Josias Pereira - Eliane Candido - Mª Jeane Candido - Viviane Lino
(Organizadores)
PRODUÇÃO DE VÍDEO ESTUDANTIL: UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA EMERGENTE
Coordenação e Organização
Josias Pereira, Eliane Candido, Maria Jeane Candido, Viviane Lino.
Editora
Rubra Cognitiva
Copyright © 2020
Josias Pereira, Eliane Candido, Maria Jeane Candido, Viviane Lino.
Capa e Diagramação
Rita Martins e Eliane Candido
Revisão Pedagógica
Maria Jeane Candido e Viviane Lino
ISBN - 978-65-87148-01-4
ANO - 2020
Pelotas/RS, 2020.
Josias Pereira - Eliane Candido - Mª Jeane Candido - Viviane Lino
(Organizadores)
PRODUÇÃO DE VÍDEO ESTUDANTIL: UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA EMERGENTE
Este livro é composto pelos trabalhos destaques apresentados no 3º Congresso
Brasileiro de Produção de Vídeo Estudantil (CBPVE) realizado em setembro de 2018,
na cidade de Vitória da Conquista – Bahia.
O CBPVE é uma iniciativa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), do curso de
Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática
(PPGEMAT) e, nesta edição, contou com o apoio e correalização do Instituto Federal
da Bahia (IFBA) – Campus Vitória da Conquista e da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB).
Os conteúdos abordados nos textos, as opiniões e os conceitos emitidos, bem como a
originalidade dos trabalhos, das informações, exatidão, adequação e procedência das
citações e referências, são de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es).
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito dos autores.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
PRODUÇÃO DE VÍDEO ESTUDANTIL: UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA EMERGENTE
Josias Pereira
Eliane Candido
Mª Jeane Candido
Viviane Lino
(Organizadores)
Coautores
Adriana Nebel Kovalscki
Amanda Menger
Ana Cláudia Dias Vasconcelos (Anina Dias)
Gregorio Galvão de Albuquerque
João Pedro Wizniewsky Amaral
Koraiça Prince Tessari de Lima
Liana Lobo
Luis Gustavo Guimarães
Maria Dolores Ribeiro de Souza
Rafael Salles Gonçalves
Roberto Limberger
Silvana Marpoara
Tânia Cristina Medeiros Cardoso Lopes
Thomás Dalcol Townsend
Valdomiro Batista Rocha Marques
Zilmar de Souza Fiori
Editora Rubra Cognitiva
2020
Sumário
1. Hora de Cinema: uma experiência estética dialógica........................................................... 6
Liana Lobo
2. Produção de vídeos com câmeras de celular – oficinas de audiovisual para jovens . 17
Koraiça Prince Tessari de Lima, Roberto Limberger
3. Arte em Movimento: música e inclusão social “Projeto Criar e Tocar” - Uma realidade
possível........................................................................................................................................ 32
Zilmar de Souza Fiori
4. O Cinema como potência criadora – O caso do filme Linhas Tortas......................... 44
João Pedro Wizniewsky Amaral, Rafael Salles Gonçalves, Thomás Dalcol Townsend
5. Cinema e Educação: entrelaçando olhares .......................................................................... 55
Maria Dolores Ribeiro de Souza, Valdomiro Batista Rocha Marques
6. Vivências, convivências... Simples assim: escola! ............................................................... 67
Tânia Cristina Medeiros Cardoso Lopes
7. Das crianças do São Bento para o mundo .......................................................................... 76
Luis Gustavo Guimarães
8. Panóptico do olhar: o álbum de si e o autorretrato na sociedade da imagem ........... 85
Gregorio Galvão de Albuquerque
9. A participação do educador na curadoria do Cineclube Cidadania e a potência criativa
e empreendedora da exibição de dois documentários brasileiros na escola pública . 96
Ana Cláudia Dias Vasconcelos (Anina Dias)
10. O Bosque: o bullying pelo olhar dos estudantes ........................................................ 120
Amanda Menger
11. Produção de Vídeo Estudantil: experiências pedagógicas no ensino fundamental
....................................................................................................................................................130
Adriana Nebel Kovalscki
1. Hora de Cinema: uma experiência estética dialógica
Liana Lobo1
1. Introdução
Durante três anos, a oficina de audiovisual ‘Hora de Cinema’2 promoveu encontros
semanais no contraturno do Colégio Estadual Guilherme Briggs (CEGUIB) com um grupo
de educandos do ensino fundamental e médio interessados em participar daquele espaçotempo dedicado à apreciação, reflexão e produção audiovisual. Teve como objetivo
permitir a sensibilização dos participantes – seja esta estética, analítica, corporal ou humana
– a partir da manutenção deste espaço de expressão e experimentação audiovisual dentro
do ambiente da escola pública.
Para que conseguíssemos promover uma oficina que materializasse nossos objetivos
e aproveitasse ao máximo as potências de sensibilização e expressão do audiovisual como
Arte, foi necessário escapulir da lógica da obrigatoriedade, dos programas rígidos, das
imposições estéticas ou correções na maneira de se expressar (e filmar!) do educando. Pois
o enclausuramento do audiovisual dentro desta lógica disciplinar reduziria a sua potência
(BERGALA, 2008) enquanto conhecimento apreendido a partir da realidade concreta, da
expressão individual e coletiva, e do encontro com a alteridade.
Por isso, nós, do subprojeto de Cinema – Licenciatura do PIBID, nos inspiramos
em pressupostos do campo da Educação e do ensino das Artes Visuais para conseguir
Atualmente professora efetiva de Audiovisual do Núcleo de Arte do Centro Pedagógico/UFMG, Liana
Lobo é licenciada em Cinema e Audiovisual pela UFF, e foi bolsista CAPES por 3 anos na Iniciação à
Docência PIBID. O trabalho aqui escrito foi realizado em coautoria com a coordenadora do Subprojeto
Cinema – Licenciatura do PIBID, a profa. Eliany Salvatierra Machado.
2
Aconteceu nos anos de 2015, 2016 e 2017 como ação do Subprojeto Cinema - Licenciatura - Programa
PIBID, sob supervisão da professora Glaucia Andreza do Nascimento e em parceria com os bolsistas João
Paulo Barreto Dias e Luana Chaves de Farias.
1
7
propor experiências com o audiovisual na escola. Fundamentos como experiência estética3,
relação dialógica e realidade concreta se tornaram preciosos para nós.
Segundo Larrosa (1998), o sujeito da experiência é aquele que “sabe enfrentar o
outro enquanto Outro e está disposto a transformar-se numa direção desconhecida”
(LARROSA, 1998). Nada mais, portanto, que um sujeito que ao encontrar com o Outro
se põem numa relação dialógica Eu-Tu, como proposta por Buber (2001): “Relação é
reciprocidade. Meu Tu atua sobre mim assim como eu atuo sobre ele. Nossos alunos nos
formam, nossas obras nos edificam (...)” (BUBER, 2001).
Outro com ‘o’ maiúsculo, pois é o Outro que na relação é Tu, e não ‘isto’. Um
educando que não é apenas um número na lista de chamada ou mais um numa sala de aula
lotada, e sim, alguém com quem nos relacionamos em sua alteridade. A alteridade aqui é
perceber o Outro pelo o que ele está sendo no momento presente, em sua diferença e
singularidade. Ouvi-lo, vê-lo e cheirá-lo se for preciso, mas jamais tomá-lo como algo
definido. Para tal, estar em escuta e em relação.
Portanto, como educadores, devemos renunciar da nossa vontade de saber, prever e
controlar todos os conteúdos, caminhos, debates e produções pelas quais os educandos
passarão. O que podemos fazer é proporcionar, em sala de aula, atividades e situações que
provoquem experiências estéticas, ou seja, que estimulem os sentidos e os sentimentos, que
desencadeiem a expressão dos educandos e que possibilitem a invenção numa direção
desconhecida ou não planejada pelo educador.
Em “Fundamentos Estéticos da Educação” (1981), Duarte Jr. defende que a base
da educação deve ser estética, não apenas no ensino das Artes, mas também em todas as
disciplinas, e propõe que a experiência estética seja um princípio nos processos educativos.
Segundo este mesmo autor, a aprendizagem está ancorada nas associações do que já foi
vivido na experiência. Aqui, encontramos apoio também nas propostas de Paulo Freire
Entendemos estética pelo sentido grego do termo, esthesia, sensação ou sentimento. O termo sensação,
em português, remete-nos a dois sentidos diferentes: um que se refere às sensações provocadas pelos
estímulos aos sentidos como tato, paladar, olfato, visão e audição; outro que se refere ao sentimento ou
emoção de bem-estar ou incômodo.
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(1997) que, ao formular o seu programa de leitura de mundo para um largo e amplo
processo de alfabetização, parte da realidade concreta do educando. Paulo Freire nos ensina
que o processo de significação não deve estar dissociado da realidade concreta do
educando. Por isso, precisamos partir do que o educando conhece e atribui significado.
Nestas perspectivas, as Artes não seriam apenas uma disciplina, muito menos um
conteúdo em que prevalecesse a história dos objetos estéticos criados pela humanidade e,
menos ainda, o culto ao gênio criador. Portanto, seriam a experiência sensível do que é
significativo para os educandos e educadores. Encaramos o Audiovisual da mesma maneira.
A lição emancipadora do artista, oposta termo a termo à lição embrutecedora
do professor, é a de que cada um de nós é artista, na medida em que adota dois
procedimentos: não se contentar em ser homem de um ofício, mas pretender
fazer de todo trabalho um meio de expressão; não se contentar em sentir, mas
buscar partilhá-lo. O artista tem necessidade de igualdade, tanto quanto o
explicador tem necessidade de desigualdade. (RANCIERE, 1987).
Assim, durante os anos em que a oficina ‘Hora de Cinema’ esteve ativa e pulsante
nas tardes do CEGUIB, nos distanciamos de uma perspectiva conteudista e de explicações
exacerbadas para nos focar na construção de uma relação dialógica (Figura 1) entre
educandos-educadores-educandos – a qual se traduz na autonomeação coletiva da oficina,
que é uma referência ao desenho animado Hora de Aventura, gosto comum entre os
educandos e os educadores-pibidianos – colocando em prática a ideia de que estudar pode
ser leve, prazeroso e ligado à realidade concreta dos educandos.
Figura 1: Aula de captação de som com o educador-pibidiano João Paulo
revela uma turma concentrada em meio a cadeiras espalhadas. A relação
dialógica se faz presente na própria organização espacial da sala de aula
e na posição dos corpos (Liana Lobo, 2017).
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2. Autonomia e Autoria coletiva no fazer audiovisual
O primeiro projeto da oficina foi a produção de um videoclipe. Negociando em
meio a interesses, a turma4 decidiu, conjuntamente, trabalhar com a linguagem visual do
videoclipe. Surgiram duas propostas aparentemente opostas: a primeira, realizar um
videoclipe da turma se divertindo num passeio ao Campo de São Bento5, realizando as
batidas da música com palmas e copos plásticos (uma brincadeira recorrente dos
educandos); a segunda, criar um videoclipe de terror com zumbis. Os educandos gostaram
muito de ambas as propostas e decidiram uni-las para que todos pudessem participar da
concepção de arte dos zumbis, como também, do passeio ao Campo de São Bento, o que
suscitou numa curiosa estética de zumbis no parque se divertindo em plena manhã
ensolarada (Figuras 2 e 3).
Figuras 2 e 3 – Frames do videoclipe “Após o Apocalipse” (Hora de Cinema, 2015).
A partir da exibição de variados videoclipes brasileiros e internacionais sugeridos
pelos educadores e também pelos educandos, pudemos realizar debates e exercícios sobre
o uso das cores, dança, cortes, ritmo e narrativas associadas às produções musicais. Além
disso, contamos com o apoio de profissionais de outras áreas, como maquiagem e dança,
que ministraram workshops com os educandos. Por fim, a turma produziu coletivamente
o videoclipe “Após o Apocalipse”, sendo protagonistas na elaboração do roteiro,
Na época os educandos tinham, em média, 12 anos.
Um parque em Niterói-RJ, principal jardim público da cidade, com brinquedos para crianças, canteiros
e um lago artificial.
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storyboard, escolha da locação e da música, maquiagem, figurino, filmagem, atuação, dança
e edição (Figuras 4-7).
Figuras 4 – Registro fotográfico do Storyboard
de planejamento do videoclipe “Após o
Apocalipse”, com colagens e anotações (Liana
Lobo, 2015).
Figura 5 – Registro fotográfico da Oficina de
Maquiagem com a licencianda em Cinema UFF
Jhennifer Azevedo (Luana Farias, 2015).
Figuras 6 – Registro fotográfico da realização do
videoclipe “Após o Apocalipse” (Luana Farias,
2015).
Figura 7 – Registro fotográfico da edição em
sala de aula (Liana Lobo, 2015).
Durante todo o processo de produção audiovisual os educandos precisaram
exercitar a escolha. Foram eles quem – negociando com o grupo e com os educadorespibidianos – partilharam todas decisões da produção do videoclipe. A experiência da
autonomia durante processos educativos costuma ser escassa, sendo de extrema
importância na formação da subjetividade das crianças. Nesta metodologia na qual o
educando é protagonista de sua própria produção, ele “(...) se tornará mais atento, mais
consciente de sua capacidade (...). Nós sabemos a razão desse efeito, que é completamente
diferente da memorização visual e do adestramento gestual” (RANCIERE, 2002).
Consequentemente, a função dos educadores é aqui bastante diferente da posição de voz
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hierarquizada, geralmente, ocupada pelo professor. Neste processo lúdico o que os
educadores propiciaram foram “ações comunicativas protagônicas e potencializadoras de
subjetividade” (SALVATIERRA, 2007).
Consideramos que o encontro entre produção audiovisual e educação deve provocar
algum tipo de desestabilização dos funcionamentos hegemônicos, possibilitando distintos
envolvimentos e inserções das potencialidades de cada educando, a partir dos diferentes
espaços-tempos e funções que surgem no processo da produção de um vídeo. A produção
audiovisual numa escola deve deslocar os educandos do lugar que sempre são colocados
pelos professores e outros colegas, desconstruindo preconceitos e recriando laços de afeto.
Deve incentivar que a criança definida como bagunceira possa ser responsável pela
organização no set de filmagem, que a criança tímida participe da atuação e/ou dança, que
as meninas tenham espaço também por trás das câmeras, que os meninos participem do
momento de produção da maquiagem e figurino, etc. Estes exemplos dados foram
vivenciados na produção do videoclipe “Após o Apocalipse”.
Segundo Marcio Blanco (2014), quando o audiovisual se insere na educação ele
desestabiliza também a função professor. Isto porque o audiovisual pressupõe o
protagonismo dos alunos na produção do filme, já que exige mais de uma pessoa
(professor) na equipe. O que, por si só, já desconstrói a relação frontal e enfileirada da sala
de aula, na qual o professor assume a posição de destaque. E, ao levarmos a educação para
dentro da produção audiovisual, ela também pode desestabilizar a função diretor. Afinal
de contas, se produzimos um filme preocupados com o processo pedagógico que todos os
educandos passarão, não podemos cultuar um só aluno como gênio criador.
Em geral, a persona diretor de cinema ainda carrega a responsabilidade pela obra
cinematográfica como um todo, por mais que esta tenha sido executada por uma equipe
composta por diversos departamentos com diferentes responsabilidades. Assim como o
professor na sala de aula, o diretor de cinema opera mantendo “unidos e coesos os diversos
elementos (...), evitando que esses elementos sigam suas próprias inclinações e os impeçam
de atingir seus objetivos – fazer um filme, ensinar um tema do currículo escolar”
(BLANCO, 2014). Portanto, ambos estabilizam controvérsias, materializam sua visão de
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mundo, legitimam um conhecimento. Mas isto só é possível porque se colocam numa
posição de destaque em relação aos outros (integrantes da equipe ou alunos). Se não fosse
pela hierarquia existente tanto na aula quanto no set de filmagem, estes indivíduos não
acumulariam o poder das decisões, sejam elas artísticas ou conteudistas.
Isto posto, uma das formas de criar um equilíbrio nesta relação incerta entre o
audiovisual e a educação é com a autoria coletiva. Isto quer dizer que a autoria do filme, a
sua visão de mundo, não reside em um só indivíduo (seja este educador ou educando). No
tipo de autoria coletiva experienciada pelos integrantes da oficina Hora de Cinema, as
decisões foram partilhadas por todos. Ninguém foi creditado pela direção do videoclipe, e
ao mesmo tempo, todos foram diretores. Todos foram atores, roteiristas, operadores de
câmera, diretores de arte, maquiadores, figurinistas, editores, etc. Este tipo de produção
coletiva desenvolve não apenas a capacidade de comunicação em trabalhos em grupo, como
também a noção de alteridade.
Figura 8 – Registro fotográfico de produção coletiva
do Hora de Cinema (educanda Julia Morais, 2017).
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Ressaltamos que a coletividade do filme é o resultado do processo pelo qual os
integrantes da oficina passaram. É aqui que encontramos o maior diferencial entre este tipo
de produção e a produção de um set de filmagem “tradicional”. No set de filmagem a
subjetividade é prévia e o conceito surge à priori, normalmente através da figura do diretor
ou do produtor, em alguns casos. O propósito do set de filmagem é o produto. Enquanto
que na oficina de audiovisual a subjetividade se desenvolve no processo. E é uma
subjetividade “coletiva”, proveniente das relações afetivas que se estabelecem no grupo. É
uma subjetividade mais fluída, mutável. Aqui, o propósito da filmagem não é o produto, e
sim, proporcionar aos educandos uma experiência estética educativa na qual se tornem mais
conscientes sobre o audiovisual, sobre si mesmos, sobre o Outro e sobre o que expressam.
Nestes processos, os pilares “Ver, Fazer e Refletir” (BARBOSA, 1998) surgem de
maneira indissociável, se repetindo constantemente em diferentes ordens e funcionando de
maneira circular. Afinal, concluído o processo do fazer audiovisual os educandos veem e
refletem sobre suas próprias produções. Comumente, o audiovisual está na escola num
lugar apenas do Ver e Refletir, entrando nas aulas de distintas disciplinas como ferramenta
para gerar estudo ou discussão sobre certo tema. Para nós, “trabalhar com cinema na escola
e não fazer criação, seria como falar de música e não fazer música” (DOMINGUES,
2013). A dimensão do fazer é tão ou mais importante que o aumento de repertório
audiovisual ou análise do mesmo. Acreditamos que é fazendo audiovisual – ou seja,
passando pela experiência de poder criar com as ferramentas audiovisuais – que fica mais
claro aos educandos de que forma eles são produzidos e, portanto, se tornam mais
perceptivos e abertos à distintos produtos audiovisuais, sabendo identificar que as diversas
formas éticas, estéticas e políticas dos produtos audiovisuais que consomem derivam,
diretamente, da maneira que foram produzidos.
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Figura 9 – Educandas do Hora de Cinema registram a ocupação do IACS/UFF
(Luana Farias, 2016).
Conclusão
Por fim, é perceptível que a autonomia e autoria coletiva dos educandos nas
produções da oficina Hora de Cinema (desde o formato dos vídeos, temas, trilhas sonoras,
etc., até a montagem dos planos) se transportaram para a estética dos produtos finais, que
traduzem os interesses compartilhados pelos educandos, e expressam a subjetividade que
se formou entre o grupo durante todo o processo. Os educandos do Hora de Cinema
desenvolveram autonomia e a noção de coletividade, se apropriaram da linguagem
audiovisual a partir de um fazer prazeroso e ligado à realidade concreta do que tinha
significado para eles. Passaram a ser produtores audiovisuais para além de consumidores
ou espectadores.
Através da relação dialógica e das criações coletivas foi possível criar laços afetivos,
transformar relações entre educandos e permitir processos onde a expressão e
experimentação estivessem presentes.
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Figura 10 – Registro fotográfico de educandos, educadores-pibidianos e a supervisora
da oficina Hora de Cinema na campanha #FicaPIBID, em 2017.
Referencial Bibliográfico
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
BERGALA, Alain. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da
escola. Tradução: Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISEFE/UFRJ, 2008.
BLANCO, Marcio. Entre o audiovisual e a educação: o coletivo em um filme de oficina. UERJ, Rio de
Janeiro, 2014.
BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001.
DUARTE JÚNIOR, J. F. Fundamentos Estéticos da Educação. Uberlândia: Cortez Editora / UFU,
1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
LARROSA, Jorge. O Enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro. Em: Imagens do
outro. Petrópolis: Vozes, 1998.
RANCIERE, J. A. A Razão dos Iguais. Em: O mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
SALVATIERRA, Eliany. Educomunicação e Experiência Estética. Em: LIMA, Rafela (Org.). Mídias
comunitárias, juventude e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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Videografia
APÓS O APOCALIPSE. Realização educandos da oficina Hora de Cinema. PIBID de cinema. Rio de
Janeiro, 2015 (4 min)6.
Este vídeo foi exibido na apresentação deste trabalho durante o 3º Congresso Brasileiro de Produção de
Vídeo Estudantil (CBPVE), em Vitória da Conquista-BA, no dia 26/09/2018.
6
2. Produção de vídeos com câmeras de celular – oficinas de
audiovisual para jovens
Koraiça Prince Tessari de Lima
Faculdade Polis das Artes
kora.prince@gmail.com
Roberto Limberger
Instituto Ideia Coletiva
betolimberger@gmail.com
Resumo
O artigo analisa oficinas de vídeo produzidos com câmeras de celular, por jovens de escolas
públicas, ou atendidos por equipamentos públicos de Campinas-SP e Hortolândia. Aborda
o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação em sala de aula, através da exibição
de filmes e produção de vídeos. Passando pela legislação vigente que trata da educação no
Ensino Médio e da exibição de filmes brasileiros em escolas de ensino básico. Descreve
como aconteceram as oficinas de produção de vídeo com celular e discute seus resultados.
Palavras-chave: TICs, vídeo com celular, educação para o audiovisual.
Abstract
This article analyses video workshops with mobile cameras produced by young students
of public school and other public instituitions from the cities Campinas and Hortolandia,
São Paulo State. It approaches the use of Informations and Comunication Technology at
classrooms through film exhibition and film production. Addressing on current legislation,
that treats high school education system and film exhibition of brazilian movies at basic
education schools. Describing how the video workshops with cellphone cameras went and
discuss their results.
Keywords: Information and Communication Technology (ICT), videos with cellphone
camera, mobile videos, filmmaking education, movies for education.
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1. Introdução
Em 2006 e 2007 havia o grupo de estudos sobre TV digital na Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus Bauru, atrelado à Faculdade de Arquiteturas, Artes
e Comunicação e do curso de Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV. Na
época, ainda se pesquisava sobre as questões técnicas e sociais das novas mídias e a relação
com os usuários; havia celulares, mas eram usados principalmente para chamadas de voz.
A TV digital propunha interatividade, multiprogramação, mobilidade, aumento da
qualidade técnica/resolução, entre outros fatores (BECKER e MONTEZ, 2004, p. 26).
Segundo HOINEFF (1996, p. 17), “a velha televisão morreu e uma nova televisão acaba
de nascer. Os responsáveis pela morte de uma e pelo nascimento de outra são os mesmos:
a revolução nas tecnologias de distribuição de sinais e o desenvolvimento dos processos de
digitalização”.
Hoje, em 2016, não apenas a televisão digital relaciona-se completamente diferente,
como a internet e celulares com inúmeras outras funções, refletindo também nas salas de
aula do ensino básico.
Este trabalho procura fazer um panorama do uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação no processo de ensino e aprendizagem e o uso dessas tecnologias em sala de
aula, através da análise de atividades em turmas do ensino médio durante as aulas de Artes
da Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado – ETECAP, em Campinas, e de
oficinas de vídeo com celular realizadas na Escola Estadual do Jardim Santa Clara do Lago,
em Hortolândia, e em diversos equipamentos públicos em bairros periféricos de Campinas,
como: Centro Cultural Maria Monteiro, Centro Educacional Unificado (CEU Esperança
e CEU Florence), Centro de Atenção Social Integrado (CASI Campo Belo) e Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS Nelson Mandela), realizado com jovens de 14 a
18 anos.
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2. Metodologia
O artigo é resultado da disciplina Uso das Tecnologias da Comunicação e
Informação em Sala de Aula, do curso de Complementação Pedagógica, com equivalência
em Licenciatura em Artes.
A metodologia utilizada parte da pesquisa teórica para embasar a análise de
atividades que já aconteciam – as oficinas de produção de vídeo com celular, feitos por
jovens.
As referências teóricas foram autores da área de televisão e cinema, da área de
educação e de artigos da área de educomunicação. Além disso, pesquisas que tratam de Leis
Federais, como a Resolução nº 2 de 30 de janeiro 2012 que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a Lei nº 13.006 de 26 de junho de 2014
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional em relação a exibição obrigatória
de filmes de produção nacional por, no mínimo, duas horas mensais.
3. Resultados e discussões
3.1 Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs
São as tecnologias, sejam analógicas ou digitais, quem permitem ou facilitam a
comunicação ou a transmissão de informações entre pessoas, grupos e, até mesmo, entre
sistemas ou máquinas.
A palavra tecnologia é de origem grega - tekne - e significa “arte, técnica ou
ofício”. Já a palavra logos significa “conjunto de saberes”. Por isso, a palavra
define conhecimentos que permitem produzir objetos, modificar o meio em
que se vive e estabelecer novas situações para a resolução de problemas vindos
da necessidade humana. Enfim, é um conjunto de técnicas, métodos e processos
específicos de uma ciência, ofício ou indústria. (RAMOS, 2012, p. 2).
As TICs seriam desde o telefone, sistemas complexos para uso industrial, TV, e-
mail, passando por aplicativos usados para entretenimento ou comunicação cotidiana,
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como o WhatsApp, até ferramentas importantes para ampliar a democratização e
acessibilidade educacional, como a transmissão de dados para as aulas ao vivo de EAD
(Educação a Distância) ou dispositivos para pessoas com necessidades especiais
(PACIEVITCH, s/d).
Estamos na era da imagem. Desde a invenção da fotografia, surgiram novas mídias,
baseando-se no sentido da visão, como o cinema, a televisão, a internet, o outdoor, entre
outros. Após milhares de anos comunicando-se quase que exclusivamente pela fala, o
homem presencia o aparecimento dessas mídias e, em cerca de duzentos anos, a
humanidade passa do estágio oral ao visual. Levando esse aspecto em consideração
LEMOS (2003) afirma que “a sociedade brasileira passou da cultura oral diretamente para
a cultura audiovisual e isso interfere na forma como nos relacionamos com os novos
produtos midiáticos”.
Segundo MC LUHAN (1974), os meios de comunicação são tecnologias que
expandiriam os sentidos humanos, como por exemplo, a TV e o cinema seriam a expansão
do olhar. Nesse sentido, o celular seria uma extensão da audição, da fala, do olhar, bem
como, do brincar, do estar, do ser, pois não se utilizam apenas como telefone, mas também
como forma de comunicar-se e como pertencimento a grupos em diversos locais e tempos,
demonstrando ao mundo uma identidade própria, dos usuários, ao mesmo tempo que
recebe do mundo diversas identidades, seja do colega ao lado, seja de pessoas e personas
no mundo todo.
3.2 TICs – o audiovisual nas escolas
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, de 2012, no Título III,
Capítulo I, Artigo 16, inciso VIII, preveem que o Projeto Político Pedagógico (PPP) das
unidades escolares que ofertam o Ensino Médio deve considerar a utilização de diferentes
mídias como processo de dinamização dos ambientes de aprendizagem e construção de
novos saberes.
21
A Lei nº 13.006 de 2014 acrescenta o § 8o ao art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar
a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica.
Art. 1o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescido do seguinte § 8o:
Art. 26. § 8o A exibição de filmes de produção nacional constituirá
componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da
escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais.
(NR) (BRASIL, Lei nº 13.00, 2014).
Segundo JOLY (2007), a televisão é a principal fonte de entretenimento,
informação e cultura de grande parte da população brasileira, alcança a todas as faixas
etárias, classes sociais, a qualquer horário e em qualquer lugar, é, portanto, uma realidade
contemporânea que pode ser facilmente utilizada para ajudar a educar.
É notório que a sociedade está cada vez mais intimamente ligada à linguagem
audiovisual, seja através da mídia televisiva, do Cinema, internet, além de monitores
instalados em elevadores, ônibus, metrôs, etc. A escola, acompanhando esse movimento,
conquista os computadores, DVD players, projetores, televisores, em seus auditórios e em
salas de aula.
Uma crítica que CUSATI (2012) faz aos programas e vídeos “educativos” é que,
na maioria das vezes, são prestigiados apenas os conteúdos e não a forma. As informações
são transmitidas, mas como se fosse uma aula sobre determinado assunto, como se fizesse
parte de um plano de aula, como se trocasse o professor pelo vídeo. “Desta maneira, o uso
do vídeo não contribui para formar cidadãos críticos, apenas leitores passivos” (CUSATI,
2012).
Para que o filme ou vídeo não seja apenas um substituto do professor, o mesmo
deve ser considerado como suporte para as aulas ampliando o repertório dos alunos ou
como obra de arte em si, considerando também sua forma, estética, linguagem e gênero.
A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa é hoje uma das principais referências
do ensino de Artes no Brasil, na qual abarca a “apreciação” ou leitura da obra, sua
22
contextualização (pesquisa, história, sociedade) e a prática artística (a produção de “obras”
pelos alunos).
