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Ritmo e Sonoridade na Poesia Grega Antiga: Uma tradução comentada de 23 poemas C. Leonardo B. Antunes Agradecimentos À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo auxílio concedido durante o mestrado. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e à Editora Humanitas pelo auxílio para a publicação. Ao Professor Doutor André Malta Campos, por tantos anos de guiamento, apoio e sabedoria. À Professora Doutora Filomena Yoshie Hirata, pela leitura e correção do texto para publicação. Ao Professor Doutor João Angelo Oliva Neto e ao Professor Doutor Flávio Ribeiro de Oliveira, pelos comentários e pelas correções propostas durante a defesa. À Professora Doutora Paula da Cunha Corrêa e ao Professor Doutor João Angelo Oliva Neto, pelos comentários e apoio durante a qualificação. À minha família e meus amigos, por tudo que sou. 2 Sumário Agradecimentos.................................................................................................................2 Parte I I – Apresentação....................................................................................................5 II – Método de Tradução.....................................................................................14 Parte II Dístico Elegíaco...................................................................................................22 Tirteu...................................................................................................................26 Tirteu – Fr. 12......................................................................................................27 Arquíloco.............................................................................................................33 Arquíloco – Fr. 3.................................................................................................34 Arquíloco – Fr. 4.................................................................................................37 Arquíloco – Fr. 5.................................................................................................40 Mimnermo...........................................................................................................43 Mimnermo – Fr. 1...............................................................................................44 Mimnermo – Fr. 2...............................................................................................47 Mimnermo – Fr. 5...............................................................................................50 Mimnermo – Fr. 12.............................................................................................53 Mimnermo – Fr. 14.............................................................................................56 Sólon...................................................................................................................59 Sólon – Fr. 5........................................................................................................60 Sólon – Fr. 9 .......................................................................................................62 Sólon – Fr. 16......................................................................................................64 Sólon – Fr. 24......................................................................................................66 Teógnis................................................................................................................68 Teógnis – Teognídea 271-8.................................................................................69 Tetrâmetro Trocaico............................................................................................71 Arquíloco – Fr. 114.............................................................................................73 Arquíloco – Fr. 122.............................................................................................76 Trímetro Jâmbico.................................................................................................78 Semônides...........................................................................................................80 3 Semônides – Fr. 1................................................................................................81 Estrofe Sáfica.......................................................................................................85 Safo......................................................................................................................87 Safo – Ode a Afrodite..........................................................................................88 Safo – Fr. 31.........................................................................................................93 Dímetro Jônico com Anáclase.............................................................................96 Anacreonte..........................................................................................................98 Anacreonte – Fr. 356...........................................................................................99 Anacreonte – Fr. 395.........................................................................................102 Glicônio e Ferecrácio.........................................................................................105 Anacreonte – Fr. 358.........................................................................................107 Oitava Ode Pítica de Píndaro............................................................................110 Píndaro...............................................................................................................115 Píndaro – Ode Pítica VIII..................................................................................116 Bibliografia........................................................................................................121 4 I – Apresentação O texto do presente livro é, quase de forma integral, advindo da dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Letras Clássicas da Universidade de São Paulo em Abril de 2009. Por incentivo direto de meu orientador e dos examinadores da banca de então, debrucei-me novamente sobre estas páginas, a fim de livrá-las de tudo que não fosse relevante ao todo, de modo a criar um livro mais coeso e agradável de se ler. Peço que perdoem quaisquer trechos excrescentes que, ainda assim, não tenha conseguido extirpar. O desejo de tratar do tema aqui exposto é antigo e nasceu do interesse pela musicalidade da poesia grega e pela possibilidade de conseguir recriar a música dessa poesia. Esses interesses, despertos em mim em 2002 pela obra de Ioannidis Nikolaos, um grego que reside na Inglaterra e faz justamente este trabalho, encontraram um eco no Prof. Doutor André Malta Campos, de modo que, a partir de então, ele aceitou a ingrata tarefa de ser meu orientador. Isso foi durante um curso de tradução, ministrado por ele no segundo semestre de 2005, no qual eram apresentados alguns poemas gregos antigos e traduções que se fizeram deles, contrastando-as no que dizia respeito a seus métodos e aos resultados que alcançaram com base no que se propunham a fazer. Durante aquele curso, que me abriu uma vastidão de novas possibilidades, e ao longo das pesquisas iniciais que fui então realizando, percebi que havia, de um lado, excelentes traduções literais da poesia grega antiga e, de outro, belas recriações daqueles textos. A quantidade de pesquisadores dedicados a fazer tradução poética, no entanto, traduzindo poesia com poesia, mas sem perder de vista o conteúdo original, era certamente inferior a desses outros dois grupos mencionados. Espero não cometer uma injustiça com estas afirmações, mas, até onde me recordo, em meu tempo de graduando, só estudamos em sala de aula as traduções poéticas de Carlos Alberto Nunes, do Prof. Doutor João Angelo Oliva Neto, do Prof. Doutor J. A. A. Torrano, do Prof. Doutor Antônio Medina Rodrigues, do Prof. Doutor Joaquim Brasil Fontes e de Péricles 5 Eugênio da Silva Ramos, de modo que as belas traduções que estes homens fizeram foram grandes influências para mim. 1 Com o tempo, no entanto, deixamos de lado a ideia de musicar os poemas aqui selecionados devido à complexidade do tema, que requeriria um conhecimento de música maior de minha parte tanto para executar a tarefa quando para justificá-la, além de mais tempo do que me era disponível pelo prazo do mestrado. Abandonada a música, restou, contudo, o desejo de fazer uma tradução poética destes poemas, que, com sorte um dia, talvez possa ser musicada junto com os originais por alguém com maior competência musical. O método de tradução que tinha em mente naquela época, prefigurado anteriomente em um trecho da Ilíada que traduzi durante minha Iniciação Científica sob a orientação do Prof. Doutor Christian Werner, curiosamente é o mesmo que ainda adoto hoje, o que demonstra ou uma grande coerência metodológica de minha parte, ou uma teimosia que desafia o tempo e a razão. Adiante, tratarei mais minuciosamente deste método, mas, em essência, ele se assemelha ao empenho que se faz para recriar, em casa para um amigo, um prato degustado em um restaurante distante, ao qual este indivíduo não tem acesso: os ingredientes usados na recriação serão necessariamente diferentes, mas há um desejo de fazer com que a textura, o sabor, a forma e o aspecto do prato recriado sejam, tanto quanto possível, os mais próximos daqueles experimentados anteriomente, de modo que o resultado final relembre aquela experiência agradável tanto no exterior, em sua forma e aspecto, quanto no interior, em seu sabor e textura. Há tantos métodos de tradução quanto há tradutores, e acredito que todo método é válido desde que obtenha sucesso nos fins a que se presta ou que sirva com presteza a fins imprevistos. O primeiro mérito validativo só depende do tradutor; de como ele planeja e executa seu trabalho, e do quanto ele é fiel em seguir as diretrizes que ele mesmo estabeleceu para um ou mais fins específicos. Por outro lado, o segundo mérito 1 Não só às traduções expressamente poéticas, contudo, esse trabalho é devedor. Entre outros, devo citar as traduções da Oitava Pítica de Píndaro e do Fragmento 12 de Tirteu realizadas pelo Prof. Doutor José Cavalcante de Souza, as traduções e o estudo dos poemas de Arquíloco empreendidos pela Prof. Doutora Paula da Cunha Corrêa, a tradução dos elegíacos gregos dos professores De Falco e Coimbra e as traduções dos elegíacos gregos de Teodoro Rennó Assunção. 6 depende do futuro, do que o próprio tradutor ou o resto da humanidade irá enxergar de valor em seu texto além daquilo que se queria intencionadamente alcançar. Uma vez que o controle sobre o futuro é uma ciência ainda embrionária, creio que é dever do tradutor ser coerente naquilo sob o que tem controle, ou seja no que se propõe a fazer. Dessa forma, parece-me importante estabelecer ou adotar um método para fins específicos e executar sua tarefa em concordância com o que se comprometeu a realizar, para que os resultados de seu esforço possam ser julgados de uma forma razoavelmente imparcial, à luz da própria metodologia adotada e de seus objetivos, em vez de sob a ótica do ideal ou do que se imagina pessoalmente que este seja. 2 A escolha do método aqui empregado justifica-se, então, em servir ao desejo expresso de recriar, a partir de uma matéria-prima diferente, a língua portuguesa, algo que se assemelhe tanto mais com o original mimetizado, a poesia grega antiga, quanto se puder fazê-lo. Nesse ponto, método e objetivo se confundem, mas acredito que seja justamente porque o primeiro nasceu naturalmente do segundo. Sem dúvida não é um método novo, nem é o único método passível de ser usado para traduzir a poesia grega. Se dedico, neste livro, um espaço razoável para descrevê-lo e justificá-lo, como se fosse novo, não é por querer difundi-lo como uma prática louvável ou original, mas para forçar a mim mesmo a analisar minhas escolhas, pensar nas etapas de como trabalho e por que o faço como faço. Talvez venha a enxergar um modelo que me pareça mais relevante amanhã ou depois, mas acredito que isto também só poderá ser feito se tiver o método atual plenamente sistematizado e pensado em sua completude, para que possa, a partir de então, ou defendê-lo de forma lógica e razoável, ou usá-lo, por inspiração própria ou alheia, como ponte para outra metodologia que prove ser mais fecunda em sua fundamentação, prática e resultados. 2 Neste ponto, agradeço ao Prof. Doutor João Angelo Oliva Neto e ao Prof. Doutor Flávio Ribeiro de Oliveira por terem examinado e julgado meu trabalho pelos quesitos que me propus a seguir. O comedimento que tiveram neste sentido, sugerindo mudanças apenas quando estas eram necessárias para aprumar o direcionamento do trabalho no caminho adotado, foi algo de uma sabedoria e clareza de pensamento inspiradora. 7 Para este livro, então, foram escolhidos vinte e três poemas de nove diferentes poetas mélicos, elegíacos e jâmbicos dos períodos Arcaico e Clássico, aqui agrupados livremente sob a alcunha de Lírica Grega. 3 A escolha desses textos se deu, sobretudo, de acordo com uma afinidade pessoal com os poemas. Parece seguro dizer que é mais fácil e proveitoso traduzir um texto com o qual nos identificamos e temos certa afinidade, por conta de termos ouvido alguma mensagem em seu todo, do que um texto que não nos diz nada, ou muito pouco. Isso é, no entanto, uma lâmina de dois gumes, uma vez que se corre o risco de ignorar outras possibilidades do texto em prol de salientar aqueles elementos em que acreditamos ver um reforço da mensagem percebida. No final das contas, porém, parece melhor obter sucesso em traduzir uma ou duas possibilidades de sentido do texto, fundamentadas pela recriação de elementos formais que as embasam, do que criar um todo desconexo, que tenta ser muitas coisas sem conseguir ser nada com grande efeito. Une, então, o útil ao agradável aquele tradutor que traduz algo que lhe é caro. Em geral, contudo, gostamos de muitos poetas, e quando sentamos para limitar o escopo da seleção de poemas, tivemos preferência por aqueles poetas mais conhecidos e procurados. Isso se deu simplesmente pelo interesse em aplicar um método de tradução 3 O termo Lírica Grega costuma gerar grandes discussões e muita discordância com respeito ao que pertenceria e ao que não pertenceria em seu gênero. Como explica Gentili (1951: 42), “Na cultura grega, o termo 'lírica' designava, no sentido técnico, a poesia cantada com o acompanhamento musical da líra (lýra) ou de outro instrumento de corda análogo (mágadis, kítharis, bárbitos, phórminx). Essa associação é confirmada pelo cânone alexandrino de poetas líricos, que abarcava apenas a lírica monódica e a lírica coral, excluindo a poesia jâmbica e a elegíaca, que era acompanhada pelo aulos. Ainda que, em comparação com a terminologia clássica, não seja correta a tendência de agrupar sob a denominação de 'lírica' grega a poesia elegíaca e a jâmbica, ela não é, contudo, imprópria sob o perfil do conteúdo por sua relação com a audiência.” Para a crítica moderna, porém, nas palavras de West (1993: vii), “'Poesia lírica grega' é um termo convencional e abrangente que cobre, mais ou menos, toda a poesia grega secular até 350 a.C., com exceção da épica, da poesia didática, e outros versos compostos em hexâmetro, e do drama. Não pode ser considerada um único gênero. Ela é comumente dividida entre poesia mélica, elegíaca e jâmbica.” Este trabalho não tem a intenção de discutir o assunto ou sugerir um uso diferente do termo. Usa-se, tão-somente, a terminologia Lírica Grega pela facilidade de catalogar toda a poesia grega clássica e arcaica à exceção da épica, da poesia didática e do drama, tal qual explanado acima por West. 8 pouco utilizado na academia àqueles poemas com que já temos alguma familiaridade, de modo que o leitor mais erudito possa comparar com maior facilidade os resultados aqui obtidos com os de outros tradutores, e, ao mesmo tempo, que o leitor leigo possa ter um apanhado de poetas líricos comumente citados e lidos. Quanto à organização das partes, neste primeiro bloco do livro, após essa apresentação, descreve-se e justifica-se, de modo mais minucioso, a metodologia adotada. Em seguida, a segunda parte do livro, sendo o momento principal do todo, estrutura-se, primeiramente, de acordo com uma divisão métrica. Os poemas foram agrupados em seções, de modo a formarem blocos de mesmo padrão rítmico. Essas seções são organizadas a fim de apresentarem os poetas em uma ordenação tradicional. Abrindo cada uma dessas partes, há um breve estudo a respeito do metro e do ritmo empregado nos poemas originais, bem como uma explicação de como eles foram trazidos para nossa língua na tradução. Para esta edição, adicionei uma brevíssima nota biográfica a respeito de cada poeta conforme seus poemas aparecem no texto. Na sequência, logo após o texto original, encontra-se a tradução em Português realizada para este trabalho. No texto traduzido de cada poema, podem-se ver marcadas em negrito as sílabas tônicas ou subtônicas 4 que correspondem à cadência do ritmo que se tentou recriar em Português. Essas marcações têm como finalidade auxiliar o leitor a perceber o ritmo adotado e a realizar uma leitura de acordo com o andamento que se buscou criar. O terceiro e último item da apresentação individual de cada poema é o comentário a respeito do poema original e de como se deu sua tradução. Ali, após uma breve introdução a respeito do poema, destacam-se os elementos poéticos do texto grego e a maneira pela qual eles foram, ou não, recriados ou compensados na tradução. Entre outras características, deu-se importância à sonoridade, ao ritmo e à ordenação das palavras ao longo do texto e dentro dos versos, bem como a relação que se cria entre estes elementos e o sentido do poema. 4 “(...) de intensidade média, ou seja, entre as tônicas e as átonas (...)” Sacconi (1998: 18). 9 Por vezes, há também notas a respeito de alguma dificuldade encontrada durante o processo de tradução, assim como as consequências geradas por essa dificuldade e que podem, de uma forma ou de outra, ter sido positivas ou negativas, tendo em vista o resultado final do trabalho. Ademais, quando necessário, fez-se algum esclarecimento acerca de um vocábulo ou outro que acabou tendo uma tradução um pouco mais distante da que se consideraria literal. Esse molde para o projeto foi escolhido tendo em vista duas finalidades distintas e bem-estabelecidas: servir de introdução à poesia grega a leigos e apontar algumas características do texto às quais nem sempre se atêm os especialistas. A primeira dessas finalidades diz respeito à tradução, que se espera, pela tentativa de recuperar um pouco da vivacidade do texto original, ser mais aprazível e convidativa a um leitor que não tenha conhecimento de língua grega o bastante para ler os originais de forma prazerosa. Não é um grande mistério dizer que existe, com efeito, uma séria dificuldade em ler a poesia da Grécia Antiga. Em primeiro lugar, essa dificuldade se manifesta na distância temporal e sociocultural que nos separa da realidade do povo que compôs esses poemas. Para os gregos antigos, a poesia não era apreendida apenas como uma manifestação artística e apreciada, desta forma, tão-somente pela qualidade melódica e estilística de seu conteúdo. Ela era, de fato, um elemento intrínseco à vida cotidiana, permeando a maioria das atividades dos homens e delas sendo parte indissociável, moldando-se, sempre, à circunstância em que era performada. 5 5 “A poesia grega foi um fenômeno profundamente diferente da poesia moderna no conteúdo, na forma e no modo de comunicação. Tinha um caráter essencialmente pragmático, no sentido de uma estreita correlação com a realidade social e política, e com concreta ação do individual na coletividade.” Gentili (1951: 5). “Homero revela-nos ainda outra raiz muito importante do canto, que, não devemos, contudo, considerar como única: o canto que acompanha o trabalho. Quando deusas, como Calipso e Circe, cantam sentadas ao tear, agem como mulheres mortais, e, no escudo de Aquiles, um menino acompanha o trabalho da 10 A dificuldade de ler esses poemas, contudo, não se limita apenas a esse problema contextual. A maior parte deles foi composta oralmente e idealizada para ser ouvida, e não lida. No entanto, não houve, naquela época, uma grande preocupação em transcrever o acompanhamento musical que era comum para a maioria desses poemas, uma vez que mesmo aqueles que não eram mais cantados, como a elegia, ainda assim possuíam um complemento vindo da música. 6 Outros, além disso, também eram acompanhados de certa coreografia, praticada por um grupo de dançarinos. 7 Dessa forma, deve-se lembrar que ler a poesia grega é uma tarefa feita ainda mais árdua por conta de tratar-se de um corpus permeado por canções cuja parte musical nos é omissa. Essas canções pertenciam a diferentes subgêneros, agrupados comumente sob a alcunha de lírica e que tinham seu próprio padrão métrico, conteúdo, ocasião de performance, tom e acompanhamento musical. Alguns eram acompanhados pela lira, outros pelo aulos, e havia aqueles que eram apenas recitados ou cantados de forma monótona e sem acompanhamento. 8 No decorrer dos séculos, contudo, praticamente todas as notações musicais existentes, as quais já não eram tão numerosas, foram perdidas. As que chegaram a nós estão em fragmentos de difícil decodificação: entre outros problemas, o sistema usado vindima com o canto de Lino. Os antigos conheciam cantos para quase todas as actividades desde a de tirar água até à de cozer o pão. Um pequeno fragmento, uma cançãozinha lésbica para a moagem (Carm. pop. nº 30 D), cuja antiguidade é testemunhada pela menção de Pítaco, dá-nos uma ideia de muitos cantos desaparecidos.” Lesky (1995: 133). 6 “Havia também um músico chamado Sacadas de Argos, compositor de melodias e de dísticos elegíacos postos em música; pois, na origem, os músicos que se dedicavam ao aulos cantavam dísticos elegíacos postos em música, como o atesta o regulamento das Panateneias relativo ao concurso musical.” Plutarque (1900: 24-5). 7 “A dança como linguagem do corpo é a arte de mover o corpo humano em relação ao espaço (imagem) e ao tempo (ritmo). Tinha, no mundo antigo, uma função ritual, lúdica e estética: ritual, porque não havia uma cerimônia religiosa que não contemplasse uma execução de orquestra; lúdica, pelo prazer de quem a executava e de quem a observava; estética, pela forma que o corpo humano animado a cada vez assumia em relação ao que estava sendo narrado, sem se considerar o outro aspecto, do exercício de ginástica, que conferia ao corpo saúde, beleza e harmonia.” Gentili & Lomiento (2003: 77). 8 Burstein, Pomeroy, Donlan, Roberts (1999: 116). 