anos serão resolvidos. Não é, p o rtan to , um entretenim ento para as horas vagas, um a coisa para estudar superficialm ente, p o r um a ou duas sem anas, e de­ pois largá-la e continuar com o m esm o m odo de vida. E xam i­ nar profundam ente este assunto é um a “ m aneira de vida” . N ão se tra ta de “ com preender a coisa” e pô-la de lado. Só se poderá com preender o conteúdo da consciência e os respectivos lim ites se isso constituir um em penho de todos os dias; não um m ero divertim ento, porém um a tarefa que deverá preencher vossa vida, tornar-se vossa m issão, vossa vocação. T rata-se de inves­ tigar as profundezas m esmas da m ente hum ana, não conform e vossa opinião ou a deste orador, mas observando-a a pleno e vendo o que além dela existe; não apenas arranhar a superfície e pensar tê-la com preendido. C um pre perceber bem claram ente que não estam os falando de um conhecim ento que se pode adquirir dos livros para, depois, aplicá-lo praticam ente. Se assim procederdes, o que aprenderdes será sem valor, coisa “ de segun­ da m ão” . E , se considerardes esta investigação um a espécie de en tretenim ento intelectual ou em ocional, ela naturalm ente ne­ nhum efeito terá em vossa vida. Nós estam os seriam ente in te­ ressados na revolução fundam ental da m ente, da estru tu ra inteira de nosso ser — para que a m ente se liberte de todo o seu con­ dicionam ento e não sejamos sim ples pessoas educadas e “ sofisti­ cadas” , porém verdadeiros entes hum anos, am adurecidos, p ro­ fundos. N esta m anhã, nós vamos aprender juntos, inteirar-nos, se possível, do que existe abaixo do consciente e, observando suas diferentes camadas (ou única cam ada), descobrir po r nós m es­ mos o conteúdo da consciência: se esse conteúdo constitui o consciente ou se o consciente encerra em suas fronteiras “ o que é ” . O conteúdo da consciência compõe a consciência? — E u estou apenas investigando, seguindo passo a passo; portan to , cam inhem os juntos. N ão me digais depois: “ T ende a bondade de repetir o que dissestes” . N ão posso fazer isso. E m prim eiro lugar, porque existe esta divisão entre o cons­ ciente e as chamadas camadas inconscientes ou mais profundas? Estais cônscios dessa divisão? O u ela existe porque tem os tan ­ tas divisões em nossa vida? Q ual é o caso? É o m ovim ento consciente um m ovim ento separado, tendo as camadas m ais p ro­ fundas seu m ovim ento próprio, ou todo o conjunto constitui um m ovim ento único? M uito im porta descobrir isso, porque nós aprim oram os a m ente consciente, exercitam o-la, educamo-la, forçamo-la, m oldam o-la, em conform idade com as exigências da sociedade e nossos próprios im pulsos, nossa agressividade, etc. A camada inconsciente, mais profunda, está ainda p or educar? Já educam os as camadas superficiais; estam os educando as cama­ das m ais profundas? O u continuam elas intatas? Q ue achais? Nas camadas mais profundas devem encontrar-se a fonte e os m eios de descobrir coisas novas, um a vez que as cam adas superficiais se tornaram m ecânicas, condicionadas, só sendo capa­ zes de repetir, de im itar; nelas, não há liberdade para descobrir, para m over-nos, voar, irm anar-nos com os ventos! E nas cama­ das profundas — não educadas, não “ sofisticadas” e, po r conse­ guinte, ainda prim itivas — prim itivas, não “ selvagens” — pode encontrar-se a fonte de algo com pletam ente novo. N ão sei o que sentis, o que descobristes. E stá a m ente superficial tão condicionada que se to rn o u m ecânica? Se eu sou hinduísta ou cristão, funciono como hinduísta ou cristão. E existe abaixo desse nível um a cam ada ainda não atingida pela educação? O u a educação já a atingiu e, por conseqüência, todo o conteúdo da consciência é m ecânico? Estais-m e acom panhando? IN T E R R O G A N T E : Senhor, como podem os saber algum a coisa sobre o inconsciente? K R IS H N A M U R T I: M uito bem , senhor, comecemos. Q uando em pregam os a palavra “ saber” , que entendem os po r ela? Não quero ser puram ente “ verbal” , mas é necessário entrarm os com m uito cuidado nesta m atéria. Q ue entendeis ao dizerdes: “ E u quero saber” ? IN T E R R O G A N T E : Não tenho nenhum a experiência dele. K R IS H N A M U R T I: Atende-vos àquela, tende a bondade de não introduzir outras palavras. Q ue entendeis pela palavra “ saber” ? Ao em pregardes essa palavra, que entendeis? E u sei de um fato que ontem sucedeu. T odo conhecim ento representa o pas­ sado — não é verdade? Peço-vos não concordar: apenas v e r. Conheço-vos, porque ontem m e fostes apresentado. T o d o conhe­ 151 cim ento, pois, supõe o passado. Q uando digo “ Sei que aquilo é um avião a voar” , em bora o “ voar” esteja ocorrendo neste m om ento, o saber que “ aquilo” é um avião, é do passado. Como pode a m ente superficial inteirar-se das camadas mais profundas? Com o pode a m ente superficial tom ar conhecim ento da “ o u tra ” ? IN T E R R O G A N T E : M antendo quieta a m ente superficial, pode­ m os inteirar-nos dos níveis mais profundos. K R IS H N A M U R T I: Q ue há para aprender nos níveis mais p ro­ fundos? Presum is que há, lá, alguma coisa para aprender. Estais realm ente cônscio das operações da m ente consciente? Como está ela funcionando? Quais as suas reações? Tem os conheci­ m ento da m ente consciente? Vede quanto é difícil isso! A m ente precisa observar bem de p erto esse m ovim ento. Dizeis que no inconsciente existem m uitas coisas. É o que dizem todos os especialistas. E xistem de fato? Q uando se separa o cons­ ciente das camadas m ais profundas, logo se pergunta: Como pode a m ente superficial pen etrar na “ o u tra ” ? M as, se não existe divisão, o que há é um m ovim ento total. Estam os apenas cônscios de um m ovim ento fragm entário e, por isso, perguntam os “ Q ual é o conteúdo do inconsciente” ? Se estam os cônscios do m ovim ento total, não fazemos tal pergunta. E stá claro isto? Certificai-vos bem , n ã o verbalm ente, mas realm ente. Se se divide em fragm entos a consciência, um dos fragm en­ tos indaga: “ Q ue são os outros fragm entos?” . M as, se só h á um m ovim ento total, não existe fragm entação e, po r conse­ guinte, não se faz tal pergunta. M uito im porta, com efeito, escla­ recer-nos bem a esse respeito, porque então já não necessita­ rem os dos especialistas. Percebeis a consciência como um todo, ou a vedes como um fragm ento a exam inar os outros fragm entos? Vós a vedes parcialm ente, ou a vedes em sua inteireza, com o um m ovim ento total, qual o de um rio? Podeis cavar um fosso ao lado da m argem e chamá-lo “ o rio ” — mas não é o rio. N este está o m ovim ento total. Q ue é então esse m ovim ento? Com o observá-lo sem fragm entá-lo? IN T E R R O G A N T E : Perm itis-m e um a pergunta? Falais acerca da m ente inconsciente. M as, existe essa m ente inconsciente? Não se pode falar sobre um a coisa que não existe. Todavia, pode-se falar sobre o consciente. T ende a bondade de definir 152 “ consciente” e “inconsciente” . P ergunto: Estam os agora incons­ cientes? K R IS H N A M U R T I: H á pouco perguntam os: Estam os conscien­ tes das fronteiras da consciência? O u estam os cônscios dos num erosos fragm entos que com põem o consciente? Pode um fragm ento tornar-se cônscio dos outros fragm entos? O u estam os cônscios do m ovim ento total da consciência, sem divisão ne­ nhum a? IN T E R R O G A N T E : E m am bos os sentidos, estam os cônscios. Intelectualm ente, estam os a dividir-nos em partes. K R IS H N A M U R T I: V ede, por favor, que não estam os anali­ sando. H avendo análise, há o analista e a coisa analisada — um fragm ento assume a autoridade e analisa a outra parte. E , nessa divisão, surgem o consciente e o inconsciente. É então que perguntam os: Pode a m ente consciente exam inar o incons­ ciente? — e isso im plica que a m ente consciente se separa do resto. Dizemos que a resposta a esta pergunta errônea pode ser dada pelos sonhos, por m eio de sinais e sugestões. P artim os, p ortanto, da falsa suposição de que a m ente superficial é sepa­ rada da “ o u tra ” . Isso significa que nunca sentim os ou perce­ bem os ou tom am os conhecim ento do m ovim ento total da m ente consciente. Se o fizéssem os, não faríam os tal pergunta. Não sei se estais percebendo. IN T E R R O G A N T E : E videntem ente, certas pessoas sofrem de neurose, sem saberem de sua origem . Essa origem não está no inconsciente? K R IS H N A M U R T I: Sofreis de algum a neurose? V ede, por favor, que esta não é um a pergunta sim plória. Estais cônscio de serdes neurótico, num a ou n o u tra form a? IN T E R R O G A N T E : Q uem pode dizer que eu sou neurótico? K R IS H N A M U R T I: Vós não sabeis quando sois neurótico? Alguém precisa dizer-vos que o sois? T ende a bondade de escutar: Sem pre que há “ exageração” de qualquer fragm ento, há neurose. Se sois superiorm ente intelectual, isso é um a form a de neurose, em bora os indivíduos altam ente intelectuais sejam tidos em elevada conta. E star apegado a um a certa crença — 153 cristã, b udista, com unista — estar apegado a qualquer espécie de crença é um a form a de neurose. Senhor, olhai bem isso; ide com vagar. Atende-vos a vossa pergunta. Q ualquer espécie de m edo é um a form a de neurose, todo ajustam ento é um a form a de neurose e qualquer com paração de vós m esm o com o u tra pessoa é de fundo neurótico. Não estais fazendo isso? IN T E R R O G A N T E : E stou. K R IS H N A M U R T I: Logo, sois neurótico! E stam os tratando de um assunto m uito sério. D este nosso exam e algum a coisa já aprendem os: toda “ exageração” de qualquer fragm ento da cons­ ciência (pois a vemos toda fragm entada), todo em penho em realçar um dado fragm ento, é um a form a de neurose. Senhores, recebei esta verdade em vossos corações, senti-a, ide com ela, devotai-lhe tem po, deixai-vos envolver por ela, aplicai-a a vós m esm os, e fareis então “ a próxim a pergunta” . N ós, como agora somos, dividim os a consciência, e nessa divisão há m uitas fragm entações, m uitas subdivisões — de ordem intelectual, em ocional, etc.; e atribuir im portância a um dado fragm ento é neurose. Isso significa que, exagerando a im portância de um dado fragm ento, a m ente se to rn a incapaz de ver com clareza. P o r conseguinte, a ação de realçar um dado fragm ento cria confusão. E u vos estou pedindo que vejais por vós m esm o se há, ou não, fragm entação em vós. Essa frag­ m entação — se nela se dá realce a um fragm ento, a seus in te­ resses, seus problem as, desprezando-se os demais fragm entos — leva não só ao conflito, mas tam bém a grande