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Uma incursão no jornalismo português no Verão Quente de 1975 Autor(es): Figueira, João Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/36691 DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1647-8622_7_4 Accessed : 4-Jul-2020 17:31:55 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. 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Mestre em Comunica~ e Jomalismo da Universidade de Coimbra, Assistente convidado na Faculdade de letras da Universidade de Coimbra, Colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Seculo XX da Universidade de Coimbra CEIS20. 0 jornalista portugues que amanheceu com a revoluc;ao de 25 de Abril de 1974 era homem, tinha mais de 45 anos, trabalhava predominantemente na imprensa escrita em orgaos de comunicac;ao social sediados na Area Metropolitana de Lisboa e possufa como 1 habilitac;6es literarias o curso complementar dos liceus (actual 11° ano) . Este, o retrato2 -robot que e possivel trac;ar dos cerca de 750 profissionais encartados que escreviam noticias no pais com a mais baixa taxa de leitura de jornais da Europa e o maior indice de analfabetismo: 37 por cento, segundo dados da UNESCO. 3 Como 25 de Abril e o fim da censura Portugal assiste-se, como ja sucedera em 1821 (e um pouco ao longo de todo o seculo XIX: 1826, 1834, 1851) e na I Republica, a explosao de novos titulos e ao aumento em flecha do numero de jornalistas. Em 1974 e no espac;o de um ano surgem nas bancas oito novos semanarios, dois diarios, nove jornais partidarios e mais de uma centena de variados tipos de publicac;6es pericSdicas. So 4 em 1975 sindicalizam-se 157 novos jornalistas, numero que vai aumentar de forma exponencial nos anos seguintes. A ideia do jornalismo como "uma ocupac;ao com pouco 5 orgulho profissional, produzindo um produto mediocre e enfadonho" que marcou o periodo do Estado Novo ganhava agora, fruto dos novos ventos que traziam a liberdade de expressao, um novo folego e uma nova forma de praticar a informac;ao. 0 antigo papel do jornalista circunscrito a func;fo de "transcrever OU sumarizar dis6 Clll"SOS produzidos pelos departamentos e gabinetes ministeriais" , o que assemelhava os 7 diarios das duas principais cidades, Lisboa e Porto, a "imprensa regional de outros paises" , altera-se subitamente. De um dia para o outro, passa a poder utilizar em pleno todas as capacidades de expressao do pensamento, sem necessidade de recorrer, como alguns fizeram antes, a forrnas cifradas de redacc;ao de noticias. Esse foi, com efeito, um dos expedientes a que varios jornalistas recorreram durante os 48 anos que durou a censura e em cujo periodo a maioria dos que fizeram informac;ao nos primeiros anos a seguir ao 25 de Abril foi formada. Nao obstante os fogachos Este texro foi adaptado de um capitulo do livro do auror, Os jomais como actorcs politicos. 0 Didrio de Noticias, Exprmo e Jornal Novo no Verao Quente de 1975. I So a partir dos anos 80 do seculo passado e que se corneesou a estudar 0 perfil socio-profissional do jornalista ponugues. Dai que existam algurnas lacunas relativamente a dados que seria inreressante conhecer acerca do perfil dos jornalistas dos anos 60 e 70. Sohre esta quesrao pode, no entanto, consultar-se Cademos de ]ornalismo I, ]omalista portuguis o que e?, edi¢o do Sindicato dos Jornalisras, Lisboa, Junho, 1994; GARCIA, Luis - "Principais tendencias de evolucfel do universo dos jomalistas portugueses". In: Vt5·tice, 60, Maio-Junho, 1994; OilVEIRA, Jose Paquete de - Fomzas de censura ocrdta. na imprensa escrita em de Ab1il (1974-1987). Lisboa, ISCTE, 1988, cap. IX, p. 359-414 (tese de doutoramento inedita). 2 "Em Janeiro de 74, o Sindicato dos Jornalistas tinha 750 associados, dos quais 41 mulheres", FRAN\:f\, Elisabete; MARQUES, Guiomar·Belo - 0 acmo a profissiio de jomalista. Comunica~ ao I Congresso dos Jornalistas Portugueses - conclusoes, teses, documenros. Lisboa, Janeiro, 1982, p. 240. -'A 12 de Junho de 1821 e promulgado o decreto que poe fim a censura previa. Resultado: surgem 39 dtulos novos, quase oito vezes mais dos que antes existiam: cinco jornais, dois deles editados no Brasil, c&. CRATO, Ntino - Comunicariio social A imprensa. Lisboa, Editorial Presenc;a, 1992, 4.a edi¢o, p. 191-194. • FRAN\:f\, Elisabete e MARQUES, Guiornar Belo - op. cit., p. 240. s SEATON, Jeane PIMLOIT, Ben - "The Portuguese Media in Transition" In: MAXWELL, Kenneth The Prm and the Rebirth ofIberian Democracy. Connecticut, Greewood Press, 1983, p. 98. 6 Idem. · 7 Idem. 79 oposicionistas e de resistencia que se iam fazendo sentir, coma sucedeu quando da candidatura de Humberto Delgado, nas elei<;oes presidenciais de 1958; nas paginas dos diarios Republica e Didrio de Lisboa; e em publica<;oes regionais coma o Noticias da Amadora, ]ornal do Fundiio (que chegou a ser suspenso) e no Comercio do Funchal a verdade e que o cenario profissional dos jornalistas ap6s decadas de censura era pouco animador. Mais: "a censura desvalorizara, duplamente, a profissao de jornalista (... ), pelo que a 25 de Abril o estado moral da profissao nao era o mais desejavel. Sob Salazar e Caetano escreve M:irio Mesquita - alguns jornais e jornalistas resistiram, na medida das suas possibilidades e do espas;o de livre expressao que lhes era concedido. Mas tambem houve quern se corrompesse. A maioria ficou pelo meio-termo se e que o meio-termo existia 8 OU existe. Isto e: acomodou-se, procurando nao se aviltar". A. completa ausencia de liberdade de juntava-se, entao, a escassez de forma<;ao e o pagam_ento de baixos salarios, o que obrigava muitos jornalistas a acumular uma segunda ocupa<;fo. Ora, "nao seria Hcito esperar que, desta soma de fragilidade, emergisse, par qualquer fen6meno de magia revolucionaria, uma consciencia profissional 9 capaz de conquistar para a comunica:<_;:ao social zonas de autonomia" • Luis Garcia, que analisou a mesma questao, refors;a os argumentos de Mario Mesquita, ao afirmar que ela "caracterizava-se fundamentalmente pela ausencia total do ensino e da formas:ao em jornalismo e comunica<_;:ao, pela completa inexistencia de autonomia profissional e correlata habitua<;ao a censura, pelo baixo prestigio social dos jornalistas e pela incapacidade de cria<_;:ao, em tais condi<;oes, de um minima quadro comum de valores e paradigmas profissionais acerca do modo de desempenhar a funs:ao de informar num sistema pluralista de comunica<_rao social integrado numa sociedade 10 democr:itica" . E neste contexto profissional herdado do Estado Novo que se vai dar 0 alargamento e o rejuvenescimento da comunidade jornalistica portuguesa. Porem, como salienta Mario Mesquita, "o acesso a profissao durante o periodo de 1974-1975 nao alterou substancialmente a situa<_;:ao dos jornalistas no que se refere as respectivas habilitat;6es academicas. Os criterios partidarios sobrepuseram-se a qualquer referenda de outro tipo. A admissao de novos jornalistas, regra geral, processou-se segundo os tramites da mili11 tancia politica, relegando-se para segundo piano a perspectiva profissional". Panorama esse que vai ter uma influencia decisiva no modo como a informa<_rao vai ser tratada nos primeiros anos ap6s a Revolus:ao e na forma de organizas:ao e de luta pelo controle dos pr6prios 6rgaos de comunica<;fo social. Em tra<;os gerais, digamos que o pulsar da imprensa portuguesa apresentava duas batidas distintas. De um lado, os jornalistas criados no ambiente totalit:irio em que a ~MESQUITA, Mario "Emategias liberais e dirigistas na comunica910 social de 1974-1975 da comissao Ad Hoc a Lei de Imprensa". In: &vista de Cormmicariio e linguagens. Lisboa, Centro de Escudos de Comunica910 e Linguagens, 1988, numero 8, p. 94. 9 Idem, p. 95. w GARCIA,Luls "Prindpais Tendendas de Evolu910 do UniveISo dos Jornalistas Portugueses". In: Vertice. Lisboa, 60, Maio-Junho, 1994, p. 69. 11 MESQUITA, Mario "Os meios de Comunica9io Social (0 Universo dos Media entre 1974 e 1986)". In: REIS, Antonio (coord.) - Portugal 20 Anos de Democracia. Lisboa, Circulo de Leirores, 1994, p. 364. 