Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
CIBERCULTURA_MIOLO.indd 1 SÉRIE EXCELÊNCIA EM JORNALISMO Karine Moura Vieira (Org.) Cibercultura 22/04/2021 16:12:08 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Rua Clara Vendramin, 58 . Mossunguê CEP 81200-170 . Curitiba . PR . Brasil Fone: (41) 2106-4170 www.intersaberes.com Conselho editorial Edição de texto Dr. Ivo José Both (presidente) Arte e Texto Edição e Revisão de Dr a. Elena Godoy Textos Dr. Neri dos Santos Caroline Rabelo Gomes Dr. Ulf Gregor Baranow Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. editora@intersaberes.com Capa e projeto gráfico Charles L. da Silva Editora-chefe Lindsay Azambuja Diagramação Rafael Ramos Zanellato Gerente editorial Ariadne Nunes Wenger Designer responsável Iná Trigo Assistente editorial Daniela Viroli Pereira Pinto Iconografia Preparação de originais Sandra Lopis da Silveira Mycaelle Albuquerque Sales Regina Claudia Cruz Prestes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cibercultura/Gabriela Zago... [et. al]; Karine Moura Vieira (org.). Curitiba: InterSaberes, 2021. (Série Excelência em Jornalismo) Outros autores: Giovana Santana Carlos, Ivan Bomfim, Maíra Bittencourt, Marcelo Barcelos, Marco Bonito Bibliografia. ISBN 978-65-5517-999-6 1. Cibercultura 2. Comunicação de massa e cultura 3. Cultura digital 4. Democracia 5. Inteligência artificial 6. Tecnologia I. Zago, Gabriela. II. Carlos, Giovana Santana. III. Bomfim, Ivan. IV. Bittencourt, Maíra. V. Barcelos, Marcelo. VI. Bonito, Marco. VII. Vieira, Karine Moura. 21-59651 CDD-070.449004 Índices para catálogo sistemático: 1. Cibercultura: Jornalismo 070.449004 Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427 1ª edição, 2021. Foi feito o depósito legal. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora InterSaberes. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 2 22/04/2021 16:12:11 6 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Sumário Prefácio 11 Apresentação 13 Como aproveitar ao máximo este livro Capítulo 01 17 20 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura A aurora cibernética das tecnologias da informação e comunicação 28 Códigos, meios, informação 33 Cibernética e sociedade 38 Da utopia de McLuhan à cibercultura positivista e à sociedade em rede 42 Revolução digital cibercultural Capítulo 02 56 A cibercultura e a criação de conteúdos na web: blogs, produção amadora, cauda longa, commons e remix 58 Cultura remix 61 Os commons CIBERCULTURA_MIOLO.indd 3 22/04/2021 16:12:16 O culto do amador 66 Blogs: entre o público e o privado 70 A teoria da cauda longa Capítulo 03 78 Cultura de fãs e suas práticas na cultura digital 82 O fã e o fandom digital 87 Práticas de fãs Capítulo 04 104 Comunidades virtuais, esfera pública e poderes da articulação na rede 105 Comunidades virtuais 109 Esfera pública virtual 116 Linguagem digital 120 Desterritorialização e identidade na era virtual 122 Mundo cíbrido Capítulo 05 128 As “bordas estruturais” da cibercultura 130 Democracia digital 141 Vigilância e controle na internet 152 Midiatização e mediação 158 Media literacy e os limites da comunicação na internet 168 Tecnoutopia, tecnoapocalipse e tecnorrealismo CIBERCULTURA_MIOLO.indd 4 22/04/2021 16:12:17 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 63 180 182 O homem quer ser máquina. Mas e a máquina, quer ser homem? Uma fascinante (e perigosa) jornada na era dos robôs Encanto e temor: da literatura à realidade, a radicalização do homem-máquina 190 Entre virtualidades e extensões da humanidade conectada 198 Afinal, qual é o lugar das máquinas que “pensam”? 206 Cópias, avatares e máquinas que são nossa imagem 216 Considerações finais 218 Referências 236 Respostas 243 Sobre os autores CIBERCULTURA_MIOLO.indd 5 22/04/2021 16:12:18 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Capítulo 06 De forma mais acelerada, desde a segunda metade do século XX, especialmente em suas décadas finais, as distintas sociedades, em diferentes partes do mundo, passaram a experienciar uma série de novas possibilidades, se comparadas as vivenciadas até então, concernentes a suas maneiras de se comunicar, relacionar-se e, em última instância, de estar e mesmo ser um indivíduo, em um contexto mais geral. Estamos falando, então, dos avanços tecnológicos empregados em diversos processos, incluindo os comunicacionais, que culminaram na digitalização de uma variedade muito significativa de nossas experiências de vida. Nessa direção, esta obra apresenta perspectivas diversificadas a respeito de múltiplos períodos históricos e dos fenômenos neles expressos, as quais refletem demarcações centrais de uma época muito recente, mas extremamente rica de fatos e desenvolvimentos referentes à presença e aos usos da tecnologia em âmbito social. No primeiro capítulo, “Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura”, Marco Bonito traz à discussão a trajetória do conceito de tecnologia. Para isso, parte da perspectiva articulada e afim à teoria matemática da comunicação, seguindo os processos necessários ao entendimento do conceito de informação, até as questões que relacionam cibernética e sociedade. Ademais, recorre às três leis da robótica para apresentar a perspectiva denominada CIBERCULTURA_MIOLO.indd 6 22/04/2021 16:12:18 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Prefácio 7 Cibercultura admirável história da sociedade da informação e explica a ótica que contempla da utopia de McLuhan à cibercultura positivista e à socie- Ao traçar esse panorama das teorias da cibercultura, da cultura da convergência e da interface, o autor reflete a respeito das formas desenvolvidas para concretizar a revolução digital cibercultural. Ao final do capítulo, Bonito evoca discussões concernentes à internet das coisas e seus atores-rede, assim como as empreendidas pelo que chama de “primeiros artesãos(ãs) intelectuais da cibercultura brasileira”, reflete criticamente sobre as redes sociais, buscando pontos de amparo para uma melhor compreensão das lógicas do ciberativismo e do interesse acerca do monitoramento de mídias sociais, e delineia um retrato panorâmico do big bata. No segundo capítulo, “A cibercultura e a criação de conteúdos na web: blogs, produção amadora, cauda longa, commons e remix”, Gabriela Zago aborda aspectos práticos relacionados à cibercultura, como a cultura remix, os commons, o culto do amador, os blogs e a teoria da cauda longa. A autora ressalta que esses conceitos, definidos e exemplificados ao longo do texto, são, na atualidade, parte do cotidiano dos indivíduos, no qual as diferentes expressões da tecnologia estão presentes. Zago esclarece que esses fenômenos, mesmo na perspectiva que os considera componentes de uma história bastante recente, já foram incorporados pela cibercultura. No terceiro capítulo, “Cultura de fãs e suas práticas na cultura digital”, Giovana Santana Carlos examina a realidade midiática atual também como expressão particular da cultura de fãs, colocando-a em evidência e possibilitando ao leitor conferir e compreender em CIBERCULTURA_MIOLO.indd 7 22/04/2021 16:12:19 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. dade em rede. 8 Cibercultura detalhes algumas atividades específicas, a saber, fanfiction, fanart, fanvideo e traduções. consumidores-produtores, que normalmente agem de forma coletiva e colaborativa, apropriando-se dos textos midiáticos e moldando-os conforme seus interesses e suas aspirações. Ademais, Carlos indica a existência, nos dias de hoje, de um contato mais próximo e intenso entre fãs e indústrias culturais, da profissionalização dos fãs e da cooptação das práticas de fãs pelas indústrias. No quarto capítulo, “Comunidades virtuais, esfera pública e poderes da articulação na rede”, Maíra Bittencourt esclarece como distintos grupos relacionam-se por meio da comunicação a distância, trocando informações e experiências sobre assuntos de interesse comum. Nesse sentido, a autora enfatiza que esses grupos, cujos membros podem estar em localizações geográficas diferentes, unem-se e estabelecem vínculos nos espaços propiciados pela tecnologia. Bittencourt também levanta o debate a respeito da conformação da esfera pública, desde uma perspectiva mais clássica, quando os processos de digitalização ainda não se faziam presentes, até a participação e a reconfiguração de elementos diretamente atrelados à tecnologia e experenciados na atualidade. No quinto capítulo, “As ‘bordas estruturais’ da cibercultura”, Ivan Bomfim trata de temáticas que relacionam elementos “intrínsecos” e “extrínsecos” às lógicas desenvolvidas no e pelo domínio cibercultural. O autor reflete, no âmbito das discussões de temas como democracia, vigilância e controle, sobre os usos das tecnologias-midiático CIBERCULTURA_MIOLO.indd 8 22/04/2021 16:12:19 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Ao apresentar tais produções, a autora concebe os fãs como 9 Cibercultura digitais, busca compreender processos relativos às dinâmicas de midiatização e mediação e à literacia midiática (media literacy), bem No sexto capítulo, “O homem quer ser máquina. Mas e a máquina, quer ser homem? Uma fascinante (e perigosa) jornada na era dos robôs”, Marcelo Barcelos indaga a respeito do impacto da inteligência artificial (IA) na era das máquinas que agem como humanos e no fascínio tecnicista que a sociedade pós-industrial alimenta em torno dos robôs. No texto, o autor discute aspectos envolvidos na multiplicidade de possibilidades que se desenvolvem por meio de considerações a respeito das relações homem-máquina, bem como aborda o desenvolvimento da cibercultura, especialmente a partir do anos 1970, considerando o surgimento da microinformática – caracterizada pelo nascimento do PC (personal computer – computador pessoal) e, nos anos subsequentes (1980 e 1990), do CC (collective computer – computador coletivo), “alusão às máquinas conectadas em rede, partilhando interações, códigos e informações em sincronicidade e velocidade cada vez maiores”. Ainda, examina a criação, o aprimoramento e a inserção das redes sem fio e os dispositivos móveis como uma nova esfera de apropriação da cibercultura. Assim, esta obra oferece ao leitor uma amplitude de elementos passíveis de reflexão em ambientes e configurações sociais permeados pelos avanços tecnológicos, como são as sociedades organizadas e em funcionamento nessas primeiras décadas do século XXI. Aqui, os processos comunicacionais digitais ganham destaque, e os autores, mediante um esforço de análise em conformidade com CIBERCULTURA_MIOLO.indd 9 22/04/2021 16:12:19 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. como analisa os limites dos processos comunicativos na internet. 