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Resenha Bourdieu

1999, Journal of Ethnopharmacology

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DISCIPLINA EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS – 2013.2 PROFº IRAPUAN Razões Práticas e O Poder Simbólico Pierre Bourdieu MICHELLY DE OLIVEIRA CAMPOS – Mat. 346338 Fortaleza, Ceará – 2013 Em Razões Práticas, Bourdieu levanta um questionamento fundamental: “É possível um ato desinteressado?”. Ao dirigir seu questionamento objetivamente à produção científica, questionando sobre aquilo que se produz como ciência, causa certo desconforto, por que apesar do campo intelectual parecer desinteressado, afirma Bourdieu, este tem seus alvos e consequentemente desperta seus interesses. Para Bourdieu, nossa visão está condicionada pelas estruturas do mundo nos quais estamos inseridos, são campos de disputa onde de dão as relações de poder. Nossos interesses nos jogos, segundo Bourdieu nos foram impostos na mente e no corpo, produzindo a illusio, a fé de que vale a pena investir e lutar a respeito das coisas que estão em jogo naquele campo e que só tem valor para quem está no jogo, preso no jogo. A illusio exerce uma influência que apresenta o vivido, para os que estão imersos no jogo, como evidente. Romper com tal visão para Bourdieu não é uma tarefa fácil, pois não se trata apenas de uma decisão de consciência, uma vez que os agentes são possuídos pelo jogo tanto mais quanto melhor o compreendem. Bourdieu refuta a ideia utilitarista da illusio na relação entre os agentes e os campos, que se dá ao tratarmos os agentes como movidos por ações conscientes e reduzindo suas ações ao interesse econômico. Para Bourdieu os sujeitos não estão diante de um objeto que será constituído como tal, por um ato intelectual de conhecimento, estão em seus afazeres, no afazer correlato imediato da prática que não é posto como objeto do pensar. As estruturas para Bourdieu criam um habitus, estruturando tanto sua percepção desse mundo como sua ação nesse mundo. Admitir as ações como fruto de uma consciência racional, calculista para Bourdieu, seria abrir espaço para a questão do cinismo. Quanto à redução tradicional ao economicismo, Bourdieu, refuta considerando que cada campo social possui suas próprias leis de funcionamento, não podendo admitir-se que todos os campos sejam entendidos e/ou regidos com base nas leis da economia. É sim possível uma atitude desinteressada, para Bourdieu, mas em quais condições? É nesse momento que são introduzidos conceitos de fundamental importância para a compreensão de sua teoria, que são as noções de capital simbólico e de lucro simbólico. Para Bourdieu nascemos em um campo que não produzimos, e em meio a um jogo determinado arbitrariamente que nos faz incorporar um habitus, que nos proíbe de fazer certas coisas e nos obriga a fazer outras, assim, numa sociedade onde a honra é importante, segundo Bourdieu, o universo social exige dos agentes um comportamento generoso e desinteressado (embora por trás haja interesses sutis, camuflados), pois somente assim os agentes podem ser reconhecidos como honrados e, portanto, parte do campo. Para Bourdieu, há, quase universalmente, a existência de lucro na submissão aos “valores universais” de cada campo. Portanto, cada lucro a ser obtido, funcionará como um motor para manutenção desses valores, ou seja, o lucro simbólico é o fundamento sociológico para que os agentes incorporem o habitus, e é essa a própria condição de existência deste. Bourdieu frisa também a importância da suspeição crítica que nos aponta que valores universais na verdade, são valores particulares universalizados. Afirma também que “caminhamos em direção a universos nos quais, cada vez mais serão necessárias justificativas técnicas, racionais, para dominar” e ao enfatizar a importância da prática de uma sociologia reflexiva, Bourdieu visa uma sociologia comprometida em cumprir com um papel do qual somente ela é capaz, que é desvendar os mecanismos de justificação técnica e racional que se põe a serviço da dominação, analisar racionalmente a dominação, principalmente qual a contribuição que o conhecimento racional pode dar à dominação. Bourdieu em Sobre o poder simbólico vai trazendo à luz o conceito de sistema simbólico, fazendo sua análise a partir de autores como Cassirer, Durkheim, Radcliffe-Brown e Marx. Para Bourdieu sistemas simbólicos são estruturas estruturadas e estruturantes, de comunicação e de conhecimento, cumprindo sua função política de legitimação da dominação de uma classe por outra (violência simbólica). O campo de produção do simbólico é um campo de luta entre classes. E a classe dominante assenta-se no capital econômico para impor sua dominação, legitimá-la, desviando em seu favor o poder de definir o mundo social. As ideologias possuem estruturas e funções de acordo com as condições sociais nas quais foram produzidas e de acordo com as funções que elas cumprem para os especialistas e depois para não especialistas. A força dos sistemas simbólicos, afirma Bourdieu, consiste no fato de que as relações de forças que neles se exprimem estarem disfarçadas pelas relações de sentido. O poder simbólico de transformar o mundo só se exerce se for reconhecido, tido como certo e legítimo e ignorado como