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Esta dissertação tem como tema a relação entre política e religião e considera os
modos pelos quais a Frente Parlamentar Evangélica atua no legislativo brasileiro. Minha
escolha pelos evangélicos causa surpresa entre meus colegas e amigos, desde os tempos da
graduação. Talvez por que eles me considerem “muito moderna” para estudar pessoas
consideradas senso ordinariamente “não modernas”. De fato, há muitas diferenças entre
minhas epistemologias e as de “meus nativos”. Mas, por isso mesmo, me dediquei à
antropologia e sua sensibilidade vocacional de entender outros modos de pensar e agir no
mundo. E escrever sobre estas cosmologias tão diferentes das do antropólogo. É neste
sentido que mesmo tendo escolhido um tema tão controverso não me vejo numa
empreitada mais desafiadora que as de meus colegas do mestrado. Todos nós, com maior
ou menos afinidade com nossos nativos, buscamos na antropologia um modo de aprender
com projetos e crenças díspares, relacionar-se com pessoas diferentes de nós e escrever
sobre estas pessoas e seus modos de estar no mundo.
De todo modo, escrever sobre a Frente Parlamentar Evangélica e sobre
evangélicos na política demanda exercitar cotidianamente aqueles pares caros aos
antropólogos: estranhamento/relativização, eu/outro, familiar/exótico. No meu caso, requer
também “estar pronta” para presenciar nossas crenças (os princípios democráticos, a
diversidade cultural, os direitos humanos, a igualdade de gêneros) serem atacadas por
nossos nativos. Cenário que é radicalizado quando a antropóloga (religiosa, mas não cristã)
se posiciona a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo e da legalização do
aborto.
Por isso, o meu desafio antropológico enquanto “moderninha” durante o trabalho
de campo e, especialmente, durante o estar aqui, no momento mesmo de escrever sobre o
que vivenciamos em campo, foi conciliar o profundo respeito por pessoas, coisas e crenças
religiosas com as minhas próprias crenças. De fato, em alguns momentos da escrita, me via
15
constrangida em escrever sobre as crenças daquelas pessoas não relativistas, crentes, quase
dogmáticas. Pessoas estas que me receberam na sala da Frente Parlamentar Evangélica,
que se dispuseram a falar sobre suas vidas e sobre o Congresso Nacional. Por isso, procurei
escrever sobre elas, aprender sobre suas crenças, sem fazer quaisquer julgamentos sobre
suas ações. Intencionei, sobretudo, descrever densamente o que vi e vivenciei durante os
cinco meses do trabalho de campo no Congresso Nacional. Todavia, a despeito do meu
interesse e respeito por fenômenos, pessoas e coisas religiosas, especialmente quando
vinculados à política, o trabalho de campo e a escrita desta dissertação se deu em meio a
tensões, dificuldades, receios. Por isso, como antropóloga, mas não antifetichista,
privilegiei, de algum modo, nas etnografias descritas nesta dissertação, o modo insano
como vivi entre epistemes e crenças durante o estar lá e o estar aqui.
De todo modo, meu interesse pela relação entre política e religião vem desde a
graduação quando me vinculei a um projeto de pesquisa de caráter antropológico que tinha
como tema a relação entre política local e religiões evangélicas. Desde 2004, me debruço a
entender as lógicas pertinentes a imbricação entre fé e política em diferentes espaços e
tempos sociais, vinculada, sobretudo, as relações de gênero e de poder. Assim, quando
iniciei o mestrado em antropologia social na UnB, continuei a me interessar por estas
questões. Ora, mas como meu tema de análise se inscreve no mundo e se tornou objeto
antropológico? No início do mestrado comecei a me indagar como se estabelecia a
vinculação entre religião e política considerando uma análise microscópica; de que modo
os evangélicos estariam atuando na arena política a nível nacional; como as diferentes
confissões evangélicas se faziam presentes nas diferentes pautas do governo brasileiro;
como as religiões saíram do espaço privado a qual foram confinadas com o advento do
Estado moderno tornando sua presença não apenas pública, mas produtora de efeitos
especialmente para a pauta de garantia de direitos?
Quando iniciei o trabalho de campo com a Frente Parlamentar Evangélica em
março de 2010 percebi que estudar o sagrado de outrem, no meu caso, requeria entender
como o sagrado atua na política e como a política vem sendo agenciada por crenças
religiosas que a tornam o espaço legítimo promoção da redenção da Nação brasileira.
Deste modo, o objetivo central desta dissertação é, a partir da observação participante,
apontar como a FPE atua na política e que efeitos tal participação engendra na vida social
brasileira.
16
De todo modo, falar de religião na modernidade requer trazer a baila o conceito
de laicidade do estado, pois, a temática da secularização ainda constitui um tema
fundamental para os estudiosos do fenômeno religioso. Do mesmo modo, falar de religião
no mundo moderno implica considerar como o religioso se relaciona com a modernidade e
com os Estados e leis democráticas. Se a humanidade vive a “secular age” como disse
Charles Taylor há que se investigar como o processo de secularização se relaciona com as
modificações e reificações sofridas pela crença na sociedade moderna bem como quais são
as condições (históricas e contextuais) das crenças nas sociedades modernas.
Devemos lembrar que o Estado moderno não se desvinculou da religião, mas sim,
abarcou demandas religiosas de Igrejas que também tiveram que considerar o Estado.
Neste cenário, modernidade e religião se relacionam, pois, a primeira criou os critérios de
atuação da segunda no Estado moderno. Por isso mesmo, o modelo de laicidade deve ser
apreendido não como um arcabouço teórico separado da religião. Mas sim, uma idéia que
deve ser analisada como um das modalidades concernentes à relação entre religião e
Estado (Giumbelli, 2002). Por isso mesmo, procurei investigar a relação entre religião,
política e sociedade considerando a laicidade não como pólo de oposição a religião, pois,
entendo que, para sermos modernos, não precisamos negar quaisquer aspectos, coisas ou
seres religiosos. Como propôs Daniele Hervier-Léger (1999) o desafio para os estudiosos
da religião neste século é buscar uma abordagem sociológica que analise o tema
considerando que o mundo deixou de ser prioritariamente religioso (no sentido da
uniformidade cristã medieval). Todavia, o mundo moderno continua a vivenciar a religião,
mas por dinâmicas de movimento de pessoas, crenças e coisas religiosas diferenciadas
(mobilidade, dispersão, retornos, reconfigurações, substituições, confirmações) que
marcam a paisagem religiosa do início do século XXI.
Sendo assim, empreendi-me, pois, em escrutinar aspectos da relação entre política
e religião em tempos e espaços da vida social do nosso país considerando que Estado,
modernidade, política, fé e religião estão imbricados na sociedade brasileira de forma
complexa. Logo, analisar tais relações requer politizar fatos, feitos, fetiches, pessoas,
fenômenos e não purificá-los. Deste modo, a tão conhecida descrição densa, interpretativa,
localizada e microscópica, que distingue e decifra aquilo que as pessoas dizem que fazem é
17
a opção analítica desta dissertação a fim de apreender nuanças da relação entre religião e
política no nosso país.
Ora, de fato, meu campo foi marcado por uma “guerra de imagens” entre a
imagem que pretendia fixar emblemas morais e religiosos como caros a sociedade
brasileira e a que intencionava corroborar valores democráticos como a garantia dos
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, já conquistados. Deste modo, procurei
entender como a FPE articula os tempos da política e da religião no legislativo brasileiro e
como política sacralizada e política profana se justapõem dependendo das operações
estratégicas em jogo nas relações políticas. Sendo assim, considerei que as condutas
políticas de evangélicos na democracia representativa também se relacionam com
“procedimentos políticos adotados em outras estruturas sociais” (Canêdo, 2005, p. 477),
como a religião, por exemplo. Do mesmo modo, considerei que “efeitos políticos”
(Canêdo, 2005, p. 504) são produzidos a partir dos discursos da FPE sobre moralidade dos
costumes e formação de uma Nação redimida.
Todavia, não proponho um “projeto de destruição” entre imagens e crenças
díspares, pois, privilegio trânsitos e deslocamentos entre o "tempo da política" e o tempo
da igreja, sobreposições entre o púlpito e o palanque. Sendo assim, procurei entender um
“problema” controverso não apenas a partir do arcabouço teórico da secularização, mas
através de uma “cascata de imagens”. É nesse sentido que esta dissertação procura, de
algum modo, (re)fabricar coisas religiosas, explicitar a santidade da religião, a crença nos
fetiches, o culto ao transcendente, os ícones mandados do céu, a força das ideologias do
texto bíblico. Do mesmo modo, em alguns momentos, os fluxos de discursos aqui descritos
distinguem fatos de fetiches, mas também os imbrica em fe(i)tiches. Por isso mesmo, esta
dissertativa procura apontar como laicidade, direitos, liberdade religiosa, construídos por
mãos humanas do mesmo modo que dogmas, fundamentos e religiões, são agenciados no
legislativo brasileiro.
Assim, recusei-me a entender por que as coisas não estão no lugar onde deveriam
estar, pois entendi que há “infinitamente mais agentes [e agências] no mundo do que
correntemente imaginam nossas ciências humanas” (Tarde, 2007, p. 3). O objetivo aqui
não é ordenar o caos, deixo isso para os evangélicos do Congresso Nacional, mas apontar
polêmicas e controvérsias e os desafios que este cenário nos impõe enquanto antropólogos.
Logo, esta dissertação não produz imagens a ver veneradas eternamente, mas sim ditos e
18
feitos, intenções e gestos, fluxos de discursos, fatos e feitos provisórios sobre a relação
entre religião e política no legislativo contemporâneo brasileiro.
***
Partindo destas idéias e posicionamentos, esta dissertação foi construída a partir
de quatros eixos de orientação.
No capítulo um procurei apontar como me movimentei no subterrâneo do
legislativo no sentido de conhecer os sujeitos de pesquisa. Do mesmo modo, tendo como
cenário as eleições majoritárias de 2010, procurei investigar de que forma a FPE atuou em
tempos e espaços do legislativo engendrando controvérsias no espaço público brasileiro a
partir da participação na política institucional. No capítulo dois, analisei a participação de
deputados evangélicos na ANC (1987) relacionando-a a instauração da FPE no Congresso
Nacional em 2003. Do mesmo modo, descrevi etnograficamente os cultos evangélicos
realizados pela FPE no cotidiano do legislativo a fim de entender como a política é
sacralizada pelo sagrado e como o sagrado é invocado no espaço da política. A meu ver, os
cultos evangélicos enquanto rituais antropológicos se constituem como lugar privilegiado
do deslizamento entre fé e política realizado pela FPE na Casa legislativa.
No capitulo três através da descrição etnográfica densa de dois eventos analiso
como crenças religiosas orientam o modus operandi da FPE no legislativo. Considero
também como a união cristã entre evangélicos, católicos e espíritas produzem a idéia de
“maioria moral” que deve ser atendida pelo Estado no que tange a aprovação de projetos
de lei que propõem valores morais para a Nação brasileira. Em contraposição as demandas
oriundas de uma minoria perniciosa. No capítulo quatro, também etnográfico, tendo como
cenário a tramitação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Seguridade Social e
Família/CSSF, analisei como crenças religiosas são operacionalizadas nos discursos de
parlamentares evangélicos nas atividades próprias do legislativo (elaboração de projetos de
lei, audiências públicas, sessões ordinárias das Comissões).
***
19
Vale dizer que os parlamentares vinculados a FPE bem como os demais
deputados referenciados nesta dissertação não tiveram seus nomes alterados uma vez que
são pessoas de carreira e de notoriedade públicas. As demais pessoas aqui citadas que
possuem cargos públicos (como Ministros, juízes), aquelas que tem notoriedade no campo
de discussão marcado nesta dissertação (representantes de entidades pró-vida, do
movimento feminista) também não tiveram suas identidades resguardadas, pois, seus
discursos grafados nesta dissertação foram proferidos em tempos e espaços oficiais e
públicos do Congresso Nacional. Todavia, aquelas pessoas com as quais conversei durante
o trabalho de campo nos diferentes ambientes da Casa legislativa, funcionários, secretários
e colaboradores da FPE tiveram seus nomes alterados. Deste modo, resguardo as
identidades destes sujeitos que não possuem carreira política e/ou religiosa de notoriedade
procurando, assim, não romper com o decoro da relação entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa.
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Dissertar sobre um grupo cujas demandas suscitam tantas polêmicas e
controvérsias no espaço público brasileiro parece tarefa árdua que mesmo a sensibilidade
antropológica tem dificuldade em grafar numa “etnografia densa”. Minhas primeiras linhas
visíveis sobre o trabalho de campo na Câmara dos Deputados se iniciam justamente
quando a relação entre religião e política preenche a tela da televisão, os noticiários dos
telejornais, as matérias de destaque das revistas de grande circulação, os blogs e sites da
internet, as discussões do Facebook.
Ainda no primeiro turno da eleição presidencial o tema da legalização do aborto
torna-se, pois, o centro dos debates das propostas e propagandas de campanha dos
candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT). Setores políticos à direita e algumas
denominações cristãs (católicas e evangélicas) iniciam uma panfletagem a nível nacional
“pelos valores da família” se contrapondo à proposta de legalização da prática do aborto.
Ocorre, contudo, uma divisão dentro mesmo de segmentos religiosos e políticos por conta
da filiação a um dos presidenciáveis2. Parte do setor marcado como conservador se
posiciona publicamente contra a candidata Dilma Rousseff conclamando “a família
brasileira” a não votar num partido que tem como pauta legalizar o aborto no país3. Bispos
católicos e pastores evangélicos utilizam o espaço sagrado da igreja e o da Internet para
“recomendar” aos fiéis que não votassem naqueles ímpios que se contrapunham aos
valores retos da família, da fé e da moral cristã brasileira.
1
Jó 21:22.
A invasão do "tempo da política" também se dá na esfera religiosa, pois, “também é comum que a política
entre nas igrejas, dividindo fiéis e, mesmo, sacerdotes, gerando artifícios capazes de conciliar uma certa
distância institucional com os engajamentos pessoais, ilustrado na fórmula de alguns pastores de
Pernambuco: ‘A igreja não se mete em política, mas meu voto é do Fulano’” (Palmeira & Heredia, 1997, p.
178).
3
Em 2009, os deputados cristãos Henrique Afonso e Luis Bassuma se posicionaram contra a orientação do
PT em relação à descriminalização do aborto discutida e aprovada no 3º Congresso Nacional do partido. A
secretaria nacional de mulheres do PT requisitou durante a assembléia do partido a expulsão destes
parlamentares. A resolução da Comissão ético-disciplinar do PT deliberou pela suspensão de Luis Bassuma
(por um ano) e de Henrique Afonso (por 90 dias) e de seus direitos partidários por conta das atitudes
ofensivas dos parlamentares aos seus pares favoráveis a descriminalização do aborto. Ambos os deputados
saíram do partido (para não perder o mandato) e encontraram espaço de atuação “pela defesa da vida” dentro
do PV (Entrevista com uma assessora do CFEMEA, 12 de novembro de 2010).
2
21
Ora, a antropologia da política já consagrou que no “tempo da política4” a divisão
entre facções é de caráter “costumeiro” e não permanente (Palmeira, 1996, p. 43). Sendo
assim, alguns destes políticos e/ou religiosos se opuseram durante o governo Lula, no
âmbito do legislativo, por exemplo, ao Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos
(como veremos no capítulo 3). Contudo, no tempo das eleições de 2010 estes mesmos
agentes se unem “pró-Dilma” garantindo que a candidata, sendo eleita, não feriria os
princípios basilares da cultura e da religiosidade brasileira. Já os líderes religiosos se
valendo de seu capital e prestígio perante a “comunidade de fé” se unem a favor da
candidatura de Dilma Rousseff afirmando, pois, a religiosidade e o compromisso da
candidata com a “preservação da vida” e com os “valores sagrados” da família brasileira.
Há, de um lado, a faceta do jogo político, ardil e melindroso (Palmeira &
Heredia, 1997, p. 159), quando sujeitos procuram se posicionar no espaço do Executivo e
do Legislativo a ser redimensionados com a eleição do novo presidente da República e do
novo Congresso Nacional. Do outro, sacerdotes concorrem pelo “monopólio da gestão dos
bens de salvação5” (Bourdieu, 2001, p. 57) e pela primazia das Igrejas cristãs como
defensoras dos bons costumes da sociedade brasileira. Autorizados pelo “tempo da
política” estes atores empregam suas reputações e suas carreiras religiosas à campanha de
seus escolhidos como “pessoas morais” (Mauss, 2003) utilizando, sobretudo, recursos
materiais (espaço na internet, nos templos, discussões em blogs, Plenário do Congresso
Nacional) que norteiam os compromissos e os projetos políticos que se lançam.
Sendo assim se alianças e filiações são características próprias da “festa da
política” a divisão e os conflitos6 também o são. Ainda no primeiro turno das eleições, no
4
“Tempo da política”, termo nativo, comum em várias regiões do Brasil, foi reapropriado por Moacir
Palmeira e Beatriz Heredia (1997) para expressar não somente o início do período eleitoral, mas também, a
interrupção do tempo do cotidiano. Deste modo este "tempo" acaba, pois, sobrepondo às atividades
cotidianas reconhecidas e legitimadas historicamente, outros tipos de eventos. Nesse sentido, a política
“divide” e “ameaça” tornando-se necessário circunscrevê-la no tempo, como uma interrupção do cotidiano,
em que a divisão é necessária para ordenar” (Palmeira, 2006, p. 141).
5
Com as devidas ponderações contextuais e relacionais ressalto que “em função de sua posição na estrutura
da distribuição do capital de autoridade propriamente religiosa, as diferentes instâncias religiosas, indivíduos
ou instituições podem lançar mão do capital religioso na concorrência pelo monopólio da gestão dos bens de
salvação e do exercício legítimo do poder religioso enquanto poder de modificar em bases duradouras as
representações e as práticas dos leigos, inculcando-lhes um habitus religioso, princípio gerador de todos os
pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de uma representação religiosa do mundo natural e
sobrenatural, ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social”
(Bourdieu, 2001, p.57).
6
A hostilidade entre as facções traz, pois, segregações, debates, cismas. Deste modo, “o caráter ameaçador
da política é reforçado pelo fato de o ‘tempo da política’ ser um tempo de explicitação de conflitos, dos
22
lado evangélico, Silas Malafaia, pastor da Assembléia de Deus, primeiro orienta o voto em
Marina Silva, depois em José Serra. Numa nova polêmica Malafaia alega que Marina Silva
não se comprometera com as bandeiras do Evangelho7. Edir Macedo, Bispo da Universal
do Reino de Deus, veicula que Dilma Rousseff está sendo vítima de mentiras e que os
cristãos devem utilizar os meios de comunicação para pregar o Evangelho e não “fazer o
jogo do diabo”8. Aliás, no segundo turno das eleições, Malafaia e Macedo estabelecem
mais uma querela referente ao posicionamento político de ambos9. No lado católico, o
bispo Luiz Gonzaga Bergonzini foi acusado de distribuir nas paróquias de Guarulhos/SP
panfletos que orientam aos fiéis a não votar em Dilma Rousseff10. Em Canindé, no Ceará,
José Serra e Tasso Jereissati causam confusão durante uma cerimônia de veneração a São
Francisco. Sendo aquela uma “festa religiosa”, o padre solicita que os políticos não
atrapalhassem o objetivo principal da confraternização repudiando, pois, os panfletos que
circulavam no templo contra a candidata petista: “a Igreja não está autorizando isso!11”.
A Comissão Brasileira de Justiça e Paz12, organismo da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil/CNBB, lança em 06 de outubro de 2010 uma nota oficial sobre “o
momento político e a religião” lamentando os episódios recentes quando “grupos, em
políticos em primeiro lugar, mas não apenas deles. O cotidiano também é feito de conflitos, mesmo quando
se pensa em termos de união. (Palmeira & Heredia, 1997, p. 167).
7
Ambos trocaram Cartas-respostas pela Internet referentes ao posicionamento de Marina Silva no tange a
legalização do aborto e a realização de um plebiscito para julgar o tema.
Para ver a Carta de Malafaia a Marina http://www.ministeriosilasmalafaia.com.br/ acesso em 24 de outubro
de
2010.
Para
ver
a
resposta
de
Marina
a
Malafaia
http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/marina+rebate+declaracoes+de+pastor+evangelico+silas+malafaia/n
1237789584105.html acesso em 24 de outubro de 2010.
8
Disponível em http://bispomacedo.com.br/2010/09/28/dilma-e-vitima-de-mentiras-espalhadas-pela-internet/
acesso em 23 de outubro de 2010.
9
A acusação de Edir Macedo está disponível em http://bispomacedo.com.br/2010/09/28/dilma-e-vitima-dementiras-espalhadas-pela-internet/ acesso em 23 de outubro de 2010. A resposta de Malafaia está disponível
em http://www.youtube.com/watch?v=OSiubDgIASY acesso em 24 de outubro de 2010.
10
Carta Capital, 13 de outubro, ano XVI, n. 617, p. 23.
11
Disponível
em
http://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2010/10/16/noticiapoliticajornal,2053694/padre-criticapanfleto-contra-dilma-e-tasso-reage.shtml acesso em 23 de outubro de 2010.
12
A Comissão Brasileira Justiça e Paz no Brasil nasceu como extensão da Comissão criada em Roma após o
Concílio Vaticano II cujo objetivo inicial era se envolver com “os grandes problemas da justiça social”. Em
outubro de 1968, a CBJP é criada no Brasil sob o lema de acabar com a fome e promover a paz no mundo.
Com o advento do Ato Institucional nº. 5, a Comissão passou a cumprir um papel de “proteção dos
perseguidos pela ditadura”. No final da década de 1970, a CBJP deixou de ser uma Seção da Comissão
Pontifícia para se tornar a Comissão Brasileira, entretanto, não deixou de seguir “a sua vocação inicial de
animar a presença de cristãos na questão social”, objetivo corroborado pelo Papa João Paulo II, na encíclica
Laborem Exercens. Em 1996, a sede da CBJP foi transferida para Brasília. A CBJP continua a defender a
pauta de Direitos Humanos e o engajamento da Igreja nas questões sociais. Disponível em
http://www.cbjp.org.br/index.php/sobre/historia-da-cbjp acesso em 19 de abril de 2011.
23
nome da fé cristã, têm criado dificuldades para o voto livre e consciente13”. Atos que
“constrangem nossa consciência cidadã, como cristãos14”, pois “ferem a maturidade da
democracia, desrespeitam o direito de livre decisão, confundindo os cristãos e
comprometendo a comunhão eclesial15”. Nesse sentido, a Comissão reafirma que os fiéis
devem escolher o candidato não apenas em consonância com a Doutrina da igreja, mas
também por seu comprometimento com assuntos sociais16.
Entretanto, em 8 de outubro de 2010, uma nota oficial da CNBB ressalta que
“diante de tão grande responsabilidade, exortamos os fiéis católicos a terem presentes
critérios éticos, entre os quais se incluem especialmente o respeito incondicional à vida, à
família, à liberdade religiosa e à dignidade humana17”. O presidente da CNBB, Dom
Geraldo Lyrio Rocha afirma que “os bispos podem difundir critérios para que o eleitor
cristão exerça o voto, desde que não se dirija à nação brasileira, e sim aos fiéis de sua
diocese18”. Vossa Excelência Reverendíssima afirma que não permitir que a Igreja discuta
um tema de relevância como o aborto durante as eleições majoritárias é “estabelecer uma
‘ditadura laica’”19. Como vemos, dentro da Igreja Católica há também dissensos
discursivos. A CBJP privilegia o engajamento da Igreja em questões sociais – um
cristianismo a favor dos excluídos – e a não orientação do voto. Para a presidência da
CNBB os católicos devem se preocupar com questões morais, se opondo, pois, ao
laicismo20.
13
Disponível em http://www.cbjp.org.br/index.php/nota-da-comissao-brasileira-justica-e-paz acesso em 16
de outubro de 2010
14
Idem.
15
Idem.
16
Disponível em Carta Capital “Na Idade Média”, 13 de outubro, ano XVI, n. 617. p. 23
17
Disponível em http://www.cnbb.org.br/site/notas-e-declaracoes/4906-nota-da-cnbb-em-relacao-aomomento-eleitoral acesso em 16 de outubro de 2010.
18
Disponível
em
http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2010/noticias/0OI4747074-EI15315,00CNBB+bispos+tem+direito+de+orientar+fieis+sobre+candidatos.html acesso em 22 de outubro de 2010.
19
Segundo o Bispo o caráter do Estado laico não é ser ateu (até por que “a sociedade brasileira é
profundamente religiosa”), pois, a laicidade garante o direito das religiões de discutir temas importantes para
a sociedade brasileira por que preconiza também a livre expressão e a liberdade religiosa. Disponível em
http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2010/noticias/0OI4747074-EI15315,00CNBB+bispos+tem+direito+de+orientar+fieis+sobre+candidatos.html acesso em 22 de outubro de 2010.
20
Segundo Dom Rafael Llano Cifuentes (1989), presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a
Família da CNBB, há uma diferença entre laicidade e laicismo. A primeira seria a “separação lícita e
necessária” (p. 157) entre Igreja e Estado. Já a segunda seria uma “separação indiferentista e insustentável”
(idem) uma vez que a autonomia do Estado não pode se constituir numa “ordem fechada em si mesma,
absolutamente impermeável a ‘ordem teonômica’” (p. 156). Já o padre católico Francisco Faus em textos
sobre laicidade, laicismo, Estado laico, pluralismo e liberdade religiosa critica duramente o laicismo que
acusa a igreja de obstruir a pesquisa científica e a reflexão racional em nome da fé e dos dogmas religiosos.
Segundo ele, “quer-se repisar a velha calúnia iluminista de que a fé seria inimiga da ciência e do progresso, e,
24
Na contra ofensiva petista, os deputados Walter Pinheiro (PT/BA), Marcelo
Crivella (PRB/RJ) e o Bispo da Convenção Nacional das Assembléias de Deus de
Madureira Manoel Ferreira (ex-deputado federal) utilizam suas biografias religiosas
garantindo a comunidade cristã o compromisso de Dilma Rousseff “pela vida”. Manoel
Ferreira assume a coordenação da campanha petista junto aos setores evangélicos. Marcelo
Crivella lidera reuniões com comunidades evangélicas pelo país a fim de neutralizar a
disseminação online de boatos21 em relação ao posicionamento favorável ao aborto de
Dilma Rousseff. “Como político consagrado” (Barreira, 1998, p. 99) e como evangélico,
Walter Pinheiro traz, neste clima controverso, o caráter laico do Estado afirmando que
“Dilma será presidente do Brasil, não de uma Igreja. Não se pode misturar fé com
política22”. O então senador eleito garantiu que a prerrogativa do Partido dos
Trabalhadores é que a mulher que tenha feito aborto ao chegar à rede do Sistema Único de
Saúde/SUS seja atendida e não presa. Contudo, Walter Pinheiro fez questão de lembrar seu
posicionamento cristão: continuarei votando contra o aborto em quaisquer situações23.
Deste modo, a legalização do aborto entrara na pauta das campanhas eleitorais
sublimando assuntos “de grande porte” como o Pré-Sal, as relações exteriores, a tributação
fiscal, o controle da inflação e a privatização de empresas nacionais. José Serra procura
apoio de líderes religiosos iniciando uma campanha “a favor da vida” desde o “ventre
materno”24. Dilma Rousseff apoiada por políticos e religiosos lança a “Carta ao Povo de
Deus” 25 garantindo que cabe ao Congresso Nacional a função legislar e buscar conciliar as
diferentes demandas vindas da sociedade, especialmente em questões que envolvam
valores éticos e morais, como a despenalização do aborto26. Por certo, a esfera religiosa
portanto, inimiga do homem [...]”. Do mesmo modo, distingue que a laicidade requer um mútuo respeito pela
autonomia tanto do Estado quanto da religião. Deste modo, numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar
de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação”. Disponível em
http://www.padrefaus.org/?page_id=349 acesso em 21 de abril de 2011.
21
Para Palmeira & Heredia (1997) “os boatos – forma cotidiana de comunicação e controle social difuso,
mas eficaz – tornam-se mais freqüentes no período eleitoral. No comum dos dias, os boatos são
‘equilibrados’ por boatos opostos, ou neutralizados com o passar do tempo; agora, porém, manipulados pelas
facções, tornam armas de guerra, aumentando, para as suas vítimas, o risco de não conseguirem neutralizálos a tempo, e, para seus autores, o risco da punição” (p.172).
22
Na Idade Média. Carta Capital, 13 de outubro, ano XVI, n. 617, p. 23.
23
Idem, ibidem.
24
Como vimos nas propagandas eleitorais do candidato veiculadas na televisão.
25
Informativo ao Povo de Deus. Agosto de 2010, p. 5. Disponível também em
http://peppercomm.3cdn.net/b4276dcbb22d5590a3_fdm6rkq9l.pdf acesso em 23 de outubro de 2010.
26
Na Idade Média. Carta Capital, 13 de outubro, ano XVI, n. 617, p. 23.
25
paira no tempo da política desde que “o brasil se tornou Brasil”, contudo, “nunca antes na
história deste país”, fé e política se imbricaram como nas eleições de 2010 ao Executivo27.
O modo como estes políticos e religiosos comprometeram (no sentido mesmo de
por em risco) suas biografias e carreiras em prol da candidatura de seus escolhidos aponta
para a complexidade da relação de natureza moral entre eleitores e políticos (Chaves, 1996,
p.132) e entre pessoas políticas e sociedade civil. Por isso, considero que o significado
político da pessoa “repercute na própria organização do sistema político, na medida em
que informa percepções a respeito de sua lógica de funcionamento e, portanto, das escolhas
eleitorais” (idem, p.146). Do mesmo modo, se comprometer politicamente significa utilizar
habilidades, disposições e competências nas relações políticas que estes sujeitos se
engajam. No caso das eleições de 2010, honra e dignidade (política e religiosa) foi
utilizada como “valor social” (Teixeira, 1999, p. 3) a fim de conferir “concepções morais
particulares” (idem) aos candidatos presidenciáveis. Este tipo de capital é utilizado e
produz efeitos nas relações políticas não apenas no "tempo da política", mas no próprio
jogo cotidiano do Parlamento, pois, através dele os indivíduos produzem e reproduzem “os
ideais sociais de seu grupo e adquirirem, por isso, reputação”. (Teixeira, 1999, p. 3).
Nesse sentido, este cenário eleitoral marcou-se não apenas por uma disputa por
votos, mas pela fixação de imagens (defensores da vida e contrários à vida), ícones (moral
religiosa e direitos humanos) e ídolos (os candidatos retos e os ímpios). Considero, pois,
que o modo como o tema do aborto adentrou e foi considerado naquele “tempo da política”
como um fe[i]tiche28 feito por mãos humanas e cultuado, em debates online e offline, por
correligionários, candidatos e filiados, mas também por cidadãos eleitores e segmentos
(especialmente religiosos) da sociedade civil. Aquela “guerra de imagens” produzira uma
27
Paul Freston (2006) afirmou: Estado e Igreja não, mas religião e política sim. Nesse sentido, o autor
considera que a política pode ser confessional, mas o Estado, não (p. 10). Isso por que, “não devemos
acompanhar a música do laicismo militante que deseja excluir Deus e a religião da praça pública” (p. 10).
Nesse sentido, para o autor, podemos não concordar com as políticas destes religiosos, mas afirmar que “a
religião em si nada tem a ver com a conduta da política é lógica e historicamente falso” (p. 9).
28
Faitiche condensa duas fontes etimológicas que apresentam fonemas quase idênticos – fait e fétiche – que
possuem na língua francesa um jogo sutil entre seus sentidos e suas sonoridades. Na acepção de Bruno
Latour (2002) “a palavra ‘fato’ parece remeter a realidade exterior, a palavra ‘fetiche’ as crenças absurdas do
sujeito. Todas as duas dissimulam, na profundeza de suas raízes latinas o trabalho intenso de construção a
verdade dos fatos como a dos espíritos. E esta verdade que precisamos distinguir, sem acreditar, nem nas
elucubrações de um sujeito psico1ógico saturado de devaneios, nem na existência exterior de objetos frios e
a-históricos que cairiam nos laboratórios como do céu. Sem acreditar, tampouco, na crença ingênua. Ao
juntar as duas fontes etimo1ógicas, chamaremos Fe[i]tiche a firme certeza que permite a prática passar a ação
sem jamais acreditar na diferença entre construção e compilação, imanência e transcendência”. p. 45-46.
26
“arma cultural” iconoclasta de emblemas e geradora de ódio e de divisão (Latour, 2008, p.
1). Odiosidade e divisão que se intensificaram durante o segundo turno das eleições.
Assim, o posicionamento dos candidatos à presidência em relação ao aborto não abordava
propostas, apenas cultuava um artefato que faz e fetichiza ao distinguir entre o bem e o mal,
entre defensores da vida e “assassinos de criancinhas”.
Cultuado por iconodúlios29 (Latour, 2002, p. 18) a oposição à descriminalização
do aborto positivava as reputações30 políticas e morais dos candidatos, por que os alçava ao
lugar de provedores da “agenda de valores” da sociedade brasileira. De fato, a legalização
do aborto torna-se naquele tempo e em certos espaços um fato fetichizado cultuado por
“povos cobertos de amuletos” (religiosos) que ridicularizavam “outros povos cobertos de
amuletos” (seculares) (Latour, 2002, p.18) no âmbito das eleições majoritárias ao
Executivo. Assim, a fetichização do aborto não apenas “faz-falar31” (por que ecoa o eco da
moralidade religiosa), mas também “faz-fazer” uma vez que organiza posicionamentos e
filiações seja em prol da moral e dos bons costumes seja a favor das liberdades laicas e dos
direitos humanos.
Sendo assim, a vinculação entre valores morais e religiosos e pautas de governo
nos discursos dos candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) sobre a legalização
do aborto ensejou uma “convulsão efêmera” (Giumbelli, 2002, p. 96) sobre o tema da
legalização do aborto durante o tempo das campanhas eleitorais32. Considero esta
29
Iconodúlio é aquele que venera representações figurativas sagradas feitas pelo homem a fim de representar
por imagens o santo a ser cultuado.
30
Para Bailey (1971) uma das formas de positivar a reputação é “ter um bom nome” que implica em
conhecer as regras de como “jogar o jogo social e de como ganhá-lo” (p.2, tradução minha).
31
Latour (2002) não cita, mas poderíamos vincular o “faz-falar” aos atos de fala de Austin (1965) que,
baseado na linguagem como uma forma de ação, afirma que “todo dizer é um fazer". Assim, os "atos de
fala" consideram que falar é mais do que transmitir uma informação é, sobretudo, uma forma de agir sobre o
interlocutor e sobre o mundo circundante. Nesse sentido, Austin (1965) põe em xeque a visão descritiva da
língua, ao dizer que uma afirmação pode realizar uma ação mesmo sem descrever nada. Por isso mesmo,
considero o “faz-falar” latouriano como um ato de fala austiniano quando o dizer se relaciona não apenas
com a mensagem, está imbricado com o ato, com o fato e com o feito (o fait e o fetiche).
32
Kauara Rodrigues, assessora da entidade feminista CFEMEA, em uma entrevista concedida a mim,
analisou que o modo como o tema do aborto foi abordado nas eleições de 2010 “teve um aspecto negativo, do
uso político do tema, tratado de uma forma enviesada, ligados a aspectos morais e religiosos, não se discutiu
a sério esta temática, não se aprofundou”. Por outro lado “permitiu que outros setores da sociedade sentassem
e discutissem o tema. Que é um tema muito pouco discutido, tratado com não seriedade, inclusive pela mídia,
acho que isso vem mudando um pouco, mas o aborto é muito é tratado nas páginas policias, com este viés
criminalizante”. Deste modo, Kauara Rodrigues ressalta que, de algum modo, tal “comoção social” em torno
do tema do aborto, trouxe a tona vozes e diálogos na base, pois, “o tema foi mais discutido, setores se
manifestaram”. O resultado de tal impacto, segundo ela, se deu no sentido de dialogar aspectos da
democracia com a questão do PNDH-3, especialmente, na reafirmação de direitos sexuais e reprodutivos de
mulheres como direitos humanos. Do mesmo modo, aproximou a reivindicação de direitos sexuais e
27
“convulsão efêmera” como uma controvérsia que pode ser entendida como “um momento
de expressão e redefinição de pontos e problemas” (Giumbelli, 2002, p. 96). Nesse sentido,
pergunto: em que tempos e em quais espaços fé e política podem ou não se misturar? Que
modalidades de religioso e de laicidade são engendradas nestes tempos e espaços da
sociedade brasileira? De fato, a legalização do aborto foi o centro das atenções durante o
“tempo da política” de 2010. Todavia como esta polêmica nos ajuda a entender as
definições de religião no espaço público brasileiro? O que a religião enquanto categoria
social revela sobre os “traços constitutivos da sociedade” brasileira (Giumbelli, 2002, p.
97) e como “reconfigura definições de realidade, explicitando o conflito que existe em
torno dessas definições” (idem)?
Ora, aquela “guerra de imagens” marcou-se pela a disputa entre a imagem que
pretendia fixar emblemas morais e religiosos como caros a sociedade brasileira e a que
intencionava corroborar valores democráticos como a garantia dos direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres, já conquistados. Por isso mesmo nas etnografias grafadas nesta
dissertação proponho não um “projeto de destruição” entre estas imagens. Privilegio não
apenas iconoclasmos, mas também um iconoclash “que por outro lado, é quando não se
sabe, quando se hesita, quando se é perturbado por uma ação para a qual não há maneira de
saber, sem uma investigação maior, se é destrutiva ou construtiva” (Latour, 2008, p. 113).
Do mesmo modo, esta dissertativa sobre a participação da Frente Parlamentar
Evangélica no legislativo brasileiro não possui “o desejo religioso de destruir ídolos para
trazer a humanidade ao culto certo do Deus verdadeiro, [nem] o desejo anti-religioso de
destruir os ídolos sagrados e trazer a humanidade ao seu perfeito juízo” (Latour, 2008, p.
119). De fato, se intenciono “ir além das guerras de imagem” (Idem, p. 137), também
produzirei aqui imagens, ícones e ídolos feitos por minhas mãos e cultuados por minha
mente de antropóloga. Sendo assim, as imagens produzidas nesta etnografia expressam,
sobretudo, a relação entre religião e política em espaços e em tempos quando ambas se
imbricam enaltecendo, sobretudo, as pessoas retas, as instituições corretas cujos discursos
(mesmo que opostos) proferiram nomes, lançaram idéias e ensejaram sentimentos.
A priori, aquele cenário das eleições de 2010 marcado por valores e por práticas
religiosas, parece desfazer a idéia de que “o político” refere-se a um domínio particular
reprodutivos de mulheres às organizações e movimentos democráticos que lutam por reconhecimento de
direitos civis e humanos.
28
que, “de acordo com o paradigma instituído pela modernidade […], tem indiscutível
caráter secular” (Miranda, 1999a, p.282). Sendo assim, mais do que a desprivatização da
religião (Casanova, 1999) estaria se conformando uma “passagem da ética e da prática
religiosas comunitárias às especificidades do jogo político” (Miranda, 1999a, p. 282).
Imbricações nem tão inéditas. Fato é que nas eleições majoritárias de 2010 católicos e
evangélicos articularam o religioso e o político segundo suas “particularidades
doutrinárias” que versaram sobre a “forma de viver a religiosidade no interior das
comunidades de pertença” (idem, p.320). Outrossim, atuaram privilegiando certas práticas
como a explicitação do vínculo entre pleitos nacionais e demandas das bases e a utilização
de biografias, carreiras, comprometimentos e compromissos políticos como forma de
conceber uma “proximidade que cria laços de identificação, permitindo o ideal da
comunhão de princípios e interesses semelhantes” (Barreira, 1998, p.44). A saber: entre
candidatos corretos e os eleitores cristãos.
Entretanto, o agenciamento da lógica da política pela lógica da religião continua a
ensejar perguntas sobre as atividades desses grupos religiosos na política (Goldman, 2006).
De fato, as causas e os efeitos da entrada de evangélicos na política brasileira engendraram
a produção de uma literatura na sociologia e na antropologia da religião bem como nas
ciências da religião tão extensa e diversificada quanto são os próprios evangélicos e suas
formas de atuação no mundo. Tais estudos privilegiaram, sobretudo, as formas de
organização social, cosmológica e ritualista das Igrejas evangélicas bem como a relação
entre laicidade, pluralismo religioso, democracia e liberdades religiosas e laicas33. Vale
frisar que países europeus, especialmente a França, experimentam o ressurgimento de
aspectos e agentes religiosos no âmbito de seus espaços públicos marcadamente laicos e
democráticos. Fato que vem provocando uma releitura sobre o papel da laicidade34.
De todo modo, a relação entre religião e política é tema de meu interesse desde
minha inserção numa pesquisa etnográfica num pequeno município da Baixada
Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Tal investigação tinha como objetivo “lidar com
o dia-a-dia do ‘tempo da política’ e do ‘tempo da igreja’, isto é, com as racionalidades
próprias de cada um desses domínios e com as formas de deslizamento de um para outro”
33
Para citar apenas algumas obras e alguns autores: Baptista (2009), Birman (2001), Burity (2007, 2008),
Campos (2006), Freston 1993, 1994a, 1994b, 1996, 1999, 2006), Giumbelli (2000a, 2000b, 2004, 2008),
Machado (1996, 2006), Mafra (2000, 2001), Mariano (1999), Mariz (1997), Montero (2006), Oro (1996,
2008), Oro & Steil (1997) Pierucci (1996), Sanchis (2001), Steil (2001).
34
Sobre este aspecto ver Hermon-Belot & Fath, 2005, Hervieu-Léger, 1999, Davie & Hervieu-Léger, 1996.
29
(Damasceno, 2004, p. 12). Assim, quando tive a oportunidade de me inserir no grupo da
pesquisa “Do dom ao voto: ethos religioso e representação política em um município da
Baixada Fluminense/RJ” passei a considerar a possibilidade de investigar as mulheres
evangélicas, especialmente por que nos primeiros eventos e rituais políticos e religiosos
observados pelo grupo de pesquisa notei que elas agenciavam estes espaços de modo
“diferente” ao que pensava.
Como uma não iniciada no ofício antropológico estava, por certo, permeada de
pré-conceitos e pré-concepções sobre as mulheres evangélicas. A primeira imagem que
tinha destas mulheres era de submissão, resignação e apatia, adjetivos que se
contrapunham
as
qualidades
que
considerava
indispensáveis
as
mulheres
na
contemporaneidade: inteligência, escolaridade, independência, ocupação de postos de
poder e de comando e uma dose de empoderamento nas relações privadas. Igualmente
permeados por pré-conceitos meus colegas de universidade questionavam como conseguia
estar em contato com pessoas que “acreditavam” em crenças e não em epistemologias.
Assim, fui devidamente “bombardeada” por questões a la senso comum entremeadas por
espantos faciais: “ah, os evangélicos?”, “por que”?, “nossa que coragem de ficar perto”,
“eles fazem lavagem cerebral”, “eles são chatos”, “aqueles que vestem saia comprida neste
calor?”.
Contudo, o trabalho de campo é espaço e tempo privilegiados de aprendizagem
por que nos ensina não com letras, mas através de relações que estabelecemos com seres de
carne e osso. Assim, fui aprendendo a relativizar e a conceber que outras cosmologias
habitavam o mundo. Deste modo, continuei a participar das atividades de pesquisa do
projeto “Do Dom ao Voto...” procurando mapear mulheres evangélicas que transitavam
entre o mundo da política local e o campo religioso evangélico. Nesse sentido, as próprias
relações que o grupo de pesquisa estabeleceu durante o trabalho de campo me conduziram
a conhecer certas mulheres, em certos tempos e espaços sociológicos. De fato, comecei a
trilhar meu próprio caminho de conhecimento a partir de minha preocupação com o modo
como etnografar aquelas mulheres que escolhi etnografar. Especialmente por que a
sensibilidade vocacional antropológica de estar sensível às alteridades não é algo que se dá
de forma automática. Muito menos quando você é um aspirante a antropólogo. Trata-se de
uma espécie de exercício mesmo de ouvir os ensinamentos ensinados por nossos sujeitos
da pesquisa. De modo geral, havia um “senso” (inclusive meu) que considerava as igrejas
30
evangélicas androcêntricas por que impediam o exercício de cargos de liderança (pastoreio,
sobretudo) às mulheres.
Entretanto, aquelas mulheres que conheci no campo, em diversas atividades do
“tempo da política” e do “tempo da igreja” das quais participei, reivindicavam, pois, certa
“igualdade de gênero” seja no âmbito das igrejas e da política, seja no espaço doméstico ou
no público. Do mesmo modo que reificavam certas categorias do nosso senso ordinário.
Sendo assim, atuaram nas campanhas minoritárias de 2004 como candidatas,
correligionárias de seus esposos, filhos ou parentes ou como coordenadoras de campanha.
Ocuparam os espaços da política local, seja como secretárias de governo, seja como
funcionarias de gabinetes. Trouxeram a característica subjetiva da política (Goldman &
Sa´ntanna, 1996) em seus discursos, clamando por ajuda dos candidatos ou procurando
positivar a reputação de sua família contra os boatos difamatórios dos adversários. Em tais
campanhas eleitorais pediram a instalação de uma delegacia da mulher na cidade,
ressaltaram a importância da educação e da luta contra a violência doméstica sofrida pelas
mulheres. Conclamavam a adesão das mulheres as campanhas femininas utilizando-se “de
símbolos capazes de evocar sentimentos, idéias e crenças” (Barreira, 1998, p. 38) sobre a
“condição de gênero”.
Ora, estas mulheres mostraram que se há uma formalização da estrutura há
também a possibilidade de manipulação desta estrutura. Sendo assim, meu “modelo ideal”
sobre como as mulheres deveriam agir no mundo existia apenas na minha mente de
antropóloga, sob formas de construções (aparentemente) lógicas (Leach, 1996). No
“modelo real” elas agenciavam os capitais disponíveis circulando, com intensidades
diferenciadas, entre os territórios da política, da religião, da casa, e do estado. Por meio de
trânsitos e de relações produziram formas diversas de prestígio e de reputação bem como
de acesso ao poder. Deste modo, exerciam cargos na Prefeitura, eram diaconisas e
presidentes do conselho de mulheres de igrejas evangélicas, eram esposas de pastores e de
políticos locais ou ainda “parentes” de alguns dos sujeitos da pesquisa com os quais já
havíamos constituido laços de proximidade.
Entretanto, nenhuma destas mulheres brincou com minhas categorias
costumeiras como Pastora Inês que dissolveu a lógica coerente do espaço público e do
privado fazendo-me entender que em termos de relações de gênero não há apenas relações
atomizantes, mas também movimentos relacionais (Duarte, 2010). Conheci Pastora Inês
31
em uma ritual de promoção de unidade entre as igrejas evangélicas da cidade quando ela
foi “interpretada” pela hierarquia eclesial presente tão somente como “esposa de” algum
pastor. A priori, Pastora Inês corroborava com aquela pré-concepção que as igrejas
evangélicas não permitem que mulheres ocupem espaços de gerência. Contudo, ela rompeu
com a Igreja do Evangelho Quadrangular por que o pastor-presidente “não me deixava
andar”, ou seja, não a deixava exercer seu dom de “amplificadora da obra de Deus”. No
entanto, ela conquistou o cargo de dirigente de um novo ministério por sua capacidade de
“ampliar a obra de Deus” e de fazer renascer no Espírito Santo, jovens decaídos em vícios.
Contudo, mesmo tendo sido escolhida para ocupar o cargo de dirigente eclesial deste novo
ministério, Inês continuava a lutar “como um homem” contra a idéia dos pastores da
cidade que a capacidade de guiar um rebanho seria um “apanágio dos homens”. Por meio
do argumento que é Deus quem dá capacidade para ser uma autoridade espiritual, Pastora
Inês dizia: “a Bíblia fala de Gênesis a Apocalipse sobre a mulher”, ora, a mulher tem lugar
de proeminência nos relatos bíblicos “quem viu Jesus primeiro”? questionava.
Entretanto, no plano das relações afetivas e privadas, Inês considerava que sua
“carreira de evangélica” se devia a “ajuda” de seu esposo que, mesmo não sendo
evangélico, “não se opôs” e “tomava conta do nosso filho quando eu ia fazer missões”.
Esposo que se reúne em casa com amigos para jogar e beber cerveja, mas que também
ajuda nas obras da Igreja. Por isso mesmo, Inês nunca pensou em tentar converter o esposo
ao Evangelho por que respeita a “Ave Maria dele” – uma relação matrimonial que escapa
dos “padrões” estabelecidos pela estrutura formal evangélica. Inês é considerada pela
membresia dos Ministérios que dirige como uma “mulher firme, dura, que manda e luta
como um homem, mas que ajuda, aconselha, escuta”. Uma autoridade eclesial cuja
delegação “não vem do sexo”, mas sim “do Espírito Santo de Deus, que capacita ela, para
tomar as decisões certas, na hora certa”, como me ressaltou a contadora do Ministério. Ou
como afirmou a própria Pastora Inês em uma entrevista: “Deus me deu esta capacidade.
Pastora é como um prefeito, a palavra final é dela. Aqui na cidade eu não tenho tanto
respeito não, mas em outras cidades eu sou respeitada como uma juíza, por que no fundo
eu sou uma autoridade espiritual”.
De fato, o modo como Inês (e as demais mulheres por mim analisadas) transitava
entre o espaço e tempo do sagrado e da política local não poderia ser cartografado apenas
por coordenadas geográficas traçadas em latitudes e longitudes precisas (Mignolo, 2003).
32
Isso por que estas mulheres teceram os seus (e os meus) caminhos de conhecimento como
um rizoma35 (Deleuze & Guatari, 1997, p. 37), disforme e conectado. Forma de
conhecimento rizomática que me possibilitava enquanto pesquisadora reinventar os
“lugares comuns” (Brenner, 1998) conferidos às suas atuações, especialmente no espaço da
política, considerado, senso-ordinariamente público e masculino. Deste modo, estas
mulheres me ensinaram que ao procurar unidade em um mundo de identidades
fragmentadas sentimos um desconforto perante “nossos espelhos de identidade” (Ibidem,
p.26). Ora, aquelas mulheres apontaram relação e afinidades e não somente semelhança e
identidade (Haraway, 2000, p. 52-53), por isso, primei por uma etnografia que
privilegiasse o(s) gênero(s) sempre nas relações. De algum modo, esta forma de conhecer
pessoas foi em minhas bagagens quando me mudei para Brasília a fim de cursar o
mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de
Brasília.
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Ao chegar a Brasília tinha uma vaga idéia sobre o que gostaria de escrever na
dissertação. Contudo, passei o primeiro semestre do mestrado em dúvidas se “voltava para
casa” e retornava meu contato com estas mulheres que ora descrevi ou se aproveitava a
oportunidade de residir em Brasília e investigava a atuação de setores evangélicos na
“grande política” (Bailey, 1971). Ainda permeada de dúvidas iniciei a construção de um
arquivo indiciário (Ginzburg, 2002) sobre um mundo então desconhecido. Passei então a
acessar o site da Câmara dos Deputados, procurando pegadas de parlamentares filiados a
Frente Parlamentar Evangélica (de agora em diante FPE). Logo encontrei alguns indícios
sobre a atuação de deputados evangélicos cariocas. Foi o caso de Filipe Pereira36 (PSC/RJ),
35
"Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto
qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza, ele põe em jogo
regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa reduzir nem ao
Uno nem ao múltiplo... Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Não
tem começo nem fim, mas sempre um meio, pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades"
(Deleuze & Guatari, 1997, p. 31).
36
Conheci Filipe Pereira em 2005 na festa de aniversário de seu tio (também evangélico) que era o secretário
da pasta de agricultura na gestão do prefeito eleito em 2004, Gedeon Antunes. Em 2006, o grupo de pesquisa
acompanhou a campanha de Filipe Pereira por conta do apoio que o candidato, então vereador pelo Rio de
33
jovem assembleiano e filho do ex vice-presidente nacional do Partido Social Cristão.
Numa destas pesquisas encontrei o Projeto de Resolução/PRC no 113/2008 que propõe
alterar a redação do § 1 do artigo 50 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados a fim
de que os Presidentes das Comissões profiram no início de cada sessão ordinária as
seguintes palavras: “Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro iniciamos
nossos trabalhos”. Na justificativa do projeto lia-se: “Ora, a proteção de Deus é requisito
imprescindível para o bom desenvolvimento dos trabalhos ocorridos em toda a Câmara,
não somente nas sessões plenárias” (Notas do PRC no 113/2008, p. 2).
Sendo assim, após achar um “conhecido” continuei meu empreendimento de
preencher pastas no notebook com indícios destes agentes e daquele ambiente
especialmente através do monitoramento de Projetos de Lei propostos pelos parlamentares
evangélicos. Vale ressaltar que a página da Câmara dos Deputados possibilita que o
pesquisador cadastrado no site selecione as proposições que deseja acompanhar por e-mail.
Para isso, o usuário deve acessar a página de busca quer pelo número da Proposição, pelo
assunto ou por meio de uma pesquisa completa que o permite encontrar os dados buscados.
Deste modo, o usuário pode marcar as proposições que deseja acompanhar utilizando o email cadastrado. Seguindo este procedimento foi possível buscar Projetos que cria ser do
interesse da FPE e, encontrando-os, passei a receber notícias sobre quaisquer
movimentações de tais proposições, em minha caixa de e-mail.
No caso dos discursos dos parlamentares pude acessá-los também pelo site da
Câmara, mas através de outro procedimento37. Ao acessar a página inicial do site da
Câmara clicamos na opção “atividade parlamentar” que abre uma caixa que contém outros
links. O link o “Plenário” nos direciona a uma página de pesquisa que nos permite acessar
discursos, notas taquigráficas, pauta da semana, oradores inscritos, ordem do dia, resultado
das votações, lista de presença. Ou seja, toda a movimentação no Plenário é gravada,
transcrita e disponibilizada no site. Através destes suportes de pesquisa, oferecido pelo
próprio campo, pude acompanhar os movimentos dos parlamentares evangélicos de casa.
Outrossim, passei a assistir diariamente a TV Câmara: matérias, entrevistas, programas
bem como a transmissão ao vivo das sessões do plenário ou das comissões.
Janeiro, havia dado a campanha de nosso interlocutor privilegiado José Camilo, também do PSC. Em 2006,
José Camilo e sua família ampliaram os laços com a “grande política” apoiando a candidatura a deputado
federal de Filipe Pereira pelo PSC. Neste sentido, José Camilo e toda sua família nuclear retribuíram a dívida,
apoiando a candidatura de Filipe na “base eleitoral” da cidade.
37
www.camara.gov.br > atividade legislativa > http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/plenario >
34
Deste modo, como fazia (quase) todas as noites, preparava algum lanche e
sentava-me no sofá para assistir a TV Câmara. Numa noite de quarta-feira, 26 de agosto de
2009, liguei a televisão e logo sintonizei na TV Câmara. Para minha surpresa estava sendo
transmitida uma sessão extraordinária ao vivo do Plenário da Câmara que discutia a
Concordata38 assinada entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro. Naquela sessão
extraordinária, o Acordo católico entra na pauta de votação, segundo Mariano (2010), por
conta de acordos internos entre a cúpula da Igreja Católica brasileira e setores do Estado
brasileiro. Antes mesmo do início dos debates, o deputado Ivan Valente (PSOL/SP)
advertiu sobre a entrada de “outro projeto de lei” na pauta do dia: uma espécie de contra
resposta da Bancada Evangélica do Congresso Nacional ao Acordo católico. Através do
requerimento do relator Eduardo Cunha (PMBD/RJ) a Lei Geral das Religiões39, de autoria
do deputado George Hilton (PRB/MG), membro da IURD, foi inserida na pauta do dia a
fim de ser votada juntamente com o Tratado Brasil/Santa Sé.
Ivan Valente fez questão de esclarecer que havia um “acordo entre os líderes” no
sentido de votar exclusivamente naquela sessão “a concordata entre a Santa Sé e o
Governo brasileiro”40. Nesse sentido, solicitou aos pares cautela em matérias que
envolvem “a complexa questão da laicidade do Estado brasileiro”. Por isso mesmo,
reforçou o parlamentar: “o Congresso Nacional deve se conscientizar da necessidade de
haver uma discussão de fundo sobre esse problema”41. O deputado Fernando Gabeira (PVRJ) em um aparte ao colega ressalvou: “o Acordo do Brasil com o Vaticano já significa um
arranhão na laicidade do Estado brasileiro. Mais um projeto criando uma situação para
outras religiões retira a laicidade do Estado brasileiro não apenas para os católicos, mas
para outras religiões42”. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) contra argumentou: “é
38
O Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Igreja Católica chegou à Câmara dos Deputados em
março de 2009 sendo enviado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional tendo como relator o
deputado Bonifácio de Andrada (PSDB/MG). O projeto foi apreciado nas comissões de Trabalho, de
Administração e Serviço Público (CTASP), Comissão de Educação e Cultura (CEC), Comissão de Finanças
e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) tendo sido aprovado.
39
De modo geral a Lei versa sobre o livre exercício religioso, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias,
a inviolabilidade de crença no país, o reconhecimento da personalidade jurídica das Instituições Religiosas, o
ensino religioso facultativo, a garantia de imunidade tributária as Instituições religiosas e a violação à
liberdade de crença e a proteção aos locais de culto e suas liturgias como infração sujeita às sanções previstas
no Código Penal.
40
Notas taquigráficas. Brasília, Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXIV, n. 147. Quinta-feira 26 de
agosto de 2009. p. 44990
41
Ibidem.
42
Brasília, Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXIV, n. 147. Quinta-feira 26 de agosto de 2009. p.
44991.
35
um acordo bilateral, não é uma lei, [...], não há privilégio, não há nada que não esteja na
Constituição e nas leis brasileiras. Não há exceção. O tratado é benigno, de uma igreja
benigna [...]43”. Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) endossou: “queremos registrar, em nome
do Bloco e da bancada do PSB, [que] não há absolutamente nenhum retrocesso, não há
nenhum comprometimento da laicidade do Estado44”.
As duas propostas entram em disputa no legislativo marcando um cenário de
debates acalorados e por posicionamentos divergentes. Acirrando a contenda, Ivan Valente
advertiu que na Comissão de Relações Exteriores os parlamentares cuidaram para que o
“debate não extravase para interesses religiosos de qualquer tipo, nem para uma guerra
religiosa, porque a Constituição brasileira garante a liberdade, a diversidade e a pluralidade
do exercício de todas as confissões religiosas45”. Contudo, o parlamentar esclareceu: a
Concordata “trata-se de um acordo de tipo religioso. Este é o grande debate. Isso atenta
contra a laicidade do Estado brasileiro46”. O Presidente da Câmara dos Deputados Michel
Temer (PMDB/SP) ironicamente recomendou aos pares que votassem “religiosamente” as
matérias: “portanto, com muita espiritualidade, com muita calma e tranquilidade, que é o
que a religião, que vem do latim religo religare, recomenda, que se faça uma religação
harmoniosa no plenário47”. De fato, não houve religação alguma naquele cenário de
disputas. Tão somente adesões momentâneas tanto no sentido de vetar quanto no de
aprovar o ingresso da “lei geral das religiões” na pauta do dia. Do mesmo modo, a
Concordata estava também ali, em disputa, mobilizando acirramentos entre deputados
laicos e religiosos.
Tratou-se, portanto, de uma sessão plenária marcada por manifestações
acaloradas quando inclusive parlamentares evangélicos se pronunciaram contrários a
aprovação da Concordata, mas favoráveis a entrada da Lei das Religiões na pauta do dia
bem como sua aprovação. Ora, o Acordo entre os parlamentares, próprio da arena
legislativa, constituir-se-ia em: caso a Concordata Brasil/Santa Sé fosse votada, a Lei Geral
das Religiões também seria. Neste cenário, deputados não religiosos argumentavam a favor
da laicidade do Estado procurando vetar ambas as propostas. A despeito das disputas
agonísticas entre demandas diferenciadas (católica, evangélicas e laicas) ambas as matérias
43
Idem, p. 44993.
Idem, p. 44993.
45
Idem, p. 44990.
46
Idem, p. 44990.
47
Idem, p. 44993.
44
36
foram aprovadas48 validando a modalidade de laicidade preconizada pelas Bancadas
religiosas da Câmara dos Deputados: Política e religião, sim; Estado e Igreja sim, também!
Reforço que a cena marcava-se por diferentes contendas entre católicos e
evangélicos e entre laicos e religiosos, mas que no jogo da política acabaram por ser
acordadas. De fato, naquele dia, assistindo aquele cenário de disputas decidi sobre que
caminhos gostaria de trilhar na dissertação por conta de duas questões. Primeiro por que
foi possível “observar a polissemia da noção de laicidade e seus múltiplos e estratégicos
usos conforme as posições, as interpretações e os interesses em jogo dos diferentes atores
dessa disputa política e religiosa” (Mariano, 2010, p. 22). Segundo por que notei nos
discursos parlamentares tanto os desacordos entre católicos e evangélicos quanto os
acordos que estes religiosos promoveram (entre eles e entre seus partidos políticos) a fim
de ter seus pleitos atendidos pelo Estado. Bem como os acordos e desacordos entre laicos e
religiosos. Temas, de fato, de meu interesse.
Ora, escolhido o campo passei a freqüentar de forma mais cotidiana o site da
Câmara e da FPE buscando inventariar notícias sobre religião, política, laicidade e espaço
público no Brasil. Como ainda não era possível estar lá49, observando e participando do
cotidiano do legislativo, a despeito de residir tão perto delo, era esta a forma de
aproximação que julguei ser plausível. Como disse, minha atividade no segundo semestre
48
Na ocasião, foram apresentados os pareceres favoráveis à Concordata das Comissões de Constituição e
Justiça e Cidadania, de Educação e Cultura, e de Trabalho e Previdência Social. O único partido que orientou
pela rejeição da concordata foi o PSOL. Liberaram suas bancadas o PV, o PDT, o PSDB, o PR e o PPS
(apesar da nota com opinião contrária assinada pelo presidente deste último na véspera). Os demais partidos,
da esquerda à direita, orientaram votação favorável à concordata. Aprovado na Câmara a matéria seguiu ao
Senado em setembro de 2009, sendo enviada à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
designando o senador Fernando Collor como relator. Em 7 de outubro a Comissão aprovou o projeto sendo
promulgada como decreto legislativo, enviada ao Palácio do Planalto, para homologação do Presidente da
República. Contudo, a Lei geral das religiões continua a tramitar no Congresso Nacional.
49
Mormente, quando o antropólogo diz “lá” refere-se ao próprio “trabalho de campo” e o “aqui” como o
momento de reflexão do observado lá, ou seja, o processo de escrita etnográfica. Contudo, o modo como o lá
e o aqui se imbricaram durante o meu trabalho de campo me leva a considerar que o “aqui” e o “lá” não
correspondem a espacialidades distintas (cf. Giumbelli, 2002, p. 104). De fato, durante meu campo vivi uma
espécie de esquizofrenia espacial. Por certo, ter o privilégio de morar perto dos nossos nativos facilita muitas
atividades da pesquisa. Contudo, se, no meu caso, não montei minha barraca do lado de fora da aldeia, parece
que foram os nativos que montaram a sua barraca em minha mente. Isso por que, vivi todos os dias dos cinco
meses de trabalho de campo, lá e aqui, fazendo campo, fazendo etnografia. Não tive, pois, o privilégio de me
distanciar do campo e das pessoas. Eles estavam em todos os lugares: na televisão, na internet, na mídia, nas
eleições, no bar, no mundo. Mesmo quando não estava lá, o lá aqui estava. Definitivamente, parece que
continuei a transitar entre estas duas espacialidades durante os meses seguintes ao trabalho de campo. Algo
tão poderoso (quase um vício) que até hoje minha página inicial do navegador da internet é o site da Câmara
dos Deputados. Do mesmo modo, continuo ainda a verificar as notícias no blog da FPE. De todo modo,
quando me empreendi a escrever “de verdade” sobre o lá, o aqui teve que se fazer presente.
37
do mestrado se pautou numa produção indiciária sobre o tema religião e política no
legislativo coetâneo. Entretanto, findo o primeiro ano do mestrado, chegava o momento de
imergir nos meandros do incógnito, a saber, tornar o desconhecido, conhecido. Por isso
mesmo, já no início de 2010, comecei a considerar de que modo poderia me inserir naquele
mundo subterrâneo uma vez que o ano legislativo se iniciaria em 02 de fevereiro de 2010.
Como disse, decidi começar o trabalho de campo na primeira semana de março
de 2010 logo depois que retornasse a Brasília. Ainda no Rio de Janeiro por conta do
recesso das aulas no mestrado, a despeito dos trabalhos finais das disciplinas, uma questão
passou por minha cabeça: o que vestir? Para mim as pessoas “deveriam” vestir roupas
formais e usar salto alto para freqüentar o Congresso Nacional. O que considerava ser
impossível realizar especialmente por conta de minha falta de formalidade e elegância bem
como minha incapacidade de andar num sapato de salto alto. Tomei, pois, consciência de
que no meu guarda roupa só havia trajes e acessórios apreciados pelos estudantes de
antropologia como saias rústicas, sandália de couro, adornos artesanais, camisetas regatas.