Seguindo essa proposta, em relação ao uso do Audiovisual nas escolas, a Lei nº
13.006 de 2014 fomenta o “consumo” de obras cinematográficas nacionais pelos alunos,
ampliando o repertório tanto na temática, quanto na estética fílmica nacional, em
detrimento ao consumo de longas-metragens internacionais feitos por grandes estúdios,
verdadeiras indústrias do entretenimento, distribuídos majoritariamente em sala de cinema
em shoppings centers, a preços inacessíveis para pessoas de classe social mais baixa.
Essa Lei não especifica que as produções sejam somente filmes de longa-metragem,
há obrigatoriedade somente de serem produtos com produção nacional. Os filmes de curtametragem (com duração de até 35 minutos) possuem grande potencial, pois podem ser
exibidos e reexibidos com facilidade durante uma única aula, com duração de 50 minutos.
Qualquer disciplina, professor ou projeto escolar poderia propor a pesquisa para a
contextualização do filme trabalhado, seja na esfera histórica, geográfica, política, seja sobre
questões inerentes às ciências, à matemática, aos idiomas, às artes, entre outras esferas do
conhecimento. Porém, não há na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) a previsão de
uma disciplina específica para o ensino aprendizado sobre Comunicação, Mídias e questões
afins, ficando o desenvolvimento do pensamento crítico em relação ao audiovisual diluído,
e muitas vezes deixado de lado.
Várias pesquisas e projetos estão sendo desenvolvidos para uma sistematização do
ensino de audiovisual. Como exemplo, a media literacy, que objetiva envolver crianças e
jovens na análise e discussão de produtos audiovisuais que abordam questões do seu
contexto social, como forma de levá-los a refletir sobre essas questões e prepará-los para
compreender as transformações que são necessárias no seu contexto social (AKHRAS,
SOUZA e BONI, 2014).
A produção de filmes ou vídeos pelos alunos é uma atividade quase nula. Em geral,
as escolas que possuem câmeras as utilizam somente para o registro de outras atividades
que acontecem de forma independente da esfera audiovisual, como feiras de ciências,
23
gincanas, confraternizações, etc. Portanto, as câmeras compactas, digitais, especialmente os
celulares, nos anos de 2015 e 2016, são ferramentas essenciais para alcançar essa etapa: a
produção audiovisual.
3.3 Celular como ferramenta audiovisual
Alunos do Ensino Fundamental II e Médio, ou seja, entre 11 e 18 anos,
aproximadamente, majoritariamente, possuem celular próprio ou de parentes próximos,
mesmo estudantes de escolas públicas em bairros periféricos.
Em pleno século XXI, os alunos vivenciam um mundo completamente
diferente de algum tempo atrás, onde as maiores informações adivinham dos
livros. Essa nova geração midiática já chega à escola com sede de aprender algo
que lhe seja atraente, significativo, pois já estão conectados no celular, nos
videogames, na internet e são telespectadores desde a infância. (CUSATI,
2012).
Não há como ser indiferente aos aparelhos celulares e as interações dos alunos entre
si e com o mundo externo, seja com outras pessoas ou conteúdos, até mesmo com o próprio
aparelho, através de jogos e aplicativos. Em sala de aula, pode ser – e geralmente o é - mais
um fator para chamar a atenção para além das atividades propostas pelo professor, ainda
que não seja o único elemento que pode desconcentrar, pois os jovens, pela fase natural da
vida, já estão mais sensíveis a estímulos externos, conversas com colegas, etc.
Alunos com smartphones conectados à internet podem sim se dispersar durante
aula, entrando em redes sociais, se comunicando com amigos em momentos
inadequados e até mesmo atrapalhar a aula e outros colegas. No entanto, poderá
também pesquisar em dicionários on-line ou em aplicativos já disponibilizados
pelas editoras, existem vários. A câmera, presente em praticamente todos os
modelos, pode ser utilizada na disciplina de Artes em um trabalho com
fotografias. (BRITO E MATEUS, 2011, p. 9520).
O celular é uma ferramenta múltipla e pode ser usado como calculadora, bloco de
notas, calendário, meio para pesquisa sobre temas abordados em sala, utilizando-se da
internet, seja pesquisando textos, imagens, músicas, vídeos, também como registro das
aulas, com a gravação de áudios, vídeos, fotografias de desenhos ou esquemas feitos pelo
professor na lousa, anotações. Segundo RAMOS (2012), o uso do celular por alunos do
24
ensino médio se dá prioritariamente para enviar/receber mensagens, em seguida para ouvir
música e em terceiro lugar para telefonar, ficando minoritariamente seu uso focado em
pesquisa, registro ou expressão de conhecimento.
Mais uma possibilidade seria usar a câmera de celular como fermenta para a criação
e produção de vídeos, atividades que complementaria a Proposta Triangular de Ana Mae
Barbosa, na etapa de “prática artística”, na esfera audiovisual. O celular é barato, a maioria
dos alunos já possui e os trabalhos seriam em grupos, portanto seriam necessários poucos
aparelhos por turma, são fáceis de manipular, transferir dados, há aplicativos de edição
gratuitos. Mesmo a resolução sendo infinitamente menor que no Cinema ou HDTV, é
suficiente para a exibição em pequenos televisores e computadores. Também não há
qualidade técnica em relação à captação de imagem, com poucos recursos de Fotografia,
como pouca profundidade de campo e captação de som, no entanto, são também
facilmente contornáveis, pois o que se busca nesse momento é a questão da experiência e
vivência prática, em detrimento da perfeição do produto final.
3.4 A produção audiovisual
Neste artigo, não será abordado o vídeo como registro de eventos que já sejam
realizados por si só, e sim, como meio de expressão artística ou comunicacional.
Não queremos questionar aqui benefícios advindos do avanço tecnológico que
permite o olhar através dos aparelhos. Questionamos que este olhar seja
extensão, aprimoramento, correção e ampliação do nosso olho. Trata-se de um
outro olhar que, como vimos, reconstrói, a sua maneira, o real; e que nos
proporciona uma outra experiência perceptiva. (MIRANDA, 2001, p. 39).
A produção audiovisual é, intrinsecamente, coletiva. Da mesma forma, a produção
de vídeo em escolas também seria, fomentando o trabalho em equipe, divisão de funções e
responsabilidades. A primeira etapa seria a criação de argumentos, roteiros, histórias, cenas,
a partir de temas e questões levantadas pelos próprios jovens ou propostas de forma mais
abrangente pelos educadores, como ponto de partida para a criação mais específica com as
25
características que os alunos desejam. Se um assunto é imposto a atividade pode,
facilmente, ser alvo de desinteresse.
Com essa etapa, eles já desenvolvem a criatividade, pois geralmente estão
acostumados a desenhar ou escrever, o que possibilita infinitas histórias e formas,
diferentemente do audiovisual, que pode restringir a captação de imagens e sons quando
não há recursos mais específicos para efeitos especiais, cenários virtuais, trilha sonora ou
sonorização original, etc., exigindo outro tipo de esforço na criação.
Mesmo se não houver a produção efetiva, o enredo desenvolvido já resgata a
memória, infla a imaginação, gera novas conexões. E pode ser usada como mais um
caminho possível para passar por questões delicadas, como preconceito, bullying,
identidade, gênero, sexualidade, violência, entre outras temáticas. As histórias e
personagens podem vivenciar situações que se assemelham ao cotidiano dos alunos e
podem encontrar problemas e resolver conflitos de forma que os alunos possam refletir
sobre como seria na vida deles. Essas representações visuais e sonoras passam a constituir
um repertório do qual tanto os alunos quanto os espectadores – sejam eles mesmos ou
alunos de outras turmas, familiares, comunidade em geral – opinam e agem sobre a
sociedade em que vive. (ALMEIDA, 1999, p. 13-14).
Uma história para contribuir com o desenvolvimento cognitivo e emocional das
crianças, além de entreter, deve estimular a imaginação, ajudar na construção do
intelecto, autoestima e autoconceito, reconhecer as ansiedades e aspirações para
sugerir soluções aos problemas que as perturbam. (JOLY, 2007, p. 10).
Após o argumento, roteiro ou proposta, a etapa é a pré-produção do filme,
decupando as cenas, elencando o perfil dos personagens, figurinos e maquiagem, locais,
objetos para compor o cenário e a cena, ângulos da câmera, movimentos, sons e músicas,
ensaios, que trarão alguns obstáculos e alterações, para que consigam realizar as gravações.
Esta etapa é muito rica, trabalha o repertório em outras áreas do conhecimento, divisão de
funções e complementação de tarefas, improvisação e adaptação. Os alunos precisam se
fazer entender para o espectador, se colocar no lugar do outro.
As gravações, efetivamente, duram menor tempo, podendo ser realizada em alguns
minutos ou horas, geralmente geram ansiedade, mas também sensação de dever cumprido.
26
Há também alguns obstáculos e novas formas de se chegar ao desejado. Após as gravações,
a etapa é da edição e finalização, que pode ser feita no próprio celular ou em software
gratuito e/ou livre, geralmente feita por uma pessoa só, pois é feito em apenas um aparelho
celular ou um computador. É uma das poucas atividades mais individuais, mesmo assim, é
possível que os colegas deem sugestões e opiniões que podem ser incluídas na edição.
O resultado final, conforme mencionado anteriormente, provavelmente, não
possuirá qualidade técnica e estética equivalentes aos filmes produzidos por estúdios e
equipes profissionais, mas será, acima de tudo, o resultado de um processo de trabalho, um
documento, pois constará, mesmo que de forma indireta, as visões dos alunos sobre o
mundo, e registros do contemporâneo, pois nas cenas possivelmente aparecerão recortes
dos locais, das vestimentas, cortes de cabelo, linguajar, estilo musical, entre outros fatores
que indicariam traços da cultura local.
A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou, mais
do que isso, implica a nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto
aprendido. A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado
verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz funciona muito
mais como paciente da transferência do objeto ou do conteúdo, do que como
sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do
objeto ou participa de sua construção. (FREIRE, 1996, p. 36).
Os filmes produzidos são, principalmente, parte de um processo de ensinoaprendizagem, instigando a curiosidade e fomentando a criatividade.
3.5 Oficinas de vídeo com celular
Em 2015, arte-educadores da OSCIP Instituto Ideia Coletiva realizaram oficinas
de vídeo com celular para jovens de 13 a 18 anos, para 3 turmas do 1º ano do Ensino
Médio, na Escola Estadual do Jardim Santa Clara do Lago, em Hortolândia, através de
apoio da escola, totalizando cerca de 90 jovens, além de oficinas em diversos equipamentos
públicos em bairros periféricos de Campinas, através de contratação da Secretaria de
Cultura de Campinas, como Centro Cultural Maria Monteiro, Centro Educacional
Unificado (CEU Esperança e CEU Florence), Centro de Atenção Social Integrado (CASI
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Campo Belo) e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS Nelson Mandela),
totalizando cerca de 40 jovens.
Em 2016, a oficina foi realizada para uma turma do 2º ano do Ensino Médio da
Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado – ETECAP, no bairro Jardim Santa
Mônica e na ONG CEDAP, no bairro Campo Belo, para cerca de 30 jovens cada, ambos
na cidade de Campinas, através do Projeto Cineminha, realizado via ProAC Edital de
Fomento ao Audiovisual pela proponente Educom.Arte.
Essas oficinas têm em comum a realização em locais públicos, gratuitamente, em
regiões periféricas, para adolescentes da cidade de Campinas e Hortolândia, com duração
média de 8 horas cada, geralmente divididos em 2 dias.
A proposta foi estimular o consumo, a crítica e a produção de curtas-metragens,
principalmente nacionais, para que os jovens percebessem o potencial de filmes curtos
como expressão artística, transmissão de informações importantes e suporte para elementos
da cultura local, sendo eles espectadores ou produtores, para além do simples consumo de
filmes estrangeiros de longa-metragem, realizados por grandes estúdios que visam ao lucro.
Foram exibidos filmes curtos (ou trechos) que fazem parte da História do Cinema,
como “Chegada do Trem à Estação” dos Irmãos Lumière, “Viagem à Lua” de Meliés e
“Um cão Andaluz” de Buñuel, além de videoarte, videoclipes, videoperformance, curtas
contemporâneos brasileiros, que foram selecionados em festivais. As exibições eram
seguidas de comentários para contextualização das obras e comentários dos alunos, visando
a ampliação de repertório, pois poucos conheciam um ou mais desses filmes.
Então foram abordadas questões elementares de Direção de fotografia, como tipos
de enquadramento e movimentos de câmera, Direção geral e atuação, falando sobre o corpo
e a expressão, Direção de arte, sobre locação, cenários, figurinos, objetos de cena e
maquiagem, Som e Trilha sonora, Produção, sobre a decupagem e a listagem de materiais
necessários. Os assuntos foram abordados de forma superficial, pois o tempo das oficinas
era curto, mas focando nas possibilidades do celular como ferramenta, também usando
trechos de filmes para ilustrar os assuntos. Em seguida, os alunos faziam exercícios,
28
gravando cenas curtas. Então, em uma primeira análise mostrava que, em geral, havia
poucos movimentos de câmera e cenas somente de registro dos locais próximos, como
pátios ou quadras de esporte. Então, um debate sobre as possibilidades do uso do celular
trazia questões como o potencial de movimentação pelo espaço, pois diferente das
primeiras câmeras cinematográficas, é um equipamento leve e de fácil mobilidade. Além
disso, a captação de som funciona melhor quando o som está próximo e frontal,
dificultando cenas com falas à distância (em plano geral).
Pensando nessas possibilidades técnicas, os alunos se reuniam em grupos para
criarem argumentos ou propostas de filmagens, construindo enredos realistas e até mesmo
propostas experimentais, surrealistas ou com enfoque maior na expressão do que na esfera
documental. Os arte-educadores intervieram quando solicitados em casos de dificuldades,
para a elaboração de cenas que necessitariam de efeitos especiais ou de gravações em locais
de longa distância, propondo adaptações, para que o filme pudesse ser realizado de acordo
com o que estava disponível.
Geralmente, no segundo dia de cada oficina, aconteceram as gravações. Os alunos
levavam roupas e acessórios que elencaram como necessários para a realização dos filmes.
Dessa forma, envolviam também alguns familiares, pois muitos informavam que a mãe
ajudou na confecção de um objeto ou o irmão emprestou determinado adereço de figurino.
As gravações aconteceram, em geral, na forma de brincadeira, mesmo errando, davam risada
e depois continuavam. Os arte-educadores auxiliavam quando solicitados para resolver
questões de enquadramento, de sequência de cenas, etc, e em alguns casos precisaram
acalmar e pedir concentração, pois é uma atividade que os deixa agitados.
Em seguida, um do grupo se responsabilizava pela edição, outro pela escolha de
músicas, outro para fazer a lista dos nomes para os créditos, dividindo um pouco a etapa
de finalização, mas em geral, todos davam opiniões e se envolviam com a edição.
O último momento de cada oficina foi a exibição dos filmes, com comentários dos
arte-educadores e dos colegas. Em geral, expressam satisfação com o resultado e interagem
bastante com os filmes, batendo palmas, dando risadas, gritando. Lembra-se das
29
possibilidades de exibição dos filmes, em canais na internet, redes sociais e em festivais e
mostras de filmes curtos estudantis.
4. Conclusões
Em geral, o audiovisual aparece nas escolas como produto a ser exibido aos alunos,
e o celular traz uma ferramenta barata e acessível para que filmes sejam também produzidos
por alunos, mesmo que este aparelho móvel não apresente produtos finais com qualidade
técnica ou estética equiparadas aos filmes realizados por profissionais.
Contudo, traz uma nova perspectiva para além do uso do audiovisual como registro
de outras atividades que acontecem na escola. O audiovisual é a própria atividade. E é mais
uma possibilidade artística e expressiva, fomentadora da criatividade, da autonomia e do
trabalho em equipe, além do desenvolvimento de outras habilidades.
Não há, de forma geral, disciplinas específicas que tratam Comunicação ou
Audiovisual no conteúdo programático do ensino formal, porém é um assunto importante,
já que a sociedade está cada vez mais consumindo conteúdos por meios de comunicação e
mídias que surgem a cada dia, sendo necessário que os jovens sejam espectadores críticos,
pois acessam inúmeros produtos de diversas fontes e canais diferentes.
Usar a câmera de celular como ferramenta para a criação e produção de vídeos,
caberia na Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa na etapa de “prática artística”, as
análises dos filmes produzidos pelos próprios alunos caberia na etapa “contextualização”
ou análise e se enquadraria nas propostas das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio, de 2011, no Título III, Capítulo I, Artigo 16, abrangendo os objetivos
descritos nos incisos I, VI, IX e XX, como atividades integradoras artístico-culturais e
tecnológicas, vinculadas ao trabalho, ao meio ambiente e à prática social; articulação entre
teoria e prática, vinculando o trabalho intelectual às atividades práticas ou experimentais;
desenvolvimento da autonomia dos estudantes, a produção de mídias nas escolas,
ampliação de repertório e o pensamento crítico.
30
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3. Arte em Movimento: música e inclusão social “Projeto Criar e Tocar” Uma realidade possível
Zilmar de Souza Fiori1
Resumo
O presente artigo tem como objetivo relatar as experiências vividas pelos alunos do 1º
Período do Curso de Pedagogia em 2018, no percurso de produção do vídeo documentário
de Curta-Metragem, sobre o “Projeto Criar e Tocar”. O trabalho escola-campo, utilizará
celulares para fazer as filmagens, bem como serão feitas entrevistas com a gestora do
projeto, Marisa Espíndola, e demais integrantes: maestros, coordenadores, professores,
crianças e adolescentes em três de suas cinco unidades do Projeto Criar e Tocar na cidade
de Anápolis, Goiás. O objeto central de estudo é promover a integração social e cultural
de crianças e jovens carentes, de nove a dezessete anos, que serão agraciados e contemplados
com as benesses de ensino e aprendizagem, os quais terão oportunidade de aprender a tocar
um instrumento, além de aulas de teoria musical e reforço escolar e outras atividades
relacionadas às artes. O Projeto Criar e Tocar tem o intuito de ajudar essas crianças e
jovens em sua formação cognitiva, intelectual e profissional. É por meio da música que a
interação social se torna possível, propiciando aos alunos do projeto, condições ao
demonstrar o gosto apurado pela música. Além do acolhimento, tem o intuito de inserilos no mercado de trabalho, a participação em apresentações locais e regionais, eventos e
congressos, com a finalidade de promover a inclusão social em uma sociedade mais
igualitária e menos excludente.
Palavras-Chave: Produção de vídeos. Música. Instrumento. Projeto Criar e Tocar. Inclusão
Social.
1
Graduando do Curso de Pedagogia – UEG/CCSEH E-mail: zilfior1969@gmail.com.
33
Introdução
O presente artigo tem como objetivo relatar as experiências vividas pelos alunos do
1º Período de Pedagogia, ou seja, evidenciar a relação ensino/aprendizagem, teoria/prática
no trabalho escola-campo por meio da utilização de câmera de celulares nas produções
fílmicas de vídeos do curta-metragem do documentário investigativo “Projeto Criar e
Tocar”.
Decorre da metodologia de ensino e da avaliação adotada na disciplina Arte e
Educação ministrada pela Professora Dr.ª Luiza Pereira Monteiro. Tem como finalidade
desenvolver o processo criativo e investigativo no âmbito das Artes Audiovisuais e da
formação de professores com a proposta de fazer vídeos com celulares. O intuito é
possibilitar ao futuro professor, desenvolver atividades deste gênero na escola básica, por
meio de propostas que possam incentivar e aguçar o interesse dos alunos como formadores
de opiniões, apreciadores das artes, em especial, a música e o cinema.
O documentário é um gênero cinematográfico que tem como objetivo representar
a verdade, relatar fatos e acontecimentos reais. Onde são narradas e contadas histórias
verídicas, ainda que haja seleções de olhares e recortes da realidade em estudo.
São nos pequenos detalhes, nas minúcias que são apresentadas as intencionalidades,
a criticidade e a conscientização dos fatos, mas, sem deixar de lado, a humanização, a
delicadeza e a sensibilidade que perpassam pela vida cotidiana das personagens, sujeitos
concretos do documentário.
Para Nichols (2005, p. 26), “Categoriza os documentários em classificações
distintas, sendo os documentários de representação social e os filmes de ficção como
documentário de satisfação de desejos”. Ou seja, por meio do documentário são utilizados
recursos cognitivos e tecnológicos no processo de criação e montagem na escrita fílmica
com imagens, sons e falas. Elementos cinematográficos que propiciam e produzam uma
trama envolvente que possibilita empatia aos espectadores.
34
É a percepção de quem está por trás da câmera, do vídeo, captar movimentos únicos,
reveladores e que acentuem ou provoquem reações inesperadas dos espectadores. É o olhar
aguçado que ganha autonomia e revela a intenção desejada.
Para Moran (1995) o vídeo é:
O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita.
Linguagens que interagem superpostas, interligadas, somadas, não separadas.
Daí a sua força. Nos atingem por todos os sentidos e de todas as maneiras. O
vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no
imaginário) em outros tempos e espaços. O vídeo combina a comunicação
sensorial-cinestésica, com a audiovisual, a intuição com a lógica, a emoção com
a razão. Combina, mas começa pelo sensorial, pelo emocional e pelo intuitivo,
para atingir posteriormente o racional. (MORAN, 1995, p. 2).
O tema escolhido para fazer o documentário de curta-metragem foi sugestão de
uma das alunas do curso de Pedagogia ao relatar sobre o Projeto Criar e Tocar, pois, sua
filha faz parte desse trabalho de inclusão social, onde crianças e adolescentes carentes da
cidade de Anápolis - Goiás têm seus primeiros contatos com a música e o instrumento. Os
efeitos positivos dessa relação com a música foram evidenciados nas entrevistas com os
estudantes.
Há uma cumplicidade dos alunos ao falar do seu amor e dedicação, a sua estreita e
íntima relação com a música e instrumento, são grandes aportes para aprendizagem, o
desenvolvimento da teoria musical, a musicalidade, a sensibilidade tátil e auditiva, ou seja,
são estímulos agregadores em sua formação e inclusão social, a tríade: escola, o
conhecimento e as artes.
Além do acompanhamento da teoria musical e familiaridade com o instrumento, o
aluno também tem aulas de reforço escolar na unidade onde estuda, tem a sua disposição
uma coordenadora pedagógica, professores de notório saber e suas especificidades,
maestros e maestrinas e profissionais de apoio administrativo. As aulas são ministradas em
igrejas evangélicas. Com fácil acessibilidade, possui uma boa infraestrutura que congregam
seus alunos, com salas próprias para as aulas de teorias e práticas musicais, salão de eventos,
banheiros, cantina e área de recreação.
35
As cinco unidades do Projeto Criar e Tocar estão distribuídas em pontos
estratégicos da cidade Anápolis - Goiás: unidade Couto Magalhães, Industrial Munir
Calixto, Nova Vila Jaiara, Vívian Parque e Centro.
Essa distribuição estratégica tem como finalidade aproximar o projeto das
realidades mais carentes para fazer a inclusão social de crianças e adolescentes de nove a
dezessete anos, tendo como requisito para participar do projeto, o aluno ter baixo poder
aquisitivo.
Fundado em 2005, o projeto beneficia mais de 450 crianças e adolescentes todos
os anos por meio da cultura. Os custeios para manutenção e desenvolvimento das atividades
sociais têm como parceiros: a UNIEvangélica e a Prefeitura Municipal de Anápolis. A
fundadora e coordenadora geral do projeto é a professora Ma. Marisa Espindola.
Com a utilização de celulares, o grupo ampliará a metodologia proposta pela
orientadora ao realizar as filmagens e produzir pequenos vídeos, que irão para a ilha de
edição utilizando o software Movavi Suíte 17, cuja montagem de edição fílmica será
realizada por Zilmar de Souza Fiori. O vídeo sobre os relatos de experiências do “Projeto
Criar e Tocar” começa a ganhar forma, com um bom planejamento dos vídeos com
celulares e o cronograma para atingir o intuito principal e o objetivo proposto: a realização
de um documentário de curta-metragem, que terá como meta a concretização de um sonho:
fazer cinema.
Reflexões – Discussões conceituais
Os pontos principais formadores do documentário de curta-metragem pesquisa
serão apresentados de forma a evidenciar o processo da produção fílmica nos aspectos
audiovisuais, artísticos e cinematográficos.
O audiovisual está focado nas referências teóricas e de campo. Tem como cenário
a história, a construção e as realizações sociais e culturais do Projeto Criar e Tocar, através
de entrevistas com coordenadores, maestros, professores e alunos.
36
O Artístico é um processo de aprendizagem de conhecimentos como a teoria
musical, onde crianças e adolescentes começam a ter suas primeiras experiências, conhecer
um pouco mais sobre a música e o instrumento, seus fundamentos e concepções musicais,
tais como: leitura musical, afinação e postura cênica, além de apresentação às grandes
massas, eventos culturais, apresentação em escolas, teatros, igrejas, etc.
Na perspectiva da formação docente, o artístico significa um processo de
aprendizagens teóricas e práticas, que buscam desenvolver habilidades de criação,
desenvolvimento da sensibilidade estética, capacidade de interpretação crítica da sociedade
e de comunicação por meio da Arte.
O cinema é uma forma de construção artística que envolve várias artes: a fotografia,
as artes plásticas, a música, a dança, o teatro, as artes gráficas e o próprio filme como uma
obra de arte independente, (Aumont, 2011). O cinema tem uma história. Ele surge na
segunda metade do século XIX como experimentos de dar movimento à fotografia, e sua
primeira exibição pública se dá em Paris, em 1895, realizada pelos irmãos Lumières. O
cinema é, portanto, uma invenção amalgamada no desenvolvimento industrial, na ciência e
na cultura, (Mascarello, 2006).
Nas aulas de Arte e Educação, a formação teórica tomou o eixo da produção. Neste
sentido, a história do cinema foi abordada por meio dos “Fundamentos históricos e
teóricos dos diferentes tipos de montagens fílmicas”, explicitada por Canelas (2010). O
autor mostra-nos o desenvolvimento das técnicas de filmagem e montagem, bem como,
suas tendências ideológicas na montagem narrativa desenvolvida pela Escola Americana e
na montagem da Escola Soviética, que buscava a produção de sentidos pelo espectador. O
norte-americano Griffith desenvolveu técnicas de montagem cinematográfica que
impulsionou o cinema.
Griffith contribuiu para que a evolução da montagem cinematográfica tivesse a
proporção para impulsionar o desenvolvimento dos planos dos filmes. Com
uma variação de impacto emocional, ele soube organizar com maestria a
montagem e grande plano dos filmes cinematográficos e soube utilizá-los como
meio de expressão. (MARTIN, 2005, p. 3).
37
Os cineastas soviéticos deram continuidade ao trabalho de Griffith. Com a
montagem com produção do sentido, Eisenstein aprimorou a montagem nas produções
fílmicas e Vertov retratou a realidade, dizendo que a verdade documentada era o bastante
para fazer a revolução. “O cinematógrafo deve exprimir a vontade russa sob todas as formas
e da maneira mais exata: deve registrar a vida tal como ela é” (GRANJA, 1981, p. 10).
A partir dessas contribuições das escolas americanas e russas, a concepção do grupo
sobre as produções fílmicas começam a ganhar sentido e dimensão, e permite compreender
o processo cinematográfico através de imagens e fases de produção fílmicas traduzidas por
Gardies (2008), cujo texto “Compreender o cinema e as imagens” nos ensina como fazer
enquadramento de imagens, o grande plano, encenação, tomadas, sequências, cortes de
cenas, câmera lenta, paragem de imagem, o making of, as técnicas utilizadas na elaboração,
construção e finalização da produção cinematográfica.
Assim, através do trabalho extraordinário de grandes produtores, montadores e
cineastas, o cinema de processos arcaicos, limitados e trabalhosos evoluiu, o avanço
tecnológico e sofisticado, a inovação, as facilidades e novidades da contemporaneidade.
De fitas, rolos e câmeras complexas e pesadas a câmeras de celulares minúsculas e
multifuncionais na produção de vídeos e filmes. Graças a essas benesses há possibilidade
de, cada vez mais, os projetos e pesquisas de campo sejam ampliados, disseminados e
tragam benefícios as grandes massas, promovendo a inclusão social e cultural.
Aliado ao cinema, a música é outra peça motora importante para o “Projeto Criar
e Tocar”, configura como uma ferramenta essencial e decisiva no processo inclusivo, onde
a criança e o adolescente estão intensamente ligados, quer pelo ensino e aprendizagem da
teoria musical, as técnicas, os acordes, as notas, a postura com o instrumento, a delicadeza
tátil e sensibilidade auditiva, ou a disciplina e o rigor que o músico dedicado deve ter. É a
junção do conhecimento, do aprimoramento, do acompanhamento e sintonia com o
instrumento e a melodia desejada.
Após os estudos teóricos e as reflexões, tínhamos que escolher um tema, fazer uma
proposta de produção com um roteiro e cronograma, que foi o ponto de partida para fazer
o documentário, ou seja, é a partir de uma história escrita e contada, que a produção fílmica
38
começa a fazer sentido e é chegado o momento de ir a campo. “Fazer um documentário é
um exercício de construção de um modelo. Um roteirista é um arquiteto de filmes. Por
isso é importante o roteirista participar do processo desde o início” (HAMPE, 1997,
p. 1).
