Jornalismo e pobreza na era da reportagem:
o inquérito literário de 1905
Press and poverty in the age of reportage:
the literary inquiry of 1905
Is rael Ozanam
O meio jornalístico em Recife ia mal. Era esse o pressuposto de Aníbal
Freire, titular da seção “Matinais” do Diário de Pernambuco, quando iniciou um
inquérito literário naquela folha, em junho de 1905. Ele se dirigiu, pessoalmente
ou por carta, aos “literatos, aos beletristas, aos que cultivam o romance, o conto, a
poesia, a crítica histórica ou literária” entre os “mais notáveis de Pernambuco”,
perguntando-lhes a respeito de suas formações, de seus pares e de como melhorar o estado do jornalismo da capital pernambucana.1
Entre eles houve quem logo relacionasse essa enquete com a realizada
pouco antes por João do Rio na Gazeta de Notícias da capital federal: afinal, de
certa forma, as duas tematizavam a relação entre o beletrismo e a imprensa. Com
Isael Ozanam é mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorando em História Social na Unicamp (israel_ozanam@hotmail.com).
Artigo recebido em 19 de dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 7 de abril de 2014.
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efeito, tanto no Recife quanto no Rio de Janeiro, desde o século XIX “jornalismo
e literatura eram ofícios quase intercambiáveis: as mesmas personagens praticavam regularmente os dois ofícios, e se exercitavam nas variadas formas de texto
existentes em cada um deles” (Chalhoub, 2002: 12).2
Contudo, no Recife havia quem estivesse interessado mesmo nas diferenças, esperando que o inquérito unisse literatos do norte contra “uma enfatuada e pretensiosa literatura do sul” (ou especificamente do Rio de Janeiro), num
movimento que Brito Broca identificou em diversos estados no seu estudo sobre
a vida literária do Brasil desse período (2004: 97-102).3 De acordo com o autor,
essa espécie de federalismo das letras coincidiu com o início da República e resultou na criação das Academias, entre elas a Pernambucana.4
Mas como os literatos pernambucanos poderiam almejar uma organização que elevasse seu status numa perspectiva nacional, se muitos deles eram ao
mesmo tempo jornalistas e viviam se acusando uns aos outros dos costumes atribuídos às pessoas das mais baixas posições sociais? Essa era a questão posta por
Aníbal Freire. Ela explica a visão negativa dele e de alguns dos inquiridos sobre a
situação da imprensa recifense e será aqui o meu ponto de partida.
Enquanto Roberto Ventura (1991) abordou as polêmicas da imprensa
brasileira desse período a fim de entender a formação da crítica literária e do pensamento social no país, neste artigo tentarei, mais modestamente, compreender
a polêmica e os esforços contra ela como aspectos de uma luta pela demarcação de
distâncias entre homens de letras e práticas atribuídas à pobreza. Assim, esta história começa com Aníbal Freire, buscando, por meio do inquérito literário, congregar sujeitos de origens diferentes ao apostar em uma solidariedade jornalística que garantisse a proteção de suas reputações.
Num primeiro momento, parecia que ia dar certo. Quando confrontados, os depoimentos dos respondentes sobre si e seus pares se aproximam uns
dos outros nas reminiscências dos primeiros versos da infância; na contraposição entre uma educação escolar rígida, ineficiente, e o apoio paterno aos primeiros arroubos poéticos; e na percepção de que o lugar deles na literatura nacional
só poderia ser plenamente avaliado pela posteridade. Entre outras, a resposta de
Clóvis Bevilaqua, narrando a amizade com Paula Nei e Silva Jardim no Rio de
Janeiro nos anos 1870 e a posterior transferência para o Recife, remete a proximidades entre o meio literário dessa cidade e a imagem da boemia da Corte como
uma grande família – ou seja, firme na identidade comum, mas repleta de conflitos internos – traçada por Leonardo Pereira (2004: 31).
Conforme o autor, entre dificuldades materiais e projetos sociais, aqueles jovens literatos encontraram um aliado na renovação experimentada pela imprensa carioca, cujo marco foi o surgimento da Gazeta de Notícias em 1874. Porém, ao instituir mudanças que iam da redação à distribuição dos jornais, seu
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fundador, Ferreira de Araújo, visava a uma ampliação do público leitor que implicava o reconhecimento, por parte dos literatos, da necessidade de adaptarem a
escrita e as temáticas aos interesses de setores da população até então não percebidos como interlocutores (Pereira, 2004: 39-43).
Entre jornalistas recifenses da virada do século, não apenas se percebia
tais mudanças na imprensa, como também se reconhecia nelas o papel do criador
da Gazeta de Notícias. Ou, ao menos, esse era o caso de um redator da antiga folha
liberal A Província, para quem “Ferreira de Araújo realizou superiormente o verdadeiro tipo do jornalista contemporâneo – misto singular de operário e paladino, de tenacidade e ousadia”.5 Mas se a questão era a instituição de um novo modelo de contato dos jornais com camadas mais amplas da população, talvez nenhum dos participantes do inquérito parecesse mais habilitado a opinar do que o
catedrático da Faculdade de Direito do Recife Faelante da Câmara, tratado por
Aníbal Freire como alguém que “vive e se agita com as massas”.
Em sua resposta, os noticiários da imprensa recifense são considerados
sem graça. Logo eles, que, “pintados com a arte de um cenógrafo e escritos com
os tons leves de um folhetinista”, seriam “o prato predileto dos jornais modernos”. Em outras palavras, a “instituição da reportagem” não existiria no Recife,
ou seria “uma simples caricatura desse serviço na América do Norte”. Opinião
semelhante foi expressa, quase nos mesmos termos, por Pereira da Costa, para
quem a reportagem “audaciosa, bisbilhoteira, astuta, rápida, minuciosa dando,
pelo apropriado da frase e pela vivacidade do colorido, uma – deixem-me dizer
assim – sensação fotográfica do fato, esta, jamais a teve a imprensa do Recife”.
Diante disso, porém, A Província logo comunicou ter recebido a incumbência de perguntar a Faelante da Câmara, seu velho aliado, “o nome do jornal
norte-americano que serviu de critério para sua excomunhão à reportagem pernambucana”, e ressaltou que certamente se tratava de “jornal publicado em cidade dos Estados Unidos comparável ao Recife, porque as folhas de Nova York”,
como o Herald, “evidentemente não servem para o caso”.6 Com efeito, no “coro
dos repórteres indignados” que incumbiu A Província de fazer essa pergunta,
possivelmente havia aqueles que permitiam que folhas como o Jornal Pequeno
frequentemente empregassem “Nossa Reportagem” ou “Furo de Reportagem”
nos títulos ou subtítulos de longas notícias e as iniciassem com fórmulas do tipo:
“nossa reportagem se pôs a campo, e, depois de colher informações mais ou menos detalhadas, trouxe-nos o seguinte”.7
O problema parecia residir no quão próximo a prática do repórter, munido de todo o arsenal de expressões (des)classificatórias e estratégias narrativas
para empolgar e educar o público, atingiria o lugar social no qual os próprios literatos se sentiam situados. Nesse ponto, as respostas no inquérito se tornam erráticas. Se em um momento Pereira da Costa saudou a reportagem “audaciosa, bis136
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bilhoteira, astuta, rápida, minuciosa”, bastou entrar no tema das “intrigas do
partidarismo”, que instabilizavam a “reputação dos sujeitos”, para criticar a ausência de seletividade da imprensa recifense, que “estampa tudo que recolhe a
bisbilhotice da reportagem”.
