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Desigualdades, Direitos e Pandemia Organizadores: Felipe da Silva Freitas, Malu Stanchi e Amanda Pimentel Observatório Direitos Humanos e Crise Covid-19 O Observatório produz e sistematiza informações referentes aos direitos humanos no contexto da pandemia do Coronavírus no Brasil. Desigualdades, Direitos e Pandemia. Brasil, dezembro de 2021. Observação: Esse material está disponível somente em formato digital. Fazem parte do Observatório: Anistia Internacional Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) Articulação de redes e entidades nacionais para o enfrentamento da pandemia nas periferias e grupos vulneráveis Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) Artigo 19 Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) Associação dos Jovens Indígenas Tapeba - CE Associação Juízes para a Democracia (AJD) Campanha Despejo Zero Cedeca Gloria de Ivone, TO - Observatório Popular de Direitos Humanos Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - Cedenpa Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) Cineclube Comunitário do Povo/Comitê de Solidariedade do Povo - BA Coalizão Negra de Direitos Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência Conectas Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) Criola Eu Amo Minha Quebrada - BH Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT) Fórum Nacional em Defesa do Sistema Único de Assistência Social e da Seguridade Social Frente de Mobilização da Maré contra COVID-19 Geledés Instituto da Mulher Negra Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Justiça Global Movimento de Defesa dos Direitos dos Moradores em Núcleos Habitacionais de S. André – MDDF/SP Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) Nós, mulheres da Periferia - SP Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Núcleo de Prática Jurídica da UFPR Observa Pop Rua - DF Observatório do Marajó Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco (OPDH) Observatório - UNICAMP Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (DHESCA) SOS Corpo SOS Providência - RJ Teia Solidariedade da Zona Oeste - RJ Terra de Direitos. Sumário Apresentação 04 Introdução 06 1 Impactos econômicos da pandemia: renda, trabalho e desigualdades 10 Impactos econômicos da pandemia sobre renda e trabalho no Brasil (Ian Prates) 12 A palavra dos movimentos: Desafios da luta por direito em tempos pandêmicos (Darci Frigo) 16 2 Orçamento e os efeitos da crise Orçamento Público e a Crise agravada pela Pandemia (Cleo Manhas) 20 O orçamento público, o desenvolvimento e a garantia de direitos (Roseli Faria) 30 A derrota do SUS em meio à pandemia (Jean Peres) 36 4 Desigualdades, direitos e pandemia | Sumário 3 Violações a Direitos Humanos no contexto da pandemia: as responsabilidades 40 públicas na gestão da saúde Direito à Saúde e a Resposta Brasileira à Pandemia da Covid-19 (Fernando Aith) 42 As (ir)responsabilidades públicas na gestão da saúde no contexto da pandemia de Covid-19 (Edna Maria de Araujo) 48 A palavra dos movimentos: A importância dos webinários na construção de uma agenda de direitos 51 Considerações finais 52 Desafios e recomendações: pontes para saída da crise 54 Referências 56 Autoras e Autores 58 Sumário | Desigualdades, direitos e pandemia 5 Apresentação O Observatório de Direitos Humanos – Crise e COVID-19, nasceu do posicionamento de 35 organizações e movimentos sociais de diferentes campos de luta, convencidas de que as crises sanitárias, políticas, econômicas e sociais aprofundaram-se pela pandemia do novo Coronavírus (Covid-19)1. Seu foco está voltado à promoção de articulação, comunicação e pesquisa em direitos humanos. No âmbito do Observatório, foram promovidas ações e produzidas pesquisas de incidência política, abordando: i) a estruturação dos serviços públicos e o impacto da crise sanitária no agravamento das violações de direitos humanos; ii) as respostas das 10 cidades mais afetadas por números absolutos de óbitos pelo vírus em termos de estrutura básica de políticas públicas em saúde da população negra, quilombola e indígena, segurança alimentar e nutricional e enfrentamento à violência contra mulheres; iii) as diretrizes de vacinação desenvolvidas para a proteção dos grupos mais vulnerabilizados, que têm sofrido uma total desassistência com o avanço da crise amplificada pela doença; iv) questionamentos sobre as ações e omissões do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia. Com vistas à projeção de ações coordenadas para a efetivação dos direitos humanos e à superação do atual cenário político, econômico, social e de saúde pública, agravado com a Covid-19, o Observatório realizou, entre agosto e setembro de 2020, uma série de três Webinários sobre as saídas para a crise vivida no contexto da pandemia refletindo sobre diferentes aspectos dos direitos humanos e sobre os caminhos possíveis para corrigir desigualdades e promover direitos sociais. Foram debates riquíssimos que viabilizaram análises sobre o tema das desigualdades e, o mais importante, que trouxeram indicativos para as lutas políticas que se apresentam para os próximos anos no campo da luta 1 Mais informações sobre o Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid pode ser encontrada no seguinte endereço: https://observadhecovid.org.br 6 Desigualdades, direitos e pandemia | Apresentação por direitos. A síntese destes debates foi apresentada em informes veiculados no site do Observatório e agora está aqui publicado na íntegra com os textos das expositoras e expositores dos Webinários. Com isso, esperamos contribuir com o debate público para a construção de uma agenda em favor dos direitos, da democracia, da igualdade e, sobretudo, na defesa da vida. Apresentação | Desigualdades, direitos e pandemia 7 Introdução Os textos que compõem esta publicação representam uma síntese dos debates realizados no âmbito dos webinários e informativos organizados pelo Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid ao longo do ano de 2021. Os artigos privilegiaram abordar temas-chaves do campo dos direitos humanos e dos direitos sociais, como saúde pública, assistência social, emprego e orçamento público, enfatizando os impactos da pandemia e das ações do governo federal nessas agendas no período e propondo saídas coletivas para superação da crise que enfrentamos atualmente. O livro está dividido em três partes. Na primeira apresentamos o tema dos Impactos econômicos da pandemia no que diz respeito à renda e ao trabalho, demonstrando de que modo a recessão econômica acirrou desigualdades históricas; na segunda parte aprofundamos o debate sobre a repartição do recurso público no cenário de emergência sanitária e, por fim, na parte três cotejamos as responsabilidades jurídicas das autoridades públicas na gestão da pandemia de Covid-19 e indicamos os impactos da má gestão federal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A publicação conta ainda com depoimentos dos membros do Observatório - Darci Frigo e Paulo Mariante - que mediaram as discussões nos webinários e apresentaram suas impressões sobre o debate promovido. No artigo “Os impactos econômicos da pandemia sobre renda e trabalho no Brasil, escrito por Ian Prates, discute-se como a ausência de ações públicas emergenciais para proteger a renda dos trabalhadores e trabalhadoras, ao lado da redução dos postos de trabalho, e da previsível desaceleração econômica vivida no contexto de crise, aprofundaram as desigualdades. A partir de uma abordagem interdisciplinar, discute-se neste texto como medidas paliativas, embora necessárias, são insuficientes para fazer frente ao tamanho dos desafios impostos pela pandemia e como é necessário construir políticas de Estado fortes e eficazes, capazes de integrar diferentes frentes de ação de governo e de propor 8 Desigualdades, direitos e pandemia | Introdução Foto: Artur Luiz novos patamares políticos para a discussão sobre a superação da pobreza, da fome e do vergonhoso abismo econômico e social. O tema da desigualdade reaparece na reflexão sobre orçamento público no artigo produzido por Cléo Manhas com o título “Orçamento Público e a Crise agravada pela Pandemia”. O texto aponta para a posição estratégica do orçamento governamental na gestão das medidas de enfrentamento a pandemia, mas também da elaboração de ações de prevenção e fortalecimento das políticas públicas em geral, alertando ainda para o descaso das ações do Governo Federal no contexto da pandemia, gastando recursos públicos com remédios ineficazes, atrasando a compra de vacinas e desqualificando seus efeitos. O mesmo aspecto é também enfatizado por Roseli Farias no artigo “O orçamento público, o desenvolvimento e a garantia de direitos”. A partir da reflexão sobre gasto público e políticas sociais, a autora analisa como os direitos da população foram impactados durante a pandemia e aponta a necessidade de uma uma reforma tributária progressiva que permita, por um lado, desonerar a carga de impostos da população mais pobre, e, por outro, ampliar as políticas sociais que reduzam a desigualdade, como as de transferência de renda, saúde e educação. Introdução | Desigualdades, direitos e pandemia 9 Por fim, temos ainda neste bloco o texto de Jean Peres, “A derrota do SUS em meio à pandemia”. O artigo, debatido a partir de dados coletados junto a Secretaria do Tesouro Nacional, sugere que o SUS foi o grande derrotado neste contexto de pandemia e que empresas privadas de todas as naturezas, sejam fornecedoras de insumos, de medicamentos, importadoras de equipamentos, entidades de saúde, foram as grandes beneficiadas com as escolhas na aplicação e manejo das verbas públicas da área. De maneira clara e objetiva, o autor interroga o fatiamento do recurso público dentro e fora do cenário de pandemia e provoca a necessidade de formação, discussão e controle social sobre