11 na época não dava conta de registrar notações que consideramos fundamentais, como medidas de tempo, o que se pode explicar, provavelmente, pelo estabelecimento de ritmos e de acompanhamentos padrões, os quais seriam de conhecimento popular, mas que foram aos poucos sendo mudados ou esquecidos pelo povo. 9 Assim, da mesma maneira como não se pode apreciar totalmente uma canção moderna se lhe tirarmos a melodia, certamente há inúmeros elementos desses poemas que eram salientados e embelezados pela música que os acompanhava, à qual nós não temos acesso. Um último resquício dessa música, no entanto, faz-se presente nos próprios poemas, na forma de sua sonoridade e cadência rítmica.10 Por esse motivo, estudar e traduzir a poesia lírica grega levando em consideração esses elementos parece ter uma grande importância, a fim de auxiliar os leitores a experimentarem ritmos não usuais em nossa língua e se aproximarem dessa melodia fugaz. 11 A probabilidade de o Grego Clássico ser ensinado de forma ampla no Brasil, de modo que a maioria da população tenha conhecimento da língua o suficiente para ler esses poemas em sua forma original, é certamente mínina. Ademais, mesmo que se tenha acesso à língua, como explanado acima, a leitura desses poemas não é, de modo algum, simples ou fácil. Por conta disso, parece-nos importantíssimo fornecer ao público geral uma tradução que tenha por finalidade mimetizar o original em sua forma e conteúdo, de modo a ser uma experiência semelhante. Por que ler estes poemas, no entanto? 9 Mulroy (1995: 9). 10 “(...) os poetas líricos e dramáticos da época clássica compunham a música ao mesmo tempo que as palavras, e o cuidado extremo que eles conferiam à forma métrica prova que o ritmo do canto estava intimamente ligado ao ritmo do metro.” Weil (1902: 139). 11 “O ritmo é provavelmente o único traço de uma língua estrangeira que nós nunca poderemos aprender a ouvir puramente. O ritmo e seu significado se encontram nas profundezas de nós mesmos. Eles são absorvidos nos hábitos do corpo e nos usos da voz junto de nossos aprendizados mais básicos de nós mesmos e do mundo. O ritmo forma a sensibilidade, torna-se parte da personalidade; e o senso de ritmo de um indivíduo é modelado de uma vez por todas em sua língua materna.” Matthews (1966: 70). 12 Ainda que a resposta a esta pergunta possa parecer óbvia a alguns, cada vez mais me surpreendo com a quantidade de pessoas que acredita não haver fundamento algum em “perder tempo” com uma língua morta e sua respectiva literatura. A razão de se ler estes poemas, a meu ver, reside na universalidade dos temas abordados por eles: o amor, a honra, o respeito ao divino, o temor da morte e do desconhecido, a glória e o valor da família. Todos estes temas, que sobreviveram ao teste do tempo justamente por serem universais e intrínsecos ao espírito humano, são abordados na poesia grega e, se em algum ponto da história alguém chegou perto de dizer algo de forma definitiva a respeito de alguma coisa, é seguro dizer que os gregos antigos têm boas chances de o terem feito. Esta é, portanto, a justificativa do objetivo deste livro e a relevância que se vê em sua composição. II – Método de Tradução “A grande literatura”, dizia Pound, “é simplesmente linguagem carregada de sentido, no mais alto grau possível.” 12 O autor afirmava ainda que, para atingir esse grau máximo de significação, um escritor recorre ao ritmo e ao som, a Melopeia, à criação de imagens simbólicas, a Fanopeia, e ao uso inusitado e lúdico de palavras não só pelo seu significado imediato e primeiro, mas também pelas suas possíveis interpretações baseadas nos mais diversos usos que pode receber, a Logopeia. 13 Pound cunhou essas três denominações a partir dos radicais gregos de “œpoj”, a “palavra falada”, de “mšloj”, o “canto”, de “fa…nw”, “fazer(-se) aparecer” e de “lÒgoj”, que pode tanto indicar, entre outras coisas, tanto o “discurso” quanto a “faculdade de raciocinar” ou a própria “razão”. Logo, por Melopeia, pode-se entender a 12 Pound (1976: 35). 13 Pound (1976: 37-8). 13 “palavra cantada”; por Fanopeia, a “palavra imagética”; e por Logopeia, a “palavra racionalizada”. Um belíssimo exemplo de Melopeia, citado por Staiger 14 como modelar por seu ritmo e plasticidade, mas que também é ímpar em termos de sonoridade, é o verso 149 do Canto I da Ilíada. dein¾ d′ klagg¾ gšnet' ¢rguršoio bio‹o15 O verso se apresenta, inicialmente, de forma expansiva com o som aberto de /é/ em “dein¾” e “klagg¾”, passando por um momento de maior sobriedade na altura da assonância interna em /e/ de “gšnet'”, para culminar com o som volumoso e solene do ditongo [oi] que se repete em “¢rguršoio” e “bio‹o”. Do ponto de vista rítmico, o momento inicial, do som do arco sendo disparado, é valorizado pela contração dos dois primeiros bíceps, fazendo com que o restante do verso seja fluido e dê uma ideia de maior movimento, reforçando a sensação de aumento de velocidade após uma tensão inicial, conforme se imagina a flecha sendo disparada do arco: l l l l l | w w l w w l w w l dei / n¾ / d′ / klag / g¾ | gš / net' / ¢r / gu / rš / oi / o / bi / o‹ / o w Também se pode buscar em Homero um exemplo clássico de Fanopeia, os versos 469-73 do Canto II da Ilíada, onde o poeta passa três versos descrevendo enxames de moscas dentro dos currais durante a primavera, para depois compará-los aos guerreiros gregos nas planícies de Troia: ºäte mui£wn ¡din£wn œqnea poll¦ 14 Staiger (1997: 97). 15 Na tradução de Haroldo de Campos (2001: 33), “Horríssono clangor irrompe do arco argênteo”, há uma homofonia em /o/ que perpassa, com vivacidade, todas os vocábulos. As duas palavras encadeadas e iniciadas por [ar] no final do verso recriam, por sua vez, o som aberto de /é/ do original. 14 a† te kat¦ staqmÕn poimn»⌠on ºl£skousin érV ™n e„arinÍ Óte te gl£goj ¥ggea deÚei, tÒssoi ™pi Trèessi k£rh komÒwntej 'Acaioˆ ™n ped…J †stanto diarra‹sai memaîtej. 16 Por fim, um exemplo admirável de Logopeia pode ser visto no fragmento 6 de Arquíloco, no qual o poeta propositalmente mistura o vocabulário comumente destinado a relações amistosas, o costume de ofertar presentes aos hóspedes, com o universo da guerra:17 xe…nia dusmenšsin lugr¦ carizÒmenoi 18 Essas três funções poéticas constituem, segundo Pound, as ferramentas básicas de um poeta, no âmbito das quais se encerram todos os artifícios e efeitos passíveis de serem empregados e criados em um poema. É por meio, pois, da incidência simultânea dessas três funções poéticas que a grande poesia é criada. Com efeito, o sistema proposto por Pound é plenamente capaz de auxiliar-nos a delimitar o âmbito de nossa tradução poética e a criar um método com que nos guie e que estabeleça os elementos aos quais o trabalho de tradução atentará.19 Aplicando-o a 16 Na tradução de Carlos Alberto Nunes (2001: 91): “Do mesmo modo que enxames de moscas, de número infindo, pelos currais dos pastores volteiam, sem pausa nenhuma, na primavera, no tempo em que os jarros de leite transbordam: tantos guerreiros Aquivos, de coma flutuante, se viam pela planície dos teucros, sedentos de a todos vencerem.” 17 A respeito do uso de palavras em contextos diferentes, Cohen diz que “O objecto visado pela consciência através das palavras permanece o mesmo em ambas as linguagens. (...) O que muda não é o objecto, mas o sujeito, a sua estrutura de recepção, o tipo de consciência que apercebe o discurso.” Cohen (1987: 155). 18 “Agraciando o inimigo com lúgubres presentes de hospitalidade”, numa tradução literal. 19 “Decidir traduzir um poema é, no início, uma questão de perceber ao quê o tradutor espera ser fiel.” Matthews (1966: 67). “Traduzir significa sempre ‘cortar’ algumas das consequências que o termo original implicava. Nesse sentido, ao traduzir não se diz nunca a mesma coisa. A interpretação que precede cada tradução deve 15 nosso intento, nada seria mais certo do que dizer que o objetivo da tradução que se fará é o de criar uma “experiência comparável” 20 ao original, na qual estejam presentes as três funções poéticas assinaladas por Pound na medida em que apareçam no texto a ser traduzido sob a forma da musicalidade, do conteúdo imagético e do sentido. A perfeição teórica desse sistema, no entanto, inviabiliza seu uso sem que se façam algumas considerações mais aprofundadas, partindo do princípio pragmático de que quase nunca será possível traduzir todos os elementos poéticos de um texto. Em primeiro lugar, portanto, é preciso definir o que é o objeto da tradução, para escolher quais de suas características são fundamentais na sustentação de sua existência e de seu status enquanto poesia. Seria demasiadamente ambicioso e até mesmo tolo acreditar que se poderia resgatar incólume a intenção original do poeta e, a partir daí, basear o foco do trabalho de tradução. Já é bastante difícil adivinhar – além de ser um esforço mais do âmbito do vaticínio do que da teoria literária – a intenção dos poetas mais próximos de nós tanto no aspecto temporal quanto sociocultural; quem dirá daqueles que viveram há quase três mil anos atrás em uma realidade completamente adversa à nossa? De uma forma ou de outra, no entanto, é preciso definir o que é aquilo que se irá traduzir, a fim de criar um caminho para fazê-lo. Devemos, então, ater-nos aos elementos que nos são perceptíveis, como aqueles pertencentes às três esferas tratadas anteriormente, e à imagem sensível que o conjunto desses elementos cria e suscita em nossas psiques ao lermos o poema. A tradução é um ato de interpretação – pois não se pode traduzir o que se não entende e entender é, inevitavelmente, interpretar – e a interpretação feita por meio de estabelecer quantas e quais das possíveis consequências ilativas que o termo sugere podemos cortar. Sem nunca estarmos completamente seguros de que não perdemos uma reverberação ultravioleta, uma alusão infravermelha.” Eco (2007: 107). 20 “Não uma representação, em qualquer sentido formal, mas uma experiência comparável.” Fitts (1966: 34). 16 uma tradução poética deve ser um ato de poesia. 21 Na impossibilidade mencionada anteriormente de verificar o que se passava na mente do poeta no momento de composição da obra, resta-nos estudar aquilo que povoa nossas mentes ao ler seu trabalho. Dentre todas as imagens possíveis criadas pelo poema, há sempre uma central e primeira, que se estabelece pela união imediata do plano do sentido com o plano da musicalidade, e partir da qual as demais impressões se originam. Nessa imagem primeira, que se confunde muitas vezes com a interpretação dita mais superficial ou banal, é que este trabalho tentará focar-se, na esperança de que, ao aproximar-se da imagem central do poema e ao recriar seus elementos poéticos principais, 22 não elimine muitos dos caminhos existentes no original para as demais. Uma vez definido o que é o objeto de nossa preocupação, passemos agora para a maneira pela qual se tratou esse objeto na tarefa de resgatar algo de sua essência durante o processo de tradução. Em primeiro lugar, quando havia a necessidade de escolher entre manter um efeito poético e fazer uma correspondência um pouco mais acertada na tradução, foi preferível empregar vocábulos menos literais e tentar salvar a poeticidade do texto. Como exemplo disso, vejamos este verso do Fragmento 1 de Mimnermo e sua tradução, tal qual aparece neste trabalho: ¢ll' ™cqrÕj m′n pais…n, ¢t…mastoj d′ gunaix…n· Torna-se odioso pros jovens e infame aos olhos das moças. O texto original possuía uma assonância evocativa entre “pais…n” e “gunaix…n”, criando uma rima interna ao final de cada hemistíquio do verso. Na 21 O sumo das ideias desse parágrafo devo a Fitts, que diz, do tradutor de poesia, que “Ele precisa ser tanto um poeta quanto um intérprete. De forma mais direta, sua interpretação precisa ser um ato de poesia.” Fitts (1966: 34). 22 “O tradutor precisa inventar efeitos formais em sua própria lingua que dêem uma impressão semelhante àquela produzida pelos efeitos do original. Isso é trabalhar por analogia.” Matthews (1966: 67). 17 impossibilidade de criar um efeito mais parecido, tentou-se compensá-lo com assonâncias em /ô/ e /ó/, traduzindo “gunaix…n”, que literalmente seria “às mulheres”, pela metonímia “aos olhos das moças”. No caso acima, trabalhou-se, em parte, por recriação, pela similaridade entre a natureza dos dois efeitos, e, em parte também, por compensação, visto que os efeitos têm, certamente, uma discrepância entre si, não havendo uma correspondência mais acurada. Neste trabalho, essas foram as duas formas principais de reproduzir a poeticidade do texto original no texto traduzido. Elas variam livremente e de acordo com a necessidade encontrada em cada caso específico. Em segundo lugar, nos momentos em que foi preciso escolher entre traduzir um efeito ou outro, foi dada prioridade a traduzir os efeitos poéticos do texto que contribuíam mais ativamente para, de alguma forma, modificar ou acentuar as possibilidades de significância do poema. 23 Um exemplo disso pode ser visto na maneira pela qual se traduziu o primeiro verso do Fragmento 5 de Arquíloco: ¢sp…di m′n Sawn tij ¢g£lletai, ¿n par¦ q£mnJ, Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto à moita, No caso apresentado acima, o vocábulo “¢sp…di” encontrava-se em posição de destaque no início do verso inicial do poema. As únicas maneiras de traduzir esse efeito envolveriam quebrar a lógica de apresentação do poema, fazendo com que o eu-lírico se reportasse ao escudo na segunda pessoa do singular, por exemplo. Isso adulteraria o formato escolhido pelo poeta para expor as ideias do poema e, certamente, representaria uma quebra muito grande com a forma do poema original. Por conta disso, foi necessário deixar de lado esse efeito poético e não recriá-lo. 23 “Não há eufonia ou cacofonia em si, a não ser em função do conteúdo semântico. Mais precisamente, a harmonia só é experimentada sob os auspícios da expressividade, e a expressividade é ajustada ao sentido.” Dufrenne (1969: 77). 18 Outra característica a que se atentou foi a de buscar ao máximo respeitar a integridade dos versos, especialmente quando se tratava de casos em que essa integridade é relevante ao sentido. Ou seja, sempre que possível e relevante, tentou-se traduzir as palavras sem mudá-las de um verso para o outro. Como exemplo disso, vejamos o seguinte verso do Fragmento 1 de Mimnermo e sua respectiva tradução: t…j d′ b…oj, t… d′ terpnÕn ¥ter crusÁj 'Afrod…thj; Onde há existência e prazeres, na ausência da áurea Afrodite? No caso em questão, o verso hexamétrico possuía uma unidade coesa e perfeita no texto grego, formando um todo por si só. Quebrá-lo em mais ou menos de um verso, seria, certamente, um rompimento severo na relação da tradução com o objeto traduzido. Ademais, seria perdida a beleza do hexâmetro perfeitamente concebido e autônomo, tal qual figura no original. Da mesma forma, a tradução foi feita em um padrão métrico que se assemelhasse em algo com o do original, seja pela extensão ou pela cadência. Essas são normas auto-impostas para evitar que o trabalho fuja do âmbito da tradução para aquele da recriação livre. 24 Retomando o exemplo anterior, podemos observar abaixo a tentativa de criar o ritmo do hexâmetro, fazendo uma correspondência entre as sílabas longas do Grego e as tônicas do Português: l w w l w w l w| w l l l w w l t…j / d′ / b… / oj, / t… / d′ / terp / nÕn | ¥ / ter / cru / sÁj / 'A / fro / d… / thj; 24 l “O método de verso-a-verso e a base métrica original ajudam também a impedir a tradução de vagar rumo à variação livre, a qual deve ser feita por deliberação própria e não por deslize. Aqui é onde começo e onde devo agora terminar.” Lattimore (1966: 56). 19 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 On / de há e / xis / tên / cia e / pra / ze / res, / na au / sên / cia / da / áu / rea A / fro / di / te? Após o ponto em que ficaria a cesura, o segundo hemistíquio é um tanto quanto diferente, pela opção de não empregar espondeus na tradução. O padrão empregado para esses hexâmetros é o mesmo que Carlos Alberto Nunes utilizou em suas traduções da Ilíada e da Odisseia. A possibilidade de correspondência entre as sílabas longas de línguas clássicas, como o Latim e o Grego, e as sílabas tônicas de línguas modernas, como o Português e o Inglês, não é de modo algum uma inovação. Com efeito, o próprio fato de serem empregados os mesmos, ou semelhantes, termos para designar e nomear os diferentes tipos de pés e metros nesses dois modos diferentes de apreensão do ritmo certamente já nos serve de evidência de que eles possuem alguma similaridade entre si. Essa semelhança se dá no campo rítmico, uma vez que cada sistema, independente da forma empregada para marcar a cadência da fala, produz um ritmo baseado na repetição regular de sua característica marcante e distintiva. 25 A partir disso, a possibilidade ou impossibilidade de recriar um ritmo de outra língua, alheio ao cânone de ritmos provados possíveis ao longo dos séculos em nossa língua, depende tão-somente de haver palavras que possam ser combinadas de modo a mimetizar a nova cadência por meio das características distintivas de ritmo existentes na língua de chegada. 26 No caso da tradução, no entanto, há muitas vezes uma dificuldade extra, dependendo do grau de compromisso que o tradutor tenha estabelecido a priori com a forma e o conteúdo do texto original. Assim, por mais que haja palavras em Português 25 “A noção de repetição regular é central para nosso entendimento de ritmo. Qualquer fenômeno que exiba periodicidade pode ser chamado de rítmico, independentemente de qualquer evidência dessa periodicidade ser acessível à nossa percepção.” Hasty (1997: 4). 26 “Toda língua tem suas próprias formas, existentes e possíveis: aquelas que os poetas já encontraram e usaram, e aquelas ainda a serem descobertas. As formas vêm dos sons, ritmos, significados, e de todas as relações que os poetas conseguem descobrir entre essas e trazer para a existência perceptível. É o trabalho dos poetas encontrar as combinações, e isso signifca inventá-las.” Matthews (1966: 68). 20 que, justapostas em uma frase, produzam um ritmo mais complicado, esse ritmo talvez se mostre impossível de ser alcançado durante um trabalho de tradução que não queira entrar no âmbito da recriação livre. Neste trabalho, houve alguns casos que se enquadram no cenário descrito acima. Mesmo assim, buscou-se um padrão métrico mais ou menos parecido, seja pela extensão puramente dita, com um número semelhante de sílabas poéticas, ou pela cadência dos versos, buscando recriar quando possível o padrão pelo qual se repetiam as sílabas marcantes do texto original. Esse último caso é onde se enquadra o método empregado para criar um padrão métrico com que traduzir a poesia de Píndaro, tal qual se descreve no capítulo que lhe diz respeito. Por fim, foi preferível, de forma geral, traduzir epítetos e outros termos compostos do Grego por perífrases, para evitar que se causasse um estranhamento no leitor ao ver um número muito grande de termos novos cunhados a partir do Grego. Dístico Elegíaco Segundo West, “Por elegia, denota-se uma tradição poética, em metro elegíaco, na qual o poeta discursa por meio de sua própria pessoa, geralmente dirigido a um interlocutor específico e no contexto de uma ocasião particular de interação.”27 A elegia se prestava, em geral, a uma meditação do poeta a respeito de um determinado assunto, o qual era de interesse do público por fazer parte das questões caras ao pensamento da época. Para esse fim, o ritmo dactílico empregado era extremamente eficaz, criando um andamento sereno e quase marcial. 28 27 West (1974: 2). 28 “Os ritmos do gênero constante, dáctilos e anapestos, dão ao ouvido e ao espírito um sentimento de um equilíbrio particularmente agradável: neles, o andamento era regular e harmonioso.” Croiset (1890: 2 ). 21 De acordo com Dihle, no entanto, o termo “elegia” não é de origem grega, sendo que, até o período clássico, palavras que lhe eram etimologicamente relacionadas ainda pertenciam ao vocabulário do lamento fúnebre, “œlegoj”. Por conta disso, imagina-se que, talvez, a elegia tenha tido como ocasião de performance e objeto de composição inicial os ritos funerários. Essa teoria se mostra possível pela existência de um fragmento como o de número 13 de Arquíloco, em que o poeta lamenta a morte de homens em um naufrágio. 29 Quanto à sua estrutura formal, o dístico elegíaco é constituído pela sequência de um verso composto em hexâmetro dactílico e outro verso criado a partir de dois hemistíquios deste mesmo metro justapostos, os quais muitas vezes são chamados, sem grande precisão, de pentâmetro apenas por conveniência e praticidade. O hexâmetro dactílico, como o próprio nome indica, estrutura-se por meio de seis pés de dáctilos, podendo haver contração nos cinco primeiros pés, cujo último é necessariamente catalético, ou seja, termina incompleto, com um troqueu ou com um espondeu. O hexâmetro é o metro com o qual se compuseram os poemas da épica grega. Por conta disso, os poemas mais antigos que também o empregam, seja em sua totalidade ou parcialmente, à maneira do dístico elegíaco, acabam por emprestar as fórmulas da épica em sua composição. Esse fato é facilmente observável, por exemplo, em alguns poemas de Arquíloco e Tirteu. Abaixo, podem-se examinar as duas estruturas mais comuns do hexâmetro dactílico grego: l y l y l w\ w l y l y l y l \ y l y l y l y l x U l x U Como um exemplo ilustrativo dessa estrutura métrica, vejamos a seguir a escansão de um verso inicial de um poema de Sólon (Fr. 9): 29 Dihle (1994: 33). 22 l w w l w w l | w w l w w l w w œk / ne / fš / lhj / pš / le / tai | ci / Ò / noj / mš / noj / º / d′ / ca / l£ / zhj, l l Há sempre uma cesura necessária no hexâmetro dactílico grego, a qual se estabelece após a primeira sílaba do terceiro pé, como no exemplo acima, ou após a segunda, como é mais comum, na proporção 4:3. 30 Optou-se por traduzir esse primeiro verso do dístico elegíaco na forma de um hexâmetro dactílico sem cesura mandatória, como o empregado, também em língua portuguesa, por Carlos Alberto Nunes em suas traduções da Ilíada e da Odisseia. Em alguns casos, poderá estar presente a cesura, mas preferiu-se optar por uma maior flexibilidade, não adotando a cesura obrigatória. Pelo mesmo motivo, o último verso dos hexâmetros, na tradução, nem sempre será catalético. Deixando, por enquanto, o hexâmetro de lado, observemos agora a estrutura padrão de seu pentâmetro: l y l y l | l ww l wwl U Como se pode ver, o primeiro hemistíquio do pentâmetro do dístico elegíaco possui uma estrutura idêntica à do hexâmetro. Contudo, o segundo hemistíquio tem uma conformação mais rígida, não permitindo a contração de nenhum bíceps. Continuando no verso seguinte do mesmo poema de Sólon, vejamos a escansão de um pentâmetro, onde se podem perceber, nos dois primeiros pés, exemplos de contração: l f l f l | l w w l w w l bron / t¾ / d' ™k / lam / prÁj | g…g / ne / tai / ¢s / te / ro / pÁj: Como dito anteriormente, os hexâmetros do dístico elegíaco serão traduzidos por hexâmetros dactílicos em nossa língua, ou seja, versos de dezesseis sílabas com acentos na primeira, quarta, sétima, décima, décima terceira e décima sexta sílaba, sem cesura 30 West (1987: 19). 