DIMENSIONAMENTO OPTIMIZADO MULTI-CRITÉRIO DE SISTEMAS
DE CONDUÇÃO DA ÁGUA CONSIDERANDO O CONCEITO DE
BENEFÍCIO
Júlio F. FERREIRA da SILVA
Doutor em Engenharia Civil – Hidráulica Prof. Auxiliar do Departamento de Engª Civil da Universidade do Minho, Azurém 4800-058 Guimarães, Portugal
253510200, juliofs@civil.uminho.pt
RESUMO
Neste trabalho divulga-se uma ideia para a definição do conceito de benefício associado a
dado diâmetro duma conduta e incorpora-se esta noção no procedimento para o dimensionamento
optimizado de sistemas de condução da água. Associa-se este conceito à eventual disponibilidade para
transporte da água. Propõem-se expressões analíticas alternativas para quantificar o benefício que o
decisor poderá seleccionar. Com esta metodologia pretende incluir-se no procedimento de
dimensionamento optimizado os critérios adoptados na prática pelos decisores. O interesse da
formulação proposta é demonstrado com exemplos de aplicação. Comparam-se os resultados obtidos
com procedimentos de dimensionamento que não quantificam o benefício.
Palavras-chave: Planeamento e dimensionamento optimizados de sistemas de condução da água.
1 - INTRODUÇÃO
Os sistemas de condução da água devem disponibilizar as quantidades solicitadas pelos
diversos e distintos utilizadores, sob adequadas condições técnicas e com a melhor qualidade possível.
No entanto, no processo de dimensionamento duma conduta existem diversas incertezas,
designadamente as associadas à projecção das solicitações (em geral, as solicitações de projecto são
relativas ao final do período de vida útil do empreendimento e este nas obras de construção civil é
quase sempre superior a 40 anos). Os decisores deparam-se, também, com incertezas relacionadas
com a distribuição espacial das solicitações de água, pelo que em geral preferem soluções que lhe
permitam margem de gestão para poderem responder a pedidos não previstos.
Os órgãos dos sistemas públicos de condução de água devem ser concebidos respeitando
restrições técnicas e atendendo a considerações económicas, dado que exigem investimentos
vultuosos e podem implicar despesas de exploração não negligenciáveis. Em geral, os engenheiros
projectistas conseguem encontrar alternativas que tecnicamente satisfazem, ou seja que respeitam as
recomendações técnicas e quando tal não acontece os problemas são mitigados por dispositivos
especialmente concebidos para esse efeito. A procura da melhor solução para o problema em questão
é tradicionalmente baseada no critério económico. A resolução do problema da procura do diâmetro
económico pode deparar-se com algumas dificuldades, designadamente devido à natureza não-linear e
discreta da função objectivo e das restrições.
Com o desenvolvimento dos computadores e dos algoritmos de cálculo matemático-numéricos
os estudiosos dos sistemas de condução da água viram nas técnicas optimização desenvolvidas na
investigação operacional uma ferramenta para encontrar as melhores soluções. Conforme relata,
WALSKI (2001) após a euforia inicial, alguns investigadores começaram a acusar alguma decepção, na
medida em que os resultados dos modelos de optimização, muitas vezes, não eram implementados.
Segundo WALSKI, em comunicação pessoal, os métodos de optimização não incorporam os critérios
usados pelos engenheiros e decisores que na prática são responsáveis pelo investimento e pela
gestão dos sistemas de condução da água.
Foi nosso objectivo estudar funções que caracterizassem de forma quantificada a preferência
dos decisores por soluções que lhes permitem folga na gestão. Surgiu, assim, a procura de expressões
analíticas que quantificassem o mérito das soluções mais preferidas na prática. Definimos o conceito
benefício associado a uma conduta à eventual disponibilidade de transporte. O caudal máximo
recomendável para uma conduta pode ser definido por critérios técnicos, designadamente a limitação
da velocidade de escoamento ou por estudos técnico-económicos. O ensaio dos efeitos nos resultados
de dimensionamento de algumas expressões analíticas experimentadas para quantificarem o benefício
levou-se a propor neste trabalho quatro modelos alternativos.