80 "ditadura era o principal factor de impedimenta do desenvolvimento desse processo de 12 autonomia e profissionalizac;ao", coma defende Rosa Maria Sobreira, e do outro a ideia que emergiu com a revoluc;ao, segundo a qual o jornalista era um profissional social e politicamente comprometido. Conceito este que, face ao enquadramento politico e social da epoca, acabaria par ser determinante no modo coma as jornalistas assumiram o desempenho e o exerdcio da sua func;ao. Porque, recorda Mario Mesquita, "a visao entao 13 dominante era que jornalismo e politica nao tinham fronteiras". E, portanto, a luz daquele pensamento que vamos passar aver OS jornais "carregados 14 de ideologia", consequencia do confronto politico entre as "vencedores da Revoluc;ao", na perspectiva de Mario Mesquita, para quern as anos de 1974-1975 foram palco de varias correntes: "Os herdeiros do amigo regime, que procuravam retardar o pleno desmantelamento dos mecanismos censorios (... ), os defensores de teses revolucionarias e vanguardistas (... ), e os partidarios de concep<;6es pluralistas do sistema de comunica<;ao 15 social (... )." 56 assim se percebe porque e que "no periodo revolucionario de 1974-1975 muitos profissionais da comunica<;ao social agiram, simulraneamente, coma jornalistas e coma militantes politicos, vivendo com dupla inexperiencia (jornalistica e politica), as contradi<_r6es provocadas par essa dualidade", lembrava Mario Mesquita, no encerramento do 16 col6quio, "O 25 de Abril Revisitado pelos Media Internacionais" , afirmando por outras palavras aquilo que Raymond Aron dizia a prop6sito da impossivel neutralidade jornalistica: "Quando se escreve em jornais e sabre temas politicos nao se consegue ficar de fora. 1. Uma deontologia revolucionaria Paralelamente, a deontologia profissional, que a generalidade dos paises europeus ocidentais ja possuia em forma de c6digo, estava, ainda, em Portugal, par fazer o seu caminho. So a 13 de Setembro de 1976, em assembleia geral extraordinaria do Sindicato dos Jornalistas Portugueses, e que foi aprovado o primeiro c6digo deontol6gico. A questao ja tinha sido discutida anteriormente, ao ponto de uma comissao "ad-hoc constituida pelos jornalistas Manuel da Silva Costa, Afonso Pra<;a, Alfredo Barroso, 17 Fernando Assis Pacheco e Luis Salgado Matos" ter apresentado urn projecto de codigo deontologico, em Fevereiro de 1973. Porem, coma real<;a Sara Pina, "aAssembeia Geral de 12 de Fevereiro de 1973, que discutiu esse projecto, viria, no entanto, a suspender sine die a aprova<_rao de um C6digo iz SOBREIRA, Rosa Maria - Os jornalistas portugueses, ttma profissao em constrofiio - 1933-1974. Tese de mestrado apresentada na Universidade Nova, Lisboa, 2001, p. 143 (inedita na altura da consul ta). 13 Cf. "A nostalgia da Universidade", entrevista dada a revista Atttures, da Sodedade Ponuguesa de Autores, ntimero 3, 2004, p. 18. 14 Relatorio do Conselho de Imprensa, "A lmprensa escrita em Ponugal (Abril de 1974 a Julho de 1975)", Lisboa, edic?o do Conselho de lmprensa, 1979, p. 101. 15 MESQUITA, Mario "Os meios de Comunicayao Social". Op. cit., p. 360-361. 1 " MESQUITA, Mario, - "O Dialogo intercultural na area do jornalismo". In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose - 0 25 de Abril nos Media lntemacionais. Lisboa, Edi¢es Afrontamento, 1994, p. 269. 17 PINA, Sara -A Deontolagia dos fornalistas Portugueses. Coimbra, Minerva Editora, 1997, p. 42. 81 Deontol6gico, considerando que a extincrao do Exame Previo/Censura era condicrao sine qua non para a responsabilizacrao dos jornalistas e, pois, para a existencia de um 18 C6digo ", cujo pre:imbulo, recorda a mesma autora, "proclamava que a responsabilidade do jornalista, pressuposta na aprovacrao de normas deontol6gicas, existe quando e 19 onde existir liberdade". . na sequencia da Lei de Imprensa de 26 de Fevereiro de 1975, o Sindicato Mais dos Jotnalistas fica incumbido de, no prazo de 90 dias, elaborar um C6digo Deontol6gico. Independentemente da singularidade de ser o legislador a dizer e impor ao jornalista a obrigatoriedade de ele regular a sua actividade, o certo e que ap6s discussao publica do projecto "elaborado por uma comissao constituida par cinco jornalistas (Antonio Colas;o, Torquato da Luz, Maria Antonia Palla, Fernanda Barao e Jose 20 Andrade Santos)", o Codigo, ap6s virias alterncr6es, foi aprovado com 22 deveres. "Respeitar e lutar pelo direito do Pavo ser informado; esfon;ar-se por contribuir para a formacrao da consciencia dvica e para o desenvolvimento da cultura e da capaddade crftica do povo portugues (. .. ); respeitar os prindpios fundamentais dos Direitos do Homem e contribuir para melhor conhecimento e maior compreensao entre os povos, na base dos prindpios do direito das nas:6es a autodeterminacrao e independencia, da nao ingerencia nos assuntos intemos, da igualdade e vantagens muruas e da coexistencia padfica, jamais 21 favorecendo a ideologia fascista, odios raciais, etnicos, nacionais OU religiosos" sao alguns dos pontos do C6digo de 1976, claramente marcado pelo clima politico e ideol6gico da epoca. Sao bem vis{veis, nesse documento, as impress6es digitais do "jornalista revolucionario", segundo a expressao de Mario Mesquita, que dominou ideologicamente a imprensa pos-25 de Abril. Porem, as circunstancias hist6ricas em que o Codigo foi produzido, ae1Jre.ssa se revelaram ultrapassadas. "O Relat6rio e Contas da Gerencia de 1978 do Sindicato dos Jornalistas falava ja da necessidade de um nova C6digo Deontol6gico, uma 22 vez que o actual se encontra desactualizado". Apesar desse sentimento, foi preciso esperar ate 1993 para que as jornalistas portugueses aprovassem um nova C6digo, de 10 pontos, que ainda esta em vigor. E ao olhar para esse esfors;o de autonomia e afirmacrao consubstanciadas num nova documento que desideologiza as atitudes profissionais, ao mesmo tempo que se assiste a um notavel aurnento na qualidade de formas;ao dos jornalistas, que Lufs Garcia considera que "os jornalistas portugueses constituem um grupo ocupacional que tern procurado, na ultima decada, transformar a sua actividade profissional numa profissao estabelecida, partilhando a vontade de afirmar o prestfgio da profissao perante o publico, conquistar maior autonomia no exerdcio da profissao relativamente ao governo e a outras instituis;6es sociais, melhorar a formas:ao profissional e o nfvel de escolaridade do conjunto dos jornalistas; em sfntese, identificando-se com o esfors:o para conferir ao jorna23 lismo um estatuto semelhante ao das profiss6es liberais estabelecidas". so rn Idem, p. 43. '''Idem. 20 Idem, p. 47. ii Idem, p. 137,138. 22 Idem, p. 49. 23 GARCIA, Luis - op. cit., p. 73. 82 Esse caminho, que comec;ou a ser calmamente percorrido a partir de finais da decada de 1970, era impossfvel ser trilhado antes. Pela efervescencia politica, social e economica que o Pais inteiro viveu, sobretudo em 1974 e 1975, mas tambern tendo em conta o quadro organizacional das pr6prias empresas de comunicac;ao social. 