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O Trabalho Como Direito Fundamental

2014, Unoesc International Legal Seminar

O TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Gleika Kunh Mocellin* Robison Tramontina** Resumo Como evolução do Estado Absolutista surge o Estado de Direito, no qual o soberano é submisso às leis por ele publicadas. Evoluindo-se ainda mais este conceito chega-se ao Estado Democrático de Direito, no qual as leis que vinculam o soberano são produzidas pelo povo, através de representantes eleitos. Apresenta-se um histórico da evolução dos direitos humanos com seus marcos mais significativos tais como a Magna Charta Libertatum, a Petition of Right, o Habeas Corpus e o Bill of Rights; nos Estados Unidos da América, a Declaração de Direitos de Virgínia, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a Constituição dos Estados Unidos da América; na França, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Os Direitos fundamentais são direitos humanos constitucionalizados, por conta disto a noção de Direitos fundamentais está intimamente ligada à Constituição de um país, que num Estado Democrático de Direito é elaborada pelo povo. Aborda-se acerca da evolução da concepção de trabalho, visando discutir acerca do direito fundamental ao trabalho previsto no ordenamento Constitucional atual. Palavras-chave: Estado democrático de Direito. Direitos fundamentais. Direito fundamental ao trabalho. 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente artigo é a primeira parte de um projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido e que almeja, com base na teoria honnetiana, verificar a importância do trabalho para o reconhecimento social. Inicia-se por um traçado acerca dos diferentes tipos de Estados que evoluem até o Estado Democrático de Direito, a forma estatal na qual o Estado é vinculado às leis promulgadas e o povo através de seus representantes é quem as compõem. Em seguida discorre-se sobre a evolução dos direitos humanos evidenciando os principais documentos e seu reconhecimento paulatino ao longo dos séculos, abordando por último o direito fundamental ao trabalho e sua previsão no ordenamento brasileiro. 2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Com a evolução do Estado Absolutista, no qual a figura do rei detinha todos os poderes e não se submetia a norma alguma, surge o Estado Liberal baseado na teoria con______________ * Graduanda do Curso de Direito na Universidade do Oeste de Santa Catarina de São Miguel do Oeste; gleikamaiara@ yahoo.com.br ** Doutora e Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professor pesquisador do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais da Universidade do Oeste de Santa Catarina; editor de seção da Revista Espaço Jurídico (B1); Av. Nereu Ramos, 3777-D; Bairro Seminário; 89813-000, Chapecó, SC; robison.tramontina@unoesc. edu.br Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. 521 Gleika Kunh Mocellin, Robison Tramontina tratualista no qual os direitos dos indivíduos são intrínsecos a eles e o poder do Estado de governar dá-se por meio de consentimento. Advindo das ideias de liberdade do Estado Liberal, nasce o Estado de Direito na segunda metade do século XIX, na Alemanha, sendo posteriormente incorporado na doutrina francesa. Neste modelo estatal há uma hierarquia de regras jurídicas que objetivam limitar o poder do Estado pelo Direito (STRECK, 2003). Não se restringe, o Estado de Direito, meramente à existência de leis limitadoras do poder do governante, vai muito além. Partiu-se de um Estado Legal, restrito à forma da legalidade, e se evoluiu para um estado que incorpora determinados conteúdos e garantias a esta legalidade, o Estado de Direito, que se subdividiu em três períodos evolutivos (STRECK, 2003). O Estado de Direito em princípio, na sua forma liberal, visou resguardar o indivíduo, garantindo-lhe direitos fundamentais limitadores ao poder do Estado, tidos como os de primeira geração, tais como o direito à propriedade e à liberdade. O direito surgiu como uma proteção aos cidadãos das intromissões demasiadas e indevidas do Estado. Evoluindo esta concepção, formou-se o Estado de Direito com características sociais, buscando a atuação positiva do Estado, garantindo os chamados direitos de segunda geração, tais como saúde, educação e habitação, entre outros. Entretanto, tanto a forma liberal como a social do Estado de Direito demonstraram-se insuficientes no que tange ao caráter de transformação da realidade, haja vista que apenas destinam-se a uma adaptação legal