Revista de Direito Ambiental e Socioambientalismo
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 11.07.2020
Aprovado em: 26.07.2020
O PAPEL DAS CIDADES COMO ATORES DA GOVERNANÇA AMBIENTAL
GLOBAL
Jorge Jurado*
Alcindo Gonçalves**
Resumo.
O artigo apresenta a ideia das cidades como novos atores da governança ambiental global
(GAG). O objetivo é o estudo e análise do papel das cidades na abordagem das questões
ambientais globais. O método de pesquisa foi o teórico-dedutivo, partindo do entendimento da
GAG, analisando a organização destas, assim como soluções locais aos problemas ambientais
de relevância global. Se revisaram instrumentos internacionais, bibliografia nacional e
estrangeira e planos de ação ambientais de cidades. Como conclusão se confirma o papel
destacado das cidades na temática ambiental e a existência de redes de política e
paradiplomacia para abordar questões ambientais.
Palavras-chave: Governança Ambiental Global; Cidades; Paradiplomacia; Direito Ambiental
Internacional; Mudanças Climáticas.
THE ROLE OF CITIES AS ACTORS OF GLOBAL ENVIRONMENTAL
GOVERNANCE
Abstract
Article presents idea that cities like new actors in global environmental governance (GEG).
The main objective is study and analysis of the role that cities play in addressing global
environmental issues. The research method was theoretical-deductive, because it began by
understanding the concept of GEG to later analyze the organization of cities and examples of
local solutions for environmental problems of global relevance. The research involved the
study of international instruments, national and foreign bibliography and action
environmental plans. Some research findings confirm the prominent role of cities in
environmental issues and the existence of policy networks addressing environmental issues.
Key words: Global Environmental Governance; Cities; Paradiplomacia; International
Environmental Law; Climate Change.
Introdução.
A governança tem sua origem em ações de entidades multilaterais como o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional ao final da década dos anos 1980 quando elas
*
Advogado Universidade Santo Tomás. Mestre Direito dos Recursos Naturais Universidade Externado da
Colômbia. Doutorando Direito Ambiental Internacional Universidade Católica de Santos. Bolsista Programa
Estudantes-Convênio de Pós-Graduação – PEC-PG, do CNPq – Brasil. jorgeluis_jurado@hotmail.com
**
Doutor em Ciência Política pela FFLCHUSP. Professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu (Mestrado e Doutorado) em Direito da Universidade Católica de Santos. alcindo@unisantos.br
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buscavam impor a “boa governança” como uma estratégia composta por princípios cuja
função era guiar seu trabalho e as interações com os países membros (GONÇALVES e
COSTA, 2011 p. 21-24).
Este conceito de governança estava baseado em uma visão liberal do mercado e
centrado no papel do Estado e sua forma de organização e desenvolvimento no espaço de
poder, especialmente na atuação dos órgãos nacionais frente aos regionais e mesmo locais,
que implicava uma desconcentração de responsabilidades, incumbência de recursos para o
fornecimento de serviços e infraestrutura, assim como a delegação de autoridade
administrativa através de diferentes funções (GONÇALVES e COSTA, 2011 p. 21-24.)
Posteriormente, conforme a Comissão sobre Governança Global (CGG), formada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) no início dos anos 1990, a concepção foi alterada e
governança passou a ser entendida como a soma de muitas maneiras pelas quais indivíduos e
instituições, públicos e privados, gerenciam seus assuntos comuns, com o qual esse processo
engloba uma ampla gama de atores além dos Estados (O’BRIEN et al, 2000 p. 2). Trata-se
assim de um processo contínuo que permite acomodar interesses conflitantes e realizar ações
cooperativas (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, 1996, p. 2)
Neste sentido, quando se fala de governança global, deve-se entender que esse conceito
abrange novos olhares que permitem incluir outros atores na tomada de decisões que
envolvem diferentes problemas comuns no cenário internacional, como acontece com as
ONG’s, governos subnacionais, empresas multinacionais, cidades e sociedade civil, entre
outros.
Desta forma, a governança global é um modelo de articulação e cooperação entre atores
sociais e políticos e os arranjos institucionais (SANTOS, 1997 apud REI e GRANZIERA,
2015 p. 149), cuja finalidade, como acima mencionado, é obter soluções para as diferentes
problemáticas que atingem a comunidade global em geral, desenvolvidas em ambiente de
consenso e não imposição.
Assim, um dos melhores exemplos de problemas globais comuns sobre os quais vale a
pena a estruturação de um sistema de governança é o relativo às questões ambientais, já que
da boa saúde do meio ambiente mundial dependem não só a subsistência dos países mas
também a sobrevivência das diferentes espécies de seres vivos, incluído o homem, sendo
especialmente relevantes em face das denominadas mudanças climáticas, cuja existência e
avanço fazem necessária a adoção de estratégias articuladas para seu combate e adaptação.
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Nesse contexto, as cidades começam a desenvolver maior e importante participação nas
discussões ambientais globais, já que hoje sua dinâmica de crescimento e expansão implica
em crescente consumo de energia em meios de transporte baseados em combustíveis de
origem fóssil1 e consequente geração de grande parte dos gases de efeito estufa (GEE)
mundiais2, que contribuem na intensificação de fenômenos naturais, que sem dúvida alguma
impactarão negativamente no espaço urbano e na qualidade de vida e saúde dos cidadãos.
A importância atual das cidades é tão grande, que Beck (2016, p. 206) manifesta que,
apesar destas continuar como atores secundários no quadro nacional e internacional, em razão
do que ele denomina a metamorfose do mundo3 a relação entre os Estados e as cidades
inverte-se, apontando que, por meio dos riscos globais ambientais, elas podem estar mais
abertas a políticas cosmopolitas de cooperação.
Essa colocação corresponde diretamente aos objetivos da governança global, fazendo
que as atividades desenvolvidas pelas cidades para combater as mudanças climáticas possam
ser o ponto de inflexão para que se possa começar a obter melhores resultados que os
alcançados até agora sob o tradicional quadro de relações internacionais dos Estados
nacionais.
Por isso, o mesmo autor acima citado estabelece que, devido ao fracasso das
tradicionais conferências internacionais, a fim de encontrar respostas para as alterações
climáticas, é necessário não só olhar paras as Nações Unidas, senão também para as Cidades
Unidas (2016, p. 63), deixando vislumbrar que as problemáticas globais, neste caso
ambientais, podem ser atingidas de melhor forma por meio das ações locais das cidades.