23 obrigatória. Para a tradução dos pentâmetros, serão usados dois hemistíquios de hexâmetro do mesmo tipo, os quais terão, necessariamente, uma cesura. Como resultado, será criado um verso de quatorze sílabas com acentos na primeira, quarta, sétima, oitava, décima primeira e décima quarta sílaba. A seguir, para exemplificar, há a tradução desse dístico inicial do poema de Sólon: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Par / te / das / nu /vens / o / vi / ço / da / ne / ve e / da / chu /va / de / pe / dras. 1 2 3 4 5 6 7 | 8 9 10 11 12 13 14 Bra / me o / tro / vão / ao / nas / cer, | vin / do / de um / rai / o / bril / lhan / te. Pode-se ver a cesura cortando o segundo verso no final do vocábulo “nascer”. Sempre que possível e relevante, como no caso acima, tentou-se colocar uma vírgula para marcar a pausa da cesura entre os dois hemistíquios. Na tradução dos pentâmetros do dístico elegíaco nesta versão atual, foram utilizadas apenas cesuras naturais, aquelas em que o vocábulo que corta o verso é oxítono, apesar de num momento anterior do trabalho também haverem figurado cesuras induzidas pela utilização da sinalefa. 31 31 “No alexandrino clássico, por exemplo, deve o primeiro hemistíquio terminar em sílaba forte, e o segundo hemistíquio até a 12ª do verso conter o mesmo número de sílabas que o primeiro. Logo, se vier no centro vocábulo paroxítono finalizado em vogal em face de vogal inicial de palavra imediata, a cesura cortará tal vocábulo, deixando de uma parte a sílaba acentuada, e de outra a restante inacentuada, ligandose esta a vocábulo do segundo hemistíquio.” Ali (2006: 43). 24 Tirteu 25 De acordo com Platão, 32 nasceu em Atenas, mas mudou-se para Esparta, de onde se tornou cidadão. Lá, teria escrito suas elegias de cunho militar por volta de 880 antes de Cristo. Seus poemas eram possivelmente usados tanto em simpósios para educar os jovens quanto em campanha militar para aumentar o moral dos soldados. Tirteu – Fr. 12 oÜt' ¨n mnhsa…mhn oÜt' ™n lÒgwi ¥ndra tiqe…hn oÜte podîn ¢retÁj oÜte palaimosÚnhj, oÙd' e„ Kuklèpwn m′n œcoi mšgeqÒj te b…hn te, nikèih d′ qšwn Qrhkion Boršhn, 5 oÙd' e„ Tiqwno‹o fu¾n carišsteroj e‡h, plouto…h d′ M…dew kaˆ KinÚrew m£lion, oÙd' e„ Tantal…dew Pšlopoj basileÚteroj e‡h, glîssan d' 'Adr»stou meilicÒghrun œcoi, oÙd' e„ p©san œcoi dÒxan pl¾n qoÚridoj ¢lkÁj· 10 oÙ g¦r ¢n¾r ¢gaqÕj g…netai ™n polšmwi e„ m¾ tetla…h m′n Ðrîn fÒnon aƒmatÒenta, kaˆ dh…wn Ñršgoit' ™ggÚqen ƒst£menoj. ¼d' ¢ret», tÒd' ¥eqlon ™n ¢nqrèpoisin ¥riston k£llistÒn te fšrein g…netai ¢ndrˆ nšwi. 15 32 xunÕn d' ™sqlÕn toàto pÒlh te pant… te d»mwi, Plato (Laws, 1.629a). 26 Óstij ¢n¾r diab¦j ™n prom£coisi mšnhi nwlemšwj, a„scrÁj d′ fugÁj ™pˆ p£gcu l£qhtai, yuc¾n kaˆ qumÕn tl»mona parqšmenoj, qarsÚnhi d' œpesin tÕn plhs…on ¥ndra parestèj· 20 oátoj ¢n¾r ¢gaqÕj g…netai ™n polšmwi. aya d′ dusmenšwn ¢ndrîn œtreye f£laggaj trhce…aj· spoudÁi d' œsceqe kàma m£chj, aÙtÕj d' ™n prom£coisi pesën f…lon êlese qumÒn, ¥stu te kaˆ laoÝj kaˆ patšr' eÙklesaj, 25 poll¦ di¦ stšrnoio kaˆ ¢sp…doj Ñmfalošsshj kaˆ di¦ qèrhkoj prÒsqen ™lhl£menoj. tÕn d' ÑlofÚrontai m′n Ðmîj nšoi ºd′ gšrontej, ¢rgalšwi d′ pÒqwi p©sa kškhde pÒlij, kaˆ tÚmboj kaˆ pa‹dej ™n ¢nqrèpoij ¢r…shmoi 30 kaˆ pa…dwn pa‹dej kaˆ gšnoj ™xop…sw· oÙdš pote klšoj ™sqlÕn ¢pÒllutai oÙd' Ônom' aÙtoà, ¢ll' ØpÕ gÁj per ™ën g…netai ¢q£natoj, Óntin' ¢risteÚonta mšnont£ te marn£menÒn te gÁj pšri kaˆ pa…dwn qoàroj ”Arhj Ñlšshi. 35 e„ d′ fÚghi m′n kÁra tanhlegšoj qan£toio, nik»saj d' a„cmÁj ¢glaÕn eâcoj ›lhi, p£ntej min timîsin, Ðmîj nšoi ºd′ palaio…, poll¦ d′ terpn¦ paqën œrcetai e„j 'Adhn, ghr£skwn d' ¢sto‹si metapršpei, oÙdš tij aÙtÕn 40 bl£ptein oÜt' a„doàj oÜte d…khj ™qšlei, p£ntej d' ™n qèkoisin Ðmîj nšoi o† te kat' aÙtÕn e‡kous' ™k cèrhj o† te palaiÒteroi. taÚthj nàn tij ¢n¾r ¢retÁj e„j ¥kron ƒkšsqai peir£sqw qumîi m¾ meqieˆj polšmou. Não lembraria e, em verso, um homem jamais eu poria Pelo valor de seus pés, ou de sua luta através; Nem se ciclópicas fossem a sua grandeza e a sua força; 27 Nem se correndo ele até Bóreas, o trácio, vencesse; 5 Nem se ele mais do que Títono fosse na forma aprazível; Nem se ele fosse bem mais rico que Cíniras, Midas; Nem se ele fosse mais régio que o filho de Tântalo, Pélops; Nem se tivesse uma voz, mais que de Adrasto, melíflua; Nem se afamado por tudo – à exceção de rompente vigor, 10 Pois nenhum homem se faz de algum valor numa guerra Se não puder suportar a visão da matança sangrenta, E não puder lacerar, firme e de perto, o inimigo. Essa, a excelência, e esse é o prêmio melhor entre os jovens – Mais belo que esse não há, para que um jovem o vença. 15 É um bem comum para todos e para a nação e pro povo Sempre que um homem se põe firme em meio aos primeiros Sem vacilar e de todo esquecido da fuga execrável, Pondo seu ânimo audaz e sua alma ao perigo, Encorajando o homem ao lado com suas palavras. 20 Esse é o herói que se faz de algum valor numa guerra. Súbito força ele a fuga de homens hostis na falange Bruta, e com zelo ele assim freia a onda da luta. Entre os primeiros tombado, perdeu ele a vida querida, Mas dando glória à nação, para seu povo e pro pai. 25 Mais de uma vez por seu peito e pelo umbilicado escudo Foi perfurado, e através da sua couraça, de frente. Jovens e velhos lamentam-no ambos de forma semelha: Chora afligida a nação com essa perda sentida. Tornam-se insignes entre os mortais sua tumba e seus filhos, 30 E as gerações a seguir, vindas dos filhos dos filhos. Nunca irão perecer sua fama viril e seu nome, E ele se torna imortal, mesmo debaixo da terra, Ele que, ao se fazer excelente enquanto lutava Pela sua terra e os seus, morto é por Ares furioso. 35 Ou, se ele escapa do fado da morte que espreita de longe, Ganha da lança, ao vencer, um resplendor de renome. Todos o honram, de forma semelha, os jovens e os velhos. 28 Grande é o agrado que tem antes de ir-se pro Hades. Velho, distingue-se entre seus concidadãos e ninguém 40 Quer em sua honra o ferir, nem cometer-lhe injustiça. Todos lhe cedem lugar, igualmente, os jovens e aqueles De sua idade e também os que lhe são anciões. Dessa virtude chegar ao extremo um homem agora Tente, em seu peito jamais renunciando a guerra. O fragmento 12 de Tirteu se apresenta como uma elegia a respeito da virtude da guerra. Nele, o eu-lírico define e discursa a respeito da natureza do homem que, a seu ver, é valoroso num contexto de combate. Mais do que apenas definir e divagar a respeito de algo ideal, no entanto, o poema termina com uma exortação para que se tomem os valores exaltados, transformando-os em ação no presente (“nàn”, “agora”). O poema pode ser dividido em três partes que, aliás, têm uma estrutura tão bem definida que poderiam ser lidos como textos independentes. A primeira dessas divisões marca o poema de seu início até o final do nono verso. Em seguida, pode-se desenhar uma linha, que separa a segunda parte da final, entre o vigésimo e o vigésimo primeiro verso. Essas partes têm, além de uma estrutura própria, também um tema específico tratado em cada uma delas, a saber: i) as características que não têm valor numa guerra; ii) as características e ações que fazem um homem ter valor numa guerra; iii) aquilo que advém a um homem de valor numa guerra e à sua estirpe ao término do confronto, esteja ele vivo ou morto. Depois de discorrer a respeito desses temas e de afirmar o modelo ideal de um homem valoroso, além dos benefícios de que ele goza, o poeta termina a elegia com uma exortação para que se tente alcançar essa virtude, não renunciando à guerra. Nos primeiros versos do poema, o poeta começa a delinear o perfil do homem que, a seu ver, merece ser lembrado e cantado em verso. A priori, ele se limita a afirmar a imagem de seu ideal heróico pela eliminação sucessiva de características que não lhe 29 parecem importantes para um homem valoroso na guerra. Durante oito versos, ele se ocupa dessa longa tarefa, mas, para manter uma estrutura a que os ouvintes pudessem se ater e, assim, evitar que o grande volume de propriedades elencadas lentamente quebrasse qualquer estruturação lógica e a própria capacidade de argumentação do poema, Tirteu fez com que, dos primeiros dez versos do poema, sete fossem principados pela negação “oÙ”. Dessa forma, a extensa anáfora criada entre os hexâmetros garante uma unidade ao que, de outro modo, seriam apenas características diversas e soltas ao longo dos dísticos. Na tradução, recriou-se esse recurso pela repetição da negação “nem”. No décimo e no vigésimo verso do poema, ocorre um espelhamento quase completo das palavras que compõem essas passagens. Esse recurso não só enfatiza a ideia que se está tentando defender, mas também cria uma estrutura anelar nesse trecho do poema. De fato, há uma unidade muito bem estabelecida que pode ser destacada do restante do texto e observada por si só. O décimo verso, dessa forma, introduz a asserção a respeito do homem que o eu-lírico considera de valor na guerra, e que vai ser trabalhada em detalhes até o vigésimo verso, no qual ela é retomada e reafirmada, fechando assim a estrutura anelar. Na tradução, tentou-se, por esse motivo, manter uma simetria entre o décimo e o vigésimo verso do poema, ainda que não seja tão intensa quanto a do poema original. Quanto aos efeitos sutis do poema, no segundo verso, pode-se observar uma rima interna ao final de cada um dos hemistíquios do verso, com os vocábulos “¢retÁj” e “palaimosÚnhj”. Esse efeito foi recriado na tradução de maneira semelhante, com uma rima entre “pés” e “através”. Outro efeito digno de nota é a repetição da oclusiva /k/, tanto em sua forma normal quanto aspirada, no verso de número vinte e dois, como se pode verificar nas palavras “trhce…aj”, “œsceqe”, “kàma” e “m£chj”. Em Português, na tradução, procurou-se compensar esse efeito com uma sequência das linguodentais /t/ e /d/ nos vocábulos “bruta”, “onda”, “da” e “luta”, sendo que o primeiro e o último desses vocábulos, em posição de destaque no início e no final do verso, ainda criam uma rima entre si. 30 Ainda nesse mesmo verso, é notável como a cesura, separando o verso logo antes do verbo “œsceqe”, também intensifica a ideia transmitida, do guerreiro contendo a onda da luta, bem como o efeito acima descrito e, desta forma, contribui ainda mais para a sensação da pausa bruta: l l l l l | l w w l w w l trh / ce… / aj· / spou/ dÁi / d' œs / ce / qe / kà / ma / m£ / chj, Esse efeito é mantido na tradução: 1 2 3 4 5 6 7 | 8 9 10 11 12 13 14 Bru / ta e / com / ze / lo e / le as / sim | frei / a / a / on / da / da / lu / ta. No trigésimo verso do poema, há um efeito, conservado de certa forma na tradução, cuja beleza merece ser destacada. Trata-se do poliptoto resultante da repetição de “pa‹dej” em duas declinações diferentes (“pa…dwn pa‹dej”). É, sem dúvida alguma, um dos momentos mais altos do poema e tem uma força expressiva e retórica digna de distinção. No texto em Português, a palavra foi repetida sem variação (“dos filhos dos filhos”), pois pareceu ser a forma que teria um efeito mais intenso em nossa língua. É interessante, por fim, notar como as três ocorrências de “pÒlemoj” (“guerra”), um dos vocábulos-chave do poema, dão-se justamente em posição de destaque no final de versos (10, 20 e, finalmente, 44, fechando o poema). Nada mais apropriado em um poema cujo tema é justamente o da guerra que o vocábulo que a designe esteja sempre destacado do restante das palavras. De fato, as três ocorrências do vocábulo também se encontram em regiões limítrofes das divisões artificiais sugeridas no início deste comentário. Dessa forma, o poeta soube fazer com que o termo ficasse ainda mais evidenciado por aparecer justamente em mudanças de momento dentro do poema, ajudando, assim, a marcar as partes a partir das quais a obra se compõe. 31 32 Arquíloco Foi natural de Paros e viveu em meados do século VII antes de Cristo, tendo provavelmente presenciado o eclipse de 648, o qual parece ter sido o motivo de um de seus poemas (Fr. 122). 33 Era-lhe creditada a invenção do jambo e gozava, já na antiguidade, de um prestígio semelhante ao de Homero. Arquíloco – Fr. 3 oÜtoi pÒll' ™pˆ tÒxa tanÚssetai, oÙd′ qameiaˆ sfendÒnai, eât' ¨n d¾ mîlon ”Arhj sun£gV ™n ped…J· xifšwn d′ polÚstonon œssetai œrgon· taÚthj g¦r ke‹noi d£monšj e„si m£chj 5 despÒtai EÙbo…hj dourikluto…. Não se verão muitos arcos retesos, tampouco abundantes Fundas, quando Ares reunir a árdua tarefa da guerra Sobre a planície, mas sim o trabalho aflitivo da espada. 33 Lesky (1995: 136). 33 Esta é a luta em que são habilidosos aqueles 5 Lordes da Eubeia, que fazem sua fama no punho da lança. O fragmento 3 de Arquíloco nos apresenta cinco versos escritos na forma de dísticos elegíacos. O fato de o último dístico encontrar-se incompleto é uma boa indicação de que, provavelmente, haveria uma continuação a esses versos. Da mesma forma, como ocorre tantas vezes com fragmentos, não há como sabermos com certeza se não haveria, inclusive, outros versos precedendo os que sobreviveram até nós. O tema do fragmento é marcial, e seu teor, aparentemente solene. Sem sabermos a exata ocasião de performance e sem termos o restante do poema, a opção mais segura é a de ater-se ao sentido mais evidente e entender a passagem como um poema louvando a virtude guerreira dos senhores da Eubeia, cujo valor como “prÒmacoi”, guerreiros que lutam à frente e engajados em combate corpo-a-corpo, é enaltecido no fragmento. No primeiro verso do poema, o aspecto mais expressivo parece ser a aliteração em /t/ (“oÜtoi”, “tÒxa”, “tanÚssetai” e “qameiaˆ”), a qual foi recriada na tradução (“muitos”, “retesos”, “tampouco” e “abuntantes”). Há ainda uma assonância em /o/ (“oÜtoi”, “pÒll''” e “tÒxa”) compensada em Português por uma assonância em [ão] (“não” e “verão”). Ainda no primeiro verso, há uma valorização, no poema original, da negação “oÜtoi” no início do verso e do adjetivo “qameiaˆ” no final, ambos ocupando, portanto, posições de destaque. Na tradução, os vocábulos que os traduzem (“não” e “abundantes”) foram mantidos também em posição de destaque. A seguir, o verbo “sun£gV”, no segundo verso, preferiu-se traduzir por “reunir”, uma vez que ambos compartilham a ideia de juntar exércitos. Traduziu-se “mîlon” por “árdua tarefa da guerra”, levando em conta seu duplo sentido de “trabalho penoso” e, por conseguinte, de “guerra”. 34 O terceiro verso do fragmento é, sem dúvida, o ponto máximo do poema, no qual a musicalidade excepcional e o ritmo fluido da passagem, após a vírgula apresentada na edição, se casam com uma imagem de inegável força, do “trabalho aflitivo da espada”, enaltecendo ao máximo o valor do método de combate do “prÒmacoj”. Ao contrário do ritmo truncado do primeiro verso e da sonoridade variada do segundo, o terceiro verso traz um ritmo fluido e uma sonoridade marcada por sons intercalados em /o/ (“polÚstonon” e “œrgon”) e /e/ (“™n”, “ped…J”, “xifšwn”, “d′”, “œssetai”, e “œrgon”). No campo rítmico, o andamento ininterrupto se dá pela ausência de contração no bíceps de cada dáctilo e pela cesura perfeita em ambas as posições mais usuais para cesuras do hexâmetro, como se pode observar, abaixo, na escansão do verso: l w w l w w l | w| w l w w l w w l w ™n / pe / d… / J· / xi / fš / wn | d′ | po / lÚs / to / non / œs / se / tai / œr / gon· Na tradução, tentou-se compensar o efeito sonoro com assonâncias alternadas em /i/ (“sim” e “aflitivo”) e /a/ (“a”, “mas”, “trabalho”, “da”, e “espada”). Quanto ao ritmo, o andamento do metro escolhido em Português é, por natureza, fluido devido à não-utilização de espondeus. Mesmo assim, tomou-se cuidado para não empregar vírgulas em excesso ou encontros vocálicos resultantes em hiatos, a fim de manter uma maior fluidez rítmica. Inicia-se, no quarto verso, um jogo de assonâncias em /é/, com “taÚthj” principiando o verso e “m£chj” finalizando-o, ambos os vocábulos em posição de destaque dentro do verso. Em seguida, no quinto verso, encontra-se um eco dessas palavras em “EÙbo…hj”, cuja vogal de som /é/ aparece na última sílaba antes da pausa causada pela cesura. Esse efeito não pôde ser reproduzido na tradução. Por fim, no último e incompleto verso do original, traduziu-se “dourikluto…” pela perífrase “que fazem sua fama no punho da lança”, que completa o verso e, ao mesmo tempo, por ter sido expandida com uma imagem, espera-se que adicione um pouco mais de vigor à tradução, uma vez que a perífrase “famosos pela lança”, por si só, seria pobre em comparação à força que tem o vocábulo composto do original. 35 Arquíloco – Fr. 4 ¢ll' ¥ge sÝn kèqwni qoÁj di¦ sšlmata nhÕj fo…ta kaˆ ko…lwn pèmat' ¥felke k£dwn, ¥grei d' onon ™ruqrÕn ¢pÕ trugÒj· oÙd′ g¦r ¹me‹j nhfšmen ™n fulakÍ tÍde dunhsÒmeqa. Vai de caneco através das fileiras da célere nau! Vai e, dos cavos tonéis, torna a arrancar-lhes as tampas! 36 Caça esse rúbido vinho até mesmo na borra, pois nós Não poderemos ficar sóbrios nesta vigília! Os dois dísticos elegíacos que compõem o fragmento 4 de Arquíloco, malgrado não formarem um poema completo, muito bem poderiam fazê-lo. Como aponta Corrêa (1998: 102) em sua extensiva análise do fragmento, a publicação do Papiro Oxirrinco 854, apesar de ter discerníveis em si apenas algumas palavras dispersas, serve como testemunho de que o poema ao qual esses quatro versos pertenciam possuía pelo menos outros quatro. A autora sugere, ainda, que esses versos que temos completos, juntamente com o último dos versos presentes no papiro, pudessem criar uma antítese em relação aos demais que se perderam por completo. Assim, ficaria reforçada a situação irônica de soldados envolvidos em beberagem em vez de se concentrarem em proteger seu navio durante a vigília, possivelmente em território inimigo. Finalmente, Corrêa também aponta que há um contraste entre epicismos, como “sšlmata nhÕj” (“célere nau”), e um vocabulário específico e inédito à épica, como “kèqwni” (“caneco”). Partindo para uma leitura pormenorizada, podemos observar, logo de início, que o primeiro verso do original grego apresenta um jogo de sonoridade com as vogais de “qoÁj” e “nhÕj”. A relação sonora entre essas palavras, cujas vogais se posicionam de forma contrária, intensifica-se também pelo fato de “nhÕj” ser o vocábulo com que o verso se conclui e “qoÁj” ser a primeira palavra a aparecer no segundo hemistíquio, como se pode observar na escansão apresentada abaixo: l w w l f l w| w l w w l w w l w ¢ll' / ¥ / ge / sÝn / kè / qw / ni | qo / Áj / di / ¦ / sšl / ma / ta / nh / Õj As duas palavras, ademais, são separadas e também antecedidas por uma sequência de sons de /a/ (“¢ll' ¥ge” e “di¦ sšlmata”). Na tradução, tentou-se recriar o jogo na assonância em /é/ como sílaba mais forte em duas palavras com tônicas em posições diferentes (“através” e “célere”), tem torno das quais também há uma forte presença do som de /a/ (“vai”, “das fileiras da” e “nau”). 37 No verso seguinte, aproveitou-se a dificuldade de traduzir “fo…ta” senão por uma perífrase, para criar uma anáfora entre os dois primeiros versos, que de certa forma compensa também a assonância do ditongo de “fo…ta” e “ko…lwn”. Tentou-se ainda reproduzir a sequência das oclusivas /k/ e /t/ do original (“fo…ta kaˆ ko…lwn” e “pèmat' ¥felke k£dwn”) na tradução (“cavos tonéis, torna a arrancar-lhes as tampas”). Foi preferível traduzir “k£dwn” por “dos tonéis”, em vez de “das jarras”, que seria a tradução mais literal, por adequar-se melhor ao metro e à cadência das aliterações buscadas, além de também recuperar a sonoridade de “através” e “célere” do primeiro verso. Este segundo verso foi um tanto qaunto difícil de traduzir, por conta da cesura empregada no esquema métrico. Uma primeira tentativa de traduzi-lo mostrou-se um pouco confusa, como pode ser verificado na escansão apresentada a seguir: 1 2 3 4 5 6 7 | 8 9 10 11 12 13 14 Vai / e / re / tor / na, e ar / ran / ca as | tam / pas / dos / ca / vos / to / néis! A solução encontrada nesse momento anterior era indiscutivelmente pior do que a que figura na versão atual, uma vez que forçava uma cesura extremamente difícil de ser percebida e muito pouco natural. O resultado final desse verso, contudo, apresenta uma cadência muito mais limpa e mantém em “torna a arrancar” a ideia de frequência expressa pelo verbo “foit£w”: 1 2 3 4 5 6 7 | 8 9 10 11 12 13 14 Vai / e, / dos / ca / vos / to/ néis, | tor / na a ar / ran / car / -lhes / as / tam / pas! A seguir, no terceiro verso, manteve-se uma longa sequência de sons de /o/ (“o rúbido vinho”, “mesmo” e “pois”) à semelhança do texto original (“onon ™ruqrÕn ¢pÕ trugÒj”). 38 Finalmente, colocou-se “sóbrios”, como primeira palavra após a cesura do quarto verso, numa posição de destaque em seu interior, para criar um eco com “nós” no final do terceiro verso, numa tentativa de compensar o jogo de assonâncias criado no original por “nhfšmen ™n” e “fulakÍ tÍde”, o qual não se pôde recriar. Arquíloco – Fr. 5 ¢sp…di m′n Sawn tij ¢g£lletai, ¿n par¦ q£mnJ, œntoj ¢mèmhton, k£llipon oÙk ™qšlwn· aÙtÕn d' ™xes£wsa. t… moi mšlei ¢spˆj ™ke…nh; ™rrštw· ™xaàtij kt»somai oÙ kak…w. Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto à moita, Arma impecável, larguei, inda que contra a vontade. Mas me salvei! Por que iria importar-me em razão de um escudo? Que ele se vá! Depois eu compro outro em nada pior. 39 O fragmento 5 de Arquíloco trata, de forma jocosa, de um tema marcial caro à épica: o dos despojos de guerra. No poema, o eu-lírico relata como, a fim de fugir, abandonou junto a uma moita seu escudo e como esse foi tomado por um guerreiro inimigo que se vangloriou de tal feito. O descaso em relação a um armamento era certamente algo que, no mínimo, deveria causar certo estranhamento à plateia de sua época, podendo certamente induzi-la ao riso. Esse choque potencialmente cômico se dava, mormente, por dois motivos. Em primeiro lugar, devido ao fato do escudo de um soldado fazer parte do equipamento que lhe conferia o status de guerreiro. Como exemplo, pode-se lembrar a importância das armas na Ilíada, em que há uma luta pelo cadáver de Pátroclo e pelas armas de Aquiles que ele portava, a qual ocupa toda a extensão do canto XVII, ou mesmo no relato do combate das Termópilas nas Histórias de Heródoto, em que o escritor afirma ter havido uma grande luta em torno do cadáver de Leônidas (7.225), para proteger seu equipamento dos inimigos que desejavam pilhá-lo. Por outro lado, o escudo era ainda mais importante por ser uma peça usada para defender o homem ao lado na falange, como se pode observar no fragmento de Tirteu presente neste trabalho. Por conta disso, era vergonhoso abandonar seu escudo, para, livre de seu peso, bater em retirada. Como visto, o escudo é o tema central do fragmento e sua importância pode ser notada pelo fato dele ser o vocábulo que abre o poema. Infelizmente, não foi possível manter, na tradução, a palavra “escudo” na posição inicial. A única maneira de fazê-lo seria grafando-a como “’scudo”, ignorando o “e” inicial a fim de adaptar o vocábulo à estrutura métrica do poema. Mesmo com esse artifício, ainda seria muito difícil criar um verso coerente e eufônico, de modo que foi forçoso aceitar a impossibilidade de alocar o termo na posição inicial de destaque. Além de abrir o poema, o vocábulo “¢sp…di”, juntamente com “œntoj”, os quais se localizam respectivamente no começo do primeiro e do segundo verso, entram numa relação de oposição com “aÙtÕn”, posicionado no início do terceiro verso. 