A inclusão de dois critérios no processo de dimensionamento (o resultado económico e o
benefício) exige a participação prévia do decisor, designadamente na definição dos pesos que atribui
aos dois critérios complementares.
A procura das melhores soluções de dimensionamento dos sistemas de condução da água (ou
de dimensionamento optimizado) é um assunto que tem interessado os engenheiros e investigadores.
Assim, são diversos os estudiosos que têm proposto metodologias para conceber e dimensionar
sistemas elevatórios que garantam as solicitações em adequadas condições técnicas ao menor custo
possível. No entanto, não existem muitos trabalhos usando técnicas multi-critério. A análise dos
modelos divulgados revela que alguns autores introduzem propositadamente diversas simplificações
para abreviar o processo de cálculo e para que determinada ferramenta matemática possa ser
aplicada. Em FERREIRA DA SILVA (2004) apresenta-se um resumo dos principais trabalhos
publicados sobre este tema até então. O dimensionamento optimizado de condutas de água com
escoamento em pressão tem suscitado o interesse de diversos estudiosos e continua a dar origem a
várias investigações e respectivas publicações, designadamente MAYS (2003), AINSWORTH (2004),
FERREIRA DA SILVA (2007).
2 - CARACTERIZAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DOS CUSTOS E DO BENEFÍCIO ASSOCIADO À
DISPONIBILIZAÇÃO DA ÁGUA POR UMA CONDUTA
O valor actual da globalidade dos investimentos, das despesas de exploração e dos benefícios
pela disponibilidade e cedência de água pode ser calculado por:
n
n CE
n CM
⎡
Bj
CI s ⎤
Cl
j
j
⎥
VA =
+
− ⎢CI i +
+
+
(1)
j
n ⎢
j
j
s⎥
(
)
(
)
(
)
(
)
(
)
1+ r
1
1
1
+
+
+
r
r
r
1
1
j
j =1 1 + r
j
=
=
⎣
⎦
em que: Bj - Benefício pela cedência de água ano j; Cl - Valor residual da conduta; CIi - Investimento
inicial; CIs - Investimento de substituição; CMj - Custo de Manutenção ano j; CEj - Custo com a energia
no ano j; s - Ano de substituição dos equipamentos, r - Valor do dinheiro.
Num sistema adutor elevatório o custo com a energia é relativa à factura de energia eléctrica
consumida na estação elevatória, ao passo que se o sistema em análise apresentar um escoamento
por gravidade, então este custo é relativo à energia dissipada na conduta.
∑
∑
∑
2.1 - Caracterização e quantificação dos custos
Em muitas aplicações o cálculo do valor actual dos fluxos financeiros pode ser simplificado,
ficando, por vezes, reduzido a:
n CE
CI s
j
VA = CI i +
+
(2)
(1 + r )s j =1 (1 + r ) j
∑
O custo de investimento na adutora, de acordo com FERREIRA DA SILVA (2002), pode ser
quantificado por:
(
)
(3)
CIA = B A0 + B A1 D + B A2 D 2 ε A L
sendo: CIA - Custo de investimento na adutora; D - Diâmetro, εA - Factor que simula as estratégias
comerciais do construtor e a situação do mercado de construção.
Os parâmetros desta função de custo devem ser definidos preferencialmente a partir da
medição / orçamentação das quantidades de trabalho necessárias à construção. Os preços unitários
usados devem reflectir os valores médios praticados no mercado.
O custo de investimento nos grupos de electrobomba e órgãos acessórios pode ser
quantificado recorrendo às tabelas de preços dos produtos em armazém, a consultas aos
fornecedores, à medição e orçamentação das tubagens, válvulas e instalações eléctricas necessárias
ao funcionamento das estações elevatórias. A consulta aos preços praticados no mercado revela que
esta função pode ser caracterizada por patamares em virtude da gama discreta de equipamentos
disponíveis. No entanto, admitindo que o investimento para a totalidade dos equipamentos
electromecânicos da estação elevatória pode ser quantificado em função da potência dos grupos de
electrobomba, pode definir-se o seguinte modelo agregado:
b
CIEEee = ⎛⎜ cEEe + aEEe Pot EEe ⎞⎟εee
(4)
⎝
⎠
ou em função do caudal e da altura de elevação:
α
β
CIEEee = ⎛⎜ cEEe + aEEeQ EEe H EEe ⎞⎟εee
(5)
⎝
⎠
em que: CIEEee - Custo de investimento nos equipamentos electromecânicos da estação elevatória;
Pot - Potência dos grupos de electrobomba; Q - Caudal; H- altura de elevação; εA - Factor que simula
as estratégias comerciais e a situação do mercado dos equipamentos electromecânicos.
