Artigos
Constitucionalização da Atividade de
Inteligência - Perspectivas e Desafios
Brasileiros
Gibran Ayupe Mota
Henrique Geaquinto Herkenhoff
Gibran Ayupe Mota, Henrique Geaquinto Herkenhoff, Pablo Silva Lira e Erika da Silva Ferrão
Constitucionalização da Atividade de Inteligência - Perspectivas e Desafios Brasilerios
Docente do Programa de Mestrado em Segurança Pública – Universidade Vila Velha – Vila Velha/ES e da Escola de Inteligência –
ABIN/PR. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha (UVV).
Docente do Programa de Mestrado em Segurança Pública e da Graduação em Direito – Universidade Vila Velha – Vila Velha/ES.
Doutor em Direito Civil (USP).
Pablo Silva Lira
Docente do Programa de Mestrado em Segurança Pública – Universidade Vila Velha – Vila Velha/ES. Doutorando no Programa de
Pós-graduação em Geografia (UFES). Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles.
Erika da Silva Ferrão
Docente do Programa de Mestrado em Segurança Pública e da Graduação em Psicologia– Universidade Vila Velha – Vila Velha/ES.
Doutora em Psicologia (UFES/SDSU-EUA). Membro de grupos do Diretório de Pesquisa do CNPq (Pesquisas em Psicologia Pediátrica/USP-Ribeirão Preto; Processos Psicológicos e Saúde/UFES).
Data de recebimento: 18/02/2018
Data de aprovação: 03/08/2018
DOI: 10.31060/rbsp.2018.v12.n1.912
Resumo
No contexto histórico brasileiro, em razão de conjunturas passadas por vezes fomentada por determinados setores da
mídia e grupos políticos, a Inteligência de Estado se ressente da ausência de uma política pública consistente para a área.
Dentre os reflexos desse abandono, destaca-se a insuficiente regulamentação legislativa, entendida como necessária à
implementação de formas de controle e à atribuição de prerrogativas para essa atividade pública, cuja missão precípua
resume-se em contribuir, com informações, para os processos decisórios que visam à integridade da sociedade e do
Estado brasileiros. Neste contexto, buscou-se, por meio de uma revisão temática da literatura e registros existentes sobre
o tema, investigar e refletir sobre a inserção da atividade de Inteligência na Constituição Federal Brasileira, sob os prismas
da legalidade e legitimidade, tal como ocorre com as áreas da Defesa e da Segurança Pública. De acordo com a pesquisa,
constatou-se o quão carente de regulamentação encontra-se a atividade de Inteligência no Brasil, redundando no risco de
graves violações a princípios republicanos, dentre eles o da eficiência e do controle.
Palavras-Chave
Constituição Federal. Informação (Intelligence). Prerrogativas e Controle.
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Abstract
Constitutionalization of the Intelligence Acivity - Brazilian Perspectives and Challenge
In the Brazilian historic context, due to past scenarios many times fostered by certain media sectors and political groups,
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State Intelligence resents the absence of a consistent public policy for the area. Among the reflexes of that absence,
one can highlight insufficient regulatory legislation, that being the necessary implementation of control means as well as
allocation of prerrogatives to the public activity, whose primary mission is mainly to contribute, with information, to the
decision making processes that aim the integrity of the Brazilian society and State. In that context, the aim was, through
a review of literature and existing reports, to investigate and reflect over the insertion of the Intelligence activity in the
Federal Consitution of Brazil, under the light legality and legitimacy, as it happens in the Public Defense and Safety areas.
According to the research, it was determined how so very legislation deprived is the Intelligence activity in Brazil, jeopardi-
Keywords
Federal Constitution. Intelligence. Control and prerrogatives.
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zing republican principles, effiency and control among others.
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Constitucionalização da Atividade de Inteligência - Perspectivas e Desafios Brasilerios
INTRODUÇÃO
A
partir da deposição do presidente João
Goulart em 31 de março de 1964, o
Brasil passou por sucessivos governos militares,
somente retornando à democracia no final dos
anos 80. Não havia sido o primeiro movimento
de “sístoles e diástoles”, como denominara o General Golbery do Couto e Silva, que o país experimentava. O fato novo nesta oportunidade foi a
duração do governo militar (PERALVA, 2000)
e, principalmente, o longo período de distensão,
que já vinha ocorrendo desde o Governo do General Ernesto Geisel, bem antes da anistia política
que, em 1979, inaugurou formalmente o processo institucional de reabertura. A partir deste
marco histórico, sucederam-se a eleição, ainda
indireta, do primeiro presidente civil, a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 (CF/88) e a primeira eleição
direta para presidente da República em 1989.
Esse distendido processo de redemocratização, “lento e gradual” conforme consignado na
História, espraiou seus efeitos em todos os segmentos da sociedade brasileira, o que redundou
em expressivo consenso acerca da necessidade de
ampla reforma do ordenamento jurídico brasileiro, por meio da convocação de uma Assem-
bleia Constituinte, 1987-1988. Sendo assim,
a CF/88 recebeu a alcunha de “Constituição
Cidadã”, como clara referência aos avanços conquistados em matéria de direitos civis, políticos e
sociais (BARBOSA, 2016).
