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Cultura Política

2022, Cultura política: análise da antropologia política de alguns países e considerações filosóficas sobre os governos totalitários do século XX

O seguinte artigo, apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina, referente à disciplina de Antropologia Jurídica, visa definir o conceito de Cultura Política por meio da apresentação de estudos filosóficos e da análise da conjuntura política de países emblemáticos.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO ANTROPOLOGIA JURÍDICA LAURA SILVEIRA DE OTERO, MARIA FERNANDA MACHADO, MARINA ROCHA IVO, MORGANA U. MAXIMIANO E NICOLE ENGELMANN CULTURA POLÍTICA Análise da antropologia política de alguns países e considerações filosóficas sobre os governos totalitaristas do século XX FLORIANÓPOLIS - SC 2022 1 de 25 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO ANTROPOLOGIA JURÍDICA POLITICAL CULTURE Analysis of the political anthropology of some countries and philosophical considerations about the totalitarian governments of the twentieth century CULTURA POLÍTICA Análise da antropologia política de alguns países e considerações filosóficas sobre os governos totalitaristas do século XX O seguinte artigo, apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina, referente à disciplina de Antropologia Jurídica, visa definir o conceito de Cultura Política por meio da apresentação de estudos filosóficos e da análise da conjuntura política de países emblemáticos. Docente: Fernando Kinoshita FLORIANÓPOLIS - SC 2022 2 de 25 SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................................05 PALAVRAS-CHAVE.............................................................................................................05 CAPÍTULO I - O que é Cultura Política? ..............................................................................07 CAPÍTULO II - O Conto do Minotauro, o Totalitarismo e o Espírito de Retomada da Sabedoria como Meios de Desenvolver o Pensamento Político II.1 - “Minotauro” ou “Aquele que vem do poder tirânico”: estado psíquico de domínio perverso ......................................................................................................................09 CAPÍTULO III - Estudos filosóficos acerca dos governos totalitários do século XX III. 1 – Eric Voegelin: A sua filosofia como retomada da realidade num mundo dominado pela era da “pós-verdade” e sua definição de “religiões políticas” ........................11 III. 1.1 - Hannah Arendt: sua filosofia e suas origens....................................................13 III. 1.1.2 - Banalidade do mal.........................................................................................14 III.1.2 - Relação política-filosófica entre Hannah e Eric ...............................................15 CAPÍTULO IV - Destrinchando a cultura política: Alemanha, Espanha e Estados Unidos VI.1 - Cultura política como fenômeno social ..............................................................16 IV.2 - Entendendo a cultura política na Alemanha: da unificação à Segunda Guerra Mundial ...................................................................................................................................17 IV.3 - Espanha: do totalitarismo à redemocratização......................................................................................................................19 IV.3.1 -Análise de Gráfico ..............................................................................................20 IV.4 - Estados Unidos: A construção iluminista de uma “democracia de alto nível”.........................................................................................................................................21 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................23 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................24 SUMMARY ABSTRACT ............................................................................................................................06 KEY WORDS..........................................................................................................................06 CHAPTER I - What is Political Culture?.............................................................................. 07 3 de 25 CHAPTER II - The Tale of the Minotaur, Totalitarianism and the Spirit of Resumption of Wisdom as Means of Developing Political Thought II.1 - “Minotaur” or “He who comes from tyrannical power”: psychic state of perverse dominion ................................................................................................................................ 09 CHAPTER III - Philosophical studies about the totalitarian governments of the 20th century III. 1 – Eric Voegelin: His philosophy as a resumption of reality in a world dominated by the “post-truth” era and its definition of “political religions” ........................................... 11 III. 1.1 - Hannah Arendt: her philosophy and her origins ..........................................13 III. 1.1.2 - Banality of evil..........................................................................................14 III.1.2 - Political-philosophical relationship between Hannah and Eric ....................15 CHAPTER IV - Unraveling political culture: Germany, Spain and the United States VI.1 - Political culture as a social phenomenon .........................................................16 IV.2 - Understanding political culture in Germany: from unification to World War II .............................................................................................................................................17 IV.3 - Spain: from totalitarianism to redemocratization.............................................19 IV.3.1 - Graph Analysis .............................................................................................20 IV.4 - United States: The Enlightenment construction of a “high-level democracy”..............................................................................................................................21 FINAL CONSIDERATIONS................................................................................................ 