2. A imprensa como veiculo ideol6gico antes de 1974 A censura ea consequente ausencia de liberdade de expressao costumam ser, e bem, apontadas como as principais causas impeditivas do de um jornalismo livre, responsavel e actuante. Mas e preciso nao desresponsabilizar OS outros actores que contracenavam com os protagonistas politicos. Se atendermos a que seis jornais de Lisboa e dois do Porto pertenciam a tres donas (Champalimaud, Quina e Espfrito Santo) e que "os seus metodos de produc;ao eram 24 antiquados e o quadro de pessoal exageradamente empolado" sem preocupa<;:6es, ao contrario do que se passava em outros pafses, co mo salientam Jean Seaton e Ben Pirnlott, de os tornar rentaveis, isto remete-nos para uma situacrao muito singular, sabre a qual vale a pena determo-nos por alguns instantes. Inversamente ao que se passava no estrangeiro, onde grandes empresas ou grupos econ6micos adquiriam 6rgaos de comunica<;:io na perspectiva do lucro, gerindo-os como 25 um neg6cio com objectivos definidos de rendibilidade, em Portugal, alguns dos principais names que dominavarn a Economia do Pais viam e produziam os jornais na perspectiva da influencia. Porque "num mundo crescentemente incerto caracterizado por um regime cada vez mais pressionado, um jornal era uma vantagem pol.itica para qualquer 26 mono polio dependente do seu relacionamento privilegiado com o governo". No fundo, como refere Arons de Carvalho, "a utilizacrao da como vefculo publicitario e ideol6gico torna, ate de certa forma, secundiria a obtencrao de receita. Para os grandes grupos econ6micos, o defice de um jornal s6 representa um efectivo prejufzo, se ele nao desempenhar correctamente a sua funcrao de transmissor da ideologia domi27 nante e de adequado e eficaz meio publicitirio". Por outras palavras, " a informacrao deixa de ser, de certa forma, urna tecnica de forma<;:io da opiniao publica, para se tornar 28 cada vez mais nitidamente uma tecnica de controle de opiniao publica". 24 SEATON, Jean; PIMLOTT, Ben - op. cit., p. 96. "Na Alemanha Federal, o grupo Springer controla cerca de 30 por cento da Imprensa no Pais; na GraBretanha, quatro grandes grupos (Beaverbook Nev..-spapers, Associated Newspapers, Cecil King e Thompson) detinham em 1967 mais de 80 par cento da tiragem dos quotidianos nacionais e dos jornais de domingo; em Franc;:a os grupos Prouvost (Paris-Match, Marie Claire, Figaro, etc) e Franpar-Hachette (France-Soir, Le Journal du Dimanche, France Dimanche, Elle, etc) sao OS principais potentados jornalisticos. Nos EUA, cinco proprietarios controlam cerca de 60 por cento da produc;:ao jomalistica", CARVALHO, Arons de-A censura a imprensa na epoca M'lrce!ista, cirando wn trabalho do espanhol lvIONTALBAN, M.Vasquez, Coimbra, Minerva Editora, 1999, p. 118. 1 • SEATON, Jeane PIMLOTT Ben - op. cit., p. 96. 17 CARVALHO, Arons de -A Coimbra, Minerva Editora, 1999, p. 118. 2 ' Idem. 21 83 9 Francisco Pinto Balsemao, que foi fundar o Expressa2 com os proventos conseguidos com a venda da sua participa<;ao no Didrio Popular ao grnpo Quina (Banco Borges & Irmao) par 30 um pres:o que ele proprio dassificou de "absurdamente elevado", olha para aquela epoca coma um tempo em que a informa<;ao e "cada ve:z.. menos 0 que e transmitido e cada ve:z.. mais 31 os meios usados na transmissao e as pessoas ou entidades que os manipulam". E, portanto, dentro deste quadro de organizac_;:ao empresarial que a esmagadora maioria dos titulos vai chegar ao 25 de Abril de 1974. A que acresce, ainda, uma situac_;:ao financeira grave par parte das empresas, "quer devido aos compromissos financeiros pelos vultuosos creditos bancarios a que recorreram para renovac;ao dos parques graficos, quer pelo aumento crescente nos ultimas anos, dos custos de papel de jornal, tintas e 32 mao-de-obra". Os resultados financeiros do exerdcio de 1974 da generalidade dos jornais apresentavam um montante de prejuizos assinalavel: "O Siculo: 143.232 contos; 33 A Capital: 41.355; Didrio de Noticias: 18.410 contos" , para so citar tres exemplos. Anoe meio mais tarde, a 31 de Dezembro de 1975, "as dividas a Banca das empresas estatizadas 34 editoras de jornais somavam um milhao, quinze mil duzentos e sessenta e um contos". 3. As trincheiras da informa~ A abolic;ao da censura e a consequente liberdade de expressao assumem-se coma aspectos fundamentais do nova quadro politico que emerge com o 25 de Abril de 1974. De tal modo que "no proprio dia 25 de Abril quando ainda nao se confirmara a vitoria 3 do movimento militar, a maioria dos jornais nao enviou provas a Censura" . > Mas ao pluralismo de ideias e de informa0o, tao coarctado ao longo dos anos na 36 historia do jornalismo portugues, "nao correspondeu, frequentemente, uma desejavel qualidade de informas:ao. No entanto, deve assinalar-se que mesmo no aspecto qualita37 tivo, a imprensa pos-25 de Abril nada tern aver com a produzida antes da liberta¢o" . A mudans:a do quadro politico vigente, responsavel pela nova forma de exercer o jornalismo, gera uma alterac_;:ao profunda em toda a arquitectura directiva e administrativa das empresas jornalisticas. E verdade que as grandes transforma¢es so se deram um ano depois, mas as primeiras reac<;Qes contra as pessoas que ate entao ocuparam os lugares de 29 Semanirio lanqado a 6 de Janeiro _de 1973, com uma linha editorial inspirada no modelo de jornalismo de referencia bricanico. Teve no seu inicio 17 accionistas que somavam um capital social de seis mil contos. Pinto Balsemao foi o primeiro director e, com uma quota de 3210 contos (53,5 por cento das ac¢es), era cambem o seu principal proprierario, cf. CARVALHO, Arons - op. cit., p. 121. 111 SEATON, Jean; PIMLOIT Ben- op. cit., p. 96. 31 BALSEMAO, Pinto - Infonnar ou Depender. Lisboa, Arica, 1971, p. 18. 32 Relatorio do Conselho de Imprensa, cit., p. 112. 33 GUERRA, Joao Paulo -Dossier com1micarao social. Lisboa, Edi¢es Avante, 1981, p. 122. 34 Relacorio do Conselho de Imprensa, cit., p. 113. 35 Idem, p. 13. 36 Vide sobre esce Cerna, FRANCO, Grac;a - A Censura a imprensa (1820-1974). Lisboa, Imprensa Nacional Casada Moeda, 1993; CARVALHO, Arons de -A censura a imprensa na epoca marcelista. Coimbra, Minerva, 1999; PRINCIPE, Cesar - Os segredos da censura. Lisboa, Caminho, 1979; CRATO, Nuno - Cormmicarao Social. A Imprensa. Lisboa, Presenqa, 1992; BONIFACIO, M. Fatima - A segunda ascensao e queda de Costa Cabral 1847-1851. Lisboa, Inscicuco de Ciencias Sociais da Universidade de Lisboa, 2002. 7 ] Relacorio do Conselho de Imprensa, cit., p. 101. 84 chefia comec;aram a sentir-se e a ganhar expressao poucos dias ap6s o 25 de Abril. "As empresas rapidamente se transformaram em campos de batalha entre facer6es rivais ou 38 inimigas" , sublinha Mario Mesquita, para quern os jomalistas, de um modo geral, "guinaram aesquerda, o que fuvoreceu, num primeiro momenta, as correntes revolucionarias mais radicais". 39 Gradualmente, uma enorme onda de saneamentos varre a generalidade das redacer6es. "Sao raros os directores e mesmo os administradores que escaP-am aos saneamentos e, na maior parte das publicaer6es, os propriet:irios comec;am a perder o controlo que ate ai detinham sabre o respectivo conteudo. Sao eleitas comiss6es de trabalhadores, conselhos de redacerao e, atraves de organizaer6es desse tipo, principiam os jornalistas e, em certos casos, outros trabalhadores a exercer uma influencia determinante sabre o que e 40 publicado, bem coma a designarem os directores e os chefes de redaccrao". 0 vespertino A Capital, seguido do Didrio Popular, Didrio de Lisboa, Comercio do Porto, Vida Mundial e Didrio de Notfcias protagonizam as primeiras alteraer6es, enquanto, 0 Seculo (entre 10 e 14 de Maio) e Joma! do Comercio (21 de Agosto e 6 de Outubro) iniciam as primeiras greves e reivindicaer6es, e a Epoca acaba com o fim do regime, do 41 qual fora uma especie de 6rgao oficioso. Ate as nacionalizaer6es verificadas na sequencia dos acontecimentos de 11 de Marero de 1975, que vao reforc;ar a mudanc;a da relacrao de forc;as, e not6rio 0 "progressivo controlo por parte dos trabalhadores da Informacrao na maior parte dos jornais di:irios e nao 42 di:irios de expansao nacional". E os poucos, coma o Expresso, que passaram a margem desses processos, enfrentaram outros problemas, coma foi o caso, "em 14 de Dezembro, 43 do boicote dos ardinas a venda daquele jornal", por causa das respectivas margens de lucro nas vendas do seman:irio. Porem, o clima de tensao que marcava o quotidiano da vida portuguesa em geral e da informaerao em particular, estava longe de se circunscrever as lutas internas dos diferentes jornais. A 31 de Julho de 1974, o Presidente da Republica, general Antonio Spinola, decide punir o Didrio de Lisboa e A Capital com dois dias de suspensao e o Republica com um dia. A justificaerao para tais medidas foi o relevo dado pelos jornais a uma manifestacrao da extrema-esquerda que criticou a continuaerao de operaer6es militares portuguesas em Africa. Mas as grandes transformaer6es surgiriam na sequencia das movimentaer6es militares de 11 de Marero de 1975 que culminaram com o reforero das posier6es politicas de esquerda, desde logo _expressas nas nacionalizaer6es da Banca e dos Seguros, decretadas a 14 de Marero. Dai resultou, directa ou indirectamente, a nacionalizacrao de uma boa parte dos jornais de expansao nacional, uma vez as respectivas empresas pertencerem aos 44 grupos econ6micos abrangidos por aquela medida governamental. 