Além de comover, fascinar, emocionar, o bom roteirista deve ter noções do espaço
temporal, fazer às marcações de cenas internas e externas, a construção dos diálogos, as
sequências, para que a ideia central no desenrolar da história tenha começo, meio e fim.
Hoje o contador de histórias eletrônicas e cinematográficas recebe o nome de
roteirista e, como qualquer outro narrador, precisa ter vivido o suficiente para
captar fragmentos, matizes e facetas da existência humana, ao mesmo tempo em
que desenvolve seus talentos e aprende o ofício de escrever. (COMPARATO,
2009, p. 435).
Os nossos personagens foram gestores, coordenadores, professores, maestros e
alunos do Projeto Criar e Tocar. Por ser um projeto de inclusão social que trabalha com
crianças e adolescentes foi necessário o Termo de Consentimento e Autorização de Uso
de Imagem, documentos disponibilizados pela Professora Dr.ª Luiza Pereira Monteiro,
documentos estes, que tem o intuito de resguardar de forma legal os direitos de imagem
das pessoas envolvidas no processo de produção fílmica, principalmente das crianças e
adolescentes.
O trabalho de campo com celulares para produção cinematográfica só foi possível,
com a assinatura e consentimento da coordenadora geral do Projeto Criar e Tocar, Marisa
Espíndola. As autorizações de Uso de Imagem, das gravações escolhidas, foram solicitadas
e encaminhadas via e-mail para as Unidades: Couto Magalhães, 1ª Igreja Batista Central e
Industrial Munir Calixto. Como o Projeto Criar e Tocar tem cinco unidades, optamos em
fazer as tomadas fílmicas em três unidades: Couto Magalhães, Centro - 1ª Igreja Batista e
Industrial Munir Calixto.
As primeiras produções fílmicas de vídeos foram realizadas na Unidade Central 1ª
Igreja Batista, no dia 04 de junho de 2018. Conhecemos a coordenadora e pedagoga
Eloide, o Maestro Antônio Marmo, professores de Teoria Musical e alunos dessa unidade.
39
Em visita realizada em 05 de junho de 2018, foram feitas entrevistas com alunos,
coordenadora, maestro e professores e 35 vídeos com celulares.
No dia 06 de junho de 2018, quarta-feira, fizemos a entrevista com a coordenadora
geral, Marisa Espíndola, na área externa da UNIEvangélica. Foram realizados 40 vídeos.
Também nesse mesmo dia fizemos vídeos com os celulares com o Maestro Dyellyngton e
alunos no ensaio da banda sinfônica, instrumentos de sopro, na unidade do Couto
Magalhães.
O Maestro Dyellington é “prata” da casa, um exemplo dos frutos colhidos e esmero
dos realizadores do Projeto Criar e Tocar. Dyellyngton começou como aluno e hoje é um
renomado maestro do Estado de Goiás e, pela sua determinação e perspicácia, já
contemplou vários jovens da cidade de Anápolis com a sua competência e maestria musical
e do instrumento.
Participaram dessas produções fílmicas: Gisele Pacífico de Brito, Isabella Luiza
Fernandes, Maria Eduarda Alexandria, Rávilla Silva dos Santos e Zilmar de Souza Fiori.
À noite deste mesmo dia foi realizada a apresentação da Orquestra Sinfônica na
UNIevangélica e Gisele Pacífico de Brito fez 07 vídeos do evento.
No dia 08 de junho de 2018, sexta-feira, foi realizada a visita na Unidade Industrial
Munir Calixto, onde foram feitos 20 vídeos com a participação da Coordenadora e
Pedagoga, Ana Maria, o Maestro Daniel, professores de teoria musical e de reforço escolar
e os alunos do projeto. A unidade desenvolve suas atividades na Igreja Presbiteriana.
Participou dessa produção fílmica: Zilmar de Souza Fiori.
Foram utilizados os conceitos e as técnicas apreendidas com os referenciais teóricos
dos grandes percursores da montagem cinematográfica e do cinema mundial. Através de
mídias empregadas como softwares, programa de edição de vídeo Movavi Suíte 17 e Vegas,
iniciamos o processo de montagem. À medida que íamos selecionando as imagens para a
escrita fílmica e nos aproximando da fase final da edição, tínhamos um olhar de
preocupação, principalmente com as técnicas e a estética do filme, que estão relacionadas
à concepção de montagem e às formas como se vai organizando a narrativa. Para tal, é
40
importante saber montar a narrativa fílmica, os enquadramentos, os planos, as sequências,
o som, a mensagem do curta-metragem, etc. Enfim, cuidados necessários na construção do
documentário de curta-metragem, estabilizar os ruídos do ambiente interno e externo,
imagens tremidas, inaudíveis, as falas, o som.
A utilização de celulares no processo de gravação foi aos poucos sendo aperfeiçoado.
As técnicas de filmagens iam sendo discutidas em sala de aula, de modo que houve uma
melhora considerável na qualidade das produções fílmicas. Uma boa coordenação motora
para que as imagens não ficassem tremidas e tivessem um bom enquadramento facilitaria a
edição. E assim, pudéssemos ter um vídeo de boa qualidade e que atingisse o seu intuito: o
grande público, que os espectadores conhecessem a dimensão e grandiosidade do Projeto
Criar e Tocar e a inclusão social de crianças e adolescentes na cidade de Anápolis - Goiás,
como uma realidade possível.
As gravações escolhidas e organizadas na forma de uma narrativa teriam que contar
a proposta e finalidade do projeto, quando da sua fundação, seus idealizadores, quais são
as suas unidades, como essas crianças e adolescentes conheceram o projeto, sua
identificação com a música, o instrumento e, o mais importante, a integração ao meio
social, cultural e humano.
Fizemos algumas edições teste em softwares Movavi Suíte 17 e Vegas para entender
como se daria o processo, com um olhar voltado ao produto final. Agregar aos vídeos, os
esforços do grupo e a parceria com as unidades do Projeto Criar e Tocar, para a
concretização de um sonho, um trabalho onde a infância e a adolescência, nossas melhores
idades não fossem esquecidas, mas perpetuadas.
O trabalho final, o documentário curta-metragem “Arte em Movimento: Música e
Inclusão Social – Projeto Criar e Tocar”, foi apresentado no 27-06-2018 no auditório do
Campus Anápolis da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Entre os convidados,
estavam familiares, alunos, professores e a comunidade.
O documentário curta-metragem “Projeto Criar e Tocar” está disponível no
youtube, no link: https://www.youtube.com/watch?v=FA46v4ax6pw.
41
Além do embasamento teórico, relato de experiências, anexo três imagens
relacionadas ao Projeto Criar e Tocar (Figura 1 - apresentação da Orquestra Sinfônica
Criar e Tocar; Figura 2 - jovens que participam do Projeto Criar e Tocar; Figura 3 - turma
do 1º período de Pedagogia do Campus Anápolis – Universidade Estadual de Goiás e as
professoras: Luiza Pereira Monteiro de Artes e Educação e Elisabete Tomomi Kowata de
Mídias, Educação e Sociedade).
Figura 1 – Apresentação da Orquestra Criar e Tocar
Figura 2 – Jovens do Projeto Criar e Tocar- Anápolis - GO
42
Figura 3 – 1º Período de Pedagogia no auditório do Campus Anápolis – Universidade
Estadual de Goiás: Documentário “Projeto Criar e Tocar” apresentação 27-06-2018.
Professoras: Luiza Pereira Monteiro de Artes e Educação (vestido preto de alça) e
Elisabete Tomomi Kowata de Mídias, Educação e Sociedade (blazer azul).
Considerações Finais
O maior aprendizado deste processo fílmico não foi somente como fazer o melhor
enquadramento, o grande plano, o roteiro, a edição e a utilização das mídias no processo
de criação e finalização do documentário “Projeto Criar e Tocar”. Mas a essência deste
trabalho foi captar a sensibilidade em cada olhar, sentir-se incluído, compartilhar essas
experiências de vida.
É preciso ter um olhar de acolhimento na formação de crianças e adolescentes,
buscar vivenciar esse processo, como professores que somos, pois a Educação e as Artes
caminham juntas, são eixos formadores de opiniões e de sensibilidade estética e ética à
criança e ao adolescente. A música e o cinema podem emancipá-los para a vida, retirandoos do anonimato, diminuindo a timidez, a introspecção e criando um olhar libertário.
Contempla a infância, traz a espontaneidade e a capacidade crítica em relação à
sociedade. Permite-os a inventar, a incluir-se em movimentos participativos e solidários.
43
A pedagogia deve ser uma forma de promover essa integração espontânea entre o
professor, alunos e a escola e, para tal, o docente necessita também da experiência estética,
tanto na criação como na apreciação das artes, ou seja, ser um multiplicador, formador de
opiniões, permitir que seus alunos tenham leitura de mundo. Essa integração só é possível
quando o aluno é a essência do projeto, da pesquisa de campo, privilegiando-o com o
conhecimento científico e a interação com as artes, o cinema e a música.
Referências
AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas, Papirus, 2011.
CANELAS, Carlos. Os Fundamentos Históricos e Teóricos da Montagem Cinematográfica: os
contributos da escola norte-americana e da escola soviética. 2010. Instituto Politécnico da guarda.
Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-canelas-cinema.pdf . Acesso em 27 jul.2019.
COMPARATO, Doc. Da Teoria ao Roteiro. Teoria e Prática. São Paulo: Summus, 2009.
GADIES, René. Compreender o Cinema e as Imagens. 1ª ed. Lisboa: Edições Texto £ Grafia, 2008.
GRANJA, Vasco. Dziga Vertov. Lisboa: Livros Horizonte, 1981.
HAMPE, Barry. Escrevendo um documentário. O que faz um roteirista? NUPPAG – Núcleo de Pesquisa
e Produção Audiovisual em Geografia – IGCE-UNESP/Rio Claro11. Rio de Janeiro, 1997.
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. Lisboa: Edição 70, 2005.
MASCARELLO, Fernando. História Cinema Mundial. São Paulo: Papirus, 2006.
MORAN, José. M. O vídeo na sala de aula. São Paulo, 1995. Disponível em:
www.eca.usp.br/prof/moran/site/textos/desafios_pessoais/vidsal.pdf. Acesso em 25 jul./2019.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2005.
4. O Cinema como potência criadora – O caso do filme Linhas Tortas
João Pedro Wizniewsky Amaral
Rafael Salles Gonçalves
Thomás Dalcol Townsend
1. Introdução
Algumas habilidades que se exigem dos alunos, como memorizar ou decorar
conteúdos específicos, estão ficando em segundo plano na escola. Uma possível razão
disso é a facilidade de acesso à informação, o que se pode fazer instantaneamente em
qualquer lugar, e a noção de descentralização do conhecimento. Desse modo, o maior
desafio para educadores na atualidade é ressignificar a sala de aula. Se o aluno não achar
sentido em dinamizar determinada atividade, certamente o ambiente se tornará
desagradável, projetando possivelmente sua bronca pessoal para os conteúdos e
metodologias de ensino.
Aliado a esse problema, algumas escolas estão no contrafluxo das teorias
pedagógicas ao mostrarem-se cada vez mais punitivas e restritivas. Não é raro ouvirmos a
metáfora que a escola é uma prisão, levando em conta sua configuração arquitetônica e o
projeto pedagógico. “Nossas escolas não estão sendo um espaço no qual a leitura seja um
meio de criatividade e de prazer, mas sim, o espaço no qual leitura e escrita se associam a
tarefa obrigatória e chata. Castradora, inclusive”. (MARTÍN-BARBERO, 2011, p. 128).
Por isso é urgente buscarmos transformar a escola e a sala de aula em espaços de
saber e de conhecimento que saibam lidar com avanços sociais. De acordo com McLuhan
(1974, p. 13), “nós estamos entrando na nova era da educação, que passa a ser programada
no sentido da descoberta, mais do que no sentido da instrução”. Em outras palavras, os
processos de ensino/aprendizagem – e a percepção disso pelos alunos –, são muito mais
importantes que os resultados em si. Ter conhecimento do processo que se usou para
chegar a determinado ponto é mais profícuo do que apenas saber de cor o resultado de
45
uma equação, visto que a educação é um sistema que visa a autonomia, independência, a
liberdade e o pensamento crítico de quem está aprendendo.
Nesse paradigma, a criatividade, a alteridade, a colaboração e a leitura crítica são
habilidades a serem desenvolvidas com grande ímpeto na escola. Ao encontro dessa
sistemática, e valendo-se da tecnologia do audiovisual, dinamizamos um projeto de
letramento e criação cinematográfico na escola pública chamado Estúdio de Criação.
Acreditamos que o cinema é uma modalidade artística ideal para os estudantes se
expressarem e poderem criar narrativas originais, posto que ele é acessível para um grande
número de alunos e possui uma grande variedade de recursos criativos.
Em geral, os centros educativos tendem a considerar as atividades realizadas
com a imaginação como tarefas restritas ao campo das artes e, quando algum
professor arrisca ‘imaginar’ em suas aulas sobre outros temas, isso é considerado
como ‘tempo perdido’. Em busca desse ‘tempo perdido’ é que conseguimos
ganhar outro tempo, cuja potência criativa nos aproxima de outros modos do
saber, da descoberta e da invenção. (FRESQUET, 2017, p. 29-30)
Arriscando usar a sala de aula para imaginar e criar, o Estúdio de Criação foi
dinamizado entre junho de 2017 e janeiro de 2018, em três turmas do terceiro ano do
Ensino Médio do Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac, escola pública localizada
na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Este projeto educomunicacional teve como
objetivos principais: a) apresentar aos educandos elementos da linguagem audiovisual; e b)
criar um filme original, contando com a participação direta dos alunos em todas as etapas
de produção.
Como produto final, cada turma criou um curta-metragem. No presente artigo,
todavia, iremos relatar a experiência de uma das turmas, que produziu o curta-metragem
Linhas Tortas.
2. Desenvolvimento
2.1 Estúdio de Criação - A importância do cinema na escola
O Estúdio de Criação surgiu de demandas de dois diferentes níveis: dos alunos e de
nós, profissionais da educação. Os alunos manifestavam interesse em aulas mais criativas
46
que fugissem da memorização do conteúdo (o que, com efeito, acontecia muito
frequentemente); e nós, como educadores, temos o dever de estar em constante formação
e adaptar nossas práticas.
O projeto começou na escola em 2016, de forma incipiente, com um mês de
duração, em turmas de 7º ano do fundamental. Entretanto, como os resultados foram
muito positivos nesse tempo, o Estúdio de Criação foi registrado em 2017 como um
projeto de extensão da TV Campus, canal público vinculado à Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). Em funcionamento até hoje, podemos dizer que o marco do
amadurecimento do projeto foi o ano de 2017, pois pudemos trabalhar nele durante
praticamente todo o ano letivo.
Produções audiovisuais são muito apreciadas por crianças e adolescentes. O apelo é
notório, considerando que muitos dos jovens passam considerável tempo assistindo vídeos
(seja ficção ou outra produção audiovisual) na internet ou em cinemas. Por outro lado, o
letramento audiovisual nem sempre é trabalhado em sala de aula. Na maioria das vezes se
trabalha em sala de aula com vídeos apenas como um material de apoio ao conteúdo. Não
há uma preocupação com a reflexão sobre a produção ou a criação do que é exibido.
Com o cinema como parceiro, a educação se inspira, se sacode, provoca as
práticas pedagógicas esquecidas da magia que significa aprender, quando o ‘faz
de conta’ e a imaginação ocupam lugar privilegiado na produção sensível e
intelectual do conhecimento. (FRESQUET, 2017, p. 20).
O cinema, então, deveria ser um fator aliado ao sistema educacional atual, porque é
capaz de promover uma sensibilização artística através de uma modalidade que os alunos
já estão acostumados a consumir. Além do mais, até nas aulas de artes, por exemplo, em
que, na teoria, dever-se-ia ter espaço para todas as modalidades, o cinema é relegado, se
comparado às artes visuais, à escultura ou à dança. Isso é um equívoco, pois, como Favaretto
explica, o cinema é praticamente um laboratório de sensibilidade e experiência.
Tomar o cinema como instância educativa implica redirecionar as tradicionais
questões sobre as relações entre pensamento e sensibilidade, entre juízos de
gosto e prazer da fantasia, entre experiência reflexiva e consumo de experiências.
Tratando-se de cinema e, mais extensamente, de todas as novas tecnologias das
imagens, pergunta-se se o que estaria em questão na escola não seria a
47
constituição de verdadeiros laboratórios experimentais da sensibilidade e do
pensamento visual. (FAVARETTO, 2004, p. 13)
2.2 A Turma
A turma que tomamos como base neste estudo foi escolhida por se tratar de uma
“turma-problema” entre as 3 participantes do projeto. Embora contasse com apenas 18
alunos regularmente matriculados, o grupo era conflituoso entre si e com alguns membros
do corpo docente.
Além de ser a turma com menor assiduidade, ela também possuía sérios problemas
de rendimentos, em geral, em matérias de todas as áreas do conhecimento. As áridas
relações interpessoais eram notáveis pela disposição da sala de aula: os alunos sentavam
bem distantes uns dos outros e a motivação na sala de aula era mínima. Ouvimos até –
tanto de alunos quanto de professores – que, quando começamos a implementar o Estúdio
de Criação, esta turma não conseguiria criar um roteiro e, sequer, fazer um filme.
2.3 O alinhamento do Estúdio de Criação
A execução desse projeto de letramento e criação cinematográfica foi dividida em
cinco fases: introdução, problema, desenvolvimento, clímax e desfecho. Ironicamente, as
mesmas etapas de um roteiro padrão.
A introdução se constituiu de uma sensibilização cinematográfica a partir de análise
de produções audiovisuais, identificando em conjunto elementos como as partes de um
roteiro e representação de personagens. A segunda etapa, o problema, foi a proposta de
criação escrita individual: foi solicitado aos alunos que criassem individualmente uma
personagem original, englobando características físicas, psicológicas, gostos e manias de
seu personagem. O desenvolvimento, por sua vez, foi a criação coletiva de um argumento
(ideia para roteiro), a partir de três personagens criadas. Já o clímax foi a escolha, pela
turma, da história que eles iriam roteirizar e, por fim, o desfecho foi a gravação do filme.
48
Na primeira fase, nos chamou a atenção a boa participação dos alunos. Alguns
mostraram já ter um bom conhecimento prévio sobre cinema (por interesse próprio) ou
afirmavam ser consumidores recorrentes de produções audiovisuais. Buscamos exibir
filmes, curtas e séries de televisão de diferentes gêneros, porém, os que mais interessaram
aos alunos foram aqueles com temática de ação ou de violência.
Nas outras fases do projeto, no problema e no clímax, criamos uma metodologia
que viemos a chamar de baralho de personagens (AMARAL, GONÇALVES &
TOWSEND, 2019). Essa metodologia pode ser aplicada em criação de narrativas de
qualquer gênero e seus procedimentos estão descritos a seguir:
a) a criação individual de uma personagem original, descrevendo características
físicas, psicológicas, gostos, atitudes e manias;
b) a proposição de situações adversas a serem enfrentadas pelas personagens;
c) o sorteio de três personagens a fim de realizar uma tempestade de ideias para a
criação coletiva de um enredo que tenha obrigatoriamente as escolhidas.
Pensamos que, considerando o histórico da turma, poucos realizariam a tarefa de
criação individual de personagem, que foi solicitada como tema de casa. Entretanto, fomos
surpreendidos que a escrita foi realizada por todos os estudantes.
Depois de termos todas as descrições, uma professora de literatura escolheu três
delas, levando em conta critérios como criatividade, coerência e complexidade da descrição.
As selecionadas, resumidamente, foram Francisco, um professor de literatura casado com
um policial; Caco, um jovem integrante de uma gangue especializada em assaltar bancos; e
Lucas, um camelô que sonha em se tornar rapper. Ao apresentamos as três personagens
selecionadas para a turma, eles tiveram que inventar, com as três selecionadas, várias
possibilidades de argumentos para cinema.
Na escrita coletiva, realizamos uma tempestade de ideias para a criação do
argumento (ideia para virar roteiro) da turma. Essa etapa também nos surpreendeu, pois,
mais de 20 argumentos foram criados, bem diferentes uns dos outros. A proposta, então,
49
era escolher um desses argumentos para ser transformado em roteiro. Contudo, a turma
preferiu criar um novo argumento compilando elementos de vários daqueles escolhidos.
2.4 Luz, câmera, ação! As gravações de Linhas Tortas
A narrativa escolhida para ser roteirizada, de forma sintetizada, foi a seguinte: um
camelô chamado Lucas passa por dificuldades financeiras e não consegue dinheiro para
realizar seu sonho de gravar uma música. Seu amigo Caco, então, lhe faz uma proposta
para melhorar de vida: assaltar um banco e conseguir dinheiro para ele gravar suas músicas.
Hesitante, Lucas aceita roubar o banco. Quando os dois estão saindo com o dinheiro, dois
policiais entram em cena e atrapalham os planos dos amigos. No meio a ameaças, um dos
policiais acerta um tiro em Lucas. Nesse momento, um dos clientes do banco identifica
Lucas como seu ex-aluno. Caco aproveita a confusão para fugir com o resto da gangue, que
o espera em um carro do lado de fora do banco. Como ele saiu de lá de mãos vazias, os
capangas o matam. Lucas, por seu lado, é preso e recebe incentivo de seu antigo professor
para não desistir de seu sonho de se tornar um músico.
Com a história definida, a turma dividiu-se em equipes de roteiristas, atores,
produtores e diretores. Primeiramente quatro alunos foram os responsáveis por
transformarem a história em um roteiro original para cinema, que a turma batizou de
Linhas Tortas. Ambientado na escola e imediações, foi interessante notar como os alunos
conseguiram apontar soluções criativas para problemas que surgiram no roteiro. Por
exemplo, duas das locações escolhidas para o filme foram um banco e uma prisão. Para tal
representação, eles tiveram a ideia de transformarem a secretaria da escola em um banco e
o refeitório em uma prisão. Enquanto nós professores tentávamos questionar algumas
ideias, os alunos chegavam com soluções para executá-las.
Durante toda a produção, a turma conseguiu ser uma unidade e promover um bom
trabalho colaborativo. Apesar das funções definidas, os alunos davam sugestões
construtivas para os colegas. Eles realmente estavam preocupados que Linhas Tortas fosse
uma produção de qualidade.
50
No que tange à organização, os alunos mostraram um engajamento exemplar ao
criarem grupos de mensagem para combinarem os horários extraclasse de gravações. Nesses
grupos, eles puderam discutir e definir detalhes sobre as diárias, os horários e os elementos
de figurino e produção. Essa experiência foi incrível, pois não estávamos vendo alunos ali,
mas cidadãos responsáveis reunidos em prol de um objetivo comum, a criação de uma obra
cinematográfica original. Os alunos, ao experimentarem a criação artística, estavam
colocando em prática diferentes saberes e formando-se como leitores críticos.
Frente ao apassivamento desejado pela indústria cultural, torna-se
imprescindível a formação de sujeitos críticos por meio do conhecimento das
linguagens, das formas de produção, leitura e de apropriação dos meios de
comunicação audiovisuais, sobretudo na experimentação artística que não se
ensina, mas se vivencia. (SILVA, 2013, p. 153)
O Estúdio de Criação, de certo modo, agenciou uma aproximação íntima desses
alunos que estavam prestes a sair do ensino médio com o cinema. Talvez muitos pensassem
que não conseguiriam fazer um filme, devido ao senso comum tratar o cinema como uma
super produção. No entanto, a turma pode aprender que qualquer um pode ser um cineasta.
Implicitamente, o conceito de sinergia estava presente ao longo de todo o processo: quando
todos se juntam para um mesmo propósito, o resultado pode ser bem maior e melhor que
a soma das qualidades individuais.
Em 2018, Linhas Tortas trouxe boas novidades. Uma das atrizes do filme foi
aprovada na faculdade de artes cênicas e agradeceu pela participação no projeto, o que foi
determinante na escolha. Linhas Tortas ainda venceu o CINEST – Festival Internacional
de Cinema Estudantil – na categoria Ensino Médio: Santa Maria e região.
Linhas
Tortas
está
disponível
no
YouTube,
através
do
link:
https://www.youtube.com/watch?v=-BlXlar285E .
2.5 Depois de alinhado
Não bastasse o sucesso dos curtas na escola, as três turmas organizaram um festival
para exibirem os seus filmes para a comunidade santa-mariense. O evento levou o nome de
51
FEBIC (Festival Bilaquiano de Curtas). Para a divulgação, cada turma fez uma montagem
de divulgação do seu filme. A seguir, a arte para divulgar o filme Linhas Tortas.
O FEBIC foi aberto ao público e aconteceu no auditório da CESMA (Cooperativa
dos Estudantes de Santa Maria) no dia 18 de janeiro 2018. Além da exibição dos três
filmes, os alunos idealizaram uma premiação ao estilo do Oscar, com um júri formado por
cinco especialistas da cidade na área do cinema ou da educação. Houve premiações de
Bilaquitos (o nome dos troféus, fazendo referência à escola e aos kikitos do Festival de
Cinema de Gramado) nas seguintes categorias: melhor atriz, melhor ator, melhor elenco,
melhor figurino e maquiagem, melhor produção, melhor direção, melhor clímax, destaque
popular e melhor filme. Linhas Tortas levou o prêmio de melhor ator, melhor elenco e
melhor direção, além de dividir com os outros dois filmes os Bilaquitos de melhor filme e
de destaque popular.
52
Conclusão
A partir de entrevistas conduzidas com os participantes do projeto, alguns de seus
professores e gestores educacionais da escola, percebemos que, após a produção do Linhas
Tortas, os alunos, de modo geral, tornaram-se mais responsáveis em sala de aula,
melhoraram o convívio em grupo e começaram a se interessar mais pelas artes e ficção em
geral.
De acordo com um dos alunos, “depois do filme a turma se uniu mais, porque
durante o filme todo mundo se ajudou”. Outra colega afirmou que a turma “soube lidar
com as diferenças que existem na sala de aula e viu que dá para a gente se dar todo mundo,
dá para a gente conviver de boas, que convivendo de boa vai ter resultado”.
Nossos objetivos, de fato, foram alcançados. Mas o que mais nos deixa orgulhosos
é que os alunos foram além do que foi proposto. De modo proativo, eles compraram a
ideia e quiseram fazer o melhor que podiam.
Todavia, um ponto que podemos melhorar em um próximo projeto é a participação
dos alunos na pós-produção. Já que a finalização foi feita por nós mesmos, os alunos, com
efeito, não tiveram voz nessa etapa. Seria muito importante que eles aprendessem ou
acompanhassem essa etapa também, pois é de extrema importância para uma produção
cinematográfica.
Em relação ao FEBIC, a própria organização dos alunos comprovou que eles
queriam mostrar suas produções para além dos muros da escola. Talvez essa foi uma lição
muito importante de cidadania que os alunos tiveram sem nem termos pensado nisso
durante o planejamento inicial. Atividades que fazem os alunos sair da bolha da
comunidade escolar os tornam mais responsáveis e mais preparados a vida em sociedade.
A inserção no trabalho e o exercício
sujeitos autônomos, criativos, capazes
Destaca-se, portanto, o investimento
(formação do pensar, de atitudes, de
da cidadania participativa requerem
de pensar com sua própria cabeça.
na formação de sujeitos pensantes
valores, de habilidades) implicando
53
estratégias interdisciplinares de ensino para desenvolver competências do pensar
e do pensar sobre o pensar. (LIBÂNEO, 1994, p. 37).
Outrossim, vale frisar que essa turma era considerada problemática, com notas ruins
em geral e problemas comportamentais. Depois dessa atividade de criação audiovisual,
muitos docentes afirmaram estar surpresos com os resultados, pois houve uma melhora
considerável na turma, tanto no rendimento quanto nas atitudes. Portanto, o cinema e arte
exerceram um papel fundamental para os alunos como pessoas, cidadãos e estudantes.
Os possíveis vínculos entre o cinema e a educação se multiplicam a cada
momento, a cada nova iniciativa ou projeto que os coloca em diálogo.
Fundamentalmente, trata-se de um gesto de criação que promove novas relações
entre as coisas, pessoas, lugares e épocas. De fato, o cinema nos oferece uma
janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que está lá fora,
distante no espaço ou no tempo, para ver o que não conseguimos ver com
nossos próprios olhos de modo direto. Ao mesmo tempo, essa janela vira
espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior, tão ou mais distante
de nosso conhecimento imediato e possível. A tela de cinema (ou do visor da
câmera) se instaura como uma nova forma de membrana para permear um outro
modo de comunicação com o outro (com a alteridade do mundo, das pessoas,
das coisas, dos sistemas) e com o si próprio. A educação também se reconfigura
diante dessas possibilidades. (FRESQUET, 2017, p. 19).
Esperamos que este trabalho incentive outros projetos de cinema na escola e, no
nível macro – por que não? –, a inclusão de cinema no currículo escolar. Que discussões
sobre as relações entre cinema e educação possam ser cada vez mais frequentes na escola,
sobretudo na rede pública.