Logo tive que realizar algum empreendimento vestuário, sendo assim, comprei alguns
sapatos fechados sem salto, umas calças compridas não jeans e umas saias e blusas mais
formais, mas não muito formais. Creio que mesclei um pouco os estilos (estudante de
antropologia e alguém que transita no Congresso Nacional) que pairavam em minha mente.
O objetivo deste empreendimento era me sentir confortável para ficar o dia todo andando
pelo Congresso Nacional e, especialmente, freqüentar a sala da FPE e os cultos.
De volta a Brasília, não tive coragem de iniciar como planejado o trabalho de
campo. Estava com medo de não ser bem recebida pela FPE, tinha receio que o campo
escolhido não se realizasse. Mas, como disse, far-se-ia necessário conhecer e observar in
locu aquelas pessoas, aquele ambiente. Sendo assim, tomei coragem para enfrentar o
campo e todos aqueles sentimentos que só ele é capaz de ensejar no antropólogo.
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Parto, numa quarta-feira de março de 2010, rumo ao monumento construído pelo
centenário Orcar Niemeyer: o Palácio do Congresso Nacional, inaugurado com a nova
38
capital. Saio de casa na Asa Norte50 da cidade e embarco na famosa zebrinha (microônibus
brasiliense) de número 31 que faz o percurso L2 norte51/Esplanada dos Ministérios. A
única visita que havia feito ao Congresso Nacional foi como visitante, logo assim que
cheguei a Brasília. Como não sabia por qual acesso deveria entrar no Congresso Nacional,
desembarquei da zebrinha e atravessei o Eixo Monumental da Esplanada dos Ministérios.
Caminhei em direção a entrada principal do Congresso Nacional, por onde os visitantes a
acessam, rota por mim conhecida. Esquecendo-me que estava ali enquanto antropóloga,
não pedi informações aos transeuntes e seguindo meu conhecimento andei até a rampa que
dá acesso a entrada principal do Edifício do Congresso Nacional.
Lá chegando perguntei a dois guardas que estavam apostos na entrada principal
do monumento onde ficava o Plenário sete da Câmara. Lá estava eu, devidamente trajada,
para assistir a Comissão de Seguridade Social e Família que iria aprovar dois Projetos de
Lei de meu interesse: o Estatuto do Nascituro e o que tornava crime a venda de fármacos
abortivos. Pensava que aqueles dois Projetos seriam discutidos e aprovados (ou não)
naquela sessão, no meu primeiro dia em campo, 17 de março de 2010. Contudo, aquele
cenário arquitetônico tão conhecido pelos brasileiros seja pelas lentes da televisão, seja
pela escrita jornalística se revelaria um ambiente que em seus subterrâneos esconde certos
mistérios que até mesmo a sensibilidade vocacional da antropologia tem dificuldade em
grafar.
Os guardas haviam orientado que me dirigisse ao hall inferior. Perguntei onde
era, pois “é o meu primeiro dia de pesquisa aqui”. Os guardas me explicaram o trajeto. O
edifício do Congresso Nacional possui, sobre um bloco-plataforma horizontal, uma
semiesfera à esquerda (assento do Senado) e um hemisfério à direita (assento da Câmara
dos deputados) e, entre ambas, duas torres gêmeas. Como orientada pelos guardas,
50
No Distrito Federal se localiza a capital federal Brasília (cujos limites coincidem com os do próprio
Distrito Federal). O DF é composto pelo Plano Piloto e demais regiões administrativas, conhecidas como
cidades satélites. O projeto do Plano Piloto consistiu-se basicamente no Eixo Rodoviário no sentido norte-sul
e Eixo Monumental no sentido leste-oeste. O Eixo Rodoviário é formado pelas Asas Sul e Norte e pela parte
central (onde as asas se encontram sob a Rodoviária do Plano Piloto). As asas são áreas compostas pelas
superquadras residenciais, quadras comerciais e entrequadras de lazer e diversão sendo numeradas de 201 a
216, 401 a 416, 601 a 611 e na parte leste do Eixo e 101 a 116, 301 a 316, 501 a 516, 701 a 716 e 901 a 916
na parte oeste do Eixo Central. A Asa Norte, assim como a própria Asa Sul, é cortada pelo Eixo Rodoviario e
pelos eixinhos paralelos W (oeste) (W5, W4, W3, W2 e W1) e L (leste) (L1, L2, L3 e L4). O Eixo
Monumental estende-se por 16 km, fazendo a ligação entre a Rodoferroviária de Brasília (a oeste) e a Praça
dos Três Poderes (a leste). Neste eixo está localizado a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes.
51
A L2 norte é uma das via que cortam a Asa Norte no sentido norte-sul. Sendo, pois, paralela ao Eixo
Rodoviário. Entre a L2 norte se localizam as quadras 600 e as 400.
39
retornei, contornei o espelho d´água e descei rumo a entrada localizada no subsolo do
Edifício que dá acesso a uma entrada que conduz ao Senado Federal e a Câmara dos
Deputados. Por certo, àquela hora, quase às nove da manhã de uma quarta-feira, não era a
única transeunte no recinto. Carros oficiais de deputados e senadores chegavam. Câmeras
de redes de televisão se posicionavam. Visitantes se dirigiam a entrada.
Adentrei o hall de recepção e perguntei à recepcionista como fazia para chegar ao
Plenário Sete da Câmara. Primeiramente, ela me perguntou: você tem cadastro na Casa?52.
Num gesto negativo, ela me solicitou um documento de identificação e pediu permissão
para tirar uma fotografia digital. Em seguida, explicou-me o trajeto até o Plenário sete.
Agradeci e sai caminhando com um mapa mental do caminho pelo qual deveria percorrer.
Ao passo que adentrava a Casa lembrei-me das dicas de um colega antropólogo53 de como
agir, especialmente, em não deixar que os outros percebessem que naquele subterrâneo, eu
era uma desconhecida. Mas minha faceta revelava doses de estranhamento, por isso
mesmo, perguntei a outro funcionário da Casa onde ficava o tal Plenário sete. Subi e desci
escadas, rampas, acessos, entrei e sai de salas, pessoas passavam por mim em andares
eufóricos. Gente engravatada. Gente comum. Saltos quinze. Micro vestidos. Cabelos
arrumados. Pastas na mão. Correria. Risos. Conversas. Caminhando mais um pouco, não
achei o Plenário. Até encontrá-lo, perguntei a mais três pessoas. Novamente muita correria.
Naquele instante, considerava que o enredo de minha primeira ida a campo
poderia ser a descrição da antropóloga perdida no campo. Sabia, pois, da existência da FPE
do Congresso Nacional, os projetos de lei que defendia e os que se posicionava
contrariamente. Sendo assim, o início daquela primeira incursão fora um tanto angustiante.
Em nenhum momento tive a brilhante idéia de fazer um contato prévio com a FPE.
Enquanto caminhava, perdida, pensava: teria que ir de gabinete a gabinete procurando
52
Casa é uma categoria nativa. Em diversas situações fora utilizada para se referir seja a Câmara dos
Deputados, seja ao Congresso Nacional (as duas Casas). Na época do trabalho de campo não me preocupei,
contudo, em saber o porquê de tal categorização. Talvez por que tenha ficado clara para mim que Casa era
para aqueles que a frequenta o espaço onde se legisla.
53
Diferentemente do meu colega do lado de lá da semi-esfera não encontrei resistências para adentrar o
espaço da Câmara, talvez por que é notória a diferença entre ambas as Casas no que tange a formalidade e a
segurança. A despeito de termos campos tão próximos (cf. Alcorofado, 2010, p. 10) nos distanciamos: 1) no
que tange ao modo como adentramos no campo 2) como e com quem estabelecemos relações durante o
campo e 3) o grau de dificuldade em acessar coisas e pessoas em ambas as Casas. É neste sentido que, para
mim, “o conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social, pois é o efeito das relações que
constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, e a causa de uma transformação
(toda relação é uma transformação) na constituição relacional de ambos” (Viveiros de Castro, 2002, p. 113114).
40
pelos deputados? Eles teriam uma sala? Onde habitavam aqueles agentes naquele ambiente
por mim desconhecido? Por que me restringi a conhecê-los online? Ora, o campo mim
escolhido não era uma paisagem paradisíaca, com culturas em extinção e tribos exóticas.
Não poderia, portanto, montar minha barraca numa aldeia nativa, perdida num tempo e
num espaço histórico, vendo de longe “a lancha ou o barco [...] afastar-se no mar até
desaparecer de vista” (Malinowski, 1978[1922], p. 19). De fato, parecia estar “embruxada”
por uma idéia de nativo e de antropólogo tal como narrados por nossos pais fundadores.
Logo eu, que sempre fiz campo perto de casa, esquecendo-me que
o “nativo não precisa ser especialmente selvagem, ou tradicionalista, tampouco natural
do lugar onde o antropólogo o encontra; o antropólogo não carece ser excessivamente
civilizado, ou modernista, sequer estrangeiro ao povo sobre o qual discorre” (Viveiros de
Castro, 2002, p. 113).
Outrossim, o próprio encontro entre nativos e antropólogo requer que o
pesquisador, ao menos, procure facilitar o acesso e a comunicação a fim de minimizar
empecilhos e caminhos tortuosos. Nativos e antropólogos estão em constante movimento
pelos ambientes que transitam, seguindo fluxos e correntes que se confluem, desaguando
na mesma foz ou que acessam diferentes leitos. Assim, continuei andando pela Casa,
perguntando-me onde encontrar meus sujeitos da pesquisa, pois, não conhecia ninguém
que trabalhasse na Câmara dos Deputados. Desconhecia aquele mundo, eram todos
estranhos: corredores e pessoas outros.
Nesse sentido, concordo com Tim Ingold (2000) e sua crítica a necessidade que
temos de construir o mundo, em consciência, antes de atuar nele. Naquele primeiro dia de
campo, estava, pois, muito preocupada em encontrar, imediatamente, aqueles que fui
procurar. Ansiava-me por não conhecer o ambiente, os trânsitos, os fluxos, os processos,
por que era muito angustiante não saber como andar pelos corredores, como acessar as
rotas, entradas e saídas do Congresso Nacional. Ora, o antropólogo (estando perto ou longe
de casa) não é treinado no ambiente no qual vai se inserir. Sendo assim, é no processo
mesmo de percorrer o ambiente conhecível que se adquire uma dwelling perspective
(Ingold, 2000). Logo, tal habilidade cotidiana de orientação, prática e formação no
ambiente desconhecido que permite o “estrangeiro” habitar um novo mundo, como se
habitasse um ambiente no qual fora treinado. Todavia, em minhas primeiras incursões pela
Casa legislativa guiei-me portando um wayfinding (Ingold, 2000, p. 219): um instrumento
de navegação e de orientação do estrangeiro por “lugares desconhecidos” que
41
“It is rather an immensely variegated terrain of comings and goings, which is continually
taking shape around the traveller even as the latter’s movements contribute to its
formation. To hold a course in such an environment is to be attentive at all times to what
is going on around you, and to respond in ways that answer to your purpose”. (Ingold,
2000, p. 223-224).
Curiosamente, minha arrogância de não perguntar aos transeuntes por onde
acessar a Casa acabou me conduzindo para uma entrada que conhecia, mas que me levou a
uma rota de acesso desconhecida. Deste modo, ter entrado no Congresso Nacional por este
acesso que julgava ser por mim conhecido possibilitou exercitar a dwelling perspective,
privilegiando, assim, meu movimento perceptivo naquele ambiente. Do mesmo modo,
possibilitou concretizar meu desejo54 etnográfico de encontrar aqueles que provocam
controvérsias e polêmicas. Assim, depois de muito me perder pelo ambiente, cheguei ao
corredor que dá acesso os plenários55 onde se instauram as Comissões da Casa. Como
estava ali caçando pegadas, fios e rastros, acabei visualizando um cartaz fixado na parede
do corredor, o qual lia-se: “Culto da Frente Parlamentar Evangélica. 17 de Março de 2010.
Plenário 13”. Surpresa, desconcerto, euforia, dúvida. Será? Um culto? Aqui? Como? Mas
não estamos na Câmara dos Deputados? Ora, logo eu interessada em analisar a presença do
religioso no Estado laico, surpresa com a laicidade religiosa do Estado!
Tomada por um sentimento de excitação e surpresa caminhei pelo corredor,
procurando o Plenário 13. Encontrei! Adentrei o espaço legislativo, naquele momento
sagrado, ansiosamente. Um pastor ministrava o culto. Observei a cena. Homens trajados de
terno, bíblias nas mãos, ouvia cânticos e glorificações. Estou num culto, num plenário do
legislativo brasileiro, enfim encontrei aqueles que procurava, pensei. Tomei assento, ao
lado de um irmão e assisti a pregação. Na sala havia cerca de quarenta pessoas, a maioria
homens, todos louvavam ao Senhor Jesus. Naquele momento do culto, o espaço era dos
louvores e cânticos, por isso a Igreja exaltava o Espírito Santo de Deus. Dentro de mim,
54
Deleuze e Guattari (1997) consideram o desejo como processo que produz o campo de imanência de seus
agenciamentos e não como a dependência da idéia do corpo como origem das necessidades e lugar dos
prazeres. Ou seja, desejo não como falta ou como algo não realizável/proibido (como na teoria lacaniana e
freudiana), mas como possibilidades, como motivação: o devir (moleculares e minoritários; anorgânicos,
indiscerníveis e assubjetivos) que é o conteúdo próprio do desejo, desejar é passar por devires.
55
Os Plenários das Comissões da Casa são numerados e cada um deles abriga determinada Comissão
temática. De um lado do corredor ficam as salas pares, de outro as ímpares.
42
um ar de satisfação, como se o próprio Espírito Santo estivesse reconstruindo meu Eu56, de
antropóloga.
Após a pregação do pastor, um homem alto, de óculos, loiro e esguio sobe ao
púlpito. Ele concentra seu discurso na batalha cotidiana contra as adversidades na vida
política que, algumas vezes, retiram do fiel a confiança em Deus. Dúvidas permeadas,
sobretudo, por insatisfações em relação ao Tempo do Senhor, pois, “queremos tudo ao
nosso tempo, mas o tempo é Dele”, reforçava. Dúvidas próprias do tempo que já adentrava
aquela Casa. O tempo das campanhas eleitorais, das incertezas sobre a reeleição daqueles
parlamentares. Este homem lê, então, uma passagem bíblica que fala da História de Lázaro
a fim de enaltecer o amor e a força da fé que Jesus, filho do Pai, depositara nos homens: o
Pai dá a graça não por desejo do homem, nem no tempo mundano.
De fato, lá estava eu, num culto, no espaço máximo da República Federativa
brasileira, tomado de conclamações, glórias, aleluias e muitos aplausos a Jesus. Naquele
espaço e tempo, o Plenário 13 era uma Igreja, um espaço sagrado. Religioso, laico; laico e
religioso soavam como pêndulos em minha cabeça de pesquisadora. Como assim culto no
legislativo? Naquele momento religião e laicidade não pareciam água e óleo, mas sim leite
e mel57. Continuei a observar a cena. Olhava cada pessoa, cada detalhe minúsculo, cada
gesto, intenção, palavras. De fato, eram aqueles cultos o meu “achado etnográfico”: o
legislativo brasileiro abarcava não apenas a instauração de uma FPE, mas também a
transformação do espaço de feitura de leis num espaço de invocação do religioso e de
sacralização da política.
Num dos últimos momentos do culto aquele homem esguio e alto, cuja voz era
suave e cadenciada, solicitou aos presentes, como presidente da FPE, que convocassem
outros irmãos a participar daquela celebração: “se o culto está esvaziado é por que não
estamos nos doando, convocando as pessoas”, afirmou. Em seguida o parlamentar
agradeceu a presença de alguns deputados e parabenizou o deputado Henrique Afonso
(PV/AC) por sua outorga como Ministro em uma Assembléia de Deus no Acre.
56
A reconstrução do Eu é parte do processo de conversão a crença pentecostal, quando a pessoa nasce de
novo, renasce em Cristo, pelo Espírito Santo.
57
No antigo testamento bíblico a terra que emana leite e mel seria uma “terra boa e larga, a uma terra que
mana leite e mel; ao lugar do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do perizeu, e do heveu, e do jebuseu”
(Êxodo 3:8). Israel é descrita como: “uma terra que mana leite e mel" e em Ezequiel 20:6 diz: “naquele dia
levantei a minha mão para eles, para os tirar da terra do Egito, para uma terra que já tinha previsto para eles,
a qual mana leite e mel, e é a glória de todas as terras”. Uma terra que mana leite e mel numa região
desértica, pode ser vista como uma preciosa promessa do Senhor.
43
Em seguida, um homem negro e de sorriso contagiante sobe ao púlpito e avisa
aos deputados que na próxima quarta-feira, após o culto, seria realizada uma reunião com
lideranças evangélicas a fim de discutir o III Programa de Direitos Humanos lançado pelo
Governo Federal em dezembro de 2009. Ele avisa que o Governo Federal imprimira
apenas 2000 tiragens do PNDH-3. E como a FPE não contava com exemplares disponíveis
para distribuir as lideranças religiosas na referida reunião, solicitou parte da cota de xerox
dos deputados. Pedido acatado por alguns deputados presentes. O presidente da FPE
retoma a palavra e discursa reforçando “a vitória da Frente” no que tange a retirada de três
pautas de interesse da comunidade religiosa no PNDH-3. Finalizando o culto, o presidente
da FPE pediu que ninguém saísse daquela sala sem “dar um sorriso e um aperto de mão em
um irmão58”. Naquele instante, tomada de dúvidas, tal como os irmãos, considerava se
deveria me apresentar como pesquisadora..
Tudo tem seu tempo, diz a Bíblia, logo o tempo de Deus se fez presente. Aquele
senhor negro e de sorriso contagiante desceu do púlpito e caminhou em minha direção,
estendeu a mão e sorrindo me desejou “a paz irmã”. Acenei com a cabeça positivamente,
cumprimentando-o. Ele então perguntou se era a “primeira vez da irmã” na Casa.
Respondi balançando a cabeça num tom afirmativo, mas não tive dúvidas em dizer que era
pesquisadora da UnB interessada na participação de evangélicos no cotidiano da política
institucional. Assim, de uma vez. Ele se apresentou e informou que era pastor de uma
igreja Batista em Sobradinho/DF e um dos secretários da FPE. Meu nome é Isaias, pode
me procurar!, disse ele. Agradeci, ainda um pouco sem saber como agir. Ele se retirou.
Permaneci observando a cena. Antes de ir embora do culto, Pr. Isaias fez-me um convite:
você vem na quarta né? Não sabia responder, por que não sabia para que ele me convidava.
Creio que fiz uma expressão facial de não entendimento. Assim, ele retrucou: “toda quarta
tem culto das 08h45min às 09h50min”! Mais surpresa. Acenei positivamente e falei:
“venho, com certeza”.
Saio do plenário de louvor, tomada por ervas do diabo [sic], desorientada, já não
sabia mais onde estava. Minha localização era perdida, sem rumo. Pergunto a um senhor
que passava pelo corredor em que direção ficava o Plenário sete, aquele pelo qual
procurava. Ele me aponta a direção. No Plenário sete se instaura a Comissão de Seguridade
58
Com o passar do trabalho de campo percebi que sempre que terminava o culto, o deputado João Campos
dizia tais palavras. Inclusive, em muitos dos cultos, fui agraciada com a saudação e o aperto de mão dos
irmãos.
44
Social e Família, na qual a Bancada religiosa da Casa assumiu como espaço de
participação ativa contra os Inimigos. Chegando lá, o alvoroço era imenso. Imaginava que
a reunião de uma Comissão era bem formal e não uma espécie de feira com níveis de
decibéis altíssimos. Conversas paralelas entre as pessoas, inclusive, ao celular marcavam a
cena. Funcionários da Casa ou não, Visitantes, todos devidamente trajados participam da
res publica. A primeira vista, de forma caótica.
Se eu não estava concentrada, os deputados tão pouco. Alguns deles nem estavam
sentados em seus lugares. Não entendia a rotina daquela reunião. É assim mesmo? Ou hoje
a Pauta gera mobilizações? Perguntei a uma moça, que estava ao meu lado, como fazia
para obter a Pauta impressa do dia que estava em suas mãos. Ela me apontou uma
funcionaria: pega com ela. Fui até a funcionária que estava numa pequena mesa que ficava
na porta de entrada da sala. Perguntei: como faço para obter uma pauta?. Ela me
respondeu: “você deve pegar na Internet, mas vou te dar uma impressa, só hoje”, num tom
de autoridade local. Agradeci, por certo. Sentei numa cadeira localizada na última fileira da
sala, ao lado de uma senhora. Ela, insistentemente, puxava conversa e me perguntava o que
havia sido retirado de Pauta, se houve inversão de pauta, o que havia sido votado59. Eu
confusa e embaralhada, tentava respondê-la, sem êxito. E pensava: nem sei como isso
funciona.
Permaneci ali menos de uma hora, pois os dois projetos que me interessavam
foram retirados da pauta do dia da CSSF. Devidamente perdida naquele ambiente
ensurdecedor, cheio de gente estranha, deixei de lado minha empreitada de conhecer o
desconhecido. Para mim já havia conhecido demais, percorrido demais, visto demais.
Tinha sido além do que imaginava para um primeiro dia de trabalho de campo cuja
intenção era tão somente encontrar a FPE ou algum de seus deputados. Creio que tive
êxito. Por isso mesmo, pensava na “sorte” de ter encontrado a FPE num culto em pleno
legislativo a despeito da surpresa que o “imprevisto” me causara. Surpresas que não
cabiam nas páginas do diário de campo. Talvez por ter sido uma tentativa que lograra êxito
59
Toda sessão ordinária conta com uma ata de PL a ser votados, discutidos e organizados pelo presidente da
Comissão e o secretário geral. Os PL são classificados de urgência, de prioridade e os ordinários. Os de
urgência tem o prazo de 5 sessões pra ser apreciados, os de prioridade 10 sessões e os ordinários, 40 sessões.
Assim, a ata da reunião é montada seguindo uma numeração na qual consta esta ordem prioritária. A despeito
desta ata, a Comissão tem a autonomia para funcionar como achar melhor a fim de dinamizar as votações dos
PL. Em 2010, na CSSF, os deputados presentes, sendo relatores ou autores de PL constantes na pauta, podem
pedir preferência (de votação) ou retirada da pauta de dia. Do mesmo modo, cada parlamentar tem o direito
de fazer um pedido: ou a preferência (“inversão” da ordem da pauta estabelecida) ou a retirada da pauta.
Entrevista com o secretário geral da CSSF, 18 de agosto de 2010.
45
e excitação, esta primeira descrição etnográfica de minha inserção no ambiente do
legislativo seja a mais nua e a mais crua (Bonetti, 2010) desta dissertação.
Ora, ao despir (Bonetti, 2010, p. 166) as notas privadas do diário de campo da
incursão inaugural à minha Trobriand, trago, pois, notas pouco lapidadas, enaltecendo o nu
e o cru do primeiro contato entre o meu self60 de pesquisadora e o selves que resolvi grafar.
Entretanto, o risco de despir o íntimo é justamente fazer conosco o que aprendemos a fazer
com o “outro”: expô-lo. Do mesmo modo, revelar o que não deveria ser exibido (como os
bastidores da pesquisa) pode comprometer, inclusive, o poder da construção do outro
(Bonetti, 2010, p. 166) relacionado, pois, com a “indumentária do antropólogo” (Fontanari,
2010, p. 146). Ciente do risco de me despir, descrevi a crueza daquela primeira observação
participante apenas para ressaltar as angústias e os estranhamentos contidos neste primeiro
escrito, o mais íntimo de todos os demais.
Isso por que, na continuidade do trabalho de campo, tive que aprender a lidar com
circunstâncias embaraçosas, os devaneios meus e dos outros, os equívocos relacionais
(sempre meus), dúvidas e fraquezas que a vivência aflitiva durante o campo ensejou em
meu self de antropóloga. No meu caso, medos e desafios apresentaram-se logo em seu
primeiro ato. Como descrevi, sem vestimentas de cientista. Outrossim, também sinto-me
impelida a ordenar as imagens que povoam o mundo pois quando o caos se apresenta, nos
apavoramos. Creio que aquelas sensações difíceis de nomear, me perturbaram. Talvez por
que o trabalho de campo não seja uma equação matemática na qual sistematizamos
variáveis a fim de obter resultados precisos.
Este primeiro contato sensorial com o mundo desconhecido FPE e da Câmara dos
Deputados apontou que minha estadia pelo subterrâneo do legislativo iria demandar, de
certo modo, experimentar sensações alucinógenas, exercitar outras formas de savoir-faire.
Por isso neste momento de distanciamento daqueles me aproximei, procuro, sobretudo, não
moldar numa forma61 às sensações provocadas durante minha participação no cotidiano da
60
Para Henrieta Moore (2007) o self consciência de si, possui identidades múltiplas, contem várias posições
de sujeito. Inclusive algumas que sujeito não tem consciência, não dá conta. A ação social requer uma
consciência, uma unidade. Sem self não há sociedade, trata-se de uma unidade que articula (p. 32).
61
A etimologia da palavra forma permite que a mesma adquira três sentidos diferenciados. 1) quando ela é
acrescida pelo acento agudo (ó) significa a configuração das coisas, feição, alinhamento, formato e
formalidade; 2) quando adquire o acento grave (ô) significa molde sobre o qual ou dentro do qual se coloca
alguma substância fluida, que toma o feitio desse molde e 3) no próprio sentido do infinitivo do verbo
significa constituir, organizar, fundar, descrever, estabelecer, receber ensinamentos (= educar-se) ou
doutorar-se. A meu ver, estas três acepções da palavra forma podem ser utilizadas na/pela produção de
46
FPE. Por isso, neste primeiro relato etnográfico, explicitei certas perturbações, deixei que
elas brincassem comigo. Isso por que a forma domesticada de conhece, marcada por
evitações, permite tão somente que o pesquisador una pontos de um mapa cartográfico,
conheça todo o caminho com suas rotas de acessos, de entradas e de saídas.
Creio que não haja qualquer problema analítico com esta forma de conhecer e se
relacionar. Entretanto, uma vez inserida na FPE e no legislativo, convivi com fluxos de um
mundo transitivo que não nos ensina como “as linhas se tornam retas” (Ingold, 2007, p.
152), pois não há réguas (e quem sabe não haja regras) que controlem aquele ambiente que
agora procuro representar. No legislativo brasileiro há, pois, um enigma de linhas: traços,
fios, rupturas sobre a superfície, linhas fantasmas; a transformação de fios em traços
formando superfícies ou a de traços em fios, dissolvendo a superfície (Ingold, 2007, p. 52).
Assim, considero que
“For people inhabit a world that consists, in the first place, not of things but of lines.
After all, what is a thing, or indeed a person, if nota tying together of the lines – the paths
of growth and movement – of all the many constituents gathered there? Originally,
‘thing’ meant a gathering of people, and a place where they would meet to resolve their
affairs. As the derivation of the word suggests, every thing is a parliament of lines. What
I hope to establish, in this book, is that to study both people and things is to study the
lines they are made of” (Ingold, 2007, p. 5).
Nesse sentido, se o Congresso Nacional é “um parlamento de linhas” (Ingold,
2007) o caminho que percorri na FPE se deu em consonância com os movimentos da
própria Casa legislativa. Antes mesmo de ir a campo, como disse, me movimentei on line
verificando diariamente o site da Câmara, caçando Projetos de Leis, proposições e notícias
parlamentares do meu interesse. Logo, muitas informações da Casa puderam ser acessadas
de casa. Deste modo, pude acumular dezenas de blogs de parlamentares cristãos e
entidades Pró-Vida os quais passei a acompanhar diariamente a fim de tomar ciência da
movimentação dos mesmos. Entretanto estas pistas apenas indicavam os caminhos
possíveis de ser percorridos no subterrâneo do legislativo “que tudo grava, tudo registra”.
Do mesmo modo, após minha entrada no campo, passei a percorrer diferentes caminhos de
conhecimento pelo legislativo brasileiro. Alguns destes movimentos incidem de convites
para participar de cultos e eventos organizados pela FPE; outros eu mesma fui conhecendo
no percurso do meu próprio movimento pela Câmara Federal.
conhecimento, inclusive o antropológico. A primeira seria a narrativa etnográfica, a segunda o modo como a
etnografia se casa a teoria antropológica e a terceira a forma como se produz conhecimento.
47
O que pude perceber online e in locu é que as proposições preconizadas pela
FPE se concentravam na Comissão de Seguridade Social e Família por onde tramitam
obrigatoriamente. A despeito de me concentrar na tramitação de Projetos de Leis
monitorados pela FPE na Câmara dos Deputados o deslocamento até o Senado Federal fezse necessário. Seja por causa da própria movimentação dos projetos pela Casa, seja atrás
do secretário da FPE por conta da audiência pública sobre o PNDH-3 no Senado. Por isso,
algumas vezes, transitei entre a esfera que “escuta o Povo” e a que “se volta para si e
legisla”. Ressalto, contudo, que estas linhas são fruto de um trabalho de campo nos
corredores, nas salas das secretarias de Comissões, nas sessões (ordinárias, extra-ordinárias
e audiências públicas) de algumas das Comissões permanentes da Câmara dos Deputados
como a de Constituição Justiça e Cidadania/CCJ e a CSSF. Do mesmo modo, as
etnografias desta dissertação grafam situações e eventos ocorridos no subterrâneo do
legislativo: espaço não visível da paisagem arquitetônica.
De fato, considero que não são nos Plenários62 da Casa, comumente
visibilizados pela escrita jornalística e pelas transmissões televisivas, mas no subterrâneo
escondido de nossos olhos onde nossas vidas são legisladas com afinco. De acordo com o
“senso comum” da Casa o ambiente das salas das Comissões é “mais democrático” do que
o Plenário, por diversos motivos. Primeiro por que é livre o acesso às salas das Comissões,
não tendo quaisquer medidas restritivas. Já o Plenário, para ser acessado, exige uma série
de medidas restritivas: todos os pertences do cidadão são guardados numa chapelaria,
depois há duas revistas: a primeira feita por uma máquina detectora de metais de grande
porte e outra feita por um segurança portando uma máquina detectora de metais manual.
Do mesmo modo, para os funcionários da Casa são as salas das Comissões é o
ambiente de primazia dos debates acalorados, dos posicionamentos polarizados, das
discussões sobre as demandas diferenciadas (entre deputados e entre estes e entidades,
movimentos sociais e sociedade civil) justamente por que é mais accessível. Logo,
“quando as propostas chegam ao plenário às oposições já não estão tão fortes”, afirma a
secretária geral de uma das comissões da Casa. Já no Plenário há o “espetáculo” da política
visibilizado pelos holofotes da TV Câmara.
Como dizia, a dinâmica do trabalho de campo se deu de acordo com as pautas e
os movimentos estabelecidos pela Casa. Isso por que o legislativo tem um calendário
62
Assim, a única visita que fiz ao Plenário Ulisses Guimarães tão conhecido extradoor se deu por conta de
um interesse pessoal em conhecer o cenário de grandes momentos da história da política recente do país.
48
específico a fim de dar conta das necessárias idas e vindas dos parlamentares as suas bases
eleitorais. A semana no Congresso Nacional inicia-se às terças-feiras a tarde. Algumas
Comissões realizam sessões ordinárias, há o Pequeno e Grande expediente (momento no
qual os deputados discursam as suas bases, expõe demandas da sociedade, relatam
problemas nas votações de Projetos de Lei ou de acontecimentos da vida política
brasileira) e a sessão deliberativa do Plenário. A quarta-feira é o dia de grande
movimentação na Casa quando a maioria das Comissões realiza sessões ordinárias.
Dependendo da pauta do dia, o Presidente da Câmara convoca sessão deliberativa do
Plenário às 9hs e às 14hs. De modo geral, a mesma acontece quase todas as quartas-feiras
às 14hs quando os projetos vindos das Comissões da Câmara ou do Senado Federal são
apreciados63. As quintas-feiras, geralmente, há reuniões em algumas Comissões e sessão
deliberativa no Plenário. As segundas e sextas-feiras são ocupadas, mormente, por Sessões
Solenes, homenagens, exposições e outras atividades.
O ano na Casa inicia-se no primeiro dia útil de Fevereiro e em Julho há um
recesso de duas semanas. Entretanto, em ano de eleição, como foi em 2010, há também o
“recesso branco”: a interrupção das atividades na Casa até a eleição do novo Congresso
Nacional. Nesta época, mormente, a Casa se esvazia por conta das campanhas eleitorais.
Contudo, a pedido do Presidente da Câmara pode ser convocada semanas de “esforço
concentrado” a fim de que os projetos previamente escolhidos e acordados pelos deputados
e partido, sejam discutidos e votados. Em 2010, o então presidente Michel Temer
(PMDB/SP) convocou duas semanas de esforço concentrado: uma de 3 a 5 de agosto
remarcada para a semana de 17 a 19 de agosto64 por falta de quórum e uma de 13 a 17 de
setembro.
63
A tramitação de um Projeto de Lei/PL na Câmara Federal segue um determinado fluxo. Primeiro o PL é
apresentado em Plenário pelo autor, a secretaria geral da mesa numera o PL e o distribui para as comissões
competentes, ou seja, para aquelas que avaliam seu mérito. Por exemplo, previdência de trabalhadores, passa
por duas comissões: a de trabalho e a de seguridade social que avaliam o mérito da proposta. Todos os
projetos passam pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania/CCJ que avalia a constitucionalidade e
muitos PL passam pela Comissão de Finanças e Tributação/CFT que avalia a adequação orçamentária. Os PL
se dividem em conclusivos nas Comissões ou de Plenários. No primeiro caso, depois de aprovados nas
comissões da Câmara vão direto ao Senado, no segundo devem passar pelo Plenário da Câmara e, se
aprovados, seguem ao Senado. Os PL de teor mais polêmicos e controversos sempre passam pelo Plenário da
Casa antes de seguir ao Senado Federal.
64
Voltei a Casa na semana do 1º esforço concentrado quando algumas comissões realizaram reuniões; outras
Comissões não realizaram sessões ordinárias por falta de quorum. Contudo, consegui realizar três entrevistas:
com a Deputada Solange Almeida (PSDB/RJ), com o Secretário da Comissão de Seguridade Social e Família
e com o Diretor Geral da Assessoria Legislativa.
49
Depois de última semana de esforço concentrado a Casa cessou todas as
atividades. A FPE interrompeu seus cultos e eu minhas idas a campo. Entretanto,
assessores e funcionários lá estavam, pois “quem vai embora são os deputados”, lembroume Pr. Herculano. Após as eleições, a expectativa é que as atividades na Casa voltem ao
ritmo costumeiro. De fato, após as eleições de 2010, a Casa retomou suas atividades de
forma quase habitual. Segundo Pr. Herculano por conta do alto índice de renovação dos
parlamentares da Casa (de quase 50%) em cada eleição, os deputados que não se
reelegeram “perdem o pique” e passam a não comparecer com freqüência as atividades
legislativas. O que resulta em poucas convocações de sessões ordinárias nas Comissões,
poucos debates no Plenário, consequentemente, poucas proposições votadas. A principal
atividade neste período (entre novembro e dezembro) é a votação do orçamento anual.
Deste modo, minha permanência no campo obedeceu a este “calendário apertado”
da Casa por conta do “tempo da política”. De todo modo em março e em abril, por conta
dos eventos promovidos pela FPE, minhas idas a Casa foram mais consecutivas. Nos
demais meses do campo minha idas se concentraram, sobretudo, as quartas-feiras, dia dos
cultos da FPE e das sessões ordinárias da CSSF65. Dia de grande movimentação na Casa.
Ressalto que meu interesse era pela atuação exclusiva da FPE no legislativo. Esta
“idéia preconcebida” (Evans-Pritchard, p. 244) não considerava, pois, os caminhos de
conhecimento que o próprio grupo que escolhemos estudar nos leva a trilhar. Por isso,
quando cheguei a Casa percebi que FPE se unia a alguns deputados de outros segmentos
cristãos para defender os valores da família e da moralidade religiosa. Por isso mesmo,
alarguei o campo de visão durante a observação participante para entender os aspectos
pertinentes a esta “unidade cristã”. Assim, em algumas etnografias desta dissertação refirome a “Frente Cristã” do Congresso Nacional que abarca parlamentares da FPE, da frente
65
O trabalho de campo seguiu de março a julho de 2010, com alguns intervalos semanais. Além de duas idas
esporádicas; uma em agosto e uma em novembro de 2010. No total realizei 45 visitas a Casa. Observei três
audiências públicas (sobre o PNDH-3 na Câmara e no Senado e o Estatuto das famílias), quatro seminários
(Igreja e PNDH-3, Governantes pela Vida, Seminário sobre anencefalia na CSSF, Seminário LGBTT na
CLP); quinze sessões ordinárias da CSSF; 15 cultos e diversas idas à sala da FPE; seis entrevistas semiestruturadas (com o secretario geral da CSSF, com o Diretor da Assessoria Legislativa, com a Deputada
Solange Almeida e a Deputada Jô Moraes, com um secretário da FPE e com uma assessora do CFEMEA). As
audiências públicas e o Seminário sobre anencefalia na CSSF e o Seminário LGBTT na CLP tiveram seus
áudios transcritos pelo setor de taquigrafia da Câmara dos Deputados. Os seminários Igreja e PNDH-3 e
Governantes pela Vida foram transcritos pelo mestrando em História pela UnB Clerismar Longo através do
recurso por mim obtido junto ao Decanato de Pós-Graduação e Pesquisa/DPP da UnB através do Edital nº
06/2010 (apoio à pesquisa de campo a pós-graduandos). As sessões ordinárias da CSSF não são transcritas
pela Casa. As entrevistas realizadas foram por mim transcritas. Os cultos não são gravados pela Casa,
contudo, gravei seis cultos, todos transcritos por mim.
50
católica, demais cristãos e aqueles deputados filiados a Frente Parlamentar em Defesa Da
Vida e Contra o Aborto, coordenada pelo médico Talmir Rodrigues (PV/SP).
54
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As primeiras considerações desta dissertação escritas por mim neste capítulo
inicial objetivaram, tão somente, realizar uma aproximação de eventos, lugares e pessoas,
considerando a dwelling perpective empreendida por mim em meus primeiros passos pelo
legislativo brasileiro. De todo modo, também habitei aquele ambiente guiada por trajetos
apriorísticos (Ingold, 2000, p. 230) e portando mapas cartográficos (Mignolo, 2003).
Todavia, considero minha forma de habitação na Casa legislativa (e ela própria) não como
um experimento estável. Creio que as etnografias grafadas por mim nos demais capítulos
desta dissertação ensejam mais controvérsias e polêmicas do que certezas. Vale lembrar
que a prática de construção de um tema de análise (sendo iniciante ou já iniciada) não é
algo dado a priori, nem “uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de
ato teórico inaugural” (Bourdieu, 2004a, p. 26). Exige a destreza de um “olho sociológico”
(Bourdieu, 1997, p. 694) uma vez que é “um trabalho de grande fôlego, que se realiza
pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas”
(Idem, p. 27). Nesse sentido, o trabalho de campo etnográfico66 requer a imersão do
pesquisador em diferentes tipos de relações (seja entre ele e seus “escolhidos”, seja entre
estes e seus pares ou ímpares) nas quais ora ele é próximo, ora distante. De algum modo, o
antropólogo esbarra com limites, incongruências, tensões, desafios que o campo de análise
o impõe.
Ora, desde a fundação da antropologia os antropólogos narraram sobre as
formas como entraram em contato com o mundo exótico no qual empreendera seus selves.
Nesse sentido, procurei apontar neste capitulo que a Casa do Povo não pode ser
66
Para Mariza Peirano (1995) as etnografias devem ser passiveis de re-análises, uma vez que são espécies de
experimentos que ao mesmo tempo, estranha e conhece alteridades. Tal exercício de pensar sobre o “outro”
problematizam, pois, a estética da alteridade, ao antropologizar outras formas de racionalidade. Assim, a
teoria antropológica e o trabalho de campo etnográfico são formas de conhecer que devem ser trabalhadas de
forma conjunta, por meio do diálogo entre teoria (aprendida com a leitura das monografias clássicas) e a
teoria nativa identificada no trabalho de campo.
51
considerada apenas como uma paisagem emoldurada num retrato perpétuo, titulado por
clientela, corrupção e falcatruas. O modo como percorri o legislativo aponta também para
um cenário no qual as imagens duelam, são suspendidas, desaparecem e até mesmo outras
imagens emergem. Uma forma de invisible city (Calvino, 1990) construída por imagens
com marcas físicas, caracteres gráficos, traços visíveis. Mas enredadas também por
espaços vazios cujos lapsos habilitam o agente romper com cadeias compostas por linhas
aparentes.
Sendo assim, após a minha primeira incursão nos meandros da Câmara dos
Deputados, passei a freqüentar os cultos semanais, a visitar a sala da FPE para conversar
com os secretários, observar as sessões da Comissão de Seguridade Social e Família. Meu
diário de campo foi se tomando de notas e descrições de pessoas e eventos e, novamente,
preenchendo metodicamente suas páginas, o mundo submerso, emergia. Fato é que o
submundo do legislativo tem razões que a própria razão, desconhece. Por isso mesmo,
algumas vezes, me frustrava por não conseguir entender os jogos e relações que ocorrem
naquele subterrâneo. Do mesmo modo, em alguns eventos sofria, chorava por dentro, me
resignava; em outros as falas daqueles sujeitos me sensibilizava. Num processo de
esquizofrenia uma pessoa como eu tão sensível ao oculto passou a ser afetada por
experiências sensoriais advindas de um subterrâneo estranho. Doloroso, até.
De fato, estar em contato com pessoas que são meu espelho de alteridade
ensinou-me a entender outras formas de conhecimento do mundo. Não se trata, pois, de
traduzir conceitos indígenas em conceitos exógenos (Strathern, 2006, p. 33), nem somente
de relativismos canônicos. Seria um esforço de empatia (Velho, 2007, p. 248) para com
pessoas tão distantes da minha própria agência (e agenda) enquanto antropóloga no mundo.
É nesse sentido, que o estudo da religião requer não apenas técnica (como a observação)
demanda um juízo crítico tanto dos valores ensejados pelos nativos quanto do próprio
trabalho realizado pelo antropólogo (Idem, p. 249). Assim, ao se deixar afetar o
antropólogo abdica do seu Eu cognitivo de conhecimento e permite ser também ensinado e
não apenas ensinar (Velho, 2007, p. 250). Nesse sentido, ao ser afetada (Fravet-Saada,
2005, p. 159) pude por entre parênteses minhas crenças e epistemes. Creio que me deixei
afetar pelas mesmas forças que afetavam a FPE para que um tipo de relação se
estabelecesse (Fravet-Saada, 2005) durante o trabalho de campo.
52
Ora, ser afetada não denota que eu tornei-me uma cristã evangélica, valei meu
Pai Oxalá. De fato, a experiência da alteridade vivida por mim no trabalho de campo
suscitou afetos que significa tão somente deixar-se levar pelas “sensações, percepções e
pelos pensamentos” (Idem, p. 159). Nesse sentido, para Evans-Pritchard (2005), durante o
trabalho de campo o antropólogo entra em outra cultura, mas ao mesmo tempo mantém
distância dela (p. 246). Deste modo, como disse Evans-Pritchard (2005), vivi insanamente
entre “dois mundos mentais diferentes, construídos segundo categorias e valores muitas
vezes de difícil conciliação” (p.246) quando me tornei “uma espécie de indivíduo
duplamente marginal, alienado de dois mundos” (idem).
Assim, vivi, nos primeiros meses do campo, esquizofrênica com as demandas de
deputados evangélicos “pela vida”. Nueroses que brincaram com meu corpo e minha
mente desestruturado, cotidianamente, meu self de antropóloga. Por isso mesmo, por
algumas vezes, presenciei o meu projeto de conhecimento (secular e também religioso) se
desfazer. Outras vezes este alucinógeno só reforçara estas mesmas convicções. De fato, ao
me engajar no projeto de entender o sagrado do outro, diferente do meu, passei a conviver
(viver em comum, ter convivência com e/ou relacionar-se intimamente) com pessoas
dispares, mas que também se mostraram próximas. Primeiro fui aprendendo a me imunizar
de certas nueroses etnográficas como a retórica da vida metamorfoseada em projetos de
leis. Segundo por que como também possuo uma crença entendo a importância da religião
na vida ordinária do crente.
Ora, seja crer na palavra bíblica ou na mitologia dos Orixás, o exercício da vida e
da crença religiosa envolve ser, crer, fetichizar, doutrinar. Pertencer a uma religião é
agenciá-la em nosso cotidiano (uns mais, outros menos), abrange como conviver, pensar e
agir. Ser religioso envolve religar pessoas e mundos e crer que existimos por que somos
religiosos e que a religião é a fonte de nossa existência. Aqui me aproximo dos crentes do
legislativo. Talvez por que, após minha conversão religiosa à umbanda, me empreendi a
estudar a religião “não por ser um tema tradicional da antropologia, ele mesmo
referenciado a um aspecto ‘tradicional’ das ‘sociedades modernas’” (Giumbelli, 2002, p.
100), mas para questionar “a ‘tradicionalidade’ ‘da religião enfatizando suas relações
intrínsecas com a modernidade, sua natureza como categoria moderna” (idem, p. 100).
Deste modo, interesso-me pela religião por que intento
53
“destrinchar as controvérsias que a seu propósito ocorriam. E as controvérsias, ao
mobilizarem várias instituições e dispositivos importantes, revelam algo sobre
determinadas sociedades e sobre certas transformações que nelas ocorrem (idem, p. 100).
De fato, estudar o sagrado de outrem no meu caso é entender como o sagrado
atua na política e como a política vem sendo agenciada por crenças que a tornam o espaço
legítimo promoção da redenção da Nação brasileira. Aqui, me distancio dos evangélicos,
pois, minha crença não tem quaisquer projetos para a sociedade brasileira. De todo modo,
o grande desafio desta dissertação é, a partir da observação participante, apontar como a
FPE atua na política e que efeitos tal participação ocasiona na vida social brasileira bem
como o que engendra enquanto rupturas e continuidades para a teoria antropológica.
Por fim, como antropóloga, mas não antifetichista67, vale dizer que idolatro
artefatos construídos por mãos humanas. Cultuo o trabalho de campo quando o
desconhecido revela facetas outrora desconhecidas que nos diários de campo qualificam-se
como tangíveis e nas etnografias como críveis. Entretanto, a meu ver, nossas etnografias
devem privilegiar o modo insano como vivemos entre epistemes e crenças durante o
trabalho de campo. Por isso mesmo, há que se considerar situações e circunstâncias
marcadas por conflitos, intermitências, dores e dissabores. Pois, mesmo fazendo
antropologia perto de casa, conhecendo alteridades não exóticas, quaisquer formas de
contato entre selves produzem tensões, dificuldades, disputas. Seja em Trobriand, seja no
Congresso Nacional o trabalho de campo é um empreendimento aventureiro. Todavia,
ressalto que não tenho quaisquer pretensões de apenas relativizar o modus operandi da
FPE, pois, “raramente se tem a impressão de que o antropólogo alguma vez sentiu-se em
comunhão com o povo sobre o qual está escrevendo” (Evans-Pritchard, 2005, p. 255).
De todo modo, a qualidade da imagem que ora lanço jaz tão somente de minha
participação nas “atividades da Frente”. De fato, como objeto de culto, é o trabalho de
campo que empreendi com este grupo a única novidade que esta dissertação grafa diante de
um quadro de referência qualificado e engajado em entender as imbricações entre religião
67
“O antifetichista desvenda a ineficácia do ídolo, ele mergulha, na verdade, em uma contradição da qual não
sai mais. No momento em que se quer que o fetiche não seja nada, eis que o mesmo começa a agir e a
deslocar tudo. Ele é capaz, em particular, de inverter a origem da força. Melhor ainda, já que, segundo os
antifetichistas, o efeito do fetiche só tem eficácia se seu fabricante ignorar a origem do mesmo, ele deve ser
capaz de dissimular totalmente sua própria fabricação. Graças ao fetiche, com só um golpe de condão, seu
fabricante pode se metamorfosear de manipulador cínico em enganador de boa fé. Assim, ainda que a fetiche
não seja nada senão aquilo que o homem faz dele, ele acrescenta, contudo, alguma coisa: ele inverte a
origem da ação, ele dissimula o trabalho humano de manipulação, ele transforma o criador em criatura.”
(Latour, 2002, p. 26-27).
54
e política desde quando eu nem sabia o que ia ser quando crescer. Por isso mesmo, rendo
homenagens à etnografia que, como disse, resulta de comunhões, desafetos, intempéries,
afetos insanos fruto de minha módica vivência nas “atividades da Frente”. Nesse sentido,
aqui, a etnografia se configura como um artefato (Latour, 2002) cultuado pela fetichista
que idolatra ídolos e que também venera algumas imagens.
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O escopo deste capítulo é apontar como e por que a FPE foi instaurada no
Congresso Nacional, explicitando as propostas e os objetivos de seus fundadores em
adentrar o espaço e o tempo da política. Nesse sentido, traço um fio histórico a fim de
vincular a participação de evangélicos na Assembléia Nacional Constituinte/ANC em 1987
com o agenciamento da lógica da política pelos evangélicos na 53ª legislatura (2007-2010).
Ora, a participação de evangélicos na ANC engendrou, de certo modo, o deslizamento
deste grupo do apolitismo para a entrada na política institucional (Freston, 1993). Além da
instauração de uma frente parlamentar, os parlamentares evangélicos promovem cultos no
cotidiano do legislativo. Por isso mesmo, realizo a descrição de um culto promovido pela
FPE em um dos Plenários das Comissões da Casa, nos moldes de um “tipo ideal”,
procurando tratá-lo enquanto um ritual antropológico. Considero os cultos evangélicos
promovidos pela FPE um “achado antropológico” que me permite analisar os
deslizamentos entre política e religião, pois, trata-se de um espaço de invocação do
religioso e de sacralização das atividades da política. Do mesmo modo, trata-se de um
tempo e de um espaço que promove adesão, unidade, fusão entre deputados, partidos
políticos, bancadas religiosas e frentes parlamentares, mas também tensões, disputas e
fissuras entre estes agentes e agências religiosas e políticas.
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56
Em seu blog a FPE se designa como “uma associação civil, de natureza nãogovernamental, constituída no âmbito do Congresso Nacional, integrada por deputados
federais e senadores da República Federativa do Brasil70”, contudo, o trabalho de campo
por mim empreendido nas “atividades da Frente” privilegiou tempos e espaços da Câmara
dos Deputados. De todo modo, a FPE do Congresso Nacional foi instaurada na 52ª
legislatura (2003-2006) no dia 18 de setembro de 2003 em uma Sessão Solene em
homenagem ao Dia Nacional de Missões. O deputado Pedro Ribeiro presidia aquela
cerimônia que homenageava as missões religiosas transculturais, mas que, em breve, seria
o espaço e o tempo privilegiado para oficializar a instauração da FPE. Entretanto, antes da
instauração da FPE, Pedro Ribeiro explicou o motivo daquela Sessão Solene
“Comecei a pensar em outros momentos especiais e, na condição de missionário — tanto
o fui em outras nações quanto o sou na Casa —, eu disse que o Dia Nacional de Missões
precisava ser reverenciado. Outro assessor veio a mim e considerou que, uma vez que
falo nos movimentos missionários, seria bom que houvesse uma mostra deles. Ao que
afirmei que faríamos a primeira mostra brasileira de ação missionária transcultural. Daí
divulgamos a idéia nas agências missionárias.[...] “Deus abençoe e recompense cada
ação missionária que tem comparecido à Casa nesta semana, de 15 a 19 de setembro,
testemunhando que são realizadas nesta terra obras especiais que pretendem levar o
Evangelho não só aos nossos bairros e cidades, mas também aos muitos continentes, às
muitas nações. Atualmente, o Brasil é, de fato, um berço de missionários e um braço, um
corpo poderoso de ação missionária transcultural, que leva à salvação de nosso Senhor
Jesus Cristo”. (BRASÍLIA: Câmara dos Deputados, Ata da 193ª Sessão, em 18 de
setembro de 2003, p. 406, Grifos Meus).
Após a fala de Pastor Pedro Ribeiro deu-se início a cerimônia de homenagem as
Missões que contou com discursos de parlamentares, pastores e representantes das
agências missionárias também discursaram, além da apresentação de corais, grupos
musicais e coreográficos. Nos últimos instantes da cerimônia, o deputado Pastor Pedro
Ribeiro (PR/CE) realizou a instauração da FPE do Congresso Nacional, apresentando
nominalmente o deputado Adelor Vieira (PMDB/SC) como o primeiro presidente da FPE e
a diretoria executiva71 composta, em sua maioria, por deputados filiados à Assembléia de
70
Disponível em http://frenteparlamentarevangelica.blogspot.com/2010/02/blog-post.html acesso em 05 de
maio de 2011. Vale dizer que se há deputados e senadores evangélicos que não são vinculados a FPE, esta
informação não foi por mim conhecida.
71
Assim foi composta a diretoria da FPE: Presidente, Deputado Adelor Vieira (PMDB/SC, Assembléia de
Deus); Vice-Presidentes, Deputado João Batista (PFL/SP, IURD), Deputado Reinaldo (PTB/RS,
Quadrangular), Deputado Pastor Pedro Ribeiro (PR/CE, Assembléia de Deus), Deputado Bispo Wanderval
(PL/SP,IURD), Deputado Almir Moura (PL/RJ, Internacional da Graça). A secretaria compunha-se: deputada
57
Deus (Baptista, 2009, p. 304). Em seguida, Pastor Pedro Ribeiro conclamou a comunidade
de fé a instalação da FPE do Congresso Nacional “pela misericórdia de Deus e em nome de
Jesus”. Antes de findar a cerimônia, Pastor Pedro Ribeiro fez uma oração na qual rogou
que Deus abençoasse cada um dos parlamentares evangélicos e que promovesse a
“unidade” entre eles
“Senhor querido, Senhor amado, damos-Te graças, Pai bendito, porque aprouve a Ti,
pela Tua bondade, reunirmo-nos nesta Casa, ó Deus, para que nos uníssemos, ó Senhor, e
proclamássemos o Teu nome, como temos feito a cada dia, e fazemos nesta hora.
Louvamos-Te, ó Pai, porque aprouve a Ti permitir que o Teu servo, Adelor Vieira, se
levantasse e nos convidasse para que estabelecêssemos, Senhor, esta Frente Parlamentar
Evangélica, que ora acaba de ser instalada nesta Casa e cuja diretoria acaba de ser
empossada. Paizinho, toma a frente, nos abençoe, nos dirija, nos una e nos dê capacidade
para que sejamos luz nesta Casa, para glória do Teu nome. Em nome de Jesus é que Te
pedimos e Te agradecemos. Amém! Amém! (Palmas.)” (BRASÍLIA: Câmara dos
Deputados, Ata da 193ª Sessão, em 18 de setembro de 2003, p. 480, Grifos Meus)
Uma vez instaurada, a estratégia adotada pelos dirigentes da FPE foi o
pluripartidarismo como forma de ampliar “a capilaridade dos evangélicos no Parlamento,
facilitando a conquista dos objetivos da Frente” (Baptista, 2009, p. 303), especialmente, na
defesa da família, da moral e dos bons costumes. De fato os discursos dos fundadores
durante a sessão de instauração da FPE corroboram com a idéia de Baptista (2009) de que
não havia qualquer intenção de aglutinar os parlamentares evangélicos num único partido
político. Sendo assim, esta estratégia deriva da forma como os evangélicos “escolheram”
adentrar e participar da ANC, em 1987 quando a construção de um partido evangélico não
se constituiu como centro da aliança política deste grupo no Parlamento.
Segundo José Duque72 os deputados e pastores Adelor Vieira, Raimundo Santos e
Pedro Ribeiro propuseram a instauração da Frente com o objetivo de congregar por meio
de um culto semanal os políticos evangélicos. Assim, através desta reunião poderia ser
Zelinda Novaes (PFL/BA, IURD), Pastor Milton Cárdias (PTB/RS, Assembléia de Deus), Pastor Isaias
Silvestre (PSB/MG, Assembléia de Deus), Pastor Lincoln Portela (PR/MG, Batista Renovada), Pastor
Neucimar Fraga (PR/ES, Batista). A tesouraria foi composta pelos deputados Pastor Takayama (PSC/PR,
Assembléia de Deus), Valdenor Guedes (PP/AP, Assembléia de Deus), Gilmar Machado (PT/MG Batista),
Raimundo Santos (PR/PA, Assembléia de Deus), Bispo Rodrigues (PL/RJ, IURD). O conselho fiscal:
Gilberto Nascimento (PMDB/SP, Assembléia de Deus), André Zacharow (PDT/PR, Batista), Bispo João
Mendes de Jesus (PDT/RJ, IURD), Nilton Capixaba (PTB/RO, Assembléia de Deus), Senador Marcelo
Crivella (PR/RJ, IURD), Agnaldo Muniz (PP/RO, Assembléia de Deus), Phillemon Rodrigues (PR/PB,
Assembléia de Deus). Suplentes: Eduardo Cunha (PMDB/RJ, Sara Nossa Terra) e Pastor Frankembergen
(PTB/RR, Assembléia de Deus). (Ata da 193ª Sessão, em 18 de setembro de 2003, p. 479) Os parlamentares
cujos nomes aparecem em negrito exerceram mandato na 53ª legislatura (2007-2010).
72
José Duque foi convidado pelo deputado Pedro Ribeiro para exercer a função de “mestre de louvor” dos
cultos. Cargo este que exerce até hoje.
58
engendrada tanto uma “mobilização estratégica” (Baptista, 2009) em torno das bandeiras
de luta da FPE no âmbito do legislativo73 quanto à promoção da evangelização e conversão
evangélicas no espaço do legislativo. Como ressaltou José: muitos se converteram depois
da instauração dos cultos pela FPE.
Adelor Vieira não se reelegeu nas eleições de 2006. Por isso a FPE elegeu uma
nova diretoria. O deputado João Campos (PSDB/GO) foi escolhido o novo presidente.
Naquela legislatura, João Campos assumiu ainda uma vaga na Comissão de Segurança
Pública/CSP, pois era delegado de polícia. Segundo José Duque, o presidente desta
comissão, Raul Jungmann (PPS/PE), ofereceu a João Campos uma sala ociosa pertencente
à CSP, localizada no Anexo IV da Câmara. Cedida à FPE, após um tempo, a sala ganhou
uma placa oficial identificando-a como espaço da Frente. Todavia, mesmo após a obtenção
de um espaço físico a FPE continua não sendo considerada “uma entidade jurídica da
Câmara”. A FPE é “apenas um nome”, explicou-me o José Duque, pois o regimento
interno da Câmara dos Deputados exige que “para uma Frente Parlamentar ser legalizada
na instituição, ela precisa ter mais de 100 deputados filiados”74. Como a FPE não alcançou
(ainda) este número, insistiu José Duque, “nós existimos, temos frente na Casa, mas sem
legalização, até atingirmos o número exigido75”.
Nesse sentido, a despeito de a FPE ser conhecida como “Bancada evangélica” na
verdade, ela deve ser referida como “Frente parlamentar”. “Bancada” abarca um
agrupamento partidário e a “frente parlamentar” compreende a reunião de um grupo de
parlamentares de diversos partidos que lutam por uma causa em comum (como a ruralista,
a empresarial, a sindical). Deste modo, refiro-me ao grupo sempre como Frente
Parlamentar Evangélica por que é utilizando tal designação que se apresentam em eventos
do mundo da política, a despeito do reconhecimento público enquanto “Bancada
evangélica”. Já o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar/DIAP (2006)
considera a Frente Evangélica como uma “bancada informal76” (p. 30) que atua como um
73
Vale dizer que a 52ª legislatura (quando a FPE foi instaurada) não é objeto privilegiado desta dissertação.
Contudo, ao que parece, a FPE (e demais religiosos) estiveram presentes em debates que tratavam de projetos
de lei sobre aborto. Cunha (2007) examinou os debates entre ativistas “pró-vida” e “pró-aborto” promovidos
em 2005 e 2006 na Comissão de Seguridade Social e Família/CSSF acerca da revisão da legislação sobre a
Interrupção Voluntária da Gravidez.
74
Entrevista com José Duque, secretário da FPE, realizada no dia 14 de abril de 2010.
75
Idem.
76
Segundo o DIAP (2006) “elas podem ser permanentes ou eventuais, mas sempre visam à articulação de
interesses suprapartidários e supra-ideológicos. É uma forma alternativa de atender aos anseios de
representatividade de determinados segmentos e romper as barreiras das estruturas institucionais,
59
“grupo de pressão” e que congrega “parlamentares de diferentes partidos e tendências
ideológicas para promover a defesa: i) de valores cívicos, éticos ou morais” (p. 30).
Vale dizer que a FPE não possui qualquer registro formal na estrutura
administrativa e burocrática do Congresso Nacional. Fato é que nos arquivos da biblioteca
da Câmara Federal não há quaisquer registros sobre a FPE. Contudo, a não legalização da
Frente não a impede de organizar estrategicamente sua participação no Congresso
Nacional. Nesse sentido, José Duque me explicou durante uma entrevista77 como a Frente
Evangélica agencia a participação de seus integrantes nas bandeiras de luta que
movimentam o exercício da política deste grupo. Através da assessoria de alguns dos
deputados filiados e de sua secretaria78, a FPE acompanha projetos de lei considerados
“prejudiciais à sociedade”. Então, funciona assim ressaltou o José Duque: “se tem um
problema na área da família, do divórcio, da união civil de homossexuais, a gente fica
pedindo, solicitando aos deputados, indicando que está na comissão tal, tá em pauta”.
Logo, “na hora que a gente precisa, eles estão pronto”.
Todavia, o engajamento destes parlamentares nas atividades propostas pela
Frente não se constitui de forma amplamente coesa, interessada e participativa. Pude
observar durante o trabalho de campo que poucos deputados participam dos cultos da
Frente. Como me advertiu José Duque, na 53ª legislatura (2007-2010), dos 53
parlamentares que integravam a FPE cerca de quinze freqüentam os cultos semanais
realizados em um dos Plenários das salas de comissões da Casa. A maioria dos filiados,
contudo, comparece aos almoços de confraternização79 e às reuniões que ocorrem após os
cultos80. Nesse sentido, assim como apontado por Baptista (2009) sobre a 52ª legislatura, o
engajamento dos parlamentares nas “atividades da Frente” é algo “não costumeiro”, pois
principalmente dos partidos políticos. Assuntos que por vezes sejam inconciliáveis ou pequenos demais para
o partido, mas importantes o suficiente para setores da sociedade, encontram nas bancadas informais um
canal de expressão, um desaguadouro das expectativas sociais e o correspondente comprometimento dos seus
representantes no Legislativo” (p. 31).
77
Ressalto que a entrevista foi realizada no início do trabalho de campo. Talvez por isso, minhas perguntas
ao secretário tenham sido um tanto naïves em relação às formas de participação da Frente Parlamentar
Evangélica. Realizei uma espécie de conversa informal gravada com o interlocutor, deixando-o à vontade
para falar e realizando poucas intervenções e/ou perguntas.
78
A secretaria da FPE é composta por ele, Pr. Isaías e Pr. Herculano e pela Pastora Marília.
79
Como por exemplo, os almoços da ADHONEP (Associação dos Homens de Negócios do Evangelho
Pleno) promovidos pela Frente Parlamentar Evangélica.
80
Apesar de “me convidar” para participar das reuniões, José Duque explicou “que as reuniões não são
fechadas, mas também não são abertas”. Na verdade, “ninguém nunca pediu para ir”. José me disse que são
reuniões rápidas (exceto quando é para discutir um evento) que ocorrem após os cultos e antes do início das
60
“alguns deputados apóiam a FPE, mas não comparecem em seus eventos. Outros nem
sequer se identificam com o movimento, embora não escondam sua identidade religiosa.
Mas há também aqueles que vêm de tradição evangélica, porém são difíceis de serem
identificados, por não terem interesse específico, quando estão no parlamento” (Baptista,
2009, p. 305).
Este parece ser o caso de Filipe Almeida, filho do pastor e ex vice-presidente
nacional do Partido Social Cristão. Conheci Filipe Almeida em 2005 durante minha
pesquisa de campo em Seropédica/RJ quando seu tio exercia o cargo de secretário da pasta
de agricultura na gestão do prefeito eleito em 2004, Gedeon Antunes. Em 2006 ganhou as
eleições para deputado federal. Durante o trabalho de campo, cheguei a ver Filipe Almeida
pelos corredores das salas das comissões da casa, contudo, em todos os eventos da FPE dos
quais participei, o deputado não compareceu a nenhum deles.
Outro fato a ser apontado é que a FPE “encolheu” na 53º legislatura (2007-2010)
fruto, sobretudo, do chamado “escândalo das sanguessugas81” ocorrido na legislatura
anterior (2003-2006). O esquema de corrupção envolvendo desvio de dinheiro público e
fraudes nas licitações de compras de ambulâncias para hospitais municipais trouxeram à
baila, especialmente, nomes de deputados iurdianos e assembleianos82. Alguns deles nem
sessões ordinárias das comissões. De fato, nunca fui oficialmente convidada a participar destas reuniões, por
isso mesmo, não participei de nenhuma destas reuniões.