23 REFERENCES........................................................................................................................24 4 de 25 RESUMO Por meio deste, busca-se trazer a definição sobre o termo “Cultura Política”, estudo elaborado pelos cientistas políticos, Gabriel Almond e Sidney Verba, na obra “The Civic Culture”, constituída por pesquisas e estudos realizados em diversas nações. Associado a isso, é apresentada uma análise política do conto do Minotauro, que visa o debate sobre as concepções filosóficas de Éric Voegelin e suas considerações acerca da forma com que os governos totalitários emergem na sociedade. Além disso, é trazida ao estudo a perspectiva histórico-filosófica da Hannah Arendt, relacionando a análise de ambos os filósofos. Trabalhamos, portanto, a relação entre cultura política e o totalitarismo alemão e espanhol, discutindo a questão da repressão das liberdades individuais e da doutrinação social imperante nos períodos. Ademais, abordamos os traços liberais da construção política dos Estados Unidos, que demonstra enorme rejeição a abordagens governamentais de caráter absoluto. Logo, o princípio do estudo se deu por meio da formação teórica sobre o tema, iniciando-se por uma pesquisa bibliográfica e pela observação atenta da temática. O método utilizado se fundamenta em pesquisas, documentários, reportagens e artigos científicos que discorram sobre a abrangência da cultura política. Nessa conjuntura, pode ser verificada a importância da sabedoria na formação política e cultural de uma sociedade para que esta se desenvolva positivamente, ressaltando as concepções dos homens e mulheres que agregam para a história da humanidade por meio dos seus pensamentos e atitudes, tidos como base para que seja questionada a forma com que a política se desenvolve no mundo. PALAVRAS-CHAVE: cultura política; sociedade; totalitarismo. 5 de 25 ABSTRACT Through this, we seek to bring the definition of the term "Political Culture", a study prepared by political scientists, Gabriel Almond and Sidney Verba, in the work "The Civic Culture", consisting of research and studies carried out in several nations. Associated with this, a political analysis of the Minotaur's tale is presented, which aims at the debate on Éric Voegelin's philosophical conceptions and his considerations about the way in which totalitarian governments emerge in society. In addition, Hannah Arendt's historical-philosophical perspective is brought to the study, relating the analysis of both philosophers. We therefore work on the relationship between political culture and German and Spanish totalitarianism, discussing the question of repression of individual freedoms and the prevailing social indoctrination in the periods. Furthermore, we approach the liberal traits of the political construction of the United States, which demonstrates a huge rejection of governmental approaches of an absolute character. Therefore, the beginning of the study took place through theoretical training on the subject, starting with a bibliographic research and careful observation of the theme. The method used is based on research, documentaries, reports and scientific articles that discuss the scope of political culture. At this juncture, the importance of wisdom in the political and cultural formation of a society can be verified so that it develops positively, highlighting the conceptions of men and women who add to the history of humanity through their thoughts and attitudes, based on to question the way in which politics develops in the world. KEY WORDS: political culture; society; totalitarianism. 6 de 25 CAPÍTULO I O que é Cultura Política? A ascensão do totalitarismo italiano e alemão, a Segunda Guerra Mundial e a instabilidade da Terceira República francesa incentivaram a busca, feita pelos estudiosos americanos, por uma melhor compreensão do desenvolvimento e das condições favoráveis para a fortalecimentos dos sistemas democráticos participativos. Devido à essas questões, os cientistas políticos, Gabriel Almond e Sidney Verba, elaboraram o seu estudo sobre a cultura política, o qual foi redigido no livro The Civic Culture, com a intenção de construir um novo paradigma que explique os fenômenos políticos. Criado na década de 1960, o conceito de cultura política emerge de uma multidisciplinaridade, pois advém de uma perspectiva sociológica, antropológica e psicológica, a fim de transformar tal noção em uma análise cientifica. Entende-se que a definição de “Cultura Política” é o conjunto de atitudes e orientações dos indivíduos de uma nação frente à política. Refere-se aos diversos significados e propósitos em que cada sistema político está imerso. Os autores afirmavam que os valores, as crenças e os conhecimentos são essências para a compreensão de comportamentos políticos padronizados adotados pelos cidadãos. Através de um estudo, que se desenvolveu por cinco países (Inglaterra, México, Itália, Estados Unidos e Alemanha), determinaram o grau de congruência entre esse conjunto de variáveis subjetivas e o sistema político. Portanto, tal noção consiste em uma tentativa pioneira de determinar a relação entre as atitudes dos atores sociais e os seus efeitos sobre o funcionamento das instituições democráticas, não se restringindo apenas às estruturas políticas como governos e partidos. Por meio de suas pesquisas, foi