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DEFINIÇÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE O MUNDO DE ARGUS: PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL157 Ilberto Dias Pinto 1 UMA INTRODUÇÃO AO CHAMADO MUNDO DE ARGUS, OU SERVIÇO Acerca dos trabalhos existentes sobre a atividade conhecida como “Serviço Secreto”, ou a chamada “Espionagem”, ou o Serviço, como se faz conhecido internacionalmente, dentro do contexto-histórico jurídico que perpassou, e ainda perpassa a nação brasileira, ínfimos são aqueles que retratam a condição principiológica existente sobre este ramo laboral, considerado a segunda atividade mais antiga do mundo, principalmente no que se refere às normas existentes sobre o tema, e como estas normas influencia no desenvolvimento do “Serviço”, frente à reclamação constitucional democrática de nossos tempos. A intenção laborativa desta pesquisa, em um primeiro momento, não é propriamente tratar da figura de Argus, tampouco escrever uma “Historiografia do Serviço Secreto Nacional”, mas sim fazer um retrospecto temporal para se entender os conceitos, princípios, e a forma como se estruturam as normas jurídicas deste tipo 157 Artigo desenvolvido com base no trabalho de monografia de conclusão de curso em Direito, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) sob o título “Fundamentos Jurídicos da Atividade de Inteligência no Brasil”, de autoria do bacharelando em Direito do 10° semestre, Ilberto Dias Pinto, sob orientação da Professora Ms. Tatiane Brito Teixeira Leal, apresentado à banca examinadora em novembro de 2016. 170 de atividade, em nosso país. Não obstante, não se pode falar de normas sem uma busca sobre o seu entendimento, partindo de uma perspectiva transdisciplinar158, ou seja, a história passa a ser uma importante ferramenta para a compreensão da ciência jurídica, sendo assim “irmãs” dentro do interregno que perfazem as ciências humanas. Assim, entendemos que a historiografia, ipso facto, das atividades de inteligência e contrainteligência no Brasil partem da figura mítica do semideus, de um espião, Argus, que se tornou patrono do serviço secreto nacional, por ter sua mitologia cultivada nas seguintes bases principiológicas e cognitivas: observação, desconfiança do que é primeiro conhecido e sobrevivência159. Foi partindo deste pressuposto inicial que desenvolvemos problemáticas acerca do tema: o que significa os conceitos de atividade de inteligência e contrainteligência? Quais os princípios jurídicos existentes para estas ações, frente à elaboração de uma Constituição Federal denominada cidadã? E de que modo às normas do Serviço estruturam, autorizando ou limitando constitucionalmente, o atual Sistema Brasileiro de Inteligência, e as atividades policiais. Eis o cerne temático que envolve este artigo científico. 2 CONCEITOS DO MUNDO DE ARGUS: INTELIGÊNCIA E CONTRAINTELIGÊNCIA Podemos inferir que, com o passar do tempo, o conceito de inteligência estava ligado a um duplo caminho: enquanto no Brasil e em alguns países latino 158 Sobre a ideia de Transdisciplinaridade, ver: NICOLESCU, Basarab. Um novo tipo de Conhecimento: Transdisciplinaridade. Artigo apresentado no 1º Encontro Catalisador do CETRANS - Escola do Futuro - USP, Itatiba, São Paulo - Brasil: abril de 1999. (p.9). Nicolescu vem afirmar que a harmonia entre as mentalidades e os saberes pressupõe que estes saberes sejam inteligíveis, compreensíveis e que se coadunam para a construção do conhecimento que venha a ultrapassar os limites da pluridisciplinaridade (estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo), e da interdisciplinaridade (transferência de métodos de uma disciplina para outra). Esta discussão oportuna não vem aqui fazer um debate sobre método e educação, mas para explicar que tanto a ciência histórica como a ciência jurídica possuem pontos em comum para a construção de inúmeras informações, conceitos e estudos de princípios que possam ser elencados no debate sobre Atividade de Inteligência. 159 Para mais detalhes sobre a figura mítica de Argus, ver: FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio – A História do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (19270-2005). 1° Edição. Rio de Janeiro: Record. 2005. (p.11). Nesta obra, o autor Lucas Figueiredo faz uma descrição histórica da atividade de inteligência no Brasil, analisando o interregno cronológico entre os anos de 1927 e 2005, iniciando a sua dissertação a partir da simbologia presente no mito grego do semideus Argus, e de sua influência semiótica para aquilo que ficou conhecido como serviço secreto brasileiro, ou apenas Serviço, do modo como este símbolo influenciou as ações de inteligência e contrainteligência, tanto nos conceitos como nos procedimentos de alerta: mantenha os olhos sempre atentos, desconfie de tudo, e se possível, não morra, conforme terminologia desenvolvida em seu texto. 