Permeada de processos complexos e demandas dos mais variados matizes ideológicos, a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada
por meio da Emenda Constitucional n. 26 de
27 de novembro de 1985, que determinava a
conversão temporária do Congresso Nacional
em assembleia nacional constituinte, a inaugurar
seus trabalhos a partir de 1 de janeiro de 1987
(BARBOSA, 2016).
A partir do advento da Nova Constituição
- enquanto base da estrutura normativa e pressuposto de validade de todo o ordenamento
jurídico pátrio (KELSEN, 2006) –, em maior
ou menor grau, houve profundas alterações na
arquitetura, finalidades precípuas, prerrogativas e
deveres das instituições públicas no Brasil.
Sob este diapasão, houve por bem aos legisladores constituintes, a título de exemplo, a inédita
opção enquanto política legislativa de “constitucionalizar” a Segurança Pública1 que, a partir
1 A segurança pública ultrapassa as atribuições das polícias. Do mesmo modo, a defesa nacional ultrapassa as atribuições das forças
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É consabido que governantes, ao se depararem com temas afetos à segurança nacional, tendem a justificar institucionalmente e a delimitar
as funções das forças armadas, das polícias e dos
serviços de Inteligência, com lastro na clássica
concepção que estes três ramos de atividades estatais caminham conjunta e complementarmente
(CEPIK, 2003).
Neste ponto, inexoravelmente, ressoa a
seguinte questão: por qual razão a milenar e a
cada dia mais relevante atividade de Inteligência – partindo do pressuposto de estarmos inseridos na “sociedade do conhecimento” – não
ter seus contornos minimamente delineados na
então novel Constituição? Mais relevante talvez:
quais os efeitos, sob os prismas republicanos da
eficiência e do controle democrático, essa lacuna
constitucional referente à Inteligência se fizeram
perceber na sociedade brasileira, nas últimas dé-
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Há pouca literatura nacional sobre o tema
da Inteligência e menos ainda quando se trata
especificamente da sua normatização e controle, ao passo que os autores internacionais não se
ocupam de questões específicas do cenário brasileiro. Ainda assim, a base Scielo contribuiu com
alguns artigos correlatos que puderam ser utilizados com proveito.
Nos capítulos a seguir, será traçado inicialmente um resumido histórico da atividade de
Inteligência no Brasil e como a associação ao
Regime Militar conduziu, de um lado, à sua deslegitimação e à quase extinção das suas estruturas
quando da redemocratização e, de outro, a uma
regulação jurídica frágil, com sua omissão no
texto da Constituição da República, implicando
tanto a falta de instrumental jurídico para a atuação como de mecanismos de controle dos órgãos
atualmente responsáveis pela atividade. Após um
breve passeio pelas estruturas jurídicas da atividade de Inteligência estrangeiras, conclui-se pela necessidade de refazer um arcabouço jurídico que
permita tanto uma atuação efetiva dos serviços
de Inteligência quanto o seu efetivo controle, na
medida em que legalidade e legitimação, poder e
controle andam e devem realmente andar juntos
em qualquer Estado democrático que, por outro
lado, não deve prescindir de fortes estruturas para
assessoramento das decisões estratégicas e para a
elaboração das políticas públicas vetoriais.
Breve Histórico da Atividade de Inteligência do Brasil
Conceitua-se Inteligência de Estado como
armadas. Outras instituições também devem ser, de certo modo, fortemente responsáveis pela contribuição para com a defesa nacional e com a segurança pública. (SANTOS, 2015, p. 31-32)
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As Forças Armadas, por sua vez, enquanto
protagonistas da Defesa Nacional, foram minuciosamente regulamentadas na Constituição Federal de 1988, considerado o paradigma acerca
do que se concebe enquanto normas constitucionais materiais. Conforme se constata do Capítulo III, no artigo 142, por meio de três parágrafos e dez incisos, a Carta Magna desceu, por
exemplo, ao detalhe de prescrever normas acerca
do uso de uniformes por parte dos militares,
enquanto prerrogativa das patentes (BRASIL,
1988).
cadas? O presente trabalho visa lançar luzes sobre
esses questionamentos, inquietantes àqueles que
se dedicam à pesquisa e à análise da coisa-pública
no Brasil.
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da promulgação da CF/88, passa a ter previsão
normativa expressa em seu artigo 144. Esta relevante temática cada vez mais presente na pauta
de políticas públicas brasileiras, até então, contara
tão somente com menções indiretas nas Constituições pretéritas (SOUZA NETO, 2007).
No mesmo sentido, segue a conceituação
oficialmente adotada no âmbito da administração pública brasileira:
A atividade de Inteligência é o exercício permanente de ações especializadas orientadas para a
obtenção de dados, produção e difusão de conhecimentos, com vistas ao assessoramento de
autoridades governamentais, nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a
execução e o acompanhamento das políticas de
Estado. Engloba, também, a salvaguarda de dados, conhecimentos, áreas, pessoas e meios de interesse da sociedade e do Estado. (CONSELHO
CONSULTIVO DO SISBIN, 2004).