esses assuntos. Na etapa derradeira do livro temos ainda dois artigos que cuidam do tema da responsabilização dos agentes públicos que se omitiram na gestão da pandemia e dos impactos dessas escolhas equivocadas (e por muitas vezes criminosas) em termos de finanças públicas, direitos e políticas sociais. No texto Direito à Saúde e a Resposta Brasileira à pandemia da Covid-19, escrito por Fernando Aith, discute-se como o Governo Federal foi, a um só Foto: Ron Iligan 10 Desigualdades, direitos e pandemia | Introdução tempo, ausente e displicente na gestão da saúde no contexto da pandemia. Ao apresentar um monitoramento normativo das respostas governamentais à pandemia, o autor apontou que as medidas propostas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro adotaram uma estratégia de atuação institucional favorável à propagação do vírus, ao propagar a ideia de que a “imunidade de rebanho” seria uma resposta eficaz para combater à doença. Tal realidade também está descrita no artigo de Edna Maria de Araújo, “As (ir)responsabilidades públicas na gestão da saúde no contexto da pandemia da Covid-19”, onde a autora aponta para os impactos causados pela Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto para os gastos públicos, na gestão da saúde da pandemia. A limitação dos recursos na área, segundo a autora, implicou em redução de programas, número de profissionais e infraestrutura básica, fazendo com que uma grande parcela da população, em especial à população negra e pobre, ficasse desassistida do acesso à saúde em um período tão difícil, como é a pandemia. Assim, o que vimos nesses quase dois anos de pandemia foi que este período afetou profundamente não apenas a saúde humana, como também setores públicos e privados das mais diversas áreas. Da saúde e assistência social à economia, o impacto da pandemia foi sentido por todos! Contudo, apesar de a crise instalada pelo coronavírus apresentar efeitos em todas as áreas, os seus efeitos poderiam ter sido minimizados pela ação dos governos. No caso do Brasil, onde convivemos com uma gestão altamente contrária aos direitos sociais e humanos das populações mais vulneráveis, as medidas tomadas pelo Governo Federal foram não apenas ineficazes, como igualmente criminosas, ao optarem pelo irrisório investimento em vacinação e em políticas de redistribuição social que poderiam auxiliar a população neste período. Diante deste cenário, é preciso que as forças políticas progressistas, as organizações da sociedade civil e movimentos sociais organizados se unam contra os abusos promovidos pelo atual governo e atuem cada vez mais em prol do fortalecimento de uma agenda política que priorize os direitos humanos e as populações mais vulneráveis socialmente. A iniciativa do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid é, nesse sentido, uma das experiências que busca firmar essa coalizão de organizações e atuar de forma conjunta para que essa agenda se consolide. Introdução | Desigualdades, direitos e pandemia 11 Foto: Avelino Regicida 12 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 1 PA RT E 1 Impactos econômicos da pandemia: renda, trabalho e desigualdades Parte 1 | Desigualdades, direitos e pandemia 13 Impactos econômicos da pandemia sobre renda e trabalho no Brasil Ian Prates Doutor em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo), pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e daSAI (Social Accountability International). Quando a pandemia da Covid-19 se tornou a principal preocupação mundial nos primeiros meses de 2020, o cenário era de vasto desconhecimento sobre a sua duração e os seus reais impactos. Mas, gradativamente, ficou claro que os efeitos socioeconômicos gerados pela pandemia seriam não apenas mais severos, como também distintos das crises econômicas pregressas. Não por acaso, ainda em março de 2020, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu primeiro boletim de monitoramento da Covid-19,2 alertou que os efeitos da pandemia sobre a renda e emprego seriam particularmente mais fortes para grupos sociais minoritários, como negros e pobres. A vulnerabilidade frente à iminente crise estava longe de ser democrática e aprofundaria desigualdades pré-existentes. O Brasil não fugiu à regra, mas com um agravante adicional. A pandemia bateu à nossa porta depois de termos experimentado nossa maior crise desde a redemocratização, num cenário político crescentemente polarizado. Entre 2014 e 2017, a taxa de desemprego mais do que dobrou, saltando de 6,0% para quase 14,0%. A tímida recuperação entre 2018 e 2019 esteve longe de levantar todos os barcos e, se a recessão havia ficado para trás para a metade mais rica dos brasileiros, os mais pobres continuavam perdendo e a taxa de desemprego continuava superior a dois dígitos3. 2 O Boletim de Monitoramento realizado pela OIT pode ser acessado no seguinte endereço: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/briefingnote/ wcms_738753.pdf 3 Dados e informações retiradas do estudo “Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019”, que pode ser acessado no seguinte endereço: http://dados.iesp.uerj.br/desigualdade-brasil/ 14 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 1 O Seguro Desemprego foi pouco eficaz na manutenção da renda dos desligados, resultado da sua histórica limitação, que deixa de fora os trabalhadores informais. O investimento em políticas ativas de mercado de trabalho (intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional), fundamentais em um momento de recuperação, foi irrisório. Em contrapartida, o crescimento do emprego a partir de 2018, embora tenha trazido uma parcela da força de trabalho de volta para o mercado, foi marcado pelo aumento maciço da informalidade. O sistema de proteção social, peça central da política pública para compensar as perdas dos mais pobres, vinha sendo sucateado, seja devido a problemas no desenho, seja por conta de restrições orçamentárias determinadas politicamente. As transferências de renda, especialmente, foram um destaque negativo e pouco fizeram para minimizar o estrago causado pelo desemprego. O Bolsa Família teve suas dotações sistematicamente reduzidas e os resultados foram filas para o ingresso de novos beneficiários, desmobilização das buscas ativas da assistência social, desatualização do CadÚnico, queda nos valores dos benefícios per capita do programa. Justamente por isso, o primeiro impacto da pandemia foi devastador. A lentidão na aprovação e problemas de implementação dos programas emergenciais4 – como o Auxílio Emergencial e o Programa de Manutenção do Emprego e da Renda, que viriam a ter um papel amortecedor ao longo de 2020 – acabaram por expulsar do mercado mais 10 milhões de brasileiros, fazendo a taxa de desemprego – incluindo o “desemprego oculto pelo distanciamento social” – atingir quase 1 em cada 4 trabalhadoras(es)5. Os mais afetados pela crise foram mulheres e pessoas negras. A redução do número de pessoas negras ocupadas entre 2019 e 2020 foi da ordem de 13,4%, contra 7,3% das brancas. Além disso, embora mais da metade 4 Informações retiradas do Boletim n° 5 sobre Covid-19 e políticas públicas, realizado pela Rede de Pesquisa Solidária. Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/nao-categorizado/ dificuldades-com-aplicativo-e-nao-uso-da-rede-de-protecao-atual-limitam-acesso-ao-auxilio-de-emergencia/ 5 Informações retiradas do boletim n° 14 sobre Covid-19 e políticas públicas, realizado pela Rede de Pesquisa Solidária. Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-14/ situacao-dramatica-do-desemprego-esta-oculta-nos-indicadores-oficiais-sem-renda-emergencial-de-r-60000-a-pobreza-atingiria-30-da-populacao/ Parte 1 | Desigualdades, direitos e pandemia 15 dos ocupados antes da pandemia fossem negros (54%), esses representam mais de 2/3 (68,2%) das pessoas que perderam emprego no período. Essas diferenças se devem, principalmente, à inserção laboral mais frágil no mercado, destacando-se aí a informalidade, que tem como causas principais os menores níveis de qualificação, mas, também, os recorrentes e conhecidos mecanismos de discriminação. Brancos e brancas, por seu turno, têm uma inserção mais estável e com maiores taxas de formalização, ao tempo em que ocupam posições superiores na estrutura ocupacional. Se a informalidade e a discriminação são as chaves para compreender a clivagem racial, as diferenças entre homens e mulheres se devem a mecanismos que surgem na esteira da divisão sexual do trabalho – como segregação ocupacional e setorial e a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidado. Mulheres estão, em maior medida, alocadas em posições que foram classificadas como “não-essenciais” durante a pandemia: serviços domésticos remunerados, ocupações do cuidado e serviços em geral. A redução no volume de mulheres ocupadas entre 2019 e 2020 foi de 11,8%, contra 9,8% dos homens. Além disso, vale ressaltar, o trabalho doméstico não remunerado foi intensificado durante a pandemia. Se em maio de 2020 apenas 1,0% dos homens afirmaram não ter procurado trabalho por ter de cuidar de afazeres domésticos ou de parentes, esse percentual era de 14,7% entre as mulheres. Ao longo da pandemia, o percentual para as mulheres chegou a 21,0%, ficando estável para os homens (1,3%)6. Esses resultados não são aleatórios, mas se devem também a escolhas políticas7. Dados da ONU Mulheres8 mostram que a única política públi6 Dados e informações retiradas do Informativo “Desigualdades raciais e de gênero no mercado de trabalho em meio à pandemia”, realizado pelo Núcleo AFRO do Cebrap. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2021/02/Informativo-7-Desigualdades-raciais-e-de-ge%CC%82nero-no-mercado-de-trabalho-em-meio-a%CC%80-pandemia.pdf 7 Uma análise interessante sobre o assunto foi publicada por Márcia Lima e Ian Prates na Folha de São Paulo. O texto pode ser acessado no seguinte endereço: https://www1.folha.uol.com. br/poder/2021/03/situacao-das-mulheres-na-pandemia-e-resultado-de-escolhas-politicas-e-deficit-de-democracia.shtml. 