BRASIL: TEMPO DE STREAMING BRASILEIRO
BRASIL: TEMPO DE STREAMING BRASILEIRO 1
Autoras:
Maria ImmacolataVassallo de Lopes (https://orcid.org/0000-0003-3477-1068)
Ligia Prezia Lemos (https://orcid.org/0000-0001-6977-2752)
Equipe:
Larissa Leda Rocha (https://orcid.org/0000-0002-6930-3435)
Mariana Lima (https://orcid.org/0000-0002-4010-9225)
Tissiana Pereira (https://orcid.org/0000-0002-1972-1348)
Lucas Martins Néia (https://orcid.org/0000-0003-1638-796X)
Andreza Almeida Santos (https://orcid.org/0000-0001-6628-8340)
Gabriela Torres (https://orcid.org/0000-0001-8296-816X)
Anderson Luiz Melo (https://orcid.org/0000-0003-3614-5976)
Introdução
No ano de 2019, em que a World Wide Web (www) fez 30 anos, a internet ainda
não se afirmou como um direito na “sociedade em rede” (Castells, 2009), e seu balanço
acena para a ampliação tanto de oportunidades quanto de ameaças.
Outro fato que marcou o ano foi a queda do rating como um fenômeno global
que desafia a indústria televisiva. Mudança de hábitos e busca de novos modelos de
negócio. A integração de plataformas e a geração de conteúdos de qualidade aparecem
como os pilares da transformação do audiovisual em todo o mundo. E as mudanças se
manifestam com um certo grau de diversidade, de acordo com as características
econômicas e culturais de cada sociedade, com processos mais ou menos disruptivos.
O que analisamos como tendência em anuários passados, podemos afirmar que
no contexto audiovisual no Brasil em 2019 se consolida cada vez mais como um mix de
produção e de consumo nas múltiplas plataformas, praticado no país principalmente
pela Globo, através de uma estratégia que combina, de maneira própria, a TV aberta, a
TV paga e o VoD, e que será descrita adiante. Parece ter assomado na indústria
audiovisual a consciência de ser este o momento para investir na transição dos hábitos
de consumo de conteúdos brasileiros, de integrar nesses hábitos novos formatos e novas
serialidades, experimentando vários segmentos além da TV aberta.
1. O contexto audiovisual no Brasil em 2019
1.1. A televisão aberta no Brasil
1
A equipe do Obitel Brasil agradece à Kantar Ibope Media, cujas informações gentilmente cedidas
possibilitaram a realização das análises apresentadas.
Obitel 2020
Atualmente, o sistema de televisão brasileiro é composto por sete redes
nacionais, cinco privadas e duas públicas. Em 2019, somente RedeTV! e Band não
produziram ficção nacional inédita.
Quadro 1. Emissoras nacionais de televisão aberta no Brasil
EMISSORAS PRIVADAS (5) EMISSORAS PÚBLICAS (2)
Globo
Record TV
TV Brasil
SBT
TV Cultura
Band
RedeTV!
TOTAL EMISSORAS = 7
Fonte: Obitel Brasil
Gráfico 1. Audiência e share de TV por emissora em 2019
Emissora
Globo
SBT
Record
Band
Rede TV!
TV Brasil
Outros2
Canais pagos
OCA3
TOTAL
Audiência Share
domiciliar (TLE)
12,72 36,01
5,39 15,27
4,99 14,14
1,17
3,31
0,56
1,59
0,27
0,76
0,15
0,43
6,36 18,00
0,82
2,32
_
32,43
Fonte: Kantar Ibope Media - 15 Mercados
A audiência domiciliar nacional de TV na faixa das 24 horas do dia teve queda
de 2,04 pontos em relação a 2018, passando de 34,47 para 32,43. A Globo segue líder,
mesmo com perda de 0,57 pontos (de 13,29 para 12,72). Em segundo lugar, se mantém
o SBT, que teve queda de 0,16 pontos (de 5,55 para 5,39). Record teve queda de 0,18
pontos (de 5,17 para 4,99), e Band, de 0,03 (de 1,20 para 1,17). Os demais canais
abertos (OCA) perderam 0,79 pontos (de 1,61 para 0,82). Por outro lado, RedeTV teve
aumento 0,04 pontos (de 0,52 para 0,56), TV Brasil de 0,04 (de 0,23 para 0,27) e Outros
de 0,02 (de 0,13 para 0,15). Os dados apontam para uma queda na audiência da TV
aberta, atualmente com 26,07 pontos.
A TV paga também apresentou queda de 0,41 pontos de audiência em relação a
2018 (de 6,77 para 6,36). Apesar disso, o conjunto de seus canais mantém a segunda
2
3
Outros: dados de Record News, TV Câmara, TV Justiça, TV Senado.
OCA: Outros Canais Abertos: emissoras abertas que não têm audiência publicada individualmente.
2
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
posição de audiência. Não é possível comparar esse índice aos dos canais abertos, uma
vez que se refere à soma das audiências de todos os canais de TV paga.
Quanto ao share domiciliar dos televisores ligados em canais de televisão (TLE)
– também conhecido como “audiência pura” da TV –, observamos uma queda de 1,61%
de audiência da Globo sobre o TLE de 2018 (de 37,62% para 36,01%), de 1,14% dos
canais pagos (de 19,14% para 18%), e de 2,23% para os demais canais abertos (OCA),
que passaram de 4,55% para 2,32%. As demais emissoras mantiveram-se estáveis –
suas oscilações no TLE para mais ou para menos não chegam a meio ponto.
Em relação à penetração dos meios 4, a audiência no ano caiu em 2,97% para
revistas, 2,95% para rádio, 2% para jornais, 1,91% para TV paga e 1,65% para cinema.
Porém, houve aumento de 3,46% para internet, que superou a TV aberta. Mídia
extensiva (+0,05%) e TV aberta (-0,08%) mantiveram-se estáveis, com pequenas
oscilações. A internet é atualmente o meio de maior audiência, com 86,12%, seguida
pela TV aberta, com 86,08%, e mídia extensiva, com 82,52%. Seguem, pela ordem,
rádio (58,50%), TV paga (37,50%), cinema (14,83%), jornais (11,96%) e revistas
(9,83).
Gráfico 2. Gêneros e horas transmitidos na programação de TV 5
Gêneros
transmitidos
Informação
Entretenimento
Religioso
Ficção
Esporte
Educativo
Político
Outros
Total
Horas de
exibição
32850,73
24702,00
13575,95
12493,35
3861,03
3559,20
4,30
14764,05
105810,6
%
31, 05
23, 34
12, 83
11, 81
3, 65
3, 36
0,004
13, 95
100
Fonte: Kantar Ibope Media - 15 Mercados
Informação e entretenimento tiveram aumento de exibição de 1,35% e 1,54%,
respectivamente, e seguiram como os gêneros mais transmitidos pela TV aberta. Juntos,
4
Índice de penetração dos meios de 2018 para 2019: TV aberta, 86,16% para 86,08%; mídia extensiva,
82,47% para 82,52%; internet, 82,66% para 86,12%; rádio, 61,45% para 58,80%; TV paga, 39,41% para
37,50%; jornais, 13,96% para 11,96%; cinema, 16,48% para 14,83%; e revistas, 12,8% para 9,83%. A
internet continua o meio de maior alta. Fonte: Target Group Index BR TG 2019 II.
5
Gêneros: Informação: debate, documentário, entrevista, jornalismo, reportagem; Entretenimento:
auditório, carros e motores, culinário, feminino, game show, humorístico, infantil, moda e beleza,
musical, premiação, reality show, show; Esporte: esporte, futebol; Ficção: filme, minissérie, novela, série;
Outros: não consta, rural, saúde, sorteio, televendas, viagem e turismo; Educativo; Político; Religioso.
3
Obitel 2020
somam 54,39% de toda programação. Ficção, que ocupava o terceiro lugar até 2018,
teve uma queda de 13,6% para 11,81%, passando para a quarta posição. Em terceiro
lugar agora está o gênero religioso, que teve crescimento de 2,83% (de 10% para
12,83%). A maior queda do ano ocorreu na categoria outros, que passou de 20% para
13,95 – baixa de 6,05%. Esporte teve queda de 0,75% (4,4% para 3,65%). E conteúdo
educativo teve um salto de 3,16% (de 0,2% para 3,36%), passando o conteúdo político,
agora em última posição.