às necessidades imediatas da sociedade (STRECK, 2003). Com a missão de superar as formas supracitadas surge o Estado Democrático de Direito visando conferir o poder aos cidadãos e tornando a lei um instrumento de transformação da sociedade e reestruturação das relações sociais. No intuito de mitigar as contradições da diversidade econômica, o Estado Democrático de Direito funda-se no princípio da isonomia, tanto para a lei como para a participação popular. O Estado Democrático de Direito incorpora características novas ao modelo tradicional, traz a ideia de efetivação da igualdade como um conteúdo a ser atingido “[...] através do asseguramento jurídico de condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade.” (STRECK, 2003, p. 97). Por ter um caráter transformador, o Estado Democrático de Direito, mesmo adstrito ao critério hierárquico das normas, não é estático, eis que as normas são constantemente submetidas às variações políticas e sociais (STRECK, 2003). 3 DIREITOS FUNDAMENTAIS, FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO A ideia de direitos humanos fundamentais é anterior à concepção de constitucionalismo, adveio da necessidade de limitação e controle dos abusos do Estado, consagrando a inscrição de direitos humanos mínimos em um documento derivado da vontade popular (MORAES, 2005). 522 Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. O trabalho como direito fundamental ... Os direitos fundamentais são normas jurídicas, sobre direitos humanos mínimos, positivados normalmente em uma constituição, ligados à ideia de dignidade da pessoa humana e que visam à limitação do poder estatal (MARMELSTEIN, 2009). Os direitos fundamentais são sempre direitos humanos, porém não se pode dizer o inverso. Os direitos humanos são inatos aos indivíduos e presentes nas declarações de âmbito internacional, já os direitos fundamentais são aqueles positivados por uma Constituição, são reconhecidos como tal em âmbito nacional (SARLET, 1998). Sarlet (1998, p. 31) muito bem diferencia: [...] o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal [...] Por conseguinte, tem-se que os direitos fundamentais resultam da constitucionalização de determinados valores básicos que passam a fazer parte de um “núcleo” da Constituição como garantia contra arbítrios estatais. Constituindo, assim, obrigação do Estado para com seus cidadãos (SARLET, 1998). Ainda, há que se salientar que os direitos fundamentais presentes na Constituição Brasileira de 1988 constituem as chamadas cláusulas pétreas, de forma que só podem ser abolidos ou mitigados por advento de uma nova constituição. Far-se-á um breve esboço sobre a história dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, que resulta no surgimento do moderno Estado constitucional, que essencialmente protege a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais (SARLET, 1998). 3.1 AS PRIMEIRAS NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS De início, mister salientar que em que pese os direitos fundamentais não remontem à antiguidade por não haver a ideia de constitucionalização de direitos, as ideias de direitos inatos ao homem são tão antigas quanto à própria sociedade, haja vista que já existiam no antigo Egito e na Mesopotâmia no terceiro milênio a. C. (MORAES, 2005). Ocorre que, o período antigo em muito influenciou as ideias do pensamento jus naturalista no que tange à concepção de direitos inalienáveis inerentes ao ser humano pelo simples fato de existir. Esta fase é comumente identificada como uma pré-história dos direitos fundamentais (SARLET, 1998). No Código de Hamurabi (1690 a.C.) tem-se a primeira codificação a apresentar um rol de direitos comuns a todos os homens. Pelas influências budistas (500 a. C.) propaga-se a igualdade de todos os homens. Já na democracia direta de Péricles na Grécia iniciam vários estudos sobre a necessidade de igualdade e liberdade como um direito inato aos homens (MORAES, 2005). Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. 523 Gleika Kunh Mocellin, Robison Tramontina O Direito Romano foi o primeiro a consagrar mecanismos que visavam à proteção dos direitos individuais contra os arbítrios do estado. Sua Lei das Doze Tábuas foi o primeiro texto escrito que consagrou direitos de liberdade, propriedade e proteção do cidadão (MORAES, 2005). A cultura greco-romana e a religião cristã trouxeram valores de dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade dos homens. Na Idade Média diversos documentos reconheciam a existência de direitos humanos como limitação ao poder estatal (MORAES, 2005). A este modo, nos séculos XVII e XVIII, a doutrina jus-naturalista atinge seu auge através das teorias contratualista e do iluminismo, de modo a desvencilhar-se da religião por meio de um processo de laicização do direito natural. 