10 Cibercultura suas áreas de atuação e suas perspectivas de investigação, trazem compreensões possíveis sobre os aspectos mais históricos da con- no cotidiano recente. Graziela Soares Bianchi Professora do Programa de Mestrado em Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Mídias Digitais (Gemidi) CIBERCULTURA_MIOLO.indd 10 22/04/2021 16:12:19 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. figuração dos fenômenos até as manifestações cada vez mais fortes Pensar a cibercultura é mergulhar em um mundo construído, material e simbolicamente, pelos seres humanos. Nossas expectativas e nossas angústias, nossas esperanças e nossos medos refletem-se nessa realidade que criamos em correlação com máquinas, autômatos e sistemas digitais. Castelos de dados, cidades de informação, vidas em bits e bytes. Passamos do virtual ao real, sem escalas. Conhecer os elementos constitutivos dessa inédita conjuntura, cuja base é a relação cada vez mais sinérgica entre tecnologia e vida humana, mostra-se, a cada dia, essencial. Não há como ignorar ou negar o impacto da digitalização em nosso presente e futuro, e a chave para entender o novo mundo que se descortina passa, de maneira decisiva, pela realidade “palpável” da virtualidade. Nesse sentido, com esta obra, objetivamos proporcionar a você, leitor, um estudo que congrega perspectivas amplas e profundas sobre temas que compõem o universo da cibercultura. Ao longo destas páginas, abordamos teorias que guiam pesquisas da área, robótica, big data, ficção científica, comunicação on-line, democracia digital, linguagem, vigilância, circulação de dados, conteúdos gratuitos, produção coletiva, entre vários outros assuntos. A discussão foi dividida em seis partes, que discorrem sobre: as teorias da cibercultura e seus contextos sócio-históricos (Capítulo 1); a cultura remix, os blogs e os commons (Capítulo 2); a cultura de CIBERCULTURA_MIOLO.indd 11 22/04/2021 16:12:19 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Apresentação 12 Cibercultura fãs e suas práticas (Capítulo 3); as comunidades virtuais, o mundo cíbrido, a desterritorialização, bem como a identidade virtual e a cia midiática, a democracia digital e a vigilância e o controle nesse âmbito (Capítulo 5); e, por fim, a robótica, a inteligência artificial, a relação homem-máquina e o tecnorrealismo (Capítulo 6). Esses capítulos são assinados por pesquisadores que focalizam diferentes elementos, processos e fenômenos referentes à cultura proveniente da fusão entre a tecnologia e o cotidiano das pessoas, em um período temporal que engloba, especialmente, as últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI. Esperamos que os textos deste livro lhe possibilitem o estudo e a análise das estruturas da dimensão cibercultural, fomentando reflexões e aplicações do conhecimento sobre essa emergente etapa da humanidade. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 12 22/04/2021 16:12:20 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. esfera pública digital (Capítulo 4); a comunicação on-line, a litera- Empregamos nesta obra recursos que visam enriquecer seu aprendizado, facilitar a compreensão dos conteúdos e tornar a leitura mais dinâmica. Conheça a seguir cada uma dessas ferramentas e saiba como elas estão distribuídas no decorrer deste livro para bem aproveitá-las. Capítulo 01 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Marco Bonito Conteúdos do capítulo: Logo na abertura do capítulo, Conteúdos do capítulo: D D D D História, contexto e conceitos básicos da cibercultura. Teorias da cibercultura. relacionamos os conteúdos que nele serão abordados. Cultura da convergência e interface. Colaboracionismo. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 13 22/04/2021 16:12:24 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Como aproveitar ao máximo este livro Cibercultura 18 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Após o estudo deste capítulo, você será capaz de: 1. compreender o constructo e a evolução da cibercultura; 2. identificar os principais conceitos e teorias da cibercultura; 3. entender os conceitos de sociedade da informação e sociedade em rede; 4. conhecer a cultura da convergência e da interface; 5. analisar as perspectivas das lógicas do ciberativismo e o monitoramento de redes sociais. Após o estudo deste capítulo, você será capaz de: Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 14 Antes de iniciarmos nossa abordagem, listamos as habilidades P ara a compreensão dos conceitos, dos objetos e das teorias – formadas pela combinação destes últimos – relativos e asso- ciados à cibercultura, é necessário conhecer a gênese dessas ideias, técnicas e práticas culturais, os contextos de que provêm, os quais as tornam um constructo histórico, e seus principais personagens, trabalhadas no capítulo e os conhecimentos que você assimilará no decorrer do texto. bem como desconstruir e reconstruir pensamentos preestabelecidos acerca do tema. Por isso, neste capítulo, apresentaremos, de maneira introdutória, esses elementos que formam o signo daquilo que chamamos de teorias da cibercultura nos dias de hoje. Trilharemos uma odisseia do conhecimento, com o intuito de despertar seu interesse por aventuras intelectuais nesse universo, incentivando você a buscar entendimentos mais específicos e detalhados sobre cada um dos tópicos que abordaremos. Antes de tudo, é fundamental sinalizarmos que, para apresentar algumas das personalidades marcantes dessa história, recorreremos a referências, indicadas em nota de rodapé, extraídas da 90 Cultura de fãs e suas práticas na cultura digital Para saber mais O vídeo apresenta a discussão sobre a profissionalização de fãs que, a partir de suas fanfictions, tornam-se escritores profissionais publicados por editoras e como a prática vem impactando o mercado literário. A CULTURA de fãs e as fanfics. Editora Sinestesia, 27 nov. 2017. 10 min. Disponível em: <https://youtu.be/HHxVfrUCJNw>. Para saber mais Acesso em: 7 jun. 2020. Sugerimos a leitura de diferenB Fanart tes conteúdos digitais e impres- Como o nome sugere, fanart é a arte gráfica produzida por fãs, sos para que você aprofunde sos digitais, e pode ser mera cópia de algo já existente (como a sua aprendizagem e siga bus- mediante o uso de materiais diversos, como lápis, tintas ou recurreprodução de um pôster de cinema) ou uma criação autoral inspirada na obra original. Essa prática precede a internet, é comumente encontrada em revistas especializadas e, assim como as fanfics, cate- cando conhecimento. gorizada de múltiplas formas, englobando de uma única imagem estática a histórias em quadrinhos ou figuras animadas, como é o caso de GIFs. Ademais, a confecção de capas para fanfictions, citada anteriormente, pode configurar-se em fanart, por exemplo. “Dentro dos fandoms, é importante destacar os grupos de pessoas – os chamados ‘blenders’, produtores dessas artes – que CIBERCULTURA_MIOLO.indd 14 22/04/2021 16:12:28 15 Cibercultura 175 As “bordas estruturais” da cibercultura Dito isso, há uma inevitabilidade acerca das discussões dos processos de digitalização da vida. Conquanto, em seu conjunto, Estudo de caso as relações sociais (tanto em horizonte micro quanto macro) refli- grupos que detêm poder para impor suas ideologias e suas demandas sobre aqueles desprovidos da mesma força tende a aumentar exponencialmente – é possível dizer que na mesma velocidade que os avanços tecnológicos. Caso não haja uma transformação ampla das relações sociais e políticas (que passam fortemente pelo poderio econômico-financeiro), as projeções para o futuro dos seres humanos são especialmente sombrias. Os cenários distópicos tantas vezes apresentados em filmes e séries vão ganhando materialidade por meio da virtualidade, pois reside na utilização dos avanços tecnológicos o principal substrato de ampliação da desigualdade global. Seja em nome de governos, seja de empresas ou grupos sociais, as consequências da extrema diferença digital, em relação à posse ou à utilização, serão econômica, social e politicamente muito graves. Estudo de caso Nesta seção, relatamos situa- Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. tam as disputas entre distintas forças que interagem, é impossível projetar uma existência em sociedades nas quais há uma dissonância extrema entre possibilidades dentro do sistema. A divisa entre ções reais ou fictícias que articulam a perspectiva teórica e o contexto prático da área de conhecimento ou do campo profissional em foco com o propósito de levá-lo a analisar tais problemáticas e a buscar soluções. A ideia de que a rede mundial de computadores é um território livre, sem comandos, é verdadeiramente uma falácia. Há um amplo e efetivo controle referente ao acesso a conteúdos, uma situação 174 As “bordas estruturais” da cibercultura sobre o significado da realidade sociotécnica, classificando ideias distintas como pontos de vista extremados (nomeando-os de otimistas ou pessimistas) e rejeitando “o que há de visionário ou de desmesura, desabonando opiniões divergentes, neutralizando-as no seu suposto excesso retórico”. Em perspectiva ampla, as filiações utópicas, apocalípticas e realistas sobre a cibercultura e o mundo que ela representa eviden- Síntese ciam ideologias, discursos e representações que conformam tanto os limites quanto as estruturações internas dessa nova dimensão da experiência humana. Os avanços e os cerceamentos interagem dialeticamente, sendo parte indissociável da expansão dos proces- Ao final de cada capítulo, rela- sos ciberculturais. cionamos as principais informa- Síntese ções nele abordadas a fim de que você avalie as conclusões a que chegou, confirmando-as ou redefinindo-as. Neste capítulo, discutimos algumas questões relativas ao que aqui denominamos bordas estruturais da cibercultura. Seguindo essa ideia, trouxemos questões que entremeiam a dimensão digitalizada da humanidade às dinâmicas dos campos social e político, de forma a ser possível analisar esse imbricamento. O que se torna cada vez mais claro é a junção entre diferentes lógicas na constituição de uma realidade que aponta para o incremento da complexidade contemporânea. Dos poucos prognósticos que podem ser feitos para curto, médio e longo prazos, está a certeza de que os seres humanos não serão mais os mesmos, tendo em perspectiva que a tecnologia atingiu a dimensão da sociabilidade de maneira incomensurável. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 15 22/04/2021 16:12:32 Cibercultura 53 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Questões para revisão 1. uma estrutural e outra de viés antropológico. Nesse sentido, a tecnologia é: a) apenas um “meio” para a concretização de um “fim”. b) a junção de instrumentos técnicos a desejos e propósitos humanos interdependentes e imanentes com base em causalidade. c) uma estruturação moderna que independe dos interesses d) a expressão máxima do desenvolvimento da metafísica humanos para se desenvolver. alemã. e) um processo maquínico e que transborda culturas, sociabilidades e métodos em função de aspectos como o grau de envolvimento dos atores sociais/agentes. 2. Questões para revisão Conforme Heidegger, a tecnologia compreende duas dimensões, Ao realizar estas atividades, Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 16 você poderá rever os principais conceitos analisados. Ao final do livro, disponibilizamos as respostas às questões para a verificação de sua aprendizagem. O matemático norte-americano Norbert Wiener é considerado o Pai da Cibernética, que pode ser entendida como: a) o estudo dos sistemas ciberculturais e ciberespaciais. b) a principal ciência no âmbito das hard sciences. c) o estudo sistemático das estruturas de conhecimento d) a ciência que analisa a transformação das materialidades sociotécnico. em sistemas digitalizados. e) o estudo dos sistemas automáticos, cuja origem pode ser biológica e/ou mecânica e/ou eletrônica. 55 4. Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Para Jenkins (2009), por que as sagas audiovisuais do cinema, como Star Wars e Matrix, são exemplos de narrativas transmidiáticas? 