Com efeito, no decorrer das respostas, emergiu como fundamental a reforma na tendência de os jornalistas se referirem às, como dizia Aníbal Freire,
“questões pessoais” uns dos outros, ou de aliados políticos, em suas contendas.
Além de presente em diversas respostas, o problema da discussão das “individualidades” volta nas considerações finais de Freire sobre o inquérito, embora justamente nelas ele tenha feito coro aos que afirmavam a inexistência da reportagem em Pernambuco, aconselhando: “faz-se necessário que o repórter tenha habilidade para penetrar fundo no espírito do entrevistado, mais eminente que seja
a sua situação social, [...] que de um pequeno acontecimento possa extrair efeitos
que indiretamente impressionem o público. Porque a questão principal é agitar,
é emocionar”.8
Tal dilema se refletia no noticiário naquele momento em relatos como o
de que “um cavalheiro de nossa sociedade”, “talentoso moço”, teria praticado várias desordens e teria sido recolhido à Casa de Detenção alcoolizado. Ao contrário do que ocorria a muitas pessoas cotidianamente presentes na imprensa, o
nome dele não era revelado.9 Onze anos mais tarde, em um longo artigo sobre “as
dificuldades com que luta a reportagem” em Recife, um redator do Jornal Pequeno ainda se ressentiria das dificuldades impostas ao seu trabalho pelo “meio social”, afirmando que na cidade até existiam fatos dignos da atenção jornalística,
mas “o meio não permite a análise de todos eles, processo que fica bem entre a
chamada imprensa amarela e, talvez, que infelizmente, ainda não adotado entre
nós”.10 Resignado diante do fato de os assuntos que empolgavam os leitores terem muito mais a ver com o “jogo do bicho” e a “vida alheia”, por ele considerada
fora do alcance dos repórteres, do que com grandes acontecimentos políticos, o
jornalista concluía que só lhe restaria noticiar a falta de novidades.
Oposição política e identidade de grupo
Ao considerar a vida alheia fora da sua alçada, aquele repórter em 1916
podia fazer crer que fora bem-sucedido o projeto de proteção das reputações presente em todo o inquérito de 1905 e condensado na resposta de Pereira da Costa
em favor da constituição “de uma associação de jornalistas em que se assentem as
bases da sua orientação na imprensa, sob o ponto de vista político e moral”.
Entretanto, a representatividade de sugestões como essa dependia menos de elas
evocarem interesses coletivos dos jornalistas do que do lugar de onde eram
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enunciadas. Intitulada “O Inquérito”, uma longa coluna publicada pela Província um dia após a primeira manifestação de Aníbal Freire nesse sentido inicialmente pareceu abraçar aquela proposta de congraçamento.11
Porém, logo se percebe a ironia dos redatores, que por vários dias criticariam duramente a iniciativa de Freire, contando com a solidariedade do Jornal
Pequeno e do Correio do Recife. Até o propósito de fazer-se um inquérito daquele
tipo foi tratado aí como emulação mal arranjada da enquete literária realizada
por João do Rio na Gazeta de Notícias, destinada a transformar os literatos recifenses em ornamentos de dissimulação das características da “nova fase” do Diário de Pernambuco. Tal “nova fase” significava a compra desse jornal em 1901 por
Francisco de Assis Rosa e Silva, ex-conservador, chefe do grupo que comandava
a política em Pernambuco desde o segundo lustro dos anos 1890 e adversário
mortal, literalmente, de José Maria de Albuquerque Melo, antigo proprietário
da Província.12
Alguns dos inquiridos na enquete foram tomados pela Província, ao menos naquela circunstância, como paradigmáticos do mecanismo de invenção de
boas reputações intelectuais e morais promovido pelo grupo dominante. Em artigo de 20 de junho, o redator simula um lugar entre os entrevistados e faz piadas
com as produções intelectuais de Arthur Orlando, diretor de redação do Diário, e
Faria Neves Sobrinho, redator do mesmo jornal e deputado governista, considerado pela Província um mero bajulador de Rosa e Silva.
Mas a presença da oposição no inquérito não ocorreu apenas em função
de ingerências satíricas nas páginas da Província; afinal, dificilmente a redação
do Diário vislumbraria êxito em uma empreitada de proteção de reputações entre
pares na qual tomassem parte apenas aliados. Ao receber a carta-convite de Aníbal Freire, porém, o romancista e redator da Província Joaquim Carneiro Vilela
decidiu responder nela mesma e não no “Diário, de cujo dono me afastam incompatibilidades morais e políticas de alta monta”.13 E considerando as perguntas
insidiosas e pérfidas, respondeu, entre outras coisas, que não tomaria parte na
autocrítica do jornal de Rosa e Silva, expressa na própria formulação da pergunta
sobre a situação do jornalismo em Recife.
Ainda que Faelante da Câmara, outro reconhecido colaborador da Província, tenha aceitado responder no Diário, suas palavras evocaram antes de tudo
os feitos dos seus aliados políticos e insinuaram algumas críticas à imprensa adversária. De qualquer forma, um ano depois ele escreveu uma carta aberta ao presidente da República eleito, Afonso Pena, fazendo exatamente o contrário do que
se esperava com o inquérito literário: tratou políticos ligados ao Diário como um
grupo de criminosos que dominavam a burocracia estatal e privavam os cidadãos
das garantias constitucionais.14
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Imediatamente, porém, surgiu um folheto editado na tipografia do Jornal do Recife, que formava com o Diário de Pernambuco a imprensa governista,
afirmando que haviam sido os “sicários”, “feras” e “capangas”, “salteadores da
fortuna pública”, pertencentes ao grupo de Faelante da Câmara, os responsáveis
por “sanguinolentas cenas” nas ruas de Recife entre os anos 1880 e pela ascensão
de Rosa e Silva em meados dos anos 1890, período a partir do qual a propriedade
particular, o domicílio e as decisões dos tribunais teriam passado a ser respeitadas como nunca na cidade.15 Pouco tempo depois, o historiador Alfredo de
Carvalho estenderia ao próprio Diário de Pernambuco essas mudanças de uma situação lamentável para outra positiva após a ascensão de Rosa e Silva, como indica um excerto seu de 1908 reproduzido no Livro do Nordeste, organizado mais tarde por Gilberto Freyre (1925: 7).
Porém, um tanto paradoxalmente, seria às declarações da Província daquele fim do século XIX que Aníbal Freire logo recorreria na discussão de 1905.
Isso porque, após ser ironizado por Carneiro Vilela e outros redatores do jornal,
ele lhes teria lançado um desafio em termos tais que levaram seus opositores a
questionar como era possível que o reformador da imprensa pernambucana de
repente chegasse “gingando na capoeira”, disposto “para a luta em todos os terrenos”.16 Em resposta, Freire evocou um curioso precedente: “o direito legítimo
da defesa é inerente a todo o homem de brio. Mas recorramos às próprias palavras d’A Província, edição de 19 de novembro de 1890: [...] É ela mesma que justifica a represália dos que são atacados”.17
Os artigos de edição tão recuada da folha liberal se referiam aos debates
em torno dos incidentes em uma quermesse de auxílio aos pobres, promovida
em novembro de 1890 por um clube republicano em Recife. Na ocasião, de acordo com algumas testemunhas, o antigo líder liberal José Mariano Carneiro da
Cunha teria sido vaiado por aliados do chefe republicano Isidoro Martins Júnior.