40 Reforça-se, dessa forma no poema original, o peso e a importância do armamento e a maneira pela qual o eu-lírico contrapunha o valor de sua própria existência a qualquer valor que o objeto tivesse. A seguir, a palavra que inicia o último verso, “™rrštw”, é também o ponto máximo dessa oposição, por culminar na ordem desferida pelo eu-lírico em relação ao escudo, “que se vá!”, de modo a afirmar a superioridade do homem sobre a ferramenta, da carne sobre o metal, da mão que brande a arma sobre a arma propriamente dita, à qual não há função nem razão de ser sem a presença do homem. Essa estrutura, na tradução, perdeu um pouco de sua força, como visto anteriormente, por conta do vocábulo “escudo” não figurar na posição inicial do primeiro verso e, por conseguinte, do próprio poema. É interessante notar, no poema original, a força sonora do segundo verso, marcado pela presença recorrente dos sons /o/ ou /ó/ em todas as palavras que o compõem. Na tradução, esse efeito sonoro, que acentua a solenidade inicial com que o escudo é apresentado, foi compensado por rimas internas em “ei”, nas palavras “larguei” e “salvei”, retomando também a sonoridade do mesmo ditongo presente no original nas palavras “mšlei” e “™ke…nh” do terceiro verso. Por fim, um último fator interessante que pode ser notado é a ausência de caracterização do rival do eu-lírico que lhe rouba o escudo. Ao contrário da épica, onde era praxe elencar diversas qualidades nobres do adversário do herói, além de seus feitos e bravura em combate, o que transparece aqui é a desvalorização da identidade do oponente, a quem o poema se refere apenas como “um saio”, ninguém específico e digno de nota. Na mesma proporção em que a caracterização extensa e louvável do inimigo do herói era importante na épica, em um poema cômico como esse, a ausência desses elementos faz com que a situação se torne ainda mais risível, baixa e indigna. 41 42 Mimnermo Floresceu no final do século VII antes de Cristo, tendo vivido na Ásia Menor durante um período marcado por lutas contra a dominação dos reis Lídios. Parte de sua obra é dedicada a concitar seus concidadãos à resistência, mas foi melhor lembrado pela posteridade por seus poemas que celebram as alegrias do amor e da juventude. 34 Mimnermo – Fr. 1 t…j d′ b…oj, t… d′ terpnÕn ¥ter crusÁj 'Afrod…thj; teqna…hn, Óte moi mhkšti taàta mšloi, kruptad…h filÒthj kaˆ me…lica dîra kaˆ eÙn», oŒ' ¼bhj ¥nqea g…netai ¡rpalša 5 ¢ndr£sin ºd′ gunaix…n· ™peˆ d' ÑdunhrÕn ™pšlqhi gÁraj, Ó t' a„scrÕn Ðmîj kaˆ kalÕn ¥ndra tiqe‹, a„e… min fršnaj ¢mfˆ kakaˆ te…rousi mšrimnai, oÙd' aÙg¦j prosorîn tšrpetai ºel…ou, ¢ll' ™cqrÕj m′n pais…n, ¢t…mastoj d′ gunaix…n· 34 West (1993: xii). 43 10 oÛtwj ¢rgalšon gÁraj œqhke qeÒj. Onde há existência e prazeres na ausência da áurea Afrodite? Não, eu prefiro morrer quando amainar o meu zelo Por amizades secretas, presentes amáveis e o leito; Essas são flores que vêm na juventude, desejo 5 Para mancebos e moças, mas quando é chegada a velhice Plena de dores, que faz feio até um homem que é belo, Preocupações importunas lhe assolam o entorno da mente, E ele não tem mais prazer, nem vendo o brilho do Sol. Torna-se odioso pros jovens e infame aos olhos das moças. 10 De tal maneira o deus fez dolorosa a velhice. O fragmento 1 de Mimnermo, assim como o 395 de Anacreonte, apresenta o tema da velhice e de seus efeitos desagradáveis sobre o homem. O texto é dividido, basicamente, em duas partes, a partir do meio do quinto verso, cortando o poema em duas metades de tamanho quase idêntico. Na primeira, o eu-lírico discursa a respeito das atividades e dos desejos da juventude; de como ele preza por elas e deseja morrer quando não mais as desejar. Em seguida, enumera até o final do poema os diversos efeitos que a velhice causa sobre o homem, culminando com a asserção de que o deus a fez de tal maneira dolorosa. Passando, então, para o comentário do poema e da tradução, no primeiro verso do texto grego, há uma repetição do pronome interrogativo “t…j” (estando na forma neutra, “t…”, na segunda ocasião) e da partícula “dš”. Esse recurso dá um peso e uma importância maior, pelo acúmulo de interrogações, ao restante da pergunta do eu-lírico. Na tradução, esse efeito só conseguiria ser reproduzido com a substituição de “prazeres” por algum sinônimo que, alfim, acabaria desvirtuando o sentido da palavra por algo menos abrangente e mais específico. Por conta disso, preferiu-se manter o vocábulo, posto que ele também intensifica a assonância em /e/ criada em português com as palavras “existência” e “ausência”. Dessa forma, tentou-se compensar o efeito original do texto grego que não pôde ser recriado na tradução. 44 Ainda no primeiro verso do texto grego, observa-se uma intensa repetição das alveolares /t/ e /d/ (“t…j”, “d′”, “t…”, “d′”, “terpnÕn”, “¥ter”, e “'Afrod…thj”), de modo a antecipar e reforçar o final do verso, em que há a enunciação de “Afrodite”, palavra na qual as duas consoantes se fazem presentes. Em português, buscou-se compensar esse efeito com uma sequência de “a”s (“na”, “ausência”, “da”, “áurea” e “Afrodite”), com a mesma intenção de avigorar o nome da deusa, iniciado por essa vogal. Em seguida, no segundo verso, ocorre no texto original uma repetição de /m/ nos vocábulos “moi”, “mhkšti” e “mšloi”. Nessa ocasião, foi possível recriar o efeito, que pode ser observado nas palavras “morra”, “amainar” e “meu”. Por sua vez, no quarto verso do poema de Mimnermo, há, além da metáfora das “flores da juventude”, a ocorrência de um efeito peculiar nas palavras “¥nqea” e “¡rpalša”, não apenas pelo fato de ambas serem iniciadas e terminadas pela vogal “a”, também por conta de que o segundo vocábulo, traduzível literalmente como “desejadas”, retoma e qualifica o primeiro termo, “flores”. Dessa forma, soube o poeta intensificar a relação entre o objeto de que falava e a característica que quis lhe conceder por meio da semelhança de seus significantes. Esse efeito não pôde ser recriado na tradução, de modo que apenas se pôde tentar compensá-lo com a sequência de constritivas fricativas “flores”, “vêm”, “juventude” e “desejo”, na qual a labiodental surda /f/, de “flores”, é seguida pela sonora /v/ de “vêm” e de “juventude”, cuja palatal sonora /j/ é retomada, finalmente, em “desejo”. No quinto verso, por necessidades métricas, tomou-se a liberdade de traduzir “¢ndr£sin” por “mancebos” e “gunaix…n” por “moças”. Literalmente, contudo, os termos referem a “homens” e “mulheres”. Mais adiante, no nono verso do texto grego, ocorre uma assonância em /i/, além de uma repetição do som de /s/ seguido de /i/ em duas dessas ocasiões (“pais…n”, “¢t…mastoj” e “gunaix…n”). Na impossibilidade de reproduzir esse efeito quid pro quo, ele foi compensando por uma assonância em /ó/ (“jovens”, “aos” e “olhos”), introduzida e terminada por sons de /ô/ (“odioso” e “moças”), que lhe conferem uma gravidade maior. Nesse verso, “gunaix…n”, que literalmente significa “às mulheres”, 45 foi traduzido pela metonímia “aos olhos das moças”, especialmente para o fim de produzir o efeito supracitado e compensar a assonância perdida do texto original. Finalmente, no último verso do texto grego, há uma repetição de /th/ nas últimas palavras do verso, a saber, “œqhke” e “qeÒj”, na qual o som de /k/ de “œqhke” serve para intensificar ainda mais o efeito buscado pelo poeta. Essa intensificação ocorre tanto por contraste quanto por similaridade: por contraste, porque o local de articulação do primeiro dos sons é alveolar e o do segundo, velar; por similaridade, porque ambos os sons são produzidos a partir de uma oclusão surda. Na tradução, foi possível apenas criar uma repetição de /d/ nos vocábulos “ancianidade” e “deus”, que de certa forma compensa e recria ao mesmo tempo a original em /th/, por serem semelhantes, mas que certamente não tem a mesma força do texto grego. Mimnermo – Fr. 2 ¹me‹j d', oŒ£ te fÚlla fÚei polu£nqemoj érh œaroj, Ót' ay' aÙgÁij aÜxetai ºel…ou, to‹j ‡keloi p»cuion ™pˆ crÒnon ¥nqesin ¼bhj terpÒmeqa, prÕj qeîn e„dÒtej oÜte kakÕn 5 oÜt' ¢gaqÒn· KÁrej d′ parest»kasi mšlainai, ¹ m′n œcousa tšloj g»raoj ¢rgalšou, ¹ d' ˜tšrh qan£toio· m…nunqa d′ g…netai ¼bhj karpÒj, Óson t' ™pˆ gÁn k…dnatai ºšlioj. aÙt¦r ™p¾n d¾ toàto tšloj parame…yetai érhj, 10 aÙt…ka d¾ teqn£nai bšltion À b…otoj· 46 poll¦ g¦r ™n qumîi kak¦ g…netai· ¥llote okoj trucoàtai, pen…hj d' œrg' Ñdunhr¦ pšlei· ¥lloj d' aâ pa…dwn ™pideÚetai, ïn te m£lista ƒme…rwn kat¦ gÁj œrcetai e„j 'Adhn· 15 ¥lloj noàson œcei qumofqÒron· oÙdš t…j ™stin ¢nqrèpwn ïi ZeÝj m¾ kak¦ poll¦ dido‹. Somos semelhos às folhas que nascem na flórea estação Primaveril, a crescer junto do brilho do Sol. Na florescência dos anos mais tenros, assim como elas Temos deleite sem ver, vindo dos deuses, o mal 5 Ou mesmo o bem. Mas as Queres escuras se põem junto a nós. Uma pretende trazer-nos a velhice aflitiva; A outra, a morte. Pois, da juventude nos são muito breves Todos os frutos; só se há Sol sobre a terra eles duram. Quando a estação transcorrida se encontra já perto do fim, 10 De imediato é melhor ter-se a morte que a vida, Pois vêm ao ânimo inúmeros males. Às vezes a casa Vai à ruína e então vive-se em dura pobreza. Ou se carece de filhos e assim anelando por eles Sobremaneira se vai pro subtérreo Hades. 15 Ou a doença destrói-o no ânimo. Dentre os mortais, Não há alguém a quem Zeus não dê inúmeros males. O fragmento 2 de Mimnermo traz uma reflexão a respeito do símile homérico (VI.146-9) que compara a geração de homens à sucessão de folhas na copa de uma árvore. No entanto, ao contrário do que acontece na Ilíada, aqui ela é tratada de modo pessoal e vista como algo de caráter pesaroso, por expressar a brevidade da juventude e os males da velhice. Ao ler o primeiro verso desse poema, talvez o elemento que nos chame mais a atenção seja a aliteração em /ph/ (e /p/) de “fÚlla”, “fÚei” e “polu£nqemoj”, palavras as quais trazem ainda na relação entre si uma repetição do som /u/. Na impossibilidade de 47 recriar esse efeito na tradução sem alterar em demasia o conteúdo do verso, procurou-se compensá-lo pela aliteração em /f/ de “flores” e “flórea”, buscando recriar o efeito suave da aspiração de /ph/. Além disso, há uma longa sequência de sons de /s/, ao longo deste e do segundo verso, que culmina em “Sol”, cujo nome é iniciado por esse som, de modo a também compensar, de certa forma, a repetição do ditongo inicial de “aÙgÁij” e “aÜxetai” do texto grego. Em seguida, no terceiro verso do poema original, pode-se observar uma aliteração em /k/ nas palavras “‡keloi”, “p»cuion” e “crÒnon”. Na tradução, houve uma dificuldade ao se trabalhar com o termo “juventude”, que oferecia uma tradução mais literal, mas demandaria um hipérbato (“da juventude nas flores”), devido à extensão do vocábulo, cuja inclusão no esquema métrico só se obteria a duras penas e ainda assim forçando uma sílaba tônica na preposição “da” que a precede. Assim, preferiu-se uma tradução um pouco mais livre, substituindo “juventude” por “anos mais tenros”, perífrase que permitiu uma liberdade maior para a escolha de termos mais ricos e de sonoridade adequada ao verso, como “florescência”. Continuando a leitura, no verso seguinte do texto grego, encontra-se não apenas uma repetição de /p/ nas palavras consecutivas “terpÒmeqa” e “prÕj”, mas também uma espantosa quantidade de outras consoantes oclusivas (“terpÒmeqa”, “prÕj”, “qeîn”, “e„dÒtej”, “oÜte” e “kakÕn”), as quais fazem com que o ritmo do verso fique bastante truncado, refletindo, talvez, a dificuldade dos homens, expressa no conteúdo do texto, de ver o que é bom e o que é ruim dentre aquilo que os deuses lhes mandam. Na tradução, a sequência de oclusivas que se pôde recriar, infelizmente, foi menor, mas está presente nos vocábulos “deleitamos”, “vindo”, “dos” e “deuses”. A presença das vírgulas separando as palavras “vindo dos deuses”, porém, serve para truncar um pouco mais a fluência da leitura e fortalecer o trabalho das consoantes oclusivas que ali aparecem em menor número. Essa forte presença de oclusivas e ritmo truncado aparece em quase todos os versos seguintes e, sempre que possível, foi recriada na tradução. Por conta disso, só serão comentadas adiante as aliterações mais específicas ou significativas de modo pontual. No verso seguinte, algo semelhante acontece, mas de forma mais condensada no meio do verso com “KÁrej d′ parest»kasi”, de modo a valorizar a oclusiva /k/ pela qual 48 “KÁrej” é iniciada. Na tradução, foi mais simples de obter um efeito parecido, uma vez que se pôde traduzir “mšlainai” por “escuras” e fazer com que esse vocábulo estivesse ao lado de “Queres”, criando uma aliteração em /k/. Adiante, no sexto verso do poema de Mimnermo, pode-se observar uma aliteração em /g/ nos vocábulos “g»raoj” e “¢rgalšou”, a qual faz com que a ligação do segundo com o primeiro se torne ainda mais significativa e correspondente. Em Português, esse efeito foi compensado pelo uso das constritivas /f/ e /v/ em “velhice” e “aflitiva” e pela assonância em /i/ das mesmas. Por fim, no décimo verso, há uma longa repetição de /t/ nos vocábulos “aÙt…ka”, “teqn£nai”, “bšltion” e “b…otoj”, além de uma aliteração em /b/ nos dois últimos desses. Na tradução, figuram repetições de /t/ e /d/ na tentativa de compensá-las, como se pode observar nos vocábulos “de”, “imediato”, “ter”, “morte” e “vida”. Mimnermo – Fr. 5 ¢ll' ÑligocrÒnion g…netai ésper Ônar ¼bh tim»essa· tÕ d' ¢rgalšon kaˆ ¥morfon gÁraj Øp′r kefalÁj aÙt…c' Øperkršmatai, ™cqrÕn Ðmîj kaˆ ¥timon, Ó t' ¥gnwston tiqe‹ ¥ndra, 5 bl£ptei d' ÑfqalmoÝj kaˆ nÒon ¢mficuqšn. Mas, como um sonho pontual, dura brevíssimo tempo A juventude preciosa. Não tarda a aflitiva e disforme Ancianidade a impender por sobre nossas cabeças, Sem honra alguma e odiosa ela torna um homem ignoto, 49 5 Lesa o intelecto e a visão quando é vertida ao redor. O fragmento de número 5 de Mimnermo traz novamente o tema da brevidade da juventude e vileza da velhice. O primeiro verso do fragmento muito provavelmente não era o início do poema original, uma vez que se trata do pentâmetro da elegia, o qual é, de modo geral, sempre posto nos versos pares de um poema, sendo antecedido pelo hexâmetro. No primeiro verso dessa elegia de Mimnermo, pode-se observar um efeito muito empregado pelo poeta, como pode ser visto nos demais poemas atribuídos a ele e presentes neste trabalho: o de encontrar um adjetivo que repita a sonoridade ou forma daquilo a que ele pretende referir-se. O adjetivo em questão é “ÑligocrÒnion”, que qualifica “Ônar” e cria uma assonância em /o/. Na tradução, o mais próximo disso que se pôde chegar foi reproduzir o som inicial de “sonho” em “pontual”, cuja sonoridade é de certa forma ainda prenunciada por “como”. No segundo verso da tradução, foi preciso antecipar a tradução de “aÙt…c'”, “não tarda” do verso seguinte, por conta de satisfazer as necessidades do metro adotado. Essa antecipação não foi muito danosa, uma vez que foi possível ainda manter os vocábulos que traduzem “¼bh” (“juventude”), “¥morfon” (“disforme”) e “gÁraj” (“ancianidade”) em posição de destaque no início ou final de verso tal qual ocorrem no texto grego. Outros vocábulos significativos em posição de destaque, no entanto, não puderam ser mantidos em tal posição no texto português, a saber, a tradução de “Ônar” (“sonho”) no primeiro verso, a de “¥ndra” (“homem”) no quarto verso e a de“™cqrÕn” (“odiosa”) também no mesmo verso que a anterior. Todavia, no caso dessa última, “™cqrÕn”, a tradução (“sem honra alguma”) de outro adjetivo (“¥timon”) referente ao mesmo objeto foi colocada em posição de destaque, de modo que o efeito não foi de todo perdido. Adiante, do segundo para o terceiro verso, há no texto grego um efeito da mesma espécie que o observado anteriormente nos vocábulos “¢rgalšon” e “gÁraj”, os quais são recorrentes na poesia de Mimnermo em conjunto. Numa outra ocasião em que 50 eles ocorreram em um dos poemas do corpus deste trabalho (Fr.2), “gÁraj” foi traduzido por “velhice”, para criar um jogo de sonoridade com “aflitiva”, tradução de “¢rgalšon”, por conta de ambas serem consoantes com o mesmo local de articulação e, deste modo, semelhantes. No poema atual, contudo, não foi possível traduzir “gÁraj” por “velhice” devido ao local em que ela ocorre no texto. Era preciso uma palavra que pudesse ter sua sílaba inicial acentuada no ritmo do texto, de modo que “ancianidade” acabou por ser sua tradução. O efeito de semelhança sonora, no entanto, não foi completamente perdido, uma vez que “¥morfon” foi traduzido por “disforme”, repetindo o /f/ de “aflitiva”. Ainda no terceiro verso, há uma repetição gramaticalmente desnecessária de “Øpšr”, partícula a qual aparece ainda no verbo a que ela se refere, “Øperkršmatai”. Essa repetição de “Øpšr” certamente foi feita pelo poeta com a intenção de intensificar a gravidade da posição na qual a ancianidade se encontra em relação aos homens. Na tradução, esse efeito foi compensado pela adição de “por”, antecedendo “sobre”, tradução de “Øpšr”, de modo a realçá-lo. Por fim, no quarto verso do texto original, pode-se ver novamente o emprego do primeiro efeito analisado nesse comentário: o da repetição do som de um nome no adjetivo que o qualifica. Neste caso, o adjetivo é “¥gnwston” e o nome a que ele se refere é “¥ndra”. Na tradução, esse efeito foi recriado nos vocábulos que traduzem “¥gnwston” e “¥ndra”: “ignoto” e “homem”. Essa recriação, contudo, não é perfeita, uma vez que o primeiro “o” de “homem” às vezes é lido como /o/ e às vezes como /ó/. 51 Mimnermo – Fr. 12 'Hšlioj m′n g¦r œlacen pÒnon ½mata p£nta, oÙdš pot' ¥mpausij g…netai oÙdem…a †ppois…n te kaˆ aÙtîi, ™peˆ ∙odod£ktuloj 'Hëj 'WkeanÕn prolipoàs' oÙranÕn e„sanabÁi. 5 tÕn m′n g¦r di¦ kàma fšrei polu»ratoj eÙn», koi…lh, `Hfa…stou cersˆn ™lhlamšnh, crusoà tim»entoj, ØpÒpteroj, ¥kron ™f' Ûdwr eÛdonq' ¡rpalšwj cèrou ¢f' `Esper…dwn ga‹an ™j A„qiÒpwn, †na d¾ qoÕn ¤rma kaˆ †ppoi 52 10 ˜st©s', Ôfr' 'Hëj ºrigšneia mÒlhi· œnq' ™pšbh ˜tšrwn Ñcšwn `Uper…onoj uƒÒj. Todos os dias o fado do Sol é lidar na labuta. Não lhe é possível parar. Nunca lhe dão um descanso, Nem pros cavalos que tem, dês que a Aurora de dedos rosados Alça-se em rumo do céu, vinda do vasto Oceano. 5 Ele é levado no meio das ondas num tálamo amável, Cavo e que foi pelas mãos hábeis de Hefesto perfeito De ouro precioso e alado. Por cima das águas, na altura, Sono profundo a dormir, vai-se das terras hespérias Rumo ao cantão etiópio, onde seu carro e cavalos 10 Põem-se até a Aurora chegar, filha do amanhecer. Lá então o filho de Hipérion monta em seu outro veículo. O fragmento 12 de Mimnermo trata da rotina do Sol e de como ele perfaz seu caminho no céu e sobre a terra. É interessante notar como, apesar do poeta afirmar que não há descanso para Hélios, esse passa o tempo todo dormindo sobre seu carro enquanto os cavalos o levam de um canto da Terra conhecida a outro. Isso poderia tanto indicar uma ironia do poeta, como uma diferente visão e pensamento em relação ao que se considera trabalho para os deuses. Fora isso, é interessante notar que o fragmento que temos termina em um hexâmetro, o que é um forte indício de que haveria pelo menos mais um verso no poema original. No primeiro verso do texto grego, o poeta se utilizou de um efeito que, pela frequência com que aparece em sua obra, devia ser-lhe caro. Trata-se do uso de uma palavra com sonoridade semelhante a outra, à qual essa primeira se liga sintaticamente. No caso atual, ocorre a repetição de parte do som de “'Hšlioj” no verbo “œlacen”, que aparece um pouco a frente no verso e do qual “Hšlioj” é o sujeito. Na tradução, pôde-se aproveitar a líquida /l/ de “Sol” e repeti-la em seguida nos vocábulos “labuta” e “lidar”, de modo a recriar o efeito de forma semelhante, porém não idêntica. Ademais, há a repetição de /d/ em “lidar”, “todos” e “dias”, compensando a repetição de /t/ também em “½mata” e “p£nta”. 53 Em seguida, no segundo verso, pode-se observar a repetição de /p/ em “pot'” e “¥mpausij”, recriada em “possível” e “parar”. Adiante, no quarto verso do poema, há uma estruturação interessante do conteúdo. O poeta escolheu compor o verso com apenas quatro palavras, seguindo a ordenação: complemento - verbo, complemento - verbo. Em Português, devido à necessidade de uma quantidade muito maior de palavras para expressar a mesma ideia, foi impossível manter essa simplicidade loquaz que o Grego apresenta. Para compensar a perda e embelezar o verso em Português, adicionou-se o adjetivo “vasto” que cria uma aliteração em /v/ com “vinda”. Por dificuldades métricas, também se adicionou o termo “hábeis” com relação às mãos de Hefesto no sexto verso do poema, o qual não se encontra no original. Por curiosidade comparativa, como o poema é curto e as mudanças até a versão atual foram muitas e proveitosas, adiciono aqui uma versão anterior da tradução, a qual apresentei durante a defesa do mestrado. Ela é mais literal e de uma fluência menor que o texto final que se leu acima, uma vez que a literalidade só fora mantida às custas de um número maior de inversões e de casos em que se encaixaram os acentos métricos do verso em sílabas subtônicas das palavras. Fora isso, figurava nela também o uso do termo “dedirrósea”, cunhado por Odorico Mendes, como tradução para “∙odod£ktuloj”: De Hélios o fado é lidar na labuta por todos os dias, E não lhe há pausa qualquer, nunca e de forma nenhuma, Para os cavalos tampouco, dês que a dedirrósea Aurora, Do Oceano a partir, alça-se em rumo do céu. 5 Por entre as ondas, um amabilíssimo tálamo o leva, Cavo, que houve ser feito, por mãos de Hefesto, De ouro precioso, alado. No alto, por sobre a água, Sono profundo a dormir, vai-se do solo hespérico Rumo à terra etiópia, onde seu carro e cavalos 10 Põem-se até a Aurora chegar, filha do amanhecer. Lá então o filho de Hipérion monta em seu outro veículo. 