confusão, p or­ que cada fragm ento quer m anifestar-se, salientar-se, e, se damos im portância a um só, os outros começam a pro testar, a clam ar. Esse clam or é confusão; e, desta confusão, provêm im pulsos neu­ róticos, desejos de preenchim ento, de “ vir a ser” , “ realizar-se” . IN T E R R O G A N T E : Às vezes, o que nos faz sofrer não é a coisa visível. Se um a pessoa hesita em atravessar um a praça, não é da praça que está com m edo. O u, se tem m edo da solidão, pode haver algum a coisa, no seu inconsciente, que está causando esse tem or. K R IS H N A M U R T I: Sim. A neurose é apenas um sintom a, a causa pode achar-se no inconsciente. É claro que assim pode ser, e provavelm ente é. D e que se tra ta então? V 4 IN T E R R O G A N T E : D e um a neurose. K R IS H N A M U R T I: Após term os com preendido toda a estru­ tura, poderem os passar à particularidade; mas, com eçar pela par­ ticularidade não nos leva a parte alguma. Percebeis que exa­ gerar a im portância de um fragm ento é um a form a de neurose? H á o fragm ento intelectual, o em ocional, o físico, o psicossom á­ tico; quase todos nós atribuím os im portância a um dado aspecto desses num erosos fragm entos. Dessa “ exageração” , dessa desar­ m onia, surgem outros fatores de desarm onia. Q uando, por exem plo, digo “ Tenho m edo de atravessar a ru a ” ou “ tenho m edo do escuro” , a explicação pode ser que em m inha infância m inha m ãe não me tratou convenientem ente ( * ) . O ra, o que se pergunta não é “ P orque não posso atravessar a ru a ? ” —• pergunta a que podem os responder, sem necessidade de recorrer ao analista, se com preendem os a fragm entação da consciência. Q uando se com preende essa fragm entação, nunca se torna existente o problem a “ de atravessar a ru a ” . Estam o-nos entendendo bem ? Q uando vemos o todo, a im ensidade, desaparece o menos im portante. M as, se continuam os a dar im portância ao m enos im portante, este começa a criar seus pe­ culiares “ problem azinhos” . IN T E R R O G A N T E : M as, quando falais sobre a im portância de ver a totalidade da consciência, que significa esse “ v er” ? P or exem plo, às vezes sei um a coisa, mas não vejo como a sei. K R IS H N A M U R T I: Não, senhor, percebei o que estou dizendo. E stais escutando to ta l m e n te o m ovim ento daquele rio? F a zei-o , senhor! Não especuleis. E scutai o rio, e “ vede” se estais escutando com pletam ente, sem fazerdes m ovim ento algum, em nenhum a direção. E , tendo-o escutado, que dizeis? IN T E R R O G A N T E : nisso. O reconhecim ento não tem participação K R IS H N A M U R T I: E xatam ente. O reconhecim ento não tem nenhum a participação. Não dizeis “ Aquilo é o rio e eu o estou (* ) K rishnam urti se refere, talvez, ao sistem a de certos pais igno­ rantes, de castigar as crianças, prendendo-as num quarto escuro, e ameaça­ das freqüente m ente com o “ quarto escuro” . (N . do T .) escutando” . Tam pouco estais v ó s , como entidade separada, escutando o rio; só há o estado de “ escutar o som ” . Não dizeis “ Sei que aquilo é um rio ” . Agora, voltem os; precisam os pene­ trar bem nisto. Cam inhem os juntos. IN T E R R O G A N T E : D ar relevo ao fragm ento é a essência da neurose ou é o sintom a? K R IS H N A M U R T I: É a própria essência e o sintom a. IN T E R R O G A N T E : Ser intelectual é a essência e é o sintom a? K R IS H N A M U R T I: N ão achais que é? V ede senhor, dou toda a im portância à m inha capacidade intelectual. Considero-a m ara­ vilhosa. Venço qualquer um num a argum entação. Li m uito e sou capaz de correlatar tudo o que li. Escrevo livros geniais. Não é esta a própria causa e o sintom a de m inha neurose? IN T E R R O G A N T E : Parece ser o sintom a de um a agitação mais profunda. K R IS H N A M U R T I: De fato? Dizeis que é um sintom a, e não a causa. E eu digo: vejamos! E stá a m ente inteira, não divi­ dida e, por conseguinte, a causa e o efeito são idênticos? Vede, senhor: O que era causa se to rn a efeito, e o efeito se to m a a causa do próxim o m ovim ento; não há dem arcação precisa entre a causa e o efeito. O que ontem foi causa se tornou efeito hoje, e o efeito de hoje se torna a causa de am anhã. É um m ovi­ m ento, um a cadeia contínua. IN T E R R O G A N T E : M as, não é essencial ver o processo todo inteiro, e não apenas causa e efeito? K R IS H N A M U R T I: É o que estam os fazendo; isso, porém , não é possível se damos mais im portância ao aspecto intelectual, ao aspecto em ocional, ao físico, ao espiritual, e assim por diante. O que pergunto, pois — e esta foi m inha prim eira per­ gunta — é: P orque dividim os a m ente? Essa divisão é artifi­ cial, ou necessária? É ela sim plesm ente um a invenção dos espe­ cialistas, à qual nos escravizamos, a qual aceitam os com a m esm a facilidade com que aceitam os tantas outras coisas? Dizem os: “ G randes hom ens dizem isto ” — e engulim os o que eles dizem e ficamos a repeti-lo. M as, quando vemos a fragm entação e a im portância que a ela se dá, e percebem os que dela surge toda a cadeia de causas e efeitos, e que ela é um a form a de neurose — então a m ente vê a totalidade do m ovim ento, sem nenhum a divisão. Pois bem , senhor; podeis vê-la? IN T E R R O G A N T E : Só se não há identificação com o fragm ento. K R IS H N A M U R T I: Sim. Se vos identificais com qualquer dos fragm entos, trata-se evidentem ente do mesm o processo. Q uer dizer, o “ processo” de estar identificado com um fragm ento, desprezando-se os dem ais, é um a form a de neurose, um a contra­ dição. Façamos agora a “ próxim a p erg u n ta” : Podeis identificarvos com o resto dos fragm entos? Vós, um fragm ento, identifi­ car-vos com todos os outros fragm entos? Percebeis os truques que estamos praticando nesta questão da identificação? IN T E R R O G A N T E : Só posso responder se estou identificado com um fragm ento; porque, então, sinto que estou incom ­ p leto . . . K R IS H N A M U R T I: E xatam ente. Sentis que estais incom pleto e, p o r conseguinte, tratais de identificar-vos com os outros frag­ m entos. O ra, quem é a entidade que está procurando identifi­ car-se com a m ultiplicidade? Ela é um dos fragm entos; por conseguinte, trata-se de um artifício. E ntendeis? Estam os sem­ pre dizendo: “ Preciso identificar-m e” . IN T E R R O G A N T E : Não é m elhor nos identificarm os com m ui­ tos fragm entos, para nos tornarm os mais com pletos? K R IS H N A M U R T I: Não, não é m elhor. O ra, senhor, prim eira­ m ente deixai-me explicar isso de novo. H á em m im m uitos fragm entos. Um dos fragm entos diz que identificar-m e com um só fragm ento causa confusão. Esse fragm ento põe-se a fazer esforços trem endos para identificar-se com os outros frag­ m entos. Assim , digo: “ Identificar-m e-ei com os outros fragm en­ to s” . Q uem é essa entidade que tenta identificar-se com os outros fragm entos? É tam bém um fragm ento, não achais? P or conseguinte, ela está iludindo a si própria. Isto é tão simples! Bem, continuem os; há tanto que considerar, e ainda não saímos da superfície. Vem os que não há nenhum a divisão real. Isso eu vejo não verbalm ente. Percebo que o observador é um fragm ento 157 que se separa dos restantes fragm entos para observá-los. Nessa observação, há um a divisão: observador e coisa observada; e há conflito, há confusão. Q uando a m ente percebe essa frag­ m entação e a futilidade de dividir-se a si própria, pode então ver o m ovim ento total. Se não o vedes, não podeis fazer “ a p ró ­ xim a p erg u n ta” , ou seja: Q ue existe além do consciente? O u abaixo, acima, ao lado? — conform e preferirdes. Assim , se tendes m uito interesse, cabe-vos descobrir o que E ntendeis esta pergunta? E u estou trabalhando sozinho! Senhor, tendes de aprender tudo o que é necessário aprender a este respeito; e, aprendendo-o, podereis ajudar outros a aprender. P o rtan to , aprendei agora, pelo am or de Deus! E sta é vossa missão na vida! Estam os perguntando que coisa é essa que se chama “ consciência” ? Q uando é que dizeis “ E stou consciente” ? é a consciência, e quando é que estais consciente. IN T E R R O G A N T E : Q uando há pensam ento. K R IS H N A M U R T I: M ais para perto! IN T E R R O G A N T E : Q uando há dualidade. K R IS H N A M U R T I: O quê? Mais para perto! E stais indo para m uito mais longe! IN T E R R O G A N T E : Q uando estam os fragm entados. K R IS H N A M U R T I: Senhor, escutai: Q uando é que sabeis que estais consciente? Isto é tão difícil assim? IN T E R R O G A N T E : Q uando sofro. K R IS H N A M U R T I: Diz aquela senhora que estam os conscientes quando sofrem os, quando há conflito, quando tem os um pro ­ blem a, quando estam os resistindo; de contrário, a vida é um fluir m anso, igual, harm ônico. Se estais vivendo sem contra­ dição, tendes consciência disso? Tendes consciência de quando sois suprem am ente feliz? IN T E R R O G A N T E : Tenho. K R IS H N A M U R T I: Sim? IN T E R R O G A N T E : Q ue significa “ estar consciente” ? K R IS H N A M U R T I: Não tendes necessidade de m o perguntar: vós m esm o ireis descobri-lo. N o m om ento em que vos tornais consciente de que sois feliz, existe ainda felicidade? Ao dizerdes “ Como estou co n ten te!” — foi-se o contentam ento. Q uando estais contente, podeis dizê-lo? IN T E R R O G A N T E : Se estou consciente do contentam ento. K R IS H N A M U R T I: Q ue então já é “ passado” ! Só se pode estar consciente de um a coisa que passou, ou de um conflito, de um a dor, quando tem os percebim ento de estarm os confusos. Q ual­ quer perturbação que se verifica nesse m ovim ento é “ estar consciente” , e nossa vida toda inteira é um a perturbação contra a qual estam os resistindo. Se em vossa vida não houvesse nenhum a desarm onia, diríeis alguma vez “ estou consciente” ? Q uando seguis o vosso cam inho, sem nenhum a espécie de atrito , de resistência, de batalha, nunca dizeis “ eu existo” . Só quando dizeis “ E u serei” , “ E u sou” — só então estais cons­ ciente. IN T E R R O G A N T E : Esse estado a que vos referis não é o m es­ m o “ processo” de identificação com um a á r v o r e .. .? K R IS H N A M U R T I: N ão, senhor. E u já expliquei a identifica­ ção. Ao ver um a árvore, não a tom o p o r um a m ulher ou um a igreja: é um a árvore; isso não é identificação. Vede, senhor, descobrim os um a coisa, aprendem os um a coisa: Só há consciên­ cia quando há “ vir a ser” , ou no ten tar “ vir a ser” . “ V ir a ser” implica conflito: “ E u serei” . Q u er dizer, só existe conflito enquanto a m ente está presa ao verbo “ ser” . T oda a nossa cultura baseia-se nesta palavra “ ser” : “ Serei um hom em bem sucedido” , “ Sou um fracassado” , “ Preciso realizar alguma coisa im p o rtan te” , “ E ste m eu livro vai transform ar o m undo” . Estais-me seguindo? E nquanto há esse m ovim ento de “ vir a ser” , há conflito, e esse conflito torna a m ente “ consciente” . O u, diz-se “ Preciso ser bom ” , em vez de “ Serei b o m ” : s e r bom . Isso é tam bém um a form a de resistência: ser bom . “ Ser” e “ V ir a ser” são a m esm a coisa. IN T E R R O G A N T E : Pode-se estar consciente de um conflito? K R IS H N A M U R T I: Pode-se, decerto. De outro m odo, não seria possível “ estar consciente” . IN T E R R O G A N T E : Um a pessoa não pode estar tão envolvida em um conflito que não o percebe? 