desenvolvida a construção de uma tipologia, a qual é fundamentada em diversas culturas políticas que se originam das diferentes maneiras de orientação política individuais e das classes de objetos políticos para as quais elas se destinam. A análise subjetiva do sistema político feita pelos cidadãos pode ser dividida em três formas de orientações: 1) orientação cognitiva, que se baseia nos conhecimentos e convicções sobre o sistema político e a função dos indivíduos em relação ao mesmo; 2) orientação afetiva, a qual se refere aos sentimentos dos cidadãos diante da estrutura política; 7 de 25 3) orientação valorativa, pautada na apreciação individual feita pela combinação de elementos cognitivos e afetivos que permitem o julgamento e a emissão de opinião em relação ao sistema político. Baseando-se nessa divisão das orientações, Almond e Verba (1963, p.16-18) redigiram as principais formas de cultura política que se desenrola em diversas sociedades e sistemas políticos: A) A cultura política participativa, marca as sociedades que tem um nível alto de conhecimento, consciência e participação política, sendo específica dos sistemas democráticos. B) A cultura política de sujeição, que é caracterizada pelas sociedades em que os indivíduos tem consciência das suas orientações nas estruturas executivas e administrativas, mas que há uma baixa participação política, como por exemplo, os estados autoritários, visto que se nota um grau alto de passividade dos atores sociais diante o seu sistema político. C) A cultura política paroquial está presente em sociedades que tem uma forma de organização mais simples, visto que há uma ausência de instituições políticas especializadas, ou então, há uma forte aproximação das esferas políticas, econômicas e religiosas. Ela apresenta um baixo nível de participação política. Além de analisaram as orientações políticas individuais, esses dois autores notaram que a cultura política de um meio social impactava o desenvolvimento dos sistemas políticos. Ademais, buscavam explicar a convergência entre a cultura política e a organização de sistemas políticos estáveis por meio da construção de modelos que os elucidassem. Verificouse, assim, práticas de socialização que são capazes de gerar culturas e sistemas políticas, respectivamente, congruentes e estáveis, que são qualidades fundamentais para que tais ação aconteça no desenvolvimento dos regimes democráticos. (ALMOND; VERBA, 1963, p.14). Diante desses pressupostos, Almond e Verba tinham a intenção de compreender o conteúdo da cultura democrática, não através das características que as instituições apresentavam e nem dos aspectos sociais dominante, mas sim das ações individuais analisadas de forma empírica em diversas democracias (KUSCHNIR; CARNEIRO, 1999, P.231). A partir da análise feita nos cincos países citados anteriormente, por meio de entrevistas e enquetes, empreende-se uma noção comparativa às questões peculiares de cada nação, almejando obter a descrição da história de vida política dos indivíduos. Ao examinar o resultado, passaram a tratar da micropolítica, ou seja, das orientações políticas e 8 de 25 comportamentos dos indivíduos, mas não para compreendê-los de maneira isolada, e sim, como membros de uma coletividade complexa. Portanto, percebe-se a tentativa de relacionar as ações dos atores políticos com a forma que a política funciona, expressando, então, o elo entre as atitudes políticas individuais (noção micropolítica) e as estruturas políticas (noção macropolítica) da sociedade. Identificou-se, assim, a ascensão das culturas cívicas como padrão máximo desse fenômeno, mostrando-se como elemento central em suas formulações. CAPÍTULO II O Conto do Minotauro, o Totalitarismo e o Espírito de Retomada da Sabedoria como Meios de Desenvolver o Pensamento Político A cultura política de muitas épocas foi moldada para que se acreditasse na opinião dominante, seja na idade média pela força de um poder divino, na idade moderna pelo Rei único e absoluto e, não muito diferente, na época contemporânea pela crença na vontade geral, totalmente abstrata e descolada da realidade. Ambos os períodos mais marcantes da história ocidental tiveram uma mancha sanguinária em comum, os governos totalitários que esmagavam o povo em prol de um ideal político, ideológico ou divino. Essa concentração dogmática da política nos mantém presos em uma espécie de labirinto. E a grande questão que fica é: como poderemos sair dele? Para responder a essa questão, vamos retomar um mito Grego, que se mostra muito atual na resolução desse problema. II.1 - “Minotauro” ou “Aquele que vem do poder tirânico”: estado psíquico de domínio perverso Em algum momento antes da guerra de Tróia, contava-se que a Ilha de Creta possuía um Rei chamado Minos. Esse rei havia declarado a seus irmãos, logo após a morte de seu pai, que reinaria sozinho. Para comprovar seu destino de governante único de Creta, Minos ofereceu um sacrifício a Poseidon, pedindo que este fizesse sair um touro do mar. Em troca, havia prometido que sacrificaria o mesmo animal em nome do deus. O touro foi 9 de 25 enviado, mas o novo rei achou o touro tão belo que resolveu ficar com ele, descumprindo a sua promessa. Dando início, portanto, a sua maldição. Diz a lenda que Pasífae, esposa de Minos, se apaixonou pelo touro e copulou com ele. Do ato antinatural de sua esposa nasceu a besta Minotauro. Assustado com a fera, Minos pediu ao construtor Dédalo que fizesse uma prisão para o monstro, da qual ele jamais pudesse sair. Dédalo criou então um labirinto, onde a fera foi aprisionada. Fruto de uma relação contra a natureza, o Minotauro não conseguia se alimentar de nenhuma comida comum. Ele precisava devorar seres humanos, da mesma forma que o orgulho antes devorou o rei. Minos então impôs um tributo à cidade de Atenas, onde a cada