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atividade especializada voltada à antecipação de
identificação de ameaças e oportunidades, em
apoio ao processo decisório no mais alto nível
estratégico estatal (SANTOS, 2016).
A atividade de Inteligência é conhecida desde os tempos mais remotos (VEIGA; ZOTES,
2012), originando-se a partir de quatro matrizes
básicas históricas: economia, guerra, diplomacia
e polícia (CEPIK, 2003).
A consolidação da Inteligência, enquanto
atividade componente da burocracia estatal, no
entanto, somente se dá a partir do século XV,
quando as cidades-estados italianas abriram embaixadas no exterior, das quais os enviados obtinham informações2 estratégicas e em cujas bases
estabeleceram redes regulares de espionagem de
estado (DULLES, 1963).
O emprego da atividade de Inteligência de
Estado no Brasil, compreendido como instru-
mento de assessoria às decisões estratégicas do
chefe do Poder Executivo, teve início em 1927,
durante o governo do Presidente Washington
Luís, com a criação do Conselho de Defesa
Nacional (CDN), por meio do Decreto nº.
17.999, de 29 de novembro daquele ano (BRASIL, 2016).
A partir da inserção do Brasil na Segunda
Guerra Mundial, a Inteligência de Estado brasileira passa a contar efetivamente com um órgão
próprio, e não apenas com um Conselho instalado ad hoc e sem corpo técnico próprio. Assim,
em 1946, por meio do Decreto nº. 9.775-A, de
6 de setembro do mesmo ano, criou-se o Serviço Federal de Informações e Contrainformações
(Sfici), compreendendo as seções de exterior, interior, segurança interna e operações especializadas (BRASIL, 2016).
O contexto político extremamente conturbado do ano de 1964, que culminou com a deposição do Presidente João Goulart, sob a alegação de estreitas vinculações deste com segmentos
radicais de esquerda e de colocar em marcha profundas reformas de base que contrariavam o status quo da época, inaugurou o período reconhecido como Governo Militar ou Regime Militar,
em março de 1964 (BARBOSA, 2016). Essa
conjuntura foi o cenário no qual se deu a criação
do Serviço Nacional de Informações (SNI), em
13 de junho de 1964, sob o prumo da Doutrina
de Segurança Nacional, gestada na Escola Superior de Guerra (ESG).
O SNI caracterizou-se por sua ligação direta
ao Presidente da República e pelo monitoramento de oponentes internos – ou “inimigos internos” -, cujos alvos eram, principalmente, aqueles
2 Informações (intelligence) é um termo específico e significativo, derivado da informação, informe, fato ou dado que foi selecionado,
avaliado, interpretado e, finalmente, expresso de forma tal que evidencie sua importância para determinado problema de política
nacional corrente. (PLATT, 1974, p. 30).
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Por quase uma década, a Inteligência brasileira ficou relegada ao ostracismo, até que, em
1999, por meio da Lei n. 9.883, criou-se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), bem como
regulamentou-se o funcionamento do Sistema
Brasileiro de Inteligência (Sisbin).
O Processo de Redemocratização Brasileiro e seus Reflexos na Inteligência de
Estado
O Regime Militar e processo de redemocratização
No contexto do processo de redemocratização, sentido no Brasil na década de 1980, conforme mencionado, não houve por parte dos
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Diante do significativo envolvimento dos
órgãos de Inteligência, tanto militares quanto civis, na repressão aos opositores do regime militar,
o SNI era concebido como o núcleo do aparato de informações brasileiro (GONÇALVES,
2008). “Ao contrário do que se costuma pensar
em alguns círculos, o SNI nunca se envolveu –
diretamente – com a repressão, tortura ou morte
de adversários do regime militar durante a ditadura” (FIGUEIREDO, 2005). A partir desse
estigma, mesmo decorridas algumas décadas da
abertura democrática brasileira, a Inteligência federal ainda é encarada por setores da sociedade
com desconfiança e não como um serviço público destinado a contribuir para a segurança e a
soberania nacionais.
Mesmo que tardia e infraconstitucionalmente, conforme registra Antunes (2002, p. 09),
o governo teve que superar obstáculos em relação
à Agência que, criada por força de medida provisória em 1995, apenas foi oficializada por meio
de lei em 07 de dezembro de 1999. Ainda segundo Antunes (2002, p. 10), houve resistência
por parte da sociedade à sua implantação, sobretudo por setores da imprensa, que acabou por se
refletir no Congresso Nacional.
3 A Agência Brasileira de Inteligência recebe as atribuições constitucionais de planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as
atividades de inteligência de Estado. Além de uma instituição que executa ações de inteligência e produz conhecimentos para assessorar o Presidente da República, a Abin supervisiona e controla as atividades desempenhadas por outros órgãos. (SANTOS, 2015, p. 32)
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Apesar da mudança de seus objetivos e métodos a partir da Nova República inaugurada em
1985, o SNI subsistiu até o ano de 1990, quando, em 15 de março, o recém-eleito Presidente
Fernando Collor de Melo o extinguiu. A partir
de então, a atividade de Inteligência de Estado
no Brasil deixa de ser exercida por um órgão diretamente vinculado ao Presidente da República
e passa a ser exercida pelo Departamento de Inteligência, subordinado à Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República (SAE/
PR) (BRASIL, 2016).
membros da Assembleia Constituinte um compromisso de reestruturação da atividade de Inteligência. Ao contrário, esta estratégica atividade
estatal ficou relegada ao ostracismo e à indiferença daqueles que estavam à frente da elaboração
e gestão de políticas públicas até o ano de 1999,
quando a Inteligência passou a contar com a
normatização infraconstitucional que culminou
com o processo político com a criação da Abin3.