159 K R IS H N A M U R T I: D ecerto; isso é um a form a de neurose. Senhor, já visitastes alguma vez urn hospital de alienados — qualquer de vós? E u estive num deles — não como doente, porém em com panhia de um analista — e todos os doentes — do andar m ais alto, onde são confinados os mais violentos, ao andar mais baixo, onde se acham os mais ou m enos m ansos — todos se achavam em conflito ( elevado ao grau de “ exageração” , bem e n ten d id o ). A diferença é só que eles estão “ lá d en tro ” , e nós “ cá fora” . IN T E R R O G A N T E : E stou tentando distinguir entre “ consciên­ cia” e “ percebim ento ” . K R IS H N A M U R T I: É a m esm a coisa. “ P ercebim ento” implica que se está consciente da divisão. Q uando se está consciente sem haver divisão e escolha, isso significa que a m ente não está presa do m ovim ento de “ vir a ser” ou de “ ser” . E n ten ­ destes? O m ovim ento da consciência é, todo ele, no sentido de “ vir a ser” ou de “ ser” : “ vir a ser fam oso” , “ vir a ser” um trabalhador social, ú til ao m undo. Após observar a fragm en­ tação, após observar o m ovim ento total da consciência, desco­ bre-se que todo esse m ovim ento se baseia nisto: “ vir a ser” ou “ ser” . Se aprendestes isto, senhor — e não sim plesm ente concor­ dastes comigo — podeis fazer agora um a pergunta inteiram ente diferente: Q ue existe além do m ovim ento de “ vir a ser” e de “ ser” ? Vós não estais fazendo esta pergunta, mas eu a faço. Vós a com preendeis, senhor? O lhando este problem a da cons­ ciência, tan to do ponto de vista analítico com o do filosófico, percebi que a divisão foi criada pelo “ vir a ser” ou “ ser” . Q uero “ ser hin d u ísta” , porque isso não só me prom ete vanta­ gens m ateriais, mas tam bém progresso espiritual. Se rejeito o hinduísm o, quero “ ser o utra coisa” , “ ser eu m esm o” , identifi­ car-me comigo m esm o. Aí temos idêntico processo, mais um a vez. Assim , observo, vejo que o m ovim ento total da consciência é esse m ovim ento de “ ser” ou “ vir a ser” alguma coisa, ou “ não ser” ou “ não vir a ser” . O ra, como vejo esse m ovim ento? Vejo-o como coisa exterior a m im , ou vejo-o sem o centro que, como “ e u ” , observa o “ vir a ser” e o “ não vir a ser” ? Com ­ preendeis esta pergunta? Não, parece-me que não. 160 Percebo que a consciência total é esse m ovim ento. D izendo “ Percebo-o’', significa isso que o percebo como um a coisa exis­ tente fora de m im , qual um quadro pendente da parede ou exposto à m inha frente? O u vejo esse m ovim ento como parte de “ m im ” , como m inha própria essência? Vejo esse m ovim ento de um centro? O u vejo-o sem esse centro? Se o vejo de um centro, esse centro é o “ ego” , o “ e u ” , que constitui a essência m esm a da fragm entação. P or conseguinte, quando há obser­ vação por p arte do centro, só estou observando o m ovim ento como um fragm ento, com o coisa exterior a m im , a qual preciso com preender, “ agarrar” , com ela lu tar, etc. M as, se nenhum centro há, isto é, nenhum “ eu ” , porém apenas um o b s e rv a r de todo esse m ovim ento, esse observar conduzirá à “ próxim a p er­ g unta” . Assim , qual das duas coisas estais fazendo? Vede, por favor, que não estam os fazendo “ terapia em grupo” , que isto não é um entretenim ento de “ fim de sem ana” , que não estam os aprendendo de alguém alguma coisa — “ como tornar-se sensível” , ou “ como aprender a viver criadoram ente” . Deixai de lado tudo isso. Estam os em penhados num trabalho difícil, num a investigação profunda. O ra, como estais obser­ vando? Se não se com preende esta questão, a vida se torna um a to rtu ra, um cam po de batalha. Nesse cam po de batalha, desejais aperfeiçoar a artilharia, ou prom over a fraternidade —m antendo-vos, en tretan to , em vosso isolam ento. H á quanto tem po vimos fazendo este jogo! Assim , se sois verdadeira e profundam ente s é rio , deveis responder a esta pergunta: E stais observando o m ovim ento total da consciência como um a enti­ dade exterior, sem nenhum a relação com a coisa que estais observando? O u estais observando sem nenhum centro? E , quando se observa dessa m aneira, que sucede? Podem os fazer um a pequena digressão? Todos vós sonhais m uito, não é verdade? Já perguntastes porque sonhais? — não “ como in terp retar os sonhos?” , que é um a pergunta im per­ tinente, a que m ais adiante responderem os. M as, já alguma vez fizestes a pergunta p ertinente, ou seja: P o r que razão so­ nham os? IN T E R R O G A N T E : P orque nos acham os em conflito. K R IS H N A M U R T I: N ão, senhor, não respondais precipitada­ m ente; “ olhai” a pergunta. P orque sonhais? A “ próxim a per- 8 161 g u n ta ” é: É possível um sono sem sonhos? N ão digais “ sim ” , senhor. T odos vós sonhais; que são esses sonhos, e porque sonhais? O s sonhos, como já dissem os, são o m ovim ento de continuação da atividade diurna, sim bolizado, disposto em diferentes cate­ gorias, porém o m esm o m ovim ento. Não é exato isto? Não concordeis, nem discordeis; averiguai isso. É tao óbvio! Se os sonhos são um m ovim ento de continuação da atividade diurna, que sucede ao cérebro quando há essa atividade incessante, esse barulho constante? IN T E R R O G A N T E : Não pode descansar. K R IS H N A M U R T I: Q ue lhe sucede? IN T E R R O G A N T E : Esgota-se, gasta-se. K R IS H N A M U R T I: Ele se gasta. N unca tem descanso. N unca vê nada novo. Não rejuvenesce. T udo isso está im plicado quando há um contínuo m ovim ento, um a continua atividade diurna, a qual prossegue, no cérebro, durante o sono. N o estado de sono, pode-se prever algum acontecim ento fu tu ro , porque há então um pouco mais de sensibilidade, um pouco mais de percepção, etc.; m as, trata-se do mesmo m ovim ento. O ra, pode esse m ovim ento que se verifica durante o dia, term inar com o dia, não ser transportado para o sono? Isto é, ao irdes para a cama, estar inteiram ente term inado? N ão respondais já a esta pergunta. Nós vam os examiná-la. Ao vos recolherdes ao leito, não costum ais “ fazer um b a­ lanço” de tudo o que fizestes durante o dia, ou sim plesm ente vos “ jogais na cama e ferrais no sono?” Não costum ais passar em revista o dia, dizendo “ isto devia ter sido feito ” ou “ isto não devia ter sido feito ” ? — perguntando a vós m esm o a signi­ ficação d is to ou d a q u ilo ? Fazer esse balanço significa “ pô r as coisas em ordem ” . O cérebro necessita de ordem , para fu n ­ cionar eficientem ente. Se sonhais, isto é, se o m ovim ento das atividades do dia prossegue em vosso sono, não pode haver ordem . Com o o cérebro necessita de ordem , ele a produz, instin­ tivam ente, enquanto dorm is. D espertais um pouco m ais revigo­ rado, porque tendes um pouco mais de ordem . O cérebro não pode funcionar eficientem ente se há qualquer form a de conflito, qualquer form a de desordem . 162 IN T E R R O G A N T E : N ão existem outras espécies de sonhos, nos quais são transm itidas comunicações de diferente natureza? K R IS H N A M U R T Í: Em prim eiro lugar com preendei o que é “ o rdem ” . O m ovim ento da vida diária prossegue no decurso do sono, porque nesse m ovim ento diário há contradição, há desordem , desarm onia. E , durante o sono, p or m eio dos sonhos e diferentes form as de “ não sonhar” , o cérebro trata de estabebelecer a ordem em seu próprio caos. Se “ fazeis ordem ” durante o dia, o cérebro não tem necessidade de “ pôr as coisas em ordem ” durante o sono. V ede quanto isso é im portante. P o r conse­ guinte, o cérebro fica em repouso, quieto, revigorando-se, reno­ vando-se. N ão sei se já notastes, quando tendes um problem a, como passais o dia a refletir nele, e com ele continuais a preo­ cupar-vos durante a noite; na m anhã seguinte, despertais, can­ sado do problem a, mas continuais pelo dia a fora a atorm entar-vos com ele, tal como um cachorro a roer um osso. Nesse trabalho ficais em penhado o dia inteiro, até à hora de irdes de novo para a cama. Afinal, o cérebro esgota-se de todo e, então, nesse estado de exaustão, podeis ver algo novo. O que querem os dizer é coisa m uito diferente: Ponde fim ao problem a logo ao surgir. Não o transporteis para o dia se­ guinte, nem para o m inuto seguinte: acabai com ele! Alguém vos insultou, vos ofendeu — dai-o p or acabado! Alguém vos enganou, disse-vos coisas desam áveis: v e d e isso e não o leveis para a frente, não o ponhais às costas como um fardo. Acabai-o na m esma hora em que está sendo dito, e não depois. A desordem é um estado neurótico do cérebro, que acaba provocando um caso de doença m ental. “ O rd em ” significa term inar o problem a logo que surge, de m odo que o m ovi­ m ento do dia não prossiga durante a noite e não haja sonhos, porque fostes resolvendo tudo pelo cam inho. Não sei se p er­ cebeis a im portância disso. P orque, então, se pode fazer “ a próxim a p ergunta” : Q ue existe além de tudo isso? Dela trata­ rem os amanhã. 7 de agosto de 1970. 