3 MESQUITA, Mario - "Esrraregias liberais e dirigisras na comunica<rao social". Op. cit., p. 95. Idem. 40 Relar6rio do Conselho de lmprensa, cit. p. 15. 41 Idem, p. 16-19. "Idem, p. 31. 43 Idem, p. 32. 44 0 Decreto-Lei n. 0 132 N75 nacionaliza as institui<r6es bandrias e o Decreto-Lei n. 0 135 N75 as Companhias de Seguros. Estas medidas representam a primeira decisao do Conselho da Revolu~, institu1do nesse dia pela Lei n. 0 5/75, e ao qual foram atribuldos poderes constituintes. Vide sobre os acontecimentos de ' 39 85 45 0 sector publico passa, assim, a contar com os jornais ]ornal do Comercio, Comercio do Porto e Record (que pertenciam ao grupo do Banco Borges & lrmao); 0 Siculo e as publicas;6es que lhe pertenciam: Vida .Mimdial, Seculo llustrado, facto, e Modas e Bordados (propriedade do Banco Intercontinental Portugues, de Jorge de Brito); e ainda A Capital (prnpriedade da Sociedade de Esrudos e Gestao de Empresas constiru!da pelo agrupamento do Banco Espirito Santo, CUF, Tabaqueira, Sorel e firmas do grupo Borges & lrmao) e o Didrio de Lisboa, embora este devido as elevadas d!vidas a Banca (Pinto & Sotto Mayor) e tambem porque um ters;o do seu capital pertencia ao Banco Nacional Ultramarino. Antes de 25 de Abril de 1974, Didrio de Notfcias, Mundo Desportivo, Vida Rural e grande parte do capital do Jornal de Notfcias ja dependiam do Estado, par via da Caixa Geral de Dep6sitos que detinha a maioria do 46 capital da Companhia Portugal e Colonias, dona daqueles t1tulos • Segundo o Relat6rio do. Conselho de Imprensa que analisou este pedodo, "nessa altura sobrevivem apenas coma jornais diarios privados o Prinieiro de Janeiro, no Porto, e 47 o Republica, em Lisboa, alem do Didrio de Coimbra, Correio do Minho, Didrio do 48 Minho, Didrio do Sul, Notfcias de Evora e Didrio do Ribatejo" , mais os jornais editados na Madeira e nos As;ores. A luta pelo dom{nio e controle da informas;ao, num pa!s socialmente efervescente e confuso, e claramente assumida pelos diversos actores, sobretudo ap6s o 11 de Mars;o de 1975, a medida que 0 clima polfrico vai subindo de temperatura. De acordo com o Relat6rio do Conselho de lmprensa, "e sobretudo na primeira fase do perfodo entre o 11 de Mars;o e o 25 de Novembro que se acentua a influencia e a manipulas;ao partidaria na imprensa, designadamente par elementos afectos ao Partido Comunista Porrugues ea organizas:6es de extrema-esquerda. A actuas;ao de grupos ou de comiss6es de trabalhadores - acrescenta o mesmo documento que analisa a imprensa porruguesa entre 1974 e 1979 - foi o principal instrumento daquela influencia ou manipulas:ao partidaria, agindo no mesmo sentido o alargamento drastico da intervens;ao estatal na maior pane da imprensa diaria, na medida em que o pr6prio Estado tambem era influenciado pelas teses de fors;as comunistas. A informas;ao estatizada (e alguma informas;ao privada) caracterizou-se, nessa altura, par um tom monolitico e, em muitos 49 casos, propagand1stico" , a que nao foi alheio o facto de, gradualmente, as novas administras;6es e direcs:6es dos jornais "completarem a tarefa das comiss6es de trabalha50 dores, no sentido de assegurarem o predominio da corrente gons;alvista." 11 de Man;o, SANTOS, Boavemura de Sousa; CRUZEIRO, Maria Manuela; COIMBRA, Maria Natercia - 0 Pulsar da Revolurii.o, cronologia da revolurii.o de 25 de Abril (1973-1976); CRUZEIRO, Maria Manuela Melo Antunes o sonhador pragmdtico. Lisboa, Editorial Notlcias, 2004, p. 175-201. 45 "Os jornais nacionalizados totalizam urn defice mensal de 43 mil cantos, inteiramente cobertos por subsfdios orr;:amentais", FREMONTIER, Jacques - Portugal- Oi pmttoi nos ii. Lisboa, Moraes editores, 1976, p. 133. 46 GUERRA, Joao Paulo - op. cit., p. 38-39. 47 Maxwell Kenneth salienta tambem esse aspecto: "Uma das raras excep<;6es foi o vespertino lisboeta Republica, uma das poucas vozes crfticas durance os longos anos da ditadura, propriedade de 3.500 pequenos accionistas e dirigido por RaUl Rego, um socialista de destaque" In: MAXWELL, Kenneth - A comtrurii.o da democracia em Portugal. Lisboa, 1999, p. 132. 48 Relatorio do Conselho de Imprensa, cit., p. 43. 49 Idem, p. 41-42. 50 MESQUITA, Mario - "Os meios de Comunica¢io Social". Op. cit., p. 368. 86 Foi um tempo marcado pelas "admiss6es inspiradas pela razao de partido", segundo 1 a expressao de Mario Mesquita,5 para quern "a situa9io profissional dos jornalistas ap6s quase 50 anos de censura, nao era a mais adequada para assegur;ir uma resposta ajustada a conjunrura revolucionaria." 51 E nao era, em seu emender, fruto dos seguintes factores: "A habitua9io a censura, que fon;:ava a uma linguagem cifrada; a inexistencia do ensino da comunica9lo ou de jornalismo; a ausencia de homogeneidade {nao apenas a nivel politico propriamente dito, mas no sentido de um minima de entendimento comum sabre o que e e como se pratica o jornalismo) nas equipas redactoriais herdadas do 53 _periodo anterior ao 25 de Abril." Paralelamente, a luta pelo controlo na orientac;:ao de cada titulo ganhava um novo folego. "O plenario de trabalhadores transformou-se num 6rgao decis6rio de grande importancia estrategica nas empresas jornali'.sticas, a semelhanc;a do que sucedia noutros 54 sectores empresariais" , o que permitiu o protagonismo de outras profiss6es dos media, como os tipografos e os linotipistas, nas decis6es dos destinos de alguns jornais. 55 Mas estes nao eram obra exdusiva dos que la trabalhavam. "Poli'.ticos e militares merecem partilhar com eles as honras e as desonras da situac;:ao da Comunica9lo Social. Os especialistas em psicologica nas guerras de Africa fizerarn jus a lugar de destaque, pela forma incompetente com que transferiram para a metropole tecnicas de condicionamento atraves dos media assimiladas no ambito do combate as guerrilha.S africa., 56 nas. Nao se deve, no entanto, ver aquelas palavras como uma ideia ou tentativa para branquear as responsabilidades dos jornalistas na materia. A quase unanimidade de directores e jornalistas quanta ao seu papel de protagonistas politicos, cavou como que duas trincheiras no espectro noticioso. De um lado o monolitismo impasto aos 6rgaos estatizados e, do outro, um sector da imprensa privada autonoma e muito interveniente, embora evidenciando em alguns casos o mesmo tom propagandi'.stico dos 6rgaos estatizados. "A actua<;ao de determinados governantes {recorde-se o discurso de Almada do entao Primeiro Ministro general Vasco Gonc;:alves) e a utiliza9lo de fortes meios de pressao, atraves da pr6pria i111prensa e de outros 6rgaos de comunicac;:ao, condicionariam, alias, 11 Idem, p. 364. Idem. 13 Idem. 14 Idem, p. 362. 11 0 caso mais emblem:itico, fruro da bipolariza9io polfcica que come91va a desenhar-se, e o do jornal Republica, em que a comissao de rrabalhadores exige, a 19 de Maio de 1975, a demissao da direc~o e da chefia de redac9io, e anunciava que editaria o jornal sozinha, caso os jornalistas se recusassem a colaborar. Ourro exemplo e o dos tip6grafos da Mirandela e Ca, onde o Jornal Novo era composto, que discuriram durante horas, em plenario, a inser9io de um comunicado do PS, onde este parcido apontava para a possibilidade de um golpe de Estado liderado pelo PCP e grupos de extrema-esquerda. prolongada delibra~o chegaram a acordo quanto a publica910 do jornal, desde que esre inserisse uma mo~ em que a posi9io partidaria dos trabalhadores ficasse expressa. Todavia, dada a hora tardia a que terminou esre plen:irio a direc~o do Joma/ Novo foi fon;ada a desistir da edi9io (2 de Outubro) por emender que havia perdido oportunidade", Relat6rio do Conselho de Imprensa, cit., p. 60. No dia seguinte, o Didrio de Notlcias abordava o ass unto com o seguinre timlo; "Frustrada uma edi¢o do Jornal Novo que divulgava a posi9io do PS", Relatorio do Conselho de Imprensa, op. cit., p. 60. 