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alinhados a ideologias anarquistas e de esquerda.
Em 1975, foi instituído o Sistema Nacional de
Informações (Sisni), com a missão precípua de
integrar os órgãos estatais afetos à Inteligência, a
fim de conferir maior operacionalidade à produção de conhecimentos julgados estratégicos
à época. O SNI era o órgão que coordenava as
ações do Sisni (BRASIL, 2016).
A Regulamentação da Inteligência Brasileira – Lei n. 9.883/99
Em 1999, com a promulgação da já referida
Lei nº 9.883 – diploma legal que criou a Abin e
regulamentou o Sisbin –, uma preocupação que
reiteradamente norteou os trabalhos do Congresso Nacional foi a preservação intransigente
dos valores democráticos consagrados na CF/88
(MOTA, 2006).
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Nenhum dos países democráticos e economicamente desenvolvidos prescinde de serviços
de Inteligência responsáveis, legais e fortes. A
atividade de Inteligência é essencial ao desenvolvimento e preservação dos interesses públicos
do Estado Democrático de Direito brasileiro
(GONÇALVES, 2008).
Neste contexto, a nova fase do constitucionalismo4 brasileiro, vigente a partir de 1988, exigiu
que se complementassem esforços no sentido de
adequar a atividade de Inteligência com o regime
democrático (BRASIL, 2016), ora erigido sob o
manto do conceito de Estado Democrático de
Direito (BRASIL, 1988).
Todo o processo legislativo que deu origem
à lei em questão demonstrou a consolidação, no
parlamento, do entendimento de que, sem Inteligência, um país não alcança o status de nação
soberana. Associado a este consenso, porém, não
mais se concebia soberania sem democracia. A
nova onda democrática reclamava da atividade
de Inteligência a irrestrita observância aos imperativos da jovem Constituição de 1988, principalmente no que diz respeito aos princípios atinentes à Administração Pública e aos Direitos e
Garantias Individuais (MOTA, 2006).
Este compromisso democrático, sob o prumo constitucional da irrestrita observância dos
direitos fundamentais e Estado Democrático de
Direito, consta expressa e detalhadamente preconizado na Lei de criação da Abin e do Sisbin,
logo em seus artigos primeiro e terceiro, conforme segue abaixo:
Art. 1, § 1o O Sistema Brasileiro de Inteligência
tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de
Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias
individuais e demais dispositivos da Constituição
Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes
internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária (grifo nosso).
Art. 3o, Parágrafo único. As atividades de inteligência serão desenvolvidas, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios
sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e
garantias individuais, fidelidade às instituições e
aos princípios éticos que regem os interesses e a
segurança do Estado (grifo nosso).
4 O constitucionalismo pode ser visto, em seu nascedouro, como uma aspiração de uma constituição escrita, como modo de
estabelecer um mecanismo de dominação legal-racional, como oposição à tradição do medievo, onde era predominante o modo de
dominação carismático, ao poder absolutista do rei, próprio da primeira forma de estado moderno. (STRECK, 2002, p. 95) Ainda, para
Carvalho (2009, p. 243), o constitucionalismo “[...]reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra
acima dos detentores de poder”. Por fim, para Bonavides (2011, p. 225) ”a Constituição veio a exteriorizar-se, pois, num instrumento
escrito, adquirindo aspecto formal. O caráter de rigidez há sido em alguns Estados o seu traço mais simbólico”.
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A Democracia fundamenta-se no direito de
cada cidadão de tomar parte nos assuntos públicos, seja de maneira direta, seja por intermédio
de seus representantes eleitos (MEIRELLES,
2015). Se informação é poder e se o poder emana
do povo, a informação deve ser acessível a todo o
povo - ou ao menos ao Parlamento. Neste sentido Max Weber qualifica um Parlamento como
ativo quando, mediante o exercício do direito de
pesquisa ou investigação, possa ter acesso a todos
os segredos no poder da burocracia (MIGUEL,
2002).
Segundo Gonçalves (2005, p. 20), enquanto
o controle envolve um conjunto de parâmetros e
limitações legais aos quais deve-se ater a Administração, a fiscalização refere-se ao legítimo poder
de determinadas instituições e autoridades de
averiguar o cumprimento das atribuições da Administração em conformidade com o arcabouço
jurídico-normativo (GONÇALVES, 2005).