Em represália, Faelante da Câmara – o mesmo literato que responderia ao inquérito em 1905 – teria, na condição de delegado de polícia, comandado um grupo
de “capoeiras” que destruíram a quermesse (Ozanam, 2013a: 90-101).
Jovem sergipano, residente em Pernambuco havia apenas três anos,
Aníbal Freire talvez não soubesse que estava se remetendo justamente a um caso
no qual os seus futuros aliados trataram os adversários como capoeiras por estes
terem agido com violência em conflitos de rua. A não ser que ele soubesse dos detalhes e, no calor da discussão, tenha feito tal referência justamente para reconhecer como legítimo um expediente cuja rejeição foi apresentada como um dos
objetivos do seu inquérito literário.
Em fins do século XIX, José Mariano e seu aliado José Maria, antigo
proprietário da Província, estavam no centro de uma facção política frequentemente associada aos negros, à pobreza e à criminalidade em sátiras e denúncias
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na imprensa rival. Ela cuidadosamente procurava evitar qualquer tipo de diferenciação entre as reputações daqueles líderes políticos – e seus aliados, entre os
quais os já mencionados Faelante da Câmara e Carneiro Vilela – e as pessoas, em
geral tratadas como ralé, povinho, capoeiras e valentões, que lutavam em seu favor nos conflitos de rua (Ozanam, 2013a: 49-50).
A iniciativa de Dominique Kalifa e Alain Vaillant (2004) em favor do
que consideram uma análise literária e cultural da imprensa pode ajudar a compreender os sentidos nos quais aqui são tomadas essas acusações. De acordo com
os autores, entre o século XIX e o início do século XX, o princípio da escrita e da
leitura periódicas teve na França um relevante impacto nas percepções de mundo e nas relações sociais como um todo. Nesse sentido, caberia ao pesquisador
avaliar o “papel do periódico e de sua apropriação no desenvolvimento de identidades sociais”, ou seja, não seria adequado “postular a existência de grupos demasiadamente definidos, mas os perceber na própria dinâmica de sua construção, de que a imprensa, pensamos, é um dos agentes majoritários” (2004:
201-202).18
Não é possível simplesmente transpor aos contextos brasileiros essa interpretação da história da imprensa na França feita pelos autores. Entretanto, tal
abordagem parece-me um convite a evitar-se o ímpeto de classificar os sujeitos
em questão, por um lado, como literatos, jornalistas e elite ou, por outro, como
ralé, pobres e povo, deslocando-se a análise para os mecanismos por meio dos
quais essas classificações eram construídas, atribuídas e rejeitadas através da imprensa.
Particularmente naquele conflito em Recife no final do século XIX, ao
invés de consistirem apenas em provocações entre pares, as estratégias narrativas desqualificadoras pareciam visar a atrelar aos adversários categorias de acusação suficientes para justificar uma ação policial contra eles. Com efeito, em
pelo menos um momento, em 1890, José Mariano esteve na iminência de ser deportado para Fernando de Noronha junto com o “seu povo” (Ozanam, 2013a:
119-120). Percebendo a possibilidade de semelhantes consequências, os marianistas da imprensa não negavam sua proximidade com esse “povo”, apenas, em
tom de ameaça, recusavam para si e para ele as identificações criminais que lhes
eram impingidas: “Nos chamam capangas, capoeiras, criminosos, assassinos
nos papéis públicos, e vivem a nos ferir em nossa honra, a caluniar a nossa pobreza honrada [...] e depois fogem tristemente e se surpreendem com a represália”.19
Foram essas palavras que encerraram o artigo da edição de 19 de novembro de 1890 da Província evocado por Aníbal Freire em 1905, mas ele não as citou. Sua forma de proteger a própria reputação não era se solidarizando com a
“pobreza honrada” de pessoas do vulgo – categoria mais de uma vez empregada
no inquérito como um demarcador de alteridade – também criminalizadas pela
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imprensa, mas sim recorrendo a atestados de conduta fornecidos por “cavalheiros de distinção social”, como quando em determinado momento seus hábitos
na pensão onde morava viraram tema no debate com A Província.20
Não apenas no aspecto moral, mas também no literário se recorria a testemunhos públicos de amigos que legitimassem as iniciativas e pontos de vista dos
envolvidos no debate, como quando sob tantas críticas Aníbal Freire publicou
uma carta do sub-bibliotecário da Faculdade de Direito do Recife, na qual ele era
parabenizado pelo inquérito e isentado de culpa pelo conflito.21 Parece-me que
esse é o tipo de procedimento para o qual João Cezar Rocha chama a atenção quando propõe uma “história literária atenta à pessoalidade típica da representatividade pública” (1998: 155). Em seu trabalho, os casos em questão se referiam ao cotidiano literário cuidadosamente descrito por Brito Broca, os quais na narrativa
deste autor tanto poderiam figurar como mais ou menos amenos – a exemplo daquele em torno da constituição das Academias literárias estaduais citado acima,
no tópico anterior –, quanto incluir intrigas e duelos.
Assim, concentrando-se nas indicações do papel das relações pessoais
na trajetória dos literatos, João Rocha convida o leitor a um olhar sobre a obra de
Brito Broca que ultrapasse o pitoresco e perceba o quanto os sucessos narrados
dizem sobre a constituição do sistema intelectual do qual fizeram parte. Foi também na obra de Brito Broca, sobretudo na forma como ele definiu a boemia e sua
relação com a política do final do Império, que João Paulo Rodrigues (1998) encontrou subsídios para refletir sobre certa identidade de grupo estabelecida entre literatos. A sua abordagem, entretanto, buscou demarcar uma fronteira entre
duas tradições boêmias no Rio de Janeiro, uma de fins do século XIX e outra do
início do XX, as quais nas primeiras décadas deste século foram vistas como uma
só, sobretudo em virtude das reminiscências dos membros da segunda que
advogavam a existência dessa continuidade.
Porém, para o autor, uma diferença básica entre os dois grupos era que,
ao contrário do último, o dos anos 1880 esteve congregado em torno de um projeto de mudança social intimamente ligado à agenda política abolicionista e republicana. Essa dimensão das suas experiências coletivas teria sido obliterada em
memórias e biografias posteriores, contribuindo mais tarde para a visão modernista de que os literatos parnasianos eram descomprometidos com os problemas
sociais brasileiros (Rodrigues, 1998: 257).
Na resposta de Faelante da Câmara ao inquérito, há lembranças de uma
vivência semelhante à dessa boemia abolicionista e republicana do Rio de Janeiro dos anos 1880. Na pergunta sobre “o estado do jornalismo de Recife”, ele remonta à fundação da Folha do Norte em 1883, da qual fazia parte, junto com alguns dos jornalistas envolvidos na polêmica de 1905 e ainda o líder republicano
Isidoro Martins Júnior (Nascimento, 1966: 267).