11 ' MESQUITA, Mario - "Os meios de Comunica~ Social". Op. cit., p.:_364. 12 87 durante todo este periodo que culmina com os acontecimentos de 25 de Novembro de 57 1975, a actuac;ao dos orgaos de inforrnac;:ao escrita". Longe dos "prindpios da objectividade" e do "contraditorio", pniticas hoje entronizadas no fazer jornalistico portugues, os jornais de 1974 e 1975 assumiam clara e fron58 talmente o respective campo de trabalho e d~ acc;ao. Mas foi nos tf tulos estatizados, 59 escritos segundo o mesmo pensamento e orientac;ao , quer nos destaques, quer nos acontecimentos silenciados, que a manipulac;ao - "pouco sofisticada", na expressao do 60 jornalista frances Jacques Fremontier - foi mais visfvel. "A 21 de Julho de 1975 escreve o enviado do Humanite Dimanche, e militante comunista - 0 Seculo nao publica uma so linha na «primeira» sobre a enorme manifestac;ao socialista de sabado a noire. A 8 de Agosto, o Didrio de Noticias da apenas um resumo do «documento dos Nove». Durante todo o Verao, os dais jornais empolam desmedidamente as moc;6es de apoio a V asco Gonc;alves emanadas de organizac;oes «populares» de representatividade por vezes duvidosa. Nern um nem outro se mostram mais crediveis ou mais honestos que os seus 61 adversarios reaccionarios. A mediocridade profissional e igual nos dais campos ... ". A informac;ao funcionava, naquele contexto, coma uma arma ideologica "servida em bruto, mal digerida, tal como saia dos palacios governamentais, das sedes partidarias ou 62 dos quarteis mais influenciados pelas doutrinas politicas". Os reparos feitos em Abril de 63 1975, por Jean..,Paul Sartre, em conferencia de imprensa, referindo-se ao jornalismo que se praticava em Portugal e que lhe parecia tao pouco claro quanta panflerario, reflectia, afinal, a ideia e o objective "revolucionario" de agitac;ao e mobilizac;ao populares que caracterizavam aqueles dias. Em vez da explicac;io, da analise e do debate das quest6es, a imprensa recorria, sobretudo, :'a processos como a prosa orat6ria e triunfalista, a repetic;io de chav6es doutrinarios, o 64 silenciarnento de acontecimentos relevantes, a transformac;io de boatos em noticias ... ". 57 Relat6rio do Conselho de Imprensa, cit., p. 44. 0 Joma! Novo, propriedade de uma dezena de investidores privados, esdarecia no estatuto Editorial do seu primeiro nillnero, a 17 de Abril de 1975, que surgia "para participar na tonsru~ da democracia (... )de sentido socializante (... ) "e que "nao sendo um jornal partidario apoia as for~ progressistas( ... )". No mesmo do Pono, o seu director, Anur Portela Filho, termina o editorial com uma numero, mas na edi~o proclama<;ao: "Pela defesa, pela afirmai;:ao, pela criatividade da Revolu<;ao Portuguesa". 0 empenhamento politico dos jornalistas reflecte-se, ainda, no facto de tres elemencos da redaci;:ao do Joma! Novo (Mario Mesquita e Antonio Jose Ribeiro, pelo PS, e Alfredo Alexandre, pela Liga Comunista lnternacionalista) terem sido candidatos a Assembleia Constituinte, nas eleii;:Oes de 1975. Apenas o primeiro, coordenador da sec<;ao Nacional, colocado em setimo lugar na lista liderada por Mario Soares, foi eleito. 5 '' Em Agosto de 1975, 24 jornalistas do Didrio de Noticias foram saneados em plen:irio de trabalhadores, por criticarem a orienta~ ideol6gica do jornal que, em seu emender, fuvorecia sistematicamente as posii;:Qes do PCP. Nern o fucto de o Sindicato dos Jornalistas e do Conselho de Imprensa se terem manifestado contra ta! decisao dos jornalistas, OS quais, mais tarde, vao estar ligados a cria<;ao de um jornal de direita, 0 Dia. levou a reintga~o <,o A tradu<;ao portuguesa do livro de Jacques Fremontier, que aqui referimos, tern um lapso que a manifesta<;ao foi em J ulho e nao em J unho, co mo erradamente consta no livro. corrigimos na cita~o: 61 FREMONTIER, Jacques, op. cit., p. 136. 62 MESQUITA, Mario "Os meios de Comunica<;ao Social". Op. cit., p. 363. 63 As afirmai;:6es do fi16sofo frances estfo transcritas nas edi<;Oes de 5 de Abril de 1975 do semanario Expresso e do vespenino A Capitak "A imprensa portuguesa (... ) nao explica nada. Nao explica, por exemplo, o que significa uma ocupai;:3.o, o que e uma autogestao, o que foi o 11 de Marco (... )". 64 MESQUITA, Mario "Os meios de Comunica~ Social". Op. cit., p. 364. 58 88 4. S6 ha partidos revolucionarios Escrevfamos ha pouco, citando Mario Mesquita, que os jomalistas e, por extensao, a informacrao produzida ap6s 25 de Abril de 1974, guinara a esquerda. Em Portugal, ate finais de 1975, altura que marca o fim do PREC, ser de direita "e ser reaccionario, e pertencer de algum modo ao regime ditatorial acabado de derrubar e estar associado as suas imagens de marca negativas: a PIDE, o aparelho repressivo, a guerra colonial, a oligarquia de algumas 65 fumflias". Assim se explica, como real91 a este respeito Pedro Diniz de Sousa, que "nenhum partido com aspira<,;:6es a ganhar peso eleitoral se assume de direita, a nao ser os movimentos 66 mais radicais, de resto dandestinos e exprimindo-se na linguagem da violencia". A ordem polfrica emergente transporta consigo todo um vocabulario novo adaptado as novas circunsrancias, o mesmo e dizer implicado com o clima e o movimento social dominante, cuja 16gica condiciona os principais actores da cena publica que nao tern outro remedio senao aceitar tal dinamica e dar-lhe 0 devido enquadramento legal. "Comiss6es de moradores, comiss6es de trabalhadores a margem .dos sindicatos, assembleias de trabalhadores, direc<,;:6es colectivas de empresas, cooperativas agrkolas, universidades e liceus literalmente expulsam os titulares do poder, como patr6es, latifundiarios, senhorios, directores e tomam em maos os processos de gestao, em nome da 67 revolu<,;:ao socialista e da defesa dos mais desfavorecidos". Os partidos aceitavam e jogavam com esta realidade, induindo aqueles que estavam longe de perfilhar OS ideais mais a esquerda. E, pois, a luz desta 16gica de funcionamento que teremos de enquadrar o programa do PPD, aprovado no I Congresso Nacional realizado em Lisboa, nos dias 23 e 24 de Novembro de 1974, em que sustentava que a "liberdade, igualdade e solidariedade sao os grandes ideais do socialismo e realizam-se na democracia. Nao ha verdadeira democracia sem socialismo, nem socialismo autentico 68 sem democracia" , doutrinava o mesmo documento, para cujos subscritores do partido fundado por Francisco Balsemao, Sa Carneiro e Magalhaes Mota, "o capitalismo multiplicou por toda a parte as desigualdades, a dependencia econ6mica e politica, a aliena<,;:ao e a desagrega<,;:ao sociais. E amea<;a o futuro da Humanidade atraves do rapido esgota69 mento dos recursos naturais, da destrui<,;:ao da natureza e da polui<,;:ao do ambiente" . Mais a direita, o CDS de Freitas do Amaral e Amaro da Costa defendia a "nacionaliza<,;:ao ou rigoroso controlo pelo Estado dos sectores da economia nao sujeitos a lei da 70 concorrencia nacional ou internacional" , ao mesmo tempo que apontava para a instaura<,;:ao de "uma economia social de mercado como base fundamental e mais eficaz 71 do nosso desenvolvimento acelerado". 65 SOUSA, Pedro Diniz de -A dramatizafiio na imprensa do "PREC': Coimbra, Minerva, 2003, p. 16. Idem. 67 Idem, p. 17. ""Programa do PPD, Lisboa, Novembro, 1974, p. 13 (acessivel a consuka no Centro de Documenra¢o 25 de Abril da Universidade de Coimbra). 6 '' Idem, p. 15. 70 Programa do CDS, 1975, p. 19, ponto 150 (acessivel a consulta no Centro de Documenra-;:ao 25 de Abril da Universidade de Coimbra). 71 Idem, p. 5. 