171 americanos, a ideia de atividade de inteligência se concentrava no pensamento sobre regimes autoritários e formas de repressão, em outros, a atividade de inteligência ganhava contornos dogmáticos ao serem ligados à construção do chamado Estado Democrático de Direito, ideia comum aos países desenvolvidos, e que acabou sendo refletida em nosso país, após os movimentos políticos de democratização, em fins dos anos 80, do século XX. Assim, como afirma o autor Joanisval Brito Gonçalves, o conceito de atividade de inteligência, neste momento, estava ligado ao conceito de democracia, ainda que esta não estivesse totalmente estabelecida160. Discutimos, então, que a inteligência como sendo a atividade permanente e especializada de obtenção de dados, produção e difusão metódica de conhecimentos, a fim de assessorar um decisor na tomada de uma decisão, com o resguardo do sigilo, quando necessário para a preservação da própria utilidade da decisão, da incolumidade da instituição ou do grupo de pessoas a que serve, representa um constructo, onde a estratégia (seja ela de qual tipo for, porém a de natureza militar, devido ao seu terreno tradicional, é a mais comumente conhecida) assume o seu papel para a preservação de elementos. O autor Washington Platt, entende que as informações são o produto da inteligência, ou seja, são fatos, informes ou dados, que são selecionados, e que evidenciam a importância para determinado problema de política nacional que seja corrente161, atendendo uma chamada “demanda específica”, sendo que essa demanda pode ter inúmeras significações, sejam elas operacionais ou administrativas. Não obstante, a ideia de Contrainteligência enquanto conceito e norma jurídica se faz entendida no tipo de atividade que é realizado em técnicas para a funcionalidade que compreende a neutralização de ações diversas (espionagem, vigilância, campana, etc.), buscando identificar seus opositores (políticos, ideológicos, culturais, econômicos, etc.), e proteger as informações que são concernentes a sua estrutura, considerando que o conhecimento é um elemento a ser priorizado, acima das visões estratégicas, como um trabalho duplo de 160 In: GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e Legislação Correlata. 1° edição. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009. (p. 6) 161 In: PLATT, Washington. A produção de informações estratégicas. Tradução: Major Álvaro Galvão Pereira e Capitão Heitor Aquino Ferreira. 25° Edição. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército e Livraria Agir Editora, 1974. (p.30). 172 previsão162 e prevenção, conforme percebemos na Lei n°9.883 de 7 de dezembro de 1999, que estrutura a ABIN, que diz: Entende-se como contrainteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa163. De modo justo, afirmamos que a contrainteligência objetiva, dentro de um modus operandi, manter ações contra atores, movidos por alguma razão, que realizam atos hostis com a possibilidade de comprometer a segurança dos recursos humanos, das informações, do material e das áreas e instalações por intermédio das vulnerabilidades164, ou seja, pode ser também considerada a inteligência sobre capacidades e intenções dos serviços de inteligência adversários. Para prover essa defesa informacional, são formuladas medidas de cunho defensivo, para restringir o acesso a informações confidenciais, ao mesmo tempo em que de forma ofensiva tenta-se infiltrar e manipular os serviços de inteligência adversários em proveito próprio. 3 CONSTITUCIONALISMOS DO SERVIÇO: PRINCÍPIOS AUTORIZATIVOS DA LEGALIDADE E DA IMPESSOALIDADE NA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NACIONAL Os Princípios Jurídicos, de acordo com Robert Alexy, são normas que ordenam a realização de algo, dentro das possibilidades jurídicas existentes, compreendendo-se como mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua 162 In: PLATT, Washington. A produção de informações estratégicas. Tradução: Major Álvaro Galvão Pereira e Capitão Heitor Aquino Ferreira. 25° Edição. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército e Livraria Agir Editora, 1974. (p.247). O conceito de previsão, no conjunto de estudos estratégicos empreendidos por Platt, em sua obra, possui intensa importância para a discussão sobre a atividade de inteligência, como produção de conhecimento, e de contrainteligência, como proteção aos conhecimentos produzidos, de modo que, para Platt, as formas de informações, tanto ativas como protetivas, possuem interesse pelo futuro, ou seja, você condiciona seu conhecimento estratégico para uma intenção ligada ao tempo, e protege este conhecimento contra intervenções contrárias, retratando que a estratégia passa a ser uma duplicidade de sentidos entre informação e contrainformação. 163 Artigo 1°, §3° da Lei n°9.883 de 7 de dezembro de 1999. 164 In: MEDEIROS, Francisco José Fonseca de. A Atividade de Inteligência no Mundo Atual. (artigo). Disponível em: https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/a%20atividade%20de%20intelig%C3%83%C2 %AAncia%20no%20mundo%20atual.pdf (p.4). 173 satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas165. Estas chamadas possibilidades jurídicas são de extrema importância para a compreensão legal de um determinado tipo de atividade que preze pelo estabelecimento do sigilo, pela intervenção direta em ações que possam ultrapassar os direitos fundamentais previstos na Constituição, e nas ações que podem ser consideradas como ilegais, como a espionagem. Partindo de uma previsão constitucional deste tipo de atividade, se faz necessário o entendimento sobre as competências do Estado Brasileiro em relação aos Estados Estrangeiros. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 21, aponta que é de competência da União a manutenção de relações internacionais, em seus três primeiros incisos: Art. 21 - Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; II - declarar a guerra e celebrar a paz; III - assegurar a defesa nacional (...). Assim, a Constituição Federal de 1988, ao tratar do quesito de segurança pública, ponto importante relativo à atividade de informação e contrainformação, possui um princípio que lhe é pertinente, e que se coaduna com o princípio geral da legalidade, previsto em seu artigo 5°166, inciso II. Este princípio se encontra no artigo 144, §7°, que diz: Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (...) § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. 165 In ALEXY, Robert. Teoria dos Direito Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2° Edição. 4° Reimpressão. São Paulo: Editora Malheiros, 2015 (p.91). 166 O artigo 5°, inciso II da Constituição Federal de 1988 afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. De fato, este artigo representa a base da noção de Estado de Direito, de modo que apresenta a governabilidade das leis, e como elas determinam a expressão da vontade do Estado. Este princípio aplica-se a atividade de inteligência no momento em que garante uma limitação de suas ações, que devem ser previstas legalmente, e no momento que disciplina a informação como objeto do Estado, enquanto obrigação, enquanto missão. 174 É percebida a existência de uma relação dúplice quanto ao princípio da legalidade dentro do Serviço: ela prevê a proteção civil, ao determinar que apenas a lei é que garante a determinação de ações, sejam estas protetivas ou não ao Estado e seus membros (a sociedade em si), e a proteção institucional militar, onde também a lei é que irá determinar qual a atividade a ser feita, os meios empregados, e que estes não ultrapassem os limites dos bens tutelados pela Constituição. Tanto a atividade de inteligência, como a atividade de contrainteligência, neste sentido, encontra- se dentro de uma aproximação entre a defesa de direitos e a realização do serviço público, ou seja, a legalidade é um direito fundamental do particular, ao mesmo tempo em que fundamenta o agente público em seu trabalho. De fato, este quesito mantém relação com a Teoria do Ordenamento Jurídico, do autor italiano Norberto Bobbio, que de acordo ao seu pensamento entende que ordenamento jurídico compreende não uma, mas duas normas: a que prescreve não causar dano a outrem e a que autoriza a fazer tudo o que não cause dano a outrem e que quando se fala em normas que compõem um ordenamento jurídico, está se falando em norma de conduta, sendo certo que, “[...] em todo o ordenamento jurídico, ao lado das normas de conduta, existe outro tipo de normas, que costumamos chamar de normas de estrutura ou de competência”, que são aquelas “[...] normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de condutas válidas” 167. Assim, o entendimento de Norberto Bobbio se aplica à reflexão sobre o cumprimento constitucional da atividade de inteligência e contrainteligência, ao observar à legalidade em conjunção com as normas de conduta que são definidas, no Serviço, para se considerá-lo legal, dentro da esfera estatal, ou seja, para ser entendido como inteligência a produção de conhecimento decisório, se faz necessário seguir procedimentos que não interfiram na normalidade coletiva, que não cause danos à coletividade que se pretende defender. Acerca do Princípio da Impessoalidade nas atividades de informação e contrainformação, ela se concentra nas normas que preveem este tipo de atividade 167 In: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro dos Santos Leite. 9° Edição, Brasília: UnB, 1997. (p. 33 e 45). 175 dentro do quesito da finalidade dentro da administração pública, onde as ações, ainda que resguardadas de sigilo, devem corresponder aos anseios da coletividade que estrutura o Estado. O interessante a notar é que, nas normas de inteligência presentes no país, o princípio da impessoalidade é passivo de interpretação na junção entre a proposta presente no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, e o artigo 6° do Decreto n°4.376, de 2002, que organiza o Sistema Brasileiro de Inteligência. De modo atual, a Lei do SISBIN orienta, enquanto órgão central, a cadeia hierárquica das atividades de informações aos demais órgãos da administração pública Federal e Estadual, conforme podemos perceber: Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). 