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Considerando-se “aposentado no ofício”, Faelante da Câmara ao responder não recorda que poucos anos depois da fundação da Gazeta do Norte ele
seria inimigo de Martins Júnior, e os jornais favoráveis a este estariam continuamente proclamando a criminalidade sua e de seus aliados, intitulando-os de o
“povo” da Província, “que assassina, que corta a orelha, que provoca desordem”.22 A propósito, “cortar a orelha” aí não era apenas uma forma genérica de
mencionar a violência do grupo de Faelante e sim a alusão a uma agressão na qual
teria estado envolvido um indivíduo chamado Vera Cruz, que o leitor dos jornais
do período possivelmente oscilaria entre definir como um capanga pobre, tio dos
“brabos” José da Benta e Bentinho, e compadre de José Mariano, ou como um
jornalista, mais precisamente um ilustrador de jornais ligados ao partido desse
político, onde fazia charges e quadrinhos satíricos.23
A observação dessas situações limítrofes em termos de classificação social
que os jornalistas criavam uns para os outros no instável ambiente político do final
do século XIX provoca a sensação de que, talvez em virtude das fontes utilizadas
em seu artigo, João Paulo Rodrigues tenha deixado de considerar um tipo de politização que comprometia a própria identidade de grupo entre os membros da “geração boêmia”. Com efeito, a desconstrução da noção de continuidade da boemia
literária entre os anos 1880 e o início do século XX não levou o autor a questionar a
conversão, em categoria de análise, de uma classificação que na época estava passível de exclusões e elaborações a depender de quem a ela se referia.
Assim, apesar de reconhecer que do ponto de vista material a pobreza
rondava os boêmios cariocas dos anos 1880, o autor não se deteve na possibilidade de que a relativa garantia de status que a condição de “literato” proporcionava
tenha sido por vezes negada a alguns deles, deixando-os ameaçados pelo enquadramento no nível mais baixo do esquema bipolar da definição das hierarquias
sociais, o qual eles próprios ajudaram a construir e do qual se julgavam independentes. Atentar nisso me parece uma forma de aproximar a prática jornalística, o
crime e a pobreza num sentido menos estável do que o sugerido pela noção de boemia como um grupo social distinto.
A pobreza nas “cenas da vida boêmia”
Uma outra forma de realizar essa aproximação, além de dar atenção às
disputas que ameaçavam reputações, mas totalmente associada a elas, é indagar
de que maneiras a coletividade percebida como naturalmente passível de ter pessoas com má reputação interferia nesses debates. O jornal ligado a Martins Júnior que mais enfaticamente noticiou o ataque dos subordinados de Faelante da
Câmara à quermesse republicana em 1890 foi a Gazeta da Tarde.24 No ano seguin142
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te, num breve intervalo no qual os partidários da Província comandavam a política do estado, a Gazeta se ocupou longamente de um “grande escândalo” referente
ao envolvimento de um “alto funcionário” com o aliciamento e defloramento de
menores.25
A segurança com que a redação garantiu que provaria em juízo a criminalidade do funcionário se fosse processada por ele, remete ao fato de ela declaradamente confiar na presteza com a qual seu informante adquiria detalhes sobre o
caso. Diante das suspeitas de que este seria um companheiro de repartição do
alto funcionário e subalterno a ele, a Gazeta declarou: “loucura. As informações
que temos recebido por cartas, são dadas por pessoas incontestavelmente pouco
afeitas a escritos; e quer a letra quer a linguagem é sempre a mesma, o que debela
a possibilidade de um disfarce”. Ou seja, em relação à cultura letrada, o informante estaria abaixo de um funcionário subalterno.
Na discussão em torno do inquérito literário, uma linguagem pouco
afeita à escrita e a determinado padrão de moralidade no trato com os interlocutores foi mais de uma vez atribuída pelos jornalistas a sujeitos e lugares sociais
inferiores aos seus, ainda que tais alusões ocorressem em acusações que faziam
uns aos outros: “eles descompõem-nos numa linguagem que fere os ouvidos até
das regateiras”, “atiram-se contra nós numa linguagem de bordéis”, “este desabafo, próprio da ralé, peculiar à mais vil patuleia, indignou os elementos sãos da
sociedade pernambucana”.26
Mesmo que nas reportagens de 1891 a Gazeta da Tarde tenha dito aquilo
apenas para dificultar a identificação do seu informante, haveria outros exemplos de pessoas tratadas como subalternas pelos jornais mas ao mesmo tempo
aceitas como colaboradoras em suas disputas contra adversários políticos. Esse
foi o caso do pescador Silvério, um “humilde homem do povo”, “pobre homem
rude e sem importância social”, que no ano anterior ao inquérito literário denunciou arbitrariedades policiais à redação da Província, cujos conflitos com o
governo lhe foram de grande valia no momento em que era perseguido (Ozanam,
2013b).
No que tange ao lugar de pessoas como Silvério na imprensa, Faelante
da Câmara, em sua resposta ao inquérito, habilmente sugeriu diferenças entre
jornais contemporâneos como se fossem diferenças entre duas épocas:
A imprensa democratiza-se à proporção que aumenta o
número dos seus leitores, e, se ainda trata o burguês endinheirado com o
chapéu na mão, [como] praticava o Diário ao tempo em que se vendia a
320 réis o número, em compensação trata o operário por tu e dá-lhe palmadinhas de familiaridade alegre.
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Mesmo provavelmente não sendo tão habituado à vida nas redações e tipografias, Altino de Araújo, magistrado do Superior Tribunal de Justiça de Pernambuco, referiu-se a esse assunto no questionário em termos não muito diferentes: “o jornal é o grande livro aberto todos os dias ao rico e ao pobre, ao grande
e ao pequeno”. Aparentemente aqueles literatos – ou os que se manifestaram a
esse respeito – consideravam uma decorrência desse novo momento da imprensa o fato de o “humilde homem do povo” perceber que os conflitos políticos em
Recife tornavam possível a um jornal acusar adversários com categorias e ênfase
semelhantes às diariamente direcionadas a pessoas como ele.
Aníbal Freire estava atento a isso quando propôs o inquérito. Garantir a
proteção das reputações, o saneamento na linguagem e o fim das acusações entre
os jornalistas implicava evitar a interferência do tipo de pessoa considerada conhecedora das práticas equívocas dos homens ilustres e, portanto, capaz de fornecer subsídios para uma troca de acusações entre eles que podia acabar nivelando-os a ela. Nesse ponto, os apelos pelo congraçamento jornalístico e pela melhor
formação dos repórteres, presentes nas publicações de Freire sobre o inquérito,
convergem na tentativa de suprimir a figura do informante: “É preciso também
educar o povo nesse sentido. Poucos esperam que o repórter vá tomar as notas sobre os fatos. Os interessados vêm às redações expô-los nos seus detalhes e da maneira por que lhes convém sejam tornados públicos”.27
Isso não significa que o redator do Diário não via lugar para os pobres na
produção do conteúdo dos jornais. Ao contrário, seu acesso seria até facilitado,
desde que ele incorporasse a condição de trabalhador e não a de uma sombra
ameaçadora a manipular os noticiários e reportagens:
Outra questão que há de ser levada em conta, e agora,
pelos gerentes dos jornais, é a facilidade com que se deve dotar as classes
pobres nos seus anúncios de ofertas e serviços, de procura de recursos. O
anúncio é, bem se sabe, a parte principal da receita dos jornais. Dir-se-á
que não há lugar para alargar a preços resumidíssimos, os anúncios pequenos, destinados principalmente aos mais desfavorecidos. Bem se vê
que as nossas folhas não têm, como o New York Herald, só de anúncios,
cinquenta colunas. Mesmo das trinta e duas colunas de nossos jornais,
pode-se tirar umas duas para esse serviço ao operariado, aos domésticos.