81
Em maio de 2006 uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal desvenda o esquema
configurado pela formação de quadrilha por empresários, políticos e servidores públicos para desviar
dinheiro da saúde pública. Disponível em http://www.divulga-mpf.pgr.mpf.gov.br/conteudo/mpfatuante/corrupcao/corrupcao-menu acesso em 23 de março de 2011. O Congresso Nacional instaura uma
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a pedido de alguns partidos, para analisar os casos de deputados e
senadores acusados de estar envolvidos no esquema e pede a abertura de processos por quebra de decoro
parlamentar.
Disponível
em
http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/default.asp?selecao=MAT&Materia=38566 acesso em 23 de
março de 2011.
82
Cerca de um terço da Frente Parlamentar Evangélica (da 52ª legislatura (2002-2006)) foi acusada de
participação no esquema. A cassação dos seguintes candidatos foi proposta pela CPI instaurada no Congresso
Nacional. Adelor Vieira (PMDB-SC, Assembléia de Deus), Agnaldo Muniz (PP-RO, Assembléia de Deus),
Almeida de Jesus (PL-CE, IURD), Almir Moura (PFL-RJ, Internacional da Graça), Pastor Amarildo (PSCTO, Assembléia de Deus), Cabo Júlio (PMDB-MG, Assembléia de Deus independente), Carlos Nader (PLRJ, Assembléia de Deus), Edna Macedo (PTB-SP, IURD), Heleno Silva (PL-SE, IURD), Isaías Silvestre
(PSB-MG, Assembléia de Deus), João Batista (PP-SP, IURD), João Mendes de Jesus (PSB-RJ, IURD), José
Divino (sem partido-RJ, IURD), Josué Bengston (PTB-PA, IEQ), Lino Rossi (PP-MT, Batista), senador
Magno Malta (PL-ES, Batista), Marcos Abramo (PP-SP, IURD), Marcos de Jesus (PFL-PE, IURD), Neuton
Lima (PTB-SP, Assembléia de Deus), Nilton Capixaba (PTB-RO, Assembléia de Deus), Paulo Baltazar
(PSB-RJ, Metodista), Paulo Gouvêa (PL-RS, IURD), Raimundo Santos (PL-PA, Assembléia de Deus),
Reginaldo Germano (PP-BA, IURD), Vieira Reis (PRB-RJ, IURD), Wanderval Santos (PL-SP, IURD).
Foram absolvidos pela CPMI por falta de provas os seguintes deputados evangélicos: Gilberto Nascimento
(PMDB-SP, Assembléia de Deus), Jefferson Campos (PTB-SP, IEQ) e Zelinda Novaes (PFL-BA, IURD). Os
parlamentares em negrito outrora acusados de envolvimento com a “máfia das ambulâncias” retornaram a
Câmara dos Deputados na 54ª legislatura (2011-2014). (Ver anexo 3).
61
se candidataram às eleições de 200683; outros foram “barrados nas urnas84” (DIAP, 2006,
p. 32). Deste modo, na 53ª legislatura (2007-2010) a FPE foi renovada com a entrada de 30
novos parlamentares evangélicos. Dos 71 deputados filiados à FPE na 52ª legislatura
apenas 23 se reelegeram (Ver anexo 1). Logo, na 53ª legislatura a FPE contou com 56
parlamentares sendo 53 deputados e 3 senadores (com mandatos de oito anos) (Ver anexo
2). Na 54ª legislatura (2011-2014) a FPE novamente aumentou passando a contar com 71
parlamentares, 31 reeleitos e 40 eleitos (Ver anexo 3). Deste modo, a “FPE está pronta para
os novos desafios do Congresso Nacional85”.
A FPE possui características que se assemelham ao próprio perfil da Casa
legislativa composta em sua maioria “por parlamentares com nível superior, com idade
entre 30 a 60 anos, com experiência política anterior em cargo público, com formação em
profissões liberais e fonte de renda não-assalariada” (DIAP, 2006, p. 13). Assim, a FPE na
53ª legislatura era composta por um grupo majoritariamente masculino (apenas cinco
parlamentares eram mulheres) cuja faixa etária média é superior a 40 anos. Do mesmo
modo, a maioria dos filiados a FPE eram predominantemente membros86 de igrejas
pentecostais e neopentecostais. Dos 56 parlamentares 17 eram filiados a Assembléia de
Deus, 14 a Batista, 8 a IURD, 3 a Maranata, 3 a Presbiteriana, 2 a Quadrangular, 2 a
83
Desistiram da vida pública ou renunciaram a seus mandatos ou não se elegeram as eleições de 2006 os
deputados: Almeida Lima de Jesus (PL/CE), Lino Rossi (PP/MT), Marcos de Jesus (sem partido/PE), pelo
Rio de Janeiro, todos sem partido, João Mendes de Jesus, José Divino e Vieira Reis), por São Paulo Edna
Macedo (PTB), João Batista (PP), Marcos Abramo (PP), Neuton Lima (PTB) e Wanderval Santos (PL) (cf.
DIAP, 2006).
84
Segundo o DIAP (2006) o PL, PP e PTB foram os partidos que tiveram “sua imagem profundamente
arranhada com o envolvimento de muitos de seus parlamentares nos escândalos do mensalão e das
sanguessugas, tendo como conseqüência a redução da bancada na Câmara” (p. 29). O Estado do Rio de
Janeiro barrou nas urnas todos os candidatos (evangélicos ou não) suspeitos de integrar a quadrilha das
ambulâncias. Segue a lista de deputados evangélicos suspeitos de envolvimento na “máfia das ambulâncias”
que se candidataram as eleições de 2006 bem como o resultado das urnas, por Estado. Pela Bahia Pastor
Reginaldo Germano (PP, não eleito); por Minas Gerais Cabo Júlio (PMDB, não reeleito), Isaías Silvestre
(PSB, não reeleito); pelo Pará Josué Bengtson (PTB, não reeleito) e Raimundo Santos (PL, não reeleito), pelo
Rio de Janeiro, Almir Moura (PFL), Carlos Nader (PL) e Paulo Baltazar não foram reeleitos; pelo Rio
Grande do Sul Paulo Gouvêa (PL, não reeleito), por Rondônia Agnaldo Muniz (PP) e Nilton Capixaba (PTB)
não foram reeleitos; por Santa Catarina Adelor Vieira fundador e o primeiro presidente da Frente Parlamentar
Evangélica (PMDB, não reeleito); por São Paulo Gilberto Nascimento (PMDB, absolvido pela CPMI do
Congresso Nacional por falta de provas, mas não reeleito), por Sergipe Heleno Silva (PL, não reeleito) e por
Tocantins Pastor Amarildo (PSC, não reeleito).
85
Disponível em http://frenteparlamentarevangelica.blogspot.com/2010_11_01_archive.html acesso em 21
de março de 2010. cf. DIAP, 2011, p. 44.
86
A filiação denominacional obedece à indicação expressa na biografia de cada parlamentar disponibilizada
pelo site da Câmara. Por isso mesmo é um tanto genérica, pois não considera as diferentes vertentes
existentes dentro de cada denominação. Paul Freston (1993) assinala que “evangélico é a identificação que
une e permite ações conjuntas e o nome denominacional (‘batistas’, ‘metodistas’ etc.) é a identificação que
diferencia e justifica a existência de organizações múltiplas” (p. 1).
62
Internacional da Graça, 2 a Sara Nossa Terra, 1 a Cristã Evangélica, 1 a Comunidade
Carisma, 1 a Igreja Renascer em Cristo, 1 a Wesleyana, 1 a Luterana e 1 a Mundial do
Povo de Deus (Ver anexo 2).
Ainda na 53ª legislatura, em termos de pertencimento regional, assinala-se a
predominância da Região Sudeste (28) com destaque para o Estado do Rio de Janeiro87,
que possui o maior número de deputados filiados (10). Somando-se a estes, 9 deputados da
FPE eram da Região Nordeste, 10 da Região Norte, 5 da Região Centro-Oeste e 3 da
Região Sul. Dos vinte e sete estados da Federação seis deles não contam com nenhum
representante na FPE. São eles: Roraima, Rio Grande do Norte, Sergipe, Mato Grosso,
Santa Catarina e Piauí (Ver anexo 2).
Em relação à filiação partidária a FPE na 53ª legislatura contava com
parlamentares vinculados aos seguintes partidos políticos: DEM (6), PDT (3), PMDB (8),
PP (2), PPS (1), PR (7), PRB (8), PSB (2), PSC (6), PSDB (2), PT (2), PTB (5), PTC (1),
PV (3). No que tange à ocupação profissional marca-se a predominância de empresários
(11) e de profissionais liberais (17) (Ver anexo 2). Parlamentares como Arolde de Oliveira
(DEM/RJ) exerce mandato legislativo desde a época da Constituinte. Outros parlamentares
como Walter Pinheiro (PT/BA), Gilmar Machado (PT/MG), Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e
Onyx Lorenzoni (DEM/RS) figuraram, em 2009, as páginas da série os “cabeças88” do
Congresso Nacional uma publicação anual do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar/DIAP sobre os cem parlamentares mais influentes da Casa. Inclusive em
2010, os deputados Gilmar Machado (PT/MG), Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e Onyx
Lorenzoni (DEM/RS) figuraram novamente nesta lista de honraria por mérito no exercício
da política profissionalizada (Canêdo, 2002).
87
Na 54ª legislatura, o Estado do Rio de Janeiro continua ter o maior numero de deputados na FPE. Entre os
partidos, o PSC é o que mais representantes tem na FPE contando com onze nomes, seguidos de perto pelo
PR, com 10 e PRB, com 9 deputados. Disponível em http://diap.org.br/index.php/eleicoes-2010/bancadaevangelica-cresce-no-congresso acesso em 07 de outubro de 2010. Em relação à filiação denominacional
marca-se ainda na FPE a predominância da Assembléia de Deus com 21 deputados, 15 da Igreja Batista, 8 da
IURD, 8 da Presbiteriana, 3 da Quadrangular, dois da Internacional da Graça de Deus, dois da Igreja
Metodista, um da Igreja Renascer, um da Cristã Maranata, um da Cristã Evangélica , um da Cristã do Brasil,
um da Comunidade Shamá , um da Brasil Para Cristo, um da Sara nossa Terra, um da Nova Vida, um da
Mundial do Poder de Deus, um da Maranata, um da igreja Luterana (Ver anexo 3).
88
Segundo o DIAP (2009) os “ ‘Cabeças’ ou protagonistas do Congresso, portanto, são os parlamentares que
exercem real influência no processo decisório e sobre os atores nele envolvidos. Influência aqui é definida
como uma relação entre parlamentares na qual as preferências, desejos ou intenções de um ou mais
parlamentares afetam a conduta ou a disposição de agir de outros” (p. 11).
63
Os deputados filiados à FPE espraiam-se pela maior parte das Comissões
permanentes da Casa inclusive na mais importante delas, a de Constituição e Justiça e de
Cidadania/CCJC: o 2º vice-presidente, três titulares e três suplentes são evangélicos (Ver
anexo 4). A Comissão de Seguridade Social e Família/CSSF concentra o maior número de
deputados cristãos especialmente por que é nesta comissão que o mérito de propostas que
tratam de família, sexualidade, corpo, pessoa, vida e morte, nascimento e óbitos é julgado.
Ressalto que a CSSF será objeto de análise no capítulo 4 desta dissertação.
%
0 ;
)
A entrada evangélica na política foi prenunciada em 1982 quando protestantes
históricos (representantes de denominações originárias da Reforma como batistas,
luteranos, calvinistas) improvisaram esforços isolados a fim de conquistar um lugar na
política com a formação de comitês evangélicos Pró-diretas (Freston, 1993, p. 208 e 209).
Contudo, foi com a “irrupção pentecostal” (Freston, 1993) nas eleições de 1986 e na
instauração da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, que representantes de igrejas
perceberam a política institucional como um canal de participação ativa nas questões
candentes na sociedade civil.
A Assembléia de Deus lentamente construiu o caminho para a oficialização de
candidaturas da igreja. Em 1985, durante uma convenção, os líderes da Assembléia de
Deus lançaram o nome de um candidato ao cargo do legislativo. A partir de 1986, outras
igrejas evangélicas lançam candidatos oficiais, especialmente, para os cargos do legislativo
(Freston, 1993, p. 211). Outrossim, fazer parte da Constituinte possibilitava que os
evangélicos “reescrevessem” a história do Brasil através da reconfiguração do lugar do
“Povo de Deus” nesta história (Freston, 1993, p. 212). Foi neste momento que, propondo
uma releitura da Bíblia, as igrejas evangélicas, especialmente a Assembléia de Deus,
tomaram consciência do seu crescimento territorial e numérico: se antes o livro sagrado
justificava que “crente não se mete em política” (Freston, 1993, p. 180), naquele momento,
prenunciava um novo “destino político manifesto dos evangélicos” (Freston, 1993, p. 213).
Paul Freston (1993) detecta que os líderes e parlamentares pautaram a entrada
evangélica na política por meio da “defesa cultural” que advogava a favor da liberdade
religiosa e contra as ameaças à família. Outrossim, os evangélicos concorreram contra
64
“novos adversários” que igualmente procuravam ter suas demandas atendidas pela nova
carta constitucional. Nesse sentido, “o movimento feminista, o movimento gay, a esquerda
laica, o humanismo cristão, o modernismo cultural” (Pierucci, 1996, p. 176) se
apresentavam como representantes do “Inimigo” que desejava espalhar o Mal pelo mundo
criado por Deus. Logo, receando a reassociação do Estado brasileiro com o Vaticano, a
influência na sociedade de ideais de ateus e comunistas e o engajamento de grupos
favoráveis a questões relativas ao aborto e à homossexualidade na nova escrita
constitucional, os ungidos se movimentaram no sentido de estimular a participação de suas
Igrejas no mundo da política.
A Bancada Evangélica89 na Constituinte foi composta por 33 parlamentares (em
sua maioria de assembleianos) que se uniram em torno de temas comportamentais e de
costumes, promovendo uma defesa dos valores do Evangelho. Contudo, parlamentares
como Lysâneas Maciel90 e Benedita da Silva, a ala mais à esquerda da Bancada91,
preocupavam-se também com a participação evangélica em questões sociais que eram
igualmente “problemas vitais do Evangelho” (Freston, 1993, p. 229). Todavia, os
constituintes evangélicos ocuparam comissões como a de Soberania e Direitos do Homem
e da Mulher e a de Família, Educação e Cultura promovendo uma “vontade de presença
pública como guardiões da moralidade privada” (Pierucci, 1996, p. 173).
Assim, trouxeram em seus discursos o “lar” – a base de “luta social” evangélica
– para o cerne das discussões de temas controversos como a “orientação sexual” e a
legalização do aborto. Para Pierucci (1996) a participação política de evangélicos na ANC
objetivava, sobretudo, “preservar a família patriarcal” e o sexo como restrito às relações
matrimoniais heterossexuais. Para Baptista (2009) a “mobilização estratégia” de
evangélicos na política se pauta pela
89
No que tange à participação de evangélicos na Constituinte Pierucci (1996) utiliza o termo “bancada
evangélica”. Do mesmo modo, vale dizer que os protestantes históricos consideram a validade da democracia
laica e republicana (cf. Freston, 1994; Baptista, 2009). Igrejas, por exemplo, como a Congregação Cristã,
fundada em 1910, contemporânea da Assembléia de Deus, não indica candidatos oficiais nem participa desta
proposta de “refundação da sociedade”.
90
O constituinte concorreu com Ulisses Guimarães ao cargo de presidente da ANC. Como sabemos, perdeu a
eleição, contudo, obteve 69 votos. (cf. Lima, 2009, p. 127).
91
Lysâneas Maciel e Benedita da Silva não se posicionavam mais “à esquerda” somente na Bancada
evangélica, vinham de partidos (o PDT e o PT) que foram considerados “partidos da esquerda” (juntamente
com PCB e PC do B) da composição política da Constituinte (Lima, 2009, p. 115). A saber: partidos que
lutaram pela transformação social, contra o status quo, logo, anticapitalistas e pela igualdade e distribuição de
renda. (idem, p. 88). Contudo, há que se diferenciar o posicionamento ideológico de cada constituinte mesmo
aqueles pertencentes a partidos ditos “de direita”.
65
“denúncia de questões que solapam a sociedade e evidenciam uma influência diabólica
no mundo, conforme a teologia própria do grupo, tais como: liberação do aborto, união
civil de pessoas do mesmo sexo, imoralidade na televisão e assuntos, em geral ligados a
costumes” (p. 159).
Nesse mesmo sentido, Baptista (2009) aponta que tal “mobilização estratégica”
evangélica na política também visava
“a defesa de interesses institucionais, mobilização de recursos para garantirem condição
mais vantajosa no jogo competitivo do mercado religioso, emulação entre corporações do
mesmo sub-campo pentecostal e necessidade de maior inserção no espaço público, para
exerceram influência direta em questões que incomodam, ligadas à preservação da
família tradicional, costumes, sexualidade e liberdade de culto, no estilo pentecostal,
evidentemente” (p. 160).
Ora, a entrada evangélica na política institucional se baseia num “novo pacto
nacional” (Baptista, 2009, p. 160) cujo propósito, de fato, seria a “refundação da sociedade
brasileira” por meio de propostas condizentes com a moral cristã e com a “fé do povo”92.
Logo, projetos que fugiam a tal regra moral cristã eram considerados pelos constituintes
evangélicos um “desvio”, uma “anomalia” da ordem estrutural de mundo
tal como
construído por Deus e validado pelos evangélicos. Exemplifico esta perspectiva do autor
com a situação de disputa entre constituintes laicos e religiosos pelo emprego da acepção
“orientação sexual”93 no artigo 3º da Constituição que versa sobre as formas de
descriminação (Pierucci, 1996, p. 186).
Tive acesso94 ao arquivo de todas as Comissões constitutivas da Assembléia
Nacional Constituinte quando pude averiguar tal disputa. O relator do processo, senador
José Bisol95, duelou com os evangélicos na Comissão de Soberania e Direitos do Homem e
92
Esta perspectiva garantiu também a presença no espaço público de símbolos cristãos, como o crucifixo e a
bíblia aberta sobre a mesa do Congresso (cf. Baptista, 2009, p. 160). O debate sobre a validade estes
símbolos em espaços públicos de uma democracia laica e republicana emerge com a proposição contida no
PNDH-3 que propõe a retirada destes símbolos de tais espaços. Proposição esta que acabou sendo retirada do
PNDH-3 por conta da pressão de setores religiosos no Congresso Nacional.
93
Artigo que ficou assim registrado: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas
de
discriminação”.
Disponível
em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm acesso em 21 de março de 2011.
94
Obtive o arquivo a partir de uma solicitação feita junto a Biblioteca da Câmara dos Deputados. Após
alguns dias, recebi por e-mail um arquivo zipado contendo as atas e transcrições de todas as reuniões
realizadas por todas as Comissões da ANC.
95
Segundo Lima (2009) durante o processo de análise do relatório, as idéias do relator Bisol foram
duramente atacadas. O deputado Farabulini Júnior (PTB/SP) afirmava que “o relatório era contra a família
brasileira; que atentava contra a moral tradicional, além de ser socialista” (p. 249). Já o deputado Costa
Ferreira (PFL/MA) sustentava que era necessário que “o relator produzisse um documento que agradasse a
66
da Mulher pela validação da categoria nas letras da lei, como podemos ver na ilustração,
que se segue, de algumas falas do relator e de parlamentares evangélicos. Na ata da 9ª
reunião, ocorrida em 8 de junho de 1987, o assunto estava sendo debatido pelos
participantes da Comissão. O senador José Bisol alertava aos pares que seu
posicionamento favorável à “orientação sexual” considerava os homossexuais como “seres
humanos” e que no espaço público, homossexuais e heterossexuais devem seguir as regras
impostas pela sociedade de “não atentar ao pudor”, contudo
“na intimidade deles, eles farão o que quiserem, porque nós na nossa heterossexualidade,
fazemos. Ou não fazemos! Porque somos livres! Que negócio é esse de restringir a
liberdade dos outros, quando eles não afetam a nossa liberdade? Não é este o discurso de
todos, ou seja, que todo mundo é livre naquilo que não afeta os outros?” (Ata da 9ª
reunião da Comissão de Soberania e Direitos do Homem e da Mulher, p. 58-59)
A querela continuou na 10ª reunião da mesma Comissão, ocorrida em 08 de
junho de 1987, na qual o assunto continuava a ser debatido e novamente José Bisol
explicitou o argumento de sua relatoria acerca da “orientação sexual”:
“[...]. Se estou relacionando as discriminações, não posso retirar do juízo geral
discriminação alguma: V. Ex.ª não acham isso lógico? Se, por exemplo, estou dizendo
que é proibida a discriminação sobre sexo, não posso retirar a proibição da discriminação
sobre a orientação sexual, pois na verdade, isto já está implicado no juízo geral. Então, se
eu retirar. reparem bem – do juízo geral, só posso retirá-lo por exceção. Então, não estou
admitindo discriminações entre pessoas ou entre grupos. Porém, de repente, quero
discriminar um grupo, o dos homossexuais. Quem quiser discriminar este grupo terá que
achar uma saída para essa questão lógica. Ela é uma aporia lógica. E vou dizer qual é a
saída. Tem que apresentar emendas, mais ou menos, nesse sentido: "É permitida a
discriminação dos homossexuais". Sejamos moralmente responsáveis. Se quiserem
retirar a orientação sexual do juízo geral da proibição das discriminações tirem-na, mas
por exceção, não por manejos obscuros e caminhos tortuosos! Estamos perante a
História. E o que está sendo dito e escrito, em termos de emendas, de projetos, de votos,
vai ficar na História, sob responsabilidade nominal e individual” (Ata da 10ª reunião da
Comissão de Soberania e Direitos do Homem e da Mulher, p. 72).
Nas 9ª e 10ª reuniões da Comissão de Soberania e Direitos do Homem e da
Mulher o tema foi debatido por parlamentares à direita e à esquerda no sentido de garantir,
de um lado, o respeito aos preceitos morais da sociedade e, de outro, a necessidade de
escrever uma constituição que validasse liberdades e direitos, em consonância com a nova
ordem política vigente no país. Imagens diferentes que no espaço da 53ª legislatura do
todos os segmentos da sociedade brasileira, não a determinados grupos, a determinadas filosofias, ideologias
ou aspirações, pois poderia cometer injustiças” (p. 249).
67
Congresso Nacional duelaram no sentido de ser atendidas pelo Estado em detrimento da
outra.
Na ata da 11ª reunião, realizada em 09 de junho de 1987, os evangélicos entram
em cena. Seus posicionamentos e discursos trazem à baila tanto a fusão quanto a fissão
entre eles96. Antonio de Jesus (PMDB/GO, Assembléia de Deus) argumentou que o
relatório do relator ainda conteria em seu artigo 3º, inciso III, a expressão "orientação
sexual" e defendeu que
“Isso precisa ser eliminado, pois a sexualidade se apresenta sob várias formas, dentre elas
a sexualidade normal, que norteia a procriação. Isso, Deus garante. Mas há também os
desvios do sexo. Há a sexualidade anômala, que abrange as perversões sexuais. E tudo
isso se insere no contexto da orientação sexual. Existe, ainda, a sexualidade criminosa –
isso, do ponto de vista científico. [...]. Toda essa anarquia existe na sociedade. [...].
Portanto, se abrirmos aqui esse precedente, Srs. Constituintes, futuramente nossos filhos,
nossos netos, pagarão um alto preço pela nossa omissão, por havermos contribuído para
que determinados exageros fossem legalizados constitucionalmente. Ademais, temos não
só um compromisso moral – não tenhamos medo – quanto ao aspecto econômico, mas,
igualmente quanto ao aspecto social: o de zelar pelo patrimônio comum. Ou
conservamos o que é justo e ideal para termos uma Constituição sensata, justa, sólida,
praticável, ou vamos entregar isso aqui à mercê de uma minoria que não quer ser
responsável, que não quer pagar o preço que nós estamos pagando por sermos
Constituintes em pleno século XX. Quero chamar a atenção de todos os meus
companheiros Constituintes para a necessidade de nos unirmos e não termos medo de
condenar aquilo que é indevido e injusto, pernicioso e nocivo para a sociedade. Não
vamos ter medo, vamos ser corajosos e varonis. Vamos ser, realmente, homens de
verdade, neste momento em que a Nação exige e espera algo de nós”. (Ata da 11ª reunião
da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, 1987, p. 86, Grifos
Meus).
Costa Ferreira (PFL/MA, Assembléia de Deus) concordou com o colega e
“irmão” referindo-se à “astúcia” dos grupos que sugeriram algo tão “espúrio”, “uma erva
daninha que poderá acarretar uma grande maldição para a nossa Pátria” (Ata da 11ª reunião
da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, 1987, p. 87). Assim, o
parlamentar solicitou que seus pares, até mesmo aos ateus, atentassem para o fato de que
“Deus é o criador de todo o universo”, logo,
“Deus não aceita, de modo algum, que se legalize a prática do sodomismo, da
libidinagem, enfim, de todas essas perversões sexuais, como o homossexualismo, o
bissexualismo, o heterossexualismo. É uma pena que alguém nasça com esse problema.
Mas a pessoa vai vivendo e fazendo o que quer por ai afora. Não podemos, porém, tornar
96
Benedita da Silva e Lysâneas Maciel foram os únicos integrantes da Bancada evangélica na Constituinte
que votaram a favor da inclusão da “orientação sexual” nas letras da lei constitucional e no rol das formas de
discriminações a ser validadas pelo Estado democrático de direito (Freston, 1994, p. 227-228).
68
público essas aberrações, como, por exemplo, o casamento entre homossexuais” (Ata da
11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, 1987, p.
87) (Grifos Meus).
Outrossim, a nova Constituição não poderia “modificar aquilo que Deus criou”
(p. 87): o homem só deve ter uma companheira e ao se unir a mulher tomam-se uma só
carne. Deus disse: "não separe o homem aquilo que Deus juntou". Por isso,
“Não queremos, Srs. Constituintes, fazer proselitismo para trazê-los para a nossa causa,
para aquilo que defendemos, contrariando aqueles que defendem a permanência da
expressão "orientação sexual". O que desejamos é que todos sintam que já consta da
Constituição que a discriminação contra o sexo é um crime. E quem for pervertido, que
pratique suas atividades às escondidas, que faça o que quiser, mas não venha querer
explicitar demais isso, que é algo íntimo e pessoal. Com isso é possível até que
venhamos a angariar a antipatia de muita gente, mas estamos certos de que cumprimos
um dever perante a Nação brasileira. Temos certeza de que cumpriremos nosso mandato
à risca (Ata da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da
Mulher, 1987, p. 87). (Grifos Meus).
José Genoíno (PT/SP) ao defender o relatório de José Bisol advertiu aos pares
que a nova Constituição deveria se inclinar “à realidade concreta de hoje”. Do mesmo
modo, lembrou que a validação de um direito a um determinado grupo não significa que a
Constituição obrigará aqueles que “tem um dogma” a realizar as práticas deste grupo.
Nesse sentido, há que se atentar para a laicidade do Estado, por isso,
“A Constituição tem que contemplar a multiplicidade de uma sociedade multifacética. Se
colocarmos na Constituição uma visão apenas vai-se ter uma sociedade moldada por
determinado conceito. E é também uma conquista da humanidade – chamo a atenção
para isto – a separação entre a Igreja e o Estado. Assim, não há como vincular valores
religiosos, valores cristãos ao Estado, como norma para o Estado, como influência para
as decisões do Estado, como influência para as normas constitucionais. Tem que haver
essa separação, que, repito, é uma conquista da humanidade, desde o final do Século
XIII”. (Ata da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da
Mulher, 1987, p. 88) (Grifos Meus).
Seguindo a acepção José Genoíno (PT/SP), o constituinte Lysâneas Maciel
(PDT/RJ, Igreja Cristã de Confissão Reformada) alertou para o fato de que alguns
desejavam realizar uma “catalogação de pecados” que “não tem sentido jurídico” nem
mesmo bíblico, pois, o Evangelho prega a conciliação, o perdão e o amor ao próximo.
Assim, quando preconizam a condenação, estes constituintes deveriam se lembrar de
Mateus, no capítulo 25, no versículo que narra que quando o “Senhor da História” ao
69
separar “salvos” e “perdidos” disse que quaisquer atos contra os “famintos” é também um
ato contra Deus.
Do mesmo modo, Lysâneas Maciel fez questão de esclarecer que “o choque”
entre “a instituição Igreja e os verdadeiros mandamentos cristãos existe há séculos” (Ata
da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, 1987, p.
90). Nesse sentido, reafirmou: “este é o Evangelho da reconciliação, não o da catalogação
de pecados, não o Evangelho das condenações, não o Evangelho da imposição de
determinada fé” (idem). Ainda segundo o mesmo constituinte,
“fé que precisa de defesa é ideologia. Assim, quando a fé precisou defender-se, em certa
época, transformou-se na Inquisição. A fé, para ser defendida em determinado ponto da
História, transformou-se em Inquisição. Assim também a democracia, que nesses últimos
anos precisou ser defendida, transformou-se em tortura, em violação dos direitos
humanos. Não há necessidade da defesa da fé. A nossa relação com o Senhor da História
é uma relação solitária, mas a decisão é solidária com os nossos semelhantes. Então, acho
que aqui é preciso fazer um reparo: não houve momento algum – sejamos claros e
honestos – em que o Constituinte José Paulo Bisol viesse aqui defender o
homossexualismo ou a sua caricaturização. Em nenhum momento S. Ex.ª defendeu
qualquer prática de atentado ao pudor público. Então, por que estamos estabelecendo
tanta celeuma em torno disso?” (Ata da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos
Direitos do Homem e da Mulher, 1987, p. 90) (Grifos Meus).
Deste modo, para o constituinte evangélico a Constituição não deve se pautar por
tal “catalogação de pecados”, mas sim pelas mudanças advindas da sociedade civil e dos
pleitos acionados pelos novos atores sociais. Por que a instituição Igreja já “jogou gente na
fogueira porque discordava de sua doutrina”, do mesmo modo “condenou pessoas que
eram a favor do divórcio, como eu sou”. Esta mesma instituição Igreja já defendeu “a idéia
de que a mulher sequer pode ter igualdade em relação ao homem”. Assim, finalizou o
constituinte: “esta instituição nada tem a ver com os verdadeiros princípios do
cristianismo” (Ata da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da
Mulher, 1987. p 90). Já João de Deus, identificado com a ala direita da Bancada
evangélica, discordando do “irmão em Cristo” reafirmou quais princípios deveriam ser
grafados pelas letras da lei e em nome de qual Povo, estavam ali, participando da
Constituinte
“Não estamos aqui defendendo os pretensos interesses de uma minoria depravada e
pervertida, que está tentando chegar a esta Carta para receber direitos que não tem.
Estamos defendendo, aqui, a família, os valores morais, que estão desaparecendo.
Podemos dizer, até, usando um termo simbólico, que somos os "últimos dos mohicanos".
Estamos aqui defendendo os últimos resquícios da celula mater da sociedade, que se
70
esforça por manter-se em meio ao apodrecimento dos costumes e da moral nessa
sociedade licenciosa. [...]. Estamos aqui porque este é o tempo que Deus nos trouxe. Nós
somos sal e estamos temperando esta sociedade que ainda espera alguma coisa de nós.
Temos absoluta certeza de que não somos poucos, não somos minoria. Somos maioria,
porque não estamos sozinhos, porque Deus prometeu que estaria conosco. Estamos
defendendo aqui a vida sob todos os aspectos. Estamos defendendo a indissolubilidade
do casamento. [...]. Estamos tentando defender o que há de mais precioso, que são os
nossos filhos. Temos certeza de que o povo evangélico, que nos mandou para cá, não
queria saber se eu tinha posições ideologicamente definidas. Ele me mandou para cá
sabendo que eu ia defender os princípios cristãos evangélicos e aqueles que Jesus Cristo
também defendeu. [...]. Quero dizer que não somos minoria aqui dentro. Somos mais de
trinta e estamos fechados em bloco temos certeza de que V. Ex.ª [o relator] vai respeitar
o nosso pensamento” (Ata da 11ª reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos do
Homem e da Mulher, 1987, p. 91, Grifos Meus)
Ora, a Constituição Federativa do Brasil promulgada em 1988 não abarcou
apenas demandas religiosas. De fato, a questão da entrada da orientação sexual na redação
final da Carta não foi considerada, assim no artigo 3º (Constituem objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil) em seu § IV lê-se: “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação97”. Todavia, entidades feministas que propunham a descriminalização do
aborto realizaram o que ficou conhecido como Lobby de Batom: movimento de
sensibilização dos parlamentares a fim de que a Carta Magna considerasse as demandas
das mulheres. O objetivo era garantir a construção de uma sociedade guiada por uma
Constituição cidadã e democrática.
Se a descriminalização do aborto não entrou no rol da Constituição, tal
movimentação feminista permitiu que o artigo 5º (que trata da inviolabilidade do direito à
vida) fosse redigido com a acepção “em geral, desde a concepção” sem que se retirasse a
expressão “em geral” como desejavam setores conservadores. A expressão "em geral"
garante a ponderação jurídica e não introduz um direito absoluto. Organizadas de forma
suprapartidária, a Comissão Nacional de Direitos das Mulheres, movimentos feministas e
bancada feminina, através do “lobby do batom”, garantiram outras demandas do
movimento de mulheres na redação final da Constituição de 1988.
Podemos perceber que na Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da
Mulher da Assembléia Constituinte havia tanto um grupo evangélico preocupado com a
defesa da família heterossexual sadia (o que excluía o aborto e a homossexualidade),
97
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm acesso em 28
de julho de 2011.
71
quanto aqueles deputados que defendiam temas ligados à justiça social e valores
democráticos. Deste modo, se a ala a direita evangélica na ANC preconizava que a Carta
Magna validasse valores morais e religiosos, parlamentares como Benedita da Silva e
Lysâneas Maciel debatiam que a Constituição deveria prover a Nação de valores usurpados
pela ditadura militar. Assim, os debates na ANC sobre temas como orientação sexual
apontam para dissensos entre evangélicos em relação a estas temáticas. Se na 53ª
legislatura o projeto político evangélico baseava-se na provisão de “boas safras” para a
sociedade, a FPE também entende que a luta pela justiça e igualdade social devem ser
questões caras aos evangélicos.
José Duque, ministro de louvor da FPE, ressalta dois propósitos dos evangélicos
na política. O primeiro diz respeito à “responsabilidade de cada parlamentar dentro desta
visão constitucional em relação a Projetos de Lei que a gente considera prejudicial à
sociedade e não só a Igreja”. Ou seja, a FPE, enquanto entidade mobilizada, “tem uma
coerência” em “defender os projetos que são bons e ser contra os projetos de lei que,
principalmente, do ponto de vista moral são ruins”. O segundo versa sobre a
“responsabilidade parlamentar” do evangélico de “fazer uma política mais social, mais
justa”, de acordo com o princípio cristão. Deste modo, é dever do parlamentar evangélico
se comprometer com “um Estado mais justo, mais eficiente, uma sociedade mais
igualitária”, logo, “todos eles tem esta visão, uns mais conservadores, outros menos”. No
“Seminário A família, a Igreja e o PNDH-3” João Campos reforçou que a FPE não lida
apenas com “negócio espiritual”, pois, a igreja também se engaja em assuntos importantes
para a sociedade brasileira e não apenas em temas de cunho moral. Nesse sentido, o
deputado trouxe ao argumento a necessidade do crente envolvido nas atividades da política
conferir “mais qualidade a atuação e representação do nosso segmento”. De fato, há um
valor ético do crente de promover mais igualdade e justiça social.
Todavia, são questões morais e controversas aqueles possíveis de ser traduzidas
em termos religiosos, numa linguagem religiosa. Logo, é o destino político dos evangélicos
enquanto “protagonistas” (cabeça e não cauda) da elaboração de um Brasil do futuro (sem
vícios) o discurso que faz efeito no plano da política. Ora, a invocação do religioso no
espaço do fazer política dissolve as fronteiras entre templo e sociedade, público e
privado, Igreja e Estado, religião e política. Deste modo, estas esferas, antes separadas
72
radicalmente, se relacionam (no sentido de fusão e fissão) nos espaços e tempos do
Parlamento brasileiro. Vejamos como.
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Voltei à Casa de Leis na minha terceira ida ao campo procurando exercitar uma
espécie de skill (Ingold, 2000) que me permitisse construir uma atitude de observação de
detalhes minuciosos das formas de agenciamento naquele e daquele mundo. Ressalto que a
narrativa etnográfica deste capítulo não procura estabelecer uma linha histórica
cronológica e causal dos eventos observados. Por isso mesmo, dedico-me a análise
etnográfica dos cultos evangélicos99 por mim observados durante minha “estada” na casa
legislativa. Rituais que aconteceram durante todo o período do trabalho de campo sendo,
pois, entremeados pelos demais eventos a serem considerados nesta dissertação. Ressalto
ainda que não irei etnografar densamente cada um destes cultos. Trata-se apenas de
delinear um “tipo ideal” permeado, entretanto, por minúcias e aspectos comezinhos.
Considero, etnograficamente, os cultos evangélicos realizados no subterrâneo do
legislativo, enquanto rituais que possuem ordem e padrão, mas também “encruzilhadas e
dilemas” que possibilitam “encaminhar mudanças e transformações” (Peirano, 2003, p.
47).
Sendo assim, como disse, volto ao campo em 07 de abril de 2010. Naquele dia,
participei do “culto de louvor” realizado pela FPE, mormente, no Plenário 13, ocupado
pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. A promoção de tais
cultos, como apontei, foi uma “estratégia” adotada pelos fundadores da FPE a fim de criar
98
João 17: 4.
Os cultos promovidos pela FPE obedecem ao calendário oficial do Congresso Nacional. Assim, o primeiro
culto do ano é realizado na quarta-feira seguinte ao primeiro dia útil de fevereiro quando se inicia o ano
legislativo na Câmara dos Deputados. No ano de 2010, participei dos cultos realizados pela Frente nas
seguintes quartas-feiras: 17 de março, 24 de março, 07 de abril, 14 de abril, 28 de abril, 05 de maio, 19 de
maio, 26 de maio, 02 de junho, 09 de junho, 16 de junho, 23 de junho, 30 de junho, 07 de julho e 14 de julho.
Os cultos cessaram por causa do “recesso branco” na Casa por conta das eleições majoritárias. Em, 18 de
agosto de 2010 (na semana de “esforço concentrado”) a FPE realizou mais um culto (do qual também
participei). Em 10 de novembro de 2010, voltei ao campo para tentar “fechar questões”. Na ocasião, assisti
ao culto no qual a FPE apresentou os novos deputados eleitos.
99
73
um tempo e um espaço ritual nos quais os deputados evangélicos “unidos” pudessem
tornar demandas religiosas, realizações concretas no Parlamento. Como todo ritual
religioso, os cultos evangélicos no legislativo seguem uma ordenação litúrgica marcada por
“graus variados de formalidade (convencionalidade), esteriotipa (rigidez), condensação
(fusão) e redundância (repetição)” (Peirano, 2003, p. 11). Contudo, há sempre a
possibilidade dos rituais serem alterados, transformados dependendo dos tipos de atividade
social em jogo. Por isso mesmo cabe ao antropólogo apreender as minúcias formais e
fractais dos rituais.
A formalidade daquela cena social marca-se pela ocupação da sala de comissão
pelos “Missionários da Casa” tornando, pois, aquele espaço máximo da República
brasileira num templo sagrado. Assim, a mesa central ocupada nas sessões ordinárias pelo
presidente e pelo secretário geral da comissão naquela cerimônia torna-se um púlpito no
qual se postavam o dirigente, o orador do dia e o mestre de louvor e seu aparato
instrumental100. Já a membresia (deputados, assessores, funcionários, convidados) estava
disposta nas mesas localizadas a frente da mesa central. Os deputados ocupavam as
primeiras fileiras destas mesas que também são ocupadas por eles nas sessões ordinárias
das Comissões da Casa. Em todos os cultos que participei procurei me sentar nas cadeiras
avulsas localizadas próximas a entrada da sala a qual acessamos pelo corredor principal
das salas de Comissões101. Admito que esta localização me possibilitou observar, de modo
panorâmico, a cena social (sua ocupação, o modo como as pessoas andavam, com quem
falavam, como agiam).
Como disse, naquele dia cheguei à Casa legislativa a fim de assistir ao culto. No
caminho em direção ao plenário 13 observei que em outro plenário da Casa estava sendo
realizada uma missa católica com altar e indumentárias próprios, um padre e um
coroinha102. Participavam da celebração cerca de quinze pessoas. Adentrando o Plenário
13, pontualmente, percebi que o mesmo estava ainda esvaziado. Contudo, o culto acontece
100
Os dirigentes e oradores dos cultos são escolhidos (pelo dirigente do culto anterior) ou se prontificam a
conduzir a liturgia no próximo culto.
101
Todas as salas de comissões possuem duas entradas. Uma que pode ser acessada através do corredor
principal (onde os cidadãos, funcionários e transeuntes circulam). A visão desta entrada é a mesa principal da
sala da Comissão. A outra entrada é acessada pelo corredor no qual apenas parlamentares e funcionários
autorizados circulam. A visão da sala de comissão fornecida por tal entrada são as mesas ocupadas pelos
partícipes da Comissão. Esta é uma entrada exclusiva utilizada por deputados em ocasiões quando a Casa
está muito tumultuada (quando ocorre do outro corredor ficar intransitável) ou quando a própria sessão
ordinária da Comissão está julgando algum PL que mobiliza afetos e grande movimentação social. Trata-se,
de fato, de um “corredor de escape” dos parlamentares que atuam na Casa do Povo.
102
Missa católica que não presenciei novamente durante a continuidade do trabalho de campo.
74
sempre às quartas-feiras, de 08h30min as 09h45min, como havia me dito Pr. Isaías no meu
primeiro dia de campo. A composição dos cultos conta com uma maioria de homens
(deputados, alguns assessores e funcionários da Casa). Às vezes, convidados dos
deputados (advindos de suas bases religiosas ou políticas) participam da celebração quando
estão em Brasília por causa de algum pleito político.
Como de costume, naquele dia Pr. Isaías também me cumprimentou com beijos e
abraços e perguntou se eu precisava de alguma “ajuda” ou “informação”, conversamos um
pouco e perguntei se ele poderia me conceder uma entrevista. “Quem sou eu!”, retrucou.
Na verdade, naquele momento, gostaria de esclarecer a ele os objetivos da pesquisa e o
meu posicionamento enquanto pesquisadora. Reafirmei o convite e Pr. Isaias respondeu:
“Ah, hoje não, por que eu assisto as Comissões e também o dia é cheio”. Fato é que todos
os dias eram tumultuados e nunca consegui realizar tal entrevista. Do mesmo modo,
nenhum dos secretários da FPE solicitou que eu me explicasse “oficialmente” para a FPE
acerca de minhas intenções103. Neste momento, Jacó, assessor do deputado Pedro Ribeiro,
veio ao meu encontro e se desculpou por não ter conseguido ainda gravar para mim o
primeiro culto do qual participei.
- “Tatiane, né?
- Sim.
- Não esqueci o DVD não. Deixa acalmar um pouco e eu faço. Pode deixar que
você não vai perder os DVDs não...”. - “Você tá aqui estudando, né?”
- Sim.
- “Você fica até quando com a gente?
- Até final de junho, antes do recesso parlamentar
- “Ah, ta”. E saiu.
Naquele dia, o dirigente do culto era o deputado Leonardo Quintão (PMDB/MG).
Frequentemente, o dirigente do culto ou o presidente da FPE, deputado João Campos
103
Contudo, no culto de 09 de junho tive a informação que as classificações nativas foram exacerbadas a
ponto de comprometer minha permanência em campo. Por isso, tracei uma estratégia a fim de não ter que
parar de freqüentar, especialmente os cultos e a sala da FPE. Passei a não mais gravar os cultos (o que havia
sido autorizado verbalmente pelo Pr. Isaías e pelo Pr. Herculano), nem mesmo fazer qualquer anotação. Do
mesmo modo, passei a não mais chegar cedo aos cultos, mas sim em seus 20 minutos finais quando nem
mesmo sentava, permanecendo, pois, de pé. A despeito de “não ter sido expulsa”, o clima do trabalho de
campo mudou muito tanto de minha parte em relação a eles quanto deles em relação a mim. De fato, antes
deste acontecimento, já havia sentido nas semanas anteriores “o ar pesado”, quando alguns dos assessores
dos deputados da FPE não me cumprimentavam mais, nem mesmo à distância.
75
(PSDB/GO), lembra aos irmãos sobre a importância daquela cerimônia, explicitando,
sobretudo, que aquele espaço é de adoração ao Senhor e o seu tempo não é o da política,
mas sim o da igreja. A saber: a invocação do religioso no Parlamento brasileiro faz tempo
da Igreja englobar o “tempo da política”, sem, contudo, o excluir. Do mesmo modo,
comumente o dirigente realiza preleção antes de passar a palavra para o orador do dia.
Naquela cerimônia, Leonardo Quintão orou pelo deputado Pedro Ribeiro que, como disse,
estava deixando o cargo por que estava em exercício de suplência104. Entretanto,
concentrou seu discurso na importância daquela celebração a fim de “livrar” os pecadores
dos males da carne105:
“Multiplica, esta ação que estamos fazendo de orar, pelo Brasil que a obra é do Senhor. E
que o senhor possa tocar no coração de cada um. Cada servo do senhor para estar aqui
também junto de nós, mas independente de números, Senhor. Nós sabemos que a obra é
Tua. E nós sabemos que tu abençoas os teus servos que não têm condições de estar aqui
hoje conosco, abençoa a vida deles. O casamento, os filhos, multiplica as finanças, livra
do mal. Espírito de prostituição de adultério, de traição, de mentira, de lascívia, de
inveja, Senhor tira de nossos corações, isso. Coloca em nossos corações o desejo de ler a
sua palavra a cada dia, coloca em nossos corações senhor desejo de obedecer a tua
palavra. Senhor não deixa o nosso coração de encher de ódio, não deixa nosso coração
encher de inveja, não deixa encher de melancolia, de lamentação, pois o senhor é o Deus
do impossível, da vitória; diz aqui [apontando para a bíblia] e a vitória não é apenas
externa, ela é interna também. Deus eu clamo para que o Senhor nos dê nobreza de
vencê-los, pois o espírito pode estar preparado, mas a carne é fraca. Nos dê esta
capacidade de dizer não às coisas do mundo. Nos dê a capacidade de dizer sim apenas
para as coisas do Senhor, para que possamos depender apenas das coisas do Senhor”
(Grifos Meus).
Em seguida, o deputado Leonardo Quintão passou a palavra para o orador do dia
que realiza a liturgia a partir de um tema específico. A adoração é sempre muito fervorosa
104
Durante o culto, Pr. Pedro Ribeiro fez ainda uma solicitação para que a FPE não deixasse José Duque
desamparado, nem Pr. Isaias e seu filho, Josué. Isso por que todos eles tinham cargo no gabinete do
deputado, logo, com a sua saída, estavam todos desempregados. José Duque foi aclamado pelo deputado
como indispensável para a continuidade dos cultos. Após a saída do deputado do cargo, José Duque
continuou como mestre de louvor e conseguiu “uma vaga” no gabinete de outro deputado evangélico.
Contudo, Pr. Isaias e Josué não conseguiram outros cargos na Casa. Sendo assim, em uma das minhas
últimas visitas a FPE Pr. Isaias me disse que iria deixar a Frente por que a mesma não lhe cederia mais um
computador e uma linha telefônica. E como era “assim eu ganhava dinheiro”, sem tais meios de trabalho, Pr.
Isaías não tinha mais como se manter, já que a FPE não lhe pagava salário. Seu vínculo empregatício era com
o Pr. Pedro Ribeiro.
105
Em Gálatas 5:16-23 lê-se “Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.
Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que
não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Porque as obras da
carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia; Idolatria, feitiçaria, inimizades,
porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias; Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas
semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas
não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei”.
76
e a Igreja de Cristo conclama por meio de glórias, aleluias e aplausos106. Frequentemente, a
pregação é direcionada a um dos deputados (por conta de algum momento de indecisão ou
de aflição pessoal) ou abarca ainda a consideração da FPE sobre algum acontecimento
político. Ou seja, tempo da igreja e "tempo da política" se imbricam. Coisas e bens
religiosos se fundem com coisas e bens políticas. Deste modo, naquele dia, Pr. Pedro
Ribeiro orou pelo seu futuro político na Casa e também pelo deputado Walter Pinheiro
(PT/BA):
“Senhor, pedimos que este culto seja o reforço, o fortalecimento, o alimento poderoso
para que ultrapassemos não só os minutos que estamos aqui, mas toda a quarta-feira e
quem sabe sexta, sábado, domingo até a outra quarta. [...]. Abençoa a reunião que
teremos com o teu servo, João Campos, nosso presidente, que tudo seja feito conforme
sua orientação, tudo conforme a tua vontade. Eu te oro também pelo seu servo Walter
Pinheiro que sabemos já estar de volta a esta Casa, [...],como ele tem demonstrado de
estar aqui, todo desejo, carinho e compromisso com esta obra. Que ele esteja se
lembrando, que ele tenha se lembrado, que ele esteja aqui. E que se engaje senhor de uma
forma maravilhosa”.
Pastor Pedro Ribeiro continuou a pregação que passou a se concentrar no
compromisso que os deputados filiados à FPE devem ter com aquela obra. Logo, Pastor
Pedro Ribeiro relembrou aos irmãos do “pacto que nós temos, de orar pelo menos quinze
minutos”. Por isso, Pr. Pedro Ribeiro rogou ao presidente João Campos que não deixasse
aquele louvor cessar, assim
“Te peço, Pai fiel aos homens e a ti, não deixe este trabalho sofrer qualquer abalo mas
pelo contrário que se fortaleça. Que cada um se anime, o pastor Pedro não está, mas o
senhor está, e Ele que gosta de ser glorificado, exaltado e merece a nossa oração que está
aqui nesta casa, que está em nossas vidas. Por que eu vou estar lá mas a nossa exaltação
está aqui nesta casa. Põe isso no coração de cada deputado, de cada crente. Pessoas
maravilhosas que não faltam este culto. Que precisam de sua palavra. Que glorificam sua
palavra. Que esta glorificação permaneça não importa o Plenário. Que estejam sempre
cheios glorificando o Teu nome. [...]. Mas Tu sabes Senhor, o valor deste culto, desta
adoração aqui a cada quarta-feira”. (Grifos Meus).
Num tom profético, Pedro Ribeiro lembrou aos irmãos que outros cultos estavam
sendo realizados em outros espaços da republica federativa. Eram eles: os cultos debaixo
das árvores do Anexo IV da Câmara dos Deputados e os cultos nos prédios dos Ministérios
do governo federal. Todos estes cultos eram realizados pelos “servidores do Senhor” cuja
106
Vale dizer que em nenhum dos cultos por mim observados ocorreu à manifestação do falar em línguas
estranhas – glossolalia – que é um dos carismas do Espírito Santo (profetizar, curar, falar línguas estranhas,
exorcizar) recebidos pelos crentes. Fenômeno identificado como pertencente aos primórdios do
pentecostalismo (cf. César & Shaull, 1999).
77
Igreja “se espraia, se estende por esta Casa, pelo Congresso Nacional” como afirmou
Pedro Ribeiro. Ora, conclamou o pastor: “usa [Senhor] cada dia mais, do servidor mais
simples até o nível mais alto. Usa os funcionários da Casa!”. Em mais uma convocação dos
irmãos para a obra de Deus na Casa, Pr. Pedro Ribeiro deixa explícito o significado
daqueles cultos: a invocação do religioso no espaço da política sacraliza discursos e
posicionamentos políticos daqueles religiosos:
“Pai levanta os teus filhos e filhas para que tenham aquele sentimento que invade o meu
coração, que tem o privilégio de ser Teu missionário no Congresso Nacional. [...]. Aqui
é um lugar de proeminência, lugar estratégico da nação. É um privilegio ser missionário
nesta casa. Anima cada coração, queima cada coração repreenda todo medo, a falta de
coragem de trabalhar, faça a partir desta casa que a nação seja abalada, não com as
criticas Senhor, com o descrédito que temos, mas dizer que no Congresso Nacional saem
coisas maravilhosas, pessoas que anunciam a salvação, a redenção do senhor e o tempo
que nos aguardam. [...]. Anima cada um. O tempo urge, o tempo se aproxima, nos
preparemos para a tua vinda, Senhor, abramos os olhos para o que está acontecendo na
sociedade, que ele [apontando para um dos deputados presentes] seja a atalaia poderoso ó
Pai, assim como os demais que aqui, estão anunciando a Sua mensagem. É que eu Te
rogo agradecido em nome de Jesus. Amém e amém!” (Grifos Meus).
De todo modo, em alguns momentos do ritual, o tempo da igreja suplanta o da
política. Sendo assim, a liturgia do culto é entremeada, pois, por hinos ministrados pelo
José Duque que sempre solicita que os irmãos “fiquem de pé para glorificar ao Senhor!”.
Naquele dia, um destes hinos falava que o crente deveria se diminuir para que o Senhor
crescesse, pois, a presença dele é o “verdadeiro prazer” do crente. O outro hino versava
sobre o “verdadeiro adorador” de Cristo cuja “vitória vem mesmo que pareça que é o
fim”107. Dois outros momentos ocorrem de forma rotineira durante o tempo do ritual
litúrgico.
107
Recebi Um Novo Coração, grupo Frutos do Espírito: “Recebi um novo coração do Pai Coração
regenerado, coração transformado, Coração que é inspirado por Jesus! Como fruto deste novo coração
Eu declaro a paz de Cristo, Te abençôo, meu irmão, Preciosa é a nossa comunhão! Somos corpo, e assim bem
ajustado talmente ligados, unidos, vivendo em amor. Uma família sem qualquer falsidade
Vivendo a verdade, expressando a glória do Senhor! Uma família, vivendo o compromisso
Do grande amor de Cristo Eu preciso de ti, querido irmão, precioso és para mim, querido irmão!
Eu preciso de ti, querido irmão, precioso és para mim, querido irmão”. Disponível
http://letras.terra.com.br/frutos-do-espirito/191006/ acesso em 28 de março de 2011.
Fiel a Mim, Eyshila: “Sei que estás aqui, Senhor, Podes perceber quem sou, Podes ver se há em mim
Um verdadeiro adorador A minha oferta, Eu ofereço a ti, Deus meu Pra reconhecer que nada tenho, tudo é
teu Quero te adorar ainda que a figueira não floresça Quero me alegrar mesmo se o dinheiro me faltar A
vitória vem mesmo que pareça que é o fim. Pois tu és fiel, Senhor, fiel a mim, Tu és fiel, Senhor Eu sei que
tu és fiel Tu és fiel, Senhor Eu sei que tu és fiel E ainda que eu não mereça permaneces assim Fiel, Senhor
meu Deus Fiel a mim, Fiel, Senhor meu Deus, Fiel a mim”. Disponível em
http://letras.terra.com.br/eyshila/216083/ acesso em 28 de março de 2011.
78
O primeiro destes momentos é o testemunho público dos oradores sobre sua
conversão ao Evangelho ou ainda sobre fatos importantes que estejam acontecendo em
suas vidas, seja pessoal, seja parlamentar. Assim, Pr. Pedro Ribeiro naquele dia
testemunhou sobre sua vida decaída antes da conversão, reafirmando, pois, a mudança em
sua vida assim que aceitou ser transformado por Jesus
“Deus me transformou, ele me trouxe para o Congresso Nacional, me fez vereador de
Fortaleza. Aqui nesta Casa sou amado e considerado por muitos aqui nesta casa. Ele me
fez ser conhecido no Brasil por lideranças evangélicas. Só o milagre de Deus. Eu só fui
crescer na vida quando me tornei crente, vitória mesmo em minha vida só depois de
aceitar Jesus”.
Então, se o “Senhor dos milagres” restaurou sua vida, seria Ele quem
reconduziria Pastor Pedro Ribeiro ao Congresso Nacional em 2011. Deste modo, mais uma
vez o parlamentar da FPE realizou a fusão do púlpito com o palanque
“Agora eu estou enfrentando uma disputa ferrenha, nunca tive concorrentes, agora tem
dois evangélicos, entrando na minha igreja, falando com meus irmãos. Mas se Ele quer
me usar aqui no Congresso Nacional ainda, é Ele quem vai tocar no coração. É ele quem
vai fazer milagres. Ele que não recua nunca, não vira as costas”.
Após seu testemunho pessoal a “comunidade de fé”, Pastor Pedro Ribeiro
realizou a leitura da Palavra utilizada pelos oradores do dia seja como corroboração de um
pensamento, como metáfora para algum argumento da oratória ou como retórica mesmo da
oração. No caso, a citação bíblica utilizada pelo Pastor versava sobre a justiça da ação de
Deus na vida de todo aquele que crê. Logo, os empecilhos na vida do crente servem para
“testar” a sua fé no poder sobrenatural de Deus. Assim, a palavra bíblica trazida por Pedro
Ribeiro corroborava tal pensamento: mesmo em situações adversas quem está no comando
da vida ordinária do crente é Deus, por que, sua lei é sempre justa e reta.
“Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma. Pois diz a
Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu
tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de
Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei;
para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra.
Logo, pois, Deus compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer (Romanos 9: 1418).
Após relacionar citação bíblica e oratória devocional Pastor Pedro Ribeiro mais
uma vez reafirmou: “o mais importante na vida é sermos dependentes do Senhor, é
79
amarmos o Senhor, é nos espelharmos Nele, é contarmos com Ele”. Em seguida,
conclamou: “saiamos daqui para viver uma quarta-feira quiçá de quarta a quarta feliz,
alegres, animados, cantando, [...], para gente viver esta vida felizes na presença de Deus”.
Por fim, Pastor Pedro Ribeiro realizou o segundo momento rotineiro do ritual quando ao
final da pregação, o orador faz a pergunta que, uma vez confessada publicamente,
transforma a vida da pessoa
“alguém aqui quer aceitar Jesus como seu Salvador?, tornar-se vitorioso? É o que falta
para você ser feliz, feliz em seu coração, você sairá transformado, registrado no livro da
vida do senhor, [...], nunca mais se quebrará a sua aliança de fé com o Senhor”.
Naquele dia, ninguém “aceitou Jesus108”. E, após este momento do ritual, como a
fé é viva e é para este mundo, ocorre do orador do dia perguntar se algum irmão estaria
passando por dificuldades. Caso haja alguém, toda a Igreja unida ora pela restauração
espiritual do “irmão”. Naquele dia, como ninguém solicitou oração, Pr. Pedro Ribeiro
passou a palavra para João Campos, não sem antes fazer a propaganda do compact disk
“Pedras do Ribeiro” lançado por ele em parceria com Pr. Isaías, Josué, Marcos e Jacó.
Acontece do tempo do ritual ser interrompido pelos parlamentares que desejam
informar ou solicitar algo à Igreja, antes da finalização do culto. Todas estes “cortes” do
tempo ritual do culto são próprios do caráter rotineiro do rito. Frequentemente, neste
momento, o "tempo da política" invade o espaço sagrado, contudo, este já foi devidamente
sacralizado pelo segundo. É o espaço de exacerbação das filiações entre aqueles
parlamentares, sejam religiosas, sejam políticas. Naquele dia, o deputado Major Fábio
(DEM/PB) pediu a palavra ao Pr. Pedro Ribeiro a fim de solicitar que ele orasse pela vida
do pastor da Assembléia de Deus do Acre que lá estava para conhecer “as atividades da
Frente”. Do mesmo modo, solicitou a adesão dos “irmãos” da FPE para a obstrução109
108
Dos quinze cultos por mim observados, apenas em um deles alguém aceitou publicamente “Deus como
seu único Salvador”. Na ocasião o deputado Leonardo Quintão fazia a oração final e ao fazer a pergunta, um
funcionário do setor de limpeza da Casa, foi até a frente do púlpito e disse aceitar Jesus. Todos aplaudiram e
o deputado solicitou que ele passasse no seu gabinete por que ele iria ganhar uma Bíblia.
109
O regimento da Câmara dos Deputados. Na Seção II. Da Ordem do Dia. Artigo 82, § 6º fala da obstrução
parlamentar: “A ausência às votações equipara-se, para todos os efeitos, à ausência às sessões, ressalvada a
que se verificar a título de obstrução parlamentar legítima, assim considerada a que for aprovada pelas
bancadas ou suas Lideranças e comunicada à Mesa”. (Regimento Interno da Câmara, Resolução no 17, de
1989, p. 98). Disponível em www.camara.br acesso em 22 de fevereiro de 2010.
80
regimental ao Projeto de Emenda à Constituição/PEC110 300 que propunha alterar a
redação do § 9º, do artigo 144 da Constituição Federal111.
Após o pedido do deputado Major Fábio, João Campos, presidente da FPE, toma
a palavra e reafirma a adesão da Frente a PEC 300: “conte conosco”. Em seguida, dá inicio
aos costumeiros relatos administrativos que abarcam ainda referências às autoridades
políticas e religiosas presentes nos cultos. Naquela ocasião, João Campos registrou a
presença do pastor Rafael, “meu amigo”, da Assembléia de Deus de São Paulo que “fez
também a viagem a Israel” quanto estabelecemos uma “comunhão muito sadia”. Outros
deputados solicitaram ainda “um minuto” a João Campos a fim de informar a presença de
“amigos, irmãos e parceiros” na cerimônia e estes receberam as boas vindas daquele ao
culto da FPE.
Por fim, João Campos pediu permissão ao Pr. Pedro Ribeiro para que o “nosso
irmão deputado Raimundo” (Santos, um dos idealizadores da FPE) fizesse a oração final.
Contudo, antes de proferir a oração final, Raimundo Santos deu um testemunho espiritual
no sentido de corroborar com as palavras de Pr. Pedro Ribeiro em relação ao
comprometimento do “irmão” José Duque à vida evangélica. Mais uma vez, a retórica
religiosa toma a cena se sobrepondo às coisas da política, mas sem excluí-las. Raimundo
lembrou, então, que José Duque tinha sido seu assessor parlamentar quando foi deputado
estadual no Pará112. Naquela época uma “irmã” da Assembléia de Deus de
Paragominas/PA teve uma visão na qual ele e José estariam “com um monte de autoridades
cantando e clamando”. Ora, “os anos se passaram e aqui nos reencontramos, quando
fundamos na legislatura passada um ministério de louvor”. Deste modo, ressaltou que o
“testemunho apaixonado” de Pr. Pedro sobre José Duque é condizente com os propósitos
de Deus, pois, “José foi convocado por Deus, chamado por Deus para fazer este trabalho
[ser ministro de louvor dos cultos]”.
110
Projeto de Emenda à Constituição trata de uma atualização da Constituição Federal. É uma das propostas
que exige mais tempo para preparo, elaboração e votação, uma vez que modificará a Constituição Federal.
Em função disso, requer quórum quase máximo e dois turnos de votação em cada uma das Casas legislativas:
Câmara dos Deputados e Senado Federal. (cf. Regimento Interno da Câmara Resolução no 17, de 1989, p.
161-162).
111
“§ 9º: A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada
na forma do = 4º do artigo 39, sendo que a das Polícias Militares dos Estados, não poderá ser inferior a da
Polícia Militar do Distrito Federal, aplicando-se também o Corpo de Bombeiro militar desse Distrito Federal,
no que couber, extensiva aos inativos”. (Notas do Projeto de lei de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá e
outros).
112
Segundo José Duque ele foi assessor de Raimundo Santos quando este foi deputado estadual em 1986.
José trabalhou para a família “Santos”, em diversos cargos de confiança, durante os anos que morou no Pará.
81
Em seguida, Pastor Raimundo Santos se volta à “comunidade de fé” ali reunida e
profere uma oração pelos “irmãos” que iriam concorrer aos cargos do legislativo nas
eleições de 2010. Assim, o tempo da política volta à cena sacralizada pela invocação da
filiação religiosa existente entre aqueles parlamentares. Nesse sentido o Pastor Raimundo
proferiu a leitura de Isaias 55: 10-11 para reafirmar que
“assim como desce a chuva e a neve dos céus, e para lá não tornam, mas regam a terra, e
a fazem produzir, e brotar, e dar semente ao semeador, e pão ao que come; Assim será a
minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que
me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei”.
Utilizando este versículo que fala de profecia e fé na palavra de Deus, Raimundo
Santos profetizou: “Amém? se Deus falou com você a vitória é sua, tudo está na vontade
de Deus!” Em seguida, Raimundo Santos, de modo inverso, invocou a filiação religiosa
existente entre aqueles parlamentares a fim de solicitar que a mesma fosse considerada no
plano da política, sagrada e sacralizada. Deste modo, aproveitando o tempo e o espaço
adquiridos naquele ritual, Pr. Raimundo solicitou o apoio da FPE em relação a “nossa
reivindicação de plebiscito pelo Estado de Tapajós e Carajás, apelo que vem de lá do nosso
povo de Santarém/PA”. Então vamos orar, solicitou Raimundo Santos.