3.2 EVOLUÇÃO Na história que antecede a consagração dos direitos fundamentais faz-se necessária a menção dos principais marcos históricos que trouxeram o reconhecimento de alguns direitos humanos positivando-os em declarações e outros documentos. Merece destaque na Inglaterra, a Magna Charta Libertatum, a Petition of Right, o Habeas Corpus e o Bill of Rights; nos Estados Unidos da América, a Declaração de Direitos de Virgínia, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a Constituição dos Estados Unidos da América; na França, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. A Magna Charta Libertatum foi um pacto assinado em 15 de junho de 1215 pelo Rei João I, conhecido como João Sem-Terra, e pelos bispos e barões ingleses, após inúmeras violações das leis antigas pelo Rei. Teve por objetivo limitar o poder do soberano, sendo um tratado de direitos e deveres para com os súditos (COMPARATO, 2001). Embora fosse destinada apenas a um grupo privilegiado da nobreza a Magna Charta Libertatum foi o primeiro documento a consagrar direitos e liberdades individuais que estão presentes nos dias atuais, previa entre outros direitos: restrições tributárias, previsão de devido processo legal, livre acesso à justiça, liberdade de locomoção e o direito da igreja estar livre do controle governamental (MORAES, 2005). Embora não fosse respeitada, era comumente invocada a título de defesa contra arbítrios estatais. Assim, pela primeira vez na história o rei vinculava-se naturalmente às leis por ele editadas (COMPARATO, 2001; ALTAVILA, 2004). Em 1628 novamente por conta de violações reais, desta vez do Rei Carlos I, surgiu uma declaração de liberdades civis, a Petition of Right, considerada um marco na história dos direitos humanos, foi baseada em estatutos e cartas anteriores. Referida Declaração previa de forma expressa que nenhum imposto ou taxa poderia ser cobrado sem o consentimento do Parlamento e nenhuma pena corpórea seria imposta àquele que não pagasse tais tributos, e ainda, nenhuma pessoa poderia ser presa sem justa causa (MORAES, 1998). Ainda na Inglaterra, outro marco histórico foi a Lei do Habeas Corpus Act (1679), destinado a disciplinar processualmente a proteção ao direito de liberdade. Previa a possibilidade de que o preso ou um terceiro intercedesse, em casos de prisão ilegal, abusiva ou arbitrária, junto ao lorde-chanceler, por meio de reclamação ou requerimento escrito, o qual poderia conceder um habeas corpus libertando o preso imediatamente desde que se comprometesse em comparecer ao tribunal para responder à acusação (SARLET, 1998). 524 Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. O trabalho como direito fundamental ... Embora já existisse no common law, até mesmo antes da Magna Carta, para a efetividade do Habeas Corpus foi necessária esta lei específica contendo a devida regulamentação processual (MORAES, 2005). A Bill of Rights teve origem na Revolução Gloriosa, eis que após a abdicação do Rei da Inglaterra Jaime II, o Parlamento ofereceu a corroa para Guilherme de Orange, conhecido como Príncipe de Orange, desde que esse outorgasse a declaração de direitos (Bill of Rights) e a respeita-se. Assim, em 13 de fevereiro de 1689 foi outorgada a Bill of Rights que significou uma importante restrição ao poder estatal, porém não reconhecia a liberdade religiosa (MORAES, 2005). Décadas depois, com idêntica importância, figuram as contribuições ao desenvolvimento dos direitos humanos encontradas na América do norte. Fruto da Revolução Americana, surge em 1776 a Declaração de Direitos da Virgínia, na qual foram incorporados os direitos e liberdades individuais já reconhecidos pelos ingleses. Nela reconheceu-se a igualdade entre os indivíduos pela própria natureza e o direito à propriedade. Destacou-se ainda o artigo segundo da Declaração no qual se reconheceu o poder como pertencente ao povo (MORAES, 2005; SARLET, 1998). De valor impar para a história foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, que teve como propulsor e principal autor Thomas Jefferson. Através dela as Treze Colônias na América do Norte impuseram-se contra os arbítrios da metrópole e declararam sua independência do Reino Unido (MORAES, 2005). Datada de 04 de julho de 1776 inspirou as demais Declarações das ex-colônias inglesas, influenciando assim na incorporação de direitos fundamentais à Constituição de 1787 através das emendas proferidas em 1791 (SARLET, 1998). Segundo Sarlet (1998, p. 45): “[...] pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais,” mesmo só lhes sendo conferido o status constitucional a partir das emendas de 1791. 