Sob este primado, assim como as demais
funções estatais, a atividade de Inteligência está
sujeita a mecanismos públicos de controle. Este
controle visa a garantir a lisura no cumprimento
da Política Nacional de Inteligência (PNI) que,
na condição de política pública de governo, há
que considerar os princípios constitucionais ex-
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Controle Específico ou finalístico. O controle
acerca da Inteligência Estratégica ou de Estado é,
por força de lei, atribuição da Comissão Mista de
Controle das Atividades de Inteligência (CCAI)
– comissão permanente do Congresso Nacional
(BRASIL, Lei 9883) – na forma prevista em seu
Regimento Interno (Resolução n. 2, de 22 de
novembro de 2013, do Congresso Nacional).
Para o desempenho de seu papel institucional, a
CCAI recebe relatórios gerais, parciais e extraordinários advindos de cada órgão que compõe o
Sisbin. Ademais, a CCAI tem a prerrogativa legal
de realizar inspeções em áreas, documentos e arquivos, sem a restrição de acesso decorrente de
eventual atribuição de grau de sigilo. Sob a perspectiva de controle finalístico, a atividade de Inteligência de Estado submete-se, ainda, ao controle
exercido pela Câmara de Relações Exteriores e
Defesa Nacional (Creden), a qual compete supervisionar a fiel execução da PNI, por parte dos
órgãos nacionais integrantes da comunidade de
Inteligência Estratégica (BRASIL, 1999).
Constitucionalização da Atividade de Inteligência. Controle e legitimação
Serviços de Inteligência, em sua acepção
clássica, são órgãos do Poder Executivo que funcionam assessorando os chefes de Estado e de
governo e, dependendo de cada ordenamento
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Controle é a “faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro”
(MEIRELLES, 2015). Em regimes democráticos, o controle da Administração Pública é um
pilar fundamental com vistas à implementação
da eficiência da máquina estatal, ao incremento
da cidadania e, em última instância, à consecução do bem coletivo (BRASIL, 2016).
plícitos e implícitos (BRASIL, 2016).
Controle Ordinário. A Inteligência de Estado está sujeita ao controle externo exercido pelo
Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). Este controle
consiste na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, conforme artigos 70, 71 e 72, da Constituição Federal
(BRASIL, 1988). No âmbito do controle interno, enquanto controle exercido por ente do mesmo Poder, é responsável pelo controle de gestão
da Inteligência a Secretaria de Controle Interno
da Presidência da República (Ciset).
Constitucionalização da Atividade de Inteligência - Perspectivas e Desafios Brasilerios
Mecanismos de controle da Atividade de
Inteligência no Brasil - do Republicano
Equilíbrio Entre Eficiência e Controle
Acredito que a principal discussão a ser elaborada
sobre o vínculo da atividade de Inteligência com
o Estado Democrático deve dizer respeito ao grau
de constitucionalidade desse serviço, à regulamentação pública e ao conhecimento sobre os
órgãos e cargos estatais responsáveis pela condução da atividade de Inteligência no país.
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constitucional, outras autoridades na administração pública e mesmo ao Parlamento (CEPIK,
2003). Portanto, é a Constituição de cada país
que, ao versar direta ou indiretamente acerca da
atividade de Inteligência, estabelecerá de forma
suprema o perfil, limites e prerrogativas desse
serviço público. Neste sentido, cumpre-nos registrar o depoimento de Antunes (2001, p.09):
Diante dessas premissas, sobreleva-se a questão fulcral do presente trabalho: a constitucionalização, ou sob outra terminologia, a positivação
constitucional da atividade de Inteligência brasileira teria o condão de implementar formas aperfeiçoadas de controle democrático e de elevar os
padrões de eficiência voltados a essa atividade
considerada estratégica em qualquer nação próspera e soberana?
Inicialmente, há que se registrar que existem
várias acepções acerca da palavra “constitucionalização”: A primeira delas e, na ambiência dos fins
traçados para este artigo, a mais relevante trata-se
da “constitucionalização-inclusão”,5 que é imediata. Determinado assunto, antes tratado pela
legislação ordinária, ou simplesmente ignorado,
passa a fazer parte do texto constitucional. Também denominada ‘constitucionalização-eleva-
ção’, consiste na transferência para a Constituição
da sede normativa da regulação de determinada
matéria (SOUZA NETO e MENDONÇA,
2006).
Voltando-nos diretamente ao objeto ora em
análise, constata-se que a situação da Inteligência
brasileira se enquadra perfeitamente na primeira
hipótese acima descrita. Isto porque, em toda a
extensão do texto constitucional de 1988, não
há atualmente qualquer menção à Inteligência
na estrutura do Estado Brasileiro, quer como organização, atividade ou conhecimento (KENT,
1949). Esta temática tão estratégica e cara aos
países democráticos e soberanos, no ordenamento jurídico brasileiro, não possui sequer previsão
constitucional expressa, sendo matéria regulada
por leis ordinárias.