5. Segundo Heidegger, a tecnologia é constituída por duas dimensões. Quais são elas e qual relação estabelecem entre si? Questões para reflexão Questões para reflexão 1. Vimos, ao longo deste capítulo, um amplo mosaico de transformações relacionado à constituição da cibercultura. Essa nova Ao propor estas questões, etapa da organização humana – uma cultura não limitada a um único território, compartilhada por indivíduos ao redor do globo – é a expressão da tecnologização dos processos sociais pretendemos estimular sua e culturais ao longo das últimas décadas, marcadas por um con- reflexão crítica sobre temas tínuo processo denominado por Jenkins (2009) de convergente. O autor defende especialmente a necessidade de entender a que ampliam a discussão dos conteúdos tratados no capítulo, contemplando ideias e experiências que podem ser compartilhadas com seus pares. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 16 convergência como dimensão cultural antes de compreendê-la como processo tecnológico. Acerca disso, explique a visão desse teórico. 2. A revolução digital cibercultural funda-se na ampla utilização de dispositivos digitais na sociedade contemporânea. O principal marco dessa nova era foi o uso comercial da internet, que teve início na década de 1990, a partir da criação da WWW pelo britânico Tim Berners-Lee. Nesse contexto, como podemos entender os conceitos de ciberespaço e cibercultura? 22/04/2021 16:12:38 Capítulo Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 01 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Marco Bonito Conteúdos do capítulo: D D D D História, contexto e conceitos básicos da cibercultura. Teorias da cibercultura. Cultura da convergência e interface. Colaboracionismo. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 17 22/04/2021 16:12:39 18 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Após o estudo deste capítulo, você será capaz de: compreender o constructo e a evolução da cibercultura; 2. identificar os principais conceitos e teorias da cibercultura; 3. entender os conceitos de sociedade da informação e sociedade em rede; 4. conhecer a cultura da convergência e da interface; 5. analisar as perspectivas das lógicas do ciberativismo e o monitoramento de redes sociais. P ara a compreensão dos conceitos, dos objetos e das teorias – formadas pela combinação destes últimos – relativos e asso- ciados à cibercultura, é necessário conhecer a gênese dessas ideias, técnicas e práticas culturais, os contextos de que provêm, os quais as tornam um constructo histórico, e seus principais personagens, bem como desconstruir e reconstruir pensamentos preestabelecidos acerca do tema. Por isso, neste capítulo, apresentaremos, de maneira introdutória, esses elementos que formam o signo daquilo que chamamos de teorias da cibercultura nos dias de hoje. Trilharemos uma odisseia do conhecimento, com o intuito de despertar seu interesse por aventuras intelectuais nesse universo, incentivando você a buscar entendimentos mais específicos e detalhados sobre cada um dos tópicos que abordaremos. Antes de tudo, é fundamental sinalizarmos que, para apresentar algumas das personalidades marcantes dessa história, recorreremos a referências, indicadas em nota de rodapé, extraídas da CIBERCULTURA_MIOLO.indd 18 22/04/2021 16:12:40 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 1. 19 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Wikipédia. A fim de não causar estranhamentos preconceituosos a respeito, justificamos essa opção como forma de homenagear a da cibercultura. Enfatizamos, ainda, que tivemos o cuidado de checar as informações e de usá-las apenas para colaborar com você, leitor(a). Isso não significa, contudo, que esses dados sejam o bastante; pelo contrário, são básicos e devem servir de estímulo para a pesquisa, contribuindo para a produção de sentido, a compreensão e a expansão das discussões que aqui promoveremos. Focalizando novamente a odisseia que citamos há pouco, ela tem início onde nasce o conceito de tecnologia, logo mais ruma para a teoria matemática da comunicação, dobra uma esquina em direção ao conceito de informação e chega às questões da cibernética e da sociedade, desvendando as três leis da robótica e parando para abastecer na admirável história da sociedade da informação. Embarcando nessa jornada, num mirante pelo caminho, nós, os viajantes, poderemos observar o horizonte da utopia de McLuhan à cibercultura positivista e à sociedade em rede e navegar pela tecnosfera da sociedade em vias de midiatização. Nesse ponto, estaremos aptos a conhecer as teorias da cibercultura e a cultura da convergência e da interface, bem como já teremos compreendido como ocorreu a revolução digital cibercultural. Já no trecho final, nos depararemos com a internet das coisas e seus atores-rede e, em seguida, visitaremos os primeiros artesãos(ãs) intelectuais da cibercultura brasileira. Mais adiante, faremos CIBERCULTURA_MIOLO.indd 19 22/04/2021 16:12:40 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. enciclopédia orgânica, que consideramos uma grande ideia advinda 20 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura reflexões críticas sobre as redes sociais, para compreendermos as lógicas do ciberativismo e o interesse fetichista no monitoraretrato panorâmico do big data. Seja bem-vindo(a) a essa proposta de aventura intelectual! Bem-aventurado seja aquele(a) que trouxe sua toalha e se lembra disto: “não entre em pânico!” (Adams, 2004). 1.1 A aurora cibernética das tecnologias da informação e comunicação A odisseia humana na Terra, desde os tempos ancestrais, é estimulada pelo caos, este sim o maior combustível para todas as inventividades que asseguram nossa sobrevivência e nossa existência como habitantes do planeta Terra. A sobrevivência, nos primórdios, era algo da ordem do real imediato; poucos seres humanos sobreviviam ao desconfortável e hostil caos cotidiano, decorrente das necessidades básicas relativas ao instinto de preservação saudável do corpo. A necessidade constante de se alimentar, proteger-se do frio ou do calor, tomar água, dormir em local seguro e se curar das doenças adquiridas são bons exemplos de “bênçãos caóticas”, como gostamos de chamar, que compeliram os seres humanos a sair das cavernas e descer das árvores para resolver problemas de primeira instância. Nessa época, não sobrava muito tempo para o desenvolvimento da filosofia, bem como não se planejava o futuro para mais do que CIBERCULTURA_MIOLO.indd 20 22/04/2021 16:12:41 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. mento de mídias sociais, encerrando nossa trajetória com um 21 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura dali a alguns poucos dias, e o universo era compreendido apenas pela visão do horizonte observável. É possível afirmar que foram os que não havia referencial, tradição, cultura e linguagem para dar suporte ao indivíduo ou ao grupo tribal ao qual pertencia. A sobrevivência era, então, resultado de uma série de tentativas, acertos e erros que geraram, ao longo do tempo, experiência cultural para construir aprendizados, estratégias etc. concernentes à garantia da subsistência e à autoproteção. Lembremos que não foram os mais fortes, mas sim os que melhor se adaptaram às diversas condições desfavoráveis, que sobreviveram e povoaram a biosfera, contrariando, assim, a lógica perversa da própria da natureza. Embora o caos seja, costumeiramente, compreendido apenas de maneira negativa, em essência ele é fundamental para a continuidade e o progresso de todas as espécies vivas do planeta. Não fosse o caos a compelir nossos antepassados a entrarem nas cavernas para se proteger de predadores e das intempéries do clima, bem como a sair para caçar alimentos, ainda estaríamos catando piolhos, uns nos outros, embaixo de alguma árvore por aí ou sentados no entorno de uma fogueira, observando as próprias sombras. Não descartamos que isso possa ser bom em alguma medida, mas certamente seria pouco para o potencial intelectual humano, diante dos diversos neurônios, sinapses e condições cognitivas de que dispomos. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 21 22/04/2021 16:12:41 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. tempos mais difíceis para todos os seres humanos já existentes, visto 22 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Entre as variadas espécies de hominídeos desse período, a que mais nos interessa aqui é a do Homo habilis1, uma vez que nos ajuda e a entender os conceitos da cibercultura influenciada por ela. Os “hominídeos hábeis” foram os primeiros seres humanos a desenvolver tecnologia e a usá-la de maneira cultural em sociedade. Esse fato os destaca na escala evolutiva não apenas por sua aptidão para confeccionar ferramentas, feitas de ossos, madeira e pedras lascadas, mas, principalmente, por sua aprendizagem mimética em grupo, bem como pelo aperfeiçoamento e pela perpetuação contínuos de suas técnicas. As habilidades humanas provêm de técnicas, podendo ter origens distintas e ser fruto de um processo ordenado (com método) ou de simples acaso (sem método). Quando ordenados e registrados de alguma maneira, os processos tornam-se culturais e permitem a interação social entre os entes de uma comunidade, viabilizando a aprendizagem por repetição coletiva. Isso foi determinante para que os seres humanos se organizassem socialmente, desenvolvessem inteligências e sabedorias coletivas em prol da sobrevivência do maior número de seres possível dentro do grupo, em virtude da 1 “O H. habilis recebe esse nome porque se acreditava que foi o primeiro a utilizar ferramentas de pedra lascada, o que lhe valeu o nome específico: habilis, o habilidoso. Entretanto, alguns fósseis de Australopithecus garhi, que datam de aproximadamente 2.6 milhões de anos, foram encontrados ao lado de ferramentas de pedra entre 100.000 a 200.000 anos mais antigas que os H. habilis. Os H. habilis normalmente faziam suas ferramentas de ossos, madeira e, principalmente, pedra lascada. Atualmente, a maioria dos cientistas considera que o H. habilis é um dos ancestrais diretos do homem moderno, mas esta opinião não é consensual. A própria classificação desta espécie, bem como a do H. rudolfensis, no gênero Homo tem sido muito discutida nos dias atuais” (Homo habilis, 2020). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 22 22/04/2021 16:12:41 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. a compor o contexto de nossa odisseia pela história da tecnologia 23 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura preservação individual. Nesse sentido, os hominídeos hábeis foram os primeiros seres humanos a desenvolver processos tecnológicos, o aprimoramento técnico ao longo do tempo. A origem etimológica da palavra e do conceito de tecnologia tem raiz grega, composta pelas palavras τεχνη (técnica, arte, ofício) e λογια (estudo/conhecimento), ou seja, em tradução livre: “o estudo/conhecimento da técnica/arte/ofício” (Tecnologia, 2021). Não importa se a técnica e a matéria-prima são manufaturadas ou produto de maquinário automatizado natural ou eletronicamente, analógico ou digital, todo estudo ou registro de processo sobre uma técnica, de qualquer ordem, pode ser considerado uma tecnologia. É importante ressaltarmos que, desde a Antiguidade, esse recurso sempre desempenhou um papel significativo nas diversas transformações sociais, culturais e políticas. Não por acaso e muito em razão disso, assim que a filosofia se tornou possível ao ser humano (no sentido de ter dominado as lógicas fundamentais para sobrevivência a longo prazo), a tecnologia foi problematizada em várias vertentes de pensamento distintas, sob perspectivas próprias dos indivíduos pensantes, em tempos sociais diferentes. Desse modo, foi compreendida, por exemplo, sob uma ótica mais simplista, como uma forma instrumental e funcional de representação das atividades humanas, e até mesmo como outra dimensão, CIBERCULTURA_MIOLO.indd 23 22/04/2021 16:12:41 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. tecnologias, e a transmiti-los culturalmente adiante, o que permitiu 24 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura como entendeu o filósofo alemão Martin Heidegger2 , para quem a tecnologia não pode ser resumida a uma mera instrumentalidade; termos propriamente tecnológicos (Rüdiger, 2006). Para Heidegger (citado por Rüdiger, 2006), a tecnologia contém, além da dimensão instrumental, uma antropológica, constituída por desejos e propósitos humanos interdependentes e imanentes a partir da causalidade, mas não apenas como “meio” para um “fim”. Nessa perspectiva, a tecnologia pode ser compreendida como produto de um processo humano que transborda culturas, sociabilidades e métodos em função da matéria-prima, da forma do objeto e do propósito e grau de envolvimento de cada ator social/agente no desenvolvimento tecnológico de qualquer ideia ou artefato (Edgar; Sedgwick, 2003). Em complemento a isso, entendemos aqui que qualquer ideia é uma forma de tecnologia produzida pelo complexo sistema biológico humano. Partícipes desse debate, é essencial que nós, brasileiros, reconheçamos a importante e incomparável contribuição científica que o professor e filósofo Álvaro Vieira Pinto legou ao país, com sua vasta, profunda e epistemológica produção a respeito do conceito de tecnologia sob a ótica de quem é atingido pela avalanche do “desenvolvimento tecnológico” de maneira ideológica em virtude 2 “Martin Heidegger (Meßkirch, 26 de setembro de 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26 de maio de 1976) foi um filósofo, escritor, professor universitário e reitor alemão. Foi um pensador seminal na tradição continental e hermenêutica filosófica, e é ‘amplamente reconhecido como um dos filósofos mais originais e importantes do século XX’” (Martin Heidegger, 2019). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 24 22/04/2021 16:12:42 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. afinal, sua essência, para esse filósofo, não pode ser explicada em 25 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura de um sistema socioeconômico e geopolítico mundial regido por grandes potências econômicas. II –, esse pensador problematiza a tecnologia sob a perspectiva da filosofia e detalha, com profundo conhecimento, todas as vertentes de pensamento relativas ao tema – da época (1950 a 1974) em que o Brasil assumiu uma postura econômica progressista, a chamada era desenvolvimentista, do positivismo ufanista nacional e do desejo de ser o país do futuro, o grande celeiro do mundo. Também aponta ser um ledo engano conceber a contemporaneidade como o momento histórico de maior desenvolvimento tecnológico da história da humanidade. Essa má impressão, segundo ele, decorre da sensação de que os artefatos existentes, seus usos e suas apropriações culturais representam o auge do progresso tecnológico humano, numa forma avançada jamais alcançada anteriormente. Esse deslumbre tecnológico integra uma construção cultural coletiva que fortalece o discurso ideológico que busca evidenciar quem detém o conhecimento técnico contemporâneo e quem está submisso a ele. Isso é, no entanto, um erro bastante comum, dado que, em tempos anteriores, a tecnologia atual desempenhou o mesmo papel. Trata-se, portanto, de um paradoxo. O trabalho de Vieira Pinto tem o mérito de ser a única obra do gênero produzida por um filósofo brasileiro, que se propôs a examinar a “era tecnológica” com base nos efeitos causados em sociedades em vias de desenvolvimento, como era (e ainda é) o caso do Brasil. Essa compreensão ímpar oferece condições para desmontar o conceito de tecnologia proposto pelos filósofos europeus ou CIBERCULTURA_MIOLO.indd 25 22/04/2021 16:12:42 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Em sua obra O conceito de tecnologia (Pinto, 2005) – volumes I e 26 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura norte-americanos – cujos modelos mentais foram forjados em países detentores das lógicas técnicas e, por conseguinte, reconhecidos menos deslumbrada e mais cética da tecnologia. Para o referido teórico, a “era tecnológica” abriga um forte e eminente sentido ideológico embutido e travestido em artefatos e ideais da modernidade. Essa ideologia procura converter a obra técnica em valor moral, para dar tons de superioridade à nação inventora e detentora dessas lógicas, a fim de que ela seja reconhecida, respeitada, temida e admirada por seus feitos incríveis, como afirma o autor: Com esta cobertura moral, a chamada civilização técnica recebe um acréscimo de valor, respeitabilidade e admiração, que, naturalmente, reverte em benefício das camadas superiores, credoras de todos esses serviços prestados à humanidade, dá-lhes a santificação moral afanosamente buscada, que, no seu modo de ver, se traduz em maior segurança. (Pinto, 2005, p. 41) Essa pressuposta “segurança” diz respeito à pretensa condição de supremacia que as nações desenvolvidas projetam em relação às demais, conquistada por intermédio de uma longa narrativa composta por fatos, reais ou ficcionais, que enaltecem seu domínio tecnológico e subjugam as culturas tecnológicas de outros territórios e tempos sociais. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 26 22/04/2021 16:12:42 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. como “desenvolvidos” –, a fim de, com isso, favorecer uma visão 27 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Por isso, não foi arbitrário o fato de a maior criação de novas tecnologias em todos os tempos ter se concentrado nos períodos evidente devido à propaganda de guerra que os meios de comunicação de massa (jornais, revistas, panfletos, cinema, rádio e TV) distribuíram antes, durante e depois da Primeira e Segunda Guerras Mundiais. A Guerra Fria e a Corrida Espacial, entre Estados Unidos e União Soviética, são bons exemplos de como as propagandas explícitas e implícitas sobre o desenvolvimento tecnológico – que possibilitou a conquista da estratosfera, da atmosfera e, em seguida, a chegada do homem à Lua – eram motivadas principalmente pela gana de demonstrar, simbolicamente, maior potencial tecnológico, como fruto de uma organização social que pudesse servir ideologicamente de modelo político-econômico ao restante do mundo. Nessa época, coube ao Brasil, como nação em desenvolvimento que, historicamente, exporta matéria-prima bruta por valores baixos e importa tecnologia de ponta por valores altos, assistir resignadamente a toda essa narrativa de empoderamento tecnológico, ciente de seu papel de colônia de exploração e de consumo – papel bastante satisfatório aos países que visam alcançar, em detrimento da autonomia dos demais, a soberania por meio de constrangimento tecnológico. Dessa maneira, ante o exposto, podemos considerar que o conceito de tecnologia está intimamente ligado à capacidade de organização de processos técnicos que, a partir de ideias e matérias-primas, transformam-se em artefatos instrumentais tecnológicos com características humanas, cujos usos e apropriações são essencialmente ideológicos. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 27 22/04/2021 16:12:42 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. entre o pré e o pós-grandes guerras. No século XX, isso ficou mais 28 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura 1.2 Códigos, meios, informação ou sua virtualidade3 , é importante entendermos, antes, a relação intrínseca entre os códigos, os meios de comunicação e a formação da linguagem estruturada. Para isso, nesta seção, recorreremos à história da teoria matemática da comunicação. Todo o universo do ciberespaço, conceito de que trataremos mais adiante, bem como toda revolução digital de que se tem conhecimento, tem sua gênese nos estudos e nas pesquisas de doutorado do pesquisador norte-americano Claude Shannon4 , que geraram a teoria matemática da comunicação em 1948. Sua tese, publicada inicialmente como monografia pela Universidade de Illinois, foi ampliada por comentários do pesquisador e colega Warren Weaver5 (Mattelart; Mattelart, 1999). Ambos haviam trabalhado, concomi- 3 4 5 A virtualidade é entendida aqui com base no conceito de virtual de Pierre Lévy (1999); considera-se a potência do objeto em relação à sua realidade objetiva. “Claude Elwood Shannon (30 de abril de 1916 – 24 de fevereiro de 2001) foi um matemático, engenheiro eletrônico e criptógrafo estadunidense, conhecido como ‘o pai da teoria da informação’. […] Shannon é famoso por ter fundado a teoria da informação com um artigo publicado em 1948. Mas a ele também é creditada a fundação tanto do computador digital quanto do projeto de circuito digital em 1937, quando, com 21 anos de idade e mestrando no MIT, escreveu uma tese demonstrando que uma aplicação elétrica utilizando álgebra booleana poderia resolver qualquer problema de lógica. Tem-se dito que foi a tese de mestrado de mais importância de todos os tempos. Shannon contribuiu para o campo da criptoanálise durante a Segunda Guerra Mundial” (Claude Shannon, 2020). “Warren Weaver (Reedsburg, Wisconsin, 17 de julho de 1894 – New Milford, Connecticut, 24 de novembro de 1978) foi um matemático estadunidense. Coautor do livro Teoria Matemática da Comunicação (The Mathematical Theory of Communication), publicado em 1949 juntamente com Claude Shannon. Por sua forma acessível também a não especialistas, este livro reimprimiu e popularizou os conceitos de um artigo científico de Shannon publicado no ano anterior, intitulado Teoria Matemática da Comunicação (A Mathematical Theory of Communication)” (Warren Weaver, 2013, grifo do original). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 28 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Para compreendermos o potencial comunicacional da tecnologia, 29 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura tantemente, durante a Segunda Guerra Mundial, em projetos de pesquisa sobre “grandes máquinas de calcular”, especialmente no Dez anos antes, em 1938, em sua dissertação de mestrado, Shannon já havia chamado a atenção do universo acadêmico quando descreveu a “combinação perfeita entre a mudança eletrônica de circuitos e a matemática do gênio britânico do século XIX George Boole[6]. Shannon mostrou que um simples circuito eletrônico podia executar todas as operações da lógica simbólica de Boole” (Haven, 2008, p. 264). Acerca disso, é importante e interessante saber que a álgebra booleana criou a aritmética binária 70 anos antes de Shannon conseguir provar o que Boole já havia teorizado. Ou seja, que, numa linguagem binária, todas as interpretações dos algarismos 0 e 1, no sistema lógico, podem ser a representação simbólica do nada/vazio/ausência/negativo e do tudo/universo/presença/ positivo. Contudo, a parte mais significativa do trabalho de Shannon não foi a contribuição para decodificar dados durante a Segunda Guerra, mas a tentativa de resolver uma questão bastante trivial, que ainda não havia sido devidamente problematizada e respondida por seus colegas pesquisadores: Afinal, o que seria exatamente uma informação? 6 “George Boole (Lincoln, 2 de novembro de 1815 – Ballintemple, 8 de dezembro de 1864) foi um matemático, filósofo britânico, criador da álgebra booleana, fundamental para o desenvolvimento da computação moderna” (George Boole, 2018). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 29 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. setor de criptografia. 30 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Por mais estranho que isso possa parecer, até 1948 o conceito de informação ainda não fora definido cientificamente. Até então, ceitos abstratos que não haviam colaborado diretamente para o desenvolvimento da informática e do processamento de dados. Ao problematizar, teorizar e comprovar, em suma, que a informação era tudo aquilo que reduzia a incerteza dos sistemas, Shannon abriu uma gama de possibilidades e de descobertas. Muitas áreas científicas passaram a usar sua definição sobre informação para o desenvolvimento de pesquisas nos mais diversos âmbitos, desde a biologia, a filosofia, a pedagogia, a física, a química e a medicina, chegando à engenharia computacional dos sistemas informáticos e, não por acaso, nas últimas duas décadas, às ciências sociais aplicadas, especificamente à comunicação social. Não obstante isso, não se pode esquecer o caráter militar implícito em seu trabalho, em meio à Segunda Guerra Mundial, ainda que de maneira velada, uma vez que seus estudos foram fundamentais para a codificação e a decodificação de mensagens interceptadas, bem como ajudaram a aprimorar a capacidade informática dos primeiros computadores eletrônicos digitais no pós-guerra. O conceito de informação de Shannon deriva de uma pergunta-problema neste sentido: “como fazer circular o máximo possível de mensagens, num tempo mínimo, sem perda de informações significativas?” (Maigret, 2010, p. 130). Isso o inspirou – tendo como CIBERCULTURA_MIOLO.indd 30 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. o termo era comumente tratado, no âmbito filosófico, por con- 31 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura norte os trabalhos de Alan Turing7 e John von Neumann 8 – a buscar uma solução para os constantes “ruídos” nas mensagens transEstados Unidos. Em seu esforço, deparou-se com o seguinte dilema: Como identificar e distinguir “informação” e “ruído” em cada uma das mensagens? – tendo em vista que, se não fosse possível identificar e classificar o que era uma coisa ou outra, o problema seria insolúvel. Assim, Shannon dedicou-se, primeiramente, a conceituar informação e, por lógica dedutiva, concluiu que tudo o que não o fosse, numa mensagem, seria, então, “ruído”. 7 8 “Alan Mathison Turing […] (Paddington, Londres, 23 de junho de 1912 – Cheshire East, Cheshire, 7 de junho de 1954) foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista da computação britânico. Foi influente no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo e computação com a máquina de Turing, desempenhando um papel importante na criação do computador moderno. Foi também pioneiro na inteligência artificial e na ciência da computação. É conhecido como o pai da computação. […] A homossexualidade de Turing resultou em um processo criminal em 1952, pois atos homossexuais eram ilegais no Reino Unido […] e ele aceitou o tratamento com hormônios femininos e castração química, como alternativa à prisão. Morreu em 1954, algumas semanas antes de seu aniversário de 42 anos, devido a um aparente autoadministrado envenenamento por cianeto, apesar de sua mãe (e alguns outros) terem considerado sua morte acidental. Em 10 de setembro de 2009, após uma campanha de internet, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown fez um pedido oficial de desculpas público, em nome do governo britânico, devido à maneira pela qual Turing foi tratado após a guerra. Em 24 de dezembro de 2013, Alan Turing recebeu o perdão real da rainha Elizabeth II, da condenação por homossexualidade” (Alan Turing, 2019). “John von Neumann, nascido Margittai Neumann János Lajos (Budapeste, 28 de dezembro de 1903 – Washington, D.C., 8 de fevereiro de 1957) foi um matemático húngaro de origem judaica, naturalizado estadunidense. Contribuiu na teoria dos conjuntos, análise funcional, teoria ergódica, mecânica quântica, ciência da computação, economia, teoria dos jogos, análise numérica, hidrodinâmica das explosões, estatística e muitas outras as áreas da matemática. De fato é considerado um dos mais importantes matemáticos do século XX. […] Foi professor na Universidade de Princeton e um dos construtores do ENIAC. Entre os anos de 1946 e 1953, Von Neumann integrou o grupo reunido sob o nome de Macy Conferences, contribuindo para a consolidação da teoria cibernética junto com outros cientistas renomados” ( John von Neumann, 2018). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 31 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. mitidas nas linhas telefônicas da Bell Telephone Laboratories, nos 32 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Estava criada a linguagem binária, formada por apenas dois dígitos que simbolizam o “tudo” e o “nada”, o “ligado” e o “desli“um” (tudo). Embora hoje a percepção disso seja bastante simples de compreender, à época (1935-1948) a ideia vaga e de senso comum sobre o termo informação impedia o desenvolvimento da era da informática. Identificado o que era a informação (tudo) nas transmissões telefônicas, também foi possível reconhecer o “ruído” (nada), permitindo mensurar a quantidade e a qualidade do sinal emitido e recebido pelo meio de comunicação através da tensão elétrica. Ainda que embasado numa ideia comunicacional bastante funcionalista e mecanicista, o modelo serviu como catalisador para outros tantos projetos científicos e deu início à chamada era digital. O código indo-arábico foi o escolhido para representar o tudo (1) e o nada (0) informativo em sua menor porção: o bit (binary digit). Assim, amparado pela álgebra booleana, para a computação informática foi criado um sistema de código binário computacional, capaz de representar todas as informações por meio de apenas dois números; e isso ainda é usado para a alocação de informações em computadores, em blocos de oito bits, que é o equivalente a um byte (binary term). É importante ressaltar que a definição de informação proposta por Shannon, como bem lembrou Mattelart (2002, p. 63) em História da sociedade da informação, é “estritamente física, quantitativa, estatística. Trata-se sobretudo de ‘quantidades de informação’. Ela não leva em conta a raiz etimológica da informação, que denota um CIBERCULTURA_MIOLO.indd 32 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. gado”, representados matematicamente pelo “zero” (nada) e pelo 33 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura processo que dá forma ao saber graças à estruturação de fragmentos de saber”. quantificável mudou os rumos das ciências exatas e biológicas – a Corrida Espacial (1957-1975) durante a Guerra Fria e a descoberta da estrutura do ácido desoxirribonucleico (DNA) (1953) são bons exemplos disso. Porém, no que tange à comunicação social, a teoria matemática da comunicação foi considerada deveras funcionalista, estimulando novas dimensões de pesquisa no âmbito dos estudos culturais, para tornar possível reconhecer a importância das mediações e das apropriações das mensagens por parte dos receptores e, dessa forma, perceber que estes não são um simples ponto final passivo no processo comunicacional. Para entender isso, primeiramente examinaremos como a rede de informações em escala global estruturou-se a partir de sua gênese cibernética. 1.3 Cibernética e sociedade O matemático norte-americano Norbert Wiener9 ficou conhecido como o pai da ciência cibernética, e esta, por sua vez, como a ciência 9 “Norbert Wiener (Columbia (Missouri), 26 de novembro de 1894 – Estocolmo, 18 de março de 1964) foi um matemático estadunidense, conhecido como o fundador da cibernética. Graduou-se em matemática aos 14 anos e recebeu o doutorado em lógica aos 18 anos de idade. […] Entre os anos de 1946 e 1953 integrou o grupo reunido sob o nome de Macy Conferences, contribuindo para a consolidação da teoria cibernética junto com outros cientistas renomados: Arturo Rosenblueth, Gregory Bateson, Heinz von Foerster, John von Neumann, Julian Bigelow, Kurt Lewin, Lawrence Kubie, Lawrence K. Frank, Leonard Jimmie Savage, Margaret Mead, Molly Harrower, Paul Lazarsfeld, Ralph Waldo Gerard, Walter Pitts, Warren McCulloch e William Ross Ashby; além de Claude Shannon, Erik Erikson e Max Delbrück” (Norbert Wiener, 2017). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 33 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. No âmbito matemático, a descoberta da informação física e 34 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura das ciências, por reunir conhecimentos de áreas distintas e inspirar tantas outras a empreender novas pesquisas e descobertas que Podemos entender a cibernética como o estudo dos sistemas automáticos, cuja origem pode ser biológica e/ou mecânica e/ou eletrônica. Quanto a Wiener, o matemático estadunidense esteve associado ao pensamento e às descobertas de Shannon acerca da informação. Ambos os teóricos trabalharam para o governo dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, contexto em que Wiener se empenhou na invenção de uma mira automática para armas acertarem um alvo móvel. Seu interesse pelo controle de informações em sistemas de máquinas a vapor o levou a desenvolver as primeiras teorias da cibernética, publicadas em livro homônimo em 1948. Contudo, foi em 1954 que ele consagrou a maturidade de sua pesquisa ao publicar o livro Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos, no qual destaca que os sistemas de informação dos autômatos mecânicos não biológicos (robôs) necessitariam apresentar habilidades e competências semelhantes às dos seres humanos, no controle de suas próprias atividades (Wiener, 1954). Como pontuamos anteriormente, essa afirmação parece trivial hoje em dia, mas, à época, foi crucial para o desenvolvimento dos computadores eletrônicos e inaugurou a era da informática. O termo cibernética foi cunhado por Wiener (1954), pois, até então, não havia uma palavra específica para abarcar o significado do complexo de ideias de vários campos do conhecimento. Para isso, ele recorreu à palavra grega kubernetes, ou “piloto”; além disso, CIBERCULTURA_MIOLO.indd 34 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. colaboraram diretamente para o progresso científico. 35 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura cibernética deriva etimologicamente da palavra governador. Essa combinação de significados é muito interessante e fundamental para Conceitualmente, a cibernética parte do pressuposto de controlar informações, e o piloto ou o governador representam aqui a pessoa capaz de domar o caos informativo, de organizar e identificar seus fluxos para gerenciar o sistema em função daquilo que se entendia à época como comunicação. Wiener profetizou, em exercício de futurologia, logo nas primeiras páginas do referido livro, algo que se concretizaria a partir do aumento da relação entre seres humanos e máquinas: A tese deste livro é a de que a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre o homem e as máquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante. (Wiener, 1954, p. 16) Embora o entendimento a respeito do que é comunicação fosse ainda extremamente funcionalista, sua percepção sobre o contexto e o desenvolvimento sócio-informático subsequentes era precisa. As relações sistêmicas de interação mediadas por computadores ou dispositivos (Primo, 2007) ampliaram e potencializaram as capacidades de comunicação, não apenas entre os seres humanos, mas CIBERCULTURA_MIOLO.indd 35 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. a compreensão do contexto da cibercultura em meados de 2019. 