Em FERREIRA DA SILVA et al. (1999) apresenta-se um procedimento que permite quantificar
o valor actual do principal custo de exploração, a energia eléctrica. Alargando tal formulação para
incluir os efeitos da incerteza associada a este encargo, chega-se a:
⎧ n e ⎡ n (e )
⎤⎫
⎪
⎪
VACE = ⎨ ∑ ⎢ ∑ Pot e K e S e ⎥ ⎬εVACE
(6)
⎥⎪
⎪e =1⎢⎣a = n(e−1) +1
⎦⎭
⎩
onde: VACE - Valor Actual do Custo da energia; e - etapa ou fase de investimento, n(e) - horizonte da
etapa ou fase e, n(e-1)+1 - ano 1 da etapa e; Pote - Potência dos grupos de electrobomba na fase e; Se Factor que define tbt e pet e os actualiza, depende da lei de crescimento, do tempo de bombagem e do
preço da energia; Ke - Variável auxiliar; εAVACE - Factor que simula as variações do custo da energia.
O termo auxiliar Ke é caracterizado em função do tipo de lei de crescimento das utilizações, por
exemplo se a tendência for linear, então este factor é calculado por:
pe0 (U mda ) n(e−1) 365
pe0 (tbmda ) n(e ) 365
Ke =
=
(7)
Qe 3600
1 + α e n(e ) − n(e −1)
(
(
))
onde: pe0 - Preço da energia no anual inicial; Umda - Utilização média diária anual (m³/dia); tbmda - tempo
médio diário anual de elevação (h); n(e-1) - horizonte da etapa anterior; αe - taxa de crescimento das
utilizações na fase e; Qe - Caudal de projecto da fase e (m³/s).
Se a projecção das utilizações for realizada adoptando um crescimento do tipo linear então
pode calcular-se Se através de:
Se =
n (e )
(1 + α e .(a − n(e −1) ))(1 + β)a
a = n (e−1) +1
(1 + r ) a
∑
(8)
sendo: β - taxa de crescimento do preço da energia eléctrica.
Quantificados os principais custos podemos definir o custo total do empreendimento.
Considerando um número genérico de fases ou etapas de investimento (ne) será:
CT = CIA +
ne
∑
e =1
CIEEee n
(1 + β ee )
(e −1)
n(e −1)
(1 + r )
n (e−1)
+ VACE
(9)
sendo: βee - taxa de crescimento do preço das obras para a instalação dos equipamentos
electromecânicos na estação elevatória; n(e-1) - ano da realização do investimento (exemplo: e=1 ⇒ n(e1) =0; e=2 ⇒ n(e-1) =20).
Considerando o custo de construção da adutora proporcional ao quadrado do diâmetro e o
custo da estação elevatória em função da potência dos grupos de electrobomba, então:
(
)
CT = B A0 + B A1 D + B A2 D 2 ε A L +
⎧⎪9,81Q ⎛
⎛
K.D ⎞ 8LQe 2 ⎞⎟
∑
e⎜
⎜
⎟
+ ∑⎨
S Kε
Hg + fe +
+
⎜
⎟ π2 gD5 ⎟ e e VACE
⎜
η
L
e
⎝
⎠
e=1⎪
⎝
⎠
⎩
ne
(10)
bEE ⎤
⎫
⎡
⎡9,81Q ⎛
⎛
⎞ 8LQe2 ⎞⎤ e ⎥ εee(1+ βee)n(e−1) ⎪
.