1.2. TV paga
Em 2019, a TV paga perdeu aproximadamente 10% de seus assinantes6, no
quinto ano consecutivo de reduções. No ano anterior, a queda foi de 3%. Se em 2018
havia 17,5 milhões de assinantes, com uma perda de 550 mil; em dezembro de 2019
esse número caiu para 15,78 milhões, com perda de 1,72 milhão de assinantes. As
razões para queda tão expressiva segundo estudos anteriores do Obitel são: a
concorrência com serviços de acesso a conteúdo OTT que não dependem de horários e
grades e ainda são mais baratos; a implantação da TV digital, que oferece melhor
qualidade de som e imagem para os canais da TV aberta, anteriormente só acessíveis
por assinatura em determinadas localidades; a queda de poder aquisitivo da população
brasileira; e a pirataria de conteúdo via equipamentos facilmente encontrados no
mercado formal e informal. Assim, depois de uma significativa série histórica de
crescimento, a TV paga brasileira fecha 2019 com menos assinantes do que possuía em
2012.
Ficções na TV paga
No ano de 2019, 13 canais pagos exibiram ficção televisiva brasileira, um a
menos do que no ano anterior. Destes, quatro são nacionais e nove internacionais (foram
dez em 2018). Houve pequeno aumento no número de ficções inéditas - de 24 para 26.
Estas foram majoritariamente do gênero drama, com temas policiais, criminais, dois
biográficos, além de algumas ficções que abordaram questões existenciais, como vida,
morte, ética, casamento e relações interpessoais. Destacamos Pico da Neblina, sobre a
legalização da maconha, e Santos Dumont, sobre o “pai da aviação”, ambas da HBO.
Dentre as comédias, citamos o Porta dos Fundos7 com a produção Homens? para o
6
7
http://bit.ly/2x4tgjW
Porta dos Fundos é uma produtora de vídeos que possui o sexto maior canal brasileiro no YouTube.
4
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
Comedy Central, que após a estreia foi para a plataforma on-demand do canal e, em
seguida, passou para o catálogo do serviço de streaming Prime Video. Mencionamos,
ainda, a série do gênero terror Liberto, do canal nacional Prime Box Brasil, com
exorcismos e possessões; e o docudrama Em Nome da Justiça (AXN), com
dramatizações sobre casos de pessoas punidas por delitos que não cometeram.
1.3. Investimentos publicitários: na TV e na ficção
Os investimentos publicitários nos meios de comunicação aumentaram 7% em
relação ao ano anterior. Em 2019, os investimentos foram de R$ 160 bilhões, enquanto
2018 fechou com R$ 148 bilhões.
A distribuição de anunciantes também não apresenta grandes novidades, o setor
de Comércio lidera com R$ 15 bilhões de investimento. O setor Financeiro e Securitário
troca com Higiene Pessoal e Beleza, passando a ocupar a segunda posição, e este último
cai para terceiro. Em quarta e quinta colocações estão Serviços ao Consumidor e
Farmacêutico; Administração Pública e Social permanece em sexta posição.
1.4 Merchandising e merchandising social
Em 2019, a Globo investiu em ações e diferentes formatos comerciais em suas
tramas, flexibilizando regras em relação ao envolvimento de personagens da ficção e
marcas publicitárias. O destaque foi a telenovela A Dona do Pedaço em que, além da
continuidade do projeto “Casa de Novela”8, chamou atenção por seus novos tipos de
merchandising, que ampliaram a inclusão de ações publicitárias para além do âmbito
narrativo. A personagem digital influencer fez campanhas publicitárias tanto no
Instagram (com 2,5 milhões de seguidores) como nos intervalos comerciais da emissora.
Em relação ao merchandising social, a telenovela Órfãos da Terra (Globo, 2019)
abordou, no horário das 18h, a questão do refúgio e das diásporas forçadas. Veiculada
em um momento de projeção do tema por conta da guerra na Síria e do agravamento da
crise socioeconômica e política da Venezuela, a obra transmitiu uma mensagem em
favor dos direitos humanos e do reconhecimento da cidadania plena de refugiados e
migrantes (Néia & Santos, 2020).
8
Parceria entre a emissora e uma rede de varejo de móveis que oferecia possibilidade de compra de
móveis e itens da trama.
5
Obitel 2020
O unitário Juntos a Magia Acontece (Globo, 2019), primeira ficção a ter somente
atores negros como protagonistas, mesclou mensagem antirracismo a uma ação
comercial inédita de marca de refrigerante. A trama uniu merchandising e
merchandising social e apontou possíveis caminhos para os canais abertos diante da
diminuição de receitas.
1.5 Políticas de Comunicação
Alterações da Lei 12.485/2011 ganharam relevância no legislativo brasileiro. O
Projeto de Lei 3832/2019, em trâmite no Senado, altera o marco legal de TV por
assinatura e prevê, entre outras coisas, a eliminação de impedimentos à propriedade
cruzada nas empresas de distribuição e produção de conteúdo. A aprovação dessas
mudanças impactará os interesses de empresas como Globo, Claro e Oi9.
O ano também foi marcado por discussões sobre a regulação do VoD no país. O
Projeto de Lei do Senado 57/2018, que dispõe sobre a comunicação audiovisual sob
demanda, busca fazer com que empresas como Netflix, Amazon e Hulu se tornem
sujeitas às mesmas obrigações que marcas brasileiras. A proposta prevê ainda que se
priorizem títulos nacionais nos instrumentos de busca e seleção dessas fornecedoras,
com um percentual mínimo de exibição e destaque visual na tela.
O setor audiovisual brasileiro tem enfrentado instabilidades, cortes e incertezas
por conta da política federal de desprestígio do setor. A Agência Nacional do Cinema
(Ancine), principal fonte de financiamento de filmes para o setor público, além de
passar por ameaça de extinção ou de mudança de sede, congelou todos os seus
programas de incentivo. A paralisação nos processos de liberação dos recursos obsta
novos projetos e produções que já estavam em andamento10. O governo federal vetou
produções com temas ligados à diversidade de gênero e sexualidade, entre outros, e a
intenção é acompanhar de perto a agência e os filmes produzidos para impor “controles”
– eufemismo para censura.
1.6 Infraestrutura de conectividade digital e móvel
O Brasil segue ocupando o quarto lugar no ranking mundial em número de
usuários de internet11, com mais de 149 milhões de pessoas conectadas. O celular ainda
9
http://bit.ly/39UipX9
http://bit.ly/34s6zSP
11
Fonte: Relatório Digital 2019, We Are Social, Hootsuite. http://bit.ly/34kYuPO
10
6
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
é o principal meio de conexão. Os aplicativos de mensagens WhatsApp e Messenger
foram os mais utilizados em 2019, seguido das redes sociais Facebook, Instagram e
Twitter. Outros acessos foram assistir a vídeos ou ouvir música na internet, enviar emails, ler notícias on-line e, por último, buscar produtos e serviços12.
Segundo
a
Abrintel
(Associação
Brasileira
de
Infraestrutura
para
Telecomunicações) e a Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia
da Informação e Comunicação), a tecnologia 5G deverá operar comercialmente no
Brasil a partir de 2021. Para isto, há necessidade de ampliação expressiva do número de
antenas em todo o território nacional, o que inclui cobertura de regiões remotas e rurais.
1.7. Produtoras independentes
A Ancine contabiliza 8.719 produtoras independentes 13, um aumento de 3% em
comparação ao ano anterior. Em 2019, 28 produtoras se envolveram na realização de
65% (31) dos títulos nacionais de ficção televisiva que estrearam na TV aberta. Na TV
paga, 96% (25) das ficções brasileiras inéditas mobilizaram 23 produtoras
independentes, enquanto no VoD 87% (20) das produções nacionais aferidas pelo
monitoramento Obitel contaram com a participação de 17 produtoras.