nove anos, a cidade deveria escolher e enviar sete jovens e sete donzelas que seriam lançados ao labirinto, de onde jamais poderiam sair e serviriam de alimento para a besta. A ideologia é a negação da realidade e da natureza do homem. Quando a realidade é negada, a única coisa que vale é a ideia de quem detém o poder – a vontade do tirano. Exatamente como o Minotauro, o poder que age pela violência irracional e pela força arbitrária é um poder antinatural e por isso é um poder que perde sua legitimidade, pois não convence mais à razão nem fala aos corações dos homens – apenas violenta e se faz valer pela força. É o tipo de poder que não teme lançar pessoas à prisão de um labirinto sem saída, para serem devoradas como um tributo pela besta antinatural. Como dito antes, essa besta já nos foi apresentada muitas vezes em diversos momentos históricos – a divindade, a decisão do rei, a vontade geral, todas estas justificam seus meios pelos fins e sufocam a sociedade a deixando a mercê do labirinto e dos monstros que esse possui. Essa é a essência do poder que não se importa mais com as pessoas, apenas consigo mesmo e a sua própria manutenção. Na terceira vez que Atenas teve de pagar o tributo de sangue ao Minotauro, ela enviou o maior herói entre os jovens, Teseu. Este, antes de entrar no labirinto, foi notado por Ariadne, filha de Minos, que se apaixonou por ele e lhe deu um grande auxilio para sua prisão, um novelo de fio. Teseu entrou no labirinto puxando o fio de Ariadne durante o caminho, lutou com o Minotauro e o matou. A fera contra a natureza foi vencida pela força da inteligência humana e o tributo tirânico dos sete jovens e das sete moças foi encerrado. O herói então puxou o fio 10 de 25 de Ariadne e refez o caminho de volta, seguindo o fio e livrando-se do labirinto do Minotauro. A pergunta a ser feita sobre o final dessa história é: qual o nosso fio de novelo que permite trilhar o caminho de volta para fora do labirinto? A resposta é a sabedoria da nossa tradição. Isso pois, se o Minotauro representa o poder tirânico contra a realidade, a sabedoria da realidade é o único poder capaz de vencê-lo – ou seja, o fio de novelo. Para encontrar essa sabedoria precisamos subir nos ombros dos grandes homens e mulheres que pensaram o nosso mundo, olhar para a nossa realidade com os olhos deles. Significa que devemos olhar para trás para encontrar as respostas, como Teseu puxou o novelo de volta, para sair do labirinto. CAPÍTULO III Estudos filosóficos acerca dos governos totalitários do século XX III. 1 – Eric Voegelin: A sua filosofia como retomada da realidade num mundo dominado pela era da “pós-verdade” e sua definição de “religiões políticas” O filósofo nasceu em Colônia na Alemanha, no ano de 1901, e morreu em Standford, Califórnia no ano de 1985, já naturalizado na América após ser recebido durante a fuga Nazista. Voegelin não era judeu, mas suas obras eram hostis ao ideário nazista, visto que seu foco de estudo na época era justamente sobre o mito da raça e governos ditatoriais. Quanto a sua filosofia, Voegelin não separava a realidade circundante da consciência individual, por isso é também chamado de “filósofo da consciência”. Assim a crítica política de Voegelin não repercutiu somente nas bases doutrinárias do nazismo de Hitler, mas teve efeito igual na ideologia Marxista, isso pois, ambas são postas lado a lado, não por serem idênticas em seu conteúdo, mas certamente porque o são em sua forma: as duas foram descritas por Voegelin como “religiões políticas”, gnósticas e filhas legítimas da modernidade por se idealizarem capazes de instaurar um paraíso terreno, uma utopia, que por redundância é inatingível. Assim a proposta de Voegelin é buscar a realidade como critério último de análise. Atualmente, por conta das novas ondas filosóficas do pós-modernismo ultra relativista, 11 de 25 estruturalismo, pós-estruturalismo, pragmatismo e até niilismo, falar em realidade parece ser um atraso. Mas muito pelo contrário, a realidade é o fundamento basilar de toda filosofia política que se importa minimamente com o corpo social que busca gerir. A ciência política, fundada na realidade é a mesma idealizada na Grécia por Platão e Aristóteles, Voegelin busca justamente esses autores para aprofundar a sua proposta de retomada da política como ciência (no sentido de episteme), afirmando que nas raízes intelectuais da modernidade se encontram certos pressupostos, evidenciados pelo positivismo enquanto metodologia predominante das ciências sociais, que inviabilizam uma compreensão e estudo genuinamente científico da política. O contemporâneo de Voegelin, Mendo de Castro Henriques, sintetiza essa visão do filósofo no seguinte trecho de seu livro, Filosofia política em Voegelin: “Pode parecer um mero truísmo falar que a realidade deve vir primeiro em qualquer análise que se pretenda séria, mas é impossível não se remeter à afirmação do ensaísta inglês G. K. Chesterton (1874-1936) quando vaticinou que chegaria uma época em que seria necessário provar que a grama é verde. As teorias mirabolantes prevalentes na atualidade parecem vingar a profecia de Chesterton.” (HENRIQUES, Mendo de Castro, 2009) Uma definição importante da filosofia desenvolvida por Voegelin é sobre o Gnosticismo e como este afeta as sociedades contemporâneas num geral. Gnosticismo é originalmente uma doutrina cristã herética, onde os que se afirmam gnósticos buscam possuir conhecimento no sentido de Gnose, um tipo essencial e diferente de conhecimento, associado a uma revelação especial e a intuição individual, isso o torna restrito a alguns poucos. No campo histórico-político, o gnosticismo aparece como a crença na imperfeição do mundo, porém que é possível realizar essa correção do mundo a partir da própria história, em específico, do conhecimento revelado a certas