Constituições classificadas como sintéticas
limitam-se a prever princípios e normas gerais de
regência do Estado, organizando-o e limitando
seu poder. De modo oposto, as Constituições
analíticas regulamentam toda gama de assuntos
entendidos como relevantes ao funcionamento
do Estado – a exemplo da CF/88 (MORAES,
2003). A partir dessa classificação, salta aos olhos
que, mesmo que nossa Constituição Federal se
enquadrasse na modalidade de uma Constituição sintética, deveria prever em seu corpo a atividade de Inteligência de Estado, estruturando-a
e limitando sua atuação com vistas à preservação
dos direitos fundamentais de seus cidadãos. Não
é compreensível nossa prolixa CF/88 descer ao
detalhe de prever que o “Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido
na órbita federal”, dentre outras regulamentações
5 Sarmento (2012, P. 98) entende haver, além da constitucionalização-inclusão, a constitucionalização-releitura, as quais define da
seguinte forma: “A constitucionalização-inclusão consiste no tratamento pela constituição de temas que antes eram disciplinados pela
legislação ordinária ou mesmo ignorados. Na Constituição de 88, este é um fenômeno generalizado, tendo em vista a inserção no texto
constitucional de uma enorme variedade de assuntos – alguns deles desprovidos de maior relevância. Já a constitucionalização releitura
liga-se à impregnação de todo o ordenamento pelos valores constitucionais”
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A legislação, além do mister regulamentador,
pode assumir função adicional de implementar a
confiança dos cidadãos em instituições públicas
– o que se convencionou denominar “legislação
simbólica” (NEVES, 2011). Acerca dos efeitos
regulatórios e simbólicos6 decorrentes da previsão
expressa pela Constituição referente à determinada temática pública, bastante ilustrativo o depoimento que se segue acerca da constitucionalização da Segurança Pública, mas que se aplica
perfeitamente à seara da Inteligência:
A constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança.
As leis sobre segurança, nos três planos federativos
de governo, devem estar em conformidade com
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Um segundo e coexistente paradigma de
constitucionalidade, segundo o mesmo autor,
trata da observância dos princípios constitucionais e da observância dos direitos e garantias fundamentais, conforme reiterado abaixo:
Devem ser especialmente observados os princípios constitucionais fundamentais – a república,
a democracia, o estado de direito, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana –, bem como os direitos fundamentais – a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança. O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o núcleo axiológico do sistema
constitucional, em que se situam esses princípios
fundamentais – o que tem grande importância,
como se observará, para a formulação de um
conceito constitucionalmente adequado de segurança pública” (SOUZA NETO, p. 03, 2007).
Neste ponto, é notório que a subsunção da
atividade de Inteligência no Brasil à Constituição
Federal opera-se conforme o modelo acima. Em
que pese não ter sido acolhida expressamente
pelo constituinte, trata-se de atividade constitucional, na medida que sua lei ordinária regulamentadora preconiza expressamente, conforme
pontuado alhures, o dever de “cumprir e preser-
6 As legislações simbólicas, ao se prestaram a uma função política-ideológica, trazem a lume a discussão da autonomia operacional do
direito na concepção da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, ou seja, da dicotomia entre a autopoiese, que é autoreprodução de
um sistema por meio de seu código-diferença e a alopoiese, que é perda dessa capacidade. (OLIVEIRA, 2017)
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Além da função regulamentadora, a norma
constitucional confere à matéria nela veiculada
significativo grau de legitimidade perante a sociedade. Ainda segundo Moraes (2003, p. 4), as
normas constitucionais conferem aos institutos
por ela regulamentados elevado grau de legitimidade: primeiramente, pelo fato de, na condição
de resultado de um processo legislativo regular,
ser elaborada por parlamentares legitimamente
escolhidos pelo povo; em segundo, por se tratar,
em Estados laicos, de norma fundamental do
ordenamento jurídico, conforme a clássica lição
de Hans Kelsen (2006, p. 387). Em irretocável
síntese, consigna Barroso (2014, p. 92): “com a
promulgação da Constituição, a soberania popular se converte em supremacia constitucional”.
a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações
concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou
de uma ação de policiamento ostensivo é o que
dispõe a Constituição. E o é não apenas no tocante ao art. 144, que concerne especificamente
à segurança pública, mas também no que se refere ao todo do sistema constitucional (SOUZA
NETO, p. 03, 2007).
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de somenos importância estrutural ao País, porém ignorar por completo a Inteligência de Estado (BRASIL, 1988).
Miguel (2002, p.25), ao analisar o regime
jurídico dos diversos serviços denominados serviços de Inteligência, espionagem ou de informações,
sustenta a tese que “o Estado constitucional, enquanto Estado e enquanto constitucional, necessariamente tem que preservar uma série de áreas
reservadas ao acesso irrestrito da população”.
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var a defesa do Estado Democrático de Direito e
a dignidade da pessoa humana, devendo ainda
cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição
Federal [...]” (BRASIL, 1999). Trata-se de uma
atividade constitucional, porém não constitucionalizada.
Dentre os serviços de Inteligência historicamente destacados por suas capacidades operacionais e, ao mesmo tempo, por implementarem
efetivos mecanismos de controle democrático,
cumpre evidenciar os Serviços americanos e os
alemães. Como supedâneo da atividade de Inteligência eficiente e controlada, inexoravelmente
constata-se a constitucionalização da Inteligência
nesses países.