36 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura também entre as próprias máquinas, por meio do desenvolvimento da inteligência artificial e da expansão das bases de dados que forPara o sociólogo francês Dominique Wolton10 , diferentemente do que afirmam outros pensadores, estamos na era da incomunicação, reiterando já no título de sua obra que “informar não é comunicar” (Wolton, 2010). Esse paradoxo comunicacional ocorre ante a globalização e o dilúvio de informações prescrito pelo filósofo e sociólogo tunisiano Pierre Lévy (1999) e a virtual indexação, organização e publicização de toda a produção de informação digital existente no planeta, por meio de sistemas informáticos robóticos, como o Google11 (Wolton, 2010). Para Wolton (2010), as teorias da comunicação que profetizaram a melhora da comunicação em virtude do avanço tecnológico falharam miseravelmente. Os teóricos integrados12 , eufóricos com a possível amplitude quantitativa do acesso às informações, não anteviram que, quanto mais informação, menos qualidade na comunicação. Podemos conferir, empiricamente, que nunca a humanidade acumulou tantas informações, com a possibilidade de resgatá-las e compartilhá-las de maneira tão fácil e ágil, como neste início do 10 11 12 “Dominique Wolton (Duala, 26 de abril de 1947) é um sociólogo francês, especialista em Ciências da Comunicação. Seus temas de estudo incluem mídias, espaço público e comunicação política. É diretor de pesquisa do Centre national de la recherche scientifique, onde coordena o Laboratório de Informação, Comunicação e Implicações Científicas” (Dominique Wolton, 2018). Em 2019, era o sistema de busca de informações mais importante do mundo. Era também a principal subsidiária do pool de empresas da Alphabet Inc., maior organização do ramo de tecnologia do mundo, bem como o site mais visitado segundo o ranking da Alexa. Em referência ao livro Apocalípticos e integrados (Eco, 2011). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 36 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. mam o big data. 37 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura século XXI. Entretanto, o crescente acúmulo de informações não se traduziu em aumento de conhecimentos significativos, capazes de, maneira geral. Além disso, também não melhorou a relação entre os seres humanos e as máquinas. O escritor russo Isaac Asimov13 é um dos raros casos em que um autor de literatura ficcional muito influenciou, por meio de suas narrativas, o desenvolvimento científico e os estudos acadêmicos. Ele é reconhecido como o inventor das três leis da robótica, adotadas por cientistas como preceitos éticos para a configuração da programação moral de robôs e/ou autômatos. Essas leis são como dogmas para o comportamento das máquinas programadas pelos seres humanos, são elas: 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei. 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis. (Leis da robótica, 2020) 13 “Isaac Asimov ([…] Petrovichi, Rússia Soviética, atual Rússia, 2 de janeiro de 1920 – Brooklyn, 6 de abril de 1992) foi um escritor e bioquímico norte-americano, nascido na Rússia, autor de obras literárias de ficção científica e divulgação científica” (Isaac Asimov, 2020). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 37 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. por exemplo, transformar a qualidade de vida da humanidade de 38 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Podemos perceber que essas leis promovem sempre a preservação da espécie humana sobre a máquina. No entanto, ao observar- sociais, constatamos que estas são desequilibradas, nas quais o ser humano apresenta-se como um neoescravo do tecnicismo e, de maneira geral, submisso às lógicas maquínicas. Programamos as máquinas para que elas nos dominem e nos preservem, algo paradoxal, mas esse é o retrato da cultura advinda dessa histórica relação. 1.4 Da utopia de McLuhan à cibercultura positivista e à sociedade em rede Não é de estranhar que o fato de estarmos na era da “sociedade da informação” (Mattelart, 2002) tenha nos levado, também, à era do vigilantismo, como já havia anunciado Mattelart. Em livro publicado no início deste século, ele alertou para o fato de que o governo norte-americano, por meio da National Security Agency (NSA), criara um sistema de vigilância capaz de interceptar mensagens trocadas por quaisquer meios de comunicação existentes e que isso acontecia impunemente, travestido como forma de promover a “segurança social”. Nesse sentido, o medo e a insegurança, cabe enfatizar, são usados corriqueiramente como argumentos para a quebra de sigilos de mensagens particulares, para servir, inclusive, aos interesses comerciais dos Estados Unidos (Mattelart, 2002, p. 146-147). Por mais assustador que isso possa parecer, ou seja, um governo de um país estrangeiro ter acesso às informações privadas de políticos, indivíduos ou empresas, tal situação ocorreu recentemente CIBERCULTURA_MIOLO.indd 38 22/04/2021 16:12:43 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. mos as relações cibernéticas entre esses entes nos diversos âmbitos 39 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura no Brasil, colocando em risco a soberania do país, e foi denunciada em reportagens. Isso ficou mais evidente a partir de 2013, momento mercado petrolífero mundial, com a descoberta inédita da capacidade de exploração de petróleo da camada de pré-sal e com o vazamento de informações do caso WikiLeaks14 . Em uma das reportagens da BBC sobre o tema, a manchete era a seguinte: “EUA espionaram Petrobras, dizem papéis vazados por Snowden” (EUA…, 2013), e a principal fonte entrevistada era o ex-agente e funcionário da NSA Edward Snowden, que ficou conhecido pela divulgação do WikiLeaks, isto é, o vazamento de informações sobre os procedimentos antiéticos da NSA. Dois anos mais tarde, em julho de 2015, às vésperas do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o G1, o maior portal de notícias brasileiro, publicou a seguinte matéria: “EUA grampearam Dilma, ex-ministros e avião presidencial, revela WikiLeaks” (EUA…, 2015). Todo esse imbróglio diplomático, somado aos escândalos de corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual a presidenta fazia parte, às informações privilegiadas coletadas e aos conchavos políticos, ajudaram na construção de um discurso midiático hegemônico, o que colaborou para o impeachment com o aval de grande parte da população brasileira. 14 “WikiLeaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, que publica, em sua página, postagens de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis. […] Ao longo de 2010, WikiLeaks publicou grandes quantidades de documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, com forte repercussão mundial. […] Em 2 de fevereiro de 2011, o WikiLeaks foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz pelo parlamentar norueguês Snorre Valen. O autor da proposta disse que o WikiLeaks é ‘uma das contribuições mais importantes para a liberdade de expressão e transparência’ no século XXI” (WikiLeaks, 2019). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 39 22/04/2021 16:12:44 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. em que o Brasil se apresentou como um novo e poderoso player no 40 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Esse exemplo do WikiLeaks permite identificar duas coisas: (1) há uma guerra cibernética fria acontecendo desde o final da Segunda Podemos, principalmente, reconhecer que os processos comunicacionais, se apropriados de maneira indevida e antiética, podem gerar distopias para dissimular a realidade, tal como os escritores britânicos George Orwell (2006) e Aldous Huxley (2001) descreveram e profetizaram, respectivamente, em 1984 e Admirável mundo novo. Isso não é de hoje, ocorre há tempos, desde os primeiros impérios, mas sempre em nome dos interesses escusos de países (impérios) que historicamente exploram riquezas oriundas de países (territórios) que, também historicamente, são explorados e encontram-se em eterna busca por um utópico e inalcançável desenvolvimento socioeconômico e político digno, que poderia garantir o fim da desigualdade social e promover, por conseguinte, a desejada justiça social. É certo que, após o advento dos meios de comunicação de massa eletrônicos, as trocas de experiências entre os seres humanos e as máquinas de produção de sentido, reconhecidas hoje na forma das diversas mídias, converteram-se em verdadeiras relações de poder, com cada meio configurando-se como a extensão social e cultural de seus agentes, como bem percebeu o intelectual canadense Marshall McLuhan (2007) ainda nos anos 1960. Para ele, os meios exerciam uma “massagem” na capacidade cognitiva humana, e os sujeitos comunicantes massageados podiam transformar aquelas mensagens de acordo com sua capacidade de produzir sentidos (Casali; Bonito, 2011), reconfigurá-los e retransmiti-los, exercendo CIBERCULTURA_MIOLO.indd 40 22/04/2021 16:12:44 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Guerra Mundial; (2) o poder é de quem tem acesso às mensagens. 41 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura um papel protagonista no processo comunicacional, caracterizando a chamada “sociedade em vias de midiatização” (Fausto Neto, 2006). recepção (Mattelart; Mattelart, 1999) desempenharam um papel fundamental no entendimento do fluxo do processo comunicacional e da interação dos agentes comunicativos. Desse modo, foi possível compreender que há vários processos comunicacionais ocorrendo enquanto uma mensagem é transmitida, e as mediações do âmbito social, tecnológico, econômico, político e cultural atribuem à mesma mensagem sentidos diferentes, num complexo efeito que não pode ser efetivamente garantido pelo emissor da mensagem, justamente por não se tratar de uma condição comunicativa de linguagem binária (maquínica), em que só há duas possibilidades de entendimento: uma positiva e outra negativa, por exemplo. Em meados dos anos 1990, Lévy vislumbrou um futuro menos apocalíptico e mais integrado em suas observações sociais concernentes ao “segundo dilúvio de informações” (Lévy, 1999, p. 13), decorrente da popularização do acesso aos meios de comunicação telemáticos e, sobretudo, à internet. Neste momento, cabe explicarmos as diferenças formais e estéticas da rede. Entendemos que a internet é uma rede de pessoas conectadas e mediadas por computadores e/ou dispositivos midiáticos, e estes, por sua vez, combinam informações através das redes telemáticas, compostas por satélites, telefonia, fibras óticas, ondas de rádio e de energia. Essa perspectiva fundamenta-se na ideia apresentada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells (1999) em sua vasta e profunda obra Sociedade em rede e serve para compreender CIBERCULTURA_MIOLO.indd 41 22/04/2021 16:12:44 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Ainda nesse sentido, os estudos culturais e as pesquisas de 42 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura que a rede não é formada por computadores, mas por pessoas mediadas por máquinas. Esses dispositivos midiáticos nos afetam colaboram tecnicamente para a difusão, a tradução e a réplica, em forma de novas mensagens, de nossas percepções acerca de todas as informações que consumimos, suscitando novos sentidos em cada agente comunicante nesse processo. 