Pelas razões expostas, o objetivo principal do presente artigo é estudar e analisar o papel
que na atualidade desempenham as cidades ao abordar as questões ambientais globais. Nesse
sentido, são revisadas as diferentes formas de organização pelas quais este novo ator consegue
1
Sobre a contribuição das cidades na emissão de GEE, Satterthwaite (2008 p. 542) aponta que, embora elas
tenham alguma responsabilidade, é importante não confundir a percentagem de emissores de CO2 com a
totalidade de emissores de GEE, já que 75 ou 80% de participação na produção de dióxido de carbono
corresponderiam só a um 30 ou 40% das emissões totais de GEE no mundo.
2
Segundo dados da ONU, as cidades são responsáveis pelo 75% das emissões dióxido de carbono (CO 2) no
mundo.
Cfr.
ONU
AMBIENTE.
Cities
and
climate
change.
Disponível
em:
https://www.unenvironment.org/explore-topics/resource-efficiency/what-we-do/cities/cities-and-climatechange> Acesso em: 20 mai. 2019.
3
Quando Beck (2016, p. 15) explica a diferença entre os conceitos de mudança, evolução, revolução e
transformação de uma parte, do que ele denomina metamorfose, aponta o seguinte: “A metamorfose implica uma
transformação muito mais radical, na qual as velhas certezas da sociedade moderna desaparecem, e algo novo
emerge. Para compreender esta metamorfose do mundo, é necessário explorar os novos começos, concentrarmonos naquilo que está a emergir a partir do antigo e tentar perceber estruturas e normas futuras na convulsão do
presente.”
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expor suas posições no cenário internacional e algumas das respostas que as mesmas estão
fornecendo para atingir essas problemáticas ambientais.
O método de pesquisa para a elaboração do artigo foi o teórico-dedutivo, e seu
desenvolvimento começou pelo entendimento do conceito de governança ambiental global,
aspecto que será objeto de abordagem no primeiro item do artigo, para, posteriormente, serem
analisadas as formas de organização das cidades no contexto internacional, sua ampla
participação nas discussões mundiais relacionadas com o meio ambiente, assim como
exemplos de soluções locais aos problemas ambientais cujo impacto é de relevância global,
tópicos que vão ser desenvolvidos nos itens segundo e terceiro, respectivamente.
Nesse sentido, a pesquisa implicou revisar diferentes instrumentos internacionais de
relevância em matéria ambiental, assim como seu processo de elaboração, e realizar uma
análise crítica de bibliografia de doutrinadores nacionais e estrangeiros, como de informações
contidas em sítios web sobre a matéria que puderem fornecer maiores dados de importância
para o encaminhamento do artigo.
1.
Governança ambiental global.
As questões ambientais, tendo em vista sua natureza e ligação direta com a totalidade de
nações e Estados do mundo, criam um cenário de interdependência entre os principais sujeitos
do direito internacional (Estados e organizações internacionais), razão pela elas constituem
bom exemplo no qual vale a pena construir um sistema de governança global nos moldes
estabelecidos pela CGG, muito mais abrangente e com participação de novos atores em
procura das soluções comuns para os desafios que representem o equilíbrio ambiental do
planeta.
A mesma CGG, em seu relatório do ano 1995, identifica a existência de uma mudança
ambiental produto do crescimento demográfico e a expansão da atividade econômica, motivo
pelo qual sua gestão com vistas a proteger os interesses das gerações futuras é reconhecida
como uma questão de suprema importância (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA
GLOBAL, 1996, p. 21-23).
Nesse sentido, a CGG menciona o impacto que as pessoas exercem sobre os recursos
vitais do planeta, os quais ameaçam tornar a Terra menos habitável e a vida mais perigosa,
sendo possível acumulá-los em: a) solos que perdem a fertilidade ou são destruídos pela
erosão; b) pastagens com excesso de rebanhos; c) desertificação; d) redução de pesqueiros; e)
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espécies em extinção; f) desmatamento; g) poluição do ar e da água; h) as mudanças
climáticas e i) o esgotamento da camada de ozônio (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA
GLOBAL, 1996, p. 21-23).
Desta forma, em resposta às problemáticas ambientais globais identificadas, a procura
de soluções requeria necessariamente uma abordagem igualmente global que envolvesse
visões diferentes além das originadas pelos Estados e pelas organizações internacionais, de
forma a desenvolver o conceito da governança global em matéria ambiental, denominada
Governança Ambiental Global (GAG).
Segundo Speth (2005, p. 19-24), uma consequência derivada das preocupações
internacionais em relação ao meio ambiente foi a profusão de conferências, negociações,
planos de ação, tratados e outras iniciativas de caráter internacional, cujo desenvolvimento
esteve baseado em vasta produção de pesquisas cientificas e de análises políticas
De outra parte, o mesmo autor identifica, como um dos origens da GAG, a legitimação
nos Estados Unidos das preocupações ambientais, as quais, embora mais restritas aos aspectos
domésticos, permitiram que as questões ambientais ganhassem força tanto em nível local
como em escala global com o surgimento de inúmeros trabalhos científicos relacionados com
o impacto das atividades humanas no meio ambiente (SPETH, 2005, p. 19-24).
Na década do anos 1970 começou a se formar, no cenário internacional, a arquitetura da
institucionalidade ambiental, já que, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente de 1972, se constituiu o Programa das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente (PNUMA), o qual, embora para alguns autores precise hoje de revisão e
reestruturação, é considerado como a âncora internacional do meio ambiente (IVANOVA,
2009), colocação que é compartilhada pela sua importância no desenvolvimento da função de
coordenação das políticas ambientais globais e portanto protagonista da atual GAG.
A criação do PNUMA não é suficiente para que se possa relacioná-la com a
governança, já que a maioria dos elementos constituintes desta faltariam, mas seu nascimento
e evolução sem dúvida permitiram uma melhor formação e materialização do conceito.