3.2.1 Revolução Francesa: Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão No que antecede a Revolução Francesa, a França contava com um país agrário e uma sociedade baseada em três estamentos, sendo o primeiro composto pelo clero, o segundo pela nobreza, e por fim, o terceiro estado que era formado por inúmeros subgrupos baseados nas classes sociais abarcando a burguesia, artesãos, aprendizes, empregados e a massa rural (CASTRO, 2005). Apenas o terceiro estado pagava tributos que se destinavam a manutenção do clero e da nobreza. Os gastos superavam em muito a arrecadação, causando uma dívida externa correspondente ao dobro de todo o dinheiro em circulação no país, resultando numa economia desestabilizada e decadente. A situação agravou-se ainda mais quando em meio às crises da entrada dos produtos ingleses de baixo custo, fruto da revolução industrial, e grande seca que comprometera a produção de alimentos o Governo Francês decide apoiar à independência norte-americana (CASTRO, 2005). Para ajustar a economia do país, o rei Luis XVI convocou a “Assembleia dos Estados Gerais” visando o aumento dos impostos territoriais. A massa populacional do terceiro es- Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. 525 Gleika Kunh Mocellin, Robison Tramontina tado ansiava por igualdade civil e política, e embora contasse com 578 deputados, contra 270 da nobreza e 291 do clero, jamais venceria as votações feitas por estado. Assim, o terceiro estado negou-se a participar da votação e seus representantes autoproclamaram-se a “Assembleia Nacional”, recebendo de pronto adeptos iluministas dos outros dois estados (CASTRO, 2005). Num cenário no qual a população era amplamente explorada, em que a nobreza e o clero, além de não pagarem impostos, viviam à custa do chamado terceiro estado, era de se esperar que a indignação popular tomasse medidas drásticas, e foi o que se deu. Em 9 de julho de 1789 a Assembleia Nacional tornou-se Assembleia Constituinte e em 26 de agosto de 1789 terminou de ser redigida a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, contendo 17 artigos, que só passou a ser definitivamente adotada em 02 de outubro de 1789 (DIMOULIS, 2008). Embora trouxesse previsão de direitos muito semelhantes aos previstos nas Declarações norte-americanas, tais como liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, liberdade religiosa e de pensamento e garantias contra a repressão penal, a Declaração Francesa inovou, diferenciou-se, pois foi em busca dos interesses gerais, não se manteve numa visão individualista tal como as norte-americanas (DIMOULIS, 2008). Enquanto o contexto vivido pelos norte-americanos era de revolução por independência, o vivenciado pelos franceses era uma revolução partida das bases indignadas com os longos anos de exploração, visando assim, uma nova constituição. Segundo Marx, a Revolução Francesa, também chamada de Revolução Burguesa, pela grande contribuição da burguesia, resultou no mais rápido movimento de transformação social já visto (COMPARATO, 2001). Em 03 de setembro de 1791 foi aprovada a Constituição Francesa, que além de incorporar os direitos previstos na Declaração, dando-lhes status constitucional, inovou trazendo importantes regulamentações no que tange a controle do poder estatal, porém sem acrescer novos direitos fundamentais (MORAES, 2005). A tarefa de ampliação dos direitos fundamentais coube a sua sucessora, a Constituição de 1793, que acrescentou, entre outros, o direito de proporcionalidade entre delito e pena, direito de petição, direitos políticos, presunção de inocência, liberdade de imprensa e liberdade de profissão (DIMOULIS, 2008). 3.2.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) Embora todas as Declarações citadas acima tenham sido de importância ímpar na história, por tratarem-se de marcos evolutivos necessários para concretizar o atual patamar dos Direitos Humanos Fundamentais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 possui uma importância sem igual no mundo do Direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos figura no grau máximo da hierarquia jurídica, sendo que os princípios nela constantes constituem parâmetro para a elaboração e aplicação de todas as normas jurídicas (SÜSSEKIND, 2007). 