Ao considerarmos o universo geral da ficção televisiva brasileira em 2019 – isto
é, a soma dos totais nacionais da TV aberta, da TV paga e do VoD, excluindo-se a
repetição de títulos que figuraram em mais de um destes setores –, temos um total de 84
produções. Destas, 77% (65) tiveram a participação de 51 produtoras independentes –
número 12% maior em comparação às 45 produtoras atuantes na área em 2018.
Mais uma vez a O2 Filmes encabeça a lista com maior número de ficções
televisivas realizadas no ano, com seis títulos. Casablanca, coprodutora de quatro
ficções da Record está em segundo lugar. Boutique Filmes, Gullane e Mixer dividem o
terceiro lugar, com três produções cada. Já a Conspiração Filmes, que em 2018 dividiu
o primeiro lugar com a O2, aparece na quarta colocação, ao lado de Fábrica, Giros
Filmes e Losbragas – cada uma responsável por duas ficções.
2. Análise do ano: a ficção de estreia nacional e ibero-americana
Tabela 1. Ficções exibidas em 2019 (nacionais e importadas; estreias e reprises;
coproduções)
12
13
http://bit.ly/2UTWCu9
Consulta feita à Ancine por meio de atendimento digital em jan. 2020.
7
Obitel 2020
TÍTULOS NACIONAIS INÉDITOS – 48
Globo – 26 títulos nacionais
1. 10 Segundos Para Vencer (minissérie)
2. A Dona do Pedaço (telenovela)
3. A Presepada (telefilme - estreia VoD)
4. Amor de Mãe (telenovela)
5. Aruanas (episódio de divulgação - estreia VoD)
6. Assédio (minissérie - estreia VoD)
7. Bom Sucesso (telenovela)
8. Carcereiros (série - estreia VoD) - 2ª temp.
9. Cine Holliúdy (série - estreia VoD)
10. Elis – Viver é Melhor que Sonhar (docudrama)
11. Éramos Seis (telenovela - estreia parcial VoD)
12. Espelho da Vida (telenovela)
13. Filhos da Pátria (série - estreia VoD) - 2ª temp.
14. Hebe (episódios de divulgação - estreia VoD)
15. Juntos a Magia Acontece (unitário)
16. Malhação – Toda Forma de Amar (soap opera estreia parcial VoD) - 27ª temp.
17. Malhação – Vidas Brasileiras (soap opera) - 26ª
temp.
18. O Sétimo Guardião (telenovela)
19. O Tempo Não Para (telenovela)
20. Órfãos da Terra (telenovela - estreia parcial VoD)
21. Se Eu Fechar os Olhos Agora (minissérie – estreia
VoD)
22. Segunda Chamada (série - estreia VoD)
23. Shippados (episódio de divulgação - estreia VoD)
24. Sob Pressão (série - estreia parcial VoD) - 3ª temp.
25. Treze Dias Longe do Sol – O Filme (telefilme)
26. Verão 90 (telenovela)
SBT – 3 títulos nacionais
46. A Garota da Moto (série) - 2ª temp.
47. A Garota da Moto – O Filme (telefilme)
48. As Aventuras de Poliana (telenovela)
TV Cultura – 9 títulos nacionais
27. Árvore dos Araújos (série)
28. Baile de Máscaras (série)
29. Crisálida (série)
30. Guateka (série)
31. Insustentáveis (série)
32. Lana & Carol (série)
33. Sou Amor (série)
34. Squat na Amazônia (série)
35. Super Família (série)
Record – 6 reprises
8. A Escrava Isaura (telenovela)
9. A Terra Prometida (telenovela)
10. Bela, a Feia (telenovela)
11. Caminhos do Coração (telenovela)
12. Essas Mulheres (telenovela)
13. O Rico e Lázaro (telenovela)
Record – 6 títulos nacionais
36. Amor Sem Igual (telenovela)
37. Jesus (telenovela)
38. Jezabel (telenovela)
39. O Figurante (unitário)
40. Terrores Urbanos (série - estreia VoD)
41. Topíssima (telenovela)
TV Brasil – 4 títulos nacionais
42. Contracapa (série)
43. Diário de Luli (série)
44. O Pantanal e Outros Bichos (série)
45. República do Peru (série) - 2ª temp.
TÍTULOS DE COPRODUÇÕES – 0
TÍTULOS IMPORTADOS INÉDITOS – 4
SBT – 3 títulos importados
1. A Que Não Podia Amar (telenovela - México)
2. A Rosa dos Milagres (série - México)
3. Milagres de Nossa Senhora (série - México)
Band – 1 título importado
4. Ouro Verde (telenovela – Portugal)
TÍTULOS DE REPRISES – 19
SBT – 7 reprises
1. A Dona (telenovela - México)
2. Abismo de Paixão (telenovela - México)
3. Carrossel (telenovela)
4. Chiquititas (telenovela)
5. Cúmplices de um Resgate (telenovela)
6. Meu Coração é Teu (telenovela - México)
7. Teresa (telenovela - México)
Globo – 5 reprises
14. A Grande Família (série)
15. Avenida Brasil (telenovela)
16. Belíssima (telenovela)
17. Cordel Encantado (telenovela)
18. Por Amor (telenovela)
Band – 1 reprise
19. Senhor dos Céus (série - EUA/México/Colômbia)
TOTAL DE TÍTULOS INÉDITOS: 52
TOTAL DE TÍTULOS DE REPRISES: 19
TOTAL GERAL DE TÍTULOS EXIBIDOS: 71
Fonte: Obitel Brasil
Em 2019, o Brasil registrou um aumento de 6,7% na quantidade de títulos
nacionais inéditos em comparação ao ano anterior: são 48 ficções contra 45 exibidas em
2018. As oscilações no número de ficções nacionais inéditas desde 2017 se devem
8
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
majoritariamente à exibição, por parte da TV Cultura e da TV Brasil, de obras
produzidas por meio dos editais PRODAV14 TVs Públicas, responsáveis pelo fomento à
produção audiovisual de conteúdos regionais que, disponibilizados para todas as
emissoras do campo público, têm nos dois canais a oportunidade de serem veiculados
em cadeia nacional.
Os canais privados permaneceram relativamente estáveis na produção de títulos:
Globo e Record apresentaram, cada, somente uma ficção nacional inédita a mais do que
no ano anterior, enquanto o SBT manteve a oferta de três títulos. Os números de
produções importadas e de reprises também não tiveram variações – registra-se apenas a
ausência de coproduções inéditas, com um título desta categoria no ano anterior. Sob
administração da nova gestão do governo federal, a TV Brasil teve uma redução na
oferta de ficções televisivas em 2019: quatro, contra 10 em 2018. Desta forma, a TV
Cultura, vinculada ao governo do estado de São Paulo, se tornou a principal janela
nacional de exibição do conteúdo independente: se em 2018 a emissora levou ao ar
somente dois títulos inéditos, em 2019 esse número subiu para nove.
Destacamos a diversidade observada no diálogo entre a TV aberta e o VoD
quanto à distribuição do conteúdo televisivo: 11 ficções – 23% do total de títulos
nacionais e inéditos – elegeram as plataformas de streaming como primeira janela
exibidora; destas, três tiveram apenas alguns episódios exibidos via broadcasting, sendo
disponibilizadas na íntegra somente em VoD. Salientamos, novamente, a estratégia de
ação da Globo em múltiplas plataformas, ao integrar TV aberta, TV paga e VoD.
Assim, quatro títulos da emissora ora privilegiaram a TV aberta, ora o Globoplay como
primeira janela no decorrer de suas exibições – dentre eles, Órfãos da Terra, primeira
telenovela nacional e inédita a ter a maior parte de seus capítulos (148 de 154) ofertada
primeiramente no ambiente digital.
Tabela 2. A ficção de estreia em 2019: países de origem
País
NACIONAL (total)
PAÍSES OBITEL (total)
Argentina
Brasil
Chile
Colômbia
Equador
Espanha
14
Títulos
%
48
4
0
48
0
0
0
0
92,3
7,7
0,0
92,3
0,0
0,0
0,0
0,0
Capítulos/
Episódios
2073
370
0
2073
0
0
0
0
%
84,9
15,1
0,0
84,9
0,0
0,0
0,0
0,0
Horas
%
1307:25
225:35
0:00
1307:25
0:00
0:00
0:00
0:00
85,3
14,7
0,0
85,3
0,0
0,0
0,0
0,0
Sigla para Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro.