Por exemplo, a sustentação técnica, que já contava com antecedentes como o Clube de
Roma4, após estruturação do PNUMA teve reforço importante na sua consolidação, como são
4
Até 1969, o Clube foi deliberadamente administrado como uma “não-organização”, um grupo informal de
indivíduos que se reuniam frequentemente para entender melhor os problemas globais. No entanto, à medida que
seu número se expandiu, tornou-se necessário criar uma estrutura legal que deu como resultado a realização em
1970 da primeira reunião oficial do Clube de Roma na qual se criou uma comissão de pesquisadores cujo
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o chamado relatório Brundtland estruturado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento em 1987 e a posterior constituição em 1988 do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC)5.
Talvez uma das mais importantes diferenças entre o trabalho desenvolvido pelo Clube
de Roma e a Comissão Brundtland, que pode ser entendida como um primeiro passo na
vinculação de novos atores na GAG, foi a metodologia usada.
Enquanto o Clube de Roma partiu, para a elaboração do relatório “Os Limites do
Crescimento”, de um método matemático, científico, formal e escrito misturando as
informações já produzidas e novas ferramentas de processamento de dados como o
computador (MEADOWS et al, 1972, p. 21-24), a Comissão fez um trabalho fora dos
escritórios tentando um confronto entre os dados técnicos e a realidade das regiões,
especialmente em desenvolvimento (ONU, 1987, p. 10-15).
Esta diferença permitiu abordagem diferenciada e mais próxima da sociedade civil e de
atores como as cidades e os governos subnacionais, sem que isso signifique em forma alguma
um desconhecimento pelo trabalho técnico desenvolvido com antecedência pelo Clube de
Roma.
Observe-se como a estrutura “burocrática” representada pelo PNUMA começa ser
acompanhada por outros atores que em conjunto fazem parte do que hoje se conhece como
GAG. Trata-se assim de incluir cientistas cujas pesquisas e abordagens em matéria ambiental
conformam a base teórica e conceitual das políticas ambientais elaboradas no cenário
internacional no quadro da Organização das Nações Unidas (ONU).
Anos depois teve lugar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, da qual surgiram além de textos de
convenções multilaterais como a Convenção de Diversidade Biológica e Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, um plano de ação global denominado Agenda
216, documento soft law de importância maiúscula na GAG, já que sua natureza de direito
objetivo era elaborar o primeiro relatório. Cfr. THE CLUB OF ROME. About us. Disponível em:
<https://www.clubofrome.org/about-us/history/> Acesso em: 10 jun. 2019.
5
“O objetivo do IPCC é fornecer aos governos, em todos os níveis, informações científicas que possam ser
usadas para desenvolver políticas climáticas. Os relatórios do IPCC também são um insumo fundamental para as
negociações internacionais sobre mudanças climáticas.” Cfr. IPCC. About the IPCC. Disponível em:
<https://www.ipcc.ch/about/> Acesso em: 10 jun. 2019.
6
“A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades
sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e
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flexível não obrigatório7, mas capaz de influenciar a vontade e ações dos Estados, deixa ver
um novo paradigma na forma de abordar as questões ambientais, baseado em planos de longo
prazo e metas flexíveis mas monitoráveis pelos Estados e demais atores da GAG.
Em relação à questão da soft law, Beyerlin e Marauhn (2011, p. 289-291), em estudo
sobre a soft law ambiental internacional, manifestam que, embora sua origem seja não-legal,
ela compartilha com as normas denominadas hard law sua qualidade normativa, entendida
como a capacidade de direcionar direta ou indiretamente a conduta do seus destinatários,
sendo esta um requisito da norma soft law para se diferenciar dos ideais políticos ou morais.
Neste sentido, é claro que normas deste tipo fazem parte da GAG, já que são planos de
ação que procuram soluções aos problemas ambientais, estabelecendo metas e calendários
verificáveis pelos atores internacionais, sem que dessa verificação seja possível esperar a
imposição de sanções, porque o foco da GAG fica mais próximo do princípio de cooperação,
a participação ampliada de atores e do consenso (REI e GRANZIERA, 2015, p. 155) que das
atividades sancionatórias para obter os resultados planejados.
Essa participação ampliada de atores, que é caraterística própria da GAG, teve
protagonismo importante na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável de 2012 (RIO+20), na qual se criaram espaços de diálogo para a sociedade civil,
como foram os “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável” e a “Cúpula dos Povos”,
assim como para as cidades como ator da GAG através do encontro da rede internacional C40 “Cities Climate Leadership Group” (LORENZETTI e CARRION, 2012, p. 726-727).
Em 2015, dois fatos reforçaram o conceito de GAG. Em primeiro lugar, houve a
aprovação da Agenda 2030, plano de ação de longo prazo discutido e negociado durante anos,
no qual os países que aderiram propõem dezessete objetivos, com a finalidade de que o
desenvolvimento a escala global esteja baseado em uma relação equilibrada entre as
dimensões econômica, social e ambiental para que o mesmo seja sustentável (ONU, 2015),
motivo pelo qual estas metas foram chamadas como Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS).
Embora seja possível afirmar que todos os ODS estão relacionados com questões
ambientais, alguns deles destacam-se por ter uma relação mais direta com as mesmas, como
eficiência econômica” Cfr. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE DO BRASIL. Agenda 21. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21>Acesso em: 10 jun. 2019.
7
As agendas e planos de ação são classificados por Nasser (2006. p. 117-140) como um exemplo de
“Instrumentos Concertados Não Obrigatórios Criados Pelos Estados”, os quais, embora concertados, não são
tratados e em princípio não criam obrigações jurídicas.
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os seguintes: a) ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável; b) ODS 6: Água potável e
saneamento; c) ODS 7: Energia limpa e acessível; d) ODS 11: Cidades e comunidades
sustentáveis; e) ODS 12: Consumo e produção responsável; f) ODS 13: Ação contra a
mudança global do clima; g) ODS 14: Vida na água; h) ODS 15: Vida terrestre (ONU, 2015).
Neste ponto, vale a pena indicar que a elaboração de agendas como estratégia de
abordagem dos problemas ambientais globais na procura de soluções comuns é a base
estrutural da GAG, já que, por tratar-se de cronogramas de atuação dos Estados com ações de
longo prazo, permitem superar algumas dificuldades derivadas das tradicionais respostas
geradas desde o Direito Internacional do Meio Ambiente, no qual, segundo Rei (2018, p. 137138), os interesses dos Estados em razão do horizonte de curto prazo e a natureza políticoeconômica impediam reações de forma adequada.