Em mais uma interrupção do tempo do ritual (agora não rotineiro, logo, fora do
padrão) uma das “irmãs”, funcionária da Casa pediu um espaço para proferir uma palavra
a “amada Igreja”, a “esposa de Jesus”. Pastor Raimundo concedeu um instante a ela que
leu uma mensagem cujo tema versava sobre a fé que o crente deve depositar no poder
sobrenatural de Deus – “sê fiel, quando o inimigo se erguer com furor, ele não te abaterá, o
Inimigo te ataca com furor, mas o Senhor, o abaterá”. Toda a Igreja aplaudiu a mensagem,
sob aleluias e glórias. Pastor Raimundo retomou a direção do culto pronunciando uma
oração final na qual rogava que Deus continuasse abençoando Pastor Pedro Ribeiro que
iniciou aquela “grande empreitada” quando os parlamentares evangélicos poderiam
invocar o religioso num tempo e num espaço da política. Por isso mesmo, Raimundo
Santos rogou
“Unja Senhor, dote de capacidade os deputados para discernir esta grande iniciativa que
seu servo teve [Pedro Ribeiro]. Dê capacidade para discernir, a sabedoria para dar o seu
recado e te acompanhando Senhor e vivendo no seu Espírito Santo, direcionando os seus
passos, do presidente João Campos, de cada um que aqui está, abençoe as nossas
famílias, dê-nos uma semana maravilhosa, abençoada. Que sigamos na tua direção, este é
o nosso louvor, a nossa oração, em nome de Jesus, amém!”
82
Finda a benção final, Raimundo Santos passa a palavra para João Campos que
finaliza o culto “em nome de Jesus!”, mas não sem antes solicitar que todos os irmãos
cumprimentassem “a pessoa ao seu lado e desejasse a ela um bom dia”. Todos os “irmãos”
se saudaram. Como já ressaltei, durante o trabalho de campo, percebi que o deputado João
Campos sempre terminava o culto proferindo estas frases. Tratava-se, de fato, de um
aspecto marcado pela redundância presente na formalidade do ritual, tal como apontada
por Peirano (2003). Inclusive, na maioria dos cultos dos quais participei, fui agraciada com
a saudação e o aperto de mão dos irmãos.
Após os cumprimentos fraternais, os parlamentares evangélicos se dirigem as
salas das comissões das quais participam. Os pastores ou políticos locais convidados,
entretanto, aproveitam para conversar ali mesmo ou “marcam uma hora” algum
deputado113. Outrossim, parlamentares conversam entre si, assessores levam documentos
para serem assinados, secretários da FPE conversam com os parlamentares. Neste tempo
do ritual, percebemos os efeitos simbólicos da palavra da política após o culto religioso. A
invocação da linguagem religiosa autoriza que atividades próprias da política legislativa –
estabelecimento e reafirmação de laços, afetos, filiações religiosas e políticas – aconteçam.
Ora, se a palavra agora é da política, dos acordos e alianças, dos negócios e das
negociações entre a grande política e sua “base eleitoral” (Bezerra, 1999) estes são
realizados por que o nome de Deus foi evocado para fazer a aliança entre os irmãos. Mais
do que trânsitos e deslocamentos entre o "tempo da política" e o tempo da igreja, há, pois,
sobreposições entre o púlpito e o palanque quando o espaço do sagrado sacraliza as boas
novas proferidas pela FPE no espaço da política. Assim, política sacralizada e política
profana se justapõem dependendo das operações estratégicas em jogo nas relações
políticas.
113
De acordo com Bezerra (2001) o modo brasileiro de fazer política compreende uma imbricação entre a
política institucional e a política local. Nesse sentido, os deputados federais devem estar atentos aos pleitos
do município ao qual sua candidatura, logo, seu mandato parlamentar, está vinculado. Deste modo, é um
“dever” do parlamentar obter os recursos para as localidades que representam” (p. 204). Isso por que,
assegurar recursos avalia, de certo modo, a “eficácia e [o] poder” que possui o parlamentar no Congresso
Nacional. Logo, “o poder do parlamentar estaria fundado no reconhecimento pelas lideranças e população de
sua capacidade e força para atuar em um outro plano de relações e assegurar certos benefícios e favores para
as localidades e seus habitantes” (p. 205). Do mesmo modo, espera-se que os deputados sejam “mediadores
de demandas locais e interesses relacionados às suas redes políticas” (idem, ibidem). Ou seja, atender as
bases eleitorais seria uma das formas da representação política .
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Mesmo tendo participado em meu primeiro dia de campo do culto evangélico
promovido pela FPE na Casa legislativa, nos demais cultos por mim observados
continuava a sentir-me intrusa, incomodada, sem saber como agir. Preocupava-me com os
possíveis decotes em minha roupa, em não demonstrar feições e gestos que pudessem ser
“lidos” de forma errônea. Preocupava-me demais comigo. Olhar só para si cansa e não
permite que o pesquisador se deixe afetar pelas muitas ervas do diabo que estão espalhadas
pelo mundo (subterrâneo ou não) no qual ele se aventura114. Assim, durante os cultos, me
sentia enfrentada pelos assessores e secretários da FPE por que eles “me encaravam”, me
observavam como se dissessem “então, vai lá, aceita Jesus”. Do mesmo modo, sentia
desconforto em cumprimentá-los com beijos na face (como se fossem meus amigos), a
despeito de eles sempre me cumprimentarem com um aperto de mão e em seguida o
danado do beijo na face. Com o tempo, contudo, estas neuroses foram me afetando menos.
Mas outras tantas apareceram.
De todo modo, os evangélicos do Congresso Nacional me ensinaram sobre os
modos pelos quais classificamos as coisas e as pessoas que habitam o mundo. Sendo assim,
a antropóloga que vos escreve, por certo, não ficou isenta de tal sistema classificatório,
nem isentou a Frente Parlamentar Evangélica. Contudo, o modo como eles me atribuíram
valores me permitiu transitar por “lugares sociais” diferenciados: “nossa amiga da UnB” e
a “feminista financiada por agências internacionais”, “uma pesquisadora profunda” e
“aquela que nos persegue e sabe tudo da gente” ou “a possível futura nora de pastor” e uma
114
Mesmo “iniciada” no trabalho de campo no mundo pentecostal, participar de cultos devocionais sempre
nos possibilita “sentir coisas que não sabemos explicar”. Esta sensação já fora por mim sentida durante os
cultos observados na Igreja da Pastora Inês, um das mulheres evangélicas analisadas em minha monografia
final de curso. Em um destes cultos, durante a exaltada pregação do Pastor João, dirigente de uma
congregação, muitos fieis começaram a falar em línguas estranhas (um dom do Espírito Santo). “É a presença
do Senhor! Ele está aqui!”, dizia o pastor. Assim, toda a pregação foi marcada pela manifestação do Espírito
Santo que “se deu a conhecer no mundo sensível através de profecias, clamores, gritos exaltados, lágrimas e
do falar em línguas estranhas” (Duarte, 2010, p. 165). Como descrevi: “naquele momento, eu mesma senti
uma ‘forte sensação de que estava acontecendo algo que eu não sabia descrever’! Além disso, me percebi
tomada de ‘susto’ e como pesquisadora experimentei um sentimento contraditório de estranhamento e de
identificação, ainda que por pouco tempo, com os sujeitos da pesquisa: ‘o Espírito Santo está aqui!’, pensei”
(Duarte, 2010, p. 165).
84
“mulher madura”. Do mesmo modo, pude experenciar o constrangimento de ser observada
atentamente por eles: “os antropólogos são rígidos dentro do que eles pensam”, “pensei
que você fosse evangélica, sempre está nos cultos”, “bom dia irmã”, “ela é pesquisadora da
UnB”, “quem sabe na sua procura, você encontra Deus”.
Estas formas de classificação de um agente que está habitando um mundo
desconhecido, por certo, causam neuroses debilitantes. No caso, não era eu um ser limiar,
em estado de transição, creio que nem poluidora era, nem anti-estrutural. Era à época uma
mulher de 27 anos, antropóloga, solteira, que morava sozinha em Brasília e que não
afirmava suas crenças num cenário repleto delas. Na contramão desta perspectiva reside à
própria teologia pentecostal que permite que qualquer ser errante seja redimido, ao aceitar
Jesus. Deste modo, enquanto “mulher madura” e “pesquisadora da rede feminista” que eu
poderia me tornar um dia uma “irmã”. Se eu tinha algum poder, este residia no fato de ser
aquela que escreveria uma “história” sobre a FPE.
Talvez a classificação que faziam a meu respeito era por que “outras pessoas já
vieram aqui” e depois “falaram mal da gente”, como me falou Pr. Isaias. Por isso mesmo,
Pr. Isaías sempre me perguntava: “como está a pesquisa?”, “depois quero muito ler o que
você escreveu da gente”. Todavia, aqueles agentes os quais estava conhecendo mais de
perto também mostraram certa afeição e preocupação comigo, pois, sempre me alertavam
para ter cuidado com os assédios sofridos pelas mulheres na Casa – “cuidado nestes
corredores!” – e até mesmo explicitando que eu poderia procurá-los caso sofresse qualquer
“embaraço”: “pode dizer que você está com a Frente Parlamentar Evangélica!”.
De fato, minhas primeiras incursões ao campo foi como andar numa corda
bamba, controlando pulsões corporais, procurando me equilibrar em uma linha reta a fim
de não cair num “campo minado”. Por certo, o próprio tempo do trabalho de campo – e o
exercício da dwelling perspective – me ensinou como agir naquele ambiente. Assim, estar
em contato com aquelas pessoas que me desafiavam aguçava uma espécie de treino para
situações adversas, tensas e ambíguas a despeito dos medos e das indecisões constantes.
Entretanto, continuava em mim uma espécie de constrangimento moral (de ordem laica)
quando estava lá, participando de um culto em pleno espaço do legislativo. Esta aflição
demorou a cessar, por isso, sempre questionava: como poderia haver um tempo e um
espaço para um culto no lugar mais democrático da República? Esta aflição demorou a
cessar, inclusive, durante o momento de escrita desta dissertação. De fato, foi quando
85
“voltei ao meu estado normal” fui orientada que os cultos eram o meu achado etnográfico,
logo, um fenômeno de caráter inédito etnografado por mim. Logo, merecia ser analisado.
Considerando este feito, entendo que estes cultos podem ser analisador a partir da
literatura antropológica que lida com os fenômenos, os rituais e as relações que são
agenciadas no mundo pentecostal. Waldo César e Richard Shaull (1999) falam da
“exuberância da palavra” no “reinado pentecostal” onde “as palavras têm poder”. Logo, “a
palavra cantada, gritada, murmurada. Não apenas o pastor. Todos podem se expressar de
alguma forma nos hinos, nas aleluias, na saudação aos irmãos, no testemunho – ou em
línguas estranhas” (p. 67). Nesse sentido, como lembra Júlia Miranda (1999b), a
cosmologia religiosa da comunidade pentecostal baseia-se na interpretação da Bíblia que
orienta a conduta dos fiéis (individual e coletivamente). Deste modo, o acesso a Deus é
reforçado através de louvores e cânticos quando “a coesão dos fiéis não se expressa por
uma apresentação sistemática da fé ou da confissão religiosa, mas sim, pela comunidade
vivida, pelas orações, pela participação ativa na liturgia e na diaconia” (Miranda, 1999b, p.
44).
Do mesmo modo, há o emprego de uma linguagem mediada por gestos e por
várias formas de expressão das emoções. Nesse sentido, o mundo pentecostal abarca uma
oralidade115 que significa a relação entre coisas ditas e formas sociais de escrita, formas de
pensar o mundo e de agenciá-lo (idem, p. 66). Por isso mesmo podemos afirmar que a
“palavra domina o culto pentecostal” (César & Shaull, 1999, p. 68) aquela que “faz as
coisas” (Bourdieu, 2004b, p. 71) quando proferida um lugar reconhecido e em situações
específicas.
Ora, durante os cultos “a palavra se conjuga às rotinas do dia-a-dia, ganha novas
dimensões e produz, como no drama da conversão, efeitos imediatos” (César & Shaull,
1999, p. 74). Do mesmo modo, os fiéis dispersos no mundo se unem naquele rito cuja
repetição de palavras, gestos e “gritos de guerra” versam sobre a “libertação do vício, do
pecado”, ressaltando uma “vida exemplar, o domínio sobre o demônio, a certeza da
salvação total” (idem, p. 75). Trata-se, pois, de um discurso não rebuscado, contudo, que se
liga aos fatos e ao cotidiano “incorporando a realidade da vida ‘como ela é’, [assim] o
115
A autora ressalta que é necessário ampliar o escopo analítico acerca do uso da oralidade pelos
pentecostais, pois, este não se reduz apenas à glossolalia e aos meios de comunicação de massa (Miranda,
1999b, p. 67).
86
culto pentecostal se torna uma nova chave litúrgica e hermenêutica” (César & Shaull,
1999, p. 76). A saber: “na fusão interno/externo, pela palavra, unifica-se e adquire
significado o que antes estava dividido na consciência e na vida real dos crentes” (idem,
ibidem).
Não me oponho a tal forma de análise dos cultos evangélicos, pois, entendo que
esta literatura procurou entender os efeitos simbólicos dos cultos no interior mesmo dos
templos sagrados. No caso dos cultos evangélicos que estou analisando a palavra tem
poder não apenas quando pronunciada por um emissor que recebe a “delegação” da
instituição para falar em seu nome (como os dirigentes e oradores). Afinal, durante o
tempo litúrgico pentecostal “todos podem falar” por que a convencionalidade do ritual
abarca não apenas rigidez, mas também “oralidades improvisadas”. O que importa nos
cultos evangélicos é a “eficácia performativa do discurso” (Bourdieu, 1996, p. 82) cujo
“poder do verbo” (César & Shaull, 1999, p. 69) possui efeitos no plano da política.
O que estou procurando apontar aqui é uma imbricação entre mundos outrora
separados. Os cultos da FPE na Casa do Povo promovem a máxima que a Igreja está no
mundo, logo, sagrado e profano116 se conjugam legitimando, pois, a participação
evangélica na política. Nesse sentido, o compromisso evangélico de salvar outrem que vive
nas ruas (onde muitos crentes também já estiveram) continua a ser realizado com as
tentativas de conversão de cunho pessoal. Todavia, o que proponho é que os cultos da FPE
no legislativo não intencionam apenas “ganhar almas” de funcionários e deputados da
Câmara para Jesus. O objetivo da FPE é grandioso, pois, a partir da invocação do religioso
travestem as bandeiras do Evangelho em projetos de lei tornando-as retóricas políticas
utilizadas pelos parlamentares evangélicos como instrumento de conversão da Nação
brasileira. A meu ver, a FPE agencia sua participação na política brasileira utilizando-se de
uma missão política que conecta templo e rua, Igreja e sociedade, sagrado e profano.
116
Durkheim (2003) afirma que todas as religiões são "sistemas de representações", logo, as categorias mais
apropriadas para abordar o fenômeno religioso seriam as noções de sagrado e de profano. Apesar de a vida
religiosa caracterizar-se pela separação entre um mundo sagrado e outro profano, o autor distingue a natureza
dessa separação. Assim, ao analisar as causas dos sistemas de interdições, próprios dos ritos que ordenam os
cultos negativos, Durkheim traz à tona a noção de contágio como um mecanismo social próprio do tornar-se
sagrado (p. 345). Nesse sentido, o sagrado tende sempre a contagiar o mundo profano, isto é, ele mesmo
demonstra a existência dos dois domínios e sua separação intrínseca. Ora, tal distinção seria anterior à
constituição do pensamento religioso, uma vez que surge da classificação necessária ao ordenamento da vida
social. Do mesmo modo, uma mesma coisa pode ser sagrada ou profana dependendo da posição que ocupa
em um determinado mundo.
87
Logo, se o ritual convencional do culto me causava certa aversão, era naquele
espaço de “louvor” e naquele tempo legislativo que a FPE exercia a fusão (união entre os
irmãos e filiações e adesões políticas), a repetição (do discurso da missão política dos
evangélicos de prover “boas safras” para a Nação) e a rigidez (da crença e do
posicionamento a favor da moral e dos bons costumes). Ora, naqueles cultos no legislativo
vínculos e relações religiosos e políticos eram criados e recriados. Tornando-se, pois, o
tempo e o espaço nos quais os crentes produziam e reproduziam crenças e laços políticos
bem como formas de agenciamento entre o mundo espiritual e o mundano. Por isso
mesmo, o culto evangélico pode ser analisado enquanto um ritual que transmite valores e
conhecimentos, que consolida laços, resolve conflitos e reproduz relações sociais (Peirano,
2003, p. 10). Nesse sentido, o ritual do culto evangélico na Casa do Povo é uma ação
eficaz (Peirano, 2003, p. 47), pois, aciona crenças religiosas que constituem a visão de
mundo evangélica em contraposição a valores preconizados pela sociedade contemporânea
(como a diversidade e o relativismo cultural).
Logo, a metáfora “ser um missionário” no Congresso Nacional, proferida por
Pedro Ribeiro, pode ser entendida em dois sentidos. O primeiro versa sobre o
comprometimento do crente com a obra de Deus, por exemplo, por meio da continuidade
da realização dos cultos. O segundo considera que o exercício da política pelos evangélicos
deve se pautar pela luta em prol das “bandeiras do Evangelho”: a vida desde a concepção,
a família heterossexual e a extinção de vícios como a pornografia, a pedofilia e as drogas
da sociedade brasileira. É nesse sentido que Pr. Pedro Ribeiro trouxe naquele tempo do
ritual o discurso acerca do comprometimento dos “missionários da Casa”, no plano da
política, com as bandeiras do Evangelho. Deste modo, os deputados deveriam ser
“servidores de Cristo” na Casa legislativa atuando não apenas num mundo espiritual, mas
também no/para o mundo mundano.
Deste modo, a defesa das bandeiras do Evangelho a partir da participação de
evangélicos na política promove o deslizamento da Igreja “fora-do-mundo” (das coisas e
bens religiosos) para a Igreja “dentro-do-mundo” (das coisas e bens da política) que, por
fim, deságua na Igreja-para-o-mundo: estar no mundo, na política permite que os
escolhidos de Deus verbalizem o religioso e promovam a conversão religiosa da Nação.
Nesse sentido, a imbricação entre ideologia religiosa e participação política permite que os
evangélicos saiam dos muros da Igreja (e dos cultos realizados “dentro” dos templos) e
88
ocupem o mundo (o “fora”) “invadindo”, por exemplo, o espaço e o “tempo da política”.
Assim, os crentes doutrinados numa vida espiritual “dentro-do-mundo-da-igreja”
(especialmente durante os cultos) também podem
“entrar no mundo, vencer o mundo, quebrar os laços que o prendem às forças do mal.
Para que isso aconteça, deve-se viver intensamente no mundo, embora como se nele não
estivesse; e usar todos os momentos do cotidiano para anunciar a vontade de Deus na
purificação e transformação dos seres humanos. A partir desta convicção, pastores,
obreiros, crentes tornam-se missionários nos desafios do dia-a-dia, onde tudo parece
negar as ‘boas novas’ anunciadas nas prédicas, cânticos, orações, na entrega pessoal, no
êxtase manifesto pelos dons do Espírito – enfim, em todos os momentos passados dentro
do templo” (César & Shaull, 1999. p. 94, Grifos Meus).
Sendo assim, considero que o deslizamento Igreja-fora-do-mundo para Igrejadentro-do-mundo se revela justamente no ritual litúrgico promovido pela FPE na Casa
legislativa, conclamando, deste modo, uma Igreja-para-o-mundo que pressiona regras
universais que consideram o Estado republicano como naturalmente “laico”. Logo, a
proposta da FPE de “ser missionário de Deus” no Congresso Nacional, na Igreja e no
mundo é especialmente permeável ao deslizamento do “tempo da igreja” para o “tempo da
política” (e vice-versa) a partir da premissa de que a Igreja deve estar também para o
mundo, como lembrou o deputado Henrique Afonso no seminário sobre o PNDH-3
E nós é que temos que ser a boca de Deus, a atitude de Deus onde nós estiverrmos, [...],
que nós temos que exercer o nosso poder de influenciar as diversas áreas da sociedade,
os diversos segmentos. Que possamos sonhar com o Brasil onde possamos colaborar
influenciando na eliminação das injustiças sociais, na diminuição das desigualdades
sociais, na... se Deus quiser, um dia nós teremos uma sociedade sem violência, uma
sociedade onde possamos ter uma melhor distribuição de renda, onde possamos respeitar
as crianças, os idosos nos seus direitos mais sublimes. E o direito à vida, à família e às
liberdades que elas sejam asseguradas num país que tem dentro da sua constituição a
laicidade sim, mas no seu aspecto republicano e democrático, onde garante as
liberdades” (Grifos Meus).
De todo modo, a etnografia ora descrita versa sobre como a FPE agencia formas
de politização pentecostal e de sacralização da política. Por isso mesmo considero ainda a
relação entre o mundo da política e outras esferas nas quais os políticos profissionais
adquirem disposições e competências necessárias às funções de representação política
(Canêdo, 2002). Em tais domínios (como o da igreja) há “experiências múltiplas de
politização das relações sociais que permitem mediar às relações entre os chamados
‘políticos profissionais’ e a ‘sociedade’” (Damasceno & Duarte, 2009, p. 2).
89
No caso dos políticos da FPE, as disposições necessárias para participar da
política profissionalizada (Canêdo, 2002) vinculam-se às demandas que tratam da
promoção de projetos de leis que defendam os bons costumes da família religiosa
brasileira. Do mesmo modo, tais projetos propõem a defesa da “vida em si” como uma
retórica peculiar a partir da qual estes “políticos profissionais” empreendem e mobilizam
sua participação nos meandros do legislativo.
Por outro lado, tais disposições e competências também vinculam o mandato de
parlamentares evangélicos a outras filiações como as partidárias, ideológicas, regionais, de
classe e os vínculos laborais e trabalhistas. Por isso mesmo, considero que outras
“bandeiras” são preconizadas pelos “missionários da Casa legislativa”, especialmente
aquelas que pleiteiam a obtenção de recursos (materiais ou imateriais) para a base eleitoral
(política e religiosa). Exemplificado no culto etnografado neste capítulo com o pedido do
deputado Major Fábio que os irmãos da FPE aderissem a PEC 300.
Nesse sentido, José, secretário da FPE, apontou para a relação entre base
ideológica partidária e preceitos da Igreja. Segundo ele, a Igreja evangélica condena
quaisquer formas de violência bem como entende que não se pode invadir a propriedade
privada. Mas, alguns deputados da FPE – como Walter Pinheiro e Gilmar Machado,
petistas – defendem a Reforma Agrária como meio de obtenção de “justiça social”. Ora,
explicou José: o deputado crê que “não está roubando nada’, pois “ele é o Estado também,
a sociedade é o Estado”. Já a Igreja tem “a visão de que não é do Estado que [a terra] pode
ser de um fazendeiro”. Igreja e parlamentar possuem posicionamentos contrários sobre o
tema da Reforma Agrária, mas a Igreja não “vai chamar a atenção” do deputado por que
ele é a favor do MST “por que ai entra um ponto de vista ideológico que acaba justificando
o ato”. Segundo José “o deputado tem “liberdade para pensar assim”, contudo, “ele só não
pode nem pegar em armas nem matar, por que ai entra uma questão bíblica”.
Jose Duque ressaltou também que o comprometimento de parlamentares
evangélicos com causas ideológicas e pleitos partidários não anula o comprometimento
com a doutrina da igreja. Segundo ele, Walter Pinheiro (BA) e Gilmar Machado (MG),
petistas e evangélicos, figuram a lista dos “mais assíduos nos cultos da FPE” e são os
“deputados mais esquerdistas aqui na Câmara [entretanto] são os deputados que mais
conheço o comportamento exemplar”. Deste modo, Walter Pinheiro e Gilmar Machado,
reforça José, “já foram de sindicatos, de movimento estudantil”, logo, são “o pessoal da
90
esquerda mesmo”, mas são “os deputados que mais tem compromisso com a Igreja e com a
Bíblia”.
De fato, estes múltiplos vínculos e laços da política operacionalizados pela FPE
apontam para os modos pelos quais deputados evangélicos agenciam sua participação na
política profissionalizada procurando atender demandas diferenciadas. Por certo, há
também conflitos, dissensos, disputas entre doutrina da Igreja e projetos ideológicos do
partido político117. Segundo a radiografia do Congresso Nacional realizada pelo DIAP
(2011) as frentes parlamentares “perderão espaço na próxima legislatura, especialmente
em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal que atribui aos partidos à titularidade
dos mandatos” (p. 35). Assim, com esta decisão, o parlamentar (então dono do mandato)
“agora terá que votar segundo o comando do partido” (idem). O DIAP (2011) entende que
tal medida diminui o “poder de barganha das bancadas informais, que ameaçavam votar
contra temas estratégicos para o Governo se seus pleitos não fossem atendidos” (idem),
pois, “havendo conflito entre o interesse da bancada e a orientação do partido, o
parlamentar terá que ficar com esta.” (idem).
Contudo, durante as “atividades da Frente” das quais participei, foram os projetos
de lei a “favor da vida” que destacaram a participação da FPE no legislativo no ano de
2010 da 53ª legislatura. Por isso mesmo, projetos de lei a favor da vida tornaram-se temas
das notas dos diários de campo e, consequentemente, enredos de minhas etnografias. Por
isso, neste capítulo sublinhei como a invocação do religioso por um grupo religioso que se
considera ungido por Deus marca uma passagem de um apolitismo para uma ação política
cuja missão é reescrever a história do Brasil e que, embora atuante em múltiplas temáticas
políticas, inscreve preferências temáticas.
117
Os deputados evangélicos participam ainda de outras Frentes Parlamentares como as chamadas “Bancadas
Ruralistas” e “Empresarial”. São membros da “Bancada Ruralista” os seguintes parlamentares pertencentes a
FPE na 53ª legislatura: Antonio Bulhões (PRB/SP), Bruno Rodrigues (PSDB/PE), Carlos Willian (PTC/MG),
Cleber Verde (PRB/MA), Dr. Adilson Soares (PR/RJ), Eduardo Cunha (PMDB/RJ), Fátima Pelaes
(PMDB/AP), Filipe Pereira (PSC/RJ), Geraldo Pudim (PR/RJ), Iris de Araujo (PMDB/GO), Leonardo
Quintão (PMDB/MG), LincMnato (PDT/ES), Lincoln Portela (PR/MG), Lindomar Garçon (PV/RO), Manato
(PDT/ES), Marcio Marinho (PRB/BA), Mário de Oliveira (PSC/MG), Neilton Mulin (PR/RJ), Onyx
Lorenzoni (DEM/RS), Paulo Roberto (PTB/RS), Sabino Castelo Branco (PTB/AM), Silas Brasileiro
(PMDB/MG), Takayama (PSC/PR), Zequinha Marinho (PSC/PA), Senador Magno Malta (PR/ES).
Disponível em http://www.fpagropecuaria.com.br/institucional/composicao acesso em 24 de março de 2011.
São membros da Frente Empresarial os seguintes deputados: Arolde de Oliveira (DEM/RJ), Iris de Araujo
(PMDB/GO), Leonardo Quintão (PMDB/MG), Lindomar Garçon (PV/GO), Manato (PDT/ES), Onyx
Lorenzoni (DEM/RS), Sabino Castelo Branco (PTB/AM), Silas Camara (PSC/AM), Takayama (PSC/PR),
Zé Vieira (PV/AC) (DIAP, 2011, p. 37-38). (Ver ainda anexo 2)
91
Nos capítulos 3 e 4 procuro precisar as diversas modalidades como os
evangélicos (enquanto políticos profissionais) agenciam esta forma de representação e de
participação políticas que vinculam o exercício cotidiano da fé
a “uma espécie de
investimento nas atividades do século [as coisas e bens da política], reinterpretando, assim,
o histórico processo de secularização do estado” (Damasceno, 2004, p. 40). No meu
entender esta reinterpretação da secularização do estado se faz atingindo temáticas
específicas e não gerais. Os evangélicos enquanto políticos profissionais, ao invocarem o
religioso, invocam uma sociedade moral e suas ações se transmutam na preferência por
determinadas temáticas seculares específicas e ações e estratégias políticas prioritárias.
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No presente capítulo proponho apreender como os parlamentares filiados a FPE
agenciam o mundo da política a partir de uma moralidade religiosa que visa ordenar o
mundo, considerado por eles, sem regras e caótico. Sendo assim, o escopo deste capítulo é
delinear aspectos da relação entre religião e política considerando, sobretudo, os projetos
deste grupo para a Igreja e para o Brasil. Trago tal discussão por meio da etnografia de
duas situações sociais cujo tema era o Programa Nacional de Direitos Humanos em sua
versão terceira (apresentado pelo Governo Lula em dezembro de 2009) ocorridas na
Câmara dos Deputados. O primeiro evento trata-se do Seminário “A Família, a Igreja e o
Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH” organizado pela FPE e pela Jornada
Nacional em Defesa da Vida ocorrido em março de 2010 que propunha exaltar a “voz
profética do povo de Deus” contra os maléficos pontos do PNDH-3. A segunda situação
trata-se da audiência pública, ocorrida em abril de 2010, promovida pelas Comissões de
Direitos Humanos e Minorias/CDHM e pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional/CREDN a fim de discutir o PNDH-3 quando podemos averiguar a participação
da FPE no cotidiano das atividades próprias do legislativo.
84
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4
Q
No primeiro culto evangélico por mim observado, descrito no capítulo 1, fui
convidada pelo Pr. Isaías119 a participar de um “evento da Frente” que seria realizado na
118
119
Marcos 16:15.
Nome fictício.
93
quarta-feira seguinte. Parto em direção a Câmara dos Deputados a fim de me aventurar
(novamente) nos labirintos do legislativo, em meu segundo dia de campo. Entretanto,
tendo refletido acerca de como adentrei o subterrâneo do legislativo em meu primeiro dia
de campo, sigo em direção a Casa do Povo procurando observar o fluxo e o movimento
das pessoas que circulavam por aquele ambiente.
Naquele dia percebi que após o ônibus passar pelo Palácio do Itamaraty (sede do
Ministério das Relações Internacionais do governo brasileiro) um grupo de passageiros
acionou o sinal de parada. Desembarquei juntamente com eles. Seguia apenas uma espécie
de intuição que permite o antropólogo rastrear sinais, o que me levou a perceber que os
transeuntes desceram uma escada localizada ao lado do ponto de ônibus. Desci também,
atrás deles, quase como se estivesse numa caçada. Seguindo-os pude entender que aquelas
escadas dão acesso a um corredor que conduz
a uma das entradas da Câmara dos
Deputados. Percorri este corredor e cheguei à recepção. A recepcionista logo perguntou se
eu tinha cadastro. Respondi que sim e informei o número da minha carteira de identidade.
Em seguida ela me forneceu um adesivo (que deve ser colado ou na roupa ou na bolsa) que
sinaliza que o visitante está autorizado a acessar os ambientes da Casa.
Deste modo, compreendi que aquela entrada conduzia diretamente ao corredor
das salas das Comissões bem como é a entrada utilizada por aqueles que se direcionam a
Casa de ônibus: sejam funcionários, sejam os cidadãos que vão reivindicar, participar ou
“demandar pleitos”. Foi exatamente por tal entrada que passei a acessar o subterrâneo da
Casa legislativa. Assim, naquele dia, pude me dirigir ao Plenário 13 a fim de participar do
culto evangélico, sem me perder pelo caminho. Contudo, quando cheguei à sala, a mesma
estava vazia. Voltei à recepção do Anexo II (onde está localizada a entrada que passei a
usar para evitar me perder) e pedi a recepcionista para utilizar o telefone. Ela concordou e
me explicou como eu deveria fazer para realizar a ligação. Liguei para o ramal da sala da
Frente Parlamentar Evangélica. Um dos secretários, Pastor Herculano120, me informou que
o culto seria realizado no Auditório Nereu Ramos, antes do início do evento que a FPE
estava realizando. Agradeci e desliguei o telefone. Em seguida, agradeci à recepcionista e
perguntei onde ficava o Auditório Nereu Ramos, ela me explicou o caminho. Mais uma
rota a ser gravada mentalmente.
120
Nome fictício.
94
Percorri o corredor das salas das comissões até o salão Mario Covas cujo
ambiente dá acesso a muitas rotas: a esteira subterrânea que conduz ao Senado Federal, a
entrada que liga o Anexo II (onde estava) aos gabinetes dos deputados localizados no
Anexo IV, a rampa que dá acesso ao corredor que conduz ao plenário da Casa, a
biblioteca, as salas das secretarias de algumas das Comissões e ao setor administrativo.
Naquele dia, o salão Mário Covas estava repleto de policiais e bombeiros fardados
portando faixas que reivindicavam o plano de carreira da categoria. Ultrapassei a multidão
de fardas e desci pelas escadas que dão acesso ao Auditório Nereu Ramos, localizado,
portanto, no subsolo da Casa.
O auditório Nereu Ramos é um amplo salão que possibilita abarcar eventos de
grande porte como o Seminário “A Família, a Igreja e o Programa Nacional de Direitos
Humanos/PNDH” organizado pela FPE e pela Jornada Nacional em Defesa da Vida e da
Família121. Quando cheguei às 8h30min no Auditório havia cerca de quinze pessoas, dentre
elas, deputados da FPE, assessores de deputados e representantes de comitês e entidades
“pró-vida” trajados com camisetas que referenciavam “a vida”. Tomei um assento na
última fileira de cadeiras e iniciei a observação. Pastor Pedro Ribeiro estava postado por
detrás da tribuna, na posição de condutor da celebração, aguardando a chegada de mais
participantes. O secretário da FPE, Pastor Isaias122, que me recebera na semana anterior
(quando conheci “de perto” alguns dos sujeitos da pesquisa) estava ao lado do Pastor Pedro
Ribeiro.
Neste ínterim, Pastor Isaias me avistou, veio em minha direção e disse: “querida,
você veio, que bom!”. Acenei positivamente, cumprimentando-o. Comentei com ele que
fui até o Plenário 13 e, como estava vazio, liguei para a sala da Frente para saber onde
seria o culto e que o Pastor Herculano havia me informado. Perguntei sobre os eventos
promovidos pela FPE e o Pastor Isaías fez questão de me explicar sobre “a dinâmica dos
cultos”, afirmando que eu poderia fotografar “sem problemas”, pois, “aqui não tem estes
trâmites, não”. Perguntei como fazia para conseguir o programa do seminário e para me
informar melhor sobre os objetivos do evento. Pr. Isaías perguntou se eu havia me inscrito,
respondi que não, pois pensava que apenas lideranças evangélicas poderiam se inscrever.
“Você também pode!”, respondeu ele. Assim, Pr. Isaías me conduziu à secretaria do evento
121
Evento “pró-vida” a nível nacional, organizado pelo Deputado Henrique Afonso (AC/PV) apoiado pela
FPE.
122
Nome fictício.
95
onde preenchi um cadastro que solicitava os dados pessoais do participante como nome
completo, data de nascimento, endereço, telefone e e-mail. E os dados da Igreja do
participante como nome, localidade, nome do Pastor, se a Igreja tinha algum representante
na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal e se o participante gostaria de receber
notícias da FPE.
Voltando ao auditório, percebi que mais pessoas haviam chegado, totalizando
cerca de cinqüenta pessoas num espaço que abarca mais de duzentas pessoas sentadas123.
Marília124 (assessora jurídica da FPE) cumpria a função de mestre de cerimônias e, naquele
instante, avisou que o evento contava com a participação de deputados federais, deputados
estaduais e vereadores (ligados aos “Comitês Pró-vida” em suas regiões) bem como líderes
de igrejas. Como pude observar, a cena social marcava-se por homens trajados de terno,
mulheres com a bíblia nas mãos e indígenas com cocares e chocalhos. Além de
parlamentares, funcionários da Casa e assessores de deputados, sobretudo, da Frente
Cristã. Marília voltou ao palco para explicar a platéia o motivo da convocação daquele
Seminário: promover a “união cristã” a fim de lutar contra o “conteúdo lascivo do
Programa Nacional de Direitos Humanos125 a família brasileira”. Tal explicação foi bem
esclarecedora, inclusive para mim.
Antes do início do Seminário, um breve culto foi ministrado pelo Pastor Pedro
Ribeiro (PR/CE), então deputado126, que lembrou: “o dia de hoje não seria como vai ser, se
não iniciássemos com esse trabalho de adoração a Deus127”. Deste modo Pastor Pedro
Ribeiro, um dos fundadores da FPE, sacralizava o que seria ali proferido pelos
123
O VII Seminário de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais – Direitos Humanos: Desafios e
Perspectivas organizado pela Comissão de Legislação Participativa ocorreu em 18 de maio de 2010 no
Auditório Nereu Ramos que, na ocasião, estava repleto de manifestantes LGTT, inclusive, muitos deles,
sentados no chão do Auditório.
124
Nome fictício.
125
O PNDH-3 foi lançado em dezembro de 2009 pela Presidência da República. O processo de construção
das pautas do PNDH-3 passou sob o crivo de 11 conferências, da aprovação de Governadores Estaduais de
diferentes partidos políticos e depois, por um grupo de trabalho tripartite que novamente debateu as pautas do
Programa. Deste modo, o PNDH-3 é apresentado como um instrumento de fortalecimento da democracia
brasileira que, não tendo força de lei, sendo apenas de uma sugestão do Executivo Federal aos demais
Poderes republicanos. O PNDH-3 possui seis eixos temáticos: Interação democrática entre Estado e
sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa; Desenvolvimento e Direitos
Humanos; Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades; Segurança Pública, Acesso à Justiça e
Combate à Violência; Educação e Cultura em Direitos Humanos e Direito à Memória e à Verdade. Eixos que
pretende,
126
Pastor Pedro Ribeiro era suplente da vaga, logo, com a volta do titular ele teve que deixar o mandato
provisório.
127
Transcrição feita por mim do áudio disponibilizado pelo COAUD do Seminário “A Família, a Igreja e o
Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH, 24 de março de 2010.
96
parlamentares evangélicos. Em seguida, o deputado realizou um momento de adoração
cantando juntamente com outros irmãos hinos da “Harpa Cristã128”. Outros louvores foram
cantados por eles, sob glórias e aleluias da platéia. Depois da exaltação ao Senhor, o Pastor
Pedro Ribeiro avisou aos “irmãos” sobre a rotina dos “cultos ao Senhor” que acontecem
todas as quartas-feiras “sempre com o mesmo fervor” e com o compromisso de “adorar a
Deus, de servi-lo nesta Casa”. Do mesmo modo, o deputado advertiu acerca das
adversidades enfrentadas pelos evangélicos no legislativo, mas também lembrou os
“milagres enormes” alcançados pela FPE em prol da família brasileira. De fato, este
momento de adoração não se constituiu num ritual de culto tal como etnografei no capítulo
dois desta dissertação. Tratou-se de uma espécie de louvação ao Senhor. Eu entendo que
seu sentido era o de invocar o religioso sacralizando o plano da política institucional e as
palavras que seriam ditas pelos parlamentares religiosos em contraposição ao PNDH-3.
Findo este momento de louvor, deu-se início as atividades das mesas temáticas. A
primeira mesa intitulou-se “PNDH-3 e o Direito dos Povos Tradicionais” contou com a
participação de Edward Luz (antropólogo e presidente de uma ONG de missão
evangélica129), do Comandante Rocindes (Presidente da Missão Asas de Socorro,
Representante da Associação das Missões Transculturais do Brasil/AMTB) e do Professor
Eli Ticuna (Teólogo, Vice-Presidente do Conselho de Pastores e Líderes Evangélicos
Indígenas/COMPLEI).
Na parte vespertina do evento, o deputado Pastor Pedro Ribeiro coordenou a
segunda mesa na qual fizeram exposições o deputado Miguel Martini (Renovação
Carismática de Minas Gerais), o escritor e pesquisador Claudemiro Soares, Dra. Marília,
assessora jurídica da FPE, o deputado federal Rodovalho (Presidente da Igreja Sara Nossa
Terra), o senador Magno Malta (da Igreja Batista do Estado do Espírito Santo). O atual
presidente da FPE, deputado João Campos terminou o ciclo de palestras discorrendo sobre
o tema “PNDH-3 e a Liberdade Religiosa”. Nesta mesa estiveram os deputados federais
Marcio Marinho (da Igreja Universal, da Bahia), Zequinha Marinho (da Igreja Assembléia
128
Harpa Cristã é um hinário das Assembléias de Deus do Brasil utilizado em diversos rituais litúrgicos da
igreja a fim de enlevar o cântico congregacional e proporcionar o louvor a Deus.
129
“A Missão Novas Tribos do Brasil, foi fundada em 1953, é uma agência missionária de fé, de caráter
indenominacional e cujo objetivo é alcançar grupos minoritários com o Evangelho de Cristo, e prestar
assistência "integral" nas áreas de saúde, educação e desenvolvimento comunitário”. Disponível em acesso
em http://www.mntb.org.br/ acesso em 16 de maio de 2011.
97
de Deus/CGADB do Pará) e Bispo Gê (do estado de São Paulo, e um dos líderes nacionais
da Igreja Renascer em Cristo).
Naquele dia, João Campos propôs que as entidades e igrejas presentes assinassem
o manifesto da liderança evangélica nacional e da FPE em defesa “da vida humana, da
família, das comunidades tradicionais, da liberdade religiosa e da liberdade de imprensa”.
Deste modo, a “Carta de Brasília” se dirigia à nação brasileira preconizando a
“defesa da vida humana desde a concepção até a morte natural, da família, das
comunidades tradicionais, da liberdade religiosa e de imprensa. Acreditamos que ao
defendermos esse conjunto de pessoas, entidades e valores, expressamos nossa crença
nos princípios cristãos e agimos nos limites do direito à livre manifestação do
pensamento, o qual está garantido a todos os brasileiros pela Constituição Federal”.
(Carta de Brasília: Manifesto da liderança evangélica brasileira em face do PNDH-3,
disponibilizado pela FPE durante o evento).
O deputado Henrique Afonso (PV/AC) encerrou o evento anunciando a criação
de uma Comissão Nacional em Defesa da Vida, da Família e da Liberdade Religiosa e a
preparação para o lançamento da campanha nacional “Toda Criança Tem o Direito de Ser
Feliz Desde o Ventre Materno” que pretende alcançar e agregar todas as denominações
evangélicas do país. Mas antes, o deputado solicitou que as lideranças evangélicas
assinassem a “Carta de Brasília”, pois, tal documento continha “os pontos de nossas
preocupações não só concernentes aos aspectos críticos ao plano [PNDH-3]”, mas também
às questões que são de “importância estratégica para a garantia do direito a cidadania dos
povos, das populações mais oprimidas desse país”.
Vale dizer que não realizarei um relatório de todas as falas proferidas neste
evento. Por isso mesmo, para fins analíticos, aponto algumas temáticas que surgiram nas
falas dos deputados da FPE (e da Frente Cristã) a fim de etnologizar como estes
parlamentares religiosos imbricam fé e política no espaço republicano utilizando algumas
argumentações retóricas. São elas: 1) a metáfora do Povo ungido aliada 2) ao desejo de
restauração da Nação brasileira; 3) a unidade cristã e política aliada 4) a retórica da maioria
moral religiosa; 5) o PNDH como instrumento do Inimigo e 6) a retórica moralizante
religiosa como ameaça à diversidade cultural nos casos sobre legalização do aborto e união
civil entre pessoas do mesmo sexo. Tais temáticas estiveram presentes nos discursos destes
parlamentares não apenas neste evento, mas em outros tempos e espaços do legislativo nos
quais eles atuaram.
98
Após o fim da breve louvação, João Campos (PSDB/GO), presidente da FPE,
informou à platéia que nas pastas ofertadas aos partícipes do evento continha uma relação
com os dados dos parlamentares da FPE. Assim, o deputado lembrou que em ano de
eleição130 “as lideranças de cada Estado devem estar acompanhando o desempenho do
parlamentar da igreja”. Segundo o presidente da FPE as Igrejas devem julgar o mandato
daquele deputado que traz em seu currículo político a filiação a uma denominação
religiosa. Para João Campos, “não basta estar nessa casa e ser apenas um crente nominal. É
preciso ter compromisso com o Reino”. A saber: que o deputado evangélico tenha
“comprometimento durante o mandato com a bandeira da família, da vida e da liberdade
religiosa”. É nesse sentido que o parlamentar ressaltou a necessidade do Povo evangélico
se “comprometer com Cristo” no âmbito do legislativo. Em diversos momentos deste
evento os deputados religiosos relacionaram união religiosa e adesão política a fim de que
o Povo de Cristo obtivesse êxitos no plano da política.
Deste modo, lembrou Pedro Ribeiro, quando o PNDH-3 chegou ao Congresso
Nacional, a FPE considerou que os políticos evangélicos deveriam alertar o seu Povo (em
suas bases eleitorais) acerca dos malefícios preconizados pelo Programa. Assim, o
deputado Henrique Afonso propôs que a FPE promovesse aquele seminário, ressaltando
que os deputados católicos também fizeram uma mobilização dentro do Parlamento
juntamente com a CNBB contra o PNDH-3. Pedro Ribeiro clamou, portanto, que as
Igrejas divulgassem o PNDH-3 em suas Igrejas e que os pastores esclarecessem aos seus
membros os pontos nocivos do Programa. Assim, Pedro Ribeiro solicitou que as lideranças
participassem mais da “grande política” seja conhecendo o site da FPE e da Câmara dos
Deputados, mandando e-mail para a FPE, conhecendo as causas defendidas pela Frente. O
parlamentar insistiu ainda que se construísse uma aliança mais forte entre parlamentares
federais, as câmaras estaduais, as assembléias legislativas e as denominações evangélicas.
Ou seja, que as filiações religiosas se aderissem às políticas.
Em seguida, Pedro Ribeiro comentou seu “empenho” na Comissão de Direitos
Humanos da Casa no sentido de solicitar uma audiência com o Ministro Paulo Vanucchi
130
Anna Cunha (2007) em seu estudo sobre a revisão punitiva do aborto no Congresso Nacional também
detectou que “as proximidades da eleição” acarretam alterações de demandas e de posicionamentos dos
parlamentares. A autora descreve, então, como os grupos contrários à legalização do aborto foram “enfáticos
em expressar, por exemplo, palavras de ordem como ‘deputado, preste atenção: 2006 tem eleição!’ ”. Assim,
argumenta a autora: “o campo parlamentar mostrou-se profundamente suscetível ao tempo da política
(Palmeira & Heredia, 1997; Palmeira, 2002), revelando ser o cálculo dos eventuais benefícios e prejuízos
eleitorais uma questão fundamental nas decisões legislativas sobre o aborto” (p. 12).
99
da Secretaria de Direitos Humanos. Inclusive, àquela época, segundo o parlamentar, o
Ministro Paulo Vanucchi prometera, durante uma audiência pública na Comissão de
Direitos Humanos, “flexionar pelo menos quatro pontos básicos”. A saber: o aborto, os
símbolos religiosos, a mediação de conflitos agrários e a questão da imprensa. O que,
portanto, contemplaria parte das demandas evangélicas contra o PNDH-3. Contudo, Pedro
Ribeiro acrescentou ser importante que
“desse nosso encontro hoje, a gente tire comissões com deputados e presidentes de
igrejas, pra prepararmos, analisarmos profundamente com os juristas os pontos que mais
nos importunam. E se possível sugerir como nós queremos que fiquem esses pontos”.
Nesse sentido, o parlamentar informou que a Igreja deveria reescrever o PNDH-3
“pelas mãos abençoadas do Povo de Deus”. Por isso, na audiência pública marcada para o
dia 28 de abril de 2010 na Comissão de Direitos Humanos, a Frente Cristã já deveria levar
as solicitações dos cristãos para o Ministro. E, naquela audiência, deveria, pois, oferecer
“duas alternativas” ao Ministro. A primeira, “a alternativa do consenso, a alternativa da
boa vontade, a alternativa do parlamento democrático”. A segunda, caso o Ministro não
atendesse as demandas da Frente Cristã, “iremos ao debate”. O deputado Rodovalho (PPDF), Bispo da Igreja Sara Nossa Terra, subiu a tribuna e também discursou sobre o
posicionamento cristão frente ao PNDH-3 considerando, sobretudo, o ano eleitoral. Por
isso, “Deus tem despertado a sua igreja” para os desafios na vida do crente que vem
tomando para si “frentes de luta” (contra a pedofilia, o infanticídio, o aborto, a união civil
de pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homossexuais) dentro do
Congresso Nacional
De fato, o clima do "tempo da política" já pairava naquele espaço legislativo,
mesmo sendo ainda, final do mês de março. Assim, num clima de campanha eleitoral, o
senador Magno Malta (PR/ES) solicitou que o Povo de Deus questionasse os
presidenciáveis no que tange ao posicionamento deles em relação a estes temas. Assim, a
Igreja precisa saber sobre o posicionamento do presidente Lula e de sua candidata Dilma
Rousself em relação ao PNDH-3. Sendo favorável: “nós não estaremos com ele [Lula], por
que Deus criou macho e fêmea”. Do mesmo modo, o senador ressaltou que “o diabo não
tem autoridade pra constituir. Quem constitui é Deus”. João Campos também considerou
ser importante que a Igreja de Cristo deveria “pensar no futuro”, a saber, nas campanhas
eleitorais, logo,
100
“Nós temos que consolidar as nossas posições, para continuar garantindo vitórias, mas
também numa direção preventiva, para que outros governos, outros setores de governo
não venham num segundo momento buscar reverter esse quadro de novo. Nós temos que
consolidar nossas posições e estabelecer também um procedimento de prevenção em
relação ao futuro. E de prevenção em relação ao futuro, inclusive aproveitando o
momento eleitoral, o ano eleitoral. Esse debate tem que ser levado para as eleições, para
o debate político”.
Nesse sentido, João Campos explicou que os parlamentares cristãos preocupados
com a causa da família, na configuração da Casa, são minoria por que “nem todos estão
comprometidos”. Por isso, o parlamentar afirmou que a Igreja de Cristo precisava se
fortalecer no legislativo através da união a fim de atuar contra pautas perniciosas à família
brasileira. Nesse sentido, “não só a Frente [Parlamentar Evangélica], mas o segmento
[cristão] como um todo precisa se posicionar em relação a elas [a estas bandeiras de luta]”
e também em relação a
“bandeira contra a corrupção na política do serviço público. Nós enquanto evangélicos
éticos que têm a Bíblia, temos que nos posicionar claramente contra a corrupção. Temos.
Temos que nos posicionar claramente contra a alta carga tributária. Afinal de contas,
crente também paga imposto (risos). Não é? Temos que nos posicionar claramente a
favor dos aposentados desse país. Porque estar a favor de aposentado é cumprir a Bíblia,
é defender órfãos, viúvas, idosos, gente que depende de forma muito intensa do poder
público e do sistema previdenciário. Precisamos ter uma posição muito clara contra a
violência, criminalidade no país. Crente também é vítima de crime todo dia”.
João Campos solicitou ainda que às lideranças presentes ao evento dispusessem
de meios de comunicação que veiculassem em seus meios de comunicação o debate que
estava sendo realizado naquele Seminário. A proposta da FPE com esta solicitação seria
evidenciar a posição de parlamentares religiosos: “Porque fazendo isso você estará
prestando um serviço à nação brasileira e você estará potencializando aquilo que está
acontecendo aqui de forma muito positiva. É um pedido”, explicou João Campos.
Ressalto que a participação evangélica na política institucional marcou-se da
passagem do apolitismo (antes de 1986) para uma entrada na política (na ANC) a fim de
ter seus pleitos garantidos pela Carta Magna (como apontei no capítulo dois) até a
instauração da FPE e de cultos religiosos no legislativo, em 2003. Fato é que no cotidiano
recente da Casa legislativa a invocação do religioso pela FPE se imbrica aos modos pelos
quais estes parlamentares procuram atuar na política justificando, sobretudo, a missão que
se delegaram de restaurar a Nação enquanto povo ungido. Deste modo, religioso e político
não se constituem esferas separadas. São, pois, como mônadas (Tarde, 2007) que se
101
repelem, se atraem, se conjugam no espaço legislativo brasileiro a partir de retóricas
diversificadas e diferentes mobilizações estratégicas.
Miguel Martini (PHS/MG), deputado católico, neste sentido, afirmou que aqueles
que são a imagem e semelhança de Cristo devem revelar Jesus aos não crentes. Assim, a
segunda missão dos cristãos (depois de participar da política) é “ser capaz de reconhecer o
Cristo no outro”, pois, cada ser humano tem a imagem de Jesus uma vez que ele está “em
cada rosto, em cada cor, em cada raça, em cada um”. Para o deputado, aqueles que se
identificam enquanto “seguidores de Jesus” devem entender que “seguir Jesus implica em
assumir a missão do Senhor Jesus. E a missão é salvar as almas sim, mas é salvar as vidas
todas também”. Por isso mesmo, o deputado Henrique Afonso reforçou que a igreja de
Cristo deveria levar
“A mensagem de Deus para o mundo, e a mensagem de Deus para o mundo é uma
pessoa, tem um nome. Se chama Jesus Cristo. Essa é a grande mensagem de Deus para o
mundo. E a nós seguidores de Jesus, somos chamados não só a revelar, a dar a conhecer.
Romanos 8:29 diz: nós fomos chamados, criados para ser conforme a imagem do seu
filho Jesus. Ou seja, nós somos chamados a revelar esse Jesus. Essa é a grande
mensagem: que vejam Jesus através de nós, de nossas palavras, de nossas ações, de nossa
atuação. Que sejamos reflexo da glória de Deus” (Grifos Meus).
Isso por que a fé não é apenas para o mundo sobrenatural, mas para o Reino “do
aqui e agora” que deve promover “ações concretas na vida das pessoas”. Deste modo, a
Igreja de Cristo deve monitorar e rechaçar “as ideologias anticristãs” inclusive no interior
de suas denominações. Deve, portanto, continuar “acreditando na palavra de Deus que é a
verdade e ela tem o poder de transformar, não só as nossas vidas, mas a nossa sociedade e
o nosso país”. Logo, ressaltou Henrique Afonso: “quem deve ser a embaixatriz é a igreja,
que deve levar o que Jesus pensa sobre política, o que a Bíblia pensa sobre economia,
sobre arte, sobre literatura, sobre vida, sobre família”. Por isso,
“nós precisamos nos posicionar como protagonistas da construção de um Brasil diferente
pra todos nós. Um Brasil diferente, eivado pela esperança que o anúncio das boas novas
tem dado para o Brasil, do direito, do amor, do estabelecimento pleno da justiça enfim,
de um Brasil redimido. Um Brasil que possa ter na sua política, uma política redimida,
pelo sangue do Cordeiro. De uma economia redimida pelo sangue do Cordeiro. Dos
meios de comunicação, da arte, da literatura, da educação, da saúde, do lazer, da cultura,
enfim de todos os aspectos que possam estar aos pés da cruz, sendo redimidas. Nós
estamos pensando no Brasil que possa ser ao mesmo tempo sujeito do estabelecimento
concreto das boas novas aqui na Terra!”
102
A proposta daquele evento, segundo o deputado Henrique Afonso, era veicular
“uma voz profética do Povo de Cristo” diante dos maléficos pontos do PNDH-3. Nesse
sentido o deputado não teve dúvidas em afirmar que “o Senhor aguardava que o seu Povo
levasse ao mundo “a Palavra” cuja “verdade é inquestionável”, especialmente, “contra
marcos da pós-modernidade, dentre eles, o relativismo cultural”. Isso por que a Igreja “que
tem a palavra de Deus como regra de fé e de prática” deve interferir em prol da sociedade
na qual está inserida. Deste modo, Henrique Afonso afirmou: “a Bíblia Sagrada foi baixada
pelo PNDH-3”. Assim,
“Esse seminário precisa, levantar palavra de Deus e dizer que essa verdade é de ontem, é
de hoje e será eternamente. Que esta verdade é luz para os nossos caminhos e lâmpada
para os nossos pés. E que a nações que olham para esta verdade, e tem esta verdade como
luz, como lâmpada de construção de sua sociedade, haverá de ser uma nação como
manancial de água, haverá de ser uma nação como um jardim regado por Deus e haverá
de ser uma nação que estenderá as suas mãos aos pobres, aos injustiçados, aos aflitos.
Será uma nação que olhará para as crianças que estarão desde o ventre materno e dará
dignidade para a criança, dando direito de ser feliz até o ventre materno. Esta nação que
olhar para esta verdade, levantar a bandeira do Evangelho e ver esta palavra como uma
luz e uma lâmpada concluindo, ela cavalgará, mas ela vai cavalgar em lugares altos da
terra. E o senhor a chamará de dizer: minha nação, ovelha! E nós seremos um povo
redimido, uma nação redimida. Uma nação onde possa olhar para o futuro e dizer:
estamos nas mãos do Nosso Senhor. Eis a razão deste Seminário”.
Edward Luz afirmou que faria uma “abordagem antropológica” sobre o Programa
de Direitos Humanos calcado num “posicionamento laicista” que “desconstruiria conceitos
cristãos edificados ao longo de cinco séculos”. Deste modo, “a sociedade cristã estaria
sendo vítima de um plano ateu do governo brasileiro” que deturpava a laicidade do Estado
favorável a liberdade religiosa. O PNDH-3 representaria, segundo ele, “uma nova
ditadura” que aos poucos, em nome de direitos humanos universais, semearia valores
díspares daqueles preconizados pela sociedade cristã. Tratar-se-ia, neste sentido, de um
“plano de imposição ideológica de caráter totalitário, de contra valores em desacordo com
a nossa cultura, a nossa história e a nossa fé brasileira”.
Logo, segundo o argumento de Edward Luz, o Estado laico estaria legislando em
prol de uma minoria que descrê (pois, para ele, “ou se é cristão, ou se é ateu”). Assim, o
PNDH-3 se basearia na premissa de que “somente quem não acredita em Deus, e não tem
religião pode opinar, pode legislar, pode exercer cargos públicos, em suma, pode governar
este país”. Deste modo, Edward Luz vincula laicidade e ateísmo quando a primeira ganha
feições de laicismo. Diferentemente, os clérigos católicos distinguem o que entendem por
103
laicismo e por laicidade. É neste sentido que para o padre Francisco Faus o conceito de
laicidade não dá a entender que
“os católicos e outros crentes devam abster-se de basear-se na "lei moral" em sua atuação
social e pública: na defesa do valor da vida humana, da família, da educação, de justiça
social, etc. É importante ter em conta que há uma ética, uma moral natural,
aprofundada ao longo de milênios já pelos filósofos pagãos, que não é religiosa nem
constituída por dogmas de fé. È racional, é a sabedoria acumulada ao longo dos milênios
pelos sábios sobre os temas filosóficos mais importantes da "antropologia"; e as suas
conclusões racionais são válidas para os crentes e não crentes que admitam usar a razão
[...]”
(
Disponível
em
http://www.padrefaus.org/wpcontent/uploads/2011/04/laicidadeelaicismo.pdf acesso em 21 de abril de 2011, grifos do
autor).
Ou seja, para estes religiosos católicos fé e razão não se contrapõem, pois, a
separação entre Igreja e Estado não impede que os cristãos dêem sua opinião e cumpra
com seu direito de participar na vida pública do país, como qualquer cidadão. Assim,
segundo Faus, um Estado que não respeita o espaço da Igreja na sociedade ou que negue o
direito dos cidadãos religiosos (como qualquer outro cidadão) de expressar opiniões e
opções políticas pessoais, estaria indo de encontro aos princípios democráticos. Sendo
assim, o Estado democrático de direito advogaria uma “ditadura do relativismo” que nega a
capacidade a existência de verdades objetivas e universais exaltando, pois apenas a
“vontade, o puro e simples querer, apetecer, desejar” (idem).
Creio, contudo, que católicos e evangélicos concordam que o PNDH-3 é uma
“ditadura do relativismo”, pois, não respeita a maioria moral (Pierucci, 1996) cristã
presente historicamente na sociedade brasileira. A questão de divergência trata-se de
termos categoriais. Enquanto católicos denominam certos pleitos de direitos humanos
como laicistas, entretanto, afirmando a validade da laicidade do Estado brasileiro. Assim, a
Igreja católica concorda com o caráter laico do Estado que valida a participação das
religiões na sociedade civil, mas não com o laicismo que se entende, segundo Faus, como a
“a única voz da racionalidade”, pois, trata-se de
"uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição
da liberdade religiosa até promover um desprezo ou ignorância de tudo o que seja
religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública".
http://www.padrefaus.org/wp(Disponível
em
content/uploads/2011/04/laicidadeelaicismo.pdf acesso em 21 de abril de 2011).
Ou seja, os clérigos católicos não lidam com modalidades de laicidade, pois
distinguem (ao menos a nível teórico) o que é laicismo e o que é laicidade. Já os
104
evangélicos, comumente, não falam de laicismo apenas de laicidade. Assim, para
evangélicos a laicidade possui diferentes feições. A primeira delas é o próprio caráter laico
do Estado que deve ser respeitado, inclusive, para garantir a liberdade de culto e de
expressão religiosa. O segundo é de cunho ateu quando pressupõe garantir direitos de
minorias, em detrimento a maioria moral. Por fim, a laicidade (quando não considera
assuntos religiosos) torna-se um direito que se sobrepõe a liberdade religiosa, logo,
antidemocrático sendo, pois, tal modalidade de laicidade um direito absoluto. Vale dizer
que para estes religiosos a laicidade não é entendida como um direito constitucional e uma
prerrogativa da sociedade brasileira assim como a liberdade religiosa e o tão clamado
direito a vida. Logo, estes parlamentares religiosos não consideram que a laicidade
conjugada aos mesmos valores e liberdades democráticas que garantem que Igrejas sejam
livres para professar sua fé.
Todavia, ambos, católicos e evangélicos, entendem que o Estado que não abarca
as convicções de religiosos, impõe um “dogma laico” (em oposição ao caráter da laicidade
que respeita as religiões), violando, pois, o princípio de igualdade de direitos.
Constitucionais. Por exemplo, quando o governo brasileiro lançou o PNDH-3 em
contraposição aos grupos religiosos e às leis morais da sociedade brasileira.
Pastor Pedro Ribeiro retornou à tribuna para discursar sobre o caráter humanista
do PNDH-3 que, segundo o deputado, seria uma “cartilha inspirada por um sentimento
anticristão”. Ora, “feito numa reunião de intelectuais da pós-modernidade envolvidos com
puro relativismo” preconiza tão somente o humanismo, uma filosofia cujo cerne é os
homens e a racionalidade. Nesse sentido, segundo Pedro Ribeiro, tal filosofia se contrapõe
a uma autoridade superior por que preconiza “um legado do sentimento do homem, do
endeusamento ao homem, de o homem acima de tudo”. Deste modo, segundo Pedro
Ribeiro se para o PNDH-3 “o homem tem valor”, pois, “há justiça social por que as
minorias são respeitadas”, para os cristãos o que há é
“um desrespeito total aos princípios de Deus, às ordens de Deus, o que está estabelecido
como a meta para o equilíbrio do homem inteiro, do homem por completo. Então, eu
vejo nesse projeto muito mais do que um simples projeto avançado da modernidade. Eu
vejo os tentáculos do Inimigo já querendo implantar, acostumar a sociedade, também a
brasileira, nesta coisa. Primados de Deus? Base de Deus? Ordenanças de Deus? Isto já
era. Nós temos que cuidar do homem. Veja que esse projeto permite que o homem faça
tudo, ou tudo pelo homem, e tudo para o homem” (Grifos Meus).
105
Assim, o PNDH-3 travestido por este caráter “humanista” e “pós-modernista”
seria uma “ameaça” aos princípios da sociedade cristã tradicional brasileira por que
privilegiaria os homens e não Deus. É, neste sentido, que podemos apreender a advertência
de Pedro Ribeiro sobre o PNDH-3
“Este decreto é muito mais do que um simples documento do humanismo, do
relativismo. Isto aqui é o braço do inimigo, é a sutileza das astutas ciladas do inimigo
contra a plenitude do evangelho, contra a autoridade de Deus. Pesa sobre nós um peso
horrível de termos a consciência de trabalharmos contra isso o que aqui está. Muita coisa
boa vem desse projeto pra nação, mas deifica o homem e o homem não é Deus. Deus é o
Deus senhor dos exércitos de Israel, é o todo poderoso. Então muito obrigado e que Deus
abençoe a todos em nome de Jesus!” (Grifos Meus).
De algum modo, Pedro Ribeiro advertia a Igreja de Cristo ali presente que o
PNDH-3 seria um “plano ideológico do Inimigo” avesso aos “desígnios de Deus” e da
natureza humana provedora de uma sexualidade sadia, adequada e geradora de mais almas
para o Reino dos Céus. Ou seja, o PNDH-3 privilegiava o mundo sem regras preconizado
pela “cultura pós-moderna” em detrimento do mundo reto fundado pelo sagrado. Nesse
sentido, o modelo exemplar para a Nação proposto pela FPE se baseia numa separação
entre sagrado e profano como formas de atuação do ser no mundo: os religiosos estão do
mundo, participando da política, mas, o intuito é trazer a Nação para a moralidade
religiosa, tornar ímpios, retos. Deste modo, a FPE não considera outras formas de
reprodução, de comportamento, de selves, mas tão somente o que foi “ontologicamente
fundado pelo mito” (Eliade, 2001, p. 85): a natureza humana foi criada por Deus, logo, há
leis naturais que regem o comportamento dos homens que devem ser obedecidas como
regras de conduta de uma vida reta.