Assim o jornal entraria por sua vez mais amplo nas camadas verdadeiramente populares do corpo social.28
Nesse caso, recomendar um sacrifício pecuniário em favor de um serviço às “camadas verdadeiramente populares do corpo social” significava que elas
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Jornalismo e pobreza na era da reportagem
eram formadas pelos trabalhadores pobres. Pobre, porém, era uma categoria que,
explicitamente ou não, aos olhos de vários desses jornalistas encerrava uma série
de características muito além, ou aquém, do trabalho. Disso ainda serve de testemunho a maneira como eles, quando queriam criticá-la, comparavam a linguagem de seus adversários às de trabalhadores considerados de baixa condição,
como “regateira” ou “arrieiro”.29
A princípio, até mesmo a redação da Província já não pareceu tão disposta quanto em anos anteriores a atribuir a si a condição de pobreza em momentos
de conflito. Pelo menos é o que leva a crer a reação de Manoel Caetano, diretor do
jornal, quando a discussão sobre o inquérito literário desembocou numa acusação de que os seus sobrinhos, órfãos do ex-diretor José Maria, haviam estudado
“na classe dos alunos pobres do Colégio Salesiano” após o assassinato do pai.30
Diante disso, Manoel Caetano publicou um quadro demonstrativo das
mensalidades pagas, uma carta de solidariedade do padre Teófilo Tworz – da administração do colégio – e ainda prometeu expor “fora do balcão d’A Província
ou na parede onde costumamos fixar telegramas” 23 recibos dos salesianos, tudo
para provar que os sobrinhos conviveram com as “melhores famílias desta capital”, estudando na mesma classe de “meninos de respeitabilíssimas e abastadas
famílias pernambucanas”.31 Até porque na classe dos alunos pobres “todos se
preparam para os ofícios mecânicos” e àquelas alturas (pois essa seria uma história antiga), os filhos de José Maria já eram estudantes da Faculdade de Direito do
Recife.32
De toda a troca de acusações desencadeada em torno do inquérito literário, essa foi talvez a única que realmente tirou o humor do pessoal da Província:
“hoje nos trens, nos bondes, nas esquinas, por toda parte enfim, eram gerais as
censuras a um artigo editorial do Diário de Pernambuco sob o título ‘Nós e a Província’”.33 Não é preciso concordar que todos tinham a mesma opinião sobre o
editorial, mas me parece plausível supor, como sugere essa passagem, que aquelas acusações mútuas chegaram ao conhecimento de uma parcela da população
bastante superior à que lia os jornais, e disso os próprios artigos relacionados ao
conflito do inquérito forneciam indícios.
A fixação dos recibos dos salesianos no escritório da Província talvez exigisse algum domínio da leitura e certa proximidade, mesmo geográfica, com os
jornais. Mas isso dificilmente seria indispensável a quem no trem de Olinda presenciou José Maria Filho censurar Arthur Orlando, diretor de redação do Diário
de Pernambuco e, em outras épocas, amigo do seu pai, por permitir que a folha se
ocupasse de tal assunto.34
Entretanto, observando-a com mais cuidado, a indignação provocada
por ele não parece ter decorrido apenas da informação de que os filhos de José
Maria haviam passado a infância na pobreza. Como herdeiros do jornal A ProEst. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, nº 53, p. 134-156, janeiro-junho de 2014.
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Israel Ozanam
víncia, tal informação apenas fundamentava uma acusação nada incomum entre
jornalistas e políticos do período: a de roubo. Para o Diário, aquela era a história
do “roubo feito aos filhos de José Maria” por um tio oportunista, que teria vindo
do Rio de Janeiro para apropriar-se dos bens do irmão, deixando os sobrinhos na
miséria.35
Em suas réplicas, Manoel Caetano chegou a evocar as relações escusas
entre Rosa e Silva, o já mencionado proprietário do Diário, e o mundo dos jogos
proibidos. Contudo, foi principalmente com a mesma moeda que ele procurou
responder a Aníbal Freire. Partindo do tom que vinha sendo empregado em relação ao redator do Diário desde o início do debate, Caetano o apresenta como um
sergipano desconhecido, de quem não se sabia direito nem sequer o verdadeiro
nome – para isso, o tratava como Aquiles Freire – e cujas práticas se assemelhavam às de gatunos conhecidos:
Aquele mesmo Aquiles Freire, o próprio e autêntico,
que há dias aparecera na imprensa disfarçado de moralizador, em elevador de nível, e que, depois de desmascarado aqui na Província, tão mal
sapateara a sua capoeira, de navalha entre a carapinha, na parte editorial
do Diário, novamente se mascarara, agora com outros do bando, e sem
assinatura, usando de pseudônimo que é uma profanação escusada e estúpida, fora reeditar velhíssimas calúnias, velhas e parvas, já inúmeras
vezes destruídas; fora fazê-lo nos apedidos (sic), na seção despida de responsabilidade, ao lado de Genaro Guizi e de Adolfinho, os gatunos que
dali nos lançam reptos e nos ameaçam com o desprezo público, estes, é
preciso confessar, com os seus nomes, mais ou menos falsos e mais ou
menos trocados – o que de resto sucede também ao Freire de Sergipe –,
porém com os nomes que no momento dizem ser os seus.36
Nesse caso, qual seria a prática de gatunos compartilhada por Aníbal
Freire? Manoel Caetano julgava que as primeiras acusações de roubo dirigidas a
ele nas publicações “A Pedidos” do Diário tinham sido redigidas não por particulares, mas por Aníbal Freire sob pseudônimo. Preenchê-las com informações
falsas seria, conforme o diretor da Província, atitude de homens como Genaro
Guizi e Adolfinho, que não foram, absolutamente, escolhidos ao acaso.
Naqueles dias, a reportagem da Província acompanhava quase diariamente a ação do “inteligente gatuno” Genaro Guizi, que já estivera em Recife na
década anterior e agora, deixando o Rio de Janeiro, voltava à cidade “ostentando
uma certa abastança, nas roupas finas que traja e nas jóias que usa”.37 Ele seria
uma referência em um grupo do qual faziam parte Adolfinho e um homem cha146
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mado Américo Veiga. Enquanto Guizi fora à polícia assegurar que estava em Recife “com a intenção de estabelecer-se e viver honradamente”, Veiga dizia “pertencer a importante família paraense Danym Veiga, ter saído de seu estado devido a perseguições políticas” e “vindo para esta capital à procura de uma
colocação”.
Alguns membros do grupo teriam confessado fazerem todos parte de
uma quadrilha, o que prejudicou os planos dos três de ficar na cidade. Mas, apesar de denunciarem seus companheiros, eles confirmaram que Veiga era “efetivamente de família distinta, mas muito estroina e muito gastador”. Essa não era
a primeira vez em que a figura do perseguido político e do gatuno se misturavam
nas colunas “A Pedidos” do Diário de Pernambuco.
Em 1890, durante as mesmas disputas políticas que resultaram no conflito da quermesse acima comentado, um homem chamado Maximiniano Félix
Bahia publicou diversos artigos “ao Exmo. Sr. Dr. Governador do estado e ao público em geral” garantindo ser um pobre trabalhador que estava sendo tratado
como criminoso e ameaçado de deportação para Fernando de Noronha apenas
por ser aliado de Isidoro Martins Júnior e ter trabalhado numa repartição repleta
de adversários daquele líder republicano.38 De tão detalhadamente explicada,
um leitor só começaria a desconfiar da história se percebesse que até mesmo a
Gazeta da Tarde, ligada a Martins Júnior, apresentou Bahia como um “célebre gatuno” e considerou sua trajetória a de um “honrado escamoteador”.39 Isso, porém, não garante que em nenhum momento Bahia tenha sido visto como um
partidário por alguns republicanos, até porque ele logo teve aprovado um pedido
de habeas corpus e não foi deportado.