O segundo fato que aconteceu em 2015 foi a assinatura do Acordo de Paris8. Como
apontam Rei, Gonçalves e Souza (2017, p. 93), houve importante inovação para estabelecer as
metas de redução das emissões de GEE, deixando do lado a lógica do Protocolo de Quioto9 e
avançando na configuração de compromissos de redução autoassumidos voluntariamente
pelas partes que, se descumpridos, poderiam ser cobrados pelos demais envolvidos, não
apenas com sanções, mas com a possibilidade de ações e intervenções, seguindo uma
estratégia de bottom-up.
Em suma, para Gonçalves e Costa (2011 p. 89-90) a construção da GAG visa
fundamentalmente permitir que a cooperação e consenso sejam alcançados na negociação
para resolver os diferentes problemas ambientais e propõem um roteiro para a obtenção de
níveis satisfatórios, o qual inclui: a) a percepção dos problemas ambientais; b) um diagnóstico
e estudos técnico-científicos que permitam o planejamento de soluções; c) o envolvimento de
8
Trata-se de um acordo multilateral assinado pelas partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança do Clima durante a reunião 21 da conferência das partes realizada em 2012. Com o acordo os
diferentes países reforçaram a resposta mundial frente às mudanças climáticas, estabelecendo como meta basilar
de longo prazo, manter o aumento da temperatura mundial sob os dois graus centrígrados, assim como alcançar
um ponto máximo de emissões de GEE, aumentar a conservação dos sumidouros de GEE e a capacidade de
adaptação e mitigação às mudanças climáticas e a possibilidade das partes para fazer contribuições voluntarias
na mitigação das emissões de GEE. Cfr. UNFCCC. ¿Qué es el Acuerdo de París? Disponível em:
<https://unfccc.int/es/process-and-meetings/the-paris-agreement/que-es-el-acuerdo-de-paris> Acesso em: 18 set.
2019.
9
Protocolo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima assinado em 1997 com a
finalidade de estabelecer o compromisso dos países desenvolvidos de reduzir o total das emissões de GEE
tomando como base pelo menos um 5% dos níveis de emissões de 1990, meta que deveria ser atingida para o
período compreendido entre os anos 2008 até 2012 (artigo 3). O protocolo igualmente estabelecia a possibilidade
dos países sem obrigações de redução de emissões de adiantar ações com essa finalidade, tão como acontece
com os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) (artigo 12). (ONU, 1998).
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múltiplos atores no processo de discussão e formulação de soluções; e) a articulação dos
diferentes interesses e construção de mecanismos de cooperação entre os Estados nacionais e
a sociedade civil.
A GAG não é, porém, um processo acabado. Ao contrário, está em constante evolução e
é objeto de profundas discussões quanto a seu futuro, tanto que autores como Esty e Ivanova
(2005, p. 258-265) destacam pelo menos quatro alternativas básicas em face da GAG:
a) Não fazer nada, a qual teria sentido sempre que os custos de uma ação de governança
fossem maiores que os benefícios previstos;
b) Aprimorar o status quo, que significa revitalizar o sistema existente e centralizá-lo no
PNUMA, deixando ver as prováveis dificuldades de uma mudança mais ampla;
c) Criar uma nova organização global do meio ambiente, pensada sob a conclusão de
que a arquitetura ambiental em escala planetária que hoje existe é pouco prática;
d) Desenvolver um mecanismo global do meio ambiente, baseado na criação de uma
estrutura capaz de realizar funções necessárias em nível planetário a qual deve ser levantada
desde o conhecimento especializado e as relações entre os governos, o setor privado, as
ONG’s e as redes globais de política pública.
2.
As cidades como novos atores da governança ambiental global.
Como afirmado no item anterior, um sistema de governança global implica a
participação no processo internacional de tomada de decisões de novos atores além dos
tradicionais Estados nacionais e das organizações internacionais, motivo pelo qual
apareceram as cidades e seus governos nas diferentes discussões relativas às problemáticas
globais.
Para Barbi (2015, p. 79), a importância das cidades e seus governos locais em matéria
de sustentabilidade global remonta ao Relatório Brundtland de 1987 e tem maior ênfase na
Conferência do Rio de 1992 quando se utilizou o mote “pensar globalmente, agir localmente”.
A mesma autora relata como Jeb Brugmann, que atuava como secretário geral da rede
conhecida como ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), ajudou para que essa
perspectiva fosse incluída e além disso para que fosse criado o capítulo 28 da Agenda 21
(Bulkeley & Betsill, 2003 apud BARBI, 2015, p. 79).
O mencionado capítulo 28 leva por título “Iniciativas das Autoridades Locais em Apoio
à Agenda 21” e estabelece com clareza que a participação dessas autoridades são um fator
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importante no cumprimento dos objetivo da Agenda 21 porquanto elas estão encarregadas da
criação, funcionamento e manutenção da infraestrutura econômica, social e ecológica, além
de supervisionar o planejamento através de políticas e regulamentações ecológicas locais que
contribuem na execução das políticas ambientais nacionais e subnacionais (ONU, 1992).
Pode-se observar que esse novo olhar incluído na Agenda 21 transformou de algum
modo a forma de entender as atividades de governança, permitindo a participação daqueles
atores que têm maior possibilidade de adiantar as diferentes atividades de planejamento do
território e consequente implantação de políticas ambientais efetivas e benéficas não só para
as pessoas que moram nos perímetros locais senão para os diferentes conglomerados sociais
presentes em cenários regionais, nacionais e globais.
Nesse sentido, Schmidt e Guerra (2010, p. 110) reconhecem na Agenda 21 uma
caraterística de transversalidade em termos setoriais como de participantes, sendo essa sua
marca mais próxima do que geralmente é denominado como governança “glocal”, ou seja,
aquela processada num contexto de negociação que ultrapassa aos representantes dos EstadosNação.
Em face das mudanças climáticas, autoras como Macedo e Setzer (2015, p. 75-85)
identificam igualmente crescente protagonismo das cidades na arena internacional de políticas
e medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, consequência do aumento da
população que mora nas áreas urbanas, com importante participação destas na produção de
GEE e dos impactos negativos que as populações agrupadas nestas áreas sofrerão com o
passar do tempo.