pessoas. Em outras palavras, “o gnosticismo se caracteriza pela secularização ou imanentização do transcendental ou da revelação” (SILVA, Nelson Lehmann da., 1985) A imanentização do transcendental significa trazer o “paraíso pós-morte” para o mundo terreno e para a história. É uma ideia utópica e infundada na realidade palpável, logo, 12 de 25 impossível de ser aplicada na prática. A esse gnosticismo restou por fim, migrar para o campo social e fundar aquilo que Voegelin define como uma “religião política”. Dessa forma, o gnóstico, convencido de que é a chave que contém o conhecimento necessário para trazer o paraíso à terra, funda algo com uma estrutura religiosa dogmática, que orienta o passo a passo necessário para fundar uma utopia na realidade. O que o filósofo planeja afirmar com esse conceito, parece claro e distinto quando bem compreendido, pois o Nazismo e o comunismo – não como exemplos exclusivos, apenas como mais completos – basearam-se largamente em: culto à personalidade; infalibilidade do líder; criação de hinos; o governo da salvação; expurgo de pecados; condenação de pecadores; perseguição ao “mau” (seja o judeu, seja o burguês); redenção; instauração do paraíso; e, destaca-se, escatologia. Escatologia, no sentido de que o que os religiosos políticos fazem é imanentizar o que os gregos chamavam de escathon – o fim de todas as coisas – e este, deixa de ser o reino acessível somente após a morte, mas é trazido à história pela teologia política das ideologias modernas. Ninguém deve ficar surpreso ao entender esse conceito e recordar da sanguinolência que marcou o século XX. Isso pois, se o sujeito se vê como imbuído de um poder redentor que irá realizar o fim da história, não é surpresa que saia matando a todos que se oponham a esse caminho de salvação geral. “Vale lembrar que Trotsky acreditava que quando o comunismo finalmente vingasse, a História se encerraria, o Estado sucumbiria e cada homem, florescendo de forma radicalmente livre, teria a capacidade intelectual equivalente a Goethe ou Aristóteles. Quem em sã consciência enfrentaria um homem absolutamente crente de que está envolvido no processo para tornar essa realidade possível? E quem, movido por essa crença, não estraçalharia reacionários que significassem a impossibilidade ou atraso na concretização dessa realidade? Eis a essência da ética de um “religioso político”.” (BARRETO, 2018) III.1.1- Hannah Arendt: sua filosofia e suas origens Hannah foi uma filósofa política alemã de origem judaica, consagrando-se uma das mais influentes do século XX. Ela foi apenas uma entre outros intelectuais contemporâneos 13 de 25 seus que, apesar de tomar conhecimento do horror das câmaras de gás somente na década de 1940, percebeu a potencialidade assassina dos regimes políticos de seu tempo já na década anterior. Arendt acreditava num pluralismo político social, que poderia resultar em um potencial de liberdade bem como uma igualdade política entre sociedades. Defendia uma democracia direta capitaneada por pessoas adequadas e capacitadas que sancionariam as leis. III.1.2 - Banalidade do mal A catástrofe anunciada - potencialidade totalitária do governo de Hitler na década de 1930 - e a própria situação da fuga de Arendt fizeram que a autora voltasse seus olhos para o mundo da política e conduziram à reflexão não somente sobre a situação do totalitarismo em si, mas também sobre quais rumos a política estava tomando nesses tempos sombrios. O livro que consagrou Arendt como estudiosa da política - Origens do totalitarismo - é resultado de todo o processo pelo qual ela mesma passou desde o final de 1920 até sua chegada aos Estados Unidos. Em um de seus estudos, Hannah critica judeus colaboracionistas que acreditavam na hipótese de apoiar a perseguição judaica, logo, essa perseguição pararia. Daí que surgem as reflexões da banalidade do mal. Adolf Eichmann foi uma figura importante na teoria de Hannah Arendt. Adolf era um soldado que participava da "solução final", ou seja, um plano nazista para exterminação dos judeus na Alemanha e nos territórios ocupados. No testemunho do julgamento, Hannah escreve que Adolf dizia repetidamente que tudo que fora feito por ele, era apenas ordens que ele seguia. Partindo desse pressuposto, Arendt escreve que as sociedades se caem em desgraça, se rendem aos regimes totalitários por falta de um senso de pensamento crítico, não questionando o seu próprio raciocínio lógico e crítico. A filósofa também escreve que isso ocorre desde os primórdios das relações sociais, onde é estabelecida uma plena obediência onde nada é questionado. O mal então é visto como um produto da sociedade e não algo vindo de mentes atormentadas; algo que os semelhantes de uma mesma sociedade praticam. Como coloca Hanna Arendt: "Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem despreza. Abdicar de pensar também é crime". 14 de 25 III.1.3 - Relação política-filosófica entre Hannah e Eric Arendt e Voegelin começaram a se atentar para os estudos sobre os regimes totalitários quase simultaneamente, no início da década de 1930. Enquanto o ponto de partida de Arendt foi sua própria situação como judia e sua indignação diante da situação política da Alemanha nazista, o de Voegelin foi a associação entre sua capacidade de refletir sobre o que aconteceu à sua volta e seus estudos de Direito na Universidade de Viena, bem como sua desconfiança com os movimentos de massa que haviam ganhado força na década de 1920. As teses de Arendt são amplamente conhecidas. As de Voegelin, por sua vez, possuem uma carência de leitura e de divulgação. A resenha de Voegelin publicada na Review of Politics em 1952 a convite de Waldemar Gurian é resultado de uma troca massiva de cartas entre Voegelin e Arendt. O problema no estudo inadequado do totalitarismo de Hannah é a perspectiva sob a qual