Após o discurso de Pedro Ribeiro, Marília, mestre de cerimônias, convidou o
deputado Miguel Martini (PHS/MG) (católico aliado da FPE na defesa da família e dos
valores morais religiosos) para tomar a palavra. Miguel Martini iniciou sua fala
esclarecendo
o
humanismo
preconizado
por
seu
partido
(o
humanista
da
solidariedade/PHS)
“Eu queria só fazer um adendo ao meu amigo, irmão Pedro Ribeiro, que existe o
humanismo ateu em que o homem é o centro e não considera Deus. Esse nós execramos,
esse nós repudiamos. Mas a doutrina social cristã propugna pelo humanismo cristão, em
que o homem é dotado de dignidade, por ser a imagem e semelhança de Deus. Então é
Deus e em razão de ter nos criado a sua imagem e semelhança, o homem é constituído
em dignidade. Esse humanismo é o que o meu partido defende. Eu sou do partido
106
humanista da solidariedade. Então, não é o humanismo ateu que existe, que nós
conhecemos. É o humanismo cristão. E todo evangelho ele é humanista cristão. [...]. E é
lamentável que nós tenhamos que dizer evangelho integral. Bastaria dizer evangelho.
Porque o evangelho ele alcança o homem todo, e se não alcança é porque não é
evangelho, é cultura que se inventou em nome de um evangelho, em nome da verdade”
(Grifos Meus).
O que o parlamentar afirmava é que o humanismo cristão considera que o
homem, criatura criada à imagem e semelhança do Pai, tem direito a dignidade e respeito,
sendo, neste sentido, destinatário das ações políticas. Todavia, as coisas do mundo e dos
homens não podem ser consideradas pela política em detrimento das coisas de Deus. Logo,
o PHS, partido do deputado Martini, advoga um humanismo cristão no qual o homem vive
pela relação a Cristo, todavia, o valor de dignidade da pessoa humana é o preceito
fundante. Entretanto, Pedro Ribeiro (e a FPE) entende o humanismo como uma das
ideologias atéias presentes na pós-modernidade na qual Deus não tem lugar. Deste modo, o
deputado considera o humanismo não apenas a partir da idéia de exaltação da dignidade
humana, mas, especialmente, como proclamador de uma liberdade que pode e deve ser
exercida tanto em relação à natureza quanto à sociedade. Logo, em oposição à idéia
religiosa de que Deus é o governante das ações humanas.
Após o esclarecimento de que tipo de humanismo advogava, Miguel Martini
afirmou que o PNDH-3 é “um engodo” que pretende “contrariar a verdade” através de uma
linguagem permeada por “palavras malévolas, palavras enganadoras, palavras mentirosas”.
Ora, “Não dizem que é casamento de homossexual. Não! É união homo afetiva de pessoas
do mesmo sexo. Homo afetivas! 90% da população brasileira não vai saber interpretar. São
sofismas!”. Finalizando o seu discurso, Miguel Martini corroborou o seu argumento de que
o PNDH-3 seria a expressão de como a “cultura de morte” pretende atuar no país
“Mas eu queria dizer minha irmã, meu irmão, que a cultura de morte ela tem várias
facetas. A lógica é não deixar nascer, como ampliar tudo que pode: orgulho lésbico,
orgulho gay, casamento de gays e gay cada vez mais nas novelas em todo lugar. Porque
gay não gera vida. O medo é gerar imagem e semelhança de Deus. [...]. Minha irmã,
meus irmãos é hora de nos darmos às mãos. Eu creio que Jesus se alegra, quando o seu
corpo, em que verdadeiramente Ele seja a cabeça, a partir dele nós nos unamos para
impedir essa desgraça no nosso país. Porque a mão de Deus, sabemos que vai pesar.
Sabemos que vai pesar. Mas também sabemos que seremos cobrados pelo que deixarmos
de fazer, podendo fazer. Podemos nos unir? Podemos, devemos. Eu tenho dito em todos
os lugares pra bispos, pra lideranças, onde eu vou, eu digo: contam no Congresso
Nacional com os evangélicos, pras grandes bandeiras a favor da vida, contra o casamento
de gays e contra a família que querem destruir. E as culturas de morte que vai, como eu
disse, desde impedir geração de vida até assassinar pelo aborto, mas também querem
eutanásia, mas também querem matar os velhinhos, porque é uma sociedade utilitarista.
107
O ser humano não vale nada, é apenas uma coisa que usamos, depois jogamos fora. Não
precisamos mais, nos atrapalha, vamos jogar fora. Então, encerro primeiro agradecendo
esse prazer, alegria de estar aqui e dizer que vamos nos unir” (Grifos Meus).
Para o deputado Rodovalho, o PNDH-3 é fruto de “uma inteligência ousada” que
deseja dissolver a família, a moral e a Igreja131. Do mesmo modo, “esse documento não foi
discutido conosco aqui no Congresso, [...]. Não foi discutido com as lideranças religiosas,
não foi discutido com a imprensa, não foi discutido em nenhum segmento”, ressaltou
Rodovalho. Nesse sentido, tratar-se-ia de um “engodo” que feriria tanto o compromisso
democrático do programa de governo de Lula quanto o posicionamento contrário da
sociedade brasileira em relação a estes temas morais. Por isso
“cabe a nós formadores de opiniões: pastores, líderes das comunidades, líderes das
convenções, até mesmo os parlamentares, cabe a nós podermos, erguermos as nossas
vozes e nos fazer ser ouvidos. Esse ano é um ano de eleição. Esse ano é um ano de
escolhas. E ao se eleger, quem quer que seja que vem aí, nós temos aí aparentemente três
candidatos muito bem definidos: nós temos o Serra, nós temos a Dilma, e nós temos a
Marina. Acho que é hora da gente parar, e é hora da gente pensar e refletir qual a melhor
estratégia!”
Deste modo, o deputado vinculou aquelas idéias de direitos e cidadania contidos
no PNDH-3 a “segmentos que se sentem iluminados por sua inteligência e sua sabedoria” e
autorizados, pois, a “legislar em nome de toda uma nação”. Nesse sentido, a Igreja de
Cristo e seus representantes no Legislativo não podem aceitar a “sabedoria dos executivos,
a ciência da toga”. Por isso, afirma Rodovalho, o “Estado é de todos. O céu que Deus criou
é pra todos e o chão que nos abriga é uma bênção de Deus pra toda a humanidade,
indistintamente”. Mas o país precisa “ser respeitado nas suas bases”, por isso,
131
Em uma entrevista durante um café da manhã na Câmara dos Deputados o Presidente da FPE João
Campos (PSDB-GO) considerou “a necessidade de arregimentação e ajustamento de forças para atender as
expectativas da igreja e da sociedade no tocante à prática de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento econômico social, a erradicação da pobreza, da miséria e a promoção de aspectos
espirituais, morais e éticos no Congresso Nacional”. Do mesmo modo, João Campos falou que “questões
relacionadas ao aborto, homossexualidade, drogas e prostituição não são bandeiras da Frente e que perguntas
desse dessa natureza lhe são feitas pelos corredores da Câmara. ‘Eu sempre digo que a Frente Parlamentar
Evangélica está pronta pra combater essas bandeiras e que elas não nossas’, afirmou o deputado e
acrescentou: ‘Nossas bandeiras são a manutenção da legislação vigente relativa ao conceito de família, o
combate ostensivo às drogas, não desejamos que o corpo da mulher seja trocado por dinheiro e que essa
prática seja reconhecida como profissão e defendemos a vida desde o ventre’”. Disponível em
http://frenteparlamentarevangelica.blogspot.com/search?updated-min=2011-01-01T00%3A00%3A0008%3A00&updated-max=2012-01-01T00%3A00%3A00-08%3A00&max-results=30 acesso em 11 de
fevereiro de 2011.
108
Que nós possamos levantar aquilo que pra nós é caro: que é a vida, que é a família, que é
a igreja. Que a gente possa não negociar outras coisas, mas negociar essas três grandes
bandeiras. Que país queremos? Qual é o desenho? [...]. Que nós possamos ter uma
unidade, para que unidos nós possamos representar a voz da igreja. Deus abençoe o
seminário! Que Deus abençoe a nossa frente! Que Deus nos ajude! Tem hora que eu
penso que a guerra é maior do que a gente. Pode ser maior do que nós. Mas não é maior
do que Deus não. Porque o nosso Deus está acima de todas as coisas nos céus e na terra.
[...]. Que Deus nos ajude a ter voz pela mídia, ter voz pela grande massa, ter consciência.
E agora, a pergunta é: por favor instituições brasileiras, não calem a nossa voz. Aquilo
que o Congresso fala, deixa-nos falar, porque nós fomos eleitos para isso. Ninguém de
toga foi eleito pra legislar. Ninguém do executivo foi eleito pra legislar. Aqui na Câmara
e no Senado, as pessoas depositaram os seus votos em função de idéias, pensamentos e
compromissos. E que o Brasil respeite isso. Deus abençoe!”. (Grifos Meus).
Em seguida, o senador Magno Malta (PR/ES) subiu a tribuna e discursou sobre a
necessidade dos crentes multiplicarem o conhecimento não apenas sobre a escritura
bíblica, mas também acerca dos vícios que pairam na sociedade. Ora, “a Bíblia diz que a
quem muito é dado muito será cobrado”. Logo, os crentes, escolhidos e ungidos, devem se
comprometer com as causas da família e combater o Inimigo e suas ações perniciosas, por
exemplo, contra os pronunciamentos do ex-presidente FHC e do ex-ministro de Meio
Ambiente, Carlos Minc sobre a legalização das drogas.
Nesse sentido, para o senador (ainda referindo-se ao ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso) estes “homens absolutamente inteligentes” e que “raciocinam muito”
não se preocupam com a dimensão dos males que assolam o país, como as drogas. Pois,
estes “intelectuais de Harvard” desejam que o nosso país, tal como a Holanda depois da
legalização das drogas, vire “um cemitério humano de zumbis, de gente degradada do
ponto de vista moral, espiritual e do ponto de vista físico”. A saber: que os cidadãos
brasileiros se tornem “imprestáveis para vida por causa de uma ação de direitos humanos”.
Finda a fala de Magno Malta, João Campos, presidente da FPE, subiu à tribuna
para lembrar que os evangélicos não são contra os direitos humanos, pois, “o que nós
estamos fazendo é ressaltando determinados pontos que não têm a nossa concordância,
com nossa convicção”. Assim, o deputado João Campos afirmou que a FPE é favorável a
“uma política de direitos humanos para todos. Então é muito bom que a gente deixe claro o
entendimento do segmento evangélico a cerca de direitos humanos”. Mas de que direitos
humanos fala o presidente da FPE?
Para a FPE, o PNDH-3 advoga direitos para os homens em detrimento de Deus,
propõem direitos a pares e não a casais, liberdade sexual e não o sexo somente no
109
casamento cuja finalidade é povoar a Terra. Tais direitos humanos não incentivariam a
procriação dos homens, do mesmo modo estariam em contraposição a Carta constitucional
e a Bíblia. Na verdade, para os crentes, o Programa não se preocupava com o futuro do
país, pois, preconizaria o controle a natalidade do país, a partir da consideração da
liberdade reprodutiva e sexual de mulheres. Estaria, pois, legislando para os ímpios, não
para os retos.
Do mesmo modo, a argumentação dos religiosos versa numa acepção absoluta
que todos aqueles que se opõe aos religiosos são contrários vida, logo, a proporcionalidade
dos direitos humanos não é levada em conta nos discursos destes parlamentares religiosos.
Não há, pois, um investimento de exercitar a ponderação entre duas expectativas de direito
antagônicas. O que aponto é que os discursos de parlamentares religiosos não abarcam a
idéia de que os direitos fundamentais não são absolutos e ilimitados, pois, encontram seus
limites em outros direitos fundamentais, também consagrados pela Carta Magna. Ora,
neste sentido, quando houver uma aparente contradição ou conflito entre direitos
fundamentais utilizar-se-á da aplicação do princípio constitucional fundamental da
proporcionalidade que concederá ao caso concreto uma aplicação coerente e segura da
norma constitucional (Machado, 2011).
Sendo assim, a oposição de grupos religiosos as pautas do PNDH-3 seria um
obstáculo aos processos de construção dos direitos humanos no país, uma vez que, estes
sujeitos políticos e religiosos vem se opondo, sobretudo, no âmbito do legislativo, à
linguagem dos direitos humanos sexuais e reprodutivos das mulheres e dos direitos
individuais dos homossexuais. Segundo Machado (2011)
“Esta posição se faz em nome da defesa da moralidade conservadora fundada na
prevalência da figura ilusória de uma noção de família que invisibiliza a profunda
desigualdade de poder presente na forma tradicional de família onde o respeito à
integridade física e psíquica de cada um de seus membros e o respeito à autonomia das
mulheres frente à sexualidade e à reprodução, não eram os princípios a serem defendidos.
Da mesma forma resistem a admitir a igualdade de direitos entre homossexuais e
heterossexuais à não discriminação e à união estável, em nome de uma moralidade que
opõe heterossexualidade à homossexualidade tal como a tradição opunha o sagrado do
casamento heterossexual ao pecado da sodomia, o normal da relação heterossexual ao
patológico da relação homossexual” (s/p).
E como estes grupos vem realizando tal oposição que surte efeitos na garantia de
direitos humanos das chamadas minorias? Como disse, a partir de retóricas diversificadas,
dentre elas, a da unidade cristã e política e da maioria moral cristã. Considero que estas
110
idéias se imbricam nas falas dos deputados religiosos no sentido de que é a primeira
enquanto mobilização estratégica que corrobora a segunda enquanto verdades posicionadas
e discursos from e for (Abu-Lughod, 2006) dos religiosos da Casa.
No início do evento, o deputado Henrique Afonso (PV/AC) explicitou que o
objetivo daquele Seminário era “promover resultados práticos e transformadores, de uma
Igreja militante, no seio da sociedade, de uma Igreja viva e transformadora”. Assim, o
deputado conclamou a dissolução das diferenças doutrinais entre as Igrejas de Cristo a fim
“promover entre os irmãos através de uma cerimônia ecumênica de novo tipo a consciência
de que o Brasil precisa ser transformado”. Logo, é a Igreja que salvará o mundo e não o
mundo que salvará a Igreja. Do mesmo modo, o deputado católico Miguel Martini
(PHS/MG) afirmou que através da mobilização cristã no Congresso Nacional leis morais
para a Nação poderiam ser elaboradas. Por isso mesmo, o parlamentar ressaltou que
“É hora de cristãos batistas, católicos, presbiterianos, Assembléia de Deus, enfim, os que
se consideram verdadeiramente cristãos se unirem. Nós não vamos nos unir pela
doutrina, que as divergências vão acontecer. Elas acontecem dentro da nossa igreja.
Dentro da sua igreja tem divergência. Nós não vamos por aí. Mas se nós nos unificarmos
na defesa das bandeiras do evangelho aí nós temos 100% de unidade. Porque todos nós
somos contra o aborto, todos nós somos contra o casamento de homossexuais, porque é
uma agressão. Todos nós somos contra o projeto 122 de homofobia, todos nós somos
contra a adoção de crianças por casais homossexuais, todos nós somos contra essa
cultura de morte que está por detrás desse Plano Nacional de Direitos Humanos”. (Grifos
Meus).
Para Miguel Martini esta “cultura de morte” proclamada pelo PNDH-3 reivindica
direitos já garantidos pela Constituição e “seleciona vidas” pelo aborto, pelo casamento de
pessoas homoafetivas, pelo infanticídio, pela eutanásia. Do mesmo modo, Miguel Martini
afirmou que o PNDH-3 objetivava “destruir a Igreja”, logo, os deputados cristãos do
Congresso Nacional deveriam promover uma unidade a fim de garantir a vida no ventre
materno, o respeito à família heterossexual sadia e a liberdade religiosa. Tratava-se, pois,
de deixar de lado discussões doutrinárias, inclusive, durante as campanhas eleitorais de
2010, pois, o momento era de união e não de dissensos.
“É hora de nos unirmos. Eu tenho conversado bastante aqui com o Bispo Rodovalho,
com Henrique Afonso. Eu estou torcendo pro Henrique dizer pra mim: eu sou candidato
ao senado lá no Acre, porque na hora que ele disser isso eu já mobilizei toda a
Renovação Carismática que vai apoiá-lo. Eu disse: nós precisamos fazer isso. Precisamos
ter cristãos verdadeiros. [...]. Mas nos cargos majoritários nós temos que nos unir, pra
senador, pra governador, pra presidente da república, nós temos que escolher alguém, de
comum acordo, que esteja ou de acordo com as nossas bandeiras ou que aceite propostas
111
nossas para ser delimitado nas suas ações. Porque infelizmente, às vezes, a gente não tem
muita opção. E vamos ter talvez de escolher o menos pior. Mas nós deveríamos estar
unidos e não somos poucos, e não somos poucos. A Renovação Carismática Católica
passa de vinte cinco milhões no Brasil. Mas não é só a Renovação Carismática Católica.
A Igreja tá acordando também, a Igreja Católica tá acordando também. [...]” (Grifos
Meus).
Ora, o que o parlamentar propunha era que os laços religiosos existentes entre
eles deveriam ser reforçados no plano da política. Aqui, tempo da igreja e "tempo da
política" se unem em prol de que os anseios morais preconizados pelos religiosos fossem
garantidos pelo Estado em detrimento das proposições “atéias” contidas no PNDH-3.
Nesse sentido, os parlamentares religiosos deveriam emitir “uma voz profética” a fim de
continuar a obter êxitos no Congresso Nacional em relação às questões de cunho moral.
Trata-se, pois, de lutar em prol “das bandeiras que nos une”, como ressaltou Marília
durante uma fala.
Assim, o deputado Rodovalho (PP/DF) afirmou que “não passou nenhuma
matéria nessa legislatura contra a vida, contra a família e contra igreja” por conta da
“unidade que tivemos com os católicos.” No mesmo sentido, o senador Magno Malta
(PR/ES) garantiu que a Lei de criminalização da homofobia “não passa” no Senado por
conta da união entre parlamentares espíritas, católicos, a aliança com a CNBB, por conta
de “todos nós que amamos a família e não queremos esse modelo”. O deputado Henrique
Afonso asseverou, outra vez, a importância da unidade cristã “em torno de pontos que são
importantes para a nossa nação entre elas a vida, a família, a economia, a política”.
Entretanto, católicos e evangélicos, especialmente, continuam, no cotidiano do
exercício profissional da política, duelando pela gestão do monopólio dos bens de
salvação, pelo espaço enquanto religião civil a ser atendida pelo Estado, pela concorrência
enquanto “maioria moral” da sociedade brasileira. Se há união, a mesma se dá em
determinados tempos e discursos do espaço da Casa legislativa, como vimos nesta
etnografia. Todavia, há fissões e disputas entre irmãos, pois, ao passo que se unem a fim de
se contrapor a leis não morais, eles estão, ao mesmo tempo, disputando pela gestão do
monopólio do mercado de bens de salvação (Bourdieu, 2001).
Segundo José Duque, secretário da FPE, mesmo os católicos praticantes serem
poucos dentro do Parlamento “quem é mais contra o aborto é a Igreja Católica, quem mais
luta [aqui dentro] contra é a igreja Católica”, mesmo sendo os evangélicos também
112
contrários a interrupção da gravidez. Isso por que, a CNBB tem muita influência no jogo
político da Casa. Entretanto, João Campos naquele seminário fez questão de dizer que
“quem efetivamente tem colocado a cara em relação a criminalização da homofobia
somos só nós os evangélicos. E então, modéstia parte, graças a nós deputados e
senadores é que esse projeto não se converteu em lei. É bom que a gente aproveite uma
oportunidade como essa pra dizer isso com muita clareza”.
Por certo, filiação e adesão não são fenômenos extra-ordinários num contexto
onde a negociação de demandas é cotidiana, como é o caso da Câmara dos Deputados. A
princípio reafirmo que a unidade cristã não é um diálogo inter-religioso (Brito, 2010) entre
as Igrejas de Cristo, mas uma adesão momentânea como é a facção política, costumeira e
de caráter não permanente. No caso, a convicção de uma unidade espiritual entre aqueles
que crêem em Jesus Cristo para lutar contra os Inimigos: todos aqueles que são “contra a
vida” e contrários aos costumes morais da Nação.
Ora, em eventos, em tempos e em espaços do legislativo brasileiro, católicos,
evangélicos e espíritas se unem sob a rubrica de que, a despeito de diferenças
doutrinárias132, a unidade “vem por Cristo, pelo Cristianismo”. Assim, ressaltou José
Duque durante uma entrevista: “a união vem de Cristo e não de bandeiras políticas”, pois,
tal unidade seria um princípio cristão fundado por Cristo. Contudo, creio que a unidade
cristã forjada por estes grupos religiosos advêm não apenas do laço religioso, mas sim
também do argumento que enquanto maioria moral, o Povo ungido tem a missão de
restaurar os costumes da Nação brasileira.
Logo, a partir da “mobilização estratégica” da unidade cristã este grupo eleito
evoca a representatividade da maioria a fim de fazer frente às “artimanhas do Inimigo” no
Congresso Nacional. Ou seja, unidos pelas bandeiras do Evangelho, evocam a
preeminência do cristianismo na cultura e história da Nação brasileira que representam,
atuando, pois, na defesa da vida desde a concepção e de valores morais da família. Por que
são estas pautas de cunho moral que podem ser profetizadas a partir da invocação do
religioso que realizam no cotidiano do legislativo.
De fato, a idéia de unidade propagada por estes parlamentares objetiva
representar a maioria religiosa brasileira através da ocupação de cargos políticos.
132
José Duque disse que para os evangélicos os católicos são idólatras, pois, cultuam imagens de homens e
mulheres santos que “nunca morreram e ressuscitaram como Jesus”! Deste modo, eles “cultuam pessoas
mortas e não o Deus Vivo”.
113
Considero que é a partir da participação nas atividades da política que os religiosos
garantem vez e voz para impedir projetos de lei que firam “a moral e os bons costumes”
que preconizam para toda a sociedade. Logo, por meio da unidade cristã e da retórica da
maioria moral que se alçam enquanto Povo ungido que restaurará a Nação dos pecados
aclamados por “militantes de direitos humanos”, como ressaltou Miguel Martini.
Sendo assim, a metáfora da maioria moral foi utilizada por diferentes atores que
discursaram naquela cena. Edward Luz, apresentado como antropólogo, enfatizou que a
sociedade brasileira sendo majoritária e culturalmente cristã estava sendo “ameaçada” pelo
PNDH-3 que possuía “uma base ideológica que visava uma desconstrução da cultura e da
sociedade brasileira”, preconizava tão somente “direitos humanos corrompidos”. Por isso
mesmo, Edward Luz rogou aos deputados que o PNDH-3 fosse combatido e rejeitado “por
vocês parlamentares que estão aqui para representar uma população cristã, consciente de
seus direitos e deveres”.
Já para o deputado Rodovalho o PNDH-3 “feriu compromissos, feriu bandeiras,
feriu escolhas, opções da nossa grande maioria da nossa sociedade”. Continuando a
argumentação, o deputado questionou também o papel dos três poderes numa república
federativa democrática: “o Congresso diz não, o judiciário está dizendo sim ou o executivo
passa por cima”. Trata-se de uma ingerência das esferas de atuação dos poderes. “Que
Brasil é o Brasil de hoje? Cadê o Congresso? Cadê a força da voz do nosso Congresso?
Ora, segundo o parlamentar, os direitos das minorias não poderiam “ferir a nação” nem tão
pouco “passar por cima de um Congresso que foi legitimamente eleito para representar
seus cidadãos”. Por que os três poderes devem dialogar numa democracia, logo, se as
minorias têm o direito de ser ouvidas, a Igreja enquanto maioria também tem. Outrossim,
asseverou Rodovalho: garantir de “direitos de minorias” não significa “ferir consensos da
maioria”.
Henrique Afonso, idealizador do Seminário, reforçou que o segundo objetivo
daquele evento era vislumbrar uma “visão estratégica para essa nação a partir dos
fundamentos dos nossos valores e princípios bíblicos cristãos”. Sendo assim, o Povo de
Deus unido e consciente do momento político do país poderia gerenciar o “movimento pela
restauração da nação brasileira”. Deste modo, estes deputados são porta-vozes de uma
Nação que também defende costumes e moralidades, pois, é majoritariamente religiosa.
Nesse sentido, os partícipes da Igreja de Cristo representam “a cultura do país”, logo,
114
enquanto maioria tem o dever de se contrapor aos projetos destrutivos da sociedade
brasileira. Assim, estes parlamentares religiosos evocam demandas de uma “comunidade
imaginada” que os autoriza a falar para a Nação, no cotidiano do legislativo, de que são
eles que podem provê-la, de boas safras.
É nesse sentido que José Duque, secretário da FPE, corrobora com a idéia de que
se os evangélicos defendem uma “visão bíblica” sobre tais temas “muitas pessoas não
cristãs também entendem os fatos por esta visão”. Isso por que: “se você fizer uma
pesquisa, a maioria da população brasileira é contra até por que é uma questão cultural,
menos por uma visão bíblica mais por uma questão moral mesmo”. João Campos,
presidente da FPE, também considera que a sociedade se posiciona de forma contrária a
tais matérias, logo, o Parlamento “não pode aceitar mais uma ingerência do Poder
Executivo, impondo uma agenda pró-aborto, pró-casamento gay e de flagrante preconceito
religioso quanto aos símbolos religiosos”.
Sendo assim, sob a rubrica da maioria moral, estes parlamentares religiosos
pleiteiam a liberdade religiosa de culto e de expressão como um direito constitucional, que,
pretende, na verdade, corroborar preceitos morais preconizados pelas Igrejas. É nesse
sentido que a liberdade religiosa, como um direito absoluto, deve ser sempre atendida pelo
Estado. Para alcançar êxito, parlamentares religiosos utilizam em seus discursos tanto a
retórica da maioria moral em oposição a quaisquer minorias quanto a idéia de que o Povo
eleito tem a missão de falar para a Nação, promovendo, pois, sua salvação. Assim, o direito
da liberdade religiosa torna-se um direito absoluto em detrimento de outros direitos
validados pela Constituição como os direitos individuais e o próprio direito a liberdade
religiosa de outras confissões religiosas, sobretudo, não-cristãs. Do mesmo modo, a partir
desta acepção absoluta cidadãos (como as mulheres e homossexuais) são destitulados de
seus lugares enquanto sujeito de direitos. Assim,
“O instituto de ponderação constitutivo da discursividade jurídica, perde seu espaço nesta
discursividade religiosa que se apropria e se autoriza a partir da produção científicogenética. Recusa-se a ponderar. Seu a priori é o lugar fixo e rígido atribuído, de um lado,
às mulheres, de outro, aos embriões-pessoas. São eles que devem ser protegidos diante
das mulheres. Além da apologia da ilusória inocência do concepto, às mulheres só cabe
levar a termo a gestação” (Machado, 2010, p. 158).
Ou seja, nas demandas religiosas não há relativismo nem ponderação, pois, uma
vez que pecado é vinculado a crime, todos aqueles que se contrapõe aos ideais morais
115
preconizados por eles, devem ser punidos pela Lei. Assim toda a Nação está sob a vigência
de uma moral globalizante cujas regras impositivas são para todos e todas, sem restrição.
Diferentemente da proposição máxima dos Direitos Humanos: o homem é livre para ser e
viver como desejar, sendo punido apenas se ferir ou retirar o direito de outro ser humano.
Em relação ao tema da união civil entre pessoas do mesmo sexo. O senador
Magno Malta considerou que os candidatos a presidência deveriam também se posicionar
sobre o PL 122133 (que propõe a criminalização da homofobia): “esse monstrengo, esse
animal que tentaram criar e depois legalizá-lo no sentido de criar o império homossexual
no Brasil”. Do mesmo modo, Edward Luz lembrou que o PNDH-3 sugere a união entre
pessoas do mesmo sexo134 mas que a Constituição Federal135 no capítulo VII (Da Família,
da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso) no artigo 226 (A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado) versa que para efeito da proteção do Estado é
reconhecida a união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, devendo a lei
facilitar a sua conversão em casamento (§ 3º). Ora, argumentou o Edward Luz: “quando se
busca dar o mesmo status de família para casais homossexuais, homoafetivos pode-se dizer
que a Constituição Federal nada vale, foi obliterada, foi esquecida, pois se quer mudar uma
causa pétrea”.
133
Caso seja aprovado no Congresso Nacional, o PL alterará a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989,
caracterizando crime a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de
gênero como um direito equiparado a discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e
gênero. Logo, “todo cidadão ou cidadã que sofrer discriminação por causa de sua orientação sexual e
identidade de gênero poderá prestar queixa formal na delegacia. Esta queixa levará à abertura de processo
judicial. Caso seja provada a veracidade da acusação, o réu estará sujeito às penas definidas em lei”.
Disponível em http://www.naohomofobia.com.br/lei/index.php acesso em 17 de maio de 2011.
134
Na diretriz 10: garantia de igualdade na diversidade (PNDH, 2009, p. 112), Objetivo estratégico V:
Garantia do respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero. Ações programáticas: a) Desenvolver
políticas afirmativas e de promoção de uma cultura de respeito à livre orientação sexual e identidade de
gênero, favorecendo a visibilidade e o reconhecimento social. Responsável: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República. b) Apoiar projeto de lei que disponha sobre a união civil entre
pessoas do mesmo sexo. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República; Ministério da Justiça Recomendação: Recomenda-se ao Poder Legislativo a aprovação de
legislação que reconheça a união civil entre pessoas do mesmo sexo. c) Promover ações voltadas à garantia
do direito de adoção por casais homoafetivos. Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República. Recomendações: Recomenda-se ao Poder Judiciário a realização de campanhas de
sensibilização de juízes para evitar preconceitos em processos de adoção por casais homoafetivos.
Recomenda-se ao Poder Legislativo elaboração de projeto de lei que garanta o direito de adoção por casais
homoafetivos. Parceiros: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE); Ministério da Justiça; Ministério da Saúde; Ministério do Trabalho e Emprego (p. 120121).
135
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm acesso em 15
de fevereiro de 2011.
116
Nesse sentido vale ressaltar que em 2009 o deputado Paes de Lira (PTC-SP),
católico e o deputado Capitão Assunção (PSB-ES), evangélico, propuseram o Projeto de
Lei no 5167/2009 que altera o art. 1.521 da Lei nº 10.406 de 2002 que institui o Código
Civil. Tal PL (que aguarda entrada na pauta da Comissão de Seguridade Social e Família)
diz que nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode
equiparar-se ao casamento entre homem e mulher, logo, uma união homoafetiva não
poderia ser entendida pelo Estado enquanto “entidade familiar”. Tal projeto se opõe ao PL
2285/2009, conhecido como Estatuto das Famílias136, proposto pelo deputado Sérgio
Barradas Carneiro (PT/BA) que tramitava à época na Comissão de Constituição Justiça e
Cidadania/CCJC.
Em uma audiência pública, em maio de 2010, realizada pela CCJC representantes
ligados à igreja católica e às denominações evangélicas rechaçaram o Estatuto das Famílias
que no Capítulo III, art. 164 diz: “É facultado aos conviventes e aos parceiros, de comum
acordo, requerer em juízo o reconhecimento de sua união estável ou da união homoafetiva”
(Notas do PL, Grifos Meus). Do mesmo modo, se opuseram ao Capítulo IV do projeto que
trata exclusivamente da união homoafetiva. Na ocasião Abner Ferreira, representante da
Assembléia de Deus, argumentou que tanto “pelas leis de Deus” quanto pela Constituição
Federal o casamento dá-se através da união de um homem e uma mulher. Logo, o Estado
não deve salvaguardar “formas alternativas de família”, como é o caso da união
homoafetiva.
O tema da união homoafetiva também foi discutido no Seminário pelo “escritor e
pesquisador Claudemiro Soares” que discorreu sobre a diversidade sexual e sobre a
natureza dos argumentos utilizados pelo movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais e Trangêneros/LGBTT para “persuadir a população brasileira”. Claudomiro
Soares afirmou que a Igreja de Cristo sendo “sal da Terra” deve protestar contra “um
decreto que quer ser empurrado goela abaixo pelo Governo”.
Segundo o convidado, o “movimento gay” apresenta “discursos travestidos de
cientificidade” que procuram legitimar a homossexualidade como uma “prática natural”.
Assim, Claudemiro Soares afirma que, através do “uso da ciência”, a prática da
homossexualidade torna-se ora “natural” (biológica) ora “cultural” e até mesmo desliza
136
Contudo, na Comissão de Seguridade e Família, foram excluídos pelo Relator Padre José Linhares
(PP/CE) os dispositivos que tratam da entidade homossexual, assegurando o direito à diversidade e a
constituição da entidade homoafetiva como entidade familiar.
117
entre tais fronteiras. Para Claudemiro Soares há que ser “cético” em relação aos preceitos
da Ciência e ao que é veiculado pela “imprensa relativista”. Isso por que algumas teses
procuram “validar para os seres humanos os comportamentos que são naturais aos
animais”, então, “nós teremos que validar o incesto e o canibalismo”. Trata-se de “buscar
na natureza algum padrão pra o nosso comportamento humano é nos igualar aos animais”.
Ora, “tem cadelas que come os próprios filhotes. Isso é natural. Querem trazer algo da
natureza e colocar no nosso comportamento humano”, mas “nós somos feitos a imagem e
semelhança de Deus”.
Os argumentos do escritor Claudemiro Soares, por certo, apontam para um ethos
cristão que valida uma “heterossexualidade compulsória” (Weiss de Jesus, 2010, p. 134)
calcada numa exegese bíblica que trata da divisão entre o “natural” (virtudes) e a “cultura”
(o pecado). Deste modo, Claudemiro Soares trouxe ao argumento o conceito de cultura
vinculando-o ao “comportamento reto” do homem e não ao relativismo que aceita “o
cruzamento entre seres do mesmo sexo, como também o aborto”. Exacerbando o
argumento, o escritor afirmou que
“quem acha que as táticas do movimento homossexual não são táticas nazistas ou
desconhece o nazismo ou desconhece o movimento homossexual. [...]. Então aqui eu
espero nessa tarde, compartilhar com vocês, em que se fundamenta isso, qual é o aspecto
fraudulento, equivocado e discriminatório que está nesse plano como sendo algo da
diversidade sexual. Muitas pessoas acreditam que a homossexualidade seja genética, que
ela sempre existiu e que ela existe até junto aos animais. Então baseado nisso de que se
observa comportamento homossexual entre os animais e supostas pesquisas dão conta de
uma origem genética da homossexualidade e que historicamente ela sempre existiu,
então, torna quase impossível nós a igreja do senhor, resistir a uma idéia dessa. Se a
gente resistir a algo desse jeito, fica parecendo que somos tapados, somos fechados ao
que a ciência diz, ao que a história diz, ao que a própria natureza mostra”.
Deste modo, Claudemiro Soares se contrapôs a reivindicação de garantia de
“diversidade sexual” preconizado pelo PNDH-3 trazendo, pois, sua própria conversão ao
Evangelho como exemplo de que um homossexual pode ser regenerado. Para Claudemiro
Soares “pela graça de Deus, onde abundou o pecado, superabundou a graça”, logo, é
possível que o ser errante se redima e obtenha a “cura” do vício. Especialmente através da
conversão religiosa137, uma vez que,
137
Para Clara Mafra (2000) o processo de conversão abarca tanto um “exercício individual de transformação
do self “ (p. 59) quanto “a experimentação sobre a mudança de sentido produzida pela Conversão” (p. 60).
Logo, “não é mais tanto o pastor ou o corpo de fiéis — a congregação — que ensina e guia de perto as
opções abertas para o novo converso, mas ele mesmo vai adequando sua nova postura até, como dizem, se
‘sentir bem’ ”. Sendo assim, “o campo de negociação de significados sobre o que deve ser recusado e o que
118
“o pentecostalismo trabalha para transformar a mente das pessoas pela reconstrução da
realidade. Isso provoca mudança nas formas de interação dos seguidores com o mundo
ao seu redor. [...] É a maneira, de todas as terapias que eu pesquisei, o método mais
eficaz pra vencer a homossexualidade, pra se tornar heterossexual é mediante o
conhecimento e a prática das escrituras sagradas”.
Os argumentos do escritor sobre a conduta errante dos homossexuais versam
sobre uma ética sexual normativa na qual o homem não pode transformar a natureza que
lhe criou. Do mesmo modo, estão em jogo as relações entre moral religiosa e cultura
sexual, pois, para ser retos, o homem não pode praticar a homossexualidade (um pecado
vicioso). Todavia, segundo o argumento de Claudemiro Soares, é a Igreja de Cristo que
pode salvar estes homens decaídos, através da “posse da palavra”, em virtuosos e sãos.
Ainda sobre o PL 122, João Campos afirmou naquele dia que o projeto só não foi
aprovado por causa da mobilização evangélica e católica no sentido de parar a tramitação
da matéria na Casa. Trata-se de uma vitória importante, segundo ele, especialmente por
que a matéria tem “o apoio do presidente Lula, do seu governo, da mídia, do movimento
feminista, do movimento homossexual”. Nesse sentido, o parlamentar enalteceu, mais uma
vez, a mobilização evangélica no colégio de líderes da Câmara dos Deputados que permitiu
retirar a proposta da Casa.
José Duque, em uma entrevista realizada posteriormente a este evento, explicou
detalhadamente por que a FPE se opunha ao PL 122138 alcunhado de “Lei da Mordaça”
pelos segmentos evangélicos. Segundo ele, “você pode falar contra Deus, contra o
Presidente, que ele não manda te prender” por causa da liberdade de expressão. Entretanto,
com a aprovação do PL 122 “se você disser contra, você vai preso”. Uma pena de 3 a 5
anos, reforçou. A preocupação maior, segundo José, é que os pastores não poderão pregar
o que está escrito na Bíblia, ferindo, assim, o princípio democrático da liberdade de
expressão religiosa.
José Duque entende que “Deus deu livre arbítrio para cada um”, logo, “eu não
posso obrigar que você ache que estou correto, então eu não posso ser obrigado a dizer que
deve ser aceito, o que tem valor de persuasão e o que deve ser combatido porque se revela ilusório, tende a
responder a um diálogo entre a trajetória pessoal e o imaginário cosmológico pentecostal. A contraparte é a
formação de coletivos mais plurais no interior dessas igrejas, tanto no que diz respeito a referentes culturais
anteriores, como a estilos de vida a serem conquistados a partir da conversão” (p.60).
138
O PL 122 tramita atualmente no Senado Federal tendo como relatora Marta Suplicy (PT/SP) militante do
movimento LGBTT. Entretanto, o Projeto já foi alterado pela relatora no sentido de garantir que dentro de
templos religiosos, pregações ou quaisquer outros itens ligados a fé, desde que não incitem a violência, o PL
122 não será aplicado.
119
eles estão certos”. De todo modo, o segmento evangélico “não deseja agressões contra
ninguém nem violência contra nenhum ser humano”, pois, os “evangélicos não tem
nenhum tipo de furor, raiva e intenção contrária ao homossexual”. Por isso mesmo,
ressaltou José Duque: “nós não somos homofóbicos por que não somos contra os
homossexuais, mas sim contra a prática que é considerada pecado, anti-bíblica, a pessoa é
amada por Deus”. Segundo José, a FPE se posiciona de forma contrária a temas como
legalização do aborto, união civil de pessoas homoafetivas por que
“Nos evangélicos qual a visão que temos? Lutamos para que estas coisas não sejam
aprovadas como Lei, por que a partir do momento que estas coisas são aprovadas como
Leis, nós somos obrigados a cumpri-las, cumprir a Lei do país, então, eu sou pastor de
uma Igreja e chega um casal de homens homossexuais e diz José eu quero me casar aqui
na Igreja, eu sou obrigado a abrir a Bíblia que é a palavra de Deus e dizer que a relação
sexual deles não é pecado. Vou ter que procurar, não sei onde vou ler para poder casar os
dois, por que eu não encontra aqui dentro [apontando para a bíblia sobre a mesa] nenhum
texto que diz que [esta prática] não é pecado”.
Por isso, o segmento evangélico considera o PL 122 uma “arapuca” por que
entende que o mesmo está sendo pleiteado pelo “movimento gay” tão somente para
“mandar prender que é contra”. Então, ressaltou José: “a partir do momento que a lei for
aprovada aquele casal que ‘se converteu’ e que quer continuar a ser homossexual tem o
direito de pedir o casamento religioso”. Do mesmo modo, “eles vão querer se casar de
qualquer custo mesmo que o pastor afirme que é pecado”. Apocalipticamente, José
advertiu: “e a fúria será tão grande contra os evangélicos que um monte de homossexuais
vão para a Igreja só para casar”.
Sobre a questão da legalização do aborto aconselhada no PNDH-3, segundo João
Campos, a proposição violaria a Carta constitucional uma vez que vai de encontro ao seu
artigo 5º que garante a inviolabilidade do direito à vida do ser humano. Mas não desde a
concepção139. A questão aqui é o direito à vida sendo considerado de forma absoluta em
detrimento aos demais direitos garantidos pela Constituição. Do mesmo modo, a proposta
de legalizar a prática de interrupção voluntária da gravidez seria uma afronta aos valores
139
Diretriz 9: combate às desigualdades estruturais; objetivo estratégico III: garantia dos direitos das
mulheres para o estabelecimento das condições necessárias para sua plena cidadania. g) Apoiar a aprovação
do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus
corpos (PNDH, 2009, p.112). Responsáveis: Ministério da Saúde; Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República; Ministério da Justiça Parceiros: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Recomendação: Recomenda-se ao Poder Legislativo a adequação do Código Penal para a descriminalização
do aborto (idem, p. 113).
120
cristãos que entendem que “o direito à vida é muito mais que um mero benefício social”,
tratar-se-ia de
“uma dádiva de Deus, sem a qual todos os demais direitos humanos, protegidos por
nossa Carta Magna se esvaziam e, desse modo, deve ser reconhecida e reverenciada por
todos e promovida e protegida pelo Estado, em consonância e obediência à nossa própria
Carta Constitucional. Assim, não aceitamos a indicação no PNDH-3 da
descriminalização do aborto no Brasil”. (Carta de Brasília: Manifesto da liderança
evangélica brasileira em face do PNDH-3, disponibilizado pela FPE durante o evento).
O parlamentar lembrou também aos “irmãos” sobre a emenda constitucional que
criou o divórcio, aprovado quase por unanimidade na Casa, mesmo com a oposição dos
parlamentares cristãos que defendem “o casamento na forma bíblica”. A emenda propõe
que em quaisquer crises entre o casal, mesmo sem uma tentativa de conciliação, já pode se
pedido o divórcio, ora, “daqui um pouco inclusive, on-line” ressaltou João Campos. Para
ele “este projeto que está no Senado enfraquece a instituição familiar”. Igualmente, João
Campos discursou ainda sobre o que chamou de “incoerência dos setores relativistas”: por
que de um lado se pede a “desconstituição do casamento e o enfraquecimento da
instituição familiar” enquanto, ao mesmo tempo
“há um conjunto de projetos que quer fortalecer a instituição do casamento em relação
aos homossexuais. Uma contradição. Hetero acaba com o casamento, homo faz o
casamento. Uma contradição. Mas tá aqui na casa um conjunto de projetos pra
consolidar as relações conjugais entre homossexuais, e um conjunto de projetos pra
acabar com as relações conjugais entre os heterossexuais. Um absurdo! São essas e tantas
outras questões que nós estamos enfrentando aqui, e que o nosso segmento precisa se
preocupar nessas eleições, para se fortalecer ainda mais sob pena de sermos vencidos,
atropelados” (Grifos Meus).
É neste sentido que, sendo todos os cidadãos iguais nas letras da Lei (dos homens
e de Deus), não há o porquê conceder direitos a “cidadãos especiais” (como os
homossexuais) nem por que relativizar o direito absoluto do concepto à vida. Mulheres e
homossexuais tem o direito como pessoa humana criada por Deus à dignidade, a não
violência, ao respeito, mas suas reivindicações no plano de direitos humanos são
invalidadas por que ferem direitos absolutos e inalienáveis. Nesse sentido, segundo
Machado (2010), o movimento pró-vida omite que o princípio de inviolabilidade absoluta
da vida não está presente na Constituição Brasileira, em função dos embates do lobby do
batom (como apontei no capítulo dois).
121
Logo, o artigo 5º da Constituição, assim como os demais direitos, pode ser
ponderado dependendo do caso. Deste modo, o direito da mulher de interromper uma
gravidez, por exemplo, em caso de estupro pode ser precedido do direito à vida do
concepto. Pois, nos termos da Lei, há que se dar precedência a um direito em detrimento
do outro, não atribuindo primazia absoluta a quaisquer direitos constitucionais. É neste
sentido que Machado (2010) afirma que “qualquer direito, qualquer defesa de um bem
jurídico, não pode ser entendida como absoluta, diante de interesses conflitantes, daí, o
princípio da ponderação” (p. 153).
Sendo assim, as demandas de grupos considerados minoritários pela FPE são,
pois, englobadas pela cultura religiosa cristã com suas acepções moralizantes, uma vez que
os direitos divergentes não são ponderados. Sob a rubrica da maioria moral, os grupos
religiosos do legislativo brasileiro produzem efeitos não apenas no plano da política, mas
sobre a demanda de corpos desejantes (mulheres e homossexuais) que procuram ter seus
direitos garantidos pelo Estado. Assim, estes grupos religiosos reificam acepções
moralizantes a partir de suas crenças, tornando-as retóricas políticas cujo objetivo é
transformá-las em leis para toda a sociedade brasileira.
É a partir desta idéia que o PNDH-3 é interpretado pelos arautos da moralidade
(a FPE aliada a segmentos católicos e espíritas representados no Parlamento) como uma
ação nociva do Inimigo que deseja “impor uma nova ditadura no Brasil” por meio de uma
“ideologia atéia” interessada em ferir os princípios morais da família tradicional. Isso por
que, estes parlamentares religiosos, sobretudo a FPE, entendem que sendo os
homossexuais a anti-família e as mulheres que desejam abortar, a anti-reprodução a
maioria moral deve se contrapor a tais pecados/crime.
Do mesmo modo, a FPE deseja que a liberdade religiosa não seja subsumida por
direitos demandados por minorias. Ao conceber o cristianismo (por meio da união entre
catolicismo, protestantismo, espiritismo e pentecostalismo) como a religião oficial da
maioria da população brasileira, estas bancadas religiosas se alçam como representante
desta maioria que expressa uma fé cultural e historicamente validada no país. Outrossim,
considerando as propostas de parlamentares cristãos, a pluralidade religiosa brasileira cai
por terra por que estes agentes não consideram segmentos religiosos não cristãos como
partícipes da cultura religiosa que advogam. Sendo assim, reafirmo que as contraposições
da FPE ao PNDH-3 baseiam-se num direito absoluto (a vida, do concepto, dos retos)
122
quando a garantia dos direitos humanos requer tanto considerá-los enquanto universais
quanto ponderá-los.
É neste sentido que este cenário marca-se por uma dificuldade de “universalizar
direitos em um contexto de desigualdades” (um dos eixos temáticos do PNDH-3) por conta
da reorganização de entidades, pessoas, Igrejas que se posicionam no espaço público e no
espaço do legislativo brasileiro contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres bem
como a garantia de direitos individuais de homossexuais (Machado, 2011). Sendo assim,
este grupo, calcado numa moral conservadora, reifica papéis de gênero, desigualdades de
poder entre homens e mulheres, deslegitimando, sobretudo, a autonomia da mulher diante
de seu corpo, sexualidade e reprodução.
Ora, os discursos e posicionamentos da FPE desconsideram a igualdade de
direitos entre homossexuais e heterossexuais, pois, entendem o mundo dividido entre o
sagrado e o profano: o casamento heterossexual versus o pecado da sodomia, a relação
heterossexual normatizada versus a relação homossexual patológica (idem, p. 5). Do
mesmo modo, como é a garantia de direitos individuais que permitem que “ímpios” sejam
sujeitos de direitos, a FPE vem construindo uma argumentação normativa que privilegia
uma maioria moral fundadora de um mundo de regras no qual a heterossexualidade é
normalizada e a maternidade é obrigatória. Segundo o deputado Pedro Ribeiro as pautas do
PNDH-3 não se preocupariam com o “futuro da sociedade”
“Nós estamos tendo mais longevidade. Então, nós já temos uma grande parte da nação
brasileira, graças a Deus, que já passa dos oitenta, [...]. Então, nós vamos envelhecer e
não nascem os filhos. Quem vai sustentar a nação brasileira, se não tem juventude?
Quem vai pagar a pensão? Quem vai pagar as aposentadorias? Então essa coisa toda de
formar família é uma coisa séria” (Grifos Meus).
Sendo assim, o direito reprodutivo e sexual das mulheres não pode suprir o
direito à vida do “embrião-pessoa” (Machado, 2010). Aqui, o direito inalienável a vida
contida no artigo 5º da Constituição brasileira torna-se um direito absoluto. O discurso
trazido pela FPE, baseado numa moralidade religiosa, ganha uma conotação jurídica. Do
mesmo modo, criminalizar a homofobia para a FPE é garantir direitos a “cidadãos
especiais” o que vai de encontro a Constituição Federal que estabelece que todos são iguais
perante à lei. Mais uma vez a retórica discursiva ganha uma feição jurídica e não religiosa.
A mesma estratégica discursiva utilizada pela FPE a fim de “barrar” a união civil
entre homoafetivos, pois, segundo os parlamentares religiosos, a Constituição valida o
123
casamento somente entre homens e mulheres e apenas descendentes fruto desta relação
formam uma “entidade familiar”. Logo, o parentesco para existir tem que ser heterossexual
via relação sexual realizada tão somente no casamento. Neste caso, a sexualidade está
condicionada exclusivamente às relações reprodutivas uma vez que o casamento torna-se a
instituição central, pois, “confere estatuto legal” (Butler, 2003, p. 223) a família a imagem
e semelhança de Cristo que será gerada pelo homem e pela mulher, a entidade família
suprema.
Assim, os representantes da moral estabelecem o que é vida, o que é morte, o que
é bom e reto, calcados, pois, numa moralidade impositiva (Machado, 2010) que não
considera nem direitos individuais nem a igualdade entre os gêneros. Tendo em vista este
cenário, as demandas de grupos sociais por direitos humanos parecem inconciliáveis com a
“maneira absoluta” pela qual os religiosos do legislativo agenciam sua crença sem, pois,
pensar na “possibilidade de colocá-la em termos relativos” (Segato, 1989, p. 2). Deste
modo, tal cultura da maioria forjada por preceitos e projetos religiosos não abarca nem
variedades, nem graus culturais (Sahlins, 1997). Este vínculo entre cultura e direitos
(Wilson, 1997) realizado pelos Cristãos da Casa possibilita, portanto, que a primeira seja
utilizada como retórica política e produza efeitos no plano da política da Casa legislativa,
como vimos na situação etnográfica analisada.
Deste modo, concordo com Cunha (2007) que os debates parlamentares no
âmbito do legislativo acerca de temas como a legalização do aborto consistem em
estratégias narrativas utilizadas no jogo político calcadas por “diferentes estilos de retórica
e mobilização, possibilitando inclusive enquadramentos interpretativos e sistemas
ideológicos contrastantes (p. 99). Do mesmo modo, neste cenário a invocação do religioso
se vincula a discursos e retóricas proferidas pela FPE no seu fazer política quando valores
morais são travestidos em valores democráticos, preceitos religiosos se sobrepõem aos
direitos humanos. Efeitos produzidos pela participação de evangélicos na política como o
Povo ungido que tem a missão de restaurar a ordem moral da sociedade brasileira e
construir a Nação que desejam.
Assim, em termos políticos o que esta moralidade única ecoada pela FPE diz é
que temas como aborto e união civil de pessoas do mesmo sexo (proposições contidas,
como disse, no PNDH-3) traz “danação à Terra”. Como ressaltou José Duque aprovando
leis ímpias, o Estado estaria
124
“legalizando o pecado. Como cristão conhecedor da Bíblia os evangélicos não vão
aceitar que o Estado a qual ele pertence legalize o pecado porque isso traz a maldição
para a Terra, para a sociedade brasileira. [...]. Os EUA legalizou muita coisa equivocada,
inclusive, pena de morte. E esta ai, legalizou muita coisa ruim e está onde está. Explodiu
esta crise econômica. É o Estado que é quase sempre, vive na visão dos terroristas.
Estado de adolescentes que entram na escola atirando e matando todo mundo e não se
sabe por que. Estado problemático do ponto de vista da Nação. Os EUA sofrem muita
coisa que acontece com sua população em função de muita liberdade nesta área de
legalizar o que não presta” (entrevista gravada, concedida em 14 de abril de 2010, Grifos
Meus).
Ora, “legalizar o que não presta”, como ressaltado por José, além de se contrapor
aos preceitos da maioria moral é desvincular o crime do pecado, logo, é desautorizar a
participação dos arautos da moral e dos bons costumes da cena política. Isso por que, a
FPE participa das atividades da política por que entendem que ao “Povo ungido” cabe a
iniciativa de promover ações “contra os males do mundo”. Por isso mesmo, este cenário
marca-se por duelos em diversos ambiente da sociedade brasileira, seja face-a-face, online,
na Tribuna do Plenário da Casa, nas sessões ordinárias das Comissões.
De todo modo, grupos religiosos utilizam o tempo e o espaço do legislativo a fim
de ter seus projetos políticos abarcados pelo Estado140. De fato, no caso evangélico, a arena
da política torna-se o espaço de poder onde “os escolhidos de Deus” podem falar em nome
de uma maioria moral e legislar em prol dos justos e dos retos. A meu ver, os políticos e as
lideranças evangélicas ainda pensam que um Brasil de maioria evangélica seria diferente.
Por isso mesmo, eles atuam no legislativo a partir da retórica religiosa da Guerra Santa
(Deus e Diabo, bem e mal, incorruptíveis e ímpios) que torna não apenas a religião mais
moral e mais ética (Mariz, 1997), mas sacraliza o plano da política. Igualmente, este
discurso moraliza pessoas, costumes, comportamentos, hábitos. Pretende converter uma
Nação. E quais os efeitos destas retóricas no jogo político?
Afirmou João Campos que o segmento evangélico estaria reivindicando tão
somente alterações em pontos do PNDH-3 como outros segmentos da sociedade civil como
a OAB, a imprensa, a Igreja Católica fizeram. Todavia, tais reivindicações resultaram no
recuo do Governo Federal em relação a “questão da imprensa, em relação à questão do
direito de propriedade, à exposição dos símbolos religiosos, ao aborto”. Vitórias possíveis,
140
José afirmou que a FPE não tem inimigos, pois, “o que há são divergências e resistências”. Tais
desacordos entre “bandeiras de luta” expressam tão somente um posicionamento contrário da FPE a certas
propostas e não contra pessoas. Pois, os integrantes do “movimento gay” e do movimento feminista também
são a “imagem e a semelhança de Jesus”.
125
segundo João Campos, por conta da mobilização de instituições que não apenas se
posicionaram de forma contrária a certas pautas preconizadas pelo PNDH-3, mas que
participaram do jogo político não apenas ecoando os preceitos que advogam, mas também
realizando atividades próprias da política: acordos, trocas, parcerias, mobilizações e
estratégias. Como veremos no próximo evento etnografado neste capítulo.
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No dia do Seminário “A Família, a Igreja e o Programa Nacional de Direitos
Humanos/PNDH” pastor Pedro Ribeiro avisou que seria realizada uma audiência pública
na Comissão de Direitos Humanos e Minoria/CDHM com o Ministro Paulo Vanucchi
sobre o PNDH-3141 em 28 de abril. Contudo, em 08 de abril estava na sala da Frente
Parlamentar Evangélica conversando com Pr. Isaías sobre os objetivos da minha pesquisa.
Ele me explicou que os pastores da FPE não iriam criar resistências em me conceder
entrevistas gravadas. Na verdade, só tinha uma aproximação maior com Pr. Isaías, mas
estavam também na sala Pr. Herculano (que conheci no dia do Seminário sobre o PNDH-3)
e José (que é o mestre de louvor dos cultos).
Por certo, a profetização e as tentativas de conversão fizeram parte não apenas
desta cena social. Mas de outras tantas. Naquele dia, Pr. Isaías afirmou que estar em
contato com os evangélicos poderia me fazer encontrar Deus, especialmente por que “seus
olhinhos brilham, de sede, de vontade de conhecer Deus”. Ele não estava de todo errado, já
que conhecer como eles concebem a atuação de Deus na vida do crente é importante para
se entender o modus operandi de políticos religiosos no legislativo. Na verdade, comecei a
perceber os desafios e responsabilidades da minha pesquisa especialmente quando Pr.
Isaías não teve dúvidas em dizer que minha escrita poderia ajudar nas causas dos crentes
141
Kauara Rodrigues, assessora da entidade feminista CFEMEA, em uma entrevista concedida, informou
que a organização participou da discussão do PNDH-3 através da conferencia de Direitos Humanos. Na
ocasião, a Articulação de Mulheres Brasileiras/AMB fez parte do Fórum Nacional de Entidades de Direitos
Humanos que, por sua vez, fez parte do comitê organizador da Conferencia e Direitos Humanos. A AMN faz
parte do setor de monitoramento do PNDH-3 estando, pois, presente em toda discussão. Do mesmo modo, o
CFEMEA tem uma campanha pela integralidade do PNDH-3 assim como outras entidades.
126
no Congresso Nacional. Ou que eu poderia ganhar dinheiro vendendo minha pesquisa para
os lobistas da Casa.
Assim, naquele dia José me perguntou “o que fazia” lá: sou historiadora,
respondi, mas faço mestrado em antropologia na UnB. Ele respondeu: “Adoro isso”. O
que?, retruquei. “Ah, principalmente história”. E continuando a conversa José explicou a
“barreira da FUNAI” quanto às missões evangélicas realizadas em tribos indígenas que
praticam o infanticídio. Expliquei a ele que o tema abarca idéias polarizadas (tradição
cultural nativa X direitos de uma Constituição branca) e que a prática do infanticídio não
acontece em todas as etnias indígenas. Do mesmo modo, ressaltei que a antropologia não
estuda apenas “sociedades tradicionais”, pois, trata-se de uma forma de conhecimento que
lida com quaisquer formas de organização social, em quaisquer tempos e espaços sociais.
Como ainda não havia conversado face to face com José, naquele dia, ele me
contou que se lembrava de mim dos cultos e que havia me visto “umas duas ou três vezes”.
Categoricamente disse: “pensei que você fosse evangélica”. Relembrei a eles minha
posição de pesquisadora. O que não fazia muito “efeito”. Deste modo, José insistiu: “você
tava lá, sabe fazendo o que? Louvando a Deus”. Assim, Pastor Herculano corroborou
“você tem um objetivo, mas talvez você encontre outros ou até mesmo Ele [apontando pra
cima, Deus]”. Sorri constrangida.
Os secretários voltaram às suas atividades. A sala da FPE é utilizada por eles
tanto para realizar tarefas da Frente quanto para cumprir outros trabalhos que realizam na
Casa. Como a FPE não é oficialmente legalizada na Casa, os secretários não são
funcionários exclusivos da FPE, logo, trabalham também em gabinetes de deputados ou em
entidades da Casa, em regime de contrato. Pastor Isaías, contudo, “ajuda” nas “atividades
da Frente” por que João Campos permite que ele utilize a sala da FPE para “trabalhar e
ganhar dinheiro”, pois, nenhum deles recebe remuneração por conta das tarefas que
realizam para a FPE.
De todo modo, Isaias, José e Herculano estão cotidianamente na sala da FPE
diferentemente dos deputados da FPE que não freqüentam a sala (em todos os dias que lá
estive nenhum deles apareceu por lá). Os secretários da FPE se cumprimentam entre si
bem como a todos que lá chegam com saudações carinhosas: “irmão”, “abençoado”,
“amado”. Conversam de forma jocosa e descontraída sobre assuntos do cotidiano da igreja
e da Casa. Naquele dia, estava sentada, como de costume, no jogo de três cadeiras de
127
escritório que fica entre a mesa de Pr. Isaias e a porta de entrada da sala da FPE. A sala é
bem pequena (como são também os gabinetes dos deputados) contendo três pequenas
mesas de escritório. A mesa que fica lateralmente de frente a porta da sala é ocupada por
Pr. Isaías. Em frente a sua mesa estão as mesas de Pr. Herculano e de José. Cada uma
destas mesas possui um computador. Acoplada a esta sala há outra pequena sala que
contém uma mesa redonda de escritório. Esta sala é utilizada pelos secretários da FPE para
realizar conversas pessoais com os irmãos que estão no Congresso Nacional bem como
pequenas reuniões entre eles. A sala possui também dois armários de escritório utilizados
para arquivar documentos da FPE, os quais eu não tive acesso.
Naquele dia, Pastor Isaías se dirigiu a mim, continuando nossa conversa sobre a
minha pesquisa, dizendo: “vou falar para o João Campos, ele também é pastor, que tem
uma pesquisadora muito agradável, bonita, muito profunda, ninguém vai se recusar”.
Acenei positivamente com um sorriso amarelo afirmando que realmente gostaria de
conversar com o presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Pastor Isaías continuou a
conversar comigo sobre eu não ter quaisquer receios de freqüentar a sala da FPE bem
como conversar com eles. Todavia, fez-me um alerta: “tenha cuidado com os homens
daqui, ao andar por aqui [pela Casa]”. Surpreendi-me com o comentário e, por certo, fiz
alguma expressão facial de espanto. Pr. Herculano então complementa: “tenha cuidado
com as mulheres também, por que hoje em dia, não se sabe”. Sorri mais uma vez e
perguntei o motivo da cautela. Pr. Isaías desconversou não sem antes dizer que naquelas
salas dos deputados ocorrem “muitas coisas” e retornou a conversa sobre meu encontro
com Deus: “quem sabe você não volta pro Rio como pastora?” ou “como minha nora”?
Tenho três filhos, lembrou-me. Em nossas conversas, Pr. Isaías sempre me lembrava de
seus filhos até por que sabia que eu era “uma mulher madura” e solteira. Contudo, Pr.
Isaías solicitava-me: “não coloque estas besteiras que falo em seu trabalho”. Desculpo-me
pela desobediência, mas afeições são importantes para minha atividade enquanto
antropóloga no mundo.
Ora, antes mesmo que eu pudesse mais uma vez tentar retrucar as tentativas de
conversão, Pr. Isaías leu o e-mail de Marília, assessora jurídica da FPE, no qual havia
anexado um vídeo de uma audiência pública sobre o PNDH-3 que estava acontecendo
naquele instante no Senado Federal. Quando Pr. Isaías divulgou a notícia Pr. Herculano e
José se alvoroçam. José logo disse: vou até lá. Eu prontamente respondi: vou com você.
128
Despedi-me apressadamente dos pastores Herculano e Isaías. Saímos correndo da sala, eu e
José. Pegamos o elevador e chegando ao térreo, acessamos um túnel subterrâneo que liga o
Anexo IV da Câmara (onde ficam os gabinetes dos deputados) ao Senado Federal.
Chegando à porta do Senado, precisei me identificar, inclusive com a apresentação da
identidade, mesmo que já estivesse com o adesivo da Câmara colado na camisa. José ficou
me aguardando por que o crachá de funcionário da Câmara o possibilita ter acesso ao
Senado, exceto ao Plenário. Uma vez autorizada a adentrar o espaço, segui José pelos
corredores, devidamente perdida (mais uma vez), por que não conhecia o outro lado da
Casa. José conhecia, por certo, onde ficavam as salas das comissões do Senado, contudo,
como saímos da sala da FPE sem saber em qual Comissão estava sendo realizada a
audiência pública, percorremos os corredores perguntando as pessoas que transitavam onde
estava sendo realizada tal audiência.
Por fim encontramos o Plenário da Comissão Permanente de Direitos Humanos e
Legislação Participativa que de forma conjunta com demais comissões havia convocado a
audiência pública a fim de debater os pontos polêmicos do PNDH-3. Quando eu e José
entrarmos no ambiente da Comissão nos deparamos com uma pequena sala, com muitos
partícipes, alguns sentados no chão, outros encostados na parede. Imprensa, movimentos
sociais, deputados, funcionários de ambas as Casa. Contudo, diferente da Câmara não
havia conversas paralelas. A cena era mais formal. Eu e José nos postamos próximos da
porta que dá acesso a ante-sala, pois, não havia mais espaço dentro da sala da Comissão.
Em menos de uma hora, José foi embora, logo após as discussões sobre aborto e união civil
de homoafetivos. De todo modo, tais temas não causaram debates tão calorosos, a despeito
da presença do senador Marcelo Crivella (PR/RJ), evangélico. Os temas da Comissão de
Verdade e Justiça (abertura dos arquivos da ditadura militar e exposição da “verdade” dos
fatos) tomaram proeminência nas discussões parlamentares. Contudo, permaneci na
audiência até o final, já à noite, por isso, não voltei naquele dia à sala da FPE.
O trabalho de campo continuou com minhas idas aos cultos, as sessões da CSSF e
a sala da FPE. Na página da Casa tomei conhecimento que seria realizada uma audiência
pública sobre o PNDH-3 no dia 20 de abril, véspera das comemorações pelo
cinquentenário de Brasília, e não no dia 28 de abril, conforme a FPE havia comunicado. A
audiência foi requerida pela deputada Iriny Lopes (PT/ES), presidente da Comissão de
129
Direitos Humanos e Minoria/CDHM, em conjunto com o deputado Emanuel Fernandes
(PSDB/SP), presidente da comissão Relações Exteriores e de Defesa Nacional/ CREDN.
Assim, no dia 20 de abril – uma terça-feira – dirigi-me à Câmara dos Deputados.