168 IV – Fornecer ao órgão central do Sistema, para fins de integração, informações e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais. 169 O legislador fundamentou a atividade de inteligência, de forma impessoal (de acordo com os desígnios do interesse público) na preservação da soberania nacional, na defesa do Estado Democrático de Direito e na dignidade da pessoa humana, reconhecendo assim a necessidade de utilização de segredo para a execução das missões dos órgãos, não como uma interrupção do princípio da publicidade, mas como se a característica do secretismo pudesse garantir a prevalência do interesse nacional frente à vontade política de poucos. Assim, se pode inferir, parafraseando o autor Roberto Ferreira dos Santos, que os direitos e garantias individuais devem ser observados, mas abuso no seu exercício não pode servir para o impedimento da execução da atividade de inteligência. Deve haver uma harmonização entre o exercício e a proteção dos direitos e garantias individuais e o exercício da atividade de inteligência. 170 168 Artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (caput). Artigo 6°, inciso IV do Decreto n°4.376, de 13 de setembro de 2002. 170 In: SANTOS, Roberto Ferreira dos. O Arcabouço Legal da Atividade de Inteligência do Brasil. Monografia de Conclusão de Curso em Direito. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2015 (p.47). 169 176 Assim, a Impessoalidade, dentro das atividades que compreendem a inteligência nacional, funciona como um determinante, constitucional e administrativo, da processualidade e do controle que deve envolver estes tipos de atividade, com vias às tomadas de importantes decisões políticas nacionais, elaborando planejamentos estratégicos, onde não exige apenas um ser impessoal, mas um agir impessoal, de modo que deve então, conforme aponta Paulo de Tarso Bilard de Carvalho, registrar os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão que elegeu o caminho escolhido para a sua atuação, e os fatos e fundamentos jurídicos das decisões propriamente ditas que se seguiram no curso deste agir administrativo171. 4 OS PRINCÍPIOS LIMITADORES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NACIONAL: A PUBLICIDADE, A RAZOABILIDADE E A EFICIÊNCIA ENQUANTO EFICÁCIA PLENA NO SERVIÇO O princípio da Publicidade representa um insumo ao alcance da otimização e da racionalidade na produção de decisões administrativa, ainda que estas decisões não sejam totalmente associáveis à população, ou seja, há detalhes do ponto de vista da segurança nacional (detalhes internos e externos) que não podem ser totalmente visualizados pelos administrados, para que as missões maiores que envolvam a Segurança Nacional, cujas principais são a defesa da soberania e da dignidade da pessoa humana, não sejam absorvidas por decisões fora do âmbito constitucional, penal ou administrativo. De fato, para o autor Cássio Marocco, embora a previsão disposta no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, que assegura a todos o acesso às informações de interesse particular ou coletivo, tal garantia ainda permanece com traços de inércia ou inexpressiva aplicabilidade, eis que, sob o argumento de defesa do interesse público, a Administração de uma forma geral, em diversas situações, acaba por vedar o acesso dos cidadãos a informações declinadas como “secretas”. 172 171 In: DE CARVALHO, Paulo de Tarso Bilard. O Conceito Jurídico do Princípio de Impessoalidade no Direito Administrativo Brasileiro: Uma Releitura. Dissertação de Mestrado em Direito. São Paulo, SP: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, 2014 (p138). 172 In MAROCCO, Cássio. O Princípio da Publicidade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. Dissertação de Mestrado em Direito. Florianópolis, SC: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011 (p.83). 177 Acerca da Razoabilidade enquanto princípio limitador e integrante no pensamento sobre a atividade de inteligência, no limiar de suas ações, está diretamente ligado à necessidade da função administrativa, dentro do Serviço, e da exigibilidade que este serviço detém, dentro da legalidade, realizando a segurança das ações, ainda que estas estejam carregadas pelo secretismo, condição que pode permitir excessos e contrariedades ao que determina a Constituição Federal. J. J. Gomes Canotilho nos ensina que, dada a natural relatividade do princípio da razoabilidade, a doutrina tenta acrescentar outros elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática: (a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais, “poupado” possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; (b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; (c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; (d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados173. Assim, a razoabilidade irá condicionar a proteção normativa sobre as ações de inteligência, no momento que exige dela a sensatez de suas intervenções, o controle sobre as limitações, e a escolha de interesses que devem prezar pelo coletivo, evitando assim desejos individuais sobre as questões de governabilidade e de segurança pública externa e interna. Já o princípio da Eficiência também se estrutura como princípio paralelo às atividades de informação e contrainformação que compõem o Serviço. Ao se realizar um panorama legal sobre o princípio da eficiência, este marca a atividade de inteligência em duas situações: no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, nos ditames que tratam da administração pública indireta, e no Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal174, em seu capítulo que trata dos deveres do servidor público: São deveres fundamentais do servidor público: a) desempenhar, a tempo, as atribuições do cargo, função, ou emprego público de que seja titular; b) exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando 173 In: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5° edição Coimbra: Livraria Almedina, 1995 (p.383). 