163 DIÁLOGO VI T oda ação procedente da consciência fragm entária pro­ duz confusão. O conteúdo da consciência controla a sua estru tu ra, o u esta é independente do seu co nteú­ do? P ode a consciência esvaziar-se de seu conteúdo? A rã que q uer saltar para fora do charco da consciên­ cia. O macaco preso no espaço da consciência lim i­ tada pelo centro: a atividade egocêntrica. Q u e é espa­ ço sem centro? Esclarecim ento — um estado m ental em que o macaco nunca está em ação. A atenção. O problem a da atenção e as interrupções causadas pelo macaco. N o apogeu da atenção, q u e acontece à estru tu ra integral do ente hum ano? K R IS H N A M U R T I: C ontinuem os de onde param os ontem , quan­ do estávam os considerando a natureza e estru tu ra da consciên­ cia. Sem dúvida, a fim de poder operar-se um a to tal m utação na m ente hum ana e, por conseguinte, na sociedade, é necessário considerar esta questão. Nela tem os de p en etrar profundam ente, para descobrir se existe alguma possibilidade de a consciência passar p or um a m etam orfose, um a com pleta m udança de si p ró ­ pria. P orque é evidente que todas as nossas ações, sérias ou levianas, superficiais ou profundas, resultam , originam -se dessa consciência. E, como dissem os, dentro dessa consciência exis­ tem num erosos fragm entos, cada um dos quais assume o predo­ m ínio, conform e as circunstâncias. Se não com preenderm os o conteúdo da consciência (e a possibilidade de o ultrapassarm os), toda ação, por mais significativa que seja, produzirá necessaria­ m ente confusão. Releva, pois, com preender bem claram ente a natureza fragm entária de nossa consciência -— o dar-se dem a­ siada atenção a um fragm ento, como o intelecto, um a crença, o 164 corpo, etc. Esses fragm entos que com põem a nossa consciência —• de onde em ana toda a ação — produzirão inevitavelm ente contradição e aflição. E stá claro isto, pelo menos verbalm ente? Não tem sentido dizerm os para nós m esmos que todos esses fragm entos devem ser reunidos ou “ integrados” , porque então aparece o problem a relativo a q u e m tem a possibilidade de in te­ grá-los, e, concom itantem ente, o esforço para operar a integração. Assim , deve haver um a m aneira de olhar todo esse conjunto de fragm entos com um a m ente não fragm entária. É esta a m atéria de que vamos tratar nesta m anhã. P ercebo que m inha m ente — que tam bém com preende o cérebro e todas as reações nervosas e psicológicas — percebo que a totalidade dessa consciência está fragm entada, fracionada, pela cultura em que vivem os, cultura criada pelas gerações pas­ sadas e continuada pela atual. E to d a ação, ou o predom ínio de um fragm ento sobre os outros, levará inevitavelm ente a um a enorm e confusão. D ar especial im portância à atividade social, a um a crença religiosa, a um conceito intelectual, à U topia, isso inevitavelm ente terá efeitos contraditórios e, por conseguinte, causará confusão. Assim , pergunta-se: “ H á um a ação que não seja fragm en­ tária e não possa contradizer outra ação que irá verificar-se daqui a um m in u to ? ” Vem os que o pensam ento desem penha um papel m uito im portante nessa consciência. O pensam ento não só é a reação do passado, mas tam bém a reação de todo o nosso sentir. Todas as nossas reações nervosas, esperanças, tem ores, prazeres, sofri­ m entos, estão nele contidos. Perguntam os, pois, se o conteúdo da consciência constitui a estru tu ra da consciência, ou se a consciência é indepedente dele. Se a consciência se constitui de m eus desesperos, m inhas ansiedades, tem ores, prazeres, m inhas inum eráveis esperanças, “ sentim entos de culpa” , e da vasta experiência do passado, então, nenhum a ação dela em anada poderá, em tem po algum, liber­ tar a consciência de suas lim itações. Não concordeis com o que estou dizendo, pois não estam os tratando de um a simples m atéria escolar. Tende a bondade de pôr-vos em com unhão comigo — isto é, trabalhar, observar em vós m esmo o que estou dizendo 165 — e, depois, poderem os ir m ais longe. P o r ora, estou falando à m aneira de introdução. M inha consciência é o resultado da cultura em que vivo. Essa cultura tem estim ulado e desestim ulado várias atividades, vários prazeres, tem ores, esperanças e crenças. Essa consciência constitui o “ eu” . T oda ação nascida dessa consciência condicio­ nada é, necessária e inevitavelm ente, fragm entaria e, po r conse­ guinte, contraditória, causadora de confusão. Se nascestes num m undo com unista, socialista, ou católico, vossa m ente está con­ dicionada p o r essa cultura, pelos padrões, valores, aspirações dessa sociedade. E toda ação oriunda dessa consciência não pode deixar de ser fragm entária. Não m e façais perguntas, p or enquanto; ficai observando a vós m esm o. Escutai, prim eiro o que o orador tem a dizer, sem introm eterdes vossas perguntas ou pensam entos. Após terdes ouvido tudo, sossegadam ente, podereis com eçar a fazer perguntas, podereis dizer “ E stais enga­ nado, estais certo ” , etc. M as, se ficardes a questionar m ental­ m ente o que se for dizendo, neste caso não estareis escutando, cessará a com unicação entre nós, não estarem os em com unhão. E , sendo extrem am ente com plexo e sutil o problem a que vamos considerar, deveis, previam ente, escutar. E stam os investigando o que é a consciência. É ela consti­ tuíd a das num erosas coisas que contém , ou é livre de seu conteúdo? Se é livre do conteúdo, então a ação resultante dessa liberdade não é ditada pelo conteúdo. Se não é livre, então o conteúdo dita toda a ação. Vam os agora “ aprender” sobre essa consciência. O bservando a m im m esm o, percebo que sou o resultado do passado, do presente, das esperanças que tenho para o futuro. T udo isso, e seus inúm eros fragm entos, constitui o palpitante conteúdo, a essência, da consciência; e toda ação nascida desse conteúdo não só será, necessariam ente, fragm entária, m as, dela, não virá liberdade. Pode, pois, essa consciência esvaziar-se e descobrir se existe um a consciência livre de onde prom ana um a ação inteiram ente nova? Estou-m e fazendo claro? O conteúdo da consciência é como um pequeno charco onde um a pequena rã está a fazer enorm e barulho. Essa rã diz: “ H ei de descobrir como sair deste charco” — e se está esfor­ 166 çando p or ultrapassar a si própria. M as, continua a ser um a ra aprisionada num charco. P ode esse charco esvaziar-se de to d o o seu conteúdo? M eu pequeno charco é a cultura em que vivo, e m eu pequenino “ eu” — a rã que m ora nesse charco — está a b atalhar contra essa cultura e a dizer “ Preciso sair daqui” . M as, ainda que consiga sair, continuará a ser um a insignificante ra, e o lugar para onde irá, não im porta qual seja, será ainda “ um pequeno charco” por ele próprio criado. V ede isto, por favor. A m ente percebe que toda atividade a que se entrega, ou a que é forçada, é um m ovim ento entre os lim ites da cons­ ciência e seu conteúdo. E m vista disso, que pode a m ente fazer? T erá ela algum a possibilidade de ultrapassar essa lim itada cons­ ciência? E sta é a prim eira questão. A segunda questão é: O pequeno charco onde m ora a rã poderá expandir-se e am pliar-se, mas o espaço que ela criar continuará dentro dos lim ites de um a certa dim ensão. Essa rã — ou, m elhor, esse macaco — é capaz de adquirir um a enorm e soma de conhecim entos, de ilustração e experiência. Esse saber e experiência poderão proporcionar-lhe um certo espaço para ele expandir-se; m as, no centro desse espaço, está sem pre o macaco. Assim , o espaço contido na consciência é sem pre lim itado pelo centro. Se existe um centro, a circunferência ou fronteira da consciência, p or mais que se dilate, é sem pre um lim ite. O tal macaco poderá m editar e seguir sistem as vários, mas será sem pre um m acaco. P o r conseguinte, o espaço que criar para si próprio será sem pre lim itado e superficial. E sta é a segunda questão. A gora, a terceira: Q ue é espaço sem centro? T ratem os de descobri-lo. IN T E R R O G A N T E : P ode essa consciência, com suas lim itações, transcender a si própria? K R IS H N A M U R T I: Pode o macaco, com suas intenções e aspi­ rações, sua vitalidade, libertar-se de seu condicionam ento e u ltra­ passar as fronteiras da consciência criadas po r ele? P o r outras palavras: P ode o “ eu” — o macaco — p o r m eio de atividades várias — m editação, repressão, ajustam ento, não ajustam ento — transcender a si próprio? Pode sua incessante atividade, seu m ovim ento, transportá-lo para fora de seus lim i­ 167 tes? Q u er dizer, pode o conteúdo da consciência, o esforço por p arte do m acaco, dar ao “ eu” a possibilidade de libertar-se do confinam ento no charco? Assim , pergunto: P ode o macaco quie­ tar-se com pletam ente, para ver a extensão de suas próprias fron­ teiras? E há algum a possibilidade de ultrapassá-las? IN T E R R O G A N T E : N o centro está sempre o macaco e, p or con­ seguinte, não há espaço vazio, não há espaço para a liberdade. K R IS H N A M U R T I: Senhor, notais, por vós m esm o, que estais sem pre a agir com base num centro? Esse centro pode ser um m otivo, esse centro pode ser o m edo, pode ser a ambição — estais sem pre a agir com base num centro, não? “ E u te am o” , “ E u te odeio ” , “ Q uero ser poderoso” ■ — toda a ação que conhe­ cemos parte de um centro. A inda que esse centro se identifique com a com unidade ou com um a filosofia, continua a ser o cen­ tro ; e a coisa com que ele se identificou se torna o centro. E stais cônscio de que esse m ovim ento se está sem pre verificando, ou há m om entos em que o centro está inativo? Isso acontece: repentinam ente, estam os observando, vivendo, sentindo, sem nenhum centro. E essa é um a dim ensão totalm ente diferente. M as, logo o pensam ento entra em ação, dizendo “ Com o foi m aravilhoso iss o , gostaria de continuar assim ” . E ntão, “ isso” se torna o centro. A lem brança de um a coisa sucedida há pou­ cos segundos torna-se o centro, graças ao pensam ento. Perce­ bem os o espaço que esse centro cria ao redor de si? — o iso­ lam ento, a resistência, as form as de fuga? E nquanto existir um centro, existirá o espaço p o r ele criado; e desejam os expan­ dir esse espaço, porque sentim os que a expansão do espaço é necessária para viverm os com am plitude. M as, nessa consciên­ cia expansível está sem pre o centro e, p or conseguinte, o espaço, po r mais que se dilate, será sem pre lim itado. O bservai a vós m esm o, não fiqueis apenas escutando; observai-vos e descobrireis m uito sim plesm ente essas coisas. E a batalha das relações se trava en tre dois centros, cada um deles querendo expandir-se, impor-se, dom inar — os macacos em plena atividade! P o rtan to , desejo a p re n d e r. D izendo “ Vejo isso m uito cla­ ram en te” , a m ente está aprendendo. Com o se torna existente aquele centro? É ele o resultado da sociedade, da cultura, ou é um centro divino — desculpai-me o uso desta palavra “ divino” 168 — o qual sem pre foi sufocado pela sociedade, pela cultura? Os hinduístas, e outros, chamam-no A t m a n , essa “ Coisa Sublim e” que tem os dentro em nós e que está sem pre sendo sufocada. P o r conseguinte, urge libertardes a m ente, para que ela deixe de ser sufocada, e a coisa real, o macaco real, possa sair. O centro, evidentem ente, é criado pela cultura em que vive­ m os, po r nossas m em órias e experiências condicionadas, por nos­ sa própria fragm entação. P or conseguinte, não é