9
Obitel 2020
EUA (produção hispânica)
México
Peru
Portugal
Uruguai
Venezuela
COPRODUÇÕES (total)
Coproduções brasileiras
Coproduções entre países Obitel
TOTAL GERAL
Fonte: Obitel Brasil
0
3
0
1
0
0
0
0
0
52
0,0
5,8
0,0
1,9
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
100,0
0
224
0
146
0
0
0
0
0
2443
0,0
9,1
0,0
6,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
100,0
0:00
146:56
0:00
78:39
0:00
0:00
0:00
0:00
0:00
1533:00
0,0
9,6
0,0
5,1
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
100,0
O número de capítulos/episódios das produções nacionais teve um aumento de
cerca de 4% com relação ao ano anterior – a quantidade de horas, contudo, só cresceu
0,6% em comparação a 2018, o que nos leva a inferir, dada a maior oferta no número de
ficções, que houve uma diminuição na duração dos capítulos/episódios.
Os quatro títulos ibero-americanos, mesma quantidade do ano passado, também
seguiram essa tendência: houve um aumento substancial de 34% na oferta de
capítulos/episódios, mas o número de horas registrou uma queda de 4%, o que levou o
número total de horas a uma oscilação de 3% para baixo. Destaque para a importação de
uma ficção de Portugal, a telenovela Ouro Verde, levada ao ar pela Band na faixa em
que a emissora vinha exibindo, desde 2015, produções turcas.
Tabela 3. Formatos da ficção nacional e ibero-americana
Nacionais
Títulos
% C/E %
H
14 29,2 1514 73,0 1045:35
Telenovela
20 41,6 263 12,7 119:50
Série
3
6,3
24
1,2
15:13
Minissérie
3
6,3
3
0,1
4:16
Telefilme
2
4,2
2
0,1
1:27
Unitário
1
2,1
4
0,2
2:26
Docudrama
5 10,3 263 12,7 118:38
Outros (soap opera etc.)
Total
48 100,0 2073 100,0 1307:25
Fonte: Obitel Brasil
Formatos
%
Títulos
80,0
2
9,1
2
1,2
0
0,3
0
0,1
0
0,2
0
9,1
0
100,0
4
Ibero-americanos
%
C/E
%
H
%
50,0 303 81,9 180:56 80,2
50,0
67 18,1 44:39 19,8
0,0
0
0,0
0:00
0,0
0,0
0
0,0
0:00
0,0
0,0
0
0,0
0:00
0,0
0,0
0
0,0
0:00
0,0
0,0
0
0,0
0:00
0,0
100,0 370 100,0 225:35 100,0
Pelo terceiro ano consecutivo, a oferta de séries foi maior que a de telenovelas.
Em 2019, os formatos de curta serialidade (séries, minisséries e um docudrama exibido
em capítulos) correspondem a 50% do total de ficções nacionais inéditas exibidas na TV
aberta. Desde 2015 não se via tamanha diversificação nos formatos das produções
10
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
brasileiras: como naquele ano, todas as categorias de formato da tabela foram
contempladas.
Ao contrário de 2018, quando a oferta de títulos ibero-americanos se resumiu a
telenovelas, em 2019 também foram importadas séries – a produção mexicana La Rosa
de Guadalupe (Televisa), exibida pelo SBT em duas temporadas com nomes diferentes
(A Rosa dos Milagres e Milagres de Nossa Senhora). Além disso, as duas telenovelas
levadas ao ar nesse ano apresentaram um total de 10% a mais de capítulos/episódios que
as quatro produções desse mesmo formato exibidas no ano anterior.
Tabela 4. Os dez títulos mais vistos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
País de
origem
Nº de
Faixa
da ideia Canal
cap./ep.
Título
Formato/gênero
Rating Share
horária
original
(em 2019)
/roteiro
A Dona do Pedaço
Brasil
Globo
Telenovela/Drama
161
Horário nobre 34,1
50,9
O Sétimo Guardião
Brasil
Globo
Telenovela/Drama fantástico
118
Horário nobre 28,1
43,0
Bom Sucesso
Brasil
Globo
Telenovela/Romance
134
Horário nobre 27,8
44,5
Amor de Mãe
Brasil
Globo
Telenovela/Drama
32
Horário nobre 26,4
43,7
Verão 90
Brasil
Globo
Telenovela/Comédia romântica
154
Horário nobre 25,6
40,1
O Tempo Não Para
Brasil
Globo
Telenovela/Comédia romântica
24
Horário nobre 22,4
38,8
Órfãos da Terra
Brasil
Globo
Telenovela/Drama
154
Tarde
21,7
36,2
Cine Holliúdy
Brasil
Globo
Série/Comédia
10
Horário nobre 21,2
35,5
Éramos Seis
Brasil
Globo
Telenovela/Drama
79
Tarde
20,4
37,1
Sob Pressão
Brasil
Globo
Série/Drama
14
Horário nobre 20,3
35,7
Total de produções: 10
Roteiros estrangeiros: 0
100%
0%
Fonte:Kantar Ibope Media-15 Mercados | Obitel Brasil
Apesar da predominância quantitativa das séries na produção nacional em 2019,
o formato telenovela ocupou as sete primeiras posições do top ten da TV aberta –
situação não observada pelo menos desde 2011, quando os seis títulos mais vistos
também foram telenovelas. Destaca-se, ainda, o retorno de uma série de comédia (Cine
Holliúdy) ao ranking – o que não ocorria desde 2014.
Na comparação com dados de anos anteriores, os índices de audiência tiveram
retração, voltando a patamares semelhantes aos de 2016, ano em que telenovelas das
18h e das 19h deram mais audiência que títulos exibidos às 21h. Como em 2015 –
quando as ficções do alto prime time da Globo enfrentaram a concorrência de Os Dez
Mandamentos (Record) –, somente um título registrou índice superior a 30 pontos (em
2018, foram quatro). É a primeira vez que títulos com média aproximada de 20 pontos
(caso de Éramos Seis e Sob Pressão) integram o top ten – até então, o título de menor
11
Obitel 2020
audiência a figurar na lista havia sido Além do Tempo (Globo, 2015), com 21,9 pontos.
Os números de share das quatro últimas colocadas no ranking, por sua vez, são os mais
baixos dentre os dez títulos mais vistos de toda a série histórica do Obitel.
Tabela 5. Perfil de audiência dos dez títulos mais vistos:
gênero, idade, nível socioeconômico
Títulos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
A Dona do Pedaço
O Sétimo Guardião
Bom Sucesso
Amor de Mãe
Verão 90
O Tempo Não Para
Órfãos da Terra
Cine Holliúdy
Éramos Seis
Sob Pressão
Títulos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Canal
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Globo
Canal
A Dona do Pedaço
Globo
O Sétimo Guardião
Globo
Bom Sucesso
Globo
Amor de Mãe
Globo
Verão 90
Globo
O Tempo Não Para
Globo
Órfãos da Terra
Globo
Cine Holliúdy
Globo
Éramos Seis
Globo
Sob Pressão
Globo
Fonte:Kantar Ibope Media-15 Mercados
Gênero %
Mulheres
Homens
61,8
38,2
61,2
38,8
65,1
34,9
62,7
37,3
64,3
35,7
65,1
34,9
65,9
34,1
59,8
40,2
66,8
33,2
62,2
37,8
4 a 11
5,3
4,5
5,8
5,3
5,4
4,7
5,4
5,5
5,5
5,4
12 a 17
4,8
4,3
5,1
4,9
4,9
4,7
4,9
5,4
5,2
5,8
Nível socioeconômico %
AB
C
DE
29,3
49,8
20,9
29,6
49,4
21,0
27,9
50,0
22,1
28,9
49,2
21,9
27,9
50,0
22,0
29,2
47,7
22,9
28,3
49,8
21,8
28,0
49,8
22,2
27,8
49,7
22,5
29,8
49,9
20,3
Faixa etária %
18 a 24
25 a 34
7,1
13,1
6,8
12,4
6,7
12,0
6,8
12,2
6,9
11,9
6,8
11,0
7,0
11,9
8,1
14,7
7,1
11,5
8,4
15,1
35 a 49
24,8
24,6
23,2
24,1
23,5
22,4
22,8
26,0
22,5
26,6
50+
44,9
47,5
47,1
46,7
47,3
50,4
48,0
40,3
48,2
38,6
As ficções prediletas do público masculino continuam a ser as telenovelas do
alto prime time e as séries componentes da chamada primeira linha de shows da Globo,
exibidas após as ficções das 21h – no caso, Cine Holliúdy e Sob Pressão. Essas duas
produções registram as maiores concentrações de telespectadores adolescentes, jovens e
adultos (12 a 49 anos). Já Bom Sucesso e Verão 90, telenovelas das 19h, têm metade de
seu público composta pela classe C, enquanto O Tempo Não Para (19h), Órfãos da
Terra e Éramos Seis (ambas das 18h), concentram as maiores porcentagens do público
acima de 50 anos. Todas as telenovelas das 19h apresentam as maiores porcentagens de
telespectadores das classes D e E.