Cheguei às 13h40min no Plenário 1 (que é ocupado pela Comissão de Constituição Justiça
e Cidadania/CCJC) que ainda estava esvaziado. Ocupavam a cena apenas jornalistas da TV
Câmara e de outras emissoras, posicionados com suas câmeras. E algumas pessoas que cria
serem funcionários dos Ministérios. Sentei-me na penúltima fileira, ao lado de um
jornalista da TV Globo. As primeiras fileiras da sala estavam reservadas aos parlamentares,
como é de costume na Casa. Havia uma cópia do PNDH-3 para todos aqueles que
garantissem um lugar sentado. Os funcionários da CCJC ajustavam os últimos retoques.
Neste ínterim, o ministro Paulo Vannuchi chegou cumprimentando as pessoas presentes no
recinto. Algumas pelos nomes. Diferente da audiência pública no Senado que fora
realizada em uma sala pequena, onde as pessoas se aglomeravam, o Plenário 1 é o maior
dos plenários da Câmara dos Deputados e abarca cerca de cem pessoas sentadas. Há uma
pintura em tela que trata da sentença de Tiradentes142 no centro da parede que fica por
detrás da mesa onde se postam palestrantes e deputados presidentes da Comissão.
Com o passar dos minutos, o plenário 1 estava repleto de jornalistas da imprensa
nacional, representantes de movimentos sociais, clérigos da igreja católica, militantes próvida, advogados, assessores, funcionários da Casa e dos Ministérios. Creio que todos estes
agentes transitam cotidianamente o espaço do legislativo. Logo, uma antropóloga era o
único agente estranho naquele ambiente. Deputados evangélicos estavam ausentes até o
inicio do evento às 14h15mim. Marília foi à primeira evangélica a chegar, às 14h25mim.
Outros deputados estavam presentes desde antes do início da audiência. Na verdade,
poderia classificar os deputados participantes daquela cena social entre a base aliada do
governo Lula e os oposicionistas e/ou cristãos.
Logo a audiência pública foi iniciada. O Ministro Vannuchi toma o microfone e
informa que o motivo daquele evento era do Executivo “prestar contas” ao Legislativo que
“não por acaso, na arquitetura de Brasília — cidade que comemora 50 anos amanhã —,
ocupa o centro da Praça, para expressar sua soberania143” (Notas taquigráficas, p.2). Outra
142
Não sei se a referida tela tratar-se-ia do Óleo sobre tela de Leopoldino de Faria (1836-1911) retratando a
Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos Inconfidentes. Final do século XIX e início do
XX, 452 x 600 mm, retratando a "Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos Inconfidentes".
143
As falas referenciadas deste evento etnografado nesta seção foram adquiridas através das Notas
taquigráficas da Audiência pública conjunta Direitos Humanos e Minorias / Relações Exteriores. Debate
130
ressalva do Ministro abarcou o processo de construção do PNDH-3 logo, aquela audiência
pública pretendia estabelecer um “diálogo sem distorções” sobre as pautas do Programa. O
Ministro inicia sua fala com uma digressão do sobre os direitos humanos na história da
humanidade (Revolução Francesa, Declaração Universal de 1948) e o PNDH como mais
um “passo” na caminhada do país rumo à consolidação de direitos humanos.
Segundo o Ministro o PNDH-3 passou sob o crivo de 11 conferências,
da
aprovação de Governadores Estaduais de diferentes partidos políticos e depois, por um
grupo de trabalho tripartite que novamente debateu as pautas do Programa. Nesse sentido,
o PNDH-3 seria ainda uma “como a coleta capilarizada, envolvendo milhares de
participantes do segmento de direitos humanos, geralmente quem não costuma ter voz”
(Notas taquigráficas, p. 7). Trata-se, pois das reivindicações deste segmento aliado às
sugestões das 50 conferências nacionais ocorridas durante os 8 anos do governo Lula. Por
isso, o PNDH-3 é apresentado como instrumento de fortalecimento da democracia
brasileira, dos Poderes republicanos e do Poder Legislativo. Por isso, o Ministro ressaltou
que o conteúdo do Programa Nacional de Direitos Humanos não tem força de lei, pois,
considera o “pacto republicano, ele se curva perante os demais Poderes, recomendando,
manifestando apoio a propostas colhidas democraticamente e, obviamente, entende que
caberá o exercício da soberania autônoma dos demais entes federados, Estados e
Municípios” (Notas taquigráficas, p. 7).
O Ministro então explica que o Brasil é signatário desde 1969 da Declaração
Universal e do Pacto de São José da Costa desde 1998, “o que torna o Brasil monitorado”.
Em 1993, a ONU realizou a sua maior conferência mundial sobre direitos humanos, na
qual o Brasil participou. Essa conferência tinha como prerrogativa que os países
construíssem seus Planos de Direitos Humanos. E assim, o governo FHC fez dois
programas de Direitos Humanos e o Governo Lula apresentou a 3ª versão do Programa
Nacional de Direitos Humanos. Segundo o Ministro, a versão terceira do PNDH se destaca
pela grande participação das diferentes regiões em encontros e conferências e pela
“interministerialidade” cujo trabalho resultou em 31 Ministérios assinando a idéia de
direitos humanos como política de Estado.
sobre o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Cf. BRASILIA: Câmara dos Deputados. Notas
taquigráficas da Audiência pública conjunta Direitos Humanos e Minorias / Relações Exteriores. Debate
sobre o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, 20 de abril de 2010.
131
Como disse, estava sentada na penúltima fileira de cadeiras. Por volta das 15hs,
vejo Pr. Isaías adentrar o recinto. Mesmo se o antropólogo desejar se esconder, seus
sujeitos da pesquisa o acham. Creio que eles também adquirem um skill tal como o
antropólogo de importunar as pessoas. Assim, logo após adentrar a sala Pr. Isaías me
avistou, em meio a tantas pessoas, sentou ao meu lado, conversou, criticou as falas, me
repreendeu. Naquele dia estava me sentindo livre para expressar minhas angústias
referentes ao emperramento da abertura dos arquivos da ditadura militar e o
estabelecimento da Comissão de memória e verdade, uma das pautas propostas pelo
PNDH. Você leitor pode dizer: mas ela não foi até lá importunar as pessoas com sua
pesquisa? Sim, fui. Mas maus humores também marcam a vida do antropólogo. Não sei se
todos nós antropólogos assumem em suas etnografias, mas tem dias que as últimas pessoas
que você quer encontrar são aqueles que você escolheu grafar. Aquele um dia como este.
De todo modo, fazer trabalho de campo no legislativo me possibilitou participar
de instâncias da história e da memória política do país. E esta sensação de ver o destino do
país e dos seus habitantes sendo negociados, por vezes, mexe com a gente. O tema da
ditadura militar “abala minhas estruturas” desde a graduação. Se a Antropologia não
tivesse me conquistado, por certo, meu tema de pesquisa na monografia final de curso seria
sobre o período da ditadura militar no Brasil. Tratava-se, deste modo, de um assunto que
não conseguia negociar; relativizar, então, torna-se tarefa árdua. Deste modo, naquela cena
estavam Tatiane (historiadora interessada e cidadã) e a antropóloga (que se resignava por
não conseguir relativizar o “estranho”). Isso por que, aquelas falas me interessavam não
apenas para descrever numa etnografia, ensejavam em mim sentimentos caros e afeições
que possuo com valores democráticos, justiça social, diversidade cultural, garantia de
direitos humanos, eliminação de quaisquer formas de preconceito.
De modo geral, os deputados favoráveis aos direitos humanos concentraram seus
discursos na consideração do PNDH-3 como instrumento que possibilita dar “voz e vez”
aos movimentos sociais, ou seja, a consolidação da democracia conquistada no país após a
ditadura militar e a garantia da laicidade do Estado. Nesse sentido, o deputado Luiz Couto
(PT/PB) afirmou que o eixo principal do Programa é “universalizar direitos num contexto
de desigualdades”, pois, leva em consideração “que vivemos numa sociedade de desiguais
e que temos de trabalhar para efetivamente fazer com que os direitos humanos estejam
presentes no dia a dia da luta de todos nós” (Notas taquigráficas, p. 48).
132
No mesmo sentido, o deputado Fernando Ferro (PT/PE) ponderou a polarização
dos posicionamentos em relação ao PNDH-3 ao afirmar que o debate deve se pautar pela
tolerância, pela tranquilidade e pela responsabilidade. Ora, se o Brasil “quer entrar na
comunidade internacional como uma grande nação tem de cumprir a sua agenda de
direitos, a sua agenda constitucional e de cidadania” (Notas taquigráficas, p. 49). Assim,
Fernando Ferro afirmou que a discussão de um Programa extenso de direitos humanos não
acontecerá sem polêmica ou divergência que são conceitos próprios do regime
democrático. Deste modo, o deputado criticou a “cruzada de censura contra o Plano
Nacional de Direitos Humanos” (idem) realizada especialmente pelos meios de
comunicação que por meio do discurso de liberdade de imprensa escondem “interesses de
empresas” e distorcem o PNDH-3 sem se preocupar com o conjunto de propostas contido
no Programa.
Ivan Valente lembrou que o PNDH-3 é uma recomendação, logo, passará pelo
Congresso Nacional que tem a prerrogativa de discutir “com a sua correlação de forças, vai
fazer o que tiver que fazer e os partidos políticos que se exponham, que recuem sobre
temas tão importantes no avanço dos direitos humanos” (Notas taquigráficas, p. 19). Logo,
segundo o parlamentar, “o Governo não deveria retroceder em nenhum assunto polêmico.
E deveria mandar o processo para cá. Aqui, a sociedade discute, o Congresso discute”
(idem). Tal atitude tratar-se-ia, segundo o deputado Ivan Valente, desconsiderar a
participação das entidades e dos militantes dos direitos humanos que estão sendo
prejudicados por conta destes recuos do Governo. Ou seja, o recuo do Executivo significa
continuar a privilegiar “os poderosos, as elites, os interesses retrógrados” e a ideologia
atrasada que ainda jaz em nosso país” (idem).
O ministro Vanucchi procurou conduzir o debate sobre os direitos humanos na
democracia considerando o “exercício de reconhecimento do outro, da alteridade” (p. 31),
ou seja, abarcar visões de mundo diferentes, extremadas e controversas a fim de garantir a
concretização das pautas contidas no PNDH-3. Nesse sentido, relembra o Ministro, o
PNDH-3 apenas busca “sensibilizar para a importância do Legislativo, [...], e transformar
demandas em projetos de lei, enfrentar o debate. Enquanto a maioria legislativa decidir que
a legislação sobre aborto será a que temos, seguirá sendo assim!” (Notas taquigráficas, p.
35). Contudo, o deputado evangélico Eduardo Cunha (PMDB/RJ), não teve dúvidas em
afirmar que aquela Casa continuará contra a pauta de Direitos Humanos que vão de
133
encontro a valores morais preconizados pela sociedade brasileira. Por isso mesmo,
reforçou o parlamentar: “nesta Casa, a grande maioria dos Parlamentares, toda vez que tem
oportunidade de se manifestar sobre esses temas, derrota-os de forma fragorosa, e deverá
continuar derrotando” (Notas taquigráficas, p. 45).
O ministro Vanucchi explicou detalhadamente cada um dos seis eixos temáticos
do PNDH144. Do mesmo modo, ressaltou os pontos polêmicos e controversos do PNDH-3
veiculados pela mídia. Destaco dois deles: a proposta de recomendação da legalização do
aborto e da união civil entre pessoa do mesmo sexo.
O primeiro ponto polêmico, como disse, trata da união civil entre pessoas do
mesmo sexo. Segundo o Ministro Vanucchi afirmou que as pautas no PNDH-3 surgem da
resolução da 1ª Conferência Nacional LGBTT a partir da qual 27 Governadores replicaram
em seus Estados, em conferências estaduais. Assim, ressaltou que o tema envolve “milhões
de brasileiros, muitos dos quais não têm ainda sequer direito de se apresentar às suas
famílias, à sua vizinhança, aos seus locais de trabalho, às suas escolas” (Notas
taquigráficas, p. 13).
Para o deputado católico Paes de Lira (PTC/SP) trata-se de um programa de traz a
“expressão pernóstica” – desconstrução da heteronormatividade – que “impõe uma
ideologia de gênero” (Notas taquigráficas, p.42). Tal ideologia estabelece aos
“pais brasileiros a perda do direito de educar o seu menino como menino, a sua menina
como menina, sem que isso queira dizer desigualdade alguma, porque é perfeitamente
possível criar meninas como meninas e meninos como meninos em regime de igualdade
de oportunidade social, para o desenvolvimento conjunto dos dois sexos e não gêneros
— essa expressão cunhada artificialmente —, para o seu desenvolvimento pleno como
seres humanos” (Notas taquigráficas, p. 42).
Nesse sentido, Paes de Lira afirmou que o Poder Judiciário vem se tornando “um
soviete” que atua contra o Estado democrático de Direito. Deste modo, o PLC 122 vem
impor “a mordaça às pessoas que se atrevam a expor uma opinião diferente, e até mesmo
aos Ministros religiosos que se atrevam a fazer o ensino da Bíblia, o ensino da Palavra de
Deus a esse respeito, não é adequado democraticamente”. Neste ponto, o Ministro
Vanucchi considerou ser necessário ponderar “duas sensiblidades”, inclusive por que a
FPE conversou com o Ministro assinalando que uma lei criminalizando a homofobia
144
Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia
participativa; Desenvolvimento e Direitos Humanos; Universalizar Direitos em um Contexto de
Desigualdades; Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência; Educação e Cultura em Direitos
humanos e Direito à Memória e à Verdade.
134
poderia envolver violação da liberdade religiosa de culto. Isso por que, segundo os
deputados religiosos, os pastores não poderiam mais fazer uso de frases bíblicas que
condenam a homossexualidade.
Segundo o Ministro, “esta é a Casa legislativa, esta é a Casa do povo, o
Parlamento; este é o espaço da República para definir se há possibilidade ou não de
composição, para que não houvesse nenhum choque entre diferentes direitos que são
direitos humanos” (Notas taquigráficas, p. 59). Todavia, ressaltou: os homossexuais são
um “segmento” da população brasileira que fazem parte da “vida científica, cultural,
intelectual e produtiva do País” (idem).
Sobre a legalização do aborto, o Ministro Vannuchi ponderou que o Parlamento
deve discutir a questão ainda por alguns anos, principalmente por conta dos dissensos entre
parlamentares com convicções diferenciadas. Entretanto, os dissensos, segundo ele, não
impedem de haver mudanças de opinião, pois, “reformulações aconteceram em todos os
países europeus. Deste modo, países como Canadá e Estados Unidos enfrentaram o mesmo
debate, com plebiscito ou sem plebiscito, mas também com atritos envolvendo convicções
religiosas e laicas, avaliou o Ministro.
De todo modo, segundo o Ministro a questão do aborto é um grave problema de
saúde pública no Brasil e no mundo. Deste modo, Vanucchi ressaltou que há
recomendações da ONU, das Conferências do Cairo e de Pequim no sentido de que os
países alterem, sempre que possível, as legislações punitivas sobre o aborto. O ministro
ressaltou ainda que 56 países permitem a interrupção da gravidez inclusive países católicos
como a Espanha. Num aparte ao Ministro Vanucchi, o deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP)
considerou que o tema recai sobre uma “questão muito sensível” que não enseja consensos,
nem nos partidos, nem nas famílias. Por isso, a despeito de “toda a orientação de todas as
Igrejas, o fato é que a grande maioria do povo brasileiro, a quase totalidade é religiosa,
entretanto o aborto acontece” (notas taquigráficas, p.40).
Na contramão dos discursos que consideravam a integralidade da pauta de
direitos humanos, os parlamentares religiosos utilizaram o direito inalienável à vida
contido no artigo quinto da Constituição brasileira. Entretanto, o utilizaram considerando o
termo “desde a concepção” (que não está na Carta), logo, como um direito absoluto. O
deputado Paes de Lira (PTC/SP), católico, afirmou o PNDH-3 como um plano no qual o
Estado brasileiro impõe de forma “ampla, geral e irrestrita de aborto, e, portanto, é um
135
documento que atenta contra o mais sagrado dos direitos humanos, que é o direito à vida”
(Notas taquigráficas, p.41).
Segundo Paes de Lira, descriminalizar o aborto é um atentado a uma vida que
“não pode se defender, [...], daquela pessoinha no ventre materno de sua mãe, porque não
é embrião, não; não é feto, é um ser humano, cujo início de vida começa no momento da
concepção” (idem). Assim, fez questão de dizer que seus argumentos não eram religiosos,
mas científicos, que demonstram que a vida humana começa na concepção. Mas, em se
tratando do PNDH-3 não importa o momento da concepção, mas o plano de “chacinar
crianças no ventre materno até no 5º mês de gravidez” (idem).
Eduardo Cunha (PMDB/RJ), evangélico, vice-líder do PMDB na Casa, afirmou
que a oposição ao PNDH-3 tem como objetivo apontar que o Programa contém “pontos
que hoje não são autorizados por lei, pontos esses que, mesmo como sugestões de
propostas de lei, já foram, nesta Legislatura, votados e rejeitados por esta Casa” (notas
taquigráficas, p. 44). Como por exemplo, a descriminalização do aborto, matéria que foi
rejeitada pela Casa por conta da “inconstitucionalidade” uma vez que “atentava contra o
direito à vida, estabelecido na Constituição” (idem, p.44). Por isso mesmo, o deputado
Eduardo Cunha ressaltou que os cristãos da Casa prosseguirão na “luta pela preservação da
vida como um todo” (idem), por isso mesmo a FPE continuará a se opor aos “projetos que
possam porventura tramitar, sob a égide do programa de direitos humanos, no que toca à
vida, à legalização e descriminalização de aborto, união civil de mesmo sexo e legalização
de prostituição” (idem).
Uma fala do Ministro Vanucchi em relação ao tema da legalização do aborto
aponta para os efeitos da “pressão conservadora” nos debates sobre o PNDH-3 no
Parlamento. Assim, o ministro avalizou que
“De qualquer maneira, quando surgiram as primeiras críticas ao aborto, imediatamente
me dei conta de um erro cometido — e o erro é meu, não é de mais ninguém —, porque,
de fato, a formulação que entra era diferente da aprovada nas 2 conferências nacionais da
mulher, não corresponde à posição do Presidente Lula. O decreto é do Presidente Lula,
não é meu. Minha posição é uma, mas a posição do Governo não é essa. Só aguardamos
as duas audiências no Senado e na Câmara para eventualmente aproveitar essas
audiências como fonte de orientações e sugestões para completar esse processo de
ajuste.” (Notas taquigráficas, p. 14-15).
Ou seja, o Ministro explicitou claramente o recuo do Governo em relação à
recomendação da legalização do aborto. Alguns parlamentares criticaram tal recuo do
136
Governo em questões importantes para a efetivação do PNDH-3 em sua totalidade. Ivan
Valente (PSOL/SP) ressaltou que tal recuo do Governo seria um “retrocesso a um avanço
civilizatório que é o Plano Nacional de Direitos Humanos 3” (p. 18), por que cedera às
pressões da mídia e as chantagens dos militares. Assim, o deputado afirmou que ao recuar
na questão do aborto, o Governo desconsiderou as lutas de gênero e o direito da mulher ao
corpo. Ora, retificar esta pauta no PNDH-3 é “uma derrota” para o movimento de
mulheres.
De algum modo, os parlamentares ligados as Forças Armadas – como o caso
exemplar de Jair Bolsonaro (PP/RJ) – mostraram-se receosos ao alinhamento do país a
uma democracia que primava por um Programa de Direitos Humanos calcado numa
ideologia comunista e atéia. Assim, se alinharam a idéia da FPE e dos demais cristãos da
Casa de que os direitos humanos contidos no PNDH-3 tratar-se-ia de um levante de
subversivos que intencionam punir aqueles que primam pela ordem social. Deste modo,
estes parlamentares consideraram o PNDH como uma lei presidencial que estabelece
regras e não como um programa de Direitos Humanos que sugere proposições aos demais
poderes e até mesmo ao Executivo. Assim, os discursos da FPE naquela cerimônia
repetiram os argumentos utilizados por eles no seminário sobre o PNDH-3 também
etnografado no capítulo três desta dissertação.
A discussão sobre as proposições contidas no PNDH-3 naquela cena marcou-se
de um lado, por parlamentares desejosos que o Brasil garantisse direitos humanos a todos e
todas, sem restrições. Do outro, por parlamentares ligados as Forças Armadas e as Igrejas
Cristãs que viam o PNDH-3 como uma “falácia” de direitos humanos, pois garantia ou
direitos a pessoas consideradas por eles não titulares de direitos ou retirava o direito mais
inviolável que é o do nascituro. Assim, o debate foi bem acalorado, com manifestações
emocionadas e exaltadas, algumas vezes com bate-boca e ofensas145.
145
Por exemplo, quando o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) perguntou que “verdade” é essa que a Comissão
de Memória e Verdade propõe. Deste modo, acusou a então Ministra Dilma Rousseff de ter roubado 3
milhões de dólares da casa do Adhemar no Rio de Janeiro, na época da ditadura: “queremos saber onde a
ladra enfiou esse dinheiro”, acusou. O Deputado Flávio Dino (PC do B/MA) disse que tais palavras fossem
retiradas dos autos. E que tratar-se-ia de uma acusação sem provas. O Deputado Fernando Ferro perguntou a
Jair Bolsonaro se ele estava fazendo acusações ao PT sobre o caso Celso Daniel. Começou um bate-boca
entre os deputados, causando tumulto a reunião. Assim, Fernando Ferro solicitou cópia do áudio da sessão
para a presidente da comissão, Iriny Lopes (PT/ES) para instaurar um inquérito administrativo contra o
deputado Jair Bolsonaro. Na verdade as discussões mais acaloradas se deram por conta da instauração da
Comissão de Memória e verdade e sobre a regulamentação dos meios de comunicação.
137
Como afirmou o Ministro Vanucchi, o debate no Parlamento sobre estes dois
temas polêmicos marcam-se por “duas sensibilidades” que, a meu ver, trata-se de uma
guerra santa entre os puros e os impuros, entre religiosos e laicos, entre direitos humanos e
cultura religiosa. Abdullahi Anna‘im (1991) propôs dialogar a tradição jurídica religiosa da
shari´a e o direito laico estatal por meio do diálogo intercultural: um mínimo denominador
comum entre tradições culturais distintas. Sendo assim, a universalidade dos direitos
humanos pode ser aceita desde que ela reconheça que culturas diferentes também possuem
parâmetros normativos que possibilitam o diálogo entre elas. Por certo, o autor está se
referindo a diferenças culturais entre Nações (a radicalidade nós/eles).
No caso do PNDH-3 de um lado há um grupo social que entende que sua tradição
religiosa representa a cultura do país, logo, deve ser atendida pelo Estado democrático de
direito. Do outro lado, há o esforço do Governo Federal e de parlamentares laicizados em
prol da luta pela garantia de direitos humanos para todos e todas como forma de acesso a
justiça social e a simetria das relações em um contexto de desigualdades. Ou seja, sem
direitos para todos e todas, não há cidadania plena no Brasil. É neste sentido que o governo
brasileiro afirma no prefácio do PNDH que
“Não haverá paz no Brasil e no mundo enquanto persistirem injustiças, exclusões,
preconceitos e opressão de qualquer tipo. A equidade e o respeito à diversidade são
elementos basilares para que se alcance uma convivência social solidária e para que os
Direitos Humanos não sejam letra morta da lei Este PNDH-3 será um roteiro consistente
e seguro para seguir consolidando a marcha histórica que resgata nosso País de seu
passado escravista, subalterno, elitista e excludente, no rumo da construção de uma
sociedade crescentemente assentada nos grandes ideais humanos da liberdade, da
igualdade e da fraternidade” (PNDH, 2009, p. 13).
A meu ver, esta polarização nos debates sobre o PNDH-3 se deu em diversos
tempos e espaços do legislativo, da Igreja e da sociedade. Fato é que neste cenário de
múltiplos ecos e desejos, a discussão acerca dos direitos humanos se dá em tempos e
espaços controversos marcados por imagens que não apenas cismam em se destruir, mas
também por discursos e posicionamentos que produzem efeitos no plano da política
legislativa. O principal deles, reafirmo, foi o recuo do governo em relação a temas como a
proposição de legalização do aborto. Ou seja, uma derrota para as entidades feministas que
procuram validar os direitos sexuais e reprodutivos e de não violência as mulheres no rol
dos direitos humanos preconizados pelo Estado brasileiro (Machado, 2010). Do mesmo
modo, entidades LGBTT continuam a pleitear no âmbito do Congresso Nacional que o
138
direito individual de homossexuais a não violência e a titularidade de direitos como a união
civil sejam garantidos no rol dos direitos preconizados pela Constituição brasileira.
De todo modo, as “minorias” continuam a duelar contra argumentos da maioria
moral religiosa que preconiza que apenas os justos são titulares de direitos e que os ímpios
devem se curvar a uma moralidade reta que não abarca direitos individuais, mas tão
somente valores travestidos por dogmas religiosos. É neste sentido que a (in)vocação do
religioso pela FPE, em tempos e espaços do legislativo, legitima tais negociatas políticas
interessadas em ordenar o mundo caótico. Retóricas que versam sobre as boas novas
trazidas pelo Povo ungido, “costumes bons para a Nação” que transformam a política
profana em política sacralizada, ímpios em retos, torna o Brasil uma Nação redimida por
preceitos invocados, repetidos, consolidados, disputados no cotidiano mesmo do espaço
máximo da República Federativa brasileira: o Congresso Nacional.
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O presente capítulo pretende investigar como os parlamentares vinculados a
Frente Parlamentar Evangélica exercitam (enquanto políticos profissionais) uma forma de
representação e de participação políticas que vincula o exercício cotidiano da fé a uma
espécie de reinterpretação da secularização do estado através de temáticas específicas e não
gerais. Deste modo, etnografo situações sociais que apontam como estes parlamentares
(unidos pela “Bandeira do Evangelho”) atuaram no cenário da Câmara dos Deputados a
fim de propor e aprovar, especialmente na Comissão de Seguridade Social e Família,
proposições legislativas que defendiam a “vida em si” (desde a concepção). Ora, sob a
bandeira de grupo eleito, celeiro do destino do país, estes políticos se posicionaram
contrariamente a projetos que validavam direitos reprodutivos e sexuais de mulheres bem
como direitos civis de homossexuais (união civil, adoção de crianças e a de punição da
homofobia).
Analiso tais questões a partir das etnografias do 3º Encontro brasileiro de
legisladores e governantes pela vida, realizado no final de abril de 2010. Este evento tinha
como objetivo promover uma estratégia política a nível federal, estadual e municipal entre
políticos e entidades “pró-vida” no sentido de que a “defesa da vida” desde a concepção
bem como valores morais fossem garantidos em todas as esferas da política institucional
brasileira. A segunda etnografia versa sobre a tramitação do Estatuto do Nascituro no
âmbito da CSSF durante o primeiro semestre de 2010. Projeto de caráter controverso e
polêmico, causador de disputas entre imagens iconoclastas.
146
Romanos 10:11.
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Depois de quase seis semanas de campo, em uma de minhas idas a sala da FPE
Pr. Isaías me avisou sobre a realização do 3º Encontro brasileiro de legisladores e
governantes pela vida que seria realizado no final de abril. O blog da FPE noticiou que o
evento objetivava “demarcar novas estratégias de ação” para as “Frentes Parlamentares
Municipais e Estaduais em relação à implementação de políticas públicas de apoio à
maternidade148” em contraposição as ações do Ministério da Saúde. Deste modo, a FPE
publicizou que “a nação brasileira” deveria se posicionar contra “às ameaças concretas à
vida das crianças por nascer149”: a FPE conclama “os detentores de mandato eletivo nos
executivos e legislativos de nosso país e os militantes pró-vida a que unamos forças a fim
de garantir o direito sagrado à vida150”.
Recebi em 26 de abril de 2010 em minha caixa de correio eletrônico um e-mail da
FPE contendo um resumo do Seminário sobre o PNDH-3 bem como um convite para
participar do Encontro de governantes pela vida. Assim, no dia 28 de abril de 2010, me
dirigi a Câmara dos Deputados a fim de observar mais um evento cuja pauta era a defesa
da “vida em si”. Promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida contra o Aborto, o
“Encontro de governantes pela vida” contou com a parceria da Frente Parlamentar
Evangélica, da bancada católica e espírita e de entidades “pró-vida” como o Movimento
Brasil sem Aborto/MBS. O evento aconteceu no auditório Nereu Ramos, ocupando os
turnos matutinos e vespertinos de uma quarta-feira, dia de maior movimento na Casa
legislativa.
Quando adentrei o recinto, observei que as poucas pessoas ocupavam o espaço,
contudo, a maioria delas trajava camisetas de entidades que defendem “a vida desde a
147
Provérbios 8: 14-16.
Disponível em http://frenteparlamentarevangelica.blogspot.com/2010_04_01_archive.html acesso em 04
de dezembro de 2010.
149
Idem
150
Idem
148
141
concepção”. Os parlamentares religiosos defensores “ferrenhos” do concepto lá estavam,
desde cedo, ocupando seus lugares: Luiz Bassuma (PV/BA), Miguel Martini (PHS/MG),
João Campos (PSDB/GO), Henrique Afonso (PV/AC), Paes de Lira (PTC/SP e Dr. Talmir
(PV/SP). Avistei ainda Jaime Ferreira (vice-presidente do Movimento Brasil Sem aborto),
Pr. Isaías, Pr. Herculano além de assessores dos deputados cristãos.
Antes mesmo de entrar no auditório uma das hotless do evento me chamou:
- “ei, já fez o seu cadastro?
- Não, sou da UnB, sou pesquisadora.
- “faz seu cadastro!”.
Fui ao encontro dela que me deu o material do seminário e uma ficha de cadastro:
“põe seu endereço, seu telefone, email, para saber das noticias, ok?”. Preenchi o cadastro e
ganhei uma pasta do evento que continha duas publicações sobre defesa da vida, uma lista
de PL que tramitavam na Casa tanto que defendiam os nascituros quanto os que
propunham legalizar a prática de interrupção voluntária da gravidez. Para minha surpresa,
na pasta do evento havia também uma réplica de um feto de três meses. Algo tenebroso.
Quando tomei assento no auditório, slides com informações sobre o aborto no Brasil eram
transmitidos pelo telão. O vídeo “o grito silencioso151” também foi transmitido.
Jaime Ferreira, mestre de cerimônias, iniciou o Encontro cuja mesa inicial foi
composta pelo terceiro secretário da mesa diretora da Câmara dos Deputados, deputado
Aldair Cunha, o vice-presidente da Frente Mundial de Legisladores e Governantes pela
Vida, fundador da Frente Parlamentar em Defesa da Vida contra o Aborto do Congresso
Nacional, deputado Luís Bassuma, o presidente da Frente Parlamentar Evangélica,
deputado João Campos e o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida contra o
Aborto do Congresso Nacional, deputado Dr. Talmir Rodrigues. Após a composição da
mesa, o hino nacional foi cantado por uma cantora lírica.
Findo esta parte cerimonial do evento deu-se início aos discursos dos
componentes da mesa. Dr. Talmir foi o primeiro a falar e agradeceu a ajuda dos
funcionários e assessores na realização do evento assim como as autoridades presentes. O
deputado lembrou que a prática do aborto não feria apenas princípios religiosos, mas
também científicos e até constitucionais uma vez que a vida humana é um direito civil.
Inclusive lembrou que Ulisses Guimarães disse que para que a legalização do aborto no
151
Vídeo produzido por Dr. Bernard Nathanson famoso médico norte-americano que realizava abortos nos
EUA. Disponível em http://silentscream.org/index.html acesso em 30 de março de 2011.
142
Brasil seja aprovada, seria preciso rasgar a Constituição. Por fim agradeceu as entidades
presentes e lembrou que durante o evento pessoas e entidades que trabalham por um
“Brasil pró-vida” seriam homenageadas.
O deputado Aldair Cunha parabenizou os pares pela iniciativa de promover um
evento que tem como pauta pensar estratégias políticas de defesa da vida em todos os
níveis da política. Assim, ressaltou o parlamentar que a “cultura da vida” deveria ser
estabelecida “em todos os espaços de poder”. Logo, “aonde houver uma vida ameaçada, o
poder público precisa estar intervindo, e especialmente no direito que é o mais elementar
de todos os direitos, que é o direito de nascer152”. Segundo o deputado aquele evento
cumpria papel fundamental na organização dos entes da federação e dos poderes
constituídos para que “a vida seja preservada, cuidada, e qualquer ameaça à vida seja
banida”.
Luis Bassuma é o próximo a discursar e afirma que a razão de ter sido eleito
deputado (uma vez que, segundo ele, nunca planejou entrar para a política), ou seja,
“exercer o mandato político com seriedade, com honestidade e com ideal” foi para exercer
um “sacerdócio”.
“a política, ou ela é um sacerdócio ou ela é um negócio, e a maioria nesse Congresso
ainda trata a política como se fosse um mero negócio de interesse de uns poucos. Eu tive
então, a satisfação e alegria de já descobrir a razão essencial que me fez tá aqui: foi estar
ativo e atuante nessa luta em defesa da vida”.
Em seu discurso, Luis Bassuma não perdeu a chance de criticar a postura do PT
em relação ao tema do aborto lembrando tanto a sua expulsão do partido por conta de seu
posicionamento contrário as favoráveis deliberações petistas em relação ao tema quanto
que o presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva, agiria como “Pôncio Pilatos”. Isso
porque, segundo o Luis Bassuma, o então presidente Lula sempre se declara pessoalmente
contra o aborto, mas “deixava o seu governo funcionar normalmente nas políticas pró
aborto”. Por isso mesmo, unindo laços espirituais a laços políticos alertou aos participes
“se o Brasil correr o risco de eleger Dilma presidente, aí é uma pessoa materialista, aí é
uma pessoa que defende o aborto mesmo, e se ela na campanha disser o contrário, tará
mentindo para a sociedade. Nós conhecemos todo o seu histórico. E aí o risco é enorme,
152
Todas as falas aqui referenciadas sobre o evento “Governantes pela Vida” foram transcritas pelo
mestrando em História da UnB Clerismar Longo através do recurso por mim obtido junto ao Decanato de
Pós-Graduação e Pesquisa/DPP da UnB por meio do Edital nº 06/2010 (apoio à pesquisa de campo a pósgraduandos).
143
porque aí seria uma presidente que vai usar a força do governo pra empurrar o rolo
compressor no Congresso pra obrigar a legalização do aborto, isso seria o maior desastre
para a nossa nação. O Brasil não pode permitir isso, seria como se nós estivéssemos
agora resgatando a escravatura, algo desse tamanho. Esse impacto mundial, Brasil é
liderança mundial, é potência mundial. Tem que ser potência verde, tem que ser potência
da paz, da justiça, do amor, e tem que dar o exemplo dentro de casa, e que começa com
as suas crianças desde o momento da fecundação!”
Entremeado as falas dos componentes da mesa, Jaime Ferreira, anunciava a
presença de autoridades políticas e religiosas (espíritas, católicas e evangélicas) bem como
dos comitês pró-vida que participavam do evento. Depois da fala de Bassuma, João
Campos discursa em nome da FPE concordando com o colega no sentido da Nação cristã
perguntar aos presidenciáveis acerca de seus posicionamentos em relação ao aborto
“não me refiro só a Dilma, a gente tem que saber o que o Serra pensa disso, o que a
própria Marina que é evangélica, pensa disso, e o que o estatuto de cada um dos partidos
põe a cerca dessas matérias. E aí não só os candidatos à presidência da república: os
governadores, deputados federais, senadores. O nosso povo tem que levar isso em conta
na definição do voto!”.
João Campos lembrou sobre a importância daquele evento a fim de promover “a
capacidade de articulação, de comunicação entre nós mesmos e de estabelecimento de
estratégias para enfrentarmos cada vez mais com inteligência e de forma estratégica essa
questão, e mais precisamente a defesa da vida de forma integral”. Isso por que, a despeito
das vitórias cristãs na Casa em relação à descriminalização do aborto, lembrou o deputado,
outros PL e propostas transitam pelo parlamento e pelo judiciário, assim,
“nós não
podemos descansar”. No mesmo sentido, o governo federal “do meu ponto de vista, de
desrespeito ao parlamento, e até com um viés totalitário” anunciou o PNDH-3 que
recomenda ao parlamento para decidir sobre essa matéria no sentido de descriminalizar o
aborto.
Ora, “por que eu digo que é um desrespeito ao parlamento com um viés
totalitário”, pergunta João Campos: por que “nesta legislatura o parlamento rejeitou essa
matéria [a descriminalização do aborto], ela sequer pode ser reapresentada nessa
legislatura”, logo, o governo não pode apresentar um Programa Nacional de Direitos
Humanos, nesta mesma legislatura, propondo que o parlamento volte a discutir essa
matéria. “Isso não é razoável”, questionou.
Por isso mesmo, João Campos afirmou que as igrejas cristãs, as entidades próvida e mesmo setores da sociedade civil que se opõe a legalização do aborto devem “estar
144
permanentemente articulados, conversando, estabelecendo iniciativas para continuarmos
na defesa da vida. Essa tem que ser uma tarefa, portanto permanente, perene e bem
articulada. Todos tem direito à vida, todos”. Especialmente por que a Constituição Federal
expressa “o compromisso [do país] com a vida”. Deste modo, na Casa legislativa a Frente
Parlamentar em Defesa da Vida, a FPE e os deputados cristãos (ou não) que se contrapõe
ao aborto vem se organizando
“temos o Estatuto do Nascituro, temos a CPI do aborto, que não se pretende investigar as
mulheres que por uma outra razão tenham se submetido a esse procedimento, mas ao
contrário, investigar as clínicas que atuam à margem da lei, ganhando dinheiro
ilicitamente, e que funcionam com intuito da morte e não da vida. A medicina deve ser
uma ciência como é, em favor da vida e não da morte. E essa CPI precisa
necessariamente ser instalada para cumprir o seu papel dentro dos propósitos que nós
temos estabelecido aqui. Nós, e isso é sabido, nós todos aqui não temos uma postura em
favor da criança e contra a mulher, nós temos uma postura em favor da vida, da vida de
todas as pessoas”.
Outrossim, o deputado reforçou que o “o Estado brasileiro tem que ter esse
compromisso de defesa da vida, em relação a todas as pessoas”. Por isso, os parlamentares
“a favor da vida” tem o compromisso de defender a vida, de forma “integral” e de todos os
cidadãos – “da criança, da mulher, do homem, enfim de todas as pessoas” – “sem nenhum
preconceito, sem nenhuma discriminação, independentemente de raça, sexo, religião, [...],
esse é o nosso compromisso, senão a gente não seria autêntico na defesa da vida”. Ora,
segundo João Campos, para defender a vida há que se acionar (“independentemente da
declaração universal dos direitos humanos e da Constituição Brasileira”) o código penal
que é um instrumento “de proteção à vida”, pois, “estabelece a pena para aquele que mata”.
Logo, a partir desta norma pode-se proteger “o ser humano ainda em formação, este que
efetivamente não tem nenhuma possibilidade de defesa”.
Por fim, o parlamentar fez uma consideração bem interessante. Segundo ele, as
literaturas e pesquisas apontam que “o número de mulheres cristãs, sejam elas católicas ou
evangélicas, que se submetem ao procedimento do aborto é significativo”. Este fato, diz o
parlamentar “nos conduz a uma reflexão de que antes das igrejas levarem uma mensagem
pra fora, é preciso que a Igreja, as igrejas estejam conversando com seus fiéis”. Ou seja, se
a mensagem é ecoada repetidamente para fora dos muros da Igreja, ela também deve fazer
parte do doutrinamento religioso. Assim,
145
“Me parece que essa é uma recomendação de muito acerto, porque se nós ficarmos sem
prejuízos dessa abordagem pra fora, é preciso que a gente faça essa abordagem com
muita eficiência, com muita sabedoria, enfim dentro das igrejas abordando nossos fiéis,
mostrando os riscos disso, mostrando que a nossa cultura, o nosso ensinamento, a nossa
doutrina, tem um outro tipo de compromisso, porque assim nós certamente teremos
resultados mais eficazes”.
Em seguida as falas dos parlamentares, Jaime Ferreira anunciou o lançamento da
Campanha Nacional denominada: Legisladores e Governos pela vida – A vida depende do
seu voto153, realizada pelo Movimento Nacional da Cidadania pela Vida Brasil sem
Aborto154. Segundo Jaime Ferreira, a campanha objetivava que “o eleitor brasileiro possa
nessa eleição levar em consideração também, dentre tantas outras considerações pra serem
feitas no momento do voto, levar em consideração também a questão da defesa da vida
desde a concepção”.
Dra. Lenize Garcia, presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida
Brasil sem Aborto é chamada ao palco para fazer o lançamento da Campanha. Dra. Lenize
Garcia apresentou a campanha como um instrumento de “o que pensam os candidatos a
todos os cargos eletivos a respeito da questão do aborto, a respeito da defesa da vida em
todas as circunstâncias, da concepção à morte natural”. Então, “a vida depende do seu
voto” tem, pois, duas propostas. A primeira é questionar os candidatos sobre o tema
através da parceria com os comitês locais pró-vida. A segunda é que eles assumam
publicamente “o compromisso de ser parlamentares e governantes pela vida”. Do mesmo
modo, a
diretoria do movimento deseja que os políticos “pró-vida” participem na
campanha a fim de que a mesma tenha “uma penetração nacional” a ponto de localizar e
engajar “aqueles candidatos que realmente se comprometem com a vida, contra o aborto”.
Contudo, Lenize Garcia afirmou que o eleitor pode contemplar o partido, a
religião, o sindicato (“essa diversidade que nós achamos muito importante do ponto de
153
Segundo Lenize Gracia, que sempre se apresenta e é apresentada como “doutora”, a campanha já foi
realizada nas eleições de 2006 e de 2008 para as eleições municipais.
154
O movimento “é uma organização de natureza suprapartidária e supra-religiosa que defende a preservação
da vida desde sua concepção, atuando de forma estruturada para pautar ações e argumentos a partir de
evidências e pesquisas no campo da genética, da embriologia, da bioética e da legislação vigente”. O comitê
nacional tem sede em Brasília cuja presidência nacional fica a cargo da Dr. Lenize Garcia e a vicepresidência a cargo de Jaime Ferreira. O MBS se opõe, inclusive, a realização da interrupção da gravidez em
fetos anencéfalos e organiza sua resistência não apenas no legislativo, mas também no judiciário. O
movimento realiza atos e marchas “pró-vida” pelo país através da parceria com seus comitês estaduais e
municipais,em 16 estados da federação que tem como principal foco a mobilização da sociedade brasileira na
luta
contra
a
legalização
do
aborto.
Disponível
em
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março de 2011.
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vista eleitoral”) contanto que o candidato tenha compromisso com a vida. Ora, segundo
ela,
“É a América Latina que está segurando em termos de legislação a defesa da vida, e nós
queremos parar aqui essa onda abortista que corre o mundo pra devolver isso aos países
que têm pedido muito a nossa ajuda, né? Os países que o aborto é aprovado, falam muito:
não, o Brasil é um país onde o aborto não pode ser aprovado, e vocês tem que influir
agora no mundo para que a legislação onde ela exista, regrida. Então, nós sentimos essa
responsabilidade, e então por isso todos os candidatos, desculpa, todos os eleitores têm
que ter essa preocupação concreta em termos do seu candidato, né? Ou seja, eu penso em
votar nessa pessoa, como ele pensa essa questão em defesa da vida? É exatamente isso
que nós queremos deixar muito claro pra todos os eleitores com a Campanha A Vida
Depende do seu Voto, e pra isso eu conto com a colaboração de todos vocês”.
Como procedi no capítulo três com o evento do Seminário sobre o PNDH-3 não
realizarei aqui uma exegese de todas as falas e mesas temáticas do evento “Governantes
pela vida”. Sendo assim, explicitarei as mesas temáticas que compuseram o evento bem
como as pessoas e instituições pró-vida homenageadas. O objetivo é apontar como as falas
dos deputados cristãos exortavam os laços espirituais existentes entre aqueles que
defendem a vida. Laços estes que deveriam ser transplantados para o mundo da política a
fim do Povo de Deus obter êxitos no Congresso Nacional em relação a não aprovação de
leis não morais. Laços que também deveriam ser levados em consideração pela Igreja de
Cristo no "tempo da política" que se aproximava.
Do mesmo modo, tais discursos apontam para os modos pelos quais a imbricação
entre religioso e política vem sendo realizada no âmbito do legislativo. Do mesmo modo,
indica de que modo os cristãos vem organizando e mobilizando estrategicamente no espaço
da política uma Frente pela “vida em si” contrária, pois, a certas garantias de direitos
individuais de outros cidadãos. Logo, eventos deste tipo estão vinculados, sobretudo, a
mobilização cristã no legislativo no sentido de se opor a leis contrárias vida e a união entre
eles pela aprovação de leis morais e garantidoras da “vida em si”.
Findo este primeiro momento do evento deu-se início as atividades das mesas
temáticas. Na parte matutina foi composta uma mesa temática que tratava da organização
da defesa da vida pelos comitês “pró-vida” do Movimento Brasil sem Aborto a nível
estadual e municipal. Foi convocado Iraponã Chaves de Arruda (coordenador do Comitê
em Defesa da Vida Brasil sem Aborto, do estado de Pernambuco), Louro Ivan Macedo
(coordenador do Comitê Goiano Brasil sem Aborto), sob a coordenação da Dr. Lenize
Garcia. Os dois representantes falaram sobre as atividades que seus comitês realizam.
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Vale ressaltar que antes da Dra. Lenize Garcia dar conclusão aquela mesa
temática, Jaime Ferreira tomou a palavra para informar que naquele momento a Comissão
de Seguridade Social e Família discutia o Estatuto do nascituro, de autoria dos deputados
Luís Bassuma e Miguel Martini. Por isso mesmo, os deputados componentes da Comissão
tiveram que se retirar do evento, informou Jaime Ferreira. Ora, “pode ser que neste dia do
Terceiro Encontro Nacional de Legisladores e Governantes pela Vida a Câmara.
O último momento do evento na parte matutina abarcou a entrega da comenda
Zilda Arnes em homenagem as instituições e pessoas que se destacaram no trabalho de
defesa da vida. Jaime Ferreira solicitou que fosse transmitido um vídeo em homenagem a
Zilda Arnês que morreu em decorrência do terremoto no Haiti, em janeiro de 2010.
Henrique Afonso (que seria também homenageado) se retirou da cerimônia por que o
Estatuto do Nascituro estava na iminência de entrar em votação na Seguridade Social e
Família. Retirei-me juntamente com o deputado, sai correndo atrás dele, mas o perdi de
vista no corredor que dá acesso as salas das comissões que estava lotado de jornalistas,
pois, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça estava dando entrevista por conta
da aprovação do projeto Ficha Limpa na Comissão e que seguia agora para o Plenário da
Casa.
Passei espremida pela multidão que ocupava o corredor e, enfim, cheguei à sala
da CSSF. Entretanto, não avistei nenhum “parlamentar pró-vida”. O alvoroço era total.
Perguntei a secretária da Comissão o que havia sido deliberado: “propuseram o adiamento
do requerimento [Nascituro] por dez sessões”. E completou: “esvaziaram a sessão a fim de
não dar quorum e não votar [o PL]”. Um dos assessores do deputado Luis Bassuma
criticou a postura da “oposição”: “vamos discutir aborto, mas na hora H não estão aqui,
fogem”. De fato, a aprovação do pedido de adiamento da proposta feito pelo Deputado
Darcísio Perondi (PMDB/RS) causara grandes mobilizações e tumultos generalizados. A
porta da CSSF era um burburinho de manifestantes dos movimentos feministas, de
assessores parlamentares, movimento pró-vida.
Permaneci na porta da Comissão a fim de observar o movimento dos
manifestantes (feministas e “pró-vida”). Havia um grupo de mulheres conversando na
porta da sala da Comissão, me dirigi a uma delas e perguntei a qual movimento elas
pertenciam. Ela assim respondeu: “estamos aqui para ajudar a barrar estes projetos contra a
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mulher”. E continuou: “nosso movimento é acolhido pelo CFEMEA. Viemos falar com
mais deputados para ajudar na causa. Mas eles estão com medo por que é ano de eleição”.
- E você o que faz aqui?
- Sou pesquisadora.
- Mas você faz o que?
- Estudo a Bancada Evangélica.
- Como assim? Você está com eles?
- Não, sou antropóloga.
- Mas você é de movimento?
- Não, eu faço mestrado e minha pesquisa é sobre eles.
- E o que você faz aqui?
- Estou participando como pesquisadora de um encontro de governantes “pela
vida”.
- E tá cheio?
- Muito esvaziado para um evento nacional.
- Acho estranho não ter o outro lado nunca. Eles falam para eles mesmos, mas
estão se fortalecendo neste ano eleitoral.
- Você é da onde?
- Da UnB. Sou orientanda da Lia Zanotta.
O sorriso dela veio à tona. O nome mágico de minha orientadora para os
movimentos feministas suavizaram o diálogo. Voltei ao “Encontro” e os parlamentares
“pró-vida” também já haviam retornado. Jaime Ferreira ainda coordenava a entrega das
comendas aos homenageados do dia. Sentei nas fileiras centrais do auditório. Estava lá
observando a cena quando “de repente” aquela manifestante com a qual conversei na porta
da CSSF aparece, senta-se do meu lado e diz: “o CFEMEA quer o seu número, anota
aqui”. Não sabia o que fazer. Fiquei atônita, olhando para os lados como se eu estivesse
praticando algum crime. “Acho que não deixei claro “meu lugar social para ela”. Senti-me
uma espiã. “Que saia justa!”, pensei. Naquele momento, me percebi entre a cruz e a
espada. Entretanto, dei meu telefone a ela. Contudo, ninguém do CFEMEA nunca entrou
em contato comigo. Mas este momento crítico me fez perceber o campo minado no qual
havia entrado. Antes de ir, ela perguntou: “o que tá rolando”? Homenagens, respondi. Ela
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retrucou: “Ah, não tem discussão, queríamos ver o que eles falam [faz o gestual referente a
dizer “papinho”]. Ela se despediu e foi embora.
Neste ínterim, Luis Bassuma sobe ao palco e pede a palavra para “dar uma
informação” aos presentes.
“Agora enquanto tá correndo o terceiro congresso entrou em pauta pela terceira vez,
tentou entrar em pauta na comissão de seguridade, o estatuto nascituro, né? Que é um
projeto totalmente avançado no nosso ponto de vista, para garantir os direitos
definitivamente daqueles que querem nascer. Aí pela terceira vez aqueles que defendem
a legalização do aborto pediram que fosse votado um requerimento pra adiar por dez
sessões essa votação. Aí nós discordamos, eu fui lá e posicionei, o Talmir também,
conseguimos pegar toda a discussão, mas aí quando eles viram que podiam perder, eles
se retiraram todos eles, esvaziaram a sessão e ela acabou de cair por falto de quórum,
mas é mais uma vitória nossa. Terceira tentativa de colocar em pauta a discussão e é
retirado o estatuto nascituro pela ação organizada deles. [...]. Vocês têm todo direito,
vocês não podem fugir, o parlamentar não pode fugir de explicitar sua opinião pública.
Quem é assassino deve dizer para o povo: sou assassino e defendo assassinato, Jesus
perdoa todo mundo, e perdoa inclusive os assassinos. Agora, vamos assumir a posição
publicamente sem medo. Porque o argumento deles é que é ano eleitoral, ano eleitoral
não pode votar matéria dessa magnitude, quer dizer: é uma vergonha. [...], mas nós
vamos semana que vem colocar em pauta de novo. E mais uma vitória!” (Grifos Meus).
Jaime Ferreira retorna ao palco e conduz as homenagens. As seguintes
instituições foram agraciadas. O governo do estado do Amazonas por ter “instituído a
semana de prevenção contra o aborto”. A Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil/CNBB por ter “escolhido o tema da defesa da vida na Campanha da Fraternidade de
2008, cujo lema foi “Fraternidade e vida humana”. A Pastoral da Criança, organismo de
ação social da CNBB, por “promover o desenvolvimento integral das crianças pobres”. A
Federação Espírita Brasileira por “seu trabalho de conscientização e de mobilização da
comunidade espírita e de toda a sociedade brasileira, através das suas campanhas nacionais
em defesa da vida”. A associação Nacional Estação da Luz que realiza trabalhos “no
campo da defesa da vida desde a concepção”. A Câmara Municipal de São Bento do
Sapucaí, no Estado de São Paulo por conta da inclusão na nova Lei Orgânica do município,
do direito à vida como direito humano fundamental. E o Movimento Nacional de
Cidadania pela Vida Brasil sem Aborto foi também agraciado com a contenda por causa de
sua “enorme contribuição na luta contra o aborto e contra a sua legalização, ao promover
manifestações públicas, mobilizando e organizando a sociedade civil brasileira”.
Após as homenagens as instituições, Jaime Ferreira conduz as homenagens as
seguintes “personalidades públicas” defensoras da vida. O ex-governador do estado do
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Amazonas (que não pode estar presente) por conta do seu “combate à prática do aborto”
durante seu mandato. A segunda foi o deputado federal Luís Bassuma, criador da Frente
Parlamentar em Defesa da Vida”. Deputado Federal Henrique Afonso, idealizador e
promotor das jornadas evangélicas em favor da vida e da família, “igualmente condenado
pelo PT ao silêncio obsequioso e a retirar todos os seus projetos de lei em defesa da vida, o
que evidentemente não aconteceu”. Jaime Ferreira fez ainda questão de dizer que: “essa
homenagem ao deputado Henrique Afonso é estendida a todos os parlamentares
evangélicos, e a todos os evangélicos brasileiros que defendem a vida desde a concepção”.
A vereadora do município de Maceió, Heloísa Helena (PSOL/AL) também foi
homenageada “por ser uma das referências nacionais na luta contra a legalização do
aborto”. O jurista Dr. Ivis Gangra da Silva Martins, uma das vozes na defesa da vida desde
a concepção no mundo jurídico brasileiro. Cláudio Fonteles, ex-procurador geral da
república, propôs a ação direta de inconstitucionalidade ao artigo 50 da lei 11.105 de 2005,
conhecida como a lei da biossegurança, que autorizou a pesquisa científica com células
tronco embrionárias. Por fim, a cantora Elba Ramalho que “sofreu pressões das ONGs pro
aborto do país e do próprio Ministro da Cultura” para que fizesse o show de encerramento
da Terceira Marcha Nacional da Cidadania pela Vida, em 2009, em Brasília.
O deputado Dr. Talmir fez o encerramento da entrega da comenda Zilda Arnes
em defesa da vida ressaltando que “todos os defensores da vida” mereciam aquela
comenda. “Então, de coração, sintam-se contemplados [...]. A gente sabe do esforço de
cada um em estar presente hoje aqui, a gente sabe que nós somos seres humanos e ao
mesmo tempo divinos”. Em seguida, Jaime Ferreira retorna à direção do evento e convida
as deputadas Raquel Teixeira (PSDB/GO), Solange Almeida (PMDB/RJ) e a vereadora
Heloísa Helena para comporem a mesa cujo tema era “O pensamento de mulheres
ocupantes de cargo eletivo que são contra a legalização do aborto: razões éticas, filosóficas
e políticas”.
A deputada Raquel Teixeira sem delongas, devido ao atraso do início da mesa,
passou a palavra para Solange Almeida que é a relatora do Estatuto do Nascituro. A
parlamentar iniciou sua fala afirmando ter ficado “estarrecida por ver a quantidade de
parlamentares que se mobilizam a favor do aborto”, contudo, “a maioria do parlamento é
contra a legalização do aborto. Mas a mobilização é feita por aqueles que são a favor do
aborto. É uma coisa assim triste da gente ver”. Assim, lembrou a parlamentar
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“o estatuto nascituro na semana que vem, ele vai ser colocado em pauta, e nós
precisamos contar com todos os deputados da comissão de seguridade social que são
favoráveis à vida. Quero pedir a cada um de vocês que estão aqui, se conhecem um
deputado, que peçam, se ele for suplente ou titular da comissão de seguridade, que ele
esteja presente, não arrede o pé de lá. A gente sabe que os compromissos aqui na câmara
são enormes. Mas pra ficar lá, pra garantir, que a gente comece a discutir o estatuto do
nascituro, porque hoje, gente eu não consegui nem ler o relatório que foi amplamente
discutido em audiências públicas, com os juristas católicos, com seguimentos da
sociedade que tem interesse na vida, foi amplamente discutido. Foram retiradas algumas
coisas polêmicas, como a questão da criminalidade, das penalidades, justamente pra que
a gente possa avançar e dizer que a vida começa na concepção. Esse vai ser o grande
ganho do estatuto do nascituro” (Grifos Meus).
Em seguida, a vereadora Heloísa Helena discursou afirmando que a legalização
do aborto é um tema de “alta complexidade filosófica, espiritual, jurídica”. Do mesmo
modo, ressaltou que foi criado um vínculo entre “ser feminista” e defender “bandeiras,
quase como se dogmas sagrado fosse, como é a legalização do aborto”. Assim, a exsenadora afirma que esta parcela da esquerda crê na legalização do aborto como dogma
sagrado. Em seguida, fez uma crítica à “hipocrisia no debate”, inclusive, por parte de
“defensores da vida” que “ocupam as primeiras filas dos templos da igreja e das
sinagogas”, mas “quando seus filhos ilustres engravidam as pobres filhas das empregadas
negras e pobres, eles também pagam o aborto para se livrar”.
Antes de terminar a mesa temática, mais uma vez o "tempo da política" se fez
pauta dos discursos. Neste sentido, a deputada Raquel Teixeira advertiu que era
“ano eleitoral e é preciso que haja pressão. Essa casa é uma casa que funciona sob
pressão, e não é no sentido pejorativo não, é no sentido real. Quer dizer: ninguém vai
defender uma causa se ela for oculta, [...]. Se não há uma mobilização, se a sociedade
não mostra o que deseja, passa batido. Então, a sociedade tem que realmente se
mobilizar, porque quando eu digo essa casa funciona sob pressão, porque até por
sobrevivência, eles querem ser eleitos e reeleitos. Então, esse é um ano muito
importante” (Grifos Meus).
Do mesmo modo, a deputada ressaltou o “esvaziamento do evento” em uma
Casa de Lei que se mostrou “contra o aborto” em uma sociedade que “todas as pesquisas
mostram ser contra o aborto”. Por isso, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o
aborto, reafirma Raquel Teixeira, “precisa parar pra refletir porque a gente tá trazendo tão
pouca gente pra esse terceiro encontro, e definir algumas estratégias de atuação da frente
ao longo do ano que se inicia”. Jaime Ferreira, no papel de mestre de cerimônias finaliza as
atividades da manhã e pede aos participes que o Encontro seria transferido para um
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“auditório menor” – o Auditório Freitas Nobre: “esperamos todos lá daqui a pouco. Um
grande abraço!”, concluiu.
Fui almoçar no restaurante da Casa e depois, como de costume, fazia meus
pedidos de solicitação de áudio, ia a biblioteca escrever diário de campo ou apenas andava
pelos corredores a fim de conhecer melhor a Casa. Naquele dia, fui à Comissão de
Legislação Participativa/CLP155 me informar por que o arquivo da transcrição do
Seminário que discutiu o tema da anencefalia e da eutanásia não estava disponível online.
Cibele, uma das secretárias da Comissão, verificou minha informação e confirmou que o
arquivo da transcrição estava “fechado”. Contudo, anotou meu nome e meu e-mail para
assim que o mesmo fosse disponibilizado, ela entraria em contato comigo. Mas, “você quer
que eu imprima pra você?”, perguntou. Não precisa, eu aguardo, respondi. Agradeci e fui
embora bem contente por ter sido “bem recebida”156.
Sai da sala da CLP e me dirigi ao auditório Freitas Nobre onde seria realizada a
parte vespertina do evento que contou com menos pessoas do que a matutina. O auditório
Freitas Nobre, também localizado no subsolo da Casa, é bem pequeno e tem espaço para
cerca de 80 pessoas sentadas. Contudo, havia apenas cerca de 20 pessoas na platéia.
Quando cheguei ao auditório Zacarias, um dos funcionários da Associação de Secretários,
Parlamentares, Requisitados e Comissionados do Congresso Nacional/ASSERCON,
evangélico, me cumprimentou: “olá teóloga”. Balancei a cabeça positivamente. Fiquei sem
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A CLP é a mais nova das comissões da Casa. Foi criada em 2001, pela deputada Luiza Erundina (PT/SP)
com o objetivo de estimular as organizações, entidades e movimentos sociais a participar diretamente no
processo de feitura das Leis. A CLP também não participa das emendas feitas ao orçamento anual. Tal
prerrogativa foi retirada em 2006 pelo deputado José Carlos Aleluia (DEM/BA). Do mesmo modo, a CLP
não faz parecer de PL, apenas, acolhe propostas feitas pelas organizações da sociedade civil e possibilita que
o mesmo tramite pela Casa.
156
Acabei estabelecendo um contato muito íntimo com a CLP. Depois desta situação, a assessoria da CLP
mandava para minha caixa de correio eletrônico os eventos que a Comissão iria realizar. A despeito da
Comissão não ser aquela privilegiada pelos meus nativos foi muito bom conhecer todos aqueles funcionários
que me mostraram outra feição e afeição da Câmara dos Deputados. Do mesmo modo, pude aproveitar minha
estada na Casa para ajudar a CLP na realização da audiência pública sobre demarcação de terras indígenas e
quilombolas, pedido feito por meu amigo de mestrado Gustavo. Esta oportunidade de conhecer bem de perto
o modo de fazer reivindicações e de participar do legislativo me foi muito gratificante. De fato, a CLP passou
a ser um grupo de amigos durante o trabalho de campo. Deste modo, todos eles me ajudavam a percorrer
melhor corredores, rotas e acessos da Casa. A conhecê-la. Todos me conheciam pelo nome, sabiam que
estava ali fazendo pesquisa, solicitavam que eu “mobilizasse os jovens da UnB”. Visitava-os após o almoço,
mormente. Sônia, secretária geral da Comissão, me ensinou muito de política e da vida subterrânea na Casa.
Compartilhamos muitas coisas em comum, como o desejo de ter um Congresso Nacional isento de
corrupção, permeado por parlamentares compromissados com a “justiça social” para todos e todas. Assim,
estabelecendo afetos participei de aniversários, de comemorações, ganhei carona. Fiz amigos. Por isso grafo
seus nomes, sem alterá-los. Por que faço questão que eles estejam aqui, nesta dissertativa, ela mesma produto
final de tantos afetos gerados também pelo meu encontro com os funcionários da CLP.
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saber o que ele queria dizer com isso. Mas imediatamente considerei: ela pensa que sou
evangélica!
Logo em seguida, Jaime Ferreira inicia a segunda parte do “Encontro” com as
seguintes mesas temáticas. A primeira delas tinha como tema “o Direito à Vida desde a
Concepção como um Direito Humano Fundamental”. Compuseram a mesa: Dr. Cláudio
Fonteles, ex-procurador geral da república, Dr. Tiago Cintra Essado, promotor de justiça
do Estado de São Paulo, fundador e presidente da Associação Jurídico Espírita do Estado
de São Paulo, o vereador Márcio Pacheco, presidente da Frente Parlamentar pela Vida da
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o deputado Paes de Lira (PTC/SP).
Finda esta mesa temática foi instaurada outra mesa intitulada “a importância da
articulação e a mobilização política nos estados e municípios” cujo objetivo é estimular a
instituição das frentes parlamentares, seja nas Assembléias Legislativas dos estados, seja
nas Câmaras Municipais. Compuseram a mesa: deputado Dr. Talmir Rodrigues, para a
coordenação, o vereador Adriano Ventura (PT), da Câmara Municipal de Belo Horizonte,
da Frente Parlamentar Municipal pela Vida de Belo Horizonte; o vereador Vereador João
do Suco da Câmara Municipal de Curitiba, presidente da Frente Parlamentar pela Vida, o
vereador e professor Hermes Rodrigues Neri (PHS), que é presidente da Câmara Municipal
de São Bento Sapucaí e a Dra. Lenize Garcia do MBS.
Durante esta mesa temática Paula (uma jovem evangélica e ser presidente de uma
entidade pró-vida) chegou ao evento e se sentou perto de mim e perguntou “como estava o
trabalho”. Respondi que não era um trabalho para uma disciplina, mas uma dissertação de
mestrado. Ela começou então a prestar atenção nos discursos. Já havia me encontrado com
elas em algumas idas a sala da Frente Parlamentar Evangélica, mas nunca havíamos
conversado. Continuando a conversa Paula se virou e disse: “Tenho mais o que fazer,
debate sem mulher, só tem homem”. Concordei com ela. “Debate difícil né?, retruquei.
Paula respondeu: “Temos 500 Deputados, 45 mulheres, um debate como esse é feito por
homens? Não ajudam as mulheres mais pobres!”, questionou.
Em seguida, ela se levantou e se despediu: “tenho uma campanha para cuidar”
(ela estava concorrendo à deputada federal pelo Distrito Federal). E saiu. Este discurso da
Paula me deixou bastante curiosa. Apesar de Paula ser presidente de uma entidade jovem
pró-vida, ela mostrou senso crítico em relação ao tema do aborto. Deste modo, em outros
encontros Paula sempre questionava a forma como as mulheres que abortavam eram
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tratadas pelos discursos machistas “dos homens que fazem as leis”, inclusive pelos
discursos de evangélicos. A despeito de ser “pró-vida”, Paula não acusava as mulheres que
praticam o aborto, mas sim, procurava analisar os problemas estruturais e as carências
sociais nas quais as mulheres brasileiras se encontravam. Deste modo, o argumento de
Paula não se utilizava de uma acepção maniqueísta para analisar o tema do aborto.