Nessa perspectiva, o conteúdo da Agenda 2030, citada acima, com certeza exemplifica
a importância das cidades na GAG, porquanto dedica dois ODS, os números 11 e 13, às
diferentes atividades que a partir das cidades devem-se realizar para tornar os espaços urbanos
lugares inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, assim como cenários de implementação
positiva de medidas de mitigação e adaptação aos desafios que representam as mudanças
climáticas na atualidade (ONU, 2015 p. 30).
Essa ligação entre os ODS acima mencionados resulta além de evidente muito
interessante, porque deixa ver como o bom sucesso de um deles depende diretamente do bom
desenvolvimento do outro. Veja-se, por exemplo, como a meta “b” do ODS11 procura
aumentar substancialmente até 2030 o número de cidades com planejamento e implementação
de políticas frente às mudanças climáticas (ONU, 2015 p. 30) e por sua parte a meta “b” do
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O PAPEL DAS CIDADES COMO ATORES DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
ODS13 menciona expressamente a promoção de mecanismos para criar capacidades para o
planejamento relacionado com as mudanças climáticas com um foco especial, entre outras
coisas, nas comunidades locais (ONU, 2015 p. 32).
Em conformidade, Martins e Ferreira (2011, p. 622-623) acreditam que as cidades e os
governos locais são fundamentais na hora de considerar e planejar as ações de adaptação e
mitigação às mudanças climáticas, porque consideram que as mesmas podem lidar de forma
mais eficiente com a infraestrutura urbana e serviços públicos essenciais para o bem-estar das
pessoas, assim como para regular e controlar as ações dos indivíduos e as empresas no nível
local (SATTERTHWAITE, et al, 2007 apud MARTINS e FERREIRA, 2011, p. 622-623).
Constata-se que as cidades e os governos locais têm papel importante e principal no
interior da denominada GAG, sendo que seu desenvolvimento depende em grande parte dos
bons resultados no cumprimento dos diferentes objetivos ambientais das diferentes agendas
sobre a matéria, situação que permite afirmar que, hoje em dia, esse sistema de governança
global apresenta desafios de natureza multinível que devem ser atingidos de forma integral e
especialmente seguindo o desenvolvimento do que a doutrina reconhece como estratégia
bottom-up, na qual estes novos atores da GAG são fundamentais.
Apesar da importância atual das cidades e os governos locais na GAG, deve-se entender
que isso não significa que, antes dos antecedentes acima estudados, esses atores não existiam.
Sua participação era, porém, limitada, principalmente pelo papel que desenvolviam os
Estados nacionais e as organizações internacionais, e com certeza porque não contavam eles
com uma adequada organização que lhes permitisse uma maior visibilidade na hora de
participar das discussões globais sobre o meio ambiente, situação que começou mudar a finais
da década de 1980, tal como será estudado no seguinte subitem.
2.1.
Organização das cidades para a atuação internacional.
Um dos principais problemas identificados no tradicional sistema de relações
internacionais é sua falta de efetividade em razão da burocracia e hierarquização que o mesmo
apresenta, circunstâncias que implicam muitas vezes na resposta tardia dos sujeitos do direito
internacional aos problemas globais, que necessitam, na maioria de casos, de respostas
rápidas e eficazes, tal como acontece com a temática ambiental.
Efetivamente, alguns autores identificam, como problema da governança tradicional, a
falta de conhecimento e flexibilidade para atender em devida forma aqueles desafios
complexos e cambiantes que representam hoje em dia as problemáticas globais, motivo pelo
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qual observam o surgimento das redes globais como alternativa ao sistema de governança
global (STRECK, 2005 p. 140-142) ou como componente da mesma para a superação das
brechas existentes entre necessidades e resultados nos sistemas de governança, incluída a
GAG (SETTE, 2010 p. 52).
Dessa forma, as redes podem ser entendidas como um novo arranjo organizacional e
modelo de gestão de políticas ou de governança que envolve tanto o nível global como o local
(SETTE, 2010 p. 56), formadas geralmente em torno de questões internacionais e
minimizando as hierarquias em razão da participação de vários setores, possibilitando assim
maiores recursos e as sinergias e respostas mais eficientes (STRECK, 2005 p. 140-142).
Consoante com o anterior e tendo verificado que as problemáticas ambientais, tanto
desde o ponto de vista negativo como desde o olhar da implantação de medidas de mitigação
e adaptação aos desafios das mesmas, estão ligadas fortemente às atividades de planejamento
e gestão das cidades, não resulta estranho afirmar que esse cenário é apropriado para a
conformação de redes de cidades focadas nos temas ambientais.
Bem coloca Beck (2016, p. 63) que, devido à decadência do Estado-nação, as cidades
chegaram para se tornar agentes importantes na tomada de decisões coletivamente
vinculativas, porque são nestas que as alterações climáticas produzem efeitos visíveis e
portanto impulsionam inovação, cooperação e concorrência que ultrapassam as fronteiras. Por
isso, o mesmo autor indica que as cidades podem ser hoje juridicamente redefinidas como
agentes transnacionais e vozes organizadas da politica internacional.
Essa colocação de Beck é tão certa que na atualidade é possível falar em termos de
paradiplomacia para se referir à organização e atuação internacional de governos diferentes
aos nacionais, como seriam os regionais, subnacionais e com certeza os locais, produto da
própria necessidade de representação e resolução dinâmica de controvérsias (KOTZIAS e
SILVEIRA, 2015 p. 18).
Portanto, a paradiplomacia pode ser entendida como uma visão moderna das relações
internacionais que abrange e permite a participação de atores diferentes aos tradicionais
sujeitos do direito internacional (Estados-nação e organizações internacionais), motivo pelo
qual atores como Brigagão (2005, p. 40 apud KOTZIAS e SILVEIRA, 2015 p. 18) a definem
como um fenômeno presente nos diferentes países, sendo ou não Estados federais, que se
caracteriza com a possibilidade de que Estados-membros, províncias, regiões e cidades
adiantem sua própria política externa sem auxílio do governo central.