66 89 E neste contexto que os partidos desenvolvem a sua ac~o e o processo revolucionario se desenrola, seguindo o prindpio dialectico da necessidade de visibilidade redproca. Se "para existir o processo revolucionario precisa de ser visivel aos olhos da sociedade que o sancionara - sublinha Pedro Diniz de Sousa - tambem a ideologia que sustenta esse 72 processo precisa de ser visivel, sob pena de ele fracassar" . Nao foi apenas, como se ve, o jornalismo que mudou profundamente na forma e no tom. Os pr6prios protagonistas da vida publica, neste caso os dois principais partidos situados a direita do PS, com assento parlamentar, alteraram, igualmente, de modo substancial, o conteudo de algumas das suas posi<r6es. Os ventos transformadores da Hist6ria, que mudaram da noire para o dia o lexico e o vocabulario dos portugueses, · influenciaram tan to a informa<;ao como a doutrina partidciria. Nao admira, portanto, que a Constiu~ de 1976 afirmasse logo a abrir que "Portugal e uma republica soberana ( ... ) e empenhada na sua transforma<;ao numa sociedade 73 sem classes", consequencia da visao ideol6gica dominante: PS (117 deputados), PPD 74 (80), PCP (30), CDS (16), MDP (5), UDP (1) e Representante dos Imeresses de Macau (1). 5. A revolw;ao portuguesa na imprensa estrangeira A imprensa estrangeira, por seu lado, descobria um Pais onde, finalmente, acontecia algo interessante para contar: "Portugal, antes da Revolu~, assemelhava-se a um cemi75 76 terio informativo". Porem, mal foram abertas "as ponas que Abril abriu" , Portugal, olhado pelos que chegavam de fora, "assumia contornos de um pais ex6tico", segundo 77 Hans Hubner, que tinha "a sensa<rao de presenciar um carnaval revoluciondrio" • Nao foi o unico. 0 jovem jornalista de Le Monde, Dominique Pouchin, recordou, anos mais tarde, que "as imagens de Portugal em 1974/75 pouco mais faziam do que reflectir o que se dizia no Rossio e o que se teatralizava diariamente nas manifesta<;6es. Porque esta 78 Revolu~ foi sobretudo verbalista e teatral" . Para a imprensa estrangeira, os acontecimentos em Portugal ora traziam a espuma dos dias "num revivalismo a todos os tfrulos extraordincirio, os cl:issicos debates sobre a vanguarda, o vanguardismo, o populismo, o sindicato como correia de transmissao do partido, 0 sindicato unico ligado ao partido, a liberdade de imprensa, as liberdades reais 72 SOUSA, Pedro Diniz de - op. cit., p. 15. n Arrigo 1 da Consriruic;:ao de 1976, aprovada a 2 de Abril, com seis voros conua, do CDS. Sa Machado (CDS) apresenrou uma proposra alrernariva para que em vez da expressao "abrir caminho para uma sociedade sem classes" se escrevesse "abrir caminho para uma sociedade socialisra". 0 arrigo 1 mereceu, rambem, a oposic;:ao do PPD, nao porque fosse contra a formulac;:ao em si, "mas porque o debate mosrrou que se rrara de uma expressao que amarra o arrigo 1 a mundividencia marxista. 74 17 dos depurados eleiros pelo PPD desligaram-se do partido em Dezembro de 1975, rendo rerminado o mandaro como independences. 75 HUBNER, Hans - "O delirio da informac;:ao". In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose (orgs.) - 0 25 de Abril nos media internacionais. Porro, Edic;:6es Afronramento, 1994, p. 197. 76 Nome de um longo poema epico escriro no Verao de 1975 por Ary dos Santos, que celebra a vit6ria dos camponeses e operirios face ao poder financeiro e dos latifundiarios, em Po~gal. 77 HUBNER, Hans - op. cit., p. 198. 78 POUCHIN, Dominique - "O Ultimo teatro leninisra". In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose (orgs.) - 0 25 de Abril nos media internacionais. Porto, Edic;Oes Afronramenro, 1994, p. 179. 90 79 e as liberdades formais" , ora "dramatizavam os acontecimentos", como sublinha o procuravam evitar que alemao Werner Herzog, "dizendo que os grupos de 80 entrassem fascistas na cidade. A realidade era, talvez, menos dramatica" . Maso dramatismo da escrita e das palavras era o alimento do teatro de rua em que de Pouchin. Dai que "no outro sector, largamente Portugal vivia, para voltar a maioricirio, que englobava as agencias e os jornais ligados aos grandes interesses econ6micos e financeiros, ao Mercado Comum e a NATO, a dramatiza<;ao nao era menor. As agencias noticiosas exageravam, evocando constantemente o perigo comunista. Dado que as suas noticias chegavam as do mundo inteiro, julgava-se, la fora, 81 que se vivia num clima de confronrac;ao permanente, com ac¢es armadas nas ruas de Lisboa". Na mem6ria fresca da conjuntura internacional baila uma diversidade de movimentos de esquerda, de que OS acontecimentos de Portugal sao herdeiros inesperados. E tudo isto, lembra Werner Herzog, num cemfrio em que "os jornalistas estrangeiros estavam 82 quase todos mal preparados para abordar a situa<;fo portuguesa". 0 brua diario das ruas, com as suas palavras de ordem gritadas ao sabor do momenta, acabou, muitas vezes, por contagiar os enviados especiais a revoluc;ao portuguesa. ainda, explica Ramon seguiu com entusiasmo e, Font, "a fase da emo¢o que a maioria dos jornalistas 83 mesmo, alguma cumplicidade. Raros eram os que levantavam duvidas" . 0 clima era mais de acc;ao que de reflexao. A liberdade recentemente conquistada era usada, gasta e desbaratada consoame a euforia e as forc;as de cada um. Um dia, ha uma manifesta¢o para cobrir. "O unico carro dispon!vel no RCP (Radio Clube Portugues) era um Mercedes do Sf. Botelho Moniz, 0 patrao que ja nao mandava. Tivemos enrao de decidir se famos ou nao de Mercedes para a Circular em Mercedes caia mal naqueles tempos de austeridade. Conclufmos, no entanto, que a reportagem compensava largamente os eventuais equivocos. Somos recebidos com palmas. Digam la como e que eu, jornalista, poderia fazer uma reportagem independente, objectiva, de uma manifesta¢o onde me aplaudiam? Como seria possi'.vel nao passar, de imediato, 84 para o lado de quern me aplaude? T odo o processo do 25 de Abril foi um pouco isso". 6. Dominio comunista da imprensa e um mito? "Os media sao persuasivos? Ou sao apenas a ferramenta da dasse que OS controla e que apenas os usa na concretizac;ao dos seus pr6prios objectivos?". pergunta, recorIdem, p. 181. HERZOG, Werner - "A dramatizas:ao das agencias noticiosas". In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose (orgs.) 0 25 de Abril nos media intemacionais. Pono, Edii;6es Afrontamento, 1994, p. 186. 1 " Idem. Idem, p. 185. Herzog justifica a sua afirmai;ao com esra pergunta: "Quern, de encre nos, tinha estudado a hist6ria, a sociologia, a economia e a politica portuguesas?". FONT, Ramon "Singularidades ponuguesas". In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose (orgs.) 0 25 de Abril nos media intemacionais. Porro, Edii;6es Afromamemo, 1994, p. 199. 84 Testemunho de Adelina Gomes {jornalista que emre o 25 de Abril de 1974 e Novembro de 1975 trabalhou no Radio Clube ,Portugues e depois na Televisao) durame o debate, In: MESQUITA, Mario; REBELO, Jose (orgs.) 0 25 de Abril nos media i11temacio11ais. Porro, Edilj'.oesAfrontamento, 1994, p. 215. 