só a socie­ dade que cria o centro, mas tam bém o centro m ovim enta a si próprio. Pode esse centro ultrapassar as fronteiras que ele pró ­ prio criou? Pode esse centro, silenciando a si próprio, contro­ lando-se, m editando, seguindo um padrão, “ explodir” e “ ir além ” ? N ão pode, decerto. Q uanto mais ele se aiustar ao padrão, tan to mais fo rte se tornará, em bora im agine que se está libertando. “ E sclarecim ento” , por certo, é aquele estado m ental onde o macaco nunca está em ação. Com o poderá o macaco pôr fim a suas atividades? — não pela im itação, ou o ajustam ento, ou o dizer “ Fulano alcançou o esclarecim ento, vou aprender d ele” — tudo isso são artes do macaco. Percebe o macaco as m anhas que pratica consigo mesm o, dizendo: “ E stou disposto a ajudar a sociedade, a transform ar a sociedade, estou interessado nos valores sociais, no com porta­ m ento virtuoso, na justiça social” ? Respondei a isso, senhor! Não achais que tudo isso são m anhas que o macaco pratica con­ sigo m esm o? Isto é tão claro, que não há duvidar a seu res­ peito. Se não tendes certeza disso, senhor, então examinem o-lo, consideremo-lo juntos. IN T E R R O G A N T E : Às vezes, pareceis dizer que ajudar a socie­ dade, prestar serviços sociais, é beneficiar a outrem . M as, eu tenho o sentim ento de que não sou diferente da sociedade, e, assim, entregar-m e a trabalhos sociais é a mesma coisa que tra ­ balhar para m im m esmo: não faço distinção. K R IS H N A M U R T I: Mas, se não fazeis distinção —• não tenho nenhum a intenção de m enoscabar-vos, senhor! — pergunto-vos: O “ centro” continua existente? IN T E R R O G A N T E : Não devia continuar. K R IS H N A M U R T I: N ada de “ não devia” — porque então en tra­ mos num dom ínio m uito diferente — “ devia” , “ não devia” , 169 “ p o d ia” , “ não podia” — isto é, no dom ínio da teoria. O f a to é este: em bora eu reconheça que eu e a sociedade somos um a unidade, continua o centro, o “ e u ” , o m acaco, em ação? A prim eira questão é esta: Percebo que enquanto houver qualquer m ovim ento p o r p arte do macaco, esse m ovim ento levará inevitavelm ente a alguma espécie de fragm entação, ilusão e caos. E m palavras m ais simples: Esse centro — o “ e u ” , o egoísm o sem pre em atividade, ainda que eu seja “ divino” , esteja m uito interessado na sociedade e diga “ E u sou a sociedade” — esse centro está em ação? Se está, então a frase “ E u sou a sociedade” não tem sentido nenhum . A segunda questão é: Com o pode esse centro desaparecer? P o r m eio da determ inação, da vontade, de exercícios e várias form as neuróticas de com pulsão, dedicação, identificação? T odo m ovim ento dessa ordem é próprio do macaco; p o r conseguinte, a consciência e o espaço nela contido estão ainda ao alcance do macaco. Assim , diz a m ente: “ E stou vendo com toda a clareza” — “ vendo” , no sentido de estar percebendo a coisa, tal como se percebe este m icrofone, isto é, sem condenação: v e n d o , sim ples­ m ente. E , então, que acontece? P ara se ver um a coisa, escutar um a coisa, necessita-se de atenção com pleta, não? Se desejo com preender o que estais dizendo, preciso prestar-lhe toda a atenção. Nesse atenção está em atividade o m acaco? V erifi­ cai isso. Q uero escutar o que estais dizendo — que pode ser im por­ tante ou sem im portância — e para com preendê-lo preciso pres­ tar atenção; quer dizer, m inha m ente, m eu coração, m eus nervos, tudo deve pôr-se em perfeita harm onia, para prestar atenção — a m ente não separada do corpo, o coração não separado da m ente: um todo perfeitam ente harm ônico, atento. Isso é que é atenção. Pode a m ente p restar atenção com pleta às atividades do m acaco? — sem condená-las, sem dizer “ certo ” ou “ errad o ” ? —• estar sim plesm ente observando as m anhas do macaco? Nessa observação não há análise. Isso é realm ente im portante, senho­ res, “ cravai-lhe os dentes” . N o m om ento em que ela analisa isoladam ente um dos fragm entos, lá está o macaco em atividade! É, p o rtan to , a m ente capaz de observar dessa m aneira, com essa 170 atenção com pleta, todos os m ovim entos do macaco? Q ue sucede quando há atenção c o m p le ta ? Vós a estais prestando? Sabeis o que significa “ p restar atenção” ? Q uando estais inteiram ente atento àquele trem , não h á resistência contra ele, não há impaciência. O ra, quando se está escutando dessa m a­ neira, existe um centro e, nele, um macaco em atividade? V eri­ ficai-o, senhor, não espereis que eu diga nada, averiguai-o! E stais escutando este orador com to d a a atenção? — quer dizer, sem in terp retar o que ele está dizendo, sem concordar, nem dis­ cordar, sem com parar ou traduzir o que ele diz, para ajustá-lo a vossa própria m entalidade? H avendo qualquer atividade desse gênero, não há atenção. P restar toda a atenção significa que a m ente se pôs inteiram ente em silêncio para escutar. Estais fa­ zendo isso? E stais escutando o orador, agora, com essa atenção? Se estais, existe nela algum centro? IN T E R R O G A N T E : Estam os passivos. K R IS H N A M U R T I: N ão im porta se estais passivos ou ativos. P erguntei “ Estais escutando?” “ E scutar” significa “ estar aten­ to ” . E , nessa atenção, está em atividade o macaco? Não digais nem “ sim ” nem “ n ão ” : descobri, aprendei! E qual é a n atu ­ reza dessa atenção onde não há centro, com um macaco a fazer m anhas? IN T E R R O G A N T E : Nessa atenção a m ente está vazia de pensa­ m ento? K R IS H N A M U R T I: N ão sei, senhor. N ão a “ verbalizeis” , com expressões tais como “ sem pensam ento” , “ vazia” , etc. A pren­ dei, descobri (e isso requer um a atenção constante, e não um a atenção passageira) a natureza da m ente, quando nesse estado de atenção com pleta. IN T E R R O G A N T E : Ao dizerm os que a m ente não está presente, ela está presente. K R IS H N A M U R T I: N ão, senhor; se se diz que ela não está presente para a comunicação verbal, então está presente a m em ó­ ria. M as eu estou perguntando: Q uando estais com pletam ente atento, existe “ centro” ? O ra, isto é tão simples! Q uando estais assistindo a um a coisa verdadeiram ente diver­ tida, que vos faz rir, existe •algum centro? Se um a coisa vos 171 interessa, e não estais a “ tom ar p artid o s” , porém sim plesm ente observando, existe, nesse observar, algum centro, ou seja o macaco? Se não h á centro, a questão, então, é esta: Pode essa atenção fluir, m anter-se em m ovim ento — não apenas um m o­ m ento e depois desaparecer — porém* continuar a fluir, naturalm ente, suavem ente, sem esforço algum ? “ Esforço implica a presença do m acaco, o aparecim ento do macaco. Estais-m e acom ­ panhando? i 1R O macaco d e v e entrar em ação quando se trata de executar um certo trabalho. M as, nasce da atenção essa atividade do m acaco, ou é independente da atenção? I r para o escritório, trabalhar — isso é um m ovim ento da atenção ou é m ovim ento do macaco, que entra em ação e diz: “ Q uero ser m elhor que m eus colegas, ganhar m ais dinheiro, trabalhar mais, com petir, tornar-m e gerente, etc.” ? P enetrai isso, senhor. Q ual dos dois m ovim entos existe em vossa vida — o m ovim ento da atenção (p o r conseguinte, m uito mais eficaz), ou o m ovim ento do m a­ caco? Respondei a isso, senhor, po r vós mesm o. Se o macaco en tra em ação e faz algum a diabrura — e os macacos estão sem­ p re fazendo diabruras — pode essa diabrura ser apagada e não deixar m arca? C ontinuai a penetrar, senhores! N ão estais vendo a beleza que há nisso! O n tem alguém vos disse um a coisa inverídica. E n tro u em ação o macaco, dando-vos vontade de dizer “ Você é um m enti­ ro so !” ? O u o que houve foi o m ovim ento da atenção, no qual não está em atividade o m acaco? Se foi, então aquela inverdade não produz m arca nenhum a. Q uando o macaco reage, ela deixa m arca. Assim , pergunto: Pode essa atenção estar sem pre em m ovim ento? N ão, “ Com o m anter um a atenção co n tín u a?” — porque então é o macaco quem está perguntando. M as, quando existe sem pre o m ovim ento da atenção, a m ente acom panha, sim plesm ente, esse m ovim ento. Cabe-vos responder a esta pergunta: Pode a atenção estar sem pre em m ovim ento? Eis, com efeito, um a pergunta de vital im portância. N ós só conhecemos o m ovim ento do macaco, e só um a vez ou outra tem os a atenção em que o macaco absolu­ tam ente não aparece. M as, depois, o macaco diz: “ E u quero ter essa atenção” — e lá se vai ele para o Japão, aprender a m edi­ tar, ou para a ín d ia, sentar-se aos pés de alguém, etc. 172 Perguntam os: Esse m ovim ento da atenção não está em nenhum a relação com a consciência, tal como a conhecemos? N ão está, evidentem ente. Pode essa atenção, como m ovim ento, fluir, como fluem todos os m ovim entos? E se o macaco entra em ação, pode ele próprio tornar-se cônscio de estar em ação e, assim, não introm eter-se no m ovim ento da atenção? O ntem alguém m e insultou, e o macaco estava acordado para dar a resposta, m as, como se tornou cônscio de si próprio e de todas as conseqüências de suas m anhas, ele se quietou e deixou a atenção fluir. Não é questão de “ como m anter o m ovim ento” . Im porta perceber isso, porque, no m om ento em que se diz “ preciso m anter o m ovim ento” , isso é ação do macaco. M as, se o macaco sabe que está em atividade, então, a sensibi­ lidade própria desse percebim ento torna-o im ediatam ente quieto. IN T E R R O G A N T E : Nesse m ovim ento da atenção, não há in te­ resse egoísta; por conseguinte, não há resistência, nem desper­ dício de energia. K R IS H N A M U R T I: Senhor, atenção significa energia elevada ao mais alto grau, não é verdade? N a atenção, está concentrada toda a energia, não fragm entada. N o m om ento em que ela se fragm enta e começa a ação, então está em atividade o macaco. E quando o macaco — que tam bém está aprendendo e se tornou sensível, cônscio — percebe o desperdício de energia, logo se aquieta, naturalm ente. Não há, então, a um lado o macaco, e a outro lado a atenção; não há divisão entre o macaco e a atenção. Se há divisão, a atenção se torna “eu superior” . . . sabeis quantos artifícios os macacos inventaram . M as a atenção é um m ovim ento total, um a ação total, não oposta à atenção. Infelizm ente, o macaco tem tam bém vida própria e desperta. O ra, quando não há centro nenhum , isto é, no apogeu da atenção, podeis dizer-m e o que então acontece? Q ue aconteceu à m ente que está atenta em tão alto grau, sem o m ínim o desper­ dício de energia? Q ue sucedeu então? Dizei-o, senhores; não quero ficar falando o tem