Referências Bibliográficas
AMARAL, J.; GONÇALVES, R.; TOWSEND, T. Baralho de Personagens. Baralho de personagens:
uma metodologia para criação de narrativas. In: COLVERO et al. (org.). Fontes, Métodos e Abordagens
nas Ciências Humanas: paradigmas e perspectivas contemporâneas. Pelotas: BasiBooks, 2019.
FAVARETTO, C. Prefácio. In: SETTON, M. G. J. (org.). A cultura da mídia na escola: ensaios sobre
cinema e educação. São Paulo: Annablume, 2004.
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básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
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(Eds.). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento, São Paulo, Paulinas, 2011.
54
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LIBÂNEO, J. Didática, São Paulo, Cortez, 1994.
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godardiana. In: COUTINHO, M.; MAYOR, A. L. S. Godard e a educação. Belo Horizonte: Autêntica,
2013.
5. Cinema e Educação: entrelaçando olhares
Maria Dolores Ribeiro de Souza
Valdomiro Batista Rocha Marques
Introdução
Este artigo trata de questões sobre cinema e educação entrelaçado com elementos
que permitem compreender a imagem móvel imbricada com a contemporaneidade. Tece
algumas relações entre linguagem visual e sonora, a partir do olhar e do ver, percebendo as
composições imagéticas como construtoras de sentido e de significação, visando à
construção de uma educação escolar mais humanizada, crítica e reflexiva. Mostraremos que
em nossa prática pedagógica temos o Projeto Cineart: resgatando histórias e escrevendo
memórias, ao qual permite que dialoguemos com a área de Cinema e Educação, a partir da
leitura de vídeos/filmes e da construção de vídeo estudantil, tendo os estudantes
participação direta na produção dos trabalhos e os professores/coordenadores sendo
mediadores. Também, trataremos neste artigo da nossa experiência com vídeo estudantil
em escolas municipais de Vitória da Conquista, Bahia, sendo maior parte, em zona rural.
E, por último, falaremos a respeito do evento “Mostra de cinema” que vem sendo realizado
na Escola Municipal Francisco Antônio de Vasconcelos, no Povoado da Cabeceira, desde
o ano de 2015, bem como, do que estamos realizando em 2019.
Desenvolvimento
Cinema e educação
No cenário contemporâneo da segunda metade do século XX ocorreram mudanças
econômicas, sociais e culturais que possibilitaram o alargamento das tecnologias, dos meios
de comunicação de massa e da expansão da indústria cultural. Esses fatores desempenharam
56
papel importante na formação de uma nova mentalidade social e cultural contribuindo para
modificar a vida da população em geral. Entretanto, o processo de aprendizagem não se
restringe apenas aos espaços institucionalizados ou à escola, como era concebido em
décadas anteriores.
Desta forma, a sociedade contemporânea ao entender que a educação escolar não
abarca todos os anseios dos educandos, compreende que educar abrange a historicidade de
cada sujeito, as relações sociais, a ética, além das expectativas que cada indivíduo possui.
Ainda, compreendendo a educação como exercício social de formação plena do homem e
da mulher, entende-se que esta não se resume ao aspecto meramente pedagógico/escolar,
sendo, na sua essência, um ato político.
Na denominada pós-modernidade, os educadores são convidados a repensar o
currículo, rever as concepções e espaços de educação, de forma a permitir experimentar o
erro, as incertezas, a dinamizar o antes estático e frio. A incluir a interculturalidade no
debate educacional e de igual modo o diferente, possibilitando múltiplas experiências de
amorosidade e diálogo, seja na cultura escolar e/ou não escolar. Tempo de questionar o,
ainda, não questionado, de transpor barreiras e romper limites.
A educação, ainda, vista desta forma rompe com o saber burocrático e estratificado,
potencializa o desenvolvimento da cognição ao aprimorar os sentidos e ampliar a
imaginação, sem perder o diálogo com a conscientização social, intrínseca de uma educação
libertadora.
Em sua essência a educação demonstra abrangente capacidade de interação,
permitindo, por isso, a inserção da arte cinematográfica que contribui significativamente
para fornecer às instituições educacionais horizontes mais prazeroso e prenhe de
significados. Possibilitando aos estudantes serem sujeitos sociais criativos, imaginativos e
capazes de problematizar a realidade que os cercam. Ademais, a proximidade dos
educandos com o audiovisual se materializa como via privilegiada de acesso ao
conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.
57
O cinema revelou-se como uma das mais importantes manifestações artísticas do
século XX, desempenhando papel preponderante para a formação cultural e social de cada
sujeito. Além do mais, apresenta-se como componente de lazer no tempo livre. Assim,
tanto a escola, quanto os demais espaços educativos podem favorecer o uso da cultura
audiovisual para além da possibilidade de lazer.
Todavia, dada a sutileza do conteúdo do cinema e da televisão, as imagens
apresentadas podem distrair e educar. Ou podem alienar e manipular. Esse efeito pode ser
minimizado quando o olhar do leitor é atento e crítico observando a maneira como a
mensagem é direcionada.
É a educação para os meios de comunicação, com a finalidade do letramento
midiático, que permitirá ao aluno ir além dos conteúdos manifestos, fazer uma
análise do discurso daquilo que é apresentado: ser letrado para as mídias
significa ter a habilidade de entender tanto as potencialidades quanto as
limitações de cada meio, de captar nos discursos o que é dito, como é dito e
por que é dito, de distinguir “realidade” de “construções”, descortinando
ideologias explícitas ou implícitas. (MOCELLIN, 2009, p. 37).
Embora a utilização do cinema na educação como ferramenta pedagógica já viesse
ocorrendo em décadas anteriores, ainda que de forma isolada, somente no final dos anos
de 1980, ganha maior alcance com a difusão do videocassete. Mas, só recentemente
apareceram propostas organizadas para auxiliar o educador que faz uso do filme na
educação. Por isso, o ambiente educativo é imprescindível para que o educador possa
mediar e incentivar as práticas das leituras e releituras cinematográficas.
Com base nas ideias de Napolitano (2008) sobre as variadas possibilidades do
cinema no espaço educativo da cultura escolar e não escolar, o filme deve merecer a devida
atenção do educador, quanto ao uso responsável desse recurso. O referido autor discorre
que dentre as propostas de uso adequado do vídeo estão:
• Vídeo como sensibilização – o uso é essencial para introduzir um novo assunto,
para incentivar a curiosidade, a motivação para novos temas, e ainda, desperta para
a pesquisa;
• Vídeo como ilustração – auxilia nos temas tratados em aula, na composição de
cenários desconhecidos e na aproximação de realidades afastadas dos educandos;
58
• Vídeo como simulação – apresenta uma ilustração mais requintada, podendo
representar experiências químicas com alta periculosidade ou que despenderiam de
muito tempo e de vários recursos;
• Vídeo como conteúdo de ensino – vídeo que aborda determinado assunto de
maneira direta ou indireta. Direta quando informa a respeito de um tema específico
possibilitando a sua compreensão. Indireta quando mostra um tema, tornando
possíveis abordagens múltiplas e interdisciplinares;
• Vídeo como produção – se apresenta como documentação, registro de eventos,
aulas, estudos, experiências, entrevistas e depoimentos. Também, como intervenção
de programa e de material audiovisual, modificando-o e acrescentando outros dados
e interpretações, de forma que o contexto se aproxime do educando e ainda como
modo de expressão e comunicação adequada à sensibilidade especialmente das
crianças e dos jovens;
• Vídeo como avaliação – avalia-se o processo e os envolvidos: educandos e
educadores;
• Vídeo espelho – favorece a análise do comportamento individual e dos papéis de
cada um no grupo. Também, permite a autoanálise para que o educador veja suas
qualidades e defeitos;
• Vídeo como integração/suporte de outras mídias – utiliza-se de gravações de
programas importantes da televisão e/ou filmes para ampliar o conhecimento de
cinema e iniciação da linguagem audiovisual.
E, ainda, segundo Napolitano (2008), entre as propostas inadequadas para a
utilização do filme na educação podemos mencionar:
• Vídeo-tapa-buraco – pôr o filme quando existe um problema inesperado, como
ausência do educador. Pode ser útil se for usado eventualmente, porém com
frequência descaracteriza o uso do mesmo e o educando relaciona a não ter
programação educativa;
59
• Vídeo-enrolação – colocar um vídeo sem um planejamento prévio, onde há pouca
ou nenhuma relação com o conteúdo que está sendo abordado na disciplina;
• Vídeo-deslumbramento – o educador que acaba de conhecer a utilização do vídeo
costuma empolgar-se e emprega-o em todas as aulas, excluindo outras metodologias
mais pertinentes;
• Vídeo-perfeição – educadores que questionam todos os filmes possíveis em busca
de um sem defeitos tanto de informação, quanto de estética;
• Só vídeo – didaticamente não é aconselhável exibir o filme sem uma exploração do
conteúdo e processo de produção, sem integrá-lo nas atividades e práticas
educativas, voltando e apresentando as cenas mais importantes.
Cultura visual
Ao articular a experiência do olhar na cultura visual, a linguagem cinematográfica
adquire função significativa na educação contemporânea, nos remetendo ao
desenvolvimento dos sentidos e a uma capacidade crítica primordial, para nos fazermos
seres constituintes e constituidores do mundo, uma vez que:
Vivemos em um mundo tecnológico visual complexo, onde as imagens se
transformaram no produto mais essencial de nossa informação e conhecimento.
O aspecto da visualidade, que se refere a nosso modo de olhar, ver, contemplar,
[...] o mundo, é particularmente relevante para a construção da representação
do conhecimento e revela a necessidade de uma exploração adicional dos
conceitos da comunicação e de representação cultural. (DIAS, 2005, p..282).
Hernández, (2000, p. 52) destaca que “a importância primordial da cultura visual
é mediar o processo de como olhamos e como nos olhamos, e contribuir para a produção
de mundos [...]”. Essa criação é engendrada por meio da construção de sentidos e
significados que engloba, dentre outros, o visual, o sonoro, o estético. Desse modo, as obras
artísticas, as várias composições da cultura visual possibilitam a reflexão do pensamento a
partir da cultura em que estão inseridas.
Compreende-se assim que, o espaço da cultura visual é permeado por
entrelaçamento perceptivo que leva a uma dialética do olhar curioso em torno das pessoas,
60
dos artefatos, das obras de arte e do cinema, permitindo interpretações e recriações de
sentidos. Como enfatizara Freire: “O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a
intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca de perfilização
do objeto ou do achado de sua razão de ser” (1996, p.88). Para tanto, cabe ao espaço
educativo elaborar uma proposta curricular que insira a cultura visual auxiliando na
ampliação do olhar curioso, de forma crítica e significativa, para que possamos ser
produtores de pensamentos e respostas, e não apenas, consumidores passivos e
reprodutivos dos efeitos das mensagens visuais recebidas.
Hernández (2000) promove um rico debate sobre a arte na educação possibilitando
que esta área do conhecimento saia da marginalidade e ganhe de fato credibilidade no meio
educacional. Salienta que a cultura visual desempenha um papel imprescindível na
contemporaneidade como mediadora de valores culturais e ressalta o papel importante dos
docentes na interpretação e uso responsável da mesma.
Ainda, segundo Hernandéz (2000), a cultura visual deve orientar-se pelo menos
por três sentidos:
• Enquanto matéria de estudo transdisciplinar1 que investiga sobre as práticas de
olhar e os resultados de quem olha;
• Imagens, objetos, artefatos do passado e do presente que explica como vemos e
somos olhados;
• Uma situação cultural influenciada, na atualidade, por nosso envolvimento com
a tecnologia da informação e da comunicação, afetando como nos vemos a nós
mesmos e o mundo.
Imerso em um mundo visual cada pessoa inicia olhando e só depois de um estudo
cuidadoso com a imagem passa para o ato de ver, ou seja, quando se adentra na leitura
reflexiva. Zamboni (2001), mencionando sobre o ver e o olhar destaca que:
A transdisciplinaridade, como o prefixo ‘trans’ o indica, diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre
as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão
do mundo atual, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. (FAZENDA, 2006, p.43).
1
61
O ver não diz respeito somente à questão física de um objeto ser focalizado
pelo olho, o ver em sentido mais amplo requer um grau de profundidade muito
maior, porque o indivíduo tem, antes de tudo, de perceber o objeto em suas
relações com o sistema simbólico que lhe dá significado. [...] O olhar é ir além,
é captar estruturas, é interpretar o que foi observado. (ZAMBONI, 2001, p.
54, 57).
A nossa visualidade no mundo contemporâneo é constituída pelos nossos modos
de ver. Ao perceber e analisar as imagens estamos (des)construindo repertórios do universo
imagético e penetrando nossos olhares naquilo que nos motiva, a partir da visão de mundo
e participação nos ambientes socioculturais. Desta maneira, a construção visual é tecida a
partir da história, da cultura e do contexto social em que estamos inseridos. Conforme
Pillar (2003), o nosso olhar não é inocente, ele apreende o passado e se envolve com as
nossas experiências, com nossa história. Não há uma única verdade e visão, nem uma única
leitura, porém se pretende ter vários olhares sobre uma mesma coisa.
Experiência com vídeo-estudantil em escolas municipais de Vitória da Conquista-Ba
Em nossa prática pedagógica dialogamos com a área de Cinema e Educação a partir
da leitura de vídeos/filmes e da construção de vídeo estudantil, tendo os estudantes
participação direta na produção dos trabalhos e os professores/coordenadores sendo
mediadores.
A experiência com Curta Estudantil começou em 2011, na Escola Municipal
Domingos de Oliveira, Povoado de Limeira, quando o professor Valdomiro Marques, da
área de Língua Portuguesa, teve a ideia de criar uma oficina de cinema com seus alunos,
para que aprendessem a matéria de forma mais interativa. Também, em 2011, o professor
Valdomiro Marques ganhou adesão da professora Maria Dolores Ribeiro de Souza, que
atuava com a matéria de Artes e ambos iniciaram um trabalho de Resgate e escrita de
memória, por meio do audiovisual, com moradores do Povoado do Batuque, localidade
onde situava a Escola Municipal Antônio Machado Ribeiro em que lecionavam. No ano
de 2012 embora não estivéssemos trabalhando na mesma escola, demos continuidade ao
trabalho com cinema/educação. Enquanto o professor Valdomiro Marques estava
62
construindo vídeo estudantil, a professora Maria Dolores Ribeiro, como coordenadora
pedagógica da Escola Municipal Profª Edivânia Teixeira, organizou um Cineclube com
exibições semanais para a comunidade escolar interna e externa. Após, fazíamos
comentários com a participação dos envolvidos.
Em 2013 passamos a lecionar na mesma instituição na Escola Municipal Francisco
Antônio de Vasconcelos, no Povoado da Cabeceira. Lá iniciamos um trabalho com
cinema/educação e produção de vídeo estudantil, por meio do Projeto Cineart: resgatando
histórias e escrevendo memórias, coordenado pela professora Maria Dolores Ribeiro de
Souza e pelo professor Valdomiro Batista Rocha Marques. Desta forma, com a
participação dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental I fomos ao Povoado da Caiçara
e fizemos um documentário com o tema “Meio Ambiente”. Neste trabalho falamos de
degradação ambiental, lixo e água contaminada, problemas que afetavam a vida dos
moradores da localidade e alguns dos nossos alunos residiam neste Povoado.
Paralelamente com as ações que eram desenvolvidas na escola procurávamos
participar de atividades e formações ligadas ao cinema/audiovisual e a produção de vídeo
estudantil, pois acreditávamos que o fazer pedagógico precisa estar entrelaçado ao
conhecimento teórico, pois teoria e prática devem andar juntas na ação educativa. Desta
forma, fizemos formação sobre fotografia, cinema, oficinas de produção de vídeo, festivais
de cinema, workshop e participamos de alguns eventos e Mostras de cinema realizados
pelo Programa Janela Indiscreta, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB.
Além disso, o professor Valdomiro Marques representava a nossa escola no grupo
intitulado “Lentes Rurais”, que era composto de um pequeno número de professores
municipais da zona rural, que se reuniam para conversar sobre cinema e falar da produção
de vídeo que realizavam com os alunos das escolas em que atuavam. Igualmente, o
conhecimento que nós professores obtemos nos ajudam no planejamento das aulas e
também em todo suporte técnico que é necessário para a construção dos vídeos estudantis
com os alunos.
Também, em alguns momentos, os estudantes tiveram oficinas de cinevídeo,
vinculadas ao Projeto Mais Educação, do Ministério da Educação- MEC, ministradas pelo
63
professor Valdomiro Marques. Com as oficinas os estudantes obtiveram suporte teórico e
prático sobre fotografia, cinema e construção de vídeo estudantil.
Sendo que, a construção do vídeo se dá por meio de um roteiro prévio, que surge a
partir de temas com relevância social, da representação social dos alunos, das suas
expectativas de vida e daquilo que os motivam, são realizados dentro do conteúdo de
cinema/fotografia, nas aulas de Artes, com a professora Maria Dolores Ribeiro. A partir
dos roteiros prontos, os alunos estudam as falas, após fazemos orientações para os ensaios
e filmagens/gravações dos vídeos. Depois, editamos com a participação dos estudantes
envolvidos nos trabalhos e com as orientações dos professores coordenadores do Projeto
Cineart: resgatando histórias e escrevendo memórias.
Portanto, com os vídeos elaborados realizamos Mostras de Cinema para
socializarmos os vídeos. Além disso, exibimos outros filmes brasileiros, curtos e longos. O
evento vem sendo realizado anualmente para a comunidade interna e conta com a
participação de alguns convidados da comunidade externa. Desta forma, as Mostras de
Cinema, até o momento, tiveram a seguinte formatação:
1ª Mostra de Cinema da Escola Municipal Francisco Antônio de Vasconcelos –
Povoado da Cabeceira ocorrida em 2015, que contou com a participação de membros do
Programa Janela Indiscreta- UESB; – Programação: exibição do documentário “Memórias
de minhas lidas”, e também curtas nacionais; Atividades desenvolvidas: exposição de
trabalhos de artes sobre filmes assistidos na escola;
2ª Mostra de Cinema da Escola Municipal Francisco Antônio de Vasconcelos –
Povoado da Cabeceira ocorrida em 2016 – Programação: Abertura com um momento
cultural com músicas; exibição dos vídeos estudantis: “Memória de vida” (Lola e Hilda);
“Falas e bocas”; “Juventude perdida”; “O príncipe e as princesas”; “Educação X
Violência”; “Tragédia”. Atividades desenvolvidas: oficinas de arte (teatro, teatro de
sombra, dança, música e artesanato);
3ª Mostra de Cinema da Escola Municipal Francisco Antônio de Vasconcelos –
Povoado da Cabeceira ocorrida em 2017 – Programação: Abertura com um momento
64
cultural com músicas e apresentação de dança; exibição de vídeos estudantis produzidos
pelos alunos do 7° ao 9° ano: “História de Carla”; “A justiça”; “A traição”; “Amor
impossível”; “As três amigas”; “Baleia azul, o jogo mortal”; “Bullying na escola”; “Chaves”;
“Gravidez na adolescência”; “O assalto”; “O crime não compensa”; “O medo”; “O
sequestro”; “Proibição fatal”. Atividades desenvolvidas: oficinas de arte (teatro e teatro de
sombra, dança, música e artesanato); premiações dos filmes e dos atores.
4ª Mostra de Cinema da Escola Municipal Francisco Antônio de Vasconcelos –
Povoado da Cabeceira ocorrida em 2018 – Programação: Abertura com um momento
cultural com músicas e apresentação de dança, teatro e poesia; Abertura falando sobre o
Projeto Cineart: resgatando histórias e escrevendo memórias; exibição dos vídeos: “A
tecnologia que nos move”; “Bullying na escola”; “O medo”; Animação “Era digital”;
Atividade artística/cultural: poesia, teatro e dança. Tivemos também, a abertura do evento
de produção de vídeo estudantil o “Curta 5”, do Instituto Federal da Bahia– IFBA, campus
de Vitória da Conquista, que contou com a participação do professor Benival Júnior que
é coordenador do Projeto “Curta 5”, juntamente com alguns monitores. Também,
estiveram presentes na Mostra de Cinema pessoas da comunidade interna / externa,
representantes da Secretaria da Educação - SMED e da Associação Atlética do Banco do
Brasil - AABB e autoridade política de Vitória da Conquista.
Ao concluir a mostra de cinema fomos participar do 3º Congresso Brasileiro de
Produção de Vídeo Estudantil - CBPVE, alguns alunos participaram conosco de parte da
programação do “Curta 5”, que estava ocorrendo dentro do congresso.
Neste ano de 2019 estamos dando continuidade ao Projeto Cineart: resgatando
histórias e escrevendo memórias, com os alunos do Ensino Fundamental II, por meio da
realização de estudos sobre história da fotografia, processos fotográficos, história do
cinema, leitura e análise de filmes. Ademais, estamos construindo roteiros para os vídeos
estudantis com os alunos do 7º ao 9º ano, com os seguintes temas: “A valorização social
da mulher”; “Combate às drogas”; “Suicídio entre jovens”; “Abuso sexual”; “Depressão
humana” e “Fake news”.
65
Assim, podemos afirmar que a prática pedagógica com o cinema / audiovisual na
educação escolar é gratificante e significativa para o processo ensino-aprendizagem, tanto
para os alunos, como para os professores envolvidos. A própria instituição que realiza este
trabalho cresce e passa a ter mais credibilidade no meio educacional. Todavia, é um
trabalho intenso e um pouco difícil de ser realizado, pois temos poucos meios tecnológicos
e não dispomos de recursos financeiros e transportes para nos deslocarmos com os alunos
para fazer as gravações e participarmos de atividades ligadas ao cinema.
Conclusão
Dado o exposto, a nossa visualidade no mundo contemporâneo é constituída pelos
nossos modos de ver. Ao perceber e analisar as imagens estamos (des) construindo
repertórios do universo imagético e penetrando nossos olhares naquilo que nos motiva, a
partir da visão de mundo e participação nos ambientes socioculturais. Desta maneira, a
construção visual é tecida a partir da história, da cultura e do contexto social em que
estamos inseridos.
Enfim, as instituições educacionais já vêm demonstrando certa abertura para o uso
pedagógico da imagem. Mas, ainda faltam muito para aprenderem sobre as relações entre
ensino-aprendizagem e as possibilidades que o cinema e a produção de vídeo podem
fornecer, estimulando nos sujeitos que deles têm acesso a observação, a capacidade de
julgamento, a compreensão, a criatividade e a reflexão. Concluímos este artigo dizendo que
em meio aos desafios, queremos continuar fazendo a arte cinematográfica exalar o melhor
perfume, enchendo nossa alma de alegria e fazendo os nossos olhos brilharem.
Referências Bibliográficas
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Canoas: ULBRA, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29 ed. São Paulo: Paz
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66
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Médicas Sul, 2000.
MOCELLIN, Renato. História e cinema: educação para as mídias. São Paulo: Editora do Brasil, 2009.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 4. Ed. São Paulo: Contexto, 2008.
PILLAR, Analice Dutra. (Org.). A educação do olhar no ensino das artes. 3ªed. Porto Alegre: Mediação,
2003.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. 2. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2001.
6. Vivências, convivências... Simples assim: escola!
Tânia Cristina Medeiros Cardoso Lopes
tania.crist@yahoo.com.br
Introdução
“Profusão e fusão de imagens representativas do cotidiano escolar são o fundo para
que os alunos representem pequenos monólogos construídos coletivamente sobre
sentimentos e memórias, reais ou imaginadas, que os remetem ao passado, presente e futuro
na Unidade Escolar. Nesse contexto, uma personagem singular: uma máquina de escrever
da década de 80 protagoniza junto aos estudantes a narrativa do curta”. Essa é a sinopse
do curta-metragem “Vivências, convivências... Simples assim: ESCOLA!”. A produção do
filme envolveu um grupo de 11 alunos de 6º ao 8º anos do Colégio Municipal Francisco
Porto de Aguiar, Arraial do Cabo/RJ, participantes da oficina de realização do projeto
“Cinema: experimentar, conhecer, realizar” em sua 2ª edição no município, integrante da
grade de cursos do Núcleo de Tecnologia Municipal (NTM Arraial) que atende alunos
da rede municipal de ensino em seus respectivos contraturnos.
O filme foi idealizado para participar da convocatória da 13ª CineOP – Mostra de
Cinema de Ouro Perto, MG, realizada de 13 a 18 de junho de 2018, como parte integrante
da temática Educação que compõe o Encontro da Educação – X Fórum da Rede Kino
(Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual). Para os curadores da
temática Educação da 13ª CineOP, a ideia foi criar um contexto de reflexão no qual
essencialmente os próprios professores e estudantes pudessem reencontrar a escola como
lugar privilegiado às novas gerações. Adriana Fresquet, uma das curadoras da temática
Educação, reforça essa ideia em depoimento para o site de divulgação do evento:
68
Queremos orientar e exercitar a atenção e desenvolver formas de cuidado e amor
por esse ambiente. Sentimos a urgência de olhar para a escola, seus atores, sua
forma, suas operações e sua linguagem de um modo afirmativo, reconhecendo
que, se ela ainda tem elementos que permanecem longe da obsolescência desde
sua invenção, podemos hoje estar diante de um fenômeno de natureza específica
que, como o belo, tem algo de eterno e de efêmero. (FRESQUET, 2018).
O dispositivo para elaboração dos filmes se organizou em torno das letras do
abecedário, inspirado no Abecedário da Educação, proposto pelo Professor ensaísta Jorge
Larrosa1 no livro Elogio da Escola. “Vivências, convivências... Simples assim: ESCOLA!”
se inseriu nesse glossário compondo a letra “V”: vida, vivência, voz.
Desenvolvimento
O NTM Arraial tem sua sede no Colégio Municipal Francisco Porto de Aguiar e
entre os cursos oferecidos para alunos da rede pública municipal, o destaque aqui será para
a oficina de realização do Projeto “Cinema: experimentar, conhecer, realizar”, sob minha
coordenação nos anos 2017 e 2018. Como um dos exercícios de experimentação da edição
de 2018 do projeto, os discentes foram convidados ou, porque não, “provocados” a
idealizarem um curta-metragem que contemplasse as regras do edital para participação na
13ª CineOP. Para tal, foram realizados três encontros no mês de abril com carga horária
de 2h, cujo objetivo foi o desenvolvimento da proposta de realizarem uma homenagem à
Escola, seus cotidianos e quem a habita, subsidiada pelas trajetórias dos diferentes sujeitos
envolvidos na atividade em torno das memórias que possuíam do Colégio. Alimentada por
memórias do passado atualizadas no presente e projetadas para o futuro, a dinâmica da
atividade assemelhou-se à metodologia da história oral descrita por Delgado (2010, p. 52)
em que “[...] é possível produzir-se documentos que registram versões e representações
sobre o que foi, como foi, o que deixou de ser e o que potencialmente pode vir a ser [...]”,
uma vez que os alunos exploraram memórias passadas representadas pelo desejo de estudar
na unidade escolar, memórias do presente pautadas no sentimento de pertencimento por
já estudarem na unidade escolar e o desafio de ficcionarem uma memória futurista, ao se
1
Larrosa é Professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona, Espanha.
69
imaginarem rompendo esse elo de pertencimento pela necessidade de deixarem a unidade
escolar. Para concretizar a proposta, os eixos norteadores das etapas do trabalho foram
pensar a Escola como “tempo livre” (das obrigações impostas pelo mercado e pelo
consumo) e a Escola como “espaço público”. Para isso os alunos foram orientados a
explorar imagens do passado e imagens do presente da Escola: imagens que permitissem
conhecer, imaginar, desenhar a Escola, seus espaços, suas rotinas, seus objetos, as pessoas
que a habitam, as ações que lá acontecem. Dessa forma, o filme deveria traduzir visões do
que é escolar e responder ao questionamento “Por que gestos é possível enxergar melhor a
escola e suas vivências do cotidiano?”. Foram três regras para produção do projeto: 1.
Inspirar-se em uma letra do alfabeto através de motivos visuais escolares (Ex. S – Saída da
escola; M – Merenda); 2. Criar um motivo visual escolar (verbete ou palavra)
correspondente ao filme para posicioná-lo em uma letra do alfabeto; 3. O filme deveria ter
até 3 minutos, incluindo créditos.
Embalados pelo desejo de registrarem as vivências e convivências que possuem no
Colégio, a escrita do roteiro foi conduzida através da adaptação do dispositivo “Linha da
Vida”2, experiência adquirida com minha participação na MasterClass “Cinema e
Educação” com o cineasta e educador francês Karim Bensalah em 2017. Os alunos foram
convidados a escreverem sobre um tempo passado (expectativas que tinham antes de
estudarem no colégio), um tempo presente (como é estar no colégio, as pessoas com quem
convivem) e um tempo futuro (como seria sair do colégio, o último dia na Unidade escolar,
como seria estudar em outras escolas), divididos em seis momentos diferenciados.
Após cada estudante escrever os seis momentos propostos, a etapa seguinte foi
agregar as escritas individuais, transformando-as em uma escrita coletiva com o
entrelaçamento das impressões registradas, assemelhando-se a costura de uma colcha de
retalhos, como explica Delgado (2010), reportando-se a Portelli, “[...] como um mosaico,
No dispositivo “Linha da Vida” os discentes escrevem um pequeno roteiro em que ficcionam ou se
baseiam em fatos reais para explorarem fases/momentos vividos, imaginados, contados por familiares ou
projetados por eles para o futuro. A seguir, esses roteiros são distribuídos aleatoriamente para leitura e
escolha de um momento do “outro” para interpretação, finalizando com a filmagem do próprio estudante
contando sua visão para o futuro: um filme sobre a história do outro, mas finalizando com sua própria
história.