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O PAPEL DAS CIDADES COMO ATORES DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
Conforme exposto e focando o estudo nas formas de organização das cidades, Barbi
(2015, p. 85-87) destaca a existência de pelo menos oito diferentes redes transnacionais de
cidades focadas em atingir diferentes objetivos ambientais, que agrupam ao redor de 1.600
cidades em quase 140 países. As redes referidas pela autora são: a) Asian Cities Climate
Change Resilience Network (ACCRN); b) C40 Climate Leadership Group; c) Climate
Alliance; d) Energy Cities; e) ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade; f) Metropolis;
g) United Cities and Local Governments (UCLG); h) World Mayors Council on Climate
Change (WMCCC) (BARBI, 2015 p. 85-87).
O ICLEI, por exemplo, é uma rede global de mais de 1.750 governos locais e regionais
cuja origem está no redor de 100 diferentes países, sendo seu objetivo principal a implantação
local de políticas de desenvolvimento sustentável de baixa emissão de GEE, fazendo desta
forma que a sustentabilidade seja parte integral do desenvolvimento sustentável10 (ICLEI,
2019).
Já o C40 Cities é uma rede de grandes cidades do mundo comprometidas em lidar com
as mudanças climáticas através de ações de cooperação e compartilhamento de conhecimento.
Agrupa 94 megacidades que representam ao redor de 700 milhões de cidadãos e um quarto da
economia global11.
Neste ponto vale a pena perguntar-se qual seria o beneficio, impacto ou efetividade para
o meio ambiente derivado da participação das cidades deste tipo de redes. Pois bem, no caso
de São Paulo está documentado que sua participação neste tipo de redes permitiu a promoção
da agenda climática da cidade, a promulgação de sua política de mudança climática em 2009
e seu posicionamento como cidade líder em matéria ambiental (SETZER, 2009, 2013 apud
MACEDO e SETZER2015, p. 75-85).
Existem ainda outras redes transnacionais de cidades com objetivos ambientais, porém
estão limitadas a determinados perímetros geográfico da Terra. Elas, contudo, também
representam avanços importantes em matéria de atuação das cidades no cenário internacional
e especificamente na GAG.
Exemplo do anterior é o “Plano de Autarcas para o Clima e Energia” lançado em 2018
na Europa com a finalidade de reunir os governos locais que voluntariamente estivessem
comprometidos em alcançar as metas e objetivos climáticos da União Europeia (UE), sendo
10
Cfr. ICLEI. ICLEI – Local Governments for Sustainability. 2019. Disponível em:
<https://www.iclei.org/en/About_ICLEI_2.html> Acesso em: 15 jun. 2019.
11
Cfr. C40 CITIES. About C40. 2019. Disponível em: <https://www.c40.org/about> Acesso em: 15 jun. 2019.
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assim uma iniciativa bottom-up que hoje, segundo informações oficiais, agrupa quase 10.000
municípios e regiões de 57 diferentes países, alcançando assim um impacto sobre cerca de
326,7 milhões de cidadãos12.
A iniciativa anterior foi pensada no quadro da UE, mas em 2016 ocorreu uma aliança
com “The Compact of Mayors”, da qual nasceu “O Pacto de Autarcas Global para o Clima e
Energia”, sendo ele um dos maiores movimentos de governos locais comprometidos em
superar os seus objetivos nacionais para o clima e energia através da abordagem da mitigação
e adaptação às mudanças climáticas e o acesso universal a energia segura, limpa e de preço
acessível13.
Do mesmo modo, na América Latina e Caribe, uma rede de cidades tem como objetivo
alcançar um desenvolvimento sustentável por meio da socialização do conhecimento, lições
aprendidas e boas práticas, servindo de cenário de encontro entre os setores público e privado,
além da sociedade civil e academia. Chamada “Rede de Cidades BID”, nasceu como
iniciativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e hoje agrupa ao redor de 160
cidades14.
Como observado, as cidades hoje em dia estão conscientes do seu importante papel em
matéria ambiental e organizadas e comprometidas em adiantar diversas atividades com a
finalidade de cumprir com os diferentes objetivos e metas ambientais inclusive ultrapassando
os mesmos. Elas fazem uso das redes de cidades e conseguem colocar suas prioridades nos
debates internacionais sobre o meio ambiente.
Assim, essa estratégia de participação e cooperação das cidades é inovadora no interior
da GAG, porque deixa ver como as iniciativas de ação ambiental iniciadas desde as
localidades, ou seja, desde os territórios onde existem mais proximidades com as pessoas e
onde os governos locais têm maiores e melhores formas de direcionar as diferentes condutas
que contribuem de forma negativa nos dados estatísticos ambientais, podem ser muito mais
proveitosas e eficientes, já que são implementadas no lugar certo onde mais afetações
ambientais podem-se apresentar.
12
Cfr. PACTO DE AUTARCAS. Iniciativa do Pacto. Disponível em: <https://www.pactodeautarcas.eu/aboutpt/cov-initative-pt/origin-dev-pt.html> Acesso em: 16 jun. 2019.
13
Cfr. GLOBAL COVENANT OF MAYORS FOR CLIMATE & ENERGY. The history of the merger and the
founding partners. 2019. Disponível em: <https://www.globalcovenantofmayors.org/about/> Acesso em: 16 jun.
2019.
14
Cfr. BID. Red de Ciudades BID. 2019. Disponível em:
<https://www.iadb.org/es/desarrollo-urbano-yvivienda/red-de-ciudades-bid> Acesso em: 16 jun. 2019.
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O PAPEL DAS CIDADES COMO ATORES DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
Enfim, as cidades jogam na atualidade um papel vital na GAG, motivo pelo qual suas
atividades merecem estudo e monitoramento constante por parte dos outros atores, a fim de
garantir bons níveis de cumprimento dos objetivos ambientais e portanto conseguir a melhoria
na qualidade de vida das pessoas e nos indicadores ambientais globais. Isso decorre
diretamente da grande participação que têm as cidades em relação aos diferentes fenômenos
climáticos atuais.
3.
Ações locais das cidades como resposta às questões ambientais globais.
Estudado o papel das cidades como atores da GAG e a forma pela qual elas se
organizam para atuar nas discussões internacionais sobre o meio ambiente, resulta
interessante analisar alguns exemplos de iniciativas locais adiantadas por algumas cidades
que, sem dúvida, podem ser reconhecidas como ações “glocais”, devido a seu impacto na
melhoria do meio ambiente global, em razão da já mencionada interdependência existente
entre os sistemas ambientais das cidades e o sistema ambiental global.