1.5 Revolução digital cibercultural Para que a cibercultura fosse consagrada, foi necessário um esforço científico muito importante para a história da internet. O físico britânico, cientista da computação e professor do Massachusetts Institute Technology (MIT) Tim Berners-Lee, considerado o Pai da World Wide Web – popularmente conhecida como www e criada entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990 –, publicou e disponibilizou seu primeiro site na web (www) em 1991. A diferença entre o acesso à internet, que já existia antes disso, e o acesso à web interessa do ponto de vista da comunicação social, pois a invenção do primeiro navegador, o Mosaic, permitiu o acesso ao conteúdo por intermédio de uma interface gráfica mais amigável do que uma tela preta com códigos de máquina em verde ou branco. A popularização da internet está intimamente relacionada a essa característica de midiatização que os navegadores possibilitaram, primeiro apenas com textos escritos e links; mais tarde, com o avanço tecnológico e o aumento da velocidade de transmissão da internet, surgiram as primeiras imagens (GIFs animados) e, em seguida, sons e vídeos. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 42 22/04/2021 16:12:44 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. cognitivamente, estimulando-nos e deprimindo-nos, bem como 43 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Para Lévy (1999), esse lugar, em que ocorrem todas essas interações comunicativas entre seres humanos, máquinas e informa- de relações é a cibercultura, conforme explica: O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (Lévy, 1999, p. 17) Sendo assim, há a dimensão não apenas estrutural da rede, a qual pode ser compreendida para além das questões técnicas envolvidas nos processos de comunicação inerentes ao ciberespaço. Isso ajuda a entender o conceito básico do que seria o “virtual”, que, em suma, corresponde à condição potencial de qualquer que seja o objeto em questão. No que se refere à comunicação, o seu potencial cibernético, a partir da internet, tornou-se imensurável e intangível; por isso, ninguém seria capaz de acessar e consumir todos os conteúdos disponíveis, mesmo que, a priori, tecnicamente, isso seja possível. Trata-se da ideia de universalização sem totalidade: o potencial virtual é universal, mas a condição real é de acesso limitado. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 43 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. ções, é o chamado ciberespaço, e a cultura advinda dessa profusão 44 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Lévy produziu uma série de livros e buscou problematizar conceitos que vigoram na construção histórica da cibercultura, como a nalizando as ideias numa perspectiva que ficou conhecida como tecnoutópica liberal humanista. Suas proposições, mais integradas e menos apocalípticas, inspiraram outros autores a criticar sua postura filosófica acerca da cibercultura, como foi o caso do pesquisador brasileiro Francisco Rüdiger, que, em As teorias da cibercultura (2011) 15 , faz um mergulho ontológico e epistêmico nas origens filosóficas dos conceitos e das teorias, usando um método hermenêutico para apresentá-las. O conceito de convergência está intimamente atrelado ao de cibercultura, compreendido, num primeiro momento, como uma consagração da multimidialidade (Machado; Palacios, 2003), ou seja, a possibilidade de reunir numa única mídia os diversos formatos de linguagens existentes. Essa concepção, no entanto, foi ampliada pelo pesquisador norte-americano sobre mídias Henry Jenkins em seu livro Cultura da convergência (2009). Para ele, a convergência concerne não apenas a convergir formatos de linguagens para uma única mídia, como é o caso da internet, que adota textos escritos, vídeos, fotos e áudio importados das outras mídias de comunicação de massa tradicionais (jornais impressos, rádio, cinema e TV), mas sim a construir narrativas únicas que se complementem nas diversas mídias. Para Jenkins (2009), as sagas cinematográficas Star 15 A leitura extra desse livro é recomendada àqueles(as) que desejam se aprofundar nos conceitos e nas temáticas aqui tratados apenas de maneira introdutória. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 44 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. inteligência coletiva, o virtual e a economia do saber, sempre racio- 45 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Wars e Matrix, bem como a série Lost e a literatura de Harry Potter, são bons exemplos de como as narrativas podem transcender a figurando-se numa comunicação transmidiática. As tramas desses exemplos ganharam dimensões extras em materiais escolares, roupas, brinquedos, restaurantes, parques temáticos etc. Além disso, a cibercultura permitiu o surgimento de um segmento muito profícuo: as fanfics, isto é, histórias de personagens secundários (não protagonistas) escritas e publicadas por fãs de filmes e séries, que eram divulgadas em sites especializados e lidas por uma imensidão de pessoas. Existem até mesmo casos de fanfics de fanfics, ou seja, novas histórias escritas com base em uma fanfic16 . Algumas empresas adequaram-se melhor a toda essa revolução digital e souberam tirar proveito comercial disso. Os melhores exemplos atuais são o Google, a Apple, o Facebook, o Spotify e a Netflix – não por acaso, estão ligados ao setor de tecnologia da informação e da comunicação (TIC) e atuam como indústrias de entretenimento. Nesse cenário, mercados gigantescos sofreram mudanças radicais, como as indústrias fonográfica e cinematográfica, que, no início deste século, amargavam uma forte decadência em virtude da facilidade de trocas de arquivos entre computadores, mas que conseguiram se adaptar com a venda de músicas avulsas, em detrimento do álbum todo, e, mais recentemente, de mensalidades para uso irrestrito de serviços de transmissão (streaming) musical on-line. O mesmo ocorreu no mercado cinematográfico; e o mercado 16 Essa discussão será abordada em profundidade no Capítulo 3. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 45 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. mídia original para outras plataformas, digitais e analógicas, con- 46 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura televisivo está no mesmo caminho, com a comercialização e a transmissão de conteúdo on-line sob demanda. tura, precisamos conhecer a “cultura da interface” (Johnson, 2001) e, assim, compreender como os dispositivos midiáticos eletrônicos mudaram os processos de comunicação e criação, por meio de novas linguagens, narrativas e interações com telas. Isso tudo é fruto da cibercultura e tem relação direta com as telas: primeiramente, as dos computadores de mesa (tipo desktop); depois, as dos celulares de primeira geração e as dos computadores portáteis (notebooks); e, agora, as dos smartphones e tablets. Em meados dos anos 1990, os computadores eram aparelhos estranhos à vida cotidiana das pessoas. A princípio, passaram a ocupar as salas das casas, e as pessoas precisavam ir às escolas de informática para aprender a lidar basicamente com esse aparelho. O mouse foi certamente um dos dispositivos mais complexos para a interação entre seres humanos e a tela. Não demorou muito para que a chamada geração digital, que nasceu sob o signo da cibercultura e já com acesso à internet, dominasse a máquina e suas linguagens. Essa geração aprendeu a digitar e a interagir com a máquina de maneira muito naturalizada, isso graças a uma linguagem propositalmente simples e baseada em ícones e programas inspirados na semântica da lógica de pensamento humano. Assim, na segunda década do século XXI, já havia interfaces com telas sensíveis ao toque (touchscreen), que dispensavam o uso do famigerado mouse, e os smartphones eram dominados por crianças com menos de cinco anos que sequer estavam alfabetizadas na língua formal. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 46 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Para entendermos a revolução digital promovida pela cibercul- 47 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Esse fenômeno, que pode parecer, aos olhos do senso comum, um “avanço” humano, explica-se pela ótica da comunicação social cada vez mais simples, quase primárias, cujo objetivo é promover o acesso ao maior número de pessoas em nome das vendas e dos lucros de empresas de tecnologia. Constata-se isso ao percebermos que não há crianças de menos de cinco anos escrevendo histórias bem elaboradas com o uso formal da língua, coesão, descrição detalhada de ambientes e construção psicológica dos personagens na mesma proporção que há crianças acessando e interagindo com canais no YouTube por meio de celulares. Assim, entendemos que houve um retrocesso na capacidade humana de comunicação e que isso ocorreu pela simplificação de linguagens, pelas formas de interação intuitivas por telas sensíveis e por programas (aplicativos) que exigem o mínimo de alfabetização cibernética possível. Por outro lado, outro universo, que se tornou o maior mercado de entretenimento do mundo (Indústria…, 2020), concerne a essa questão: o dos videogames. O número de jogadores multiplica-se de maneira exponencial ano a ano, e as formas de comunicação exigidas por essas produções são mais refinadas e requerem um grau de inserção mais profunda na cibercultura, exigindo uma série de habilidades e competências técnicas para jogar que podem corresponder aos esportes físicos; porém, nos videogames, o esporte seria mental. O fenômeno cibercultural é tão impressionante que há torneios mundiais cuja audiência supera às das modalidades esportivas mais populares, como o futebol, o futebol americano e as olimpíadas. Contudo, ainda que consideremos os videogames (de CIBERCULTURA_MIOLO.indd 47 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. como sendo fruto de processos comunicacionais com linguagens 48 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura todos os tipos) uma forma mais elaborada de comunicação e interação entre os seres humanos e as máquinas, ainda assim ela não comunicacional humano), sendo mais adequada para uma comunicação em estágio intermediário, com ênfase no desenvolvimento do raciocínio linguístico, lógico, técnico e estratégico. Essas condições todas da cibercultura, em função de suas características sociais, técnicas e comunicacionais, configuram-se por meio de uma complexa rede formada por seres humanos e coisas (seres animados e inanimados – animais e/ou objetos), que mutuamente influenciam os modos de agir e os caminhos para o alcance dos objetivos desejados. Nesse sentido, o sociólogo e filósofo contemporâneo francês Bruno Latour (1994) é um dos autores da teoria ator-rede (TAR), ou teoria actante rede, a qual considera que o papel do ator/actante social em sua rede é definido com base em sua “tradução”, ou seja, sua apropriação dos objetos disponíveis de maneira ativa e repercussiva, em virtude do efeito e da mudança de comportamento que suscita no ambiente sociotécnico em que está inserido. A TAR tem sido usada para o entendimento e a resolução de problemas no âmbito comunicacional das redes sociais. No Brasil, o professor André Lemos17 é um dos pesquisadores mais importantes dos tópicos relacionados a essa teoria. 17 Recomendamos a leitura de seus livros: A comunicação das coisas: teoria ator-rede (2014) e Cibercultura (2010). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 48 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. pode ser considerada complexa (em relação ao utópico potencial 49 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura As redes sociais, por sua vez, são o fruto mais evidente de toda essa ecologia midiática formada pela cibercultura. O Facebook, a como sendo “a própria internet”, segundo pesquisa realizada pela Fundação Mozilla e publicada pela revista Carta Capital (Valente, 2017). Para um país que tem gosto pela cibercultura, embora com menos condições econômicas e técnicas para usufruir de seus benefícios, e o terceiro com o maior número de usuários da plataforma (90 milhões), atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia, essa informação é espantosa, pois significa que cerca de 50 milhões de pessoas no Brasil não têm noção do que há na internet fora do Facebook (Valente, 2017). Para a pesquisadora brasileira sobre cibercultura Raquel Recuero (2009, p. 24, grifo do original), as redes sociais podem ser compreendidas como “um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) […]. Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores”. Recuero (2009) explica, ainda, que a relação entre os atores sociais gera um capital social que pode decorrer da confiança mútua e das normas de reciprocidade ética e moral em função dos interesses dos indivíduos e do coletivo. Além disso, por se tratar de um capital, existe clara relação de poder entre as partes e os campos envolvidos (econômico, cultural e/ou social). Em síntese, podemos considerar que o capital social é resultante dos interesses mútuos nos recursos disponíveis na rede e pode influenciar, direta CIBERCULTURA_MIOLO.indd 49 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. principal delas, por exemplo, é considerado por 55% dos brasileiros 50 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura ou indiretamente, as ações seguintes de cada ator social. Sendo assim, a depender de como essas transações de capital são efetiou conflito entre as partes. Por fim, é pertinente ressaltarmos a importância da cibercultura e das redes sociais nas transformações políticas, na busca por direitos, no exercício da cidadania ou mesmo para uso de viés antiético e imoral, no que tange à mobilização social em nome de causas diversas, à quebra da hegemonia dos grandes conglomerados de mídias ou, mais recentemente, às apropriações das lógicas das redes para a proliferação de notícias falsas (as fake news). Desde a Primavera Árabe, uma onda revolucionária de protestos que iniciou no Egito em 2011 e se estendeu para outros países de língua e cultura árabes do norte da África, as redes sociais assumiram um papel preponderante nas transformações sociais globais. Em países de regimes políticos antidemocráticos, ditatoriais, autocráticos ou totalitaristas, o acesso às redes sociais ou mesmo à própria internet foi proibido para evitar a facilidade de mobilização social. Nessa conjuntura, o protagonismo das redes foi tão fenomenológico que muitos pesquisadores dedicaram-se a entender como elas configuravam as decisões políticas dos indivíduos e interferiam nas dos poderes consolidados em cada nação. No Brasil, por exemplo, os pesquisadores Fábio Malini e Henrique Antoun publicaram o livro A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais em 2013, em meio à turbulência política do país, às vésperas da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas no Brasil, que CIBERCULTURA_MIOLO.indd 50 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. vadas, podem-se formar redes sociais de cooperação, competição 51 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura escancararam históricos escândalos de corrupção envolvendo todos os principais partidos políticos do país e as empresas nacionais com lífera Petrobrás e das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa. Os autores contextualizam historicamente a cibercultura fazendo relações netnográficas18 (Fragoso; Recuero; Amaral, 2011) e análises de casos relevantes nos âmbitos nacional e internacional, o que torna tal obra muito importante para a compreensão do turbilhão sociopolítico vivenciado e de suas relações íntimas com as culturas do ciberespaço. O campo científico da comunicação tem-se dedicado bastante, nesses últimos anos, a colher (ou “minerar”) dados extraídos das redes sociais, de modo a ter acesso a um estrato cultural e, assim, poder compreender, com base nas análises de gráficos (grafos) gerados por softwares especializados, um retrato do comportamento humano e de suas relações políticas, seja como ator social individual, seja como representante de empresas e instituições governamentais. O volume de dados gerados pelo uso de smartphones e demais dispositivos, principalmente o de redes sociais, tem servido para o monitoramento de condutas e o controle social, facilitados pelo fato de que todas as interações nesses espaços (postagens, curtidas ou simples leitura de textos) são identificadas e registradas em bancos 18 “A netnografia, como proposta de investigação na Internet, enriquece as vertentes do enfoque de inovação e melhoramento social que promovem os métodos ativos e participativos dentro do espectro do qualitativo (metodologia e prática social), integrando-se ao que a Internet tem provocado em nosso cotidiano, transformações importantes nas maneiras como vivemos” (Gebera, 2008, p. 2, citado por Fragoso; Recuero; Amaral, 2011, p. 174). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 51 22/04/2021 16:12:45 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. protagonismo no mercado internacional, como foi o caso da petro- 52 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura de dados públicos (postagens de acesso público) ou privados (postagens restritas ou bloqueadas), criando, desse modo, o big data. bancos de dados aos perfis de empresas e às pessoas nas redes sociais, que visam monitorar as mídias sociais a fim de identificar padrões de comportamento e analisar discursos. Há softwares gratuitos que coletam esses dados e podem ser utilizados por agentes da própria sociedade para fiscalizar as condutas de seus governantes, tanto em relação ao espectro ideológico político quanto ao emprego de recursos públicos, uma vez que a Lei da Transparência, isto é, a Lei Complementar n. 131, de 27 de maio de 2009 (Brasil, 2009), garante ao cidadão acesso irrestrito às informações governamentais concernentes ao uso do erário público19. Síntese Neste capítulo, traçamos um percurso introdutório acerca da história, dos conceitos e dos contextos da cibercultura na qualidade de campo de estudo, analisando suas principais teorias e estudiosos e refletindo sobre tópicos como cultura da convergência e da interface, teoria ator-rede e sociedade em vias de midiatização. Ademais, com relação ao cenário brasileiro, apresentamos os precursores dessa área e as colaborações estabelecidas para realização de pesquisas. 19 Para aprofundamento desse assunto, indicamos a leitura da obra Monitoramento e pesquisa em mídias sociais: metodologias, aplicações e inovações (Silva; Stabile, 2016). CIBERCULTURA_MIOLO.indd 52 22/04/2021 16:12:46 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. Há diversos estudos e pesquisas que associam esses imensos 53 Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Questões para revisão Conforme Heidegger, a tecnologia compreende duas dimensões, uma estrutural e outra de viés antropológico. Nesse sentido, a tecnologia é: a) apenas um “meio” para a concretização de um “fim”. b) a junção de instrumentos técnicos a desejos e propósitos humanos interdependentes e imanentes com base em causalidade. c) uma estruturação moderna que independe dos interesses humanos para se desenvolver. d) a expressão máxima do desenvolvimento da metafísica alemã. e) um processo maquínico e que transborda culturas, sociabilidades e métodos em função de aspectos como o grau de envolvimento dos atores sociais/agentes. 2. O matemático norte-americano Norbert Wiener é considerado o Pai da Cibernética, que pode ser entendida como: a) o estudo dos sistemas ciberculturais e ciberespaciais. b) a principal ciência no âmbito das hard sciences. c) o estudo sistemático das estruturas de conhecimento sociotécnico. d) a ciência que analisa a transformação das materialidades em sistemas digitalizados. e) o estudo dos sistemas automáticos, cuja origem pode ser biológica e/ou mecânica e/ou eletrônica. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 53 22/04/2021 16:12:46 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. 1. 54 3. Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura (Enem – 2017) Mas assim que penetramos no universo da web, descobrimos que ele constitui não apenas um imenso “território” “mapas”, filtros, seleções para ajudar o navegante a orientar-se. O melhor guia para a web é a própria web. Ainda que seja preciso ter a paciência de explorá-la. Ainda que seja preciso arriscar-se a ficar perdido, aceitar “a perda de tempo” para familiarizar-se com esta terra estranha. Talvez seja preciso ceder por um instante a seu aspecto lúdico para descobrir, no desvio de um link, os sites que mais se aproximam de nossos interesses profissionais ou de nossas paixões e que poderão, portanto, alimentar da melhor maneira possível nossa jornada pessoal. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34,1999. O usuário iniciante sente-se não raramente desorientado no oceano de informações e possibilidades disponíveis na rede mundial de computadores. Nesse sentido, Pierre Lévy destaca como um dos principais aspectos da internet o(a) a) espaço aberto para a aprendizagem. b) grande número de ferramentas de pesquisa. c) ausência de mapas ou guias explicativos. d) infinito número de páginas virtuais. e) dificuldade de acesso aos sites de pesquisa. CIBERCULTURA_MIOLO.indd 54 22/04/2021 16:12:46 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. em expansão acelerada, mas que também oferece inúmeros 55 4. Introdução aos contextos, às teorias e aos conceitos da cibercultura Para Jenkins (2009), por que as sagas audiovisuais do cinema, como Star Wars e Matrix, são exemplos de narrativas transmi- 5. Segundo Heidegger, a tecnologia é constituída por duas dimensões. Quais são elas e qual relação estabelecem entre si? Questões para reflexão 1. Vimos, ao longo deste capítulo, um amplo mosaico de transformações relacionado à constituição da cibercultura. Essa nova etapa da organização humana – uma cultura não limitada a um único território, compartilhada por indivíduos ao redor do globo – é a expressão da tecnologização dos processos sociais e culturais ao longo das últimas décadas, marcadas por um contínuo processo denominado por Jenkins (2009) de convergente. O autor defende especialmente a necessidade de entender a convergência como dimensão cultural antes de compreendê-la como processo tecnológico. Acerca disso, explique a visão desse teórico. 2. A revolução digital cibercultural funda-se na ampla utilização de dispositivos digitais na sociedade contemporânea. O principal marco dessa nova era foi o uso comercial da internet, que teve início na década de 1990, a partir da criação da WWW pelo britânico Tim Berners-Lee. Nesse contexto, como podemos entender os conceitos de ciberespaço e cibercultura? CIBERCULTURA_MIOLO.indd 55 22/04/2021 16:12:46 Este conteúdo digital é destinado à análise final, sendo expressamente proibida a sua veiculação ou divulgação a terceiros por meio digital, o que pode acarretar na violação de seus direitos autorais mediante publicações não autorizadas. diáticas?