Estados Unidos da América
Apesar da Constituição americana não
mencionar expressamente seus serviços de Inteligência, as teorias políticas que alimentaram o
processo constituinte contemplaram os fundamentos constitucionais aptos a organizar os serviços secretos (MIGUEL, 2002). A partir dessa
premissa, a Suprema Corte Americana consolidou o entendimento no sentido que o Poder Legislativo daquele país tem competência universal
para regulamentar não somente a atividade de
Inteligência, como também para criar, por ato
próprio, novas agências a incorporarem sua Intelligence Community (MIGUEL, 2002).
Alemanha
A República Federal da Alemanha conferiu
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ao seu serviço federal de Inteligência voltado à
defesa da Constituição, o Bundesamt für Verfassungsschutz (BfV), um fundamento constitucional expresso. A partir dessa regulamentação
constitucional positivada, os demais serviços de
Inteligência alemães foram regulamentados por
normas infraconstitucionais, como leis e regulamentos. Como resultado, o ordenamento jurídico alemão oferece, quiçá, as regulamentações
mais detalhadas acerca das competências e controle de seus serviços de Inteligência, mantendo
perfeitamente discriminadas as competências da
Inteligência e da atividade policial (MIGUEL,
2002).
Diante do cenário em que se insere a atividade de Inteligência brasileira, concisamente retratado nestas linhas, percebe-se com clareza solar
que esta atividade carece de maiores investimentos em legalidade, justamente a fim de aumentar
sua eficiência e, principalmente, a sua legitimidade. Assim sendo, a constitucionalização dessa
milenar e estratégica atividade pública, mesmo
que de forma sintética, objetivando tão somente
institucionalizar em sede constitucional a Inteligência (em suas reconhecidas matrizes, dentre as
quais, Inteligência de Estado, Inteligência de Segurança Pública, Inteligência Militar, Inteligência
Fiscal e Inteligência Financeira), ampliando os
mecanismos de controle democrático sobre a atividade, figura-se como inadiável política pública
em prol da segurança da sociedade e soberania
brasileiras. A partir da sustentada previsão constitucional positivada, abre-se azo para a regulamentação mais detida, por meio de Lei Complementar (Lei Orgânica), a fim de prescrever de
forma detalhada mecanismos de controles acerca
das prerrogativas a serem expressamente regulamentadas.
O quadro comparativo que se segue (WAGNER, 2017), referente às prerrogativas conferidas pelas respectivas legislações aos principais
Fonte: WAGNER, 2017. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/10377937/>
Serviços de Inteligência estrangeiros ilustra, de
forma inexorável, a urgência de o Legislativo pátrio deferir a sua Inteligência brasileira os meios
legalmente preconizados, afim de que a mesma
possa atuar à altura dos desafios que se apresentam ao País.
serviços secretos e a seus mecanismos de controle” (FERRAÇO, 2014). A proposta de emenda
à Constituição (PEC) 67/2012, de autoria do
senador Fernando Collor (PTB-AL), ora em trâmite no Congresso Nacional, visa ao suprimento
dessa lacuna constitucional (BRASIL, 2014).
Salta aos olhos, de forma icônica, como a Inteligência brasileira, se comparada aos principais
serviços de Inteligência do mundo, se destaca
negativamente no que se refere à atribuição de
prerrogativas e de meios técnicos universalmente
julgados imprescindíveis ao desempenho de sua
relevante missão de colaborar no processo de elevar o País ao nível das demais nações soberanas e
prósperas.
O Título V da CF/88, em cujo âmbito é
proposta a inserção de capítulo próprio dedicado
à Atividade de Inteligência, enumera as instituições responsáveis pela Defesa (Capítulo II) e pela
Segurança Pública (Capítulo III) – resta clarividente a ausência de paralelismo, ao proscrever a
Inteligência do texto constitucional. Isso posto,
a PEC em comento propugna, pelas razões resumidamente evidenciadas neste trabalho, pela
modificação da redação do art. 144-A, de modo
que o Sisbin bem como seu órgão central, Abin,
estejam expressamente previstos na Constituição
da República.
É exatamente no sentido de suprir essas
lacunas legislativas que, quando presidente da
Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI), entre 2013 e 2015, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) já defendia que
uma iniciativa importante para tornar mais efetivo o controle é dar à atividade de Inteligência de
Estado status constitucional: “Não há referência
na Carta de 1988 à Atividade de Inteligência, aos
Somente por intermédio da elevação da
Atividade de Inteligência de Estado ao altiplano constitucional, restará estabelecido um arcabouço normativo mínimo, porém explícito e
suficiente, acerca das competências devidas a esta
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Prerrogativas
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atividade típica de Estado, exercida sempre sob
o controle e a fiscalização do Poder Legislativo,
consolidando o desenvolvimento de uma cultura de proteção aos conhecimentos sensíveis e
a busca de oportunidades, em prol da defesa do
Estado e de suas instituições democráticas.
Qualquer país democrático e minimamente
competitivo no cenário internacional não pode
prescindir de serviços de Inteligência fortes e atuantes. Mais do que nunca, considerando-se o
fato de vivenciarmos a denominada “era do conhecimento”, o produto obtenível pela atividade
de Inteligência – informações estratégicas – ganha relevância inestimável.