3. Monitoramento VoD 2019
12
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
Neste segundo ano de monitoramento do VoD, permanece o objetivo de
reconhecer novas redes, janelas e conexões de distribuição do serviço no país, apesar da
opacidade e invisibilidade típicas do novo ambiente. Temos testemunhado uma
completa renovação dos modelos de televisão, o que reverbera na produção e
distribuição da ficção televisiva tanto em termos de formatos quanto de conteúdo e
modelos de negócios. Representantes de canais e produtoras independentes sublinham
que as formas como consumimos conteúdo romperam as regras que antes delimitavam
se o produto foi feito para TV aberta, TV paga, VoD ou cinema. Neste sentido, é
impossível não nos reportarmos às alterações das tecnicidades (Martín-Barbero, 2003)
para dar conta dessa dinâmica dos meios que propiciou novas operações técnicas,
perceptivas e estéticas.
3.1. O VoD no Brasil
Nos últimos cinco anos, o consumo de vídeo pela internet cresceu seis vezes a
mais do que pela TV. Enquanto bilheterias dos cinemas há oito anos vêm caindo e o
percentual de usuários da TV paga, desde 2015, encolhe gradativamente, o público do
VoD aumentou 165%15. A consolidação da tecnologia streaming em 2019 foi marcada
pela expansão de plataformas como Globoplay, Prime Video, HBOGo e pelo
surgimento de novas plataformas principalmente independentes ligadas ao setor de
telecomunicações, com destaque para a Apple TV+, lançada no Brasil em novembro.
Quadro 2 - O VoD no Brasil16
PLATAFORMAS
TOTAL
VoD vinculado a
cadeias de TV
aberta
Globoplay (da Globo), SBT Vídeos (do SBT), PlayPlus (da Record),
EBC Play (da TV Brasil), Sara Play (da TV Gênesis)
05
VoD vinculado a
cadeias de TV paga
AXN Play, +Bis, A&E play, Canal Sony, Cinemax GO, Cartoon
Network Go, Esporte Interativo Plus, FishTV, Fox Play, Globosat
Play, Premiere Play, Multishow Play, Sport TV Play, HBO GO,
Netmovies, NET Now, Planet Kids, History Play, Sky Online, Space
GO, Telecine On, TNT GO, WatchESPN, A&EBrasil (YouTube),
Sexy Hot Play, LifeTime (YouTube), CineBrasil Já, Combate Play,
Discovery KidsOn, Nickelodeon Play, NOGGIN, Tamanduá TV,
MaxGO, Canal Brasil (YouTube), Arte1 Play, BET Play, Box Brazil
Play, Cennarium, WatchESPN, Fox Sports, Comedy Central Brasil
41
15
http://glo.bo/2xheJBp
O quadro apresenta levantamento das novas redes, janelas e conexões de distribuição do serviço de
VoD no Brasil.
16
13
Obitel 2020
VoD vinculado a
empresas de
telecomunicação
Clarovideo, iTunesStore, Oi Play, Vivo Play, VID+, Brisa Play, NET
Now (Claro)
07
VoD sem vínculos
com cadeias de TV
Afroflix, Prime Video, Babidiboo.tv, Crackle, CrunchyRoll,
EnterPlay, Google Play, Libreflix, Looke, Microsoft Movies& TV,
Mubi, MyFrenchFilm Festival, NBA TV, Netflix, Oldflix, Philostv,
ScapCine, SmartVOD, Sony-VideoUnlimited, Univer, Vevo,
Videocamp, Vimeo, Xbox Video, YouTube, O2 Play, SOT TV, Dazn,
Esporte Interativo Plus, Petra Belas Artes, Apple TV, Box Brazil Play
32
TOTAL:
85
Fonte: Obitel Brasil
Além do acirramento de competitividade no setor de VoD, cresceu em 44% o
número de usuários de dispositivos móveis que passaram a utilizar o serviço 17, o que faz
do VoD o segmento com maior horizonte de crescimento, tanto em relação a ofertaconsumo de conteúdos audiovisuais (filmes, séries, novelas), quanto no que diz respeito
à produção local (fomento da indústria audiovisual).
3.2. Mercado dos sistemas de VoD
A Netflix segue líder no setor de streaming, com dez milhões de assinantes,
apesar da concorrência acirrada pelo crescimento do Globoplay, Prime Video, YouTube
Premium e Apple TV+. Esta última, recém-chegada, associa seu serviço de VoD aos
dispositivos tecnológicos da Apple e investiu até agora seis bilhões de dólares em
produção de conteúdo exclusivo 18. Resta observar se essa tendência permanecerá com a
vinda prevista para 2020 da plataforma Disney Plus ao Brasil.
3.3. Análise do VoD em 2019: a ficção de estreia nacional e ibero-americana
Em 2019, o número de ficções inéditas brasileiras para VoD superou o do ano
anterior, com 23 títulos, contra 20 em 2018. Netflix apresentou oito produções originais
brasileiras, uma a mais do que no ano anterior. Já Globoplay saltou de seis para onze
títulos, indicando não apenas sua forte capacidade produtiva e competitiva, mas também
denotando que suas produções locais são um trunfo na disputa com gigantes
internacionais. Entre as ficções brasileiras em VoD, destacamos duas séries: Aruanas
(Globoplay, 2019), primeira da plataforma com estreia mundial e que aborda a temática
do garimpo ilegal na Amazônia; e a terceira temporada de 3% (Netflix, 2019), que
17
18
http://bit.ly/34kX2Nm
http://bit.ly/2XjNMrj
14
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
conquistou espectadores também no exterior. Tivemos, também, três minisséries de
cunho biográfico: Hebe e Elis, do Globoplay, e Mauá - O Primeiro Gigante, do
HistoryChannel.
Tabela 6. Ficções nacionais e ibero-americanas exibidas em VoD em 2019
TÍTULOS IMPORTADOS DE PAÍSES
DO OBITEL DE
ESTREIA EM VOD (2019)
TÍTULOS NACIONAIS DE ESTREIA EM VOD
(2019)
Globoplay – 11 títulos
1.
Shippados (série)
2.
Aruanas (série)
3.
Sessão de Terapia (série) - 4ª temp.
4.
Me Chama de Bruna (série)
5.
Um Contra Todos (série) - 4ª temp.
6.
Eu, a Vó e a Boi (série)
7.
Impuros (série) - 2ª temp.
8.
Hebe (minissérie)
9.
Elis (minissérie)
10. Filhos da Pátria (série)
11. Segunda Chamada (série)
Netflix – 8 títulos
1.
3% (série) - 3ª temp.
2.
Coisa Mais Linda (série)
3.
Samantha! (série) - 2ª temp
4.
O Mecanismo (série) - 2ª temp
5.
Irmandade (série)
6.
Ninguém Tá Olhando (série)
7.
O Escolhido (série)
8.
Sintonia (série)
Multishow Play – 2 títulos
1.
Os Suburbanos (série) – 4ª temp.
2.