174 Decreto n°1.171, de 22 de Junho de 1994, Seção II. 178 prioritariamente resolver situações procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça as suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário. 175 De extrema importância para o estudo sobre a eficiência se concentraram os esforços do autor Ingo Wolfgang Sarlet, que em sua obra, concorda que os direitos fundamentais contam com um grau de “eficácia plena176”, ou seja, os direitos à coletividade devem ter um objetivo estabelecido, e devem ser eficientes, não muito onerosos, preservando a sociedade das desigualdades sociais. Esta eficácia, ao ser pensada no contexto que envolve a inteligência, vem discutir, no procedimento limitador, que a informação decisória, o conhecimento produzido para a salvaguarda dos interesses nacionais deve ser hierarquizado e não ponderado. A eficiência aqui se apresenta, de acordo com o exercício da atividade de informação militar, não tão diferente dos serviços da administração pública, ainda que este tipo de atividade seja resguardado da interioridade do sigilo e da compartimentação de suas ações, exigindo do profissional que a realiza, os comportamentos de responsabilidade, assiduidade, comprometimento, conhecimento das ferramentas básicas e tecnológicas do ramo, e rapidez. De acordo com a autora Michelle Montenegro Studart Teixeira, a eficiência, enquanto princípio jurídico limitador das atividades de inteligência, está ligada a algumas importantes características que o profissional deste ramo (sendo ele analista ou agente operacional) deve ter, que são: a) Discrição, por ser uma atividade que trabalha, essencialmente, com assuntos sensíveis e que requer anonimato nas ações; b) Ajustamento ao trabalho, uma vez que a atividade é atípica e requer aprendizado especifico para a realização do oficio; 175 Idem, inciso XVI. In: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. (p. 255). A aplicação da teoria de Sarlet para o estudo sobre a constitucionalidade da atividade de inteligência brasileira reside, de fato, como principio de controle, ou seja, para que esta atividade estatal atinja os seus objetivos ela deve ser eficaz, posto que a inteligência contribui na segurança pública, direito fundamental do cidadão, e ao mesmo tempo eficiente para esta contribuição, de modo que os agentes envolvidos não venham desenvolver em seus atos, por motivação de sigilo, o desrespeito e descumprimento do que é proposto na Constituição Federal de 1988. 176 179 c) Conhecimento profissional, ou seja, domínio das atividades que estão sob sua responsabilidade, muitas delas extremamente sensíveis e com elevado grau de responsabilidade; d) Flexibilidade de raciocínio, pois, ao se ter em conta as transformações de toda natureza pelas quais o mundo está passando, é fundamental que o profissional tenha capacidade de reavaliar posturas, reconsiderar ideias préconcebidas e ter um pensamento bem articulado com a realidade, e; e) Fluência e compreensão oral e escrita, devido à necessidade de efetuar constantes contatos interpessoais e elaborar relatórios que servirão como instrumentos de decisões por parte de representantes do Estado exige que o profissional tenha clareza nas suas formas de expressão, compreendam e se façam compreender, de modo a minimizar, o máximo possível, as distorções inerentes aos contatos humanos. 177 Assim, é determinante que o princípio da eficiência é demonstrado, dentro das normas referentes à atividade de informação e contrainformação, como parte integrante da ação, como atividade cuja finalidade é o desejo da coletividade, dentro de um âmbito estatal, previsto em lei, ao passo em que é refletido como condicionante comportamental para o profissional que trata de assuntos relativos à segurança e a manutenção governamental. O Princípio da Eficiência pode também apresentar, dentro do viés institucional e legal de que resulta a chamada atividade de inteligência, uma característica pluridimensional, ou seja, não prevê legalmente a economicidade e concessões do uso de recursos públicos para a segurança interna e externa, como uma relação quantitativa entre o uso dos meios e o alcance dos fins legais a que se destinam. Ela também visa apresentar o pressuposto qualitativo, sob a roupagem constitucional, de zelar pelo efetivo respeito ao poder público, seus agentes, e de seus serviços que apresenta relevância pública. A eficiência se apresenta como substância jurídica, segundo Bruna Michelle da Costa Cunha, na concentração e na composição de conhecimentos externos e internos à instituição de que faz parte (neste caso a instituição de inteligência), relacionados à esfera de decisões que se busca assessorar, 177 In: TEIXEIRA, Michelle Montenegro Studart. O Perfil do Profissional de Inteligência. (artigo). Revista Brasileira de Inteligência. Volume 2, Número 3. Brasília, DF: ABIN. Setembro de 2006 (p.33). 