54 Mimnermo Fr. 14 oÙ m′n d¾ ke…nou ge mšnoj kaˆ ¢g»nora qumÕn to‹on ™mšo protšrwn peÚqomai, o† min ‡don Ludîn ƒppom£cwn pukin¦j klonšonta f£laggaj “Ermion ¨m ped…on, fîta feremmel…hn· 5 toà m′n ¥r' oÜ pote p£mpan ™mšmyato Pall¦j 'Aq»nh drimÝ mšnoj krad…hj, eâq' Ó g' ¢n¦ prom£couj seÚaiq' aƒmatÒen<toj ™n> Øsm…nhi polšmoio, pikr¦ biazÒmenoj dusmenšwn bšlea· oÙ g£r tij ke…nou dh…wn œt' ¢meinÒteroj fëj 10 œsken ™po…cesqai fulÒpidoj kraterÁj œrgon, Ót' aÙgÁisin fšret' çkšoj ºel…oio 55 O ânimo viripotente e o vigor daquele homem não eram Tais, como contam os mais velhos que eu, que o viram Afugentar densas filas de lídios guerreiros montados, Lança brilhante nas mãos, sobre a planície de Hermo: 5 Palas Atena sequer em momento algum reprovou O acre vigor de seu cor, quando ele junto à vanguarda Arremetia em rumo ao combate da guerra sangrenta, Pondo-se a brutalizar todas as flechas imigas. Pois não havia um homem melhor dentre seus inimigos 10 Em praticar o labor da violenta batalha, Acometendo ao lado dos raios do célere Sol. O fragmento 14 de Mimnermo aparenta ser um encômio a um herói que praticou grandes feitos em combate. Ele se inicia com uma negação, a qual provavelmente estava relacionada ou a um contexto específico de performance, no qual o poeta compararia o valor do guerreiro com os de seus pares, ou a versos aos quais nós não temos acesso. No segundo verso do texto, há uma aliteração em /p/ que pode ser observada em “protšrwn” e “peÚqomai”. Essa sequência de plosivas vem logo após a negação que o eu-lírico faz a respeito do vigor desse grande guerreiro que morreu antes de seu tempo, de modo que ela parece enfatizar seu caráter violento. Ela ainda é retomada no terceiro verso com “ƒppom£cwn”, “pukin¦j” e “f£laggaj”; no quarto verso com “ped…on”, “fîta” e “feremmel…hn”; e no quinto verso com “pote”, “p£mpan” e “Pall¦j”. Infelizmente, na tradução, não foi possível recriar esse efeito tal como ele aparece no texto grego. Porém, há alguns outros efeitos na tradução que servem para compensá-lo quanto ao valor poético do texto. Ainda que não tenham a mesma sonoridade da aliteração do texto original, eles trabalham para a mesma finalidade. Entre esses efeitos, podem-se citar a aliteração em /v/ no primeiro verso (“viripotente” e “vigor”) que é ainda retomada no segundo verso (“velhos” e “viram”), a repetição de /f/ no terceiro (“afugentar” e “filas”) e a de /b/ no quarto (“brilhantes” e “sobre”). 56 Adiante, o sexto verso do poema traz um início bastante truncado, com a vibrante alveolar /r/ em “drimÝ” e “krad…hj”, além da repetição de /d/ nesses dois vocábulos. A adição de “mšnoj” entre essas duas palavras produz um momento de maior expansão sonora, pela repetição de /m/ nessa palavra e na que a antecede, “drimÝ”. O ritmo se torna truncado novamente com “krad…hj”, tanto pelas características mencionadas quando pela presença da velar surda /k/. Na tradução, esse efeito foi compensado de uma forma parecida, porém não idêntica. Há uma forte presença de /r/, tanto numa posição semelhante à do texto grego (em “acre”), quanto no final de dois vocábulos (“vigor” e “cor”). A repetição de /d/ do original foi compensada por uma repetição de /k/ (“acre” e “cor”). Além disso, o momento de maior expansão entre os dois vocábulos de sonoridade semelhante foi recriado com a inserção de “vigor”, cuja velar sonora /g/ e a própria vogal /o/ contribuem para enfatizar da passagem. Ainda nesse verso, preferiu-se traduzir “krad…hj” por “cor”, uma vez que “coração” não caberia no verso, do que por algum outro vocábulo menos acurado. Pareceu mais interessante manter a intenção original da palavra e, ao mesmo tempo, criar a relação já mencionada entre “vigor” e “acre”. No verso seguinte do texto grego, há uma repetição do ditongo [ai] em “seÚaiq'” e “aƒmatÒen”. Esse efeito foi compensado por uma repetição de /R/ em “arremetia”, “rumo” e “guerra”. Por fim, no oitavo verso do poema de Mimnermo, pode-se ver uma aliteração em /b/ nos vocábulos “biazÒmenoj” e “bšlea”. Essa aliteração foi recriada até certo ponto pela sequência de plosivas bilabiais /p/ e /b/ em “pondo” e “brutalizar”. 57 58 Sólon Nascido em Atenas em 640 antes de Cristo, foi um poeta e estadista de grande renome. 35 Viveu durante intensas lutas sociais, tendo estabelecido novas leis para os atenienses a seu pedido. Usou sua poesia tanto para defender suas ações como político quanto para alertar seus concidadãos do perigo de caírem sob o jugo de uma tirania, presságio que acaba, mais tarde, se confirmando quando Pisístrato toma o poder. 36 Sólon – Fr. 5 d»mwi m′n g¦r œdwka tÒson gšraj Ósson ™parke‹n, timÁj oÜt' ¢felën oÜt' ™porex£menoj· o‰ d' econ dÚnamin kaˆ cr»masin Ãsan ¢ghto…, kaˆ to‹j ™fras£mhn mhd′n ¢eik′j œcein· 5 œsthn d' ¢mfibalën kraterÕn s£koj ¢mfotšroisi, nik©n d' oÙk e‡as' oÙdetšrouj ¢d…kwj. Tantas vantagens eu dei quantas cri suficientes ao povo; Não acresci nem tirei nada da honra que tinha. Aos que detinham poder, os que eram invejados por posses, 35 Lesky (1995: 149). 36 Herodotus (Histories, 1.29). 59 Fiz igualmente menção de não sofrerem injúria. 5 Pus-me entre eles com rígido escudo, cobrindo a ambos, Sem permitir que nenhum com injustiça vencesse. O fragmento 5 de Sólon apresenta a estrutura de uma elegia e discursa acerca da natureza das ações do poeta, as quais provavelmente se referem a seu trabalho como legislador. Os seis versos do fragmento se dividem em três seções de igual número de versos. Na primeira parte, o eu-lírico defende sua postura com relação ao povo, dizendo que não lhe acresceu nem lhe tirou de sua honra. Em seguida, nos versos mediais, ele trata dos poderosos de maneira semelhante, ainda que somente diga que fez atenção de não permitir que sofressem injúria. Por fim, o eu-lírico afirma que se pôs entre os dois grupos, sem deixar que nenhum obtivesse vantagens em cima do outro com injustiça. No primeiro verso do poema, ocorre no texto original um eco bastante eloquente pelo emprego das palavras “tÒson” e “Ósson”, que são divididas pelo vocábulo “gšraj”, de modo a amainar o efeito do eco para que seja aprazível, e não uma repetição desagradável. Na tradução, o único efeito mais ou menos semelhante nesse primeiro verso é o eco criado entre “tantas” e “quantas”. O quarto verso do texto grego é, certamente, o mais belo do texto em termos sonoros. Ocorrem, em sucessão nele, dois jogos de sonoridade muito peculiares: a assonância do final do vocábulo “™fras£mhn” com o início de “mhd′n” e a similaridade de som de “¢eik′j” com “œcein”. Esses efeitos, infelizmente, não puderam ser recriados na tradução, mas foram compensados de forma razoavelmente significativa no mesmo verso em Português, com a homofonia entre “igualmente” e “menção”. O verso seguinte da tradução, por sua vez, compensa um pouco mais, com uma sonoridade fortemente marcada pela repetição de /d/ em “rígido escudo”, sendo o primeiro desses vocábulos ainda mais marcadamente por ser uma proparoxítona. Há, por fim, alguns vocábulos importantes em posição de destaque em início e final de verso no texto original. A saber, são eles: “d»mwi”, “timÁj”, “¢ghto…”, “œsthn”, “¢mfotšroisi”, “nik©n” e “¢d…kwj”. Na tradução, foi possível manter apenas a tradução dos seguintes: “d»mwi” (“povo”, que foi, no entanto, deslocado para 60 o final do verso), “œsthn” (“pus-me”), “¢mfotšroisi” (“a ambos”) e “nik©n” (“vencesse”, também deslocado do início para o final do verso em que se encontra). Sólon – Fr. 9 ™k nefšlhj pšletai ciÒnoj mšnoj ºd′ cal£zhj, bront¾ d' ™k lamprÁj g…gnetai ¢steropÁj· ¢ndrîn d' ™k meg£lwn pÒlij Ôllutai, ™j d′ mon£rcou dÁmoj ¢idr…V doulosÚnhn œpesen. 5 l…hn d' ™x£rant' <oÙ> ∙®diÒn ™sti katasce‹n Ûsteron, ¢ll' ½dh cr¾ <tina> p£nta noe‹n. Parte das nuvens o viço da neve e da chuva de pedras, Brame o trovão ao nascer, vindo de um raio brilhante: Vai-se à ruína a cidade de homens grandiosos e o povo Cai como escravo de um rei, só por sua própria tolice. 5 Quando se o ergue às alturas mais tarde é difícil paráLo. É agora que se há tudo de considerar. 61 O fragmento 9 de Sólon apresenta uma elegia na qual o eu-lírico faz uma reflexão a respeito do tema de causa e efeito, com a intenção de apresentar a seus concidadãos o resultado nefasto que se tem a partir da ação de erguer-se um homem demasiadamente alto, numa previsão da tirania de Pisístrato. O poema pode ser dividido em três momentos de igual número de versos. No primeiro e no segundo verso, o poeta mostra a causa e efeito de alguns fenômenos naturais potencialmente destrutivos, como o granizo e o relâmpago. Em seguida, nos dois versos mediais, fala-se de um povo caindo sob o jugo de um monarca e de uma cidade de homens grandiosos sendo destruída. Por fim, nos versos finais do poema, o poeta conclui com a asserção de que, quando se ergue um homem muito alto, fica difícil contê-lo mais tarde, de modo que é preciso considerar o resultado de cada decisão antes de se vivenciar seu resultado. Assim como os que o seguem, o primeiro verso desse poema de Sólon apresenta uma sonoridade forte e marcante. Contudo, ao contrário dos demais, ele é o único cujo ritmo é verdadeiramente fluido, por conta da ausência de espondeus em seus pés, como pode ser observado na escansão apresentada abaixo: l w w l w w l | w w l w w l w w ™k / ne / fš / lhj / pš / le / tai | ci / Ò / noj / mš / noj / º / d′ / ca / l£ / zhj, l l Como o metro escolhido para traduzi-lo em Português não permite uma variação entre dáctilos e espondeus, essa diferenciação de fluidez precisou ser buscada no campo da sonoridade, com uma sequência de sons de /v/ ao longo do verso (“nuvens”, “viço”, “neve” e “chuva”) e assonâncias em /u/ e /é/ intercaladas (“nuvens”, “neve”, “chuva” e “pedras”). Desse modo, espera-se ter compensado esse efeito e também o da assonância em /e/ encontrado no original (“™k”, “nefšlhj”, “pšletai”, “mšnoj” e “ºd′”). 62 No verso seguinte, há uma presença notável da alveolar /r/ antecedida por outra consoante em “bront¾” e “lamprÁj”, o que intensifica ainda mais a característica plosiva de /p/ e /b/ que, no texto original, aparecem juntamente ao /r/. Esse efeito é reforçado ainda pela palavra “¢steropÁj”, que ocorre mais adiante no verso, retomando o som plosivo e o líquido das que o sucederam, além da assonância em /é/. Tentou-se recriar esse efeito na tradução com os vocábulos “brame” e “trovão”, de modo a evocar a sonoridade do original, que tenta imitar o som descrito. Do penúltimo para o último verso do poema, ocorre um enjambement que, pela sua eloquência, merece atenção. Nesse verso, o eu-lírico discorre justamente a respeito da dificuldade que se tem de refrear um homem quando se o ergue alto demais. O enjambement que ali ocorre é justamente uma extensão do sentido, como se o próprio conteúdo do poema fosse difícil de conter e extravasasse para o verso seguinte. O poeta soube, dessa forma, aproveitar a forma do poema para intensificar a força da ideia que queria transmitir a seus ouvintes/leitores. Esse efeito foi recriado na tradução, como se pode observar durante a leitura desses dois últimos versos. Sólon – Fr. 16 gnwmosÚnhj d' ¢fan′j calepètatÒn ™sti noÁsai mštron, Ö d¾ p£ntwn pe…rata moànon œcei. Nada é mais árduo do que discernir do saber a medida Inaparente, a qual, só, porta os fins para tudo. O fragmento 16 de Sólon apresenta um único dístico na forma de uma reflexão a respeito de um tema específico, que no caso é o do conhecimento. Um dos usos comuns da elegia era justamente para este fim: o de fazer uma asserção ou uma reflexão acerca de um assunto caro ao pensamento da época. 63 A característica mais marcante desse dístico de Sólon é o enjambement que termina logo no início do segundo verso, de modo a apenas dar a ilusão de que o primeiro verso é mais longo e pesado do que realmente é. Esse efeito, preservado na tradução, faz com que haja uma assimetria ainda maior entre o primeiro e o segundo verso do dístico, que, por natureza, já têm extensões diferentes, sendo o primeiro maior do que o segundo. O enjambement acentua ainda mais essa característica, reforçando a dificuldade enunciada pelo eu-poético de se compreender a medida inaparente do saber. O restante do segundo verso, após a única palavra que compõe o cavalgamento, tem uma unidade própria de sentido, cuja significância, por determinar a natureza da dificuldade expressa na primeira parte do dístico, serve de contrapeso para a aparente assimetria do poema. Dessa forma, criou o poeta um todo coeso, harmônico e significativo, por ter sabido distribuir artificiosamente o conteúdo na forma, de modo a ilustrar a longa e árdua busca por algo, seguida pela simplicidade rica de significado do momento da descoberta. Quanto às palavras em posição de destaque no verso, há, sem dúvida, pelo menos duas: “gnwmosÚnhj” e “mštron”. Talvez se possa dizer o mesmo de “noÁsai” também, mas certamente as duas anteriores são as de maior importância. Dessas três, apenas se pôde manter, na versão em Português, a tradução de “mštron” (“medida”), ainda que tenha sido preciso mudá-la de um verso para outro. As outras duas palavras não puderam ser mantidas em posição de destaque na tradução. Contudo, criou-se uma antítese com a primeira e a última palavra do dístico, “nada” e “tudo”. Estando em posição de destaque, elas acentuam a diferença do conteúdo da primeira parte, de privação pela dificuldade, para o da segunda, de abrangência pela completude de sentido e de possibilidades expressas. Assim, compensou-se a perda ocorrida. 64 Sólon – Fr. 24 sÒn toi ploutšousin, Ótwi polÝj ¥rgurÒj ™sti kaˆ crusÕj kaˆ gÁj purofÒrou ped…a †ppoi q' ¹m…ono… te, kaˆ ïi mÒna taàta p£resti, gastr… te kaˆ pleura‹j kaˆ posˆn ¡br¦ paqe‹n, 5 paidÒj t' ºd′ gunaikÒj, ™p¾n kaˆ taàt' ¢f…khtai, érh, sÝn d' ¼bh g…netai ¡rmod…h. taàt' ¥fenoj qnhto‹si· t¦ g¦r perièsia p£nta cr»mat' œcwn oÙdeˆj œrcetai e„j 'Adew, oÙd' ¨n ¥poina didoÝj q£naton fÚgoi, oÙd′ bare…aj 10 noÚsouj, oÙd′ kakÕn gÁraj ™percÒmenon. 65 Rico da mesma maneira é aquele provido de prata, De ouro e planícies nas quais trigo viceja copioso, Com seus cavalos e mulas, e aquele que apenas tem isto: Paz e consolo pros pés, para seus flancos e ventre; 5 E, quando vem o momento de ter uma esposa e um filho, Chega-lhe um jovem vigor na proporção mais harmônica. Isso é riqueza aos mortais, pois nem parte da enorme opulência De ouro e de bens materiais, homem nenhum leva ao Hades, Nem mesmo pode, pagando, fugir-se da morte e das pestes 10 Plenas de dor, ou tardar que se lhe abata a velhice. O fragmento 24 de Sólon apresenta o tema do envelhecimento, o qual também é tratado em poemas de diversos outros poetas, como se pode observar no corpus deste trabalho. Aqui, no entanto, Sólon não se limita a simplesmente lamentar a inevitabilidade da velhice e da morte; com efeito, o poeta usa esse lamento como argumento para melhor fundamentar as afirmações que faz no início do poema. Pode-se dividir essa elegia em três momentos principais: nos três primeiros versos, o poeta discorre a respeito da riqueza de bens materiais; em seguida, por mais três versos, trata do tipo de riqueza que advém da saúde e da paz de que um homem pode gozar; finalmente, nos quatro últimos versos, justifica esse último tipo de riqueza, até como mais valiosa do que a primeira, dizendo que ninguém leva ouro ao Hades, nem consegue fugir da morte e de doenças por meio de um pagamento monetário. O quarto verso do original grego possui uma aliteração bem marcante em /p/ nos vocábulos “pleura‹j”, “posˆn” e “paqe‹n”. Na tradução, essa aliteração foi recriada nos vocábulos “paz”, “pros”, “pés” e “para”. Esse efeito sonoro, da repetição da plosiva /p/, faz com que o verso se destaque dos demais, conferindo-lhe uma importância maior e servindo de recurso retórico para auxiliar o poeta em sua argumentação. Como se trata do verso em que justamente se enuncia a ideia que o poeta estava se dispondo a defender, é um efeito digno de menção e de um esforço para ser reconstituído na tradução, ainda que não completamente. 66 Adiante, no verso em que retoma a ideia defendida e a afirma categoricamente, o poeta novamente emprega uma aliteração em /p/ nas palavras “perièsia” e “p£nta”, decerto com a mesma intenção de sublinhar a importância do verso e ampliar seu efeito de persuasão. Em Português, aparecem os vocábulos “pois”, “parte” e “opulência” para recriar essa repetição de /p/. Teógnis 67 Natural de Mégara, teve uma vida política bastante agitada, o que transparece em muitos dos cerca de 1400 versos elegíacos que lhe são atribuídos e sobreviveram até nós. 37 Costumava dirigir-se a um jovem chamado Cirno em seus poemas, o que, durante muito tempo, foi considerado o único selo de autoria válido para seus versos. 38 Teógnis – Teognídea 271-8 ”Iswj toi t¦ m′n ¥lla qeoˆ qnhto‹s' ¢nqrèpoij gÁr£j t' oÙlÒmenon kaˆ neÒtht' œdosan. tîn p£ntwn d′ k£kiston ™n ¢nqrèpoij – qan£tou te kaˆ pasšwn noÚswn ™stˆ ponhrÒtaton – 5 pa‹daj ™peˆ qršyaio kaˆ ¥rmena p£nta par£scoij, cr»mata d' ™gkataqÁij pÒll' ¢nihr¦ paqèn, tÕn patšr' ™cqa…rousi, katarîntai d' ¢polšsqai kaˆ stugšous' ésper ptwcÕn ™sercÒmenon. Deuses nos deram, aos homens mortais, de maneira semelha Tanto a velhice mordaz, quanto a idade de infante. Mais do que tudo, no entanto – pros homens pior do que a morte 37 Lesky (1995: 197). 38 West (1993: xiv). 68 E mais sofrível do que todos os tipos de males – 5 É se se criam os filhos, provendo de tudo o melhor, Males sem conta a sofrer, só pra guardar-lhes o ouro, E eles enxergam no pai um inimigo, querendo-lhe a morte. Como a um mendigo ao chegar pelos umbrais o execram. A elegia recortada dos versos 271 a 278 da Teognídea apresenta uma reflexão a respeito do tema da velhice. Porém, ao contrário do que se pode observar nos poemas compostos por Anacreonte e Mimnermo que tratam desse mesmo assunto, vê-se aqui uma variação um tanto quanto inusitada. Em vez de culpar a velhice por todos os males que assolam os homens, o eu-lírico afirma a existência de algo muito pior, a saber, filhos ingratos que vêem o pai como um inimigo apesar deste ter-lhes dado de tudo. O texto é dividido entre dois momentos de igual extensão de versos. Na primeira dessas partes, ocorre a menção de como os deuses conferem aos homens tanto a velhice quanto a mocidade, de modo a, talvez, preparar o leitor para uma comum crítica à idade avançada. O que ocorre em seguida, no entanto, é que a ideia comumente aceita da velhice como algo ruim é aproveitada, juntamente com a da morte, que se menciona no verso seguinte, para alavancar o conceito que se quer expor com uma força maior, ao dizer que os filhos ingratos são algo ainda pior do que tudo isso. Dessa forma, o poeta parece empregar conceitos de aceitação geral e, por meio da surpresa e da concatenação dessas ideias já solidificadas na mente de seus ouvintes/leitores, estabelecer a tese que pretende desenvolver. O primeiro verso do texto original apresenta uma intensa repetição de /t/ e /th/ (“toi”, “t¦”, “qeoˆ”, “qnhto‹s'” e “¢nqrèpoij”), fazendo com que o ritmo seja bastante truncado. Na tradução, só foi possível recriar esse efeito no verso seguinte com uma longa sequência de sons de /t/ e /d/ em “tanto”, “mordaz”, “quanto”, “idade” e “infante”. O efeito anterior, de ritmo truncado pela repetição de /t/ e /d/, é retomado no terceiro verso do poema grego com “tîn”, “p£ntwn”, “k£kiston”, “¢nqrèpoij”, “qan£tou” e “te”. Esse efeito é intensificado ainda pela presença de do som /d/ em “d′” e pela repetição de /k/ em “k£kiston”, por serem consoantes oclusivas, tal qual /t/. 69 Novamente, o efeito foi compensado por uma repetição de /d/, reforçado pela ocorrência de /t/ e /k/, em “do”, “que”, “tudo”, “entanto”, “do”, “que” e “morte”. Na tradução, o verso seguinte apresenta um efeito semelhante em “do”, “que”, “todos”, “tipos” e “de”, que de certa forma compensa a sequência de plosivas /p/ que começa no mesmo verso do texto original e se estende até o seguinte (“pasšwn”, “ponhrÒtaton”, “pa‹daj”, “™peˆ”, “p£nta” e “par£scoij”). Tetrâmetro Trocaico “Em alguns tipos de verso, o ritmo do período é regular o bastante para admitir uma divisão em uma série de unidades idênticas ou equivalentes, entre três e seis sílabas. Essas são chamadas metra, e o período pode ser descrito como um dímetro, tetrâmetro, etc, de acordo com seu número.”. 39 Nesses, o pé não é necessariamente a unidade empregada para descrevê-lo, como é o caso do tetrâmetro trocaico, cujos metra são compostos de dois pés trocaicos justapostos, sendo o último catalético. Ademais, no tetrâmetro trocaico, a quarta posição de cada metron pode ser ocupada tanto por uma sílaba breve quanto uma longa, fenômeno denominado anceps.40 Há uma cesura após a oitava sílaba, separando, desta forma, os dois primeiros metra dos seguintes. Essa cesura, contudo, nem sempre é respeitada.41 39 West (1987: 5). 40 Gentili & Lomiento (1951: 5-6). 41 West (1987: 28). 70 Estrutura-se, portanto, da seguinte maneira um tetrâmetro trocaico em metrificação grega: t wt x t wt x \ t wt x l wl U Vejamos, a seguir, um exemplo de tetrâmetro trocaico de um verso de Arquíloco (Fr. 114): l w l w l w l w| l w r w l w l oÙ / fi / lšw / mš / gan / stra / th / gÕn | oÙ / d′ / dia / pe / plig / mš / non Os tetrâmetros trocaicos foram traduzidos numa forma fixa composta de oito troqueus, resultando em quinze sílabas, uma vez que, em Português, as sílabas átonas finais, costumeiramente, não são contadas em metrificação: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Não / es / ti / mo um / gran / de / co / man / dan / te / que an / da / des / fi / lan / do Mais uma vez, optou-se por não respeitar a cesura como norma, de modo tanto a compensar a falta de variação rítmica permitida em grego, como também manter o verso mais flexível. Dessa forma, tentou-se manter certa similaridade em relação à estrutura dos originais gregos, admitindo-se que em língua portuguesa é bastante difícil reproduzir a variação rítmica possível na versificação grega. 71 Arquíloco – Fr. 114 oÙ filšw mšgan strathgÕn oÙd′ diapepligmšnon oÙd′ bostrÚcoisi gaàron oÙd' Øpexurhmšnon, ¢ll£ moi smikrÒj tij e‡h kaˆ perˆ kn»maj „de‹n ∙oikÒj, ¢sfalšwj bebhkëj poss…, kard…hj plšwj. Não estimo um grande comandante que anda desfilando, Orgulhoso de seus cachos, com a barba aparada. Antes, um pequeno e torto de se ver em suas pernas, Mas que esteja firme sobre os pés e pleno de coragem. Passando agora para tetrâmetros trocaicos, o fragmento 114 nos apresenta uma apologia do comandante focado em seu trabalho a partir da antítese entre este e o 72 general preocupado em aparentar grandeza. Sua tradução parece poder seguir apenas esse caminho, independente da interpretação que se fizer da intenção do poeta.42 Os primeiros dois versos do original grego são permeados por assonâncias em /o/ (“strathgÕn”, “diapepligmšnon”, “bostrÚcoisi”, “gaàron” e “Øpexurhmšnon”), dentre as quais quatro estão dispostas em posição de destaque no final (“diapepligmšnon” e “Øpexurhmšnon”) e no meio desses versos (“strathgÕn” e “gaàron”), recaindo na oitava sílaba, como pode ser visto no esquema abaixo: 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 10 11 13 14 15 oÙ / fi / lšw / mš / gan / stra / th / gÕn / oÙ / d′ / dia / pe / plig / mš / non 6 7 8 9 12 13 14 15 oÙ / d′ / bos / trÚ / coi / si / gaà / ron / oÙ / d' Ø / pe / xu / rh / mš / non, Em Português, tentou-se compensar o efeito por meio de uma longa sequência de assonâncias em /ã/ (“grande”, “comandante”, “anda”, “desfilando”) e /a/ (“cachos”, “a” e “barba”, “aparada”). O eco na oitava sílaba dos dois versos foi compensado pelo adjetivo “grande” e seu eco em “comandante”. É interessante notar como essa ordenação das assonâncias reforça o aspecto de aparente perfeição do primeiro comandante mencionado no poema. Os versos restantes, nos quais se fala do comandante torto e pequeno, apesar de retomarem, no início do terceiro verso, a assonância em /o/ (“moi smikrÒj”), compensada em Português novamente por /ã/ (“antes”), parecem não ter a mesma rigidez de forma. No entanto, não deixam de ser versos fortes, reforçados pela sequência de plosivas /b/ e /p/ no interior do último verso (“bebhkëj”, “poss…” e “plšwj”), o que também se tentou manter na tradução (“sobre”, “pés” e “pleno”), uma vez que parece ser uma característica importante do poema, relacionando-se com a força explosiva que teria o comandante disforme. 