ele é analisado, e aí está também, segundo Voegelin, o problema de Arendt, que tem seu trabalho danificado, entre outras coisas, pelo fato de deixar-se levar demais pelas emoções diante das atrocidades acometidas nos regimes totalitários, escurecendo o pensamento focado no cerne central do problema e abdicando de um pressuposto ponto teórico adequado, já que o horror moral e a carga emocional colidam com o essencial e "levam a uma delimitação da matéria do objeto de exame". Embora o livro de Arendt esteja repleto de "formulações brilhantes e intelecções profundas", segundo Voegelin, a filósofa falha, segundo ele, ao perseguir as consequências de tais intersecções, pois sua elaboração sofre uma virada até mesmo uma superficialidade lamentável. Mas esse aspecto seria apenas a revelação de que Arendt também padece da confusão intelectual e moral que assola a modernidade, tal modernidade essa que, segundo Hannah, convive abaixando a cabeça para o totalitarismo com a mesma naturalidade em que se toma um café ou se lê um livro. No entanto, Voegelin realiza uma breve reconstrução do argumento de Arendt sobre o declínio do Estado-nação, bem como de outros fatores econômicos que, segundo Arendt, influenciaram na ascensão do regime. Além disso, o autor faz questão de marcar quais os pontos altos do texto de Arendt e elogia sem restrição a primeira parte - sobre o antissemitismo -, afirmando que é "talvez o melhor resumo histórico que há acerca do 15 de 25 problema do antissemitismo", enquanto a segunda parte "é a mais penetrante do ponto de vista teórico". O que Voegelin admira é a capacidade de Arendt associar vários fenômenos que normalmente são vistos de forma dispersa, como a expansão do imperialismo dos Estados nacionais e a formação de elites e relações menos favorecidas na sociedade. No texto de Voegelin aparecem duas críticas principais ao livro de Hannah Arendt. A primeira é justamente a falta de instrumental teórico adequado em função da ausência de uma antropologia filosófica bem elaborada que atentasse também para os fenômenos espirituais, e a segunda é uma espécie de explicação encontrada por Voegelin do porquê Arendt cometer essa falha. Voegelin acusa Arendt de adotar uma postura liberal, progressista e pragmatista diante dos problemas encontrados, o que nos faz subentender que sejam essas as entrelinhas tortuosas que Eric encontra nos estudos de Arendt. CAPÍTULO IV Destrinchando a cultura política: Alemanha, Espanha e Estados Unidos VI.1 - Cultura política como fenômeno social Entendemos que a cultura política é marcada, em sua essência, pela relação subjetiva com o campo da política. Dessa maneira, ao mesmo tempo que existe uma grande heterogeneidade entre os indivíduos que compõem determinada sociedade, ocorre uma forte tendência, em determinados momentos da história, de confluência de pensamento, criando uma paisagem, de certa forma, homogênea. Ao estudarmos o percurso histórico de um país, os valores e as crenças políticas são fundamentais para compreendermos as dinâmicas sociais, as desigualdades, o sistema normativo, a abordagem econômica e a construção cultural. Dessa forma, a compreensão da cultura política de determinada nação conta não somente com análises superficiais e gerais de dados, mas busca partir de uma profunda investigação das diversas teias de relacionamento que constroem esse coletivo, busca entender as raízes desse e o contexto histórico em que estão inseridos. Como aponta Lucian W. Pye, em seu livro "Political Culture and Political Development", a cultura política é a manifestação, em forma conjunta, das dimensões psicológica e subjetiva da política". (1977; p.323) 16 de 25 Assim, como declara o cientista político Sidney Verba: "A abordagem da cultura política não se concentra nas estruturas formais ou informais da política - governos, partidos políticos ou grupos de pressão e suas inter-relações - mas no que as pessoas pensam, acreditam e sentem sobre eles. Nem se trata do que realmente acontece no mundo da política, mas do que as pessoas pensam, acreditam e sentem sobre o que acontece ou deveria acontecer nessa esfera". (Verba, 1965, p.516) Com base nisso, o presente capítulo tem como objetivo principal aplicar os princípios organizadores do estudo da cultura política em casos que marcaram a história mundial, empenhando-se em compreender os fenômenos políticos e sociais que desencadearam esses eventos. IV.2 - Entendendo a cultura política na Alemanha: da unificação à Segunda Guerra Mundial Para que possamos compreender a cultura política na Alemanha é essencial que passemos por sua história, pois só assim conseguiremos entender o porquê determinados eventos ocorreram, qual foi o papel da população nesses e como a conjuntura mundial e interna afetou essa construção. A Alemanha, fruto de uma unificação tardia, teve que lutar para conquistar, em um mundo já delineado pelos Estados ocidentais até então formados, seu espaço de influência e domínio. Esse processo, chefiado pelo primeiro-ministro Otto von Bismarck, tinha como principais objetivos a união dos Estado que compunham a Confederação Germânica em um aparelho que formasse uma unidade política e administrativa entre esses territórios. Ademais, o nacionalismo foi um fator essencial para que esse movimento avançasse, visto que a identidade germânica garantia uma coesão social, que facilitava a colaboração entre os Estados, e, consequentemente, a cooperação econômica, necessária para o avanço da união. Posteriormente, com a construção de alianças e inimizades, o cenário mundial foi surpreendido pela explosão da Primeira Guerra Mundial. Tríplice Entente contra Tríplice Aliança, esse confronto foi marcado por sucessivos ataques que prejudicaram, em diferentes níveis, as nações envolvidas. O estrago, no que diz respeito a Alemanha, foi o mais