2
70
em que pedaços são diferentes, porém formam um todo depois de reunidos”. Ou seja,
cruzar as informações da escrita individual para escrita de um roteiro coletivo que
contemplasse a riqueza e diversidade dessas vozes particulares e possibilitasse a construção
da narrativa explorada no filme fundindo o individual e o coletivo dos envolvidos.
Finalizada essa etapa, a discussão girou em torno da forma como traduziriam em imagens
a narrativa construída. Optaram por gravar cada momento do roteiro no formato de
monólogo, à frente de um fundo verde para utilização da técnica da Chroma-key3 durante
a edição. Acompanhando esses monólogos, uma aluna “batia” em uma máquina de escrever
como se fosse o seu diário, como se cada monólogo representasse o registro de sua própria
história. A máquina de escrever, uma Olivette LETTERA 824, teve a função especial de
representar metaforicamente a memória do Colégio, fundado na mesma década de sua
fabricação, além de aproximar os alunos da forma como eram feitos registros na época,
muito diferente do momento atual. O estranhamento e curiosidade no funcionamento do
equipamento foram gerais, todos com idade inferior a ele. Essa constatação fomentou a
discussão sobre as mudanças que a evolução tecnológica trouxe ao longo do tempo e o
questionamento pontual sobre o futuro da escrita, exemplificado pelo número máximo de
caracteres de uma postagem no Twitter (ampliado para 280 toque, o dobro do tamanho
original) ou a possibilidade de enviar uma mensagem pelo WhatsApp através de áudio,
dispensando a digitação.
Etapa seguinte: montagem do curta-metragem. Como explica Duarte (2009):
Entendida em um sentido amplo, a montagem é a ordem em que os planos se
sucedem em uma sequência temporal, assim como a forma como os elementos
que compõem um mesmo plano são apresentados – simultânea ou
sucessivamente. Colocadas juntas, as imagens se unem em uma nova ideia,
estendendo fios invisíveis entre elas, de modo que façam sentido para nós. O
cinema soube disso desde o início e se utiliza da montagem para sugerir essas
ligações. (DUARTE, 2009, p. 43).
Chroma key é uma técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre uma outra através
do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde ou o azul.
4
Máquina de escrever portátil fabricada no Brasil entre os anos de 1981 e 1984.
3
71
A forma de articular esses planos, imaginar essa arrumação, como essas imagens
poderiam afetar as pessoas, exigiu tomada de decisões. A profusão de imagens a que se
refere a sinopse, foi representada pela troca do fundo verde por imagens representativas do
cotidiano escolar sobrepostas e, a fusão, a estratégia de trabalhar com a opacidade durante
a edição para a transparência das mesmas, incorporando-as. O desejo de fazer o melhor
impulsionou os alunos responsáveis por interpretarem os monólogos repetirem inúmeras
vezes a gravação e, entre a gravação dos monólogos e a captação das imagens que ficariam
ao fundo, foram realizadas 76 tomadas num total aproximado de 1h30 de material bruto,
que foi decupado para se transformar em 3 minutos de filme. Desse universo de 90 minutos
de imagens captadas, apenas 3% seria aproveitado na montagem, perpassando por três
operações mentais básicas para o ato de criação cinematográfico, descrito por Bergala
(2008): eleger do material bruto o que efetivamente faria parte do produto final; dispor,
ou seja, ordenar, essas escolhas na linha de tempo do software de edição e, por último, o
ataque: cortes nas tomadas escolhidas adequando o produto final ao limite de 3 minutos.
Segundo Bergala (2008) cada uma dessas operações básicas (eleição, disposição e ataque)
acompanham todas as etapas de produção de um filme, podendo ser revisadas a qualquer
momento. Porém, é na montagem que as escolhas são racionalizadas, em que o fazer,
desfazer e experimentar se fazem mais presentes. Com as facilidades trazidas pela
montagem digital, é na montagem que “[...] o momento da escolha definitiva, da decisão,
pode recuar bastante, ser incessantemente adiado, até que a obrigação de ‘entregar’ [...] o
imponha” (BERGALA, 2008, p. 153).
Etapa final: socialização da experiência. Juntamente com mais 21 curtas-metragens
produzidos por educadores, estudantes e cineastas no contexto escolar e espaços não
formais de ensino do Brasil, o filme “Vivências, convivências... Simples assim: ESCOLA!”
foi selecionado a participar da 13ª CINEOP, fato que deixou os alunos exultantes de
felicidade pelo reconhecimento do trabalho que desenvolveram. A exibição ocorreu no
sábado, 16/06, na sessão do Cine BNDES na Praça, famosa Praça Tiradentes, marco
histórico de Ouro Preto, integrando a Mostra Educação. Link para acesso ao trabalho dos
alunos: https://youtu.be/q6-08LQ-lWs.
72
Figura 1 - Processo de escrita de roteiro
Figura 2 - Modelo do roteiro aplicado
73
Figura 1 - Ensaio de monólogos
Figura 2 - Filmagem
Figura 3 - Foto de divulgação do curta-metragem
74
Conclusão
O desafio apresentado aos alunos de realizarem um filme direcionado pelas regras
de um edital foi diferente de qualquer proposta de exercício que já haviam realizado na
oficina de realização do projeto “Cinema: experimentar, conhecer, realizar”. Precisaram
pensar o projeto dentro do que estava pré-estabelecido na convocatória de submissão de
projetos educativos da 13ª CineOP, inclusive o limite de tempo que o filme teria, apesar
da liberdade no caminho a ser trilhado para colocarem em prática o que estava sendo
proposto. Aliado a isso, conduzir as etapas da produção audiovisual em apenas três
encontros exigiu comprometimento e, apesar da diferença etária dos 11 alunos envolvidos,
todos se engajaram para concluírem o que havia sido planejado. Entrelaçar as impressões
de 11 diferentes roteiros para a escrita de um roteiro coletivo foi como a montagem de um
quebra-cabeça em que as peças representavam pontos comuns e pontos divergentes em cada
um dos seis momentos trabalhados nessa escrita.
O convite aos discentes em pensar as vivências e convivências no espaço escolar pelo
prisma de uma memória de expectativa representada pelo tempo passado, pois ainda não
existia essa relação com a instituição, a memória presente pela vivência e convivência do
momento atual na instituição e ao imaginarem a memória que teriam da Escola quando
não mais estivessem ali, trouxe algumas revelações.
A análise dessas impressões demonstrou que no espaço escolar os estudantes
valorizavam a relação com os outros colegas e com os professores. Em nenhum momento
citaram convivência com a Direção ou com funcionários de apoio. Houve críticas em
relação à estrutura material da Unidade Escolar, fato que em mais de um momento
interferiu negativamente nas vivências e convivências relatadas pelos estudantes.
A liberdade de expressão encontrada pelos alunos para a produção do curtametragem foi um diferencial que os envolveu positivamente com a proposta, culminando
com a satisfação pela seleção do filme para programação da 13ª CineOP, o que chamou
atenção para importância no compartilhamento do curta-metragem; os alunos se sentiram
75
verdadeiramente valorizados ao perceberem o valor dado ao projeto que planejaram. Dessa
constatação fica o questionamento se a participação no projeto e o prazer que encontraram
pelo compartilhamento do filme que realizaram fora dos muros da Unidade Escolar, de
alguma forma interferirá na memória afetiva do Colégio que ficcionaram para o futuro.
Referências bibliográficas
BERGALA, A. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola.
Rio de Janeiro: Booklink, Cinead-Lise-FE/UFRJ. 2008.
DELGADO, L. A. N. História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
DUARTE, R. Cinema e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
FRESQUET, A. Sobre a 13ª CineOP . Depoimento concedido a Universo Produção. Disponiível em
<http://universoproducao.com.br/noticia/a-escola-como-memoria-do-futuro-e-o-eixo-de-discussoesda-tematica-educacao-na-13a-cineop-que-celebra-uma-decada-da-rede-kino > Acesso em 14/08/2019.
7. Das crianças do São Bento para o mundo
Luis Gustavo Guimarães1
luis_gustavogui@hotmail.com
A gente só filma bem aquilo que gosta. Então a sugestão para os alunos, ao
escolherem o que filmar ou quem filmar: eleger para começo um tema, um
personagem que você admira... uma coisa, um assunto que você gosta,
principalmente no documentário – é mais essa minha área. Então essa empatia
entre pessoas: quem filma e quem é filmado... empatia com o tema, com o
objeto da filmagem é fundamental. Porque você é retroalimentado por essa
alquimia que acontece no cinema entre a pessoa que filma e a pessoa que é
filmada. Filmar por Vicente Carelli – (FRESQUET, 2017, p. 186).
Um texto-artigo-relato é sempre um convite para adentrar na experiência que outros
viveram e refletiram, para se inspirar, para aprender, para ganhar novas interrogações e
muitas outras possibilidades. Mas, antes que leia esse relato recomendo que assista os
filmes-carta a partir do link indicado abaixo. São convites audiovisuais.
Das crianças Ikpeng
Das crianças do São Bento
para o Mundo
para o Mundo
https://youtu.be/28r1cj0xwEs
https://youtu.be/SaoDgp2FM4Y
Aldeia Ikpeng
Bairro São Bento do Recreio
Localizada no Parque Indígena do Xingu. Localizado na área rural do munícipio de
Região nordeste do Estado do Mato Grosso, Valinhos, na divisa com o munícipio de Itatiba
porção sul da Região Amazônica – Brasil.
– Estado de São Paulo – Brasil.
Para saber mais:
http://www.ikpeng.org/index.php
Para saber mais:
www.valinhos.sp.gov.br
Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas SP. Seu Mestrado foi
sobre uma experiência de cinema na escola. Especialista em Gestão Escolar e Pedagogo pela Universidade
Estadual de São Paulo (UNESP). Atua como Coordenador Pedagógico em escolas da Educação Básica
na Prefeitura Municipal de Valinhos/SP e como Facilitador de Aprendizagem na Universidade Virtual
do Estado de São Paulo - UNIVESP. Link da Dissertação “Fazer-cinema na escola”:
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331469/1/Guimaraes_LuisGustavo_M.pdf.
1
77
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz:
- Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor,
mas para som.
Então a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos.
O verbo tem que pegar delírio.
(Manoel de Barros)
Os filmes “Das Crianças Ikpeng para o Mundo” e “Das Crianças do São Bento
para o Mundo” são convites para conhecer fragmentos das infâncias e juventudes desses
meninos e meninas, dos lugares e coisas importantes e desimportantes, nas palavras do
poeta Manoel de Barros, sobre os olhares deles próprios... desenhado em verbo audiovisual,
recortado e editado para dar a ver ao mundo o que é potente e significativo da vida na
aldeia-bairro, lugar de moradia e existência, dos lugares de tessitura da vida.
O filme “Das Crianças do São Bento para o Mundo” foi produzido por alunos de
uma escola rural, de turmas do 6º ao 9º ano da Educação Básica, do munícipio de
Valinhos/SP. O bairro em que residem dá nome ao filme e seu cotidiano é apresentado
em forma de filme-carta em resposta às crianças Ikpeng, ou melhor dizendo, em resposta
ao filme-carta das crianças Ikpeng.
Por que enviar um filme-carta às crianças de uma aldeia-bairro?
Em 2017, eu vivenciava o percurso do Mestrado em Educação na Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), já estava na fase da escrita
da dissertação acerca de um percurso de vida-experiência com oficinas de cinema para
alunos e alunas da Educação Básica, na mesma escola em que estava atuando como
Coordenador Pedagógico. Mas no ano de 2017 as oficinas de cinema realizadas, em função
da pesquisa do mestrado, no contraturno escolar já haviam sido cessadas.
78
O serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da UNICAMP abriu um edital, no início
de 2017, para projetos culturais realizados por alunos de Graduação/Pós-Graduação com
a comunidade e eu propus o projeto “Luz, câmera e educAÇÃO: fazer-cinema na escola
pública!” com ações práticas para o 1º e 2 º semestre do mesmo ano. No 1º semestre,
propus retomar um ciclo de oficinas com os meninos e meninas do São Bento do Recreio,
e no 2º semestre, a proposta foi realizada com bebês e crianças até 03 anos (uma vertente
não explorada no percurso do Mestrado, mas que apareceu como desejo nos mergulhos de
estudo/prática/escrita). De 52 projetos, tive a alegria de fazer parte dos 15 selecionados
com um subsídio financeiro para a realização das atividades durante um ano.
Figura 4 e 2 – Foto do grupo/Capa – Foto do dispositivo “Filmar livremente a escola”
As oficinas, realizadas no contraturno escolar nas dependências da escola municipal
de educação básica da Prefeitura de Valinhos, tiveram dois eixos principais:
experimentações com o pré-cinema e produções a partir do estudo dos planos
cinematográficos e dispositivos de criação.
[...] o dispositivo é a introdução de linhas ativadoras em um universo escolhido.
Ele pressupõe duas linhas complementares: uma de extremo controle, regras,
limites, recortes; e outra de absoluta abertura, dependente da ação dos atores e
de suas interconexões. Imaginamos o dispositivo como uma forma de entrada
na experiência com a imagem sem que a narrativa e o texto estivessem no centro,
nem as hierarquias fossem antecipadas, justamente porque o dispositivo é
experiência não roterizável e amplamente aberta ao acaso e às formações do
presente. (MIGLIORIN, 2015, p. 78-79).
Os dispositivos, abrem a possibilidade de criar a partir de uma regra, um comando
condutor da liberdade criativa. Ele amplia a ideia de uma única resposta para múltiplas
respostas,
para
múltiplas
imagens
ampliando
repertórios
e
colocando
79
aprendentes/ensinantes (FRESQUEST, 2013) na mesma relação de invenção de mundos,
de ressignificação de modos de existir.
[...] porque o dispositivo é experiência não roterizável e amplamente aberta ao
acaso e às formações do presente. Há no dispositivo uma dimensão lúdica que
no trabalho na escola é bem-vinda: há uma tarefa a cumprir, um desafio a
realizar. O dispositivo instaura uma crise desejada por quem dele participa.
(MIGLIORIN, 2015, p. 79).
O fazer-cinema, ou seja, essa experiência de ver e produzir é uma aposta da Rede
Kino e seus membros para a implementação da Lei 13.006/14 que insere na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira a obrigatoriedade da exibição de filmes
de produção nacional por mês como componente curricular complementar integrado à
proposta pedagógica da escola. O fazer-cinema possibilita “escapar” ou “conviver” com a
possibilidade apenas da exibição de pacotes prontos de filmes pedagogizados para
determinado conteúdo escolar.
Todos os exercícios-dispositivos realizados durante os encontros foram
organizados por essa linha potencializadora dos elementos da linguagem fotográfica e
cinematográfica. No percurso dos encontros fomos provocados pelo edital da Mostra
Educação – do IX Fórum da Rede Kino2 “Emergências Ameríndias” da 12ª Mostra de
Cinema de Ouro Preto/MG/Brasil carregada de dispositivos para criar ou reinventar
imagens de arquivo da escola ou espaço educativo. Foi apresentado aos participantes o
edital, alguns já conheciam a Mostra, pois eles já tiveram filmes exibidos em anos
anteriores.
Os 07 dispositivos do edital da Mostra Educação propunham diálogos com a
educação, inspiração no filme “Das Crianças Ikpeng para o Mundo” e com o Projeto
Vídeo nas Aldeias “O filme nos convida a partilhar dos modos de vida das crianças Ikpeng
que encontram nas imagens uma forma de se relacionar com o outro e reafirmar sua
A Rede Kino – Rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual é um coletivo de
profissionais de diferentes áreas que se aproximam pelo eixo do Cinema-Educação. Além de encontros,
eventos e ações regionais a Rede Kino realiza um Fórum anual que faz parte da programação da CINEOP.
Sendo a CINEOP uma privilegiada e diferenciada mostra de cinema nacional que tem como eixos a
História, Educação e Preservação do Cinema Nacional.
2
80
existência” (NANCHERY, 2017, p. 193). O dispositivo escolhido pelos alunos foi Kino
Carta Lugar.
As crianças Ikpeng mostraram em seu filme vários lugares de sua aldeia e o que
elas fazem nesses lugares. Escolha um lugar da sua cidade bastante frequentado
e mostre aos Ikpeng o que você faz lá. Perceba nesses lugares a circulação de
pessoas, animais, objetos. O que circula por esse espaço e o que está de fora?
Kino Carta Lugar. (NANCHERY, 2017, p. 193).
Como o filme foi a inspiração, após a leitura dos dispositivos – itens do edital,
assistimos ao filme e depois conversamos. Eles gostaram do filme, riram e falavam durante
a exibição tecendo hipóteses, desmistificando pré-conceitos e se reconhecendo na energia
infantil/juvenil dos meninos e meninas Ikpeng. A partir daí resolveram mostrar o bairro e
as coisas que gostavam de fazer, de falar o nome das coisas e narrar experiências. Alguns
disseram que também tinham um riozinho, cachoeira, lugares privilegiados para quem mora
em área mais afastada dos centros urbanos.
Mas a ideia da carta... filme-carta, trouxe algumas questões para o encontro. Não
há o hábito de escrita de cartas no contexto de muitas famílias, recebem apenas contas e
encomendas pelos correios, que eles têm de ir retirar no polo da Assistência Social (CRAS),
onde ficam as caixas postais. Nessa época o bairro estava começando a ganhar nomes nas
ruas e outros acertos no mapeamento e regularização das escrituras das casas.
Alguns alunos perguntaram se mandar carta para alguém era igual a enviar uma
mensagem pelo WhatsApp ou como postar uma notícia/informação na página virtualpessoal do Facebook? Ou subir um filme no Youtube era suficiente? E assim foram fazendo
diversas aproximações para dar sentido a ideia da carta, do filme e do filme-carta.
81
Figura 3 e 4 - Foto da Sessão “Das crianças Ikpeng para o mundo” – Foto da turma após a exibição
do filme.
O filme-carta traz assim um fio estendido que vai do realizador ao destinatário,
mas ao chegar ao destinatário já chega rachado, aberto a uma multiplicidade de
destinatários que o cinema virtualmente possui. Essa linha rachada é parte da
máquina cinema que opera na fragilidade do gesto da carta, como um cinema
menor, e, ao mesmo tempo, na busca de um espectador qualquer – potência de
afetação cara às artes. O filme-carta possui assim um aspecto relevante nos
desafios do ensino: sem espectador não ficamos, ele existe mesmo virtualmente,
mesmo que a carta nunca seja aberta. (MIGLIORIN; PIPANO, 2019, p. 84).
Suas produções, o filme coletivo, teria o potencial de ser vista por muita gente e,
ainda que não fosse selecionado para a Mostra de Ouro Preto, combinamos de fazer uma
sessão com os dois filmes na escola. Foi enviado bilhete aos familiares para que pudessem
auxiliar e/ou compreender o movimento que a molecada faria no bairro e em suas casas.
A partir da provocação do edital da Kino/CINEOP criamos um dispositivo, nossas
próprias regras e aberturas. Cada pequeno grupo ou individualmente iria fazer takes curtos
de 01 a 03 minutos com os lugares e coisas/situações preferidas de suas vidas reais e
imaginadas. Cada grupo iria filmar com seus recursos próprios (celular, câmera e outros) e
caso desejassem utilizar o recurso da escola ou do oficineiro teriam que agendar para que
um adulto pudesse acompanhar, a maioria disse que não precisaria para não ter opinião de
adulto – vibrei com o posicionamento. E assim, no prazo estabelecido, todos trouxeram
seus materiais para compartilharmos e traçarmos um plano de edição.
Não houve tempo hábil para editar com os meninos, mas fizemos juntos a
preparação do filme, trechos que poderiam ser cortados de cenas fundamentais. Eles
pediram para manter suas falas originais sem cortes para “palavrinhas ou palavrões”, um
dos meninos perguntou: será que as pessoas irão entender algumas gírias? Devolvi a
pergunta ao grupo e, outros salientaram que alguns iriam e outros não e estava tudo bem,
quem quer aprender é só procurar... e seguimos entre tantas lições sobre vida e práticas
escolares não tradicionais nas falas dos filósofos-meninos-meninas.
Filme finalizado, inscrição realizada com sucesso e por vários dias a expectativa do
resultado. Enfim, a resposta chegou!
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Filme selecionado
A molecada vibrou, queriam ir para Ouro Preto comigo, pois eu já havia me
organizado para participar, duas famílias chegaram a procurar a escola para entender o
funcionamento e ver possibilidades. O valor muito alto e a necessidade de ficar uma ou
mais noites em OP inviabilizou a ida de um representante para o evento. Criamos um
grupo no WhatsApp para que eu pudesse enviar fotos e socializar informações. Situação
que ocorreu com muita interação e curiosidades, todos os dias da viagem eu fazia pequenas
fotos e relatos da cidade, bem como, respondia perguntas da turma. No retorno, cada aluno
recebeu uma programação de bolso do evento onde constava o nome do filme. O que é
produzido em contexto escolar também tem espaço em mostras/festivais próprios e em
mostras/festivais que abrem uma janela ou duas em suas programações para exibir filmes
produzidos em contexto escolar.
Ressalto o valor de diferentes janelas para a exibição de filmes produzidos em
contexto escolar, como o 3º Congresso Brasileiro de Produção de Vídeo Estudantil
(CBPVE) que se configura no cenário nacional como um importante espaço se socialização
e construção de saberes sobre diferentes práticas e experimentações com a linguagem
cinematográfica em contexto escolar, na qual o filme “Das Crianças do São Bento para o
Mundo” e um vídeo-apresentação sobre essa experiência foram apresentados em Setembro
de 2018, na cidade de Vitória da Conquista – sede do 3º CBPVE. Consegui socializar
com alguns meninos e meninas autores do filme mais essa oportunidade de exibição.
O filme “Das Crianças do São Bento para o Mundo” apresentou os gestos de
criação de meninos e meninas que explorando seus smartphones e câmeras cartografaram
e ressignificaram seus lugares de vivência, transformando sons e imagens em alteridade de
um tempo presente em constante mutação. Hoje o filme produzido por diferentes olhares
é registro histórico, uma memória audiovisual da infância/juventude desses meninos e
meninas e desse meu percurso de formação.
83
O Programa de Ação Cultural do SAE é um dos vários programas que a
UNICAMP promove para estender seu papel e compromisso com a comunidade,
retornando à população ações de saúde, cultura, educação e outros. Esse programa contava
com uma bolsa-auxílio, ainda que pequena, mas que dava para garantir deslocamentos,
alimentação e aquisição de alguns materiais por parte do bolsista. No momento da escrita
desse texto, na situação política em que o Brasil (2019) está passando de tamanho descaso
com a Educação com os diversos cortes de verbas para a Educação Superior, por exemplo,
poder revisitar uma experiência de extensão cultural da universidade com a comunidade é
reafirmar o papel político transformador da arte na vida de todos que a ela tem acesso.
Figura 5 e 6 – Alunos filmando no corredor – Planejamento em grupo.
O cinema não pede nada, apenas se aconchega nas capacidades sensíveis dos
sujeitos comuns. O cinema não se encontra na escola para ensinar algo a quem
não sabe, mas para inventar espaços de compartilhamento e invenção coletiva,
colocando diversas idades e vivências diante das potências sensíveis de um filme.
(MIGLIORIN, 2015, p.192).
O cinema na escola e a possiblidade de criar/inventar mundos por meio de seus
elementos/linguagem tem o potencial de gerar microrrevoluções na vida dos que
mergulham nesse encontro de múltiplas imagens.
Referências Bibliográficas
BARROS, M. Poesia Completa. São Paulo, São Paulo, Brasil: Leya, 2011.
84
FRESQUET, A. M. (org.) Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de
educação básica, dentro e fora da escola. Belo Horizonte/MG - Brasil: Autêntica Editora 2013.
FRESQUET, A. M. Abecedário de Cinema Indígena com Vicente Carelli produzido em 2014. In:
D’Angelo, R.H. & D’Angelo F.H. (Orgs.) Catálogo 12º Mostra de Cinema de Ouro Preto. Belo
Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Universo Produção, 2017.
MIGLIORIN, C. Inevitavelmente Cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Brasil. Beco do Azougue, 2015.
MIGLIORIN, C. & PIPANO, I. Cinema de Brincar. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Relicário,
2019.
NANCHERY, C. Mostra Educação. In: D’Angelo, R.H. & D’Angelo F.H. (Orgs.) Catálogo 12º Mostra
de Cinema de Ouro Preto. Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Universo Produção,
2017.
8. Panóptico do olhar: o álbum de si e o autorretrato na
sociedade da imagem
Gregorio Galvão de Albuquerque
gregoriogalbuquerque@gmail.com
Introdução
‘Está tudo bem? Vi que você apagou as fotos do seu relacionamento, vocês
terminaram?’. É uma frase que demonstra uma preocupação, porém retrata uma vigilância
a partir das imagens ou ausência delas, pois em nenhum momento foi relatado a separação.
As imagens fotográficas sempre tiveram relacionados a característica de prova, isto é, a
fotografia daquele instante traz a veracidade do acontecimento mesmo que o fato tenha
sido fictício. ‘Você faz yoga? Faço não. Mas vi uma foto sua na praia fazendo yoga’.
O que é observa? Quem observa? Observa o que? O que é permitido ver? Perguntas
que surgem a partir do princípio do panóptico, porém são feitas para todos os indivíduos
de uma sociedade que ao mesmo tempo estão na sua cela e na torre central, observando e
sendo observados. Porém, a partir do momento que se observa e é observado, formas de
agir, pensar e fazer se transformam, mesmo que não esteja sendo vigiados, mas a sensação
acarreta isso.
Como nossos os alunos observam e produzem para serem observados? Como eles
se veem e se exibem hoje? O que eles postam representa verdadeiramente eles? Diante dessas
perguntas que são desenvolvidos exercícios que permitam produzir um momento de análise
e reflexão narcisista do que já postamos nas nossas redes sociais entendendo principalmente
o porquê, quando e como postamos essas imagens. Depois dessa etapa é proposto uma
produção de vídeo de autorretrato como forma de reflexão do que querem que os outros
vejam de si através das imagens.
Em uma sociedade do espetáculo e suas relações por imagem, há um aumento da
necessidade de “precisar olhar e ser olhado” na sua própria existência, ou seja, a imagem
86
que olho não é necessariamente realidade, mas se torna e passa a possibilitar a criação de
outras imagens para serem vistas e produzidas. Pensar o fim do panóptico não remete a
sua completa ausência na sociedade.
Panóptico1 do olhar: “Ceci Est” visível, “Ceci Est” controlável
A Idade Moderna coloca o problema contrário:
Proporcionar a um pequeno número, ou mesmo a um só,
a visão instantânea de uma grande multidão. (FOUCAULT, 1987, p. 239).
Na medida que os olhares sobre as imagens aumentaram, a naturalização da
exposição do cotiando muda e se adapta a padrões dos seus espectadores. Então a maneira
como a imagem é construída para ser vista passa pela vigilância de seus observadores que
definem, em uma relação de poder, o que o indivíduo em sua cela deve fazer.
O dispositivo panóptico não é simplesmente uma charneira, um local de troca
entre um mecanismo de poder e uma função; é uma maneira de fazer funcionar
relações de poder numa função, e uma função para essas relações de poder.
(FOUCAULT, 1987, p. 230).
A ausência das imagens também passou a comprovar coisas. “Como é possível ir em
uma viagem e não publicar nada? Então não viajou”. Ou melhor, não houve a viagem para
o olhar de quem observa, porém para quem fez a viagem, ela aconteceu. A forma de
vigilância pode provocar a sensação de estar sendo sempre vigiado e com isso sombras e
mentiras podem ser produzidas como forma de burlar. Uma viagem é relatada por imagens
e publicada, porém, nunca aconteceu? Aconteceu para quem olha, mas não para quem
publicou2. Nesse momento passamos a olhar a imagem do cachimbo e não o cachimbo.
Para Foucault (1987), até o início do século XXI, novas tecnologias de comunicação e informação
possibilitaram novas formas de vigilâncias que por serem veladas facilmente eram naturalizadas. “O
Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar
ou retreinar os indivíduos” (p. 227). Essas tecnologias são apropriadas por novas formas de relações
sociais onde o cotidiano individual passou a ser exposto, visto e banalizado.
2
Zilla Van Den Born, designer gráfica holandesa de 25 anos, enganou família e amigos ao postar fotos
de uma suposta viagem para a Ásia em seu Facebook. Fonte: www.exame.abril.com.br/tecnologia/fotosalteradas-pelo-photoshop-nas-redes-sociais-simula-viagem-para-a-asia/.
1
87
O quadro do pintor René Magritte “Isto não é um cachimbo” (1928/1929 - Ceci
n'est pas une pipe) evidencia que uma imagem não é uma realidade. Foucault (1988)
discute que mesmo que a imagem seja fidedigna a realidade, o cachimbo da imagem não
pode ser o cachimbo da realidade. “Mas talvez a frase se refira precisamente a esse
cachimbo desmedido, flutuante, ideal – simples sonho ou ideia de um cachimbo” (p. 13).