O Dono do Lar (série)
HistoryChannel – 1 título
1.
Mauá - O Primeiro Gigante (minissérie)
Canal Brasil - 1 título
1.
Toda Forma de Amor (série)
COPRODUÇÕES DE PAÍSES DO OBITEL
DE ESTREIA EM VOD (2019)
Netflix – 19 títulos
FoxPlay – 1 título
1. La Casa de Papel (série, Espanha) - 3ª temp
1. Sitiados: México (série, Argentina e
2. Siempre Bruja (série, Colômbia)
México) - 3ª temp.
3. Las Chicas del Cable (série, Espanha) - 4ª temp
Netflix – 1 título
4. Apache: A Vida de Carlos Tevez (série, Argentina)
1. Historia de un Crimen: Colosio (série,
5. Alta Mar (série, Espanha)
Colômbia e México)
6. Alta Mar (série, Espanha) 2ª temp
7. Criminal: Spain (série, Espanha)
8. El Club (série, México)
9. El Vecino (série, Espanha)
10. Frontera Verde (minissérie, Colômbia)
11. Go! Vive a Tu Manera (telenovela, Argentina)
12. Go! Vive a Tu Manera (telenovela, Argentina) - 2ª
temp.
13. Hache (série, Espanha)
14. Yankee (série, México)
15. La Casa de Las Flores (série, México) 2ª temp.
16. La Reina del Sur (telenovela, EUA) - 2ª temp.
17. Monarca (série, México)
18. Preso nº 1 (série, EUA)
19. Tijuana (série, México)
Prime Video – 5 títulos
1. El Juego de las Llaves (série, México)
2. La Bandida (série, México)
3. Diablo Guardián (série, México)
4. Hernán (série, México)
5. Dani Who? (série, México)
HBOGo – 1 título
1. Los Espookys (série, EUA)
TOTAL: 23
TOTAL: 25
TOTAL: 2
Fonte: Obitel Brasil
No ano de 2019, registramos 25 títulos de ficções ibero-americanas em VoD no
Brasil, com destaque, assim como em 2018, para México e Espanha, com 10 e 7
produções respectivamente.
Tabela 7. A ficção de estreia em VOD no Brasil em 2019: países de origem
País
NACIONAL (total)
PAÍSES OBITEL (total)
Argentina
Brasil
Títulos
23
25
3
23
%
46
50
6
46
15
Obitel 2020
Chile
Colômbia
Espanha
EUA (produção hispânica)
México
Peru
Portugal
Uruguai
Venezuela
COPRODUÇÕES (total)
Coproduções brasileiras
Coproduções entre países OBITEL
TOTAL GERAL
0
2
7
3
10
0
0
0
0
2
0
0
4
14
6
20
0
0
0
0
4
0
2
4
50
100,00
Fonte: Obitel Brasil
No Brasil, um total de 50 produções estrearam em VoD, sendo 23 (46%) de
origem brasileira. É um número significativo para o sistema de streaming brasileiro,
território no qual o Globoplay aparece com força e competência produtiva em um
mercado amplamente dominado – inclusive em termos mundiais – pela Netflix. O
Globoplay possui um catálogo com séries nacionais realizadas exclusivamente para a
plataforma, apresenta previamente muitas das estreias da TV aberta, transmite a
programação ao vivo da Globo, exibe capítulos e episódios on-demand de produções
que estão no ar, disponibiliza reprises de obras da TV aberta, telenovelas, minisséries e
séries, além de investir em prestigiadas produções internacionais.
Também estrearam em VOD no Brasil 25 produções (50%) de origem iberoamericana, além de duas (4%) coproduções entre países do Obitel.
Tabela 8. Formatos da ficção nacional e ibero-americana em VOD
Formatos
Telenovela
Série
Minissérie
Unitário
Outros (websérie etc.)
Total
Nacional
Títulos
%
C/E
%
20 86,95
252 94,02
03 13,04
16
5,97
23
100
268 100,0
Ibero-americano
Títulos
%
C/E
%
03
12
90 21,79
21
84
315 76,27
01
4
8 1,93
25 100,0
413 100,0
Fonte: Obitel Brasil
O formato série dominou o panorama nacional e ibero-americano de streaming,
com 41 produções, sendo 20 (41,66%) brasileiras e 21 (43,75%) ibero-americanas. Em
seguida, aparecem as minisséries, três brasileiras (6,25%) e uma ibero-americana
16
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
(2,08%). Os números deixam claro que, apesar da minissérie ser artisticamente
valorizada como o produto mais bem-acabado da indústria nacional, não é a principal
aposta para a internacionalização na plataforma Globoplay. Temos três telenovelas
ibero-americanas: as duas primeiras temporadas da Argentina Go! Vive a Tu Manera e a
segunda temporada de La Reina Del Sur, dos Estados Unidos19. Ao todo, foram
produzidos e exibidos 268 capítulos/episódios nacionais no Brasil, corroborando a
capacidade produtiva brasileira também no cenário do VoD.
4. Análise das ficções: TV aberta, VoD e expressões transmídia em
redes
As expressões transmídia em 2019 tiveram ênfase nas redes sociais e em
serviços de streaming tanto de música e podcasts quanto de vídeos. A Netflix é
conhecida por seu engajamento nas redes, particularmente em suas páginas oficiais no
Twitter, Instagram e YouTube, com vídeos exclusivos para o público brasileiro. Já a
Globo vem amadurecendo suas práticas nas redes com ações nos conteúdos presentes
nas contas do Gshow, no Facebook, Twitter e Instagram.
Na telenovela A Dona do Pedaço (Globo), a personagem Vivi Guedes expandiu
a narrativa para o espaço das mídias sociais por meio do Instagram @estiloviviguedes, o
que intensificou a experiência da trama – os receptores e seus fãs podiam acessar
conteúdos exclusivos, dicas de moda e maquiagem. Os ensaios fotográficos da
personagem exibidos na telenovela eram disponibilizados na rede, estratégia que
aproximou ainda mais o público. Ao final da novela, a Globo preparou conteúdo
especial para o GShow: a atriz entrevistou a personagem, que deixava o horário das 21h
e se despediu do Instagram, transformando sua conta em @pravcarrasar. Mas a
mudança não agradou ao público que acessou o perfil e manifestou sua insatisfação.
O Gshow produziu dois programas sobre a telenovela das 19h, Bom Sucesso: o
Clube do Livro por Antônio Fagundes, voltado para discussões de obras citadas na
ficção; e Papo de Novela: Bom Sucesso, com bastidores, resumo dos capítulos e outras
informações da trama. Esses dois conteúdos foram oferecidos em podcast,
disponibilizados nas principais plataformas de streaming, e no formato vídeo, postado
semanalmente, após a exibição da trama.
19
Apesar da importância da disponibilização da telenovela brasileira Órfãos da Terra pelo Globoplay,
por questões metodológicas, inclusive por integrar o top ten, a telenovela consta no presente capítulo
como obra da TV aberta.
17
Obitel 2020
No canal oficial da telenovela As Aventuras de Poliana (SBT) no YouTube, foi
criado o programa de entrevistas Tricô Show, em que a personagem Dona Branca recebe
toda semana um convidado. Nestas entrevistas são abordados temas da narrativa,
complementando a trama principal. Isso demonstra que “a transmidiação pressupõe a
produção e distribuição de conteúdo, distintos e associados entre si, em múltiplas
plataformas de mídia, com a finalidade de complementar ou intensificar a experiência
de consumo de um determinado texto” (Fechine & Lima, 2019, p. 120).
Segundo a Kantar Ibope Media, entre as dez ficções mais comentadas no país,
nove foram telenovelas. O destaque foi para A Dona do Pedaço (Globo), que
ultrapassou a última temporada de Game of Thrones (HBO), contabilizando 487
milhões de impressões no Twitter. Na tabela abaixo notamos a predominância das
tramas da Globo de diferentes horários e percebe-se que as produções que investiram
em conteúdo transmídia repercutiram mais.
Ficções
Canal
Tweets (000)
1
A DONA DO PEDAÇO
GLOBO
2.677
2
GAME OF THRONES (8ª TEMP.)