526 Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. O trabalho como direito fundamental ... Retomando as concepções da Revolução Francesa, a Declaração representou o primeiro marco, no âmbito universal, do reconhecimento de direitos supremos de igualdade, liberdade e fraternidade conforme previsão de seu artigo I. Representa o cume de um processo iniciado historicamente por outras declarações que se deu ainda sobre forte impacto das barbaridades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial (COMPARATO, 2001). Neste ponto, brilhante a observação de Comparato (2001, p. 228): E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumana guerra de toda a História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade. Visando dar-lhe maior efetividade e superar seu caráter aparente de recomendação a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, aprovou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, concedendo-lhe uma força vinculante, os quais em dez anos obtiveram 35 ratificações (SÜSSEKIND, 2007). Entretanto, mesmo que ausente o pacto o entendimento internacional já era, por respeito à dignidade humana, que os direitos previstos na Declaração por si só obrigam a coletividade (COMPARATO, 2001). As diretrizes adotadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos serviram e ainda servem de base para todas as Constituições Ocidentais, que ao adotarem os direitos nela previstos os tornam Direitos Fundamentais. 4 O TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Este capítulo é destinado à análise do trabalho enquanto realização da dignidade da pessoa humana. Na Antiguidade greco-romana, por conta da escravidão, o trabalho manual era destinado àqueles considerados desprovidos de capacidade de pensamento e contemplação. Os escravos eram reduzidos à condição de coisa e não de sujeito. Possuíam na época duas teorias acerca do trabalho, uma considerava-o opressor do pensamento e da inteligência humana, já a outra de forma completamente antagônica o tinha como essência do ser humano (BARROS, 2007). Com o advento da Idade Média e do sistema feudal o cristianismo confere ao trabalho um caráter mais digno. Todavia, embora os trabalhadores neste ponto já fossem homens livres eram expostos a pesadas cargas de trabalho e aos arbítrios do senhor feudal (BARROS, 2007). O comércio iniciou-se à margem dos lagos, rios e mares, com produtos artesanais e naturais. O crescimento destes comércios informais impulsionou a criação das corporações de ofício, constituídas por mestres profissionais e seus aprendizes (BARROS, 2007). Apenas com o Renascimento o trabalho realizado pelo homem é visto como inerente à natureza humana e necessário para a sua realização pessoal (BARROS, 2007). Barros (2007, p. 52) traz uma importante visão acerca do trabalho para o homem: Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. 527 Gleika Kunh Mocellin, Robison Tramontina [...] o trabalho tem um caráter pessoal, constituindo um ato da vontade livre do homem; tem um caráter singular, na medida em que traduz uma expressão do valor e da personalidade de quem o executa. O trabalho atua como meio de subsistência, de acesso à propriedade, e cumpre um conjunto de funções sociais. De forma que se pode considerar o trabalho como requisito para a concretização da dignidade da pessoa humana, uma vez que muito além de ser apenas uma forma de auferir o sustento, serve para valorar o indivíduo como contribuinte da sociedade. Através do princípio da dignidade da pessoa humana, que pode ser considerado como o fator que diferencia o homem dos demais seres vivos e o iguala aos seus semelhantes, o ser humano passa a figurar no centro do sistema social e político, como sujeito de direitos a serem respeitados. O princípio de dignidade da pessoa humana visa o tratamento igualitário entre todos os seres humanos e o respeito recíproco (GOLDSCHMIDT, 2009). 4.1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A atual Constituição Federal Brasileira surgiu em 1988 tendo como valor supremo a dignidade da pessoa humana, sendo a mais avançada legislação da história em termos de direitos e garantias fundamentais no Brasil (CASTRO, 2005). Em seu artigo primeiro a Constituição Federal pátria de 1988 prevê como fundamentos: a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre cidadania, o pluralismo político. Logo, há previsão do direito ao trabalho como fundamental, sendo o direito de cada cidadão possuir um trabalho do qual possa auferir renda para o seu sustento e de sua família, efetivando assim a dignidade da pessoa humana. Seguindo, verifica-se