K
D
∑
⎢
e
⎜H +⎜ f +
⎟
⎟
+ cEEe + aEEe ⎢
g ⎜ e
⎟ π2gD5 ⎟⎥⎥
⎥ (1 + r )n(e−1) ⎬
⎢
L
⎢⎣ ηe ⎜⎝
⎝
⎠
⎪
⎠
⎦
⎥⎦
⎢⎣
⎭
O factor de resistência ( fe) em cada fase é definido pela expressão de Colebrook-White:
⎛
1
2,51ν ⎞⎟
= -2 log ⎜ k +
(11)
⎜ 3,7 D VD f ⎟
fe
e ⎠
⎝
2.2 - Caracterização e Quantificação do Benefício associado à disponibilização da água
Não é fácil caracterizar e quantificar o benefício pela disponibilidade de água com boa
qualidade. Em geral, o benefício total da utilização da água pode ser definido pela soma das seguintes
parcelas: o benefício directo, o benefício da restituição de caudais a montante, o benefício indirecto
proveniente de infra-estruturas construídas para outro efeito, o benefício social e o valor intrínseco da
água. Algumas destas componentes do valor da água são de difícil quantificação, dado que não
apresentam um valor de mercado. Existe a possibilidade de caracterizar estas componentes de forma
indirecta através de metodologias que interroguem os utilizadores sobre o montante que estariam
dispostos a pagar pela simples presença de água ou pela disponibilidade de água de boa qualidade.
No entanto, a realização destes inquéritos apresenta algumas dificuldades e as conclusões que daí
possam resultar são sempre discutíveis. Thomas Walski num editorial dedicado às ineficiências da
aplicação dos modelos de optimização aos sistemas de distribuição de água [Walski (2001)], apresenta
uma curva de benefícios versus capacidade, que segundo este autor reflecte os interesses dos
responsáveis pelos sistemas de abastecimento de água. Essa curva é a seguinte:
90,00
80,00
70,00
60,00
B
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
0,00
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
2,80
Q /Qp
Curva Walski
Tradicional
Figura 1 - Benefício versus capacidade segundo Walski (2001)
A partir desta indicação foram desenvolvidos trabalhos na sequência dos quais foi associado o
conceito de capacidade ao caudal disponibilizado. Simultaneamente, foi construído o conceito de
benefício como a folga adicional disponibilizada pela conduta em relação ao caudal pretendido. O
passo seguinte foi a modelação da curva introduzindo como variável independente a relação entre o
caudal disponibilizado e o caudal de projecto. O caudal disponibilizado deve ser o caudal máximo
admissível para dado diâmetro. Este valor pode ser definido com razões práticas ou através de estudos
técnico-económicos. Adoptando como critério a limitação da velocidade em função do diâmetro, então
o caudal máximo é determinado por:
Qmáx = 1,581Di2,4
(13)
sendo: Qmáx - Caudal máximo admissível para o diâmetro D
Di - Diâmetro interior (m).
A primeira expressão analítica proposta resulta do ajuste analítico através da curva logística.
(m3/s);
-1
⎛ 1
Q Qp ⎞
B=⎜
+ 36,336x 0,00928
⎟
⎠
⎝ 1,419
sendo: B - Coeficiente de benefício; Q - Caudal disponibilizado, Qp - Solicitação de projecto.