85 PIMLOTT, Ben; SEATON, Jean - "Political power and the porruguese media". Imerven9{o na International conference group on modern Portugal, Durhan, Junho 1979, edi9lo policopiada (acessfvel a consul ca no Centro de Documentai;:ao 25 de Abril da Universidade de Coimbra). n 0 " 91 rente, ganha especial acuidade sempre que se tenta abordar o peso e a influencia da imprensa portuguesa durante os anos de 1974 e 1975, designadamente no que toca aos legislativas de 1976. resultados das eleic;oes para a Assembleia Constituinte e A polfrica esta em toda a parte: nas ruas, nas empresas, nas escolas e universidades, nos quarteis e, naturalmente, nas sedes partidarias. Marx e Lenin e lideram as listas dos autores mais vendidos nas livrarias e s6 as filas para comprar bilhetes para o Ultimo Tango em Paris (proibido antes de Abril de 1974) rivalizam com as mulridoes que enchem as ruas e pra<;:as das cidades em permanente manifestac;ao. No espas:o de um ano e meio o Pais assiste a tomada de posse de seis Governos, a fuga para o estrangeiro do general Antonio Spinola (que nao chegou a completar um 86 ano como Presidente da Republica) ea oito dias de "greve" governativa, resultado do dima de agitas=ao polfrica e social em que Portugal respira. Inevitavelmente, os jornais, co~ tiragens que hoje fariam as delicias da maioria das empresas, vivem tambem internamente as mudans:as da epoca, ao mesmo tempo que enchem as suas paginas de conflitos e polemicas a radicaliza<;iio da imprensa, radio e televisao que lidera as movi87 mentas:oes revolucionarias, ou apenas as reflecte?" , perguntam Pirnlott e Seaton, referindo-se ao mesmo quotidiano agitado de 1975 que tanto preocupava o senador norteamericano Buckley: "Nao ha nada a acontecer no mundo - nem no Sudeste asi:itico, nem mesmo no Medio Oriente - que tenha metade da importancia e seja mais 83 ameac;ador que o avan<;:o comunista para o poder em Portugal". Ao nfvel da imprensa, esse "avan<;:o comunista afirma Jacques Fremontier - circunscrevia-se a tres jornais: Didrio de Noticias, 0 St!cu.lo e Didrio de Lisboa, totalizando 89 uma tiragem aproximada de 180 mil exemplares". Porem, sustenta o mesmo autor e 9 jornalista que esteve em Portugal ap6s o 25 de Abril, "a imprensa nao comunista mantem-se maioritaria na capital: um jornal da tarde, o Joma/ Novo (a roda de 60 mil exemplares de tiragem), defende posi<;:6es pr6ximas do grupo dos Nove; Rep1J.hlica (que desce para uns 20 mil) alia-se ao esquerdista e atira-se ao P.C., A Capital (70 mil) hesita entre os seus prindpios de neutralidade e as suas simpatias pela extrema-esquerda (mas certamente nao pelos comunistas!); o Didrio Popular (80 mil) e um jornal a maneira do France-Soir, pouco suspeito de tenta<;:6es revolucionarias ... 0 tfrulo do Jornal do Comercio diz suficientemente que nao se trata de um 6rgao subversivo. Tiragem total dos «nao ij A 20 de Novembro de 1975, o VI Governo decide, em Conselho de Ministros, suspender a ac~o governativa com a explicagro de que nao estavam as comil~es necessirias para garantir a sua normal operacionalidade. 0 Govemo retoma a actividade oito dias depois. Vide, REIS, Antonio "O de democratizagro". In: Portugal 20 anos de democracia, cit., p. 19-89. PIMLOTT, Ben; SEATON, Jean - "Political the portuguese media". Op. cit. ""MAXWELL, Lisboa, Editorial Presem;a, 1999, p. 128. 9 " FREMONTIER, Jacques- op. cit., p. 134. do Humanitl Dimanche, opoeFremontier, militante comunista e enviado a Portugal ao servi~ se a ideia de o PCP ter dominado a informa<;llo, em ate ao 25 de Novembro de 1975. Baseando a sua opiniao no nfunero de militantes comunisras dedarados nas diversas redao;6es (induindo radio e televisao). na circulac;ao dos diversos dtulos e nas entrevistas que fez com directores e chefs-dra~o de alguns jornais, Fremonder apresema uma versao dos acomec'imentos que reforl? a ideia da necessidade de se estudar mais a informa~ produzida durante esse perfodo e o respectivo contexto em que ela era realizada. No ambito deste trabalho, inreressa, sobrerudo, destacar a ideia de que a par da versao dos acontecimentos construfda pelos vencedores do 25 de Novembro de 1975, existe uma outra que e impossivel ignorar. 86 92 comunistas»: 240 mil a 250 mil exemplares ... Um mes mais tarde, em Agosto, com Vasco Goncralves ainda a frente do Governo e Correia Jesuino no ministerio da Comunicacrao Social, os comunistas continuam a ser acusados pela direita de exercer a sua «ditaduran, quando dois novos jornais aparecem em Lisboa: A Luta, criada por Raul Rego e toda a equipa socialista do Republica, torna-se rapidamente - com mais de cem 91 mil exemplares - o primeiro jornal de Portugal" . 0 outro jornal a que Fremontier se refere e a passagem a diario vespertino do Luta Popular, 6rgao oficial do MRPP, partido da extrema-esquerda, que mais combateu o PCP. Portugal nao tinha, entao, aquilo a que se chama de "imprensa nacional", como apontam, no esrudo que fizeram, Jean Seaton e Ben Pimlott, onde sublinham que "os 92 principais diarios lisboetas (Didrio de Notfcias, Didrio Popular, 0 Didrio , Didrio de Lisboa e A Capital) nao tern um nWnero significativo de lei tores fora do sul" .93 0 mesmo pensa Fremontier, que, tal como os investigadores britanicos, realcra a presencra e a superior influencia de tres dtulos no Norte do Pais, em especial na zona do Porto: 0 Comercio do Porto e o Primeiro de Janeiro pendem nitidamente para a direita, enquanto o Jornal de Noticias manifesta simpatias pelo PS. Nas pequenas vilas, a Igreja, a direita ou o PS controlam praticamente todos os jornais locais (salvo no Alentejo, fortaleza do 94 PCP)." Acresce, ainda, escreve o jornalista frances, que "o maior semanario de Portugal - de longe! - o Expresso (110 mil em Julho, 130 mil em Outubro), dirigido por um 95 deputado do PPD faz uma guerra sem treguas contra o PCP" . • Pelo meio, 0 Pais foi duas vezes as urnas. A 25 de Abril de 1975 para eleger OS deputados a Assembleia Constituinte e um ano depois, no mesmo dia, para participar nas primeiras elei¢es l~sativ; de onde saiu o primeiro Governo ConstitucionaL Em ambos os actos saiu vencedor o PS, ficando o PPD em segundo 0 PCP foi o rerceiro partido mais votado em 1975, 96 rrocando em 1976 com o CDS, que ficara em quarto lugar. 7. Os efeitos limitados da imprensa Diante destes resulrados eleitorais, que persuasiio, que nivel de influencia tiveram os jornais junto dos cidadaos? A luz do pensamento de Fremontier, tais nUmeros desmon1 FREMONTIER, Jacques cit., p. 134. Este jornal e posterior ao 25 Novembro de 1975 (o primeiro numero sai a 10 de Janeiro de 1976) e e o principal vefcuJo das posi<;Qes do PCP. De resto, quase todos os seus jornalisc:as, muitos deles saneados de outros orgaos, sao militantes comunistas, a comec;ar pelo seu director, Miguel Urbano Rodrigues, que fora chefe de redac¢o do Avante, 6rgao oficial do PCP. ?} SEATON, Jean; PIMLOIT, Ben "The Portuguese media in transition". Op. cit., p. 110. ,,. FREMONTIER, Jacques - op. cit., p. 134. 95 Idem. 06 Foram os seguintes os principais resultados para a Assembleia Constituinte, em que votou 91 % do 116 depurados eleitos), PPD (26,39% -81 deputados), PCP (12,46% 30 eleitorado: PS (37,87% depurados), CDS (7,61% 16 deputados). MDP (4,14% - 5 deputados), UDP (0,79% - 1 depurado), Associa¢o Para a Defesa dos Interesses de Macau (1 deputado). Voros nu!os e brancos (6,94%). No ano seguinte, as legislativas ficaram assim ordenadas: PS (34,97% - 106 depurados), PPD (24,02% - 71), CDS PPM (O, 52%), MES (15,91% 41), PCP (14,56% - 40), UDP (1,69% - 1), FSP (0,78%), MRPP (O, 58%), PDC (0, 52%), LCI (0,30%), PCPml(0,29%), AOC (0,29%), PRT (0,10%). Estes resultados nao induem os votos do circulo da emigra¢o, REIS, Antonio - "O Processo de democratiza¢o". In: Portugal 20 anos de democracia. Cit., p. 36-37. " 2 " 93 tam o argumento da manipulac;:ao e instrumentalizac;:ao da imprensa pelo PCP, partido · claramente derrotado nas duas eleic;:6es. Mario Mesquita interpreta a mesma realidade de maneira muito diferente: "As grandes campanhas desencadeadas pelo poder revolucionario, atraves dos media, saldaram-se em rotundas fracassos. Mantiveram um certo grau de desesrabilizac;:ao e de incerteza psicol6gica no Pais, animaram acc;:6es localizadas, mas o feitic;:o voltou-se contra o feiticeiro. ( ... ) 0 uso da comunicac;:ao social pelas forc;:as revolucionarias, em 1974-75, saldou-se por um efeito de ricochete. A tentac;:ao do monolitismo nao compensou. Pelo 97 contrario, voltou-se contra quern o tentou implantar". Jean Seaton e Ben Pimlott apresentam um terceiro olhar sabre a questao: o efeito limitado dos media na opiniao publica. "Portugal revela dados pouco usuais na Europa Ocidental, mas ha raz6es especiais que explicam por que e que OS media influenciam 98 menos a opiniao publica, em Portugal, que nos outros pa.fses" . Os dais investigadores, especialistas em estudos sabre Comunicac;:ao Social, apontam a questao da credibilidade coma um dos factores que explicarn aquele fen6meno: "O publico leitor nao tern motivos para acreditar em jornalistas que, no espac;:o de poucos meses, mudaram de jornais 99 