180 proporcionando elementos suficientes para que o decisor possa cumprir o seu trabalho, ao realizar uma chamada síntese equilibrada dos interesses públicos178. 5 DOMÍNIO LEGAL DO MUNDO DE ARGUS: CONSTITUCIONALIDADE NO CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA A autora Cláudia Assaf Bastos Rebello, em seu artigo Necessidade de Inteligência do Estado Brasileiro define que as diretrizes seguidas pela ABIN, enquanto órgão nacional hierárquico que realiza ações de informação e contrainformação, são alicerçadas no contexto democrático que se insere a sociedade brasileira, não constituindo objetivo da agência, perseguir indivíduos ou combater pensamentos divergentes deste ou daquele governo (...), mas sim, (...) munir o Estado brasileiro de conhecimentos sem os quais a segurança do país estaria ameaçada, independentemente do governo que esteja conduzindo a nação179. Intimamente ligado à questão democrática, quiçá a manutenção da estrutura governamental do país, o controle político do Serviço, nos dizeres de Joanisval Brito Gonçalves, pode indicar a maneira como determinada sociedade lida com o dilema transparência versus sigilo, se tornando o indicativo do desenvolvimento democrático nesta sociedade180. O controle político das ações de inteligência, dentro de uma perspectiva do constitucionalismo moderno, traçou linhas definitórias de como deveriam ser as atividades sigilosas, cujas ideias deveriam partir para o respeito à vontade das maiorias e aos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988, marcando assim uma transformação que fora definida pelo autor Paulo Bonavides como igualdade jurídica do liberalismo para a igualdade material da nova forma de Estado. 178 In: CUNHA, Bruna Michelle da Costa. O Controle da Atividade de Inteligência como instrumento de garantia da coadunação entre os princípios democráticos e o secretismo da Atividade de Inteligência. Monografia de Conclusão de Curso em Direito. Brasília, DF: Universidade Católica de Brasília, 2010 (p.38). 179 In: REBELLO, Claudia Assaf Bastos. Necessidade de Inteligência do Estado Brasileiro. (artigo) Revista Brasileira de Inteligência. Volume 2, Número 2. Brasília, DF: ABIN. Abril de 2006 (p.40-41). 180 In: GONÇALVES, Joanisval Brito. Políticos e Espiões: O controle da Atividade de Inteligência. 1° edição. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010. (p.11). 181 Tratando sobre o controle parlamentar do Serviço de inteligência nacional, este inicialmente se realizou paralelo à formação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), com a instalação da Comissão de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI), em 1999, de acordo com os ditames do artigo 6° da Lei n°9.883, que define que o controle e fiscalização externos da atividade de inteligência deveriam ser exercidos pelo Poder Legislativo, na forma a ser estabelecido em ato do Congresso Nacional. No ano de 2005, após a estruturação e definição da comissão que integraria os aspectos de controle governamental e orçamentário da inteligência nacional, eis que surge o Regimento Provisório da Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência, cujas intenções eram de fiscalização e controle de acordo com a defesa do chamado Estado Democrático de Direito, conforme a tradução do seu artigo 2°, parágrafo 1°: Entende-se por fiscalização e controle, para os fins desta Resolução, todas as ações referentes à supervisão, verificação e inspeção das atividades de pessoas, órgãos e entidades relacionados à inteligência e contrainteligência, bem como à salvaguarda de informações sigilosas, com vistas à defesa do Estado Democrático de Direito e à proteção do Estado e da sociedade 181. A Comissão, dentro da obtenção do poder de controle sobre as agências, prezava pelo estabelecimento de dois tipos de controle, ambos estabelecidos pelas normas jurídicas que regulamentavam a atividade, surgindo assim o controle externo, como desenho institucional dos órgãos de inteligência nacional (conjunção entre a agência nacional, policias judiciárias federais e estaduais, além das polícias militares) frente aos países estrangeiros, questões político-eleitorais, mídias, telecomunicações, e o controle interno, na criação de normas e inspeções ao conjunto de operações de inteligência e contrainteligência. 181 Regimento Provisório da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, aprovado em 6 de abril de 2005. Este regimento, em momento posterior, tornou-se base para a Resolução n°02 de 22 de Novembro de 2013, que para além das definições de fiscalização e controle estatal sobre as atividades de informação, regulamenta a Comissão para o exercício no trato sobre as informações sigilosas de interesse do governo, além da escolha de sua composição. A Resolução n°02 de 22 de Novembro de 2013 passou a ser uma norma auxiliar à da criação da Abin (lei n°9.883/1999), para a formação do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência). 