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Conclusões
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cia pessoal negativa concreta com aquele órgão,
afetando negativamente sua capacidade de cumprir suas missões institucionais e democráticas
(DAMMERT, 2014. RIBEIRO, 2011. SANDOVAL, 2011). É bem verdade que o índice de
confiança e a demanda por maior confiabilidade
podem facilmente se misturar na cultura coletiva
democrática, de maneira que uma população
tende evolutivamente a exigir sempre mais controle e melhores resultados de suas instituições,
por mais madura que seja a convivência política
(SANTOS e ROCHA, 2011. LOPES, 2004.
SCHENEIDER, 2013).
No Brasil, em que pese a atividade de Inteligência de Estado ter sido estruturada enquanto
instrumento de assessoria às decisões estratégicas
do chefe do Poder Executivo desde 1926 e durante toda sua existência ter desempenhado papel imprescindível ao avanço do País em consolidar-se enquanto nação soberana e próspera, sua
imagem, ainda hoje, em alguns setores da sociedade, é associada à episódios repressivos operados
por todo o conjunto de órgãos de controle que
eram demandados durante o Regime Militar.
Urge que o Brasil, sem desconsiderar as lições
do passado, projete-se rumo à vocação de nação
próspera e soberana que lhe é devida.
A consequência mais deletéria ao interesse
público desse estigma que impregnou a imagem
da Inteligência de Estado foi, notadamente nos
anos seguintes à reabertura democrática, lançar
esta atividade pública nas sendas do ostracismo
e da proscrição. Uma grave consequência desse
processo emerge no fato de a Assembleia Constituinte de 1988 ter ignorado completamente a
existência da Inteligência de Estado, redundando, irônica e lamentavelmente, em menos regulamentação da atividade sob a ótica do controle
de seus produtos e do emprego de suas prerrogativas. Tal regulamentação coube à Lei n. 9.883
de 1999, diga-se de passagem, de forma bastante
lacônica – o que não atende aos princípios constitucionais que gravitam em torno do conceito
de Estado Democrático de Direito.
Essa relutância é, em parte, compreensível na
ambiência da sociologia política: a confiança nas
instituições é proporcional à maturidade do contexto político em que estão inseridas, de maneira
que tende a ser muito menor nas democracias
recentes que naquelas estabelecidas há mais tempo e de maneira mais estável (RENNÓ, 2001.
SILVA e RIBEIRO, 2016. RIBEIRO, 2011),
muito mais pela baixa expectativa com relação à
sua atuação do que em virtude de uma experiên-
É evidente que, após uma atuação nebulosa
durante o Regime Militar, os serviços de Inteligência foram duramente atingidos com a redemocratização, praticamente extintos e até hoje,
em que buscam lentamente se reestruturar, quase inteiramente privados das prerrogativas legais
que todos os países democráticos e avançados
do planeta asseguram aos seus congêneres, mas
também que, ironicamente, foram igualmente
relegados a um controle distante e pífio por parte
da sociedade a que devem servir e que tanta des-
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Diante de todo enredo sucintamente descrito no presente trabalho, constata-se o quão carente de regulamentação encontra-se a atividade
de Inteligência no Brasil, redundando no risco
de graves violações a princípios republicanos,
dentre eles o da eficiência e do controle. A única
maneira de esvanecer as brumas de um passado
questionado é estabelecer regras claras e mecanismos eficientes de controle da atividade de
Inteligência que permitam, ao mesmo tempo,
ferramental jurídico para a atuação das instituições de Inteligência, mas também, ao cidadão, a
garantia de que essa atuação será sempre e apenas
a serviço do bem comum e da democracia – do
que resultaria, aliás, uma garantia essencial para
o operador, para o trabalhador do SISBIN: o de
não receber demandas ou missões que afrontem
a sua consciência, de não temer por si mesmo ao
aceitar uma ordem legal ou recusar uma ilegal,
na medida em que essas fronteiras estejam claramente traçadas e haja mecanismos de controle
que as assegurem.
A constitucionalização da Inteligência de Estado brasileira, com redação sucinta que se defende neste trabalho, mostra-se hábil a incrementar
significativamente os meios de controle externos,
aprimorar a regulamentação de prerrogativas e
técnicas passíveis de emprego pelos profissionais
de Inteligência, e por fim, promoverá a legitimidade e o apreço público que esta atividade pública, como qualquer outra, merece. Com ela pode
iniciar-se um ciclo de ganhos recíprocos (DURAND PONTE, 2006. LANIADO, 2001),
no qual a sociedade, à medida em que dispõe
de mais e melhores mecanismos de controle
sobre essa atividade, deposita maior confiança
nas instituições de Inteligência e, consequentemente, oferece-lhe maior colaboração e melhores instrumentos para funcionar; ao longo do
tempo, o efetivo exercício desse controle cidadão
e a apresentação dos frutos práticos da atividade
de Inteligência retroalimentam o ciclo virtuoso,
subsidiando um desenvolvimento constante do
Brasil.
Constitucionalização da Atividade de Inteligência - Perspectivas e Desafios Brasilerios
confiança lhes reserva.
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