po todo! IN T E R R O G A N T E : H á silêncio total. cação. . . Não há auto-identifi­ K R IS H N A M U R T I: Não quero nenhum dos artifícios inventados pelo macaco! Q ue foi que sucedeu, não só ao intelecto, ao cére- b r o, mas tam bém ao corpo? M uito já falei, mas nao apren­ destes! Se este orador não voltar mais aqui, se m orrer, que acontecerá? Como ireis a p r e n d e r ? A prendereis de algum iogue? Nunca! P o rtan to , aprendei a g o r a ! Q ue foi que aconteceu à m ente que se tornou sobrem odo atenta, na qual se concentrou toda a energia ■ — que sucedeu ao intelecto? IN T E R R O G A N T E : Ele vê. K R IS H N A M U R T I: Não o sabeis! favor! Não façais conjecturas, por IN T E R R O G A N T E : E stá totalm ente quieto. K R IS H N A M U R T I: V ede, senhor — o cérebro, que esteve em atividade, a trabalhar, o cérebro que inventou o macaco — não se tornou esse cérebro altam ente sensível? Se não o sabeis, tende a bondade de não conjecturar. E há o vosso corpo: quando tendes aquela energia trem enda, não contam inada, não desper­ diçada, que sucedeu à totalidade do organism o, à inteira estru­ tura do ente hum ano? É o que vos pergunto. IN T E R R O G A N T E : D esperta, torna-se vivo, a p r e n d e ... K R IS H N A M U R T I: N ão, senhor. Ele precisa tornar-se vivo, para aprender; de contrário, não se pode aprender. Se dizeis “ Creio no m eu preconceito, gosto de meu preconceito, m eu con­ dicionam ento é m aravilhoso” — nesse caso estais dorm indo, não estais desperto. M as, no m om ento em que começais a questio­ nar, a aprender, estais começando a “ ficar vivo” . N ão é isso o que estou perguntando. Q ue foi que aconteceu ao corpo, ao cérebro? IN T E R R O G A N T E : H á com pleta ação recíproca, não há divisão, m as percebim ento total. K R IS H N A M U R T I: Senhor, se não estais a dissipar energia com frioleiras, que sucedeu ao m ecanism o do cérebro (pois ele é um a sim ples m áquina)? IN T E R R O G A N T E : E le está vivo. K R IS H N A M U R T I: T ende a bondade de observar-vos. P restai atenção a qualquer fato, com pletam ente, com vosso coração, vosso corpo, vossa m ente, com tudo o que tendes, cada partícula, cada célula — e vede o que acontece. 174 IN T E R R O G A N T E : Nesse m om ento a gente não existe. K R IS H N A M U R T I: Sim, senhor. M as, que aconteceu ao cére­ bro, não a v ó s ? Concordo que o “ centro” já não existe; mas existe o corpo, o cérebro. Q ue sucedeu ao cérebro? IN T E R R O G A N T E : Ficou em repouso, regenerando-se. K R IS H N A M U R T I: Q ual a função do cérebro? IN T E R R O G A N T E : O rdem . K R IS H N A M U R T I: Não repitais o que eu disse, pelo am or de Deus! Q ue é o cérebro? E le evolveu no tem po; é o reservatório da m em ória; é m atéria; acha-se em intensa atividade, reconhe­ cendo, protegendo-se, resistindo, pensando, não pensando, assus­ tado, buscando a segurança e, en tretan to , na incerteza; repleto de m em órias — não apenas a m em ória de ontem , mas séculos de m em ória, m em órias raciais, m em órias fam iliais, tradição. Todas essas m em órias estão nele contidas. O ra, que aconteceu a esse cérebro, naquela extraordinária atenção? IN T E R R O G A N T E : R e n o v o u -s e ... K R IS H N A M U R T I: N ão quero ser descortês — mas, está novo o vosso cérebro? O u apenas estais dizendo um a palavra? D i­ zei-me, po r favor, que sucedeu a esse cérebro tão m ecânico? Não digais que ele se tornou “ não m ecânico” . O cérebro é puram ente mecânico, reagindo sem pre de acordo com seu con­ dicionam ento, seu f u n d o ( b a c k g r o u n d ) , seus tem ores, seu pra­ zer, etc. Q ue acontece a esse cérebro m ecânico quando não há o m ínim o desperdício de energia? IN T E R R O G A N T E : Começa a tornar-se criador. ... K R IS H N A M U R T I: Deixem os isso para am anhã. 8 de agosto de 1970. 17d DIÁLOGO VII Recapitulação. A m ente necessita de ordem para fun­ cionar adequadam ente; o pensam ento tom a a segu­ rança p o r ordem . O macaco irrequieto não pode achar a segurança. D iferença entre estabilidade m en­ tal e segurança. A busca de segurança só produz fragm entação. A m ente em que não existe busca de segurança. “ N ão há segurança” . C om preender a si próprio é com preender o m ovim ento do pensam ento. N a m ente que está sobrem odo atenta não h á fragm en­ tação da energia. A com unicação não verbal. Como alcançar o estado que é in finito e atem poral e no qual “ o conceito do viver e do m orrer tem um signi­ ficado to talm ente diferente” . K R IS H N A M U R T I: N estas últim as semanas estivem os conside­ rando juntos inúm eros problem as concernentes a nossas vidas — os problem as que nós m esmos criamos e os que a sociedade nos cria. Vim os tam bém que nós e a sociedade não somos duas entidades diferentes, porém um m ovim ento de relações. Se qualquer pessoa está seriam ente interessada na sociedade e ati­ vam ente em penhada em alterar a sociedade — seus padrões, seus valores, sua m oralidade — mas não está cônscia de seu próprio condicionam ento, então esse condicionam ento p rodu­ zirá fragm entação na sua ação; po r conseguinte, haverá m ais conflito, mais aflição, mais confusão. T udo isso consideram os mais ou m enos cabalm ente. E stivem os tam bém considerando o que é o m edo, e se a m ente poderá em algum tem po livrar-se com pleta e totalm ente dessa carga — tanto superficialm ente como profundam ente. E exam inam os a natureza do prazer, coisa bem diferente da alegria, 176 tio deleite. Exam inam os, por igual, a questão dos inúm eros fragm entos que com põem nossa estrutura, nosso ser. Em nosso exame, vim os que esses fragm entos dividem e m antêm separa­ das todas as relações hum anas; e que um dado fragm ento assu­ m e a autoridade e se torna o analista, o censor dos outros fragm entos. O ntem , ao considerarm os a natureza da consciência, exa­ m inam os a questão da atenção. Dissem os que a atenção é um estado no qual toda a energia se acha altam ente concentrada; e que nessa atenção não existe observador, não existe “ cen tro ” que, como “ e u ” , está atento. Vamos agora, tdos nós, aprender, averiguar o que acon­ tece à m ente, ao cérebro, a todo o nosso ser psicossom ático, quando a m ente está intensam ente atenta. Para com preender­ mos isso com clareza, por nós m esm os, devemos prim eiro per­ ceber que a descrição não é a coisa descrita. Podem os descrever, em todas as suas m inúcias, este pavilhão, mas essa descrição não é o pavilhão. A palavra não é a coisa, e, desde o começo, deve ficar-nos perfeitam ente claro que a explicação não é a coisa explicada. Satisfazer-se com descrições, explicações, é a m aneira mais infantil de viver, e parece-me que a m aioria de nós assim vive. Satisfazemo-nos com a descrição, com a explicação, com o dizer-se “ Eis a causa” — e vam os flu tuando ao sabor da corrente. M as, o que nesta m anhã querem os fazer é descobrir p or nós m esmos o que acontece à m ente — sendo a m ente o cérebro e toda a estru tu ra psicossom ática — quando há essa atenção intensa em que não existe nenhum “ centro” como obser­ vador ou censor. Para com preender-se isso, aprendê-lo realm ente e não satisfazer-se, sim plesm ente, com a explicação dada pelo orador; para descobri-lo, tem-se de começar com a com preensão de “ o que é” . Não “ o que deveria ser” ou “ o que fo i” , mas “ o que é ” . Acom panhai-me. Viajem os juntos. É m uito interessante cam inhar juntos, aprendendo. E videntem ente, fazem-se neces­ sárias enorm es m udanças, no m undo e em nós m esm os. As tendências de nossos pensam entos e ações se tornaram de todo em todo infantis, contraditórias, diabólicas — se podem os em pre­ gar esta palavra. Inventa-se um a m áquina de m atar, e logo aparece um a “ antim áquina” para “ m atar” aquela m áquina. É 177 o que se está fazendo no m undo, não só no dom ínio social, mas tam bém na área m ecânica. E a m ente que está deveras interes­ sada, toda entranhada da im portância da m udança, tanto psico­ lógica como exterior, deve exam inar este problem a do ente hum ano e sua consciência, seus desesperos, seus tem ores, suas ambições, suas ansiedades, seu desejo dè preenchim ento desta ou daquela form a. Assim , para com preenderm os tudo isso, devem os começar vendo “ o que é ” . “ O que é ” não é apenas o que está à nossa frente, mas tam bém o que existe “ além ” . P ara verdes o que está à vossa frente, necessitais de percepção m uito clara, incontam inada, livre de preconceitos, não em polgada do desejo de transcendê-lo, mas sim plesm ente interessada em observá-lo; em observar não só “ o que é ” , mas tam bém “ o que fo i” — que é tam bém “ o que é ” . “ O que é ” ê o passado, é o presente, e ê o futuro. V ede bem isto! Assim , “ o que é ” não é estático, porém um m ovim ento. E , para acom panhar o m ovim ento de “ o que é ” , necessitais de um a m ente m uito clara, um a m ente sem preconceitos, sem deform ações. Isso significa que há defor­ mação sem pre que se faz algum esforço. A m ente não pode ver “ o que é ” e transcendê-lo, se de algum a m aneira está preo­ cupada em alterar “ o que é ” , ou em ultrapassá-lo, ou em re­ prim i-lo. P ara observar “ o que é ” , faz-se m ister energia. Para se observar qualquer coisa necessita-se de energia. P ara escutar o que estais dizendo, necessito de energia; isto é, preciso de ener­ gia quando desejo realm ente, a todo preço, com preender o que estais dizendo. M as, se não estou interessado, e escuto indife­ rentem ente, preciso apenas de um a fraca dose de energia, que depressa se dissipa. D estarte, para se com preender “ o que é ” , cum pre ter energia. O ra, os fragm entos de que somos com postos representam a divisão dessa energia. “ E u ” e “ N ão eu” , “ cólera” e “ não cólera” , “ violência” e “ não violência” — são fragm entos da energia. E quando um fragm ento assume autoridade sobre os demais fragm entos, a energia que funciona é fragm entária. Estam os em comunicação? “ E star em com unicação” significa estar aprendendo juntos, trabalhando juntos, criando juntos, vendo juntos, com preendendo juntos; não é apenas eu ficar falan­ do, e vós ficardes escutando e dizendo “ intelectualm ente com­ 178 p reen d o ” ; isso não é com preensão. “Com unicação” é um m ovi­ m ento em que se está aprendendo e, p or conseguinte, agindo. Vê, pois, a m ente que todos os fragm entos — m eu D eus, vosso D eus, m inha crença e vossa crença, representam fragm en­ tações da energia. A energia é fragm entada pelo pensam ento, e o pensam ento é o m ovim ento do condicionam ento, questão à qual não voltarem os