8 Dados e informações retiradas de um monitor criado pela ONU Mulheres para mapear as respostas dos governos à pandemia da covid-19 que incluíam diretrizes de gênero. Disponível em: https://data.undp.org/gendertracker/ 16 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 1 ca para aliviar a insegurança econômica com recorte de gênero adotada pelo governo brasileiro foi o auxílio emergencial duplo para mães solo. No campo do cuidado, ficamos no zero! Diferentemente de uma vasta gama de países, e não apenas dos chamados “desenvolvidos”, não tomamos nenhuma ação que buscasse endereçar o impacto cumulativo da sobrecarga do trabalho doméstico não remunerado sobre as mulheres. O fato é que após quase dois anos de uma pandemia gerida de forma atabalhoada e permeada por vieses ideológicos esdrúxulos, o saldo é lamentável. Perdemos em mortes e perdemos em empregos para a grande maioria dos países9. Vimos nossas históricas desigualdades de gênero e raça se aprofundarem vertiginosamente. Ao mesmo tempo, novas clivagens, como as desigualdades digitais, têm contribuído para agravar a situação. O teletrabalho está longe de ser acessível a todos – são mais que o dobro de pessoas brancas (13,8%) em teletrabalho quando comparadas às negras (6,6%) – e as limitações do ensino remoto deixaram quase o triplo de crianças negras e indígenas (4,3 milhões) sem atividades escolares, quando comparadas às brancas (1,5 milhões)10. Há indícios de que o pior da pandemia já passou, mas seus impactos não são apenas os de curto prazo que pudemos observar até então. Os legados de médio e longo prazo sobre as desigualdades sociais ainda estão por ser identificados. Mas, mais do que isso, ainda estão por ser moldados. Medidas paliativas, embora necessárias, são insuficientes, como evidenciam a alta da pobreza com o fim do auxílio emergencial e a manutenção das elevadas taxas de desemprego em 2021. E, se é impossível dizer que a pandemia trouxe “algo de positivo”, que tenha trazido pelo menos o aprendizado de que o combate às desigualdades é política de Estado. Essa é uma escolha que se descortina à nossa frente, e seus resultados dependem da prioridade que daremos a esta agenda enquanto sociedade. 9 Análise semelhante foi realizada em um estudo conduzido por pesquisadores do IPEA. A publicação pode ser acessada no seguinte endereço: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10877/1/NT_Mortalidade_Covid19_Emprego_Publicacao_Preliminar.pdf 10 Sobre o aumento das desigualdades raciais durante a pandemia, referenciamos a seguinte matéria publicada pelo G1: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/09/10/numero-de-estudantes-negros-pardos-e-indigenas-sem-atividade-escolar-durante-a-pandemia-e-quase-3-vezes-maior-que-de-brancos.ghtml Parte 1 | Desigualdades, direitos e pandemia 17 a palavra dos movimentos Desafios da luta por direitos em tempos pandêmicos Darci Frigo Nós vivemos hoje várias crises concomitantes: a crise sanitária, a crise econômica, a crise climática-ambiental e uma grave crise política. Enquanto tudo isso acontece, estamos vendo uma série de debates no Congresso Nacional sobre reformas que visam retirar direitos e direcionar o dinheiro do orçamento público para interesses econômicos ligados ao processo de privatização dos bens públicos. Nesse momento, precisaríamos estar fazendo um amplo investimento em saúde pública e não uma redução, como está sendo feita pela Emenda Constitucional 95 (Emenda do Teto dos Gastos Públicos), que possibilitou que vários cortes em gastos sociais ocorressem, quando o mundo inteiro está ampliando esses investimentos, em especial na pandemia, em que a população precisa de uma renda mínima garantida pelo Estado. No Brasil, o Congresso Nacional segue defendendo os interesses do capital, no sentido de não sobretaxar grandes fortunas e de manter o pagamento de imposto de renda sobre dividendos. Nós vivemos em um país em que os pobres pagam mais de 30% de impostos e os ricos pagam no máximo 20%. É um país de grandes contradições e que mantém os padrões de desigualdades! O debate sobre Constituição e Orçamento foi o que deu causa ao processo de aprovação da PEC 95, que 18 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 1 Foto: Thomas de Luze limitou os gastos públicos e que afeta sobremaneira a democracia, porque não se pode fazer investimentos e escolher prioridades de ações em função da limitação imposta pela Emenda. O que temos na verdade é um freio nos gastos sociais! Quando o mercado diz que “a Constituição não cabe no orçamento”, eles estão falando de direitos e benefícios sociais, sobre o processo de transferência de renda e sobre os investimentos em saúde e educação. Devemos caminhar para uma economia do cuidado, baseada em investimentos cada vez maiores em educação, saúde, meio ambiente e agroecologia. Contudo, as forças políticas estão aproveitando a tempestade perfeita para fazer mudanças para piorar a situação dos trabalhadores. A Reforma Trabalhista foi prometida como uma grande tábua de salvação para gerar empregos e o desemprego só aumentou no país. Na verdade, ela precarizou ainda mais a situação do trabalho! Portanto, o momento é de ampliação do debate, colocando o orçamento na agenda política e demonstrando que nós temos um projeto de país, que inclui os direitos sociais, a sustentabilidade, o meio ambiente e a crise climática, para que possamos ter um país diferente. Parte 1 | Desigualdades, direitos e pandemia 19 Foto: Avelino Regicida 20 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 1 PA RT E 2 Orçamento e os efeitos da crise Parte 1 | Desigualdades, direitos e pandemia 21 Orçamento Público e a Crise agravada pela Pandemia Cleo Manhas Assessora política do Inesc O Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid convidou o Inesc, no âmbito da realização dos webinários “Pontes para a saída da crise”, para participar de um diálogo sobre o impacto da pandemia no orçamento público brasileiro e na crise socioeconômica existente, agravada pela propagação do coronavírus pelo mundo, afetando terrivelmente o Brasil, que neste momento em que escrevo este artigo já ultrapassa a marca dos 600 mil mortos. O segundo país do mundo em número de mortes, perdendo apenas para os Estados Unidos. A leitura do orçamento público nos dá uma medida de como o Governo Federal tratou a questão: com descaso, sem prioridades nítidas, com negacionismo em relação às decisões científicas, gastando recursos com remédios ineficazes, atrasando a compra de vacinas e desqualificando seus efeitos. O primeiro semestre de 2021 foi abissal para o Brasil. A pandemia ganhou contornos dramáticos, alcançando picos de mais de 3 mil mortes por dia. Entre janeiro e junho faleceram mais de 320 mil pessoas, quase 70% a mais do que em todo o ano de 2020. Dos cerca de R$ 100 bilhões liberados para o enfrentamento da Covid-19 em 2021, 44% destinavam-se à extensão do Auxílio Emergencial. Esse valor é seis vezes menor do que o gasto com o programa no ano passado. Ademais, nos primeiros meses do ano o governo federal ficou sem pagar o auxílio, e mesmo quando retomaram, foi em um patamar muito inferior e para menos pessoas. Vejamos a tabela com os principais valores para atender as demandas da pandemia, elaborada pelo Inesc, para o Balanço Semestral do Orçamento da União em 2021, demonstrando os aportes de recursos com vistas a atenuar os efeitos provocados pelo novo coronavírus. Fica evidente que houve negligência no orçamento da pandemia em 2021, exatamente 22 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 quando as curvas de contágio e morte ficaram mais acentuadas (primeiro semestre de 2021)11. Tabela 1 - Valores autorizados para o enfrentamento da Covid-19 em 2020 e 2021 11 INESC. Balanço Semestral do Orçamento da União em 2021. Disponível em: https://www. inesc.org.br/gastos-do-governo-com-pandemia-caem-de-r-218-bi-para-r-49-bi-no-primeiro-semestre/?cn-reloaded=1 Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 23 Nos seis primeiros meses de 2021, quando a pandemia atingia seu maior pico no Brasil, o governo executou apenas o equivalente a 22% do orçamento destinado ao combate à Covid-19 no mesmo período em 2020. Entre janeiro e junho de 2020, a despesa para este fim foi de R$ 217,73 bilhões, enquanto nos mesmos meses de 2021 o valor foi de apenas R$ 48,34 bilhões. Vale lembrar que a pandemia iniciou apenas em março de 2020 e ao final do semestre contabilizava 60 mil óbitos. No mesmo período de 2021, foram 306 mil vítimas da Covid-19. Vejamos no gráfico abaixo a comparação entre as curvas de óbitos e o volume de recursos disponibilizados pelo Governo Federal para atender as demandas agravadas pela conjuntura. Gráfico 1 - Recursos para a pandemia não acompanham óbitos em 2021 março de 2020 a junho de 2021 (valores em bilhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) 24 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 Vemos que são inversamente proporcionais, ou seja, quando mais precisamos de recursos para saúde pública, políticas de saneamento e moradia, educação, transporte público, foi exatamente quando menos recursos tivemos. Um Olhar para a Educação A educação pública vem sendo desfinanciada mesmo antes da pandemia. No entanto, quando as escolas tiveram de migrar, da noite para o dia, das aulas presenciais para o modelo remoto, menos recursos tiveram para isso, tanto financeiros, quanto técnicos, pois, especialmente a partir de 2015 a Função Orçamentária Educação vem perdendo orçamento. Os Recursos para Ensino Superior estão minguando. A Educação de Jovens e Adultos está sem dotação orçamentária há cerca de 3 anos. Vejamos a tabela abaixo, com dados do Siga Brasil, demonstrando os valores autorizados