significativo, dado que compôs o grupo perdedor. A volta do revanchismo francês e os novos inimigos feitos pela jovem nação colaboraram para que o Tratado de Versalhes, assinado em 17 de 25 1919, a deixasse em maus lençóis, ao proibir a formação de um grande exército, limitar a posse de armamento, submetê-la a perda de territórios coloniais e outros territórios adquiridos ao longo do processo de unificação - como a Alsácia-Lorena, que foi cedida à França. Com o orgulho ferido, a economia quebrada e a população em situação de miséria, sobreveio sobre o país uma onda de nacionalismo e revanchismo extremos, que, adiante, colaborou para a ascensão do regime nazista. Tendo como responsável pelo fracasso na guerra e no Tratado de Versalhes a República de Weimar, o povo, saudosista dos tempos em que o império alemão era forte e cheio de glória, em meio ao caos político-econômico-social em que viviam, viu no partido que surgia – Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães - uma alternativa para o resgate do poder germânico e a superação da vergonha e humilhação a que foram submetidos no pós-guerra. Ascendendo ao poder, com o apoio popular, Hitler promove uma verdadeira chacina pelos territórios onde passou - sendo contabilizadas, inclusive, vítimas do próprio exército alemão -, mas atuou, principalmente, nos terríveis campos de concentração. O ressentimento da nação e a insegurança frente ao cenário que se formou, foram as principais ferramentas para o domínio nazista. A exploração desses ressentimentos facilitou a dominação que foi, constantemente, reforçada por meio de propagandas e publicidades governamentais. A doutrinação, como mencionado anteriormente, foi fulcral para o sucesso do partido nazista tanto entre os apoiadores, quanto entre os opositores. A repressão a qualquer manifestação de arte, como música, cinema e teatro; o grande investimento em documentários e programas de rádio que exaltavam Adolf Hitler e o governo vigente; as propagandas e mensagens que apelavam a uma unidade nacional e a criação de projetos como os cinejornais, foram essenciais para a manipulação da opinião pública e para o crescimento apavorante - do culto ao líder "supremo". Diante de todos esses fatores, encontramos por detrás dos panos da política uma nação órfã, deixada à mercê das dificuldades advindas dos confrontos violentos e dos governos fracassados. Quando falamos da legitimidade de um governo, estamos nos referindo a um apoio - de grande parte da população - que mesmo em tempos difíceis e de dúvidas, se mantém fiel e leal a determinado sistema político. O conhecimento dessa noção, por parte do 18 de 25 governo nazista foi, justamente, o que garanti sua ascensão, o zelo pela aceitação popular e inclusão do social aos planos políticos fez com que se criasse um vínculo de mutua colaboração que foi, através de propagandas e melhorias, se fortificando e se tornando praticamente impenetrável. Depreende-se, assim, que durante esse período - da unificação até a Segunda Guerra Mundial - a nação alemã era profundamente marcada por uma cultura política de sujeição. O restrito acesso ao conhecimento político e, por consequência, o escasso entendimento do sistema, fazem com que o povo, já fragilizado, se voltasse mais facilmente para qualquer proposta que transformasse a situação em que viviam. Assim, o alto grau de passividade dos atores sociais diante do seu sistema político facilitava a sua própria doutrinação. Por fim, vale ressaltar que o regime, os partidos e as autoridades não são nada se não possuem sob suas asas uma sociedade para governar. Quando compreendemos a cultura política como um fenômeno social e subjetivo, nós conseguimos analisar de uma forma mais lúcida os diversos processos pelos quais o mundo passou até chegarmos ao hoje. A orientação do indivíduo frente a política é, precisamente, o que mantém ou depõe um governo; assim, os sistemas políticos se encontram imersos em uma complexa teia de relacionamentos, que se desenvolve a partir de momentos de dificuldade e fraqueza, mas também em momentos de prosperidade e força. A viagem pela história nos permite perceber que o processo de deposição de um governo passa, primordialmente pela insatisfação do povo, pelo sentimento de manipulação e pelas atrocidades cometidas a esse e a outros. Portanto, a essência da cultura política, do sistema político e do regime vigente em determinado período se baseia, antes de tudo, na sociedade com que se trabalha. IV.3 - Espanha: do totalitarismo à redemocratização O período ditatorial experenciado pelos cidadãos espanhóis de 1939 a 1975 representa as tendências do século XX, marcado por guerras e pela insegurança, de aderir a sistemas totalitários de governo. Nesse contexto, a obra de Pablo Picasso, relevante expoente do cubismo europeu, retrata em uma obra de leve teor abstrato a tragédia ocorrida pelo bombardeio e total destruição da cidade de Guernica, na Espanha, como um símbolo dos horrores da Guerra Civil e do autoritarismo. 19 de 25 Após o período de Guerra Civil, seguido do governo fascista e ditatorial implantado por Francisco Franco, de caráter catolicista e anticomunista, que utilizou da violação dos direitos civis e da exclusão da liberdade de expressão como meio para a dominação política, a sociedade civil espanhola obteve grande êxito em democratizar as relações políticas, superando obstáculos para a reestruturação econômica. A democratização, pois, consiste na liberalização política e o movimento rumo à equidade social. Diante dessas transformações, o processo de democratização espanhola marca de forma diversa os indivíduos. O que pode ser demonstrado a partir do levantamento da opinião popular, realizado entre 1966 e 1993, que consiste na pesquisa sobre o crescimento da legitimidade política e da percepção popular sobre o desempenho econômico, produzindo gama de resultados acerca das conexões entre a despolarização ideológica e a prosperidade. IV.3.1 - Análise de Gráfico É representada, por meio do levantamento realizado no decorrer dos anos: 1966, 1974, 1976 (janeiro e maio), 1979, 1980, 1981, 1982 e 1993, a preferência dos indivíduos em relação à tomada de decisões políticas. Assim, questiona-se ser preferível que um indivíduo decida por todos ou que a decisão seja tomada por um grupo de pessoas eleitas pelos cidadãos. 