agora, porque precisam os ir para diante. D este m odo, a consciência é a totalidade desses fragm entos de energia. E , como dissemos, um desses fragm entos é o obser­ vador, o “ e u ” — o m acaco, em incessante atividade. Tende sem pre em m ente que a descrição não é a coisa descrita, e que vos estais observando po r m eio das palavras do orador. Mas, as palavras não são a coisa e, po r conseguinte, o orador pouco im porta. O im portante é vossa observação de vós m esm o e de como a energia foi fragm entada. Podeis ver isso — ou seja “ o que é ” — livre do fragm ento representado pelo observador? Pode a m ente ver todos os fragm entos que com põem o todo da consciência? Esses fragm entos representam a divisão da ener­ gia. Pode a m ente vê-los, sem um observador que faz parte dos num erosos fragm entos? Im p o rta com preender isso. Se a m ente não é capaz de ver os inúm eros fragm entos sem ser pelos olhos de o u tro fragm ento, nesse caso jam ais com preendereis o que é atenção. Estam o-nos entendendo? A m ente vê os efeitos, tanto exteriores como interiores, da fragm entação. E xteriorm ente, os governos soberanos, com seus exércitos, seu racism o, etc.; divisão em nacionalidades, crenças, dogm as religiosos; divisão na ação social e política — T rabalhistas, C onservadores, Com unistas, Capitalistas. T udo isso foi criado pelo pensam ento, visando à segurança. Pensam os que, p or meio da fragm entação, terem os segurança, e esse pensam ento cria mais fragm entação. Percebeis isso? N ão verbalm ente, porém realm ente, como um fato? Jovens e velhos, ricos e po­ bres, vida e m orte — vedes essa constante divisão, esse m ovi­ m ento de fragm entação causado pelo pensam ento, que fica envol­ vido no condicionam ento resultante dessa fragm entação? Pode a m ente ver esse m ovim ento todo inteiro, sem haver um “ centro” a dizer: “ Vejo-o” ? P orque, se há esse centro, ele logo se torna um fator de divisão — “ e u ” e “ não e u ” — que sois vós. O pensam ento criou esse “ e u ” p o r causa do desejo ou do im pulso 179 a buscar segurança, proteção. E nesse desejo de encontrar a segurança dividiu a energia em “ e u ” e “ não e u ” , trazendo, assim, a si próprio, a insegurança. Pode a m ente ver isso como um a totalidade? N ão pode, se há algum fragm ento como obser­ vador. Já perguntam os: Q ual a natureza da m ente que se acha sum am ente atenta, na qual não existe nenhum a fragm entação? Foi aí que param os ontem . N ão sei se investigastes, ou apren­ destes, de ontem para hoje; este orador não é um professor que vos está ensinando, transm itindo conhecim entos. P ara des­ cobrir aquilo, não deve haver, naturalm ente, nenhum a fragm en­ tação, vale dizer, nenhum esforço. Esforço significa deform ação e, como a m ente de quase todos nós está deform ada, não tendes nenhum a possibilidade de com preender o que significa “ estar com pletam ente a ten to ” e de descobrir o que acontece à m ente que se acha totalm ente cônscia, atenta. H á diferença entre “ segurança” e “ estabilidade” . Dissem os que o macaco é esse “ e u ” perm anente, com seus pensam entos, seus problem as, ansiedades, tem ores, etc. Esse pensam ento, esse macaco irrequieto, está sem pre a buscar a segurança, porquanto tem m edo de errar em suas atividades, seus pensam entos, suas relações. E le quer que tudo seja m ecânico, garantido. Conseqüentem ente, traduz “ segurança” por “ precisão m ecânica” . É a estabilidade diferente da segurança — não digo seu “ oposto” , porém um a d im e n s ã o d i f e r e n t e ? Precisam os com preender isso. A m ente que está inquieta e a buscar segurança jam ais encon­ trará a estabilidade. Com o é belo ser estável ( “ firm e” não é a palavra ap ro p riad a), inabalável, inam ovível, e, contudo, capaz de infinita m obilidade! A m ente que busca segurança não pode ser estável — ser m óbil, ágil e, contudo, irrem ovível, qual um rochedo. Percebeis a diferença? Q ual das duas coisas está ocor­ rendo em vossa vida? E stá o pensam ento — o macaco irrequie­ to — a buscar a segurança e, não a encontrando num a direção, a buscá-la n o u tra direção? Nessa inquietação, ele q u er achar a segurança; por conseguinte, jamais a achará. P oderá dizer “ H á D eu s” — outra invenção do pensam ento, um a imagem criada através de séculos de condicionam ento. O u foi condicio­ 180 nado pelo m undo com unista, onde se diz “ Não há D eus” — tam bém condicionam ento. Assim , que estais vós fazendo? — • buscando segurança em vosso desassossego? O desejo de estar em segurança é um a coisa das mais curiosas. E essa segurança precisa ser aprovada pelo m undo. Escrevo um livro, e nele encontro m inha segurança. Mas esse livro precisa ser aprovado pelo m undo, do contrário não tenho segurança. V ede em que deu isso: M inha segurança na dependência da opinião do m undo! “ M eus livros estão sendo vendidos aos m ilhares” . Criei, pois, um valor: o m undo! Bus­ cando a segurança p o r meio de um livro —• ou do que quer que seja — estou na dependência do m undo p o r m im criado. E isso significa que estou constantem ente a enganar a m im m es­ m o. O h, se pudésseis ver isto! Assim, o desejo de segurança, po r parte do pensam ento, é o cam inho da incerteza, da insegu­ rança. Q uando há atenção com pleta, e nenhum centro, que sucede à m ente, nesse estado de intenso percebim ento? Existe nela segurança? E xiste nela a m ínim a inquietação? P o r favor, não concordeis comigo; m uito im porta descobrirdes isso. Com o sabeis, senhores, a m aioria de nós anda a buscar um a solução para as agonias do m undo, um a solução para a m orali­ dade social — que é im oral; a tentar descobrir um a m aneira de organizar um a sociedade em que não haja injustiça social. A tra­ vés dos séculos, o hom em sem pre buscou Deus, a Verdade — ou como se chame — sem jam ais encontrá-lo, porém sem pre crendo nele. M as, quando se crê em D eus, naturalm ente cada um tem experiências de acordo com sua crença — p ortanto, experiências falsas. Assim , na sua inquietação, no seu desejo de proteção, de segurança, de tranqüilidade, o hom em inventou todas essas garantias im aginárias, projetadas pelo pensam ento. Ao nos tornarm os cônscios dessa fragm entação da energia — que, p or conseguinte, deixa de ser fragm entária — que sucedeu na m ente que esteve buscando a segurança? E m sua inquietação, ela esteve a correr de um tem or para outro. Assim , que vos cabe fazer, qual a vossa resposta? IN T E R R O G A N T E : Já não estam os isolados, não há mais m edo. K R IS H N A M U R T I: Já consideram os isso, senhor. A m enos que isso esteja acontecendo realm ente convosco, não digais nada, 181 porque não tem sentido. Podeis inventar, podeis dizer “ Sinto-o” , mas, se sois verdadeiram ente s é r io , se desejais aprender, tendes de p en etrar fundo nesta questão. É vossa missão; é v o s sa v id a — e não apenas o espaço desta m anhã. Com o vistes, ao atravessarm os a aldeia, a cam inho do pavi­ lhão, toda gente estava indo para a igreja — religião de “ fim de sem ana” . M as, aqui, não há “ religião de fim de sem ana” . Estam os interessados num a “ m aneira de viver” na qual a ener­ gia não seja fracionada. Se chegásseis a com preender isso, teríeis um extraordinário “ senso de ação” . IN T E R R O G A N T E : Senhor, perguntando-se “ Q ue se pode fa­ z e r? ” , logo o macaco se põe em m ovim ento. “ D ispara-se” a pergunta, e a pergunta “ dispara” o macaco. K R IS H N A M U R T I: Só fiz a pergunta para ver onde estais. IN T E R R O G A N T E : Só um fragm ento está atuando. K R IS H N A M U R T I: Sim. Só um dos fragm entos daquela ener­ gia que foi fracionada está a buscar incansavelm ente a segu­ rança. Eis, justam ente, “ o que é ” . É isso que todos nós esta­ mos fazendo. Esse desassossego, essa constante busca e indaga­ ção, esse aderir a um grupo e depois ir procurar ou tro grupo — o macaco nunca pára — tu d o isso indica que a m ente anda em busca de um a m aneira de vida na qual só a segurança lhe interessa. O ra, quando se percebe isso bem claram ente, que aconte­ ceu à m ente — já não interessada na segurança? O bviam ente, ela não tem m edo. A segurança se torna um a coisa m uito trivial quando se vê que o pensam ento fragm entou a energia, ou fragm entou a si próprio, e que, po r causa dessa fragm entação, existe m edo. E quando vemos a atividade fragm entária do pen­ sam ento, então, somos capazes de enfrentar o m edo, de agir. Assim , perguntam os: “ Q ue aconteceu à m ente que se tornou sobrem odo atenta? E xiste, nela, algum m ovim ento de busca? Tende a bondade de descobrir isso. IN T E R R O G A N T E : A atividade mecânica se detém de todo. K R IS H N A M U R T I: C om preendeis m inha pergunta? Q uando estais sum am ente atento, a m ente ainda está buscando experiên- 182 cia, buscando a com preensão de si própria, tentando ultrapassar a si própria, tentando descobrir o que é ação correta, o que é ação incorreta, buscando um a perm anência em que possa am pa­ rar-se — perm anência nas relações, na crença, ou em alguma conclusão? C ontinua a haver esse m ovim ento quando estam os com pletam ente cônscios? IN T E R R O G A N T E : A m ente já não busca nada. K R IS H N A M U R T I: Sabeis o que significa fazer um a asserção dessas com tanta facilidade? “ N ão buscar nada” — que signi­ fica isso? IN T E R R O G A N T E : E star a m ente p ro n ta para receber algo novo, algo que ela é incapaz de im aginar. K R IS H N A M U R T I: N ão, m inha senhora, vós não com preen­ destes. A m ente percebeu a atividade do macaco no seu desas­ sossego. Essa atividade — que é ainda energia — o pensam ento a fracionou, no seu desejo de achar um a segurança perm anente, um a certeza, um a garantia. Assim , dividiu ele o m undo em “ eu ” e “ não e u ” , “ n ós” e “ eles” , e busca a V erdade como m eio de segurança. O bservado isso, pergunto: E stá a m ente ainda a buscar o que quer que seja? Buscar im plica um estado de inquietação — não achei a segurança aqui, vou para lá e, não a encontrando, vou para acolá. IN T E R R O G A N T E : A m ente não está então interessada em buscar. K R IS H N A M U R T I: A m ente em que não há centro algum não se interessa em buscar. M as, está isso sucedendo em vós? IN T E R R O G A N T E : No m om ento em que estam os atentos, é isso o que sucede. K R IS H N A M U R T I: N ão digais isso, senhor! IN T E R R O G A N T E : Acontecem à m ente coisas de toda ordem quando ela pára de lutar. K R IS H N A M U R T I: Vistes algum a vez, ao dardes um passeio ou estando sentado em sossego, o que significa estar totalm ente