de 2016 até 2021 (valores deflacionados). É visível que os recursos vêm caindo desde que foi autorizada a Emenda do Teto dos Gastos, afetando as ações discricionárias da área. Ano Autorizado 2016 140,4bi 2017 139,8bi 2018 135,0bi 2019 134,7bi 2020 120,9bi 2021 109,6bi E isso vem acontecendo principalmente com o ensino superior, de responsabilidade do governo federal. Selecionamos algumas universidades, das mais centrais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro, até as mais periféricas, como a Universidade Federal de Roraima. Comparando apenas 2020 com 2021, fica nítido que os recursos vêm sendo deliberadamente cortados. Ainda em 2021 tivemos um recurso menor para o Programa Dinheiro Direto na Escola, que é um dos poucos programas disponíveis para que as esParte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 25 Tabela 3 - Execução financeira de universidades selecionadas 1º semestre de 2020 x 1º semestre de 2021 (valores em milhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) 26 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 colas se reestruturem para a volta às aulas presenciais. O que foi executado de fato em 2020 é metade do autorizado, mesmo com os restos a pagar. Gráfico 3 - Execução financeira do Programa Dinheiro na Escola 1º semestre de 2020 x 1º semestre de 2021 (valores em bilhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 27 Transporte Público Outra política pública de suma importância para que se tenha assegurado o direito à cidade, permitindo que a população acesse outros direitos, como saúde, educação e assistência social, é o transporte público, que deveria ser executado, de fato, como política pública, por ser direito social inscrito na Constituição Federal. No entanto, além de ser tratado como um serviço ao consumidor, durante a pandemia não teve seu controle (nos diferentes municípios) apropriado pelo poder público, para que pudesse ter maior oferta, com mais segurança aos usuários em meio ao alto risco de contágio. O Governo Federal aportou menos recursos e os outros entes da federação também não fizeram outros aportes, deixando sob responsabilidade dos cidadãos, com o pagamento da tarifa. Mesmo sob risco, o número de veículos foi reduzido, portanto, circulando ainda lotados, colocando a população usuária em veículos, que viraram foco de contaminação. Gráfico 4 - Execução financeira da Subfunção: Transporte Coletivo Urbano 1º semestre de 2020 x 1º semestre de 2021 (valores em milhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) 28 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 Mulheres O executado para as políticas voltadas para às mulheres é infinitamente inferior ao que foi autorizado. No entanto, aqui cabe uma observação, pois as políticas voltadas para o fortalecimento e a autonomia de mulheres foram cortadas do planejamento governamental e substituídas por outras ações fundamentalistas, tuteladoras e usurpadoras de direitos conquistados com muita luta. Então, é preciso olhar, não apenas para a execução dos recursos, mas também para o desenho das políticas. Gráfico 5 - Orçamento de programas voltados à proteção da mulher* 1º semestre de 2020 x 1º semestre de 2021 (valores em milhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 29 Indígenas A Funai é um dos órgãos que mais perdeu recursos no atual governo, haja vista a política indigenista que vem sendo executada. Para que os diferentes povos indígenas tivessem acesso aos insumos para proteção contra a contaminação e à vacinação, foi necessária uma mobilização nacional, além de ações junto ao Poder Judiciário. Gráfico 5 - Orçamento de programas voltados à proteção da mulher* 1º semestre de 2020 x 1º semestre de 2021 (valores em milhões de reais constantes corrigidos pelo IPCA de maio de 2021) Orçamento Secreto Não contentes com os efeitos provocados pela falta de recursos, ou pelas escolhas que não priorizam a população, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, o Governo Federal criou o tal “orçamento secreto”. A partir da LDO de 2020, alterada pela Lei 13.957/2019, foi permitida a criação de novos gastos orçamentários, classificados com o Identificador de Resultado Primário 9 (RP-9). Já em 2020, primeiro ano de 30 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 vigência desta nova regra, os valores de execução de recursos de emenda do relator-geral foram apenas R$ 1,1 bilhão abaixo das emendas individuais, que correspondem ao gasto somado de 513 deputados e 81 senadores. Ou seja, uma alta execução de recursos transferidos de forma clientelista, para garantir vitórias em votações no Congresso Nacional, sem qualquer transparência. Recomendações Precisamos de muita mobilização para exigir a revogação da Emenda do Teto dos Gastos com recomposição dos orçamentos para as políticas sociais, especialmente saúde, educação, transferência de renda, políticas de incentivo à criação de novas vagas de trabalho,pois estamos convivendo com índices de desemprego recordes, com alta taxa de inflação afetando principalmente os alimentos, além da crise sanitária sem precedentes. Além disso, é preciso exigir que o governo tenha uma política para habitação de interesse social, visto que em três anos nada foi feito nesta área, tampouco saneamento básico, mesmo que sejam precondições para afastar os perigos de continuarmos andando em círculos com relação à saúde pública Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 31 O orçamento público, o desenvolvimento e a garantia de direitos Roseli Faria Economista e vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores de Planejamento e Orçamento (Assecor) Introdução Depois de duas décadas de baixo crescimento, a economia brasileira ingressou em 2004 em um ciclo virtuoso de 10 anos em que apresentou taxas de crescimento maiores associadas à expansão do emprego formal e à redução dos níveis de pobreza e pobreza extrema. Neste período, o processo de consolidação dos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal se acelerou, contribuindo decisivamente para a melhoria de diversos indicadores sociais, como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal apresentado na figura abaixo: 32 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 Em 2015, no entanto, esta trajetória foi interrompida por uma recessão ao longo da qual o Produto Interno Produto (PIB) caiu quase 8% em dois anos. Embora as origens da crise ainda hoje estejam em debate, grande ênfase tem sido dada à política fiscal12 e à dinâmica de crescimento das despesas públicas no período anterior. Não por outro motivo, a primeira medida estruturante aprovada pelo grupo político que ocupou o poder após a deposição da presidenta Dilma Rousseff, cujo processo de impeachment girou em torno de questões relativas à política fiscal e ao orçamento público, foi a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, conhecida como Teto de Gastos, que congelou as despesas primárias da União por 20 anos. Nos anos seguintes, sob a promessa de retomada do dinamismo econômico, outras alterações legais e constitucionais foram aprovadas, como as reformas trabalhista e previdenciária. As taxas de crescimento da economia, porém, continuaram baixas, e o país entrou na pandemia de Covid com a economia praticamente estagnada. Para enfrentar seus efeitos, os gastos públicos cresceram temporariamente, mas a discussão em torno do Orçamento Público retornou ao lugar onde se encontrava antes da pandemia: enquanto alguns continuam a defender que a redução do tamanho do Estado é o caminho correto para promover o desenvolvimento, outros defendem que é justamente a ação do Estado na busca da concretização dos direitos que permitirá a reconstrução no pós-pandemia. 12 Política Fiscal diz respeito à gestão econômica dos instrumentos governamentais de arrecadação tributária e gastos públicos com vistas a promover a estabilidade do crescimento econômico, da inflação e da dívida pública. Quando a prioridade da política econômica é incentivar a ampliação da produção e dos níveis de emprego, o governo pode adotar uma Política Fiscal expansionista a partir do aumento de gastos governamentais e/ou redução da tributação (carga tributária). Se, ao contrário, o objetivo da política econômica for desaquecer a economia, para estabilizar a inflação ou o crescimento da dívida pública, por exemplo, o governo pode adotar uma Política Fiscal Restritiva, reduzindo os gastos governamentais e/ou aumentando tributos. Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 33 O modelo de desenvolvimento da Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 (CF 88) sintetiza a determinação da sociedade brasileira em superar as desigualdades e injustiças sociais históricas por meio de um modelo de desenvolvimento econômico e social sustentável e inclusivo que transforme o país em uma nação mais justa, integrada e moderna. Ainda que seu texto reflita os interesses conflitantes que participaram de sua elaboração, consensos fundamentais foram pactuados, como (1) a institucionalização do Sistema Único de Saúde, o SUS, contemplando a universalização do direito à saúde pública e gratuita; (2) a extensão de direitos trabalhistas dos empregados urbanos para os rurais e domésticos; e (3) as bases para a estruturação do sistema de assistência social e a aprovação da renda mensal vitalícia para idosos carentes e deficientes. Apesar de incluir direitos presentes em outras sociedades, a CF 88 é promulgada em um contexto econômico e político adverso à sua implementação. Por um lado, no cenário externo, a perda de dinamismo das economias centrais em meados da década de 1970 fortaleceu as ideias em torno de uma doutrina econômica conhecida como neoliberalismo, com um receituário centrado no ataque ao Estado. Programas de ajuste fiscal focando na redução dos gastos, funcionais na busca desse objetivo, tornaram-se comuns no mundo capitalista, o que resultou em perda de direitos sociais e aumento da desigualdade. Por outro lado, no plano interno, as décadas de 1980 e 1990 foram desafiadoras para a economia brasileira, que sofreu com a alta inflação e o baixo crescimento, além de grande volatilidade cambial. Dessa forma, a gestão do orçamento público, instrumento que ocupa papel central na condução da política econômica e na concretização dos direitos fundamentais, foi marcada pela tensão entre objetivos que muitas vezes se mostraram opostos. De fato, apesar de ocorrerem no período a consolidação do SUS, a universalização do ensino fundamental e a expansão dos direitos previdenciários, a política fiscal do governo estava voltada principalmente para a estabilização da economia. Após a crise fiscal e cambial de 1999, são adotados novos parâmetros 34 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 para a condução da política econômica, sintetizados no tripé macroeconômico: câmbio flexível, metas de inflação e metas fiscais anuais. Para fortalecer o terceiro pé, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) é aprovada contendo um conjunto de medidas que reestruturam a elaboração e a gestão do orçamento público ao mesmo tempo em que submetem a evolução das despesas primárias a regras. Até 2003, a política fiscal brasileira foi claramente restritiva, com superávits fiscais alcançados por meio de aumento de impostos indiretos e redução dos investimentos, especialmente em infraestrutura, central para o desenvolvimento econômico e a provisão de serviços públicos à população. A partir de 2004 os gastos começam a aumentar, e em 2007 a política fiscal passa a ser claramente expansionista, com o aumento dos investimentos públicos, dos benefícios previdenciários (em boa parte em razão da política de valorização do salário mínimo), e a expansão de políticas de transferência de renda, como o Bolsa-família. Na última fase do ciclo virtuoso, entre 2011 e 2014, a política fiscal continua expansionista, mas agora reforçada pela expansão de subsídios e desonerações tributárias. Nos últimos meses de 2014, no entanto, com a contribuição da queda abrupta dos preços das commodities brasileiras como soja, minério de ferro e petróleo, inicia-se a recessão do biênio 2015-2016. A crise econômica e o novo regime fiscal No início de 2021, a mídia brasileira noticiou que agências de risco anunciavam que o Brasil não figurava mais no ranking das 10 maiores economias do mundo, apesar de ter sofrido queda da atividade causada pela pandemia da covid-19 em 2020 menor que a de outros países, basicamente graças ao programa de transferência de renda conhecido como Auxílio Emergencial. Ainda que o Brasil possa ser considerado uma economia grande, o PIB per capita brasileiro, comparativamente médio em termos mundiais e estagnado há sete anos, em conjunto com os indicadores negativos de desigualdade, pobreza e acesso a serviços públicos, delineiam o enorme desafio que as gerações presente e futuras têm para proParte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 35 Foto: Romerito Pontes ver dignidade para toda a população de forma ambientalmente sustentável. Obviamente, este não é um desafio exclusivo do Brasil. Aqui, porém, desde 2016 o governo segue um modelo de desenvolvimento baseado na crença de que é a redução do tamanho do Estado, e não o aprimoramento de suas capacidades, que proporcionará a prosperidade e o bem-estar da população. No momento em que o mundo ressalta a importância do Estado para a reconstrução pós-pandêmica, esta visão parece ser, no mínimo, peculiar. Parte dos economistas explica a recessão de 2015-2016 como o resultado de múltiplas causas, que começa com a queda no preço das commodities brasileiras, provocando desvalorização cambial e inflação, mas 36 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 incluem outros fatores como a condução da política fiscal e monetária do início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, a queda abrupta dos investimentos causada pelo avanço da operação Lava Jato, e a reação de setores empresariais a mudanças na política e na distribuição da renda no período anterior. Outra parte, porém, explica a maior recessão da história econômica recente como resultado do crescimento descontrolado das despesas públicas, que teria causado desconfiança nos agentes econômicos e levado à queda nos investimentos. Embora estudos recentes confirmem a primeira tese e desmontem a segunda, o fato é que desde a publicação do documento “Uma ponte para o futuro” ainda em 2015 pela Fundação Ulysses Guimarães, setores econômicos e políticos passaram a compartilhar tanto o diagnóstico quanto o seu receituário. Nessa visão, se a crise foi provocada por “excessos” de gastos, a solução seria reduzir o tamanho do Estado para que, uma vez restabelecida a confiança dos agentes, os investimentos privados capitaneassem um novo ciclo virtuoso da economia, agora com menos participação do Estado e dos gastos públicos. É nesta lógica que se explica a aprovação da EC 95 e de outras reformas que visam reduzir gastos e direitos sociais. Para seus defensores, essas medidas teriam o condão de despertar o ímpeto dos investidores nacionais e internacionais, porém os números da economia brasileira entre 2017 e 2019 não confirmaram a tese. Ao contrário, foi o gasto público, principalmente do Auxílio Emergencial, realizado entre 2020 e 2021 que impediu uma queda maior da atividade econômica. Neste momento em que se discute o planejamento de medidas para o pós-pandemia, as reformas necessárias centrais deveriam ir em sentido contrário e reforçar o modelo de desenvolvimento da CF 88, que promoveu a redução da pobreza e o acesso a serviços públicos mesmo em período de baixo crescimento. Para isso, há que se fazer, por um lado, o que ainda não foi feito, uma reforma tributária progressiva que permita desonerar a carga de impostos da população mais pobre, e, pelo outro, ampliar as políticas sociais que reduzem a desigualdade, como as de transferência de renda, saúde e educação. O futuro do país vai depender da nossa capacidade de promover as reformas que favoreçam a concretização de uma sociedade livre, justa e solidária. Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 37 A derrota do SUS em meio à pandemia Jean Peres Doutorando em economia pela Unicamp, economista chefe da Plataforma Justa Retroagindo ao começo da pandemia, no primeiro trimestre do ano passado, podemos dizer que o Brasil foi favorecido quanto ao avanço do novo coronavírus pelo mundo. Entre o primeiro caso catalogado no mundo (1 de dezembro de 2019) e a primeira confirmação em nosso país (26 de fevereiro de 2020) transcorreram quase 3 meses. Nesse período, o mundo atônito buscava organizar e catalogar os impactos da nova doença sobre a saúde individual e pública, a produção e a circulação de serviços e produtos. No entanto, esse tempo foi negligenciado como uma possibilidade de antecipar e programar a resposta brasileira à crise, em especial ao fortalecimento do SUS. Pelo Brasil afora os orçamentos aprovados e em execução para 2020 não contavam com verbas destinadas ao combate do coronavírus. Duas iniciativas do primeiro semestre de 2020 definiram a atuação dos Estados e Municípios na questão da saúde: a Lei 13979 que definiu as medidas de emergência e a Lei Complementar 173 que garantiu as condições financeiras de sua execução. Mais precisamente, no artigo 413 da Lei 13979, foi suspensa a necessidade de licitação na aquisição de bens e serviços voltados ao combate do coronavírus e na LC 173, previu-se a destinação de R$ 60 bilhões aos cofres de Estados e Munícipios, sendo que R$ 10 bilhões seriam exclusivos para a cobertura de despesas com Saúde e Assistência Social14. 13 “Art. 4: É dispensável a licitação para aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei.” Redação dada pela Lei 14035 à Lei 13979 14 Considerando a suspensão do pagamento da Dívida com a União, Bancos Públicos e com bancos onde o Governo Federal eram avalistas dos Estados e Municípios e outras contas, o pacote de ajuda chegaria a R$ 107,13 bilhões. Ver (PELLEGRINI, 2020). 38 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 O cenário criado era, portanto, favorável ao crescimento das despesas com saúde, sem existir maiores óbices objetivas à sua concretização15. Como resultado, vimos que em 2020 as despesas16 dos Estados com Saúde cresceram 16,1% em relação a 2019, saltando, em termos nominais, de R$ 105,46 para R$ 122,43 bilhões. No entanto, ao se observar mais detidamente esses gastos, verificou-se uma tendência de que eles se concentraram entre empresas privadas e estrutura conveniada, em oposição às despesas com o funcionalismo e a estrutura própria do Estado ou, mais propriamente, com a expansão da infraestrutura e da capacidade do Sistema Único de Saúde. Tabela X - Despesas dos maiores Estados com a Saúde em valores correntes 15 Informação retirada da seguinte matéria publicada no G1: https://g1.globo.com/economia/ noticia/2020/11/19/com-socorro-da-uniao-24-estados-ja-conseguiram-mais-do-que-compensar-perda-de-arrecadacao-em-meio-a-pandemia.ghtml 16 Utilizamos o conceito de Despesas Totais exceto as despesas da modalidade 91 que registram as transferências intraorçamentárias. Para uma definição, ver (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2021) Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 39 Duas são as variáveis que permitem compreender esse desempenho. Em primeiro lugar, o constrangimento criado pela LC 173 quanto às despesas voltadas ao funcionalismo público. Ao criar impeditivos ao reajuste e outras ampliações de despesas com os servidores, tais como a abertura de concursos, a Lei não previu nenhum tipo de exceção aos servidores de saúde, criando uma barreira à ampliação dos atendimentos sob essa modalidade. Em segundo lugar, tivemos a suspensão das necessidades de