(12)
Esta curva e a adaptada a partir da indicação de Walski (2001) encontram-se representadas na
figura seguinte:
1,60
1,40
1,379
1,322
1,20
1,413
1,417
1,418
1,419
1,419
1,195
1,00
B
1,403
0,960
0,80
0,639
0,60
0,40
0,345
0,20
0,159
0,027
0,00
0,00
0,067
0,20
0,40
0,60
0,80
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
2,80
Q /Qp
B adaptado Walski
B mod 1
Figura 2 – Adaptação da curva e Walski e modelação do Benefício versus Q/Qp pela curva logística
Como nesta análise estamos mais preocupados em comparar alternativas que disponibilizam
caudais no mínimo igual ao caudal de projecto, então a parte da curva de benefícios que mais nos
interessa será a que corresponde a valores da relação Q/Qp maiores que 1. Ensaios realizados
mostram que a expressão anterior do benefício distingue muito pouco as alternativas, pelo que poderão
ser usadas outras expressões como as que se apresentam a seguir:
1,80
1,60
1,60
1,66
1,64
1,66
1,66
1,67
1,67
1,51
1,40
1,32
1,20
1,00
B
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
2,80
Q /Qp
B adaptado Walski
B mod 2
Figura 3 – Modelo 2 para curva Benefício versus Qmáx/Qp
A segunda expressão analítica proposta é:
Q
Q -1
B = ⎛⎜ 0,6 + 40x 0,01 máx p ⎞⎟
⎠
⎝
(14)
2,00
1,80
1,67
1,60
1,86
1,90
1,45
1,31
1,20
B
1,81
1,57
1,40
1,00
1,75
1,16
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
2,80
Q /Qp
B adaptado Walski
B mod 3
Figura 4 – Modelo 3 para curva Benefício versus Qmáx/Qp
A terceira proposta de curva e:
-1
Q
Q
B = ⎛⎜ 0,5 + 2,5x 0,2 máx p ⎞⎟
⎝
⎠
(15)
3,00
2,50
2,36
2,24
2,42
2,46
2,48
2,49
2,05
2,00
B
1,77
1,50
1,00
1,40
1,00
0,50
0,00
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
2,80
Q /Qp
B adaptado Walski
B mod 4
Figura 5 – Modelo 4 para curva Benefício versus Qmáx/Qp
O quarto modelo proposto quantifica o benefício através de:
Q
Q -1
B = ⎛⎜ 0,4 + 15x 0,04 máx p ⎞⎟
⎝
⎠
(16)
3 - INCLUSÃO DOS DOIS CRITÉRIOS NO PROCEDIMENTO DE QUANTIFICAÇÃO DO MÉRITO
O critério tradicionalmente usado na selecção de alternativas que sob o ponto de vista técnico
satisfazem é o resultado económico. Muitas vezes, as alternativas em análise provocam as mesmas
receitas pelo que o problema do dimensionamento optimizado de sistemas de condução da água
reduz-se à procura da solução que minimiza os custos totais envolvidos. No entanto, como na prática
os decisores se deparam com algumas incertezas, designadamente as associadas às áreas de
expansão das construções, muitas vezes preferem soluções que lhes permitam alguma folga na
gestão, ou seja que lhes disponibilizem facilmente mais água, caso seja necessário. Assim, pode
incluir-se no processo de decisão a apetência do decisor pelo critério custo versus critério
disponibilidade da água. A forma de o fazer é solicitar a indicação do peso que atribui ao critério custo
(ou ao critério complementar, o benefício que atribui à eventual disponibilidade de água).
Pode definir-se um custo reduzido por:
C
Cr = T
(17)
B
sendo: Cr - Custo reduzido, CT - Custo total associado à alternativa em análise, B - Coeficiente de
benefício.
A quantificação do mérito duma solução face aos dois critérios (custo e benefício) pode ser feita
através da quantificação do custo ponderado pelos dois critérios:
Cbc = CT pcc + C r (1 − pcc )
(18)
sendo: Cbc - Custo sopesado pelos dois critérios, pcc - peso que o decisor atribui ao critério custo.
4 - DESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE DIMENSIONAMENTO OPTIMIZADO MULTI-CRITÉRIO
O conceito tradicional de dimensionamento optimizado duma conduta consiste na procura do
diâmetro que conduz à maximização da diferença entre os benefícios e o custo global dos
investimentos e encargos de exploração do sistema. Trata-se de um problema de optimização que
envolve uma função objectivo não-linear e restrições para os limites do diâmetro. O problema pode ser
formulado, de forma geral, através de:
Optimizar z = f(D)
sujeito a: Dmín ≤ D ≤ Dmáx
Vmín ≤ V ≤ Vmáx
(19)
⎛ p⎞
⎛ p⎞
⎛ p⎞
≤ ⎜⎜ ⎟⎟ ≤ ⎜⎜ ⎟⎟
⎜⎜ ⎟⎟
⎝ γ ⎠ mín ⎝ γ ⎠ x ⎝ γ ⎠máx
onde: f(D) é a função dos fluxos financeiros envolvidos ao longo do período de análise, D – Diâmetro;
Dmín e Dmáx os limites do valor do diâmetro impostos pelas restrições técnicas; V – Velocidade do
⎛ p⎞
⎛ p⎞ ⎛ p⎞
escoamento; Vmín e Vmáx os limites do valor da velocidade; ⎜⎜ ⎟⎟ ; ⎜⎜ ⎟⎟
a altura
e ⎜⎜ ⎟⎟
⎝ γ ⎠ x ⎝ γ ⎠ mín ⎝ γ ⎠ máx
piezométrica em cada ponto x do perfil longitudinal e respectivos limites.