Assim, houve algumas medidas tomadas por parte de cidades em face das mudanças
climáticas por meio das quais se desenvolvem diferentes mecanismos e constroem acordos
cooperativos para lidar com as consequências derivadas desse fenômeno natural.
Um exemplo disso é o Plano de Ação Climática (PAC), construído de forma conjunta
entre as cidades de Oakland Park e Wilton Manors no estado da Flórida, nos Estados Unidos.
Aprovado em 2019, tem como principais objetivos mitigar os efeitos da mudança climática,
reduzindo as emissões de GEE em 1% a cada ano até 2028 e aumentar a resiliência das
comunidades, minimizando os impactos na eficiência e nas operações comerciais de baixo
custo (Oakland Park e Wilton Manors, 2019).
O PAC está composto por sete diferentes objetivos, cada um com suas próprias metas,
algumas das quais se destacam na seguinte tabela:
Tema
Objetivo
Metas e/ou medidas
Comunidades
Adaptar-se aos impactos das
- Incorporar o aumento do nível do mar nos planos
sustentáveis
alterações climáticas e reduzir
urbanos.
e transporte
as
- Incluir projeções do nível do mar nos mapas das cidades.
emissões
de
GEE,
reformulando onde e
- Incorporar estratégias de redução de risco no
como construir e mover de um
planejamento
lugar para outro.
- Adotar padrões de construção ecológicos.
- Preservar recursos históricos e arqueológicos.
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- Obter um desenvolvimento baseado no planejamento do
transporte.
- Projetar sistemas de transporte sustentável e equitativos.
- Utilizar as propriedades não utilizadas ou subutilizadas.
- Promover o plantio e manutenção de árvores.
- Eliminar os sistemas sépticos.
- Aumentar o uso de transporte multimodal e promover
instalações para bicicletas e pedestres.
Água, esgoto
Avançar
nas estratégias
de
- Promover a gestão inovadora da água.
e
gestão da água e melhorias de
- Garantir consistência no planejamento dos recursos
tempestades.
infraestrutura necessárias, em
hídricos.
paralelo com
- Planejar o futuro abastecimento de água.
esforços de conservação da
- Modernizar os padrões da água.
água existente, para mitigar os
- Criar sistemas resilientes de controle de inundações.
potenciais impactos adversos
- Integrar os impactos das águas superficiais e subterrâneas
das alterações climáticas e do
planejamento.
aumento do nível do mar.
- Melhorar as práticas de gerenciamento de águas pluviais.
- Incentivar a infraestrutura verde.
- Melhorar as práticas de gestão de águas pluviais.
- Incentivar o financiamento de projetos de gestão de água
baseados na adaptação as mudanças climáticas.
- Apoiar a expansão do armazenamento da água de
superfície.
Sistemas
Implementar
naturais.
monitoramento,
conservação
programas
de
manejo
e
projetados
para
- Promover a conscientização pública.
- Avaliar impactos de espécies invasoras.
- Procurar financiamento de ciência climática do governo.
proteger os sistemas naturais e
os serviços que prestam à
sociedade.
Energia
e
combustível.
Reduzir
o
consumo
de
- Promover políticas e tecnologia de energias renováveis.
eletricidade e combustível e
- Avançar na eficiência e conservação de energia.
aumentar
a
- Aumentar o acesso à eficiência energética.
energia
renovável
capacidade
de
para
-
Simplificar
os
processos
de
licenciamento
aumentar resiliência, reduzir as
administrativo.
emissões de GEE e melhorar a
- Ajudar aos proprietários a investir em energias
gestão de emergências e a
renováveis.
recuperação de desastres.
- Construir capacidade de energia futura.
- Promover o uso de veículos com baixo consumo de
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O PAPEL DAS CIDADES COMO ATORES DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
combustível.
Redução
de
Preparar as cidades para os
- Identificar populações e infraestrutura em risco.
riscos
e
inevitáveis impactos e tensões
- Integrar cenários climáticos no planejamento-
gestão
de
experimentados no sudeste da
- Incluir análises de vulnerabilidade na gestão de
Flórida
emergências.
emergências.
através
interdisciplinar
de
de
redução
riscos
e
- Criar planos de mitigação de desastres.
planejamento e investimento
- Reduzir a exposição ao risco através de seguros.
em gestão de emergências.
- Comunicar os riscos a todos os residentes.
- Promover políticas para reduzir os riscos de inundação.
- Incentivar planos de recuperação e adaptação.
- Apoiar o planejamento de desastre e treinamento de
preparação para emergências dos cidadãos.
Defesa
da
Orientar e influenciar todos os
- Incluir os objetivos do Plano Regional de Ação Climática
política
níveis de governo para lidar
(PACR) no planejamento e políticas das cidades.
pública.
com a mudança climática em
- Promover a equidade social e econômica.
políticas,
- Incentivar a participação do público.
programas
e
legislação.
Estratégia
e
Conscientizar o público sobre
- Avaliar as necessidades da comunidade para orientar as
engajamento
os riscos relacionados ao clima
comunicações.
público.
que
Flórida
- Promover a conscientização e compreensão dos impactos
enfrenta e as ações coordenadas
climáticos por parte da população e as ações pessoais e
e previas para lidar com esses
opções de políticas públicas disponíveis para responder às
riscos.
Mudanças climáticas.
o
Sudeste da
Elaboração própria baseado no conteúdo do PAC (OAKLAND PARK e WILTON MANORS, 2019.)
Certamente, esse plano conjunto é sem dúvida exemplo de boa governança ambiental
promovido por cidades vizinhas que, aproveitando essa integração, decidiram estabelecer
objetivos comuns em prol da melhoria dos indicadores ambientais e assim contribuir no
cumprimento das metas fixadas a nível estadual, federal e global, estratégia de planejamento
ambiental interessante pela evidente visão contrária que hoje expressa o governo federal dos
Estados Unidos sobre a matéria.