Após as falas dos participantes daquela mesa temática, foi aberto ume spaço para
que pessoas da platéia se pronunciassem. Algumas delas agradeceram a oportunidade de
participar de um evento “pró-vida” na Casa de Lei Federal, outras falaram de suas lutas
nas bases pró-vida. Contudo, muitas delas se queixaram da falta de publicização do evento
no sentido de convocar a participação de pessoas e de entidades que se mobilizam em
torno da defesa da vida. Do mesmo modo, solicitaram que fosse pensado numa estratégia
de mobilização no judiciário brasileiro, pois, a despeito da legalização do aborto ser
rejeitada no legislativo, o judiciário continua “liberando”.
Finalizando o evento, o deputado Dr. Talmir solicitou aos presentes uma saúva de
palmas para Jaime Ferreira que esteve “vinte e quatro horas no ar pra chamar o Brasil
inteiro”. Do mesmo modo, o deputado Dr. Talmir requereu ainda que os “verdadeiros
missionários da vida” enviassem para Frente Parlamentar em Defesa Da Vida e Contra o
Aborto a “colaboração por escrito” por que “todos vocês são considerados parceiros, todos
fazem parte do Movimento Brasil sem Aborto!”.
Jaime Ferreira retomou a palavra para responder como coordenador do evento
sobre os problemas de comunicação relatados pelos participantes. Relatou, pois, que a
Frente enviou cerca de 12 mil correspondências, logo, “se as pessoas não estão aqui, mas
pelo menos elas sabem que existe um movimento no Congresso Nacional que reúne
legisladores e governantes pela vida”. Neste sentido, Jaime Ferreira explicitou que o
objetivo do evento era estimular “nas bases eleitorais” a adesão a campanha a “vida
depende do seu voto” bem como “identificar quem são os candidatos pró-vida em cada
estado”. Por isso mesmo, concluiu Jaime, esta “campanha tem que ser uma campanha
nacional ou a gente não tem influência nas eleições!”.
É neste sentido que o deputado Miguel Martini sobe a tribuna a fim de reafirmar
o seu compromisso contra a cultura de morte que “avança de todas as formas”
“Ontem eu fiquei sabendo, eu estou dando aqui em primeira mão, que o movimento gay
declarou guerra a Miguel Martini – guerra ferrenha. Certamente, eles vão mais uma vez
inundar meu site com pornografia, vão espalhar notícias pelo site, mentirosas, vão usar a
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mídia pra me caluniar, mas a pastora Marilia sem saber, não sei se ela já sabia disso, mas
ela ontem sem saber já oraram, dizendo assim: tem que fortalecer vocês. A morte, essa
cultura de morte, nós temos que conhecer e saber que ela começa desde o movimento
gay, o estímulo ao movimento gay, o orgulho gay, o orgulho lésbico, o casamento de
gays, tudo isso, porque gay não gera vida – imagem e semelhança de Deus. Não gera. E
quando geram eles matam. É o Herodes, né? Até parafraseando, podemos usar
Apocalipse 12, que eu preguei sobre isso lá no sul de Minas, né? Os nossos mineiros aí.
Dizendo a eles: esperando a criança nascer, porque tão logo irá nascer o dragão que irá
devorar. Só que agora o dragão não tá mais esperando criança nascer, não. Ele já quer
matar é lá dentro do ventre materno, covardemente assassinar” (Grifos Meus).
Assim, o deputado corroborou com a importância da aprovação do Estatuto do
nascituro, pois, “quanto mais defeso, quanto mais provido, quanto mais desprotegido, mais
proteção, mais apoio ele precisa”. Do mesmo modo, ressaltou que os cristãos e defensores
da vida deveriam continuar a luta de defesa da vida a partir da unidade religiosa e também
política na inter-relação entre esferas federal, estadual e municipal. Deste modo, Miguel
Martini afirmou que tal mobilização deveria ser feita “com “radicalidade” por que “sem
tomar uma posição mais radical vamos ser engolidos. Todos os espaços. Isso vale para as
câmaras municipais, vale para a Assembléia Legislativa, vale para a Câmara Federal, vale
pro Senado Federal”.
Por isso mesmo ressaltou o parlamentar o movimento “pró-vida” precisa de
“verdadeiros aguerridos. Não basta dizer: eu sou contra o aborto. Isso é bom, mas não é
suficiente. Eu sou um militante pro vida contra o aborto. Esse nós queremos. Esse
interessa”. Ora, “temos que nos unir, [...]. Cristãos, seguidores de Jesus. Uns são católicos,
outros são evangélicos, são todos seguidores de Jesus, isso é que importa. A bandeira é a
mesma. Eles vão tentar nos impedir. Nós não podemos deixar”. Assim, a Frente de Cristo,
segundo Miguel Martini, teria que se unir não contra os “gays” (que são seres humanos e
merecem respeito), mas sim contra o movimento gay que “são os mentores que estão por
detrás, querendo fazer o povo brasileiro engolir as idéias deles, que são contrárias aos
princípios, não só os cristãos, mas a própria lógica da sociedade. Respeitamos,
respeitamos, mas lutamos contra”. Encerrando sua fala, Miguel Martini relembrou que
“Há um projeto de sociedade que foi apresentado no Plano Nacional de Direitos
Humanos, e está claro, sem meias palavras, eu disse pro ministro Vanucchi. É uma
sociedade atéia, aonde não há lugar para religioso, é uma sociedade com aborto, é uma
sociedade com casamento de gays, com crianças adotadas por gays, com legalização da
profissão de prostituta, e sem direito a propriedade, com a mídia controlada. Essa é a
sociedade que está colocada. [...] Cabe a nós dizer não, não! Não dou aborto, não, não
dou o casamento de gay. Sim, a família valorizada, sim a vida. Pra quê o congresso, se
não tem vida, hein? Se o ser humano não nasce, pra quê que eu vou pensar em saúde?
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Ele não nasceu. Pra quê que eu vou pensar em esporte, educação, saneamento básico, pra
quem? Eu matei. O melhor modo de não ter que trabalhar é isso: mata, né? [...]. Jesus no
Evangelho ele disse ‘eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância’. Seguir
Jesus é defender vida, vida em todas as dimensões. Mas a ameaça maior é a cultura de
morte, e é o aborto. Por isso nós temos que ser radicalmente contra. Que Deus nos
abençoe!” (Grifos Meus)
Ora, as falas e posicionamentos marcados nesta etnografia apontam pistas sobre
como crenças religiosas travestidas de projetos políticos vem ocupando o espaço da
política através da participação de religiosos que defendem, sobretudo, leis morais que
objetivam tornar o mundo dos ímpios, no mundo dos retos. Sendo assim, o cotidiano
mesmo da política institucional é o espaço privilegiado da guerra santa que os crentes
travam contra os incrédulos.
Nesse sentido, o evento “Governantes pela vida” aponta para duas questões. A
primeira delas versa sobre como a peleja iconoclasta entre defensores da vida e
conclamadores da cultura de morte, ocorrida no "tempo da política" de 2010 (apontada no
capítulo 1), estava sendo engendrada no subterrâneo do legislativo antes das campanhas
eleitorais. A segunda questão diz respeito aos modos pelos quais eventos promovidos por
Frente parlamentares e entidades “pró-vida”, políticos de Cristo da esfera municipal e
estadual e a Igreja cristã incitavam a imbricação entre laços espirituais e políticos. Naquela
ocasião, especialmente, tal imbricação se deu no sentido tanto de instigar a Igreja a votar
em candidatos com compromisso pela “vida integral” quanto arregimentar mais fiéis para a
causa de Deus.
De todo modo, tais vozes dissonantes e produtoras de efeitos continuaram a
duelar no espaço do legislativo durante toda a minha permanência em campo (até o recesso
de Julho) como veremos na próxima etnografia grafada neste capítulo.
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64 @
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*+
157
Provérbios 8:8.
* .
*
%.65
157
Projetos de lei que tratam de direitos sexuais e reprodutivos, saúde e corpo da
mulher, vida e morte, gravidez e aborto, nascimento e óbito, eutanásia e anencefalia,
planejamento familiar e fármacos vem sendo rastreados pela FPE especialmente por que
muitos de seus deputados integram a Comissão de Seguridade Social e Família que analisa
o mérito de tais matérias na Casa158. De fato, na 53ª legislatura (2007-2010) a FPE se
posicionou “a favor da vida” “contra a cultura de morte” conclamada, segundo eles, por
movimentos sociais (como o feminista). Mobilizada em torno da idéia de “unidade cristã”
(entre evangélicos, católicos e espíritas) a FPE procurou cerc[e]ar parlamentares
identificados como “contrários” à causa da vida por conta, sobretudo, da iminência das
eleições majoritárias do ano de 2010. Assim, os deputados cristãos se constituíram num
grupo de oposição a projetos de leis concebidos enquanto “contrários a vida” como a
união homoafetiva e a despenalização do aborto. A argumentação, como disse, baseia-se
na idéia de que “outras prerrogativas” não devem ferir a garantia constitucional
inalienável: “o direito à vida”.
Kauara Rodrigues, assessora do CFEMEA, ressaltou que a articulação de grupos
religiosos na 52ª legislatura (2003-2006) da Câmara dos Deputados não se dava de forma
tão mobilizada e estratégica159. Segundo ela “existia na legislatura passada uma
organização forte” intra Igrejas e não entre Igrejas cristãs. Ou seja, não havia uma unidade
cristã articulada “no sentido de aprovar ou rejeitar projetos de lei”. Por isso, para o
CFEMEA esta mobilização estratégica se trata de “um fenômeno mais recente”. Do
mesmo modo, segundo ela, a oposição da FPE contra as reivindicações feministas não era
tão acirrada.
Entendo que tal mobilização cristã mais exacerbada no Congresso Nacional se
inscreve numa contar ofensiva religiosa ao processo político a favor dos direitos sexuais e
158
“Segundo análise do CFEMEA, 70 dos 288 (24%) novos projetos de lei apresentados na atual
legislatura (2007-2011) até maio de 2009, tiveram como tema os direitos sexuais e reprodutivos.
Somando-se a estes os projetos mais antigos, ao todo o CFEMEA monitora hoje 166 proposições
organizadas em três eixos principais: 1) direitos do nascituro, ou ser que está por nascer; 2) aborto; 3)
planejamento familiar. Destas, [proposições] 25% são retrógradas em relação a direitos conquistados.
Entre esses 25% há propostas legislativas que tornam o aborto crime hediondo; criam serviços especiais para
receber denúncias de aborto clandestino; criam medidas assistenciais para evitar o aborto por estupro;
proíbem a participação de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar;
ou criam cadastro obrigatório de gravidez em todas as unidades de saúde para constituir prova de prática do
aborto. Em suas justificativas, expressa-se o caráter condenatório da autonomia reprodutiva das mulheres e
de violação de seus direitos humanos - como o direito à vida, à saúde, à privacidade, ao planejamento
familiar e à igualdade, entre outros – todos previstos na Constituição Federal e em tratados internacionais”
(Freitas, 2001, p. 14, Grifos Meus).
159
Entrevista realizada em 12 de novembro de 2010.
158
reprodutivos de mulheres e da descriminalização do aborto que teve início em 2005 com a
instauração da Comissão Tripartite de revisão da legislação punitiva do aborto. Esta
Comissão, coordenada pela então Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/SPM,
elaborou um texto favorável à legalização do aborto que foi incorporado ao PL 1135/91, de
autoria dos deputados Eduardo Jorge (PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG), que também
propunha a legalização do aborto cuja relatora era a deputada Jandira Feghali (Cunha,
2007; Freitas 2011). Em 2007, o PL 1135/91 – com nova redação que incorporava o
conteúdo do anteprojeto da Comissão Tripartite – foi posto em debate em audiências
públicas, na CSSF ainda naquela legislatura (a 52ª, 2003-2006) (Freitas, 2011). Todavia, o
PL 1135/91 não foi analisado pela CSSF em 2006. Em 2007, o PL 1135/91 ganha um
novo relator, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP) presidente da CSSF e
evangélico. O relator solicita audiências públicas para a discussão do PL. Contudo, seu
parecer era pela rejeição da matéria e manutenção do status quo legal em relação ao aborto.
Ao contrário das discussões calorosas e polarizadas das audiências públicas, a deliberação
deu-se por unanimidade e pelo número máximo de votos, 33 a zero. No mesmo ano foi
também rejeitado o PL 1135/91 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania/CCJC,
que se manifestou pela inconstitucionalidade da matéria e também contrária ao mérito (o
relator era o deputado Eduardo Cunha – PMDB/RJ, evangélico).
Ainda em 2005, é criada a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida contra o
Aborto, e nos anos seguintes outras frentes similares ganharam espaço no Congresso
Nacional. Segundo Freitas (2011) estas frentes tem uma base política confessional, pois,
representa “interesses da hierarquia católica e de segmentos evangélicos e da comunidade
espírita” (p. 12). Deste modo, para a autora, a atuação de tais frentes contradiz o princípio
do Estado laico bem como demonstra a “influência da moral cristã na história política e
social do Brasil” (idem).
Deste modo, entendo que a mobilização cristã, no âmbito da CSSF, na 53ª
legislatura é fruto, em parte, deste processo político iniciado na legislatura anterior. Por
isso mesmo, entidades feministas – como o CFEMEA – apontam o contexto de assimetrias
nas correlações de poder no âmbito do legislativo. É nesse sentido que Kauara Rodrigues
ressaltou que a conjectura atual na Câmara dos Deputados é “desfavorável a nós do
movimento feminista”, pois, aquele espaço marca-se como um espaço de homens brancos,
em sua maioria.
159
Esta característica da Casa, segundo ela, influencia na “forma como estes
parlamentares de marcação tão machista e de patriarcado tão presente nos enxerga [o
movimento feminista] também. Isso a gente pode identificar como um obstáculo a
atuação”. Por isso mesmo, o CFEMEA avalia que “em termos da política mais
institucional foi um ano [2010] marcado por retrocessos”. Isso por que, segundo Kauara
Rodrigues em quase todas as semanas havia na pauta da CSSF projetos de lei “que exigiam
da gente evitar que fossem aprovados”. Algumas pessoas, segundo ela, afirmavam: “isso
não vai aprovar, é absurdo”. Mas “você que está lá sabe, está vendo”. Ora,
“tem espaço para aprovar quaisquer tipos de absurdos, o debate não é qualificado, são
pautados por aspectos morais e religiosos e estes parlamentares respondem as suas bases
a partir desta atuação nestas temáticas então você observa parlamentares que estão ali
toda semana, não levantam daquelas cadeiras. Por que tão comprometidos com esta
pauta. Então é muito forte o comprometimento destes parlamentares [religiosos]”.
(Entrevista gravada e concedida em 12 de novembro de 2011).
Todavia, a despeito de tal conjectura de correlação de forças assimétricas,
segundo Kauara Rodrigues, as entidades feministas procuram dialogar com os deputados
componentes da CSSF, entretanto,
“a gente tem dialogado bem com um grupo pequeno de parlamentares, a CSSF já teve
outra composição muito mais favorável, de discursos mais equilibrados, em termos de
demandas feministas e demandas vamos dizer assim de um viés mais religioso. Esta
última legislatura há um desequilíbrio visível então a gente tem um grupo muito pequeno
de parlamentares que a gente se articula e dialoga né?” (Kauara Rodrigues, assessora do
CFEMEA, entrevista gravada e concedida em 12 de novembro de 2010).
Nesse mesmo sentido, numa rápida entrevista no corredor das salas de Comissões
da Casa, a deputada Jô Moraes (PC do B/MG) avaliou que a sociedade brasileira
presenciou no século XX “grandes avanços em relação à mulher” no sentido de
“compreensão dos fenômenos da necessidade da mulher e do seu corpo”. Contudo,
“particularmente no início de 2010 e no início do século XXI entidades da sociedade civil,
sobretudo as instituições religiosas passaram a atuar substituindo o velho estado
interventor no sentido de intrometer-se na atividade de geração e de sexualidade”.
(Entrevista gravada concedida em 10 de novembro de 2010). Do mesmo modo, segundo a
deputada Jô Moraes, ao passo que durante os oito anos do Governo Lula houve conquistas
de Políticas Públicas para as mulheres também ocorreu a “participação ativa de setores da
160
sociedade civil particularmente de instituições religiosas que passaram a querer normatizar
as questões relativas às funções de gerar e da sexualidade da mulher”.
Todavia, segundo Kauara Rodrigues, o CFEMEA a cada ano legislativo (até por
que a presidência e ocupação das Comissões mudam anualmente160), procura se articular
com deputados e partidos mais sensíveis as causas feministas. Entretanto, trata-se de
“uma articulação complicada por que envolve interesses e acordos políticos grandes e a
forma como o nosso sistema político funciona, a estrutura, desmobiliza muito a atuação
dos movimentos sociais neste momento de composição de comissões e de momentos
importantes”. (Entrevista gravada e concedida em 12 de novembro de 2011).
Deste modo, entendo que a CCSF é uma “comissão muito estratégica” tanto para
movimentos feministas quanto para bancadas religiosas. Segundo Kauara Rodrigues, a
CSSF vem passando por um esvaziamento de parlamentares qualificados para os debates e
temas a ela perenes por conta, sobretudo, do esvaziamento da CSSF de parlamentares do
PT que historicamente possuíam “uma formação mais densa neste tema da seguridade
social, saúde”. Isso por que, o partido vem preferindo ocupar vagas em Comissões que são
mais importantes para o governo como a de Finanças e Tributação/CFT e a de Constituição
Justiça e Cidadania/CCJ. “Então o que a gente vê é um esvaziamento de um debate de
qualidade neste espaço da CSSF”, avalia Kauara, quando “em especial nesta última
legislatura você vê um predomínio, uma ocupação nesta comissão por parlamentares
ligados a segmentos religiosos”, reforça.
Segundo Kauara Rodrigues tal acumulação desigual de forças no âmbito das
sessões da CSSF acaba por ser corroborada por dois outros movimentos. O primeiro pela
atuação de entidades “pró-vida” em outros espaços da sociedade. O segundo pela “ação
coercitiva” de parlamentares ligados a grupos religiosos que ameaçam os demais
deputados: “olha seu nome vai estar lá na paróquia, como abortista, como aborteiro, como
defensor de homicídio de criancinha”. Ora, há “uma capilaridade muito grande destas
160
Vale dizer que a cada eleição do novo Congresso Nacional os partidos elegem uma bancada. Assim, o
presidente da Casa distribui as presidências das Comissões da Casa pelos partidos. Os partidos que elegeram
mais deputados tem precedência na escolha das presidências das Comissões que desejam assumir naquele
ano da nova legislatura. Cada partido, de acordo com o número de deputados eleitos na legislatura, tem um
número de vagas em cada comissão. Número de vagas que só se altera numa nova legislatura. A escolha dos
membros do partido que comporá a comissão é comunicada pelo líder do partido à presidência da Casa. Já a
escolha do deputado que ocupará a vaga de presidente, de vice-presidente e de 2º e 3º vice-presidentes da
Comissão dá-se por meio de uma votação partidária feita pelos deputados membros da Comissão. A cada ano
legislativo os cargos de presidente, vice-presidente e de 2ª e 3º vice-presidentes são alterados de acordo com
a nova indicação do partido e nova votação dos pares. (cf. artigo 25, 26, 27 e 28 e 39 do Regimento Interno
da Câmara dos Deputados, 1989, 47-50).
161
informações nos cultos, nas igrejas e nas paróquias que estão em toda a parte”. Para o
CFEMEA trata-se de efeitos que poderiam, inclusive, ter impactado os resultados das
urnas. Pois, tal capilaridade entre “grande política” e base eleitoral promovida através de
discursos online e nas Igrejas foi utilizada nas últimas eleições presidenciais quando se fez
um “uso político do tema do aborto pra ganhar votos”, ajuizou Kauara.
Outrossim, o CFEMEA aponta para duas questões interessantes. A primeira que
este “espaço dominado” ou “espaço de desequilíbrio” não pode ser lido a partir de uma
divisão ideológica partidária. Por que “a maioria dos projetos e propostas no legislativo
que tramitam na CCSF que retroagem nos direitos [de mulheres] são feitos por
parlamentares do PT e PV partidos indicados com a esquerda”. Do mesmo modo, naquele
ano de 2010, a demanda de entidades feministas pela defesa de projetos de lei que tratam
de aborto e direitos reprodutivos sofreu o impacto da proximidade do "tempo da política".
Assim, o CFEMEA avaliou que as “dificuldades em conseguir aliados” naquele contexto
se deram tanto por causa deste
“processo que de esvaziamento da comissão de um debate qualificado quanto pelo
próprio momento de proximidade do último ano com as eleições. E como este tema [do
aborto] é difícil de ser defendido neste contexto, os deputados fogem desta temática. Não
é interessante pra eles que querem se reeleger defender esta pauta”.
De fato, segundo a deputada Jô Moraes, “o estatuto do nascituro é parte deste
processo” uma vez que esta proposta “integra um conjunto de iniciativas que nesta
legislatura foram apresentadas para tentar fazer esta intervenção [na gerência do corpo
feminino]”. A deputada apontava que o Estado brasileiro (pós- redemocratização) optou
pelas liberdades laicas e democráticas, escolhendo, pois, não mais intervir diretamente nas
escolhas e ações individuais de seus cidadãos. Um contraponto ideológico aos anos de
chumbo marcado por censura, repressão e torturas. Contanto, “o que presenciamos hoje na
CSSF é uma nova forma de instrumentalização do papel interventor do Estado realizada
pelas bancadas religiosas” que objetiva através de projetos de lei tanto retroagir direitos já
conquistados pelas mulheres quanto exercitar um controle dos corpos, das sexualidades e
dos desejos femininos, considerou a deputada.
Nesse sentido o CFEMEA avaliava no final da 53ª legislatura que a próxima
legislatura da Câmara dos Deputados (54ª, de 2011-2014) prevaleceria à força das
bancadas religiosas articuladas e mobilizadas, especialmente, no âmbito da CSSF. Fato é
que a FPE aumentou o seu número de parlamentares eleitos de 56 para 71, a despeito da
162
redução da bancada católica. De todo modo, listo alguns projetos de lei pró-vida propostos
pela “Frente cristã” na 53ª legislatura (2007-2010). Propostas que intencionam, sobretudo,
moralizar costumes e restaurar a ordem cultural perniciosa defendida por “militantes de
direitos humanos”.
Em 2008, o deputado Miguel Martini (PHS/MG), católico, apresentou diversos
projetos “pró-vida”. O Projeto de Decreto Legislativo/PDC no 1050/2008 que propõe
sustar os efeitos da Portaria nº 1.707/2008 do Ministério da Saúde que institui, no âmbito
do Sistema Único de Saúde, o Processo Transexualizador (conhecido como mudança de
sexo), a ser implantado nas unidades federadas. O projeto aguarda parecer do relator Chico
D´angelo (PT/RJ) na CSSF. No final da legislatura passada (2007-2010) o PL foi
arquivado, sob o regimento da Casa que estabelece que todas as proposições sejam
arquivadas. Todavia, no início da nova legislatura um parlamentar pode solicitar o
desarquivamento do projeto a fim de que seja reapresentado na Casa.
O PL 3207/2008 proposto por Miguel Martini (PHS/MG) que inclui o
induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (eutanásia) e o aborto provocado como
crimes hediondos. O projeto aguarda relator na CSSF. O projeto foi desarquivado no
início da atual legislatura em 17 de fevereiro de 2011 por Givaldo Carimbão (PSB/AL). O
deputado propôs também o PL no 3204/2008 que obriga à impressão da advertência
“aborto é crime” nas embalagens de produtos que detectam a gravidez. O mesmo tramitou
na CSSF tendo como relator o deputado Dr. Talmir (PV/SP), mas fora retirado de pauta
atendendo ao pedido regimental da deputada Cida Diogo (PT/RJ). Atualmente encontra-se
arquivado.
Em 2009, o deputado Paes de Lira (PTC/SP), católico, e o deputado Capitão
Assumção (PSB/ES), evangélico, propuseram o PL no 5167/2009 que altera o art. 1.521 da
Lei nº 10.406 de 2002 que institui o Código Civil. O PL (que aguarda entrada na pauta da
CSSF) diz que nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo
pode equiparar-se ao casamento entre homem e mulher, logo, uma união homoafetiva não
pode ser entendida pelo Estado enquanto “entidade familiar”. O PL foi recebido em 2010
pela CSSF não tendo sido designado um relator. No final da legislatura passada foi
arquivado sendo desarquivado em 08 de fevereiro de 2011 pela deputada Manuela D'Ávila
(PC do B/RS). Tal projeto trata-se de uma oposição ao PL 2285/2009, conhecido como
Estatuto das Famílias, proposto pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) que
163
tramita na CCJC. Contudo, na Comissão de Seguridade e Família, foram excluídos pelo
Relator Padre José Linhares (PP/CE) os dispositivos que tratam da entidade homossexual,
assegurando o direito à diversidade e a entidade homoafetiva como entidade familiar161.
Já o deputado evangélico Henrique Afonso (PV/AC) apresentou o PL 5634/2009
que cria o “Dia do Irmão” a ser comemorado, anualmente, no segundo domingo do mês de
julho. A proposta foi relatada na Comissão de Educação e Cultura pelo deputado Marcelo
Almeida (PMDB/PR) tendo sido aprovado por unanimidade. Em seguida, foi conduzida a
CCJC tendo como relatora a deputada Sandra Rosado (PSB/RN) que apresentou em um
parecer em 21 de maio de 2010 pela “constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa” da proposição. No final da legislatura passada a proposição foi arquivada tendo
sido desarquivada em 02 de fevereiro de 2011 pelo deputado Henrique Afonso (PV/AC).
O deputado Henrique Afonso (PV/AC) é organizador das Jornadas pela família
(um movimento pró-vida) e autor do PL no 1057/2007 conhecido como “Lei Mwadji” que
“dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos
fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não
tradicionais” (Notas originais do PL). A proposição foi encaminhada para a CDHM tendo
como relatora a deputada Janete Rocha Pietá (PT/SP). Em 17 de julho de 2008 a deputada
apresentou o parecer pela aprovação com substitutivos.
A proposta foi ao longo da
legislatura passada foi retirada da pauta do dia da CDHM pela relatora, reconduzida a
mesma, pedido de vistas ao PL foi feito pelo deputado Chico Alencar (PSOL/RJ) e a
deputada Iriny Lopes (PT/ES) solicitou o adiamento da discussão do PL. Projetos de cunho
polêmico, mormente, mobilizam afetos e também barganhas e acordos políticos. No final
da legislatura passada o PL foi arquivado sendo desarquivado em 08 de fevereiro de 2011 a
pedido do deputado Henrique Afonso. Em 17 de maio de 2011, a deputada Janete Rocha
Pietá (PT/SP) apresentou novamente seu parecer, pela aprovação na forma do substitutivo.
161
Durante o VII Seminário de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais – Direitos Humanos:
Desafios e Perspectivas, realizado em 18 de maio de 2010, Léo Mendes, Secretário de Finanças da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ironizou: “Quantas pessoas
pagam impostos? Nós pagamos impostos. As igrejas, não. (Palmas.) Eu pago. Quem está aqui paga energia,
os salários dos servidores, os salários de V.Exas. As igrejas não pagam. Elas não pagam os salários de
V.Exas. Portanto, não têm de ouvir quem não paga imposto. Somos 20 milhões pagando impostos; 20
milhões mantendo viva esta Casa” (BRASILIA: Câmara dos Deputados. Notas taquigráficas do VII
Seminário de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais – Direitos Humanos: Desafios e
Perspectivas. Evento conjunto das Comissões de Legislação Participativa, de Direitos Humanos e Minorias e
de Educação e Cultura, 18 de maio de 2010, n°: 0611/10, p. 48).
164
Em 01º de junho de 2011, numa sessão ordinária da CDHM, foi aprovado unanimemente o
parecer, com alteração no substitutivo.
O deputado Cléber Verde (PRB/MA) em 2008 o PL que institui o dia nacional do
Evangélico, a ser comemorado em 30 de novembro. O PL seguiu para a CEC tendo como
relator o deputado Gilmar Machado (PT/MG), evangélico. Em 07 de novembro de 2008 o
deputado apresentou o parecer pela aprovação do PL. O parecer do relator foi aprovado por
unanimidade na sessão ordinária da CEC de 03 de dezembro de 2008. Seguiu a CCJC
tendo como relator o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), também evangélico. Em 07 de
abril de 2009, o relator apresentou o parecer. O deputado Pedro Ribeiro (PR/CE),
evangélico, pediu vistas ao parecer do colega em 09 de julho de 2009. Em 14 de julho de
2009, Eduardo Cunha apresentou a complementação de voto (considerando, pois, a
sugestão de Pedro Ribeiro). Em seguida, apresentou o parecer com complementação de
voto pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, com emendas. Em 26 de
agosto de 2009, foi aprovado por unanimidade, numa sessão ordinária da CCJC, o parecer
com complementação de voto do deputado Eduardo Cunha. A matéria sendo de caráter
conclusivo nas Comissões da Câmara dos deputados seguiu ao Senado Federal onde
tramita.
Em 2010, três propostas apresentadas por parlamentares evangélicos suscitaram
polêmica na Casa legislativa. O deputado Robson Rodovalho (PP/DF) apresentou o PL no
7022/2010 que inclui um dispositivo na Lei nº 10.406 de 2002 (Código Civil) dispondo
sobre o registro público da gravidez cujo objetivo é reduzir a prática ilícita do aborto. O PL
foi conduzido a CSSF tendo como relator o deputado Armando Abílio (PTB/PB). O
parecer da matéria não chegou a ser relatado em nenhuma das sessões ordinárias da CSSF.
No final legislatura passada a proposição foi arquivada. A proposição permanece
arquivada.
Zequinha Marinho (PSC/PA) apresentou o PL no 7018/2010 que veda a adoção
de crianças e adolescentes por casais do mesmo sexo. O PL foi conduzido a CSSF tendo
como relator o deputado João Campos (PSDB/GO), presidente da FPE. O parecer da
matéria não chegou a ser relatado em nenhuma das sessões ordinárias da CSSF. No final
legislatura passada a proposição foi arquivada. Todavia, a proposição foi desarquivada em
02 de fevereiro de 2011 pelo deputado Zequinha Marinho.
165
O deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) apresentou o PL no 7382/2010 que
“penaliza a discriminação contra heterossexuais”162. A idéia do referido projeto de lei que
“combate a heterofobia” surge durante a audiência pública realizada em maio de 2010 para
debater o Estatuto das famílias, proposto pelo deputado Vacarezza (PT/SP). Naquela
ocasião, o representante da Assembléia de Deus, Abner Ferreira disse “eu acho que precisa
tramitar nesta Casa, Srs. Deputados, imediatamente, um projeto de lei que pune os crimes
contra a heterofobia. Essa é a grande verdade163” O deputado Eduardo Cunha logo
concordou: “esse manifesto [o estatuto das famílias] distribuído com palavras e formas,
inclusive, insultantes a todos aqueles que têm posição contrária, isso sim é que é uma
incitação à heterofobia!” (idem, p. 88). Do mesmo modo Eduardo Cunha argumenta, pois,
que “a preocupação com grupos considerados minoritários [os homossexuais] tem
escondido o fato de que a condição heterossexual também pode ser objeto de
discriminação [sic], a ponto de que se venha tornando comum a noção de heterofobia [sic]”
(Notas do PL original).
Uma vez apresentada a proposição seguiu para a CCJC tendo como relator o
deputado Carlos Willian (PTC/MG), evangélico. O parecer da matéria não chegou a ser
relatado em nenhuma das sessões ordinárias da CCJC, naquela legislatura, logo, ao seu
final a proposição foi arquivada. Todavia, a matéria foi desarquivada em 02 de fevereiro de
2011 pelo deputado Eduardo Cunha. Reconduzida a CCJC nesta legislatura, foi designado
em 23 de maio de 2011, o deputado João Magalhães (PMDB/MG) como novo relator da
proposição.
Heterofobias a parte, o Estatuto do Nascituro de autoria dos deputados Luiz
Bassuma (PV/BA) e Miguel Martini (PHS/MG) fora o causador do maior debate entre
crentes e relativistas no âmbito das sessões ordinárias da CSSF em 2010.
162
A justificativa do PL finaliza com a seguinte proposição: “Se não se tem em conta as possíveis formas de
discriminação contra heterossexuais ao se propor políticas públicas antidiscriminatórias referentes à
orientação sexual pode-se transmitir a impressão de que a afetividade da pessoa homossexual, bissexual ou
transgênero encontra-se em um patamar de relacionamento humano mais elevado que a afetividade
heterossexual. Recorremos, por isso, às normas vigentes ou propostas em diplomas destinados a combater a
homofobia para trazer essa discussão à tona, mas agora em sentido inverso. Talvez possamos, assim, dar à
discussão sobre o tema, em andamento no Congresso Nacional, um maior equilíbrio”.
163
BRASILIA: Câmara dos Deputados, Notas taquigráficas, Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, Audiência Pública sobre o Estatuto das Famílias, 12 de maio de 2010, p. 49.
166
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A Comissão de Seguridade Social e Família é uma das comissões permanentes da
Casa que são “órgãos técnicos criados pelo Regimento Interno da Casa e constituídos de
deputados(as), com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são
apresentadas à Câmara165”. Após ser apresentado no plenário da Casa, o projeto de lei é
enviado à comissão julgadora de seu mérito. Todos os projetos são enviados a CCJC,
alguns a CFT. Os PL se dividem em conclusivos nas Comissões ou conclusivos no
Plenário. No primeiro caso, depois de aprovados nas comissões da Câmara seguem direto
ao Senado Federal, no segundo caso devem passar pelo Plenário da Câmara e, se
aprovados, seguem ao Senado. Os PL de teor mais polêmicos e controversos, mormente,
passam pelo Plenário da Casa antes de seguir ao Senado Federal.
A CSSF foi criada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados de 1989 (em
seu Art. 32, XII, parágrafo único) tendo como atribuições legislar em torno das temáticas
de família, previdência social, saúde, assistência social166. Por isso, trata-se de uma
comissão “muito estratégica” para movimentos feministas e de mulheres por que nela
tramita “a maioria de PL que dizem respeito aos nossos direitos” afirmou Kauara
164
João 10:10.
Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes acesso
em 10 de junho de 2011.
166
As atribuições da Comissão de Seguridade Social e Família se dão nas seguintes áreas: a) assuntos
relativos à saúde, previdência e assistência social em geral; b) organização institucional da saúde no Brasil; c)
política de saúde e processo de planificação em saúde; sistema único de saúde; d) ações e serviços de saúde
pública, campanhas de saúde pública, erradicação de doenças endêmicas; vigilância epidemiológica,
bioestatística e imunizações; e) assistência médica previdenciária; instituições privadas de saúde; f)
medicinas alternativas; g) higiene, educação e assistência sanitária; h) atividades médicas e paramédicas; i)
controle de drogas, medicamentos e alimentos; sangue e hemoderivados; j) exercício da medicina e
profissões afins; recursos humanos para a saúde; l) saúde ambiental, saúde ocupacional e infortunística;
seguro de acidentes do trabalho urbano e rural; m) alimentação e nutrição; n) indústria químico-farmacêutica;
proteção industrial de fármacos; o) organização institucional da previdência social do País; p) regime geral e
regulamentos da previdência social urbana, rural e parlamentar; q) seguros e previdência privada; r)
assistência oficial, inclusive a proteção à maternidade, à criança, ao adolescente, ao idoso e ao portador de
deficiência; s) regime jurídico das entidades civis de finalidades sociais e assistenciais; t) matérias relativas à
família, à mulher, à criança, ao adolescente, ao idoso e ao excepcional ou deficiente físico; u) direito de
família e do menor. (BRASÍLIA: Câmara dos Deputados. Regimento Interno da Câmara, Resolução no 17, de
1989, p. 61-62).
165
167
Rodrigues do CFEMEA. De fato, a CSSF avalia o mérito de projetos de lei relacionados a
quaisquer esferas da “família”. Logo, projetos sobre interrupção de gravidez, adoção de
crianças, eutanásia, planejamento familiar são avaliados nesta Comissão.
Sendo assim, evangélicos, católicos e espíritas ocuparam assentos na CSSF no
ano de 2010 da 53ª legislatura (Ver anexo 4). Dos 33 parlamentares titulares que
compunham a CSSF seis deles eram cristãos. Três evangélicos (a 1º Vice-Presidente,
deputada Sueli Vidigal (PDT/ES) da Igreja Batista; o 3º Vice-Presidente, deputado Manato
(PDT/ES) da Igreja Maranata; o deputado titular Henrique Afonso (PV/AC) da Assembléia
de Deus) e três católicos (Miguel Martini (PHS/MG) (da Canção Nova rede midiática da
Renovação Carismática Católica), Dr. Talmir Rodrigues (PV/SP) (presidente da Frente
Parlamentar Mista em Defesa da Vida contra o Aborto) e Padre Linhares (PP/CE)). Dos 32
deputados suplentes da CSSF seis eram evangélicos (Takayama (PSC/PR) da Assembléia
de Deus, João Campos (PSDB/GO) da Assembléia de Deus, Antonio Bulhões (PRB/SP) da
IURD, Antonio Carlos Chamariz (PTB/AL) da Assembléia de Deus, Dr. Nechar (PP/SP)
da Assembléia de Deus e Fátima Pelaes (PMDB/AP) da Assembléia de Deus), um era
católico (Paes de Lira (PTC/SP) e um era espírita (Luiz Bassuma (PV/BA)). Totalizando
oito deputados suplentes na CSSF a favor da “vida em si”.
Vale ressaltar que, não há uma obrigatoriedade no que tange ao Regimento
Interno da Casa, que o deputado titular participe de todas as sessões ordinárias da comissão
a qual faz parte. Até por que, o mesmo deputado pode participar de mais de uma Comissão
da Casa. Nas regras do jogo político das Comissões da Casa, deputados titulares e
suplentes são figuras de igual “valor”. Deste modo, o deputado (titular e suplente) pode
escolher em qual Comissão, de acordo com os interesses em jogo, participará em
determinada sessão ordinária. Assim, o deputado suplente pode ocupar a vaga, também de
acordo com os interesses em jogo. Logo, os deputados se revezam nas sessões ordinárias
das Comissões a fim participarem das votações de matérias que sejam do interesse, da
frente parlamentar a qual faz parte ou de seu partido político.
Nesse sentido, no âmbito das votações nas Comissões da Casa, os deputados
suplentes tem direito a voto desde que o titular da vaga a qual faz parte não esteja presente
na sessão ordinária. Logo, ser suplente na CSSF para os cristãos é uma estratégia eficaz no
que tange a apresentação de PL a favor da vida ou no sentido de barrar PL contrários a seus
interesses. Fato que pude verificar in locu quando os deputados cristãos suplentes da CSSF
168
se fizeram presente em todas as sessões ordinárias da Comissão as quais assisti.
Considerando deputados titulares e suplentes em equivalência, num total de 33
parlamentares que tem direito a voto nas sessões ordinárias da CSSF, em 2010, quatorze
deles eram cristãos a favor “da vida” (cerca de 42 %) sendo nove deputados
evangélicos, um espírita e quatro católicos.
No capítulo 1, etnografei minha primeira ida a uma sessão ordinária da CSSF a
fim de acompanhar dois projetos de lei que haviam sido recebidos pela comissão para ser
apreciados. Sendo assim, durante meu trabalho de campo participei das sessões ordinárias
da CSSF sempre após observar os cultos evangélicos promovidos pela FPE, pois, os cultos
ocorriam das 08h30min às 09h45min e as sessões ordinárias da CSSF se iniciam às
09h30min. Logo, saia do Plenário 13 até o Plenário 07, onde se instaura a CSSF. Ambos
Plenários estão localizados no mesmo corredor. Etnografo, pois, brevemente, minha rotina
durante a observação participante nas sessões ordinárias da CSSF.
Como disse, após os cultos me conduzia a CSSF, inclusive alguns secretários da
FPE e assessores de parlamentares evangélicos realizam, comumente, o mesmo
deslocamento. Chegando ao plenário 07 procurava obter uma cópia da pauta do dia com
uma secretária da CSSF que se postava de pé atrás numa pequena mesa ao lado esquerdo
da porta de entrada da sala. Em seguida, procurava um local adequado para visualizar a
cena. Os plenários da Casa são semelhantes entre si no que tange a forma como os objetos
(mesas, câmeras, cadeiras) são disponibilizados no cenário. O tamanho das salas de
comissão varia a despeito de todas elas possuírem um chão acarpetado em tom cinza. A
sala conta com uma pequena saleta (do lado esquerdo de quem entra no ambiente) na qual
está localizado o setor de áudio, gravação, vídeo e transmissão online.
Há uma mesa disposta de forma central, locada num batente elevado acarpetado
em cinza, que é ocupada nas sessões ordinárias pelo presidente da comissão e pelo
secretário da comissão. Do seu lado esquerdo há uma pequena mesa com um computador
ocupada por um funcionário da comissão. Do outro lado, há também uma mesa para os
funcionários da Comissão. Na plenária da sala de comissão há seis fileiras de mesas
acopladas umas as outras com cadeiras. As primeiras fileiras são exclusivas dos
parlamentares, as demais podem ser ocupadas pelas demais pessoas. Do lado direito da
sala há cadeiras avulsas encostadas na parede. Mais a frente destas cadeiras há um cordão
de isolamento que separa até onde os cidadãos podem circular no ambiente. A sua frente,
169
um segurança autoriza a passagem de deputados, assessores e funcionários. Esta passagem
permite, portanto, que a pessoa acesse o outro corredor que também dá acesso as salas de
comissões da Casa, mas que é transitado, exclusivamente, por parlamentares, assessores e
funcionários autorizados. Câmeras e repórteres da TV Câmara e de outros setores da mídia
nacional marcam a cena.
O clima da sessão ordinária é sempre muito intenso. Representantes de
movimentos sociais, entidades da sociedade civil, funcionários do Executivo e do
Judiciário. Falatórios, celulares tocando, pessoas atendendo seus telefones celulares,
conversas paralelas, passos apressados, calor, reivindicações. Como narrei no capítulo 1,
trata-se de um ambiente ensurdecedor. A sessão ordinária167 inicia-se após haver quorum
suficiente para que a mesma tenha início, ou seja, metades de seus componentes (artigo 50
do Regimento Interno) devem assinar a lista de presença e permanecer no Plenário da
comissão. Cumprida esta exigência, o presidente da Comissão dá inicio a sessão: “havendo
número regimental, declaro aberta a sessão. Os deputados, por favor, tomem seus lugares”.
Em seguida, o presidente pergunta aos pares se há necessidade de verificação de
quórum quando se lê nominalmente o nome de todos os deputados participantes da
comissão (artigo 50, § 2º do Regimento Interno). Pelo menos metade dos membros da
Comissão deve assinar a lista de presença, no caso da CSSF deve haver 17 parlamentares
membros para que a sessão possa ser iniciada (artigo 50 do Regimento Interno). Após este
procedimento, o presidente da comissão “consulta a plenária se há necessidade de realizar
a leitura da ata do dia”. Geralmente, um dos deputados pede, verbalmente, a dispensa da
leitura. O presidente então consulta a plenária: “aqueles que concordam com a dispensa,
permaneçam como estão”. E prossegue: “os deputados que concordam, permaneçam como
estão”. Assim, tendo a concordância da plenária o presidente diz: “sendo dispensada a
167
Segundo o regimento interno da Casa (1989) na Seção VII (Das Reuniões, p. 73-75) em seu Art. 46. As
Comissões reunir-se-ão na sede da Câmara, em dias e horas prefixados, ordinariamente de terça a quintafeira, a partir das nove horas, ressalvadas as convocações de Comissão Parlamentar de Inquérito que se
realizarem fora de Brasília. § 1o Em nenhum caso, ainda que se trate de reunião extraordinária, o seu horário
poderá coincidir com o da Ordem do Dia da sessão ordinária ou extraordinária da Câmara ou do Congresso
Nacional. § 6o As reuniões durarão o tempo necessário ao exame da pauta respectiva, a juízo da Presidência.
§ 7o As reuniões das Comissões Permanentes das terças e quartas-feiras destinar-se-ão exclusivamente a
discussão e votação de proposições, salvo se não houver nenhuma matéria pendente de sua deliberação. Art.
47. O Presidente da Comissão Permanente organizará a Ordem do Dia de suas reuniões ordinárias e
extraordinárias, de acordo com os critérios fixados no Capítulo IX do Título V. Art. 48. As reuniões das
Comissões serão públicas, salvo deliberação em contrário. Seção VIII (Dos Trabalhos, p. 76-77) Art. 51. As
Comissões Permanentes poderão estabelecer regras e condições específicas para a organização e o bom
andamento dos seus trabalhos, observadas as normas fixadas neste Regimento e no Regulamento das
Comissões, bem como ter Relatores e Relatores substitutos previamente designados por assuntos.
170
leitura da ata, colocamos a ata em discussão”. Comumente a ata também não é discutida,
por isso, o presidente da Comissão profere: “não havendo quem queira discuti-las,
colocamo-las em votação” não sem antes informar as correspondências recebidas e os
informes. O procedimento seguinte da cena ritual é dar quinze minutos para que os
parlamentares presentes solicitem inversão de pauta ou preferência de um PL.
As Comissões da Casa seguem o Regimento Interno que organiza como estas
devem funcionar, mas que também confere autonomia para que as Comissões funcionem
“como achar melhor” a fim de dinamizar as votações dos PL. Os PL são classificados de
urgência, de prioridade e os ordinários. Os PL de urgência tem o prazo de 5 sessões pra ser
apreciados, os de prioridade 10 sessões e os ordinários, 40 sessões. Assim, a ata da reunião
é montada seguindo uma numeração na qual consta esta ordem prioritária. Em 2010, na
CSSF, os deputados presentes, sendo relatores ou autores de PL constantes na pauta,
podem pedir preferência (de votação) ou retirada da pauta de dia. Do mesmo modo, cada
parlamentar tem o direito de fazer um pedido: ou a preferência (“inversão” do PL na ordem
da pauta do dia) ou a retirada de um PL da pauta do dia 168. (Entrevista com o secretário
geral da CSSF, 18 de agosto de 2010)
Este é o procedimento que se repete em todas as sessões ordinárias de todas as
Comissões da Casa. Dependendo da pauta do dia, há disputas, barganhas, acordos entre os
deputados, como foi no caso do Estatuto do Nascituro. O Estatuto do Nascituro (PL no
4787/2007) de autoria dos deputados Luiz Bassuma (PV/BA) e Miguel Martini (PHS/MG),
foi apresentado no plenário da Casa em 19 de março de 2007. Trata-se do mesmo projeto
apresentado (no 489/2007) em 20 de março de 2007 pelo deputado Odair Cunha (PT/MG)
membro da Bancada católica. Ao projeto do Estatuto do Nascituro foi apensado o PL no
489/07 (que também dispunha sobre o Estatuto do Nascituro), o PL no 1.763/07 (que
dispõe sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro) e o PL no
168
A sessão ordinária é aberta quando há quorum no Plenário. Em seguida, o presidente pergunta aos pares se
há acordo para não ler a pauta do dia nem realizar a conferência nominal dos deputados presentes. Logo
depois, o presidente pergunta se os deputados desejam retirar algum PL da pauta do dia ou inverter a ordem
da pauta, ou seja, solicitar que um determinado PL seja discutido fora da ordem estabelecida pela pauta. Cada
parlamentar tem o direito de pedir inversão de pauta para um PL. Somente o autor ou o relator do PL pode
solicitar sua retirada da pauta, contudo, se outro parlamentar solicitar a retirada do PL da pauta, o mesmo
deve ser votado e aprovado pela maioria dos deputados presentes.
171
3.748/08 (que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão à mãe que mantenha criança
nascida de gravidez decorrente de estupro) 169.
O Estatuto do Nascituro chega a CSSF em 30 de março de 2007. Em 04 de junho
de 2007 é designada como relatora a deputada Solange Almeida (PMDB/RJ). Segundo a
deputada, numa entrevista concedida, ela contou que foi escolhida relatora do Estatuto do
Nascituro por conta de seu posicionamento contrário ao PL 1331/1991, de autoria dos
deputados Eduardo Jorge (PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG) que propunha legalizar o
aborto. Segundo Solange Almeida (PMDB/RJ), á época que o PL 1331/1991 voltou a
Casa, o deputado Thadeu Mudalen (DEM/SP), então presidente da CSSF e evangélico,
“me escolheu por conta da minha posição e pelo fato de eu ser mulher por que por incrível
que pareça aqui é muito difícil ter uma mulher contra o aborto. A maioria da bancada
feminina é a favor da legalização do aborto”. Por isso mesmo, como membro da Frente
Parlamentar pela Vida, ainda sobre a relatoria do PL, a deputada afirmou: “nunca pensei
em vir pra cá para participar de algo assim, eu sempre achei que isso já estava sedimentado
na sociedade de se posicionar contra o aborto” (Entrevista gravada, concedida em 18 de
agosto de 2010).
Em 26 de novembro de 2009, numa sessão ordinária da CSSF, a deputada
Solange Almeida apresentou o parecer sobre o Estatuto do Nascituro pela aprovação deste
com substitutivo. A CSSF fez uma audiência pública em 13 de dezembro de 2007 para
discutir o Estatuto do Nascituro. Todavia, durante a tramitação do Estatuto do Nascituro
pela CSSF o mesmo fora retirado da pauta do dia em diversas sessões ordinárias da
Comissão por diferentes deputados. Tratar-se-ia de uma das estratégias regimentais,
próprias da lógica do jogo político, utilizadas tanto pelos deputados favoráveis quanto
pelos contrários a proposta. Em 09 de dezembro de 2009, Solange Almeida (PMDB/RJ)
retirou o PL da pauta do dia da CSSF. Em 17 de março de 2010 – meu primeiro dia de
campo – o PL foi retirado de pauta a requerimento da Deputada Sueli Vidigal (PDT/ES).
169
A deputada Solange Almeida em sua relatoria apensou dois outros projetos ao Estatuto do Nascituro que
regulamenta expectativas de direitos daqueles cidadãos ainda não nascidos. O PL no 1.763/07 de autoria do
deputado evangélico Henrique Afonso (PV/AC) e da deputada Jusmari Oliveira dispõe sobre a assistência à
mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro. O PL no 3.748/08 de autoria da deputada evangélica Sueli
Vidigal (PDT/ES) que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão à mãe que mantenha criança nascida de
gravidez decorrente de estupro.
172
Em 24 de março de 2010170 – segunda semana de campo –, a deputada Solange Almeida
apresentou o parecer da relatoria pela aprovação do Estatuto do Nascituro, do PL no
489/2007, do PL no 1763/2007 e do PL no 3748/2008, apensados, com substitutivo. O
argumento do relatório era que o Estatuto do Nascituro traz à baila a temática da “distinção
entre direito e expectativa de direito no que concerne ao nascituro” (Relatoria do PL, p. 2).
Nesse sentido, o nascituro é um “ser humano que já existe, com o seu patrimônio genético
plenamente definido desde o início da sua existência com a concepção, é efetivo titular de
direitos” (idem, p. 3).
Em 14 de abril de 2010, o Estatuto do Nascituro foi retirado da sessão ordinária
da CSSF pelo deputado José Linhares (PP/CE). No dia 05 de maio de 2010, em sessão
ordinária da CSSF, a entrada do Estatuto do Nascituro na pauta do dia foi disputada entre
os deputados favoráveis a proposta e os contrários. O auditório estava lotado, assessores de
deputados andavam de um lado para o outro. A cena marcava-se por falatórios na plenária
e manifestações calorosas de entidades e organizações feministas. O deputado Darcísio
Perondi (PMDB/RS) requereu a retirada da pauta do dia do Estatuto do Nascituro. Naquela
sessão ordinária, os deputados iniciaram um debate acerca do pedido de requerimento do
deputado Perondi. O presidente da CSSF, Vieira da Cunha (PDT/RS), lembrou aos pares
que a sessão ordinária da semana anterior acabou sendo encerrada por falta de quórum. O
que o deputado Vieira da Cunha solicitava aos pares é que por conta “desta matéria” (o
Estatuto do Nascituro) os demais PL que iam ser apreciados naquela sessão acabaram não
sendo discutidos. Por isso, reforçou o presidente da CSSF, “o que eu não gostaria é que
isso acontecesse de novo, pois, temos oito projetos em preferência para discutir”.
O deputado Paes de Lira (PTC/SP) pediu a palavra afirmando que o requerimento
tratava-se de uma “manobra regimental” daqueles deputados que não queriam se
comprometer em ano eleitoral com matérias polêmicas. Solange Almeida (PMDB/RJ),
relatora do Estatuto do Nascituro, solicitou aos pares que o pedido de requerimento feito
pelo deputado Perondi “nem fosse votado”. Deste modo, a deputada pediu para que o
Estatuto do Nascituro entrasse na pauta de preferência do dia a fim de ser, ao menos,
discutido pelos deputados componentes da CSSF. Solange Almeida lembrou ainda que
170
Neste dia não acompanhei a sessão ordinária da CSSF, pois, estava participando do Seminário “A família,
a Igreja e o PNDH-3” (promovido pela Frente Cristã e pela Frente Parlamentar a Favor da Vida do Congresso
Nacional).
173
aqueles deputados que se opunham ao Estatuto do Nascituro poderiam pedir,
regimentalmente, vistas ao projeto, após a leitura do parecer do PL.
Darcísio Perondi (PMDB/RS) toma a palavra afirmando que votar aquela matéria
naquele momento não seria prioridade da Comissão. Do mesmo modo, o deputado lembrou
que a audiência pública que foi feita para discutir o tema foi “unilateral e rasa” quando
apenas um lado foi ouvido. Assim, o deputado solicitou aos pares que a matéria fosse
analisada pela CSSF de forma mais densa e que, após as eleições, o PL fosse discutido,
logo, requeria que o PL não fosse “votado agora”. Do mesmo modo, Darcísio Perondi
afirmou que, apesar da deputada Solange Almeida “ter limpado o PL em seu
substitutivo171”, a proposição continua, implicitamente, ferindo “códigos penais e diretrizes
do Governo Federal” ao sobrepor expectativas de direitos do nascituro aos direitos de
sujeitos, as mulheres.
O presidente da CSSF, Vieira da Cunha, ameniza aos ânimos exaltados afirmando
que o requerimento apenas solicitava a retirada do PL da pauta daquela sessão ordinária.
Por isso, sem mais delongas, solicitou que o requerimento feito pelo deputado Perondi
fosse logo votado a fim de que os demais PL constantes na pauta do dia pudessem ser
apreciados naquela sessão ordinária. Antes da votação, Vieira da Cunha, deu a palavra para
Luis Bassuma (PV/BA), um dos autores do Estatuto do Nascituro que discorreu sobre o
pedido de requerimento: a despeito de ser regimental, os deputados deveriam ter “bom
senso” no debate, uma vez que, foram eleitos para “apreciar e votar leis que tratam dos
anseios da sociedade”.
Do mesmo modo, o deputado lembrou que a CSSF já havia, na legislatura
anterior, “rechaçado o projeto de lei que propunha legalizar o aborto no Brasil”. Por isso
mesmo, segundo ele, “já é de conhecimento público o posicionamento de cada deputado da
comissão em relação ao tema”. Deste modo, Bassuma afirmou que o Estatuto do nascituro
é a antítese da legalização do aborto, logo, aqueles deputados que estavam se posicionando
contra a matéria, eram favoráveis, pois, a legalização do aborto no Brasil. Outrossim, não
teve dúvidas em afirmar categoricamente: aqueles deputados que se opunham ao Estatuto
do Nascituro eram favoráveis “ao assassinato de crianças que continua a ser feito de forma
impunemente no Brasil”!
171
BRASÍLIA: Câmara dos Deputados. SUBSTITUTIVO ao Projeto de Lei No 478/2007, Deputada Solange
Almeida, Comissão de Seguridade Social e Família, 2010.
174
Cida Diogo (PT/RJ) toma a palavra e discorre sobre o modo como os
parlamentares estavam “querendo levar o debate”. Assim, ressaltou a deputada que
“chamar deputados como Jô Moraes, companheira de luta e Darcísio Perondi, presidente
da frente parlamentar da saúde, de assassinos de crianças já mostra o que eles querem fazer
às vésperas das eleições”. Logo, lembrou Cida Diogo, os membros da CSSF devem ter o
entendimento que discutir projetos polêmicos às vésperas das eleições “não é adequado”,
pois, matérias controversas requerem realizar debates qualificados antes de o projeto ser
apreciado pelos deputados e votado pela CSSF. Debates estes que, segundo os deputados
contrários ao Estatuto do Nascituro, não haviam sido realizados no âmbito da CSSF.
O deputado Talmir Rodrigues (PV/SP), médico e presidente da Frente
Parlamentar a Favor da Vida e Contra o aborto, apontou que o Estatuto do Nascituro
estaria “respaldado em bases científicas”. Do mesmo modo, ressaltou que os deputados
eram parlamentares daquela legislatura, logo, deveriam apreciar e votar os projetos de lei
que tramitavam na Casa e não postergá-lo: “devemos votar e que vença a verdade!” O
deputado Dr. Rosinha (PT/PR) criticou alguns dos pares que se referiam à “verdade” como
“como se alguns fossem donos da verdade” e não a opiniões e posicionamentos distintos
sobre a proposição. O deputado lembrou que já é membro da CSSF desde 1999 quando
“imperava a razão e não a manipulação”, mas “nesta legislatura aqueles que falam em
nome do século XXI, pensam no fundamentalismo religioso da Idade Média”. Deste modo,
o deputado afirmou que o debate sobre direitos tem que “respeitar todos os homens e todas
as mulheres que vivem na sociedade bem como a concepção de cada um”.
Após a fala do deputado Dr. Rosinha, o presidente da CSSF, deputado Vieira da
Cunha, abriu a votação do requerimento pedido pelo deputado Darcísio Perondi. O
requerimento é aprovado por onze votos favoráveis contra dez votos contrários, logo, o
Estatuto do Nascituro foi retirado da pauta daquela sessão ordinária da CSSF172. Nesse
sentido, por três sessões ordinárias da CSSF parlamentares contrários ao Estatuto do
172
Em 12 de maio, na sessão ordinária seguinte a esta, mais uma vez, o Estatuto do Nascituro foi objeto de
disputa, uma vez que o PL estava na pauta do dia da CSSF a fim de ser apreciado. Naquele dia, após a
abertura da sessão, a dispensa da leitura da ata e a dispensa da votação da ata, o presidente da CSSF, Vieira
da Cunha, abriu espaço para os pedidos de inversão de pauta e de preferência. Naquela sessão, foi pedido um
requerimento de adiamento do PL feito pelo deputado Darcísio Perondi por nove sessões ordinárias da
CSSF. O requerimento foi votado tendo sido negado quinze votos contrários e dois votos favoráveis. Em
seguida, o deputado Darcísio Perondi pediu vistas ao projeto (que significa estudar o PL e apresentar um
voto separado argumentativo ao projeto). O deputado Hidekazu Takayama (PSC/PR), assembleiano, pediu
vistas conjunta. Neste dia não estive presente na CSSF, estas informações foram obtidas através do Áudio
referente à 53ª Legislatura, Comissão de Seguridade Social e Família, 12 de maio de 2010.
175
Nascituro conseguiram postergar a votação do PL utilizando-se de instrumentos
regimentais como: pedido de vista, verificação de quórum, adiamento e retirada de pauta
ou estratégias como esvaziar o Plenário para que não houvesse quórum a fim de que a
sessão ordinária da CSSF fosse cancelada.
Na sessão ordinária de 19 de maio de 2010 da CSSF, o Estatuto do Nascituro
estava mais uma vez na pauta do dia. Naquela ocasião havia cerca de vinte aposentados
(com mais de 70 anos) do IBGE presentes a CSSF, pois seria votado o PL de autoria da
deputada Jô Moraes sobre a restituição das perdas salariais da categoria. O deputado
Darcísio Perondi, líder da Frente parlamentar da saúde, contrário à proposta do Estatuto do
Nascituro, solicitou verificação de quórum (confirmação verbal da presença do deputado
membro da CSSF173). Tal pedido gerou um bate-boca entre os parlamentares. Os que eram
favoráveis ao Estatuto do Nascituro reclamaram que o pedido de verificação de quórum
feito pelo deputado Perondi era uma tentativa de “derrubar a sessão”. Já o deputado
Perondi afirmava que seu pedido era regimental. Assim, o PL dos aposentados do IBGE se
misturou as disputas do Estatuto do Nascituro no jogo do parlamento e nas negociações
para a votação deste projeto174.
Toda esta discussão se dava por que, até aquele momento, havia apenas 16
deputados presentes, o que impedia que a sessão continuasse, uma vez que, o Regimento
da Casa requer que, pelo menos, metade dos membros da Comissão esteja presentes na
reunião para que a mesma possa ocorrer. No caso da CSSF, 17 deputados. Deste modo,
com a verificação de quórum nominal, a sessão ordinária seria cancelada, pois, não havia
número mínimo regimental para que a mesma acontecesse. Depois de muitos debates entre
os parlamentares, Darcísio Perondi fez um acordo com os parlamentares “pela vida”.
173
Artigo 50, § 2o Para efeito do quórum de abertura, o comparecimento dos Deputados verificar-se-á pela
sua presença na Casa, e do quórum de votação por sua presença no recinto onde se realiza a reunião.
(Regimento Interno, 1989, p. 77).
174
Para Kauara Rodrigues/CFEMEA “o papel da presidência [da Comissão] é fundamental nas votações,
que é capaz de pesar em todo o debate e em todas as votações, a nossa avaliação, é que ele [o deputado
Manato, evangélico] não estava lá à toa. E que ele facilitou a aprovação. Por que apesar de ter um regimento
interno, na verdade, o regimento é o tempo todo, atravessado por acordos políticos a própria comissão tem
suas próprias formas de funcionamento. Cada comissão tem uma dinâmica própria e o presidente tem um
papel fundamental pra determinar qual vai ser esta dinâmica. O Vieira da Cunha estabeleceu esta dinâmica de
pauta cheia. Toda semana tinha todos os PL na pauta. E colocar tudo na pauta. A CSSF nunca funcionou
assim, a partir da presidência dele (só pra dar um exemplo de como o papel do presidente é fundamental)
fortemente decide o que é votado, não é votado, o que entra na pauta, o que não entra, quem fala quem não
fala, quem vai ter a palavra, quem não vai ter. Por que existem vários mecanismos regimentais levantados
para impedir aquela votação mas quando existe um grupo majoritário na votação e quer votar e o presidente
está articulado com estes grupos não tem regimento que dê conta. Isso é concreto” (Entrevista gravada,
concedida em 12 de novembro de 2010).
176
Retirava a obstrução175 (o pedido de verificação de quórum), mas o PL dos aposentados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística deveria ser votado antes das demais
preferências de PL e inversões de pauta.
Contudo, após a retirada da obstrução, o primeiro deputado a levantar a mão a
fim de solicitar regimentalmente o pedido de preferência de PL fora Miguel Martini a favor
do Estatuto do Nascituro. Mais uma vez, o deputado Perondi solicitou, também
regimentalmente, o adiamento do Estatuto do Nascituro por dez sessões. Abre-se a votação
do requerimento solicitado pelo parlamentar que é negado. Como Darcísio Perondi havia
pedido vistas ao Estatuto do Nascituro na sessão ordinária anterior, naquela sessão o
deputado deveria apresentar o voto em separado sobre o PL. Antes, a deputada Solange
Almeida, relatora do Estatuto do Nascituro, teve o direito de fala garantido
regimentalmente pelo presidente em exercício da CSSF, Carlos Manato (PDT/ES), médico
e evangélico
“Senhor presidente, para falar em defesa do PL 478, devo dizer devo dizer que tenho
muita satisfação e alegria por ter sido relatora deste projeto. Nós não podemos tapar o sol
com a peneira. Ou acreditamos que existe vida ou não acreditamos que existe vida e não
vamos lutar pela vida. Isto não tem meio termo. Temos que lutar pela vida em todas as
suas instâncias” (Transcrição realizada por mim do áudio referente à 53ª Legislatura,
Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de maio de 2010).
Após a fala da deputada, Darcísio Perondi leu o voto em separado e discorreu a
favor da liberdade e da igualdade enquanto “pilares das democracias contemporâneas176”.
Logo, uma proposta como a do Estatuto violaria “a liberdade de crença e de pensamento
[...] e a dignidade das mulheres177”. Deste modo, afirmou o deputado: a matéria
“institucionaliza a tortura e o terrorismo de Estado178” ao propor a “proteção ao nascituro
ao custo dos direitos das mulheres179”. Após cerca de 40 minutos de leitura, o presidente
em exercício, Carlos Manato (PDT/ES), solicitou que o “nobre colega” concluísse a leitura
do voto em separado. Toda a morosidade na leitura do voto em separado constituir-se-ia
175
Obstrução significa barrar a votação do PL utilizando algum dispositivo do Regimento a fim de impedir a
continuidade da sessão ordinária ou da votação de algum PL.
176
Transcrição realizada por mim do áudio fornecido pelo Setor COAUD da Câmara dos Deputados referente
à 53ª Legislatura, 4ª Sessão Legislativa Ordinária, Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de maio de
2010.