licitação. Conforme dito, o Brasil contou com um hiato de 3 meses para seu primeiro caso. A suspensão das necessidades de processo licitatório nos idos de fevereiro com a Lei 13979 e a destinação de volumes significativos de recursos aos Estados e Municípios em maio com a LC 173, corroborou as práticas imediatistas de ampliação da estrutura em oposição a uma ação coordenada de saúde pública. Desse modo, os recursos já estavam previamente definidos quanto ao seu destino. A despeito da opinião popular referendar o mantra de que o “SUS foi o grande vitorioso”, ele já tinha sido derrotado antes mesmo de enfrentarmos o avanço sistemático da doença e de seus efeitos sobre a saúde dos brasileiros. O SUS foi o grande derrotado e as empresas privadas de todas as naturezas, sejam fornecedoras de insumos, de medicamentos, importadoras de equipamentos, e as entidades de saúde que subsistem das verbas públicas, tais como: Organizações Sociais, Fundações, Santas Casas e outros tipos, foram as grandes vitoriosas desse processo. A estratégia sob esse cenário foi de mobilizar leitos e serviços junto a tais entidades e, no caso de maior agudez da doença, pela construção de hospitais de campanha. Nos momentos de arrefecimento da pandemia, ocorreu o desmonte dos hospitais de campanha e a reconversão dos leitos para outras finalidades. Em estudo17 que participei pela Plataforma Justa, foram analisadas as despesas de saúde em cinco importantes Estados brasileiros: Bahia, Ceará, Paraná, São Paulo e Tocantins. Buscando apreciar os impactos da elevação dessas despesas, constatamos que apenas no Ceará o volume de rendimentos dos servidores com Saúde foi superior em 2020. Nos de17 JUSTA. Orçamento da Saúde nos Estados em 2020 e a pandemia. Disponível em: https:// justa.org.br/wp-content/uploads/2021/08/Orcamento-Covid-19-1.pdf 40 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 mais, os servidores de saúde receberam, no agregado, menos em 2020 que em 2019, mesmo sem considerar a inflação. Os 5 Estados representaram 40,2% das Despesas dos Estados com Saúde em 2020 e 36,2% do crescimento total das despesas entre 2019 e 2020. Por outro lado, constatamos diversas formas de contratação, tais como cooperativas de trabalho (Ceará), Fundações Universitárias (São Paulo) e de outra natureza (Bahia), Empresas fornecedoras de materiais e serviços de toda natureza (Paraná) e Organizações Sociais (Tocantins). Apesar da opinião popular ter consagrado uma visão mais positiva sobre o nosso sistema público de saúde, a legislação brasileira de combate ao novo coronavírus foi meticulosamente pensada para favorecer os interesses que orbitam sobre os recursos carimbados da saúde e, no caso da pandemia, por direcionar a maioria das verbas extraordinárias para esses atores. Perdemos uma oportunidade inédita em que o SUS fez toda a diferença na logística nacional da atenção à saúde. Somou-se a essa importância estratégica, a excepcionalidade de que os canais de financiamento estavam minimamente destravados. A agenda permanente do ajuste fiscal foi flexibilizada não somente nesse ponto, mas nas demandas impostas pelo Auxílio Emergencial, outro tema que merece uma atenção especial em outro artigo. A saúde viveu um momento ímpar no começo da pandemia e o que se observou ainda não foi incorporado pelo conjunto dos estudiosos, usuários e servidores como uma derrota que não dispensa adjetivações carregadas. Essa experiência leva a uma provocação aos especialistas que situam as limitações do Sistema Único de Saúde estritamente no campo do financiamento, reconhecido como historicamente sabotado. Precisamos debater a estrutura de despesas dos recursos que transitam pelo orçamento público da saúde quanto à natureza das despesas, os atores envolvidos, a urgência do comando público e estatal, seja nas compras e delimitação de preços aos fornecedores, seja na estruturação de um estatuto nacional do trabalho, a contratação de convênios para servidores, entre outros recortes e preocupações. É mister iniciarmos esse debate, pois a experiência da pandemia do novo coronavírus nos oportunizou um rico material analítico. É urgente colocar a análise da qualidade da despesa no centro dessa questão, pois aí deitam raízes de tal modo profundas que, como vimos, podem, inclusive, se apropriar da elevação do financiamento, tornando-o inócuo. Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 41 Foto: Avelino Regicida 42 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 2 PA RT E 3 Violações a Direitos Humanos no contexto da pandemia: as responsabilidades públicas na gestão da saúde Parte 2 | Desigualdades, direitos e pandemia 43 Direito à Saúde e a Resposta Brasileira à Pandemia da Covid-19 Fernando Aith Professor Titular Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP Diretor Geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP – Cepedisa/USP. O Reconhecimento da Saúde como Direito Fundamental A saúde foi reconhecida como um direito humano fundamental, necessário para uma vida digna, somente em meados do Século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Foi na reconstrução do sistema de governança global do pós-guerra que o Direito Internacional consolidou o direito à saúde como um direito juridicamente protegido. A saúde é reconhecida como um direito básico do ser humano em vários Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, tais como a Carta das Nações Unidas (1945); a Constituição da Organização Mundial de Saúde (1946); a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). A Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) foi o primeiro documento jurídico internacional a conceituar saúde, afirmando logo em seu preâmbulo que “a saúde não é só a ausência de doença, mas sim o completo bem estar físico, mental e social”.18 A Declaração Universal dos Direitos Humanos previu o direito à saúde de forma mais indireta: “Artigo XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e à sua família, SAÚDE E BEM-ESTAR, inclusive alimentação, vestu18 44 Organização Mundial da Saúde – OMS. Constituição. OMS, 1945, preâmbulo. Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 ário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.19 O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, foi mais detalhista no que se refere aos deveres dos Estados signatários com relação ao direito à saúde, entre eles o Brasil: “Artigo 12 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a. A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento das crianças b. A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c. A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d. A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. e. No âmbito do Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como um Direito Humano Fundamental no seu art. 6º: f. “São direitos sociais a educação, a SAÚDE, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Já o Art. 196 da Constituição é mais explícito ainda, prevendo que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros 19 Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Art. XXV.1. Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 45 agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Para garantir o direito à saúde no Brasil, a Constituição criou o Sistema Único de Saúde – SUS, um sistema público, universal, igualitário e gratuito, financiado por meio de impostos e um dos principais mecanismos de redução de iniquidades do país. Infelizmente, a pandemia Covid-19 chegou ao Brasil em um momento em que o Governo Federal é ocupado e governado por uma agenda ultraliberal que vem, sistematicamente, destruindo esse patrimônio nacional, com consequências desastrosas para a saúde pública, para a saúde dos brasileiros e para o controle da pandemia. Mapeamento Normativo da Resposta Brasileira à Covid-19 Ao longo de 2020, o Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo desenvolveu o Projeto “Direitos na Pandemia: Mapeamento Normativo da Resposta Brasileira à Covid-19”, coordenado por Fernando Aith, Deisy Ventura e Rossana Reis. Neste Projeto, foram mapeadas as normas federais e estaduais relativas à covid-19 com o intuito de estudá-las e avaliar seu impacto sobre os direitos humanos, buscando contribuir para a prevenção ou a minimização dos efeitos negativos da pandemia no Brasil. Apresento aqui, sinteticamente, alguns dos principais achados dessa pesquisa20. O balanço dos efeitos de um ano de pandemia sobre os direitos humanos no Brasil é devastador. Diferentemente de outros países, o enfoque da resposta brasileira à pandemia não se preocupou em adotar meios suficientes de compensação do impacto desproporcional da pandemia sobre populações vulneráveis. No âmbito federal, mais do que a ausência de um enfoque de direitos, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança 20 Cepedisa/USP. Direitos na Pandemia: Mapeamento Normativo da Resposta Brasileira à Covid-19. Ventura, Deisy ; Aith, Fernando; Reis, Rossana. Disponível em: Cepedisa.org.br/publicacoes. 