42 Ver Corrêa (1998: 139-43) para as possíveis interpretações do fragmento. 73 No texto grego, os vocábulos “mšgan” e “smikrÒj” aparecem ocupando a quarta e quinta posição de seus versos, reforçando, desta maneira, a comparação entre os dois opostos: 1 2 3 4 5 “oÙ / fi / lšw / mš / gan”, 1 2 3 4 5 “¢l / l£ / moi / smi / krÒj”. Procurou-se manter esse paralelismo na tradução, fazendo com que a sílaba forte de ambos os vocábulos recaíssem na quinta posição do verso: 1 2 3 4 5 6 “Não / es / ti / mo um / gran / de”, 1 2 3 4 5 6 “An / tes, / um / pe / que / no”. Alguns efeitos empregados pelo poeta para reforçar a diferença entre os dois tipos de generais não puderam ser recriados na tradução. O primeiro foi o uso de verbos longos para descrever as ações do general pomposo, de modo a acentuar o caráter supérfluo desse indivíduo. O segundo foi o contraste entre o efeito anterior e o uso do termo “∙oikÒj” em posição de destaque no início do último verso do poema, em posição oposta a “diapepligmšnon”, o primeiro particípio referente ao primeiro general, o qual se encontra em destaque no final do primeiro verso. 74 Arquíloco – Fr. 122 crhm£twn ¥elpton oÙdšn ™stin oÙd' ¢pèmoton oÙd′ qaum£sion, ™peid¾ ZeÝj pat¾r 'Olump…wn ™k mesambr…hj œqhke nÚkt', ¢pokrÚyaj f£oj ¹l…ou l£mpontoj, lugrÕn d' Ãlq' ™p' ¢nqrèpouj dšoj. 5 ™k d′ toà kaˆ pist¦ p£nta k¢p…elpta g…netai ¢ndr£sin· mhdeˆj œq' Ømšwn e„soršwn qaumazštw mhd' ™¦n delf‹si qÁrej ¢ntame…ywntai nomÕn ™n£lion, ka… sfin qal£sshj ºcšenta kÚmata f…lter' ºpe…rou gšnhtai, to‹si d' Ølšein Ôroj. Nada mais é inesperado, nada mais é refutável Ou tampouco admirável, dês que Zeus, pai dos Olímpios, 75 Fez do meio-dia noite, subtraindo o resplendor Próprio ao Sol brilhante – um medo horrendo sobrepaira os homens. 5 Doravante tudo pode-se esperar e acreditar Pelos homens. Que nenhum de vós se admire do que vê, Nem se feras permutarem com golfinhos a pastagem Oceânica, e do mar a elas as sonoras ondas Se tornarem mais queridas, sendo o verde monte aos outros. O fragmento 122 de Arquíloco versa a respeito da ocorrência de um eclipse e de como o fenômeno, por aparentemente inverter a ordem natural das coisas, abala a crença dos homens, fazendo com que tudo passe a ser possível e passível de se esperar e acreditar. Logo no início do poema, ocorre, no original, uma repetição de “oÙdš” três vezes nos dois primeiros versos, criando um polissíndeto que, apesar de ser bastante comum em Grego, dá ênfase à passagem e se harmoniza com o clima de perplexidade expresso no texto. Preferiu-se traduzir da forma mais natural ao Português, sem o polissíndeto, mas repetiu-se “nada mais”, para manter um efeito semelhante ao do original. Criou-se também uma assonância com os ditongos de “ou” e “tampouco”; uma espécie de eco com o final das palavras “refutável” e “admirável”; e uma assonância em /a/ (“nada”, “mais”, “inesperado”, “nada”, “mais”, “refutável”, “admirável” e “pai”) nesses primeiros versos, para compensar as assonâncias em /o/ (“¥elpton”, “¢pèmoton”, “qaum£sion” e “'Olump…wn”) e /ó/ (“crhm£twn”, ““¢pèmoton” e “'Olump…wn”) do texto original, cuja sonoridade uniforme contribui para unificar a ideia apresentada de uma forma que indica quase uma espécie de transe, no qual o eulírico se perde em meio à aparente inexplicabilidade do fenômeno descrito. No quarto verso, compensou-se a assonância em /o/, começada, aliás, no terceiro, do original (“¢pokrÚyaj”, “f£oj”, “l£mpontoj”, “lugrÕn” e “dšoj”) com uma assonância em /e/ (“medo” e “horrendo””). No quinto verso do texto grego, há uma aliteração em /p/ (“pist¦”, “p£nta” e “k¢p…elpta”), a qual foi recriada ao longo do quinto e no início do sexto verso da 76 tradução (“pode”, “esperar” e “pelos”). Essa aliteração parece indicar um possível estado de perdição, advindo da impossibilidade do eu-lírico de compreender o fenômeno em torno do qual se constrói o texto, ao passo que a sucessão de palavras de impacto sonoro progressivamente maior, somadas ao efeito plosivo do /p/, parece indicar uma ideia de declínio acentuado. Por fim, no oitavo verso, há em grego uma longa assonância em /a/ (“™n£lion”, “ka…”, “qal£sshj”, “ºcšenta” e “kÚmata”), a qual foi desmembrada em uma assonância em /a/ (“mar”, “a”, “as” e “oceânica”) e /o/, (“do”, “sonoras” e “ondas”) em Português. Trímetro Jâmbico O jambo se caracteriza por uma cadência rápida, cujo ritmo se assemelhava, de acordo com testemunhos como o de Demétrio, ao da fala prosaica: “O jambo é lugar comum e tal qual o ritmo da fala diária. Muitas pessoas conversam em jambos sem sequer sabê-lo.” 43 Não obstante, por conta de sua leveza e prontidão, que, de acordo com o matemático e teórico musical francês Marin Mersenne, imitam a cadência do fogo quando começa a queimar, ele era próprio para exprimir a cólera.44 De fato, esse era o ritmo empregado por Arquíloco e Hipônax, entre outros, para criar poemas de ataque e vitupério. 43 Preminger, Hardison & Kerrane (1974: 143). 44 Cotte (1988: 48). 77 O fragmento 1 de Semônides apresenta vinte e quatro versos compostos em trímetros jâmbicos, sem nenhuma variação neste padrão métrico. Por esse motivo, não houve grandes dificuldades durante o estudo da estruturação do poema e da escolha de um padrão métrico que o representasse em Português. Primeiramente, vejamos como é formado o trímetro jâmbico em Grego. A unidade mais importante, neste caso, é o metron jâmbico, o qual é composto a partir da justaposição de dois pés jâmbicos. Fora isso, há ainda a peculiaridade, como é comum nesse tipo de metron, de haver um anceps em uma de suas posições. No caso do metron jâmbico, o anceps se encontra na primeira posição. Dessa forma, essa é a estrutura básica de um trímetro jâmbico: x t wt x \ t w\ t x l wl U Para ilustrar a estrutura apresentada acima, analisemos a métrica dos primeiros dois versos desse fragmento de Semônides: l l w l l | l w l w l w l ð / pa‹, / tš / loj / m′n | ZeÝj / œ / cei / ba / rÚk / tu / poj l l w l w| l w l w l w l p£n / twn / Ós' / ™s / tˆ | kaˆ / t… / qhs' / Ó / khi / qš / lei, Como é comum em metrificação grega, apesar da uniformidade da estrutura, há espaço para variações rítmicas dentro do verso devido ao anceps de cada metron. Para a tradução, no entanto, escolheu-se uma estrutura de mesmo número de sílabas, doze, com acento mandatório na segunda, quarta, sexta, oitava, décima e décima segunda sílabas. Os mesmos dois versos apresentados anteriormente em Grego encontram-se da seguinte forma na tradução: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 O / fim / de / tu / do, / fil / ho, / Zeus / ple / ni / tro / an / te 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 78 Em / gen / dra e es / ta / be / le / ce / co / mo / bem / lhe en / ten / de. 79 Semônides Nascido em Amorgos, é mais conhecido por sua Sátira das Mulheres, um poema que chegou a nós quase completo, com 118 versos, e que oferece uma visão pouco laudatória do sexo feminino.45 Semônides – Fr. 1 ð pa‹, tšloj m′n ZeÝj œcei barÚktupoj p£ntwn Ós' ™stˆ kaˆ t…qhs' Ókhi qšlei, noàj d' oÙk ™p' ¢nqrèpoisin, ¢ll' ™p»meroi § d¾ bot¦ zÒousin, oÙd′n e„dÒtej 5 Ókwj ›kaston ™kteleut»sei qeÒj. ™lpˆj d′ p£ntaj k¢pipeiqe…h tršfei ¥prhkton Ðrma…nontaj· oƒ m′n ¹mšrhn mšnousin ™lqe‹n, oƒ d' ™tšwn peritrop£j· nšwta d' oÙdeˆj Óstij oÙ doke‹ brotîn 10 45 PloÚtwi te k¢gaqo‹sin †xesqai f…loj. West (1993: xi). 80 fq£nei d′ tÕn m′n gÁraj ¥zhlon labÕn prˆn tšrm' †khtai, toÝj d′ dÚsthnoi brotîn fqe…rousi noàsoi, toÝj d' ”Arei dedmhmšnouj pšmpei mela…nhj 'Adhj ØpÕ cqonÒj· 15 oƒ d' ™n qal£sshi la…lapi kloneÒmenoi kaˆ kÚmasin pollo‹si porfurÁj ¡lÕj qn»skousin, eât' ¨n m¾ dun»swntai zÒein· oƒ d' ¢gcÒnhn ¤yanto dust»nwi mÒrwi kaÙt£gretoi le…pousin ¹l…ou f£oj. 20 oÛtw kakîn ¥p' oÙdšn, ¢ll¦ mur…ai broto‹si kÁrej k¢nep…frastoi dÚai kaˆ p»mat' ™st…n. e„ d' ™moˆ piqo…ato, oÙk ¨n kakîn ™rîimen, oÙd' ™p' ¥lgesin kako‹j œcontej qumÕn a„kizo…meqa. O fim de tudo, filho, Zeus plenitroante Engendra e estabelece como bem lhe entende. Não há inteligência entre nós. Efêmeros, Vivemos como bois, jamais sabendo a forma 5 Com que há de pôr fim a cada coisa o deus. Mas esperança e confiança nutrem todos Em nosso anelo ao incurável. Um aguarda Que chegue o dia; outro, a troca de estação. Não há dentre os mortais quem deixe de se ver 10 Amigo de riqueza e nobres no futuro. Mas toma-o a velhice incobiçável antes Que alcance sua meta, enquanto males sestros Destroem outros homens, e os vencidos de Ares Pra além da terra negra envia Hades. 15 Caçados, outros inda são por tempestades E pelas muitas ondas do purpúreo mar – E ao mar perecem sempre que o sustento falta. Ao nó da forca, outros vão-se em morte infanda, 81 Deixando, por vontade própria, a luz do Sol. 20 Por isso, nunca faltam males, mas, sim, Queres Diversas e aflições e estragos imprevistos Existem pros mortais. Se o meu conselho ouvissem, Nós não desejaríamos o mal, nem dores Terríveis nossos ânimos maltratariam. O fragmento 1 de Semônides, como tantos outros do corpus deste trabalho, trata do tema da velhice, porém não apenas dela. Os vinte e quatro versos em trímetros jâmbicos desse poema constituem um todo passível de ser divido em quatro momentos principais. O primeiro deles, que introduz o poema e define o início do problema a ser tratado, vai dos versos um a cinco. A estrutura “mšn ... dš” (“por um lado ... por outro lado”) estabelece, no campo da sintaxe, o contraste que é feito, no contexto desses versos, entre Zeus e os mortais; entre a onisciência e o poder supremo daquele e a efemeridade e a falta de recursos desses. Em seguida, há um momento de aparente otimismo no poema, dos versos seis a dez, onde o poeta fala a respeito da esperança que move os homens. No entanto, logo depois, ele mostra que essa esperança é vã por causa da velhice e dos muitos males que recaem sobre os mortais antes que eles possam dar cabo de seus planos. Essa terceira parte, ao contrário das outras, é mais extensa e dura nove versos, mostrando a falta de equilíbrio entre a esperança anterior e a desgraça subsequente. Por fim, na última parte, o poeta conclui, um tanto quanto enigmaticamente – ou talvez assim nos pareça por falta de alguns versos ou de maiores informações a respeito do contexto – que essa é a razão de haver tantos males para os mortais e que, se todos seguissem seu conselho, não desejariam coisas ruins nem sofreriam. Ao contrário do que se tomou como norma para esse trabalho, no primeiro verso do texto, foi preferível traduzir o epíteto “barÚktupoj” do original pelo igualmente composto “plenitroante” em Português. Isso foi feito, em primeiro lugar, para manter o valor sonoro e impactante do vocábulo grego. Em segundo lugar, foi uma solução mais adequada pelo fato de que não havia muito espaço no verso para uma perífrase que tivesse a mesma força que ele. 82 O segundo verso do poema original apresenta um andamento mais pesado, devido à repetição dos sons oclusivos /t/, /th/, /k/ e /p/, presentes nas palavras: “kaˆ”, “Ókhi”, “p£ntwn”, “™stˆ”, “t…qhs'” e “qšlei”). Ao mesmo tempo, o verso também foi composto de uma forma ininterrupta e melódica, devido às sinéreses nos vocábulos “Ós' ™stˆ” e “t…qhs' Ókhi”, que fazem com que a passagem adquira uma consistência maior. Em Português, o efeito que se criou para compensar a característica melódica do original foi a assonância entre “engendra”, “bem” e “entende”, ao passo que se tentou manter um número de sons oclusivos (/t/, /d/ e /b/) ao longo do verso para recriar o andamento pesado do texto grego (“engendra”, “estabelece”, “como”, “bem” e “entende”). Um efeito de natureza semelhante ao do descrito acima ainda pode ser notado, no verso seguinte do texto original, “d' oÙk”, “™p' ¢nqrèpoisin” e “¢ll' ™p»meroi”. O efeito melódico, novamente, foi compensado por uma assonância, presente nos vocábulos “inteligência”, “entre” e “efêmeros”. Por outro lado, a repetição de /p/ que havia no original não pôde ser recriada nem compensada, uma vez que havia um efeito de maior prioridade: a presença do termo “™p»meroi” em posição final. Pareceu importante manter o vocábulo que o traduz na mesma posição, além de não empregar nenhum outro termo para traduzi-lo que não “efêmeros”, devido tanto à correspondência entre as duas palavras, quanto ao sentido do vocábulo de “durar apenas um dia”, o qual é extremamente importante ao imaginário criado pelo poema. Por fim, há uma série de palavras significativas em posição de destaque no início ou no final de verso, como: “barÚktupoj”, “p£ntwn”, “qšlei”, “noàj”, “™p»meroi”, “qeÒj”, “™lpˆj”, “brotîn”, “PloÚtwi”, “fq£nei”, “brotîn”, “cqonÒj”, “¡lÕj”, “qn»skousin”, “zÒein”, “mÒrwi”, “f£oj”, “mur…ai”, “broto‹si”, “¥lgesin” e “kako‹j”. Dessas, foram mantidas em posição de destaque na tradução as seguintes: “barÚktupoj” (“plenitroante”), “™p»meroi” (“efêmeros”), “qeÒj” (“deus”), “™lpˆj” (“esperança”), “brotîn” (“mortais”), “¡lÕj” (“mar”), “zÒein” (traduzido aqui como “sustento”), “mur…ai” (“inúmeras”), “¥lgesin” (“dores”) e “kako‹j” (“terríveis”). 83 Estrofe Sáfica Os dois poemas de Safo presentes neste trabalho seguem um mesmo esquema métrico, comumente denominado estrofe sáfica, que recebeu este nome por ter sido o padrão métrico que notabilizou a poetisa na antiguidade. Copiada por poetas posteriores, como Catulo (11 e 51) e Horácio (Carmen Saeculare), a estrofe sáfica se caracteriza por possuir três versos sequenciais de mesma conformação, a saber, um metron trocaico, um pé dáctilo e novamente um metron trocaico, seguidos por um quarto verso de menor extensão, que se estrutura na forma de um pé dactílico e um pé trocaico com anceps na última posição, como pode ser observado no esquema abaixo: 84 l wl x l ww l wl x U l wl x l ww l wl x U l wl x l ww l wl x U l ww l x I Como exemplo prático, tomemos a primeira estrofe do fragmento 31 de Safo, a fim de analisarmos sua estrutura métrica: l w l l l w w l w l w fa… / ne / ta… / moi / kÁ / noj / ‡ / soj / qš / oi / sin l w l l l w w l wl l œm / men' / ê / nhr, / Ôt / tij / ™ / n£n / ti / Òj / toi l w l l l w w l w l l „s / d£ / nei / kaˆ / pl£ / si / on / « / du / fw / ne…l w w l l saj / Ù / pa / koÚ / ei O esquema, seguido rigorosamente, cria um ritmo descendente, por conta da exclusividade de troqueus e dáctilos, que pode ser mais ou menos truncado dependendo das posições livres serem ou não preenchidas por sílabas longas. Para a tradução, tentou-se seguir o esquema métrico com certa fidelidade, ainda que tomando algumas licenças, para não comprometer as informações e demais efeitos do poema em demasia. A primeira das liberdades tomada foi a de permitir versos cataléticos, de modo que a última posição, a do anceps, nem sempre estará preenchida, ainda que se tenha evitado isso tanto quanto possível. A segunda das licenças usadas diz respeito à ordenação das palavras nos versos. Muitas vezes foi preciso mover vocábulos de um verso para outro, além de usar traduções menos literais, a fim de preservar tanto o ritmo e a sonoridade suave do original. 85 Para ilustrar de forma prática como o esquema métrico foi empregado no processo de tradução, observemos o exemplo abaixo, um trecho escandido do fragmento trinta e um de Safo: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 E / le / me / pa / re / ce / ser / par / dos / deu / ses, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 O ho / mem / que / se / sen / ta / pe / ran / te / ti 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 E / se in / cli / na / per / to / pra ou / vir / tua / do / ce 1 2 3 4 Voz / e / teu / ri / so Apesar de os primeiros versos de cada estrofe serem de dez sílabas em Português, eles obedecem um ritmo pouco usual em nossa língua e reproduzem, com um bom grau de fidelidade, a sequência de marcação rítmica do original. Empregou-se, então, esse metro composto pela justaposição de dois troqueus, um dáctilo e mais dois troqueus, com a possibilidade do último ser catalético. 86 Safo Viveu durante o final do século VII e o começo do século VI antes de Cristo em Mitilene, na ilha de Lesbos. Lá, é possível que tenha trabalhado como preceptora de moças ainda não casadas, ensinando-lhes música e poesia. 46 Safo – Ode a Afrodite po]ikilÒqro[n' ¢qan£t'AfrÒdita, pa‹] D[…]oj dol[Òploke, l…ssoma… se, m» m'] ¥saisi [mhd' Ñn…aisi d£mna, []pÒtn]ia, qà[mon, 5 ¢ll]¦ tu…d' œl[q', a‡ pota k¢tšrwta t¦]j œmaj aÜ[daj ¢…oisa p»loi œk]luej, p£tro[j d′ dÒmon l…poisa []c]rÚsion Ãlq[ej 46 West (1993: xiii). 87 ¥r]m' Ùpasde[Úxaisa· k£loi dš s' «gon 10 ê]keej stroà[qoi perˆ g©j mela…naj pÚ]kna d…n[nentej ptšr' ¢p' çr£nw‡qe[]ro]j di¦ mšssw· a]ya d' ™x…ko[nto· sÝ d', ð m£kaira, meidia…[sais' ¢qan£twi prosèpwi 15 ½]re' Ôtt[i dhâte pšponqa kêtti []dh]âte k[£l]h[mmi k]êtti [moi m£lista qšlw gšnesqai m]ainÒlai [qÚmwi· t…na dhâte pe…qw .].s£ghn [™j s¦n filÒtata; t…j s', ð 20 []Y£]pf', [¢dik»ei; ka]ˆ g[¦r a„ feÚgei, tacšwj dièxei, <a„ d′ dîra m¾ dšket', ¢ll¦ dèsei,> <a„ d′ m¾ f…lei, tacšwj fil»sei> []<kwÙk ™qšloisa.> 25 <œlqe moi kaˆ nàn, calšpan d′ làson> <™k mer…mnan, Ôssa dš moi tšlessai> <qàmoj „mšrrei, tšleson, sÝ d' aÜta> []<sÚmmacoj œsso.> Afrodite eterna de etéreo trono, Filha do Cronida que engendra enganos, Peço: não domines com mágoa e náusea, Dona, minh'alma, 5 Mas pra cá descende se alguma vez, Tendo a voz me ouvido de muito longe, Escutaste e a áurea mansão paterna, 88 Vindo, deixaste em Carro atrelado. Formosas aves 10 Ágeis te levavam por sobre a terra Negra, densas asas no céu vibrando em Meio ao ar. Logo aqui chegaram e tu, ditosa, Em teu rosto eterno um sorriso abrindo, 15 Quis saber a causa de minha angústia, A ordem do apelo, O que eu mais queria que me passasse De ânimo imprudente. "Agora quem Devo persuadir para ti. Quem, Safo, 20 Faz com que sofras? Se ora foge, logo te irá no encalço. Se rejeita os dotes, não tarda a dá-los. Se não te ama, logo ela vai te amar Contra a vontade." 25 Vem-me agora, pois, desfazer essa árdua Aflição. Perfaz-me o que minha alma Sonha ver perfeito, e sê tu mesma Minha aliada. Na Ode a Afrodite de Safo, o eu-lírico faz um pedido de ajuda à deusa, seguindo a ordem padrão de uma prece, a saber: a enunciação do nome e dos epítetos da entidade a quem se está dirigindo, a lembrança de alguma relação preexistente entre o mortal e o deus, culminando, por fim, no pedido propriamente dito. Como um paralelo ilustrativo, pode-se lembrar o pedido, a Apolo, feito por Crises no início da Ilíada. A partir do verso trinta e sete do primeiro canto desse poema épico de Homero, o velho sacerdote 89 troiano inicia uma prece ao deus, citando um de seus epítetos, “¢rgurÒtoxoj” (“do arco argênteo” na tradução de Carlos Alberto Nunes), além de elencar algumas de suas áreas de atuação. Em seguida, ele afirma já ter construído templos magníficos e feito sacrifícios em honra ao deus. Somente depois disso, ele faz o pedido de intervenção de Apolo numa vingança sobre os Aqueus por não lhe devolverem a filha. Deixando de lado o exemplo da épica e partindo para a análise estrutural do poema de Safo, pode-se dizer que ele foi construído pela sucessão de quadras feitas num mesmo padrão métrico. Nas três primeiras, encontram-se a invocação da deusa e o início da lembrança de vezes passadas em que ela veio ter com o eu-lírico. A quarta quadra marca a metade do poema no momento em que, na lembrança, a deusa chega até a mortal. Na quinta e na sexta quadra, pode-se observar a recordação de um diálogo em que a deusa se mostrou favorável ao eu-lírico. Por fim, na sétima e última quadra, há o pedido por auxílio divino. O primeiro verso dessa ode de Safo, considerado por Pound (1976: 18) um dos mais belos já criados, apresentou as mais sérias dificuldades dentre as encontradas no processo de tradução do poema. A primeira delas, como ocorrido no outro poema de Safo presente neste trabalho, foi a de encontrar uma palavra em Português para traduzir “poik…loj”, uma vez que a tradução literal, “variegado” ou “furta-cor”, dificilmente condiz com a sonoridade buscada. Limitando ainda mais as opções, havia o metro enxuto escolhido para a tradução, de modo que “imortal”, como tradução de “¢qan£t'”, dificilmente permitiria o uso de um adjetivo adequado e mais extenso para substituir “variegado”. Por esse motivo, no lugar de “imortal” foi empregado “eterna”, cujo sentido, para os gregos, era semelhante quando usado em relação aos deuses, como se pode observar na Teogonia de Hesíodo. 47 Tendo livrado algum espaço, dessa forma, foi possível escolher um vocábulo mais longo e cuja sonoridade fosse forte o bastante para emular o efeito que se tem em grego pela sucessão de sons de /t/ até culminar em “¢qan£t'”, para em seguida o som quase que deslizar para “AfrÒdita”. Em Português, dois dos pontos máximos do verso são a sílaba tônica de “etéreo” e a de “eterna”, as 47 Tem-se por premissa a possibilidade de tradução de “¢i′n ™Òntwn” por “dos eternos”. Na obra de Hesíodo, esse é um dos epítetos que pode variar, em geral por questões métricas, com “¢qan£twn” (“dos imortais”) para referir-se aos deuses. Por exemplo, pode-se verificar o verso vinte e um da Teogonia; ocasião em que eles, aliás, aparecem juntos. 