Mesmo olhando somente para a imagem, a realidade continua sendo vigiada e disciplinada,
pois “o esquema panóptico, sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades, é
destinado a se difundir no corpo social; tem por vocação tornar-se aí uma função
generalizada” (FOUCAULT, 1987, p. 231).
As ferramentas do olhar se modificaram e se adaptaram a partir das tecnologias. A
fotografia usada em processo de investigação policial tornou-se um indício moderno que,
segundo Gunning (2004):
[...] sua condição de índice, que deriva do fato de que, desde que uma fotografia
resulta da exposição a uma entidade preexiste, ela mostra diretamente a marca
da entidade e pode, portanto, fornecer evidências sobre o objeto que retrata;
seu aspecto icônico, pelo qual produz uma semelhança direta com seu objeto,
o que permite reconhecimento imediato. (GUNNING, 2004, p. 38).
As imagens fotografias permitiram a captura da evidência do crime e também como
sistema de identificação dos criminosos, pois anteriormente a ela a identificação era
realizada a partir de marcas diretas e indiretas no corpo do criminoso. O método de
decifrar o criminoso contava também com as fotos das evidências do crime. Várias “rogues
galerries3” foram criadas e usadas pela polícia, segundo Gunning (2004, p. 43). A exibição
pública de retratos dos criminosos permitia a população o seu reconhecimento e as
fotografias viravam pontos turísticos da cidade.
Entretanto, essas galerias de fotos precisavam de uma regulamentação para sua
indexação como forma de impedir que os retratos, a partir da baixa velocidade de
exposição, se tornassem distorcidos e as expressões faciais identificadas. Mas “como
poderia esse novo método de produzir uma imagem precisa, que poderia ser feita
“Como eram chamadas essas coleções de fotografias, isto é, as galerias dos procurados pela polícia,
contendo as coleções de retratos de malfeitores e foragidos”. (p. 43).
3
88
rapidamente e circular amplamente, cumprir sua promessa de vigilância universal?”
(GUNNING, 2004, p. 44). Para a construção desse método era necessário a superação da
fotografia em reduzir seu tempo de exposição.
Alphonse Bertillon (apud Gunnimg, 2004, p. 49) estatístico da polícia francesa
desenvolveu uma forma de identificação dos criminosos do século XIX, a partir das
fotografias que padronizou o processo da fotografia policial.
Padronizou a distância entre a câmera e o sujeito; criou uma cadeira especial na
qual o sujeito sentaria e que controlaria a posição e a postura; determinou o
tipo de lentes, introduzindo assim um enquadramento mais próximo e
constante, e estabeleceu os ângulos frontais e de perfil diretos de agora familiar
foto de identificação policial. (GUNNING, 2004, p. 49).
Esse procedimento permitiu uma facilidade no uso das fotografias e informações
criminais, e estabeleceu:
O emprego da fotografia como um processo disciplinar, afirmando o poder do
sistema sobre o corpo e a imagem do criminoso. O sistema determinou a
expressão e a postura na fotografia; o criminoso simplesmente entregava a
facticidade do seu corpo. (GUNNING, 2004, p. 49).
O desenvolvimento da tecnologia possibilitou que o sistema de identificação
tornasse mais rápido e eficaz e não somente a criminosos. Redes socais, como o Facebook,
já mapeiam o rosto de quem está na foto, a partir de um banco de dados já coletados
anteriormente. Essa tecnologia possui duas modalidades, segundo Anil K. Jain4:
Uma é a de autenticação ou detecção de rosto (face detection), na qual o sistema
compara duas imagens: a que temos armazenada no telefone − no caso do
iPhone − e um modelo em 3D criado a partir do rosto que se apresenta diante
da tela. E a outra é a de busca de rosto (face search), na qual se cruza uma
imagem com as que estão armazenadas em um banco de dados para ver se
coincidem − para identificar desconhecidos. (apud JOSEBA ELOLA, 2018).
Essa tecnologia, segundo o autor, ameaça a privacidade das pessoas e “abre as
portas” à distopia descrita no livro 1984, porém permite identificar em tempo recorde um
terrorista. “Cabe salientar que o terrorista agora cumpre o papel da doença da peste que
Professor de engenharia informática e diretor do grupo de pesquisas biométricas da Universidade de
Michigan.
4
89
“justificou” o aumento do controle sobre a sociedade, porém agora realizada pelo Estado
e também pelos próprios indivíduos. O reconhecimento facial está sendo utilizado em
óculos de policiais na China e, segundo João Vieira (2018)5, primeiramente, o sistema
permite escanear pessoas que cometeram crimes, porém o governo chinês tem como
objetivo que em breve o sistema possa reconhecer qualquer um dos “1.3 bilhão de cidadãos
em apenas três segundos”.
A segurança contra o terror passa a produzir justificativas para o aumento da
vigilância, assim como o aumento no lucro do seguimento. Segundo Joseba Elola (2018),
o mercado já movimenta:
3,3 bilhões de dólares (10,6 bilhões de reais) no mundo e poderia chegar a 7,7
bilhões de dólares (24,8 bilhões de reais) em 2022, segundo a consultora
Marketsand Markets. Bancos, companhias aéreas, telefônicas, fabricantes de
computadores, todos se abrem a esta nova forma de identificação biométrica
que significa um salto à frente em comparação com a impressão digital e a íris.
(ELOLA, 2018).
Diferente da impressão digital que é coletada na produção da carteira de um
documento, a fotografia do rosto pode ser capturada em qualquer lugar e rede social, sem
consentimento do indivíduo. Essa forma de vigilância constante, a partir do olhar pelas
imagens, é resultado da generalização do funcionamento do panóptico, pois para Foucault
(1987, p. 228) “o panóptico ao contrário deve ser compreendido como um modelo
generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações do poder com a vida
cotidiana dos homens”.
As consequências impensadas da tecnologia e seu uso cada vez mais de vigilância
através, principalmente, das imagens em suas celas acarretou formas disciplinares para os
indivíduos. No episódio “White Bear” (Urso Branco) da série Black Mirror, a personagem
Victoria acorda em uma casa sem saber como parou ali e quem realmente é. Quando sai
pela rua, observa que está sendo filmada por todas as pessoas que passam por ela, porém
ninguém a ajuda, somente observam, filmam e tiram fotos. São pessoas que foram atingidas
por um sinal transmitido em todos os dispositivos que tivesse tela que as transformaram
Matéria do site Hypeness < http://www.hypeness.com.br/2018/02/policia-chinesa-usa-oculos-dereconhecimento-facial-para-escanear-perfil-de-turistas/>
5
90
somente em “espectadores”. Porém, algumas não foram afetadas e são caçadas por pessoas
vestidas com fantasias que possuem armas e eliminam outros que não foram afetados.
Mesmo com todo sofrimento na trajetória da personagem, as pessoas continuam
somente filmando. No final, descobre-se que Victoria é uma presidiária que foi acusada de
olhar e filmar o assassinato de uma criança pelo seu namorado Ian. Sua defesa alega que
ela só filmou e não cometeu o ato e por isso não deveria ser acusada. Enquanto o
julgamento não acontecia, Ian comete suicídio na cadeia, considerado pela sociedade, como
uma fuga de sua pena. Victoria é condenada assim, para evitar a mesma ação, ser
constantemente observada, fotografada e filmada pelas pessoas em um estilo “reality show”
de sua pena. Uma forma de vigilância constante e disciplinar, através das pessoas que nada
faziam com a realidade, somente a olhava.
No filme Laranja Mecânica (1970), Alex, personagem principal, é obrigado a
assistir cenas de violência sem poder fechar os olhos como parte de um tratamento pelos
seus atos de vandalismo e violência contra a sociedade. Antes da exibição das imagens, são
injetados medicamentos que provocam dores e náuseas insuportáveis que associadas as
imagens causam mal-estar diante da violência, neutralizando sua agressividade e
transformando em um modelo de cidadão. Em seu retorno a sociedade, Alex passa a sofrer
violências das suas vítimas, contudo não conseguindo reagir e se defender. Em um dos
casos os próprios amigos que antes faziam os atos de vandalismo com ele e que viraram
policiais começam a espancar ele.
As imagens de violência estão naturalizadas no cotidiano? O filme retrata um
tratamento que consistia em sentir aversão a elas, pois ver violência várias vezes tornam os
espectadores “dóceis” diante dessas imagens? O que é posto para olharmos várias vezes nos
causa uma certa naturalização de emoções e de sensações, mas continuarmos a olhar sem
podermos fechar os olhos. O que é posto para vermos também reflete no que querem
tornar o indivíduo dócil.
Em outro episódio da série Black Mirror chamado Arkangel, mostra um
relacionamento entre mãe e filha mediado por uma tecnologia implantada na cabeça da
filha. Esse chip permite que a mãe veja tudo que a filha está vendo, permitindo rastrear e
91
bloquear o que ela acha impróprio para a filha, como violência e morte. Depois da mãe
prometer que não iria usar mais o programa, a filha passa a não compreender determinadas
situações, pois nunca tinha “visto” aquilo antes e não sabia interpretá-las.
Na sua atualização, o Facebook criou uma certa censura em seu algoritmo que,
segundo Chris Tylor (2018), aumenta a probabilidade de não ver às notícias reais, somente
post de notícias falsas e postadas por “aquele seu tio maluco”. O mesmo algoritmo que
permite ver determinadas coisas também é aquele que vigia o tempo todo, cada foto, cada
curtida, quanto tempo que gasta lendo alguma coisa6.
Álbum de si e autorretrato
Na sociedade onde a imagem do cachimbo se torna mais real que o próprio
cachimbo7, como a essência da realidade é revelada pela mediação da fotografia? Essa
pergunta é feita a partir, principalmente, das fotografias postadas para serem vistas nas
redes sociais. Postamos somente o que queremos que seja visto e principalmente mostramos
a representação padrão de felicidade. Por que ninguém pública seus defeitos na internet? A
felicidade é uma imagem que “vende” mais para o outro do que para si próprio. Fotografia
de pessoas em rede social antes de cometerem suicídio mostram uma felicidade que não
era real, mas foi compartilhada. Diante dessa problemática que a experiência fotográfica
do “álbum de si” permite pensar a partir das fotografias postadas nas redes sociais e o
porquê delas serem vistas. O objetivo é a escolha de cinco fotos necessariamente publicadas
nas redes sociais, entendendo o motivo pelo qual realizou o compartilhamento na época e
o porquê da seleção da foto no momento atual da escolha. Uma imagem sem história,
Essa nova forma de permitir a olhar deve-se ao fato que “em agosto de 2017, de acordo com o Pew
Research Center, 67% dos estadunidenses acessaram notícias nas mídias sociais — um aumento de 5%
em relação ao ano anterior. No Facebook, 68% dos usuários acessaram notícias a partir do feed. Pela
primeira vez na pesquisa Pew, a maioria dos norte-americanos com mais de 50 anos passou a acessar
notícias a partir das mídias sociais” (TYLOR, 2018).
7
Remete-se ao quadro de René Magrite "Ceci n'est pas une pipe" (Isto não é um cachimbo).
6
92
somente uma representação de uma sociedade que utiliza da representação de algo
espetacularizado e que não necessariamente é a essência.
Na produção do “Vídeo de autorretrato”, os alunos devem produzir um pequeno
curta-metragem baseado na sua experiência cotidiana e na representação de si: o caminho
para a escola, o tempo livre em casa, entre outras coisas. Os alunos ficam responsáveis
por todas as etapas da produção, que tem um caráter mais livre por ser o primeiro contato
dos mesmos com a produção.
Na sociedade contemporânea a simples pergunta “é você?” realizada pela
personagem Martha no episódio da série Black Mirror “Be right back” pode levar a diversas
respostas e problematizações. Black Mirror é uma série de televisão britânica antológica de
ficção científica criada por Charlie Brooker e centrada em temas obscuros e satíricos que
examinam a sociedade moderna, particularmente, a respeito das consequências imprevistas
das novas tecnologias. A tradução do nome é “Espelho Negro” e tem referência as telas
dos celulares, reflexo da sociedade contemporânea. A série não fala somente sobre
tecnologia e sim sobre a própria sociedade.
No episódio, Ash namora Martha e é um personagem que usa constantemente as
redes sociais. No começo, ele posta em uma rede social sua foto de criança e explica para
a esposa que as pessoas irão achar aquela foto engraçada, contudo ele revela posteriormente
que aquela foto era bastante triste, pois remontava a uma memória que não era engraçada.
Assim, ele recria uma nova narrativa simbólica para aquela foto diante dos outros, ou seja,
aquela foto, sem a memória é somente uma imagem com outra narrativa em um outro
contexto.
Martha percebe que o Ash formado pela consciência das postagens da internet não
é o mesmo do cotidiano real. Ela percebe que não seguiu em frente porque estava com a
presença do Ash, virtual. As falas da personagem são quase sempre no futuro do pretérito
(“Ash ficaria assustado. Ele não teria pulado. Ele teria chorado, teria...”), um sentido de
futuro, porém com foco no passado. Ou seja, ela sabe que não é ele, mas tem a presença
dele na sua frente.
93
A fala de Martha para o Ash “-Você é nada mais que traços. Não há história em
você”. Diante dessa ausência de história e de pobreza de experiência de Ash, Martha
desabafa “- Você não é ele o suficiente! Você não é nada! Nada!”, “Você é só uma
apresentação do que ele fez sem pensar”. Nesse momento ela percebe que ele é o Ash
virtual, sem história e construído a partir da espetacularização da sua intimidade.
As experiências fotográficas apresentadas colaboram na transformação social, pois
permitem pensar as relações sociais mediadas pelas imagens”. “É um conhecimento obtido
de uma experiência que se cria, que se prolonga num processo formativo progressivo e
emancipador” (BENJAMIM, 1989 apud PUCCI, p.111).
Considerações finais
A sociedade capitalista, segundo Sontag (2004), necessita de uma cultura com base
imagética como forma de entretenimento e, principalmente, de estímulo ao consumo de
mercadorias. Esta produção de imagens definiria duas maneiras essenciais para o
funcionamento da sociedade capitalista: como espetáculo (para as massas) e como um
objeto de vigilância (para os governantes).
Para o autor Jean Baudrillard (1991) vivemos em uma sociedade onde são criados
“simulacros” ou “simulações” e assim entramos em uma era da simulação, governada por
modelos, códigos e cibernética. O que diferencia o real do imaginário é apresentado
disfarçadamente pelos simulacros e simulações. O autor apresenta o “fim do panóptico” a
partir do programa de televisão “reality-show” da família Loud, no qual o “triunfo do
realizador era dizer: Eles viveram como se nós lá não estivéssemos” (p. 40).
Para Baudrillard (1991) a “viragem do dispositivo panóptico de vigilância (vigiar e
punir) para um sistema de dissuasão onde é abolida a distinção entre o passivo e o ativo”
(p. 40), tornando assim, “impossível localizar uma instância de modelo, do poder, do olhar,
do próprio médium, pois que vocês já estão sempre do outro lado. Já não há um sujeito,
nem ponto focal, já não há centro nem periferia: pura flexão ou inflexão circular.
(BAUDRILLARD, 1991, p. 42)
94
Em uma sociedade do espetáculo e suas relações por imagem, há um aumento da
necessidade de “precisar olhar e ser olhado” na sua própria existência, ou seja, a imagem
que olho não é necessariamente realidade, mas se torna e passa a possibilitar a criação de
outras imagens para serem vistas e produzidas. Pensar o fim do panóptico não remete a
sua completa ausência na sociedade. Os filmes e séries apresentados ao longo do texto
demonstram que a sua forma mudou, porém, a ideia de vigilância ainda continua, na
perspectiva do que é visto e do que pode ser olhado.
Quando se posta uma foto em qualquer rede social o que se espera é que seja visto,
mas como se sabe que foi? Existe várias formas de saber, como “curtir”, “gostei” etc., não
tem importância, porque a sensação é que foi visto. Porém, a confirmação padroniza a sua
forma de expor e de olhar, isto é, se foi confirmado que a imagem foi vista por várias
pessoas e ela possui determinado padrão e todas as vezes esse padrão é muito observado, a
consequência é segui-lo. Esse padrão é realmente a realidade ou só o desenho do cachimbo?
A realidade é construída a partir da imagem do cachimbo? A prisão de Bentham passa a
cada vez mais olhar as imagens projetadas e a observá-las como forma de vigilância, e todos
estão em suas celas, pedindo para serem vistos, e também na torre central para olharem o
que precisam fazer.
Referências
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio D’Água, 1991
FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. Trad. Jorge Coli. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
FOUCAULT, M. O panotismo. In.___. Vigir e punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes,
1987. p.219-258.
GUNNING, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema. In.
SCHWARTZ, Vanessa; CHARNEY, Leo (org). O cinema e a invenção da vida moderna. Trad. Regina
Thompson. 2.ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p.33-66.
JOSEBA ELOLA. O reconhecimento facial abre caminho para o pesadelo de George Orwell. El Pais,
Tecnologia,
09
jan
2018.
Disponível
em
<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/05/tecnologia/1515156123_044505.html?id_externo_r
soc=FB_BR_CM>. Acesso em 09 jan 2018.
95
SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
TAYLOR, Chris. Facebook e seu novo algoritmo: a distopia total. Disponível em:
<https://outraspalavras.net/destaques/facebook-e-seu-novo-algoritmo-a-distopia-total-2/>. Acesso
em: 20 jan 2018.
Filmografia
Black Mirror - Arkangel. Direção: Jodie Foster. Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. 2017.
Série online. (50 minutos)
Black Mirror - Urso Branco. Direção: Charlie Brooker. Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
2013. Série online. (50 minutos)
Laranja Mecânica. Direção: Stanley Kubrick. Estados Unidos da América, Reino Unido da Grã-Bretanha
e Irlanda do Norte. Warner Bros. / Hawk Films Ltd. / Polaris Production. 1971. (136 minutos)
9. A participação do educador na curadoria do Cineclube Cidadania e a
potência criativa e empreendedora da exibição de dois
documentários brasileiros na escola pública
Ana Cláudia Dias Vasconcelos (Anina Dias)1
Profª Orientadora: Silvana Marpoara
Resumo
A pesquisa pretende investigar a importância do educador na curadoria pedagógica do
Cineclube Cidadania, com atuação sistematizada na Escola João Barbalho - entre abril de
2012 e setembro de 2017. E estudar, especificamente, os critérios de escolha utilizados
por eles para a criação das temáticas até a seleção dos filmes, tendo por base a análise de
dois documentários brasileiros – e seus respectivos desdobramentos de atividades
pedagógicas na escola, estimulando a produção transversal do conhecimento fora e dentro
da sala de aula – definidos pela curadoria do Cineclube Cidadania: o curta-metragem
Clandestina Felicidade, de Marcelo Gomes, Beto Normal e Gil Vicente (PE) e o longametragem, Quem se Importa, de Mara Mourão (SP). Os documentários selecionados para
investigação científica são de extrema importância devido à ênfase dada em seus roteiros à
valorização da identidade cultural e aumento da autoestima do povo nordestino e
1
Pós-Graduação em Estudos Cinematográficos (UNICAP). Recife, 05 de setembro de 2018.
97
brasileiro, às descoberta das habilidades de cada um, por meio do amor à literatura e
maneiras de desenvolvê-la de uma forma poética e singular, como é o caso de Clandestina
Felicidade; à garra de fazer um sonho acontecer com poucos recursos, mas muitos amigos
e afinidades e a busca da realização e sustentabilidade de sonhos empreendedores, que não
só nos satisfaçam, mas que também possam melhorar a qualidade de vida de um coletivo e
transformar comunidades, conforme nos mostra o filme, Quem se Importa. Concluo o
artigo afirmando que é de fundamental importância que esta experiência seja multiplicada
nas escolas públicas e particulares brasileiras, ampliando a visão crítica dos alunos do
Ensino Fundamental II e Ensino Médio, por meio da exibição audiovisual, assim como
pela implantação de uma oficina de formação cineclubista para educadores
empreendedores.
Palavras-chave: cineclubismo, curadoria, documentário, cidadania, empreendedorismo,
sustentabilidade.
Introdução
Ressaltar a importância do educador, ao longo do processo de curadoria do
Cineclube Cidadania na Escola João Barbalho - que tem como objeto os critérios de escolha
das temáticas até a seleção dos filmes. Para isso, vamos estudar as sessões do Cineclube
Cidadania, que se utiliza do documentário como ferramenta de investigação através da
metodologia qualitativa. Essa é uma proposta de pesquisa realizada pela cineEducadora,
Anina Dias, estudante do curso de Pós-Graduação em Estudos Cinematográficos,
da Universidade Católica de Pernambuco, para a disciplina História do Cinema II,
orientada pela docente Silvana Marpoara.
Etimologicamente, a palavra curadoria se origina do latim “curator”, que quer dizer
aquele que administra, aquele que tem cuidado e apreço. O papel do (da) curador (a) de
arte contemporânea vai além da organização, sendo também responsável pela
intermediação entre a (o) artista, a crítica artística e o mercado consumidor da arte. O
trabalho de um curador atinge não apenas os ‘bens materiais’ do mercado da arte, mas
98
também possui um importante compromisso educacional na sociedade, agindo como um
mediador cultural entre a arte e a população que visita às exposições e/ou mostras. Esta
ação também é conhecida por “curadoria educativa”.
É de grande relevância estudos que visem aprofundar o conhecimento sobre A
ESCOLHA DE FILMES, a chamada CURADORIA, que no cineclubismo praticado na
escola, adquire uma função pedagógica. Neste caso, o educador participa do processo
elencando temáticas periódicas, que poderão facilitar a transversalidade do conhecimento
em sala de aula, por meio da exibição audiovisual. E a equipe de curadoria do cineclube,
por sua vez, seleciona os filmes adequados para uma maior e mais abrangente reflexão sobre
o assunto escolhido.
Sistematizada, a atividade cineclubista vai desenvolvendo uma potência criativa e
empreendedora na escola, estimulando alunos, professores, educadores de apoio e gestores
a se aprofundarem na formação audiovisual. Justificamos a realização dessa pesquisa devido
ao interesse da ex-aluna da instituição de ensino, hoje envolvida com o cenário da produção
audiovisual local, que acredita na importância desse resgate e fortalecimento do ambiente
escolar.
Segundo um dos maiores pesquisadores do cineclubismo e também cineclubista,
Felipe Macedo, em seu livro Movimento Cineclubista Brasileiro (1982) São Paulo:
Cineclube da Fatec, destaca:
Desde que surgiram, no início do século passado, os cineclubes foram as únicas
instituições a questionar a uniformização e a unilateralidade do discurso
cinematográfico hegemônico. No campo dos meios e produtos audiovisuais, os
cineclubes são os representantes do público. Apenas os cineclubes têm por
objetivo a organização e participação dos seus respectivos públicos alvos no
processo integral da comunicação audiovisual. (MACEDO, 1982).
No caso do Cineclube Cidadania, desde a sua criação em abril de 2012, na Escola
João Barbalho, foi definido que teria como perfil sociocultural a exibição de documentários
brasileiros, cujos roteiros estimulassem o empreendedorismo cultural e cidadão de alunos
e professores do Ensino Médio e Fundamental II – com ênfase para os curtas
pernambucanos – com o objetivo de ampliar a visão de cidadania no mundo, valorizar a
99
autoestima, a identidade cultural, formar senso crítico sobre temáticas sociais e direitos
humanos e ainda sensibilizar os educadores sobre a importância da formação audiovisual
empreendedora na escola pública. A partir da definição deste perfil, toda a curadoria dos
filmes foi feita em consonância com a educadora de apoio da Escola João Barbalho, que
esteve em constante diálogo com os professores, alunos e gestores.
E quais são os critérios de classificação de um filme documentário? Segundo os
pesquisadores Figueiroa e Bezerra, no livro O Documentário em Pernambuco no Século
XX: Até o final da Segunda Guerra Mundial, o documentário brasileiro foi principalmente
o filme educativo oficial, o filme turístico, ou então, o cinejornal (p. 34). A produção de
imagens não-ficcionais em película cinematográfica em Pernambuco, antecede, obviamente,
ao momento em que o termo “documentário” passou a ser usualmente aplicado para
identificar os filmes “cujo discurso é uma narrativa com imagens, composta por asserções
que mantêm uma relação com a realidade que designam” (RAMOS, 2001, p. 6).
O objeto desta pesquisa consiste em analisar, especificamente, os critérios da escolha
das temáticas, que indicaram a seleção dos dois documentários brasileiros – e seus
respectivos desdobramentos de atividades pedagógicas na escola, estimulando a produção
transversal do conhecimento fora e dentro da sala de aula – definidos pela curadoria do
Cineclube Cidadania: o curta-metragem Clandestina Felicidade, de Marcelo Gomes, Beto
Normal e Gil Vicente (PE) e o longa-metragem, Quem se Importa, de Mara Mourão (SP).
Os documentários selecionados para investigação científica são de extrema
importância devido à ênfase dada em seus roteiros ao aumento da autoestima, por meio do
estímulo `a identidade cultural do povo nordestino e brasileiro, às descoberta das
habilidades de cada um, por meio do amor à literatura e maneiras de desenvolvê-la de uma
forma poética e singular, como é o caso de Clandestina Felicidade; à garra de fazer um
sonho acontecer com poucos recursos, mas muitos amigos e afinidades e a busca da
realização e sustentabilidade de sonhos empreendedores, que não só nos satisfaçam, mas
que também possam melhorar a qualidade de vida de um coletivo e transformar
comunidades, conforme nos mostra o filme, Quem se Importa.
100
E é por meio da utilização do recurso da análise da escolha dos temas sugeridos, e
seus respectivos filmes, que pretendemos abordar as questões criativas no que se refere
à utilização do cinema – e mais especificamente da categoria documentário – como
ferramenta pedagógica em sala de aula, interagindo com as disciplinas de Português, Inglês,
Literatura, Geografia, História, Artes, Ciências, Matemática, entre outras, e com a
programação do calendário escolar. No processo da pesquisa, tivemos que responder ao
seguinte questionamento: quais os critérios que os educadores levaram em consideração ao
escolherem as temáticas, que ajudaram na seleção dos filmes para exibição aos seus alunos?
E que resultados pretenderam obter dessas experiências?
A análise exigiu fundamentação teórica no que diz respeito às seguintes
temáticas: cinema, cineclubismo, cinema pernambucano, curadoria, documentário,
formação de público, cidadania. Destaco aqui as mais importantes:
1) FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Pernambucano - Uma História em Ciclos. Editora: FCCR,
2000.
2) CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
3) BERGALA, Alan. A hipótese-cinema; tradução Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta – Rio de
Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-PE/UFRJ: 2008 (Coleção Cinema e Educação.
4) FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:
Unesp, 2000.
5) http://felipemacedocineclubes.blogspot.com/.
A pesquisa está estruturada em dois capítulos, além dessa introdução, sempre
fazendo paralelos a escolha das temáticas para a seleção dos filmes e as abordagens e
utilizações pedagógicas na divulgação e em sala de aula.
1. Desenvolvimento
Histórico da atividade cineclubista no mundo
101
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os cineclubes se multiplicaram
rapidamente na Europa. Durante o Festival de Cannes de 1947, foi constituída a Federação
Internacional de Cineclubes (FICC), com participantes da Argentina, Bélgica, Inglaterra,
Itália, França. A FICC estabeleceu princípios gerais aos cineclubes, como seu caráter não
comercial e a disposição de criar uma rede internacional de circulação de filmes. No
entanto, a atividade foi oficialmente instituída no mundo por meio da apresentação da
Carta dos Direitos do Público, ou Carta de Tabor, aprovada por unanimidade numa
assembleia geral da FICC, realizada na cidade de Tabor, na antiga Tchecoslováquia, em
1987, hoje República Tcheca.
Os cineclubes têm sua origem nos meios operários do início do século 20. Nasceram
explicitamente com o objetivo de resistir, se contrapor ao cinema comercial que se
organizava para explorá-los como consumidores e domesticá-los como plateias. Mais que
isso, os cineclubes propunham-se a criar um outro cinema, o Cinema do Povo – nome do
primeiro cineclube bem documentado que se tem notícia em meados de 1913, cujo estatuto
em bases definidas saiu na revista francesa Ciné Club, editada por Louis Delluc.
O Cineclube Cinema do Povo funcionava em regime de cooperativa. Surgiu como
uma franca aproximação da classe trabalhadora com o cinema desde 1909, quando o
processo de industrialização do cinema na França já estava avançado e durou de outubro
de 1913 a julho 1914. Transmitida para além de 1914, a experiência do referido cineclube,
lançou as bases de uma nova forma de intervenção frente à hegemonia do cinema comercial
que se estende até os dias atuais.
Em 1925, ainda na França, nasce a Tribuna Livre do Cinema inaugurando a
tradição de sessões semanais, seguidas de debate. Data dessa época o reconhecimento do
caráter dos cineclubes pela legislação francesa. O cineclube francês típico – que mais tarde
se mostrou presente em todo o resto do mundo – era um exercício de completa adesão
emocional ao cinema. Tal fato, porém, não retirou seu caráter crítico. O cineclube era o
centro de aprofundamento da discussão do cinema, além de uma produção de crítica
impressa que influenciaria o cinema do restante do planeta.