fascistas para jornais comunistas". Mas a razao de fundo para a escassa influencia da imprensa na opiniao publica encontra-se, a meu ver, na baixa percentagem de leitura de jornais, nao obstante o Pais ter regisrado, naquele perfodo, a sua "idade de ouro" no que toca as tiragens. E 6bvio: se as pessoas nao estao expostas a informac;:ao veiculada pela imprensa, e muito dificil esta poder exercer a sua influencia ou, indusivamente, desencadear atitudes de reacc;:ao relativamente a informac;:fo que produz. Isto mesmo consideram, no seu estudo, Seaton e Pimlott que citam uma sondagem realizada pela Norma, em Novembro e Dezembro de 1976, junto de 5.805 adultos. "Em resposta a pergunta que didrio (matutino OU vespertino) feu OU jofheou nos itftimos 30 dias?, apenas 29,6 por cento respondeu, e esta pequena percentagem estava concentrada na Grande Lisboa e no Grande Porto. No resto do Pais, apenas uma pessoa em cada cinco foi capaz de dizer o nome de um jornal que tenha vista no mes anterior". rno Portugal detinha, entao, segundo numeros oficiais, um recorde europeu indesejavel: 30 leitores por mil habitarites. lOl 0 que leva a centrar a questao sobre 0 papel da radio e da televisfo durante o chamado PREC, embora essa abordagem esteja fora do carnpo de analise do presente trabalho. Apesar disso, tern todo o sentido, ainda que sumariamente, deixar aqui um esboc;:o do espectro audio-visual, onde, tal como na imprensa, as convuls6es tambem marcaram presenc;:a e os comunistas foram acusados de, igualmente, tentarem monopolizar a informac;:ao. 97 MESQUITA, Mario - op. cit., p. 365. SEANTON, Jean; PIMLOTI, Bern- "The portuguese media in transition". In: Op. cit., p. 108. ""Idem. '""Idem. IOI A elevada taxa de analfabetismo (37% segundo dados da UNESCO), a ausencia de habicos de leitura e o baixo nfvel medio de escolaridade explicam o fraco consumo de jornais, em Portugal. Cuja circulai;ao, rodavia, entre 1974-1975, foi a mais alca de sempre. De tal modo que em 1982, o conjunto das tiragens dos diarios era inferior 40 por cenco a epoca do 25 de Abril de 1974. 98 94 8. As lutas hertzianas No Radio Clube Portugues, a principal esta<;ao comercial, tudo era discutido em plenario de trabalhadores. Adelina Gomes, que integrava a redac<;ao, destaca uma dessas vota<;6es. "lmpunha-se, obviamente, difundir os comunicados das for<;as militares e politicas no poder: do MFA, do PCP, do PS, do PPD. Mas a questao de fundo era: ea direita deles? E a esquerda deles? Dividimo-nos, entao, em quatro grupos: OS que entendiam que nao se devia publicar nenhum comunicado de organiza<;6es situadas a esquerda do PCP; os que recusavam divulgar posi<;6es a direita do PPD; os que excluiam 102 tudo quanta ultrapassasse 0 PCP' a esquerda, OU 0 PPD a direita; e OS que achavam que era preciso encontrar uma solu<;fo operativa. Na ausencia de consenso instituimos uma liberdade oligarquica, isto e, cada jornalista no seu turno seria soberano e faria os 103 noticiarios conforme o seu criteria" . 0 mesmo jornalista interroga-se, ainda, sabre o tipo de informac;ao que faziam no RCP, tendo em conta que se tratava de um "emissor que funcionava 24 horas por dia 104 coma posto de comando do MFA" . Porem, garante que "nunca vivi um periodo tao livre, em que sucediam situa<;6es tao espantosas coma a que vou relatar. Na redac<;ao ~ramos 15 jornalistas, dos quais tres do PCP, talvez mais intervenientes que os restantes. Ao ponto de o RCP come<;ar a ser identificado com esse partido. Pensamos n6s, os outros doze, que era preciso chamar a aten<;ao dos ouvintes para estarem atentos a alguns noticiarios. Fui encarregado de redigir o respectivo comunicado que num sabado, a uma da tarde, mandei para o ar, de hara a hara. Explic:ivamos que havia um cerco do PCP, masque toda a gente tinha o direito de se expressar. Ao fim de dais noticiarios, um <lesses tres jornalistas do PCP veio ter comigo e disse-me: «rnas que liberdade e esta, nos queremos responder a esse comunicado porque discordamos daquilo que estiio a dize1~· a questiio nao estd colocada de Jonna correcta>. Respondi-lhe que tinham todo o direito de responder e, a partir dai, passou a difundir-se o comunicado dos doze e a resposta dos tres. E assim 105 permanecemos ate as oito horas da noite". Na Emissora Nacional, de acordo com o depoimento do locutor e militante do PCP, Mario Figueiredo, a Jacques Fremontier, "nas assembleias plen:irias, a maioria esteve sempre ligada ao PS e ao PPD. Mesmo entre os jornalistas. Apenas somos maiorit:irios 106 nos tecnicos dos estudios". Quanta a televisao, "os comunistas nunca foram mais do que um punhado: um rea107 lizador em dezasseis, um produtor em quarenta, cinco jornalistas em quarenta", sublinha o mesmo autor, para quern o assalto a informa<;ao pelos comunistas nao passa de um mito. Ainda no que toca a radio, ha que referir o caso da "ocupa<;fo da Renascen<;a'', 102 No livro que se cica consca, por lapso, o name PSD, que emendamos na cita<feo uma vez que cal designa<feo nao exiscia ainda. 101 T escemunho dado por Adelina Gomes durance o debate, 0 25 de Abril ilOJ media internacionaiJ, cit. p. 214. 104 Idem, p. 215. lf)j Idem, p. 214. 106 FREMONTIER, Jacques - op. cit., p. 138. 107 Idem. 95 propriedade do Patriarcado de Lisboa, cujo processo terminou com o regresso do controle da emissora a respectiva administraifio. Longe, ainda, da informaifio em tempo real das televis6es que hoje vemos, a Radio era, na altura o 6rgao de comunia~ por excelencia. 56 assim se explica, de resto, que tenha sido a Radio o primeiro 6rgiio a ser ocupado e a servir de veiculo as primeiras mensagens E um ano depois de Abril de 1974 o panorama era o dos protagonistas da Revolu~i. mesmo. A reportagem de Adelina Gomes sabre o 11 de Mar~o de 1975, no RAUS, ja entiio como jornalista da televisiio, so foi emitida perto da meia-noite. "O filme durou horas a revelar e, antes de ir para o ar, visionaram-no numerosos militares. Era meia-noite quando a 108 transmissiio se efectuou. Doze horas depois do acontecimento que a justificava". E, portamo, a luz da conjugacrao destes factores - pouca exposi~a dos cidadaos a imprensa e uma televisiio ainda a viver no tempo do diferido - que "os media talvez tenham tido um poder diminuto de manipulaifio ou persuasiio junta da opiniao publica. crucial, a diversos niveis, no decurso da revoluApesar disso, desempenharam um ~o portuguesa ,, .109 desde logo, o papel da imprensa na comunicaifio "de Pimlott e Seaton real~m, instru~6e ou exorta~6s dos lideres aos seguidores, quando era necessaria uma reac~io instantanea a um nova facto politico. (.. )A imprensa tambem se tomou veiculo de avi- · sos acerca de movienta~6s reais ou imaginarias, de modo a prevenir possfveis planos 110 no interior da estrutura militar- especialmente durante o Outono anarquico de 1975". Por outro lado, salientam os mesmos investigadores, "na confusa batalha de um 111 combate anarquico, os media adquiriram ou construiram um papel simb6lico crucial". Depois, "o controle sabre os media dava uma impressiio de poder, quando as bases do 112 poder eram par vezes pouco claras", na perspectiva de que esse poder adquirisse, atraves do espa~o publico que ocupava, uma legitma~o que justificasse o exerdcio e o predom{nio da sua visiio da realidade. Uma parte importante desse poder e dessa visiio estiveram longe de se rever nos resultados das eli~6s de 1975. Mas isso pouco importava na sua estrategia de afirma~io, uma vez que, como explicou Jose Saramagom a Jacques Fremontier, "estamos em 114 plena luta de classes. E uma batalha de vida ou de morte entre eles e nos ... " . 10 " GOMES, Adelino op. cit., p. 217. PIMLOTI, Bene SEATON, Jean "Political power and portuguese media". Op. cit. 110 Idem. 111 Idem. 112 SEATON, Jeane PIMLOTI, Bern "The pormguese media in transition". Cit., p. 113. m Jose Saramago foi convidado para direcror-adjumo do DN, ap6s o 11 de Mar<;o de 1975. Depois do 25 de Novembro reve de abandonar o cargo. 114 FREMONTIER, Jacques - op. cit., p. 135. '°? 96