no artigo terceiro do texto constitucional os objetivos fundamentais a serem alcançados pelo país: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 2013, grifo nosso). Novamente, há correlação com o direito fundamental de trabalho, uma vez que os incisos II e III grifados acima indicam o compromisso do Estado com os valores sociais do trabalho também enquanto objetivo a ser atingido. Observe-se ainda que o Título II da Constituição Federal discorre acerca “Dos direitos e Garantias Fundamentais”, trazendo em várias passagens acerca do direito ao trabalho de forma a asseverar a sua fundamentalidade (FONSECA, 2006). Ainda, o trabalho é compreendido como um direito individual e coletivo no artigo quinto, inciso XIII que prevê a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, de forma a garantir a não intromissão estatal na escolha laboral, desde que se trate de atividade lícita. 528 Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. O trabalho como direito fundamental ... É reconhecida, assim, a liberdade de trabalho em sentido amplo, na sua escolha e execução, sendo apenas limitada pelas qualificações exigidas em lei especial (FONSECA, 2006). Em seguida, qualifica-se o trabalho também como um direito social, sendo que o artigo sexto prevê: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 2013). Os direitos sociais, que pertencem à segunda dimensão de direitos, requerem um agir por parte do Estado, ao caracterizar o trabalho como um direito social está se garantindo a possibilidade de trabalhar. Ao contrário da Constituição de 1946, que previa o trabalho como uma obrigação do cidadão, a Constituição Federal atual vê o trabalho sobre o prisma de direito, legando ao Estado o dever de oportunizá-lo (BERTRAMELLO, 2013). Enfatizando ainda mais a importância dada pelo constituinte ao trabalho além dos artigos 7º e 8º, que discorrem longamente sobre os direitos trabalhistas e suas representações sindicais, percebe-se que, de acordo com o artigo 170 da CF, a ordem econômica nacional é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar a todos uma existência digna. Relacionando mais uma vez o trabalho à dignidade da pessoa humana (FONSECA, 2006). 5 CONCLUSÃO Por fim, compreende-se que somente o Estado Democrático de Direito é capaz de transformar a sociedade e refletir a vontade da população. Ainda, esta forma de Estado funda-se no princípio de igualdade buscando assegurar condições mínimas de vida ao cidadão. Ao percorrer a história dos direitos humanos e sua transformação em direitos fundamentais, pela positivação interna nos Estados, evidencia-se o fato do reconhecimento de direitos estar sempre atrelado a situações extremas de opressão social. E no caso do direito fundamental ao trabalho não foi diferente, foram necessárias muitas lutas para a positivação do trabalho como um direito fundamental, de modo a ser garantido enquanto dever do Estado, eis que, reconhecida sua importância para o indivíduo e para a sociedade. O trabalho é inerente à natureza humana, necessário para a efetivação da dignidade da pessoa humana, a manutenção de uma existência digna e o reconhecimento por parte da sociedade do indivíduo como ser colaborador. Work as a fundamental right Abstract As evolution of the Absolutist State arises the State of Law, in which the sovereign is submissive to the laws published by him. Evoluting even further this concept it arrives at the Democratic State of Law, in which the laws that bind the sovereign are produced by the folk, through elected representatives. It presents human rights historical evolution with Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, 2013. 529 Gleika Kunh Mocellin, Robison Tramontina its most significant landmarks such as the Magna Charta Libertatum, the Petition of Right, the Habeas Corpus and the Bill of Rights; in the United States of America, Virginia’s Declaration of Rights, the Independence Declaration of the United States of America, the Constitution of the United States of America; in France, the Declaration of Rights of Man and Citizen. The fundamental rights are human rights constitutionalized, because of this, fundamental rights’ notion is closely connected to the Constitution of a country, which is produced by the folk in a Democratic State. This study focuses on the evolution of the concept of work, in order to discuss about the fundamental right to work provided in the current Constitution. Keywords: Democratic state of law. Fundamental rights. Fundamental right to work. 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