Em geral, a função objectivo pode ser traduzir-se em:
Max Recon. ⇔ Max(RT − CT )
(20)
em que: Recon - Resultado económico; RT - Receita total; CT - Custo total.
No entanto, se todas as alternativas garantirem os mesmos proveitos então o objectivo será
minimizar o custo total. Incluindo na formulação do problema dois critérios então o objectivo será:
Min Cbc = CT pcc + C r (1 − pcc )
(21)
Fazendo variar o peso do critério custo, simulando diversas alternativas de escolha do decisor, e
correndo o programa de cálculo sucessivamente para cada um desses valores, ficamos com um
conjunto de resultados cuja representação gráfica permite visualizar a curva do diâmetro óptimo versus
critérios de decisão, vulgarmente designada por curva de Pareto.
Pretendendo usar uma ferramenta de optimização para encontrar o diâmetro comercial óptimo
então o problema tem de ser formulado de forma diferente. Pode introduzir-se um vector de variáveis
auxiliares do tipo binário [δ] que passarão a ser as variáveis de decisão, cuja soma deve ser igual a 1 e
que multiplicado pelo conjunto de diâmetros comerciais disponíveis [Φ] definirão o diâmetro:
D = [Φ ][δ]
(22)
Como restrição adicional introduz-se:
(23)
∑ δi = 1
A procura do diâmetro óptimo pode ser realizada usando um dos vários métodos numéricos
que podem ser encontrados em qualquer publicação dedicada aos métodos numéricos ou à
investigação operacional como FERNANDES (1998) ou NOCEDAL(1999). O método de optimização
não linear designado Gradiente Reduzido Generalizado, com derivadas calculadas numericamente,
tem-se revelado, na maioria dos casos, como uma ferramenta eficaz.
5 - APLICAÇÕES
Pretende fazer-se um estudo para o dimensionamento optimizado duma adutora elevatória
com o comprimento L=5000 m. Os elementos base usados são os seguintes: Tempo de funcionamento
médio dos grupos de electrobomba (GEB) no mês de maior utilização 20 h; Rendimento dos GEB na 1ª
fase η1=65 % e 2ª fase η2=70 %; Rugosidade de cálculo k = 0,2 mm; Viscosidade cinemática
ν=1,16x10-6 m²/s; O desnível geométrico (Hg) é de 100,0 m; Preço médio actual da energia 0,085
€/kWh; taxa de crescimento do preço da energia eléctrica β = 2%, valor do dinheiro r = 5%; taxa de
crescimento das utilizações em cada uma das duas fases α1=3%, α2=1,5%; Perda localizadas
avaliadas com ∑Ki,=20.
Os custos de construção da adutora são quantificados por:
CIA = (27,66+160,43D+361,74D²).L
(24)
CIA - Custo de investimento na adutora (€); D - Diâmetro (m).
Usando uma ferramenta de optimização que recorre ao conceito de gradiente reduzido
generalizado, o GRG2 desenvolvido por Leon Lasdon da Universidade do Texas e Allan Waren da
Universidade de Cleveland incorporado no Microsoft Excel® e formulando o problema conforme
descrito anteriormente determina-se o diâmetro óptimo considerando-o como uma variável contínua.
Nos quadros seguintes resumem-se os resultados do estudo técnico-económico e os cálculos
hidráulicos considerando distintos valores para o peso do critério custo. No primeiro exemplo não se
considera o critério benefício, ou seja o peso do critério custo é o máximo pcc = 1. No segundo
exemplo considera-se apenas o critério benefício, sendo este quantificado pela expressão 2 proposta,
ou seja a eq. (14). No terceiro exemplo determina-se o diâmetro de cálculo óptimo quando o decisor
atribui um peso ao critério custo de 0,8.