102
A organização do público para discutir o processo cinematográfico em cineclubes e
outras reuniões envolvendo jovens e cinéfilos fizeram multiplicar pelo mundo vários
movimentos que reformavam os cinemas nacionais. Cineastas consagrados como Jean-LucGodard, François Truffaut, Eric Rohmer e Jacques Rivette – nomes maiores da Novelle
Vague – eram assíduos frequentadores de cineclubes. O Neo-realismo italiano e o Cinema
Novo Brasileiro também são originários do cineclubismo, mostrando sua extrema
importância no desenvolvimento do cinema mundial.
No Brasil, o Chaplin Club foi o primeiro cineclube que manteve uma atividade
sistemática e um estatuto coerente. O Chaplin Club publicava a revista O Fan, que, junto
com a programação do cineclube, promoveu uma grande discussão a respeito do cinema.
O cineclube apresentava uma intensa exibição de filmes internacionais que tiveram
importante papel na produção cinematográfica brasileira posterior.
O contexto dessa atividade no Recife
Não se tem registros de sessões seguidas de debate no Ciclo do Recife (1923/
1931), mas por certo, muitas reflexões em grupo foram feitas nesta época de grandes e
criativas produções cinematográficas. O Ciclo do Recife foi um movimento criado por
cerca de 30 jovens, que em apenas oito anos realizaram 13 longas-metragens e dezenas de
documentários, entre eles alguns de excelente nível e boa receptividade como foi o caso de
Aitaré da Praia, de Gentil Roiz (1925) e A Filha do Advogado, de Jota Soares (1926).
Apaixonados pelo cinema, esses realizadores dividiam suas atividades profissionais entre o
jornalismo, comércio, serviço público, música, teatro e a produção cinematográfica,
mudando e influenciando o registro da História do Cinema Brasileiro.
Segundo o jornalista e curador de cinema, André Dib, “Os pernambucanos Evaldo
e Aloísio Coutinho e Josué de Castro também escreveram para O Fan”, a revista do
primeiro cineclube brasileiro, O Chaplin Club, que publicava a sua programação. Em
Pernambuco, o primeiro registro é o Club de Cinema, em 1937. No início de 1940, Jota
Soares e Pedro Salgado fundaram o Siri, que em 1944 se tornou Museu Cinema.
103
O cinema pernambucano tem tradição de formar cineastas através de cineclubes.
Essa característica ficou particularmente evidente a partir dos anos 1980: cineclubes como
o Jurando Vingar (que contou com os cineastas Marcelo Gomes e Kleber Mendonça
Filho), Van Retrô (Paulo Caldas e Cláudio Assis), Barravento (Marcelo Pedroso e
Leonardo Sette) e Dissenso (André Antônio e Rodrigo Almeida) foram responsáveis não
apenas por sessões e debates memoráveis, como também o amadurecimento de diferentes
gerações de diretores e diretoras. “As programações quase sempre são dedicadas à exibição
de obras marcantes e com relevância tanto do ponto de vista estético quanto de conteúdo.
Isso sem dúvida vai influenciar na formação dos cineastas”, destaca o professor e
pesquisador, Alexandre Figueirôa, um dos idealizadores do Cineclube Reveses – que
funciona desde 1997 – na Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP.
A realidade da Escola Joao Barbalho (alunos e professores)
A Escola João Barbalho foi criada em Recife no ano da efervescência da Semana de
Arte Moderna (meados de 1922) e mantem até hoje uma selecionada equipe de
professores, educadores e gestores comprometidos com uma educação de qualidade. É
referência na formação de várias gerações de alunos, entre eles merecem destaque a escritora
ucraniana com título de cidadã pernambucana, Clarice Lispector e a turma da qual fui
aluna, que terminou o Ensino Fundamental II, em 1978.
Situada na Rua do Hospício, em frente ao Parque 13 de maio, na Boa Vista, a
Escola João Barbalho fica próxima do Instituto Estadual de Pernambuco –IEP – que é um
complexo de três escolas públicas: Ana Rosa Falcão de Carvalho, Sylvio Rabelo e Rochael
de Medeiros – ambos ladeados pela Biblioteca Estadual de Pernambuco. A maioria dos
estudantes que frequentam hoje a Escola João Barbalho e o IEP têm dificuldade de
completar o ensino fundamental e vivem em unidades familiares de até quatro pessoas que
subsistem com menos de um salário mínimo por família. Diversos estudos
(DATAsus/SIM, Secretaria de Defesa Social, Polícia Militar, IPEA, GAJOP, UNICEF,
entre outros), realizados na Região Metropolitana do Recife, demonstram que é nessa
104
população que se encontra as mais elevadas estatísticas de vulnerabilidade social com
exposição a criminalidade e, obviamente, a óbitos de jovens e adultos na faixa etária entre
15 e 19 anos.
Esta turma de ex-alunos da Escola João Barbalho, preocupada com o problema do
consumo e venda do crack no entorno do Parque 13 de Maio que a direção da escola
enfrentava, resolveu se reunir novamente para pensar alternativas de projetos educativos.
Como membro fundadora e atuante cineclubista da Federação Pernambucana de
Cineclubes (FEPEC), sugeri a criação do Cineclube Cidadania, propondo a exibição
continuada de documentários, cujos roteiros contam histórias de pessoas que acreditaram
nos seus sonhos e estão dando certo na vida, e desta forma estimular inicialmente os 100
estudantes do Ensino Médio, do turno da noite, a trilharem o caminho do
empreendedorismo cultural e cidadão.
A criação do cineclube e o papel do documentário como ferramenta pedagógica de
transformação
De abril de 2012 até meados de 2017, o Cineclube Cidadania exibiu mensalmente
documentários brasileiros com curadoria feita em consonância com a educadora de apoio
da escola, que por sua vez negociava sugestões de temáticas elencadas pelos professores de
Geografia, História, Português, Literatura, Artes, Teatro, Matemática, Inglês, Ciências, de
acordo com o planejamento pedagógico vigente. O cineclube trabalhava com uma equipe
105
fixa voluntária, formada pela jornalista cultural e cineclubista, Anina Dias – na
coordenação geral – e pelo músico e webmaster, Mavi Pugliesi – responsável pela
coordenação operacional – e ainda pela colaboração de amigos artistas e designer
convidados, que nos apoiaram tanto na produção e divulgação da ação cineclubista, como
comparecendo aos debates, após as exibições.
As primeiras curadorias de filmes do Cineclube Cidadania foram feitas pela
CinEducadora Anina Dias e divulgada nas redes sociais, imprensa local e grupos de
Conselho Nacional de Cineclubes – CNC e Federação Pernambucana de Cineclubes –
FEPEC, em parceria com o webmaster Mavi Pugliesi, contendo release e banner virtual,
que também vislumbravam uma comunicação pedagógica. Em quatro meses consecutivos,
esta metodologia foi chamando a atenção dos professores e envolvendo cada vez mais a
educadora de apoio e a gestão vigente com o cinema na escola, que propunha um diálogo
com alunos e professores, implantando uma dinâmica de troca de conhecimentos circular,
que deu mais vida ao aprendizado. Veja o formato desta comunicação pedagógica:
Cineclube Cidadania inicia suas atividades na Escola João Barbalho
Como um adolescente que estuda na escola pública pode se transformar de fato
num cidadão? O Cineclube Cidadania foi criado para refletir e propor sugestões que
possam viabilizar as respostas desta pergunta para os alunos da Escola João Barbalho.
Começa nesta terça (03/04), a partir das 19hs, com a exibição do longa-metragem
(100min) O Contador de Histórias, de Luiz Vilaça, para cerca de 100 alunos do Ensino
Médio. E continua toda primeira terça-feira do mês, na sala do Centro de
Tecnologia/CTE com a proposta de levar para estes estudantes filmes nacionais com
conteúdos que reflitam os direitos humanos.
“A ideia é debater com os alunos, logo após cada sessão, de que forma será possível
praticar como cidadão a temática desenvolvida no filme”, destaca a jornalista cultural,
cineclubista e coordenadora geral do Cineclube Cidadania, Anina Dias. O Contador de
Histórias, de Luiz Vilaça (MG), mostra a vida real de Roberto Carlos Ramos, pedagogo
106
mineiro e um dos melhores contadores de história da atualidade, que foi criado na Febem,
desde os seis anos de idade. Aos 13 anos ele conhece a pedagoga francesa Margherit Duvas
(Maria de Medeiros), que mudou sua vida radicalmente.
Para quem não conhece, o João Barbalho foi uma das escolas públicas do Grande
Recife que ofereceu uma excelente qualidade de ensino para seus alunos, sendo responsável
nas décadas de 70 e 80, pela formação de muita gente boa que se encontra hoje na faixa
dos 50 anos de idade. Está situado no Parque 13 de Maio, no Bairro da Boa Vista, pulmão
do Centro do Recife.
Há aproximadamente 35 anos o colégio foi palco da história de uma turma de
adolescentes que, entre outros que estudaram no João Barbalho, empreenderam na vida e
criaram raízes na escola. Esta turma, sensibilizada pelo desafio assumido pela atual diretoria
– em relação ao enfretamento do consumo e venda de crack próximo ao estabelecimento
de ensino – resolveu se reunir novamente para oferecer e implantar projetos sociais
inovadores.
“Eu fiz parte desta turma e assim como o colega e professor Valdecy Gusmão –
que já está dentro da escola realizando oficinas preparatórias de Português e Matemática
para o Instituto Federal de Pernambuco/IFPE (antigo CEFET) com os alunos do Ensino
Fundamental II – estou contribuindo com a formação da reflexão cidadã, através da
exibição audiovisual para o estudantes do Ensino Médio, que estão se preparando para
escolher uma profissão, prestar vestibular e entrar numa faculdade”, finaliza a jornalista.
107
Na segunda sessão, a curadoria exibiu mais uma vez um longa-metragem em sala de
aula. Percebemos, que apesar do filme ter sido exibido em duas aulas germinadas, sobrou
pouco tempo para o debate. A exibição do documentário Lixo Extraordinário foi divulgada
com a finalidade de estimular a reflexão e o debate na escola sobre a preservação do meio
ambiente e a sustentabilidade local, com o seguinte texto:
Amanhã (02/05) tem Lixo Extraordinário no Cineclube Cidadania
O fim de tudo que é bom. O resto, o bagaço, o que ninguém valoriza mais.
Geralmente é este o conceito atribuído à palavra lixo. Só que este conceito está
ultrapassado, assim como o de velho e novo, certo e errado, Deus e o Diabo. Os limites da
108
parte estão cada vez mais definidos, no entanto sua função social só tem sentido se atrelada
ao todo: os órgãos e emoções ao corpo humano, todo ser vivo ao planeta Terra, assim
como a responsabilidade e contextualização do que a gente é na vida que a gente leva e
pretende ainda levar. Ação, reação e alquimia. Comunicação, educação, química, física,
biologia, ecologia, psicologia, filosofia, ecosofia, história, geografia, cultura, artes,
economia criativa. Tudo bem simples, em transformação, ao nosso alcance e dentro da
nossa própria casa.
É deste novo conceito de lixo que vamos debater amanhã (quarta-feira, 02/05) no
Cineclube Cidadania com os alunos do Ensino Médio do João Barbalho, a partir das 19hs.
Do lixo que deixa de ser o oposto do luxo para se transformar em algo valioso e mais
sofisticado ainda, pois se aproxima da nossa identidade, da saúde, da felicidade e cuidado
com o meio ambiente, seja ele interno, como o lixo que jogamos na nossa mente e
pensamentos, a preservação do nosso patrimônio imaterial, à importância da seleção do
que comemos; ou meio externo como a reciclagem do lixo que jogamos no cesta da nossa
cozinha, rua ou planeta.
Então como adaptar um objeto que supostamente já nos serviu e está acabado,
transformando-o num outro produto novamente aproveitável? É possível mesmo
empreender ao transformar o lixo em algo útil e duradouro? Este conceito de reutilização
de produtos, alimentos, emoções, experiências de vida ou mesmo recursos naturais
presentes no planeta Terra será discutido e vivenciado logo após a sessão do documentário
Lixo Extraordinário que inicia às 19h00 – uma coprodução Brasil-Inglaterra, dirigida por
Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley – com os alunos do Ensino Médio, professores
e coordenadores da escola e a pedagoga especialista em Gestão Ambiental, Produtos
Naturais e Plantas Medicinais, Nyomísia Guimarães, nossa convidada especial.
“Depois de assistirmos ao documentário vou propor aos alunos uma atividade
lúdica de sensibilização à educação ambiental com o miolo do rolo de papel higiênico. Eles
vão transformar este objeto que se joga no lixo em algo útil para as suas vidas”, garante a
pedagoga que trabalha com reciclagem de lixo na Sustentare, empresa que presta serviço de
109
limpeza urbana à Prefeitura Municipal de Teresina, no Estado do Piauí. Como já dizia o
mestre Paulo Freire: “Aprender é incorporar a dúvida e estar aberto a múltiplos encontros”.
Na terceira ação cineclubista, divulgamos o seguinte texto: Hoje tem ‘O Mundo é uma
Cabeça’ no Cineclube Cidadania
Exibir filmes cujos roteiros contam histórias de pessoas que acreditaram em seus
próprios sonhos e investiram em empreendimentos criativos e cidadãos. Foi com este
objetivo que o Cineclube Cidadania iniciou suas atividades em abril deste ano com os
alunos do Ensino Médio da Escola João Barbalho, para preparar pedagogicamente a
maioria destes jovens que se encontram em fase pré-vestibular, através da reflexão crítica
audiovisual.
A sessão do mês de junho foi realizada no dia 11/06 – por conta da passagem do
aniversário de 90 anos da escola – e programada para exibir o curta pernambucano O
Mundo é uma Cabeça, dos realizadores Bidu Queiroz e Cláudio Barroso, com 17 minutos
de duração “justamente para sobrar tempo para ampliar o debate e fazer o link com as duas
sessões anteriores”, esclarece a jornalista cultural e coordenadora do Cineclube Cidadania,
Anina Dias.
Desta vez, além dos estudantes do 1º, 2º e 3° ano do Ensino Médio, também
estavam presentes alguns do 8° e do 9° ano do Ensino Fundamental II que foram se juntar
aos cerca de 100 alunos presentes à Sala de Tecnologia do João Barbalho. Do corpo
docente compareceu à exibição a nossa aliada e maior incentivadora da ação cineclubista
na escola, a educadora de apoio da noite e pedagoga Ana Ruth Queiroga e alguns
professores de Artes, História, Português e Geografia, além do coordenador operacional
do cineclube, o músico e webmaster Mavi Pugliesi. E ainda a professora de artes Conceição
Patrício, que fez o registro em foto e vídeo da sessão. Nesta exibição, recebemos a visita
da designer da Fundação Roberto Marinho, Anna Zidanes, que veio conhecer nosso
trabalho social na escola.
110
Antes de iniciar a sessão Anina Dias falou sobre a abrangência multidisciplinar do
tema empreendedorismo cidadão presente nos três filmes até então exibidos:
"conversaremos sobre música, mercado cultural, economia criativa, políticas públicas,
memória, patrimônio cultural, biodiversidade e o Movimento Mangue, a cura pela elevação
da autoestima e ainda sobre a importância de uma comunicação mais objetiva na vida". As
luzes foram apagadas e logo se via e ouvia a música do saudoso músico Chico Science e
sua banda Nação Zumbi.
O filme é um documentário em curta-metragem que conta a história do talento do
músico Chico Science e registra a memória do movimento mangue que revitalizou a cena
pernambucana dos anos 90, aliando a musicalidade da cultura popular nordestina à
universalidade do rock’roll e por isso mesmo instigou a turma que logo se identificou com
o roteiro do filme e se animou para o debate, que começou em seguida.
O que existe em comum entre os documentários O Contador de Histórias (exibido
pelo Cineclube Cidadania em abril), Lixo Extraordinário (exibido em maio) e O Mundo
é uma Cabeça (exibição de junho)? Pergunta a jornalista e cineclubista Anina Dias para a
turma. Érica Nascimento, 27 anos, aluna do 8º ano do Ensino Fundamental II, respondeu:
"Os filmes O Mundo é uma Cabeça e Lixo Extraordinário trazem as mesmas ideias de
dois ex-moradores da periferia que querem levar sua comunidade para o mundo e obter o
sucesso". A fala agita mais ainda a garotada, que provoca um burburinho na sala de aula.
"É importante saber que a nossa arte tem força lá fora, é valorizada no mundo", completa
Alisson. A classe ficou muita agitada com os comentários. Noronha (18), aluno do 1º ano,
pede as letras das músicas de Chico Science que são cantadas no filme para passar para ele,
se empolga, chega junto e diz que depois gostaria de conversar sobre um filme que está
fazendo.
Neste momento, Ana Ruth pede silêncio a turma e orienta que os alunos valorizem
este formato de aula não tradicional, pois também é uma forma de aprendizado através da
leitura crítica do conteúdo audiovisual, assim como escutando as observações do colega.
“E o que significa para vocês a frase que aparece no final do filme: basta um passo
na frente e você não está mais no mesmo lugar? Finaliza Anina Dias com mais uma
111
provocação para a turma. Quem responde desta vez é o aluno do 3° ano do Ensino Médio,
Emersson Araújo, de 17 anos: "Nos dois filmes existem este movimento. Tudo começou
com a grandeza da arte de cada um", recebe as palmas de todo mundo e foi encerrada a
sessão. Voltaremos em agosto, depois das férias escolares!
A partir de 2014, com a extinção da ocupação do turno da noite na escola, o público
do Cineclube Cidadania passou a ser os alunos do Ensino Fundamental II do turno da
manhã e tarde. Com a co-curadoria dos educadores da escola, a cada sessão mensal era
definida uma pergunta ou temática para reflexão, um ou mais filmes e um cartaz para
divulgação nas redes sociais, seguindo o mesmo processo da criação publicitária com fins
educativos e de acordo com o planejamento didático escolar, como por exemplo: “O que
a poesia tem a Minha vida?” – Acesse: https://www.facebook.com/cineclubecidadania.
112
Como agosto é um mês de muitas comemorações, a curadoria do Cineclube
Cidadania se propôs a refletir inicialmente sobre o que caracteriza o gênero documentário
– já que em 07/08 se comemora o dia do documentário – e também sobre o folclore
nordestino ou melhor dizendo, a legítima cultura popular brasileira, que é comemorada no
dia 22/08, dentro do calendário escolar.
A curadoria educativa do Cineclube Cidadania criou o projeto ‘Poesia e
Sustentabilidade’, que envolveu a exibição de três documentários pernambucanos: em
agosto, setembro e outubro, seguidos de debate com artistas convidados. Coco que Roda,
de Osman Assis; Simião Martiniano - O Camelô do Cinema, de Clara Angélica e Hilton
Lacerda; e Clandestina Felicidade, de Marcelo Gomes, Beto Normal e Gil Vicente.
A temática foi criada para ajustar o conceito da comunicação da curadoria e facilitar
a reflexão e o diálogo com o público alvo: os alunos do Ensino Médio e seus respectivos
professores. A ideia foi exibir filmes que contassem histórias de pessoas comuns que foram
atrás de seus sonhos e que estão dando certo na vida – mas o que é mesmo dar certo, se
não fazer o que gosta, estudando, valorizando sua identidade cultural e trabalhando
113
honestamente com afinco? – e ainda durante os debates, ouvir o depoimento de artistas
pernambucanos da contemporaneidade que vivem de sua arte. Uma oportunidade para a
formação do público escolar e do artista, que deu novos significados às suas carreiras
colaborando com os estudantes na escola pública.
Vale destacar a participação dos músicos, Herbert Lucena e Mavi Pugliesi, que
conversaram sobre a sobrevivência no mercado da música e como a poesia influenciou as
carreiras dos dois. Herbert Lucena foi ganhador de três prêmios no 23º Prêmio da Música
Brasileira, em 2011: Melhor Cantor e Melhor Disco Regional, pelo CD ‘Não me peçam
jamais que eu dê de graça tudo aquilo que eu tenho pra vender’, escolhido ainda como
Melhor Projeto Visual. E Mavi Pugliesi é intérprete, compositor, produtor musical e
instrumentista, tocador de sax e pífano, webmaster e coordenador operacional do
Cineclube Cidadania. Criador de canções conhecidas como: Musa do Taxidermia, Forro
de gesso no Forró de Gerso, Canário Noturno e Sol das Lavadeiras, em parceria com o
pianista Zé Manuel.
Os alunos do Ensino Médio e professores da Escola João Barbalho participaram
ativamente desta troca de experiências, cujo tema principal foi a transformação que a poesia
causou na vida de cada um e como foi a inserção de seus empreendimentos artísticos no
mercado de trabalho.
Clandestina Felicidade, de Marcelo Gomes, Beto Normal e Gil Vicente encerrou o
projeto Poesia e Sustentabilidade e fechou um ciclo de reflexão na Feira de Ciências da
escola, cujo tema foi Sustentabilidade. A exibição foi feita na sala da biblioteca. Ver um
filme sobre literatura dentro de uma biblioteca foi muito significativo e no mínimo
inspirador. A vivência de entrar na biblioteca para uma sessão do Cineclube Cidadania e
exibir justamente o filme Clandestina Felicidade, que conta as aventuras da infância de
Clarice Lispector no Recife – principalmente sabendo que ela foi aluna da escola – foi se
apropriar de uma identidade coletiva que aumentou a autoestima dos alunos e convidou
todos a acreditar na força da transformação da poesia em cada momento de nossas vidas.
114
2. Conclusão
Analise dos 2 filmes/objeto
Com as temáticas definidas, a equipe do Cineclube Cidadania fazia a seleção dos
documentários no acervo de sua propriedade ou no grupo de e-mails da rede de
comunicação formada pela Federação Pernambucana de Cineclubes – FEPEC, Conselho
Nacional de Cineclubes – CNC e Federação Internacional de Cineclubes – FICC; cujos
filmes são divulgados e distribuídos para exibições com fins educativos, isentos de direitos
autorais; ou ainda, pesquisando na internet em sites e portais de curtas e longas-metragens
como Vimeo ou Youtube.
A escolha dos dois documentários, o curta Clandestina Felicidade, de Marcelo
Gomes, Beto Normal e Gil Vicente – que narra os fragmentos da infância, descobertas do
mundo pelo olhar curioso, perplexo e profundo da criança-escritora Clarice Lispector – e
o longa Quem se Importa, de Mara Mourão – que retrata o trabalho de 18 empreendedores
sociais de vários lugares do mundo e as transformações que causaram na vida das pessoas
e, consequentemente, em suas próprias vidas – se deu experimentando as reações do público
alvo do Cineclube Cidadania, formado por alunos e professores e seus desdobramentos
criativos antes, durante e depois das sessões em sala de aula e biblioteca.
Assim foi possível observar que a escola tem uma grande vocação para interagir com
a arte dentro e fora da sala de aula, gerando atividades artísticas e estimulando alunos e
professores a interagir e aprenderem com a ação cineclubista.
Quais os resultados obtidos?
Ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos aparelhos
estatais para os que nasceram em um território, mas também com as práticas
sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que se sintam
diferentes os que possuam uma mesma língua, formas semelhantes de
organização e de satisfação das necessidades. (CANCLINI, 1995b, p. 22).
De polo exibidor à primeira experiência audiovisual
115
Em agosto de 2014, as atividades da Semana do Estudante, dentro do Projeto
Jovens Protagonistas por uma Escola Legal estava na pauta da Gerência de Políticas
Educacionais em Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania – GEDH para estimular a
reflexão da prevenção/redução da violência com os estudantes nas unidades de ensino do
estado de Pernambuco. Por intermédio da educadora de apoio da escola, fomos convidados
para participar do projeto realizando uma Oficina de Roteiro, Produção e Edição de Vídeo
com cerca de 18 alunos do 9º ano.
“Por que e para quem filmamos?
É precisamente para que os próprios alunos façam essa experiência que a
passagem no ato é indispensável. Há algo insubstituível nesta experiência, vivida
tanto no corpo quanto no cérebro, um saber de outra ordem, que não se pode
adquirir apenas pela análise dos filmes, por melhor que seja conduzida. Não se
aprende a esquiar assistindo a competições pela televisão, sem que se tenha
sentido no corpo, nos músculos, as sensações do estado da neve, os relevos da
descida, a velocidade, o medo e a alegria. Essa experiência da criação, que é
essencial, indispensável, compete frequentemente com uma outra finalidade,
mais visível e mais fácil de avaliar, a de produzir uma realização coletiva para
ser apresentada aos outros, aos pais ou festivais especializados. A questão se
coloca regularmente e com desesperadora monotonia no meio escolar: por que
e para quem se filma? É preciso mostrar o resultado? A quem? Em que
condições?” (BERGALA, 2008, p. 171/172).
116
117
Outras atividades realizadas:
118
119
Bibliografia
FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Pernambucano - Uma História em Ciclos. Editora: FCCR, 2000.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
BERGALA, Alan. A hipótese-cinema; tradução Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta – Rio de Janeiro:
Booklink; CINEAD-LISE-PE/UFRJ: 2008 (Coleção Cinema e Educação).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp,
2000.
Links
http://www.culturadigital.br/cineclubes/direitos-do-publico/uma-leitura-da-carta-dos-direitos-dopublico/
https://www.significados.com.br/curadoria/
http://www.impressoesdigitais.ufc.br/3ed/index.php?option=com_content&view=article&id=34:hist
oria-dos-cineclubes&catid=4:cultura&Itemid=5
http://cineclubedalaia.blogspot.com/2010/06/classicos-do-ciclio-do-recife-em-cartaz.html
https://www.folhape.com.br/diversao/diversao/diversao/2017/04/02/NWS,23090,71,552,DIVE
RSAO,2330-CINECLUBES-GUARDAM-TRADICAO-INFLUENCIAR-FORMACAOCINEASTAS.aspx
http://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2010/03/cinema-do-povo-o-primeiro-cineclube.html
https://cinemovimento.files.wordpress.com/2017/05/001021074-1.pdf
10. O Bosque: o bullying pelo olhar dos estudantes
Amanda Menger1
Resumo
O presente artigo “O Bosque: o bullying pelo olhar dos estudantes” aborda a produção do
filme curta-metragem “O Bosque” do Programa Municipal Escola de Cinema –
Educavídeo, realizado pela Secretaria Municipal da Educação de Gramado, no Rio Grande
do Sul, no segundo semestre de 2017. O artigo aborda todas as fases da elaboração do
curta: escolha do tema, desenvolvimento do roteiro, pré-produção, gravação, edição e ainda
os momentos posteriores com a participação em festivais de cinema/vídeo estudantil no
Rio Grande do Sul e em outros Estados. Outro aspecto importante é a recepção por parte
dos alunos do próprio programa sobre a temática e a repercussão que o curta teve a partir
destes festivais. O ponto de partida para esta discussão é o protagonismo dos adolescentes
em todo o processo, sendo o Educavídeo o locus onde eles têm voz e usam a linguagem
cinematográfica como veículo de propagação.
Palavras-chave: vídeo estudantil; cinema estudantil; bullying; Educavídeo; O Bosque.
Introdução
O presente trabalho “O Bosque: O bullying pelo olhar dos alunos” é um relato da
experiência de produção do curta-metragem homônimo, concluído em dezembro de 2017
pela turma Iniciante do Programa Municipal Escola de Cinema - Educavídeo, de Gramado,
Rio Grande do Sul. Esse curta-metragem aborda o bullying. A temática foi sugerida pelos
próprios alunos, após a realização de uma atividade criativa, conduzida pelos professores
Jornalista e Professora de História. Mestre em Educação pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Professora de História na EMEF Senador Salgado Filho e de Produção Audiovisual no Programa
Municipal Escola de Cinema Educavídeo – Gramado/RS.
1
121
Leonardo Peixoto e Lucas Mello Ness. A produção e gravação ocorreram entre os meses
de setembro e dezembro daquele ano e envolveram 23 alunos, três professores e um
estagiário.
O texto aqui apresentado é uma versão ampliada, com a realização de uma pesquisa
quanti e qualitativa com os alunos do programa Educavídeo. Os alunos pesquisados faziam
parte da turma que produziu o curta e outros que somente assistiram ao curta, totalizando
17 adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos. Atualmente, estes adolescentes participam
da turma do nível Intermediário. A pesquisa foi executada em 2019, especificamente para
uso nesta versão ampliada, em virtude da confecção do presente livro, oriundo do 3º
Congresso Brasileiro de Produção de Vídeo Estudantil (CBPVE), ocorrido em 2018, em
Vitória da Conquista, na Bahia. Um primeiro relato de experiência foi apresentado naquela
oportunidade e escolhido para ser revisado e ampliado para participação no livro.
Por abordar uma temática social relevante, especialmente no contexto escolar: o
bullying2, a obra foi selecionada e exibida em eventos locais, estaduais e nacional. No final
de 2017 ocorreu a primeira exibição: na cerimônia de encerramento do Educavídeo. Em
2018, a obra foi exibida em seis festivais: 8ª Mostra Audiovisual Joaquim Venâncio – Rio
de Janeiro, em julho; na noite do Educavídeo no 46º Festival de Cinema de Gramado, em
agosto; 3º Congresso Brasileiro de Produção de Vídeo Estudantil (CBPVE), em Vitória
da Conquista, na Bahia, em setembro; no Cinest, em Santa Maria, no 4º Fecea, em Alvorada
e no 17º Cine Estudantil, em Guaíba, todos no Rio Grande do Sul em novembro.