Diante de semelhantes conflitos nas atribuições de identidades, como
diferenciar precisamente o status e o grupo dos sujeitos que escreviam nos jornais, daqueles sobre os quais eles escreviam? Atento à precariedade da vida material de muitos literatos cariocas dos anos 1880, sobretudo alguns que tentavam
pela primeira vez viver das letras, Leonardo Pereira se viu na contingência de
procurar no letramento o traço distintivo entre os “boêmios” e seus “outros” situados na base da hierarquia social (2004). É assim que emergem em seu trabalho
as noções de “classes despossuídas” ou “trabalhadoras” em um sentido equivalente a “classes iletradas”, às quais pertenceriam determinadas “experiências e
tradições” profundamente desconhecidas pelos literatos boêmios, mesmo que
estes, na condição de também mais ou menos despossuídos, estivessem em “íntima convivência” com elas no dia a dia (Pereira, 2004: 30-39; 45-46).
Ainda que seus autores pretendessem diferenciar-se dos “outros” – definidos como trabalhadores pobres, criminosos ou os dois –, o letramento dificilmente poderia ser concebido como um critério para isso nas publicações em torno do inquérito de 1905. Antes o contrário. Da mesma forma que Aníbal Freire
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foi comparado a gatunos pelo tipo de apropriação que teria feito da coluna “A Pedidos” do Diário de Pernambuco, ali o trabalhador pobre seria o que se prepara
para os ofícios mecânicos estudando no Colégio Salesiano e oferece seus serviços
nas colunas dos jornais. Seriam todos alheios aos costumes e práticas do “mundo
iletrado”?
Apesar de apontar cuidadosamente a distinção entre “populares” e
“burgueses” como uma interpretação bipolar de sociedade que os literatos ao
mesmo tempo ajudaram a criar e procuravam superar, Leonardo Pereira não parece ter ido além desse esquema em sua própria análise, ou o foi apenas no sentido de situar a boemia literária na posição de subgrupo mediador daquele último
grupo (2004: 30). Nesse sentido, assim como no trabalho de João Paulo Rodrigues, a boemia adquire os contornos de uma categoria classificadora de pessoas
que conviviam com costumes, sujeitos e lugares considerados de baixo nível e
mesmo assim eram isentas da contaminação social – até porque eles não parecem
ter tido adversários dispostos a desclassificá-los.
Talvez essa capacidade de constituir uma unidade de grupo tenha sido
característica dos literatos cariocas entre fins do século XIX e início do XX. No
inquérito literário do Recife, França Pereira chegou a dizer que a identidade de
classe visada por Aníbal Freire já existia no Rio de Janeiro, representada pelo
“Clube dos Diários”. Entretanto, de acordo com o estudo de Jeffrey Needell, embora eventualmente pudesse ser frequentado por alguém da imprensa, esse clube
era um espaço de pessoas de um perfil profissional diferente e “cuja riqueza e posição lhes permitia veranear no fresco refúgio serrano da elegante Petrópolis,
mas paralelamente exigia deles que percorressem o caminho de ida e volta até
seus escritórios cariocas, a cada manhã e tarde” (1993: 95), daí o nome “diários”.
Com efeito, isso não passou despercebido a Aníbal Freire, que discordou de
França Pereira afirmando que tal instituição fluminense não era um “grêmio de
jornalistas” e sim uma sociedade “aristocrática, fidalga, onde só penetram as damas da alta roda e os cavalheiros da ‘jeunesse dorée’ ou dos grandes círculos sociais”.40
Diante de opiniões divergentes como essas entre contemporâneos, emitir um juízo sobre o grau de validade de alguma noção de jornalista ou de boêmio
como categoria social me pareceria uma estranha maneira de adentrar numa história que eu deveria estar contando. Ou seja, antes de tratar os literatos do Recife
no sentido proposto pela historiografia, parece-me necessário reconhecer que ele
é desconfortavelmente próximo ao que Aníbal Freire tentou instituir com o seu
inquérito de 1905 e possui uma historicidade, a qual é evocada pela da própria
noção de “boemia” e da sua utilização no Brasil.
Com efeito, de acordo com João Paulo Rodrigues, na França das primeiras décadas do século XIX o termo “boemia” remetia a “vagabundos e ladrões”
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em geral e teria se convertido na designação de literatos cujas reputações eram
distintas das camadas baixas, apesar de conviverem com elas, a partir do romance Scènes de la vie de bohème, publicado por Henri Murger entre 1847 e 1849. Em
vista do tom despolitizado da narrativa, essa obra e a noção de boemia que ela
traz consigo teriam contribuído para a construção de uma memória da vida literária carioca na qual a atuação política dos seus participantes não adquiriu relevo
(Rodrigues, 1998: 250-253).
Embora eu não possa afirmar que Aníbal Freire tinha em mente uma
elaboração coletiva e local desse conceito de boemia quando propôs a constituição de um sentimento de grupo literário e jornalístico em Recife, é digno de nota
que, exatamente na época da publicação de seu inquérito no Diário de Pernambuco, o rodapé da primeira página desse jornal estivesse estampando uma tradução
do romance de Henri Murger, com o título Cenas da vida boêmia. Assim, perceber
o esforço para a constituição do jornalismo como uma identidade social resguardada contra as ameaças às reputações vindas da pobreza e da criminalidade implica, a meu ver, considerar essa posição apenas uma entre outras leituras possíveis para a experiência dos sujeitos que faziam a imprensa, alguns dos quais – por
que não? – na condição de trabalhadores pobres.
As últimas palavras sobre João de Deus: o jornalista como trabalhador
pobre
Como se viu no tópico anterior, em suas considerações finais sobre o inquérito literário, Aníbal Freire concebeu a existência de um lugar para o pobre
na produção do conteúdo dos jornais, desde que na seção de anúncios, ou seja,
como trabalhador. Porém, ainda como trabalhador, ele não só considerava aceitável o acesso do pobre ao noticiário e às reportagens, como julgava ter encontrado aí um meio de impedir que a criação do “espírito de classe” entre os jornalistas
continuasse prejudicada por rivalidades políticas.
O redator não levantou essa questão no vazio. Ao longo do inquérito, a
percepção de que faltava uma identidade de classe aos jornalistas e isso tinha efeitos negativos sobre suas reputações não foi dissociada da de que o jornalismo era
uma atividade profissional entre outras. Respondendo a uma das perguntas, França Pereira já propunha a criação de um “Grêmio dos Jornalistas do Recife” justificando: “congregam-se os acadêmicos, os empregados do comércio, os operários,
os merceeiros, os remadores, todas as classes, menos a dos cultores da imprensa”.
A saída apresentada por Aníbal Freire, a partir da resposta de Teotônio
Freire ao inquérito, foi “a fundação de uma Escola de jornalismo” baseada no
mérito, o que tiraria os jornais das facções políticas:
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Moços de recursos escassos, que quisessem fazer do jornalismo a sua carreira, iniciar-se-iam nos segredos da revisão e da reportagem, seriam forçosamente atraídos pelos diretores dos jornais desde
que ficassem evidentes o seu amor ao trabalho e a sua capacidade profissional. Não se lhes indagaria se é contra nós ou a nosso favor, incutindo-lhe
desde logo o espírito de rivalidade, a tendência separatista do ódio.