arbitrário. Segundo Bourdieu, a falta de habilidade e a sensação de incompetência são universalmente partilhadas. A pesquisa é uma atividade racional, não uma busca mística, precisamos adotar uma postura realista para maximizar o rendimento dos investimentos e para o melhor aproveitamento dos recursos. Deve-se fugir da automistificação. Para Bourdieu, a arte das ciências sociais, consiste em ser capaz de colocar em jogo teoria e empirismo, na análise do objeto. Bordieu frisa a importância de se evitar aquilo que se tem consensualmente como evidente, sem uma comprovação empírica, sem dados que possam validar a teoria, não caindo no erro de desprezar a metodologia por acreditar demasiadamente na importância social e política deste objeto. Portanto, recusa a divisão teoria/metodologia, pois a teoria fornece as bases para que as hipóteses sejam levantadas e a metodologia fornece os meios para confirmar ou negar as evidências. Para Bourdieu deve-se evitar a análises de “textos” fora do contexto, evitar a ostentação de dados para encobrir falhas na construção do objeto, compreender a diferença entre rigidez e rigor que limita o cientista na utilização dos recursos de pesquisa, devendo o mesmo ter liberdade para utilizar tantos dados quantos seja necessário. Bourdieu considerara bom senso, não desprezar questões aparentemente insignificantes, mas que são fundamentais para a pesquisa, para isso precisa ter clara a noção do campo de pesquisa, pois isso vai orientar todas as práticas de pesquisa, possibilitando ver as relações do objeto com outros fatores que o definem como tal, ou seja, é preciso pensar relacionalmente. Evitar conceitos empolados da “grande teoria” para não cair na armadilha do objeto pré-construído, pois nem sempre conhecemos os verdadeiros princípios que despertam o nosso interesse por este objeto. Para Bourdieu esta é uma tarefa difícil. Outra questão posta por Bourdieu diz repeito a estratégia de pesquisa: pesquisar extensivamente ou intensivamente? Para Bourdieu, a segunda opção seria a mais socialmente aprovada, em nome da ideia ingenuamente positivista da “precisão” e da “seriedade”. Na prática, segundo Bourdieu, o limite de um campo é o limite dos seus efeitos, e quase sempre nos acharemos expostos à alternativa da análise intensiva de uma fração do objeto praticamente apreensível e da análise extensiva do objeto verdadeiro. Para Bourdieu, o proveito científico que se retira de se conhecer o espaço em cujo interior se isolou o objeto estudado, consiste em conhecendo o espaço extensivamente, poder-se desenhar as relações de força que exercem pressão sobre o ponto específico delimitado. Construir um objeto, segundo Bourdieu, supõe optar por uma postura ativa e sistemática, ou seja, construir um sistema coerente de relações, que deve ser posto à prova como tal e romper com o senso comum. Boudieu aponta para uma questão problemática para o cientista, a necessidade de se conhecer seu objeto, o mundo social, sendo que ele próprio é um produto desse objeto. Como, questiona Bourdieu, o cientista pode suspender todos os pressupostos inerentes ao fato de ele próprio ser um ser social, como ser capaz de distanciar-se para analisar cientificamente estruturas que ele mesmo interiorizou? Como evitar que o mundo social, que o atravessa (atravessa assim a própria ciência) faça, através dele, por meio de operações inconscientes a construção do mundo social do objeto científico? Para Bourdieu, a sociologia corrente se exime a por em causa de modo radical as suas próprias operações e os seus próprios instrumentos de pensamento. Esquecer-se de por a si mesma em causa, para Bourdieu é prova de que a ciência não sabe o que faz. É do mundo social que a ciência meio-douta, segundo Bourdieu, retira seus problemas, conceitos, instrumentos de conhecimento e registra fatos que são produtos de um estado anterior da ciência, e independente dela. Uma das questões apresentadas por Bourdieu que aponta a grande dificuldade da ciência social sem dúvida é o fato de que há sociólogos, “peritos”, garantidos pelo Estado, que se servem da autoridade da ciência para garantir ou afiançar a universalidade, a objetividade, o desinteresse da representação burocrática dos problemas. Outro perigoso instrumento de erro, para Bourdieu, é a substituição da doxa ingênua do senso comum pela doxa do senso comum douto, que atribui o nome de ciência a uma simples transcrição do discurso do senso comum, que Bourdieu chama de efeito Diafoirus. Outros obstáculos ao progresso científico é o uso de uma teoria sem prática, uma metodologia sem conceitos, prejudicando a formação do estudantes, que Bourdieu considera como os maiores prejudicados, sem jamais contestarem, nunca avançam e estão sempre retornando a domínios já conhecidos, cultuando os clássicos, cultivando um pensamento preguiçoso. A objetivação participante segundo Bourdieu é um dos exercícios mais difíceis que existe, por que requer rupturas das aderências e das adesões mais profundas e mais inconscientes. A objetivação da relação entre o sociólogo com seu objeto é renunciar à tentação de se servir da ciência para intervir no objeto. Para Bourdieu, só a sociologia da sociologia e do sociólogo, pode dar um certo domínio dos fins sociais que podem estar na mira dos fins científicos.