Quadro 1 - Exemplo de cálculo do diâmetro óptimo usando método do Gradiente Reduzido
minimizando custo (ou seja pcc = 1)
D (m)
vmáx (m/s) CIA (€/m)
CIA (€)
VACE (10³ €) CT (10³ €)
0,348
1,320
127,47
637,37
1299,44
1.936,81
Quadro 2 - Cálculos relativos ao diâmetro óptimo minimizando custo (ou seja pcc = 1)
Q
v
f
Hf
H
Pot
K
S
VACE
3
(m³/s) (m/s)
(mca) (mca)
(kW)
(10 €/kW)
(103 €)
1.ª fase 0,077 0,81 18,90E-3
9,66 109,66 127,31
0,29760 19,24
728,97
2.ª fase 0,100 1,05 18,56E-3 16,05 116,05 162,64
0,36628
9,58
570,47
Quadro 3 - Valor óptimo minimizando custo reduzido ou seja introduzindo o conceito de benefício
definido pelo modelo 2 (ou seja pcc = 0)
D (m)
vmáx (m/s) CIA (€/m)
CIA (€)
VACE (10³ €) CT (10³ €)
Cr (10³ €)
0,407
1,404
152,66
763,29
1222,56
1.985,85
1.209,48
Quadro 4 - Cálculos relativos ao diâmetro óptimo minimizando custo reduzido e benefício definido pelo
modelo 2 (ou seja pcc = 0)
Q
v
f
Hf
H
Pot
K
S
VACE
3
(m³/s) (m/s)
(mca) (mca)
(kW)
(10 €/kW)
(103 €)
4,48 104,48 121,29
0,29760 19,24
694,53
1.ª fase 0,077 0,59 18,71E-3
0,36628
9,58
528,03
7,42 107,42 150,54
2.ª fase 0,100 0,77 18,31E-3
Quadro 5 - Valor óptimo minimizando custo reduzido usando o conceito de benefício definido pelo
modelo 2 e também o critério custo com peso atribuído pelo decisor de 0,8, ou seja pcc = 0,8.
D (m)
vmáx (m/s) CIA (€/m)
CIA (€)
VACE (10³ €) CT (10³ €)
Cr (10³ €)
0,373
1,357
137,90
689,52
1257,82
1.947,34
1.808,30
Quadro 6 - Cálculos relativos ao diâmetro óptimo usando o conceito de benefício definido pelo modelo
2 e também o critério custo com peso atribuído pelo decisor de 0,8, ou seja pcc = 0,8
Q
v
f
Hf
H
Pot
K
S
VACE
3
(m³/s) (m/s)
(mca) (mca)
(kW)
(10 €/kW)
(103 €)
0,29760 19,24
710,33
6,86 106,86 124,05
1.ª fase 0,077 0,70 18,80E-3
0,36628
9,58
547,49
2.ª fase 0,100 0,91 18,43E-3 11,38 111,38 156,08
Trabalhando com diâmetros comerciais os resultados são função do modelo utilizado para
determinar o benefício. Nas figuras seguintes mostram-se os diâmetros comerciais óptimos versus
peso do critério custo quando o caudal de projecto é Qp = 0,1 m3/s e usando os modelos 2, 3 e 4 para
quantificar o benefício.
450
400
400
400
400
400
400
400
400
400
D (mm)
400
350
350
0,9
1,0
350
300
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
Preferência do decisor pelo critério custo
Figura 6 - Diâmetro comercial óptimo versus peso do critério custo para Qp = 0,1 m3/s quando o
benefício é determinado pelo modelo 2.
550
500
500
500
D (mm)
450
450
450
450
450
450
400
400
400
350
350
0,9
1,0
350
300
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
Preferência do decisor pelo critério custo
Figura 7 - Diâmetro comercial óptimo vs pcc para Qp = 0,1 m3/s e benefício determinado pelo modelo 3.
500
450
450
450
450
D (mm)
450
400
400
400
400
400
400
400
350
350
300
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
Preferência do decisor pelo critério custo
Figura 8 - Diâmetro comercial óptimo vs pcc para Qp = 0,1 m3/s e benefício determinado pelo modelo 4.
No quadro seguinte estão registados os resultados do procedimento de dimensionamento
versus peso do critério custo para alguns valores do caudal de projecto adoptando o modelo 3 para
quantificar o benefício.