90 quais se intensificam pela sequência de sons de /t/ ao longo do verso, que prossegue até terminar em “trono”, tendo começado com o próprio nome da deusa. Teria sido mais interessante manter “Afrodite” no final do verso, mas não foi de todo possível, de modo que a melhor solução encontrada foi deixar o termo em destaque no início do verso, abrindo o poema. Na tradução do segundo verso do poema, houve um problema de ordem intertextual, por conta da lembrança da bela tradução que J. A. A. Torrano fez desse mesmo poema. Nela, “dolÒploke” foi traduzido como “tecelã de enganos”. A tradução desse vocábulo sempre me pareceu tão adequada que levou certo tempo até conseguir desvencilhar-me dela e perceber que havia outras opções que se encaixariam melhor no metro empregado. À versão de Torrano, esse trabalho ainda deve crédito pelo uso do verbo “perfazer” para traduzir as duas ocasiões em que derivados de “telšw” aparecem, além de, certamente, inspiração em outras ocasiões do poema. Numa versão anterior da tradução, esse segundo verso do poema se encontrava numa forma bastante truncada: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Fil / ha / de / Zeus / que ur / de / en / ga / nos, / pe / ço- Para resolver essa dificuldade e dar mais fluência ao texto, tomou-se a liberdade de substituir “Zeus” por “Cronida”, uma vez que os dois termos eram usados na poesia grega sem muita distinção para designar a mesma entidade. Refeito, então, passando-se o verbo “peço” para o verso seguinte e suprimindo o “te” que o complementava, o verso ficou assim: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Fil / ha / do / Cro / ni / da / que en / gen / dra en / ga / nos, No terceiro verso da sexta quadra, foi preciso adicionar um “ela”, para deixar claro que o objeto de desejo do eu-lírico é uma mulher, o que, em Grego, está implícito na terminação do particípio “™qšloisa”, que se encontra no verso seguinte, o qual teve 91 uma tradução pouco literal por necessidades métricas. Mais literalmente, lê-se “mesmo não querendo”. Safo – Fr. 31 fa…neta… moi kÁnoj ‡soj qšoisin œmmen' ênhr, Ôttij ™n£ntiÒj toi „sd£nei kaˆ pl£sion «du fwne…saj ÙpakoÚei 5 kaˆ gela…saj „mšroen, tÒ m' à m¦n kard…an ™n st»qesin ™ptÒaisen, çj g¦r œj s' ‡dw brÒce' êj me fènais' oÙd' Ÿn œt' e‡kei, 92 ¢ll' k¦m m′n glîss£ œage, lšpton 10 d' aÜtika crîi pàr ÙpadedrÒmhken, Ñpp£tessi d' oÙd' Ÿn Ôrhmm', ™pirrÒmbeisi d' ¥kouai, k¦d dš m' ‡drwj kakcšetai, trÒmoj d′ pa‹san ¥grei, clwrotšra d′ po…aj 15 œmmi, teqn£khn d' Ñl…gw 'pideÚhj fa…nom' œm' aÜtai· Ele me parece ser par dos deuses, O homem que se senta perante ti E se inclina perto pra ouvir tua doce Voz e teu riso 5 Pleno de desejo. Ah, isso, sim, Faz meu coração ‘stremecer no peito. Pois tão logo vejo teu rosto, a voz Perco de todo. Parte-se-me a língua. Um fogo leve 10 Me percorre inteira por sob a pele. Com os olhos nada mais vejo. Zumbem Alto os ouvidos. Verto-me em suor. Um tremor me toma Por completo. Mais do que a relva estou 15 Verde e para a morte não falta muito – É o que parece. O texto do fragmento 31 de Safo comumente apresenta quatro estrofes de quatro versos cada. No entanto, algumas edições consideram também a existência de um 93 último verso solto. Pelo fato de que essas quatro estrofes possuem uma unidade bemdelimitada e também por conta desse verso final aparentemente não acrescentar muito, ele foi deixado de fora.48 O poema foi composto com quatro estrofes de mesmo padrão métrico, de modo a conferir-lhe uma unidade que, de outra forma, talvez não existisse, devido ao fato de que a maior parte do texto é usada para descrever a falha do funcionamento de diversas funções e sentidos do corpo do eu-lírico. Ademais, outro fator que colabora imensamente para criar um conjunto coeso e uma unidade sólida para o poema é a simetria entre o primeiro verso e o último, ambos iniciados pelo verbo “fa…nomai”. Na primeira ocasião, ele se refere ao homem que está perto da amada do eu-lírico e, na segunda, ao próprio eu-lírico. Tentou-se manter esse efeito até certo ponto, mas não foi possível deixar os dois verbos no início de verso na tradução, uma vez que ele não se encaixa no esquema métrico. O primeiro verso do texto grego, ainda mais do que os restantes, tem uma sonoridade leve e fluida, marcada mormente por /s/ em “kÁnoj”, “‡soj” e “qšoisin”, que lhe conferem uma qualidade quase diáfana, fazendo com que o verso seja pronunciado sem dificuldade. Na tradução, tentou-se manter essa sonoridade, com uma sequência de /s/ em “parece”, “ser”, “dos” e “deuses”. O segundo verso da segunda estrofe, por outro lado, tem um andamento mais truncado e, ao mesmo tempo, mais delineado por conta da concentração de sons de /t/ em “st»qesin” e “™ptÒaisen”, além da presença de /p/ nessa última palavra e da líquida /r/ em “kard…an”, cujo próprio som intensifica a ideia da instabilidade enunciada no verso. Esse último efeito foi recriado na tradução com o vocábulo “estremecer”, que, junto de “peito”, completa o campo sonoro existente em Grego com certa fidelidade. Desse verso em diante, há uma longa descrição de como os vários sentidos do corpo do eu-lírico se confundem e deixam de funcionar normalmente quando na presença de sua amada. Durante essa descrição, há uma forte presença de 48 Esse verso final, na edição adotada, é o seguinte: “¢ll¦ p¦n tÒlmaton, ™peˆ †kaˆ pšnhta†” (“Mas tudo se pode suportar, posto que mesmo a um pobre”). 94 enjambements, que fazem com que o texto adquira um andamento rápido, quase alucinado, que só encontra uma pausa definitiva no final da quarta estrofe com o prenúncio da morte. Na tradução, tentou-se, tanto quanto possível, manter essa característica do texto original, preservando o cavalgamento. Por fim, nessa mesma passagem, há a ocorrência de um polissíndeto, pela repetição contínua da partícula “de”. Esse artifício é bastante comum no Grego antigo, a ponto de praticamente não se sobressair em relação à estrutura do texto. Por esse motivo, ele foi traduzido por orações simples e sem coordenação, criando um assíndeto no texto em Português. Dímetro Jônico com Anáclase Os fragmentos 356 e 395 de Anacreonte foram estruturados por meio da justaposição de dímetros jônicos com anáclase. Para entender a composição desse padrão métrico, vejamos primeiro a forma pela qual se compõe um metron jônico: ww l l U Formado a partir da concatenação de um pé periâmbico e um pé espondaico, o metron jônico não oferece grandes dificuldades de compreensão. O dímetro jônico, por 95 sua vez, será criado, simplesmente, pela adição de um novo metron de mesma forma ao anterior: wwl l wwl l U Finalmente, o dímetro jâmbico com anáclase terá uma permuta entre a última posição do primeiro metron e a primeira posição do segundo: wwl a l wl l U Como se pode observar, a última posição do primeiro metron pode ser ainda ocupada por uma sílaba longa, ainda que o comum seja encontrar uma sílaba breve nessa posição. Para ilustrar o esquema acima, tomemos os primeiros dois versos do fragmento 395 de Anacreonte e façamos sua escansão: w w l w l w l l w l po / li / oˆ / m′n / ¹ / mˆn / ½ / dh w w l w l l krÒ / ta / foi / k£ / rh / te / leu / kÒn, Para representar esse padrão métrico em Português, foi empregado na tradução um verso de mesmo número de sílabas, com acentos mandatórios na terceira, quinta e oitava sílaba, todas longas no verso grego, tendo se ignorado apenas a ocorrência de uma sílaba longa na sétima posição, criando um espondeu. Isso foi feito pela dificuldade de se criar espondeus em língua portuguesa, mormente em final de verso. Em alguns versos, há a ocorrência de uma sílaba tônica na primeira posição, mas não é um efeito mandatório. Por isso, não foi marcado no texto final. Dessa forma, ficam assim em Português esses mesmos dois primeiros versos previamente apresentados: 96 1 2 3 4 5 6 7 8 Vai, / ga / ro / to, e / traz / pa / ra / mim 1 2 3 4 5 6 7 8 U / ma / ta / ça, / pa / ra / que eu / be / ba 97 Anacreonte Viveu durante o século VI e talvez início do século V antes de Cristo em Abdera, na Jônia. Pelo teor de seus poemas e pela fama que adquiriu durante a antiguidade, parece ter chegado até uma idade bastante avançada, tendo se tornado o ícone do velho jocoso e devoto do vinho e do amor. 49 Anacreonte – Fr. 356 ¥ge d¾ fšr ¹mˆn ð pa‹ kelšbhn, Ókwj ¥mustin prop…w, t¦ m′n dšk' ™gcšaj Ûdatoj, t¦ pšnte d' o‡nou 5 ku£qouj æj ¢nubr…stwj ¢n¦ dhâte bassar»sw. ¥ge dhâte mhkšt' oÛtw pat£gJ te k¢lalhtù Skuqik¾n pÒsin par' o‡nJ 49 West (1993: xvi-xvii). 98 10 meletîmen, ¢ll¦ kalo‹j Øpop…nontej ™n Ûmnoij. Vai, garoto, e traz para mim Uma taça, para que eu beba Sem resfolegar. Verte dez Jarras d'água e cinco de vinho, 5 Para que eu de novo irrompa Com decoro em frenesi báquico. Vai de novo! Dessa forma em Meio ao frêmito e à gritaria, Bebedeira cítica com vinho 10 Não façamos mais, mas com hinos Moderadamente bebamos. O fragmento 356 de Anacreonte nos apresenta uma cena de boemia, tema comum do corpus de fragmentos do poeta (vide, por exemplo, os fragmentos 373, 376, 383, 396, 409 e 412). É provável que a ocasião descrita no poema, e talvez mesmo a de performance, seja a de um banquete, uma vez que há a menção de canto e verbos na primeira pessoal do plural (“meletîmen” e “Øpop…nontej”), indicando talvez a presença de mais pessoas além do eu-lírico e do menino a quem ele pede que lhe misture vinho com água na proporção de cinco para dez. No fragmento 396, há a repetição desse pedido também a um menino, ainda que não nos reste muito do poema para saber se haveria qualquer menção à medida empregada ou não. É interessante notar, também, que no fragmento 409 aparece uma medida diferente e mais concentrada: cinco de vinho para três de água. O emprego de uma medida mais suave no fragmento 356 é certamente cabível ao intento do eu-lírico, nos versos finais, de exortar os demais convivas a beber com moderação. Quanto à tradução, em um primeiro momento, o verso inicial desse fragmento de Anacreonte encontrava-se da seguinte forma: “Vai, garoto, e pega pra mim”. Essa escolha não era de todo ruim. De fato, era sonoramente aceitável, pois o som de /é/ de “pega” era recuperado em seguida, mas apenas no terceiro verso com “verte”. Desse 99 modo, ambas as duas ordens proferidas pelo eu-lírico soavam semelhantes, numa tentativa de recuperar a sequência de ecos em /é/ do texto grego nesse início do poema (“d¾”, “¹mˆn” e “kelšbhn”). No entanto, “traz” logo surgiu como uma opção superior a “pega”, uma vez que tanto traduz melhor a ideia do verbo “fšrw” de carregar algo, como também cria um eco mais imediato com o vocábulo “taça” do verso seguinte. Dessa forma, “traz” acabou figurando na versão final da tradução, e não “pega”, posto que compensa bem os ecos em /é/ do texto original em vez de recriá-los sem muita força, como era o caso de “pega”. Em seguida, no segundo verso do texto, o vocábulo “¥mustin” teve sua tradução deslocada para o verso seguinte, por necessidades métricas, de modo que trocou de lugar com “para que eu beba” (“prop…w”). Apesar da tradução literal de “¥mustin” ser, na verdade, “sem fechar a boca”, optou-se por traduzir a palavra por “sem resfolegar”. A escolha foi feita com base, em primeiro lugar, no fato de que, em nossa língua, é pouco comum que alguém diga que irá beber “sem fechar a boca”, sendo mais recorrente dizer que irá beber “sem parar” ou “sem parar para respirar”. A partir disso, chegou-se em “sem resfolegar”, que é sonora e mais interessante do que “sem parar para respirar” por, evidentemente, ser mais curta e adequada ao ritmo escolhido. De forma semelhante, do quinto para o quarto verso, foi preciso deslocar o vocábulo “jarras” (“ku£qouj”). Isso ocorreu por dois motivos, sendo o primeiro o de facilitar a compreensão do texto, uma vez que, sem a troca de lugar, a tradução ficaria da seguinte forma: “... Verte dez / D’água e cinco também de vinho / Jarras ...”. Essa não era uma opção viável de tradução, tanto porque soa mal aos ouvidos, como também é muito mais complicada de ser entendida para os nativos de nossa língua do que o texto original deveria ser para os gregos. Em segundo lugar, era necessário livrar um pouco de espaço para a tradução de “bassar»sw”, que, por ter resultado em uma longa perífrase, acabou por forçar um rearranjo de “com decoro” (“¢nubr…stwj”), que passou do quinto verso para o sexto, trocando de lugar com “de novo” (“dhâte”). No sétimo verso do poema, havendo uma dificuldade de produzir a última sílaba forte do verso, antecipou-se o vocábulo “em”, cujo lugar mais lógico e semelhante ao 100 original seria no verso seguinte, para forçar a criação de um espondeu por elisão com a última vogal de “forma”. Por fim, também por necessidades métricas e para facilitar a compreensão do texto, a tradução de “mhkšt'” (“não ... mais” ) foi deslocada do sétimo para o penúltimo verso. Pelas mesmas razões, “Ûmnoij” (“com hinos”) e “kalo‹j” (“moderadamente”) tiveram seus lugares trocados. Na tradução desse poema, mais vocábulos foram movidos de um verso para o outro do que se vê em geral nas traduções deste trabalho. Isso se deu por conta da curta extensão do metro escolhido para a tradução, o que limitou o quanto se podiam trabalhar as palavras de um verso para se adequarem, tanto sonora quanto sintaticamente, às dos versos anteriores e dos seguintes. Anacreonte – Fr. 395 polioˆ m′n ¹mˆn ½dh krÒtafoi k£rh te leukÒn, car…essa d' oÙkšt' ¼bh p£ra, ghralšoi d' ÑdÒntej, 5 glukeroà d' oÙkšti pollÕj biÒtou crÒnoj lšleiptai: 101 di¦ taàt' ¢nastalÚzw qam¦ T£rtaron dedoikèj: 'A…dew g£r ™sti deinÕj 10 mucÒj, ¢rgalÁ d' ™j aÙtÕn k£todoj: kaˆ g¦r ˜to‹mon katab£nti m¾ ¢nabÁnai. Minhas têmporas: já grisalhas. Já está branca minha cabeça. Grácil juventude não mais Me acompanha. Velhos, os dentes, 5 E do doce tempo da vida Já não muito mais a mim resta. É por isso que muitas vezes Choro por temor de ir ao Tártaro. Do Hades certamente é terrível 10 O interior, penosa, pra lá A descida e além disso é certo Que quem desce nunca mais sobe. No fragmento 395 de Anacreonte, o poeta nos fala das dificuldades e das penas da velhice, usando sua própria condição de ancião para ilustrar o difícil estado e sina de um homem velho. O poema é dividido em dois momentos principais, no primeiro dos quais o poeta enumera as diversas características que possui como homem idoso: cabelos brancos, dentes velhos, pouco tempo restante de vida, etc. Em seguida, a partir do sétimo verso, que coincide com a exata metade do que entendemos como um poema completo, tendo explicado sua condição, ele apresenta o temor que tem de morrer. Com respeito à tradução dos efeitos poéticos do poema, vejamos de início o final do primeiro e do terceiro verso do texto grego, o qual apresenta uma rima toante com as parônimas “½dh” e “¼bh”, fazendo com que esta última seja valorizada e enfatizada tanto pela sonoridade recorrente do /é/ e pela similaridade das palavras, quanto pela subsequente ocorrência de uma outra plosiva, /p/, em “p£ra” no verso seguinte. Na 102 tradução, não foi possível reproduzir a rima toante, mas há uma exploração maior tanto das plosivas /p/ e /b/ quando do som de /m/ que, por também ser bilabial, as reforça. No local em questão, há os vocábulos “mais”, “me” e “acompanha”, estando os dois últimos no quarto verso. No final dos três primeiros versos da tradução, de maneira semelhante, há a ocorrência de uma bilabial em posição de destaque (“minhas”, “cabeça” e “mais). Fora isso, no segundo verso ainda se podem observar, nesse âmbito, os vocábulos “têmporas” e “brancas”. Mais adiante, há uma nova sequência de plosivas no quinto e no sexto verso do texto grego com “pollÕj”, “biÒtou” e “lšleiptai”, que, na tradução, foi compensada por uma nova cadeia de som /m/ (“muito”, “mais” e “mim”). Do final do sexto ao nono verso do texto grego, há o emprego de uma longa sequência das alveolares /t/ e /d/ (“lšleiptai”, “di¦”, “taàt'”, “¢nastalÚzw”, “qam¦”, “T£rtaron”, “dedoikèj”, “'A…dew”, “™sti” e “deinÕj”), a qual proporciona um peso maior às consoantes de mesmo tipo das palavras “T£rtaron” e “'A…dew”, encontradas no interior desta sequência. Na tradução, houve uma preocupação em recuperar esse efeito, recriando-o com os vocábulos “temor”, “de”, “Tártaro”, “do”, “Hades”, “certamente”, “terrível” e “íntimo”. No penúltimo verso do texto grego, pode-se encontrar o vocábulo “k£todoj”, cuja tradução literal poderia ser “caminho para baixo”, uma vez que é formado pelas palavras “kat£” e “ÐdÒj” que significam, respectivamente, “para baixo” e “caminho”. Não houve espaço, infelizmente, para a tradução de ambas as ideias no texto em português. Assim, foi preciso optar entre traduzir “descida” ou “caminho”. A noção de descida pareceu, nesse caso, ser mais importante, ou pelo menos mais significativa para nosso imaginário, do que a ideia de um caminho, já que quando se pensa em uma descida, há uma boa chance de se imaginar uma estrada indo para baixo. Por outro lado, a ideia de caminho, por si só, não evoca a outra noção, de modo que ela teria de ser auferida apenas pela ideia de ir ao Hades, o que nem sempre, na literatura grega, é um indicador de uma jornada para baixo (vide o caso de Odisseu, no canto décimo primeiro da Odisseia, que atingiu o Hades navegando até os confins do mundo). Por conta disso, “descida” acabou aparecendo no texto final, e não “caminho”. Na tradução, houve apenas duas ocasiões em que foi preciso deslocar palavras de um verso para o outro a fim de buscar uma sintaxe mais compreensível e de 103 satisfazer as necessidades métricas do método adotado. A primeira dessas ocasiões foi no sexto verso, em que a tradução de “biÒtou crÒnoj” ( “tempo da vida”) foi antecipada no quinto verso, para ficar adjacente ao adjetivo que a ela se refere (“doce”). O segundo e último caso em que um vocábulo foi deslocado de um verso para outro na tradução desse poema se encontra no sétimo verso. Lá, o verbo “¢nastalÚzw” (“choro”) foi movido para o verso seguinte. Esses foram os únicos pontos em que foi preciso fazer uma alteração dessa natureza durante a tradução. Glicônio e Ferecrácio O fragmento 358 de Anacreonte foi estruturado com duas estrofes que possuem, cada uma, três versos escritos com o metro convencionalmente denominado glicônio e um verso de metro ferecrácio. Um verso escrito com a forma métrica glicônia ou ferecrácia é iniciado sempre por uma base eólia, que ocupa suas duas posições iniciais. Assinalada como “ãã”, ela funciona parcialmente como um duplo anceps, com a diferença de que ao menos uma 104 dessas duas posições deve, necessariamente, ser ocupada por uma sílaba longa, podendo a outra variar livremente entre longa e breve. A tendência, em Anacreonte, no entanto, é de fazer com que ambas as posições sejam longas. Por fim, o verso glicônio se completa, na sequência, pela justaposição de um pé trocaico e de dois pés jâmbicos, ao passo que o ferecrácio é terminado por um pé dactílico e um espondaico, como podem ser observados no esquema apresentado abaixo: ãã l w wl wl U ãã l w wl wl U ãã l w wl wl U ãã l ww l l I Para exemplificar o funcionamento dessa estrutura métrica, façamos a escansão dos quatro primeiros versos desse fragmento, o de número 358, de Anacreonte: l l l w w l w l sfa… / rV / dhâ / tš / me / por / fu / rÍ l l l w w l w l b£l / lwn / cru / so / kÒ / mhj / ”E / rwj l w l w w l w l n» / ni / poi / ki / lo / sam / b£ / lJ l l l w w l l sum / pa… /zein / pro / ka / le‹ / tai: Como se pode ver, no segundo verso a sílaba “cru”, lida comumente com a duração de uma sílaba breve, foi alongada para se adaptar ao funcionamento do metro. Para a tradução, foram escolhidos metros de igual número de sílabas poéticas, ou seja, oito para os glicônios e sete para os ferecrácios. A base eólia inicial acabou tendo sempre a primeira sílaba como a forte, fazendo com que os glicônios se compusessem por dois pés trocaicos e dois pés jâmbicos justapostos. Para os ferecrácios, foi preciso alterar a ordem das sílabas, com a ocorrência de uma anáclase que transmuta o dáctilo e o espondeu depois da base eólia em troqueus. 105 A seguir, há a escansão dessa mesma primeira estrofe do fragmento 358, agora apresentada na versão traduzida: 1 2 3 4 5 6 7 8 E / ros, / ca / chos / dou / ra / dos, / lan / ça a 1 2 3 4 5 6 7 8 Bo / la / púr / pu / ra a / mim / de / no / vo, 1 2 3 4 5 6 7 8 Pra eu / brin / car / com / a / mo / ça / dos 1 2 3 4 5 6 7 Chi / ne / lin / hos / co / lo / ri / dos. Anacreonte – Fr. 358 sfa…rV dhâtš me porfurÍ b£llwn crusokÒmhj ”Erwj n»ni poikilosamb£lJ sumpa…zein prokale‹tai: 5 ¹ d', ™stˆn g¦r ¢p' eÙkt…tou Lšsbou, t¾n m′n em¾n kÒmhn, leuk¾ g£r, katamšnfetai, 106 prÕj d' ¥llhn tin¦ c£skei. Eros, cachos dourados, lança a Bola púrpura a mim de novo, Pra eu brincar com a moça dos Chinelinhos coloridos. 5 Ela, entanto, é da bela Lesbos, Vê defeito em meu cabelo, Por ser branco, e sai correndo Boquiaberta atrás de outra. O fragmento 358 de Anacreonte, de forma semelhante, também apresenta um tema recorrente: o da rejeição do eu-lírico, envelhecido, por indivíduos mais jovens do que ele (vide, por exemplo, os fragmentos 374 e 378). O poema se inicia com o que o eu-lírico enxerga como o deus Eros o incitando a ir brincar com uma jovem quando a bola roxa com que a moça brincava o atinge. Depois dessa esperança inicial permeada por um impecável clima de alegria, o andamento do texto se torna mais triste, com a consciência do estado de velhice do eu-lírico, o qual acaba por ser reprovado pela moça. Por fim, o poema volta para o clima de alegria inicial no ponto em que a moça sai correndo boquiaberta atrás de outra garota, deixando o eu-lírico para trás. Com respeito a esse aspecto da construção do poema, é interessante notar que, no original, os dois pontos máximos, o da enunciação explícita de que Eros o está incitando a brincar e o da moça fugindo atrás de outra, encontram-se nos dois versos de menor extensão métrica, de modo que esses são realçados pela própria estruturação do texto. Partindo para uma análise minuciosa do texto, no segundo verso do poema, há um adjetivo composto, “crusokÒmhj”, cuja tradução literal poderia ser “de cabelos dourados”. Num primeiro momento, o segundo verso se encontrava da seguinte forma na tradução: “Me acerta Eros dos louros cachos”, que, por si só, era um verso de sonoridade agradável, com uma boa sequência de vogais abertas (“acerta”, “Eros e “cachos”) interpoladas pelo peso enfático do ditongo de “louros”, que valorizava a 107 sequência por adicionar contraste sonoro. Essa sequência tentava recriar e compensar a homofonia do original grego, começada no primeiro verso (“sfa…rV”, “dhâtš”, “porfurÍ”, “b£llwn”, “crusokÒmhj” e “”Erwj”). Contudo, foi preferível trocar a ordem das palavras nos versos, para evitar um ritmo demasiadamente artificial, como era o do verso do momento anterior, em que havia uma elisão entre “acerta” e “Eros”, a fim de resultar em uma sílaba acentuada na terceira posição do verso. Por esse motivo, “cachos dourados” acabou sendo a tradução final. Algo semelhante ocorreu no terceiro verso do poema durante a tradução de “poikilosamb£lJ”, cuja tradução literal seria “de sandálias variegadas”. Nesse caso, havia espaço para uma perífrase, ainda que à custa de alterar a ordem das palavras nos versos, omitindo alguns detalhes que, apesar de interessantes por direcionarem a construção da cena na mente dos ouvintes ou leitores, não são de todo imprescindíveis à metodologia desse trabalho; a saber, o fato de Eros exortar o eu-poético a brincar junto e com a moça, e não simplesmente lançar a bola para ele brincar com a moça. Como esses detalhes estão num segundo plano para o método deste trabalho, puderam ser suprimidos a fim de inserir a perífrase “de chinelinhos coloridos”, que tem um efeito poético certamente melhor do que “de sandálias variegadas”, e recria a homofonia em /i/ de “n»ni” e “poikilosamb£lJ”. No sexto verso do poema original, há uma bela assonância em /é/, ao mesmo tempo em que o som de /m/ também se faz presente (“t¾n”, “m′n”, “em¾n” e “kÒmhn”). Esse efeito é de certa forma compensado pela sequência de sons de /é/ no quinto verso da tradução (“ela”, “bela” e “Lesbos”), ao mesmo tempo em que ocorre a repetição da líquida /l/ no mesmo local. O vocábulo “Lesbos”, aliás, foi deslocado do sexto verso para o quinto com o intuito de fortalecer esse efeito, ainda que se tenha perdido o enjambement observado no texto grego. Infelizmente, nesse caso, não foi possível haver uma compensação no exato verso, nem com a mesma intensidade, do texto original. 108 Oitava Ode Pítica de Píndaro A oitava ode pítica de Píndaro, como era padrão na lírica coral do período clássico, foi construída numa sucessão de estrofes, antístrofes e epodos. Essa maneira de composição pode ser observada em outros poetas de lírica coral como Baquílides, além de ser também a forma como o coro da tragédia se expressava, fazendo revoluções no palco para um lado e para o outro durante as estrofes e as antístrofes e, em seguida, juntando-se no centro para cantar o epodo. 