182 O controle político-parlamentar do Serviço trazia em seu significado a natureza de um “Controle Legislativo de Procedimentos”, ou seja, as ações da inteligência, ainda que sob a tutela do sigilo, do secretismo, deveriam ter em seu corpo o embasamento legal elaborado pelos parlamentares do Poder Legislativo, com vias de proteção ao princípio democrático previsto na Constituição de 1988. A Lei n° 9.883 de 1999 conseguiu enfim criar uma agência nacional de inteligência, porém não trouxe em si considerações acerca do tipo de controle que a atividade de informação deveria ter, de modo que silenciou frente ao funcionamento interno da CCAI, traduzindo que os parlamentares deveriam realizar as suas atividades do zero, conforme expõe a autora Andrea Suely Germanovix em sua dissertação sobre o tema182. Para além da segurança nacional, também se pode pensar sobre a proteção das identidades e relacionamentos confidenciais de agências governamentais com certos indivíduos, grupos e governos, de modo que a necessidade do sigilo está ligada diretamente ao interesse nacional, que deve ter como procedimentos primordiais os procedimentos de classificação, os controles de acesso, e punições em caso de revelação não autorizada183. O trabalho da Inteligência, enquanto atividade de cunho governamental está sempre voltado para um cliente específico, que fará os pedidos de informação e orientará toda a atividade, sendo que não executa, não toma decisões, cumprindo apenas um pedido, segundo um plano pré-estabelecido e seguindo padrões de atuação pré-determinados184 por ações políticas daqueles que detêm o poder de legislar. O decisor político nacional se torna aqui um decisor estratégico, com risco de queda na ilegalidade porque o trabalho da Inteligência subentende sempre um fim maior, e este fim é o bem comum coletivo direcionado dentro do Estado 182 In: GERMANOVIX, Andrea Suely. A participação do poder legislativo no controle do serviço secreto brasileiro. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. UEL: Londrina, 2006 (p.101). 183 In: CEPIK, Marco Aurélio Chaves. Serviços de Inteligência: Agilidade e Transparência como dilemas de institucionalização. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. IUPERJ: Rio de Janeiro, 2001. (p.162). 184 In: LIMA. Antônio Vandir de Freitas. O Papel da Inteligência na Atualidade. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Inteligência Estratégica. DF, Brasília: Faculdade Albert Einstein, 2004 (p.9). 183 Democrático de Direito, e esta não pode se desvencilhar de um embasamento legal, que representa o espírito de seu fundamento jurídico. Os serviços de inteligência são organizações governamentais especializadas em fornecer informações para auxiliar os processos decisórios nas áreas de política externa, defesa nacional e segurança pública, e as participações parlamentares em seu controle externo e interno significam a preservação da produção de conhecimento eficaz e eficiente para o Estado dentro dos moldes ao que se propõe a democracia, sendo um desses moldes à participação popular, ou seja, os políticos escolhidos dentro das ações democráticas (liberdade eleitoral, liberdade de expressões midiáticas, uso do poder de discurso, etc.) são membros da sociedade, e não de um grupo particularizado. Ademais, a inteligência como atividade de produção de conhecimentos para o bom uso político, não se deve ater apenas às ameaças, mas também deve vislumbrar as oportunidades que se apresentem aos governantes para a consecução dos seus interesses estratégicos, tendo dentro de si um controle jurídico normativo que se apresente favorável aos anseios da sociedade nacional, e um controle de cunho político-parlamentar. Como desafios do poder de controle parlamentar da inteligência se pode destacar o desconhecimento, por parte dos representantes políticos e de seus assessores, a respeito das particularidades que se condicionam as ações de coleta e seleção de informações estratégicas, além da pouca disponibilidade destes representantes em aprender sobre a natureza da atividade, devido ao problema exposto pela autora Marina Marandino: A atividade de inteligência não é uma ocupação que atrai a atenção pública e gera, em síntese, o estabelecimento dos votos políticos185. De forma inicial, o controle jurídico das ações que envolvem informação e contrainformação, possui bastante proximidade com os elementos constituintes da Administração Pública Federal, dentro do que é exposto na legalidade, na impessoalidade, na publicidade e na eficiência, brilhantemente descritos no artigo 37° da Constituição Federal de 1988. 185 In MARANDINO, Marina. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso em Direito. Rio de Janeiro, RJ: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2014 (p.47). 184 Entre estes princípios, elencamos a publicidade, justamente por ser o tema de embate com as atividades de inteligência, principalmente no que se refere à construção das leis, nacionais e estaduais, de acesso à informação. Dentro deste tipo de atividade, podemos observar alguns tipos de controle, como o controle executivo, que assegura a forma apropriada de uso, pelo Estado, das organizações de inteligência, o controle legislativo, como estabelecimento de uma organização básica para este bom uso, e o controle judiciário, que monitora as atividades de coleta e uso das informações estratégicas, porém estes controlem não se efetivam sem a presença atuante de normas que preveem o acesso à informação. 