46 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 da Presidência da República. A partir de abril de 2020, o governo federal passou a promover a imunidade coletiva (também dita “de rebanho”) por contágio como meio de resposta à pandemia. Na linha do tempo que apresentamos, com dados coletados até 16/01/21, três eixos são expostos em ordem cronológica. i. Os atos normativos da União, incluindo a edição de normas por autoridades e órgãos federais, bem como vetos presidenciais. Neste eixo, chamam a atenção, ao revés das evidências científicas, os decretos que definem como “atividades essenciais” durante a pandemia certas práticas consideradas altamente disseminadoras da doença por gerarem aglomerações de difícil controle ou pela própria natureza da atividade, como cultos religiosos, academias de ginástica e salões de beleza. Também se destacam os vetos às principais leis que visavam conter a disseminação do vírus, como as relativas à obrigatoriedade do uso de máscaras e à proteção dos indígenas. ii. Os atos de obstrução das respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia, que o próprio presidente já definiu como “guerra aos governadores”. Tais atos de gestão e omissões propositais incluem o atraso sistemático no repasse de recursos, a tentativa de confisco de insumos de saúde adquiridos por estados e municípios, e o atraso proposital no encaminhamento da vacinação, com o cancelamento da compra de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e a recusa de oferta de vacinas pela indústria farmacêutica. iii. A propaganda contra a saúde pública, aqui definida como o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19. iv. Esse ardiloso plano de comunicação, que conta com entusiasmado apoio de milhares de militantes governistas, trará consequências nefastas para a saúde pública também a médio e longo prazos, o que pode ser exemplificado pela erosão da cultura de imunização da qual o Brasil se orgulhava, construída a duras penas ao longo de décadas de investimento público. Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 47 Outro efeito pernicioso dessa propaganda é a naturalização do charlatanismo, que costuma emergir em crises sanitárias desta amplitude, mas, no Brasil, encontra guarida no aparelho de Estado. O chamado “tratamento precoce” para a covid-19 transformou-se em um movimento político governista de grande amplitude, com a conivência do Conselho Federal de Medicina, apesar da resistência de numerosas sociedades médicas que não cederam a pressões ideológicas e ameaças. Embora aumentem de forma consistente os casos de sequelas e óbitos decorrentes de efeitos adversos do uso de tais medicamentos, o Brasil, com o protagonismo do presidente da República, é o único país que ainda persiste nessa infâmia que é elemento essencial do encorajamento individual à exposição ao vírus. Considerações Finais O governo federal não assumiu, desde o começo da pandemia no Brasil, o seu necessário protagonismo na adoção de uma Política Nacional que contemplasse, de forma inequívoca, as estratégias necessárias ao bom combate à pandemia. Pelo contrário, sempre que tentou pautar o debate nacional sobre a condução da pandemia foi para propor medidas não adequadas (tais como a proposta de não obrigatoriedade do uso de máscaras; não obrigatoriedade da vacinação e omissão na condução da compra de vacinas; propaganda irregular do “tratamento precoce”, comprovadamente lesivo aos pacientes; dentre outras). Estados e Municípios estão assegurando o mínimo de proteção nesse sentido, amparados pelas leis aprovadas e defendidas contra os vetos governamentais pelo Congresso Nacional. Prefeitos e governadores cada vez mais se sentem ameaçados se querem fazer o que é o indicado, mas ainda contam com decisões favoráveis importantes do Supremo Tribunal Federal, que protege a autonomia dos Estados e Municípios para organizarem as suas políticas de controle da pandemia de forma mais protetiva que a União vem fazendo. Estas fragilidades geram grandes danos à saúde pública e à sociedade brasileira e precisam ser corrigidas com celeridade para evitarmos mais mortes e sequelas. 48 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 49 As (ir)responsabilidades públicas na gestão da saúde no contexto da pandemia de Covid-19 Edna Maria de Araujo Docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Coordenadora do GT Racismo e Saúde da ABRASCO. Desde que a pandemia causada pela Covid-19 chegou ao Brasil em fevereiro de 2021, pesquisadores e profissionais da área da saúde viram que o Sistema Único de Saúde (SUS), criado na década de 70 em prol da reforma sanitária, seria o principal recurso a ser acionado para proteger a população brasileira dos efeitos do novo coronavírus. Antes do SUS, a saúde, no Brasil, não era um direito universal. Cada instituição de saúde tinha a sua forma de prestar assistência, predominantemente, feita por clínicas e hospitais privados. Fora isso, a concepção da assistência era baseada no hospital e não na promoção da saúde e prevenção de doenças. Pode-se afirmar ainda que a assistência médica disponível antes do SUS era comprovadamente excludente porque era entendida como um benefício previdenciário, ao qual apenas tinham direito os trabalhadores que contribuíam com a Previdência Social. Quem estava fora do mercado de trabalho, vivia na informalidade e sem recursos financeiros para pagar a assistência particular, era considerado “indigente” 21. De acordo com Santos & Andrade , o Sistema de Saúde vigente antes de 1988- constituído ao longo de quase um século e consolidado no período da ditadura militar era inadequado porque não dava conta de atender a todos, principalmente, frente à crescente demanda decorrente do surgimento de doenças e agravos, consequências do processo de desenvolvimento nacional22. 21 ROMERO, L. C. P. . O Sistema Único de Saúde - um capítulo à parte. In: DANTAS, Bruno. (Org.). Os Cidadãos na Carta Cidadã. Brasília: Senado Federal: Instituto Legislativo Brasileiro, 2008, v. 5, p. 67-88. 22 50 SANTOS, Lenir; ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro. SUS: quando um sistema de saúde na- Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 O SUS foi construído sob a ótica da pluralidade para tornar a saúde da população brasileira um direito, sendo dever do Estado provê-lo. Para tanto, o SUS determina a organização das ações e serviços públicos de saúde por meio de uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, sob diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da comunidade23 A partir deste entendimento, de como era a saúde no Brasil antes e após o SUS, é possível afirmar que uma das principais potencialidades deste sistema frente à pandemia de covid-19 é a Atenção Básica ou Atenção Primária à Saúde (APS) que representa a “porta de entrada ou atendimento inicial” e é um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos24 A APS conta com uma série de ações, como o Estratégia de Saúde da Família, que têm a vantagem de serem desenvolvidas junto às comunidades, permitindo a aproximação dos trabalhadores de saúde com a população. Essa característica pode ser considerada fundamental para o enfrentamento de uma doença que é mais letal para quem não tem fácil acesso à informação, vive nas periferias em residências com alta densidade domiciliar, tem alta prevalência de comorbidades e possui ocupações que os expõem a ser infectado pelo vírus. Toda essa realidade é conhecida pelos trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família e, principalmente, pelos agentes comunitários de saúde, cuja rotina mais corriqueira de suas ocupações é fazer visitas domiciliares. O conhecimento da realidade dessas famílias tem sido essencial para que o impacto da pandemia no Brasil não esteja sendo ainda mais catastrófico25 . cional e único na sua conformação organizativa foi implantado num país federativo. Exigência de novos paradigmas administrativos. Saúde em Debate, v. 30, n. 73/47, p. 189- 204, maio/dez. 2006. 23 SANTOS, Lenir; ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro. SUS: quando um sistema de saúde nacional e único na sua conformação organizativa foi implantado num país federativo. Exigência de novos paradigmas administrativos. Saúde em Debate, v. 30, n. 73/47, p. 189- 204, maio/dez. 2006. Giovanella, Lígia. Atenção básica ou atenção primária à saúde? Cad. Saúde Pública 2018; 34(8):e00029818 24 Giovanella, Lígia. Atenção básica ou atenção primária à saúde? Cad. Saúde Pública 2018; 34(8):e00029818 25 Freitas, André Ricardo Ribas; Napimoga, Marcelo; Donalisio, Maria Rita. Análise da gravidade da pandemia de Covid-19 Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.2 Brasília 2020 Epub Apr 06, 2020 https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200008 Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 51 Por tudo isso, é preciso fortalecer e lutar pelo SUS, já que ele atende a necessidade de saúde de grande parte das populações em situação de vulnerabilidade, a exemplo da população negra, cuja cobertura de assistência está em torno de 67%. O contexto de pandemia que estamos vivenciando está nos mostrando a importância de termos a Estratégia de Saúde da Família, composta por profissionais que conhecem a realidade de cada núcleo familiar e de suas áreas adscritas. Apesar de termos um dos sistemas de saúde mais democráticos do mundo, mesmo com suas limitações, ele foi, ainda mais, negligenciado no combate à pandemia. Com certeza, se não estivéssemos vivenciando um contexto político de negação de evidências científicas, incentivo ao charlatanismo e atraso na compra de vacinas, a pandemia de Covid-19, no Brasil, poderia ter sido controlada há mais tempo e evitado tantas infecções e mortes. É preciso rechaçar Emendas Constitucionais, como a de nº 95/2016 - regime fiscal para vigorar por 20 (vinte) anos - que limita gastos e investimentos públicos, especialmente nos serviços de natureza social, sob a justificativa de priorização do crescimento econômico. Portanto, esta emenda limita o financiamento do SUS e, inclusive, reduz o quantitativo de profissionais de saúde que prestam assistência ao povo. Por tudo isso, é preciso não reeleger parlamentares defensores dos interesses dos setores privados da saúde. O SUS não pode ser minimizado. Considerando que antes da pandemia o Brasil já detinha o segundo lugar no mundo em termos de concentração de renda e somado às desigualdades sociorraciais, marca do racismo estrutural que perpassa as instituições e a sociedade, podemos afirmar que o quadro sanitário de aproximadamente 20 milhões de pessoas infectadas e 600 mil óbitos devido ao coronavírus até aqui, poderia ser muito pior se não tivéssemos um sistema de saúde com princípios doutrinários e organizativos tão abrangentes e democráticos (Almeida, 2019; PNUD,2019). Todavia, não há como negar que o atual governo do Brasil perdeu uma grande oportunidade de, no contexto da pandemia, ter revogado a EC 95 e fortalecido o SUS provendo-o com financiamento adequado e, consequentemente, ampliando a sua capacidade de atuação na atual crise sanitária, e em outras que ainda possam ocorrer. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil2019. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acessado em 01/10/2021. 52 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 Foto: Thomas de Luze a palavra dos movimentos A importância dos webinários na construção de uma agenda de direitos Paulo Mariante A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) considera que os webinários realizados pelo Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid foram muito importantes porque ajudaram a sistematizar dados e informações para entendermos melhor o momento que estamos vivendo, especialmente ao abordar questões como os impactos socioeconômicos da pandemia, a execução orçamentária no período e as ilegalidades cometidas pelo Governo Federal no enfrentamento a pandemia. Do nosso ponto de vista, que privilegia não apenas a população LGBT, mas toda a população brasileira trabalhadora e pobre, o quadro anterior a pandemia já não era positivo para essa parcela da população, principalmente após o golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff, sendo agravado pelo Governo Temer e posteriormente pelo Governo Bolsonaro. O que nós temos hoje é uma explosão de preços de alimentos, combustíveis, gás – necessidades básicas da população – o retorno da fome e o aumento da violência contra mulheres, negros e negras e LGBT’s, em especial travestis e transsexuais. Vemos que todos os indicadores sociais pioraram! É importante que enfrentemos esse cenário através da construção de pontes para a saída da crise, como proposto pelos webinários realizados pelo observatório. E nós acreditamos que a saída dessa crise passa necessariamente pela superação do governo genocida de Jair Bolsonaro. Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 53 Foto: Avelino Regicida 54 Desigualdades, direitos e pandemia | Parte 3 Considerações finais Parte 3 | Desigualdades, direitos e pandemia 55 Desafios e recomendações: pontes para saída da crise O trabalho de monitoramento, pesquisa e incidência que o Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid vem realizando para identificar os principais impactos da pandemia da vida dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros apontou que apesar de a Covid-19 gerar efeitos novos e diversos para diferentes setores da vida pública e privada, suas consequências poderiam ter sido amortecidas com uma ação governamental eficaz. O governo do presidente Jair Bolsonaro, abertamente anti-democrático e contrário às pautas que favorecem às populações mais vulneráveis do país, fez uma gestão não apenas ineficaz do ponto de vista da saúde, ao atrasar a vacinação e gerar uma onda de desinformação sobre a doença, propagando ideias anti-científicas que contribuíram para a disseminação do vírus, mas também desastrosa em outras áreas prioritárias. Conforme exposto nos textos que compõem este livro, a crise inaugurada pelo coronavírus não se limitou ao campo sanitário, mas estendeu-se para outros setores da vida social, afetando sobremaneira a renda, o emprego e a qualidade de vida dos brasileiros, em especial a população pobre e negra, escancarando as desigualdades pré-existentes em nosso país. Além disso, medidas governamentais tomadas antes da pandemia contribuíram diretamente para a crise que se instalou no período. A Emenda Constitucional 95, que limitou os gastos públicos, foi uma das medidas que mais prejudicou o combate à pandemia no país. Ao estabelecer um teto máximo de investimento em áreas sociais prioritárias, como saúde, educação e assistência social, a emenda contribuiu para que as desigualdades sociais existentes no país fossem aprofundadas, uma vez que são as parcelas mais pobres da população que necessitam dos benefícios e investimentos destas áreas. Ademais, a partir de 2016, após o golpe contra a ex-presidenta Dilma 56 Desigualdades, direitos e pandemia | Considerações finais Rousseff, uma série de medidas anti-populares passaram a ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Desde esse período, o Estado passou a dar menos suporte para os grupos mais vulneráveis, como fica claro com a redução da taxa de cobertura do seguro-desemprego, um impacto direto da reforma trabalhista de 2017, e pela diminuição do orçamento do Bolsa Família, recentemente extinto pelo presidente Jair Bolsonaro. Assim, a alta vulnerabilidade vivida no Brasil nos últimos anos deve-se não apenas à crise econômica agravada pela pandemia, mas também a ausência de ação do Estado em fornecer aos mais vulneráveis subsídios para que conseguissem manter níveis sustentáveis de vida. Para superarmos esses problemas, algumas ações políticas são necessárias: é necessário que o teto dos gastos públicos seja revogado, para que, assim, não haja limitação de investimentos em áreas sociais prioritárias; os orçamentos dos campos da educação, saúde, assistência social e meio ambiente, entre outros, precisa ser recomposto e priorizado dentro da agenda política; é essencial que uma reforma tributária progressiva seja implementada, desonerando os mais pobres e onerando os mais ricos, para que assim possamos construir novamente um espaço democrático comprometido com a redução das desigualdades existentes no país; e por fim, é preciso que os espaços de participação política sejam garantidos, para que assim possamos contribuir conjuntamente para a consolidação de uma agenda política que respeite e priorize os direitos sociais e humanos das populações mais vulneráveis do país. Considerações finais | Desigualdades, direitos e pandemia 57 Referências Bibliográficas Almeida, Sílvio Luiz. Racismo estrutural. São Paulo. Sueli Carneiro. Pólen, 2019. Cepedista/USP. Direitos na Pandemia: Mapeamento Normativo da Resposta Brasileira à Covid-19. Ventura, Deisy ; Aith, Fernando; Reis, Rossana. Disponível em: Cepedisa.org.br/publicacoes. CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Campinas: Economia e Sociedade, 2020. Freitas, André Ricardo Ribas; Napimoga, Marcelo; Donalisio, Maria Rita. Análise da gravidade da pandemia de Covid-19 Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.2 Brasília 2020 Epub Apr 06, 2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/ visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em 01/10/2021. INESC. Balanço Semestral do Orçamento da União em 2021. Disponível em: https://www.inesc.org.br/gastos-do-governo-com-pandemia-caem-de-r-218-bi-para-r-49-bi-no-primeiro-semestre/?cn-reloaded=1 Giovanella, Lígia. Atenção básica ou atenção primária à saúde? Cad. Saúde Pública 2018; 34(8):e00029818 GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. Política Fiscal em Perspectiva: o ciclo de 16 (1999-2014). Brasília: IPEA, 2015. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Manual Técnico de Orçamento Manual Brasília, 2021. Disponível em: <https://bityli.com/7hISqp>. Acesso em: 19 set. 2021 58 Desigualdades, direitos e pandemia | Referências bibliográficas PELLEGRINI, J. Perda de receita dos estados com o coronavírus e a ajuda da União. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://bityli.com/QCRJyU>. Acesso em: 22 set. 2021 OCDE. A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility. Paris: OCDE, 2018 ORAIR, Rodrigo. Investimento Público no Brasil: Trajetória e Relações com o Regime Fiscal. Brasília: IPEA, 2016 ROMERO, L. C. P. . O Sistema Único de Saúde - um capítulo à parte. In: DANTAS, Bruno. (Org.). Os Cidadãos na Carta Cidadã. Brasília: Senado Federal: Instituto Legislativo Brasileiro, 2008, v. 5, p. 67-88. SANTOS, Lenir; ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro. SUS: quando um sistema de saúde nacional e único na sua conformação organizativa foi implantado num país federativo. Exigência de novos paradigmas administrativos. Saúde em Debate, v. 30, n. 73/47, p. 189- 204, maio/dez. 2006. Referências bibliográficas | Desigualdades, direitos e pandemia 59 Autoras e Autores AMANDA PIMENTEL Mestre em Direito pela PUC-Rio e Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Advogada. Pesquisadora do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV-SP e do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid. CLÉO MANHAS Assessora política do Inesc DARCI FRIGO Coordenador Executivo da Terra de Direitos EDNA MARIA ARAÚJO Docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Coordenadora do GT Racismo e Saúde da ABRASCO. FELIPE DA SILVA FREITAS Doutor em direito pela Universidade de Brasília, professor do Programa de Pós Graduação em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). É diretor da Plataforma Justa e pesquisador do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid-19. FERNANDO AITH Professor Titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP e Diretor Geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP – Cepedisa/USP. 60 Desigualdades, direitos e pandemia | Autoras e Autores IAN PRATES Doutor em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo), pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e da SAI (Social Accountability International). JEAN PERES Doutorando em economia pela Unicamp, economista chefe da Plataforma Justa MALU STANCHI Pesquisadora do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid. PAULO MARIANTE Advogado e Dirigente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, ABGLT ROSELI FARIAS Economista e Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento Autoras e Autores | Desigualdades, direitos e pandemia 61 62 Desigualdades, direitos e pandemia | Autoras e Autores