HBO
1.727
3
BOM SUCESSO
GLOBO
779
4
AVENIDA BRASIL (REPRISE)
GLOBO
590
5
ÓRFÃOS DA TERRA
GLOBO
498
6
AMOR DE MÃE
GLOBO
439
7
ESPELHO DA VIDA
GLOBO
346
8
VERÃO 90
GLOBO
324
9
AS AVENTURAS DE POLIANA
SBT
251
10
MALHAÇÃO - TODA FORMA DE AMAR
GLOBO
243
Total de
Impressões
487.953
270.031
140.767
114.517
67.432
105.307
54.980
59.769
29.545
53.241
Fonte: Kantar Ibope Media
5. O mais destacado do ano
5.1 Segunda Chamada e Sob Pressão: o momento das séries naturalistas
A representação da precariedade do serviço público brasileiro é destaque em
duas séries dramáticas da Globo: Sob Pressão (2017-atual) e Segunda Chamada (2019).
Com temáticas distintas, saúde e educação, ambas retratam o cotidiano de profissionais
que persistem no exercício de suas profissões.
18
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
A terceira temporada de Sob Pressão explorou o relacionamento amoroso dos
protagonistas em meio a rotina caótica no Serviço de Atendimento Móvel de
Emergência (Samu). Os casos representativos, tratados em cada episódio, ratificaram a
proposta naturalista da série com a abordagem de temas como a violência no Rio de
Janeiro, o uso de drogas e o sucateamento do serviço público de saúde.
Ambientada na periferia da cidade de São Paulo, Segunda Chamada apresenta
os dramas pessoais dos alunos e professores da turma de Educação para Jovens e
Adultos (EJA) de uma escola municipal fictícia. Como em Sob Pressão, cada episódio
conta a história de uma personagem diferente, com temas como transfobia, racismo e
escolarização na terceira idade. As duas séries convergem no enfoque de situações
tensas, com cenas realistas e alta carga dramática. Tais características indicam a
consolidação do formato série na abordagem de pautas densas e complexas, como
ocorre nas telenovelas brasileiras de caráter naturalista, especialmente das 21 horas.
Em ambas as séries, a acentuação da realidade retrata fielmente o cotidiano
social, político e econômico do país. Sob Pressão combina as características das séries
médicas estadunidenses com o naturalismo, tônica da teledramaturgia brasileira. Já
Segunda Chamada retrata obstáculos enfrentados por professores: sucateamento,
desvalorização da educação pública, baixos salários, violência, entre outros.
5.2 A literatura na telenovela: o caso de Bom Sucesso
Bom Sucesso (Globo, 2019) registrou a melhor audiência desde Cheias de
Charme (Globo, 2012), superando as últimas 13 tramas das 19 horas20. Contou sua
história de forma simples, leve e bem-humorada, misturando inusitadamente a morte, a
literatura e o carnaval. Ambientada, sobretudo, no subúrbio do Rio de Janeiro,
aproveitou-se de obras literárias clássicas, nacionais e estrangeiras, em seus plots.
Trechos de livros eram citados de acordo com a situação narrativa. Por vezes, ao lerem,
personagens também se transportavam para as histórias, cujas cenas contavam com
figurinos e cenários condizentes com o livro em questão. A valorização e o estímulo à
leitura foram percebidos no âmbito da recepção: um levantamento constatou aumento
de buscas no Google pelos livros mencionados21.
A trama também abordou assuntos polêmicos, como a distinção de classes. E o
diálogo com a atualidade do país esteve presente nas ironias do vilão da trama alusivas a
20
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Fonte: Kantar Ibope Media 15 Mercados.
http://bit.ly/2xVLG6u
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Obitel 2020
frases controversas do presidente Bolsonaro. Mesmo sem o objetivo de tratar questões
raciais, a telenovela teve inúmeros atores negros em diversos núcleos e papéis sociais,
sem estarem em condição de subalternidade. As questões de identidade de gênero
também foram discutidas, em termos de merchandising social, por meio de uma
personagem transgênero e seu núcleo.
6. Tema do ano: o melodrama em tempos de streaming
Desde o início da série histórica, em 2007, o Anuário Obitel tem registrado uma
contínua intensificação no que diz respeito à hibridização de formas e conteúdos na
ficção televisiva brasileira. A partir dos anos 2000, com a popularização das séries
norte-americanas potencializada por meio do consumo desses produtos em outros
suportes, como as plataformas de streaming, identificamos a acentuação de uma
tendência de “serialização” das telenovelas e de “telenovelização” das séries.
O presente contexto vem sendo marcado por transformações que ocorrem de
maneira rápida e profunda nos gêneros e modos de produção audiovisuais. Sintoma
disso é a mudança que vem se configurando no interior de formatos televisivos
tradicionais, mais recentemente caracterizados não apenas pela hibridização, como pela
ruptura de um estatuto pragmático por meio do qual os telespectadores costumam
reconhecer tanto os gêneros televisuais, como as estratégias discursivas presentes nos
gêneros ficcionais (Mungioli, 2012).
Atualmente, novas formas de narrativa televisiva e a mixagem de gêneros
reconfiguram as técnicas dos meios de representação de gênero, agora mais
multifacetadas (Mungioli, 2012). Tais inovações nos formatos midiáticos chamaram
atenção de estudiosos como Mittell (2015), que atentou tanto para os progressos formais
do modelo narrativo da televisão pensado a partir de seus contextos históricos de
produção, circulação e recepção, quanto pela transformação de normas estabelecidas por
meio de uma prática criativa.
No Brasil, esse panorama se evidencia mais fortemente na década de 2010, a
partir de tramas que vêm investindo em plots e arcos curtos, propiciando um fluxo
dinâmico de histórias e personagens e expressando agilidade para a ação. Exemplos
desse fenômeno foram a telenovela A Regra do Jogo (Globo, 2015), na qual cada
capítulo foi numerado e recebeu um título que aludia aos acontecimentos do dia –
20
Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
explicitando a tensão existente entre capítulo e episódio –, e a adesão, em 2017, à
nomenclatura supersérie por parte da Globo para as ficções das 23h.
O fenômeno de “telenovelização” das séries, por sua vez, pode ser verificado em
âmbito global com a chamada “terceira era de ouro” da televisão dos EUA (Martin,
2014), marcada pela estreia de Família Soprano (HBO, 1999-2007). Desde então, as
séries passaram a apostar cada vez mais em arcos dramáticos longos, que chegam a
perpassar uma temporada, quando não a série como um todo. Sob outra perspectiva,
séries como Ingobernable (2017-atual) e Coisa Mais Linda (2019-atual), ambos da
Netflix, ilustram exemplos latino-americanos dessa tendência de “telenovelização” dos
formatos de curta serialidade pela adesão explícita a entrechos melodramáticos. A
primeira é um drama mexicano de cunho político, enquanto a segunda aborda o
surgimento da bossa nova no Rio de Janeiro dos anos 1950. Assim, a Netflix busca se
aproximar do público da região por meio de equações calcadas na noção de
proximidade cultural (Straubhaar, 2004).
Para Williams (2018), quanto maior a serialidade de um texto, mais ele está
sujeito ao melodrama. A conformação folhetinesca permite a articulação entre a
estrutura seriada e a periodicidade do capítulo, isto é, entre o tempo do progresso – o
desenrolar das ações – e o tempo do ciclo – a retomada de tramas e personagens que
apareceram ao longo da narrativa (Martín-Barbero, 2003).
Consequência da atual abrangência e mistura de gêneros – entrelaçados,
fundidos e reformulados – é que também o melodrama tem seu sentido expandido,
passando a integrar séries e outros formatos que trazem possibilidades mais fluidas de
identificação (Mittell, 2015). Diante deste cenário, lançar luz sobre o melodrama em
tempos de streaming, especialmente sobre a telenovela, dado o espaço que ocupa no
cenário audiovisual brasileiro, pode revelar o modo como se dão as reconfigurações
televisivas, uma vez que estamos lidando com conteúdos altamente flexíveis e
adaptáveis às novas lógicas de produção e consumo.