vazio? — n ã o isolado, n ã o retirado, n ã o erguendo um m uro em 183 red o r de vós e vendo, depois, que não estais em relação com coisa algum a; não aludo a nada disso. Q uando a m ente está totalm ente vazia, isso não significa que ela ficou desm em oriada; as m em órias lá estão, pois sabeis o caminho de casa ou do escri­ tório. Refiro-m e ao vazio da m ente que fez deter-se o m ovi­ m ento de busca. IN T E R R O G A N T E : T udo é, e eu so u . Q ue é “ eu sou” ? Quem é esse “ e u ” que diz “ sou” ? O macaco? K R IS H N A M U R T I: T ende o cuidado de não repetir o que dis­ seram os propagandistas, o que disseram as religiões, o que dis­ seram os psicólogos. Q uem é que diz “ eu sou” ? — o italiano, o francês, o russo, o crente, o dogm a, os tem ores, o passado, o hom em que está sem pre a buscar, e aquele que busca e acha? O u aquele que se identificou com sua casa, seu m arido, seu di­ nheiro, seu nom e, sua fam ília? — palavras, palavras, palavras! Não; vós não percebeis isso. M as é o fato. Se percebeis que sois apenas um feixe de m em órias e de palavras, deixa de existir o irrequieto macaco. IN T E R R O G A N T E : Se a m ente está de todo vazia quando nos estam os dirigindo ao escritório, porque ir para o escritório? P o r­ que continuam os a fazê-lo? K R IS H N A M U R T I: Tendes de ganhar a vida, tendes de voltar a casa, tendes de sair deste pavilhão. IN T E R R O G A N T E : E ntão, a questão é seguram ente esta: Com o posso estar vazio, com a m em ória em funcionam ento? K R IS H N A M U R T I: O ra, senhor, vou dizer-vos um a coisa m uito sim ples: isso de segurança é um a coisa que não existe. Essa incansável busca de segurança parte do observador, do “ centro” , do macaco. E esse macaco irrequieto — ou seja o pensam ento — fragm entou o m undo e o pôs num a terrível desordem . Q uan­ ta aflição e agonia tem ele causado! E isso o pensam ento é incapaz de resolver; p o r mais inteligente, e sagaz, e eru dito, e capaz de funcionar eficientem ente, o pensam ento não tem ne­ nhum a possibilidade de pôr em ordem este caos. D eve haver um a m aneira de sair dele sem ser por meio do pensam ento. Desejo comunicar-vos que, nesse estado de atenção, nesse m ovi­ m ento da atenção, desapareceu todo senso de segurança, porque 184 há estabilidade. Essa estabilidade nada tem que ver, absoluta­ m ente, com a segurança. Q uando o pensam ento busca a segu­ rança, tem a idéia de que ela é algo de perm anente, irrem ovível e, po r conseguinte, ele se torna m ecânico. O pensam ento busca a segurança nas relações. Nessas relações, cria um a imagem. Essa imagem se torna “ o perm anente” e fragm enta as relações — vós tendes a vossa imagem , e eu tenho a m inha. Nessa imagem , o pensam ento se firm ou e identificou como “ a coisa perm anente” . E xteriorm ente, foi isso o que fizemos: vossa p átria, m inha pátria, etc. A bandonando tudo isso, abandonando-o, po r ter visto sua total futilidade e nocividade, a m ente o dá p or defini­ tivam ente acabado. E , então, que sucede na m ente para quem term inou de todo o conceito de segurança? Q ue sucede a essa m ente que, estando tão atenta, se tornou absolutam ente estável, de m odo que o pensam ento já não busca a segurança em form a nenhum a e percebe que essa coisa cham ada “ o perm anente” não existe? E u vos estou apontando os fatos; a descrição não é a coisa descrita. Vede que isto é m uito im portante. O cérebro evolveu com a idéia de se pôr em perfeita segurança. A m ente, o cérebro, deseja a segurança, porque, sem ela, não pode funcionar. Se não há ordem , o cérebro funcionará ilogicam ente, neuroticam ente, e por isso está sem pre a desejar a ordem , tendo dado à ordem o significado de “ segurança” . Se esse cérebro continua a funcionar, continuará a buscar a ordem p or m eio da segu­ rança. Assim , quando há atenção, está o cérebro ainda a buscar segurança? IN T E R R O G A N T E : Senhor, só há o presente. K R ISEIN A M U R TI: Senhor, estou procurando transm itir-vos um a coisa. Posso estar totalm ente enganado, posso estar dizendo asneiras. M as, a vós com pete descobrir, por vós m esm o, se estou dizendo asneiras. IN T E R R O G A N T E : T enho a im pressão de que, no m om ento em que estou atento, não estou buscando. Mas essa atenção pode cessar; então, estarei novam ente a buscar. K R IS H N A M U R T I: J a m a isl Esse é que é o ponto essencial. Se o pensam ento percebe que tal coisa — a perm anência — não 18.5 existe, ja m a is to m ará a buscá-la. Isto é, o cérebro, com suas m em órias relativas à segurança, e o cultivo que ele recebe num a sociedade baseada na segurança, com idéias e um a m oralidade baseadas na segurança, esse cérebro se tornou totalm ente vazio do m ovim ento de busca da segurança. Já algum a vez aprofundastes bem esta questão da m edita­ ção, qualquer de vós? A m editação não se interessa na m edi­ tação, m as, sim, no m editador. Percebeis a diferença? A m aioria de vós estais interessados na m editação, no que fazer para m editar, no como m editar “ passo p o r passo” , etc. M as, a questão não é esta, absolutam ente. O “ m editador” é a m edi­ tação. C om preender o “ m editador” é m editação. O ra, se exam inastes bem a questão da m editação, tereis visto que o “ m ed itad o r” precisa acabar, pela com preensão e não pela repressão ou o “ assassínio” do pensam ento. Q uer dizer, com preender a si próprio é com preender o m ovim ento do pensam ento — que é o m ovim ento do cérebro com suas m em ó­ rias — é com preender o m ovim ento do pensam ento, que está buscando a segurança, etc. O ra, pergunta o m editador: “ P ode esse cérebro tornar-se totalm ente q u ieto ? ” E isso significa: Pode o pensam ento estar com pletam ente quieto e, en tretan to , funcionar em razão dessa quietude, não considerada como um fim em si? Provavelm ente estais achando isto complicado demais, m as, em verdade, é m uito sim ples. Sabem os, pois, que na m ente de todo atenta não há frag­ m entação da energia. N otai bem : não há fragm entação da ener­ gia — a energia é to ta l. Essa energia está operando sem frag­ m entação quando vos dirigis ao escritório. IN T E R R O G A N T E : Talvez fosse possível alcançar-se um a com ­ preensão real, sem a ajuda da palavra; m ediante um a espécie de contato direto com a coisa que se deseja com preender. E , conseqüentem ente, não haveria necessidade de palavras, que são um a fuga. K R IS H N A M U R T I: Nisso é que está o busilis. Podeis estar em com unicação sem palavras — já que as palavras são em pecilhos? IN T E R R O G A N T E : Posso. 186 K R IS H N A M U R T I: Vede, senhor, posso com unicar-m e não ver­ balm ente convosco acerca da m ente que está toda atenta e, con­ tudo, é capaz de funcionar no m undo sem dividir em fragm entos a energia? Com preendestes esta pergunta? IN T E R R O G A N T E : C om preendi. K R IS H N A M U R T I: Pois bem ; posso comunicar-vos aquilo sem fazer uso da palavra? Com o sabeis que posso? Q ue coisas estais dizendo, todo vós! IN T E R R O G A N T E : Creio que podeis. K R IS H N A M U R T I: Vede, estivem os falando quase cinco sema­ nas seguidas, explicando as coisas, entrando em m inúcias, consa­ grando-lhes todo o nosso coração. E vós com preendestes — ainda que verbalm ente? E quereis com preender não verbal­ m ente! Isso é possível se vossa m ente está em contato com o orador com a m esm a intensidade, a m esm a paixão, e ao m esm o tem po, no m esm o nível. Assim, podeis estar em comunicação com ele. Estais? O ra, escutai aquele trem ! Sem palavras, estabeleceu-se comunicação entre nós, porque am bos estam os escutando o barulho do trem , no m esmo m om ento, com a m es­ ma intensidade, a m esma paixão. Só assim há comunicação direta. Estais atento com a m esm a intensidade e ao mesm o tem po que o orador? Não estais, decerto. Senhor, quando se­ gurais a m ão de outra pessoa, podeis fazê-lo p or simples hábito ou costum e. O u podeis segurar a m ão da o u tra pessoa e, entre am bos, estabelecer-se comunicação, sem se pronunciar um a só palavra, quando ambos se acham, nesse m om ento, no m esmo grau de intensidade. M as, nós não tem os “ intensidade” , nem paixão, nem interesse. IN T E R R O G A N T E : Não a todas as horas. K R IS H N A M U R T I: Não digais isso; nem p or um m inuto! IN T E R R O G A N T E : Como o sabeis? K R IS H N A M U R T I: E u não o sei. Se tendes essa intensidade, sabeis então o que significa estar vigilante, atento e, p o r conse­ guinte, já não estais buscando a segurança; por conseguinte, já não estais atuando ou pensando com base na fragm entação. 187 O lhai o que sucedeu a um a m ente que percorreu todo o caminho que estivem os percorrendo, todas as discussões e trocas de pala­ vras. Q ue aconteceu à m ente, à pessoa, que esteve realm ente escutando tudo? Em prim eiro lugar, essa pessoa se tornou sensível, não ape­ nas m entalm ente, mas tam bém fisicam ente. D eixou de fum ar, de beber, de tom ar drogas. E , ao falarm os sobre a questão da atenção, deveis ter visto que a m ente já não está em busca de nada, nem a afirm ar nada. Essa m ente é bastante m óbil e, contudo, perfeitam ente estável. Em virtude dessa estabilidade e sensibilidade, ela é capaz de agir sem dividir a vida ou a energia em fragm entos. Q ue descobre essa m ente, além da ação, da estabilidade? O hom em sem pre andou em busca de um a coisa que ele considera ser Deus, a V erdade; sem pre lutou para alcançá-la, por causa de seu m edo, de sua fraqueza, seu desespero e desordem . Buscou essa coisa, e pensou tê-la desco­ berto. E essa descoberta, ele tratou de organizá-la. C onseqüentem ente, o que é estável, altam ente m óbil, sensí­ vel, não busca nada; vê algo que nunca foi achado. Para essa m ente, o tem po deixou com pletam ente de existir — o que natu ­ ralm ente não significa que podem os perder o trem . Assim , um estado existe, que é atem poral e, por conseguinte, infinito. Se o alcançardes, vereis como é m aravilhoso. E u poderia descrevê-lo, mas a descrição não é a coisa descrita. Com pete-vos descobri-lo com o observar-vos; nenhum livro, nenhum in stru to r vo-lo pode m ostrar. Não dependais de ninguém . Não ingresseis em organizações espirituais. Cum pre-vos aprender tudo isso de vós m esm o. E , então, a m ente descobrirá coisas incríveis. M as, para tanto, não pode haver fragm entação, porém um a extraor­ dinária estabilidade, agilidade, m obilidade. Para essa m ente, não existe o tem po e, por conseguinte, o conceito relativo ao viver e ao m orrer tem um significado inteiram ente diferente. 9 de agosto de 1970. 188