177
Idem
178
Idem
179
Idem
177
em uma nova tentativa de adiar a votação do PL, pois, uma vez iniciada a Ordem do Dia no
Plenário as Comissões devem finalizar as sessões ordinárias180.
Após a leitura do voto em separado realizada pelo deputado Perondi abriu-se o
espaço para a discussão do Estatuto do Nascituro. O Estatuto do Nascituro estabelece o
“início da vida” na concepção e garante proteção jurídica ao não nascido ainda “no ventre
materno”. O parecer favorável da relatora deputada Solange Almeida (PSDB/RJ) contou
com modificações do projeto original. A primeira alteração considera que o nascituro tem
direitos e não apenas “expectativas de direito” partindo da idéia de que é um “ser humano
que já existe, com o seu patrimônio genético plenamente definido desde o início da sua
existência com a concepção, é efetivo titular de direitos181”. Seguindo este entendimento, a
relatoria sugere que o nascituro deve ter todos os direitos resguardados desde a concepção
(art. 4° do PL no 478/2007). Assim, o não nascido se equipara ao nascido em direitos,
portanto, não pode ser vítima de quaisquer tipos de negligências ou de “atos delituosos”
seja por parte do Estado, seja por parte dos genitores. Do mesmo modo, o nascituro não
pode sofrer quaisquer formas de discriminação ou por conta de deficiência ou de
patologias.
A segunda modificação apresentada pelo PL versa sobre o fato de que qualquer
atentado aos direitos do nascituro teria efeito penal, contudo o parecer da relatora retirou
qualquer forma de penalização. Segundo Solange Almeida (PSDB/RJ), a proposta inicial
do Estatuto do Nascituro era enquadrar o aborto no rol de crimes hediondos. Todavia, “o
estatuto do nascituro como estava anteriormente (antes do substitutivo), era “bem
polêmico” por que envolvia punições severas, anencefalia, células-tronco embrionárias e
casos de estupro”. Contudo, segundo a deputada “ou tem vida ou não tem vida, isso não
pode ter meio termo, eu amadureci muito aqui, é vida, não pode ter meio termo, a partir do
momento que você percebe que tem vida desde a concepção”. (Entrevista gravada,
concedida em 18 de agosto de 2010).
180
O Regimento Interno da Câmara (1989) na Seção VII (Das Reuniões) em seu artigo 46 diz que: “§ 1o Em
nenhum caso, ainda que se trate de reunião extraordinária, o seu horário (da sessão ordinária de uma
Comissão permanente da Casa) poderá coincidir com o da Ordem do Dia da sessão ordinária ou
extraordinária da Câmara ou do Congresso Nacional” (p. 74).
181
Brasília: Câmara dos Deputados, RELATORIA do Projeto de Lei No 478/2007 (Apensos os PLs 489/07,
1.763/07e 3.748/08) Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Relatora: Deputada
Solange Almeida. Comissão de Seguridade Social e Família, 2010.
178
Todavia, temas polêmicos acabam por mobilizar no Congresso Nacional ações
controversas, inclusive, daqueles que os defendem com “radicalidade”. Nesse sentido,
Solange Almeida ressaltou que, em reuniões com a CNBB, foi deliberado que, em relação
à relatoria do Estatuto do Nascituro, “se faria uma coisa menos polêmica para conseguir ter
algum avanço”. Ou seja, a relatora deveria propor substitutivos ao PL original a fim de
“recuar para avançar”, no caso, significaria permitir que o PL tanto continuasse tramitar na
Casa quanto pudesse ser aprovado. No entendimento da CNBB, segundo Solange
Almeida, “daquele jeito que tava [o Estatuto do Nascituro] não seria aprovado”. Ora, a
proposta da CNBB de recuar em alguns pontos do Estatuto do Nascituro baseava-se no
entendimento das regras do jogo político próprio da Casa legislativa: “por que a gente tem
que ter o entendimento que aqui nós temos para construir uma coisa temos que recuar para
avançar e a partir disso a gente pode construir outras coisas”, ressaltou Solange Almeida.
Contudo, a deputada fez questão de ressaltar sua opinião em relação ao Nascituro.
“por mim eu não retiraria não, eu deixaria [as questões penais]. Meu relatório, se não
fosse por este entendimento, eu não tiraria do meu relatório a questão do aborto de
anencefalo, eu não permitiria mais. Nem em caso de estupro. Eu não permitiria mais. Se
não fosse um consenso eu agiria desta maneira” (Entrevista gravada, concedida em 18 de
agosto de 2010).
Assim, retirada as questões penais, o Estatuto do Nascituro estabelece que a vida
começa com a concepção, inclusive, para anencéfalos, pois, “não se pode fazer tudo em
cima da ciência”, considera a deputada. Há, portanto, que se preconizar “outros valores”.
Isso por que, segundo Solange Almeida
“você não pode um ser humano, matar um ser humano para beneficiar outro. Por que
uma pessoa ta presa ai a gente pega um órgão dela para beneficiar outro, por que ela tá
presa? Ou então assaltam minha casa matam meu pai, minha mãe, minha família, ai eu
quero pena de morte? Então assim não tem meio termo, ou eu quero ou não quero, ou
somos a favor da vida ou não somos. Hoje eu sou contrária as pesquisas com celular
embrionárias porque é um ser humano. Fica um ser humano em prol de uma ciência”.
(Entrevista gravada, concedida em 18 de agosto de 2010, Grifos meus)
Luis Bassuma, um dos autores do projeto, explicou o que era “o coração e o
pulmão do projeto” que, segundo ele, “está deixando indignados os deputados que no
passado lutaram para legalizar o aborto, para aprovar o PL no 1135/95”:
“O Estatuto reconhece desde a concepção a dignidade e a natureza humana do nascituro,
conferindo ao mesmo a plena proteção jurídica. Este é o grande avanço. A Constituição
de 1988 reconhecia o direito à vida, mas não deixava claro quando começava a vida. Mas
179
com este projeto isto fica claro. A vida começa no momento da fecundação. E todos
temos que ter responsabilidade, inclusive as clínicas que fazem fertilização in vitro, elas
tem que ser responsabilizadas, pois estão lidando com vidas, não estão trabalhando com
papéis nem com computadores! Portanto, agora eu vou encerrar. (Transcrição realizada
por mim áudio referente à 53ª Legislatura, Comissão de Seguridade Social e Família, 19
de maio de 2010, Grifos Meus).
Ou seja, o Estatuto do Nascituro intenciona retirar o “em geral” do artigo 5º que
fala do direito à vida da Constituição. Assim, a proposta do Estatuto do Nascituro é
“resgatar o principio do direito à vida desde a concepção (rejeitado pela Constituição de
1988)” (Freitas, 2011, p. 14). Inclusive os embriões in vitro. É neste sentido que Miguel
Martini, co-autor do Projeto, afirmou que a proposta do Estatuto do Nascituro é “proteger a
humanidade”, por isso, “estamos querendo preservar que a vida começa na concepção”.
Segundo o deputado
“o capítulo 5 da Constituição Federal no seu inciso décimo garante a vida e não há
dúvida nenhuma quando ela começa, que é na concepção. O que estamos fazendo com
este Estatuto é exatamente isso. Podem sofismar e dizer que o Estatuto anula o Código
Penal. O Estatuto não anula nada. Se fosse assim, teríamos colocado no Estatuto que
revoga-se isto ou revoga-se aquilo, e isto não está sendo feito. O Estado tem que cuidar
que esta mãe não sofra violência, que tenha direito ao pré-natal, que tenha direito de
gerar com dignidade. Seu filho, porém, é uma outra vida, que precisa também ser
amparada, e esta outra vida depende substancialmente, essencialmente, de que nós
criemos um mecanismo para que ela seja protegida, porque o que nós percebemos mundo
afora é que não é considerado ser humano aquele que está no ventre materno, apesar de
todo o avanço tecnológico que nós temos. E é esta vida que queremos proteger em todas
as instâncias, desde a concepção até o seu termo final”. (Transcrição realizada por mim
do áudio referente à 53ª Legislatura, Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de
maio de 2010, Grifos Meus).
Sendo assim, os defensores da vida fizeram questão de anunciar que as decisões e
posicionamentos dos deputados da CSSF sobre o tema seriam tornados públicos. Nesse
sentido, o "tempo da política" entrava em cena acionando disputas entre adversários
políticos trazendo a baila uma imagem iconoclasta que pretendia fixar insígnias díspares:
os defensores da vida e os defensores da morte. Nesse sentido o deputado Luis Bassuma
informou:
“Quero parabenizar todas as organizações da sociedade civil a favor da vida que estão
publicando o que está acontecendo nesta Casa. E espero que elas publiquem em todo o
Brasil o nome daqueles deputados e deputadas que hoje estão se posicionando a favor do
aborto” (Transcrição realizada por mim do áudio referente à 53ª Legislatura, Comissão
de Seguridade Social e Família, 19 de maio de 2010, Grifos Meus).
180
Assim, o Estatuto do Nascituro garante a inviolabilidade do direito à vida quando
a vida torna-se um bem absoluto, incondicional. É deste modo que a “vida em si”, tal como
formulado pelo Projeto e defendido pelos grupos religiosos, vai de encontro a qualquer
decisão em favor da legalização do aborto. Pois, ser favorável ao aborto esbarra nesse
artigo pétreo, fere, portanto, um princípio constitucional por definição imodificável,
mesmo pelo Estado legislador. Logo, o direito a “vida em si” seria uma garantia
constitucional dotada de uma especial força de tutela.
Do mesmo modo, a “vida em si” torna-se um direito que não pode ser ponderado
quando defrontado com outro direito constitucional. Deste modo, se opõe a idéia jurídica
de ponderação de direitos quando nem a vida, nem a pessoa têm direitos absolutos. Ou
seja, todos os diretos podem ser ponderados quando conflitantes, não sendo assim
inconstitucional limitar direitos à vida do concepto. É neste sentido que o Estatuto do
Nascituro tratar-se-ia de um “processo de seqüestro dos direitos das mulheres” (Machado,
2010, p. 153), uma vez que, confere direito aquele que poderá vir a ser em detrimento
daquele que é sujeito de direitos. Deste modo, a garantia do direito do nascituro à vida
integral e absoluta não leva em conta a distinção entre expectativas de direitos e sujeitos de
direitos: quem já é uma pessoa jurídica com direitos e o embrião que somente se tornará
pessoa depois de nascido, e somente então pessoa com direitos jurídicos. Isso por que a
noção de direitos é pensada como um bem jurídico atribuído a pessoas, notando-se que a
definição de pessoa é sempre jurídica e o direito à vida se subordina ao direito das pessoas.
O Estatuto do Nascituro tem um caráter polêmico por que alguns artigos
defrontam temas como os casos de anencefalia bem como o direito das mulheres garantido
desde o Código Penal de 1940 de realizar a interrupção da gravidez em caso de estupro.
Assim, a redação do texto propõe proteção em quaisquer casos ao nascituro, contudo, no
âmbito penal, o projeto não anula o Código de 1940182.
O artigo 13º do Estatuto do Nascituro, ponto mais controverso da matéria,
garante a mulher violentada, em caso de não abortamento, o direito de receber pensão
alimentícia, seja do estuprador, seja do Estado. O parecer favorável da deputada Solange
182
O artigo 128 do Código Penal de 1940 assegura a prática de abortamento quando a gravidez resulta de
violência sexual ou quando há risco de morte para a gestante. Em 1998, a garantia do exercício do direito de
realizar tal prática foi implementada no âmbito do SUS garantida pelas Normas Técnicas do Ministério da
Saúde. A esta época exigia-se o Boletim de Ocorrência para comprovar o estupro. Em 2005, a mudança desta
Norma ensejou a reabertura do debate sobre o aborto legal na legislação brasileira, sobretudo por que a partir
de então bastaria “a palavra da mulher” para comprovar que houve a violência sexual (Machado, 2010).
181
Almeida manteve os direitos do nascituro concebido em decorrência de um estupro como
assistência pré-natal, acompanhamento psicológico da mãe, encaminhamento para a
adoção (caso seja da vontade da mãe) e pensão alimentícia. Entretanto, tal benefício
disponibilizado pelo Estado só será conferido à gestante que não dispuser de meios
financeiros para cuidar da criança.
Deste modo, o parágrafo único do artigo 13º causara grande “revolta” de
mulheres dos movimentos feministas presentes à sessão ordinária uma vez que este item
subscreve que “se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia
a que se refere o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a
obrigação recairá sobre o Estado” (Notas do PL original). A deputada Jô Moraes (PC do
B/MG) argumentou de modo incisivo contra o Estatuto do Nascituro e, em especial, ao
artigo 13º: “de repente nós criamos mecanismos que praticamente quase descriminalizam o
estupro183”. E continuou: esta Lei “dá o direito do estuprado de dar pensão ao seu filho!
Coitadinho do estuprador! [...] Isto é Bolsa Estupro!184”.
Rita Camata (PSDB/ES) se pronunciou enquanto contrária à legalização do
aborto, mas como favorável “aos direitos históricos conquistados pela mulher”, logo,
segundo ela, não poderia ser favorável a um projeto que pretende minar a conquista de tais
direitos. Do mesmo modo, a deputada (que foi também constituinte) alertou que e-mails
estavam sendo enviados relatando que aqueles parlamentares que se contrapunham ao
Estatuto do Nascituro eram contrários à vida. Para a deputada, “isto é uma mentira, uma
covardia apócrifa!”. Votando favorável ao voto em separado do deputado Darcísio
Perondi, a deputada conclui que se posiciona sim a favor da vida, mas não pode retirar o
direito de escolha das mulheres de realizar a interrupção voluntária da gravidez nos casos
já previstos pelo Código Penal de 1940.
A deputada Fátima Pelaes (PMDB/AP), evangélica, relatou naquele momento seu
“drama pessoal” de ser “fruto de um estupro”. Deste modo, a parlamentar considerou que
mesmo sendo uma situação difícil “dá-se um jeito. Consegue-se sobreviver. Consegue-se,
não é fácil, mas é possível”. Deste modo, questiona
183
Transcrição realizada por mim do áudio fornecido pelo Setor COAUDI da Câmara dos Deputados
referente à 53ª Legislatura, 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da Comissão de Seguridade Social e Familia, 19
de maio de 2010.
184
Idem
182
“que direito nós, mulheres, temos de eliminar uma vida? Que direito nós temos? Como é
feita esta vida? Ela está ali, e se não houver um nascituro, não teremos depois os seres
humanos que estão aqui presentes para trabalharem pela vida. Esta Casa recebe milhares
de pessoas do Brasil todo, buscando seus direitos, sempre para melhorar a sua vida.
Como é que nós agora vamos querer eliminar uma vida, ali, no seu início? (Transcrição
realizada por mim do áudio referente à 53ª Legislatura, Comissão de Seguridade Social e
Família, 19 de maio de 2010).
Em seguida, Henrique Fontana (PT/RS) avalia que o debate acerca do Estatuto do
Nascituro não poderia
“dividir todos nós, seres humanos, entre aqueles que defendem a vida por ter uma
determinada posição em um determinado assunto e aqueles que seriam contra a vida por
terem uma posição diferente neste mesmo determinado assunto. Todos nós aqui
defendemos a vida”. (Transcrição realizada por mim do áudio referente à 53ª Legislatura,
Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de maio de 2010).
Neste sentido, o parlamentar solicitou aos pares que os e-mails os quais
continham os nomes dos deputados contrários ao Estatuto do Nascituro não fossem mais
distribuídos: “não vamos disseminar na nossa sociedade a idéia de que este projeto é um
teste de quem é a favor ou quem é contra a vida”. Em concordância com o colega, José
Genoíno (PT/SP) argumenta a favor da liberdade de religião, contudo, ponderou
“Quando, no terreno da Filosofia, no terreno da Religião ou terreno da Ética cria-se um
pensamento maniqueísta, de uma verdade única, e associa-se esta verdade única ao
Estado, todos nós sabemos como este processo começa, mas não sabemos como este
processo termina. Este raciocínio maniqueísta produz um tudo ou nada e o tudo ou nada,
da maneira como ele é colocado em um debate sobre esta questão é associar uma verdade
como sendo obrigatória para todos. Aí é que está o germe e a raiz da intolerância, do
maniqueísmo, do absolutismo, do monolitismo, porque trata os outros como inimigos
daquela verdade. É isto que produz um raciocínio simplista. Quando quero resolver uma
polêmica com uma norma, isto se chama maniqueísmo com um viés absolutista. E, pela
maneira como estes discursos estão aqui sendo feitos, aqueles que não tem a elaboração
subjetiva destes discursos irão interpretar à sua maneira, o que conduzirá à negação de
algo fundamental da condição humana, que é a pluralidade de idéias, de religião, de
crença e de convicção!” (Transcrição realizada por mim do áudio referente à 53ª
Legislatura, Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de maio de 2010, grifos meus).
Ora, segundo o parlamentar uma vez que “a vida em si” torna-se um direito
absoluto transforma-se não apenas numa “verdade absolutista”, mas numa prerrogativa
garantida pelo Estado que deve ser acatada para todos e todas. Miguel Martini toma a
palavra e se contrapõe a argumentação do deputado José Genoíno afirmando que os
parlamentares favoráveis ao Estatuto do Nascituro não estavam se utilizando de
argumentos religiosos, mas sim, jurídicos e científicos. Deste modo, Miguel Martini
183
afirmou que “impingir a nós o discurso religioso é, no mínimo, não sustentar a verdade”.
Deste modo, percebemos como estes parlamentares imbricam linguagem jurídica a
moralidade religiosa, uma vez que,
“a moralidade religiosa pode se expressar na discursividade jurídica, sem ter que revelar
seu profundo suporte religioso. Basta, para isso, não utilizar a terminologia religiosa.
Recurso já institucionalizado nas Declarações eclesiásticas e nas Encíclicas Papais, onde,
ao lado dos ‘argumentos de fé’, são nomeados ‘argumentos a luz da razão’. Na
linguagem religiosa a vida deve ser sacralizada desde a concepção. Logo, discursividades
religiosa, jurídica e científica se imbricam” (Machado, 2010, p. 152).
De todo modo, vale dizer que, a votação do projeto na CSSF foi marcada por
debates acalorados e a utilização de categorias que envolvem significantes diferenciados
que ora me interessam: razão e dogma, crença e saber da ciência. Darcísio Perondi
solicitou aos pares que prestigiassem a ciência e não os dogmas religiosos. Miguel Martini
afirmou que havia ali “um grupo decidido a implantar a cultura de morte no país”. Jô
Moraes afirmou que se trataria de uma “legislação adequada a dogmas”.
Antes do início da votação, os deputados Arlindo Chinaglia, Jô Moraes e Dr.
Rosinha ponderaram que o artigo 12 do Estatuto do Nascituro estabelecia que: “É vedado
ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por
qualquer de seus genitores” (Notas da complementação de voto do PL, p. 4). O que
significava, portanto, a revogação do artigo 128 do Código Penal. Segundo os
parlamentares, o que estava sendo votado era uma matéria que preconizava que nem os
médicos, nem o Estado poderiam realizar o procedimento de interrupção voluntária da
gravidez em caso de estupro ou de risco de vida a gestante. Um retrocesso aos direitos já
garantidos pelas mulheres no Código Penal de 1940 e na Constituição de 1988.
Findo os discursos, o PL 478/2007 foi posto em votação. Mesmo com toda a
oposição ao Estatuto do Nascituro, o “projeto da vida” com os devidos substitutivos185 fora
aprovado por uma diferença de votos notável186. Ao final da votação187, os deputados
185
Vale lembrar que a matéria ainda passará pela Comissão de Tributação Financeira, pela Comissão de
Constituição Justiça e Cidadania e pelo plenário da Câmara dos Deputados.
186
Votaram contra o projeto os seguintes deputados: Darcísio Perondi (PMDB/RS), Jô Moraes (PC do
B/MG), Rita Camata (PSDB/ES), Pepe Vargas (PT/RS), Arlindo Chinaglia (PT/SP), Henrique Fontana
(PT/DF) e Jofran Frejat (PR/DF). Votaram a favor do PL, os deputados: Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP),
Raimundo Gomes de Matos (PSDB/CE), Luis Bassuma (PV/BA), Padre Linhares (PP/CE), Henrique Afonso
(PV/AC), Miguel Martini (PHS/MG), Paes de Lira (PTC/SP), Fátima Pelaes (PMDB/AP), Solange Almeida
(PMDB/RJ), Antônio Cruz (PP/MS), Talmir Rodrigues (PV/SP), João Campos (PSDB/GO), Neilton Mulim
(PR/RJ), Leandro Sampaio (PPS/RJ).
184
favoráveis projeto gritavam: “Viva a vida!”. “Bolsa vida” abonada aos nascituros prenhos
de “personalidade jurídica” e de direitos avalizados em detrimento dos já nascidos. Para os
cristãos a corroboração do direito inviolável “à vida”. Para a oposição a instituição de uma
“Bolsa estupro” garantida às mulheres violentadas duplamente. Primeiro, por que o Estado
não fora capaz de promover a segurança constitucional às suas cidadãs. Segundo por que a
proteção de não nascidos tal como proposto pelo Estatuto fere “os princípios fundamentais
do estado democrático de direito188” ao ignorar por um lado a igualdade, a liberdade e a
dignidade e, por outro, o reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres.
De todo modo, a tramitação do “Nascituro” na Câmara dos Deputados enseja
esquadrinhar densamente as categorias em jogo e as formas pelas quais elas são acionadas
pelos parlamentares procurando, sobretudo, detectar as controvérsias e as negociações que
uma matéria como essa evoca na Casa legislativa e na sociedade civil. Nesse sentido,
algumas questões devem ser consideradas no que tange a negociação política e o lugar de
demandas no modo de “fazer política” à brasileira. Deste modo, a votação de um projeto
de lei enseja considerar outras relações que não as de equivalência simples: um
parlamentar, uma ideologia, um voto.
Isso por que, a aderência a um voto se relaciona também as diretrizes do partido e
suas bases ideológicas, pleitos de movimentos sociais, convicções pessoais, dádivas e
dívidas existentes entre parlamentares e partidos. Do mesmo modo, o sentido do voto
constrói e desconstrói, portanto, alianças de caráter sempre momentâneo bem como os
conflitos instaurados entre atores com demandas diversificadas. Se há certo maniqueísmo
nos discursos marcadamente posicionados (como no caso do Estatuto do Nascituro) a
atividade da política dar-se através de um movimento constante de aderência e de
separação. Participar na política189 é realizar o que comumente seus partícipes fazem:
187
Após o desligar das câmeras, representantes de entidades feministas e assessores de deputados cristãos
“bateram boca” dentro do Plenário da Comissão. Inclusive, a deputada Solange Almeida participou da cena.
Os seguranças da Casa apartaram a discussão, expulsando, pois, a sociedade civil do recinto. Mas antes,
laicos e crentes trocaram acusações: assassinos de crianças X assassinos de mulheres, “lésbicas não geram
vida” X “ser lésbica não é crime, ser estuprador é”.
188
Fala do deputado Darcísio Perondi. Transcrição realizada por mim do áudio fornecido pelo Setor
COAUDI da Câmara dos Deputados referente à 53ª Legislatura, 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da
Comissão de Seguridade Social e Família, 19 de maio de 2010.
189
Como sugere Márcio Goldman (2006), participar na política indica que ela não é “um domínio específico
da vida social, visto que pode irromper em desfiles de blocos afro ou em eventos religiosos, por exemplo.
Mas ela tampouco parece ser compreendida como um aspecto ou dimensão de toda relação social, uma vez
que, ao menos idealmente, um grande número dessas relações (o parentesco, a religião etc.) deveria estar
livre da política. Nesse sentido, a concepção local de política afasta-se tanto do substantivismo quanto do
185
“acordos, arranjos, favores, pedidos, promessas, articulações, manipulações, acusações,
barganhas” (Goldman, 2006, p. 118). Assim, ao considerar a política enquanto atividade
privilegia-se não o modo como ela deveria ser, mas sim, como é praticada.
Deste modo, a atividade na política envolve lutas agonísticas marcadas por
relações simétricas e assimétricas no que tange o controle do uso da “palavra”. Aquelas
que “fazem coisas” quando pronunciadas em posições e em situações específicas
(Bourdieu, 1996). Nesse sentido, a atividade na política expressa tanto conflitos e disputas
por posições de poder quanto possibilidades de adesões entre parlamentares e suas
demandas diferenciadas. Lembremos que facções são de caráter não permanente logo as
atividades na política possuem reciprocamente diferenciadas filiações (partidárias,
ideológicas, religiosas, morais). Como me afirmou categoricamente Pr. Isaias, secretário da
Frente Parlamentar Evangélica: “esta Casa é um grande balcão de negócios”. Eu,
deliberadamente, completo: e de negociações constantes.
De todo modo, o Projeto de Lei considera o nascituro (embrião-pessoa) como um
ser humano por que pertence a um código genético humano, entretanto, o nascituro não
pode ser entendido enquanto pessoa. A categoria pessoa requer o exercício da
personalidade que supõe algumas prerrogativas como capacidade de viver a vida,
consciência e
nascimento com vida. Nesse sentido, segundo aspectos científicos, o
nascituro constituir-se-ia apenas um estágio do desenvolvimento celular de uma vida
(humana) que começou há milhares de anos. Assim, estabelecer o início desta vida na
concepção é admitir uma única crença, portanto, dogmática.
Na mesma linha argumentativa, entidades como o Centro Feminista de Estudos e
Assessoria/CFEMEA entendem que o Estatuto do Nascituro impõe uma “moralidade
hegemônica”, pois não considera a pluralidade de saberes (como a biomedicina, a biologia,
o direito e a ética). A despeito de ser uma proposta legítima (proteger os nascituros) a
redação do PL torna-se incompatível com os princípios fundamentais do Estado
democrático de direito, pois ignora a igualdade, a liberdade, e a dignidade das mulheres.
Assim, a contra-ofensiva de entidades feministas ao Estatuto do Nascituro se baseia em
argumentos da ciência e de saberes ocidentais, como o direito e a ética190. É nesse sentido
que, para o CFEMEA, o Estatuto do Nascituro é
formalismo, entre os quais parecem se dividir as concepções antropológicas e acadêmicas em geral, acerca da
política (p.119).
190
Texto disponibilizado pelo CFEMEA.
186
“gritantemente um retrocesso imenso no que diz respeito aos direitos das mulheres.
Vamos dizer privilegia o direito do não nascido que na nossa constituição é portador de
uma expectativa de direitos. Em detrimento dos direitos das mulheres que pela legislação
já são sujeitos de direito. Então ele traz muito a defesa do nascituro e a total
desconsideração das mulheres como sujeitos de direitos” (Entrevista gravada com
Kauara Rodrigues, concedida em 12 de novembro de 2010).
Neste sentido, para Machado (2010) a defesa da “vida em si” realizada pelos
grupos religiosos do Parlamento traz a baila a idéia de “DNA da alma” quando o embriãofeto se aproxima da imagem do bebê. Aqui não há mais a divisão entre natureza e cultura,
pois
“A primeira célula viva capaz de se reproduzir já representa o corpo e a alma da criança
que ainda não é, que pode vir a ser, e que, de fato, pode vir a não ser. Ou seja jamais vir a
ser o que se diz que poderia vir a ser. O “vir a ser imaginário” torna-se mais importante
do que o ser e do que o vir a ser. Na era do DNA, da alma, como singularidade do
indivíduo/pessoa não se pode mais dizer que é somente uma fugidia idéia. Como
representante material da singularidade, tudo se espera do DNA: das semelhanças físicas
com seus genitores, às profundezas do seu temperamento. A alma se naturaliza
finalmente. Encontra seu lugar na materialidade do DNA” (p. 141)” (Grifos da
autora).
É deste modo que, segundo Cunha (2007) estes grupos religiosos entendem que a
lei dos homens não pode ferir a Lei de Deus. Assim, “acima da Constituição Federal,
acima de qualquer lei ou tratado, estaria a lei de Deus” (p. 127). Do mesmo modo, se há
uma “hierarquia oficial que o processo parlamentar e jurídico deve obedecer, existiria,
ainda, uma outra hierarquia não contemplada nos textos propriamente jurídicos, mas que
seria igualmente relevante para alguns deputados” (idem): a Lei divina. É deste modo que
a FPE aliada aos demais cristãos da Casa legislativa institui
“uma moral pública, que para parte das mulheres é também capaz de ser princípio
orientador, enquanto para outras, as decisões privadas sobre aborto levam em conta, não
princípios, mas avaliações das condições de possibilidade de levar adiante uma gravidez”
(Machado, 2010, p. 162).
Em uma entrevista Kauara Rodrigues, assessora do CFEMEA, afirma que há uma
moralidade na sociedade brasileira que prefere “resolver as questões [sobre o aborto,
especialmente] no âmbito do individual da individualidade e não tanto em reconhecimento
de direitos”. Para ela, “as pessoas em geral não são contra o aborto, mas não se mobilizam
pela luta pra mudar a legislação”. Do mesmo modo, “é também uma perspectiva de uma
classe média que quando precisa realizar um aborto o faz, sem grandes conseqüências, mas
187
que também não se mobiliza por reconhecimento de direitos191”. Kauara Rodrigues avalia
também o contexto da CSSF. No caso do Nascituro “a assimetria era tão desfavorável a
nós que não havia número de deputados lá dentro pra votar a favor de nós, contra o PL”.
Logo, “nesta conjuntura, nesta última legislatura evitar este PL nesta Comissão tão
importante que analisa o mérito” era, pois tarefa árdua para as entidades feministas. Deste
modo, para o CFEMEA, há também a questão do espaço público nas mídias que
“estes grupos, estes discursos retrógados vem ganhando no momento em que estes PL
estão em pauta, então esse é um aspecto que nos traz preocupação, por que há um
fortalecimento destes discursos, há estratégias bem articuladas destes grupos, no sentido
de ocupar lugares estratégicos no Congresso Nacional, pegar presidente de comissões,
pegar relatoria destes PL [sobre aborto], tudo isso, traz poder pra estes grupos, e há uma
perspectiva pelo levantamento que a gente fez, que na próxima legislatura as coisas vão
ficar como estão, não vão piorar mas, também não melhora então a gente vai enfrentar o
mesmo cenário que nesta legislatura com a atuação deste grupos fortalecidos com estes
PL nas pautas, a tentativa de criar novamente a CPI do aborto” (Entrevista gravada,
consentida em 10 de novembro de 2010).
De fato, argumentos científicos (como os da biociência e a da biotecnologia) vêm
sendo incorporados aos projetos que tratam de “corpo” e de “pessoa” no legislativo
(Cunha, 2007. p. 63). De fato, categorias acionadas pelos parlamentares – como direito a
vida, concepto – se travestem, muitas vezes, de expertises médicas, jurídicas, científica. No
caso do Estatuto do Nascituro podemos afirmar que “os conceitos técnicos são igualmente
conceitos políticos” (Idem, p. 9). Sendo assim, a FPE (e os demais cristão da Casa) vem
preconizando em seus discursos e posicionamentos que o Estado na modernidade deve se
preocupar, sobretudo, em “cuidar da vida”, mas não de qualquer vida. A vida que ora
preconizam, a do nascituro, não apenas obtém direitos em detrimento de direitos já
garantidos das mulheres: “parece cobrar da mulher o sentido simbólico ocidental dado ao
intercurso sexual. Sua realização com efeitos reprodutivos não somente produz o concepto,
mas faz ao mesmo tempo a mãe” (Machado, 2010, p. 126). Sendo assim, tal premissa
191
Fato é que, segundo Kauara Rodrigues, “o perfil de mulheres que aborta no Brasil é o de mulheres em
idade reprodutiva, de 20 a 29 anos, que já tem filho, tem escolaridade mediana, que tem um relacionamento
estável, que se declaram católicas, mas que realizam aborto. Agora o perfil de mulheres que morrem por
aborto inseguro são mulheres pobres, negras e jovens. Tem também um aspecto de justiça social colocado
nesta discussão muito forte”. (Entrevista gravada, concedida em 12 de novembro de 2010). Sobre uma
pesquisa mais detalhada sobre o quadro e conjuntura do aborto no Brasil, cf. DINIZ, Débora & RIBEIRO,
Marcelo. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência & Saúde Coletiva,
15(Supl. 1): 959-966, 2010.
188
entende a maternidade como obrigatória as mulheres que não podem negar a natureza que
lhe foi dada. Nesse sentido,
“Tal é o mito de criação/procriação que faz do intercurso sexual o lócus simbólico do
poder criador da natureza sobre as pessoas humanas. A natureza do ato sexual permite
criá-las. Às pessoas culturais cabe dominar e fazer a natureza produzir, mas desde que
respeitem que são geradas pela lei natural (também vista como desígnio divino) do
intercurso sexual entre um homem e uma mulher, mesmo que ele jamais venha a estar
presente como pai. O homem procria com a mulher, o filho, faz da mulher mãe
biológica/social, sem que se faça pai social, a menos que o decida. Desta forma,
sacraliza-se o intercurso sexual e os efeitos reprodutivos na mulher recipiente deste ato
de criação” (idem, p. 158)
Deste modo, há a proposta de racionalizar uma prática governamental no sentido
de fazer viver os conceptos em consonância com uma técnica disciplinar (Foucault, 2005)
que controla corpos e mentes de cidadãos, tornando-os, domesticados e retos. Há duas
formas de designar a vida: zoé que é ato de viver e a bios quando a “vida natural” torna-se
vida qualificada (Agambem, 2007). Nesse sentido, os discursos e as práticas da FPE no
legislativo, de algum modo, apontam para a indissociabilidade entre vida nua e política
quando “o corpo biológico” ocupa posição central nos cálculos e nas estratégias deste
grupo. Se “o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em
questão (Foucault, 2005. p. 134), ele também é um cidadão “em cujo corpo natural está em
questão a sua própria política (Agambem, 2007, p. 193). De fato, se a FPE do legislativo
discursa “a favor” de um nascituro cuja zoé expressa a sua própria bios, as entidades
feministas e secularizadas primam pelos direitos sexuais e reprodutivos como parte da
garantia de direitos conquistados pela mulheres.
Ora, há “guerra entre estas imagens” no Congresso Nacional no sentido de fazer
com que determinada imagem sobre gerência de corpos e de sexualidades ocupe lugar
privilegiado nos cálculos legislativos do Parlamento brasileiro? Por certo sim, por que
neste cenário imagens iconoclastas são produzidas a fim de fixar emblemas e signos.
Entretanto, há, também, uma espécie de cismogênese192 entre estas duas imagens, mas que
não se dá do mesmo modo, em todos os tempos e espaços do Parlamento. Por que na
192
A cismogênese como considerada por Gregory Bateson (2008) se refere a uma continua diferenciação
resultante das relações cumulativas entre os indivíduos, logo, a diferenciação não chega a um nível de ruptura
(p. 223). Deste modo, indivíduos reagem a reações de outros indivíduos de forma sempre contrabalanceada,
pois, se a cismogênese fosse somente progressiva, acarretaria em colapsos e rupturas. De fato, a cismogênese
batesoniana é circular e opera como um circuito causal autocorretivo e por isso não leva à destruição das
relações em oposição (p. 318).
189
própria fabricação de fatos (retóricas e posicionamentos polarizados) seja por grupos
religiosos, seja por entidades feministas são gerados efeitos no plano da política.
Todavia, vemos nos discursos pró-vida ecos que ecoam o mesmo discurso moral
e ideológico marcado por “novas formas de justaposição do cultural/natural,
social/biológico” (Rohden, 2002, p. 175). Nesse mesmo sentido, Aletta Biersack (2001)
afirma que as mulheres possuem um poder social diferencial, uma vez que, são elas as
responsáveis pela geração. Logo, elas devem ser, de algum modo, desapropriadas ou
escamoteadas por meios simbólicos. Deste modo, o que a autora propõe é que gerando
segundo a natureza, as mulheres criam a sociedade. Assim, quando as mulheres não geram
segundo a natureza elas condenam a humanidade à morte.
Entendo que é neste sentido que o tema da legalização do aborto seja tão
importante para estes grupos religiosos. Todavia, paradoxalmente, o mesmo ato da
natureza (gerar cidadãos em seus ventres) que condena as mulheres ao fardo de povoar o
mundo é aquele que lhes confere poder de condenar à humanidade a morte social. Por isso
mesmo, parlamentares religiosos se posicionam com tanta radicalidade no legislativo
contra a legalização do aborto: por que é através do controle da reprodução, das pulsões e
dos desejos corporais das mulheres que eles podem produzir “a sociedade que desejam”. E
para isso, o Estado deve exercer a função de tutela e de cuidado para que o corpo feminino
domesticado negue preceitos da cultura pós-moderna (contraceptivos, aborto, relações
sexuais fora do casamento). Deste modo, a mulher pode “seguir a natureza que Deus lhe
deu”, ou seja, a natureza que lhe deu a vida.
Faye Ginsburg (2006) fez dialogar as narrativas de grupos díspares no que tange
aos direitos reprodutivos. Utilizando life scripts de mulheres de grupos pro-life e próchoice a autora empreendeu um esforço para entender como o debate sobre o ciclo de vida
feminino acabava sendo o ponto fulcral das questões filosóficas elaboradas por cada grupo.
Talvez tenha procurado realizar este mesmo empreendimento de aproximação de imagens
díspares, mas que possuem um mínimo denominador comum (An-na´im, 1995): a
discussão sobre a “natureza” do corpo feminino “posições de gênero”. Deste modo,
procurei entender as posicionalidades (Abu-Lughod, 2006) neste jogo de cena,
compreendendo os lugares de fala de políticos evangélicos, considerando, portanto, suas
“verdades posicionadas” (p. 142) e os discursos for e from que profeririam nestes tempos e
espaços.
190
Todavia, no caso brasileiro, encontrar um mínimo denominador comum em meio
a éticas tão dispares em relação à efetivação de Direitos Humanos para “grupos
minoritários” em um Estado não confessional, contudo, marcado por mentalidades
religiosas moralizantes, parece tarefa árdua. Como vemos no caso do Estatuto do
Nascituro. Nesse sentido, o argumento utilizado por estes parlamentares travestem-se,
sobretudo, de aspectos jurídicos, científicos e legais (Cunha, 2007), mas que denotam,
entretanto, “a natureza humana” tal como construída por Deus. Logo, esta “natureza” deve
ser preservada corporal e mentalmente e deve produzir somente aquilo para qual foi feita.
No caso das mulheres “o dom natural” de “reproduzir” e de “ser mãe”. No caso
dos homossexuais, a regeneração de sua natureza “natural”, deturpada pelo pecado, através
do Evangelho. Deste modo, a FPE repete, em diversas ocasiões, a acepção “a favor da
natureza humana”, a saber: que as mulheres não podem se curvar a uma cultura que
degrada aquilo que a natureza criou. Assim, as mulheres não podem desejar controlar sua
reprodução nem negar o direito à vida do concepto. Aqui, os sujeitos de direitos são
aqueles que ainda nem nasceram. E as mulheres tão somente receptáculos dos embriõespessoa (Zanotta, 2010) dotados de personalidade jurídica.
Ora, mais do que contendas por “legitimidades de falas” e por direitos há uma
guerra entre sujeitos de desejos que desejam vidas e sociedades díspares num Estado laico
e republicano que não pode abarcar, em termos promulgação de leis, o desejo e os direitos
pleiteados por todos estes corpos desejantes. De fato, estas imagens dissonantes, neste
tempo e espaço do legislativo, são elas mesmas destruidoras uma da outra. Iconoclastas.
Mas não apenas. Trouillot (1991) afirma que há que se considerar a multiplicidades de
binômios no modo de fazer antropologia na contemporaneidade.
De fato, a oposição de grupos religiosos às proposições legislativas contrárias “a
natureza humana” criada por Deus marca o cenário do legislativo brasileiro
contemporâneo. Todavia, o que procurei realizar nesta dissertação foi rastrear
controvérsias (nas falas, posicionamentos e argumentos) em minhas notas de campo,
especialmente da FPE, em relação a temas de caráter polêmico, como a legalização do
aborto e da união civil de pessoas do mesmo sexo. Assim, retirando a terra do seu
ambiente, trazendo-a para o meu laboratório, fabrico aqui outros fatos e fetiches
considerando, contanto, uma “cascata de imagens” e de efeitos (iconoclastas ou não) que
191
traz desafios analíticos tanto para a teoria antropológica quanto para a teoria feminista
(Zanotta, 2010).
192
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O escopo desta dissertação consistiu em apontar, a partir do trabalho de campo
realizado nas “atividades da Frente”, os modos pelos quais a FPE imbrica fé e política em
diferentes tempos e espaços do Parlamento brasileiro. Sendo assim, a despeito de
considerar como os evangélicos entraram para a política institucional em 1986 bem como
participaram na elaboração da nova Constituição Federativa brasileira (1988) durante a
Assembléia Nacional Constituinte (1987) este trabalho circunscreve aspectos da
recentíssima participação evangélica no legislativo brasileiro.
Durante a redemocratização do país o intento dos evangélicos era garantir que
certos valores morais fossem validados pela Carta Magna. Todavia, no início deste século,
estes valores morais tornam-se retóricas políticas que balizam a participação e o destino
político dos evangélicos de transformar o Brasil numa Nação lavrada pelo sangue do
cordeiro. Trata-se não apenas uma conversão religiosa frequentemente de cunho pessoal
realizada no interior dos templos ou da utilização da política para garantir benefícios para a
seita (Pierucci, 1996). Ora, através da invocação do religioso no legislativo, a política é
sacralizada e valores religiosos são travestidos em projetos políticos intencionando
moralizar costumes e garantir que o Estado legisle em prol dos cidadãos retos.
É neste sentido que, se a política é vocação, a missão dos ungidos de Deus é pela
família heterossexual, pela vida desde a concepção e pelos bons costumes da sociedade.
Como as etnografias desta dissertação apontaram as contendas por direitos (humanos,
civis, sexuais e reprodutivos) no âmbito do legislativo foram disputadas entre deputados
seculares e estes políticos religiosos que “vivem para a política” e se colocam “a serviço
de uma ‘causa’ que dá significação a sua vida” (Weber, 1998, p. 65).
Assim, os parlamentares evangélicos se alçam como provedores de uma agenda
política para o país que preconiza a remissão de comportamentos e valores decaídos pelas
“boas novas do Evangelho”. O texto bíblico enquanto expressão cultural e histórica de uma
maioria moral torna-se uma espécie de Constituição a ser seguida por todos os cidadãos
brasileiros, crentes ou não. Sem pleitear direitos includentes, a FPE considera que é a
193
Palavra “cuja verdade é inquestionável” que alforria os pecados da Nação, redime, unge,
purifica aqueles que estão sendo envoltos por projetos perniciosos, sob a rubrica da defesa
dos direitos humanos. Logo, se os parlamentares evangélicos tomam o lugar de provedores
de bons frutos para a Nação é por que a Palavra tem poder para restaurar a “tragédia
teológica” da pessoa humana como criatura impura (Sahlins, 1992).
Sendo assim, os evangélicos se diferenciam daqueles homens que estão no
“estado de danação” (Weber, 2004, p. 139) através da “comprovação” de uma conduta de
vida distinta do “estilo de vida do homem ‘natural’” (idem). Estes homens ungidos
exercitam, como disse, um “controle metódico de seu estado de graça na condução da
vida” orientado por “uma forma de conformação racional de toda a existência, orientada
pela vontade de Deus” (idem). Tratar-se-ia de um exercício ascético que deixou o claustro,
uma vez que, se propõe a invadir com sua “metódica” “a vida mundana de todo dia”
transformando-a numa vida sã, reta e em conformidade com os desígnios de Cristo.
Nesse sentido, considero que a participação destes parlamentares (em situações
como a que descrevi) baseia-se numa “guerra santa” quando os “ungidos” duelam contra o
Inimigo que ocupa o mundo da política visando restabelecer a ordem moral do mundo
externo, que antes renegavam. É nesse sentido que suspeito que, contemporaneamente,
evangélicos participam do espaço da política atuando “para-o-mundo” (mesmo se opondo
a certas coisas do mundo) agenciando, pois, o espaço público brasileiro por meio da lógica
não sectária (Mariano, 1999, p. 90). Deste modo, os evangélicos procuram não apenas se
tornar a Igreja do amanhã (concorrendo com a Igreja Católica pela posição de religião
civil). Mas, sobretudo, tornar, através da sua participação na política, o mundo dos ímpios
no mundo dos justos.
De fato, trata-se de um projeto grandioso, pois, intenciona moralizar e
transformar uma Nação. Nesse sentido, o projeto evangélico193 parece ser a tomada da
“posse para Deus, por meio da guerra espiritual e da ação concreta, das coisas de que o
Diabo por muito tempo governou” (Mariano, 1999, p. 103). A saber: restaurar a ordem
193
Mariano (1999), contudo considera este projeto muito mais vinculado ao ideal neopentecostal que não
parece ter quaisquer receios de “ocupar o mundo”, como é o caso da IURD. Vale dizer que a FPE abarca
tradições pentecostais e neopentecostais. Entretanto, considerando as formas de sua atuação na política,
considero pertinente tal acepção trazida pelo autor. Outra consideração feita por Mariano (1999) é que as
“novas formas de inserção e de acomodação à sociedade” (p. 104) engendradas pelas Igrejas evangélicas não
abarcam a entrada deste grupo em sindicatos e em movimentos sociais amplos, como o MST, por exemplo.
Contudo, a fala de José demonstra que a não inserção evangélica em movimentos sociais se relaciona mais
com a base ideológica do partido bem como com sua trajetória pessoal do que por causa de uma imposição
da FPE ou da Igreja.
194
moral cristã através do uso da mídia e da ocupação em cargos políticos, objetivando
estabelecer uma “dominação cristã do Estado e da vida privada” (idem, p. 104). Tal
prerrogativa permite, portanto, que a FPE direcione sua representação e participação
políticas para a conversão, a moralização e a evangelização, objetivando, pois, governar o
destino dos costumes da Nação.
Todavia, as atividades na política requerem formas particulares de aquisição de
sutilezas e de competências necessárias a fim de profissionalizar o político e as relações
políticas nas quais eles se engajam. No caso, os evangélicos também têm que aprender tais
habilidades especialmente por que estão no processo de construção de uma “herança
[histórica] na política” (Canedo, 2002, s/p). Lembremos que a carreira política de
evangélicos está atrelada, sobretudo, a transmissão de capital político via Igreja, via família
consangüínea ou fruto de uma notoriedade em segmentos da mídia (música, rádio,
televisão do setor gospel ou mesmo secular).
Por isso, avalio que o processo mesmo de estruturação de evangélicos de
disposições e competências necessárias às funções de representação da política
profissionalizada se dá através da aprendizagem não apenas de formas oficiais da política,
mas também de “formas de politização das relações sociais” (Canedo, 2002, s/p). Logo, ao
passo que atendem demandas de bases religiosas, a FPE está também comprometida com a
aprendizagem de regras da chamada “ordem democrática” (idem). Ora, entender como a
política é praticada e não como ela deveria ser (Bezerra 1999; Goldman, 2006) envolve
saber como os políticos evangélicos estruturam, no tempo e no espaço do legislativo,
capitais e habilidades de lhes permitem disputar instâncias de poder.
De fato, o espaço do legislativo sendo próprio para enaltecer disputas e adesões,
negociações e alianças, controvérsias e polêmicas há que se compreender a negociação
política e o lugar de demandas a partir “da grade de inteligibilidade do nosso sistema
político” (Goldman, 2006, p. 29). Se há uma distância estrutural194 (Evans-Pritchard, 1978)
que organiza o tempo e o espaço do legislativo, ela se dá no sentido de fissão e fusão
(ideológica, partidária, interessada) entre estes sujeitos. Do mesmo modo, tal distância
estrutural abarca reputação, honra, nome, biografia e história de cada parlamentar que
influencia como ele joga cada jogo, como seu oponente o considera, quais jogadas são
194
Deste modo, “os valores atribuídos à residência, parentesco, linhagem, sexo e idade diferenciam grupos de
pessoas através de segmentação, e as posições relativas que os segmentos ocupam uns em relação aos outros”
(Evans-Pritchard, 1978, p. 123).
195
realizadas, o que está em jogo, qual o cenário e o contexto do próprio jogo político em
questão. A saber: se a dinâmica da Casa legislativa pode ser lida como um jogo de xadrez
alguns deputados são torres outros peões. E sempre há reis, rainhas e bispos. Por isso, o
deslizamento do campo religioso para o político realizado pela FPE deve ser entendido
tanto por sutilezas, fluxos transitivos e ações fugidias quanto por uma “mobilização
estratégica” (Baptista, 2009) ampla e interessada num cenário onde “transações políticas
ocorrem o tempo todo” (Goldman, 2006, p. 150).
É neste sentido que considerei que “efeitos políticos” (Canêdo, 2005, p. 504) são
produzidos a partir dos discursos da FPE sobre moralidade dos costumes e formação de
uma Nação redimida (lembremos as controvérsias engendradas nas eleições de 2010,
apontadas no capítulo1). Outrossim, procurei avaliar como os rituais dos cultos (no
capítulo 2) e como nos eventos organizados pela FPE (no capítulo 3) e a participação
evangélica nas atividades próprias da política (capítulo 4) bem como o discurso proferido
pela FPE arranja símbolos (religiosos e moralizantes) em “alegorias políticas”.
Deste modo reflito, ainda que brevemente, se a participação deste grupo no
âmbito do Congresso Nacional guiada pelo projeto de “redenção da Nação ao Evangelho”
seria uma ameaça aos valores preconizados pela democracia e pela Constituição Federal
brasileira como a laicidade, a não discriminação religiosa e a garantia de direitos humanos
para todos os cidadãos. Podemos considerar a oposição de segmentos religiosos em relação
à garantia de direitos humanos uma ameaça à democracia?
Paul Freston (1999) já fez esta pergunta questionando sobre que “sociedade civil”
fortaleceria a democracia pretendida pelos setores secularizados (p. 329-330). Segundo
Freston (1999) para há dois modos de analisar esta questão. A primeira delas é considerar
que a relação entre religião e esfera pública impede o avanço democrático uma vez que a
primeira tende a se relacionar com aspectos autoritários (idem, p. 332). O segundo viés
analítico supõe considerar que a religião ganha importância “no desenvolvimento
democrático via o ‘princípio da associação’ que reconcilia a liberdade com a igualdade”
(idem, p.333). Ora, ou o fenômeno da inserção da religião evangélica na política é positivo
para a democratização ou as práticas internas do pentecostalismo se conectam a valores
autoritários.
Outra questão acerca da participação política da FPE no legislativo recai na
questão da laicidade do Estado brasileiro como imagem oposta à fé. Logo, como ícone que
196
garante a validação de direitos humanos e de princípios democráticos. Mas “quem ainda
acredita no mito da laicidade?”, perguntou Casanova (1999, p. 11). Como afirmou a
deputada Jô Moraes (PC do B)
“O grande desafio que nós temos neste século XXI é retomar o debate do estado laico.
Este Congresso Nacional que representa o conjunto da sociedade brasileira e é uma das
instâncias do estado brasileiro. No mundo, em alguns países muçulmanos, a idéia de
estado laico é uma conquista civilizatória, então esta é uma discussão que nós teremos
que retomar. Ao mesmo tempo evidentemente estas instituições que se dizem pró-vida
são instituições que tem programas que impedem a defesa da vida, programas que
proíbem que os portadores de AIDS usem camisinha. Logo, permitindo que a
transmissão de uma doença letal seja possível, instituições que impedem que uma mãe
cardiopata possa interromper a sua gravidez nos primeiros dias, por que senão ela poderá
morrer na mesa de parto. Então ao contrário do seu nome não são intuições que
defendem a vida. São instituições que tem programas obscurantistas que defendem a
morte. Eu acredito que nós vamos ter que fazer um enorme desafio para resgatar a idéia
de estado laico. Que cada pessoa tem seu direito inalienável de professar a sua fé que ele
escolha que cada um seja respeitado em sua dimensão religiosa, mas que ninguém seja
obrigado a exercer aquilo que não é sua convicção. Eu sou de um partido político que
garantiu por uma emenda a constituição, de 1946, a liberdade religiosa naquele período
só havia uma religião oficial que era a católica. Foram Deputados do PC do B que
mudaram a constituição para garantir a liberdade religiosa. É fundamental que cada
pessoa tenha o direito a exercer a sua fé e que seja respeitado em seus templos em seus
espaços no exercício da fé, agora não é possível que eu tendo uma fé queira impor ao
outro a minha fé por que as pessoas tem o direito inalienável de fazer as suas opções. Do
jeito que elas tem a sua consciência”. (Entrevista gravada, concedida em 10 de novembro
de 2010, Grifos Meus).
Ora, é a laicidade que permite minar “as convicções obscurantistas” de
parlamentares religiosos por que nossas mentes ainda se interessam em entender porquê
conceitos democráticos como modernidade, cidadania, laicidade, direitos parecem ausentes
da vida política brasileira. Por que afinal as coisas estariam fora do lugar?
Danièle Hervieu-Léger (1999) propõe identificar as modalidades próprias do
“retorno do religioso” em cada civilização (p. 19). Deste modo, a autora aponta para uma
laicidade em pane que traz novas problemáticas sobre a questão da laicidade no mundo
contemporâneo. No caso francês, a questão do Islã tem suscitado, por exemplo, pensar
sobre o agenciamento da laicidade na regulação institucional do religioso no regime
republicano. Nesse sentido, Hervieu-Lèger (1999) entende que a participação de lógicas
religiosas no espaço laico de repúblicas contemporâneas requer a necessidade de uma
maior atuação do Estado na gestão e na racionalização da delimitação prática da liberdade
religiosa. Para Hervieu-Léger (1999) de um lado, há uma “desregulação institucional” da
religiosidade e de outro, a disseminação de novas formas de expressão religiosa ou uma
197
“religiosidade flutuante” de elaborações sincréticas inéditas. Nesse sentido, presenciamos
uma “bricolagem de crenças” em detrimento do monopólio das religiões cristãs. Se
considerarmos a invocação do religioso dentro de cultos evangélicos semanais realizados
na Casa legislativa bem como a mobilização cristã dentro desta mesma Casa podemos
dizer que tempos e espaços sociais brasileiras são ainda marcados pelo monopólio do
Cristianismo. Ora, mas não teria a cultura ocidental se secularizado por meio de valores
cristãos? (Zanotta, 2010).
No espaço público brasileiro, ao que parece, a laicidade e religião rivalizam-se e
se reforçam mutuamente (Burity, 2008, p. 85). Sendo assim, o discurso da FPE tem
preconizado tanto que o Estado “não pode se meter em assuntos religiosos” (por que é
laico) quanto que demandas religiosas devem ser atendidas pelo Estado. Por isso mesmo,
no caso brasileiro, analisar fé e política requer, sobretudo, pensar em “modernidades
alternativas” (Velho, 2007). E não apenas em imagens iconoclastas. De fato, a participação
de religiosos no legislativo requer que lidemos com este fenômeno sociológico
considerando tanto seu processo histórico quanto outras trilhas etnográficas e debates
analíticos (Giumbelli, 2008, p. 95). Por isso, há que se considerar elementos heterogêneos
e caracteres históricos (Asad, 1993, p. 54).
Especialmente por que, no Brasil, presenciamos (como algumas etnografias aqui
apontaram) um contexto de reivindicação de cidadanias plenas num Estado democratizado,
e, na contramão, Igrejas deixam seus claustros e ocupam de forma voraz o espaço público
do país reivindicando direitos morais e inalienáveis. Deputados religiosos promovem uma
espécie de cruzada santa que, por meio de uma “moral civilizatória” única, “salva vidas” e
sana o Mal que assola a humanidade errante, acometida pelo pecado do aborto, do
homossexualismo, do divórcio, da pedofilia, das drogas, da eutanásia e da corrupção. Deste
modo, esta dissertação intencionou assinalar para outros modos de ver, ouvir e escrever
etnograficamente sobre a participação de deputados evangélicos (e cristãos) no espaço do
legislativo brasileiro. De todo modo, considero que religião, laicidade, Estado e política se
possuem reciprocamente ao passo que rivalizam e se reforçam mutuamente em relações
infinitesimais de repetição (Tarde, 2007) no espaço público brasileiro.
Assim, procurei apontar as controvérsias e os efeitos políticos da participação
destes religiosos no legislativo considerando que se há um projeto político da FPE de
remissão da Nação, ele não se constitui num “fato social total” que ocupa todos os espaços
198
e tempos da sociedade brasileira. Por certo, a FPE articula suas propostas morais com
movimentos e comitês “pró-vida” e com as comunidades de fé. Todavia, desconfio que
haja uma “força evangélica” suficiente para misturar fé e política em todos os espaços e
tempos sociais de forma exitosa no que diz respeito a aprovação de projetos de lei a favor
da “vida em si” no Congresso Nacional.
Ora, há mais coisas entre o céu e terra. E muito mais complexidade do que
simplicidade neste cenário. Assim, há que se considerar um mundo em movimento para
além de imagens congeladas. Se há binômios, o mundo tal como é ou como nos apresenta,
não pode apenas ser “lido” por meio deles. É neste sentido que devemos entender esta
“guerra de imagens” (iconoclastas ou não) a partir da complexificação dos fatos e efeitos
que ela nos apresenta. Pois, um mundo “sem complicação”, apenas com linhas retas, sem
enigmas e incompreensibilidades não precisa ser conhecido, nem mesmo palavreado pelo
antropólogo.
199
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4 0
J
Como disse no capítulo 1 fui iniciada na antropologia numa pesquisa etnográfica
que procurava entender aspectos da relação entre política local e religiões evangélicas. O
município de Seropédica situa-se na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. O
aspecto mais relevante da cidade versa sobre a “força” e expressão numérica evangélica. A
despeito da maioria dos municípios da chamada Baixada Fluminense possuir um alto
índice de evangélicos, Seropédica foi apontado como o “mais evangélico” do estado do
Rio de Janeiro ocupando o 76º lugar, dentre os mais de 5.500 municípios brasileiros.195
Este quadro torna-se mais significativo quando se considera que o estado do Rio de Janeiro
ocupa o quarto lugar em número de evangélicos do país.196
Considerando este contexto, nos empreendemos nas atividades do “tempo da
política” e “do tempo da igreja” seropedicense de 2004 a 2007. Como disse, conheci
algumas mulheres e participei de inúmeros e diversos rituais, situações e eventos
relacionados ao campo religioso evangélico e político local. Sendo assim, observei cultos
em Igrejas ou em espaços públicos, convenções partidárias, rituais de campanha, plenárias,
reuniões entre candidatos e correligionários, desfiles cívicos, comícios e showmícios de
candidatos, rodeios, cavalgadas e passeatas promovidas por políticos, rituais de
comensalidade, shows gospel.
Observei ainda no ano de 2005 a reestruturação do novo poder local. Estivemos
presentes em reuniões do novo governo, no cotidiano da prefeitura e da Câmara Municipal.
Participamos dos eventos em comemoração a emancipação da cidade quando são
promovidos shows, rodeio, desfile cívico, homenagem na Câmara Municipal aos “cidadãos
seropedicenses” escolhidos pelos vereadores e pelo prefeito. Neste mesmo ano,
participamos de rituais promovidos pelas igrejas evangélicas em prol da restauração da
195
http://www.fgv.br/cps/religioes/inicio.htm Acessado em 22/05/2008.
http://www.fgv.br/cps/religioes/inicio.htm Acessado em 22/05/2008. Nesse mesmo sentido, Paul Freston
(1993) já apontava que nos inícios dos anos 90, o Estado do Rio de Janeiro ocupava o nono lugar em número
de evangélicos do país. (p.33)
196
200
cidade que estava passando sob o crivo de ter elegido um prefeito que, meses depois, fora
acusado de compra de votos. Dentre estes rituais destacam-se o Café da manhã dos
pastores da cidade e o Clamor por Seropédica que consistia numa série de cultos
promovidos pelas igrejas evangélicas no espaço público da cidade. Realizamos ainda
entrevistas com alguns atores políticos e/ou religiosos da cidade.
Em todos estes eventos, rituais e situações sociais dos quais participei como
bolsista de Iniciação Cientifica, em nenhum deles houve quaisquer referências a um
projeto evangélico de restauração da Nação. As palavras aborto, união civil de pessoas
homoafetivas, eutanásia, “ditadura gay”, “assassinato de criancinhas” não foram, pois,
proferidas por nenhuma daquelas pessoas por nós pesquisadas. Nem mesmo nos rituais de
Clamor pela Cidade, a despeito da referência a ação do Inimigo, o Mal, se existia, era
outro. Do mesmo modo, a união evangélica naquele momento se dava a fim de restaurar a
honra evangélica e a da própria cidade que havia sido corrompida pela ação errônea do
prefeito eleito pelo “Povo de Deus”.
Do mesmo modo, a despeito de ter mais de 300 templos espalhados pela cidade e
possuir uma população com mais de 70% declaradamente evangélicos, apenas um “irmão”
foi eleito ao legislativo, desde que a cidade foi emancipada. Entretanto, as Igrejas
evangélicas indicavam seus candidatos, mesmo modo, apoiavam seus pretendentes nas
campanhas eleitorais. Ocuparam cargos nas gestões municipais, promoveram Leis em prol
da comunidade evangélica (como o dia do evangélico). Todavia as igrejas evangélicas
pareciam ocupar o mundo apenas para “beneficiar a seita”, pois, continuavam a privilegiar
doses de sectarismo.
Assim, se desejavam que todos fossem crentes, a conversão se dava no interior
mesmo dos templos, uma vez que, se havia em Seropédica um projeto político de remissão,
este era engendrado apenas no espaço do sagrado e no plano individual. Por isso desconfio
do projeto político da FPE de remissão como um “fato social total” que ocupa todos os
espaços e tempos sociais. Por certo, estou ciente que a FPE articula suas propostas com
movimentos e comitês “pró-vida” bem como com as comunidades de fé. Não estou
negando este fato. O que desconfio é de uma “força evangélica” que consiga misturar fé
com política em todos os espaços e tempos de forma exitosa.
Edmund Leach (1996) já nos ensinou que se há formalização das estruturas, há
também espaços para manipulação, novas estratégias e planos de ação. Por isso, trago mais
201
um exemplo da pesquisa que participei em Seropédica. Dona Genoveva, diaconisa da
Assembléia de Deus, mãe de José Camilo, a quem “devemos muito” por ter nos inserido
nos espaços e tempos da política e da religião evangélica local. Após a emancipação de
Seropédica, Dona Genoveva sempre atuou como cabo eleitoral do seu filho e de alguns
políticos locais, estabelecendo assim vínculos e alianças políticas. Como evangélica, Dona
Genoveva agradece a Deus por tê-la ajudado a criar sete filhos com um marido alcoólatra e
que depois “caiu doente”. Por isso, sempre trabalhou, algumas vezes em cargos vinculados
a Prefeitura, outras em empresas privadas.
Contudo, Dona Genoveva nos narrou que durante muitos anos ocupou o cargo de
“dinamizadora de políticas de prevenção” no posto de saúde da cidade. Sua função exigia
“mexer com este negócio de anticoncepcional”, ou seja, orientar mulheres sobre como se
prevenir contra Doenças Sexualmente Transmissíveis e gravidezes indesejáveis. Assim, ela
aplicava injeções contraceptivas, distribuía camisinhas e participava “das campanhas de
evitar filho”. Perguntada se isso não a incomodava como evangélica ela nos respondeu:
“era meu trabalho, eu sou evangélica, não sou a favor disso, mas como profissional não
posso deixar de orientar as mulheres que vão procurar ajuda”. E continuou: “para a Igreja
isso pode ser errado, mas eu não posso obrigar as pessoas a ser como eu, se elas fazem
[sexo fora do casamento], elas tem que se prevenir”.
Tais palavras soam ainda para mim muito reveladoras sobre como o mundo é
complexo para cogitarmos descomplicá-lo em palavras certeiras. Este caso etnográfico
trazido neste epílogo pretende apenas apontar que se há um discurso radical dos
evangélicos no plano da política institucional que ecoa moralidades para toda a sociedade,
há outros discursos evangélicos na “base”. Há, nesse sentido, um gap entre local e
nacional. Por certo, a FPE engendra lógicas, ecoa moralidades, profere nomes e certezas,
formaliza estruturas. Entretanto, considero que as pessoas vivem no mundo não apenas a
partir das Instituições as quais fazem parte.
Há, pois, crentes batendo em nossas portas a fim de nos evangelizar, adventistas
que reivindicam não trabalhar no dia sagrado do sábado. Há crentes pregando pelas ruas,
nos trens, nos ônibus. Estes mesmos crentes nos atendem em hospitais, bancos, comércios,
lecionam, fazem ciência, se candidatam, distribuem camisinhas em postos de saúde. O
exemplo de Dona Genoveva me ensina sempre que um mundo “lido” somente a partir de
binômios é um mundo empobrecido, vazio de complexidade, vago de pessoas humanas,
202
oco de imprevistos. E coisas e pessoas que não instigam pensamentos, não se tornam
sujeitos de etnografias, nem engendram conhecimento antropológico.
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http://www2.camara.gov.br/
199
Considero aqui as Frentes parlamentares mais atuantes segundo o DIAP (2006; 2011).
200
Total de 25 parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica também filiados a Bancada Ruralista. Disponível em
http://www.fpagropecuaria.com.br/institucional/composicao acesso em 24 de março de 2011.
201
DIAP, 2011, p. 37-38
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em http://www.diap.org.br/index.php/eleicoes-2010/bancadas-suprapartidarias/bancada-feminina-aumentade-55-para-57-no-congresso acesso em 24 de março de 2011.
203
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