6 EPÍLOGO PARA ARGUS: CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O TEMA A atividade de inteligência nacional, historicamente, se apresentou em ciclos variantes de domínio, tanto institucional como legal, entre governos civis e militares, de onde as normas instrutivas e ativas do tipo de serviço secreto a ser feito, se consubstanciavam com o tipo de poder político presente na federação brasileira, ou seja, a criação, instituição e conclusão dos órgãos nacionais que realizavam este tipo de atividade foram feitas a partir de normas cuja proposta era a ideia internacional de Segurança Nacional, que foi o supedâneo para as leis de inteligência nacionais, a partir de uma militarização do governo (característica que foi bastante observado em países subdesenvolvidos, no contexto da Guerra Fria), ainda que houvesse um desconhecimento parcial deste tipo de ramo laboral. Ao realizarmos uma tradução histórica sobre os fundamentos da atividade de inteligência no Brasil, na observação sobre a funcionalidade normativa deste tipo de atividade, é perceptível que as ações de inteligência, e a criação de suas normas legiferantes, condicionaram de forma decisiva, o tipo de política baseada na produção e no uso da inteligência, inicialmente militar e depois civil, para a manutenção do status quo, dentro de uma concessão civil. A ótica do Estado Democrático de Direito transformou o Serviço, do viés de “espionagem tipificada como crime”, para o meio legal de preservação do princípio constitucional da Soberania Nacional, de modo que as normas desta atividade ganharam contornos com bases previstas pela carta magna, ainda que o secretismo fosse condição para não objetivar maior visibilidade legal e funcional. 185 Assim, se operou uma transformação conceitual e estrutural, onde a atividade de inteligência passou a ser vista dentro de um perfil militar que condicionavam, internamente as suas normas, dentro da doutrina de Segurança Nacional que, apesar do fenômeno de democratização por qual passava a nação, não modificou totalmente seu olhar. Assim, há uma aproximação entre a defesa de direitos e a efetivação do serviço considerado como público (como a atividade de inteligência de segurança pública), de modo que a norma jurídica, dentro do arcabouço espacial do Serviço, fundamenta tanto o particular como o agente público, de modo que os princípios constitucionais que apreendem este tipo de atividade funcionam como suposição de controle, interno, sob tutela da carta magna, e externa, em conjunto com as normas e tratados internacionais. Sobre o exercício do controle do Serviço, este se subdivide em político parlamentar, e jurídicos normativos, e que estes são distintos entre si. O controle político parlamentar se faz através da construção de Comissões Mistas de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI), cuja função é, através da norma jurídica, com características democráticas, evitar que ações baseadas no secretismo venham a ferir direitos coletivos e previstos constitucionalmente dentro da previsão democrática, garantindo participação popular, através de representantes. O controle político parlamentar apresenta inúmeras falhas, onde a principal delas é a questão do desconhecimento da atividade de inteligência por parte dos parlamentares e representantes políticos diversos, devido justamente pela sua característica de sigilo, que pode condicionar atitudes consideradas ilegais, o que faz com que esta comissão opere apenas como tentativa de controle. A Lei n°9.883 de 1999 conseguiu criar no país uma agência de inteligência, porém deixou a desejar no quesito de controle, ao não determinar, dos parlamentares, um prévio conhecimento do que realmente seria a atividade de produção de informações de cunho decisório para o governo nacional, dentro da esfera que trata da transparência dos atos governamentais, o que demonstra que ainda não existe uma definição sobre o desempenho nacional das atividades de informação e contrainformação, de modo que a perspectiva jurídica deste tipo de atividade ainda se encontra em tardia elaboração. Exemplo disto é a criação tardia 186 de uma Lei de Acesso à Informação nacional, com se estrutura a Lei n°12.527 de 2011. Assim, os diversos tipos de controles direcionados ao Serviço prezam pela chamada proteção democrática da sociedade, porém não atuam de forma mais prática em situações onde a condição que envolve o sigilo venham a ferir direitos previstos constitucionalmente, de modo que se busca um controle efetivo da inteligência, a partir do entendimento sobre o conceito de inteligência e suas previsões jurídicas. 187 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direito Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2° Edição. 4° Reimpressão. São Paulo: Editora Malheiros, 2015. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5° edição, Coimbra: Livraria Almedina, 1995. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro dos Santos Leite. 9° Edição, Brasília: UnB, 1997. FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio – A História do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (19270-2005). 1° Edição. Rio de Janeiro: Record. 2005. MARANDINO, Marina. 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