Quadro 7 - Diâmetro óptimo para alguns caudais de projecto versus peso do critério custo
Q
Peso do critério custo
3
(m /s)
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
0,185 456,9 486,7 512,9 535,6 555,1 572,1 587,3 601,4 614,3 626,4 638,3
(…)
0,275 543,9 579,6 611,1 637,7 660,4 680,2 697,8 713,8 728,8 743,1 756,9
0,280 548,2 584,2 616,0 642,8 665,6 685,5 703,3 719,4 734,5 748,9 762,7
Na figura seguinte pode observar-se a curva que relaciona o diâmetro óptimo para o caudal de
projecto Qp=0,275 m3/s versus peso do critério custo.
800
756,9
743,1
750
728,8
713,8
697,8
680,2
Dopt (mm)
700
660,4
637,7
650
611,1
579,6
600
543,9
550
500
450
400
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
Peso critério custo
0,275
Figura 9 - Diâmetro óptimo versus peso do critério custo para Qp = 0,275 m3/s
No gráfico seguinte está representada a superfície que relaciona o diâmetro óptimo versus
caudal de projecto e peso do critério custo.
800
750
Dopt (mm)
700
650
600
550
500
450
1
0,280
0,270
0,260
0,250
0,5
0,240
0,230
Q (m3/s)
0,220
0,210
0,200
0
0,190
0,180
400
Peso
critério
custo
Figura 10 – Exemplo de superfície diâmetro óptimo versus caudal e peso do critério custo
Na figura seguinte encontra-se a superfície definida pelo diâmetro comercial óptimo versus
caudal de projecto e peso do critério custo.
0,7
0,65
0,6
Dc (m) 0,55
0,5
0,45
0,2
0,260
0,250
0,240
0,230
Q (m3/s)
0,220
0,6
0,210
0,200
0,190
0,180
0,4
Peso critério custo
1
Figura 11 – Exemplo de superfície diâmetro óptimo comercial versus caudal e peso do critério custo
6 - CONCLUSÕES
Neste trabalho apresentou-se uma proposta para que seja incluída nos procedimentos do
dimensionamento optimizado de sistemas de condução da água a preferência do decisor face a
alternativas que sob o ponto de vista técnico satisfazem.
A aplicação das técnicas de optimização ao dimensionamento e à gestão de sistemas de
condução da água tem-se deparado com algumas dificuldades. Muitas vezes, os engenheiros da
prática e outros decisores preferem soluções que lhe permitam margem de gestão para poderem
responder a solicitações de água não previstas. Tradicionalmente os modelos que empregam técnicas
de optimização preocupam-se com a minimização de custos, ao passo que os decisores têm como
preocupação a garantia da continuidade do serviço num ambiente de gestão com muitas incertezas.
Assim, muitas vezes quando deparados com alternativas preferem instalar um diâmetro com maior
capacidade de transporte, ou seja que lhes permita maior folga de gestão.
No procedimento proposto inclui-se o conceito de benefício pela disponibilidade da água e
inclui-se o juízo do decisor sobre este critério, ou o que o mesmo sobre o critério complementar que é o
custo.
Associou-se o conceito de eventual benefício adicional relativo a uma conduta à sua capacidade
máxima de transporte. O caudal máximo pode ser definido adoptando como critério a limitação da
velocidade ou recorrendo a estudos técnico-económicos. Apresentam-se modelos para quantificar o
benefício associado a cada conduta em função da relação entre o caudal máximo recomendável e o
caudal de projecto.
Propôs-se um procedimento para o dimensionamento optimizado onde o mérito de cada solução
é avaliado através de dois critérios: o custo e o benefício expectável.
Correndo sucessivamente o programa de cálculo usando consecutivos valores do peso do
critério custo e representando os resultados fica disponível uma curva que indica o diâmetro óptimo
versus peso dos critérios de decisão.
Com as propostas descritas nesta comunicação será possível o desenvolvimento e a aplicação
prática das ferramentas de optimização na procura das melhores soluções de dimensionamento e de
gestão dos sistemas de condução da água.
BIBLIOGRAFIA
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optimizado de sistemas Adutores elevatórios de Água”, 7.º Congresso da água, Lisboa, 2004;
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14. WALSKI, Thomas M.– “The wrong paradigm – Why water distribution optimization doesn’t work”,
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