20 de 25 A primeira proposição, que define a tomada de decisões gerais por um único indivíduo, possui relações com os modelos de governo absolutos e totalitários, nos quais o detentor do poder impõe sua vontade arbitrária sobre os outros indivíduos. Conscientes ou não dessa realidade, o número de sujeitos questionados que apresentam respostas favoráveis a esse sistema demonstra um crescimento entre 1966 e janeiro de 1976. Contudo, em maio de 1976 esse contingente diminui pela metade, mantendose praticamente constante até 1993, quando mostra um aumento considerável, alcançando números semelhantes aos registrados previamente em janeiro de 1976. O número de indivíduos favoráveis a um modelo de governo representativo, que pode ser estabelecido pela democracia, permanece alto desde 1966, representando a maioria. No entanto, em 1966, essa soma pode ser considerada baixa quando comparada com os dados colhidos a partir de 1974, quando o número duplica. Apesar de apresentar uma leve diminuição em janeiro de 1976, demonstra um novo aumento na próxima apuração, seguindo alto e constante até 1993. Portanto, a pesquisa em questão mostra que a referência pela democracia possui constância, enquanto os simpatizantes do autoritarismo crescem em períodos nos quais surgem tendências autoritárias aparentemente promissoras, que logo perdem a popularidade, diante da maleficência intrínseca a esse sistema. IV.4 - Estados Unidos: A construção iluminista de uma “democracia de alto nível” Em essência, as colônias unidas em uma nação que posterirormente adquire protagonismo global, constituindo os Estados Unidos da América, constroem-se sobre um fundamento liberal, que idealmente valoriza a independência e a liberdade política, social e econômica. Diante disso, a independência dos EUA (Estados Unidos da América), que ocorre em 1776, baseada no anseio por autonomia em relação à metrópole colonizadora, estabelece preceitos fundamentais, formalizados em uma constituição de aplicação atual, que demonstra a mentalidade de rejeição à limitação das liberdades individuais característica da cultura política estadunidense. 21 de 25 Portanto, apesar de não poder ser caracterizada como uma política ideal e exemplar, diante do caráter aristocrático e excludente do corpo político norte americano, o país em questão primou pela democracia como base para a organização governamental, rejeitando qualquer ameaça de governo autoritário e tirano, caracterizando uma “democracia de alto nível". 22 de 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo elaborado por Almond e Verba, possibilitou a fundamentação de ideias elementares acerca da cultura política, a qual deu início a diversos debates teóricos e análises no campo da ciência social e política. Percebe-se, assim, com esse trabalho, uma definição de cultura política que vai além das estruturas governamentais e partidárias, onde é influenciada fortemente pelas ações individuais e pelas relações dentro da sociedade. A análise da história de países marcados não apenas pelos regimes totalitaristas, mas por diversos outros modelos de governo, que transpassaram a linha do tempo da trajetória humana, nos permite depreender o quão intima é a relação entre o homem e a política, entre as sociedades e os eventos que marcam o percurso do mundo até os dias de hoje. Quando entendemos que a cultura política está ligada com o âmbito social e que o principal objeto da política são os seres humanos, conseguimos compreender o quão importante são essas relações e que, no movimento histórico, são elas o motor do mundo. A medida em que a relação do homem com a política fica evidente, é importante trazer para debate as questões teóricas desenvolvidas que buscam desmistificar a origem dos governos totalitários. O conto do Minotauro e a filosofia política apresentada por Voegelin surgem justamente para que se compreenda algumas motivações para a formação desses tipos de governo, e de que forma podemos retornar ao centro de uma cultura política que se desenvolva com sabedoria, buscando auxílio da tradição, além da retomada da realidade como caráter fundamental dos governos. As divagações filosóficas compartilhadas entre Voegelin e Arendt são um tesouro não bem explorado, pelos estudiosos sócio-políticos. Hannah e Eric foram protagonistas de suma importância para a época das primeiras fagulhas do totalitarismo, na Alemanha, onde ambos dissertaram e testemunharam de forma concisa e precisa, compartilhando ideais e opiniões, a respeito de tais acontecimentos que apesar de marcantes, foram trágicos e levaram as relações político culturais à desdobramentos que ainda circulam na sociedade hodierna. 23 de 25 REFERÊNCIAS ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney. The Civic Culture: political atitudes and democracy in five nations. Princeton: Princeton University Press, 1963. BARRETO, André Assi. Eric Voegelin: filósofo da realidade: filosofia, história, pilares da sociedade, política. Burke: instituto conservador. São Paulo, p. 1-2. 06 ago. 2018. Disponível em: https://www.burkeinstituto.com/blog/historia/eric-voegelin-filosofo-da-realidade/. Acesso em: 17 jun. 2022. ECCEL, Daiane. Debate sobre o totalitarismo: a troca de correspondências entre Hannah Arendt e Eric Voegelin. 2017. 36 f. 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