Dessa maneira, aparentemente ao contrário do que acontecia naquele
momento, tais moços poderiam ascender na carreira jornalística até atingir cargos de direção nos jornais, livrando estes de uma vez das tendências desagregativas. A tese de que os jornalistas menos favorecidos tenderiam mais ao sentimento de classe parece corroborada pelo próprio fato de o autor das respostas que a
inspiraram ter sido Teotônio Freire.
Apesar do reconhecimento literário, ele terminou seus dias dependendo
de ajuda para ter onde morar. Na ocasião de sua morte, comentando um projeto
de lei para isenção de impostos à pequena casa que lhe havia sido doada por amigos, um redator da Província lamentou: “Teotônio Freire morreu pobre, como
morrem todos os intelectuais em nosso país, legando apenas à sua numerosa família a riqueza de seu nome digno de todo apreço e estima”.41
Porém, daí a acreditar que “os literatos” ou “os jornalistas” do Recife
eram principalmente pobres e, portanto, precisavam da solidariedade de classe
para protegerem suas reputações há uma distância considerável. A questão aqui
é, ao contrário, mostrar que os produtores das fontes jornalísticas não compartilhavam os mesmos status e nível de fortuna, e também não formavam necessariamente uma comunidade de interesses, seja como classe autônoma ou parte de
uma classe, a partir da qual escreviam sobre seus “outros”. E se em algum momento vieram a formar, tal formação precisaria ter sua história contada e não
pressuposta.
Talvez Alexandre Lazzari (2001) não tenha levado isso em conta quando, de maneira bastante perspicaz, destacou com base na imprensa a proximidade dos costumes, dos padrões de moralidade e mesmo dos corpos de pessoas de
posições sociais variadas no carnaval porto-alegrense entre as décadas finais do
século XIX e os primeiros anos do XX. De acordo com o autor, por volta do início da República o crescimento demográfico e as mudanças na composição da folia naquela cidade criaram uma situação na qual pessoas de famílias distintas,
antes facilmente reconhecíveis e, portanto, resguardadas da desclassificação
apesar da proximidade com os costumes do povo, passaram a correr o risco de serem confundidas com ele, ameaçando assim suas reputações e sua liberdade.
Nesse sentido, os discursos que naquele período idealizavam os carnavais do passado como moralmente superiores e postulavam a existência de dis150
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tâncias entre as práticas populares e as da elite estavam relacionados justamente
às consequências da proximidade e não à distância (Lazzari, 2001: 179-181;
229-231). Contudo, a atenção de Alexandre Lazzari à dimensão social da produção desses discursos não teve como decorrência uma interpretação alternativa
dos lugares dos seus autores e da distribuição das práticas culturais entre eles e os
grupos com os quais interagiam e sobre os quais escreviam. Antes, a difícil opção
por abordar as hierarquias da maneira mais abrangente possível resultou na adoção das categorias de diferenciação social empregadas nos próprios discursos –
“famílias burguesas”, “respeitáveis famílias” –, as quais foram mais ou menos
identificadas com o lugar de fala dos seus produtores – “jornalistas e famílias
brancas”, “a insistência das famílias e dos intelectuais da imprensa” (Lazzari,
2001: 176-181; 230-234).
Isso implicou a aceitação de que haveria realmente, conforme os jornalistas diziam, um outro lado, composto por “negros e pobres” ou “trabalhadores
pobres em geral”, os mascarados da folia, impossibilitados de agir no interior da
discursividade de um noticiarista de jornal, o qual, por sua vez, teria dificuldade
de entender a “tradição popular”. Não seria muito difícil transpor para os carnavais do Recife a impressão de que o lugar social dos “jornalistas” os impedia de
compreender as “práticas do povo”. Em relação aos serviços de reportagem citados ainda no primeiro tópico deste texto, por exemplo, poder-se-ia considerar
inconcebível que só por ter afirmado que sua “reportagem se pôs a campo” os repórteres do Jornal Pequeno tenham sido capazes de compreender os valores e significados em torno da “luta havida entre músicos dos simpatizados cordões carnavalescos Lenhadores e Pás” no carnaval de 1909, na qual foi morto o policial
Pau Velho.42
Porém, um olhar por sob as máscaras poderia deparar-se, surpreso, com
alguém como João de Deus. Ao comentar sua morte em 1905, o jornal A Província afirmou que ele “pertencera a diversas corporações religiosas, literárias e carnavalescas” e era muito conhecido e estimado no Recife.43 Uma daquelas corporações era o mesmo Clube das Pás envolvido no conflito mencionado acima, cujo
conselho mandou celebrar uma missa no trigésimo dia de falecimento daquele
que era o seu ex-orador oficial.44 Integrado à folia de rua nos dias de carnaval,
João de Deus também vivenciava festas como o aniversário da “sociedade beneficente dos estivadores”, na qual compareceu em 1900 no papel de orador de uma
sociedade literária.
Julgando elogiá-lo, em seu obituário o Jornal Pequeno o apresentou como
um “homem de cor preta que, pode-se bem dizer, possuía uma alma branca” e
“vivia parcamente de lecionar as primeiras letras, nunca deixando no entanto,
nas horas vagas, de empregar a sua inteligência e atividade no jornalismo”.45
Disposto a pegar em armas em favor do seu partido, João de Deus teria sido “um
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dos propagandistas da República e com o seu concurso humilde, porém sincero”, batalhado “na Gazeta da Tarde, ao lado de Martins Junior”. Quem sabe, esse
mesmo carnavalesco e jornalista-literato de cor preta pode ter redigido os apelos
da Gazeta pela repressão aos “capoeiras” de José Mariano e Faelante da Câmara
no caso da quermesse de 1891, um tipo de acusação desclassificatória e politicamente motivada que Aníbal Freire não esperaria de um jornalista de origem pobre, cuja atuação deveria estar baseada na solidariedade de classe.
O caso de João de Deus é apenas um exemplo do que pode ser deixado de
lado quando a atenção à lógica social dos textos não é suficiente para produzir
desconfiança em relação à estabilidade dos significados das categorias estabelecidas na documentação. Uma alternativa a isso, como apontam os estudos de Gabrielle Spiegel (1997: 44-56), pode ser pensada em termos de um investimento
no olhar sobre as fontes que vá além dos fatos nela descritos e procure entender
os sentidos dos próprios atos de descrever realizados por quem as produziu.
Isso significa, em outras palavras, não apenas aceitar a capacidade constativa da linguagem, mas entendê-la como um instrumento por meio do qual os
sujeitos constroem hierarquias, atribuem identidades e buscam adequar o mundo às suas expectativas. Como se pode depreender da tentativa de definir os jornalistas do Recife como um grupo social privilegiado, dissociado da pobreza, esses atos nem sempre resultam em consensos entre aqueles a quem aparentemente buscam favorecer. Nesses momentos, torna-se menos difícil entrever os papéis
que os atores percebidos como “os outros” desempenhavam nessas tramas.
Notas
1. Inquérito literário. Diário de Pernambuco, 10/06/1905. As respostas ao inquérito
foram publicadas no Diário de Pernambuco
entre os dias 11 e 29 de junho de 1905. Todas as alusões a elas ao longo deste texto
concernem às edições desse intervalo de
dias, por isso me abstive de referenciá-las
em notas.