Estudo de caso de Órfãos da Terra
Em abril de 2019, após a estreia de Órfãos da Terra, a Globo anunciou que os
capítulos da ficção estariam disponíveis no Globoplay com um dia de antecedência à
exibição na televisão aberta. É a primeira vez que a empresa adota tal estratégia com
uma telenovela, produto televisivo que, ao longo dos anos, se incorporou à cultura do
21
Obitel 2020
Brasil de tal forma que passou a se caracterizar como uma verdadeira narrativa da
nação (Lopes, 2009).
A emissora, no entanto, reservou ao broadcasting a primeira exibição dos
últimos cinco capítulos da trama. Ou seja, apesar de Órfãos da Terra alcançar índices
de audiência satisfatórios na TV aberta e registrar um aumento de 40% de audiência no
Globoplay22, optou-se por privilegiar a lógica tradicional de oferta do conteúdo
televisivo quando a narrativa chegou a seus momentos decisivos.
De qualquer modo, o modelo adotado para a distribuição de Órfãos da Terra
revela o atual quadro de transformação digital vivenciado pelo audiovisual no Brasil e
no mundo, com o VoD se constituindo rapidamente como uma das partes mais
dinâmicas do setor televisivo ao subverter o engessamento da grade horária e propiciar
novas formas de recepção e de participação, mais individualizadas (Richeri, 2017).
Ciente deste movimento, a Globo ofereceu, no streaming, uma telenovela nacional e
inédita mesclando a matriz cultural melodramática (Martín-Barbero, 2003) a uma
problemática emergente no cenário global: a questão das diásporas forçadas e dos
refugiados (Néia & Santos, 2020).
Ao circular primeiramente pelo ambiente on-line, em meio a pressões
mercadológicas e a novas lógicas de produção e consumo de produtos audiovisuais,
Órfãos da Terra viabilizou outras formas de espectatorialidade (Richeri, 2017) e
possibilitou a uma audiência múltipla e cada vez mais multifacetada novos rearranjos
quanto à assistência fora da rigidez da grade horária fixa com fluxo unidirecional.
Pesquisas recentes apontam que o espectador fã de telenovelas ainda tem a TV como
principal fonte de entretenimento, porém cada vez mais se conecta principalmente pelo
smartphone23.
Williams (2018) argumenta que a noção de serialidade não supõe somente a
descontinuidade e a fragmentação narrativa idealizadas pelos autores de determinada
obra: dependente de uma relação particular com o tempo, ela também envolve a
experiência da fruição do texto por parte do espectador. As ritualidades (MartínBarbero, 2003) da assistência também influirão nessa equação: o público, em maior ou
menor grau, está apto a construir a serialidade de um produto conforme as estratégias de
distribuição adotadas pela esfera produtora. Tal fenômeno exige um receptor cada vez
mais ativo na condição de agente, expandindo o escopo das práticas características da
22
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http://bit.ly/2x2AO6J
http://bit.ly/2JTjnbe
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Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
cultura de participação (Jenkins, 2016) identificadas no âmbito da telenovela brasileira
nos últimos anos – como criação de blogs e fanfics derivadas das narrativas televisivas.
Em Órfãos da Terra, a guerra na Síria faz com que a protagonista, Laila, parta
em busca de refúgio com sua família – os pais Elias e Missade e o irmão menor,
Kháled, gravemente ferido por conta do conflito armado. Nessa jornada, eles se
deparam com o vilão Aziz Abdalla, um sheik libanês que propõe casamento à mocinha
em troca de dinheiro para o tratamento de Kháled. Ao mesmo tempo, Jamil, um dos
homens de confiança de Aziz, se apaixona por Laila sem saber que ela encantou seu
patrão. Com a morte de Kháled, Laila foge para o Brasil com a família, e cabe
justamente a Jamil capturá-la e levá-la de volta ao sheik. Jamil é, ainda, objeto de desejo
de Dalila, filha predileta de Aziz.
Os elementos melodramáticos da trama se evidenciam nessa descrição. Para
Néia & Santos (2020), ao apresentar personagens estrangeiros e seus dramas pesados,
amores e desamores – além dos figurinos pomposos e ambientes palacianos que
caracterizaram principalmente os primeiros capítulos da ficção, Órfãos da Terra dialoga
com a chamada fase sentimental (Lopes, 2009) da telenovela brasileira, compreendida
entre 1951 e 1968, e, ao mesmo tempo, se aprofunda na utilização de dispositivos
naturalistas (Lopes, 2009) e documentarizantes (Odin, R. 1984, cit. por Lopes, 2009)
que, a partir da década de 1990, passaram a demarcar ainda mais a especificidade da
ficção televisiva do Brasil.
O ritmo narrativo de Órfãos da Terra seguiu a tendência da serialização das
telenovelas brasileiras, apostando em plots que duravam de uma semana a um mês e em
fortes ganchos dramáticos (Néia & Santos, 2020). Caso um telespectador com acesso ao
Globoplay visse um capítulo pela televisão e ficasse interessado com relação ao que
aconteceria no próximo, ele poderia recorrer à plataforma para sanar sua curiosidade.
Como, porém, a distribuição no ambiente on-line se dava capítulo a capítulo –
emulando a lógica da TV –, e não em blocos, modelo mais comum às séries on demand,
ele teria que aguardar mais um dia para ver a sequência no Globoplay ou dois dias para
acompanhá-la na TV aberta. Ainda há, portanto, certo limite quanto às ritualidades – e
serialidades – ao alcance do espectador de telenovelas 24.
24
Na plataforma de VoD, contudo, o telespectador se encontra livre dos breaks comerciais, apesar de as
vinhetas que indicam a ida e a volta para esses intervalos permanecerem. Também não há as cenas do
capítulo anterior que, tradicionalmente, são exibidas no início de cada transmissão na TV aberta.
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Obitel 2020
Fato é que essas ficções continuam a se aproveitar da mestiçagem (MartínBarbero, 2003) entre narrativas anacrônicas e melodramáticas e as tecnologias e
imaginários contemporâneos compartilhados globalmente, procurando se ajustar às
mudanças de hábitos do público sem, no entanto, perder as características que as
consagraram – exatamente aquelas que cativam e catalisam grandes audiências.
Considerações finais
As transformações tecnológicas aceleraram o processo de mudanças na exibição
e no conteúdo de programas televisivos (Mittell, 2015). Fatores como o surgimento do
DVD, a popularização da transmissão a cabo e o advento da internet e de outras
tecnologias digitais abriram espaço para novas possibilidades de participação e fruição
dos mundos ficcionais – que agora vão além do fluxo unilateral da televisão tradicional
(Gray & Lotz, 2012). Em meio a esse quadro, também a ficção televisiva nacional passa
a buscar e encontrar no diálogo com novas plataformas de produção, compartilhamento
e distribuição de conteúdos um modo de manter sua centralidade no cenário audiovisual
brasileiro.
Por meio de sua narrativa mestiça e por despontar como a primeira ficção de
longa serialidade da Globo a privilegiar o VoD em detrimento da TV aberta durante a
maior parte de sua exibição, Órfãos da Terra demonstra que a telenovela brasileira
constitui, de fato, um espaço estratégico de construção de identidades que refletem uma
perspectiva transnacional (Lopes & Lemos, 2019). Inseridas no contexto das práticas
digitais e dos fenômenos de globalização da cultura, as ficções de TV no Brasil
acompanham um movimento de desterritorialização da produção e do consumo sob a
condição de combinar o melodrama e os traços identificadores das narrativas nacionais
às novas possibilidades tecnológicas.
A experiência realizada com Órfãos da Terra nos permite afirmar que o modelo
narrativo convencionalmente atribuído às telenovelas brasileiras tem aberto espaço para
experimentações e inovações que desafiam regras anteriores. Trata-se de mais um
sintoma do atual cenário de (re)arranjos narrativos e tecno-mercadológicos que, no
âmbito do audiovisual nacional e global, tensionam cada vez mais as fronteiras entre
novas mídias e mídias tradicionais.
Referências
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Brasil: Tempo de Streaming Brasileiro
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Lopes, M. I. V. (2009). Telenovela como recurso comunicativo. MATRIZes, 3(1), 2147. http://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v3i1p21-47
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