O enredo e produção
O Educavídeo existe desde 2011 e tem como objetivo incentivar a produção
audiovisual entre os alunos oriundos da rede municipal de ensino de Gramado. As
atividades são gratuitas e ocorrem uma vez por semana. Em 2017, ano de produção do
Bullying é entendido aqui segundo a classificação da legislação brasileira como “intimidação sistemática,
quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também
inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros”. (BRASIL,
2015).
2
122
curta “O Bosque”, o programa atendia cerca de 50 alunos em três turmas. A produção foi
feita pelos alunos do módulo Iniciante.
O filme traz a história de Irineu, um adolescente constrangido diariamente pelos
colegas por conta de seu nome, mesmo com os protestos da professora. Cansado das
humilhações, Irineu resolve se vingar dos colegas em um passeio feito pela turma em um
bosque. Irineu surpreende os colegas que mais praticam o bullying e os mata. Ao final,
sentindo culpa pelo que fez, Irineu se suicida em frente aos demais colegas e da professora.
A história surgiu a partir de uma atividade de criatividade no qual todos os alunos
deveriam dar contribuições. A partir disso, foi elaborada a escaleta com o resumo da ação
de cada ação. Em um segundo momento foi escrito o roteiro pelos alunos Roger Belotto,
João Victor Corrêa e Isaque Franco. Com o texto definido, passou-se a pré-produção, com
a definição das funções, escolha dos atores, decupagem e ensaios. Os cenários foram o Lago
Negro e a Escola Estadual de Educação Básica Santos Dummont, por ser próxima à sede
do programa.
Figura 5 - Gravações do curta O Bosque, novembro de 2017.
123
As gravações foram realizadas em três tardes, em novembro. Já a edição ocorreu em
dezembro e foi realizada pelo estagiário, aluno do nível Avançado, Gustavo Gomes, com a
participação dos alunos Iniciantes. O período de produção não teve grandes sobressaltos,
a maioria das cenas eram externas e as condições climáticas colaboraram, as dificuldades
foram relacionadas as partes técnica e de atuação, pois era necessário simular diversos
ataques e morte e a solução encontrada foi deixar as mortes subentendidas com o
desaparecimento dos personagens. A cena final que mostra o suicídio do protagonista
também fica subentendida, pois não é mostrada, terminando com os gritos dos colegas e
professora.
Figura 6 - Cartaz do curta O Bosque, 2017.
O curta finalizado foi apresentado aos alunos de todos os módulos no dia 12 de
dezembro, durante a noite de encerramento das atividades do ano, que contou com a
participação dos pais. O vídeo estreou oficialmente em agosto de 2018, durante a noite
124
do Educavídeo no Festival de Cinema de Gramado, além disso, foi selecionado e exibido
em outros eventos relacionados à divulgação do cinema estudantil. Atualmente, o curtametragem
está
disponível
no
canal
do
Educavídeo
no
YouTube
(https://www.youtube.com/watch?v=Bik9wxGmA-A) e até agosto de 2019 possuía 362
visualizações.
O olhar dos alunos
A produção dos vídeos feitos no Programa Municipal Escola de Cinema –
Educavídeo é centrada no protagonismo dos adolescentes. Desta forma, as obras são
reflexos de situações e histórias vividas por eles, por amigos, ou apresentam temáticas
consideradas relevantes para o grupo produtor. Passados quase dois anos da elaboração do
curta “O Bosque”, o bullying continua sendo importante para os alunos como apontou o
resultado do questionário quanti e qualitativo respondido pelos alunos. Atualmente, o
grupo está no nível Intermediário.
A turma do Intermediário é composta por 19 alunos, sendo que 17 estavam
presentes no dia da pesquisa e destes, sete participaram da equipe que produziu o curta, e
todos assistiram à produção, pois a mesma foi exibida no 46º Festival de Cinema de
Gramado e dentro do festival, participou de algumas sessões do Cinema nos Bairros que
leva longas-metragens nacionais e obras do Educavídeo para as comunidades,
especialmente, as escolas da rede municipal, durante o festival. Destes 17 alunos, 12 são
meninas e 5 são meninos, a maioria, 14 alunos, tem 13 e 14 anos.
As primeiras perguntas eram sobre identificação, idade e a participação na equipe
de produção do curta. Já as perguntas 4 e 5 eram sobre a temática principal do curta e
como ela foi desenvolvida. Os alunos foram unânimes ao indicar que o bullying é o assunto
abordado e que ele ocorreu por conta do nome do personagem: Irineu, que virou meme
em 2017. Inclusive a ideia dos alunos para dar nome ao personagem surgiu do meme
(ENTREVISTA ALUNO E, 2019).
125
Figura 7 - Meme do Irineu. Permuy (2017).
A sexta pergunta era sobre a atitude dos colegas com Irineu, se eles a consideravam
correta. Novamente os alunos foram uníssonos na resposta: a forma como o garoto era
tratado não era correta; destaque para a resposta de uma aluna de 15 anos por observar que
a prática do bullying também tem relação com situações vividas pelo agressor e não apenas
pela vítima (ENTREVISTA 0, 2019): “Não, pois tanto os colegas que fazem o bullying
quanto Irineu, sofrem com problemas pessoais. Às vezes, quem pratica o ato não sabe que
enfrenta problemas consigo mesmo”.
A sétima pergunta era se os alunos já tinham vivenciado algum caso de bullying.
Sete alunos disseram que sim, como vítimas, um se identificou como o agressor e os outros
nove disseram que não haviam passado por nenhuma situação. Entre os casos relatados,
nem todos especificaram o que ocorreu, entre os que falaram há citações relacionadas ao
vestuário e, outras ainda, que apresentam classificações específicas: como gordofobia e
xenofobia (em relação ao sotaque).
A oitava pergunta dividiu os alunos quanto às respostas. A questão era se a escola,
os professores e corpo diretivo sabem lidar com os casos de bullying. Metade dos alunos
respondeu que sim e a outra metade que não. Observa-se que mesmo nas respostas
positivas, os alunos salientaram que as medidas tomadas para responsabilizar os alunos
agressores não são suficientes para resolver a situação ou fazer cessar as agressões. “Na
126
maioria das vezes não, o responsável pela vítima do bullying geralmente não faz nada, às
vezes chamam a atenção dos agressores só por obrigação”. (ENTREVISTA K, 2019).
A questão seguinte tem relação com a anterior e pedia aos alunos para que eles
falassem sobre como gostariam que a escola agisse em casos de bullying. Doze respostas
foram no sentido de resolver a situação com o diálogo entre agressor e vítima mediado pela
orientação escolar e professores, além de integrar os pais. Outros três alunos sugeriram que
era necessário oferecer apoio psicológico para as vítimas. Outros dois alunos disseram que
era preciso medidas mais enérgicas da escola, como o afastamento (expulsão) dos
agressores.
A questão 10 era se a atitude de Irineu, de se vingar dos colegas, foi correta. Mais
uma vez os alunos responderam de forma muito semelhante. Eles disseram que não foi
adequada, especialmente o fato de ele ter matado os colegas e depois cometido suicídio.
Os alunos argumentaram que o personagem deveria ter procurado um adulto, feito queixas
dos colegas para o corpo diretivo da escola e pedido ajuda em casa, contando aos pais o
motivo de seu sofrimento na escola.
As respostas encontraram eco na pergunta seguinte se o filme tinha abordado bem
a questão. Todos responderam que sim, mas pontuaram que poderiam ter sido diferente,
outros argumentaram que o final chocante serve de alerta aos adultos e outros adolescentes
sobre suas ações. “O que a gente queria mostrar com esse filme é que o bullying é errado,
muitas vezes pode custar uma vida, pessoas podem entrar em depressão por coisas de
brincadeira de mau gosto”. (ENTREVISTA G, 2019). Outro aluno pontuou que muitas
vezes o bullying gera muito sofrimento e que isso mexe com os sentimentos da vítima.
“Quem já sofreu bullying pensa em realmente matar os agressores”. (ENTREVISTA I,
2019). Outros alunos pontuaram que o resultado final poderia ter sido diferente,
especialmente em relação ao suicídio de Irineu. “Poderia ter mostrado mais cenas do
personagem, sinto que ele saiu como vilão dramático revoltado, eu traria mais a dor do
personagem, mesmo com cenas pesadas”. (ENTREVISTA K, 2019).
A última pergunta foi referente à importância de o Educavídeo abordar temáticas
como o bullying em seus vídeos. Todos responderam que é importante e que este tipo de
127
obra tem vários objetivos como alertar para a gravidade do problema: “Para influenciar
professores ou responsáveis a ajudar, pois mais à frente pode ocorrer um grave acidente”
(ENTREVISTA F, 2019)”; despertar empatia: “Queremos mostrar para as pessoas que
não admitimos o bullying. Muitas pessoas assistindo este curta podem se colocar no lugar
de quem sofre bullying” (ENTREVISTA G, 2019); e ainda incentivar quem sofre com
bullying a procurar ajuda: “É importante, pois talvez assim, em filmes, quem sofre com
esse tipo de problema saiba como agir de maneira certa” (ENTREVISTA H, 2019),
“Para encorajar pessoas que sofrem bullying a procurar ajuda” (ENTREVISTA P, 2019).
Considerações finais
A história de “O Bosque” é fictícia, no entanto, o problema é real. Nos últimos
anos tem se observado diversos casos de ataques em escolas e muitos deles relacionados a
situações anteriores de bullying, como ocorreu em Suzano, São Paulo, em março de 2019
(DUPLA ATACA, 2019); em 2011 na escola de Realengo, no Rio de Janeiro (TIROS
EM SUZANO, 2019) ou ainda outros casos nos Estados Unidos, como o ocorrido em
2018 no Texas (FAUS, 2018). Além da discussão sobre o acesso às armas de fogo, a
história também envolve a violência escolar. O bullying e o suicídio também estão entre os
temas da polêmica série da Netflix “13 reason why”.
Desta forma, observa-se que a temática está presente no cotidiano dos adolescentes.
A produção audiovisual é uma forma de possibilitar aos jovens que apresentem sua forma
de ver o problema, mostrar aos adultos como esse assunto é importante e como ele é
potencialmente danoso, instigando uma mudança na forma como as instituições escolares
lidam com os casos registrados em suas dependências. De acordo com Langman o número
de massacres em escolas infelizmente cresceu: “No país (Estados Unidos), entre 1966 e
1975, aconteceram três casos. Entre 2006 e 2015, o número subiu para 19”
(LANGMAN, apud PERES e MINOZZO, 2019).
O caso de a escola ser o locus de várias destas ações está relacionada ao fato de ser
um ambiente conhecido pelo agressor, além disso, muitas vezes é este o espaço em que se
128
originaram ou se externaram seus problemas psicológicos. Langman (apud PERES e
MINOZZO, 2019) observa que o bullying pode ser uma circunstância importante, mas
que ele sozinho não transforma a vítima em um futuro agressor.
A produção ressalta a importância do professor, mostrando que só chamar a atenção
durante as supostas “brincadeiras” não é o suficiente, sendo necessária uma intervenção
maior, a fim de evitar o sofrimento dos alunos tanto de quem é vítima quanto de quem
pratica a ação, ponto que foi observado pelos alunos nas respostas do questionário. O
professor Antonio Zuain, da UFSCar, aponta que é necessária uma ação pedagógica do
docente, trazendo o tema para discussão. “O professor precisa interromper a aula e
conversar sobre o que aconteceu. Aí temos uma chance de a escola prevalecer sobre a bala”
(apud PERES e MINOZZO, 2019).
Importante ainda ressaltar que os alunos, sejam os que participaram da produção
ou apenas a assistiram, apresentam um olhar crítico sobre a forma como o trabalho foi
realizado, sabendo defender o ponto de vista adotado na obra, entendendo que muitas
vezes a recepção do público pode não ser semelhante a deles. Outro ponto é que os alunos
entendem que uma das funções do cinema, do audiovisual como um todo, é o de
proporcionar a reflexão do público e usar esse veículo como um meio de expressão,
apontando sobre situações que precisam de maior atenção, especialmente, pelas
consequências que podem trazer.
Referências
ALUNOS gravam no Lago Negro. Educavídeo, 9 nov. 2017. Disponível em:
http://www.educavideogramado.com.br/alunos-gravam-no-lago-negro/. Acesso em 28 mai. 2018.
BRASIL, 2015. Lei Nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à
Intimidação Sistemática (Bullying).
DUPLA ATACA escola em Suzano, mata oito e se suicida. G1. Publicado em 13 mar.2019. Disponível
em: https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros-deixam-feridosem-escola-de-suzano.ghtml. Acesso em 26 ago. 2019.
EDUCAVÍDEO
GRAMADO.
O
Bosque,
2017
(5m45s).
https://www.youtube.com/watch?v=Bik9wxGmA-A. Acesso em 26 ago. 2019.
Disponível
em:
129
ENTREVISTA ALUNO E, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO G, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO F, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO H, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO K, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO I, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO O, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
ENTREVISTA ALUNO P, Questionário quanti e qualitativo. GRAMADO/RIO GRANDE DO
SUL, 2019.
FAUS, Joan. “Nascido para matar”: o rastro de violência do atirador do Texas. El País, 22 mai 2018.
Disponível
em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/18/internacional/1526670341_040985.html. Acesso em
28 mai.2018.
LAGMAN, Peter apud PERES, PAULA; MINOZZO, PAULA. Por que a escola é escolhida como alvo
de massacres?. Nova Escola. Publicado em 13 mar. 2019. Acesso em 26 ago. 2019.
PERMUY. Pedro. Os 10 memes que marcaram 2017 (e vão marcar os próximos anos). GAZETA
ONLINE.
Publicado
30
dez.2017.
Disponível
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https://www.gazetaonline.com.br/entretenimento/2017/12/os-10-memes-que-marcaram-2017-evao-marcar-os-proximos-anos-1014112237.html. Acesso em 26 ago.2019.
PRODUÇÕES são exibidas em noite de encerramento. Educavídeo, 13 dez. 2017. Disponível em:
http://www.educavideogramado.com.br/producoes-sao-exibidas-em-noite-de-encerramento/. Acesso
em 28 mai. 2018.
TIROS EM SUZANO: 10 casos de massacres em escolas que chocaram o mundo. BBC News Brasil.
Publicado em 13 mar. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47558612.
Acesso em 26 ago. 2019.
ZUAIN, ANTÔNIO apud PERES, PAULA; MINOZZO, PAULA. Por que a escola é escolhida como
alvo de massacres?. Nova Escola. Publicado em 13 mar. 2019. Acesso em 26 ago. 2019.
11. Produção de Vídeo Estudantil: experiências pedagógicas no
Ensino Fundamental
Adriana Nebel Kovalscki
adrinks@gmail.com
Resumo
Este relato descreve a produção de vídeo estudantil como experiência pedagógica na sala
de aula e pretende identificar os fatores que contribuem para a ocorrência de aprendizagens
no Ensino Fundamental. O professor que tem como desafio ensinar com o uso das
tecnologias, precisa inovar; o celular dos alunos que possibilita gravar e editar vídeos pode
ser uma ferramenta de apoio pedagógico para a sala de aula. Planejando roteiros, gravando,
editando, nossos alunos constroem conhecimentos. É por meio da troca de experiências,
do trabalho em grupo, das interações, do despertar da curiosidade, que possibilitamos uma
nova forma de ensinar com a produção de vídeos. Assim, o aluno ao produzir vídeo, pode
expressar seu modo de ver o mundo, suas músicas preferidas, suas representações de
cotidiano. Com a arte dos vídeos, expressam também suas culturas, num contexto de
aprendizagem, representando características do lugar onde vivem, de sua escola, de sua
comunidade. Os vídeos são elaborados pelos alunos do Ensino Fundamental da Escola
Martinho Lutero, interior de São Lourenço do Sul, desde o ano de 2015 e são integrados
na escola como uma atividade diferenciada que possibilita ao aluno vivenciar outros
espaços fora da sala de aula. Os vídeos são produzidos e editados pelos alunos, com o
apoio das professoras de Matemática e Educação Física. Os temas são escolhidos após
debate pelos alunos dos problemas enfrentados nas escolas, resultando de realidades
presentes na vida dos estudantes de todo o mundo. Esta produção demonstra a criatividade
e envolvimento dos alunos, resultando em interação, diversão e aprendizagens mútuas. O
vídeo estudantil é realizado na escola até hoje, envolvendo vários temas, e faz parte da
pesquisa de mestrado que visa investigar a produção de vídeo, também, nas aulas de
matemática. O objetivo da pesquisa é, portanto, verificar como os alunos do 8º ano da
131
referida escola representam geometria em seu cotidiano. A pesquisa está em fase de
desenvolvimento e será concluída em 2019.
Palavras-chave: Produção de Vídeo Estudantil; Ensino Fundamental; Tecnologias.
1. Introdução
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Martinho Lutero, localiza-se na área
rural, em Santa Augusta, interior de São Lourenço do Sul/RS e proporciona aos seus
alunos, desde 2015, oficinas de produção de vídeo estudantil. As referidas oficinas
envolvem criatividade, autonomia e organização, visto que os alunos são convidados a
desenvolverem novas habilidades, diferentes de seu dia a dia de cálculos e leituras. Como
nos fala Freire (1979, p. 17), “A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este
ímpeto ontológico de criar. A educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário
darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos”. A produção de vídeo na
escola surgiu, portanto, de uma necessidade me modificar o espaço escolar, renovando as
práticas do aprender, trazendo assim, o celular para atividades interativas e motivadoras da
aprendizagem. A referida escola procura modificar-se, tornando um ambiente de
construção do conhecimento, onde juntos, professores e alunos, aprendem construindo
vídeos. Desta forma, a produção de vídeo surge na escola como um recurso para dar voz
aos alunos.
2. Desenvolvimento
As oficinas de produção de vídeo estudantil acontecem na escola em turno invertido
do horário normal dos estudantes, não interferindo no seu cotidiano de estudos. Os alunos,
portanto, no dia da oficina, permanecem na escola durante todo o dia, almoçando na escola
e participando das atividades a tarde. Nestas oficinas, os estudantes participam de debates
sobre roteiros, técnicas de filmagem, aplicativos e programas de edição, além de um dia de
cinema, em que assistem curtas produzidos por alunos de outras escolas.
132
Para as filmagens os alunos utilizam seus celulares e a câmera disponibilizada pela
escola e pela professora. As professoras envolvidas com as atividades são as professoras de
Matemática, Educação Física e Artes, mas os demais educadores são, muitas vezes
convidados pelos alunos a participarem de alguma cena. Os cenários, os roteiros, os ângulos
são escolhidos pelos alunos que também ficam responsáveis por fazer a edição dos vídeos.
A escola possui um bom laboratório de informática com dez computadores com internet,
que também possibilitam aos alunos, ampliar o roteiro dos vídeos por meio de pesquisas.
O programa Movie Maker instalado pelos alunos nos computadores, auxiliam na hora da
edição, mas atualmente, os vídeos são editados no próprio celular dos alunos, que utilizam
aplicativos diversos, como Filmora Go, Vivo Show, entre outros.
Com o intuito de respeitar o aluno e sua cultura, surgiram as primeiras indagações
sobre a produção de vídeo estudantil como instrumento de aprendizagem dentro do espaço
escolar. De acordo com Freire (2003, p. 42), “A questão da identidade cultural, de que
fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos, cujo respeito é
absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser
desprezado”. Assim, as primeiras atividades desenvolvidas foram nas aulas de História.
Nesta, os alunos do 9º ano representaram sua Cultura Pomerana ao mostrarem, em seus
vídeos, relatos de seus antepassados sobre o que ocorreu na colônia de São Lourenço na
época da II Guerra Mundial.
Como particularidade dos alunos, destaca-se sua identidade pomerana. Cerca de
80% das terras do interior do município de São Lourenço do Sul foram ocupadas pelos
pomeranos1 em 1858. Os pequenos agricultores pomeranos-germânicos2 descendem da
Os pomeranos da colônia de São Lourenço do Sul e de municípios vizinhos, formam um dos maiores
grupos dessa etnia em todo o mundo. No Brasil, existem pomeranos também em Santa Catarina (cujo
maior núcleo situa-se em Pomerode), em Rondônia (Cacoal, Espigão do Oeste e Pimenta Bueno) e,
principalmente, no Espírito Santo (Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá, Santa Tereza, São Gabriel
de Paula, Vila Pavão, Baixo Guandu, Laranja da Terra, Afonso Cláudio). (HAMMES, 2010, p. 177).
2
A chegada de pomeranos e alemães em São Lourenço do Sul, no ano de 1858, começou trinta e quatro
anos após o início de sua imigração para o Rio Grande do Sul, iniciada por São Leopoldo. A vinda de
pomeranos para a parte sul do estado se deve ao trabalho de Jacob Reinghantz. Segundo Hammes (2010),
“os Pomerânios receberam seus lotes em conjunto com seus conterrâneos. Assim, Jacob Reinghantz teve
o cuidado de proporcionar às famílias pomerânias a continuidade de sua união, facilitando a comunicação
1
133
região da Pomerânia, que se situava ao norte do mar Báltico, a sudoeste e sul da Alemanha
e a sudeste da Polônia. Segundo Wille (2011, p. 16) o nome Pommern é de origem eslava,
Po-Morje, e quer dizer: “os que habitam ao longo do mar”.
A Cultura Pomerana se destaca em seus costumes e tradições e tem suas
particularidades em relação a alimentação e agricultura, religião e língua. Na alimentação
destacam-se a cuca e o pão caseiro assados no forno de rua. Na agricultura cultivam,
principalmente, a produção do fumo. Também plantam nas lavouras batata inglesa, batata
doce, milho, legumes e verduras para o sustento.
Assim, a partir dos vídeos produzidos na disciplina de História, surgiram muitos
outros envolvendo desde alunos do pré-escolar até o nono ano do Ensino Fundamental. A
produção de vídeo oportunizou o desenvolvimento da cultura, tornando-se uma atividade
interdisciplinar e ainda valendo nota!
Em 2015 para participar do I Festival de Vídeo de São Lourenço do Sul, evento
realizado pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com o Curso de Cinema e
Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, os alunos do 8º ano realizaram
o curta “Criando Laços com a bola” (Figura 1) que relata o preconceito de gênero no
futebol. Este curta foi premiado como melhor filme pelo júri técnico, entre outras
premiações.
Figura 1: Cenas do curta “Criando laços com a bola”.
e fazendo com que seu dialeto, seus costumes e sua religião evangélica luterana pudesse ser, mais facilmente,
preservada”. (HAMMES, 2010, p. 191).
134
Também no mesmo ano de 2015, duas alunas da referida turma de 8º ano,
empolgadas com as filmagens, escreveram outro roteiro, surgindo um novo curta, filmado
na casa das alunas e no pátio da escola, relatando a história da “Flor da crise”, chamada na
Cultura Pomerana, como época de tempo de escassez na colônia (Figura 2). Este curta
envolveu pesquisa na internet, entrevistas com familiares, como avós, mães, diretora da
escola, descendente dos Pomeranos, além de lindos cenários que retratam a beleza da flor
e da paisagem do campo.
Figura 2: Cenas do curta “Flor da Crise”3
No ano de 2016, os trabalhos com os vídeos tornaram-se elemento obrigatório para
as atividades na escola, sendo muito requisitado como atividade avaliativa pelos alunos.
Assim, como forma de valorizar a cultura do aluno, as características mais marcantes da
cultura, como culinária, modo de viver no campo, a Língua Pomerana, começa a ser o ponto
marcante dos vídeos produzidos pelos alunos, com áudio em Pomerano e com legenda em
Português. O curta “Casas Antigas Pomeranas”4 (Figura 3), relata como eram as casas dos
pomeranos, destacando aspectos da arquitetura e decoração das casas.
3
4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OqzXZDMmQIo&t=2s
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pb7d0i8WB9M&t=138s
135
Figura 3: Cenas do curta “Casas Antigas Pomeranas”.
Como forma de valorizar e homenagear suas mães, os alunos produziram também
24 curtas em que representam o dia a dia da Mulher Pomerana, relatando atividades diárias
com criatividade. Nestes vídeos os áudios são todos na Língua Pomerana com legenda em
Português.
Figura 4: Cenas dos curtas “O dia a dia da Mulher Pomerana”.
Em 2017 os alunos produziram o vídeo “Chega de Bullying”5, relatando um
problema constante na maioria das escolas (Figura 5). Para realizar o curta, os alunos
pesquisaram sobre o assunto e após debate entre a turma, realizou-se a escrita do roteiro
por integrantes escolhidos pela turma. Os alunos dividiram-se em grupos e alguns ficavam
5
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0IbNLF_uPZg.
136
responsáveis pela edição, mas os mais envolvidos, participavam de todas as etapas das
filmagens. Este vídeo também recebeu premiações e encerrou as atividades com esta turma
que, após formar-se no nono ano, afastou-se da escola. Importante relatar que alguns
estudantes que, atualmente, estão em outra escola e quase se formando no Ensino Médio,
continuam fazendo vídeos, comprovando que a produção de vídeo é uma atividade
motivadora e prazerosa para os alunos, tanto que não esquecem essa experiência.
Figura 5: Cenas do curta “Chega de Bullying”.
A partir destas experiências com os alunos surgiram outras inquietudes, como
envolver a produção de vídeo sobre conteúdo da matemática. Assim surgiu a oportunidade
de começar o Mestrado em Educação Matemática. Com o tema de pesquisa, Produção de
Vídeo e Etnomatemática: representações de Geometria no cotidiano do aluno, e tecendo
relações entre descobertas e aprendizagens, utilizou-se como embasamento teórico, Freire,
Moran, Ferrés, D’Ambrósio e Pereira para verificar a visão do aluno no seu fazer cotidiano
com relação a matemática.
O problema de pesquisa é: Como os alunos representam com a produção de vídeo
conceitos de geometria no seu cotidiano? Sendo a representação situada na linha da
narrativa cinematográfica, no sentido de reprodução das ideias por imagens e sons.
Também no sentido de perceber o desempenho e autonomia dos alunos quanto ao
desenvolvimento de ideias de concepção e opinião.
A pesquisa iniciou em 2018 e será concluída em 2019. Os participantes serão
alunos do 8º ano do Ensino Fundamental da Escola Martinho Lutero que nunca haviam
137
realizado curtas. Será observado na ação dos estudantes seu desempenho na construção de
ideias e pensamentos de Geometria no cotidiano. A pesquisa será realizada em 5 etapas,
descritas a seguir. Primeira etapa: apresentação da pesquisa para os alunos; organização dos
grupos; distribuição dos cadernos de anotações. Segunda etapa: técnicas de roteiro;
enquadramento; uso do celular. Terceira etapa: edição. Quarta etapa: sessão de cinema.
Quinta etapa: apresentação e debates dos vídeos produzidos para a turma.
Os alunos iniciaram as atividades em grupos e em alguns momentos das aulas,
reuniam-se para combinar suas ações. As filmagens foram realizadas na casa dos alunos e
relataram seu cotidiano, sua forma de ver a matemática nas atividades comuns da lavoura
realizadas por seus pais. Alguns grupos realizaram o vídeo na Língua Pomerana com
legenda em Português.
Como instrumento de coleta de dados será utilizado entrevistas, diário de bordo,
caderno de anotações dos alunos e os vídeos produzidos pelos mesmos (Figura 6).
Figura 6: Curtas produzidos nas aulas de matemática6.
Disponíveis em: https://youtu.be/DWYp7imrulo; https://youtu.be/YxOegD_F47A;
https://youtu.be/XB4U8kenyX8; https://youtu.be/Umycptlh5tE;
https://youtu.be/WlkSQMtJQjM; https://www.youtube.com/watch?v=n8cnc_HNemg.
6
138
Para análise dos dados escolheu-se a metodologia Análise Textual Discursiva
(Moraes e Galiazzi, 2016). A pesquisa será concluída em abril de 2019.
3. Resultados
Os primeiros resultados da produção de vídeo como representação de ideias de
geometria nas aulas de matemática já são percebidos. As primeiras impressões da
pesquisadora referem-se à personalidade dos alunos nos grupos formados. Também em
relação a escrita, alunos com mais dificuldades na escrita preocupam-se menos com o
roteiro. A matemática está sendo registrada pelos alunos com comprometimento,
representando seu cotidiano. As principais dificuldades enfrentadas pelos alunos são em
relação a edição final dos vídeos, sendo que alguns grupos tiveram que pedir auxílio para a
professora.
Pretende-se com esta pesquisa sobre a produção de vídeos nas aulas de matemática
contribuir para aprimorar as aprendizagens de Geometria, valorizar a identidade cultural
dos alunos, desenvolver a criatividade, autonomia e liberdade de expressão, permitindo que
os alunos se comprometam com a atividade, desenvolvendo também habilidades quanto à
organização e planejamento.
4. Referências
D’AMBRÓSIO, U. Educação Matemática: da teoria à pratica. Campinas: Papirus, 2003.
FERRES, Joan. Video e Educação. Porto Alegre: Artes Medicas, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996. 28ª ed. 2003.
FREIRE, P. Educação e Mudança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_educacao _e_mudanca.pdf >
Acesso em: 17 fev. 2019.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. do C. Análise Textual Discursiva. 3ª ed. rev. e ampl. Ijuí: Ed. Unijuí,
2016. 264 p. Coleção educação em ciências.
MORAN, José M. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas, SP: Papirus,
2012. 5ª ed. 6ª reimp. 2016. (Coleção Educação).
139
PEREIRA, Josias. Novas tecnologias de informação e comunicação em redes educativas. Londrina: ERD
Filmes, 2009.