Um outro exemplo deste tipo de ações das cidades em face das mudanças climáticas é o
denominado “Green New Deal” ou “OneNYC 2050” da cidade de Nova York, estratégia que
tem como meta até 2050 garantir o futuro da cidade com ações ousadas para enfrentar a crise
climática, alcançar a equidade e fortalecer a democracia (NEW YORK CITY, 2019),
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agrupadas em 8 objetivos e 30 iniciativas, sendo um desse objetivos dedicado especialmente à
temática ambiental, cujas metas serão expostas na seguinte tabela:
UM CLIMA HABITÁVEL
Alcançar a neutralidade do carbono e 100% de eletricidade limpa.
Fortalecer as comunidades, edifícios, infraestrutura e a orla para ser mais resilientes.
Criar oportunidades econômicas para todos os nova-iorquinos por meio da ação climática.
Lutar pela responsabilidade e justiça do clima.
Indicadores
Emissões de GEE eliminadas, reduzidas ou
Última medição
Meta
17% (2017)
100% para o ano 2050.
27% (2019)
100% para o ano 2040.
Inscrições de seguro de inundação.
35.494 (2019)
Aumentar.
Investimentos do fundo de pensão da cidade
$2 bilhões USD (2019)
Aumentar até $4 bilhões
compensadas.
Misturar o sistema elétrico com fontes
limpas.
em soluções para as mudanças climáticas.
USD para o ano 2021.
Elaboração própria baseada no OneNYC 2050 (NEW YORK CITY, 2019)
Além das anteriores medidas ambientais existem outras estratégias que ajudam
igualmente na melhoria do meio ambiente da cidade e o cumprimento dos indicadores, como
são a promoção de opções de transporte sustentáveis, a adoção de um plano de gestão de
resíduos sob a política “lixo zero” e o apoio na implantação de estilos de vida sustentáveis nos
cidadãos, baseados em políticas educativas que permitam entre outras coisas uma redução no
consumo de alimentos processados e carne bovina (NEW YORK CITY, 2019).
O caso de Nova York apresenta um modelo que, além de ambicioso, está ligado de
forma direta à GAG, já que foi a primeira cidade em basear sua estratégia local nos ODS da
“Agenda 2030” e enviá-la voluntariamente para revisão por parte das Nações Unidas, em
atividade onde são identificadas as diferentes opções de melhora derivadas de outras
experiências promovidas em outros lugares (NEW YORK CITY, 2019 p. 51).
Conclusões
A governança global entendia como modelo de articulação e cooperação entre
diferentes atores do cenário internacional, além dos tradicionais sujeitos das relações
internacionais (Estados e organizações internacionais), permite adotar decisões aos diferentes
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problemas comuns entre eles. Nesse sentido, faz-se referência a um processo de discussão
global abrangente no qual existe participação de ONG’s, governos subnacionais, empresas
multinacionais, cidades e sociedade civil, entre outros.
Assim, as problemáticas ambientais atuais são um cenário ótimo para o estabelecimento
de um sistema de governança, em razão da interdependência existente entre as diferentes
nações para lidar com essas questões, porque da boa qualidade do meio ambiente mundial
dependem a subsistência dos países e a sobrevivência das diferentes espécies de seres vivos,
incluído o homem. Esse sistema chamado GAG é muito importante diante das mudanças
climáticas, cuja existência e avanço fazem necessária a adoção de estratégias articuladas para
seu combate e adaptação.
Por isso, as cidades hoje em dia têm papel importante nas discussões ambientais globais
e para desenvolver políticas e planos ambientais, ainda mais quando é nelas que grande parte
dos GEE são produzidos, sendo eles uma das causas das citadas mudanças climáticas e assim
uma questão estratégica para melhorar os indicadores ambientais.
Nesse contexto, planos de ação global a longo prazo como a “Agenda 21” e mais
recentemente a “Agenda 2030” aprofundam e reconhecem com clareza o papel destacado que
têm as cidade e seus governos no desenvolvimento de estratégias e políticas ambientais,
reconhecendo que é em seus territórios que há maior possibilidade de promover planos de
ação mais efetivos porquanto estão encarregados da criação, funcionamento e manutenção da
infraestrutura econômica, social e ecológica, além de supervisionar o planejamento através de
políticas e regulamentações ecológicas locais.
No caso da “Agenda 2030”, é importante destacar como os ODS 11 e 13 são dedicados
às diferentes atividades que desde as cidades devem-se realizar para tornar os espaços urbanos
lugares inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, assim como cenários de implementação
positiva de medidas de mitigação e adaptação aos desafios que representam as mudanças
climáticas na atualidade.
Em suma, a GAG hoje está focada na promoção e implementação de ações baseadas
numa estratégia bottom-up, apresentando assim uma variedade de desafios de natureza
multinível na qual as cidades desenvolvem papel vital para o cumprimento dos diferentes
objetivos e metas ambientais que estão fixados em níveis regionais, nacionais e globais, sendo
este um modelo diferenciado daquele que era desenvolvido nos sistemas de governança
tradicional baseados na burocracia, hierarquização e respostas tardias.
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Em conformidade, as cidades hoje participam das discussões ambientais globais de
forma organizada e não isolada, sendo sua principal estratégia a criação de redes de política
que garantem uma atuação cooperativa partindo da partilha de experiências desenvolvidas
pelas cidades em seus territórios, tão como acontece com o ICLEI, C40, o Plano de Autarcas
para o Clima e Energia e a Rede de cidades BID, entre outras mais.
Além disso e produto das debilidades da tradicional forma de tratar as relações
internacionais, onde só participam os Estados-nação e as organizações internacionais, os
sistemas de governança permitiram a participação nas discussões internacionais de atores
como as cidades, cuja importância e organização podem levar até a terem sua própria politica
externa sem ajuda dos governos centrais, que é conhecido como paradiplomacia.
Nesse sentido, a existência de esses cenários de encontro entre as cidades permite o
surgimento de planos de ação ambiental em diferentes cidades, sendo alguns exemplos desses,
o plano ambiental conjunto de Oakland Park e Wilton Manors nos Estados Unidos e o planos
de ação ambiental estabelecido recentemente na cidade de Nova York, esse último
reconhecido como “Green New Deal”.
O caso de Nova Iorque merece especial atenção dada sua relação direta com a GAG, já
que foi a primeira cidade a basear sua estratégia local nos ODS da “Agenda 2030” e enviá-la
voluntariamente para revisão por parte das Nações Unidas, prova do engajamento das cidades
nas discussões ambientais globais.
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