2. Para a enquete literária de João do Rio
em 1905, ver Broca (2004: 285-313).
3. Matinais. Diário de Pernambuco, 18/06/
1905. Trata-se de uma carta favorável ao
152
inquérito, publicada por Aníbal Freire em
sua coluna sem a nomeação do remetente.
4. Sobre a fundação da Academia Pernambucana de Letras, ver A Província,
27/01/1901, p.1. Uma associação direta entre ela e alguns dos participantes do inquérito consta na resposta de Clóvis Bevilaqua.
5. A Província, 23/08/1900, p.1.
6. O inquérito. A Província, 20/06/1905.
Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, nº 53, p. 134-156, janeiro-junho de 2014.
Jornalismo e pobreza na era da reportagem
7. Luta e ferimentos, A morte de um policial, Triste Acontecimento. Jornal Pequeno,
24/02/1909. Ver também: Atenção, Grande
novidade, Furo de Reportagem. Jornal Pequeno, 13/02/1904 e Assassinato a bala no
Espinheiro, volta de um Pastoril [...] Nossa
Reportagem. Jornal Pequeno, 10/01/1910.
8. Inquérito Literário. Diário de Pernambuco, 01/07/1905.
20. As Infâmias d’A Província. Diário de
Pernambuco, 02/07/1905.
21. Sobre o inquérito literário. Diário de
Pernambuco, 02/07/1905.
22. Notas contemporâneas. Diário de Pernambuco, 14/12/1889.
9. Diário de Pernambuco, 01/07/1905, p.1.
23. O major A. Afonso Leal descobrindo o
plano do Cabeleira (vulgo Dr. Mariano).
Diário de Pernambuco, 22/12/1889.
10. As notícias de sensação no Recife, as dificuldades com que luta a reportagem. Jornal Pequeno, 13/03/1916.
24. Selvageria. Gazeta da Tarde, 17/11/1890
e Quermesse – Selvageria. Gazeta da Tarde,
18/11/1890 e 19/11/1890.
11. O inquérito. A Província, 09/06/1905.
25. Grande escândalo. Um alto funcionário em cena! Mulher caften – defloramento de uma menor – o público reclama!
Gazeta da Tarde, 01/10/1891.
12. Durante muito tempo a oposição ainda
apontaria o grupo de Rosa e Silva como o
responsável pelo assassinato de José Maria
durante as eleições de 1895. Ver, por
exemplo: Cartas sem resposta. A Província,
11/03/1911. A crise de legitimidade do
Diário de Pernambuco nessa “nova fase” parece ter adquirido força desde a carta aberta na qual o seu antigo redator, Manoel
Arão, criticou a direção e se demitiu do
cargo. A Província, 03/05/1901, p.1.
13. O inquérito, minha resposta. A Província, 11/06/1905.
14. A viagem do futuro presidente. A Província, 13/05/1906.
15. Resposta ao artigo do Dr. Faelante da Câmara publicado na Província de 13 de maio de
1906. Pernambuco: Tipografia do “Jornal
do Recife”, 1906. p.7.
16. Resposta única. A Província, 14/06/
1905; O inquérito. A Província, 18/06/1905
e A Província, 20/06/1905.
17. As Infâmias d’A Província. Diário de
Pernambuco, 02/07/1905.
18. A citação é uma tradução livre, feita por
mim, do original em francês.
19. O jornal em plena tragédia. A Província, 19/11/1890.
26. Nós e a Província. Diário de Pernambuco,
29/06/1905; As infâmias d’A Província.
Diário de Pernambuco, 02/07/1905.
27. Inquérito Literário. Diário de Pernambuco, 01/07/1905.
28. Idem.
29. Ver uma referência à “linguagem de arrieiro” publicada no Diário por “mendigos
de talento e instrução” em: De palanque. A
Província, 16/01/1900.
30. Nós e a Província. Diário de Pernambuco,
29/06/1905. Sobre o assassinato de José
Maria, ver nota 12.
31. As misérias do “Diário”. A Província,
01/07/1905.
32. Mais uma resposta. A Província, 28/06/
1905.
33. Idem.
34. As misérias do “Diário”. A Província,
01/07/1905.
35. Nós e a Província. Diário de Pernambuco,
29/06/1905. A regularidade com que surgiam acusações assim tornaria possível escrever outro texto em torno da mesma
Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, nº 53, p. 134-156, janeiro-junho de 2014.
153
Israel Ozanam
questão, mas com base em um caso ocorrido no ano anterior, quando Faria Neves
Sobrinho, um dos participantes do inquérito, sofreu denúncias desse tipo, vindas do Jornal Pequeno.
36. O inquérito. A Província, 24/06/1905.
37. Quadrilha de Gatunos. A Província,
17/06/1905.
38. Ver, por exemplo: Ao Exmo. Sr. Dr. Governador do estado e ao público em geral.
Diário de Pernambuco, 04/05/1890.
39. Bahia preso. Gazeta da Tarde, 31/07/
1890.
40. Inquérito literário. Diário de Pernambuco, 28/06/1905.
41. Teotônio Freire. A Província, 31/03/
1917.
42. Citado na nota 7.
43. Necrologia. A Província, 16/03/1905
(suplemento).
44. A Província, 18/03/1905, p.2.
45. Jornal Pequeno, 14/03/1905, p.2.
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Resumo
A preocupação central deste artigo é problematizar a imagem dos literatos
brasileiros como grupo social distanciado dos costumes e tradições dos
trabalhadores pobres sobre os quais eles escreviam na imprensa entre fins do
século XIX e início do XX. Para isso, analisa-se uma tentativa de construção
dessa imagem, expressa no inquérito literário publicado pelo Diário de
Pernambuco no ano de 1905. Seus desdobramentos dão a ver que a autonomia
da classe jornalística era dificultada por diferenças e conflitos internos nos
quais tinham participação os próprios sujeitos identificados como pobres, aos
quais o mundo letrado não era necessariamente estranho.
Palavras-chave: populares; trabalho; jornais; identidade; crime;
cultura.
Abstract
This paper is mainly concerned about discussing the image of Brazilian men
of letters as a social group distant from the customs and traditions of the
low-income workers about which they wrote in the press of the late XIX and
early XX centuries. To do so, this study analyzes the attempt to build such an
image through a literary quest published in the year of 1905 by the newspaper
Diário de Pernambuco. Its consequences show that the autonomy of the
journalistic class was made difficult by the internal differences and conflicts
in which participated the subjects identified as poor – a class of people not
strange to the literate world.
Keywords: low-income people; work; newspapers; identity; crime;
culture.
Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, nº 53, p. 134-156, janeiro-junho de 2014.
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Israel Ozanam
Resumé
Cet article vise à discuter l’image des écrivains brésiliens en tant que groupe
social éloigné des coutumes et traditions des travailleurs pauvres sur lesquels
ils écrivaient dans la presse entre la fin du XIXe siècle et le début du XXe.
Pour ce faire, nous analysons un effort de construction de cet image, exprimé
dans l’enquête littéraire publiée par le journal Diario de Pernambuco en 1905.
Ses développements laissent entendre que l’autonomie de la classe
journalistique était freinée par les différences et les conflits internes auxquels
participaient les mêmes sujets identifiés comme pauvres, à qui le monde lettré
n’était pas forcément étranger.
Mots-clés: peuple; travail, journaux; identité; crime; culture.
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Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, nº 53, p. 134-156, janeiro-junho de 2014.