109 A estrofe e a antístrofe são formadas por um número de versos variável, porém idêntico entre si. Da mesma forma, a estrutura rítmica empregada em cada um dos versos da estrofe também será observada na antístrofe. O epodo, por sua vez, terá um número de versos e um esquema métrico diferente do visto na estrofe e na antístrofe, mas que também será o mesmo ao longo do poema. Na oitava ode pítica de Píndaro, há cinco desses conjuntos triádicos, obedecendo o seguinte padrão métrico, como anotado por Snell em sua edição de Píndaro: 50 Estrofes e Antístrofes ww wl wwl l wl U wl wwwwwl U l l wl wwl U w l wl l wwl wl U l wwl l \ x l wl wwl wl U x l wl wwl l \ x l wl wl U x l wl wl I x l a l Epodos wl wl wwl a l l l l wl wwl l l a l wwl w l l l l wwl l ww wl l wwl w l l l x l u a l wl U x l wwl l U | l l wwl l U l wl wl U l wl wwl wl U l wwl wl wl l I A primeira certeza que se tem ao observar o esquema métrico dessa ode de Píndaro é a da impossibilidade de reproduzi-lo fielmente em Português numa tradução, uma vez que as sequências de longas e ainda maiores sequências de breves só são conseguidas em nossa língua com muito esforço. O único terreno em que uma 50 Harris (2009: 23). 110 reprodução fiel do ritmo observado talvez encontrasse espaço para desenvolver-se seria em uma recriação livre, mas isso foge do âmbito deste trabalho. Deixando, então, esse caminho de lado e partindo para um segundo olhar à análise feita por Snell, talvez a próxima característica que nos pareça mais conspícua seja o fato de que todos os versos terminam com uma sílaba longa, de modo que, para cada verso de cada segmento do poema, encontra-se em cada um dos seguintes segmentos de mesmo tipo um irmão gêmeo em termos de número de sílabas. Logo, o primeiro verso e o segundo verso de todas as estrofes – e antístrofes, já que elas têm o mesmo padrão rítmico – terão nove sílabas, ao passo que no terceiro sempre haverá sete e assim por diante para cada um dos versos. O número de sílabas, portanto, foi a primeira característica escolhida, neste trabalho, para figurar na tradução como um aspecto importante e passível de ser reproduzido nos moldes predeterminados. Uma vez definida a extensão dos versos empregados, o próximo fator que precisou ser decidido foi como distribuir as sílabas átonas e tônicas dentro desses versos. O esquema métrico adotado por Píndaro é de tal forma complexo que se torna até difícil falar de pés dentro dos versos, uma vez que os próprios versos parecem ser a unidade mínima com a qual o poeta construiu sua ode. No entanto, é preciso fazê-lo se se quer encontrar um padrão rítmico que se assemelhe em algo com o escolhido por Píndaro. Decerto, a escolha de um substituto para esse padrão será em certa medida arbitrária. No entanto, ela não precisa ser de todo aleatória e sem qualquer característica em comum com a adotada no original. Com isso em mente, buscou-se apreender o traço principal que perfaz todos os versos e lhes dá uma unidade simétrica mesmo na aparente assimetria de seu número de sílabas. Na mesma proporção em que é fácil distinguir a unidade mínima empregada na construção dos hexâmetros de Homero, parece, aos olhos e ouvidos modernos, difícil entender, num primeiro contato, o que há de comum entre esses versos de Píndaro, constituídos de uma pluralidade de combinações rítmicas. Podem-se, de imediato, localizar inúmeros jambos, alguns dáctilos e anapestos, uma boa quantidade de troqueus, além de espondeus e periambos. Tentando observar tudo isso como uma só 111 estrutura coerente e harmônica é, de início, uma tarefa extenuante para um leitor moderno, acostumado a uma tradição de versos mormente decassílabos e rimados. Porém, o que logo se evidencia é que, apesar de certas partes descendentes provocadas pelos dáctilos e troqueus, o ritmo do poema é ascendente. A seguir, há uma tentativa de identificar pés ascendentes no esquema métrico, estando marcados em verde os que sempre serão ascendentes e em azul os que apenas por vezes o serão: Estrofes e Antístrofes ww wl wwl l wl U wl wwwwwl U l l wl wwl U w l wl l wwl wl U l wwl l \ x l wl wwl wl U x l wl wwl l \ x l wl wl U x l wl wl I x l a l Epodos wl wl wwl a l l l l wl wwl l l a l wwl w l l l l wwl l ww wl l wwl w l l l x l u a l wl U x l wwl l U | l l wwl l U l wl wl U l wl wwl wl U l wwl wl wl l I Como se pode notar, prevalecem as passagens ascendentes ao longo dos esquemas métricos das estrofes e das antístrofes e, de certo modo, também dos epodos. Assim, chegou-se ao seguinte padrão métrico, buscando mesclar os pés encontrados no poema em versos mais ou menos simples para metrificação em língua portuguesa, de modo a haver certa variação num ritmo predominantemente ascendente: Estrofes e Antístrofes 112 wl wl wl wwl U 2,4,6,9 (9) l wl wl wl wl U 1,3,5,7,9 (9) l wwl wwl U 1,4,7 (7) wwl wwl wl wl U 3,6,8,10 (10) wl wl wl wl wl wl wl U 2,4,6,8,10,12,14 (14) wwl wwl wl wl wl wl U 3,6,8,10,12,14 (14) wl wl wl wl wl I 2,4,6,8,10 (10) wl wl wl wl wl wl wl U 2,4,6,8,10,12,14 (14) l wwl wl wl wl wl wl U 1,4,6,8,10,12,14 (14) wwl wwl wl wl wl wwl U 3,6,8,10,12,15 (15) l wwl wwl wl wl wl U 1,4,7,9,11,13 (13) wwl wwl wl wl wl wl wl U 3,6,8,10,12,14,16 (16) wl wl wl wl wl wl wl I 2,4,6,8,10,12,14 (14) Epodos O resultado final contém jambos, troqueus, dáctilos e anapestos em posições mandatórias. Foram deixados de lado os espondeus e os periambos pelo fato de que iriam aumentar em muito a dificuldade de manter a tradução de certa forma próxima ao original em termos de sentido. De fato, onde quer que fossem dispostos, haveria uma probabilidade ainda maior de que o conteúdo do texto original precisasse ser adaptado ou deslocado a fim de possibilitar sua ocorrência. Pelo mesmo motivo, não foram empregadas cesuras. Como em Português costumeiramente não se contam as sílabas átonas após a última sílaba tônica de um verso, não houve uma preocupação em terminar os versos na última sílaba tônica, como se observa no original. No entanto, para manter o ritmo, evitaram-se palavras proparoxítonas em final de verso. Nas três ocorrências na tradução de vocábulos considerados desse tipo pela gramática, há a possibilidade, no campo da poesia, de lê-los como paroxítonas. As ocorrências são: “Olímpia” (v. 36), “láureas” (v. 56) e “Mégara” (v. 78). Nas duas primeiras, deve se desconsiderar o hiato e ler “pia” e 113 “reas” como uma só sílaba. No último caso, a leitura de “Mégara” deve resultar em algo próximo a “Még’ra”. Ao contrário do critério comumente obedecido na tradução dos demais poemas deste trabalho, na tradução desse poema há diversos pontos em que as palavras localizadas em um verso do original foram deslocadas para outro verso adjacente. Isso foi feito pois nos pareceu que manter a estrutura rítmica intacta fosse algo mais relevante ao método de composição de Píndaro para esse poema do que a disposição do conteúdo. Não é impossível imaginar que, devido à complexidade e à rigidez do padrão rítmico, o próprio poeta, apesar de genial, tenha se visto forçado em algum ponto a fazer a escolha entre manter o ritmo e alguma ideia, palavra ou estrutura de frase mais poética ou loquaz. No entanto, o que se aufere a partir do resultado final é que Píndaro, quando frente a frente com uma questão desse gênero durante a composição dessa ode, certamente escolheu manter-se fiel ao ritmo escolhido. 114 Píndaro Nasceu no final do século VI na Beócia e adquiriu, já em vida, grande fama por todo o mundo grego. 51 É o poeta lírico cuja obra chegou até nós mais bem conservada. Suas odes de vitória, escritas sob encomenda para campeões em competições atléticas, sobreviveram em sua integridade. Quintiliano o considerava o príncipe dos poetas líricos “em virtude de sua inspirada magnificência, da beleza de seus pensamentos e imagens, da riqueza exuberante de sua linguagem e de sua matéria e da livre corrente de sua eloquência”. 52 Píndaro – Ode Pítica VIII 1ª Estrofe FilÒfron `Hsuc…a, D…kaj ð megistÒpoli qÚgater, boul©n te kaˆ polšmwn œcoisa kla⌠ daj Øpert£taj 51 Lesky (1995: 220-1). 52 Quintilian (Institutio Oratoria, 8.6 e 10.1). 115 5 PuqiÒnikon tim¦n 'Aristomšnei dškeu. tÝ g¦r tÕ malqakÕn œrxai te kaˆ paqe‹n Ðmîj ™p…stasai kairù sÝn ¢treke‹· 1ª Antístrofe tÝ d' ÐpÒtan tij ¢me…licon kard…v kÒton ™nel£sV, 10 trace‹a dusmenšwn Øpanti£xaisa kr£tei tiqe‹j Ûbrin ™n ¥ntlJ, t¦n oÙd′ Porfur…wn m£qen par' asan ™xereq…zwn. kšrdoj d′ f…ltaton, ˜kÒntoj e‡ tij ™k dÒmwn fšroi. 1° Epodo 15 b…a d′ kaˆ meg£laucon œsfalen ™n crÒnJ. Tufëj K…lix ˜katÒgkranoj oÜ nin ¥luxen, oÙd′ m¦n basileÝj Gig£ntwn· dm©qen d′ keraunù tÒxois… t' 'ApÒllwnoj· Öj eÙmene‹ nÒJ Xen£rkeion œdekto K…rraqen ™stefanwmšnon 20 uƒÕn po…v Parnass…di Dwrie‹ te kèmJ. 2ª Estrofe œpese d' oÙ Car…twn ˜k£j ¡ dikaiÒpolij ¢reta‹j kleina‹sin A„akid©n qigo‹sa n©soj· telšan d' œcei 25 dÒxan ¢p' ¢rc©j. pollo‹si m′n g¦r ¢e…detai nikafÒroij ™n ¢šqloij qršyaisa kaˆ qoa‹j Øpert£touj ¼rwaj ™n m£caij· 116 2ª Antístrofe t¦ d′ kaˆ ¢ndr£sin ™mpršpei. e„mˆ d' ¥scoloj ¢naqšmen 30 p©san makragor…an lÚrv te kaˆ fqšgmati malqakù, m¾ kÒroj ™lqën kn…sV. tÕ d' ™n pos… moi tr£con ‡tw teÕn cršoj, ð pa‹, neètaton kalîn, ™m´ potanÕn ¢mfˆ macan´. 2° Epodo 35 palaism£tessi g¦r „cneÚwn matradelfeoÚj OÙlump…v te QeÒgnhton oÙ katelšgceij, oÙd′ Kleitom£coio n…kan 'Isqmo‹ qrasÚguion· aÜxwn d′ p£tran Meidulid©n lÒgon fšreij, tÕn Ónper pot' 'O⌠klšoj pa‹j ™n ˜ptapÚloij „dèn 40 uƒoÝj Q»baij a„n…xato parmšnontaj a„cm´, 3ª Estrofe ÐpÒt' ¢p' ”Argeoj ½luqon deutšran ÐdÕn 'Ep…gonoi. ïd' epe marnamšnwn· ‘fu´ tÕ genna‹on ™pipršpei 45 ™k patšrwn paisˆ lÁma. qašomai safšj dr£konta poik…lon a„q©j 'Alkm©n' ™p' ¢sp…doj nwmînta prîton ™n K£dmou pÚlaij. 3ª Antístrofe Ð d′ kamën protšrv p£qv nàn ¢re…onoj ™nšcetai 117 50 Ôrnicoj ¢ggel…v ”Adrastoj ¼rwj· tÕ d′ o‡koqen ¢nt…a pr£xei. mÒnoj g¦r ™k Danaîn stratoà qanÒntoj Ñstša lšxaij uƒoà, tÚcv qeîn ¢f…xetai laù sÝn ¢blabe‹ 3° Epodo 55 ”Abantoj eÙrucÒrouj ¢gui£j.’ toiaàta mšn ™fqšgxat' 'Amfi£rhoj. ca…rwn d′ kaˆ aÙtÒj 'Alkm©na stef£noisi b£llw, ∙a…nw d′ kaˆ ÛmnJ, ge…twn Óti moi kaˆ kte£nwn fÚlax ™mîn Øp£ntasen „Ònti g©j ÑmfalÕn par' ¢o…dimon, 60 manteum£twn t' ™f£yato suggÒnoisi tšcnaij. 4ª Estrofe tÝ d', `EkatabÒle, p£ndokon naÕn eÙklša dianšmwn Puqînoj ™n gu£loij, tÕ m′n mšgiston tÒqi carm£twn 65 êpasaj, o‡koi d′ prÒsqen ¡rpalšan dÒsin pentaeql…ou sÝn ˜orta‹j Øma‹j ™p£gagej· ðnax, ˜kÒnti d' eÜcomai nÒJ 4ª Antístrofe kat£ tin' ¡rmon…an blšpein ¢mf' ›kaston, Ósa nšomai. 70 kèmJ m′n ¡dumele‹ D…ka paršstake· qeîn d' Ôpin ¥fqonon a„tšw, Xšnarkej, Ømetšraij tÚcaij. e„ g£r tij ™sl¦ pšpatai m¾ sÝn makrù pÒnJ, 118 pollo‹j sofÕj doke‹ ped' ¢frÒnwn 4º Epodo 75 b…on korussšmen ÑrqoboÚloisi macana‹j· t¦ d' oÙk ™p' ¢ndr£si ke‹tai· da…mwn d′ par…scei· ¥llot' ¥llon Ûperqe b£llwn, ¥llon d' ØpÕ ceirîn, mštrJ kataba…nei· ™n Meg£roij d' œceij gšraj, mucù t' ™n Maraqînoj, “Hraj t' ¢gîn' ™picèrion 80 n…kaij trissa‹j, ð 'AristÒmenej, d£massaj œrgJ· 5ª Estrofe tštrasi d' œmpetej ØyÒqen swm£tessi kak¦ fronšwn, to‹j oÜte nÒstoj Ðmîj œpalpnoj ™n Puqi£di kr…qh, 85 oÙd′ molÒntwn p¦r matšr' ¢mfˆ gšlwj glukÚj ðrsen c£rin· kat¦ laÚraj d' ™cqrîn ¢p£oroi ptèssonti, sumfor´ dedagmšnoi. 5ª Antístrofe Ð d′ kalÒn ti nšon lacèn ¡brÒtatoj œpi meg£laj 90 ™x ™lp…doj pštatai Øpoptšroij ¢noršaij, œcwn kršssona ploÚtou mšrimnan. ™n d' Ñl…gJ brotîn tÕ terpnÕn aÜxetai· oÛtw d′ kaˆ p…tnei cama…, ¢potrÒpJ gnèmv seseismšnon. 5° Epodo 119 95 ™p£meroi· t… dš tij; t… d' oÜ tij; ski©j Ônar ¥nqrwpoj. ¢ll' Ótan a‡gla diÒsdotoj œlqV, lamprÕn fšggoj œpestin ¢ndrîn kaˆ me…licoj a„èn. A‡gina f…la m©ter, ™leuqšrJ stÒlJ pÒlin t£nde kÒmize Dˆ kaˆ kršonti sÝn A„akù 100 Phle‹ te k¢gaqù Telamîni sÚn t' 'Acille‹. 1ª Estrofe Benevolente Paz, da Justiça Filha que engrandeces as cidades, De ambos conselhos e guerras Possuidora das chaves mais supremas, 5 Recebe esta honraria pítica de Aristómenes, Pois tu sabes de igual maneira dar e receber Na proporção exata gentileza. 1ª Antístrofe A cada vez que alguém implacável Ódio direciona ao coração, 10 Tu, com dureza, do imigo Vais de encontro da força, relegando A Desmedida ao pélago. Porfírio não sabia Seu quinhão e instigou-te em demasia. Ganho é quisto Enquanto vem de um voluntário lar, 1º Epodo 15 Mas Violência prostra com o tempo até o altivo. Não fugiu dela o centicéfalo cilício, Tífon, Nem o rei dos gigantes. Pelo raio, um foi vencido, O outro pelo arco de Apolo, que de mente amena Recebeu de Xenarco o filho, que de Cirra retornava, 120 20 Com dórico festim, cingindo-o em louro do Parnasso. 2ª Estrofe Das Graças não distante caiu Sua justa pólis; a excelência Célebre dos Eacidas Sua ilha alcançou. Perfeita teve 25 Renome desde o início. É cantada por ter sido Terra nutriz de heróis supremos em diversas provas Que trazem a vitória e em lutas ágeis. 2ª Antístrofe Por isso ela é distinta entre os homens. Mas não tenho tempo de narrar 30 Todo seu longo relato Com toar de suave voz e lira; Que a saciedade não nos rale. Mas o ônus que eu Tenho contigo e vem correr-me aos pés por tua obra, Permite-o voar nas asas de minha arte. 2º Epodo 35 Na luta segues de tua mãe os passos dos irmãos. Tu não desgraças de Teogneto os feitos em Olímpia, E tampouco a vitória dura de Cleitômaco no Istmo. Dos Midulidas o clã honrando o dito cumpres, O que o filho de Ecles em enigmas, tendo visto em Tebas 40 Das sete portas esses filhos junto às lanças, disse, 3ª Estrofe No tempo em que eles vieram de Argos 121 Na segunda marcha, dita Epígona. Disse ele enquanto lutavam: "Quando crescem, nos filhos é conspícuo 45 Do pai o espírito genuíno. Vejo com clareza De variegada serpe flamejante o escudo Alcmêon Vibrando primo nos portões de Cadmo. 3ª Antístrofe O herói Adrasto, que no desastre Anterior sofreu, agora tem 50 A informação de uma ave De melhor vaticínio, mas em casa O oposto ocorrerá. Das tropas dânaas, pois, é o único Que há de deitar os ossos filiais. Por graça excelsa Irá chegar ileso com seu povo 3º Epodo 55 A Abas de espaçosas ruas." Essas frases, pois, Disse Anfiarau. Eu próprio me deleito enquanto láureas Sobre Alcmêon eu lanço e enquanto o borrifo com hinos, Pois ele é meu vizinho e guarda minhas posses. Encontrou-me da terra quando eu ia ao umbigo celebrado 60 E, com sua arte inata, em oráculos tocou. 4ª Estrofe Longiflecheiro, a todos comum, Tu que o glorioso templo geres Dentro do vale de Pito, Dos deleites prestaste lá o maior. 65 Tu que antes uma dádiva invejada carregaste Para o pentatlo ao longo de teu festival em casa. 122 Senhor, eu rezo que de mente livre 4ª Antístrofe Eu possa discernir a harmonia Aonde quer que eu vá. Da procissão 70 De êxito dulcissonante A justiça se ajunta. Pra que os deuses, Xenarco, vejam tua fortuna sem inveja eu peço. Pois, quando alguém realiza grandes feitos sem penar, Parece ser um sábio em meio a tolos, 4º Epodo 75 Armando a vida com o engenho de escorreito alvitre. Mas isso tudo foge a nós: um nume que o concede. Ele joga por terra a um enquanto a outro soergue. Desce com moderação. 53 Ganhaste o prêmio em Mégara E no vale de Maratona. De Hera triunfaste em obra 80 Nos jogos públicos, três vezes, tu, ó Aristómenes, 5ª Estrofe Caíste do alto em cima de quatro Corpos com intento malfazejo. A eles não houve um retorno Jovial, como o eleito a ti da Pítia, 85 Nem quando a suas mães voltaram pôde o doce riso Dar-lhes deleite. Pelos becos, longe dos imigos, Recolhem-se, mordidos pelo azar. 5ª Antístrofe 53 Ao que tudo indica, descer, neste caso, seria em relação à arena. 123 Mas ele que ganhou algo belo e Novo em sua grande opulência 90 Voa pra além da esperança Sobre as asas de seu vigor, buscando Maiores ambições do que a riqueza. Dos mortais Cresce o deleite em pouco tempo e logo cai por terra, Tremido por um pensamento adverso. 5º Epodo 95 Efêmeros. O que é alguém? O que é ninguém? É o sonho De uma sombra o homem. Mas, se vem de Zeus o brilho, Uma luz resplendente lhe há e de vida um tempo gentil. Com um caminho liberto, cara mãe Egina, Aparelha esta pólis e com bênçãos de Éaco rei, de Zeus, 100 Do nobre Telamônio, de Peleu e de Aquiles. A oitava ode pítica de Píndaro foi composta em cem versos, divididos em cinco estruturas de estrofe, antístrofe e epodo, todas as cinco com a mesma extensão. Introduzindo o poema, na primeira dessas estruturas, há uma invocação da Paz, acompanhada pela enunciação de alguns de seus epítetos e de suas características mais importantes, assim como as que lhe são opostas, como a violência e suas consequências nefastas. Em seguida, a segunda traz uma menção à cidade de Aristómenes, o vencedor pítico que é objeto da ode, e depois dá início a um relato, acerca de sua genealogia, que prossegue até o final do terceiro epodo. Na quarta estrofe, há uma invocação de Apolo, acompanhada de um pedido, por parte do poeta, de poder sempre discernir a harmonia aonde quer que ele vá. Esse pedido se estende até a quarta antístrofe e antecede um novo pedido para que os deuses não invejem a fortuna de Xenarco, pai de Aristómenes, de cujos feitos o poeta trata a seguir, para, finalmente, no último epodo, pedir que Egina abençoe a cidade deles. 124 Primeiramente, é interessante notar como o poeta adiciona maior valor e significado aos feitos do atleta pela adição de diversos elementos do entorno do verdadeiro objeto da ode. Por outro lado, é no mínimo curioso o fato de que o poeta escolheu invocar, logo na abertura do poema, a Paz. Essa estranheza advém, obviamente, da não-participação da Paz no campo da Violência, cujos efeitos nefastos para aqueles que a praticam são descritos nesta ode, cujo feito glorificado é justamente o da vitória de Aristómenes no pugilato, um esporte bem pouco pacífico. Neste ponto, ao leitor moderno, sem dúvida há de ocorrer a hipótese de que haveria ali alguma forma de crítica velada ou qualquer outro artifício do gênero. Tendose em mente que esta ode foi justamente a última que Píndaro compôs antes de morrer, essa hipótese se torna ainda mais interessante, sem sombra de dúvida. Porém, não há elementos no restante de sua obra, ou mesmo maiores evidências nesta ode mesma, que corroborem uma especulação deste tipo. Antes, esse recurso do poeta deveria ter servido à intenção de proteger o lutador de um fim semelhante, de modo que, ao final do combate, no momento em que a ode foi performada, o poeta teria exercido um papel quase religioso de subtrair o atleta da esfera da Violência e apresentá-lo perante a Paz. Dessa forma, Píndaro estaria talvez moderando o ímpeto destrutivo de Aristómenes, para fazê-lo, assim como ele próprio, enxergar a harmonia aonde quer que ele vá. Talvez pela própria complexidade do metro adotado, o poeta não tenha se preocupado muito com muitos efeitos isolados ao longo do poema, como pode ser notado na maioria dos poemas deste corpus. Há, sim, um cuidado constante para conferir eufonia e um andamento ininterrupto ao poema, de modo que a ode inteira, pelo ponto de vista dos recursos poéticos pontuais, tem uma unidade bem estabelecida pela escassez de passagens que se sobressaiam em demasia do restante. O texto, pois, adquire uma uniformidade que, por conta da grande variação de assuntos no campo semântico, não é de modo algum ruim, pois funciona como um elemento a que o ouvinte ou leitor consegue se ater ao longo do poema, juntamente aos esquemas métricos recorrentes, de forma a dar unidade às dezenas de versos da obra. Na tradução, tentou-se fazer algo semelhante, à custa de empregar termos menos literais em prol de manter a eufonia e o ritmo. 125 Algumas passagens do poema, contudo, merecem uma distinção por conta de terem um acabamento mais cuidadoso e peculiar. Em primeiro lugar, o quinto verso da ode, cujo andamento pausado e solene, criado mormente pelo uso recorrente de consoantes oclusivas (/p/, /t/, /th/, /k/ e /d/) em cada uma das palavras do verso, harmoniza-se perfeitamente com o momento de apresentação do tema de que se falará, bem como a enunciação da vitória de Aristómenes. A economia de vocábulos, alcançada pelo uso de palavras compostas e de grande extensão, também colabora para acentuar a solenidade do verso. Na tradução, houve uma tentativa de recriar os efeitos citados acima. Apesar do Português demandar um maior número de palavras, o ritmo pausado foi mantido, em grande parte, graças à possibilidade de incluir uma palavra proparoxítona no interior do verso, fazendo com que a leitura seja mais marcada no ponto em que esta ocorre. A seguir, pode-se ver, na primeira antístrofe do texto grego, uma aliteração em /k/ nas palavras “kard…v” e “kÒton”, as quais reforçam o peso do sentimento tratado na passagem e que, na tradução, encontra apoio na repetição de /d/ em “ódio” e “direciona”, que, apesar de menos intensas, atuam com o mesmo intuito e função do /k/ no original. Alguns versos adiante, ainda na primeira antístrofe, há um longo vocábulo composto, “Øpanti£xaisa”, cuja sonoridade recorrente de /a/ cria uma base sólida para a introdução da palavra “kr£tei” com ainda maior veemência do que a própria palavra já tem por natureza, por conta do som de /k/ seguido de /r/, que o intensifica, e também pelo som de /t/ na sequência. Na tradução, o som vocálico que se repete é o de /o/ em “encontro” e “força”, palavras cujos sons de /r/ também as fazem mais pesadas e sonoras. O verso seguinte, de número onze, possui uma sonoridade bastante peculiar, permeada por ocorrências constantes de /n/, as quais se mostram ainda mais notáveis quando em final de palavra e antecedendo um som vocálico, de modo a criar um andamento contínuo no verso; uma palavra se aglutinando a outra como numa avalanche, talvez acentuando a queda associada comumente ao conceito de hýbris, enunciado no verso. Não foi possível, na tradução recriar ou compensar esse efeito de 126 maneira digna, ainda que haja uma aliteração em /p/ entre “Pélago” e “Porfírio”, antecedida pela repetição de /d/ em “desmedida”. Talvez o verso mais sonoro do texto seja o de número setenta e sete, por conta de vários efeitos extremamente marcantes. O primeiro e mais facilmente notável dos dois é o da longa repetição da líquida /l/ (“¥llot'”, “¥llon”, “b£llwn” e novamente “¥llon”). Em segundo lugar, há o eco entre “Ûperqe” e “ØpÕ”, e, finalmente, as assonâncias entre “b£llwn” e “ceirîn”, “¥llon” e “¥llon”, que se repetem de forma idêntica. A tradução deste verso conta também com alguns efeitos dignos de nota, como a repetição da líquida /r/ em “por”, “outro” e “soergue”. Há também uma repetição de /t/ ao longo do verso (“terra”, “enquanto” e “outro”) e, por fim, uma retomada do som /g/ de “joga”, do início do verso, em “sorgue”, localizado no final do verso. Apesar da tradução do verso mencionado anteriormente ter alguns efeitos marcantes, o verso mais sonoro do texto em Português talvez seja um logo acima dele, o de número setenta e cinco, tanto por conseguir transmitir seu conteúdo de forma natural, ainda que empregando vocábulos pouco comuns, quanto pela harmonia criada entre suas palavras. Bibliografia ALENCAR, Mario de. Diccionario das rimas portuguezas – precedido de um 127 tratado completo de versificação. Rio de Janeiro: Garnier, 1906. ALI, M. Said. 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